Rol da feira
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Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
1
ROL DA FEIRA
Márcio de Lima Dantas
7faces caderno-revista de poesia
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
4
Selo Letras in.verso e re.verso 7faces caderno-revista de poesia ISSN 2177 0794
Editor-chefe
Pedro Fernandes de Oliveira Neto
Encarte
Rol da feira
Márcio de Lima Dantas
set7aces.blogspot.com
Editoração e diagramação
Pedro Fernandes de Oliveira Neto
Capa e contracapa
© Joaquín Torres García. Constructivo con campana. 1932. Óleo
sobre tela. 71,3x60,2cm. Coleção Museu de Arte Contemporânea
Tamayo, Cidade do México. Detalhe. Reprodução com mero caráter
de ilustração e sem quaisquer vínculos comerciais.
Rol da feira © Márcio de Lima Dantas 2012.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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Obras do autor
Poesia
Metáfrase (1999)
O sétimo livro de elegias (2006)
Para sair do dia (2006)
xerófilo (2011)
Ensaio
Mestiçagem e ensaísmo em João Cabral de Melo Neto (2005)
Imaginário e poesia em Orides Fontela (2011)
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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ROL DA FEIRA Márcio de Lima Dantas
7faces caderno-revista de poesia
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
9
SUMÁRIO
Mira ....................................................................... 11
Arma branca .......................................................... 12
Galo ....................................................................... 13
Cigana .................................................................... 14
Gazo ....................................................................... 15
Incenso ................................................................... 16
Cacimba de areia ................................................... 17
Constelação de Órion ............................................. 18
Sinuca ..................................................................... 19
Homenagem a Horácio .......................................... 20
Numa herma a Oswaldo Lamartine. Semblante .... 21
Ferro de ribeiras ..................................................... 22
Nêmia .................................................................... 23
Ethos do sertanejo .................................................. 24
Casa sertaneja ........................................................ 25
Rastros ................................................................... 26
Pedras de letreiros .................................................. 27
Cismas noturnas de Oswaldo Lamartine ............... 28
Diante do espelho .................................................. 29
Tempus fugit .......................................................... 30
Jacaré ..................................................................... 31
Fachada de casa do interior ................................... 32
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
11
MIRA
Quando se atira,
parte do que vai
seguirá no olho,
com ódio brilhante.
Por isso, na mosca
se mira, agarrado
firme o ferro, mas
atinando o alvo.
Tino na certeza
que vai fincar;
chanta aprumada
a fúria na bala.
Nonada de fogo
de monturo, são
chamas de coivara:
alma em combustão.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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ARMA BRANCA
Um corpo a corpo
no qual o suor
enovela iras,
olhares em corte.
No embate, um
só corpo emana
o aguardo másculo
das tantas manhãs.
O brilho da faca
espelha faíscas
de músculos, de
compleição vivida.
O triunfo para
quem venceu a si
(o da dupla palma);
segundo, do inimigo.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
13
GALO
Em sua altivez,
o canto esplende
a nascente luz,
negando trevas.
Cingindo a alva
com apelos para
labutas, contratos,
outorga a razão.
Quebrando as barras,
inteira, entrega,
vem para lembrar
o ciclo do tempo.
O fulgor de mais
um fluxo carece
ser cumprido, como
ordem das Ideias.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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CIGANA
Para tantas léguas,
palmilhadas chãs,
carrascos, planícies,
sobeja a manha.
A astúcia própria
a cada um, gente
que puder tirar
vantagem, proveito.
De tudo se vive,
até do ingênuo,
com suas nesgas plenas
de precisão, erros.
Lonjuras de léguas
não somente afinam
pés, mas estruturam
um meio de vida.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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GAZO
Como se tivesse
areado sido,
não resplandecendo,
igual alumínio.
Mas uma brancura
que franze os olhos,
sarará a pele,
vergonha na voz.
Um tanto de tristeza,
alquebrando a alma,
por ser destoante,
não podendo ocultar.
Resta ao albino
cruz não diferente:
largar-se no mundo,
sina do vivente.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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INCENSO
Os emblemas de fumo
desfazem-se no ar,
assim os desapegos
dos sentidos vão.
A queima de ervas,
madeiras, exala,
travoso perfume,
corpo purificado.
Estoraque, ônica,
gálbano, aromas
de especiarias
descerram as portas.
Nenhuma deidade
declinaria tal
oferta simbólica
adentrando pela alma.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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CACIMBA DE AREIA
Quanto mais se cava,
mais se tem vão, para
cascalho, argila,
só não vem é água.
Por isso, inútil
teima em desatar
nó cego sem fim,
capricho arrogante.
É se conformar
com imponderáveis
archotes impostos
pelo sonso fado.
O que não tem jeito,
ao menos lume,
serve de exercício
para a paciência.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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CONSTELAÇÃO DE ÓRION
Cintilas de muito,
o tempo inexiste,
testemunhas muda
nossas pelejas.
Debalde temores
te são alcançados,
olhares de súplica,
negas cumplicidade.
Constelação forma
de trapézio, vista
nos dois hemisférios,
desenho perfeito.
Imagem maior,
cheia de ângulos retos,
e com nebulosa:
figura do Ser.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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SINUCA
As bolas dispostas
numa justa ordem,
cujo arranjar é
a regra do jogo:
sete bolas velam
caçapas, anelo
de restarem quedas,
para a jogadeira
preta exibir seu
poder, forças, manha,
quando não é mais
do que a solidão.
Sem saída ou termo,
entrou foi mais numa
sinuca de bico:
gorou a ternura.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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HOMENAGEM A HORÁCIO
Cingido de mirto
e folhas de louro
reteve o fluxo,
na cela que fora
seu naco de calma,
onde pode ler
e escrever nas tábuas
os versos eternos.
Nas ancas do fogo
queima tantas achas
quantas necessárias
para aquentar-se,
uma solidão
que ora afirma
imanência, ora
é puro capricho.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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NUMA HERMA A OSWALDO
LAMARTINE
SEMBLANTE
Um rosto de ângulos
retos, do destino
errante não negam
as marcas da vida.
Ângulos cubistas,
testa alta, franzida
de quem fecha os olhos
para espiar o íntimo.
Perfil de mamão
macho, igual pedra,
pelas intempéries:
sobejo de seca.
Sem mungangas, vê
cuba o entorno,
presta atenção,
figurando o todo.
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FERRO DE RIBEIRAS
O ferro imprime
um desenho tosco,
não desbota couro
da rês: selo próprio.
Mais também define
âmbito agrário,
posses vãs de terras,
sinais arbitrários.
Linguagem exata,
a ferro e chispas
inscritas na pele,
lembra alquimia.
Marca assinatura,
do proprietário,
mas também vem ser
dor rememorada.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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NÊNIA
Qual anho se dando
em imolação,
cujo deus morava
no dentro pelágico.
Livrou-se do fardo
de si, ao atirar bala
precisa no peito:
alívio das alvas.
Dos dias compridos
(estirões), cachetes,
criados, jornais
dizendo o de sempre.
Não há que carpir,
pois foi opção clara:
carta na manga, ás,
que todo homem traz.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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ETHOS DO SERTANEJO
Em se falar pouco,
positivo, com
uma impaciência
de timbre de outrora.
Em se falar só
do que lhe interessa,
não negociando
ou aquiescendo.
Em se falar claro,
sem cavilação,
da trapaça ou da
torpe adulação.
Assim é um homem,
com seu feitio, modo;
cabra de eito firme:
não engana a voz.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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CASA SERTANEJA
Todo tempo posta,
nem há o quê tanto,
tudo se resume
ao utilitário.
Tamanho é o escasso
que a austeridade
quedou-se em silêncio,
como espera apática.
Rústicos os móveis,
bancos de madeira,
redes de repouso,
luz na cantareira.
O fora é o dentro.
Pra que coisa tanta,
se finda na morte,
se nada levamos?
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RASTROS
Tanto faz a marca
impressa do pé
no chão, na areia,
quanto a presença.
Gente é nação
simples, pois estampa
no piscar dos olhos
as suturas da alma.
Como se rasteja,
dá a conhecer,
é fala, indício,
documento espesso.
Só embroma gente
mais do que lesada
ou cego de guia:
feito almas penadas.
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PEDRAS DE LETREIROS
Ninguém sabe quem
imprimiu, pintou,
arranhou ranhuras
na pedra granítica.
Sabe-se de uma
imanência, logos
fecundo ansiando
formas elaborar-se.
Sabe-se da arte
como tempo, vindo
a ser espaço, signo,
figura do ser.
Rastros de um homem
descontente sob
a terra, errância
fundante da cultura.
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CISMAS NOTURNAS DE OSWALDO
LAMARTINE
Agora estes dias
são para que o tempo
teça a mortalha,
com pouca fazenda.
Esquálido corpo
encerra uma alma
ampla de inúteis
saberes versada.
Dias enfadonhos,
arrastados tédios,
ocos como tocos
no relento, secos.
Tanto siso, tanto
tento, tanto tino,
de nada valem,
pois o corpo finda.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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DIANTE DO ESPELHO
Como assim se fez,
rosto cadavérico,
um semblante triste,
travos de amargura.
Como assim se fez,
história de vida,
ligeira e cíclica,
pois fico onde estava.
Certo que a sabença
nada vale, um
corpo é cavalo
sem bridas, sem jugo.
E a genealogia
é grande embaraço,
de satisfações
a ritualizar.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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TEMPUS FUGIT
Dirás vida breve,
das gentes maçadas,
sob tempo exíguo,
em intermináveis
dias apressados,
como fosse oxímoro,
numa sensação
não nomeada, aquilo:
verbo, ideia, forma,
pois é mais de um tempo.
Primeiro, relógio
no ritmo enérgico.
Porém, um outro há,
subjetivo, do âmago,
quando as horas passam
sujeitas à alma.
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JACARÉ
Quase sempre feito
de metal, também
de alvenaria, desde
que despeje bem
a queda da água,
esgota as poças,
distribuindo para
a terra uma pródiga,
mistura de restos
no telhado atados,
basculhos tão ricos
de matéria orgânica.
A água escorre,
dádiva de aula
de graça e sem
nenhum ordenado.
Rol da Feira – Márcio de Lima Dantas
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FACHADA DE CASA DO INTERIOR
Na platibanda eis
dois simples triângulos,
com linha partida,
jaz a invariante
numa simetria
bilateral, como
querendo buscar
sossego, repouso,
de um interior
sempre complicado,
cheio de ocupações,
doenças ou falta
de pão ou trabalho,
escassa a palavra,
mesmo o corpo alquebra-se,
aqui o fora é o dentro.
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Márcio de Lima Dantas é professor de literatura
portuguesa do Departamento de Letras da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ensaísta e
tradutor. Traduziu para o francês, com o prof.
Emmanuel Jaffelin, quatro livros da poeta Orides
Fontela, organizados em dois tomos: Rosace. Paris:
L’Harmattan, 1999 (Transposição e Helianto) e Trèfle:
L’Harmattan, 1998 (Alba e Rosácea). Ganhou o prêmio
Othoniel Menezes (2006), com o livro Para sair do dia,
outorgado pela Capitania das Artes; foi contemplado
com o I Prêmio Literário Canon de Poesia 2008. Reside
em Natal.
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7faces Caderno-revista de poesia
Encarte
Rol da feira
Márcio de Lima Dantas
Este material foi composto em Times New Romam, 14, 12 e 11, entrelinhas 1pts, para publicação eletrônica pelo Selo Letras in.verso e re.verso.
Redação da 7faces [email protected]