Rogers Coleção Educadores

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  • Alceu Amoroso Lima | Almeida Jnior | Ansio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho

    Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy RibeiroDurmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos

    Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires AzanhaJulio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim

    Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo FreireRoquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas

    Alfred Binet | Andrs BelloAnton Makarenko | Antonio Gramsci

    Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin FreinetDomingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim

    Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich HegelGeorg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich

    Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques RousseauJean-Ovide Decroly | Johann Herbart

    Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev VygotskyMaria Montessori | Ortega y Gasset

    Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

    Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco

    Coordenao executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari

    Comisso tcnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)

    Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle,Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas,

    Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero

    Reviso de contedoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto,Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia

    Secretaria executivaAna Elizabete Negreiros Barroso

    Conceio Silva

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  • ROGERSCARL

    Fred Zimring

    Traduo e organizaoMarcos Antnio Lorieri

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  • ISBN 978-85-7019-545-6 2010 Coleo Educadores

    MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana

    Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbitodo Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a

    contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoriada equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no

    formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidosneste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as

    da UNESCO, nem comprometem a Organizao.As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao

    no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCOa respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio

    ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.

    A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia,estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98.

    Editora MassanganaAvenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540

    www.fundaj.gov.br

    Coleo EducadoresEdio-geralSidney Rocha

    Coordenao editorialSelma Corra

    Assessoria editorialAntonio Laurentino

    Patrcia LimaReviso

    Sygma ComunicaoReviso tcnica

    Sandra Francesca Conte de AlmeidaIlustraes

    Miguel Falco

    Foi feito depsito legalImpresso no Brasil

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca)

    Zimring, Fred. Carl Rogers / Fred Zimring; traduo e organizao: Marco Antnio Lorieri. Recife:Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 142 p.: il. (Coleo Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-545-61. Rogers, Carl, 1902-1987. 2. Educao Pensadores Histria. I. Ttulo.

    CDU 37

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  • SUMRIO

    Apresentao, por Fernando Haddad, 7

    Ensaio, por Fred Zimring, 11As condies essenciais, 14Os princpios da aprendizagem, 20Aplicao dos princpios de Rogers, 23

    Textos selecionados, 29Introduo, 29O que significa ensinar?, 33O que a aprendizagem?, 34Dois tipos de aprendizagem, 35Uma definio, 37Aprendizagem da pessoa como um todo, 37O dilema, 38Existem alternativas?, 39O saldo, 39O relacionamento interpessoal na facilitaoda aprendizagem, 40Qualidades que facilitam a aprendizagem, 44A autenticidade do facilitador da aprendizagem, 44Apreo, aceitao, confiana, 47Compreenso emptica, 50Quais so as bases das atitudes facilitadoras?, 51Perplexidade, 51

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  • 6Confiana no organismo humano, 54Viver a incerteza da descoberta, 54As provas, 55Provas oriundas dos estudantes, 57O efeito sobre o professor, 60Idealstico demais?, 62Uma varinha mgica, 63Qual o caminho?, 66Como ?, 67Posso arriscar-me a estabelecer um relacionamento?, 69Quais so os interesses dos estudantes?, 70Como posso liberar a mente inquisidora?, 72Recursos, 73Criatividade, 73H lugar para o soma?, 75Um exemplo, 75Escola secundriapara as artes da interpretao e artes visuais, 76Liberdade para aprender, 79

    Cronologia, 135

    Bibliografia, 139Obras de Carl Rogers, 139Obras sobre Carl Rogers, 139Obras de Carl Rogers em portugus, 140Obras sobre Carl Rogers em portugus, 141

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  • 7O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educa-dores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colo-car disposio dos professores e dirigentes da educao de todoo pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeramalguns dos principais expoentes da histria educacional, nos pla-nos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentosnessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importantepara o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas aoobjetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e daprtica pedaggica em nosso pas.

    Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao insti-tuiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes doMEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unescoque, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros etrinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimentohistrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avanoda educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-leo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau ofEducation (IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos mai-ores pensadores da educao de todos os tempos e culturas.

    Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projetoeditorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto PauloFreire e de diversas universidades, em condies de cumprir osobjetivos previstos pelo projeto.

    APRESENTAO

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  • 8Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC,em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favo-rece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, comotambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a pr-tica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transiopara cenrios mais promissores.

    importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coinci-de com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao esugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, emnovembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de espe-ranas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas quese operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulga-o do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundao, em 1934, da Uni-versidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tobem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.

    Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e doEstado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosado movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passa-do, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-bilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas edu-cacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprova-o, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases nocomeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas easpiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetiza-das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido porFernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidasem 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.

    * A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste

    volume.

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  • 9Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio daeducao brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com otempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, doPlano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanis-mo de estado para a implementao do Plano Nacional da Edu-cao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educa-cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no serdemais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cujareedio consta da presente Coleo, juntamente com o Manifestode 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos pro-blemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao daeducao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideiase de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer daeducao uma prioridade de estado.

    Fernando HaddadMinistro de Estado da Educao

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    CARL ROGERS1

    (1902-1987)

    Fred Zimring 2

    Carl Rogers foi um dos mais eminentes psiclogos america-nos de sua gerao. Tinha uma concepo pouco comum da natu-reza humana, a partir da qual elaborou uma psicoterapia original,que lhe proporcionou uma viso muito prpria da educao.

    Uma contradio marca sua carreira: suas qualidades pessoaise sua competncia em matria de psicologia so amplamente re-conhecidas e citado por numerosos estudos como um dos psi-clogos americanos dos mais influentes. Entretanto, seu procedi-mento teraputico provocou muitas controvrsias.

    Seu mtodo correspondia ideia que ele tinha da naturezahumana. Considerava que cada pessoa possui a capacidade de seautoatualizar, a qual, uma vez liberada, lhe permitiria resolver seusproblemas. O terapeuta, segundo ele, mais do que agir como umespecialista que compreende o problema e decide sobre a maneirade resolv-lo, deve liberar o potencial que o paciente possui pararesolver, por si mesmo, seus problemas. Rogers prefere utilizar apalavra cliente, em vez de paciente.

    1 Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle dducation compare.Paris, Unesco: Escritrio Internacional de Educao, v. 24, n. 3-4, pp. 429-442, 1994.

    2 Fred Zimring (EUA) doutor pela Universidade de Chicago e, em 1958, trabalhou com

    Carl Rogers no Centro de Aconselhamento Psicolgico. Foi professor na Universidade de

    Chicago at 1979, antes de ligar-se ao Departamento de Psicologia da Case Western

    Reserve University. Fred Zimring interessou-se, no plano terico, pelos efeitos da terapia

    centrada no cliente e, em matria de pesquisa, pelo o impacto no plano cognitivo da

    descrio dos sentimentos. corredator chefe de Person-Centered Journal, revista consa-grada aproximao teraputica centrada sobre o cliente.

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    uma concepo de terapia que no poderia deixar de susci-tar controvrsia porque ela caminhava no sentido contrrio da ideia,geralmente disseminada no seio da profisso, segunda a qual opaciente, ou o cliente, necessita de um especialista para resolverseus problemas.

    Esta a mesma concepo de natureza humana que inspirouseus escritos sobre a educao, nos quais afirma que o aluno temmotivaes e entusiasmos que o professor deve liberar e favorecer.

    Talvez se compreenda melhor o pensamento de Rogers se selevar em conta que ele nasceu em uma famlia do Meio Oesteamericano, onde os valores rurais eram sobremaneira prezados.Alguns desses valores, que apontam a iniciativa como vetor daautonomia, fizeram nascer em Rogers a convico de que o indiv-duo agir sempre para o seu prprio bem se ele no for obrigadoa se conformar a alguma aprendizagem determinada pela socie-dade. A experincia adquirida por Rogers no meio rural o con-vencera sobre o vigor e sobre o carter inelutvel do crescimento,ou da germinao, dos elementos naturais.

    No plano intelectual, sua formao foi dominada pelo empirismode John Dewey e pelos princpios teolgicos do liberalismo protes-tante defendidos, especialmente, por Paul Tillich que enfatizava a di-menso interior da experincia religiosa.

    O interesse de Rogers pela natureza e pelo fenmeno do cres-cimento, jamais desmentido ao longo de sua existncia, levou-o arealizar estudos de agronomia na Universidade de Wisconsin, ondepermaneceu por vrios anos antes de descobrir sua vocao religi-osa. Em 1924, ingressa no seminrio de teologia da Union (UnionTheological Seminary), onde, aps dois anos de estudos, percebeque lhe seria impossvel atuar em um domnio no qual lhe seriaexigida adeso a uma doutrina religiosa especfica. Foi, ento, queele se agregou ao centro de formao pedaggica da Universida-de de Colmbia, onde foi fortemente influenciado pelos ensina-

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    mentos de William H. Kilpatrick nas reas da educao e da filo-sofia da educao e onde descobriu as teses de John Dewey, quefazem da experincia a base da aprendizagem.

    Rogers torna-se especialista em psicologia clnica e, notadamente,em terapia infantil, profisso que exerceu durante doze anos naRochester Child Guidance Clinic.

    Aps ter praticado, num primeiro momento, mtodos tradicio-nais, comeou, j no final de sua permanncia em Rochester, a recolocarem questo as prticas autoritrias que vigoravam em matria dediagnstico e de tratamento, adquirindo, pouco a pouco, a convicode que seus clientes sabiam melhor do que ele o que era importante eque se poderia recorrer para definir sua evoluo ps-teraputica.

    Em 1940, Rogers trocou Rochester pela Universidade do Esta-do de Ohio. Toma conscincia, ento, que havia elaborado umanova concepo da psicoterapia, que apresentada no Counselling andPsychotherapy (1942). Desde sua instalao na universidade, ele atri-buiu um espao mais importante experincia na sua prtica deensinar, solicitando aos estudantes que determinassem a orientao eo contedo dos cursos. Tornou-se membro da Universidade deChicago em 1945 e, cada vez mais consciente da originalidade desua concepo da terapia, publicou, em 1951, uma obra intituladaClient-Centered Therapy. No captulo consagrado ao ensino centradono estudante, estabeleceu um paralelo entre a evoluo de sua con-cepo de ensino e suas ideias relativas psicoterapia. Esta evoluoo havia conduzido fortemente, a partir de uma posio de no-diretividade, a privilegiar as atitudes em relao s tcnicas.

    O primeiro princpio que ele enuncia neste captulo o seguin-te: No podemos inculcar diretamente em outrem um saber ouuma conduta; o que podemos facilitar sua aprendizagem.

    Segundo ele, o papel do mestre deve ser o de criar uma atmosfe-ra favorvel ao processo de ensino, o de tornar os objetivos to expl-citos quanto possvel e o de ser sempre um recurso para os alunos.

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    As condies essenciais

    Carl Rogers exps, em 1957, o essencial de suas ideias emmatria de psicoterapia em um artigo intitulado The Necessary andSufficient Conditions of Therapeutic Personality Change e estendeu, emseguida, suas ideias para a educao.

    Entre as seis condies enunciadas, trs so essenciais. Uma, en-tre elas estipula que [] o terapeuta deve vivenciar bem sua relaocom o paciente e nela estar perfeitamente integrado. A noo decongruncia do terapeuta, isto , o fato de ele ser verdadeiramenteele mesmo, o que denomina tambm sinceridade ou autenticidadedo terapeuta, remete conscincia que ele pode ter do modo comovivencia a relao com o paciente, ou cliente, e de sua atitude emrelao ao mesmo. Esta condio supe que ele esteja disposto adiscutir sobre sua experincia de vida se ela for um obstculo para arealizao das duas outras condies essenciais.

    A segunda condio que o terapeuta demonstre respeitoincondicional em relao ao cliente. Rogers torna claro que: medida que o terapeuta aceita com confiana e compreenso to-das as facetas da experincia de seu cliente como elementos inte-grantes de sua personalidade, ele experimentar, a seu respeito, umsentimento de respeito incondicional.

    A ltima das condies essenciais que o terapeuta deve de-monstrar compreenso emptica no tocante ao sistema interno dereferncias de seu cliente, isto , uma compreenso em relao pessoa e no em relao ao assunto, e esforar-se por lhe comuni-car este sentimento.

    Conforme acentua Rogers: Sentir o universo particular docliente como se fosse o seu prprio universo sem, porm, jamaisesquecer a restrio implicada no como se, e isto a empatia, eela parece indispensvel terapia. Convm sublinhar que, paraRogers, estas condies so ao mesmo tempo necessrias e sufici-entes, e aquilo que no necessrio deveria ser anotado.

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    Alm das condies citadas acima, nada mais importa verda-deiramente aos seus olhos. O terapeuta no tem que compreendera personalidade nem os problemas de seu cliente alm daquilo quedeve gui-lo na busca da soluo dos seus problemas. Basta queele seja sincero e aceite o cliente sem reservas, demonstrando com-preenso e sensibilidade em relao a ele.

    No artigo Significant Learning in Therapy and in Education, de 1959,Rogers apontou um conjunto de condies aplicveis educao,anlogas s que havia enunciado para a psicoterapia, que apresen-tou da seguinte forma: no pode ocorrer verdadeira aprendiza-gem a no ser medida que o aluno trabalhe sobre problemas queso reais para ele; tal aprendizagem no pode ser facilitada se quemensina no for autntico e sincero.

    Por fim, ele diz:O professor que for capaz de acolher e de aceitar os alunos com calor,de testemunhar-lhes uma estima sem reserva, e de partilhar comcompreenso e sinceridade os sentimentos de temor, de expectativae de desnimo que eles experimentam quando de seu primeiro con-tato com os novos materiais, este professor contribuir amplamentepara criar as condies de uma aprendizagem autntica e verdadeira.

    Depois de 12 anos na Universidade de Chicago, Rogersretornou Universidade de Wisconsin, que ele havia deixado em1963, despedindo-se definitivamente do ensino superior. Traba-lhou em seguida, at a sua morte, em 1987, em institutos privados:primeiro no Western Sciences Behavioral Institute e, depois, noCenter for the Studies of the Person.

    Foi no decorrer deste perodo que seus escritos, particular-mente a obra Freedom to Learn, publicada em 1969, comearam arefletir seu interesse pelo conjunto dos problemas da educao.Nesta obra, que foi objeto de uma segunda edio revisada, como ttulo Freedom to Learn for the 80s (1983), Rogers privilegia a buscado saber como processo. Devido evoluo constante do con-texto no qual vivemos, ns somos, ele escreveu:

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    [] confrontados, no domnio da educao, com uma situao to-talmente indita na qual, se queremos sobreviver, o objetivo da edu-cao deve ser o de facilitar o progresso e a prendizagem. Apenaspoder ser considerado educado quem aprendeu a evoluir e a adap-tar-se, quem tomou conscincia de que nenhum saber definitiva-mente adquirido e que somente o processo de formao permanentepode servir de fundamento para o sentimento de segurana. A capa-cidade de evoluo, que passa pela prioridade concedida ao processoem relao ao saber esttico, o nico objetivo razovel que se possaindicar para a educao no mundo moderno (p. 104).

    Em seguida aponta seus objetivos nos seguintes termos:Para mim, facilitar a aprendizagem o objetivo essencial da educao,a melhor maneira de contribuir para o desenvolvimento do indiv-duo que aprende e de aprender ao mesmo tempo a viver comoindivduos. Eu vejo o processo que permite facilitar a aprendizagemcomo uma funo capaz de levar a respostas construtivas, provisri-as e evolutivas para certas interrogaes muitssimo importantes queassaltam os homens hoje (p. 105).

    Mais adiante, explica como atingir este objetivo:Ns sabemos que colocar em prtica este tipo de aprendizagem nodepende das qualidades pedaggicas do formador, nem de seu sabernum domnio particular e nem muito menos do cumprimento doprograma de estudos que ele fixou. Ela no depende nem de suamaneira de utilizar recursos audiovisuais, nem do recurso instruoprogramada, nem da qualidade de seus cursos e muito menos donmero de livros utilizados, ainda que estes diversos elementospossam, numa ocasio ou outra, serem muito teis. No: uma ver-dadeira aprendizagem condicionada pela presena de certas atitudespositivas na relao pessoal que se instaura entre aquele que facilitaa aprendizagem e aquele que aprende (pp. 105-106).

    A primeira das trs atitudes (trata-se das trs condies essen-ciais mencionadas anteriormente, aplicadas educao) o car-ter verdadeiro de quem facilita o processo de aprendizagem,qualidade que Rogers define assim:

    Entre as atitudes positivas essenciais, a mais importante sem dvi-da o carter verdadeiro, ou a autenticidade. O trabalho ser tantomais eficaz quando se tratar de uma pessoa sincera e autntica, que se

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    assuma tal como ela e que estabelea com o aluno uma relaoverdadeira sem buscar dissimular a si mesma por trs de uma facha-da. Eu entendo, alm disso, que os sentimentos presentes na situa-o em que esta pessoa realiza a experincia lhe so acessveis e queso acessveis sua conscincia; que ela capaz de viv-los, de identi-ficar-se com eles e, eventualmente, de comunic-los. Isto significaque ela instaurar um dilogo direto com o aluno sobre a base deuma relao de pessoa a pessoa, que ela mesma, sem subterfgionem censura. O que sugiro, nesta perspectiva, que o formador sejaverdadeiro em sua relao com os alunos. Ele pode demonstrarentusiasmo, cansao, interessar-se por eles, ficar nervoso (ou encole-rizado), mostrar-se compreensivo e acolhedor. Assumindo estessentimentos como prprios, como seus, no ter necessidade deimp-los aos alunos. Poder apreciar ou detestar o trabalho de al-gum deles sem que isto implique que este aluno, ou seu trabalho,seja objetivamente bom ou ruim. O professor apenas exprimir, notocante a este trabalho, um sentimento que ele experimenta pessoal-mente. Ele se mostrar assim, para seus alunos, como uma pessoaautntica e no a expresso desencarnada de um programa que ele osfaz estudar ou como um vetor estril de transmisso de conheci-mentos de uma gerao para outra (p. 106).

    Valorizao, aceitao e confiana constituem um segundo gru-po de atitudes positivas que Rogers descreve nestes termos:

    Naqueles que so excelentes para facilitar a aprendizagem, nota-seoutra atitude que tenho observado e que j experimentei pessoal-mente, mas que difcil de designar com uma nica palavra; propo-nho, portanto, vrias. Trata-se, penso eu, de valorizar aquele queaprende, os seus sentimentos, as suas opinies, sua pessoa. Trata-sede lhe demonstrar uma ateno afvel sem que seja possessiva. Trata-se de aceitar o outro como uma pessoa distinta, dotada de qualida-des prprias. Trata-se de uma verdadeira confiana, da convico nti-ma de que esta outra pessoa digna de confiana. Seja qual for onome que se d a esta atitude valorizao, aceitao ou confiana,por exemplo ela se manifesta de formas muito diversas. O forma-dor, no qual esta disposio de esprito particularmente presente,pode aceitar sem restries os temores e as hesitaes que o alunoexperimenta no momento de abordar um novo problema, assimcomo acolher a satisfao que o aluno retira de seu sucesso. Um

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    professor assim aceita a apatia ocasional de um aluno, suas inclina-es repentinas por explorar as zonas marginais do conhecimentoem vez dos esforos que so necessrios para atingir objetivos im-portantes. Ele pode aceitar sentimentos suscetveis, ao mesmo tem-po, de perturbar e de favorecer o processo de aprendizagem, quer setrate de rivalidade fraterna, de recusa de autoridade ou de umquestionamento a respeito de suas atitudes pessoais. O que descre-vemos acima corresponde valorizao daquele que aprende enquantoum ser humano imperfeito, mas rico de sentimentos e depotencialidades. Isto a traduo operacional, para o formador, desua f e confiana fundamentais nas capacidades do organismo hu-mano. (p. 109)

    Uma terceira atitude positiva a que Rogers comenta destaforma:

    A compreenso do outro, profunda e autntica, constitui um elemen-to a mais que contribui para criar um clima prprio para aautoaprendizagem fundada sobre a experincia. Quando aquele queensina capaz de compreender as reaes do estudante no seu ntimo,de perceber a maneira como nele repercute o processo pedaggico, a aprobabilidade de uma aprendizagem autntica torna-se ampliada. Estaatitude radicalmente diversa da maneira tradicional de compreensofundada sobre a avaliao e traduz-se pela clssica frmula: Eu com-preendo o que voc no consegue. Fundada sobre a sensibilidade e acompreenso dos sentimentos do outro, ela suscita no aluno umareao assim: Afinal, algum compreende o que eu experimento e oque eu sinto sem buscar me analisar ou julgar-me. Eu posso desabro-char, desenvolver-me e aprender. Colocar-se no lugar do aluno, ver omundo atravs dos seus olhos: tal atitude mais que rara nos profes-sores. possvel ouvir milhares de relatos mostrando a maneira comoas coisas se passam nas salas de aula sem encontrar um nico exemplode empatia fundada sobre a compreenso dos sentimentos do outroe demonstrada claramente. No entanto, quando ela existe, seu efeitodesencadeador extraordinrio. (pp. 111-112)

    Rogers admite que difcil adquirir estas disposies de esprito,como mostra a seguinte passagem:

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    natural que no nos encontremos sempre com estas disposies deesprito que acabo de descrever. Alguns professores colocam a se-guinte questo: Que acontece se, num dado momento, eu noconsiga colocar-me no lugar de meus alunos, valoriz-los, aceit-lostais como so ou am-los? A isto respondo afirmando que entretodas as atitudes indicadas, a autenticidade a mais importante. Nofoi por acaso que eu a coloquei no incio da minha descrio. Da quese se ignora praticamente tudo do universo interior de seus alunos,ou se sente averso por eles ou por seu comportamento, verdadei-ramente mais construtivo ser voc mesmo que pretender compreend-los ou interessar-se por eles.

    Estas noes no so to simples quanto parecem. Se se deseja serautntico, honesto ou verdadeiro, faz-se necessrio primeiro estarfrente a frente consigo mesmo. No posso ser verdadeiro a respeitode outrem se ignoro sua realidade. Para ser verdadeiramente hones-to, no posso falar a no ser sobre o que ocorre em mim. (p. 113)

    Como exemplo, Rogers relata a reao de uma professoraface desordem deixada por alunos de uma classe depois de umcurso de desenho. Ela se dirigiu a eles da seguinte maneira: Taldesordem deixa-me louca! Sou organizada e gosto das coisas bemarrumadas; o que eu vejo me deixa fora de mim. Este incidenteinspira Rogers para o seguinte comentrio:

    [] suponhamos que em vez de expressar seus sentimentos destaforma ela o fizesse disfarada, tal como se faz com muita frequnciaem todos os nveis do sistema educativo. Ela poderia ter dito: Eununca vi crianas to desorganizadas. Vocs fazem pouco caso daordem e da limpeza. Vocs so infernais!

    Isso no teria sido um exemplo de autenticidade ou de sinceridadeno sentido como eu o entendo. H uma profunda diferena entre asduas reaes que eu quero precisar: na segunda reao a professorano exprime nada de pessoal e ela no partilha de forma nenhumaseus sentimentos.

    claro que no escapou de seus alunos que ela estava enraivecida,mas, levando-se em conta a perspiccia deles, eles podem indagar-sese o verdadeiro motivo foi por causa deles ou porque ela acabou deter uma discusso com o diretor. Sua reao no tem aquela honesti-

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    dade que consiste em faz-los participar daquilo que ela prpria sen-te, de sua irritao e sua exasperao.

    A segunda reao caracteriza-se tambm pelo fato de que ela se cons-titui de julgamentos ou de avaliaes discutveis, como a maior partedos julgamentos.

    Estes alunos so desorganizados ou esto simplesmente super exci-tados e arrebatados por aquilo que esto fazendo? Todos eles sodesorganizados, sem exceo, ou possvel que alguns estejam tochocados quanto ela pela desordem?

    Rogers estava bastante consciente das dificuldades a respeitodaquilo que ele pedia aos professores:

    de fato, atingir a autenticidade extremamente difcil, sejam quaisforem os esforos empregados neste sentido. No , com certeza,uma questo de palavras; se algum se sente inclinado a manifestarum julgamento, a utilizao de uma frmula pronta que d a impres-so que partilha os mesmos sentimentos no se tornar uma grandeajuda. Ser uma maneira a mais de dissimular nossa falta de autenti-cidade por trs de uma fachada.

    Aprender a ser verdadeiro, sincero, no pode ocorrer a no ser pro-gressivamente. necessrio, antes de tudo, preparar-se para estar escuta dos prprios sentimentos, ser capaz de tomar conscinciadeles. necessrio aceitar o risco de compartilh-los tais como nsos sentimos no nosso foro interior sem os maquiar atravs de juzosou atribu-los a outrem. (p. 114)

    Os princpios da aprendizagem

    Rogers resumiu, assim, alguns princpios que regem a aprendi-zagem (Rogers, 1969, p. 114):

    1. O ser humano possui aptides naturais para aprender.

    2. A aprendizagem autntica supe que o assunto seja percebido peloestudante como pertinente em relao aos seus objetivos. Esta apren-dizagem se efetiva mais rapidamente quando o indivduo busca umafinalidade precisa e quando ele julga os materiais didticos que lhe soapresentados como capazes de lhe permitir atingi-la mais depressa.

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    3. A aprendizagem que implica uma modificao da prpria organi-zao pessoal da percepo de si representa uma ameaa e o alunotende a resistir a ela.

    4. Aprendizagem que constitui uma ameaa para algum mais facil-mente adquirida e assimilada quando as ameaas externas sominimizadas.

    5. Quando o sujeito se sente pouco ameaado, a experincia pode serpercebida de maneira diferente e o processo de aprendizagem podese efetivar.

    6. A verdadeira aprendizagem ocorre em grande parte atravs da ao.

    7. A aprendizagem facilitada quando o aluno participa do processo.

    8. A aprendizagem espontnea que envolve a personalidade do alu-no em sua totalidade - sentimentos e intelecto imbricados a maisprofunda e duradoura.

    9. Independncia, criatividade e autonomia so facilitadas quando aautocrtica e autoavaliao so privilegiadas em relao avaliaofeita por terceiros.

    10. No mundo moderno, a aprendizagem mais importante do pon-to de vista social aquela que consiste em conhecer bem como elefunciona e que permite ao sujeito estar constantemente disposto aexperimentar e a assimilar o processo de mudana.

    Os princpios definidos por Rogers relativos aos meios quefacilitam a aprendizagem (Rogers, 1969, p. 164) retomam suas refle-xes metodolgicas sobre este ponto.

    1. essencial que o formador, ou o professor, crie desde oincio uma atmosfera ou um clima nos quais se desenvolver aexperincia real pelo grupo ou classe.2. O formador dever contribuir para a definio e para a clari-ficao dos objetivos pessoais de cada membro da classe e tam-bm para os objetivos gerais comuns ao grupo. Rogers deixaclaro, a propsito do formador, que: se ele no tem medo deaceitar objetivos antagnicos e conflituosos, se capaz de permi-tir a cada indivduo expressar livremente o que deseja fazer, en-to ele contribui para criar um clima propcio aprendizagem.

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    3. O formador dever utilizar como principal motivao parauma verdadeira aprendizagem, o desejo de cada estudante deatingir objetivos que realmente lhe interessam.4. Ele dever esforar-se para organizar um conjunto to vas-to quanto possvel de recursos didticos para que os alunos ospossam utilizar com facilidade.5. Ele dever considerar-se como um recurso colocado dis-posio do grupo.6. Diante das reaes dos membros da classe, ele dever levarem conta tanto aquelas que so de ordem intelectual quanto asreaes afetivas, esforando-se por dar, aproximativamente, aestes dois tipos de reaes a importncia de que elas se reves-tem para cada indivduo e para o grupo.7. Quando o grupo se encontrar num clima de aceitao, oformador poder integrar-se nele progressivamente e expres-sar suas opinies do ponto de vista puramente individual.8. Ele dever tomar a iniciativa de compartilhar seus sentimen-tos e ideias com o grupo, mas sem atribuir-lhes o mnimovalor de autoridade; simplesmente a ttulo de testemunho pes-soal, estando os alunos livres de aceitar ou recusar.9. Na sala de aula, o formador prestar ateno constante-mente para detectar reaes afetivas profundas ou violentas.Rogers esclarece que estas manifestaes devem ser acolhidascom compreenso e devem suscitar uma reao claramenteexpressa de confiana e de respeito.10. Para facilitar o processo de aprendizagem, o formadordever esforar-se para tomar conscincia de seus limites e deaceit-los.Ao desenvolver este ltimo princpio, Rogers explica de que

    maneira este processo deve levar em conta os limites e o que devefazer o formador quando ele no se encontra em um estado deesprito capaz de favorecer a aprendizagem:

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    Ele (o formador) pode dar total liberdade aos estudantes medidaque ele no sinta reticncias por faz-lo. No pode demonstrar com-preenso em relao a eles seno medida que deseja realmente teracesso ao universo interior de seus estudantes. Ele no pode com-partilhar seus pensamentos e sentimentos com eles seno medidaque se julgue suficientemente seguro para correr este risco [...]. Emcertos casos, seu estado de esprito no facilitar a aprendizagem: elepoder ter uma atitude desconfiada em relao aos seus alunos e aincapacidade de aceitar posies que diferem profundamente das suaspoder ser o que provocar nele a clera e o ressentimento frente satitudes deles em relao a si prprio. Ele poder ser tentado a secomportar acima de tudo como um juiz ou um examinador. Quemexperimenta este tipo de sentimentos pouco favorveis a uma boaaprendizagem dever se esforar por analis-los o mais rapidamentepossvel, tomar conscincia clara deles e express-los tais quais ossente. Assim que tiver comunicado sua clera, seus julgamentos,seus sentimentos de desconfiana em relao aos outros no comorealidades objetivas, mas como expresso de sentimentos pessoais -o formador perceber que a atmosfera ter sido purificada e quetrocas verdadeiras podero, da para frente, instaurar-se entre ele eseus alunos. Estas trocas podero ajud-lo a superar eficazmente ossentimentos que experimenta permitindo-lhe assim exercer seu pa-pel de maneira mais autntica.

    Aplicao dos princpios de Rogers

    Estes princpios foram colocados em prtica em certo nme-ro de situaes pedaggicas, especialmente no quadro de progra-mas ou de iniciativas que visavam reforar a dimenso humana noensino da medicina ou a modificar o sistema escolar na Califrniae tambm no mbito da formao pedaggica. Eles inspiraramigualmente um programa de estudos superiores em enfermagemimplantado no Colgio Universitrio de Estudos Mdicos de Ohio.Neste ltimo programa, voltado obteno de um mestrado emenfermagem, a aplicao dos princpios de Rogers permanente-mente dirigida a dois problemas. O primeiro diz respeito parti-lha do poder e das responsabilidades entre professores e estudan-

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    tes. Em certos casos os professores no se deram conta de suasprprias limitaes e deram aos estudantes liberdades que eles ti-veram dificuldade em aceitar, em seguida. Vrios deles, por exem-plo, dispensaram os estudantes de atividades que o conjunto docorpo docente considerava como essenciais para a sua formao.Os professores sentiram-se por vezes magoados pelas reservasdos estudantes quanto ao interesse dos ensinamentos que lhes ti-nham sido propostos. Um artigo (Chickodonz et al., 1983) relataesta experincia nos seguintes termos:

    Criar um clima que permita aos estudantes expressarem-se livrementetem se mostrado muito difcil. As explicaes puramente verbais ofe-recidas pelos docentes no so suficientes para que os estudantes sesintam confiantes. Causou grande mal-estar ter buscado prevalecer ahonestidade e a confiana, especialmente nas relaes entre estudantese docentes, quando eles partiram para o afrontamento. medida quelhes era reconhecido certo poder, os estudantes se opunham, por ve-zes vivamente, aos docentes sobre as exigncias do programa e sobreas condies para a obteno do diploma. Percebeu-se pouco a poucoque a aproximao centrada na pessoa no tinha nada de um modelopedaggico idealista e utpico. Foi possvel dar-se conta que se tratavade uma relao interpessoal entre o professor e os estudantes.

    Era necessrio que a experincia, tanto do professor quanto doaluno fossse reconhecida.

    O segundo principal problema dizia respeito avaliao dos es-tudantes e s notas. Como membros de um estabelecimento universi-trio, os professores eram forados a avaliar os estudantes. De acordocom estes ltimos, este tipo de avaliao tradicional no possibilitavaassoci-los ao controle e responsabilidade por sua aprendizagem.Os professores tm como alvo, progressivamente, mtodos que per-mitam aos estudantes participar do processo de avaliao: definindo,por exemplo, claramente, os critrios de avaliao antes que os con-tedos dos exames sejam conhecidos e antes que os estudantes te-nham sua prova. Outro mtodo, para os professores, consistia emformular observaes sobre um projeto que o estudante era autoriza-

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    do a refazer em seguida. Outro meio ao qual igualmente se recorreupara atribuio de notas foi a avaliao pelos pares.

    Este programa teve trs efeitos sobre os estudantes. Por umlado, eles aceitaram, aos poucos, ter maior parte de responsabili-dade na sua aprendizagem e tornarem-se mais autnomos. Poroutro, sentiram-se um pouco menos impotentes devido ao fatode que podiam exercer um poder maior no interior da instituiouniversitria. Por ltimo, estabeleceram com os docentes relaesmais estreitas de interdependncia.

    Aplicados educao, os princpios de Rogers, que acabamde ser enunciados frequentemente tm dado resultados positivos.Todavia, os responsveis administrativos de certos estabelecimen-tos escolares e as burocracias conservadoras opem-se, s vezes,s mudanas em curso e tm interrompido alguns programas.Rogers constatou que o xito ou o fracasso da aplicao de seusprincpios estava amplamente condicionado pela natureza das po-lticas seguidas em matria de educao e pela estratgia adotadapelo estabelecimento de ensino.

    Alm das diversas constataes de sucesso ou de fracasso, nu-merosos trabalhos de pesquisa foram desenvolvidos para determi-nar os efeitos sobre os estudantes deste tipo de ensino dirigido afacilitar a aprendizagem. Os estudos de Aspy e de Roebuck men-cionam medidas realizadas por avaliadores devidamente formadossobre atitudes positivas de compreenso e respeito, a partir de gra-vaes sonoras de trocas em salas de aula. A avaliao das gravaesfoi apoiada no apenas sobre as atitudes propcias facilitao daaprendizagem, mas tambm sobre a anlise das interaes de Flanderse sobre a taxonomia dos objetivos educacionais de Bloom.

    Aspy e Roebuck mencionam os seguintes resultados:No quadro de um estudo incidindo sobre 600 professores, foram com-parados 10.000 alunos, desde o maternal at as sries terminais, que sebeneficiaram de um alto nvel de compreenso e de respeito por parte

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    dos seus professores formados nestes mtodos, com um grupo-con-trole de alunos cuja aprendizagem no fora facilitada no mesmo nvelpor seus professores. Demonstrou-se que os alunos cuja aprendizagemtinha sido facilitada ao mximo:

    1. faltavam menos frequentemente escola durante o ano;

    2. melhoraram seus desempenhos nos testes de autodescrio, sinal demaior estima de si;

    3. obtiveram melhores resultados nas matrias escolares, especialmenteem matemtica e leitura;

    4. tiveram menos problemas no mbito disciplinar;

    5. cometiam menos atos de vandalismo no ambiente escolar;

    6. melhoraram seus escores nos testes de Q.I. (escores K-5);

    7. aumentaram seus escores nos testes de criatividade realizados entresetembro e maio;

    8. eram mais espontneos e utilizavam formas de raciocnio mais com-plexas.

    Alm disso, estes resultados positivos eram cumulativos. Os resulta-dos dos alunos colocados sob a responsabilidade de professores eficazesnas suas funes melhoravam em funo do nmero de anos consecu-tivos passados com este tipo de professor, o que no ocorria com osoutros alunos (ROGERS, 1983, pp. 202-203).

    As medies de Aspy e de Roebuck foram aplicadas em leitura,matemticas e ingls. Aspy e Roebuck formaram certo nmero de pro-fessores, que eles ajudaram a adquirir estas atitudes e compararam, emseguida, os resultados de seus alunos com os dos alunos dos professoresque no tinham sido formados. O quadro I abaixo, ilustra os resultadosde um desses estudos. Em suma, vimos que Rogers se interessava maispelas motivaes do estudante e pelo seu eu profundo do que pela ma-neira que pudesse ser conveniente lhe ministrar o ensino. Segundo ele,h no estudante uma capacidade inata de desenvolvimento, um processode atualizao da personalidade que, uma vez desencadeado, conduzira uma autoaprendizagem mais rpida, mais aprofundada que a aprendi-zagem tradicional e cujos efeitos sero mais durveis.

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    Os processos de atualizao da personalidade so deslanchados as-sim que o professor manifesta certa atitude. Em outros termos, estesprocessos ocorrem e a autoaprendizagem pode se iniciar to logo oprofessor valorize o estudante e reaja sem a menor reserva, com com-preenso e respeito por seu universo interior, seus interesses e seus entu-siasmos. A histria dos programas de ensino aos quais se tentou aplicarestas concepes pedaggicas testemunha a dificuldade que experimen-tam os professores e os responsveis administrativos para mudar deatitude, para partilhar seu poder e sua responsabilidade, e para confiarno desejo intrnseco de aprender de seus alunos. Ela demonstra igual-mente que, quando os professores e os responsveis administrativosmudam de atitude, a motivao, a aprendizagem e o comportamentodos alunos melhoram.

    QUADRO 1Diferenas mdias entre os ganhos (aps ajustes)* registrados pelos

    alunos de professores formados nestes mtodos epor aqueles de professores no formados

    Nvel de estudos (classe) Leitura Matemtica Ingls

    1 - 3 + 10,88** no testado no testado

    4 - 6 + 3,66*** + 15,44** + 18,66**

    7 - 9 + 2,96*** + 4,10*** + 11,75**

    10 - 12 + 1,56**** + 1,94**** + 0,96*****

    Notas relativas ao Quadro* O quociente intelectual e o nvel medido por um pr-teste foram considerados como covariveis** p < 0,001*** p < 0,01 favorvel ao grupo controle (professor no formado)**** p < 0,05 + favorvel ao grupo experimental (professor formado)***** no significativo

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  • Introduo4

    Nosso sistema educacional, acredito eu, est falhando em aten-der s necessidades reais de nossa sociedade. J disse que nossasescolas, de modo geral, constituem a instituio mais tradicional,conservadora, rgida e burocrtica de nossa poca, e a mais resis-tente mudana. Sustento essa afirmao, mas ela no descrevetoda a situao. H novos desenvolvimentos escolas alternativas,salas de aula abertas, oportunidades para um estudo independente, toda a sorte de aventurosos empreendimentos que esto sendorealizados por pais e mestres devotados. Um de meus propsitoscom a publicao deste livro incentivar essas novas tendncias,essas novas esperanas do mundo educacional e indicar o cami-nho para outros progressos ainda.

    Outra inteno mais ampla de meu trabalho o fato de dese-jar auxiliar o desenvolvimento de nosso mais precioso recursonatural as mentes e os coraes de nossas crianas e jovens. Soa sua curiosidade, a sua avidez por aprender, a sua capacidade deefetuar escolhas difceis e complexas que decidiro o futuro denosso mundo. Precisamos do auxlio de todos os nossos jovens a juventude desesperanada e alienada dos guetos, a juventude

    TEXTOS SELECIONADOS3

    3 Estes textos foram retirados do livro Liberdade de aprender em nossa dcada (Traduode Jos Octvio de Aguiar Abreu, 2. ed., Porto Alegre: Artes Mdicas, 1986).4 Textos extrados da introduo do livro de Rogers (op. cit.), pp. 11-19.

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    prspera e sem objetivo, as crianas srias e ricas em ideias, toda aimensa massa de nossa gente jovem se quisermos preservar estefrgil planeta e construir um mundo futuro que seja digno daspessoas. O nico modo de podermos garantir esse auxlio aju-dar nossa juventude a aprender, em amplitude e profundidade e,acima de tudo, a aprender a maneira de aprender. Nenhum livroou pessoa isolada pode alcanar esse objetivo, mas podemos to-dos contribuir com a nossa parte, e este livro constitui a minhacontribuio para tal fim.

    Ele surge numa poca peculiar de nossa histria, em que mui-tos se acham dizendo que devemos ensinar apenas os fundamen-tos, que devemos dizer s crianas o que certo e o que errado,que devemos ensin-las a obedecer e a seguir.

    Grandes e poderosos grupos insistem em que os estudantesno devem ler certos livros, que no devem ser expostos a temassociais e que se lhes deve apresentar apenas um nico conjunto devalores (selecionado por esses grupos primariamente conservadores).Sustentam eles que os estudantes se acham na escola para seremensinados, no para debater problemas ou efetuar escolhas.

    Em reao a presses desse tipo, muitos professores se assus-tam e se inibem. Um professor do primeiro ano do segundo graudisse: Tenho de pensar duas vezes sobre o que estou fazendo.Existir algo de controverso neste plano de aula? Se houver, no ousarei. No quero utilizar coisas sobre as quais uma criana tenhade emitir um juzo.

    Gostaria de demorar-me nessa afirmativa por um momento.Alunos do primeiro ano do segundo grau muito em breve estar-se-o defrontando com um mundo de controvrsias polticas, soci-ais, internacionais, assim como pessoais. Envolver-se-o com a emis-so de julgamentos e a efetivao de escolhas e decises que afeta-ro as suas prprias vidas, as suas famlias e a sua sociedade. Entre-tanto, at onde atitudes assustadas prevaleam, tais como a expressa

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    pelo professor acima mencionado, eles no adquiriro na escola umaexperincia que os prepare para a vida neste difcil mundo. No seempenharo no debate de assuntos controversos, no enfrentaronovos e complexos problemas a exigir soluo, no aprendero atomar decises responsveis e no aceitaro as consequncias delas.

    Este livro assume uma posio muito diferente. Ele acreditanos jovens. D testemunho de que, num ambiente genuinamentehumano, ao qual o professor pode dar incio, um jovem pode serrespeitado, pode efetuar escolhas responsveis, pode experimen-tar a emoo da aprendizagem, pode lanar a base da vida de umcidado eficiente e interessado, bem informado, competente emconhecimentos e habilidades, confiante em face do futuro.

    Um pai, que tambm um professor, resumiu isso tudo aoexpressar suas preocupaes a respeito de seu filho: Quero queele seja capaz de avaliar opinies e de pensar. Gente que no pensaest madura para uma ditadura!

    Encontraro neste livro muitos exemplos de professores queso pessoas reais e que tratam seus estudantes como pessoas reais.Descobriro os modos criativos pelos quais as mentes dos estu-dantes se abrem s possibilidades da leitura, da escrita e daaritmtica e de muito, muito mais. Encontraro salas de aula emque os professores proporcionaram aos alunos liberdade com res-ponsabilidade, liberdade na qual a emoo da aprendizagemsignificante floresce.

    O presente volume constitui uma reviso de meu livro ante-rior com o mesmo ttulo5. Alguns captulos foram mantidos, compoucas mudanas, por ainda parecerem oportunos. Mais da meta-de do livro constituda de material novo, haurido de experinciasmais recentes6.

    5 O autor se refere ao livro: Liberdade para aprender (traduo do ttulo em ingls:Freedom to Learn, ao qual esta traduo se refere como Liberdade de aprender) (Nota doOrganizador).6 O autor joga com as palavras do que , em geral e quase sempre jocosamente, definido

    como os trs erres fundamentais: reacring, riting and riffimetics (Nota do Tradutor).

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    Sob determinado aspecto, o livro foi grandemente alterado.Quando Liberdade para aprender foi pela primeira vez escrito, osrelatrios de estudantes e professores pareciam indicar que umaaprendizagem cada vez mais significativa se estava realizando emsalas de aula onde um ambiente humano era mantido, onde atitu-des e sentimentos podiam ser expressos, onde o estudante podiaescolher entre uma ampla gama de opes e onde o professoratuava como um facilitador da aprendizagem. Contudo, quelapoca quase no se achavam disponveis provas concretas disso.

    Hoje, primeiramente, devido aos anos de devotada pesquisaque David Aspy, Flora Roebuck e seus colegas efetuaram neste pas,e Reinhard e Anne-Marie Tausch e seus alunos na Alemanha Oci-dental, tudo isso mudou. Em vastos estudos que envolveram cente-nas e centenas de professores e milhares de alunos, das sries prim-rias at as escolas tcnicas, dados volumosos foram acumulados.Sucintamente, seus trabalhos mostram que, quando um professor real, compreensivo e interessado, os alunos aprendem mais os fun-damentos e, alm disso, apresentam maior criatividade e capacida-de de solucionar problemas. Pela primeira vez, o professorhumanisticamente orientado possui os fatos para respaldar a sua ati-tude na sala de aula. Como David Aspy o diz, ser humano na salade aula rende dividendos. Encaro o captulo que relata essas pes-quisas e suas descobertas como um dos mais importantes do livro.

    Gostaria de sumarizar os objetivos gerais do livro antes de forne-cer uma breve descrio de sua organizao e contedo. Aqui se achamalguns dos objetivos que esto implcitos atravs destas pginas.

    O livro visa a:a) um ambiente de confiana na sala de aula, no qual a curiosidadee o desejo natural de aprender possam ser nutridos e realados;b) um modo participatrio de tomada de deciso em todosos aspectos da aprendizagem, no qual alunos, professores eadministradores desempenhem um papel;

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    c) auxiliar os estudantes a se prezarem, a aumentar sua confi-ana e autoestima;d) desvelar a emoo existente na descoberta intelectual e emo-cional que leva os estudantes a quererem aprender pelo restoda vida;e) desenvolver nos professores as atitudes que a pesquisa de-monstrou serem as mais eficientes para facilitar a aprendizagem;f) ajudar os professores a evoluir como pessoas, a encontraruma satisfao plena em sua interao com os que aprendem.Num nvel mais profundo, o livro visa a que nos demos conta

    de que, para todos ns, a vida que boa de ser vivida acha-se nontimo, no sendo algo que dependa de fontes exteriores.

    O que significa ensinar?7

    Pareceria maior parte das pessoas, que ensinar envolve man-ter a ordem na aula, despejar fatos geralmente atravs de pales-tras e livros didticos fazer exames e dar notas. Este esteretipoest muito necessitado de uma reviso geral.

    Gostaria de citar aqui uma definio de ensino muito sensvele indutora reflexo, de autoria do filsofo alemo MartinHeidegger:

    Ensinar ainda mais difcil do que aprender (...) e por que assim ?No porque o professor tem de possuir um estoque mais amplo deinformaes, e t-lo sempre mo. Ensinar mais difcil do queaprender, porque o que o ensino exige o seguinte: deixar aprender.O verdadeiro professor, em verdade, no deixa que nada mais sejaaprendido, a no ser a aprendizagem. A conduta dele, portanto,amide produz a impresso de que ns, propriamente falando, nadaaprendemos dele, se que, por aprender, repentinamente enten-demos apenas a obteno de informaes teis. O professor acha-se frente de seus estudantes somente nisso: que ele ainda tem muitomais a aprender do que eles ele tem de aprender a deix-los apren-der. O professor tem de ser capaz de ser mais lecionvel que os

    7 Texto retirado da primeira parte de Dificuldades e oportunidades, pp. 27-32.

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    aprendizes. O professor acha-se muito menos certo do terreno emque pisa do que aqueles que aprendem esto do deles. Dessa manei-ra, se a relao entre o mestre e o que aprende genuna, nuncaexistir lugar nela para a autoridade do sabicho ou a predominnciaautoritria do funcionrio. Portanto, ainda constitui algo exultantetornar-se um mestre o que algo inteiramente diferente de tornar-seum professor famoso. (p. 75).

    Gostaria de acentuar alguns dos pensamentos de Heidegger,porque eles expressam alguns dos temas centrais deste livro. A mis-so primria do professor permitir que o estudante aprenda ali-mentar sua curiosidade. Absorver simplesmente fatos s tem umvalor superficial no presente e, geralmente, de ainda menos valorno futuro. Aprender a maneira de aprender constitui o elemento quesempre de valor agora e no futuro. Assim, a misso do professor delicada, exigente, representando uma verdadeira e exaltante voca-o. No verdadeiro ensino, no existe lugar para o autoritrio, nempara o que v nele apenas a exaltao do prprio ego.

    Deve-se mencionar que Heidegger fez pela primeira vez a afir-mao acima como parte de uma conferncia dada em 1951 ou 1952.Em outras palavras, este tipo de pensamento sobre o ensino no recente, possuindo razes muito antigas. Em todas as pocas, contu-do, apresenta-se como sendo radical por afastar-se tanto do retratocomum que se faz do professor. O que este livro se esfora por fazer retratar novas maneiras de implementar esta ideia central na situaopresente, em diversos tipos de situaes escolares, e tenta forneceralgumas respostas prticas pergunta: Como pode o professor sercriativo no facilitar a aprendizagem, e o amor a esta, no estudante?

    O que a aprendizagem?

    Se o propsito do ensino promover a aprendizagem, preci-so ento indagar o que queremos dizer com essa expresso. Aqui,torno-me veemente. Quero falar sobre a aprendizagem, mas no damatria morta, estril, ftil e rapidamente esquecida que entulhada

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    na cabea do pobre e desamparado indivduo preso sua cadeirapor frreas amarras de conformismo! Quero falar sobre APREN-DIZAGEM com letras maisculas aquela insacivel curiosidadeque leva o adolescente a absorver tudo o que pode ver, ouvir ou lersobre motores a gasolina, a fim de melhorar a eficincia e a velo-cidade de seu carango. Quero falar sobre o estudante que diz: Estou descobrindo, haurindo do exterior, e tornando aquilo quehauro uma parte real de mim. Quero falar sobre qualquer aprendiza-gem na qual a experincia do que aprende progride ao longo destalinha: No, no, no isso o que quero. Espere a! Isso se apro-xima mais daquilo em que estou interessado, do que preciso. Ah,aqui est! Agora estou apreendendo e compreendendo o que precisoe o que quero saber! Este o tema, o tpico, deste livro.

    Dois tipos de aprendizagem

    A aprendizagem, acredito eu, pode ser dividida em dois tiposgerais, ao longo de um contnuo de significado. Numa extremida-de da escala, temos o tipo de tarefa que, s vezes, os psiclogosestabelecem para os seus pacientes: a aprendizagem de slabas ab-surdas. Memorizar sons como baz, ent, nep, arl, lud e outros seme-lhantes, constitui uma tarefa difcil. Como elas no envolvem qual-quer significado, essas slabas no so fceis de aprender e tmprobabilidade de serem rapidamente esquecidas.

    Com frequncia fracassamos em reconhecer que grande partedo material que apresentado aos alunos na sala de aula tm, paraeles, a mesma qualidade desconcertante e sem sentido que a lista deslabas absurdas tem para ns. Isto especialmente verdadeiro paraa criana carente, cujo ambiente no fornece qualquer contexto parao material que est sendo confrontado. Mas quase todos os estudan-tes descobrem que grandes partes do seu currculo no tm sentidopara eles. Desse modo, a educao se torna uma ftil tentativa deaprender material que no possui significado pessoal.

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    Uma aprendizagem desse tipo envolve apenas a mente, umaaprendizagem que se processa do pescoo para cima. No en-volve sentimentos ou significados pessoais, no tem relevncia paraa pessoa integral.

    Em contraste existe uma aprendizagem significante, cheia desentido, experiencial. Quando o beb que comea a engatinhartoca na estufa morna, aprende por si prprio o significado dapalavra quente; aprendeu a futuramente ter cautela com todas asestufas semelhantes e incorporou essa aprendizagem de uma ma-neira significativa e envolvida que no ser esquecida to cedo.De maneira semelhante, a criana que memorizou que dois maisdois so quatro pode um dia, ao brincar com seus blocos oubolinhas de gude, dar-se conta subitamente de que dois maisdois realmente so quatro! Ela descobriu por si mesma algo designificante, numa maneira que envolve tanto seus pensamentosquanto suas sensaes. A criana que laboriosamente aprendeurudimentos de leitura descobre-se um dia interessada numahistria impressa, seja ela uma revista de histrias em quadrinhosou um conto de aventuras, e compreende que as palavras po-dem ter um poder mgico que a conduz para outro mundo. Elaagora realmente aprendeu a ler.

    Outro exemplo dado por Marshall McLuhan. Ele diz que seuma criana de cinco anos de idade for levada para um pas es-trangeiro e deixada brincar livremente, durante horas, com seusnovos companheiros, sem qualquer instruo sobre a lngua, elaaprender a nova linguagem em alguns meses e adquirir ainda apronncia correta, pois est aprendendo de uma maneira que pos-sui significncia e sentido para ela, e uma aprendizagem desse tipoprogride a um ritmo excepcionalmente rpido. Mas bastar quealgum tente instru-la na nova 1ngua, baseando essa instruonos elementos que tm sentido para o professor, e a aprendizagemretardar-se- tremendamente, ou at mesmo se interromper.

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    Vale a pena ponderar este exemplo, que bastante comum.Por que que, deixada aos seus prprios recursos, a criana apren-de rapidamente, por meios que to cedo no esquecer e de umamaneira que possui um significado altamente prtico para ela, etudo isso pode se perder se for ensinada de um modo queenvolva apenas o seu intelecto? possvel que um exame maischegado nos ajude.

    Uma definio

    Permitam-me definir com um pouco mais de preciso os ele-mentos que se acham envolvidos nessa aprendizagem significantee experiencial. Ela tem uma qualidade de envolvimento pessoal comtoda a pessoa, em seus aspectos sensrios e cognitivos achando-sedentro do ato da aprendizagem. A aprendizagem autoiniciada.Mesmo quando o mpeto ou o estmulo provm do exterior, osenso de descoberta, de alcance, de apreenso e compreenso, vemde dentro. A aprendizagem difusa. Faz diferena no comporta-mento, nas atitudes, talvez mesmo na personalidade do que apren-de. A aprendizagem avaliada por ele. Ele sabe se ela est atendendos suas necessidades, quer conduza para o que ele quer saber, querilumine a rea sombria de ignorncia que est experimentando. Olocus da avaliao, poderamos dizer, reside definitivamente no queaprende. A essncia da aprendizagem o significado. Quando uma apren-dizagem assim se realiza, o elemento do significado para o queaprende faz parte integrante da experincia como um todo.

    Aprendizagem da pessoa como um todo

    Deixem-me examinar isto desde outro ngulo. A educaotradicionalmente imaginou a aprendizagem como um tipo orde-nado de atividade cognitiva, pertencente ao lado esquerdo do c-rebro. O hemisfrio esquerdo deste tende a funcionar de modosque so lgicos e lineares. Progride passo a passo, numa linha reta,

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    enfatizando as partes, os pormenores que constituem o todo. Aceitaapenas o que certo e claro. Lida com ideias e conceitos. Estassociado com os elementos masculinos da vida. Este o nicotipo de funcionamento que tem sido inteiramente aceitvel paranossas escolas e faculdades.

    Mas envolver a pessoa como um todo na aprendizagem signi-fica liberar e utilizar tambm o lado direito do crebro. Este he-misfrio funciona de maneira inteiramente diferente. intuitivo;apreende a essncia antes de conhecer os pormenores; esttico, eno lgico; d saltos criativos. o modo do artista, do cientistacriativo. Acha-se associado s qualidades femininas da vida.

    Ingmar Bergman resume de maneira muito incisiva o modo peloqual estes dois tipos de funcionamento se renem numa aprendiza-gem que utiliza todas as nossas capacidades. Diz ele: Atiro uma lanano escuro isso intuio. Ento, tenho de enviar uma expedioselva a dentro para encontrar o caminho dela isso lgica.

    A aprendizagem significante combina o lgico e o intuitivo, ointelecto e os sentimentos, o conceito e a experincia, a ideia e osignificado. Quando aprendemos dessa maneira, somos integrais,utilizando todas as nossas capacidades masculinas e femininas.

    O dilema

    Acredito que todos os mestres e educadores preferem facilitareste tipo de aprendizagem experiencial significante, que vise pes-soa como um todo intelectual e afetivo, em vez do tipo das slabasabsurdas. Contudo, na vasta maioria de nossas escolas, em todosos nveis educacionais, achamo-nos trancados dentro de uma abor-dagem tradicional e convencional que torna a aprendizagemsignificante improvvel, seno impossvel. Quando colocamos nums esquema elementos tais como currculo prescrito, tarefas semelhantespara todos os estudantes e palestras como o nico modo de instruo;testes padronizados pelos quais todos os estudantes so externamente

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    avaliados, e notas escolhidas pelo instrutor como mensurao da apren-dizagem, podemos quase garantir que a aprendizagem significantesituar-se- num mnimo absoluto.

    Existem alternativas?

    No devido a nenhuma perversidade interna que os educa-dores seguem um sistema to autodestruidor. Eles so inibidospor normas burocrticas; temem causar problemas e frequen-temente ignoram os passos que poderiam dar para implementaruma alternativa prtica.

    O fato de existirem maneiras alternativas de lidar com uma salade aula ou um curso presunes e hipteses alternativas sobre asquais se possa construir uma educao, objetivos alternativos no sentidodos quais educadores e estudantes podem esforar-se ser, acredi-to eu, amplamente ilustrado nos captulos que seguem.

    O saldo

    Podemos olhar de frente para todos os elementos que tornamo ensino uma profisso difcil na presente poca, neste pas, e es-forcei-me por sugerir alguns dos obstculos e perigos. Nunca po-demos, porm, fugir ao fato emocionante de que quando os olhosde um estudante se acendem com uma nova descoberta, um novoconhecimento que lhe enche e ilumina a vida, isto faz valer a penatodo o difcil trabalho, o esforo pessoal de ensinar. Como pode-mos fazer esse brilho precioso ocorrer mais frequentemente? Oque posso, como educador, fazer para acender essa centelha? opropsito deste livro sugerir algumas respostas.

    Este no um manual de mtodos ou tcnicas. Constituiprimariamente uma abordagem situao ensino-aprendizagem,uma filosofia, se quiserem, mas uma filosofia que recebe vida daexperincia de muitos professores e muitos alunos, aos quais serpermitido contar suas prprias e muito diferentes histrias.

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    O relacionamento interpessoal na facilitao da aprendizagem8

    Este captulo veemente e pessoal, pois se esfora por sondar omeu relacionamento com o processo de aprendizagem e o clima deatitudes que promove esse processo. J foi apresentado sob diferen-tes formas, em ocasies diferentes, a primeira na Universidade deHarvard (10, pp. 1-18). Ele foi, entretanto, alterado e revisado paraeste volume. Acredito que expressa algumas de minhas convicesmais profundas com referncia ao processo que chamamos educao.

    Desejo iniciar este captulo com uma declarao que, para al-gumas pessoas, pode parecer surpreendente, e, para outras, talvezofensiva. Ela , simplesmente: ensinar, a meu juzo, constitui umafuno altamente superestimada.

    Havendo-a feito, corro ao dicionrio para ver se realmenteisso o que quero dizer. Ensinar significa instruir. Pessoalmente,no me acho muito interessado em instruir outros sobre o quedevem saber ou pensar, embora algumas pessoas paream adorarfaz-lo. Transmitir conhecimentos ou habilidades. Minha reao perguntar se no se pode ser mais eficiente usando-se um livro oua aprendizagem programada. Fazer saber. Aqui, os meus cabe-los se eriam: no tenho desejo algum de fazer algum saber algo.Mostrar, guiar, orientar. Tal como o vejo, j se mostrou, guiou eorientou pessoas demais. Dessa maneira, chego concluso de querealmente disse o que queria dizer. Ensinar, para mim, uma ativi-dade relativamente sem importncia e vastamente supervalorizada.

    Mas existe mais do que isso em minha atitude. Tenho umareao negativa ao ensino. Por qu? Acho que porque ele levantatodas as questes erradas. Assim que dirigimos a ateno para oensino, surge a questo: o que ensinaremos? O que, desde nossoelevado ponto de vista, a outra pessoa precisa saber? Fico pensan-do se, neste nosso mundo moderno, achamo-nos justificados empresumir que somos sbios a respeito do futuro e que os jovens

    8 Textos retirados da terceira parte: Para o Professor (pp. 125-142).

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    so tolos. Estamos realmente certos do que eles devem saber? Vem,ento, a ridcula questo da abrangncia. O que deve o curso abran-ger? Esta noo baseia-se na presuno de que o que se ensina oque se aprende; o que se apresenta o que assimilado. No co-nheo outra presuno que seja to obviamente falsa. No ne-cessrio efetuar pesquisas para fornecer provas de que falsa. Bas-ta apenas falar com alguns estudantes.

    Mas pergunto a mim mesmo: estarei to cheio de preconcei-tos contra o ensino que no encontro situao em que ele valha apena? Penso imediatamente em minhas experincias na Austrlia,h muito tempo, quando fiquei muito interessado no aborgineaustraliano. Trata-se de um grupo que por mais de 20.000 anosconseguiu viver e existir num meio ambiente desolado, no qual ohomem moderno pereceria em poucos dias. O segredo da sobre-vivncia do aborgine foi o ensino. Ele transmitiu aos jovens todofragmento de conhecimento de que dispunha sobre a maneira deencontrar gua, de seguir a caa, de matar o canguru, de descobriro caminho em meio ao deserto sem trilhas. Um conhecimentodesse tipo transmitido aos jovens como sendo a maneira deproceder, olhando-se com maus olhos qualquer inovao. claroque o ensino forneceu-lhe a maneira de sobreviver num ambientehostil e relativamente imutvel.

    Acho-me mais perto agora do mago da questo que me emo-ciona. O ensino e a partilha de conhecimentos fazem sentido numambiente que no se altera. por isso que eles representaram umafuno indiscutida durante sculos. Mas, se que existe uma verdadesobre o homem moderno, que ele vive num ambiente que estcontinuamente se alterando. A nica coisa de que posso ter certeza deque a Fsica que est sendo ensinada ao estudante de hoje estarultrapassada dentro de uma dcada. O ensino da Psicologia certa-mente estar superado daqui a vinte anos. Os chamados fatos dahistria dependem, em parte muito grande, do estado de esprito e

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    do temperamento atuais da cultura. A Qumica, a Biologia, a Gen-tica e a Sociologia acham-se num fluxo tal que uma afirmativa firmeefetuada hoje quase certamente achar-se- modificada quando o es-tudante vier a utilizar o conhecimento.

    Achamo-nos, em minha opinio, defrontados com uma situa-o inteiramente nova na educao, na qual o objetivo desta, se que desejamos sobreviver, deve ser a facilitao da mudana e da apren-dizagem. O nico homem instrudo aquele que aprendeu comoaprender, o que aprendeu a adaptar-se e a mudar, o que se deuconta de que nenhum conhecimento garantido, mas que apenaso processo de procurar o conhecimento fornece base para a segu-rana. A qualidade de ser mutvel, um suporte no processo, mais doque no conhecimento esttico, constitui a nica coisa que faz qual-quer sentido como objetivo para a educao no mundo moderno.

    De modo que agora, com certo alvio, volto-me para umaatividade, um propsito, que realmente me apaixona a facili-tao da aprendizagem. Quando sou capaz de transformar umgrupo e com isso quero significar todos os membros do grupo,inclusive eu numa comunidade de aprendizes ou estudantes, aemoo se torna quase inacreditvel. Liberar a curiosidade; permi-tir que indivduos arremetam em novas direes ditadas pelos seusprprios interesses; tirar o freio do sentido de indagao; abrirtudo ao questionamento e explorao; reconhecer que tudo seacha em processo de mudana eis uma experincia que jamaisposso esquecer. Nem sempre posso alcan-la nos grupos comque me associo, mas, quando ela em parte, pequena ou grande,alcanada, torna-se ento uma experincia grupal a no ser nuncaesquecida. De um contexto desse tipo surgem estudantes verda-deiros, aprendizes reais, cientistas, eruditos e praticantes criativos,o tipo de indivduos que pode viver num equilbrio delicado, massempre mutvel entre o que atualmente conhecido e os fluentes,mveis e cambiantes problemas e fatos do futuro.

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    Existe aqui, ento, um objetivo ao qual posso entregar-me detodo o corao. Contemplo a facilitao da aprendizagem e a meta daeducao, a maneira pela qual poderamos desenvolver o estudan-te, a maneira pela qual podemos aprender a viver como indivdu-os em processo. Vejo a facilitao da aprendizagem como a fun-o que pode deter respostas em processo construtivas, experimen-tais, mutveis, a algumas das mais profundas perplexidades queassediam hoje a espcie humana.

    Mas conhecemos a maneira de atingir este novo objetivo emeducao ou trata-se ele de um fogo-ftuo que s vezes acontece,outras deixa de ocorrer, e, assim, pouca esperana real oferece? Mi-nha resposta que possumos um conhecimento bastante consider-vel das condies que incentivam uma aprendizagem autoiniciada,significativa, experiencial, visceral, pela pessoa integral. No vemosessas condies postas frequentemente em prtica porque elas signi-ficam uma revoluo real em nossa abordagem da educao, e asrevolues no so para os tmidos. Mas, como j vimos nos captu-los precedentes, encontramos exemplos dessa revoluo em ao.

    Sabemos e mencionarei sucintamente algumas das provas que iniciar uma aprendizagem desse tipo no repousa nas habilida-des de lecionar do lder, nem no conhecimento erudito do assunto,nem no planejamento curricular, nem na utilizao de auxliosaudiovisuais, nem na aprendizagem programada que utilizada, nemnas palestras e apresentaes e nem na abundncia de livros, emboraqualquer um dos meios acima possa, numa ocasio ou noutra, serutilizado como recurso de importncia. No, a facilitao da apren-dizagem significativa repousa em certas qualidades de atitude queexistem no relacionamento pessoal entre o facilitador e o estudante.

    Deparamo-nos com essas descobertas primeiramente nocampo da psicoterapia, mas existem hoje provas a demonstrarque elas se aplicam tambm sala de aula. Achamos mais fcilpensar que o relacionamento intensivo entre terapeuta e cliente possa

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    ter essas qualidades, mas estamos tambm descobrindo que elaspodem existir nas incontveis interaes pessoais que se do entre oprofessor e os alunos.

    Qualidades que facilitam a aprendizagem

    Quais so essas qualidades, essas atitudes, que facilitam a apren-dizagem? Permitam-me descrev-las muito rapidamente, tirandoilustraes do campo do ensino.

    A autenticidade do facilitador da aprendizagem

    Talvez a mais bsica dessas atitudes essenciais seja a realidadeou autenticidade. Quando o facilitador uma pessoa real, ingres-sando num relacionamento com o estudante sem apresentar-lheuma mscara ou fachada, ela tem muito mais probabilidades deser eficiente. Isto significa que os sentimentos que est experimen-tando esto disponveis para ela, disponveis sua conscincia, queela capaz de viver esses sentimentos, s-los, e capaz de comunic-los, se for apropriado. Significa que ela se encontra direta e pesso-almente com o estudante, encontrando-o numa base de pessoapara pessoa. Significa que est sendo ela prpria, no negando a si.

    Visto deste ponto, sugere-se que o professor pode ser uma pes-soa real em seu relacionamento com os estudantes. Pode ser entusi-asta, entediada, interessada nos estudantes, zangada, sensitiva e sim-ptica a eles. Por aceitar esses sentimentos como seus, no tem ne-cessidade de imp-los aos estudantes. Ela pode gostar ou no dealgo produzido por um estudante, sem implicar por isso que se tratade algo objetivamente bom ou ruim ou que o estudante bom ouruim. Acha-se simplesmente expressando um sentimento pelo pro-duto, um sentimento que existe dentro de si. Dessa maneira, elaconstitui, para os seus estudantes, uma pessoa, no a corporificaoannima de uma exigncia curricular ou um tubo estril atravs doqual o conhecimento passado de uma gerao para outra.

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    bvio que este conjunto de atitudes, que se descobriu sereficaz na psicoterapia, acha-se em agudo contraste com a tendnciada maioria dos professores, que mostrar-se a seus alunos simples-mente como atores. bastante costumeiro que os professores, demodo consciente, coloquem a mscara, assumam o papel, ergam afachada de serem professores, e usem esta fachada o dia inteiro,removendo-a somente quando deixam a escola, noite.

    Mas nem todos os professores so assim. Tome-se, por exem-plo, Sylvia Ashton-Warner, a quem foram entregues, na NovaZelndia, crianas maori de escola primria, resistentes, supostamentede aprendizagem lenta, a quem fez desenvolver seu prprio voca-bulrio de leitura. Cada criana podia pedir uma s palavra qual-quer palavra que quisesse por dia. A mestra escrevia-a em umcarto, que ento entregava criana. Exemplos de palavras forambeijo, fantasma, bomba, tigre, briga, amor, papai. Em pouco tempo, elasestavam construindo frases, as quais tambm podiam guardar con-sigo. Ele vai levar uma surra. O gatinho est assustado. As cri-anas, simplesmente, nunca esqueceram essa aprendizagem iniciadapor elas prprias. Mas no minha inteno descrever-lhes os m-todos dessa mestra. Desejo, antes, dar-lhes um vislumbre da atitudedela, de sua realidade apaixonada, que deve ter sido to evidente aosseus pequenos pupilos como o foi para os leitores de seu trabalho.Um editor fez-lhes algumas perguntas, e ela respondeu:

    O senhor me pediu alguns fatos puros, frios. (...) No acredito quehaja um s fato frio em mim, ou, a propsito, nada de frio nesteassunto especfico. Tenho apenas fatos longos e quentes sobre oassunto do ensino criativo, que chegam a queimar tanto a pginaquanto eu (p. 26).

    No temos aqui uma fachada estril. Temos uma pessoa vital,detentora de convices, sentimentos. Sua transparente realidade foi,tenho certeza, um dos elementos que a transformaram numa emo-cionante facilitadora da aprendizagem. Ela no se ajusta a nenhuma

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    frmula educacional bem arrumada. Ela , e os estudantes crescempor se acharem em contato com algum que, real e abertamente, .

    Tomemos outra pessoa muito diferente, Barbara Shiel, cujoemocionante trabalho na facilitao da aprendizagem de alunos desexta srie j foi anteriormente descrito. Ela deu a seus alunos umagrande poro de liberdade responsvel, e mencionarei mais tardealgumas das reaes de seus estudantes. Aqui, porm, temos umexemplo da maneira como dividiu com os seus alunos no ape-nas uma partilha de doura e luz, mas de ira e frustrao. Ela puse-ra materiais artsticos livre disposio dos estudantes, e estes comfrequncia os usaram de maneira criativa, mas a sala, mais amide,parecia-se com um retrato do caos. Aqui est o relato de seussentimentos e do que fez com eles.

    Achava enlouquecedor ter de viver com a sujeira sujeira com um Smaisculo! Ningum parecia se importar, exceto eu. Finalmente, disseum dia s crianas (...) que eu, por natureza, era uma pessoa limpa eordeira e que aquela sujeira estava me fazendo desviar a ateno. Teriamelas uma soluo? Foi sugerido que se usasse alguns voluntrios paraa limpeza. (...) Respondi-lhes que no me parecia justo fazer as mes-mas pessoas limparem, todo o tempo, para os outros, mas que issosolucionaria o assunto, para mim. Bem, algumas pessoas gostam delimpar responderam-me elas. E assim ficou (p. 13).

    Espero que este exemplo d um significado vivo s expressesque acima empreguei, de que o facilitador capaz de viver essessentimentos e capaz de comunic-los, se for apropriado. Escolhium exemplo de sentimentos negativos porque acho que mais dif-cil, para a maioria de ns, visualizar o que isso significaria. No exem-plo, a srta. Shiel est correndo o risco de tornar-se transparente, emsua irada frustrao a respeito da sujeira. E o que acontece? A mes-ma coisa que, em minha experincia, quase sempre acontece. Osjovens aceitam e respeitam os sentimentos delas, levam-nos em con-siderao e elaboram uma sugesto nova que nenhum de ns, acre-dito eu, teria sugerido. A srta. Shiel sabiamente comenta:

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    Costumava ficar perturbada e sentir-me culpada quando ficava zan-gada. Finalmente, dei-me conta de que as crianas podiam aceitartambm os meus sentimentos. importante que eles saibam quequando me pressionam, eu tambm tenho os meus limites (p. 13).

    Apenas para mostrar que os sentimentos positivos, quandoreais, so igualmente efetivos, permitam-me citar rapidamente areao de um estudante de faculdade, num curso diferente:

    (...) O seu senso de humor em aula era revigorante; todos nssentamo-nos relaxados porque a senhora nos mostrava a sua per-sonalidade humana, no a imagem mecnica de um professor. Sinto-me como se hoje tivesse mais compreenso e f nos professores.Sinto-me mais chegado aos estudantes, tambm (...)

    Outro diz:(...) A senhora conduzia a aula num nvel pessoal e, portanto,

    em minha mente, pude formular uma imagem sua como pessoa eno como simplesmente um livro didtico ambulante.

    Outro estudante do mesmo curso:(...) Era como se no houvesse na aula um professor, mas, antes,

    algum em quem podamos confiar e nela identificar uma partici-pante. A senhora mostrou-se to perceptiva e sensvel aos nossospensamentos, e isso tornou tudo ainda mais autntico para mim.Foi uma experincia autntica, no uma aula, apenas (p. 7).

    Confio estar deixando claro que ser real no sempre fcil,nem tampouco rapidamente conseguido, mas que fundamen-tal para a pessoa que deseja tornar-se um indivduo revolucionrio,um facilitador da aprendizagem.

    Apreo, aceitao, confiana

    H outra atitude que se salienta naqueles que so bem-sucedi-dos na facilitao da aprendizagem. J observei esta atitude. J aexperimentei. Contudo, difcil saber em que termos defini-la, demaneira que empregarei diversos. Penso nela como apreciar o es-

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    tudante, apreciar os seus sentimentos, as suas opinies, a sua pes-soa. um carinho pelo estudante, mas um carinho que no pos-sessivo. uma aceitao deste outro indivduo como sendo umapessoa separada, que tem valor por si mesma. uma confianabsica a crena de que essa outra pessoa , de algum modo,fundamentalmente digna de confiana. Quer o chamemos apreo,aceitao, confiana, ou qualquer outro nome, o sentimento semostra numa variedade de maneiras observveis. O facilitador quepossua um grau considervel dessas atitudes pode aceitar plena-mente o temor e a hesitao com que o estudante aborda umnovo problema, e tambm aceitar a satisfao do aluno em suarealizao. Um professor desse tipo pode aceitar a apatia ocasio-nal do estudante, seus desejos errticos de explorar estradas secun-drias do conhecimento, assim como os seus esforos disciplina-dos na consecuo de objetivos mais importantes. Pode aceitarsentimentos pessoais que, ao mesmo tempo, perturbam e promo-vem a aprendizagem rivalidade com um dos irmos, dio pelaautoridade, preocupao com a adequao pessoal. O que estamosdescrevendo o apreo por um estudante como ser humano im-perfeito, com muitos sentimentos e muitas potencialidades. O apre-o pelo estudante ou a sua aceitao, por parte do facilitador, cons-titui uma expresso operacional de sua f e confiana essenciais nacapacidade do organismo humano.

    Gostaria de fornecer alguns exemplos dessa atitude, tirados dasituao de sala de aula. Aqui, qualquer depoimento feito por pro-fessores seria, corretamente, suspeito, de vez que muitos de ns gos-taramos de achar que somos detentores dessas atitudes e, assim,poderamos ter uma opinio parcial de nossas qualidades. Mas per-mitam-me que indique como esta atitude de apreo, aceitao e con-fiana se mostra ao estudante que tem a sorte de experiment-la.

    Aqui temos uma declarao de um estudante de faculdadeque teve aulas com o dr. Morey Appell:

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    A sua maneira de ser conosco foi uma revelao para mim. Em suaaula, sinto-me importante, maduro, capaz de fazer coisas sozinho.Quero pensar por mim prprio e esta necessidade no pode ser reali-zada somente atravs de livros didticos e palestras, mas vivendo.Acho que o senhor me v como uma pessoa com sentimentos enecessidades reais, um indivduo. O que digo e fao so expressessignificantes minhas, e o senhor reconhece isso (p. 1).

    Estudantes de faculdade que tiveram aulas com a dr. PatriciaBuli descrevem no apenas estas atitudes de apreo e confiana,mas o efeito que elas tiveram em suas outras interaes:

    Ainda me sinto chegada senhora, como se tivesse havido algumacordo tcito entre ns, quase uma conspirao. Isto se soma parti-cipao dentro da aula, de minha parte, porque sinto que pelo menosuma pessoa do grupo reagir, ainda que no esteja certa quanto aosoutros. No importa realmente se a sua reao positiva ou negativa;ela apenas . Muito obrigado.

    (...) Aprecio o respeito e o interesse que a senhora tem pelos outros,eu prprio includa (...) Em resultado de minha experincia em aula,mais a influncia de minhas leituras, acredito sinceramente que omtodo de ensino (centrado no aluno) fornece realmente uma estru-tura ideal para a aprendizagem; no apenas para a acumulao defatos, mas, mais importante que isso, para aprender a respeito de nsmesmos em relao aos outros. (...) Quando penso na superficialconscientizao que tinha em setembro, comparada com a profundezade minhas percepes internas de hoje, sei que o curso ofereceu-meuma experincia de aprendizagem de grande valor, a qual no teriaadquirido de outra maneira.

    (...) Muito poucos professores tentariam este mtodo, porque acha-riam que poderiam perder o respeito dos estudantes. O contrrioaconteceu. A senhora ganhou o nosso respeito, por sua capacidadeem falar conosco em nosso nvel, em vez de dez milhas acima. Coma completa falta de comunicao que vemos nesta escola, foi umaexperincia maravilhosa ver-se pessoas escutando umas s outras,e realmente se comunicando, num nvel adulto e inteligente. Maisaulas deveriam permitir-nos esta experincia (p. 7).

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    Estou certo de que estes exemplos demonstram que o facilitadorque se preocupa com o aluno, que o aprecia, que confia nele, criaum clima para aprendizagem to diferente do da sala de aula co-mum que qualquer semelhana mera coincidncia.

    Compreenso emptica

    Outro elemento que estabelece um clima para a aprendizagemautoiniciada, experiencial, a compreenso emptica. Quando oprofessor tem a capacidade de compreender internamente as rea-es do estudante, tem uma conscincia sensvel da maneira pelaqual o processo de educao e aprendizagem se apresenta ao es-tudante, ento, mais uma vez, aumentam as probabilidades de umaaprendizagem significativa.

    Este tipo de compreenso nitidamente diferente da com-preenso avaliativa costumeira, que segue o padro de eu sei oque est errado com voc. Quando existe uma empatia sensvel,contudo, a reao do estudante acompanha mais ou menos estepadro: Finalmente, algum compreende como que e pareceestar do meu lado, sem querer analisar-me ou julgar-me. Agora pos-so florescer, crescer e aprender.

    Esta atitude de pr-se na posio do outro, de encarar o mun-do atravs dos olhos do estudante, quase inaudita na sala de aula.Pode-se escutar milhares de interaes comuns de sala de aula semque se encontre um s exemplo de compreenso claramentecomunicada, sensitivamente precisa, emptica. Mas, quando ocor-re, ela tem um efeito enormemente liberador.

    Permitam-me ir buscar em Virgnia Axline uma ilustrao, quetem a ver com um menino de segundo ano primrio. Jay, de seteanos de idade, vinha se mostrando agressivo, um criador de casos,lento de fala e de aprendizagem. Por causa de seu mau comporta-mento, fora levado ao diretor, que o castigara, sem o conhecimen-to da srta. Axline. Durante um perodo de trabalho livre, Jay mode-

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    lara muito cuidadosamente um boneco de argila que tinha at umchapu e um leno no bolsinho. Quem ele? Perguntou-lhe a srta.Axline. No sei, respondeu Jay. Talvez seja o diretor. Ele usa nobolsinho um leno como esse. Jay olhou com raiva para a figurade argila. Sim respondeu. Ento, comeou a arrancar-lhe a cabe-a fora, olhando para cima e sorrindo. A srta. Axline disse: Voc svezes tem vontade de arrancar-lhe a cabea fora, no ? Voc ficacom tanta raiva dele. Jay tirou fora um brao, depois o outro, eento bateu na figura com os punhos cerrados, at transform-lanuma massa. Outro menino, com a percepo dos jovens, explicou: Jay est furioso com o sr. X porque ele deu-lhe uma surra estatarde. Ento agora voc deve estar se sentindo muito melhor,comentou a srta. Axline para Jay. Este sorriu e comeou a recons-truir o sr. X (5, pp. 521-533).

    Os outros exemplos que citei tambm indicam quo profun-damente apreciativos os estudantes se sentem quando so simples-mente compreendidos no avaliados nem julgados, mas sim-plesmente compreendidos desde o seu prprio ponto de vista,no o do professor. Se cada professor considerasse a tarefa deesforar-se por reagir, uma vez por dia, de modo no avaliativo,aceitante, emptico, aos sentimentos demonstrados ou verbalizadosde um estudante, acredito que descobririam o potencial deste tipode compreenso atualmente quase no existente.

    Quais so as bases das atitudes facilitadoras?

    Perplexidade

    natural que nem sempre tenhamos as atitudes que estivedescrevendo. Alguns professores levantam a questo: Mas, e seeu no estiver me sentindo emptico, se no estiver, naquele mo-mento, apreciando, aceitando ou gostando de meus estudantes? Ea? Minha resposta que a autenticidade a mais importante dasatitudes mencionadas, no tendo sido por acaso que ela foi descri-

    Carl Rogers_fev2010.pmd 21/10/2010, 09:0451

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    ta primeiro. Assim, se se tiver pouca compreenso do mundo inter-no do estudante ou se no se gostar deles ou do seu comportamento, quase certamente mais construtivo ser real, do que pseudoempticoou colocar uma fachada de interesse.

    Mas isto no , de modo algum, to simples quanto parece.Ser genuno, ou honesto, ou coerente, ou real, significa ser