RODRIGUES e CASTRO. Brasil_Diversidade e Unidade Para Além Do Território

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BRASIL: DIVERSIDADE E UNIDADE PARA ALÉM DO

TERRITÓRIO1 

Gilberto M. A. Rodrigues2 e Marcus Faro de Castro3 

Apesar de não existirem demandas de separatismo por parte de grupos internos,

e não obstante ter apenas uma língua oficial e de facto, a federação brasileira ainda

enfrenta disparidades socioeconômicas e tem falhado sistematicamente em promover

efetivamente a implementação ampla dos direitos das minorias.

A Constituição de 1988 foi adotada após duas décadas de ditadura militar. Os 20

anos de regime autoritário foram caracterizados por políticas econômicas que

impulsaram crescimento econômico, mas não enfrentaram as preocupações sobre a

desigualdade. O desenvolvimento econômico durante aqueles anos beneficiaram poucos

e não a maioria. Além disso, os tomadores de decisão do chamado “milagre econômico

 brasileiro” durante os anos de 1970 e 1980, atuaram sob a premissa de que as minorias,sobretudo os povos indígenas, deveriam ser assimilados em nome da “unidade do país”.

Um dos principais propósitos dos redatores da Constituição de 1988 foi o de que ela

deveria ser um novo símbolo da primazia dos direitos inalienáveis e um instrumento que

iria reconstituir as instituições brasileiras em renovada forma democrática, deixando

 para trás todas as estruturas institucionais do passado autoritário.

Como parte do esforço para a essa construção institucional, a Constituição de

1988 adotou o modelo de “federação trina”, no qual a união, os estados e os municípios

 passaram ter, cada qual, status federativo, intitulados com poderes semelhantes. Essa

1  Publicado originalmente em inglês, com o título: Brazil: Diversity and Unity beyond Territories, in:

Chattopadhyay, R. & Karos, A. (Ed.). Dialogues on Diversity and Unity in Federal Countries. Ottawa:

Forum of Federations / IACFS, 2008, p. 16-18. (Tradução e atualização para a língua portuguesa do co-

autor Gilberto M. A. Rodrigues, Agosto de 2015).2 Gilberto M. A. Rodrigues é Professor Adjunto do Curso de Relações Internacionais e da Pós-Graduação

em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC).3 Marcus Faro de Castro é Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB).

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inovadora reforma do sistema federativo incluiu a devolução de poderes aos estados, e

especialmente aos municípios, em conjunto com esquemas de redistribuição de recursos

sob a égide do federalismo fiscal. Adicionalmente, a nova ênfase na descentralização

federativa ofereceu, juntamente com outras condições, incentivos específicos para a

criação de novos municípios, que totalizam 5.562.

Em que pese a nova ênfase na descentralização federativa, sobretudo pelo status

federativo obtido pelos municípios, a nova federação trina continua sofrendo de

dificuldades herdadas do passado político do país. A natureza atual dessas dificuldades

reside em como a unidade nacional se relaciona com a diversidade subnacional por via

do sistema institucional federativo. Na sua prática e em suas implicações concretas osistema federal converteu-se num meio onde minorias significativas permanecem

socioeconomicamente marginalizadas e politicamente enfraquecidas. Essas minorias

incluem afrodescendentes, povos indígenas, quilombolas e ciganos.

Uma questão central para entender as limitações da federação brasileira em

 promover direitos da diversidade é que a devolução dos poderes tem sido

caracteristicamente territorial  –  estados e municípios foram fortalecidos, mas o mesmo

não se deu com grupos minoritários. Direitos da diversidade se referem a demandas pormeio das quais o acesso de indivíduos de um grupo social aos direitos sociais e

econômicos, combinado com a expressão de certa identidade dos componentes desse

mesmo grupo, garante a dignidade dessas pessoas. É chocante, ainda que não passe

despercebido, que as autoridades locais no Brasil tenham dado margem a múltiplas

formas de opressão que impedem o pleno gozo dos direitos da diversidade.

Mas, por que a reforma do sistema federal, que implicou grande devolução de

 poderes aos municípios, não trouxe igualmente uma transformação mais profunda do

 processo político no Brasil? As respostas parecem apontar para a inabilidade das

autoridades locais em muitos estados, incluindo as polícias, o judiciário e os promotores

de justiça em prevenir violações massivas de direitos humanos, tais como torturas em

 prisões e ações violentas contra protestos em áreas rurais. Autoridades locais também

têm falhado em propor os meios adequados para administrar e conduzir projetos mais

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além da descentralização territorial. Em vários casos, a devolução de autonomia baseada

em território contribuiu para ampliar as violações de direitos humanos básicos.

Ainda que a Constituição de 1988 tenha formalmente reconhecido os direitos dadiversidade em sua estrutura de governança, ela tem falhado em incorporar arranjos

institucionais transterritoriais que promoveriam o reconhecimento e a implementação

desses direitos. A Constituição de 1988 estabelece competências comuns, que são

compartilhadas pela união, pelos estados e pelos municípios; entretanto, ela não atende

adequadamente a necessidade de promover a coordenação de políticas multinível e

transterritoriais. Um exemplo impactante se encontra nas políticas federais inadequadas

do governo central providas às populações indígenas. Na prática, essas políticas nãoatendem as necessidades identitárias e culturais dessas populações. Como consequência,

há carências importantes nas políticas indigenistas, relacionadas a políticas de direito à

alimentação, educação bilíngue, atendimento culturalmente adaptado à saúde indígena

etc.

O Brasil necessita promover efetivamente os direitos da diversidade sem colocar

em risco sua unidade nacional. Isso pode ser feito implementando acordos

internacionais e convênios de Direitos Humanos que o país assinou, particularmenteimplementando-os de forma não territorial ou transterritorial. Esse movimento

substituiria a devolução de autonomia territorial por acordos alternativos

transterritoriais. Nesse sentido, é de se ressaltar que, havendo assinado vários tratados

internacionais que poderiam ter gerado políticas internacionais e federais articuladas, o

Brasil não obteve vantagens dessas oportunidades, e nem mesmo de alguns vínculos já

consolidados, para desenvolver direitos da diversidade, fortalecendo programas em

áreas da seara legislativa internacional. Isso inclui: instrumentos do Mercosul;Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT (Convenção sobre

Povos e Tribos Indígenas); e Convenção sobre Diversidade Biológica (Proteção do

conhecimento tradicional).

Finalmente, há uma importante inovação que merece destaque, a qual

 proporciona possibilidade de cooperação federal multinível e transterritorial. Trata-se da

criação dos consórcios públicos, em 2005. Os consórcios públicos são promissores

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instrumentos de incremento da governança da diversidade, uma vez que eles criam

entidades jurídicas que congregam representações governamentais multinível em

iniciativas mais flexíveis de cooperação transterritorial para processos políticos, tais

como na área de infraestrutura de serviços em regiões metropolitanas. Os resultados

dessa forma de cooperação podem se converter em mais um importante passo na

 promoção dos direitos da diversidade.