Rock Sonho Revolucao

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  • Rock,Sonho&Revoluo

  • Por que os anos 60? Os anos 60 foram o caldeiro onde se "cozinharam" as

    manifestaes artsticas que deixaram marcas e reflexos at hoje -- o teatro, o cinema, a televiso, as artes plsticas, a moda, em todas essas reas houve uma busca de sadas novas. E o rock foi a linha que costurou todas essas manifestaes, a grande forma de expresso da dcada.

    O jovem do ps-guerra usava os cabelos curtos, um resqucio ainda do corte militar de seus pais. As meninas usavam as saias rodadas, os vestidos god. Com os Stones e Beatles, os cabelos dos homens cresceram e as saias das meninas subiu a barra acima do joelho quando Mary Quant lana a minissaia.

    A literatura, hibernando h dcadas, renasce na Amrica nos 60 com as publicaes dos poetas e escritores beat. As artes plsticas ganham nova conotao com a pop-art de Andy Warhol e outros artistas. O teatro vai rua com o Living Theatre. As universidades descobrem que o ensino precisa mudar e no mundo inteiro os estudantes saem s ruas em manifestaes de reivindicao e protesto. Tudo embalado pelo rock. E o rock se mantm, antes de tudo, como manifestao cultural e comportamental. Este livro tenta explicar um pouco de tudo isso.

  • Rock , Sonho & Revoluo A MSICA CONTANDO A HISTRIA DOS ANOS 60

    Luiz Carlos Lucena

    sampa, nov/2001

    [email protected]

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    ndice

    Introduo: Uma sinopse rpida 06

    Parte I 1. Primeiro compasso 11 2. Um clube detona a bomba 15 3. Stones: rolam as pedras 19

    O som e os versos de uma gerao 26 4. Clapton: um deus desce do Olimpo 28 5. Beck & Page: razes novas 35 6. Led Zeppelin: chumbo no rock 38 7. rvores vizinhas 43 8. Hendrix: o deus negro da guitarra 45

    O rock d o toque 49

    Parte II 9. Ecos americanos 51 10. Ventos novos na Amrica 53 11. Drogas e beats 56 12. A antena parablica de Dylan 59 Ressonncias 61 Parte III 13. O movimento hppie 65 14. Underground, LSD e psicodelia 67 15. Sem Destino, um filme sntese 72 16. Morre o hppie, nascem os yuppies 75 17. Os EUA danam na guerra 77 18. Os festivais 81

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    Apndice 19. As mulheres no rock 85

    Janis: salve rainha! 85 20. Mitos de passagem 89

    A dissonncia do King Crimson 89 O rock lisrgico do Pink Floyd 92

    21. Lou Reed: a por-art patrocina o rock 97

    Pos-fscio O rock morreu? Viva o ps-rock! 101 (o rock do novo milnio)

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    Uma sinopse rpida O negro escravo lana nos campos de algodo da

    Amrica seu grito primal, cantando seu banzo, sua tristeza e saudade da me frica. O processo de aculturao e o contato com a tradio da harmonia europia vai moldando o grito em cano e nascem as work songs, o blues. Uma msica simples, estruturada basicamente em cima de uma escala de doze compassos divididos em trs partes iguais. Ao fim de casa frase, um tempo livre, preenchido por uma resposta instrumental. Para responder, o negro usa a gaita, instrumento fcil de carregar. E o violo.

    O fim da guerra da Secesso concede ao negro americano a liberdade nos campos e cidades e nas primeiras dcadas deste sculo sua voz se expande. Aps os anos 30, surgem os violes eltricos e a guitarra, e o negro j ocupa os guetos das cidades grandes com seus blues, cantando em bares e clubes barulhentos.

    Msica intimista, para se sobrepor ao barulho o negro fora o ritmo e grita ainda mais alto para ser ouvido. Da guitarra explora a escala rtmica nos mesmos 12 compassos e surge o rithm'blues, o blues urbano, eletrificado, mais rpido, sincopado. A msica negra amplia seu pblico, deixa o campo, ganha espao na cidade. Sai do gueto para um pblico maior.

    No incio dos anos 50 alguns brancos se apoderam da energia dessa "msica de negros", fundem os compassos do rithm'blues ao country, a msica rural do "branco pobre", e ao western, a msica dos cowboys do Oeste. Aparece o rock'n roll. E, mais uma vez, um negro mistura aquele ritmo novo ainda mais, quando toma Chicago de assalto, transpondo a escala rtmica do booggie wooggie do piano para os bordes da guitarra e respondendo com solos nas primas, as cordas finas, agudas. E a Amrica inteira dana

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    com Chuck Berry. Johnny Be Good, Oh! Carol, Roll Over Beethoven, os sempre clssicos balanam as cadeiras da juventude que comea a usufruir as benesses do baby-boom no ps-guerra.

    Outros nomes marcantes da "escola de Chicago": Muddy Waters e Bo Diddley. Esse trio, principalmente Chuck Berry, ser a grande inspirao no alm mar, da juventude inglesa, quando ela se apropria da energia do rithm'blues e da escala quadrada do rock'n roll e cria na dcada de 60 o rock. Rock apenas, sem o complemento. Os filhos da guerra detonam assim um novo Renascimento, com o mais importante movimento cultural das ltimas dcadas. Entre o rock'n roll e o rock, um denominador comum: a juventude branca assume a poro cultural reprimida do negro como bandeira para suas reivindicaes, para sua prpria represso em relao sociedade. E a msica passa a ser o fio condutor da histria naquela dcada, conduzindo o comportamento, a esttica, a cultura, as artes, a moda, influenciando e sendo influenciada, em um processo de autofagia e catarse, assimilao e exploso.

    Os anos 60 foram, portanto, o caldeiro onde se "cozinharam" as manifestaes artsticas que deixaram marcas e reflexos at hoje -- o teatro, o cinema, a televiso, as artes plsticas, a moda, em todas essas reas houve uma ebulio e uma busca de sadas novas. E o rock foi a linha que costurou todas essas manifestaes, a grande forma de expresso da dcada.

    O jovem do ps-guerra usava os cabelos curtos, um resqucio ainda do corte militar de seus pais. As meninas usavam as saias rodadas, os vestidos god. Com os Stones e Beatles, os cabelos dos homens cresceram e as saias das meninas subiu a barra acima do joelho quando Mary Quant lana a minissaia em 62.

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    A literatura, hibernando h dcadas, renasce na Amrica nos 60 com as publicaes dos poetas e escritores beat. A prpria indstria fonogrfica, com os cofres cheios, financia novas publicaes, incentivando de certa maneira o movimento underground, a contracultura, que vai gerar trabalhos importantes e fazer crescer revistas como a Rolling Stones, a bblia da msica jovem. As artes plsticas ganham nova conotao com a pop-art de Andy Warhol e outros artistas. O teatro vai rua com o Living Theatre. As universidades descobrem que o ensino precisa mudar e no mundo inteiro os estudantes saem s ruas em manifestaes de reivindicao e protesto. Tudo embalado pelo rock.

    Este livro tenta explicar um pouco de tudo isso. O leitor no antenado, o jovem de hoje, deve se perguntar: mas por que voltar a falar dos anos 60, por que o rock? Primeiro porque no possvel entender o presente sem conhecer o passado. Ningum pode se considerar moderno sem conhecer suas razes, porque o conceito de modernidade implica necessariamente conhecer o passado e na msica mais que nunca -- para entender o que um rap, necessrio conhecer as suas razes e o mesmo pode ser dito com relao s vrias manifestaes musicais que proliferaram nos ltimos 20 anos: punk, new wave, heavy-metal, trash, hardcore, e mais recentemente, at a msica eletrnica, com a house, o techno e suas sub-variaes.

    Os anos 60 representam o auge da criao, do experimentalismo e da consolidao do rock; os anos 70 decretaram a sua morte (no esquecendo aqui a importncia do movimento punk, claro). Os 80 foram apticos e no ano 2000 o rock, quase sepulto pelo reinado dos DJ's e suas pick-ups e samplers eletrnicos, volta com tudo quando esses mesmos moderninhos usurios dos computadores descobrem a raiz pura do rock (nada mais rock do que Prodigy) como base para suas criaes ps-modernosas.

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    Alis, nesse final de milnio j nasceu um novo termo, vindo principalmente do experimentalismo de msicos alemes e ingleses, que j recebeu inclusive o nome de ps-rock, onde as bases do rock sessentista, o velho power-trio guitarra-baixo-bateria serve agora para o sampler e fuses com a mais avanada tecnologia eletrnica.

    O rock se mantm, antes de tudo, como manifestao cultural e comportamental. No entanto a viso hoje outra. Para o portugus Miguel Esteves Cardoso, em seus comentrios no final do livro "Popmusic-rock", dos franceses Philippe Daufouy e Jean-Pierre Sarton, "a partir de Woodstock, o idealismo puro de uma gerao de "filhos das flores" degenerou para misticismos estreis, irrealidades alucingenas e uma profunda e debilitante apatia coletiva que passou a ser a ressaca adiada das iluses de maio de 68. A banda sonora dessa apatia, ou seja, o rock, que o refletiu e depois adensou, abandonaria a simplicidade musical e a relevncia scio-poltica dos anos 60 para se perder num labirinto fedorento de complexidade e de monotonia".

    Mas o sonho grupal, a viagem coletiva, embalada muitas vezes pelo ritual de passar o baseado ou dividir o microponto de LSD, deixaram marcas profundas que impossvel esquecer. Esse livro conta a trajetria de um movimento que comea no incio dos anos 60 e, para mim, agoniza em 69 no festival de Woodstock e recebe o tiro final no festival que os Stones realizam em Altamont, no incio de dezembro de 70. Depois disso, como disse John Lennon, the dream is over, o sonho acabou e quem no dormiu no sleeping bag no sonhou. Agora vamos retomar esse sleepin bag, subir num magic carpet ride, viajar num submarino amarelo e procurar recuperar o que houve de importante na memria daqueles anos para dar um salto para o futuro, para o moderno.

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    O sonho acabou, nossos heris no existem mais. Che Guevara, talvez o personagem que mais possa exemplificar o sonho de liberdade daqueles anos 60, hoje estampando camisetas do Movimento dos Sem Terra e sempre em pauta no guarda-roupa dos jovens rebeldes modernos, morreu assassinado pelo exrcito da Bolvia em outubro de 67. Em homenanagem a ele a John Lennon, Hendrix, Janis, Briam Jones, Jim Morrison, Duane Allman, Kurt Cobain, Sid Vicius, Jlio Barroso, Keith Moon, Renato Russo, Mama Cass, Cazuza, Raul Seixas, Cartola, Moreira da Silva e todos que se foram, sarav! Let's dreaming again!

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    1. Primeiro Compasso Como comeou a acontecer todos os dias, o clube

    lotava para ver o show comear. No palco aqueles msicos sujos, mal vestidos, cabelos mais compridos do que normalmente se via naquela swing London de l962. A banda tocava um cover de Little Richard, esquentando a platia para a entrada daquele vocalista magro, de boca grande, lbios grossos, cabelos rebeldes, ensebados, um misto de contestao e raiva no olhar e um inconfundvel sotaque cockney.

    Entre balco e mesas passavam gente, copos e cigarros, comentrios e brincadeiras daquele grupo que arquitetava sem querer o movimento que iria deflagrar uma revoluo ainda maior do que aquela que havia nascido no baby-boom do ps guerra americano com o som da fria e raa de Berry, Richards, Lewis e Presley.

    O Ealing Club reunia a nata do nada em tudo que rolava na msica naquele comeo dos anos 60. John Mayal, Jeff Beck, Jimmy Page, Eric Clapton, Keith Richards, Brian Jones..., todos eles circulavam ali, bebendo e trocando fusas e colcheias enquanto Mick Jagger no aparecia. E de repente ele surge do fundo do palco, segura o velho microfone e solta um clssico de Chuck. Podia ser qualquer um, Oh! Carol, Come On, mas sempre, qualquer que fosse, vinha carregado de uma nova energia que flua naquele grupo de msicos que escreveria a segunda fase da histria da msica jovem mundial. Uma mistura do rock bsico de quatro acordes de Chuck Berry com toques "sampleados" dos bluseiros; um ritmo forte, uma guitarra pesada, solos cortantes, primeiras brincadeiras com a distoro e um estilo forte e marcante de cantar.

    Nascia ali, em Londres, a revoluo que iria influenciar o mundo da moda, dos costumes, que iria mudar

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    comportamentos e regras de conduta, que provocaria rupturas e sadas novas na comunicao, na mdia, nas artes. Um movimento que influencia com sua energia a maneira de ver de todas as geraes que dali partiam no expresso do futuro. Foi assim que tudo comeou!

    A Inglaterra dos anos 50 vivia o processo de recuperao do ps-guerra sob o ideal de seu grande heri, Sir Winston Churchil. O clima na grande ilha era de alvio, de um lado, e sacrifcio, ainda, de outro. A guerra acabou em 45, mas o racionamento de alimentos s iria terminar em 54, nove anos depois. Nesse panorama, nasceriam as bases do movimento que deflagra alguns anos mais tarde o rock. E que transforma a dcada de 60 nos anos mais criativos da msica jovem em todos os tempos.

    A Inglaterra do ps-guerra seguia a tradio das leis econmicas, reativando sua abalada economia e seu comrcio com o mundo. E reativar o comrcio significava tambm reativar o intercmbio cultural. Mas as inovaes chegam atrasadas. A programao de rdio controlada pela BBC e um acordo com a indstria fonogrfica havia criado uma espcie de "reserva de mercado" para a produo local, com pouco espao para o som que vinha do exterior. Somente depois da metade anos 50, a juventude inglesa comea a descobrir nos discos os novos ritmos que vinham do outro lado do oceano.

    Nos clubes predominavam conjuntos tradicionais que imitavam as bandas de dixieland, muito poucos tentando alguma incurso no blues, em covers de Muddy Waters, John Lee Hooker e outros "tnicos". Na realidade, a Inglaterra no tem nenhuma tradio na msica popular, tendo como marca cultural as baladas folclricas do sculo XIX. Nos anos 50 haviam surgido alguns artistas ingleses cantando rock'n roll, nada porm significativo.

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    A conjuntura poltica, cultural e social da Inglaterra naqueles anos 50 foi, porm, o fator mais importante para a aceitao entusiasmada do rock pela juventude. Winston Churchill renunciou ao cargo de primeiro ministro em 1955, substitudo por Anthony Eden, porm deixou as bases que motivaram a revoluo, com a democratizao do ensino no pas, obtida pelos trabalhistas britnicos depois da Guerra.

    Luiz Carlos Maciel, uma das mais lcidas cabeas da crtica brasileira desse perodo, d o toque: "Com a tendncia socializante que se imps, dentro das novas condies sociais e econmicas da Inglaterra, a Nova Legislao Inglesa sobre Educao colocou o sistema educacional britnico, altamente sofisticado e aristocrtico -- e at ento privilgio dos jovens das classes superiores -- ao alcance das classes sociais mais baixas. O choque cultural provocado por esse encontro inesperado entre jovens modestos e humildes e a cultura ocidental, no que tinha de mais avanado, passou a agitar o tradicionalmente tranquilo panorama cultural britnico, a partir dos anos cinquenta, pelo menos".

    D para perceber o nvel de contradio e choque. Pobres, porm muito bem instrudos (qualquer guitarrista de rock ingls frequentou, no mnimo, uma escola de artes), os jovens adolescentes proletrios comearam a observar os "podres" da terra da rainha, as injustias sociais, o excessivo conservadorismo. Vagando por Londres, os teddy-boys e rockers, bluses de couro e muita vontade para agitar, acharam na msica a vlvula de escape e o canal para suas reivindicaes. Afinal, o que pode fazer um garoto a no ser tocar em uma banda de rock'n roll. Essa frase de uma msica dos Stones sintetiza tudo isso.

    Essa conjuntura explica tambm porque houve tantas diferenas entre o movimento ingls com o renascimento

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    do rock -- que colocou a msica como veculo principal de todas suas reivindicaes -- e as manifestaes principalmente polticas ocorridas nos Estados Unidos e em todas as partes do mundo. Ao jovem ingls, a msica serviu para canalizar todas as suas angstias e necessidades de expresso. O jovem americano saiu as ruas, brigou nas universidades, caiu fora do sistema para sacar o que era necessrio modificar em sua vida, e, grande pena, cai nos anos 80 no mais retrgrado conservadorismo. Mesmo assim, a msica tambm foi a grande ferramenta de apoio do americano na dcada de 60.

    Escreve novamente Luiz Carlos Maciel, na revista Rock, a Histria e a Glria: "Os jovens rebeldes (ingleses) no estavam organizando diretrios acadmicos, unies, federaes, etc., nem se ocupavam de poltica, nada disso: antes, haviam simplesmente abandonado as aulas e estavam nas ruas, cantando ROCK." Ento vamos ver como as coisas andavam no pas que ia gerar os Stones!

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    2. Um clube detona a bomba O rock'n roll se infiltra na Inglaterra a partir de 1956.

    A crtica musical "apadrinha" o novo estilo junto com o rithm'm blues, apresentando meninada o rock de Chuck Berry e Bo Diddley e o blues eltrico de Robert Johnson e turma. Nesse ano, contudo, um cantor faz enorme sucesso com uma msica de Leadbelly (blueseiro americano, famoso pelo trabalho que desenvolveu dentro das prises e morto em 1949), transformando Rock Island Line em um hit do ano, s que com uma roupagem estranha, um coquetel insular que misturava o folk europeu ao blues, criando a onda que passou a ser chamada skiffle. O ritmo pegou de tal maneira que Big Bill Bronzi teve que se apresentar em Londres apenas de violo, sem seu grupo. Um ano depois, porm, Muddy Waters choca o pblico londrino, usando uma guitarra eltrica e a voz rascante. A gua turva dava o toque.

    A garotada recebe de forma estranha aquele som. Os meninos das escolas de arte e o bando de adolescentes que comeava a se apegar guitarra fica pasmada. Aquilo era o mximo. O lder de um grupo que se apresentava nos clubes percebeu a energia latente na meninada, capitalizou e divulgou a novidade. Seu nome: Alexis Korner.

    Korner dividia com outro msico, John Mayal, a paixo pelo blues. Tocava com o Blues Incorporated. Mayal "dava aulas" para uma meninada que comeava a trocar as salas de artes pelos acordes da guitarra. Entre seus alunos, alguns garotos com a mesma paixo e nomes que ficariam famosos: Eric Clapton, Jeff Beck.

    No final dos 50 Korner abriu o London Blues e o Barrelhouse Club, no Roundhouse, pub do centro de Londres. Mas sua msica no atraia o pblico ligado na mania danante do skiffle e ele encerrou essa primeira

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    aventura. Primeira, porque, logo depois, em maro de 1962, abriu outra casa, o Ealing Club, com o mesmo som mas na poca exata. A principal atrao da casa era seu grupo e msicos convidados.

    Antes do Ealing, Alexis Korner dividia com bandas de jazz os poucos espaos em que podia se apresentar com seu Blues Incorporeted. Com ele tocavam Ciryl Davies, na harmnica, Keith Scoot, piano, Andy Hoogenboom, baixo, e um baterista que iria ficar muito famoso: Charlie Watts. Korner percebeu que blues e rithm'blues agradavam e decidiu abrir o Ealing. A estria foi no dia 17 de maro de 1962. Foi uma noite histrica.

    O momento era o certo, por uma srie de coincidncias. A meninada carecia de alguma coisa nova e havia uma inflao de msicos jovens que formava aquela audincia em desenvolvimento. Assim, Korner se viu cercado por um exrcito de pretendentes a uma vaga no seu grupo; outros suplicavam apenas por um espao no clube para mostrar seu trabalho. Era comum as noites do Ealing Club serem regadas com drinks e papos envolvendo nomes como Mick Jagger, John Paul Jones, Long John Baldry, Eric Burdon, Dick Heckstall-Smith, Graham Bond, Jack Bruce, Ginger Baker, Brian Jones, Keith Richards, John MacLaughlin, John Surmann, Davey Graham e muitos outros.

    A casa de Korner atraa todos os grupos de Londres, dominando o cenrio da noite onde at ento o espao era preenchido pelos grupos do jazz tradicional. E ainda em 62 Korner tocou com Jack Bruce e Ginger Baker (baixo e bateria no futuro Cream) e deixou subir ao palco aquele magricela arrogante, de sotaque enrolado e presena j mgica como o nome Mick Jagger. Entre os admiradores de Korner havia um guitarrista que cantava em pubs de bairro em troca de copos de cerveja e que, ocasionalmente,

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    substitua Mick no palco, "quando ele estava com dor de garganta": Eric Clapton.

    Esses dois formam nesse incio dos sessenta a rvore genealgica do rock britnico. John Mayal e Alexis Korner seriam as razes. Mick Jagger e Erick Clapton formariam o tronco de onde floresceriam todos os grandes grupos do incio dessa revoluo. O solo de guitarra passa a ganhar importncia no novo som e todos os grandes grupos nascem e evoluem em torno de um grande guitarrista. Enquanto isso, num clube chamado Cavern, em Hamburgo, Alemanha, quatro outros ingleses agrediam e eram agredidos pelo pblico com os covers de Chuck Berry. Um grupo de quatro rapazes de Liverpool que iria estourar na parada aquele ano com seu primeiro compacto e um nome sonoro: The Beatles.

    O estopim estava pronto. Bastava atear fogo. Do Ealing Club aqueles msicos partiram para o disco. Beatles de um lado, Stones de outro, Kinks, Animals... Por onde comear? Os beatlemanacos que me perdoem, mas esse privilgio no ser deles. Primeiro porque os Beatles tomariam todo esse livro. Depois porque a energia que pulsava naquele movimento e que iria determinar os caminhos da msica nos anos 60 no estava em Paul, George, Pete Best (o baterista que foi substitudo por Ringo). Estava em John, latente, contestatria como foi sua carreira solo. Mas estava muito mais nos Stones, em Clapton.

    Os Beatles enquanto grupo existiram antes de gravar seus primeiros discos. Depois se transformaram em excelentes msicos de estdio, com gravaes lindas, perfeitas, discos antolgicos, porm, cercados por uma produo grandiloquente de orquestraes e msicos convidados que quase nunca apareceram nos crditos das capas. Os Beatles do Cavern Club no so os Beatles de Let

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    it Be. A revoluo de Sargent Pepper's foi o fim porque teria que ser assim, com um disco revolucionrio porm no um disco de puro rock.

    Os Beatles so a atitude posada. Os Stones o comportamento transgressivo natural. Os Beatles a msica de estdio. Os Stones o rock de garagem, puro, que deixa filhos -- Vernon Reid, o satnico guitarrista do ex-Living Colour, simbiose de Jimmy Hendrix e Keith Richards, Steve Ray Vaugham, o mestre do blues pulsante da Califrnia, os grunges de Seatle. No Brasil, Roberto Frejat e o Barao Vermelho. Os Beatles, ao contrrio, deixaram apenas imitadores. Por isso Stones e Clapton merecem abrir esta conversa. Afinal, como j dissemos, eles formam o tronco da rvore do rock ingls. E numa rvore, cada macaco deve ocupar seu galho.

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    3. Stones: rolam as pedras "If I could stick my pen in my heart I'd spill it all over the stage Would it satisfy ya or would is slide on by ya... ... I know, it's only rock'n roll but I like it" Jagger/Richards A maior banda de rock do mundo nasceu em um

    subrbio de Londres, em um "trabalho de parto" que misturou coincidncias felizes, momento adequado e trs msicos excepcionais: Mick Jagger, Keith Richards e Brian Jones.

    Michael Philip Jagger era o filho de Joseph Jagger, um professor de educao fsica que queria o filho atleta, mas o corao do menino sempre balanou no ritmo do blues. Keith Richards morava na rua do lado, no mesmo subrbio de Dartford. O pai no esperava nada daquele menino franzino, mas o av Augustus Theodore Dupree, antigo saxofonista, guitarrista e lder de banda nos anos 30, via refletida no neto sua paixo pela msica e deu ao pequeno Keith um saxofone. Porm o instrumento era muito pesado, por isso o av ficava tocando tudo que sabia para o neto atento e foi quem ensinou os primeiros acordes na guitarra Spanish Roseth que a me deu a Keith quando ele fez quinze anos.

    No outro lado de Londres, Brian s trazia problemas para a famlia Jones com sua beleza pura e inocente e uma rebeldia prematura: aos 13 anos foi enviado para um internato para que pudesse ser melhor controlado. Brian, contudo, tinha um talento nato: aos 11 anos j tocava piano, aos 12 era clarinetista na banda juvenil.

    Jagger, de famlia mais abastada, tinha os discos que Keith s conseguia ouvir quando participava das reunioes dos teddy-boys de seu conjunto habitacional -- um grupo

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    nada convencional, tipo gang de arruaceiros. Com eles Keith delirava ouvindo aquele negro que sempre foi seu guru, sua inspirao (Chuck Berry, claro), repetindo na guitarra os solos rascantes de uma escala quase sempre igual mas que cada vez soava diferente. Nessa poca a BBC controlava a programao das rdios na Inglaterra e ouvia-se apenas um pouco de Elvis (que estava no exrcito), Jerry Lewis (j pirado, o velho Killer) e Little Richards. Eddie Cockram e Buddy Holly haviam morrido. Chuck Berry estava na cadeia.

    Um dia Keith entra no trem a caminho de Londres e encontra Mick a caminho da escola (ele estudava economia, acreditem!). Mick estava com dois discos -- Rockin' at the Hops, de Chuck Berry, e The Best of Muddy Waters. Depois desse dia nunca mais se largaram. Agora s interessava aos dois uma coisa: fazer msica. Encontram outro guitarrista, Dick Taylor, e passam os dias ensaiando.

    No Ealing Club, Alexis Korner dono do show com seu Blues Incorporated, onde toca um baterista do Blues for Five, Charlie Watts. No dia em que os Stones dividem o palco com o Blues for Five Charlie desiste do salrio e das roupas elegantes que usava e entra na nova banda. Brian Jones um dia foi apresentado por Korner e tocou uma slide guitar como s ele sabia tocar. Mick e Keith o convidaram imediatamente e ele aceitou mais rpido ainda entrar na nova banda, levando a dupla de "bons meninos" perdio total: convenceu os dois a sair de casa, alugaram um apartamento conjugado e foram morar juntos. Vivem de pequenos furtos nos supermercados, de vender garrafas e jornais. O baixista que entrou para completar o grupo foi apresentado por um baterista que os Stones experimentaram antes de Charlie entrar no grupo. Seu nome era Bill Wyman, outro precoce: cantava no coral da igreja e batia nas teclas do piano aos 4 anos.

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    Os primeiros shows foram no Bricklayer"s Arms, em 62. Depois passam a tocar no Marquee, no prprio Ealing Club e no Crawdaddy. No tm dinheiro para comprar as roupas bonitas dos mods, no tm nenhuma afinidade com o comportamento burgus tradicional: so a irreverncia e o dio, a contestao e a briga com o sistema, sujos, malditos. As primeiras capas dos discos dos Stones mostram como procuravam parecer "feios". Uma postura rock que mantm na msica que fazem at hoje.

    Bem, tocar no club da moda no era l grande coisa, porm ningum queria investir naquele bando de mal encarados. Foi a que surgiu o anjo da guarda da banda, um garoto de 19 anos chamado Andrew Loog Oldham, sem dinheiro como eles, sem mentalidade e sem meios de investir em uma imagem para o grupo. Uma paixo, contudo, o unia aquelas pedras rolantes selvagens: a adorao pelo blues e pelo rock'n roll. Sem ter o que perder, radicalizou, incentivando o grupo a ser, cada vez mais, um bando rebelde e inconformado que no gostava de cortar os cabelos nem usar roupas bonitinhas. Eles eram totalmente o contrrio de grupos como os Kinks, Animals ou Beatles, que se apresentavam com terninhos e jaquetas de babados como uniforme.

    Oldham tambm no tinha dinheiro para alugar estdios caros, da o som spero e contundente que conseguiu nas primeiras gravaes. O primeiro compacto dos Stones trazia uma msica de Chuck Berry, claro: Come On. Era o ano de 1963. Depois veio Not Fade Away e a excurso pelos Estados Unidos. Mas Jagger e Richards ainda burilavam aquelas que seriam as suas primeiras grandes obras primas, lanadas nos dois anos seguintes, como o sempre clssico Satisfaction. Da pra frente produziriam o repertrio que os consagrou como a maior banda de rock do mundo.

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    Curiosidades... - O termo rithm'blues, a base dos Stones, foi

    "oficializado" em 1949, quando a revista Billboard o utilizou na sua lista de hits, para classificar alguns msicos que comeavam a ganhar espao nas paradas.

    - Beatles e Stones nunca foram inimigos. Muito pelo contrrio. Mick Jagger assistiu a gravao de Sargent Peppers e uma foto histrica registra-o sentado em frente a Paul, que dirige uma orquestra de 40 msicos. Alis, a primeira msica de sucesso dos Stones, I Wanna Be Your Man, de Lennon e McCartney. A lenda (pode ser real) diz que depois de assistir um show dos Stones, Mick chegou at Lennon e pediu uma msica. Os dois Beatles saram para um canto e logo depois entregavam a Jagger a letra. A ele percebeu que, se Lennon e Paul faziam aquilo assim to rpido, porque ele tambm no podia escrever suas prprias canes?

    - Mais Beatles na histria dos Stones: Mick fez parte do coral em All You Need is Love. Brian Jones toca sax na msica que saiu no compacto de Let it Be (You Know my Name).

    - Existe um disco pirata chamado The Beatles and The Rolling Stones at the Rarest. When Two Legends Collide - The Beatles and The Stones, um pirata confuso, mas mostra os dois grupos juntos. O resultado dizem que bom.

    - Agora s Stones: Mick Jagger papou a primeira mulher de Brian Jones. Keith comeu a segunda e ficou com ela. O caso com Mick aconteceu no incio da formao da banda, quando Brian morava sozinho com uma garota e o filhinho (antes de morar com Keith e Mick). Mick foi at o apartamento procurar Brian e ele no estava. Transou com a garota (disse que estava bbado). O caso com Keith aconteceu em Marrakesh, quando todos "viajavam" com

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    cido. Brian tinha levado a namorada, a atriz Anita Pallenberg. Keith diz que quando a situao comeou a ficar pesada fugiu com Anita para Tanger. Marlon Richards filho de Anita.

    - Bem, no foi por isso, sem dvida, que Brian se suicidou. Entre eles muita gente comeu muita gente. Angie Bowie, por exemplo, depois que terminou o acordo que manteve por dez anos com o marido, David Bowie, tempo pelo qual nenhum poderia revelar os segredos do outro, abriu a boca e falou alto e em bom som: Jagger comeu Bowie. Ou Bowie comeu Jagger, no importa. Os dois transaram, e isso um fato. Estorinha ou lenda, s os dois sabem a verdade. Mas nunca fizeram nenhum esforo pra desmentir. Lembrando: a msica Angie dos Stones, Mick fez especialmente pra mulher de Bowie. Ser que ele tambm no traou a moa?

    - Outra lembrana: o nome de Bowie David Jones, e ele assumiu o sobrenome Bowie depois que foi ferido com uma faca que tem esse nome e ganhou aquele olho diferente. Bowie tem um olho verde e outro azul!!!

    - Mais estrias dos Stones e essa bem real e quem quiser conferir pode assistir o filme. Aconteceu durante a excurso americana dos Stones em 70. Jagger havia passado um ano de co, com a morte de Brian e o final da relao que mantinha com Mariane Faithfull. Mesmo assim no conteve sua megalomania, agora que era o lder absoluto dos Stones, e resolveu encerrar a excurso com um grande concerto, grtis. O show foi montado s pressas, no estacionamento da pista de corrida de Altamont, na Califrnia, no dia 6 de dezembro. E se transformou em uma das maiores tragdias do rock. Contratados (isso mesmo), contratados como seguranas do espetculo, os Hell's Angels, o grupo de motoqueiros rebeldes que apavoravam as estradas dos EUA, assassinaram um negro na frente do

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    palco e dos atnitos Stones. Naquele dia morreriam quatro pessoas, o que transformou Altamont em um triste marco na histria do rock e um divisor de guas na cultura jovem (este livro, alis, deve acabar em Altamont). Este show est registrado no filme Gimme Shelter, que vez em quando pode ser visto nos circuitos alternativos do cinema. Jagger cantava Under My Thumb.

    - l969 seria um ano particular na vida dos Stones, o ano das traggias. Em junho, depois de muita disputa entre Jagger e Richards, de um lado, e Brian Jones, de outro (para ver quem detinha a liderana do grupo), Jones, mais frgil, anunciou que deixaria o grupo. No seu lugar entrou imediatamente um garoto prodgio da guitarra, "aluno" de John Mayal e que tambm deixaria sua marca na passagem breve pelo grupo. O nome do garoto era Mick Taylor, loiro como Brian Jones mas sem o carisma de anjo cado do genial suicida. Brian Jones no era apenas um grande msico e um arranjador inspirado: era um elemento bsico nos Stones com sua figura angelical e desprotegida, o contraponto sexual e ambguo de Jagger. Taylor entrou e um ms depois Brian Jones foi encontrado morto, na piscina de sua manso em Sussex. Os Stones estavam ensaiando para a apresentao oficial de Mick Taylor no grande concerto grtis que estava programado para o Hyde Park de Londres. Decidiram ento manter a data e mudar o objetivo do show: agora era um show em homenagem pstuma a Brian Jones. Nesse dia dois grupos arrasaram antes da apresentaa dos Stones, sendo lanados para o mundo: o Family, que pouca gente conhece, e o King Crimson, este sim, o mega grupo do mega guitarrista Robert Fripp, um dos "dissonantes" do rock de quem falaremos adiante. No meio do show, Mick Jagger, todo de branco, declamou um poema de Shelley em homenagem a

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    Brian; "Ele no dorme/ele no morreu/apenas acordou do sonho da vida"

    - Mais estrias: em 1965 os Stones so multados porque urinam em um posto de gasolina. Em 66 processam 14 hotis de Nova York que se recusaram hosped-los. E desse ano a primeira priso de Jagger, Brian e Richards por uso de drogas.

    - Uma mais pesada: dizem que Keith Richard fez duas transfuses totais de sangue para se livrar do vcio da heroina. Bom, hoje parece que prefere ninfetas e o velho bourbon Jack Daniels.

    - Por falar em ninfetas, vocs sabiam que Richards chegou a casar com a filha de Patty Smith, na poca, l989-l990, com 18 anos e ele com quase 50. E o mais interessante: seu filho namorava a prpria Patty Smith.

    - Uma de Mick Taylor: aquele solo em slide guitar maravilhoso de Love in Vain (clssico de Robert Johnson) dele.

    - Uma de Charlie Watts: em nova York o velho Charlie frequentava um clube de jazz e ficou to apaixonado pelo som do grupo que reuniu os msicos e gravou o lbum Charlie Watts Orquestra, com a banda de msicos e ele na bateria. Uma delcia. Foi programado um show da banda no Brasil, cancelado no final por falta de pblico. No ltimo show dos Stones no Brasil, em 98, se Charlie tinha algum resqucio de mgoa em relao ao Brasil, deve ter perdido, porque ele foi o mais aplaudido dos Stones, em todos os shows.

    - Ron Wood entrou no lugar de Mick Taylor em 75, vindo do Faces (grupo de Rod Stewart). Antes tinha tocado baixo no Jeff Beck Group. O novo Stone foi batizado com um show ao vivo nas ruas de Nova York.

    - Na sua primeira excurso os Stones dividiram o palco com Little Richards, Bo Diddley e os Everly Brothers.

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    - Andrew Oldham, quando percebeu que os Stones tinham que gravar msicas inditas e deixar de lado os covers, trancou Mick e Keith na cozinha e ordenou: s saem quando tiverem uma msica pronta. O resultado foi As Tears go By.

    - Satisfaction nasceu de um sonho de Richards. Ele dormia com a guitarra e um gravador ao lado da cama e lembra que acordou na madrugada, ligou o gravador e gravou alguma coisa. Quando acordou tinha trinta segundo do mais letal clssico do rock, com uns acordes de guitarra e a frase: I cant get no...Satisfation

    - Quando ainda era beb de colo, a me de Richards o levou para fazer compras em Dartford. Quando voltaram, a casa em que moravam tinha sido destruda por uma bomba alem.

    - O primeiro sucesso real dos Stones, I Wanna be Your Man, adivinha de quem ? Da dupla Lennon e McCartney.

    O som e os versos de uma gerao Por que os Stones so o que so e continuam na estrada

    at hoje, quarenta anos depois, com a mesma energia, atraindo uma platia de adolescentes, homens maduros, velhos hppies. Bem, sem grandes divagaes, a resposta simples: eles encarnaram em um determinado momento os conflitos de toda uma gerao, colocaram no caldeiro alquimista do rock energia, contestao, grandes canes, letras com uma poesia crua, direta, objetiva.

    Os Stones reuniram trs cabeas e trs msicos com formaes diferentes mas que sempre se complementaram. Mick Jagger o dionisaco mestre de cerimonias, sensual, lascivo, irreverente, belo, arrogante, andrgino. Keith Richards acrescentou ao grupo a energia de uma guitarra que s dele, um som prprio, mistura de acordes e solos rascantes com silncios, pausas, e aquela presena de bruxo

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    no palco, a guitarra baixa, quase nos joelhos, o corpo balanando junkie como ele foi durante muitos anos. Brian Jones e os que ocuparam depois seu lugar tiveram sempre a mesma caracterstica, que complementava o som de Richards: o toque mais bluesy, mais rural, as fuses jazz-blues. Charlie Watts e Bill Wyman segurando o ritmo.

    To importante, porm, quanto o som so as letras de Jagger. Afinal, "o que pode fazer um garoto pobre a nao ser cantar numa banda de rock'n rool"; "vou enfiar minha faca na sua garganta, baby/ e vai doer"; "se eu pudesse enfiar uma faca no coraao/ me suicidar no palco/ seria suficiente para sua nsia adolescente/ iria ajudar a diminuir a dor/ melhorar sua cuca?"; "por favor, d licena pra me apresentar/ sou um homem de fortuna e bom gosto/ ando por a h muito tempo...ento tenha um pouco de gentileza/ tenha compaixo e um pouco de sensibilidade/ use toda sua polidez muito estudada/ ou eu porei sua alma a perder".

    Esses versos fazem parte respectivamente de Street Fighting Man, Midnight Rambler, It's Only Rock'n Roll (But I like it) e Sympathy for the Devil. H platia que resista a voz e maneira de Jagger cant-los?

    O importante nas letras de Jagger sempre foi sua atualidade. claro que ele escreveu muita bobagem mas msicas como Street Fighting Man e Satisfation so um libelo contra as guerras, a mdia, o sistema. Essa a grande sacada. Unindo-se tudo temos os Stones: grandes versos, um grande cantor e performancer, um guitarrista excepcional e um ritmo forte, pungente, nervoso, agressivo, dilacerante. It's only rock'n roll, e ns gostamos.

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    4. Clapton: um deus desce do Olimpo O solo de guitarra, como dissemos, passou a ser o fato

    importante no rock, com os grupos nascendo invariavelmente em torno de um grande guitarrista. O "boom" dos Stones e dos Beatles levou alguns msicos a novas buscas, aos primeiros experimentos. A base era ainda a mesma: o rithm'm blues. Os caminhos porm comeavam a se abrir. E um nome surgia como o mestre da guitarra, e nos anos seguintes mudaria tambm essa histria.

    Eric Clapton a outra seiva do tronco do rock. Nascido tambm no final da guerra (30 de maro de 1945), sua vida sempre foi marcada pelo estigma que acompanhou seu dolo, Robert Johson, uma encruzilhada de dois caminhos, o cu e o inferno.

    Ele foi Deus quando os muros de Londres amanheciam pichados Clapton is God, na poca em que tocava com os Bluebrackers de John Mayal e rastreava o brao da guitarra com solos inspirados. Foi Deus ainda maior no Cream, o supergrupo pioneirssimo que comandou. E desceu ao inferno mais de uma vez, a ltima em 91, quando comeamos a escrever este livro e seu filho de 5 anos caiu da janela do 53 andar do apartamento de luxo em Manhattan onde morava com a me, a estrela da televiso italiana Lory Del Santo.

    Viu morrer amigos e parceiros, sofreu a paixo mais alucinante e em cima dela construiu o mais belo hino de amor do rock, se afundou nas drogas, caiu fora, virou mstico e a est, ainda um tronco vigoroso, gerando frutos.

    O inferno de Clapton comeou na infncia, quando a me o abandonou com a av e o padrasto aos dois anos, numa pequena cidade a 50 quilmetros de Londres (Ridley). S soube disso aos 9 anos, pior ainda, pela boca de outros, e o choque o acompanhou durante toda

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    adolescncia -- e talvez para sempre. Na biografia autorizada de Ray Coleman, publicada em 85, ele confessa: "isso alterou muito minha conduta por toda vida: alterou muito minha perspectiva e minha aparncia fsica porque ainda no sei quem sou".

    O importante porm que naquele ano incrvel, 1961, Clapton tambm j estava em Londres, ouvindo o som que rolava nos pubs, tocando aqui e ali, esperando a vez para substituir Mick Jagger no Ealing Club "quando ele tinha dor de garganta" e, nesse ano, descobriu tambm o disco mgico, The Best of Muddy Waters (lembram-se do encontro de Mick com Keith?). A ele recuou um pouco e descobriu Robert Johson. Estava com todas as ferramentas que precisava na mo.

    Formou o primeiro grupo apenas em 63, o Roosters, quando conheceu Tom McGinness, que o apresentou a Hideaway, banda instrumental de Freddie King, outro papa do blues. Em outubro deixa os Roosters e entra para a primeira de suas superbandas, os Yardbirds. Quando o grupo est pronto para explodir, Clapton sai, descontente com o rumo pop comercial do Yardbirds. Ele queria tocar blues, no aquela msica comportada e harmnica do Yardbirds. "Se no fosse msica negra, era lixo", diz na biografia.

    O prximo grupo foi o Bluesbreakers, de Mayall, em que ficou um ano (65/66) e onde conseguiu chegar ao que queria: um grande trabalho de guitarra, deixando a voz para segundo plano. Mayall era 12 anos mais velho que Clapton e seu Bluesbreackers foi a grande escola para toda uma gerao de msicos que brilharia nos 60 -- Peter Green, Jack Bruce, Mick Taylor, Aysley Dunbar, Mic Fleetwood.

    Eric Clapton Featured with John Mayall's Bluesbreakers, o disco gravado em 66, transcendeu tudo que havia sido feito pelos "guitarristas brancos" at ento e

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    se tornou uma bblia em todo o mundo. Ali ele era o primeiro guitarrista de rock com um estilo absolutamente prprio, combinando velocidade, fluidez, sentimento, emoo, agressividade tudo que o blues exige de um msico de blues. Nessa poca, Clapton j dominava e havia aperfeioado tcnicas como a sustentao por feedback e o som de vlvula sobrecarregada, com amplificadores Marshall. Como no existiam jogos de cordas leves com a 3 sem revestimento, substituiu essa corda por uma outra de banjo, o que lhe permitiu ampliar o mbito de seus solos, ajudar no vibrato e na toro das notas. A revista Rock Espetacular, edio de 1976, afirma que B.B. King diria que s existiam dois guitarristas capazes de faz-lo suar de verdade: Peter Green, que substituiu Clapton na banda de Mayall, e o prprio Eric.

    Outro marco na carreira de Clapton, ainda dentro do Bluesbrackers, foi o contato com Jack Bruce. Clapton havia se afastado por trs meses da banda, em 65, e na volta encontrou aquele contrabaixista maluco, que incursionava pelo jazz, pelo blues, fazia uma fuso e destroava as cordas. Com Bruce, Clapton parou de imitar os discos de blues e passou a procurar um caminho prprio. A formao jazzy de Bruce levava o grupo improvisao e Clapton a novas descobertas. A surgiu o Cream. Bruce despertou em Clapton o desejo de voar mais alto e eles decidiram voar juntos. Faltava um baterista que partilhasse as mesmas idias, que encontraram em Ginger Baker, outro que pendia para as improvisaes do jazz.

    O Cream foi o creme de la creme do rock, abriu caminhos inteiramente novos, influenciou todos os grupos que vieram depois. At ento as platias adolescentes urravam ao som de qualquer grande banda mais conceituada, ningum ainda discutia ou parava para "ouvir msica". Isso aconteceu com o Cream. Eles formaram o

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    primeiro power trio do rock, o primeiro grupo onde cada um se revezava para mostrar suas habilidades individuais. A base ainda era o blues, mas o som viajava no palco nos solos ou na fuso brilhante dos trs virtuoses. Uma marca registrada do Cream, que imitada ainda hoje, est na msica "Sunshine of Love", no famoso riff combinado de guitarra e baixo tocado em solos unssono. No estdio eram um grupo normal; no palco faziam um furor, dando a primeira abertura para coisas que viriam depois como a fusion rock-jazz e o prprio heavy-metal.

    No Cream a guitarra de Clapton explodiu, seu som ficou mais puro, quando queria, e mais "sujo", depois, quando descobriu o woman-tone, o toque feminino, extravagante, distorcido. Apesar de toda essa revoluo, um dia a revista Rolling Stone descreveu Clapton como "o mestre do clich". Nessa ocasio ele ouviu tambm o disco de um novo grupo americano que tocaria com um sujeito chamado Bob Dylan, o The Band, e decidiu: esse o som que vou fazer agora. E o Cream acabou. Era novembro de 1968. Nasceu logo depois o Blind Faith, com Steve Winwood (ex-Traffic), o mesmo Ginger Baker e Rick Grech, baixista da Family (aquela que veio ao mundo no concerto dos Stones para Brian Jones, junto com o King Crimson). O grupo durou apenas aquele 1969, mas deixou pelo menos um clssico, a linda Can't Find my Way Home, de Winwood, alm do primeiro spiritual de Clapton, Presence of Lord. Nessa poca, quem abria os shows do Blind Faith era um grupo comandado por Delaney e Bonnie Bramlett, com apresentaes despretensiosas e misturas de soul e rock. Clapton algumas vezes viajava no mesmo nibus com o grupo e lembra que "muitas noites tocava tamborim com eles, me divertindo mais que com o Blind Faith". Ento, quando o Blind Faith acabou Clapton

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    patrocinou uma excurso do Delaney e Bonnie Inglaterra, tocando com o grupo.

    dessa poca o primeiro grande revs de sua vida, depois da descoberta de que fora criado pelos avos. Clapton era amigo ntimo de George Harrison, o pessoal do Delaney e Bonnie que tocava com ele estava gravando All Thing Must Pass, o lbum solo de Harrison e Clapton cai literalmente de paixo por Pattie Boyd Harrison, isso mesmo, a mulher de George. A ele j excursionava com um grupo que chamou Derek and the Dominos, e para fugir daquela paixo louca viajou para Miami, onde produziu sua outra grande obra prima, um dos mais belos hinos de amor do rock: Layla.

    Nesse momento, Clapton j estava totalmente entregue herona e as gravaes foram feitas estimuladas pela droga. Uma noite decidiram ouvir um concerto ao ar livre com a banda dos irmos Gregg e Duane Allman, os Allman Brothers, e depois do show Clapton convidou Duane para uma jamm no estdio. Dez dias depois estava pronto o album Layla and Other Assorted Love Songs. A ajuda de Duane e sua agonia romntica produziram Layla. Depois disso Clapton voltou para a Inglaterra, no conseguiu produzir o novo disco e passou a viver recluso em sua casa em Surrey, sustentando um vcio de heroina de 1000 libras por semana. Voltaria aos shows em 1973, graas principalmente ajuda de Pete Townshend, do Who. Mas s se recuperaria totalmente em 1974, atravs da cura por eletroacupuntura. E paramos sua histria por aqui.

    Curiosidades - Clapton se afundou nas drogas, loucamente

    apaixonado por Pattie Harrison, mas um dia ela sucumbiu paixo e at 1986 foi a Sra. Clapton.

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    - Duane Allman, grande responsvel por Layla, morreu de acidente de moto em 1970.

    - Depois de superar a crise da dependncia de herona, o primeiro disco de Clapton foi 461 Ocean Boulevard e inclua uma cano tradicional e de nome sintomtico: Motherless Children (filhos bastardos seria uma traduo pesada mas por a -- e essa msica Richie Havens cantou em Woodstock).

    - O Cream foi o primeiro grupo a tocar no Madison Square Garden. E foi o primeiro grupo a gravar faixas longas em um disco.

    - Slowhand, nome do lbum em que aparece "Cocaine", o apelido de Clapton: mo leve.

    - O velho Ginger Baker gravou um disco em 1986, Horses and Trees, com solos de bateria bem afro e adivinha quem toca com ele? Nada mais nada menos que o brasileiro Nan de Vasconcelos, que arrasa quando entra no espao que Baker deixa pra ele na faixa Satou. Nan toca berimbau, cuca e faz backing.

    - A primeira vez que tocou como msico de estdio, em 4 de maio de 1964, Clapton gravou duas faixas com o pianista-vocalista de blues Ottis Spann. No estdio estavam tambm Muddy Waters, na guitarra, Ransome Knowling, no baixo, Willie Smith, na bateria e outro guitarrista que comeava a chamar a ateno: Jimmy Page. Page tambm tocou harmnica.

    - O lbum "Branco", dos Beatles, de 68, tem um solo de Clapton considerado uma pea mgica para guitarra, na faixa While my Guitar Gently Weeps. Weeps o mesmo que chorar, ok! D pra entender?

    - Ginger Baker tambm foi baixista e vocalista ocasional na banda de Alexis Korner.

    - Jack Bruce participou do "Lifetime", de Tony Williams, com John Mc Laughlin, tocou com o guitarrista

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    Larry Coryel, com Mitch Mitchell e fundou o "West, Bruce and Laing". Em 74 formou um grupo com o ex-stone Mick Taylor.

    - O Cream foi o primeiro grupo a gravar um lbum duplo com msicas inditas; o primeiro a improvisar com liberdade; o primeiro grupo de rock a tocar peas longas.

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    5. Beck & Page: razes novas Quando Clapton deixou o Yardbirds para formar o

    Cream, em l965, recomendou para seu lugar um guitarrista arredio, agressivo s vezes, mas criativo e sensvel como poucos e afinado com o esprito que baixava na turma: a paixo pelo blues eletrificado. Jeff Beck j havia tocado com os Tridents, grupo de blues sem sucesso algum, apesar de ter se apresentado em locais que os Stones fizeram famosos. O Yardbirds procurava um caminho mais comercial: Beck deu o que queriam e muito, muito mais, muito mais at que o prprio Clapton na sua passagem anterior pelo grupo.

    Beck usava uma guitarra Fender Squire (com um pick-up ao invs de dois) e com o instrumento criou sons revolucionrios, como o solo em Shapes of Things - essa composio mais tarde regravaria com seu prximo conjunto, o Jeff Beck Group, com Rod Stewart nos vocais, transformando-a em uma das primeiras obras-primas do rock pesado. Ele foi to ou mais atrevido que Clapton, dominava todas as notas, virava escalas pelo avesso, desdobrando tudo em sequncias novas, com acordes dissonantes e uma energia impressionante. Nas improvisaes, entrava em momentos que ningum imaginava. Um ano depois Jimmy Page, at ento um requisitadssimo msico de estdio, entrou tambm no Yardbirds, compondo com Beck duelos originais durante apresentaes ao vivo que, uma pena, nunca foram gravadas. Esse trabalho, porm, est imortalizado no filme "Blow Up", de Michelangelo Antonioni, em uma cena onde Jeff Beck arrebenta sua guitarra contra o amplificador, para delrio da platia. Logo depois deixa o grupo, partindo para o seu trabalho solo, com o Jeff Beck Goup.

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    O Jeff Beck Group era outra reunio de virtuoses. Rod Stewart fazia os vocais com sua voz rascante de negro; John Paul Jones (tambm da turma f de Alexis Korner no Ealing Club e mais tarde do Led Zeppelin), ficava com o teclado Hammond, Ron Wood (o substituto de Mick Taylor nos Stones) tocava baixo e Nicky Hopkins (o eterno free-lancer do rock, tambm msico de estdio dos Stones) dedilhava o piano acstico. Com essa banda Jeff Beck gravaria canes antolgicas, como You Shook Me, o clssico de Willie Dixon que Page depois arrasaria com o vocal de Robert Plant no Led Zeppelin, e Blues de Luxe, com o solo acstico e mgico no piano de Hopkins. Sobre You Shok Me, Beck diria, na apresentao da capa do disco (Truth): "provavelmente so os sons mais speros j gravados e devem ser ouvidos quando se estiver com raiva ou muito louco. A ltima nota da cano minha guitarra suspirando". No lbum estava ainda o Beck's Bolero, escrita por Jimmy Page. Beck, no entanto, j no se dava bem com Rod Stewart e Ron Wood e a banda no tocou em Woodstock devido s brigas, morrendo ali, em 69. Nesse ano Beck tambm sofreu um acidente de automvel, ficando em tratamento durante 18 meses. Voltaria com garra depois de 72 com Tim Bogert e Carmine Apice, dois integrantes do Vanilla Fudge -- grupo norte-americano que fazia sucesso no final dos sessenta junto com o Iron Butterfly. O Beck, Bogert and Apice detonou um dos mais poderosos sons do rock pesado na metade dos 70, mas ningum compunha e o grupo no conseguiu levar ao vinil a mesma energia que levava ao palco. Depois disso ainda participou de alguns grupos mas cada vez mais se dedicou ao seu trabalho pessoal, passando a se direcionar mais para a fusion com o jazz. Do tempo do Yardbirds restaria o seu trabalho conjunto com Jimmy Page e J.P. Jones, que

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    deflaglariam no final dos sixties o que seria o grande grupo de blues-rock pesado de ento: o Zeppelin.

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    6. Led Zeppelin: chumbo no rock Quando procurava formar sua banda, Jimmy Page

    estava antenado com as mudanas que ocorriam em todo panorama cultural naquele que foi o mais importante ano da dcada: 68. Os estudantes franceses faziam barricadas e brigavam com a polcia, nos Estados Unidos queriam "levitar" o Pentgono em protesto contra a guerra do Vietn, no Brasil, o teatro radicalizava com O Rei da Vela e o na msica nascia o movimento tropicalista. Os Beatles j tinham lanado sua obra-prima, Sargent Pepper's; os Stones, o Their Satanic Majesties Request e o Beggar's Banquet.

    Alguns grupos de vida paralela -- Animals, Kinks e o prprio Yardbirds -- estavam dando lugar a novas experincias como o King Crimson, The Who, Troggs, saindo do rithm'blues para trabalhos mais revolucionrios. Page sabia que o momento era o adequado para o lanamento de uma nova banda que tivessse uma proposta nova. J havia tocado com Clapton, John Mayall, e substitudo Jeff Beck como guitarra-solo nos Yardbirds. Agora queria seu grupo. Com o fim esperado dos Yardbirds, criou o New Yardbirds, na realidade o embrio do Led Zeppelin. Precisava porm dos msicos certos e ningum queria investir no seu projeto. Na realidade Page pensava em fazer um trabalho mais acstico, mais folk e no o trovo que seria o Zeppelin. Queria uma msica intermediria entre o suave e o pesado. O mercado, contudo, pedia um som mais pesado, como o Iron Butterfly, que sobrevivia nas paradas americanas h anos com o lbum In-A-Gadda-Da-Vida, com suas repetitivas, saturadas e distorcidas escalas de blues. Page j havia feito incurses experimentais no Yardbirds com o arco de violino tocando as cordas da guitarra (o filme The Songs

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    Remais the Same apresenta sua performance com essa estranha mistura) e queria mostrar alguma coisa a mais.

    Enquanto no fechava o crculo, Page trabalhava em estdio. Na ocasio estava participando do LP de Donovan, Hurdy Gurdy Man, e John Paul Jones perguntou se ele no precisava de um baixista no novo grupo. Ok, um msico que conhecia bem, e um bom msico, ele j tinha. Agora precisava de um cantor, mas no apenas um vocalista comum, e sim algum com fora e que tivesse o domnio do palco, que pudesse ser o oposto da guitarra, o outro lado forte da banda. Os bons cantores da poca estavam todos ocupados. Terry Reid, um garoto promissor de 18 anos foi consultado mas tambm estava contratado, ento recomendou um outro garoto que cantava em um grupo de Birminghan, no norte da Inglaterra. Ele era chamado "o selvagem do blues da terra negra" e liderava a banda Hobbstweedle. Seu nome: Robert Plant.

    Jimmy saiu de Londres com o empresrio Peter Grant e o baixista dos Yardbirds, Chris Dreja, e foi at Birmingham ver um show de Plant na faculdade local. Ele usava um caft mouro e colar de contas, cabelos enormes, mas o que mais intrigou Jimmy foi aquele soprano, aquele uivo lancinante e a sensualidade carregada e prpria de Plant. O choque foi grande mas Page demorou ainda um pouco para se decidir. Alguns dias depois convidou Plant para ir at sua casa, onde mostrou seus discos favoritos e falou, falou, falou sobre o que queria fazer: uma msica pesada, porm com toques mais leves e lentos, dinmica, luz e sombra. Plant topou a parada e recomendou o baterista que tocara com ele, John Bonham, um peso pesado, vigoroso, que todos chamavam de Bonzo por causa do personagem de uma tira de quadrinhos. Bonzo tambm fazia um som particular, costumava forrar o interior do bumbo com papel alumnio e a porrada de sua baqueta fazia

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    aquilo soar como um canho. Quando ouviu Bonzo, Jimmy decidiu enfim que tipo de som faria. A formao estava completa. No primeiro ensaio, a primeira msica que tocaram foi The Train Kept a-Rollin?, que o nmero apresentado pelos Yardbirds no filme Blow-Up.

    Algumas semanas de ensaio depois, e eles estavam excursionando pela Escandinvia, com o nome de New Yardbirds. Na volta Jimmy percebeu que no tinha sentido aquilo, pois o grupo tinha outra identidade. Keith Moon, baterista do The Who e dolo de Bonzo deu a sugesto para Led Zeppelin. O grupo passou a se apresentar nos clubes de Londres, mas no sensibilizava o pblico. Jeff Beck e Clapton chamavam toda a ateno dos jornalistas e ningum prestava muita ateno no trabalho ainda em formao de Page. Peter Grant percebeu que no iam conseguir nada e decidiu levar o Led Zeppelin para os Estados Unidos. Uma cantora veterana, desconhecida aqui (Dusty Springfield) recomendou o grupo aos executivos da Atlantic e logo depois o Zeppelin era um dos primeiros grupos ingleses a assinar contrato com uma gravadora americana. Mas Peter era esperto e sabia que no adiantava muito concorrer com o Jeff Beck Group, onde Rod Stewart conquistava com seu carisma a ateno do pblico a ponto de encobrir a figura de Jeff. Esse, alis, um dos motivos que levou ao fim do grupo. Com o Jeff Beck Group fora de cena, a pista toda era do Zeppelin. O primeiro disco saiu ainda em 68 e foi sucesso imediato.

    Durante alguns anos o Led Zeppelin deixaria alguns clssicos, muitas histrias envolvendo misticismo, magia, alguns acidentes e duas mortes que levariam o grupo ao fim. Os acidentes comearam quando o Led decidiu voltar a Inglaterra para uma excurso, aps o lanamento do lbum Phisical Graffiti, um dos discos mais caros do rock at ento com sua capa cheia de janelinhas vazadas. Eles

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    haviam se apresentado na Inglaterra um ano e meio atrs e agora planejavam a que seria a maior excurso do Zeppelin, quando Plant tem uma infeco de garganta. Logo depois Jimmy Page tem o dedo mdio da mo esquerda prensado na porta de um trem. A excurso foi um sucesso porque o Zeppelin tinha um equipamento revolucionrio de som e luz e John Bonham e J. Paul Jones seguraram o pique do grupo. J.P. Jones no era apenas um tecladista e baixista inspirado. Ele foi a essncia musical do Zeppelin, o construtor da tecitura harmnica do grupo. Bonzo, de seu lado, segurava o pique com sua bateria de trovo. Curiosamente, naquele ano a Playboy elegeu Karen Carpenter "a melhor baterista do ano", com Bonzo ocupando a segunda colocao.

    Plant voltaria a se acidentar logo depois, esborrachando o carro durante as frias na Grcia. E em 77, em plena turn, recebe a notcia de que seu filho Karac, de cinco anos, havia falecido. Bonzo morreria dois anos depois, de overdose de vodca, acreditem. Foi o fim.

    Curiosidades - O primeiro disco do Zeppelin, considerado o melhor

    lbum de estria de um grupo de rock, foi gravado em menos de trinta horas de estdio, ou seja, menos que uma semana. basicamente um disco de blues, com a eletrificao chegando ao limite. Todas as faixas so antolgicas.

    - Robert Plant foi o primeiro soprano a usar o vocal agudo em seus limites para cantar blues. - Os primeiros shows do Zeppelin nos EUA foram como abertura dos shows do Vanilla Fudge. - A febre da pirataria era to grande com o Zeppelin que o empresrio saia antes do show procurando microfones escondidos.

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    - Starway to Heaven foi a primeira letra publicada pelo grupo. - Em algumas msicas do Zeppelin, Jimmy chegou a usar at seis guitarras, superpondo as gravaes para obter aquela muralha de som caracterstica do grupo. - No filme The Songs Remains the Same, Jimmy atravessa o tempo todo, erra frases seguidamente. O filme mostra tambm um Robert Plant decadente, sem a energia do incio do grupo e sem a menor presena de palco. Talvez por isso a comera insiste o tempo todo em focalizar abaixo de sua cintura. Mas, como disse um jornalista na revista Violo & Guitarra, comentando o filme: "duas horas de cala justssima de Plant no valem uma requebrada de Jagger". - Quando os punks invadiram a Inglaterra, em 77/78, o Led era a banda preferida para os ataques do grupo.

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    7. Arvores vizinhas Bem, naqueles sixties, alguns novos grupos se

    firmariam no cenrio do rock ingls, no com a fora dos pioneiros, porm com importncia que no pode ser desmerecida. Da mesma poca dos Stones, Beatles e Clapton, e na mesma linha de resgate-recuperao do rithym'nblues, o mais importante foi Eric Burdon com o Animals. Outro veterano, este em uma linha mais popular e correndo quase que na raia dos Beatles, foi o Kinks de Ray Davies. O Deep Purple correu em raia paralela ao Zeppelin. Grupos menos importantes, mas que fizeram sucesso tambm na ocasio, foram o Dave Clark Five e os Hermans Hermiths.

    Mais importante, porm, foram quatro grupos que surgiram em meados da dcada e que deixaram marcas e criaram filhotes. Cada um com um trabalho particular: The Who, com a energia destrutiva-construtiva do guitarrista Pete Towshend e do baterista Keith Moon; o Traffic, de Steve Winwood e Jim Capaldi; e o mais radical de todos, um grupo que teria sua formao alterada ao longo dos 20 anos seguintes e que se caracteriza pela radicalizao do projeto experimental de seu lder, o guitarrista Robert Fripp. Este grupo o mesmo King Crimson que foi lanado com sucesso no concerto dos Stones em homenagem a Brian Jones. Do King Crimson falamos no apndice deste livro, nos ritos de passagem. O quarto grupo bem menos conhecido, porm no menos importante. Pouca gente ouviu falar nos Troggs, precursores com certeza do punk com suas bases de guitarra distorcidas e vocal debochado. Com eles encerra-se o ciclo do rock ingls dos anos 60. Depois, claro, surgiriam os grandes grupos do heavy-rock e principalmente do rock progressivo e da head-music, como Yes, Genesis e Pink Floyd (tambm no apndice).

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    Agora atravessamos o oceano para a praia do rock americano, que no teve grupos to importantes como esses ingleses mas que criou bandas especiais, com linhas de trabalho pontificadas de um lado pela poesia, de outro pela protest-song e pelas fusions. Antes de tomar o navio, porm, vamos falar de um negro que, embora nascido em Seattle, Washington, no dia 27 de novembro de 1942, construiu sua carreira e seus melhores trabalhos na Inglaterra.

    Ele foi o primeiro negro a se impor no cenrio branco dessa fase do rock e at hoje os melhores guitarristas do mundo, com toda parafernlia eletrnica dos pedais e sintetizadores, continuam tentando descobrir o que ele fazia para tirar, com apenas um Fender e um wah-wah, aqueles sons mgicos. Seu nome merece ser pronunciado com reverncia: Jimi Hendrix.

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    8. Hendrix: o deus negro da guitarra "I don't mind, I don't mind Alright, if all the hippies cut off all their hair I don't care, I don't care Dig, 'cos I got my own world to live through And I ain't gonna copy you" "Quando se ouve Jimi Hendrix percebe-se o quo

    besta, inspida, linear e entediante a msica que a maioria dos jovens se dedica a escutar e idolatrar atualmente". Este texto abre o comentrio do jornalista Airton Seligman sobre o ltimo disco de Hendrix lanado no Brasil, publicado no Estado de S. Paulo, dia 19 de maro de 1991. Maro de 91!!! E a opinio de Seligman coincide com qualquer pessoa de bom senso em matria de msica, principalmente porque at hoje ningum superou Jimi na guitarra. E muita gente tenta imitar o que ele fazia com apenas uma guitarra e um pedal simples de Wah-Wah, utilizando mesmo toda a parafernlia tecnolgica das baterias completas de pedais disponveis. Em vo.

    Como guitarrista, Jimi redefiniu totalmente as possibilidades desse instrumento, da mesma forma como Jack Bruce mostrou que o baixo no era apenas um instrumento de apoio e Charlie Parker redefiniu o saxofone. Como compositor deixou algumas jias, puros diamantes lapidados com imagens surrealistas, msticas, sem perder a caracterstica sensual e agressiva do blues. A revista Rock Espetacular, de 1976, afirma que enquanto ele viveu no houve lugar para mais ningum. "Ele no s eclipsou Eric Clapton e Mick Jagger, como fez de todos os demais, msicos antiquados, quase medocres". Acrescentamos: ainda est para nascer um guitarrista como Jimi.

    James Marshall Hendrix nasceu em Seattle, Washington. A me, Lucile, era descendente de ndios, por

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    isso Jimi passou grandes temporadas com a av, uma autntica Cherokee. O pai lhe deu um violo aos 11 anos. Um ano depois vendeu o prprio sax para dar ao filho uma guitarra eltrica. Aos l6 anos sai da escola, aos 21 est no exrcito. Era o ano de 1963. Na hora de optar, Jimi vai para o Regimento de Paraquedistas, j prenunciando os vos que faria nos anos seguintes. Quatro meses depois desmobilizado, com um tornozelo quebrado. Segundo a histria, em um nico dia saltou 26 vezes. J era um maluco.

    Ao sair do exrcito Jimi voltou a abraar a guitarra e de conjunto em conjunto chegou a participar dos grupos de Little Richards, Isley Brothers (com quem gravou o primeiro disco), Wilson Picket e Yke and Tina Turner. Em 64 passeia pelo Greenwich Village de Nova Iorque e toca com John Hammond, deixando j de boca aberta estrelas como Dylan, os Beatles e os Stones. Foi quando teve sua grande oportunidade, pelas mos de Chas Chandler, ex-baixista de Eric Burdon nos Animals. Chas passou a produzir discos e levou Jimi para a Inglaterra. A idia de Chas era colocar no palco, juntos, Clapton e Hendrix. Mas Clapton estava muito ocupado com os Bluesbrakers e depois o Cream. Ento decidiu criar uma banda prpria, nos moldes do mesmo Cream, com apenas trs msicos. Mith Mitchell foi escalado na bateria, Noel Reding ficou com o baixo e surgiu o grupo definitivo para as aventuras do Deus negro: o Jimi Hendrix Experience. Antes de gravar, contudo, Jimi e banda acompanharam o roqueiro francs Johnny Halliday e quando voltou da Frana tocou com o New Animals. A histria conta que Chas teve que vender seus seis contrabaixos para financiar a festa em que apresentou Jimi e conseguiu o contrato para o Experience acompanhar o New Animals. Na segunda apresentao roubaram a guitarra de Jimi e Chas vendeu seu ltimo baixo

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    para comprar-lhe outra. Dois dias depois, Hey Joe, gravada pelo selo Track, do empresrio do Who, estourou na Inglaterra e o grupo passa a ser requisitado para tocar nos clubes e concertos por todo pas.

    Novamente uma little help dos amigos: ia acontecer o festival de Monterrey (junho de 67), nos Estados Unidos, e Brian Jones deixa Londres para convencer os americanos que o festival no seria o mesmo sem o Experience de Jimi. Junto com Hey Joe, j havia sido lanada a cano-identidade de Hendrix, Purple Haze e o LP Are You Experienced. Jimi aceito e coloca todo mundo no bolso. Sua apresentao antolgica. No fim do show Jimi ataca o clssico que havia sido sucesso com os Troggs - Wild Things -, e tem que agradecer quase meia hora de aplausos quando a platia vai ao delrio, o palco em chamas. Jimi simplesmente "faz amor" com a guitarra, joga o lquido de um isqueiro no instrumento, toca fogo e continua tirando sons, microfonias, a guitarra em chamas na cabea. Deus e o Diabo em um ritual de som e magia arrebatador. O filme do Festival mostra todo o espetculo. Nesse mesmo dia, apenas uma branca do Texas faria tanto sucesso: Janis Joplin.

    A apresentao em Monterrey valeu um contrato para apresentao do Experience no Fillmore West, a casa de Bill Graham mais prestigiada na ocasio, e uma srie de shows que consolidaram definitivamente a imagem de Jimi nos EUA. Depois, ele volta com a banda para Londres. Are You Experienced sucesso no mundo inteiro.

    Com o Experience, Jimi acelerou em 68 o processo autodestrutivo de seu trabalho: destrua amplificadores, danava com um demnio, sensualidade e beleza, som e fria, tocando a guitarra nas costas, com os dentes, tirando som das cordas no pedestal do microfone, fazendo dos falantes caixa de ressonncia para suas experincias com a

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    distoro. E mantinha tudo sob controle. Mas no dava para ser to performtico a vida inteira. E Jimi percebia que aquilo teria que ter um fim, queria ser ouvido pela sua msica, no pelos escndalos que provocava. dessa fase as famosas 40 horas de fitas que o seu engenheiro de som e produtor Alan Douglas tem registradas, e que solta homeopaticamente em discos (fora os piratas que saram depois de sua morte). Nessas jamms e brincadeiras Jimi tocou com todo mundo, de guitarristas como John McLaughlin ao trompetista Miles Davis e qualquer um que aparecesse. A nica coisa com que se ocupava eram mulheres, a droga que o consumia e iria mat-lo e a msica.

    Toda tristeza e loucura, porm, no afetavam a msica de Hendrix. Ele continuava a frente do seu tempo, subvertendo os limitados recursos da guitarra, tirando captadores de fase para melhor usar a microfonia e sustentar as notas. Sua tcnica tambm nica, tanto que ningum at hoje consegue executar muitas de suas msicas. Nas composies mostra um letrista inspirado, refletindo sempre a angstia em que vivia. A letra de Purple Haze tudo isso.

    Com Mitchell e Reding grava em seguida o Eletric Ladyland, recebido com indiferena, porque no trazia aquele esprito de incendirio, contestador. Um lbum, porm, criativo e forte. Depois dele o Experience se desfaz e chegamos ao ano de 69, o ano de Woodstock. Ali, novamente, Hendrix volta a brilhar como nunca, quando toca o hino dos Estados Unidos, Star Splanged Banner, e traz para a platia de 400 mil pessoas o som das bombas que caiam no Vietn.

    No ano seguinte grava com Billy Cox, no baixo, e Buddy Miles, na bateria, o Band of Gipsies. Em agosto volta Inglaterra e se apresenta no III Festival da Ilha de Wight. No dia 18 de setembro, numa quinta-feira de manh,

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    sua namorada, Monika Danneman, deixa Jimi dormindo para ir comprar cigarros. Ao voltar, ele est muito mal. Havia tomado remdios em excesso para dormir. Na ambulncia, os mdicos acham que ele est bem, o colocam sentado. Jimi no respira bem. Morreu sufocado no prprio vmito antes de chegar ao hospital. No houve overdose ou tentativa de suicdio. Na realidade foi um acidente. O rock d o toque

    Todo esse movimento musical que floresceu na Inglaterra influiu e foi acompanhado por uma revoluo que se espalhou pelo mundo. A juventude inglesa criou naqueles anos 60 identidade prpria na moda, no comportamento, na forma de ver e ler o mundo, antecipando os movimentos que seriam deflagrados na Frana, com a revolta dos estudantes em maio de 68, e na Tchecoslovquia, com a Primavera de Praga, iniciando ali o fim da Guerra Fria que seria selado com a queda do muro de Berlim. A violncia estudantil explode em Roma, Berlim, Amsterd, Cidade do Mxico, So Paulo, Rio de Janeiro. A "revoluo de 68" foi um dos acontecimentos mais importantes da histria contempornea e teve como mola propulsora o rock e o movimento hppie. O estopim que levou os estudantes franceses rua foi o protesto contra a priso de um colega do comit contra a participao americana na Guerra do Vietn. Estes dois assuntos, infelizmente, merecem um livro parte.

    Quando os Beatles e Stones deixaram o cabelo crescer os adolescentes do mundo inteiro aposentaram o estilo escovinha do exrcito e s iam ao barbeiro para aprimorar o corte. Mary Quant mostra que a mulher no mais a mesma e na esteira da liberalizao que ganhava impulso com o movimento feminista lana a mini-saia, revolucionando para sempre a maneira da mulher se vestir.

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    Os orientalismos se impem nas roupas coloridas, batas indianas invadem o mundo, colares, chapus, miangas e todo tipo de adereo vestem a nova juventude que tem nos dolos do rock o seu espelho. As drogas j haviam sido exploradas at em aulas das universidades americanas (vemos adiante as experincias de Timothy Leary), os festivais de msica deixam a cidade e incentivam a vida no campo, o drop out leva europeus para o mais distante Oriente, os americanos para o deserto e as fazendas e os brasileiros tambm formam comunidades alternativas. Todos os grandes grupos ingleses j haviam invadido os Estados Unidos e a contra-influncia musical estava imposta. Lembrem-se que no incio dos 60 os ingleses foram buscar inspirao nos blueseiros americanos; agora eram os americanos que reincorporavam o som desenvolvido pelas bandas inglesas. No entanto, apesar de ser o grande detonador das mudanas da dcada, foram os Estados Unidos que exacerbaram e venderam ao mundo a nova filosofia dos anos 60. o que vemos na segunda parte deste trabalho.

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    Parte II

    9. Ecos americanos

    A fria e a energia do rock ingls fez eco imediatamente no solo americano, onde na verdade algumas cabeas pensantes j derivavam para novos caminhos musicais alm do rock'n roll primrio de Berry, Presley e parceiros. A Inglaterra, contudo, circunscrita em um horizonte geogrfico menor, teria como marca uma unidade que demoraria um pouco para se desestruturar. Todos os grandes grupos do rock ingls, nascidos at o meio da dcada, tinham uma caracterstica comum: eram filhos de uma mesma raiz, galhos da mesma rvore, como mostramos com as bandas de que j falamos anteriormente. Nesse grupo corriam por caminhos que poderiamos chamar de paralelosos Kinks, o Crimson de Fripp, os Troggs. E os Beatles, claro. Todos os outros beberam na mesma fonte: o rithm'n blues e o rock'n roll.

    Nos Estados Unidos, de um lado, justamente pelo aspecto geogrfico -- um pas de grande extenso territorial, cheio de contrastes --, de outro pelo caldeiro em ebulio onde se misturavam os movimentos estudantis, as reivindicaes dos grupos negros e a prpria efervescncia cultural renascida com os beatnics, o rock j floresceu com vertentes diversas.

    Numa classificao superficial, observaremos que de um lado surgia uma linha de trabalho ligada ao rock, porm com uma base muito mais presa cano folclrica. Nessa linha, inclusive, vamos ter os trabalhos mais fortes do ponto de vista poltico. Se os Stones criticavam a comodidade burguesa, Dylan, Joni Mitchel, Jefferson Airplane, Neil Youg e alguns outros batem mais fundo nas mazelas da sociedade americana. O Velvet Underground, de Lou Reed,

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    "parido" pelo papa da pop art, Andy Warhol, vai tocar no bass-fond, na droga que circula na rua, no lado perigoso da rua, no wild side. O Doors de Jim Morrison brinca com a literatura e Jim faz do palco a tribuna onde canta seus poemas loucos.

    Aqui vale uma observao. Quando falamos dos grupos do rock ingls no esquecemos de nenhum daqueles que consideramos importantes. Nos Estados Unidos, porm, o leque abre mais e correremos o risco de deixar de fora gente importante. Vamos comear porm pelo poeta dos poetas do rock americano, pela voz que foi backing nas grandes passeatas de protesto dos estudantes, o homem que ensinou que no preciso ter um homem do tempo para saber para que lado sopra o vento.

    Primeiro vamos nos posicionar dentro da situao americana naquele perodo, bastante diferente da que viviam os jovens ingleses. No final, quando concluirmos o trabalho com as "vozes e sons" da Amrica, vocs vo perceber que tudo se une e porque terminamos a dcada e esse livro naquele 6 de dezembro fatdico do Festival de Altamont.

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    10. Ventos novos na Amrica Os Estados Unidos entraram na dcada de sessenta

    tambm com uma bomba de efeito retardado nas mos. O fim da guerra gerou nos anos 50 os filhos do baby-boom, com os americanos comprando carros, televises, geladeiras e todos os bens de consumo que o dinheiro fcil permite adquirir. A prosperidade econmica, contudo, tinha como contracenso uma quase represso cultural. Era a poca da caa as bruxas do macartismo, o que, junto necessidade do pas de participar de nova guerra localizada (Coria), praticamente eliminava a possibilidade de oposio na vida poltica da sociedade americana. E a cultura refletia esse estado de esprito, reproduzindo as idias dominantes.

    A constante ameaa que a Guerra Fria colocava na cabea dos americanos transformava o comunismo (e os soviticos) no inimigo pblico nmero um (o movimento macartista, criado pelo Senador McCarty nasceu como uma verdadeira caa aos comunistas) e a prpria universidade vivia este conservadorismo e nacionalismo exacerbados. Essa situao foi explodir no que vimos depois, com os grandes movimentos estudantis e o surgimento dos hppies (falamos deles mais tarde). Mas vamos por etapas.

    O baby-boom do ps-guerra viria enfrentar logo em 53 e 54 o primeiro choque com a recesso e os reflexos do envolvimento dos Estados Unidos na Guerra da Coria (50-53). A recesso voltaria a atingir o pas em 57 e 58. No meio dessas crises, por volta de 56, comeam a surgir as primeiras lutas pelos direitos cvis no norte do pas enquanto na Califrnia crescia a "esquerda literria" da beat generation. Os poetas e escritores beats -- Allen Ginsberg, Gregory Corso, Lawrence Ferlinghetti, Jack Kerouac entre os principais --, criticavam os valores "estabelecidos",

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    investiam contra o american way of life. Suas armas eram as palavras, sua maneira de vida antecipava o que fariam depois os hppies: os beats atravessavam o pas na tentativa de conhecer a Amrica (ler On the Road, de Jack Kerouac, bblia obrigatria para se entender o movimento). A marijuana era a droga de todos; o be-bop, a vertente gil do jazz de Charlie Parker, a msica que gostavam de ouvir.

    Essa busca do "paraso artificial" levou represso policial e o movimento acabou, na virada da dcada. Mas suas razes estavam plantadas. Em outubro de l959 os estudantes da universidade de Berkeley fazem manifestaes contra o treinamento militar. Em maio de 60, os protestos estouram em So Francisco. Em fevereiro de 61, quando o presidente Kennedy rompe relaes diplomticas com Cuba e probe o deslocamento de americanos para aquele pas as manifestaes ganham maior impulso. Os beats haviam rompido com o conformismo e a alienao cultural.

    Nova recesso no incio de 6l deixa 5.700.000 americanos desempregados. Os que nasceram durante a guerra no tinham emprego. A crise atinge tambm a universidade e o ensino em geral. Kennedy, comeando o mandato, pede verbas no seu plano de auxlio ao ensino. Em setembro o Congresso vota e veta o pedido do presidente. Os jovens abandonam as escolas e caem no desemprego. Os negros, principalmente. Enquanto isso o Pentgono desembarcava conselheiros militares, armas e soldados em Saigon. Em l963 acampavam no Vietn, l6.500 soldados. Em l965 esse nmero chegava a 125.000 homens.

    As agitaes cresciam, criavam-se organizaes (Students for Democratic Society), organizavam-se manifestaes pacifistas (Campaign for Nuclear Disarmament), os brancos se aliavam aos negros na

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    campanha contra o racismo de Martin Luther King. A situao preocupa o governo e Kennedy lana uma campanha de integrao e consegue obter mais verbas para a educao. Mas tarde. A universidade de Berkeley o palco principal das agitaes. As autoridades universitrias avisam que vo proibir toda propaganda poltica no campus. Os militantes no aceitam. No dia 1 de dezembro, seis mil estudantes, utilizando os mtodos assimilados dos negros no sul, ocupam o campus e as instalaes universitrias. A polcia entra em ao e 750 manifestantes so presos.

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    11. Drogas e beats

    Enquanto Berkeley e So Francisco polarizavam os movimentos de contestao, na universidade de Harvard (Cambridge, Massachussets), Timothy Leary, professor de psicologia clnica, em ruptura com os mtodos tradicionais experimentou nas aulas, com os alunos, os efeitos da pcilocybina e do LSD. Em l960, o professor Leary havia ingerido cogumelos contendo psilocybina, componente qumico dos cogumelos sagrados dos mexicanos, de efeito alucingeno. Quando voltou aos EUA estudou os efeitos da droga nele prprio e depois levou para dentro da universidade. claro que em 63, Leary e seu colaborador, o Dr. Richard Alpert, so expulsos da universidade. A informao chegou imprensa, que transformou o caso em manchete nacional. O LSD, at ento praticamente desconhecido, passou a existir e naturalmente aguar a curiosidade do jovem americano. Brotava assim o que alguns anos depois viria a se chamar de psicodelismo.

    Outro fato importante nesse processo foi o retorno cena dos principais escritores beat a partir de 63. William Burroughs volta de Tanger, Allen Ginsberg chega da ndia. Porm agora eles no se renem na livraria City Lights, de Ferlingheti, em So Francisco, que comea a editar os trabalhos do grupo incentivado por Mary Beach, filha do editor de Joyce que chega da Frana junto com o poeta Claude Pelieu (que traduz e publica depois os beats na Frana). Os beats ocupam agora a rea de Big Sur, refgio de outro escritor ilustre (Henry Miller) e que de certa maneira tinha laos com o movimento. Os textos dos beats chegam ento as universidades, colocando mais lenha na fogueira.

    Do outro lado, em Nova Iorque, um grupo revoluciona o teatro, realizando performances, exposies de jovens

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    pintores e happenings. o Living Theatre, que deixaria marcas profundas nessa arte, e considerado o primeiro ncleo daquilo que tambm seria tpico do movimento hppie: a vida em comunidades. Atuando fora dos meios comerciais em representaes improvisadas, usando o corpo como elemento de encenao, levando para a vida social suas experimentaes artsticas e vivendo em condies miserveis, o Living Theatre sofre a represso policial e se organiza em comunidade. Em 1963, se exila em Paris. Para os franceses Daufouy e Sarton, o Living Theate exprimia, numa linguagem diferente, as mesmas obsesses da beat generation e pode ser considerado como uma transio entre os beatniks e os futuros hppies.

    Essa mesma Nova Iorque concentra em seu bairro bomio, o Greenwich Village, uma fauna de pintores, msicos, vagabundos e um grupo underground (outro movimento que ganhava fora), os Fugs, composto de sete msicos de folk rock e dirigido por Ed Sanders, um louco visionrio tambm adepto do LSD e que compunha msicas onde misturava provocao e sexualidade.

    Os quatro mil quilmetros que separam Nova Iorque de So Francisco no impedem que se cruzem os beats e os Fugs. Sanders publica uma antologia de poemas inditos dos beats (Burroughs, Ginsberg, Ferlingheti e alguns outros, bem como textos dele prprio), em uma revista que chama de Fuck You, A Magazine of The Arts. Louco. A polcia cai em cima e ele passa a distribuir o material pelo correio.

    Nesse mesmo Village, circula pelos coffee e pubs um rapaz de violo e gaita, cantando canes que falam de guerra, bombas, paz. Seu nome Bob Zimmerman, filho de judeus, voz esganiada e palavras cortantes. Ele j havia gravado um lbum em 62, onde adota o Bob Dylan que provoca controvrsias e alimenta a mdia. Nesse disco ainda

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    grava remakes de contry blues e gospels. Seu nome ganha projeo em 62 com Blowin'in the Wind - que logo gravada por inmeros artistas e entra na parada das dez mais com Peter, Paul and Mary. Era a primeira vez que uma cano pacifista fazia sucesso. Isso leva os promotores do Festival folk de Newport a inclu-lo na programao, e Dylan surge para o mundo. Assume ento a posio de "profeta da juventude" veiculada pela imprensa e grava seu disco mais politizado.

    O panorama ento poderia ser resumido dessa maneira: a Inglaterra comeava a assimilar o rock visceral e enrgico dos Stones e Clapton (e, claro, a msica dos Beatles). Os Estados Unidos -- pode-se dizer inclusive que essa era a melhor forma de expresso para o que acontecia no pas naquele momento -- entram fundo no folk-rock, com Dylan e os grupos que passam a tocar suas msicas: The Band, Birds. Essas correntes iriam logo se auto-influenciar com a vinda dos Stones, Beatles e seus discos para os EUA e a chegada dos trabalhos de Dylan, Birds e The Band a Londres. O Led Zeppelin, apesar de toda energia de seu hard rock, tem um lado totalmente acstico e folk, aquilo que Page queria fazer quando ouviu o disco do The Band. Mas vamos agora a Dylan.

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    12. A antena parablica de Dylan "How many times must the cannon balls fly efore they're forever banned" Era assim que Dylan sentia aquele momento: ele

    captava toda a angstia da juventude americana e transformava aquilo em grandes poemas musicados. O nome das msicas do segundo disco (The Freewheelin'Bob Dylan) d um panorama do que as letras dizem: Masters of War, Blowin'in the Wind, Talking World War III Blues, Oxford Town. O sucesso cria a lenda: Bob teria "chupado" o sobrenome Dylan do poeta Dylan Thomas, outro pirado, que morreu em 1953, de "overdose" de usque (l8 doses). Thomas era um santo para os beats, e quem de certa maneira provocou o renascimento da poesia nos Estados Unidos, estimulando os poetas beat a escreverem. A gaita e o violo seriam uma herana recebida de Woodie Guthrie, a quem visitou quando estava para morrer.

    Guthrie era um folk singer famoso que corria o pas cantando nos campos e bares e fugindo da polcia. Sua terra natal, Oklahoma, vivia hostilizada entre dois extremos: a seca e as tempestades. Woodie deixou cedo a famlia e com o violo e a gaita foi o principal desmistificador da depresso, cantando nos ptios das fbricas, nos campos de algodo, chamando a ateno do povo para aquela situao. Existe inclusive um filme interessante sobre sua vida -- This Land is My Land - com o kung-fu Karradine no papel principal.

    Durante a dcada de 30, Guthrie percorreu os EUA de carona, se apresentou em circos, feiras, bares. Seus temas falavam da pobreza, da misria, do abuso dos patres. Dylan o conheceu pouco antes de morrer e o seu trabalho tem em Woodie o grande inspirador.

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    Assim como Woodie, Dylan deixa cedo a famlia. A lenda diz que fugiu de casa aos 10, 12, 13, 15, 17 e 18 anos. No possvel saber a verdade, mas o certo que naquele comeo dos 60, com 20 anos (nasceu em Duluth, Minesota, a 21 de maio de 41), perambulava por Greenwich Village, com o violo e a gaita, tocando nos coffees do bairro. O primeiro disco sai por obra de John Hammond (que logo depois tocaria com Hendrix, ou seja, o mundo pequeno), do qual j falamos. Segundo Roberto Muggiati (Rock, o Grito e o Mito), custou 403 dlares e foram prensadas 4.200 cpias. No seu primeiro concerto compareceram 53 pessoas.

    A antena de Dylan, porm, estava sempre ligada. Ele tirava do noticirio dos jornais e da TV a matria-prima para suas canes, falava a linguagem que a juventude em "guerra" nas universidades queria ouvir. Um crtico do New York Times aposta naquela "mistura de menino-de-coro e beatnick" e cria o rtulo "cano de protesto", que passa a ser sinnimo do trabalho de Dylan. O estouro de Blowin'in the Wind consolida essa imagem.

    O terceiro disco saiu em 64, e mantinha a linha poltica inclusive no nome: The Times they are A'Changing. Junto com Joan Baez (que infelizmente virou a Mercedes Sosa do rock), lidera o movimento de rebeldia. "Quantas vezes devem as balas do canho explodir at que sejam banidas para sempre": os versos de Blowin'in the Wind so cantados nas manifestaes de todo pas. Dylan o porta-voz da nova esquerda, brilha no Festival de Newport, aparece em um especial de TV e a imprensa do mundo inteiro fala no seu nome. A, parece, ele cansa.

    No quarto disco, ele quebra com a imagem de garoto pr-fabricado e passa a fazer composies autobiogrficas. O pblico considera a virada em seu trabalho uma traio, suas letras no so mais compreendidas facilmente, ele

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    exacerba o lado surrealista da poesia, faz longas digresses, fala da incompreenso dos homens pelo que fazem e ao se apresentar em l965 no mesmo festival de Newport vaiado. Na verdade Dylan faz nova revoluo musical, quando se apresenta acompanhado pelas guitarras eltricas do The Band: uma heresia para a folk music. A imprensa imediatamente cria um novo nome para aquele som: folk rock. Nasce logo em seguida a msica que os Birds iriam consagrar como a primeira psicodelic song, Mr. Tamborim Man, o primeiro hit de uma longa lista de drug songs que aparecem depois.

    O folk-rock estava definitivamente estabelecido. Depois disso Dylan sai com uma srie de trabalhos -- Subterranean Homesick Blues, Like a Rolling Stone. No vero de 66 sofre um acidente de moto e fica fora de cena por alguns anos. Voltaria no incio dos 70, mas a sua msica j no era a mesma coisa, Dylan se perde em procuras religiosas, volta ao judasmo, converte-se novamente ao cristianismo mas sua msica no reflete mais aquela energia do rapaz do Village. Por isso paramos com Dylan por aqui!

    . Ressonncias Dylan se afasta mas deixa o seu nome e seu trabalho no cenrio da msica americana. Suas canes continuam nas rdios, na boca dos estudantes, e nos discos de dois grupos que gravam suas canes e dominam at certo ponto o panorama do folk-rock: The Band e os Byrds. Mas alguma coisa comeava a mudar. Os Stones j haviam passado sua avassaladora sonoridade pelos States (1964), os Beatles j haviam tocado antes pelo pas. As duas correntes comeavam a se misturar, o folk e o rock. A partir de meados da dcada surgem ento os primeiros grupos voltados para um trabalho que poderamos dizer "mais

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    rock" e menos folk. Grupos como o Vanilla Fudge, o Iron Butterfly, o Steppenwolf, o Allman Brothers.

    A disseminao do LSD, o comeo do movimen