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O BRASIL NA A MIRA DE HITLER

Roberto Sander

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Contracapa "Os gritos de pânico, inicialmente abafados, logo passaram a ecoar por todos os

lados. Não havia como pensar em outro motivo para aquela tragédia. As notícias de torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos alemães há muito se tornaram rotina nos grandes jornais. Desde fevereiro, nada menos que 13 haviam sido afundados. E, de novo, o pior acontecera. O Baependi começava a adernar (...). Não restava outra alternativa senão pular do navio prestes a naufragar." Esta é uma história surpreendente e dramática, que pouca gente conhece. Durante a Segunda Guerra Mundial, 34 embarcações brasileiras foram torpedeadas, causando a morte de 1.081 pessoas, a maioria civis inocentes. Nem nos campos de batalha morreram tantos brasileiros.

O Brasil na Mira de Hitler resgata esse capítulo da nossa história recente.com uma pesquisa rigorosa e uma ágil narrativa jornalística, o livro é um relato

essencial sobre os afundamentos de navios na costa do Brasil por submarinos nazistas, a ação dos espiões de Hitler em solo brasileiro e a agitação nos bastidores da política do governo Vargas durante a guerra.

Orelha: Os passageiros do navio Baependi, do Lloyd Brasileiro, dançam no salão ao som

de uma orquestra, quando uma explosão sacode brutalmente a embarcação. Estamos em 15 de agosto de 1942. Das 306 pessoas a bordo, apenas 36 sobreviveram. Os náufragos - assim como cadáveres e destroços - chegaram ao litoral nordestino, transformando a paisagem bucólica num cenário de horror.

O afundamento do Baependi foi um dos episódios mais trágicos da campanha de torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Foi também o ponto culminante de uma série de eventos que levariam o governo Vargas a, finalmente, aderir às forças aliadas e declarar guerra à Alemanha de Hitler.

Em O Brasil na Mira de Hitler, o jornalista Roberto Sander faz um relato envolvente das intensas negociações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos; reproduz depoimentos dramáticos de náufragos; recria o desmantelamento da rede de espiões nazistas no Brasil; e expõe as intrigas, desavenças e hesitações do governo Vargas, num teatro de guerra que colocava o país em cena.

Resultado de uma pesquisa minuciosa em arquivos públicos, fundações e bibliotecas, o livro dá vida ao momento histórico em que o Brasil ficou definitivamente na mira de Adolf Hitler.

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A história do afundamento de navios brasileiros pelos nazistas

ISBN 978-85-_7302-868-3

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Roberto Sander O BRASIL NA A MIRA DE HITLER

A história do afundamento de navios brasileiros pelos nazistas

Consultoria Técnica

Vágner Camilo Alves, Professor do Departamento de Ciência Política e Coordenador da Área de Defesa do Núcleo' de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF)

Francisco Pereira Cascardo, Capitão-de-Mar-e-Guerra e Doutor em Ciências Navais da Marinha

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OBJETIVA ***

"No Brasil se acham reunidas todas as condições para uma revolução que permitiria transformar um Estado governado e habitado por mestiços numa possessão germânica." AdolfHitler

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SumárioTerror na praia.................................................................................................................................................................8

O teatro da diplomacia...................................................................................................................................................10

O rompimento................................................................................................................................................................18

Carnaval sombrio...........................................................................................................................................................26

O adeus do Olinda e o mistério do Cabedelo................................................................................................................33

Tempos violentos...........................................................................................................................................................38

O heroísmo do comandante Pequeno............................................................................................................................42

Verão no Rio Negro.......................................................................................................................................................47

Os tentáculos do nazismo..............................................................................................................................................52

O espião apaixonado......................................................................................................................................................60

Caso Lati e a queda de Engels.......................................................................................................................................66

O desmonte da rede e a reação do Reich.......................................................................................................................73

Corsários atlânticos........................................................................................................................................................78

A guerra anti-submarina................................................................................................................................................82

Tiros de maio.................................................................................................................................................................88

O simbolismo do Comandante Lira...............................................................................................................................93

Fogo em terra e mar.......................................................................................................................................................98

Germanófilos perdem poder........................................................................................................................................103

Pobre Lídice.................................................................................................................................................................109

O fim trágico do velho vapor.......................................................................................................................................115

A declaração de guerra................................................................................................................................................130

Fuzilamento em alto-mar.............................................................................................................................................138

Tempo de estabelecer estratégias.................................................................................................................................144

Uma nova era desponta no horizonte...........................................................................................................................153

Bibliografia..................................................................................................................................................................162

Agradecimentos...........................................................................................................................................................165

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Terror na praiaPrimeiro chegaram malas, caixotes, fardos de algodão e lascas de madeira de algo

que lembrava uma embarcação; mais tarde, cadáveres. A imagem de corpos de homens, mulheres e crianças boiando ou já estirados nas areias brancas da praia perto da vila de Mosqueiro, alarmou os habitantes das redondezas.

Levada pelos pescadores, a notícia não demorou a chegar ao cais do porto de Aracaju. E mais gente era informada dos horrores que a correnteza trazia do alto-mar.

O coronel Maynard Gomes, interventor sergipano, se apressou em saber se era verdade o que se espalhava de boca em boca pela capital. Ordenou que patrulhas da polícia estadual se dirigissem ao local.

Ao chegarem à orla, justamente nas proximidades de Mosqueiro, constataram que não se tratava de boato. O quadro era terrificante. Mais de cinqüenta corpos, alguns com sinais de mordidas de peixes, se espalhavam entre destroços de navio. Incrédulos diante daquele cenário dantesco, os homens da patrulha se perguntavam o que teria ocorrido, pois havia também corpos de soldados do Exército, inclusive oficiais.

A praia, antes deserta, agora estava cheia de moradores dos povoados vizinhos. No decorrer do dia, as ondas trariam outras evidências da hecatombe, e uma noite de lágrimas velaria os mortos. Apesar de viverem a rotina pacata do litoral nordestino nos anos 1940, todos ali, no fundo, suspeitavam do que poderia ter provocado tão grave acidente. Logo a dor se transformaria em revolta.

Os restos do Baependi, que primeiro aportaram na costa sergipana naquele 16 de agosto de 1942 (horas depois chegariam os do Araraquara e do Aníbal Benévoloj, eram resultado de meses de crescentes hostilidades, uma tragédia anunciada. Desde que se aliara aos Estados Unidos, rompen- 19 do relações diplomáticas com o Eixo - aliança entre Alemanha, Itália e Japão na Segunda Guerra Mundial -, o Brasil, que tinha no chamado Saliente Nordestino um ponto estratégico vital no contexto do conflito, se tornara, mesmo se declarando neutro, alvo dos torpedos de Hitler. Navios eram afundados em série por submarinos alemães e italianos, enquanto uma complexa rede de espionagem nazista, há muito enraizada no país, tentava criar as condições para uma futura invasão.

No louco sonho de domínio do mundo do Terceiro Reich, o Brasil ocupava um lugar de destaque. "Lá edificaremos uma nova Alemanha",1 chegou a sentenciar o Führer em um dos seus delírios.

Para uma ala do governo Vargas, essa idéia, inicialmente, não era totalmente absurda. Foi preciso um acirrado embate político-ideológico para que prevalecesse a solidariedade continental, o apoio aos norte-americanos, que, recém-agredidos em Pearl Harbor, exigiram uma postura clara dos seus vizinhos. Os bastidores da diplomacia passaram, então, a ser foco de todas as atenções, já que o Brasil, percebendo que não

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possuía meios de se defender sozinho, cobrou imediatamente colaboração do novo aliado. O auxílio custou a chegar. Os brasileiros ficaram, assim, à mercê de ataques traiçoeiros dos submarinos do Eixo. A bordo de navios nacionais, mais de mil pessoas morreram.

Para se dimensionar o impacto que esses acontecimentos tiveram é essencial ter em mente o significado da navegação para a população, nas décadas de 1930 e 1940.

Na época, as rodovias padeciam de sérias limitações, as ferrovias não interligavam as diversas regiões do país e a incipiente aviação comercial era um luxo para poucos. Do norte ao sul do país, o povo andava de navio. Não havia outra forma de se realizar a tão almejada integração nacional do que era ainda considerado o "arquipélago brasileiro ".

Depois de exatos 65 anos, persistem algumas contradições a respeito dos torpedeamentos. Muitos continuam a aventar a inconsistente hipótese de que foram os próprios norte-americanos, com o intuito de empurrar o Brasil 1 A afirmação consta no livro Hitler ma dit (Hitler me disse), do ex-oficial prussiano Hermann Rauschning, um dos mais próximos colaboradores do ditador nazista.

Em 1940, vários trechos da obra foram reproduzidos num relatório do Departamento Federal de Segurança Pública. Acervo do Arquivo Público do Rio de Janeiro. Pasta 10. Caixa 0755. Setor Alemão.

para o conflito, os responsáveis pelos afundamentos, como se já não estivéssemos rompidos com o Eixo e os Estados Unidos não precisassem das matériasprimas que nossos navios carregavam para o seu esforço de guerra. Outros dizem que os afundamentos aconteceram por causa da nossa declaração de guerra à Alemanha e à Itália, quando na realidade foram os ataques às embarcações que nos levaram a tomar tal decisão.

Essas versões se dissolvem de vez quando trazemos a luz os mais variados documentos, alguns em precário estado de conservação, e o vasto noticiário dos jornais da época, disponíveis apenas em arquivos públicos, fundações e bibliotecas. São as provas irrefutáveis e definitivas de que um dia o Brasil esteve sob a mira de Hitler.

O ministro Oswaldo Aranha, principal estrela da Conferência dos Chanceleres, realizada no Rio de Janeiro, foi o maior articulador do rompimento das relações diplomáticas com o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) O subsecretário de Estado norteamericano, Sumner Welles, trabalhou intensamente pelo entendimento político entre os governos Vargas e Roosevelt.

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O teatro da diplomacia Aquele 15 de janeiro de 1942, uma quinta-feira ensolarada em que a temperatura

ficara em torno dos 35 graus, tinha todos os ingredientes de um dia especial. Desde cedo, os arredores do majestoso Palácio Tiradentes, no centro da capital da República, já apresentavam um movimento incomum, com agentes do FBI e da polícia carioca espalhados em pontos estratégicos inspecionando o local. No decorrer da tarde, caminhões e mais caminhões chegavam de fábricas e usinas trazendo centenas de operários empunhando bandeiras nacionais e flâmulas com legendas que reafirmavam o pan-americanismo. Como todos os eventos patrocinados pela ditadura do Estado Novo, a in Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas (a Conferência dos Chanceleres) precisava da presença das massas, do homem do povo. E povo não faltava. com o comércio fechado e o trânsito interrompido duas horas antes da abertura solene da conferência, marcada para as 17h30, a avenida Rio Branco, da Cinelândia até as ruas São José, Sete de Setembro e Assembléia, era um mar de gente.

A efervescência daquele momento se completava com a presença de inúmeros jornalistas, das mais diversas procedências, circulando inquietos pelas dependências e imediações do Tiradentes. Havia um leve frisson no ar, e um intenso burburinho brotava em cada esquina da cidade. O Rio de Janeiro se mobilizara como em poucas ocasiões para homenagear as delegações dos 21 países continentais presentes. O interesse era tanto que até alto-falantes foram instalados na entrada do palácio para que o público pudesse ouvir os discursos. O ambiente festivo, contudo, não impediu que aflorassem boatos semeados pela Polícia Política. Falava-se a respeito de uma possível tentativa, por parte de "ele- mentos esquerdistas", de provocar agitações - como o quebra-quebra de estabelecimentos comerciais germânicos - para criar um clima que levasse o Brasil a entrar na guerra ao lado dos Estados Unidos. Rumores insinuavam que "com a saída de forças do Brasil para o exterior, teriam os supostos agitadores maiores probabilidades de êxito no desencadeamento da revolução comunista".1 Alheio a essas suspeitas, Oswaldo Aranha foi o primeiro a chegar ao Palácio Tiradentes. Ministro das Relações Exteriores, homem de confiança do presidente Getúlio Vargas, ele vivia o ápice da sua carreira política. Desde os tempos da Revolução de 30, embora muitas vezes discordasse de Vargas, Aranha sempre se mostrara um fiel escudeiro.2 Dono de oratória sedutora, advogado brilhante, que estudara direito internacional na Universidade de Sorbonne, em Paris, foi o mais importante articulador da conspiração que levara Vargas ao poder. No dia em que eclodiu o movimento golpista, chegou a liderar os ataques aos quartéis que sediavam, em Porto Alegre, o comando do Exército e da Região Militar. Era um homem de sólida formação intelectual e um habilidoso negociador que não teve dúvida, porém, em empunhar um revólver e comandar as invasões que tiveram como saldo a morte de um coronel. Foi também Aranha quem conduziu as conversações para que a junta militar entregasse o governo provisório a Getúlio Vargas.

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1 Documento da Polícia Política do Distrito Federal de 5/1/1942. Rolo 19, fotograma 0920. CPDOC/FGV.

2 Segundo Alzira Vargas, a filha mais próxima de Getúlio, em seu livro Getúlio Vargas, meu Pai, os dois amigos brigaram e fizeram as pazes diversas vezes, "na verdade se completavam nos defeitos e qualidades". Na ocasião do golpe do Estado Novo, por exemplo, Aranha chegou a encaminhar por telegrama a Vargas o seu "indeclinável" pedido de exoneração das funções de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. Mas pediu que fosse dispensado somente quando chegasse ao Rio, para diminuir o impacto da sua decisão nos Estados Unidos, onde, em Cleveland, acabara de fazer uma palestra condenando os Estados totalitários. O que o incomodava não era tanto o golpe, que julgava necessário, mas sim a constituição, que, segundo ele, "era redigida por um anormal (Francisco Campos, ministro da Justiça), sem princípios, sem normas".

Era a "revogação do Brasil", pois estabelecia "um regime incompatível com as tradições do país", diria ainda Aranha. No entanto, depois de muito refletir, percebendo que não teria tanta influência fora do governo, acabou aceitando o convite de Vargas para ser o ministro das Relações Exteriores. Como titular do Itamaraty, teria autoridade para manter o Brasil distante das garras do Eixo e atenuar a influência de Francisco Campos sobre o presidente.

24 Jamais lhe faltara imaginação e muito menos capacidade de conspirar. No processo revolucionário, durante o levante no município de Princesa, no interior da Paraíba, Aranha recorrera a um engenhoso artifício para que a ordem fosse restabelecida. Como o governo federal proibira o embarque de munição para um estado que fazia parte da aliança contrária aos seus interesses, ele teve a idéia de enviá-la em latas de compotas de ameixas secas e de pêssegos em calda. O plano contara "com a patriótica colaboração dos proprietários da fábrica Leal, Santos & Cia", que comercializava os produtos desde a capital gaúcha. com essa munição, recebida de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, João Pessoa - presidente da Paraíba e vice de Getúlio Vargas - impediu que o levante se alastrasse por todo o sertão.

com esse mesmo espírito arguto, Oswaldo Aranha trabalhava incansavelmente para que o Brasil estreitasse suas relações com os Estados Unidos. Seu empenho era tão grande que a Gestapo chegou a planejar o seu assassinato às vésperas da Conferência dos Chanceleres. com esse objetivo, enviou clandestinamente ao Brasil um agente chamado Franz Walter Jordan. Considerado um homem bastante perigoso, Jordan chegou à costa brasileira num submarino, sendo posteriormente embarcado no navio mercante Leck, de bandeira alemã, que o levou até o porto do Rio de Janeiro. O interesse na eliminação do chanceler brasileiro era tal que Heinrich Himmler, o chefe da polícia secreta do Reich, orientou, pessoalmente, o agente sobre o plano, entregando-lhe em mãos o dinheiro da viagem. Esperava com isso criar um clima de terror de grandes proporções, que evitasse a realização da conferência que certamente iria contrariar os

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interesses da Alemanha na guerra. Em 10 de janeiro, Getúlio Vargas já reunira seus ministros e comunicara que o Brasil iria alinhar-se aos Estados Unidos; quem não concordasse que pedisse demissão. A perfídia contra Aranha só foi abortada devido às diligências realizadas pela polícia brasileira, em conjunto com o FBI e o Serviço Secreto Inglês, nos dias que antecederam a conferência. Na operação, 36 agentes do Eixo foram identificados e presos, entre eles Franz Walter Jordan.3 Vim ao Brasil mandado pela Gestapo para assassinar o ministro Oswaldo Aranha." A confissão de Franz Walter Jordan, durante seu julgamento, espantou os ministros do Tribunal de Segurança Nacional. Jordan foi condenado a nove anos de prisão, pena cumprida no presídio da Ilha Grande, no Estado do Rio de Janeiro.

25 Era a comprovação de que a fama de democrata de Aranha rompera fronteiras. No ministério, era o principal contraponto aos generais Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército, e Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra,4 que não disfarçavam a admiração pelo modelo autárquico e militarista adotado pelas nações nazi-fascistas.

Góes Monteiro era, inclusive, assíduo freqüentador de recepções na embaixada alemã, chegando a ser condecorado por Karl Ritter, representante de Hitler no Brasil até o fim da década de 1930. Por essas e outras, ele foi acusado pelo seu equivalente americano, o general George Marshall, de fazer vista grossa diante das notórias atividades de espiões nazistas que agiam livremente no Brasil. Dutra, por sua vez, havia atuado intensamente na violenta repressão à chamada Intentona Comunista, que levou à prisão Luís Carlos Prestes.

Apesar das afinidades - segundo Prestes, se gabavam de ser "os prussianos das Américas" -, os dois homens fortes do Exército tinham estilos bem distintos. Enquanto Góes Monteiro era espalhafatoso gostava de aparecer no Palácio Guanabara em trajes civis, geralmente um terno de linho branco amassado, gravata desamarrada e chapéu-panamá -, Dutra era mais sóbrio - intelectualmente limitado, mas determinado no trato político.

Naquele momento, o embate ideológico travado no núcleo do governo começava a pender irreversivelmente para o lado de Aranha. Embora toda a estrutura do governo Vargas fosse calcada em princípios totalitários, e o presidente muitas vezes em seus discursos tivesse endossado tais teorias, apoiando investidas beligerantes da Alemanha e chamando a atenção para a fraqueza das democracias liberais, os últimos acontecimentos favoreciam a argumentação do chanceler.

4 Dutra e Góes Monteiro foram próceres do golpe do Estado Novo (1937), dando sustentação para que Getúlio Vargas implementasse medidas antidemocráticas (fechamento do congresso, perseguições políticas, censura à imprensa, entre outras) que aproximaram a estrutura do regime brasileiro de doutrinas totalitárias semelhantes às que caracterizavam tanto o governo fascista de Mussolini como o nazista de Hitler.

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Como ocorreram sucessivos expurgos entre os militares desde a Revolução Constitucionalista de 1932, a unificação das Forças Armadas ainda era um fenômeno recente, o que tornava conveniente ter um civil no poder. Do contrário, poderia acontecer uma fragmentação nos quartéis, o que não interessava nem a Dutra nem a Góes Monteiro.

Recebido por Lourival Fontes, diretor-geral do Departamento de Imprensa e Propaganda - o DIP5 -, Oswaldo Aranha subiu as escadarias do Tiradentes sensibilizado pela ovação entusiasmada. Depois foi a vez de o subsecretário de Estado norte-americano, o elegante e longilíneo Sumner Welles, experimentar o calor dos aplausos da platéia que, pacificamente, se acotovelava atrás do cordão de isolamento. O aceno espontâneo e o sorriso, que alargava levemente o rosto afilado, revelavam um dos traços mais marcantes da personalidade carismática de Welles: a simpatia. Doutor em leis pela Universidade de Columbia, tendo estudado também em Harvard, fora, em 1940, o emissário enviado pelo presidente Franklin Roosevelt aos países europeus em guerra. Conhecia bem os efeitos do conflito que se alastrava inexoravelmente - para os Estados Unidos, em particular, depois do ataque japonês à base de Pearl Harbor, ocorrido havia pouco mais de um mês. E aquela não fora a primeira vez que Welles percebera que era bemvindo. Na sua chegada, no aeroporto Santos Dumont, a bordo do quadrimotor anfíbio Yankee Cliper, considerado na época o maior avião comercial do mundo, os cariocas também o cobriram de reverências. Era o reconhecimento por Welles, firmemente, "preconizar que os Estados Unidos baseassem suas relações com a América Latina na mais completa igualdade".6 A presença de Sumner Welles no Brasil dava bem a medida da importância da conferência. Os rumos da política de um continente inteiro em relação à Segunda Guerra Mundial estavam por ser definidos e isso criava um ambiente de angustiante incerteza. Além da prisão de um agente que pretendia matar Oswaldo Aranha, uma nota da embaixada americana falava da possibilidade de outros atos de sabotagem e de um ataque ao Nordeste, que poderia acontecer "dentro de um mês". A 7a Região Militar chegou a solicitar ao Alto-Comando do Exército os meios para fazer a devida proteção da área. Esse era o panorama do en- tsse talvez fosse o departamento mais importante na estrutura do Estado Novo. Além de exercer o controle sobre todos os veículos de comunicação, tinha a função de trabalhar na construção da imagem do presidente da República, associando-a às realizações do go- verno.

6 r>-/.Diário Carioca - 15 de janeiro de 1942. 26 27 contro que transformara o coração da capital da República, segundo o

Diário Carioca, "no centro das atenções do mundo".Somente quando todos os ministros já se encontravam em seus assentos,

exatamente às 17h25, o presidente Getúlio Vargas deixou o Palácio Guanabara para o importante compromisso no Tiradentes. Acompanhado por membros da Casa Civil e

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Militar, desfrutou de "manifestações de apreço" do povo ao percorrer em carro aberto a rua Paissandu e todo o trecho da Praia do Flamengo até a altura da avenida Rio Branco. No percurso não foram gastos mais de vinte minutos. As 17h45, Vargas chegava ao plenário do palácio, onde pôde testar outra vez sua popularidade. Assim que entrou no recinto, trajando um elegante terno branco, as tribunas e galerias lotadas pela elite estado-novista vibraram com as palmas calorosas, que, segundo o Correio da Manhã, "se prolongaram por cinco minutos". À sua direita estava o interventor do Estado do Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto, casado com a sua filha Alzira, e à esquerda os chefes do Estado-Maior do Exército e o Cardeal Dom Sebastião Leme. Ao receber a palavra de Oswaldo Aranha, que abriu a Conferência dos Chanceleres, Vargas discursou:

"É propósito dos brasileiros defender, palmo a palmo, o próprio território contra quaisquer incursões e não permitir que possam suas terras e águas servir de ponte de apoio para o assalto às nações irmãs. Não mediremos sacrifício para a defesa coletiva (...) Nenhuma medida deixará de ser tomada a fim de evitar que, porta adentro, inimigos ostensivos ou dissimulados se abriguem e venham a causar dano, ou pôr em perigo a segurança das Américas."7 Depois de falar, Vargas agradeceu as manifestações de apoio, recolheu os óculos e afastou-se. Ao sucedê-lo na tribuna, Sumner Welles referendou-lhe as palavras.

E foi mais longe:"Aprendemos pela experiência trágica (...) que todas as normas da decência e do

direito internacional sobre as quais repousavam as esperanças de um mundo pacífico (...) foram totalmente ignoradas por Hitler e por seus satélites desprezíveis. O meu governo julga que devemos desde já começar a executar planos vitais para a defesa humana do 7 Correio da Manhã- 15 de janeiro de 1942.

hemisfério (...) Mais vale a um povo combater gloriosamente para salvar a sua independência; mais vale a morte na batalha para salvar a liberdade que agarrar-se aos farrapos do falso ideal de uma neutralidade ilusória."8 Era evidente que a posição do Brasil diante da Segunda Guerra Mundial mudaria drasticamente. As conseqüências dessa decisão logo seriam sentidas:

"Estamos irreversivelmente colocando em prática o pan-americanismo",9 diria Oswaldo Aranha em transmissão radiofônica aos Estados Unidos.

Como presidente da conferência, eleito por aclamação, Aranha já afirmara, no início dos trabalhos, que "o pan-americanismo nunca foi um fim continental, mas um todo político; um meio de atingir finalidades mais amplas, porque universais".

A partir dali, o Brasil não mais poderia praticar plenamente a neutralidade fixada através dos Decretos n. 4.623 e 4.624, de 5 de setembro de 1939, assinados poucos dias depois da eclosão do conflito. Desde então, o mundo vivia estremecido por uma forte turbulência em matéria de política internacional, e Vargas, como um bom jogador, se aproveitara disso para obter vantagens comerciais. Adotava, pragmaticamente, uma

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postura pendular, ora dando sinais de aproximação com a Alemanha nazista, ora com os Estados Unidos.

com o acirramento das hostilidades e a interrupção do comércio marítimo com a Europa, causados pelo bloqueio naval inglês, esse malabarismo estava chegando ao fim. Vargas percebia que o melhor a fazer era bandear-se para o lado dos norte-americanos. Além de tudo, sentia-se pressionado. Em 10 de dezembro de 1941, três dias depois do ataque surpresa a Pearl Harbor, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Cordell Hull, ao solicitar a convocação em caráter de urgência da Conrerencia dos Chanceleres, rechaçara a oferta do Chile de sediar o encontro e confirmara que o Brasil, como estava previsto desde a última reunião em Havana, teria tal privilégio.

8 Correio da Manhã Idem.15 de janeiro de 1942. 28 29 Aquela altura, as peças do tabuleiro de xadrez da política mundial se

mexiam freneticamente. A agressão japonesa aos Estados Unidos, engendrada pelo almirante Isoruku Yamamoto, gerou uma avalanche de declarações de solidariedade. Em 8 de dezembro, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Haiti, São Domingos e Panamá também entraram na guerra contra o Japão. O Peru ofereceu colaboração aos americanos no que fosse preciso - com sua costa toda voltada para o Pacífico era um país estrategicamente importante. Já Bélgica, Colômbia, Egito e Grécia rompiam relações diplomáticas com os japoneses. Ainda no dia 8, Vargas convocou o ministério e anunciou solidariedade aos Estados Unidos. O governo venezuelano acompanhou a decisão brasileira. No dia seguinte, foi a vez da Costa Rica declarar guerra ao Japão. Dia 10, Cuba fez o mesmo. No dia 11, Alemanha e Itália declararam guerra aos Estados Unidos. Solidário, o governo mexicano rompia também relações diplomáticas com a Alemanha e Itália. Ainda procurando não se expor, o Brasil, no dia 17, declarava-se oficialmente neutro, tanto no que dizia respeito à guerra entre os países europeus como a que envolvia o Japão.

Era um panorama que fazia com que os americanos não tivessem dúvidas: apesar das diversas manifestações de solidariedade, para resistir a qualquer ameaça de agressão, estava na hora de promover uma unidade continental. Daí, a rapidez com que Cordell Hull articulou a reunião no Rio de Janeiro.

Não era preciso possuir a sagacidade de um Oswaldo Aranha para imaginar as razões que levaram os Estados Unidos a proporem a capital brasileira como sede do encontro dos ministros. Pela extensão de suas terras, o Brasil se tornava estrategicamente vital para a defesa da América, num momento em que o marechal Henri Phillippe Pétain, Chefe de Estado da França não-ocupada, de influência nazista, havia autorizado a utilização por parte dos alemães das instalações aéreas e portuárias de Dacar, no Senegal, ponto mais ocidental da África. A distância relativamente curta dali até o chamado Saliente Nordestino, considerado a chave da defesa atlântica do

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continente - 1.600 milhas que poderiam ser percorridas em oito horas de vôo -, acentuava as preocupações americanas. A fixação de uma cabeça-de-ponte na região poderia, através de incursões pelo Caribe e Panamá, encontrar nos Estados Unidos pontos de vulnerabilidade, já que o patrulhamento daquela área ainda não era o mais adequado.

Por outro lado, a partir do território brasileiro, aviões aliados estariam a um passo dos combates. Em 1943, o aeroporto de Natal se transformaria no mais movimentado do mundo com cerca de seiscentas operações de pouso e decolagem por dia, num fluxo contínuo de recursos e soldados para as bases aliadas na Europa e África. Essas condições, somadas às riquezas naturais de nosso solo, conferiam ao país um peso que o credenciava a liderar as demais nações da América do Sul. Não havia hipótese de os Estados Unidos admitirem o Brasil dominado pela Alemanha nazista e se cogitava, caso a diplomacia falhasse, a invasão do Nordeste por um grande contingente do Exército norte-americano.

Uma carta do embaixador americano Jefferson Caffery, datada de fevereiro de 1942, solicitando ao presidente Vargas autorização para que técnicos americanos fossem enviados ao Nordeste, dava a dimensão do quanto os Estados Unidos consideravam importante a ocupação da região:

"É desnecessário lembrar a Vossa Excelência da crescente importância da travessia rápida de um grande número de nossos aviões para as frentes de batalha na África e no Oriente, onde são necessitados com mais urgência. De fato, a chegada rápida desses aviões naqueles setores tem uma influência direta nas operações militares atuais, bem como no resultado final da guerra. Resultado este que afeta diretamente o país de Vossa Excelência assim como os Estados Unidos. O presidente me pediu para expor o problema com toda a franqueza e confia que Vossa Excelência não hesitará em prestar a cooperação solicitada, uma vez que (...) torna-se, em todo o sentido, essencial para alcançarmos a vitória sobre o Eixo."10 A conjunção desses fatores finalmente obrigava o governo brasileiro a abandonar a postura ambígua dos últimos tempos. Uma postura que muitas vezes criava situações embaraçosas. No auge do avanço das torças nazistas, em meados de 1940, Vargas confabulava secretamente com o embaixador alemão Curt Pruefer no Palácio Guanabara quando fói avisado por um oficial de gabinete que o ministro Oswaldo Aranha 31 acabara de chegar. Mesmo desconcertado diante da surpresa, o presidente não titubeou em "convidar" Pruefer a se retirar pela porta dos fundos. Não queria que seu companheiro de lutas, então já trabalhando por uma aproximação com os Estados Unidos, o flagrasse em um insondável encontro clandestino com um representante do Eixo.11 Impelido a se alinhar aos norte-americanos, Vargas pelo menos via com bons olhos a figura de Franklin Roosevelt. Na posse do seu terceiro mandato (1941-45), o presidente dos Estados Unidos reafirmara sua política de boa vizinhança:12 "Eu me empenharei no estabelecimento de respeito aos nossos vizinhos (...) Bons vizinhos devem cumprir acordos e respeitar tratados."13

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Além disso, Roosevelt sabia como poucos ser agradável. Chegou a enviar ao Rio de Janeiro um escultor especialmente para fazer um busto de Vargas. E mais: em 1936, quando visitou o Brasil, encantou a todos ao relembrar, na abertura de seu discurso, durante um banquete oferecido pelo governo brasileiro, o quanto lhe trouxe alegria ter sido apresentado, ainda menino, em Paris, a Dom Pedro II, um símbolo da nossa nacionalidade. Na ocasião, Vargas não lhe poupou elogios:

"O homem (...) é de uma simpatia irradiante, de um idealismo pacifista sincero, e o próprio defeito físico (resultante de uma poliomielite que contraiu aos 39 anos), que o torna um enfermo de corpo, aperfeiçoa-lhe as qualidades morais e aumenta o interesse por sua pessoa.

É um orador claro, simples, cheio de imaginação (...) Mostrou-se muito 11 O episódio na época foi relatado à chancelaria da embaixada alemã e consta em documento apreendido no fim da guerra. Hoje se encontra no National Archives and Record Center, em Washington.

12 Desde 1933, por iniciativa do democrata Franklin Roosevelt, que acabara de assumir o governo, depois de uma sucessão de presidentes republicanos, os Estados Unidos mudaram a sua forma de se relacionar com os países latino-americanos. Para resolver conflitos, em vez de canhões e fuzileiros, era utilizado o diálogo, a diplomacia.

com isso, acabou por se incrementar um intercâmbio também cultural. Nessa época, Carmem Miranda fazia sucesso nos Estados Unidos e artistas americanos, freqüentemente, visitavam o Brasil. Era uma forma também de combater a influência européia nos países da América Latina, principalmente num momento em que emergiam no Velho Continente governos totalitários com políticas expansionistas, como as que empreendiam a Alemanha e a Itália.

13 O Imperialismo Sedutor - A Americanização do Brasil na Época da Segunda, Guerra Mundial. Antônio Pedro Tota. Companhia das Letras, 2001.

32 interessado em ajudar o Brasil na solução dos problemas de sua defesa Coincidentemente Vargas perderia o filho mais novo, Getúlio Vargas Filho, vítima também de poliomielite. Ele tinha 26 anos e morreu quando o presidente brasileiro, em 1943, tinha um encontro marcado com Franklin Roosevelt na base militar de Parnamirim, em Natal.

14 Perfis Brasileiros. Getúlio Vargas. Boris Fausto. Companhia das Letras, 2006. 33 Encontro do presidente Getúlio Vargas com o almirante Ingrams,

comandante da esquadra naval americana, no nordeste brasileiro A manchete do jornal, de 28 de janeiro de 1942 A Reunião histórica do Rio Negro Diário Carioca O BRASIl ROMPE com O Eixo!

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A ÚLTIMA REUNIÃO DOS CHANCELERES NO ITAMARatI a Reuniãohistórica Ruptura de Relações Acordo entre o Peru e o Equador Às 18:00 de hoje no palácio Tiradentes, a cessão de encerramento da Conferência.

O rompimento Era uma noite de gala no Palácio Guanabara. A poderosa iluminação realçava a

beleza clássica de sua arquitetura e revelava a grande extensão dos seus jardins, deixando ainda mais aparente a suntuosidade do palácio que, desde 1926, hospedava o presidente da República. Tradição e história não lhe faltavam. A construção, adquirida pelo Governo Imperial no século XIX, fora moradia da Princesa Isabel, que lá assinaria a Lei Áurea, acabando com a escravidão. Já em 1930, do Guanabara, ao lado do Cardeal Dom Sebastião Leme, o presidente Washington Luís, saindo de carro por uma porta lateral para evitar o confronto com a turba enfurecida, seguiu preso para o Forte Copacabana depois de ser deposto.

Mas aquele era o dia 19 de janeiro de 1942, e no luxuoso salão nobre do palácio, onde se via ao fundo uma panóplia com as bandeiras dos países sul-americanos, a primeira-dama Darcy Vargas, ao lado da filha Alzira e do genro Ernani do Amaral Peixoto, recebia os convidados, encaminhando-os ao jardim-de-inverno onde se encontrava Getúlio Vargas. Aos poucos, o ambiente foi se enchendo de figuras proeminentes. Eram diplomatas, ministros de Estado, magistrados, generais, almirantes, brigadeiros, literatos, banqueiros e jornalistas, a nata da sociedade brasileira, além dos representantes dos países que participavam da Conferência dos Chanceleres:

"A residência presidencial engalanou para acolher os ilustres delegados dos países do continente numa reunião social que foi, incontestavelmente, um acontecimento de elegância e beleza", noticiou o Diário Carioca do dia 20 de janeiro.

A recepção oferecida por Vargas foi um momento de descontração em meio aos trabalhos dos ministros. Canapés, regados pelo melhor vinho, quebravam um pouco as tensões provocadas pelas intensas conversações. Entre Darcy Vargas e Oswaldo Aranha, Sumner Welles posava para os fotógrafos exibindo indisfarçável satisfação com os rumos da Conferência. Já não havia dúvida de que atos de agressão ao continente, mesmo não militares (sabotagem, espionagem e propaganda subversiva do Eixo), não seriam mais tolerados. Depois de uma bem costurada articulação política, estariam em curso medidas policiais e judiciais que garantiriam a segurança de cada estado americano.

Tudo se encaminhava para que se votasse a resolução que recomendava a ruptura das relações diplomáticas dos países americanos com o Eixo. Em reunião no Itamaraty, no dia 25 de janeiro, 19 chanceleres discursaram a favor dessa decisão:

"Somos um continente pacífico, mas isso não quer dizer covardia. Enfrentar o perigo quando ele paira sobre nossas cabeças não é só defender-nos. Isto já representa uma vitória", falou o representante mexicano Ezequiel Padilha.

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Já seu colega peruano, o embaixador Alfredo Solfy Muro, sentenciou:"Julgam os nossos homens de estado que as relações interamericanas constituem

um fim essencial de todo governo. Fizemos sempre o esforço para tornar a solidariedade continental uma realidade." Finalmente, no encerramento da Conferência, no dia 28 de janeiro, foi anunciada, oficialmente, a decisão histórica. A imensa maioria concordava em romper relações diplomáticas com o Eixo. Nem o fato de Argentina e Chile haverem assumido posição antagônica diminuiu o sentido de unidade continental. E mais: como salientou O Jornal az 29 de janeiro, "os dois países comprometeram-se a não deixar que os embaixadores e cônsules do Eixo, ainda em seus territórios, aproveitem-se das suas imunidades para, de alguma forma, trabalhar contra os interesses das repúblicas que estavam rompendo ou estavam em guerra com as potências agressoras".

Mesmo assim, sabia-se que essa concessão argentina era uma mera formalidade. Dificilmente haveria qualquer restrição à atuação dos representantes do Eixo naquele país. Os discursos do embaixador Enrique Ruiz-Guinazú, de apologia à neutralidade, apenas encobriam o desejo do país de não se indispor com a Alemanha nazista, o que ficou evidenciado com o tempo e foi manifestado na conferência pelas sucessivas tentativas de barrar a declaração de ruptura unânime e imediata.

Apesar das divergências com Guinazú, Aranha, gentilmente, foi levá-lo ao aeroporto Santos Dumont na sua volta a Buenos Aires. Mas aO perceber que o hidroavião militar da comitiva de Guinazú precisara Je três tentativas para decolar, não resistiu ao comentário sarcástico: "Deve ser o peso da consciência."1 O pior ainda viria. Finalmente, após levantar vôo, com ou sem a carga excedente imaginada por Aranha, o hidroavião acabou caindo nas imediações do aeroporto. Como noticiou o Diário Carioca, em 31 de janeiro de 1942, "logo notou-se que o aparelho não conseguia se estabilizar no ar, parecendo que o motor falhava. Subitamente, como um cometa, o possante pássaro metálico, descrevendo uma elipse, caiu no mar a pouca distância da Escola Naval".

Os cadetes, por perto fazendo exercícios nos escaleres, foram os primeiros a prestar socorro aos passageiros, transportando-os à terra. com ferimentos leves, Guinazú e seu filho foram atendidos na enfermaria da Escola Naval. Depois de liberados, voltaram para o Hotel Glória, onde esperaram que outro avião viesse da Argentina buscá-los.

O "excesso de peso" foi considerado o motivo mais provável do acidente, segundo o próprio ministro da Aeronáutica, Salgado Filho.

O mais importante para Oswaldo Aranha foi o saldo da Conferência ter sido plenamente satisfatório. Dali em diante, os países americanos formariam um bloco só, forte e unido para enfrentar a voluptuosidade do Eixo:

"As repúblicas americanas reafirmam sua declaração de considerar ato de agressão de um estado extra-continente contra um deles como ato de agressão contra

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todos por constituir uma ameaça imediata à liberdade e à independência da América",2 dizia um dos trechos da resolução.

Era uma vitória pessoal de Oswaldo Aranha, que, usando todo seu poder de persuasão, lutara obstinadamente por esse objetivo contra a ala do governo que pregava o menor comprometimento possível do Brasil. Nos bastidores da Conferência, as pressões também vieram dos embaixadores de Alemanha, Itália e Japão, que mandaram mensagens para o ministro recheadas de ameaças:

Crônica de uma Guerra Secreta. Nazismo na América: A Conexão Argentina. Sérgio Corrêa da Costa. Record, 2004. Correio da Manhã - 28 de janeiro de 1942.

36" 37 "A meu ver a ruptura das relações diplomáticas seria desde já nitidamente interpretada nas capitais do Eixo como manifestação da vontade das nações americanas de chegar imediatamente, ou dentro de curto prazo, a uma guerra de fato com os mesmos países. Comunico-lhe meu pensamento na esperança de que o amigo queira prevalecer-se (...) de sua excepcional autoridade no sentido de manter intactas as nossas relações diplomáticas",3 escreveu o embaixador italiano Ugo Sola.

O chanceler japonês, Itaro Ishii, foi mais longe. Sabedor das tendências nazi-fascistas do general Dutra, enviou-lhe uma cópia da carta enviada a Aranha com o seguinte bilhete anexado:

"Desejaria apelar a Vossa Excelência para que o senhor ministro compreenda os meus leais sentimentos para com o Brasil e faça valer sua valiosíssima influência, sempre acatada no rumo da política nacional, no sentido de não ver alterado o atual estado de coisas entre a pátria de Vossa Excelência e o meu país."4 Curt Pruefer, o representante alemão, foi curto e grosso:

"A ruptura das relações diplomáticas entre o Brasil e a Alemanha significaria o estado de beligerância latente, acarretando conseqüências que eqüivaleriam à eclosão da guerra efetiva entre os dois países."5 Tudo isso era café pequeno para as mais que arraigadas convicções de Aranha. Sem se curvar, mantendo com firmeza sua posição, rechaçou a todos numa mesma carta, sepultando qualquer possibilidade de transigência:

"Ainda que apreciando o apelo que Vossa Excelência me dirige, em minha qualidade de presidente da Conferência, é meu dever lembrarlhe que o Brasil sempre manteve no conflito uma neutralidade tida como exemplar. A agressão do Japão a um país do continente americano, seguida de declaração de guerra da Alemanha e Itália, nos impõe rumo diferente que o supremo interesse continental indicará."6 Coerente com o que dissera aos diplomatas do Eixo, sem transparecer qualquer incerteza, Aranha fez ainda um discurso, no encerramen- 3 Correspondência do embaixador italiano a Oswaldo Aranha. Rolo 7, fotograma 0007 a 0008. CPDOC/FGV.

4 1942- Guerra no Continente. Hélio Silva. Civilização Brasileira, 1972.5 O Brasil vai à Guerra. Ricardo Seitenfus. Manole, 2003.

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6 1942- Guerra no Continente. Hélio Silva. Civilização Brasileira, 1972. to da conferência, carregado de eloqüência, como era o habitual do chanceler

brasileiro, no qual reafirmava a importância do momento histórico vivido naqueles dias abafados de janeiro de 1942 e expungia qualquer espécie de relacionamento com esses países:

"Discutimos durante dez dias todas as nossas possibilidades e fizemos um balanço supremo das nossas energias e da vitalidade dos nossos povos. Discutimos porque pensamos e porque somos livres. Estamos dispostos a todo sacrifício para a nossa defesa e a defesa da América. Esta é a razão pela qual hoje, às seis da tarde, por ordem do senhor presidente da República, os embaixadores do Brasil em Berlim e Tóquio e o encarregado de negócios em Roma passaram notas aos governos junto aos quais estão acreditados comunicando que, em virtude das recomendações da in Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, o Brasil rompe relações diplomáticas e comerciais com Alemanha, Itália e Japão."7 Aranha complementou seu discurso informando que já havia enviado aos diplomatas do Eixo uma nota comunicando essa resolução, e ordenando que fossem entregues os passaportes para que pudessem retornar com segurança a seus respectivos países. Aos mais íntimos, nos bastidores da conferência, o ministro confidenciava que não fora Getúlio, nem ele, nem ninguém que forçara o Brasil a romper relações:

"Foi a nossa posição geográfica, a nossa economia, a nossa história, a nossa cultura, enfim, a necessidade de sobrevivência",8 garantiu.

Por todo o país as conseqüências da decisão não tardaram. Em Salvador, foram fechados o Clube Alemão e a Casa Itália. Em Porto Alegre, o Arcebispo João Becker dirigiu uma circular ao clero e aos fiéis fixando normas a serem seguidas. O religioso determinou que fosse suspensa a pregação em língua das nações com as quais o Brasil rompia relações diplomáticas, "quer nos templos, quer onde se realizavam os atos religiosos". O Arcebispo Becker, como noticiaria o Correio da Manhã de 8 de fevereiro de 1942, lembrava aos reverendos sacerdotes e aos católicos que os "erros doutrinários tanto do nazismo neo-pagão como do comunismo ateu foram condenados pelo sumo-pontíficie, Pio XI".

38 1 O Jornal- 29 de janeiro de 1942.8 Oswaldo Aranha. Uma biografia. Hilton Stanley. Objetiva, 1994.39 Nos Estados Unidos a repercussão também foi grande. De Washington, o

embaixador Carlos Martins enviou um telegrama ao presidente Vargas informando que os jornais norte-americanos "enalteceram a atitude do Brasil e a intervenção pessoal de Vossa Excelência (...) para uma ação conjunta em face da guerra". O New York Times, segundo Martins, afirmava em manchete: "Brasil assume posição de liderança no rompimento com o Eixo."9 Ao chegar aos Estados Unidos, no dia 31 de janeiro, Sumner Welles também congratulou Vargas pelo sucesso da conferência:

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"Envio a Vossa Excelência meus profundos agradecimentos por todas as inumeráveis gentilezas. A Reunião de Consulta do Rio de Janeiro será sempre lembrada pelas suas importantes resoluções em favor dos interesses da América e para esse grande resultado a sábia conduta de estadista de Vossa Excelência muito concorreu." Vargas respondeu no mesmo tom ameno, mas cobrando uma interferência de Welles nos assuntos que o ministro da Fazenda Arthur Sousa Costa encaminharia brevemente na capital norte-americana:

"Agradeço seu telegrama (...) grato pela oportunidade de salientar que fecundos resultados obtidos na Reunião de Consulta em favor da unidade americana muito se devem a sua ação brilhante e ponderada. Confio que sua interferência será decisiva em assuntos que conversamos (...) Para essa capital seguiu o ministro Sousa Costa.

Para ele peço assistência do amigo e do Departamento de Estado."10 Essa troca de amabilidades, não era novidade, descontentava a ala governista que ainda acreditava na vitória dos nazi-fascistas. Era até natural que o novo posicionamento do país trouxesse o temor de que se concretizassem os avisos nada subliminares de represálias. Góes Monteiro expressou sua preocupação ao ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, que endossou esse parecer em uma carta enviada ao presidente da República. O general, que recomendara o não rompimento com a 9 Telegrama de Carlos Martins a Getúlio Vargas. Rolo 7, fotograma 0011 a 0012.

CPDOC/FGV.10 Troca de telegramas entre Sumner Welles e Getúlio Vargas, em 31 de janeiro

de 1942.Rolo 7, fotograma 0011 a 0012. CPDOC/FGV.Alemanha nazista, alertava Vargas de que o Brasil estava totalmente

despreparado para enfrentar qualquer ataque:"Bem sei que Vossa Excelência não desconhece o estado de desaparelhamento em

que se encontram tanto o Exército quanto a Marinha e a Aeronáutica. Motivos diversos têm impedido que Vossa Excelência leve a termo seu programa de governo na parte que se relaciona com a eficiência do Exército. É sobejamente conhecido o quanto nos empenhamos pela encomenda e, mais tarde, pelo recebimento de material de guerra que, em grande parte, ainda está depositado na Alemanha. Dois anos já se passaram de solicitações, entendimentos e promessas no sentido de obtermos o material bélico mais indispensável, sem que até o presente nada de concreto fosse conseguido",11 disse Dutra a Vargas.

Por outro lado, os últimos acontecimentos provavam que ser neutro não representava nenhuma garantia. Fato comprovado pela agressiva escalada das tropas nazistas sobre áreas da Europa que se mantinham à margem do conflito. Cada vez mais, povos sem tradição bélica eram subjugados pelos militarmente poderosos do Eixo. A

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investida submarina da Alemanha contra navios mercantes, visando cortar as linhas ultramarinas inglesas, confirmava essa tendência. Indiscriminadamente, embarcações neutras e aliadas eram afundadas.

Em 1942, mesmo com a resistência do almirante Erich Raeder, comandante-chefe da Marinha de Guerra alemã, que priorizava a construção de unidades de superfície, e a indiferença de Hitler a esta modalidade de guerra, a frota do almirante Karl Dõnitz, n comandante da força submarina, já era composta por cerca de trezentos U-boats (cerca *1 Carta de Eurico Gaspar Dutra ao presidente Getúlio Vargas, escrita em 24 de janeiro de 1942, no ápice das negociações da Conferência dos Chanceleres. Rolo 7, fotograma 0013 a 0014. CPDOC/FGV.

Remanescente da Primeira Guerra Mundial, Dõnitz ficou preso na Ilha de Malta depois de ter seu submarino, o U-68, afundado por um destróier inglês. Libertado ao fim da guerra, continuou suas atividades na Marinha em terra. Em 1935, foi convidado para comandar a nova arma submarina do Reich. A partir de então, trabalhou obstinadamente para que a fabricação de submarinos fosse prioridade da indústria bélica alemã. Durante o julgamento de Nuremberg, do qual escapou da forca, pegando uma pena de dez anos de prisão - sua defesa usou a afirmação do almirante norte-americano Chester Nimitz de que fizera no Pacífico o mesmo que Dõnitz fez no Atlântico -, revelou o quanto sua rotina de trabalho fez com que estivesse diariamente num submarino: "Não foi bom para o meu reumatismo ficar exposto à umidade, óleo e água o tempo todo." Documentação disponível no site do Centro de Pesquisas e Documentação em História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas (www.cpdoc.fgv.br).

41 de 1.100 foram postos em serviço ao longo do conflito), que em breve estariam em campanha também nas águas do Atlântico Sul.

Na época, o Brasil estava longe de poder defender seu litoral e muito menos seu território continental. Conforme observava o general Dutra, o país não dispunha de mais de cem canhões e cinqüenta tanques, a maior parte sem munição. A frota da Marinha sofria da mesma indigência, como também a da Aeronáutica (FAB), que contava com irrisórios 27 aviões de combate. A nossa defesa se baseava muito mais num teórico espírito antimilitarista da população do que no aparelhamento das Forças Armadas.

Eram carências que revelavam as dificuldades de um país periférico, sem condições de envolver-se diretamente num conflito da magnitude de uma guerra mundial.

Por isso, o governo brasileiro, durante a Conferência dos Chanceleres, considerava fundamental que fosse firmado um compromisso de ajuda militar dos Estados Unidos.

Era crescente o receio de que houvesse um colapso dos exércitos aliados na África do Norte, o que facilitaria a investida de forças nazi-fascistas sobre a América do

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Sul. Desde Fernando de Noronha até o Nordeste, chegando à Bacia Amazônica, essas áreas precisavam estar preventivamente protegidas.

Um documento secreto do Comando do Exército do Nordeste, sediado no Recife, datado de 10 de setembro de 1941, definia e detalhava uma estratégia completa de defesa dessa região. Diante da possibilidade de um ataque extracontinental bem-sucedido a Fernando de Noronha, por exemplo, o plano previa o estabelecimento de manobras defensivas a partir de Natal, Recife, Cabedelo e Maceió. com tropas bem posicionadas nessas cidades, o Exército "ficaria em condições de, em curto prazo, repelir tentativas de a invasão avançar em qualquer outra região". O documento faz menção também à atuação da Força Aérea, que seria responsável por fotografar toda a área, além de dar cobertura às forças terrestres através de "assaltos e bombardeios". Quanto à Marinha, o plano recomendava uma ação que cooperasse na proteção à navegação amiga e neutra e ajudasse "forças terrestres e aéreas no ataque às tentativas inimigas de desembarque". Seria também sua fun- ção a busca de informações sobre movimentos hostis na zona costeira, de Recife até Natal, passando por Olinda, Baía de Ponta Negra, N.S. da Ilha de Itamaracá e Ponta da Pedra.13 Àquela altura, porém, sabia-se que o Brasil não estava suficientemente equipado para levar a cabo um planejamento tão abrangente. Daí a insistência em obter garantias de que os Estados Unidos aparelhariam as Forças Armadas.

Nessa empreitada, o governo Vargas contava com a inestimável colaboração de Sumner Welles. Sensível à necessidade de o Brasil se equipar militarmente, dirigiu ao presidente Roosevelt, em 19 de janeiro de 1942, no auge das negociações da Conferência dos Chanceleres, o seguinte telegrama:

"Obviamente o Brasil não poderia ser tratado como alguma pequena nação da América Central que se daria por satisfeita com a presença de tropas americanas em seu território. Ele tem o direito de ser considerado como nação amiga (...), além de aliado, e como tal faz jus a receber (...) suficientes aviões, tanques e artilharia costeira de maneira a possibilitar ao Exército Brasileiro defender, ao menos em parte, aquelas áreas do Nordeste brasileiro cuja defesa é tão vitalmente importante tanto para os Estados Unidos quanto para o Brasil."14 Convencido, o governo Roosevelt finalmente se comprometia a dar suporte ao reequipamento das nossas Forças Armadas, o que foi determinante para o rompimento do Brasil com o Eixo. Um mês e meio depois de tomada essa decisão, em 3 de março de 1942, foi assinado, em Washington, um acordo no valor de US$ 200 milhões que garantia o fornecimento de armas e munições. Antes mesmo disso, segundo documento do embaixador Carlos Martins datado de 27 de fevereiro, o governo já aguardava o envio de 65 tanques leves, 31 carros militares, cinqüenta ambulâncias, trinta motocicletas e 475 caminhões diversos. Sobre providências para a ativação do programa de aparelhamento do Ministério da Marinha, Carlos Martins garantia que, por intermédio do Departamento de Estado, estava insistindo "junto às autoridades

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competentes a fim de 14 O Brasil no Conflito Ideológico Global. Teixeira Soares. Civilização Brasileira, 1980.

acelerar fornecimentos".15 com relação ao material da Aeronáutica, o embaixador informava que bombas e munição já se encontravam em Natal. A chegada de aviões caças e anfíbios estava prevista para junho.

O Export-import bank americano também ofereceria crédito para que o Brasil explorasse minério de ferro. Sem contar com o sonho de industrialização de Vargas, simbolizado pela Siderúrgica de Volta Redonda, que finalmente sairia do papel. Esse projeto fazia parte de um conjunto de ações que visava criar condições para o desenvolvimento econômico do país. Além da implantação de uma indústria de base, particularmente a grande siderurgia, buscava-se "a nacionalização de jazidas minerais, de bancos e companhias de seguros estrangeiras, a expansão da rede de transportes, o incremento da produção de carvão nacional e a elaboração de políticas para diversificar as exportações".16 O objetivo era reduzir o contraste dos dois brasis existentes, o que, na opinião de Vargas, era o grande entrave para a consolidação de uma unidade nacional, sem a qual jamais haveria um real crescimento.

Em visita ao estado de Minas Gerais, Jefferson Caffery, embaixador norte-americano no Brasil, discursava sobre as perspectivas de bons negócios:

"Meu país é consumidor infalível de materiais abundantes nesse estado: mica, quartzo, manganês, ferro e diamantes industriais. Para os Estados Unidos essas riquezas têm suma importância, aumentada nesse momento de guerra. E todo esse potencial está sendo transformado em material de consumo, que crescerá em proporções enormes, para o que muito hão de contribuir os acordos recentes firmados entre os governos de Washington e do Rio de Janeiro."17 Os Acordos de Washington foram realmente de vital importância para o comércio exterior brasileiro. Calcula-se que aproximadamente 60% das exportações entre 1942 e 1943 se originaram de negócios ligados a eles. Mas antes de serem colocados em prática, a ira de Hitler se tornaria realidade. Uma realidade com conseqüências ainda inimagináveis. O apoio a uma nação que lutava contra a Alemanha criava, inevitável- mente, um estado de beligerância não declarada, o que transformava o grasil num alvo em potencial no teatro da guerra. Seria uma ilusão imaginar que os países do Eixo veriam naturalmente, sem sentirem-se afrontados, a ocupação do Nordeste pela Quarta Esquadra do almirante norte-americano Jonas Ingram. O contragolpe era uma questão de tempo.

15 CPDOC/FGV. Rolo 7, fotograma 0014.16 Perfis Brasileiros. Getúlio Vargas, Boris Fausto. Companhia das Letras, 2006.17 Correio da Manhã- 3 de maio de 1942.

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Carnaval sombrio Orson Welles em um programa de rádio ao lado de Oswaldo Aranha: a presença

do cineasta americano no Brasil fez parte da política de boa vizinhança dos Estados Unidos Karl Donitz, o chefe da frota alemã de submarinos "Desculpem a demora", disse o homem, simpaticamente, com um inconfundível sotaque de quem apenas começava a ganhar intimidade com o português.

Era ninguém menos que Orson Welles, o aclamado diretor do filme Cidadão Kane, que acabara de chegar ao Rio de Janeiro depois de uma rápida passagem por Belém. Não completara duas semanas que seu conterrâneo, o Welles subsecretário de Estado, havia deixado o Rio, ao final da Conferência dos Chanceleres. Mas o assunto dessa vez não era política, embora a presença de Orson Welles tivesse a ver com a política de boa vizinhança que os Estados Unidos implementavam há tempos, em todas as áreas, inclusive a cultural.

Vestido com discreta elegância - terno cinza, camisa com preguinhas e sapato de pelica -, o cineasta de 25 anos sentou-se, sem qualquer afetação, numa das cadeiras estofadas da varanda do Copacabana Palace, defronte à avenida Atlântica. A vista deslumbrante da já famosa praia ficou em segundo plano. Os jornalistas logo cercaram Welles, impressionados com sua fisionomia moça e sua amabilidade. Ele não era um galã, não tinha nada de parecido com um artista de cinema, pelo menos nos moldes dos que estavam nas telas naquele momento. Era simplesmente Orson Welles. "Que diferença dos Errol Flynns, dos Fyrone Powers e outros célebres galãs assoberbados", diria a reportagem de O Jornal.

- Mr. Welles, o que achou do Rio de Janeiro?- Cheguei apenas há uma hora...E antes que lhe perguntassem se gostava mais de panquecas ou caipirinhas,

acrescentou:- Sinto-me um pouco carioca. Escapei de nascer aqui. Meus pais viveram no

Brasil, mas partiram para os Estados Unidos um mês antes do meu nascimento. Daí a grande estima que tenho por esse país.

- Mr. Welles, qual o filme que veio produzir aqui?- Não sei e ficaria muito contente se me sugerisse um - respondeu o cineasta com

um sorriso maroto e bonachão.Uma senhorita com o nariz em pé, talvez americana, provocou:- Por que filmar o carnaval no Rio se pode fazê-lo em outra parte?

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- Eu já assisti ao carnaval em Nova Orleans, em Nice, na Itália, mas o daqui, sem dúvida, é melhor. Ontem à noite, em Belém, tive uma amostra. Vi espontaneidade, intensidade, uma alegria sadia. Nesses instantes nunca senti tanta felicidade.

Uma semana depois, usando a iluminação antiaérea emprestada pelo Exército brasileiro, pois o seu equipamento de luz não chegara dos Estados Unidos, Welles estava com sua câmera, no centro do Rio, registrando a passagem dos blocos, as fantasias, a tal espontaneidade que os foliões do norte do país lhe apresentaram. Em cima de um pequeno palanque, montado em meio à multidão, ele se agitava filmando sofregamente tudo o que podia:

"O centro da cidade era uma vibração só, de colorido e música", noticiou O Jornal, mostrando uma foto de Welles no alto da armação dirigindo as filmagens. Impressionado com o que via, Welles declarou: "Registrar essa festa é como captar a passagem de um furacão." Welles tinha razão. Tudo aquilo estava muito mais para um fenômeno da natureza. E melhor: sonorizado por marchas que entrariam para a antologia da música popular brasileira, vivendo então um de seus momentos mais exuberantes. Particularmente, o carnaval de 1942 foi pródigo no lançamento de sucessos que por muitas décadas embalariam a alegria de foliões em todos os cantos do país. Ah, que Saudades de Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago; Está Chegando a Hora, de Rubens Campos e Henricão; Nega do Cabelo Duro, de Rubens Soares e David Nasser, gravado pelos Anjos do Inferno; e o clássico Sandálias de Prata, de Ary Barroso, na voz de Francisco Alves, foram alguns exemplos da criatividade dos nossos compositores naquele ano.

Mas aquele carnaval ficaria marcado não só pelas suas inesquecíveis marchas e pela festa que tanto sensibilizara Orson Welles. Justamente Já terra do cineasta, num prenuncio do que estava por vir, chegariam más notícias, o verdadeiro furacão que varreria o país. Como se temia, começava a escalada de retaliações dos países do Eixo por causa do rompimento de relações diplomáticas do Brasil. Apenas 18 dias após essa decisão, no início da madrugada de uma segunda-feira de carnaval, dia 16 de fevereiro, o navio Buarque do Lloyd Brasileiro era posto a pique, atingido por dois torpedos do submarino alemão U-432.

"Afronta do Eixo à América depois do rompimento", gritou a manchete de O Jornal.

O Buarque, batizado assim em homenagem a um antigo presidente do Lloyd Brasileiro chamado Buarque de Macedo, deixara o Rio no dia 16 de janeiro, coincidentemente em pleno desenrolar da conferência que selaria seu destino. Era um dos mais novos vapores da frota do Lloyd, tendo sido adquirido dos Estados Unidos havia apenas dois anos, juntamente com 13 outras unidades, chegava a deslocar 5.152 toneladas brutas, desenvolvia até 13 milhas horárias e media exatos 122,3 por 16,53 metros de boca. Construído pela firma American International S.B. Corporation, do

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estado da Pensilvânia, em 1919, fora registrado na capitania do porto do Rio de Janeiro, em 1940, sob o número 487. Imediatamente incorporado à linha Rio-Nova York, fazia escalas nos portos do Norte-Nordeste e em La Guaira, na Venezuela.

Além dos 74 tripulantes e cinco passageiros (tinha capacidade para 82 pessoas), o Buarque levava grande quantidade de café, algodão, cacau e mamona, uma planta medicinal - era o comércio com os Estados Unidos que se intensificava depois das conversações na Conferência dos Chanceleres. Particularmente, o nosso café era muito bem-vindo. Conforme reconhecia o Comando do Exército americano, era um dos maiores responsáveis pelo bom ânimo dos soldados no front. Em tempos de guerra, cada um deles chegava a consumir por ano algo em torno de 20 quilos do produto.

Assim, "estavam prontos para lutar".2 1 Entrevista publicada em O Jornal em 10 de fevereiro de 1942.

2 O café era de tal modo apreciado pelos norte-americanos que o presidente Roosevelt e o secretário de Estado Cordell Hull enviaram cartas de agradecimento a Getúlio Vargas quando em 1943, o governo brasileiro presenteou as tropas dos Estados Unidos com 400 mil sacas de café: "Nossas forças de luta irão receber com alegria a contribuição do povo brasileiro, não somente por causa da amizade calorosa que ela expressa, mas também porque os soldados americanos são até mais consumidores de café no front do que em casa", escreveu Roosevelt ao presidente Vargas, já Hull diria: "Estou feliz em informá-lo de que os preparativos para envio do café estão em andamento, o que trará uma considerável contribuição para as nossas forças armadas e o nosso esforço comum." Cartas contidas no rolo 7, fotograma 0798 a 0799. CPDOC/FGV.

Muito provavelmente, o comandante João Joaquim de Moura não conhecia esses dados, mas sabia que havia perigo no mar. Tanto que, dois dias depois de zarpar, atendendo ao regulamento vigente, ele não abrira mão de uma simulação de salvamento, da qual participaram tripulação e passageiros. Moura era um comandante zeloso, mas parecia também antever o que se sucederia.

Após ter deixado o estado do Pará no primeiro dia de fevereiro, o Buarque navegou na direção norte. Atracou no dia 7 de fevereiro em La Guaira, onde mais 13 passageiros embarcaram, e logo seguiu viagem para Nova York. Precavido, como já demonstrara ser na saída do Rio, o comandante decidiu alterar drasticamente a rota habitual, preferindo singrar em águas do litoral norte-americano (por volta de 20 milhas da costa da Virgínia), em vez de seguir na linha reta mantida pelo piloto automático.

Era uma forma de diminuir os riscos de sofrer um ataque, o que àquela altura parecia improvável. Freqüentemente, eram avistados aviões navais norte-americanos patrulhando a região.

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Porém, por volta das 22h do dia 15, o comandante Moura percebeu, de súbito, a aproximação de um submarino, o U-432, comandado pelo Capitão-Tenente Heins-Otto Schultze.

Mais cedo, por volta das 19h30, Moura já estranhara a presença de um avião sobrevoando o navio e lançando sobre ele um feixe de luz - posteriormente soube-se que os alemães poderiam possuir uma aeronave espiã baseada nos Estados Unidos que guiava os submarinos em atividade na região.

Os temores do comandante cresceram ao constatar coisa pior: o Buarque passava a ser seguido. Mesmo assim, como o vapor trafegava com as luzes totalmente acesas, que deixavam à mostra nitidamente seu costado com a bandeira brasileira, imaginou-se que aquilo fosse apenas um exercício de intimidação. Ledo engano. Mesmo declarando-se neutro, o Brasil, ao romper com o Eixo, estimulara a reação de Hitler. Estava claro que carregar mercadorias para um país em guerra com a Alemanha, como era o caso dos Estados Unidos, representava um grande perigo, pois cortar o suprimento de matérias-primas e alimentos a um país inimigo se tornara uma prática corriqueira. Nesse caso, ocorria a chamada operação Paukenschlag (Rufar dos Tambores), aprovada pelo Führer e levada a cabo por Karl Dõnitz, que deslocava para a costa norte-americana e o Mar do Caribe parte de suas forças submarinas.

Além de obstruir o fornecimento de matérias-primas aos Estados Unidos, os alemães tinham também o objetivo de isolar ao máximo a União Soviética dos seus aliados, que ficaria impedida de receber, através das rotas marítimas, qualquer tipo de auxílio. Como praticamente não havia uma defesa organizada à ação dos submarinos na região, navios eram afundados sem qualquer resistência, desde Nova York até o Golfo do México.

Mas para atacar o inimigo em pontos tão distantes das suas bases, pagava-se um preço alto. A longa permanência no interior de um submarino era extremamente desgastante, um teste de resistência que poucos suportavam. Em um ambiente asfixiante e insalubre apenas o comandante e o imediato tinham cômodos individuais. Os suboficiais dividiam um outro cômodo e o restante da tripulação - 50 homens em média, que incluíam maquinistas, eletricistas, artilheiros e especialistas em escuta - se espremiam entre tubos, alavancas, torpedos, aparelhos medidores, tanques de lastro, responsáveis pela submersão ou emersão, geradores, alimentos e equipamentos em geral. Os beliches dobráveis ficavam em meio a toda essa parafernália. O calor intenso fazia com que em alguns compartimentos os tripulantes trabalhassem sem camisa. As longas jornadas tornavam comuns os casos de claustrofobia. Se por esse ou qualquer outro motivo houvesse abandono do posto ou desobediência ao comandante o caso era julgado pelo Conselho de Guerra, podendo o infrator, dependendo da gravidade da indisciplina, ser condenado à morte.

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Além disso, o barulho interno era intenso. Era causado principalmente pelo funcionamento dos motores a diesel, que tornavam o ar quase irrespirável. A tensão constante se multiplicava pelos ruídos externos captados por um hidrofone. com a rápida propagação do som de- 51 baixo d'água, podia-se ouvir até uma ferramenta caindo no piso do convés de uma embarcação que se aproximasse. O pingue sonar, que indicava que a presença do submarino poderia estar sendo detectada por um navio-escolta, trazia ainda mais apreensão e, nesses momentos, um silêncio mortificante tomava conta de todos, pois a qualquer momento poderia ser lançada uma bomba de profundidade. Era a senha para se emergir o máximo possível, e aí a pressão do ar se tornava difícil de suportar. Muitos passavam mal.

De um modo geral, o grosso da tripulação era formado por jovens marujos recém-saídos da adolescência. No fim de uma viagem, estavam transformados. Embrutecidos, exibiam inevitavelmente as marcas da guerra. A barba crescida, a face vincada, com sulcos profundos, e as olheiras proeminentes. Elas denunciavam a perda da inocência, causada tanto pelo inevitável desgaste psicológico quanto pelo ritmo de trabalho puxado.

Mas a despeito de todas essas dificuldades, os comandados de Dõnitz tinham o moral elevadíssimo, particularmente quando seus inimigos não se mostravam preparados para enfrentar esse tipo de campanha. O Buarque teve certeza disso ao ser atingido, aos 45 minutos de uma madrugada escura e de mar agitado, pelo primeiro torpedo do U-432. A surpresa da explosão foi multiplicada pelo fato de os passageiros e a maior parte dos tripulantes estarem dormindo. Muitos foram arremessados dos seus leitos.

Bruscamente acordados, eles saíram de suas cabines totalmente atordoados. Não tardou, porém, para concluírem que o navio só podia ter sido atacado por um submarino.

A confusão era enorme, principalmente em razão do curto-circuito que logo afetou a energia elétrica. Mesmo fora do navio, diante da noite impenetrável, os passageiros tinham dificuldade de enxergar. Movimentando-se desordenadamente, se chocavam uns contra os outros.

"Era uma situação aterradora. Estávamos todos aturdidos, sem saber para onde nos dirigir. Sobretudo pela falta de visão, o pânico aumentava a cada instante", relatou o americano Walter Shivers, um engenheiro da Pan-American Airways.

com o iminente afundamento, o comandante Moura ordenou aos tripulantes que tomassem providências para que o navio fosse abandonado. Por sorte, o Buarque era muito bem aparelhado no tocante ao material de salvamento - possuía quatro baleeiras, uma lancha e quatro amplas balsas. Mesmo assim, a operação exigia muito cuidado. Os rodamoinhos que se formavam puxavam os escaleres que já se encontravam na água em volta ao Buarque. Muitos deles acabavam se chocando perigosamente contra o casco do navio que afundava. Quando finalmente conseguiram se afastar, a uma distância de

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cerca de 90 metros, o submarino disparou outro torpedo, atingindo a parte central do navio. Era o golpe fatal.

Sem apelação, tendo suas caldeiras explodidas, o vapor afundava de proa:"O roncar da água entrando pelo navio fazia-o gemer de uma maneira quase

humana. Foi esse o ruído mais doloroso e mais tétrico que ouvi em toda a minha vida. Senti o sangue gelar-me nas veias",3 confessou Shivers.

Como os escaleres do Buarque estavam convenientemente abastecidos com rações de emergência - biscoitos, água e leite -, os transtornos pela noite passada ao relento, à espera de resgate, teriam sido minimizados. Foram várias horas ao sabor das ondas; momentos em que existia também o receio de que fossem metralhados pelo submarino inimigo, que, provavelmente, ainda estava nas imediações.

Num dos escaleres, segundo um dos depoimentos, estava uma senhora com uma criança de 6 anos, cuja coragem impressionou a todos. Apesar do medo de um novo ataque e do frio cortante, nem sequer chorava. Isso trouxe estímulo para que os náufragos aguardassem o surgimento das primeiras luzes do dia, quando seria mais fácil serem localizados.

"Somente às sete da manhã um avião circulou sobre o bote salvavida em que nos achávamos. A tripulação do aparelho nos fez sinais e lançou bombas de fumaça para indicar nossa posição ao navio que devia nos socorrer. Perdemos de vista dois outros escaleres, que desapareceram na noite fria e escura. O navio de socorro rumou em ziguezague para a costa depois de nos resgatar, com receio de que ainda houvesse submarinos nas proximidades",4 disse Maria Luiza Omana, uma jovem venezuelana, de 19 anos, resgatada junto com sua mãe.

3 Correio da Manhã - 19 de fevereiro de 1942.4 Correio da Manhã - 19 de fevereiro de 1942. 52 53 O outro escaler teve de esperar pelo resgate por mais tempo: "Remamos e

vagamos até as nove da manhã, quando vimos dois aviões da Marinha norte-americana. Fizemos sinais e eles nos viram, retribuindo os nossos sinais. Vimos também um dos observadores tirando fotografias do nosso escaler. Mas os navios enviados em nosso socorro só apareceram na parte da tarde, mas sempre tivemos aviões voando sobre nós. Felizmente o mar já não estava tão agitado e o tempo se firmara",5 contou John Dunn, também norte-americano e engenheiro da Panam.

No fim, soube-se que houve uma vítima. Um homem de nacionalidade portuguesa, de 46 anos, chamado Manoel Rodrigues Gomes, sofrera um ataque cardíaco no momento do torpedeamento. Num dos escaleres, membros da tripulação tentaram ao máximo reanimá-lo, inutilmente. Entretanto, a maior parte da tripulação e dos passageiros estava a salvo no porto norte-americano de Norfolk, resgatada pelo Cutter da Guarda-Costeira norte-americana Calypso. Outros se encontravam no

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contratorpedeirojacob James, inclusive o comandante brasileiro João Joaquim de Moura, a quem foi recomendado que não concedesse entrevista. Um último escaler se perdeu no mar por 57 horas. Foi recolhido, com seus ocupantes em estado precário por causa da temperatura abaixo de zero, pelo petroleiro Eagle, que acabaria por ser torpedeado um ano e quatro meses depois, em junho de 1943, em Cabo Frio, sendo levado para reparos ao porto do Rio de Janeiro com escolta da Corveta Cananéia.

Em Washington, onde se encontrava chefiando uma missão econômica, o ministro da Fazenda Sousa Costa recebeu, estarrecido, a notícia do afundamento do Buarque (os prejuízos foram calculados em cerca de US$ l milhão). Aproveitou para, nas reuniões em curso, intensificar pressões para que se acelerasse o fornecimento de materiais bélicos ao Brasil, com base na lei de Arrendamento e Empréstimos.

Aquela altura, havia razão de sobra para acreditar que o Eixo, sentindo-se ultrajado pela frente hemisférica criada no Rio, não mediria esforços para realizar outras retaliações. Até porque quase um ano antes, em 22 de março de 1941, sem um motivo claro, o mercante Taubaté, apesar de exibir nitidamente a bandeira brasileira pintada em ambas as bordas, foi atacado com bombas e tiros de metralhadoras por um avião Ha Luftwaffe no Mar Mediterrâneo, quando navegava do Chipre para a Alexandria, levando batatas, lã e vinho. A agressão não parou nem após o comandante Mario Fonseca Tinoco ter ordenado que fosse içada no mastro principal a bandeira branca. Na ocasião, ocorreu a primeira vítima do país na Segunda Guerra: o conferente José Francisco Fraga. Outros 13 tripulantes acabaram feridos. O Ministério das Relações Exteriores apresentou as devidas reclamações, mas não obteve qualquer resposta.

O medo estava instalado e só aumentaria a partir de 1942. Já se comentava nos círculos militares alemães a hipótese de estender à costa brasileira operações semelhantes à que vitimara o Buarque. Isso eqüivalia a dizer que o Brasil, mesmo sem esboçar qualquer atitude hostil, vivia na prática um estado de guerra com Alemanha, Itália e Japão. Envolvera-se de tal forma no conflito que, inevitavelmente, em breve, teria de abrir mão oficialmente da sua insustentável neutralidade.

Comentava-se também que a intimidação feita pelo U-432 faria parte de uma estratégia do Eixo de desviar forças navais de zonas nos Estados Unidos que poderiam ser atacadas. Seja lá qual fosse o objetivo da estratégia, ela estava só começando. Logo, outro navio brasileiro estaria na mira de U-boats inimigos.

5 Idem.Submarino italiano suspeito de ter torpedeado o Cabedelo O vapor Cabedelo

desapareceu de modo misterioso no mar das Antilhas, em fevereiro de 1942, após deixar o porto da Filadélfia carregado de carvão.

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O adeus do Olinda e o mistério do Cabedelo O carnaval no Rio chegava a seu ponto alto com o tradicional baile de gala do

Theatro Municipal. Lá estava a nata da sociedade do Distrito Federal em mais um evento realizado pelo espírito filantrópico da primeira-dama Darcy Vargas, que, ao lado da filha Alzira e "das melhores damas da cidade", conforme noticiaria o Diário Carioca, ocupava um dos mais concorridos camarotes naquela madrugada de 17 de fevereiro de 1942. Entre os jurados do tradicional concurso de fantasias estavam figuras como o cineasta Orson Welles, o pintor Cândido Portinari, o escritor José Lins do Rego e o jornalista Herbert Moses. O Rio vivia um clima inebriante sem ter noção das notícias que logo chegariam do mar. Enquanto se respirava apenas festa, o Buarque já estava no fundo do oceano e, algumas horas depois, seria a vez de outro navio brasileiro ter o mesmo destino.

Construído em 1905, em Glasgow, com capacidade para carregar 4.074 toneladas, o Olinda era, desde 1934, de propriedade da Companhia Carbonífera Rio-Grandense. Já navegava havia quase um mês deixara o porto do Recife em 20 de janeiro - transportando, entre outros produtos, 19 mil sacas de cacau, cinco mil caixas de castanhas e grande quantidade de café. Singrava as águas do Cabo de Hatteras, na costa da Carolina do Norte e, da mesma forma que o Buarque, seu destino era Nova York. Não havia passageiros. Eram apenas 46 tripulantes que ainda não tinham informações sobre o que se sucedera, pouco mais de 48 horas antes, não muito longe dali. Depois do Buarque, era o Olinda que iria sentir o poder dos torpedos de um submarino nazista.

Era meio-dia de 18 de fevereiro. O céu nublado não afetava a visibilidade. Apesar do perigo daquela região, ninguém no Olinda esperava um ataque à luz do dia. Mas foi exatamente o que ocorreu. "Avistado por uma aeronave espiã, teve sua rota, velocidade e posição informadas ao U-432, do capitão Schultze",1 o mesmo que afundara o Buarque.. O primeiro disparo, de uma distância inferior a duas milhas, atingiu a antena de rádio do navio. O tiro foi como uma advertência para que a tripulação abandonasse a embarcação. Seguindo as instruções do comandante Jacob Benemond, foi o que todos fizeram. Os dois escaleres existentes, embora tenham ficado abarrotados, foram suficientes para acomodá-los.

Ao se afastarem, mais dez projéteis atingiram o cargueiro em diversas partes. Dessa vez, depois do ataque, o submarino chegou perto de um dos escaleres. Sua tripulação queria informações sobre a embarcação. Oficiais saíram para a torre de comando do submarino fazendo sinais para que o escaler se aproximasse. Um deles era poliglota.

Além do alemão, falava inglês, espanhol e também, mesmo com alguma dificuldade, o português. Diante de uma tripulação em estado de choque pela constatação de que o Olinda adernava, o oficial, com palavras firmes, mas não agressivas, orientado pelo comandante Schultze, perguntou quem era o comandante.

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Como Benemond estava em outra baleeira, que se afastara um pouco, o alemão ordenou, num tom impositivo, que subisse ao submarino Francisco Lustosa, o radiotelegrafista do navio. Durante alguns minutos, quis saber detalhes da unidade brasileira: de que porto zarpara, sua carga e destino.

"Trataram-me com toda a cortesia, fotografando-me, da mesma forma que fizeram com nossos botes e com o Olinda, àquela altura praticamente adernado",2 disse Lustosa depois de resgatado.

O mesmo procedimento aconteceu depois que o outro escaler se aproximou. O oficial alemão chegou a dar as mãos, ajudando o comandante Benemond a alcançar a torre do U-432? A ele foi feito o mesmo interrogatório. Após devolvê-lo ao bote, notou-se que aviões da Mari- 1 História. Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.

2 O Jornal-21 de fevereiro de 1942.3 Além do Buarque e do Olinda, o U-432 afundou outros 18 navios aliados. Em

11 de março de 1943, no Atlântico Norte, acabou destruído por cargas de profundidade e canhões da corveta Aconit da França Livre. Vinte e seis tripulantes morreram e vinte sobreviveram.

nha dos Estados Unidos despontavam no horizonte. Foi a senha para que o submarino submergisse e não fosse mais visto:

"Era um pequeno submarino. Tinha um canhão de provavelmente 2 ou 3 polegadas. Também se viam três metralhadoras na torre de observação", contou o foguista do Olinda Sinésio Catoliano.

"Realmente era um submarino de pequeno porte, tipo de bolso. Não se compreende como poderia cruzar o Atlântico e regressar a seu país sem receber abastecimento de combustível. É indubitável que deve ter sido abastecido por um navio-mãe. Embora o Brasil não esteja em guerra com a Alemanha, sabia que podíamos ser atacados", completou o comandante Benemond, demonstrando não estar bem informado sobre o estremecimento das relações dos dois países.

Depois de 18 horas de espera no mar, toda a tripulação do Olinda foi resgatada pelo navio norte-americano Dallas. Isso, porém, não diminuiu o impacto da notícia no Brasil.

Na capital federal, o novo ataque era noticiado com destaque por O Jornal."Afundado o Olinda por um submarino de bolso." E o subtítulo: "Após

canhonaços o navio submergiu em poucos minutos." No Nordeste, de onde saíra o Olinda, a perplexidade era geral, O matutino Imperial, de Salvador, lembrou, com indignação, dos dois recentes afundamentos.

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"A bandeira que tremulava nos mastros do Buarque e do Olinda exige de todos nós a mais decidida repulsa à camarilha criminosa do Eixo e combate sem trégua à quinta-coluna."4 A notícia dos dois afundamentos gerou no governo uma forte reação. Oswaldo Aranha, no dia 20 de fevereiro, em telegrama a Carlos Martins, embaixador do Brasil em Washington, expôs a necessidade de providências imediatas.

O termo "quinta-coluna" foi amplamente difundido durante a Segunda Guerra Mundial, servindo para designar grupos clandestinos que trabalhavam para ajudar na infiltração nazista. Ele foi cunhado durante a guerra civil espanhola quando o general Emílio Mola Vidal marchava na direção de Madri com suas quatro colunas. Ao receber a colaboração de militares madrilenos, se referiu a eles como a "quinta-coluna".

58 59 "O afundamento do Olinda logo depois do Buarque, nas condições em que ambos foram feitos, causaram aqui a pior impressão, pois mostra que a costa norte-americana está à mercê da Marinha do Eixo, sem proteção necessária à navegação brasileira (...) Nessa situação, em vez de recebermos daí, imediatamente, (...) a assistência modesta e mínima que pedimos, constante na lista de material bélico, estamos a receber novas indicações de delongas."5 Nessa mensagem, Aranha não escondia sua irritação. Os afundamentos causavam constrangimento não só ao ministro, mas a todos que apoiaram o alinhamento com os Estados Unidos:

"Deve Vossa Excelência imaginar as dificuldades que essas circunstâncias vêm causando à ação do presidente, à minha e à de nossas autoridades, e a urgência em que seja incontinenti mudada a situação",6 concluiu Aranha na mensagem a Martins.

O ministro Sousa Costa foi logo acionado por Getúlio Vargas. "Não perca tempo. Não nos deixemos iludir com festas nem demonstrações de boa vontade (...) Sua missão é de grande responsabilidade. Escolhi-o pela confiança que tenho na sua capacidade. Mando-lhe essa advertência amiga porque a situação é grave e não podemos ser surpreendidos."7 Já o comandante Fróes da Fonseca, presidente da Comissão de Marinha Mercante, também preocupado com os ataques, ressaltou a necessidade de um planejamento para que os navios brasileiros mercantes navegassem em comboio. A idéia inicial era que eles ficassem ligados aos comboios norte-americanos no Mar do Caribe. Dessa maneira, acreditava que haveria uma ponte contínua de tráfego marítimo até o Rio da Prata e outras zonas de guerra, acrescentando que "o fardo que pesa sobre comboios britânicos no Atlântico ficaria aliviado na proporção do trabalho efetivo da Marinha de Guerra e da aviação brasileira".8 5 Arquivo Histórico do Itamaraty. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro numero 946. Janeiro-junho/42. „. janeiro, 6Idem.

7 1942 - Guerra no Continente. Hélio Silva. Civilização Brasileira, 1973 8 O Jornal-21 de fevereiro de 1942.

60 Em Washington, o secretário da embaixada brasileira anunciava a instauração de um inquérito para estabelecer com segurança a nacionalidade do submarino agressor.

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Enquanto isso, sem esperar o resultado dessa investigação, o general Mascarenhas de Moraes,9 comandante da 1a Região Militar, designava o general Dermeval Peixoto, comandante da 1a Brigada de Infantaria do Recife, para implementar, a partir de março, os primeiros exercícios de defesa para o caso de um ataque ao continente. O Jornal, em 24 de fevereiro, anunciava:

"População do Recife vai conhecer o Black-out." A cidade de onde partira o Olinda vivenciaria o clima de guerra como nenhuma outra, naquele momento em que se deterioravam as relações brasileiras com o Eixo. O objetivo era orientar a população sobre como se comportar no caso de um ataque aéreo. As instruções, passadas pelos jornais e as rádios, eram para que as janelas das casas se mantivessem fechadas e com as luzes apagadas. Sirenes especiais avisariam do perigo. Bondes, automóveis e o tráfego de pedestres seriam interrompidos.

As pessoas que estivessem nas ruas deveriam procurar, com a maior urgência, abrigo em algum prédio para facilitar o trabalho dos bombeiros e da força policial.

Aviões de defesa antiaérea sobrevoariam a cidade. Holofotes percorreriam os céus em busca de aparelhos inimigos, enquanto projéteis seriam disparados pelas baterias antiaéreas. O porto, as pontes e as margens do rio ficariam interditados para evitar a afluência da multidão.

Depois de dois navios torpedeados num intervalo de praticamente 48 horas, não havia mais dúvidas de que a guerra poderia chegar ainda mais perto. Sombras da ameaça nazista pairavam no ar, atacando muitas vezes sem deixar pistas.

Em algum ponto do Mar das Antilhas, o vapor Cabedelo navegava, depois de deixar o porto da Filadélfia, carregado de carvão. Ainda coma o fatídico fevereiro de 1942, no qual sucumbiram o Buarque e o *No decorrer do conflito, Mascarenhas de Moraes seria escolhido pelo presidente Vargas para comandar as tropas brasileiras (FEB) na campanha da Itália. Segundo o historiador ooris Fausto, essa escolha foi feita a dedo. Mascarenhas era conhecido por seguir à risca a disciplina militar. Porém, como desejava Vargas, não tinha força política, nem carisma, o que o impediria de capitalizar prestígio popular ao fim do conflito.

61 Olinda. Na época, os jornais nem noticiaram o triste fim do vapor de 111 metros de comprimento e boca de 15,5 metros, de origem alemã (ex-Prússia, construído em 1913 nos estaleiros da Cia. Fleusburger Schiiff), confiscado pelo Brasil, em 1916, à época da Primeira Guerra Mundial e registrado na capitania dos portos do Rio de Janeiro sob o número 270.

O fato é que o Cabedelo simplesmente desapareceu em alto-mar, assim como toda a tripulação de 54 homens (o Capitão-de-Longo-Curso Pedro Veloso da Silveira e mais 13 oficiais, três suboficiais, 37 marinheiros, foguistas e taifeiros.10). O mistério sobre o paradeiro do navio permanece até hoje. Pode ter sido torpedeado por um submarino

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alemão ou italiano, sendo considerado perdido por uma ação inimiga, pois o tempo era bom na região.

Embora muitos atribuam o ataque ao Cabedelo ao submarino italiano Leonardo da Vinci,10 existem muitas controvérsias. O caso foi investigado por várias fontes. A Naval Historical Branch, inglesa, afirmou que o afundamento do navio não foi registrado nos relatos italianos. Mesmo assim, o renomado professor Alberto Santoni, da Faculdade de Ciência Política de Roma, preferiu responsabilizar o Leonardo da Vinci pelo afundamento. Outro estudioso, o professor alemão Jürgen Rohwer, da Biblioteca de Estudos Contemporâneos de Stuttgart, compartilhou da opinião de Santoni e definiu o dia 25 de fevereiro como a data do ataque. As interrogações, no entanto, persistem, pois, naquele momento, tendo o Cabedelo navegado 11 dias e percorrido pelo menos 2 mil milhas, já estaria fora do quadrilátero reservado às ações do Da Vinci.

Outra possibilidade é que o Cabedelo tenha sido torpedeado pelo Torelli, um outro U-boat italiano, que, em 19 de fevereiro, atacou dois mercantes nas proximidades das Guianas. Mas nada foi provado. Cogitou-se, também, que os tripulantes poderiam ter sido metralhados quando já se encontravam nos escaleres. Como nenhum escaler, mesmo vazio, foi encontrado, a dúvida continuou.

10 O Da Vinci iniciou suas operações em fevereiro de 1940. Foi o responsável pelo afundamento de 17 navios até ser colhido, em 23 de maio de 1943, nas proximidades do porto de Bordeaux, por cargas de profundidade do destróier HMS Active e da fragata HMS Ness, da Marinha britânica. Nenhum tripulante sobreviveu.

Um memorando interno do Ministério das Relações Exteriores de 22 de junho, ou seja, quatro meses depois do sumiço do Cabedelo, só ajudou a alimentar o mistério que envolveu o seu desaparecimento. No documento, emitido pela Divisão Política e Diplomática, chegou-se a considerar a hipótese de a tripulação do navio ter sido seqüestrada, estando "internada em algum campo de concentração".

11 O destino do Cabedelo com seus 54 homens a bordo é até hoje desconhecido. Mas tudo indica que foi mais um ato de guerra do Eixo.

Arquivo Histórico do Itamaraty. Ministério das Relações Exteriores. Pasta 33.326 a 33.328.

62 63 O Ambutan: um dos quatro navios brasileiros afundados na costa americana O submarino foi uma arma muito utilizada pelos países do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial.

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Tempos violentos Se nos mares os afundamentos dos navios escandalizavam a população, em terra

o mesmo acontecia em relação a uma onda de assaltos a motoristas de praça na capital da República. Numa época em que crimes com armas de fogo eram raríssimos, causou espanto que ladrões sistematicamente "estivessem se utilizando de revólveres para roubar os choferes". O Diário Carioca do dia 4 de março de 1942 se indignava com a insegurança nas ruas:

"(...) O terror se alastra no meio da classe dos profissionais do volante, os quais sem garantias e temendo alguma cilada, negam-se a atender às solicitações dos fregueses às altas horas da noite para as corridas aos lugares distantes e pouco concorridos da metrópole." Ainda segundo o Diário Carioca, as quadrilhas agiam com extrema audácia, "desafiando a argúcia dos policiais, que, até agora, não conseguiram localizá-las".

O caso do assalto ao motorista Serafim Pereira do Amaral, morador da rua Pedreira 31, no subúrbio de Cascadura, era citado como um exemplo do que vinha acontecendo.

Abordado por dois homens no ponto da rua Manoel Vitorino em Piedade - um deles alto, moreno e forte, trajando camisa azul-marinho e chapéu de palha, e outro branco, de óculos e roupa clara -, ouviu o pedido:

"Vamos para o hospital Getúlio Vargas. Estamos com muita pressa." Imaginando tratar-se de uma emergência, o motorista seguiu para o hospital em alta velocidade. Porém, ao chegar à estrada Vila de Carvalho, sentiu o cano de um revólver encostar à sua nuca. Em seguida, veio a ordem em tom de ameaça:

"Pare o carro e desça." Sempre com o revólver em punho, "os dois bandidos despojaram-no de seus objetos e roupas, além da quantia de 350$090 em dinheiro e, como se não estivessem satisfeitos, aplicaram-lhe uma surra, fugindo em seguida com o automóvel".

O "crescimento assustador dos índices de criminalidade" era visto pela imprensa como um fenômeno gerado pela violência de uma guerra que se alastrava pelo mundo.

Uma guerra que trazia o medo da recessão e do desemprego. Por isso, a assinatura dos Acordos de Washington, noticiada no mesmo dia da história do motorista Serafim, era tratada como uma tábua de salvação, esperança de dias melhores. Eram os primeiros frutos da missão que Vargas confiara ao ministro da Fazenda Sousa Costa depois de terminada a Conferência dos Chanceleres:

"Os acordos vão proteger a economia brasileira contra as oscilações do mercado internacional trazidas pela guerra", garantia o Diário Carioca.

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Já para o Correio da Manhã os acordos acarretariam um "aumento da produção de matérias-primas estratégicas e também criariam novos mecanismos de defesa contra possíveis ataques do Eixo".

Além da questão do rearmamento das Forças Armadas brasileiras, os acordos, assinados numa cerimônia no Departamento de Estado dos Estados Unidos, incluíam o desenvolvimento da bacia amazônica, o incremento da produção de bauxita, óleos vegetais, drogas medicinais e, principalmente, borracha. Essencial para a indústria bélica, a extração da borracha seria integralmente financiada pelos norte-americanos. Logo seria feita, inclusive, uma campanha maciça para arregimentar trabalhadores.1 O Correio da Manhã confirmava a escassez do produto 1 Por cada homem recrutado, os Estados Unidos se prontificavam a pagar 100 dólares ao governo brasileiro. Pretendia-se conseguir, segundo declarou o presidente Roosevelt, pelo menos 45 mil toneladas do produto. Essa meta acabou sendo alcançada à custa de muito sacrifício. Atraídos por uma sedutora propaganda do governo, que fazia promessas de vida nova, milhares de brasileiros (essencialmente nordestinos) foram arrebanhados para fazer o trabalho de extração da borracha no coração da Amazônia.

Lá, porém, os chamados Soldados da Borracha foram abandonados, ficando nas mãos dos seringalistas, que cobravam, a preços aviltantes, por tudo que era consumido, do material de trabalho ao prato de comida. O pagamento era feito com a produção da borracha, cuja cotação para esse fim era propositalmente reduzida. Resultado:

os trabalhadores estavam sempre devendo. Além disso, eles padeciam de toda sorte de problemas. O trabalho exaustivo e insalubre na selva, onde muitos contraíram malária e febre amarela, e os constantes ataques de animais selvagens causaram a morte de 30 mil deles. Ao fim da guerra, com a liberação dos seringais da Malásia, os que sobreviveram - cerca de 25 mil - foram esquecidos sem sequer terem dinheiro para voltar para casa. Foi uma grande tragédia (o lugar ficou conhecido como "O Inferno Verde '), sob o pretexto do esforço de guerra, endossada pelo governo do Estado Novo. Correio da Manhã - 4 de março de 1942.

66 ao noticiar que os Estados Unidos pretendiam "diminuir, tanto quanto possível, a perda da borracha nas índias Orientais causada pela presença japonesa na região".

Sumner Welles assinalava que os acordos trariam benefícios para todo o continente:

"O novo acordo de arrendamento e empréstimos (...) vai permitir que o governo brasileiro possa acelerar o armamento do país para sua defesa e, assim, melhorar a segurança da América." Sousa Costa foi ainda mais longe, ressaltando aspectos que envolviam o confronto entre as duas forças políticas que procuravam se impor:

"Os acordos são significativos não somente por causa dos seus objetivos concretos de aumentar a capacidade de produção a fim de vencer as atuais dificuldades,

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mas principalmente no sentido de substituir as ideologias do ódio e da destruição pelo espírito de solidariedade que inspiram os governos das Américas."2 A declaração do ministro da Fazenda ratificava sua posição historicamente contrária a qualquer alinhamento do Brasil com a Alemanha hitlerista. Da mesma forma que Oswaldo Aranha, desde o início da guerra, Sousa Costa também se empenhara para que não prevalecesse a orientação nazi-fascista vinda dos setores militares do governo.

Homem de sorriso largo, sempre aberto ao diálogo, seu perfil meio bonachão nada tinha a ver com o pensamento totalitário que tentava se impor mundo afora. Gaúcho como Aranha e Vargas, Sousa Costa fazia parte do governo desde o triunfo da Revolução de 30. Primeiro como presidente do Banco do Brasil e, a partir de 1934, chefiando a pasta da Fazenda.

Os entendimentos, diria o ministro, "são uma luz resplandecente que já assinala o caminho das relações políticas entre os nossos dois países e desvenda, diante dos nossos olhos, um vasto horizonte de novo progresso econômico".

67 Essa lua-de-mel do Brasil com os Estados Unidos não era vista com bons olhos pelo Eixo. Depois de firmados os acordos, não passariam mais que quatro dias para que um novo ataque acontecesse.

Após os torpedeamentos de Cabedelo, Buarque e Olinda, que navegavam com as luzes acesas e suas bandeiras do costado e da popa bem visíveis, como faziam as embarcações das nações neutras, ficou decidido que todos os navios da frota nacional deveriam tomar uma série de precauções. Para evitar que fossem afundados com tanta facilidade, passariam a trafegar às escuras, pintados na cor cinza e sem bandeira de identificação. Era o caso do Arabutan, um cargueiro do Lloyd Brasileiro, construído em 1917 na Califórnia, que partira do porto de Santos, em 23 de janeiro, levando para os Estados Unidos grande carga de algodão.

Além do comandante Aníbal Alfredo Prado, estavam a bordo mais cinqüenta tripulantes. Na volta ao Brasil, trazia também um náufrago do Buarque e carregamento de carvão, avaliado em 4 mil contos, destinado à Central do Brasil. Na costa da Carolina do Norte, a 81 milhas do Cabo de Hatteras, numa tarde com águas serenas, seu trajeto foi interrompido por um torpedo lançado, sem qualquer aviso prévio, pelo submarino nazista U-155,3 comandado pelo Capitão-Tenente Adolf Cornelius Piening. Eram 15h15 de um sábado, dia 7 de março, quando o navio começou a adernar:

"Eu me achava de quarto no passadiço de comando no momento em que o torpedo atingiu o navio de proa por bombordo. A tripulação correu logo para os quatro escaleres a bordo. O navio afundou em vinte minutos. O submarino veio à tona e assim se conservou por uns cinco ou oito minutos. Parecia ter uns 65 metros de comprimento.

Rodeou os escaleres e passou a uns 200 metros daquele em que se encontrava o comandante e depois submergiu. Dois minutos mais tarde surgiram aviões da Marinha

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dos Estados Unidos. Deixaram cair bóias, mas não foi possível alcançá-las. O mar estava muito agitado", contou aos jornais o 3S piloto do Arabutan, José Lobo Medeiros.

3 O U-155 destruiu 26 navios durante a guerra. Em 30 de junho de 1945, foi transferido para Lech Ryan, na Escócia, incluído na Operação Deadlight, que afundava os submarinos do Eixo apreendidos depois de encerrado o conflito.

"O afundamento se processou com grande rapidez. O torpedo alcançou a proa e o navio ergueu-se por certa parte por 2 metros para fora da água. Ele conseguiu, entretanto, recuperar sua posição normal, mas foi apenas para começar a submergir. Recebemos imediatamente ordem para ocupar os botes salva-vidas. Quando nos afastamos um pouco, o navio já havia desaparecido." Mesmo tendo sido avistados por aviões, os tripulantes do Arabutan vagaram por 26 horas no mar até a chegada de socorro. Como no naufrágio do Buarque, ocorreu também uma morte: o enfermeiro Manoel Florêncio Coimbra, que dormia em seu camarote no momento do ataque. Feridos, em estado grave, ficaram o 2S piloto Sebastião Rogério Andrade e o marinheiro Wilson Domingos Santos. O governo brasileiro determinou que todas as providências fossem tomadas para apurar responsabilidades, como havia feito por ocasião dos afundamentos anteriores. Já tendo sido comprovado o envolvimento de submarinos do Eixo, mais especificamente alemães, por intermédio do governo português, o Brasil, como fizera na ocasião do ataque ao Taubaté, protestou junto à Alemanha, exigindo explicações e reparações pelos danos causados. Mais uma vez, nenhuma resposta foi obtida. Um silêncio que revelava indiferença e culpa.

69 José Moreira Pequeno era o comandante do navio Cairu, torpedeado na costa dos Estados Unidos em março de 1942 O Cairu foi atacado com 75 tripulantes e 14 passageiros a bordo.

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O heroísmo do comandante Pequeno Depois do quarto afundamento em menos de um mês, embarcar num navio

mercante significava experimentar emoções até maiores do que as sentidas em filmes de suspense do diretor inglês Alfred Hitchcock, já então radicado nos Estados Unidos. Os horrores do conflito que flagelava o mundo eram amenizados pela produção frenética da fábrica de sonhos do cinema americano, que, naquele momento, consolidava sua hegemonia no mercado brasileiro. Nas confortáveis salas de projeção que se multiplicavam pela capital da República, a maioria contando com modernos aparelhos de ar-refrigerado, a cultura norte-americana, com seus símbolos e novos costumes, nos invadia a passos largos. As chamativas opções cinematográficas de uma indústria no auge de sua expansão enchiam as páginas dos principais jornais levando hordas de espectadores aos cinemas.

com notícias tão desalentadoras vindas do mar, uma boa alternativa para esquecer as vilezas de uma guerra sem fim era assistir à estréia, prevista para meados de março, de Suspeita, o terceiro filme da fase hollywoodiana de Hitchcock, com os astros Cary Grant e Joan Fontaine, que acabaria premiada com o Oscar de melhor atriz por sua performance. Mas, definitivamente, por maior que fosse o talento de Hitchcock, nada em sua obra se compararia ao martírio dos tripulantes do Cairu - mais ainda no caso de Suspeita que teve um inesperado final feliz, algo incomum na filmografia de Hitchcock.

Em 8 de março, no dia seguinte ao ataque ao Arabutan, o Cairu, um cargueiro de grande porte do Lloyd Brasileiro, singrava as águas frias do Atlântico Norte na direção do porto de Nova York (estava a cerca de 130 milhas do litoral), transportando borracha, algodão, mamona, couros, óleo, cacau, coco babaçu e cristais de mica. A noite fria e escura compunha o cenário ideal para um ataque surpresa. Foi o que aconteceu. O primeiro torpedo, lançado pelo submarino U-94,1 do comandante Capitão-de-Corveta Otto Ites, não explodiu, mas o segundo atingiu o Cairu com tamanha violência que o barco se partiu em dois. Informações do distrito naval, divulgadas posteriormente, revelaram que o submarino agressor chegou à superfície, aflorando próximo a um dos escaleres. Seu comandante, "falando um inglês arrevesado", com forte sotaque alemão, utilizou um megafone e pediu ao comandante José Moreira Pequeno que informasse o "nome, nacionalidade, carga e destino do navio, que acabara de afundar".2 Pequeno deu respostas evasivas, previstas na convenção internacional. Estando no último escaler que deixou o Cairu, assistiu, bem de perto e consternado, a um segundo torpedo destruí-lo completamente.

Pequeno era um dos mais experientes e dedicados comandantes do Lloyd. Seu currículo na empresa datava da época da Primeira Guerra Mundial. Quando o Cairu zarpou de Belém com destino aos Estados Unidos, ele estava doente e só decidiu prosseguir viagem, não aceitando ser substituído, por ter tomado conhecimento dos afundamentos do Buarque e do Olinda. Não queria que o tomassem por covarde. Como sabia dos perigos que cercavam a viagem, pediu apenas um seguro para a tripulação.

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Como era impossível realizar passeios no convés durante o percurso, devido à baixa temperatura, pensou-se na organização de uma sessão de cinema. Mas Pequeno mandou cancelar a projeção. Confidenciou ao carpinteiro do navio, que o acompanhava há quarenta anos, que tomara a decisão porque "se houver torpedeamento, os passageiros reunidos no salão poderão morrer".3 O velho comandante não estava errado. Era um risco aquela sessão. Pouco depois de fazer o comentário, às 19h, enquanto repousava 1 Em sua campanha de quase três anos nos mares do Atlântico, o U-94 fez naufragar 25 navios. Mas, em 28 de agosto de 1942, foi destruído no Mar do Caribe por cargas de profundidade do avião Catalina, da Marinha dos Estados Unidos (Esquadrão VP-92). Foi atingido também pela corveta canadense HMCS AO Oakville. Dezenove dos seus tripulantes morreram e 26 sobreviveram.

2 Correio da. Manhã - 12 de março de 1942.3 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da

Marinha. Rio de Janeiro, 1985. por não se encontrar bem de saúde, o torpedo atingiu o Cairu. Mesmo passando

mal, orientou, sob intensa ventania, o abandono do navio pelos 75 tripulantes e 14 passageiros.

Pequeno teve ainda forças para responder às perguntas do comandante do submarino alemão. Surpreendeu-se ao constatar que ele parecia bem informado sobre o carregamento do navio. Otto Ites estava especialmente interessado na carga de cristais de mica, material estratégico largamente utilizado pela indústria bélica.

Fora um desgaste muito grande para quem estava enfermo. com um oficial no leme do escaler, Pequeno ficou encolhido no canto da baleeira enrolado em um cobertor.

O frio invernal tornava a noite longa demais. Não chegou a causar surpresa que, pela manhã, o comandante não se encontrasse mais a bordo. Uma entristecida tripulação concluiu rapidamente que José Moreira Pequeno, percebendo que a morte se avizinhava, preferiu deixar-se deslizar ao mar, sem alarde, "para não dar trabalho a sua gente de carregar um morto".4 O triste fim do velho comandante simbolizou o drama vivido pelos sobreviventes. Embora bem aparelhadas, com rádio de emergência, agulha magnética, carta náutica, água, víveres, palamenta de remos e velas, as baleeiras do Cairu vagaram a noite toda, ora aproximando-se, ora afastando-se do litoral. Chovia muito e a temperatura caía cada vez mais. Em condições climáticas extremamente hostis, a baleeira número 3 foi encontrada pelo navio norueguês Titania. Todos que se encontravam a bordo foram resgatados com vida. Já a número 4 foi achada por um navio de guerra norte-americano.

As outras chegaram à costa com seus ocupantes mortos ou sofrendo de hipotermia.

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No total, 53 pessoas morreram por causa do torpedeamento do U-94. Somente 28 dos 75 tripulantes se salvaram. Dos 14 passageiros, sobreviveram oito. Um deles, o americano Otto Albert Jaegers, contou as dificuldades que precederam o salvamento do escaler em que estava ao lado de sua mulher:

"Fez-se com calma e perícia pela tripulação a descida aos escaleres. O meu se afastou do navio sem que houvesse pânico. O mar, que a 4 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.

princípio estava calmo, começou a agitar-se. Depois veio uma verdadeira tempestade. Chuva forte, rajadas de ventos, relâmpagos, trovões e as ondas aumentando de tamanho, de momento a momento. Varriam por completo o nosso escaler. Estávamos completamente encharcados, gelados de frio. O passageiro mais jovem era uma moça chamada June, que nunca deixou se levar pelo desânimo, nem deixou jamais escapar uma simples lamúria, desde que entramos no escaler até sermos resgatados 16 horas mais tarde (...) Mal pudemos acreditar, quando vimos o navio de socorro. Soubemos, então, que, a princípio, os seus tripulantes tinham pensado que éramos apenas destroços perdidos de um resto de navio, pois, com o mar grosso, não podiam nos divisar a bordo."5 Para o 2° piloto do Cairu, Mirai de Souza Oliveira, a experiência vivida em sua baleeira, a de número 4, foi bem mais dramática, já que só depois de quatro dias (96 horas) ela foi localizada:

"A baleeira esteve ameaçada de soçobrar várias vezes. Enquanto alguns se revezavam no leme e nos remos de estabilização, outros, com todas as vasilhas de que podiam dispor, retiravam a água que se acumulava na baleeira. Molhados e tiritantes, trabalhávamos em 1 silêncio." Mas o pior ainda estava por acontecer. Tanto tempo de exposição ao frio implacável fez com que pouco a pouco os náufragos fossem sucumbindo:

"Depois do segundo dia - prosseguiu Mirai - morreu o primeiro companheiro. O engelamento dele começou pelas mãos e pelos pés. Depois atingiu as pernas e os braços, o tórax e o baixo ventre. Por último, o paioleiro não podia mais se mexer." Nesse instante, todos pararam de trabalhar. Chovia muito e a temperatura estava abaixo de zero. Os vinte homens a bordo estavam molhados, com as roupas coladas ao corpo. Por alguns momentos, a tristeza parecia maior que o frio. Foi prestada a última homenagem ao companheiro e seu corpo foi jogado ao mar.

Essa era a primeira vítima da baleeira. Ao amanhecer do terceiro dia, mais oito corpos estavam estendidos no fundo do barco. Repetiu-se O Jornal- 12 de março de 1942.

cerimônia da véspera. O silêncio só era quebrado pelo baque dos corpos caindo no mar.

Mirai lembrou que todos tinham os olhos cobertos de lágrimas. O clima de prostração e desânimo só foi interrompido quando o moço do convés se desequilibrou e

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caiu num mar repleto de tubarões. Por sorte, puxado pelos companheiros, conseguiu voltar a bordo.

No leme da baleeira, Mirai não sentia mais a perna. Mas isso ficou em segundo plano, assim que um dos náufragos começou a se debater: "Suas unhas rasgavam a pele do seu dorso nu. Ele arrancou a camisa, a calça, a despeito do frio intenso. Mordia a própria carne.

Sangrava-lhe as mãos, as pernas e o ventre. Depois, como os outros, sossegou.Logo estava morto."6 Era mais um cadáver jogado ao mar. Como os demais, ele

havia sido despido. As roupas ficavam a bordo para aplacar o frio dos que ainda resistiam. Quando surgiu um navio no horizonte, restavam dez náufragos na baleeira - a metade dos que embarcaram. Os outros haviam morrido congelados.

Chocada com o número alto de vítimas do Cairu, e percebendo que novos torpedeamentos seriam inevitáveis, a direção do Lloyd Brasileiro ordenou imediatamente a todos os comandantes de navios que navegavam na região que se dirigissem ao porto mais próximo. Eram cinco os cargueiros que se encontravam nessa zona de perigo: Alegrete, Aluruoca, Mandu, Parnaíba e Comandante Pessoa.

No Brasil, a repercussão dos novos torpedeamentos foi imensa. Nem a decisão do governo, com o apoio dos Estados Unidos, de aparelhar todos os navios mercantes com armas defensivas diminuiu a preocupação quanto a novos ataques. Cogitou-se até interromper o tráfego marítimo para a América do Norte. As notícias eram de que os submarinos do Eixo estavam ampliando suas operações até a latitude de Trinidad e ao largo das Guianas. Tanto que, logo depois, na primeira quinzena de abril, somente um deles, o italiano Calvi, torpedearia cinco embarcações aliadas ao norte do estuário do Rio Ama- 1 Depoimento de Mirai de Souza Oliveira, 2° piloto do Cairu, ao O Globo em 13 de julho de 1942.

75 zonas e do Cabo de São Roque, localizado a apenas 100 quilômetros de Natal.

Uma declaração de um chofer de táxi do Rio de Janeiro à reportagem do Diário Carioca expressava bem o sentimento da população em relação aos chamados "súditos do Eixo".

"No meu carro não entra nem alemão, nem japonês", sentenciou.Em Porto Alegre, num protesto simbólico, as placas das avenidas Berlim e Itália

foram cobertas com pedaços de papelão que traziam os nomes dos navios atacados.Já no município de São Leopoldo, um dos maiores redutos de população teuto-

brasileira, ocorreram manifestações mais violentas. Um monumento, erguido na Praça Centenária em homenagem ao colono alemão, amanheceu completamente destruído.

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Em carta a Carlos Martins Pereira de Souza, embaixador do Brasil em Washington, Alzira Vargas, a filha mais próxima do presidente, também manifestava, com indignação, os temores que se alastravam por todo o país:

"A fase de euforia atravessada por ocasião da conferência e do rompimento de relações diplomáticas com o Eixo foi brilhante, porém curtíssima. Nem um mês depois, em pleno carnaval, e notícias do torpedeamento do Buarque foram uma ducha fria no entusiasmo brasileiro [...] Tivemos também a primeira impressão real da proximidade da guerra e da impossibilidade de sermos apenas um simpático e prestativo espectador. Que submarinos do Eixo possam atuar livremente a poucas milhas de Nova York é inacreditável. Que nenhuma medida seja tomada para impedi-los de molestar uma navegação essencial, tanto para o Brasil quanto para a América, parece-nos brincadeira de criança ou vontade de dar razão aos inimigos comuns [...] Quatro navios afundados nas mesmas circunstâncias e no mesmo local fazem-nos crer ou que a quinta-coluna aí é mais forte do que desejam que se saiba ou então que o desinteresse é total pelo que nos diz respeito. Embora saibamos que ambas as hipóteses são pessimistas, nenhuma explicação plausível nos ocorre [...] Peço-lhe, meu caro embaixador, que nos dê daí sua opinião sobre esses fatos e a impressão que lhe causam estas reações, para nossa orientação [...] e para conseguir o restabelecimento da confiança da nossa marinha mercante na vigilância americana e no socorro a nossos infelizes sinistrados, que ficam trinta ou setenta horas, ou mais, ao sabor das ondas sem assistência. Para obter o cumprimento dos compromissos americanos rapidamente, contamos que não nos falte com sua atenta e constante colaboração."7 7 Correspondência de Alzira Vargas ao embaixador Carlos Martins. Rolo 7, fotograma °0lla0012. CPDOC/FGV.

Durante meses, houve intensa negociação entre Brasil e Estados Unidos para armar os navios mercantes brasileiros Da esquerda para a direita, Alzira, Getúlio e Darcy Vargas: a filha foi presença constante ao lado do pai, num momento em que o Brasil estava prestes a declarar guerra ao Eixo.

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Verão no Rio NegroDas grandes janelas do Palácio Rio Negro, na cidade serrana de Petrópolis, o

deslumbramento que a vista proporcionava era tão fascinante que a idéia de uma guerra parecia uma abstração. A presença alemã, no entanto, podia ser sentida no casario e no traçado urbano que, desde que ali chegaram os primeiros colonos, em 1845, permanecia quase intocado. Nesse ambiente impregnado pela cultura européia, onde a temperatura média anual não ultrapassava os 16 graus, Vargas examinava o delicado momento da política internacional. O verão não chegara ao fim e um reflexivo presidente contemplava as belezas do exuberante jardim do palácio. Era um lugar que o agradava tanto que, nos seus 18 anos no poder, não deixou de despachar em um só verão no Rio Negro.1 Talvez porque lá sentisse uma aragem semelhante à dos pampas, o que lhe trazia um relaxante bem-estar, principalmente quando se deixava conduzir pelas suas digressões.

Seus pensamentos, naquele fim de estação, estavam tomados por preocupações, parecidas com as que a filha Alzira revelara na carta enviada ao embaixador Carlos Martins.

Chamada carinhosamente por Vargas de "rapariguinha", Alzira, trabalhando como auxiliar de gabinete da presidência, mais do que qualquer um dos seus outros quatro filhos, exercia grande influência sobre o pai. Influência esta jamais imaginada quando, ainda bem menina, em São Borja, o observava sempre ocupado em seu escritório, "ora lendo e estudando processos, ora recebendo constituintes e eleitores".2 Desde a instauração da República, o Palácio Rio Negro hospedava, nos meses mais quentes do ano, os seus presidentes. De Rodrigues Alves, passando por Juscelino Kubitsek até Costa e Silva, Vargas foi o único a ter tamanha assiduidade. Getúlio Vargas, meu pai. Alzira Vargas do Amaral Peixoto. Editora Globo, 1960.

Alzira guardaria para sempre também a lembrança do pai fardado com o uniforme da Brigada Militar do Rio Grande do Sul - o talim para prender espadas, as botas pretas, o chapéu de abas largas e a capa negra sobre os ombros. O revólver que levava preso à cintura, confessaria Alzira, o tornava "um tanto estranho". Eram os idos de 1923 e, com esta indumentária, Vargas se despedia dos filhos para ir comandar o 7o Corpo Auxiliar Provisório em defesa dos ideais de uma revolução que, segundo a filha, "parecia não ter fim".

"Foi quando tomei conhecimento da existência do meu pai. Ali, percebi o quanto gostava dele",3 revelaria Alzira.

O contato freqüente, além da semelhança física, ajudava a fortalecer os laços entre os dois. Vargas, paternalmente, nunca se furtava de ouvir as posições progressistas da filha, que acabou se tornando uma das maiores articuladoras de sua volta ao poder na década seguinte.

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Porém, ainda contavam-se os dias de março de 1942 e o que afligia os pensamentos de Vargas era a falta de perspectivas imediatas de resolver o problema dos ataques aos navios mercantes brasileiros. Todo o entusiasmo pelo sucesso da Conferência dos Chanceleres dava lugar a enormes apreensões. O Brasil estava irremediavelmente atrelado à causa aliada. Liderava, como enfatizara a imprensa norte-americana, um bloco de países que se colocara frontalmente contra os interesses de temíveis inimigos.

As represálias vieram mais rapidamente do que se imaginava.Buscando soluções para o problema, a partir de meados de março, precisamente

no dia 17, o presidente intensificou a correspondência com o embaixador Carlos Martins, em Washington:

"Procure com urgência o governo americano em meu nome e solicite providências que garantam a segurança de nossos navios mercantes que fazem o tráfego entre o Brasil e os Estados Unidos contra os ataques de que vêm sendo vítimas, parecendo-me necessário que os vapores que aí estão sejam imediatamente comboiados e artilhados, fornecendo o governo americano canhões, guarnições de artilharia, obrigando-se o governo brasileiro a repatriá-los. Informem-me minuciosamente o resultado da demanda", escreveu Vargas em telegrama a Carlos Martins.

A resposta do embaixador veio no dia seguinte (18 de março): "Telegrafei para o Ministério das Relações Exteriores (dia 14) avisando sobre a conferência com o secretário de Estado. Ficou combinado que seriam armados os navios brasileiros que se encontram nos Estados Unidos por conta do acordo de empréstimos e arrendamentos. O adido naval apresentou uma lista completa de vapores com suas tonelagens e portos em que estão fundeados para que técnicos da Marinha determinem classe de armamentos.

Transmiti também ao governo americano nosso oferecimento de artilharia para dar guarnição aos navios norte-americanos que queiram armar em nossos portos. Voltarei hoje a conferenciar com o secretário de Estado de acordo com ordens de Vossa Excelência." As interferências de Martins parecem ter surtido efeito. Tanto que o presidente Roosevelt não tardou em escrever para Vargas, chamando a atenção para a importância dos últimos entendimentos entre Brasil e Estados Unidos:

"Confio que compartilhe da minha convicção de que acordos assinados em 3 de março constituem a base de um novo e proveitoso desenvolvimento entre os dois países.

Graças à dilatação do acordo de empréstimos e arrendamentos e às listas de entregas que foram combinadas, as forças armadas brasileiras, num prazo muito menor do que tínhamos previamente julgado possível, estarão equipadas com grande quantidade de armas necessárias a torná-las capazes de desempenhar sua parte na defesa do seu país e continente. Os funcionários deste governo também ficaram profundamente impressionados com os planos do ministro e seus auxiliares para o desenvolvimento dos recursos agrícolas, minerais e industriais do Brasil (...) Finalmente, desejo mais uma vez

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valer-me da oportunidade de dizer-lhe como sou verdadeiramente grato pela cooperação sincera que tenho infalivelmente recebido de Vossa Excelência nos assuntos de vital importância que tenho sido forçado, pelas críticas circunstâncias de nosso tempo, a levar a sua atenção. com segurança de minha ardente estima e com as mais cordiais lembranças à senhora Getúlio Vargas, creia-me sinceramente seu."4 ' Idem.

4 Carta de Franklin Roosevelt a Getúlio Vargas. Rolo 7, fotograma 0007 a 0008. CPDOC/FGV.

80 81 Logo o embaixador Carlos Martins comunicou-se com Vargas, trazendo notícias animadoras a respeito da reunião que tivera com Sumner Welles no dia 14:

"Sobre comboios, ele me disse que o Departamento da Marinha estuda sua aplicação desde portos dos Estados Unidos até portos a serem determinados ao norte da América do Sul. O comandante Brady, is adido naval aí, está autorizado a negociar o assunto com nosso Ministério da Marinha." Dia 24, Martins traz outra boa-nova:

"Crédito outorgado pelo Ministério da Marinha. Primeiras aplicações da Lei de Arrendamentos e Empréstimos para fazer novas requisições. Isto é: seis lanchas torpedeiras, dez caças submarinos e armamento de marinha mercante." Vargas se alegrara com a notícia. Já fazia planos para a aquisição de material bélico, distribuindo os US$ 200 milhões previstos no Acordo de Washington entre as Forças Armadas: US$ 100 milhões seriam destinados ao Exército, US$ 50 milhões à Marinha e US$ 50 milhões à Aeronáutica. Mas esse processo não era tão simples. Surgiram suspeitas de que países vizinhos ao Brasil poderiam estar sendo privilegiados. Martins tratava de desmentir em correspondência enviada a Vargas no sugestivo dia 1 de abril:

"Sumner Welles pediu para transmitir que são infundados boatos de que os Estados Unidos forneceram canhões antiaéreos e aviões de combate para Chile e Uruguai. O Brasil é o único país da América contemplado com aquele canhão. O Uruguai recebeu quatro aviões de treinamento e o Chile alguns canhões de costa recusados pelo Brasil. O general Arnold, chefe da aviação militar, comunicou oficialmente a Eduardo Gomes que o Brasil receberá em breve seis aviões bombardeiros e seis caças modernos.

Jornais daqui e de Nova York comentam largamente que a Argentina não receberá material algum dos Estados Unidos." Três dias depois (4 de abril), Martins volta a mencionar ao presidente Vargas a possibilidade de equipar nossos navios:

"O artilhamento de cinco navios brasileiros que se encontram nos Estados Unidos ficará ultimado até 15 de abril. Cada navio levará guar- nição de artilharia. Estou negociando com o Departamento de Estado e a Marinha para que navios partam simultaneamente e sejam comboiados. Em Nova Orleans, onde serão embarcados cinqüenta tanques, quatro canhões antiaéreos e demais materiais bélicos, encontra-se o navio Aracaju. É indispensável que seja destacado mais um navio para aquele porto a fim de que todo o material possa ser embarcado." Inquieto, Vargas, no próprio 15 de

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abril, escreve para o embaixador brasileiro para cobrar essas providências. Mesmo não tendo havido nenhuma nova agressão à frota nacional desde o início de março, o presidente parecia antever que os ataques voltariam a acontecer:

"Submarinos do Eixo já estão torpedeando navios americanos e ingleses em águas brasileiras. Em breve, serão atacados os nossos. A deficiência da Marinha de Guerra brasileira não permite proteção a nossos navios mercantes. Torna-se urgente remessa de navios caça-submarinos e lanchas torpedeiras permitidas no recente convênio (...) Peço informar quando virá primeira remessa e de quantas unidades se compõe. Urge solução satisfatória", cobrou Vargas com nítida impaciência.

No mesmo dia 15, Carlos Martins responde ao presidente:"Logo que recebi comunicação telefônica do ministro Sousa Costa, apressei-me

em formular a Welles um pedido de remessa urgente de navios caça-submarinos e lanchas torpedeiras. Prometeu-me toda a assistência, ficando de informar-me após entendimentos com autoridades competentes. Comunicou-me confidencialmente que o presidente Roosevelt ordenará ao ministro da Marinha que empregue todo esforço para facilitar comboios de navios brasileiros que estão aqui e que partirão em breve levando cinqüenta tanques, canhões antiaéreos e demais material bélico." Vargas, no dia 17, respondeu sucintamente:

"Pode fazer partir o navio assim que o governo americano assegurar o comboio prometido." No dia 22, Martins tinha boas notícias quanto ao conteúdo do carregamento, mas continuava o impasse quanto à escolta dos navios até o Brasil:

"Quatro navios em Nova York levarão 18 aeroplanos do Ministério da Aeronáutica, dez aviões aero-club, nove caminhões, 14 carretas canhões, 85 toneladas de chapa de aço para a Marinha, grande quantidade 82 83 de material para o Lloyd e a Central do Brasil: carvão, folha-de-flandres, papel etc. Em Nova Orleans, um navio do Lloyd Brasileiro (...) estará até o final do mês carregado com cinqüenta tanques, quatro canhões antiaéreos completos, munição e material diverso do Ministério da Guerra. Não foi fixada ainda a partida, dependendo do Ministério da Marinha assegurar comboios." Em nova mensagem ao presidente, Carlos Martins, dessa vez no dia 27 de abril, explica o andamento da situação:

"Voltei a entrevistar-me com o senhor Welles, que me informou que o almirante King deve dar nesta terça ou quarta-feira a decisão sobre a possibilidade de imediato comboio para os navios partirem com material bélico. Falei-lhe igualmente sobre a requisição de lanchas submarinas (...) Disse-me Welles que o chefe da esquadra afirmou-lhe que essas embarcações não servem ao fim visado. Comando da esquadra cogita enviar o almirante muito em breve ao Rio de Janeiro para entendimentos com nossas autoridades navais para fixar-se material eficiente que possa fornecer e ajustar necessária cooperação."5 Dois dias depois, em 29 de abril, o embaixador Jefferson

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Caffery entra no circuito passando ao secretário de Estado, Cordell Hull, as impressões do general Lehaman W. Miller, adido militar norte-americano no Brasil:

"É urgente que o governo americano tome medidas necessárias para a remessa do material para o Exército Brasileiro dentro do prazo mais curto. Já há dois anos que as autoridades militares brasileiras vêm procurando armamentos nos Estados Unidos dentro dos termos favoráveis dados pelos alemães. Até então, os Estados Unidos não enviaram qualquer equipamento moderno. A chegada desse material, mesmo que em pequena quantidade, produziria tremendo efeito moral."6 Essa interferência de Caffery não deixava dúvidas de que existia a intenção de os Estados Unidos atenderem as necessidades brasileiras, mas, com tantas demandas em razão da guerra que se alastrava em di- versas frentes, e cada vez mais acirrada, estava claro que garantir a chegada de uma carga, muitas vezes, parecia mais complicado do que disponibilizá-la. Não por acaso, aquele fim de verão e início de outono no Palácio Rio Negro foi tão tenso e atribulado para o presidente.

5 Todos esses trechos fazem parte da intensa correspondência de Getúlio Vargas com Carlos Martins e Franklin Roosevelt no período citado. Rolo 7, fotograma 0007 a 0008. CPDOC/FGV.

6 1942- Guerra no Continente. Hélio Silva. Civilização Brasileira, 1942.

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Os tentáculos do nazismoO desconforto do governo brasileiro ao se deparar com a rápida agressão do Eixo

e as conseqüentes pressões para que as promessas norteamericanas de remessa de armamento e proteção aos navios mercantes se concretizassem deixavam transparecer as dificuldades da Marinha dos Estados Unidos no início da sua participação na guerra. com pouco mais de dois meses de conflito, ela ainda estava longe de estar plenamente estruturada para ter eficiência em duas campanhas oceânicas. A sua frota de caça-submarinos e contratorpedeiros era insuficiente até para fazer a própria defesa, sendo, portanto, incapaz de realizar operações mais complexas, que garantissem a segurança da região atlântica.

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A guerra anti-submarina jamais fora considerada matéria relevante pela Marinha dos Estados Unidos que tradicionalmente priorizava a construção de navios de superfície.

Além do mais, naquele momento, os norte-americanos se defrontavam com o enorme desafio de executar uma campanha nos confins do Pacífico com o objetivo de conter o belicoso avanço japonês. Lá estava, inclusive, grande parte da sua exígua frota de quarenta submarinos, servindo apenas como arma auxiliar de esquadras. Isso era resultado de uma opção militar que levou o país a nunca empenhar mais de 20% das suas atividades nesta modalidade bélica - ao contrário dos alemães, que há muito investiam na estratégia da guerra submarina.

Tampouco havia, por parte dos Estados Unidos, a percepção de que as táticas usadas na Segunda Guerra Mundial ainda incluiriam aspectos considerados obsoletos, como a organização de comboios lentos, formados Espiões que atuavam no Brasil, fichados pela polícia política do governo Vargas 1 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.

por navios antigos, que caracterizavam, por exemplo, a frota mercante brasileira. Isso a tornava uma presa fácil para a ação dos submarinos do Eixo, cada vez mais presentes nas águas do Oceano Atlântico.

Diante desse contexto, duas orientações passariam a reger a campanha anti-submarina. A primeira preconizava que fosse evitada, através de radar, a aproximação dos submarinos. Eles deveriam ser detectados prematuramente, mesmo estando mergulhados, para que pudessem ser abatidos com armas adequadas. A segunda definia o aumento de unidades tanto aéreas quanto de superfície, que, por meio de aparelhos de detecção noturnos, cobririam uma extensa faixa do mar. com isso, haveria a possibilidade de surpreender um submarino inimigo no momento em que viesse à tona, ou para recarregar suas baterias, ou para ganhar velocidade no deslocamento. O problema era que, até 1942, nos manuais das Forças Armadas Brasileiras praticamente inexistiam recomendações de como executar essas tarefas e, muito menos, havia recursos para colocá-las em prática. Nos Estados Unidos, o quadro era semelhante - não seria da noite para o dia que a sua costa estaria devidamente protegida.

Enquanto isso, do seu quartel-general no porto de Lorient, no litoral atlântico da França, o almirante Karl Dõnitz movia os seus submarinos livremente, aproveitando-se da vantagem estratégica de ocupar a região.2 A frota alemã passou então a ampliar de modo significativo o raio de suas operações, pois, tendo em mãos toda a costa ocidental francesa, as bases ali localizadas eram utilizadas com extraordinários resultados. Além de Lorient, estavam também sob domínio da Marinha germânica Saint-Nazaire, Nantes, Brest, La Pallisse e Bordeaux. Sabendo o quanto era importante manter essas posições, Dõnitz providenciou a construção de imponentes coberturas de cimento armado e aço, com vários metros de espessura, para proteger os cais e os estaleiros que faziam a manutenção dos submarinos.

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2 A ocupação do litoral atlântico da França representou também uma grande vantagem para a Luftwaffe. Ao estabelecerem na região suas bases aéreas, os alemães encontraram todo o litoral sul da Inglaterra exposto à ação dos seus torpedeamentos. A navegação inglesa, em conseqüência, teve que ser deslocada para os denominados "acessos ocidentais" (portos da costa oeste). O porto de Londres ficou praticamente desativado, o que trouxe sérios problemas de abastecimento para a cidade.

com suas bases bem resguardadas, Dõnitz ordenou, com o consentimento de Hitler, o deslocamento dos U-boats para a grande caçada aos navios mercantes que trafegavam na costa dos Estados Unidos, entre Lawrence, ao norte de Boston, e o Cabo de Hatteras, ao sul do porto de Norfolk. A fragilidade da defesa do litoral americano até surpreendeu os alemães, e a estratégia de minar o inimigo estrangulando as suas vias marítimas foi facilitada. A campanha intensificou-se rapidamente. No início das hostilidades, eram apenas seis os submarinos nazistas que atuavam naquela área. Esse número cresceu para 18 em 1941. Quando o Brasil decidiu ficar do lado dos Estados Unidos, em 1942, os submarinos que agiam naquela área chegaram a cerca de quarenta. Atuavam livremente sem sofrer qualquer tipo de retaliação.

Os reveses norte-americanos foram grandes nesse período. Foi o caso do afundamento pelo U-552 do contratorpedeiro Jacob James, que havia ajudado no resgate dos náufragos do Buarque. No total, de janeiro a julho de 1942, foram torpedeados em torno de trezentos navios aliados no litoral Atlântico, ao largo das Américas. Na Alemanha, essa fase ficou conhecida como o alegre massacre: os submarinos operavam à vontade, atacando navios que tinham sua silhueta marcada pelas luzes das cidades litorâneas.

Durante a noite, das zonas portuárias e áreas à beira-mar, chegava-se a ouvir os sons da batalha que favorecia apenas um lado.

Os comandantes alemães se davam ao luxo de escolher os navios que seriam afundados. Em geral, preferiam embarcações maiores com cargas estratégicas, como os petroleiros que chegavam carregados dos portos da Venezuela e do Golfo do México, deixando intactos, para economizar torpedos, os navios que não levavam nenhum tipo de carregamento.

Sem qualquer obstáculo, os submarinos avançavam em plena luz do dia para escolher as presas mais valiosas.

O estrago era tão grande que, em 10 de fevereiro de 1942, a Inglaterra ofereceu à Marinha dos Estados Unidos 24 das suas mais bem treinadas traineiras anti-submarinas, além de dez corvetas com tripulações completas. As embarcações chegaram a Nova York no início de março:

"Ainda era bem pouco, mas era do que podíamos dispor", disse Churchill.

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Nesse período, justamente aquele em que os primeiros navios brasileiros foram torpedeados, só três submarinos alemães foram afundados em águas americanas:

89 "Na época, não havia nenhum plano para formar comboios costeiros. A Força Aérea americana não havia recebido nenhum treinamento para a guerra anti-submarina, enquanto a Marinha não possuía meios para travá-la. O desastre poderia ter sido maior se Hitler tivesse mandado seus grandes navios atacarem no Atlântico. Mas ele estava obcecado pela idéia de que nós iríamos invadir o norte da Noruega e ali manteve todas as suas embarcações de superfície e muitos dos seus submarinos",3 revelou o primeiro-ministro inglês em suas memórias, confirmando todo o despreparo norte-americano.

Outro aspecto que facilitava o trabalho dos alemães era a constante comunicação do QG de Lorient com os submarinos, que recebiam informações da extensa rede de espionagem nazista que funcionava tanto em território americano quanto brasileiro. Nos Estados Unidos, aproveitando-se da ampla liberdade existente no país, informantes trabalhavam sem restrições. Três navios-armadilha americanos (Eagle, Atik e Asterion) foram colocados a pique porque o sigilo de suas missões havia sido quebrado.

Mas logo seriam adotadas medidas extremamente rígidas contra a espionagem internacional.

Ainda em 1942, no mês de agosto, os jornais do mundo inteiro anunciaram a execução na cadeira elétrica de seis espiões alemães. Foram as primeiras execuções adotadas para esse tipo de crime. Denunciados por um guarda-costeiro que se fingiu de cúmplice, os estudantes Haupt Henry, Eick Edward, John Kerling, Hermann Otto, Richard Quirin e Werner Thier, que chegaram a viver nos Estados Unidos, foram presos ao retornarem ao país a bordo de um submarino, sendo levados à costa em botes clandestinos.

com eles, foram encontradas bombas com detonadores de tempo, pistolas incendiárias, cartuchos explosivos e ácidos especiais. Segundo as autoridades norte-americanas, o objetivo era sabotar, entre outros alvos, fábricas de alumínio, estradas de ferro, canais, usinas elétricas e depósitos de água potável. Outros dois espiões do grupo, por colaborarem nas investigações, tiveram as penas de morte comutadas e transformadas em prisão perpétua.

3 Memórias da Segunda Guerra Mundial. Volume II. Winston S. Churchill. Nova Fronteira, 2005.

Os norte-americanos radicalizavam diante de ameaças que se manifestavam há um bom tempo. Desde a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, a Alemanha começou a se articular para estender seus tentáculos até Américas. Por fazer a ligação entre os oceanos Pacífico e Atlântico, o Panamá era considerado um ponto crucial de defesa do continente. Por isso, desde os anos 1930, era um território coalhado de espiões. O interesse do Reich no país era tamanho que foi enviado para lá Hermann Menzel, o chefe em Berlim da Divisão de Inteligência Naval do QG do Abwehr (Departamento de

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Contra-informação do Alto-Comando Alemão). A tarefa de Menzel era montar uma grande célula de espionagem. O chamado "Projeto 14" foi posto em prática para que se fizesse um abrangente levantamento topográfico da zona do canal. O objetivo era conhecer detalhes dos açudes que forneciam águas para eclusas e a localização dos geradores. Foram também elaborados relatórios técnicos sobre o funcionamento de hidrovias e observados o tráfego marítimo e as instalações militares locais. A Costa Rica também chegou a ter forte influência nazista.

Numa população de 500 mil pessoas, 2 mil eram alemãs ou descendentes, que em geral ocupavam cargos de projeção na sociedade local. A escola alemã, dirigida por um ex-líder da Juventude Hitlerista, seguia rigorosamente a doutrina do Reich, a ponto de comemorar os aniversários do Führer com seus alunos fazendo a saudação clássica "Heil Hitler!". Não faltavam costa-riquenhos participando de tais eventos. O interesse da Alemanha no país era reforçado pela possibilidade de controle do litoral, tanto do Caribe quanto do oceano Pacífico. Isso facilitaria a construção de bases para operações que atingiriam as duas pontas do canal, o que permitiria aos alemães bloquear o seu acesso ocidental.

País fronteiriço dos Estados Unidos, o México exercia também um fascínio irresistível sobre a Alemanha, que, adquirindo empresas jornalísticas, acenando vantagens a militares e funcionários do governo e contando com a colaboração de alemães estabelecidos, procurava ampliar sua influência no país. É possível que se estivesse no lugar dos americanos, aproveitando-se da instabilidade crônica das instituições mexicanas, e da sua proximidade territorial, a Alemanha o teria anexado, como fez com a Áustria, em 1938. O interesse alemão só crescia com o aumento da demanda da sua máquina de guerra, já que eram conhecidas as reservas petrolíferas daquele país.

Não foi de surpreender que, em fevereiro de 1939, surgisse a suspeita, contestada por Castillo Najera, embaixador em Washington, de que o México negociava com a Alemanha a troca de aviões militares por petróleo. Apesar dos desmentidos oficiais, os indícios dessa negociação eram claros, pois na época o comandante alemão Heinrich Hagermann, herói da Primeira Guerra, estivera em missão especial na Cidade do México.

Além disso, através da imprensa, se fazia propaganda nazista abertamente. Manifestações anti-semitas eram comuns e grupos de extrema-direita chegaram a cogitar um golpe de Estado que deporia o presidente Lázaro Cárdenas. Foi preciso que John Spivak, um conhecido jornalista americano, passasse a fazer matérias investigativas, extremamente bem documentadas, denunciando a interferência da Alemanha na sociedade mexicana, para que os Estados Unidos, através do governo e do congresso, tomassem medidas no sentido de conter esse avanço.

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No Brasil, a presença alemã ganhava corpo em razão da complacência de órgãos oficiais e da germanofilia de alguns setores do governo, o que contribuiu para que fosse montada, a partir de 1939, uma complexa rede de espionagem nazista. Esse interesse do Reich foi determinado, sobretudo, pelas severas perdas inglesas no Mediterrâneo, o que fez com que o almirantado britânico desviasse todos os seus navios mercantes, exceto os mais velozes, para a rota em torno da África do Sul. Isso, naturalmente, significou o aumento do valor estratégico dos portos brasileiros, que se transformaram em pontos intermediários na passagem para aquela região do Atlântico. Somente em 1942, com os Estados Unidos já na guerra e o Brasil rompido com o Eixo, é que efetivamente essa rede, também pela perda do prestígio dos germanófilos brasileiros, passou a ser combatida efetivamente.

com esse fim, foi criado, em janeiro de 1942, pelo Estado-Maior da Armada, o Serviço de Informações de Interesse de Segurança Nacional.4 Não demorou para que se comprovasse a sua necessidade, pois não faltaram descobertas de ações de espiões. No próprio mês de janeiro foi identificada uma estação de rádio clandestina que transmitia para os alemães informes sobre a movimentação dos portos nacionais. Não foi ossível localizar o ponto exato da costa em que estava instalada, mas descobriu-se, através de navios brasileiros, entre eles o próprio Cairu, que acabaria por ser abatido, que ela se comunicava com uma estação denominada DLB, situada na Alemanha. No dia 21 de janeiro, chegou a ser interceptada uma transmissão que revelava a reunião de navios que iriam partir em comboio a 10 milhas da ponta de Olinda. Houve uma mobilização do Departamento de Correios e Telégrafos para localizar o transmissor, que acabou sendo malsucedida.

Existiam também estações legais controladas por nazistas. A criação de uma rede de radiodifusão era uma das estratégias do Reich para contrabalançar a influência dos Estados Unidos na América do Sul. Na capital da República, em agosto de 1941, com dinheiro cedido pela embaixada alemã e com o aval do adido comercial, Hans Henning von Cassei, foi adquirida a Rádio Ipanema, que funcionava no posto 6, em Copacabana.

O negócio, no valor de 950 mil cruzeiros, foi fechado na sede da empresa Estradas de Ferro Alemã, localizada na avenida Rio Branco 128/16S, no coração da capital da República. Seu diretor, Wilhelm Konig - chefe da Gestapo no Brasil, que regressou à Alemanha assim que foram rompidas as relações diplomáticas -, usou na operação de compra dois testas-de-ferro brasileiros. A Alemanha subvencionou também pelo menos dois jornais no Distrito Federal - A Gazeta de Notícias e Meio-Dia -, e ainda alugou um cinema no centro do Rio de Janeiro. Ficava na Cinelândia, chamava-se Broadway e só exibia filmes alemães.

Procurava-se com isso fazer uma campanha maciça com a intenção de introduzir na sociedade brasileira os ideais do nacional-socialismo. Estava sendo formada também uma complexa rede de informação, com desdobramentos de norte a sul do país. Mas o cerco aos espiões estava se fechando. Investigações conduzidas pelo então secretário de

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Segurança de Pernambuco, Etelvino Lins, desmascararam um funcionário da capitania dos portos, cujo nome não foi divulgado, "acusado de informar a movimentação dos navios do porto do Recife".5 Ainda em Pernambuco, foi desbaratada uma célula de espionagem comandada por um alemão chamado Herbert Julius, que fornecia informações para um 4 Antes mesmo disso, pelo decreto-lei n. 2.985, de 25 de janeiro de 1941, o governo havia estabelecido regras, enquanto houvesse guerra, de utilização de aparelhos de radiocomunicações em todo o território nacional.

5 Ofício 6, de 21 de janeiro de 1942, do Estado-Maior da Armada à Capitania dos Portos do Estado de Pernambuco (Serviço de Documentação da Marinha, Arquivo Administrativo, Rio de Janeiro).

92 93 programa da Rádio Berlim, que podia ser captada em todo o Nordeste. Nesse programa, "eram feitas intimidações à população local em português fluente, mas com forte sotaque estrangeiro".6 Já em Natal, agentes do FBI descobriram que os alemães Richard Burgers, Ernest Luck e Hans Weberling estavam a serviço de uma célula nazista no Rio de Janeiro. Eles reuniam informações sobre o movimento de aviões norte-americanos baseados na cidade e usavam uma estação de ondas curtas para repassá-las. Além disso, numa loja de ferragens no centro de Natal, de propriedade de Ernest Luck, num catálogo com especificações de louças e faqueiros, foram encontrados códigos de comunicação secreta.

No estado do Rio de Janeiro, a Marinha informou à Aeronáutica que, em Angra dos Reis, um morador de origem alemã, empolgado com as conquistas dos exércitos de Hitler, chegou a cortar mato e aplainar o solo de um terreno, "pensando que ali aviões do Eixo poderiam aterrissar no momento da tomada do continente".7 Provavelmente era um lunático, mas seu comportamento indicava que não faltava quem estivesse receptivo à idéia de uma possível invasão alemã.

Em São Paulo, a presença do Reich também era notória. Em abril de 1942, foi investigada pelo Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia Política e Social) a Sociedade Hans Staden, que tinha uma rede de escolas e clubes germânicos com ramificações no interior do estado. Era rotineira a exibição de filmes de ideologia nazista em salas fechadas. Havia uma lista de 131 alemães suspeitos de participar desses encontros. Também na capital paulista, a Hermann Stoltz, uma agência de passagens de vapores e da companhia aérea alemã Syndicato Condor, trabalhava sistematicamente na transmissão de mensagens que informavam sobre todas as entradas e saídas de navios aliados do porto de Santos e do Rio de Janeiro, assim como suas rotas (procedência e destino) e conteúdo das mercadorias descarregadas.

Era comum empresas como essas protegerem espiões - acudindo-os em qualquer necessidade, inclusive dando-lhes respaldo financeiro 6 Ofício 13, de 10 de fevereiro de 1942, da Divisão de Cruzadores (Serviço de Documentação da Marinha, Arquivo Administrativo, Rio de Janeiro, gav. 3.111, pasta 252, doe. 7).

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7 Serviço de Documentação da Marinha, Arquivo Administrativo, gav. 1.786, pasta 4, doe. 1.

94 e promoverem propaganda nazista. A Química Bayer, além de ter feito operações financeiras ilícitas, "lesando os cofres públicos do Banco do Brasil, que tinha, por lei, o monopólio de tudo que se referia ao mercado cambial do país",8 mantinha num depósito no sexto andar de sua sede no Rio de Janeiro um mimeógrafo empregado na confecção de boletins "contendo notícias de guerra e vasta literatura, que, sob capa científica, era espalhada por toda a América do Sul".9 Doze diretores da Bayer foram indiciados, sendo que o principal deles era o alemão Theodor Hermann Kaelble, membro do Partido Nazista do Brasil 10 e adepto fervoroso de Hitler. Entre as acusações que constaram no inquérito da Polícia Civil do Distrito Federal estava a de "averiguar a orientação política dos funcionários da empresa".

Sem a menor cerimônia, Kaelble demitia quem não estivesse de acordo com a filosofia propagada pelo nacional-socialismo alemão. com isso, depois de certo tempo, todo o corpo de funcionários da Bayer passou a ser formado por alemães nazistas ou teuto-simpatizantes. Quando houve a intervenção do governo, ficou comprovado também que a empresa havia sido criada apenas para permitir operações no Brasil do poderoso consórcio alemão "I.G. Farbenendustrie", com sede em Leverkusen. Era a fachada perfeita para a atuação de espiões. Mas o cerco da polícia se fechava e os mais perigosos estavam prestes a ser capturados.

Inquérito do Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia Política Social). Pasta 21. Setor Alemão. Caixa 0757. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

9 Idem. Mesmo tendo sido proibido no Brasil em 1938, através do decreto-lei n. 383, o

Partido Nazista continuou atuando na clandestinidade sem ser molestado. Suas atividades principais incluíam reuniões, festividades, propaganda dos ideais do nacional-socialismo e arregirnentação de novos membros. Subordinado à Auslander Organization der Nazi Parter (Organização do Partido no Exterior), subdividia-se em diversas células: Franenschaft (Organização das Mulheres), Leheerschaft (Organização dos Professores), Arbeitsfront (Frente de Trabalho Alemã) e Hitlerjugend (Juventude Hitlerista). O jornal DeutscherMorgen (Aurora Alemã), publicado em São Paulo entre 1932 e 1941, se encarregava de difundir as 'déias de Hitler. Buscava-se "despertar" os imigrantes alemães no Brasil (cerca de 230 mil na época, sendo que quase 3 mil filiados ao partido) para o "novo tempo" que surgia na pátria-mãe". Só em 1942, quando os súditos do Eixo passaram a ser encarados como "inimigos militares", é que houve uma efetiva repressão dessas atividades.

Norfolk * «2 7 .5 VENEZUELA NAVIOS BRASILEIROS TORPEDEADOS DURANTE A GUERRA Navio Data do ataque Tripulação/

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passageiros Mortes 1. Taubaté 22 de março de 1941 1 2, Buarque 16 de fevereiro de 1942 85 1 3. Olinda 18 de fevereiro de 1942 46 4. Cabedelo 25 de fevereiro de 1942" 54 54 5. Arabutan 7 de março de 1942 51 1 6. Cairu 8 de março de 1942 89 53 7. Parnaíba 1° de maio de 1942 72 7 8. Comandante Lira 18 de maio de 1942 52 2 9. Gonçalves Dias 24 de maio de 1942 52 6 10. Alegrete 1°de junho de 1942 64 11. Pedrinhas 26 de junho de 1942 48 12 Tamandaré 26 de julho de 1942 52 4 13. Barbacena 28 de julho de 1942 62 6 14. P/ove 28 de julho de 1942 35 1 15. Baependi 15 de agosto de 1942 306 270 16. Araraquara 15 de agosto de 1942 142 131 17. Aníbal Benévolo 16 de agosto de 1942 154 150 18. Itagiba 17 de agosto de 1942 181 36 19. Arará 17 de agosto de 1942 35 20 20. Jacira 19 de agosto de 1942 6 21. Osório 27 de setembro de 1942 39 5 22. Lajes 27 de setembro de 1942 49 3 23. Antonico 28 de setembro de 1942 40 16 24. Porto Alegre 3 de novembro de 1942 58 1 25. Apalóide 22 de novembro de 1942 57 5 26. Brasilóide 18 de fevereiro de 1943 50 27. Afonso Pena 2 de março de 1943 242 125 28. Tutóia 30 de junho de 1943 37 7 29. Pelotaslóide 4 de julho de 1943 42 5 30. Shangrilá 22 de julho de 1943 10 10 31. Bogé 31 de julho de 1943 134 28 32. Itapagé 26 de setembro de 1943 72 22 33. Campos - 23 de outubro de 1943 63 12 34. Vital de Oliveira'"" 19 de julho de 1944 275 99 Total 1.718 1.081 * Não foi encontrado um registro oficial do número de tripulantes do Taubaté.

** Data provável do afundamento do Cabedelo.*** O Shangri-ló era um barco pesqueiro.**** O Vital de Oliveira era um navio de guerra. Todos os outros eram

mercantes. Casa no Leblon, onde Josefjacob Johannes Starzic zny operava uma célula de

espionagem.

O espião apaixonadoNiels Christensen, cujo nome verdadeiro era Josefjacob Johannes Starziczny, era

uma máquina de espionagem. Trabalhava com tamanha dedicação e eficiência que, entre 1941 e 1942, chegou a transmitir para a Alemanha, segundo inquérito instaurado pela Delegacia da Ordem Política e Social e encaminhado ao Tribunal de Segurança Nacional, 450 mensagens, nas quais informava sobre o tráfego marítimo brasileiro e dos países aliados.

É possível que tenha passado aos submarinos nazistas algumas rotas de navios brasileiros afundados. Engenheiro eletrônico de renome, que estudara na escola para cadetes da Marinha alemã e se formara na Universidade de Breslau, chegou a chefiar o laboratório de pesquisas termodinâmicas e de máquinas de combustão do Arsenal da Marinha de Hamburgo. Nesse período, ainda antes do início da guerra, especialistas alemães em comunicação radiotelegráfica concluíram que, devido às condições atmosféricas, era tecnicamente mais fácil enviar mensagens para a Europa da América do Sul do que dos Estados Unidos.

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A partir daí, Starziczny, que pela sua espetacular performance acadêmica recebera o apelido de "Kanone" (canhão), ganhava uma importante missão. Seria o responsável pela instalação no Brasil das estações que transmitiriam para a Alemanha as informações sobre o movimento de navios aliados no Atlântico Sul. Mesmo contrariado, pois foi obrigado a romper um noivado, ele aceitou o desafio para atuar num país que considerava o fim do mundo. Além de não falar sequer o espanhol, nada conhecia da região.

Sua resistência foi inútil. Disfarçado de tripulante, com um passaporte dinamarquês falso, Starziczny chegou ao Rio em 1941, a bordo do navio alemão Hermes, que partira de Bordeaux trazendo encomendas para casas comerciais alemãs e para descendentes aqui radicados. Mas, aparentemente, eram os conhecimentos de Starziczny sobre comunicação telegráfica a carga mais preciosa transportada pelo Hermes. Na bagagem, o espião trazia vários equipamentos altamente comprometedores: códigos, tintas secretas, um radiotransmissor de ondas curtas e uma pistola automática. Sua tarefa incluía, além da montagem das estações transmissoras, o controle de todas as cargas para a Inglaterra e as suas colônias; a observação do movimento de tropas e o transporte de munições através da América do Sul; a informação sobre o tipo de armamento dos mercantes aliados; e a identificação de agentes secretos ingleses e suas ligações.

O trabalho era muito bem-sucedido - cerca de quarenta agentes do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul foram recrutados para o grupo de Starziczny -, até que o espião se envolveu com uma mulher. Era uma gaúcha de 37 anos (solteirona para os padrões da época) chamada Ondina Peixoto. Ela também havia sido noiva; de um policial, que a abandonara depois de cinco anos de relacionamento. Hospedados num mesmo hotel na rua Barão do Flamengo, no Rio, os dois começaram a flertar no hall, no elevador e no café-da-manhã. Apesar de não exibirem maiores atrativos físicos, surgiu uma grande paixão, provavelmente impulsionada pela mútua carência afetiva.

Logo, o casal estava morando junto num apartamento em Copacabana - em seguida mudou-se para uma casa no Leblon -, o que contrariava as rígidas regras de segurança do Abwehr. Problema maior ainda era o hábito de Starziczny de levar Ondina para todos os encontros de trabalho. Não seria difícil prever a rejeição que os membros da organização passaram a nutrir por Ondina, que manifestava sempre alto e bom som sua ojeriza pelo nazismo. A amante, pelo menos inicialmente, não tinha a mais vaga idéia da natureza do trabalho de Starziczny.

Durante uma reunião num restaurante na Praça do Lido, em Copacabana, na frente da nata da espionagem alemã, desatou a falar mal de Hitler sem imaginar quem eram aqueles homens que a rodeavam. Starziczny foi chamado à embaixada e duramente repreendido. Chegou, inclusive, a ser ameaçado de ter seu caso levado à Gestapo. Preocupado, separou-se da mulher, mas, três dias depois, ardendo de saudades, reatou o romance às escondidas. Se no amor parecia condescendente, 100 nas suas

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atividades como espião não fazia concessões. Apesar da insistência do seu grupo, recusava-se a subordinar-se a outro agente do Abwehr chamado Gustav Engels, mais experiente e com mais contatos, que há vinte anos residia no Brasil.

A desgraça de Starziczny foi um policial do DOPS paulista ter cruzado seu caminho. com astúcia e determinação, o delegado Elpídio Reali investigava a ação dos grupos de espionagem em São Paulo, não desanimando diante da falta de infra-estrutura no trabalho. Era um contraponto ao chefe da polícia do Distrito Federal, Filinto Müller, que, notoriamente, era omisso em relação ao problema. Reali estava sempre atrás de pistas que pudessem indicar o paradeiro de agentes do Eixo. Uma delas surgiu quando, de passagem por São Paulo para montar um receptor para o cônsul alemão em Santos, o major Otto Uebele, que na verdade era o principal agente da Marinha alemã no Brasil, Starziczny cometeu a indiscrição de ir pessoalmente à firma Sayão & Sayão, na rua Dom Bosco, em São Paulo, comprar um ondômetro. Como mal falava o português, chamou a atenção do dono do estabelecimento, que sabia ser esse aparelho uma peça normalmente utilizada em transmissores de longo alcance. Desconfiado, o comerciante avisou a polícia.

Reali logo tomou a frente das investigações, fazendo sucessivas batidas pelos hotéis de Santos, onde o suspeito alemão disse ter se hospedado. Procurava um certo "O. Mendes", nome que Starziczny usou para se identificar. Passaram-se dois meses até que alguém voltou na loja para pegar o tal ondômetro. Era um homem chamado Odélio Garcia, que, segundo a ficha levantada pela polícia, tratava-se de um comerciante que fazia negócios com uma firma alemã. Reali começava a puxar o fio que o levaria ao perigoso espião.

Descobriu-se, em seguida, que Garcia já havia comprado para esta mesma firma uma estação radiotransmissora sem que, no entanto, se encontrasse qualquer registro dela na LABRE (Liga de Amadores Brasileiros de Radioemissão), o que tornava indiscutível sua clandestinidade. Depois de ter sido preso, Garcia confessou a Reali que adquirira a estação para um homem chamado Ulrich Uebele, que era ninguém menos que o filho de Otto, o cônsul-espião. Ao ser detido, Ulrich admitiu que mantinha contatos com o chefe da espionagem nazista, mas nunca pessoalmente, apenas por carta.

101 Reali vasculhou o escritório de Otto Uebele em Santos, onde foi recebido pelo próprio. Dizendo-se um patriota e lembrando que havia sido condecorado por Getúlio Vargas com a Ordem Cruzeiro do Sul, Otto parecia não se importar com a apreensão de vários objetos (máquinas fotográficas, filmes de navios americanos e ingleses, mapas do litoral de São Paulo etc.). O cônsul só se inquietou quando Reali se aproximou de uma estante, onde estavam guardadas algumas pastas. Dissimulado, chegou a dizer que ali não havia nada de importante.

O policial memorizou o nome e o endereço que constavam em uma das pastas. Será que Niels Christensen, morador da rua Campos de Carvalho 318 (atual General San

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Martin), no Leblon, Rio de Janeiro, seria aquele mesmo alemão que encomendara um ondômetro em São Paulo? Ou seja, o chefão de uma das células mais ativas da espionagem nazista no país?

Reali partiu com sua equipe para o Distrito Federal, levando também o comerciante da loja para que fosse feito o reconhecimento do misterioso senhor "O. Mendes".

Em 15 de março de 1942, três meses depois do início das investigações, finalmente Reali estava diante da casa que poderia ser a do espião procurado. A construção simples, apesar dos dois andares, de paredes brancas e janelas azuis, com um pequeno jardim na frente, a não ser pelas duas grandes antenas que se projetavam do telhado, em nada sugeria ser o QG onde se acastelava um ás da espionagem internacional. Mas era exatamente dali que Starziczny emitia suas mensagens e observava, do segundo piso, a passagem de muitos navios, já que a casa ficava apenas a uma quadra da praia.

Um policial que falava alemão foi sozinho bater à porta para ver se Christensen estava em casa. Como se identificou como um mensageiro do senhor O. Mendes, que na verdade era o codinome de um agente da organização, foi convidado a entrar pelo próprio Starziczny. Foi a senha para que Reali e seus comandados invadissem a residência.

Rendido sem reagir, depois de ser reconhecido, o espião acompanhou a devassa dos materiais e documentos que guardava.

Eram máquinas fotográficas equipadas com teleobjetivas, radiorreceptores e registros de entradas e saídas de navios do porto do Rio, que continham suas rotas e características das embarcações (tonelagem, tipo de carga e nacionalidade). E o mais importante: a microfotografia de um texto que revelava o código secreto do almirantado alemão. Nesse instante, Starziczny, que até então se mostrava relativamente tranqüilo, pulou na estante onde estava o documento, precisando ser agarrado pelos policiais. "Isso vai me levar ao pelotão de fuzilamento",1 argumentou em desespero, enquanto Ondina, dizendo ser apenas a governanta da casa, apesar de ter sido encontrada de camisola, assistia à cena impassível.

Reali o acalmou explicando que ele estava no Brasil, longe das garras da polícia de Hitler, e onde não existia pena de morte. Em seguida, ao prosseguir com a busca de mais provas do envolvimento do espião, o delegado se defrontou com um registro contendo todas as coordenadas da passagem do navio cruzeiro Queen Mary pela América do Sul. O transatlântico estava sendo usado durante a guerra pelos exércitos aliados no transporte de soldados, e, nessa viagem para a Austrália, 8 mil homens de uma unidade canadense seguiam a bordo. Era como um convite para que os submarinos nazistas fizessem uma emboscada no mar. Tendo o Queen Mary saído do Rio apenas

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dois dias antes, com destino a Buenos Aires, Reali se apressou em denunciar o plano alemão.

Através da embaixada norte-americana no Rio, foram contatados os órgãos de segurança que providenciaram a mudança imediata da rota do navio, que seguiu direto para a Austrália, através do Cabo da Boa Esperança. Como a escala na capital argentina foi suspensa sem nenhum aviso prévio, imaginou-se que o Queen Mary havia sido afundado.

O Reich chegou a comemorar a notícia anunciada pela Rádio Berlim. Comemoração, porém, precipitada, pois dias depois se soube que o navio chegara incólume à Austrália.

Por essa ação, o delegado Elpídio Reali recebeu uma carta de congratulações do diretor do FBI, Edgar Hoover. Mais tarde o comandante do Queen Mary o presenteou com "uma caixa de charutos" .2 Levado para a Casa de Detenção em São Paulo, Starziczny, seduzi- do pelas promessas de Reali de que poderia receber visitas da amada brasileira se colaborasse com a polícia, revelou também a existência de 1Crônica de uma Guerra Secreta. Nazismo na América: A Conexão Argentina. Sérgio Corrêa da Costa. Record, 2004. As margens do Sena. Reali júnior. Depoimento a Gianni Carta. Ediouro, 2007.

103 um cofre no Banco de Crédito Mercantil do Distrito Federal. Consciente de que agentes da Gestapo já poderiam saber da prisão do espião, Reali solicitou com urgência um avião da FAB para que ele e seus homens chegassem o mais rápido possível ao Rio de Janeiro. Deu certo. No cofre, foram encontrados novos códigos da Marinha alemã, cartas, documentos, registros de diversas mensagens trocadas com a Alemanha e os nomes de outros componentes da rede de espionagem.

Por todos esses crimes, Starziczny foi condenado, em 6 de outubro de 1943, a trinta anos de prisão, pena comutada, com a dissolução do Estado Novo, pela suspeita, jamais comprovada, de que a sua confissão fora obtida sob tortura. Nos últimos tempos, já na Penitenciária de Niterói, Starziczny dizia ter se arrependido das suas atividades de espião e até oferecia seus serviços ao governo brasileiro. Ondina chegou a ficar presa durante quarenta dias, o que não arrefeceu sua paixão. Depois de libertada, as suas visitas ao amante alemão continuaram freqüentes.

Outros 128 acusados de espionagem foram detidos a partir da prisão de Starziczny. Mas isso não impediu que, isoladamente, continuassem a operar outros centros de informação.3 3 Aquele era um momento em que a espionagem fascinava a indústria cinematográfica. com um mundo em guerra, este era um dos temas preferidos do cinema americano.

No auge das investigações da polícia sobre a ação de espiões no Brasil, estreava, em grande circuito no Distrito Federal (São Luiz, Odeon, Carioca e Capitólio), dirigido por Anatoíe Litvak (um especialista em temáticas de guerra), o filme Confissões de um

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Espião Nazista. O ator Edward G. Robinson fazia o papel de um agente do FBI que investigava operações nazistas nos Estados Unidos. Estavam ainda no elenco Francis Lederer, George Sanders e Paul Lukas.

NAVIOS ALIADOS AFUNDADOS POR SUBMARINOS DO EIXO NAS AMÉRICAS Período América do Norte 83 (67%) 47 [230/o) 23(18*) 7(12*r 2 (6°/o) Tleõ/õT Golfo do México 8 (7%) 65 (32%) 20(16%) 3 (9%) r(3%r América Central e Caribe 2 (26%) 81 (40%) 75 (59%) 31 (51%) 14(42,5%) 11 (32%) Costa do Brasil 9 (5%) 9 (7%) 22 (37%) 14(42,5%) 20 (59%) A partir deste quadro se percebe claramente que à medida que os mecanismos de defesa norte-americanos se intensificam, sobretudo com a formação de comboios fortemente protegidos, além das sofisticadas armas anti-submarinas, os ataques dos submarinos do Eixo vão se deslocando para a direção sul do Oceano Atlântico. Nos primeiros meses de 1942, os ataques na costa dos Estados Unidos corresponderam a 67% do total de afundamentos. Já no litoral brasileiro, nesse período, não é registrada nenhuma agressão.

Este quadro se inverte completamente no segundo semestre de 1943, quando acontecem os últimos torpedeamentos. Enquanto na costa dos Estados Unidos acontecem apenas 6% dos afundamentos de navios aliados, na do Brasil essa porcentagem chega a 59%, a maior de toda a América. Assim sendo, fica evidente que ter sido um palco de operações secundário não livrou o Atlântico Sul de ser alvo da intensa campanha submarina do Eixo. Além de atraírem os seus U-boots em razão da facilidade no abate de navios, os ataques na região tinham como objetivo provocar o desvio de recursos dos Estados Unidos para proteger o comércio naval que beneficiava seu esforço de guerra.

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Caso Lati e a queda de EngelsO espião Engels, em dois tempos: em 1942, quando foi preso, e em 1961,

trabalhando como presidente da Telefiinken no Brasil Geralmente, os espiões que tinham base na capital federal eram comandados pelo engenheiro Albrecht Gustav Engels, codinome Alfredo, diretor da Cia. Sul-América de Eletricidade, ocupação que apenas camuflava sua principal atividade. Engels tinha ótimas relações com a polícia e oficiais da Aeronáutica, a ponto de possuir um documento "que lhe dava o direito de entrar em todas as instalações militares e de subir a bordo dos navios surtos em portos nacionais".1 Seu contato principal era o adido da embaixada alemã, Capitão-de-Mar-e-Guerra Hermann Bohny, que usava a mala diplomática, correspondência disfarçada, estações clandestinas e a Lati (Linhas Aéreas Transcontinentais Italianas) para enviar informações ao exterior.

Aliás, o episódio da Lati merece um parêntese para que se possa conhecer a eficácia da contra-espionagem. Percebendo que, inicialmente, o governo do Estado Novo não tinha a menor intenção de restringir as atividades da empresa, pois até um genro do presidente Vargas trabalhava nela - era o oficial da Aeronáutica Rui da Costa Gama, casado com Jandira, a filha mais velha de Vargas -, o serviço secreto inglês bolou um plano espetacularmente ousado para desacreditá-la. Isso porque, sabidamente, a Lati usava seus pilotos para ajudar os submarinos alemães a localizar navios aliados, transportava ilegalmente matériasprimas para a Europa e de lá trazia cargas altamente suspeitas.

Mais tarde, a polícia descobriria que somente nos seis meses que antecederam maio de 1941, a Lati havia levado para a Europa, em 22 1 Inquérito do Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão da Polícia Política e Social). Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Caixa 0757. Pasta 18.

vôos, 3.771 kg de mica, 343 kg de pedras preciosas, 183 kg de platina e 3 kg de diamante industrial. Esses vôos voltaram carregados de 2.365 kg de livros de propaganda nazi-fascista, 2.360 kg de produtos químicos, 360 kg de películas que procuravam demonstrar a superioridade alemã, 660 kg de material elétrico e 240 kg de ouro, prata e jóias de condecorações destinadas a funcionários latino-americanos da empresa. Viajavam pela Lati, além de espiões, figuras como Erich von Ribbentrop, sobrinho do ministro das Relações Exteriores do Reich, e Rudolf Meissner, chefe da Gestapo na América do Sul.

A idéia dos ingleses para desmoralizar a empresa foi produzir uma carta falsa do presidente da Lati em Roma, general Aurélio Liotta, na qual ele expressaria a Vicenzo Coppola, diretor no Rio de Janeiro, seu desprezo pelos brasileiros, incluindo aí o próprio presidente Vargas. Craques nesse gênero de sabotagem, os ingleses, depois de conseguirem roubar dos arquivos da empresa uma carta original assinada por Liotta, conceberam a nova missiva tendo o cuidado de usar até o mesmo tipo de máquina de

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escrever que usava o general, inclusive com suas imperfeições. Além disso, os carimbos e o tipo de papel eram impressionantemente fiéis aos da original. O texto, em italiano corretíssimo, era de tal forma ofensivo que não restaria outra alternativa ao governo brasileiro senão cancelar a licença para a Lati operar.

"Não pode haver dúvida de que o gordinho (Vargas) está caindo nas mãos dos americanos, e que somente uma intervenção violenta por parte dos nossos amigos (camisas) verdes pode salvar a situação. Nossos colaboradores em Berlim resolveram que tal intervenção deve ocorrer o mais cedo possível." Outro trecho era ainda mais devastador:

"E se é verdade - como você corretamente afirmou - que os brasileiros são uma nação de macacos, não é necessário dizer que são macacos dispostos a servir a quem tiver as rédeas nas mãos."2 O passo seguinte seria o de fazer a carta chegar ao presidente Vargas de forma tão natural que não surgisse a mais leve suspeita de que Crônica de uma Guerra Secreta. Nazismo na América: A da Costa. Record, 2004.

Conexão Argentina. Sérgio Corrêa 108 aquilo se tratava de um plano de puro maquiavelismo. A idéia era forjar um assalto à casa de Coppola, no qual diversos objetos seriam furtados. O serviço foi feito e, ao apresentar queixa na polícia, o diretor da Lati no Brasil morderia a isca. Em seguida, o ladrão, um brasileiro que auxiliava o serviço secreto inglês, apresentou-se ao correspondente da United Press para tentar vender a carta roubada da residência de Coppola. Sem pestanejar, o jornalista pagou por ela e se apressou em encaminhála a Jefferson Caffery. Imediatamente o embaixador americano levou a demolidora correspondência a Vargas, que, sentindo-se ultrajado, não demorou a tomar a decisão de interromper as atividades da Lati no Brasil. Todos os aviões da empresa acabaram confiscados, e Coppola, depois de fazer uma retirada de um milhão de dólares, foi preso quando tentava fugir do país pela fronteira argentina. Sem ter tomado conhecimento do plano, Caffery, efusivo, se gabou com os colegas ingleses, garantindo que a carta havia sido "pescada" pelos agentes da CIA. Recebeu os mais veementes cumprimentos pelo "excelente trabalho".

Esse jogo pesado era necessário para combater a extensão da espionagem do Eixo. A própria embaixada alemã, na rua Paissandu, no bairro do Flamengo, chegou a ser utilizada com esse objetivo. Sob a orientação de Hermann Bohny, foi criada uma célula de espionagem especialmente para observação dos navios ingleses que aportavam na Guanabara. Até um avião era utilizado para controlar a movimentação do litoral entre os portos de Santos e do Rio de Janeiro.

Faziam parte do esquema alguns brasileiros, como o capitão do Exército Túlio Regis do Nascimento (codinome capitão Garcia). Filho de um coronel do Exército, Túlio era um nazista assumido, que declarava alto e bom som, sem qualquer constrangimento e receio de ser descoberto, sua posição ideológica. Ele tinha as melhores relações com políticos brasileiros e alemães residentes no Rio. Chegou a viajar

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para os Estados Unidos com a missão de descobrir detalhes das bases militares americanas (localização, armamentos etc.). Foi desmascarado quando uma mensagem de Engels, informando o Abwehr da viagem, foi interceptada pelo FBI. De volta ao Brasil e entregue à polícia, foi apenas 'advertido" por Filinto Müller, o germanófilo e truculento comandante da Polícia do Distrito Federal.

109 Túlio continuou a trabalhar livremente como agente do Eixo, dessa vez na conexão argentina. Só foi preso depois que o Brasil entrou na guerra. Além dele, eram ativos espiões funcionários de agências marítimas, como foi o caso de Hans Otto Mayer, gerente de navegação da Hermann Stoltz, que não se constrangia em dar notícias sobre o que acontecia nos portos. Hans ainda cooptou dois funcionários dessa firma: o brasileiro Ramiro Machado Pereira, de 52 anos, e um português, de origem humilde, conhecido como "José da Burra", de 55 anos. A incumbência do português era a de fazer "ingênuos" passeios com a lancha Hansa pelas imediações do porto, durante os quais anotava tudo a respeito dos navios ali atracados, principalmente se carregavam armamentos. Geralmente, estava acompanhado de um espião alemão que fotografava as embarcações. Quando descoberto, "José da Burra" se defendeu dizendo que só aceitara o trabalho por medo de contrariar seus chefes e perder o emprego.

Outra peça importante no esquema de espionagem era Herbert Julius von Heyer, descendente de uma família nobre alemã. Embora tivesse nascido no Brasil, em Santos, sua vida, segundo o relatório da Polícia Política, "nada tinha de comum com a de um brasileiro, pois era um alemão de corpo e alma". Em 1914, continuava o relatório, "esteve na Alemanha e se incorporou à célebre divisão Totenkepfhusaren, que tinha uma caveira como insígnia". Como chefe de fretes de uma empresa de serviços marítimos chamada Theeder Wille & Cia., Heyer tinha contato com toda a oficialidade de navios alemães, "sendo constantemente convidado para almoçar a bordo". Ele desempenhava "várias funções no serviço secreto alemão, a principal relacionada à espionagem comercial, dentro da qual estava ligado a Engels".3 Esse, afinal, era o nome-chave da espionagem nazista no Brasil. Prender Albrecht Gustav Engels (Alfredo) era questão de honra.

A estrutura criada pelo agente impressionou a polícia carioca. Tendo servido como tenente do Exército Imperial na Primeira Guerra Mundial e se formado em engenharia, Engels chegou ao Rio de Janeiro 3 Inquérito do Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia Política e Social). Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Espionagem. Pasta 4. Dossiê 1.

com pouco mais de 20 anos para trabalhar na filial brasileira da Siemens, em 1923. Era uma figura imponente, um típico alemão. Tinha boa estatura, olhos azuis, os bigodes aparados com capricho e a indumentária sempre impecável. A decisão de criar uma célula de convergência da espionagem nazista ocorreu quando já havia se naturalizado brasileiro. Foi durante suas férias na Europa, em 10 de setembro de 1939, alguns dias depois da eclosão da guerra. Engels, segundo o inquérito da polícia, estava

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hospedado no hotel Columbus, em Gênova, quando foi cooptado por Jobst Raven, um antigo colega de Exército com quem fizera negócios no Brasil. Aceitou o novo serviço de bom grado, acreditando "estar ajudando no reerguimento da pátria que deixara para trás quase duas décadas antes".

Inicialmente, Engels se limitava a enviar, através da Lati, relatórios sobre a produção industrial e militar dos Estados Unidos, bem como sobre seu comércio com a América do Sul. com o acirramento do conflito, ele ampliou suas atividades e passou a fornecer os movimentos da navegação britânica no Atlântico Sul e a formar uma equipe de radiotelegrafistas. Sua verdadeira identidade começou a ser revelada quando, orientado pelo Abwehr, se aproximou de um agente duplo iugoslavo chamado Dusko Popov, considerado um dos mais argutos espiões da Segunda Guerra, que, sob o codinome Ivan, conseguiu se filiar à agência de espionagem alemã, enquanto trabalhava para o Serviço Secreto inglês.

Sob o pretexto de ter informações importantes sobre firmas americanas que processavam o urânio, Popov foi recebido por Engels com toda cortesia no seu amplo escritório no Rio de Janeiro. Ele se impressionou "com as salas espaçosas, elegantes e modernas da empresa e com o homem polido que o atendeu".4 Em suas memórias, publicadas em 1974, o espião iugoslavo narrou que Engels estava particularmente interessado em um minério (urânio) que poderia estar sendo utilizado na fabricação da bomba atômica, e que, por isso, os alemães estavam querendo conhecer melhor.

Engels aproveitou a ocasião para mostrar a Popov uma invenção que, àquela altura, revolucionava a espionagem alemã. Era o chamado 4 A Guerra Secreta de Hitler no Brasil. Stanley Hilton. Nova Fronteira, 1983.

111 microponto. Desenvolvido por um técnico do Instituto de Tecnologia de Dresden conhecido apenas como professor Zapp, consistia num método que deixava uma folha de papel do tamanho de um selo postal. com a ajuda de um microscópio, o selo era fotografado e reduzido à dimensão mínima de um ponto que, ao ser coberto com uma leve camada de colódio (produto usado na fabricação de vernizes e lacas), era escondido no texto sobre o pingo de uma letra "i" qualquer de uma carta a ser enviada.

Popov se entusiasmou tanto com a pequena grande invenção que pediu a Engels que lhe conseguisse um aparelho igual. Tempos depois, o agente duplo recebia no Canadá um microponto. Ele acabou relatando as atividades de Engels ao diretor do FBI, John Edgar Hoover, que também ficou encantado com o novo método de espionagem. Imediatamente, informou à polícia do Rio sobre as atividades de Engels no Brasil.

Percebendo que logo seria preso, mas confiante nas suas boas relações, o espião entregou-se voluntariamente. Sua decisão foi tomada quando recebeu um telefonema de sua esposa, enquanto almoçava com o capitão Túlio Regis do Nascimento, no Iate Clube Fluminense, avisando que a polícia estava em seu encalço. Homem de sólida cultura e muito sagaz, com ampla prática de conspiração internacional, Engels era também um

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mestre na arte da dissimulação. Foi para a delegacia, acompanhado por Túlio, sem a menor intenção de confessar suas atividades ocultas. com ar imperial, negou qualquer envolvimento com a espionagem nazista. Mas pouco era pressionado.

Havia a suspeita, muito embasada por sinal, de que a polícia do Distrito Federal, comandada por Filinto Müller, não fazia qualquer esforço para extrair de Engels informações que o comprometessem e levassem também à prisão outros membros da organização. Talvez para isso tenha contribuído a viagem que Túlio Regis do Nascimento fez a Petrópolis, logo depois que deixou a delegacia. Ele foi pedir a Benjamim Vargas, irmão do presidente e amigo pessoal de Filinto Müller, que intercedesse para que Engels fosse libertado.

Foi preciso a intervenção de Oswaldo Aranha, que orientou o interventor do estado do Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto, seu principal aliado na luta contra a ala nazi do governo, para que transferisse a custódia do alemão para a Polícia Fluminense. Só então Engels começaria a falar. Levado com os olhos vendados para uma penitenciária em 112 Niterói, foi submetido, durante dias, a rigoroso interrogatório. Segundo os jornais da época, como inicialmente nada revelava, foi usada uma tática simples, mas, por ser severa, extremamente eficiente. Não se permitiu que ele fizesse sua higiene pessoal e nem tampouco dormisse.

Contra um espião experiente como Engels, era preciso paciência. Nos quatro dias posteriores, de cinco em cinco minutos, um policial batia insistentemente na porta da sua cela para, dissimuladamente, perguntar-lhe se precisava de algo. Na quinta noite, o espião, transtornado, sucumbiu. Teve uma "crise de nervos, arrancou os pêlos dos próprios braços, chorou copiosamente e, em seguida, mandou comunicar a Eugênio Borges, secretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, que estava disposto a falar".5 Durante duas semanas, Engels foi interrogado em média oito horas por dia. Ele informou à polícia que o trabalho inicial de fornecer informações sobre "realizações econômicas e industriais do hemisfério ocidental" se sofisticou, em meados de 1940, depois de um contato com Erich Leorhardt-Immer, um capitão do Exército alemão que estava no Brasil com o objetivo de aumentar o campo de atuação do Reich na América do Sul. Ou seja: implementar a formação de uma completa organização de espionagem.

A partir de então, Engels passou a enviar regularmente relatórios para Immer. De acordo com um documento secreto do FBI, Engels transmitia informações vindas de Nova York, Baltimore, Los Angeles, Cidade do México, Valparaíso e Buenos Aires.

No fim de 1940, "foi abordado" por outro oficial alemão, o major Johann Siegfried Becker, que, segundo Engels, "foi quem transformou a organização em uma completa célula de espionagem, com serviços de transmissões em ondas curtas e com agentes em todos os setores que poderiam ser de interesse ou utilidade para o esforço de

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guerra alemão".6 "Era um agente altamente profissional, que transmitia muita energia aos seus comandados", disse Engels à polícia.

5 Correio da Manhã- 29 de maio de 1942.Inquérito do Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia

Política e Social). Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Caixa 0757.

Pasta 18. 113 O serviço se estendia aos Estados Unidos, onde agentes forneciam não só

informações sobre "ocorrências econômicas e industriais", mas também sobre o transporte marítimo dos Aliados no Atlântico Sul, produção de guerra e movimentos militares em toda a América.

O sistema de comunicação "estava repleto de rádios, códigos, intermediários em países neutros e emissários utilizando-se da Lati e de navios teoricamente também neutros". Até janeiro de 1942, quando houve o rompimento do Brasil com o Eixo, as facilidades de comunicação eram multiplicadas pelo livre uso das regalias diplomáticas da embaixada alemã. A organização de Engels tinha contato com a maioria dos outros grupos de espionagem existentes no Brasil, com a estação PYZ no Chile, com uma outra no Equador e com a embaixada alemã em Buenos Aires. O serviço diplomático era representado por Ludwig von Bohln (adido naval e da Aeronáutica da embaixada alemã no Chile), Hermann Bohny (adido naval no Rio de Janeiro) e pelo capitão Dietrich Niebuhr (adido naval e chefe das atividades do governo alemão em Buenos Aires).

Engels contou ainda que, após a chegada de Becker ao Brasil, as relações entre esses grupos se estreitaram rapidamente. "Uma comunicação de rádio, diretamente da Alemanha, começou a trabalhar sem embaraços em meados de 1941", diz o inquérito da polícia com base nas palavras do espião. Na mesma época, Herbert von Heyer foi incluído no núcleo de informação fundado por Becker e Hermann Bohny. Todo o esquema foi posto à disposição do grupo encabeçado por Engels. com a missão cumprida, Becker retornou à Europa, usando um passaporte diplomático alemão, em outubro de 1941, deixando com Engels fundos que chegavam a 112 mil dólares e seus agentes à disposição dele e de Bohny.

Nesse período, Hamburgo solicitou a Engels que investigasse as atividades norte-americanas no Nordeste. As ambições de Washington na África Ocidental eram de "primordial interesse" para o Reich. O espião passou a fornecer dados sobre "o comprimento das pistas em construção, o tamanho dos tanques de gasolina, o número de operários e a quantidade e tipo de aviões que se dirigiam à África".

Sobre seus contatos com Starziczny, Engels afirmou que eles praticamente inexistiram, garantindo "que o desprezava cordialmente". Depois de um ou dois encontros, segundo memorando da polícia, Engels "tratou de evitá-lo", o que revelaria

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uma rivalidade entre os dois principais grupos de espionagem que se estabeleceram no país.

Engels informou também que, até o início de 1942, a embaixada alemã utilizou-se livremente dos seus serviços de radiotransmissão, fato comprovado pelos diversos despachos, alguns assinados pelo embaixador Pruefer, que acabaram sendo interceptados pela polícia.

Material de espionagem apreendido pela polícia do Rio de Janeiro,

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O desmonte da rede e a reação do ReichO depoimento de Engels encheu dezenas de páginas do inquérito instaurado pela

Polícia Política e Social. Depois de sua confissão, numa espécie de efeito dominó, vários outros membros da organização foram presos. O primeiro foi o ardiloso espião Ernest Ramuz, o principal radio telegrafista do grupo. Alertado por Engels de que se tratava de um homem de ação, que poderia reagir caso se sentisse encurralado, a polícia teve toda a cautela para entrar em seu esconderijo na rua do Couto 526, no bairro da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro. Acabou flagrando-o operando uma estação transmissora.

Surpreendido pelo reforçado aparato policial, Ramuz não teve tempo nem de mover-se. Interrogado, confessou que tinha um nome falso. O verdadeiro era Ernest Robert Matthes. Trocara a identidade na Renânia, passando a usar a de um parente morto. com o passaporte dele, entrou no Brasil. Tal como Engels, descobriu-se que Ramuz era um velho conspirador. Nazista fanático, havia participado de diversos motins na Renânia, sabotando ações francesas e digladiando-se com opositores da remilitarização daquele território retomado pelo Reich. Sem qualquer constrangimento, afirmou à polícia "que tinha sentimentos de um bom patriota alemão, e cumpria com muito prazer os seus deveres para com a sua pátria".1 Não foi de surpreender que nos porões da casa na Penha, construídos com engenhosidade por Ramuz, tenham sido descobertas duas 1 Inquérito do Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia Política e Social). Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Caixa 0757. Pasta 18.

potentes estações. Uma instalada e outra, receptora, muito sensível, guardada numa valise, que era transportada com facilidade. Era um esconderijo perfeito. Nenhum vizinho das redondezas desconfiaria que daquela modesta residência, cercada de árvores frutíferas, num bairro distante, poderiam estar partindo informações capazes de contribuir para o afundamento de navios brasileiros e aliados.

Ao montar guarda no local, a polícia acabou prendendo um outro membro da organização. Era Kurt Weigartner, que chegava à casa vigiada dirigindo um luxuoso carro de passeio. Logo se soube que ele atuava como tesoureiro e que tinha um escritório na rua Gonçalves Dias, no centro da capital federal. Lá, além de documentos, foi apreendida uma pasta guardada dentro de um cofre com 31 contos de réis, saldo para as despesas da célula.

Já em Santa Teresa, na rua Monte Alegre 172, foi encontrado um verdadeiro arsenal de radiotransmissores. Era a residência do alemão Friedrich Kempter, que também acabou preso. Assim como Engels, ele estava no Brasil desde 1923. Inicialmente, Kempter radicou-se em Pernambuco, onde se casou com uma brasileira, tendo com ela três filhos. Entre as muitas informações passadas ao Abwehr por Kempter, duas, especialmente, chamaram a atenção: uma eram as dimensões das redes de proteção contra torpedos instaladas em navios ingleses, e a outra, as tabelas do

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movimento das marés do litoral da Inglaterra - valiosíssimas no caso de um ataque pelo mar à Grã-Bretanha.

Além disso, em outubro de 1941, Kempter foi enviado à capital pernambucana para montar um serviço de observação. A presença militar norte-americana já então preocupava a Alemanha, e todos os navios aliados que faziam escala no porto da cidade passaram a ter os trajetos monitorados. Todo o material encontrado em poder de Kempter foi confiscado e, depois de fotografado, levado para a Delegacia Especial de Segurança Política e Social.

Praticamente numa tacada só, estava sendo derrubado o principal pilar da estrutura de espionagem e propaganda do Eixo. Tanto que, em suas declarações à imprensa, em 29 de maio de 1942, o secretário de Segurança, Eugênio Borges, e o delegado da Ordem Política e Social, Ramos de Freitas, responsáveis pelas diligências, garantiam que não res- 118 tava qualquer dúvida do significado daquelas prisões. Segundo eles, tanto Engels quanto Ramuz, Kurt e Kempter eram peças-chave da rede internacional de espionagem alemã, "que tinha centrais localizadas em cidades como Hamburgo, Bremen, Berlim e Colônia".

No Brasil, a partir desses quatro espiões, se desdobravam grupos autônomos, que agiam de acordo com a orientação do Estado-Maior da Alemanha. Eles, ainda segundo a polícia, mantinham as melhores relações na sociedade do Rio de Janeiro, "disfarçando suas atividades por meio de uma vida mundana". Para isso, como ficara comprovado, dispunham de recursos financeiros consideráveis.

Enfatizando a necessidade de a população denunciar qualquer suspeita de espionagem, os jornais da capital publicavam a declaração do interventor Ernani do Amaral Peixoto:

"A polícia do Rio há muito vinha acompanhando as atividades de elementos suspeitos, sem, no entanto, revelar qualquer notícia para não prejudicar suas diligências complementares. (...) Quero que a imprensa revele ao povo os perigos com que nos cerca a ação da quinta-coluna. Diversas estações de rádio foram apreendidas e vários elementos detidos. Isso vem provar que o Eixo tem agido dentro do Brasil e contra o Brasil. A Polícia Fluminense não descansará na defesa dos interesses nacionais e não se deterá diante de qualquer obstáculo."2 As prisões de Starziczny e Engels e a desarticulação de suas células foram um duro golpe na espionagem nazista na América do Sul.3 O clima era de consternação no círculo de oficiais alemães. O general Gunther von Niedenfuhr, adido militar alemão no Rio, através de um mensageiro, conseguiu enviar pela embaixada de Buenos Aires um recado para a sede do Abwehr, avisando da queda de Engels.

"Alfredo foi vítima do seu ofício. Por causa da falta de cuidado de seu auxiliar houve uma explosão em seu laboratório que o destruiu".4 2 O Jornal- 29 de maio de 1942.

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3 Terminada a guerra, pouco a pouco, todos os espiões foram sendo soltos. Houve uma espécie de anistia e muitos continuaram vivendo no país. Esse foi o caso de Engels, que se transformou, inclusive, em presidente da Telefunken do Brasil.

4 A Guerra Secreta de Hitler no Brasil. Stanley Hilton. Nova Fronteira, 1983. 119 Logo a informação foi repassada da Alemanha para todas as suas células da

América do Sul:"Estamos transmitindo às cegas. Tenham cuidado. Alfredo foi detido. Todas as

medidas de precaução devem ser tomadas. É de todo essencial que vocês se separem."5 A reação de Berlim vem, em forma de novas ameaças, através de um comunicado emitido pela rádio oficial alemã e divulgado pela Associated Press:

"Desde a ruptura das relações diplomáticas, ações anti-alemãs vêm sendo cometidas no Brasil. Torna-se agora cada vez mais evidente que os agentes de Roosevelt encontraram um campo particularmente propício para suas atividades. com todos os meios ao seu dispor incitam multidões para atos subversivos contra alemães e suas propriedades.

É profundamente lamentável que eles tenham encontrado instrumentos voluntários nos meios oficiais brasileiros, os quais, a serviço de Washington, estão cooperando na incitação sistemática contra os alemães (...) Essa camarilha de seguidores de Roosevelt é chefiada pelo antigo embaixador do Brasil em Washington, Oswaldo Aranha, atual ministro das Relações Exteriores, o qual, nessa capacidade, é o maior responsável pelas ações bárbaras contra os alemães (...) A atual onda irresponsável dos capatazes de Washington é tanto mais desprezível porque não está de acordo com os sentimentos reais do povo brasileiro, que sempre reconheceu os serviços prestados pelo povo alemão ao desenvolvimento cultural e econômico do Brasil. Hoje, esse povo curva-se diante dos métodos de terror dos seus governantes. Cada brasileiro, contudo, deve compreender que este terrorismo bárbaro (...) constitui uma violação a todos os conceitos de civilização e estará sujeito, um dia, a uma prestação de contas diante da história e do povo alemão." Para completar, o embaixador espanhol Serrano Suner, que representava os interesses alemães no Brasil, encaminhou ao Itamaraty a seguinte advertência germânica:

5 Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia Política e Social). Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Pasta 18. Caixa 0757.

120 "O governo do Reich está informado por fontes fidedignas que súditos alemães que vivem no Brasil estão sendo perseguidos, arbitrariamente encarcerados e indignamente tratados (...) As autoridades os obrigam a fazer declarações dia e noite sem deixar-lhes dormir nem comer. Eles são desnudados e torturados até que caiam desmaiados pela fadiga. Os alemães são deixados em colônias penais onde ficam reclusos em companhia de presidiários e fazem trabalhos forçados. Na casa correcional

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do Paraná estão presos cem alemães sem que lhes sejam dados motivos para a sua detenção (...) O governo do Reich exige que o governo do Brasil ponha um fim neste estado de coisas. Se ao governo alemão não chegar dentro de uma semana informes de que isso foi efetuado, serão adotadas medidas correspondentes contra súditos brasileiros."6 Oswaldo Aranha respondeu a Serrano Suner com polidez, mas sem deixar de transparecer sua indignação.

"Eu podia refutar de antemão as imputações do governo do Reich a respeito do tratamento de prisioneiros alemães nos estados mencionados, por serem elas contrárias à nossa índole, à nossa tradição, assim como também por saber que as mesmas não repousam sobre qualquer fundamento. Mas, apesar disso, mandei proceder um inquérito a esse respeito e terei muito prazer em levar ao conhecimento de Vossa Excelência o seu resultado. Ao mesmo tempo, porém, em que assumo esse compromisso, como uma deferência toda especial para com Vossa Excelência, desejo dizer-lhe que estou na firme intenção de deixar sem resposta o documento acima referido (...) Vossa Excelência desculpará a minha franqueza, mas um governo como o alemão, que tem procedido para com o Brasil contra princípios internacionais dos mais elementares, torpedeando seus navios e sacrificando vidas de brasileiros, não merece de nossa parte atenção e uma resposta a uma reclamação que ele perdeu o direito de fazer."7 Os alemães tiveram que engolir a seco a firme posição de Aranha. Como frisara o próprio Joseph Goebbels, ministro da Propaganda na- 6 Correspondência do embaixador Suner enviada a Oswaldo Aranha. Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 1480. Maço 33.482.

7 Correspondência de Oswaldo Aranha ao embaixador espanhol. Arqurvo Histórico do Itamaraty. Lata 1480. Maço 33.482.

121 zista, existiam, aproximadamente, seiscentos brasileiros vivendo no Reich, enquanto no Brasil eram 150 mil alemães.

"Nesse aspecto, a possibilidade de contra-ataque da nossa parte é mínima. Temos que ter cuidado",8 afirmou.

Seria, porém, ilusão imaginar um recuo definitivo da Alemanha. O troco ainda viria, e de forma avassaladora.

MENSAGENS DE ENGELS INTERCEPTADAS PELA POLÍCIA POLÍTICA 21 de janeiro de 1942 "De acordo com informações recebidas até agora devemos esperar depois da Conferência ruptura de relações, o fechamento de consulados e a chamada de adidos militares." Alfredo.

31 de janeiro de 1942 "Restrições de associações, fechamento de alguns clubes, reuniões proibidas, proibição de língua do Eixo em público. Favor fortalecer o mais rápido possível noticiário alemão em ondas curtas, acima de tudo notícias militares." Alfredo.

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23 de fevereiro de 1942 l "Torpedeamento do Buarguesem reações de publicidade por parte do governo. Não parece haver represálias tais como confisco de propriedade alemã." »- Alfredo.

26 de fevereiro de 1942 "Dois contratorpedeiros dos Estados Unidos amplamente avariados. Desde 12 de fevereiro estão sendo reparados em diques da Marinha. Navio inglês Pr/ncess partiu de Santos com 5 mil fardos de algodão e 2 mil toneladas de carne." Alfredo.

7 de março de 1942 "Partiram: navio americano Fe//x Taussig com destino a Baltimore, 5.300 minério. Bahia Lorcfcom munições e veículos a motor para Manaus. Queen Mary recebeu componentes de 1.500 toneladas de óleo." Alfredo.

9 de março de 1942 "Informações de que todos os contratorpedeiros brasileiros receberão aparelhamento para bombas de profundidade." Alfredo.

8 A Guerra Secreta de Hitler no Brasil. Stanley Hilton. Nova Fronteira, 1983. 123 Aos poucos, a vigilância dos navios brasileiros foi-se sofisticando, com a

aquisição de binóculos possantes e aparelhos de comunicação.

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Corsários atlânticos Com o desmantelamento praticamente completo das células em terra, restou a

espionagem no mar. Não faltavam indícios de que, ao longo de toda a guerra, navios espanhóis e argentinos ajudavam o Eixo nessa tarefa. Durante todo o período da neutralidade brasileira, diversas embarcações desses dois países abasteceram corsários em nosso litoral. Pelo menos foram identificadas: Japara, El Saturnino, Atlantis, Orion e Romolo. Em 17 de julho de 1943, o delegado da Capitania de Portos de São Francisco do Sul recebeu denúncia de que "um navio de dois mastros, chaminé grossa, a meia nau, foi visto, numa noite de lua cheia, abastecendo um grande submarino".1 Em seu depoimento depois do naufrágio, um tripulante do Cairu contou que o comandante José Moreira Pequeno tinha uma lista de barcos que poderiam estar envolvidos na rede de informação que revelava o trajeto dos navios mercantes brasileiros. Talvez para não levantar suspeitas, as tripulações desses barcos costumavam ser extremamente atenciosas quando recolhiam sobreviventes.

Sabia-se que diversos comandantes, oficiais e membros das tripulações de navios argentinos eram conhecidos nazistas. Nos mercantes Rio Tunuyan, Rio Colorado, Rio Grande e Rio Salado, segundo um comunicado do Estado-Maior da Armada ao comando naval da área, existiam vários deles. Houve um caso, em 1943, de um navio argentino que chegou a perseguir um comboio que singrava em águas brasileiras. Intrigado, o Capitão-de-Fragata Carlos Pena Boto, comandante do cruzador Rio Grande 1 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.

do Sul, que fazia parte da escolta, ordenou que se afastasse. Como isso não aconteceu, disparou um tiro de advertência e só assim foi obedecido. Esse episódio fez com que o Ministério da Marinha chegasse a enviar uma carta à presidência da República em 14 de julho de 1943, na qual se comprovava a desconfiança brasileira em relação ao seu vizinho de continente.

"Já há muito vem se observando uma atitude suspeita por parte dos navios mercantes argentinos (...) Sabe-se de um fato recente de um navio argentino que, seguindo a cauda de um comboio escoltado por navios de guerra brasileiros, sob o pretexto de indagar à estação de Olinda se tinha alguma comunicação que lhe fosse destinada, foi surpreendido irradiando suas coordenadas geográficas para o mar. A 3 do corrente foi avistado por um avião da FAB, próximo a Ponta do Campeche (SC), um outro navio argentino, Glorioso, que saíra de Paranaguá com uma embarcação a contrabordo; dali o navio seguiu para a enseada de Ganchos (SC), onde fundeou, sem a embarcação que deveria trazer. Seu comandante não concordou que o navio fosse revistado e logo depois deixou o porto. Agora, há poucos dias, o navio argentino Rio Pampana seguiu um comboio de nossa responsabilidade durante 24 horas; afastado dele por determinação do comandante do comboio, que lhe prescreveu um rumo diferente durante três horas, foi novamente visto nas proximidades do comboio, na manhã do dia

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seguinte (...) O ardil de que lançam mão tais navios denuncia a posição do comboio que eles seguem e observam, dando, às vezes, seu consumo de combustível em 24 horas, sua força de máquinas etc., tudo acompanhado da posição no mar. É muito difícil admitir que haja boa-fé por parte dos comandantes desses navios, mas, mesmo que isso se dê, a aproximação deles aos nossos comboios presta-se a serviços de espionagem por parte de outros tripulantes, como os telegrafistas, cujas irradiações não podem ser controladas por completo pelas autoridades a bordo, como já se tem verificado, principalmente em navios de nacionalidade espanhola. A freqüência de ataques de navios em nossa costa, ultimamente, e mesmo os ataques a comboios estão nos obrigando a encarar de frente a questão, com prudência e energia necessárias."2 2 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.

A partir dessa correspondência foi encaminhada, através do Ministério das Relações Exteriores, uma reclamação governamental sem que, nem assim, cessassem definitivamente incidentes dessa natureza. Até o fim da guerra, continuaram os episódios de navios mercantes argentinos enviando mensagens sobre a localização dos comboios. Esses comboios, geralmente, eram compostos por cinqüenta mercantes, agrupados em dez colunas espaçadas em cerca de 900 metros. Em cada coluna os navios guardavam 450 metros de distância. Assim, o trem apresentava uma frente de 8 quilômetros e uma profundidade de quase 3 quilômetros. Em torno desse retângulo de navios estendia-se a cobertura circular anti-submarina, a área de proteção aérea e de artilharia até o alcance visual. As rotas podiam ser mudadas se o comandante da escolta (comodoro) percebesse qualquer ameaça ao longo do percurso estabelecido.

Isso não impedia que as informações recebidas por navios espiões fossem muito bem aproveitadas pelos submarinos do Eixo. com elas em mãos, os comandantes dos U-boats adotavam a estratégia de seguir suas "presas" até que encontrassem a posição ideal para um ataque sem margem de erro. Havia a preocupação de evitar desperdício de torpedos e, geralmente, sendo fiel a essa tática, o ataque era fatal. Era um "jogo" que exigia paciência máxima. As perseguições podiam durar até cinqüenta horas.

E provável que pelo menos o Buarque tenha sido vítima desse tipo de abordagem, pois seu comandante, João Joaquim de Moura, relatou ter avistado seu algoz horas antes do torpedeamento.

Basicamente, eram dois os modelos de submarinos usados pelos alemães. O tipo VII, quando imerso, alcançava velocidade de 8 nós. Na superfície, navegava bem mais rápido: 17,2 nós. O seu raio de ação era de aproximadamente 8.700 milhas e deslocava cerca de 500 toneladas de água. Era armado com um canhão de 88 mm, uma metralhadora de 20 mm e cinco tubos de torpedos, que permitiam que fossem lançados de 112 a 18 torpedos. Já os submarinos tipo IX possuíam um poder de destruição maior: levavam um canhão de 105 mm, outro de 37 mm e uma metralhadora de 20 mm. Possuíam ainda seis tubos de torpedos, que davam de 15 a vinte tiros. Imersos, viajavam

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a 7,3 nós, e na superfície a 18,2 nós. O raio de ação também era maior: 13.450 milhas. Podiam deslocar 740 toneladas de água.

127 com o decorrer da guerra, a organização de comboios, sempre guardados por maciça proteção anti-submarina e cobertura aérea, acabaria por reduzir consideravelmente as perdas aliadas no mar. Mas os alemães eram extremamente criativos. Passaram, então, a fazer seus ataques apenas nos trechos centrais das rotas transatlânticas.

Nesse caso, não existia uma proteção tão eficaz dos aviões por causa da ausência de navios-aeródromos. com isso, os comboios eram assaltados pelas chamadas Matilhas de Lobos (Wolf Packs), compostas por vários submarinos, que se atreviam a ponto de emergir em meio aos comboios para usar sua artilharia.

Todas essas ações eram minuciosamente estudadas por Dõnitz no QG de Lorient. A partir do momento em que recebia de algum submarino a informação de que um comboio fora avistado, ele imediatamente transmitia às diversas unidades em operação na área a ordem para que se reunissem. O ataque, então, se dava simultaneamente e de várias direções, dificultando a defesa dos navios. A ação era extremamente predatória e raramente deixava de ter um saldo positivo para os alemães. Foi o caso de um ataque em 30 de novembro de 1942, quando a matiIha Veilchen, composta de 15 submarinos, avançou sobre o comboio SC-107, que viajava do Canadá em direção à Inglaterra.

Foram vários dias de intensas batalhas. Quinze embarcações aliadas acabaram sendo afundadas.

Foi uma época de ouro dos grandes ases da frota submarina alemã, entre os quais se sobressaía o comandante Otto Kretschmer. Ao deixar de lado as táticas tradicionais, ele foi o primeiro comandante a atacar comboios à noite. Navegando na superfície, disparava seus torpedos a poucos metros do alvo. Sua eficiência vinha do lema que estabelecia para sua estratégia de guerra: "Um torpedo, um barco."3 Vaidoso, como toda a cúpula militar do Reich, Dõnitz apostava todas as suas fichas nesse jogo. Queria provar a Hitler que o tipo de guerra que punha em prática era o mais eficiente. Isso tinha muito a ver com a disputa interna entre a Força Aérea, de Hermann Gõring, e a Marinha, do comandante Erich Raeder, que abrigava um comando geral e o seu subordinado, o comandante da frota dos submarinos, no caso Dõnitz.

O desempenho dos submarinos dava a Dõnitz um grande prestígio junto ao Führer,4 que, mesmo sem nunca ter fornecido todos os recursos solicitados para uma ofensiva ainda mais bem-sucedida - sua obsessão era a campanha no leste europeu -, vibrava com os lances espetaculares que ocasionavam o afundamento de centenas de navios aliados. Isso acabava por ser um excelente material de propaganda interna, ajudando a justificar o esforço de guerra perante o povo alemão e elevando a auto-estima das tropas.

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Dõnitz tratava com grande apreço seus comandados, indo, muitas vezes, recebê-los pessoalmente em suas bases quando retornavam de suas missões. Os submarinos eram recepcionados com vivas, entrando imediatamente em rigorosa inspeção. Os tripulantes iam para suas casas em folgas de até 28 dias. com os comandantes, os mimos eram maiores. Eram convidados especiais para jantares com Dõnitz, em traje de gala. Nessas ocasiões, reverenciados, narravam para uma platéia boquiaberta suas façanhas pelos mares. Não seria difícil imaginar alguns dos trágicos afundamentos de navios brasileiros sendo descritos nessas reuniões.

' Coleção "A Segunda Guerra Mundial". Codex, 1966. Esse prestígio perdurou até o fim da guerra. Em 1943, Donitz acabou

substitumdo RaedtcoL ConLdante-chefe da Mannha Alem, Em seu ultimo ato, Httler o nomeou seu sucesso, Depois de trabalhar pela rendição da Alemanha, fb, preso por tropa, bntamcas, em 23 de maio de 1945. Em Nuremberg, D5nitZ negou saber do exterm mo dos judeus dos judeus e das barbaridades cometidas pela SS. "Sou um homem do mar, não sou político. Era apenas um Capitão-de-Corveta quando a guerra começou. Até 1942, mal conhecia Hitler Não participei de brutalidades e ações criminosas. Só aceitei a designação de suceder Hitler para apelar pela paz e tratar da rendição. Minha consciência está tranqüila, afirmou.

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A guerra anti-submarinaNavio brasileiro bem equipado para se proteger dos ataques de submarinos Era

primavera de 1942 e um submarino do Eixo repousava nas águas serenas do Oceano Atlântico. Havia acabado de atacar um comboio aliado e recarregava suas baterias antes de partir para uma nova operação. Repentinamente, ouviu-se o grito do vigia na torreta:

- Barco à vista!- Submergir! - ordenou o comandante.Imediatamente, as escotilhas foram fechadas e o submarino mergulhou. O mais

rápido que pôde, o comandante tirou seu gorro e pregou o olho no periscópio. Em poucos segundos, o pequeno ponto avistado no horizonte pelo vigia foi ganhando forma. Eram três contratorpedeiros aliados avançando celeremente e abrindo em leque a formação.

Possivelmente, também haviam percebido a presença do submarino.Diante do confronto inevitável, duas alternativas se apresentavam: travar batalha

ou bater em retirada. Mas não houve tanto tempo para pensar. com as belonaves nos calcanhares, eram remotas as chances de fuga. Resoluto, o comandante optou pelo ataque.

- Leme a bombordo! Força máxima!... Toda velocidade!O primeiro disparo seria no destróier do meio. Quem sabe, com a explosão, como

ainda estavam muito próximos, os outros não acabariam também afetados?- Prontidão, torpedo um!... - E logo depois: - Proa, disparar! Fogo!Tiro certeiro. O navio do centro, mortalmente atingido, voou pelos ares. O

impacto fez o próprio submarino sacudir violentamente. O comandante voltou ao periscópio e constatou que um dos destróieres vinha em linha reta contra ele. Já o outro se aproximava lateralmente.

- Toda velocidade! Torpedo dois! - Segurando a ordem de fogo, ele aguardou que a nave de guerra se aproximasse ainda mais. A expectativa era tremenda. Se naquele momento explodissem as cargas de profundidade, todos estariam perdidos. Mas, provavelmente, também o comandante do destróier queria chegar mais perto. Sem mais esperar, bradou o comandante alemão:

- Fogo!O torpedo pegou na popa da nave aliada. Em seguida, sem se arriscar mais, o

submarino refugiou-se no fundo do mar. Já o destróier, com uma densa fumaça saindo de sua estrutura abalada, tinha a marcha cada vez mais lenta. O terceiro navio o acompanhava, prestando os primeiros socorros. Enquanto isso, o submarino permaneceu

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mergulhado por algumas horas até que o comandante ordenasse a emersão. Encontraram o mar novamente sereno, sob um céu especialmente azul. A visibilidade era excelente.

Logo uma outra missão os esperava.1 Desde a época da Primeira Guerra Mundial, americanos e ingleses já dominavam uma tecnologia que seria desenvolvida e colocada em prática na Segunda Guerra, fazendo com que os submarinos do Eixo pouco a pouco perdessem sua eficiência. Os avanços eram espetaculares e interferiram diretamente para que o famoso gráfico colocado na parede de um dos escritórios localizados no Arco do Almirantado, em Londres, fosse, no decorrer da guerra, alterado radicalmente em sua tendência inicial. Lado a lado, em azul, estavam as perdas trimestrais de navios mercantes aliados, em milhares de toneladas, e, em vermelho, as dos submergíveis alemães. Durante a primeira metade do conflito, as colunas azuis cresciam assustadoramente, enquanto que as insignificantes colunas vermelhas apenas muito timidamente se moviam.

Foi entre março e junho de 1943 que esse quadro começou a se inverter por completo. A coluna em vermelho passou a avançar rapidamente para o alto do gráfico, enquanto que a coluna em azul se reduzia cada vez mais, até, por fim, sumir inteiramente. Isso foi resultado de um trabalho febril, envolvendo os mais renomados engenheiros e cientistas 1 Texto baseado em episódio contido na coleção "A Segunda Guerra Mundial". Codex, 1966.

aliados, para conter os efeitos da violenta campanha submarina que minava o inimigo através da interrupção do seu tráfego marítimo:

"O perigo mortal que ameaçava nossas linhas vitais de abastecimento corroía minhas entranhas", confessou Churchill em suas memórias, reconhecendo que as perdas de embarcações "chegaram a estar assustadoramente acima das novas construções".2 Foram várias as descobertas que gradualmente criaram condições para que os aliados reagissem. O ponto de partida foi um aparelho de escuta (o sonar), usado ainda na Primeira Guerra, que indicava a direção do ruído produzido pelo movimento das hélices dos submarinos e estimava a distância em que se encontravam. Mas ele se tornava inoperante caso os submarinos desligassem suas máquinas. Diante da agressividade da guerra submarina, era preciso avançar tecnologicamente.

com base num aparelho chamado ecobatímetro, usado em sondagens, foi desenvolvido, então, um sonar que identificava a presença de submarinos mesmo quando suas hélices estavam paradas. Se os seus pulsos sonoros encontrassem um objeto pela frente, parte de sua energia voltava na forma de um eco que permitia, inclusive, o cálculo da distância em que se encontrava esse objeto. O aparelho foi batizado com a sigla do órgão inglês que realizou as pesquisas para sua invenção: ASDIC (Anti-Submarine Detection Investigation Comission).

Levado aos Estados Unidos, o ASDIC foi aperfeiçoado a ponto de identificar o tipo de obstáculo detectado. Passou-se então a distinguir um objeto sólido de um

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cardume de peixes com seus movimentos rápidos e imprevisíveis. Era um equipamento relativamente simples, que podia ser instalado junto à quilha do navio. O emissor e o receptor ficavam lado a lado, o primeiro lançando pulsos sonoros e o outro captando os ecos que poderiam indicar a presença de um submarino. De modo geral, tinha um raio de ação de 1.800 a 3.200 metros.

Os radares também foram incrivelmente aperfeiçoados durante a guerra. com eles, passou-se a determinar a posição de um alvo não submerso, a despeito de fatores como pouca iluminação ou nevoeiro. Os comandantes alemães já não tinham tanta tranqüilidade nas viagens longas pela superfície, quando podiam imprimir maior velocidade aos submarinos.

Memórias da Segunda Guerra Mundial. Volume I. Winston S. Churchill. Nova Fronteira, 2005.

133 Vir à tona para recarregar as baterias era outro problema, contornado pela utilização de um tubo - o snorkel - que levava o ar para o submarino submerso a 20 metros.

Entretanto, os radares evoluíram a ponto de detectar aquele pequeno tubo que saía apenas meio metro para fora d'água.

A engenhosidade dos cientistas aliados parecia não ter limites. Eles criaram também um aparelho capaz de localizar os submarinos pelos sinais das suas próprias emissões de rádio. O sistema foi guardado a sete chaves e, mesmo que os alemães tenham desconfiado da existência dele, nunca deixaram de se comunicar através do rádio. Aos poucos, o cerco aos U-boats do Reich se fechava.

Mas de nada adiantariam todas essas formas de detecção se não fossem fabricadas armas eficientes. As bombas de profundidade tiveram bastante eficácia. Eram constituídas de recipientes cilíndricos carregados de trotil, uma substância de alto poder destrutivo. Perto do fim da guerra, foram substituídas por bombas que mergulhavam com mais rapidez e que tinham um tipo de explosivo, o torpex, ainda mais potente. Elas atingiam os submarinos ao explodir a uma distância de até 11 metros. Para lançá-las, eram usadas calhas na popa do navio. Para evitar que o próprio casco fosse atingido, os navios precisavam estar em movimento, desenvolvendo velocidade mínima de 15 nós.

O exato instante do ataque a um submarino era determinado pela variação do ruído do pingue do sonar. Quando sua cadência se modificava, era o sinal para que toda a tripulação ficasse alerta. Soava então uma buzina forte que chamava todos aos postos de combate. O operador do sonar buscava localizar o alvo se guiando através do som do eco, sendo auxiliado por quem estivesse guarnecendo o registrador de distâncias. com o alvo a 500 ou 600 metros "já se havia fixado o padrão de lançamento das bombas".3 O efeito da explosão de uma bomba de profundidade era devastador. Além do estremecimento violento do submarino, que forçava os homens a se agarrarem aonde pudessem para não serem jogados para longe, áreas vitais como a sala de controle, as

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galerias e a casa de máqui- 3 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.

nas eram alagadas imediatamente. Os tanques começavam a vazar, as válvulas e parafusos a se soltar e os compressores a se deslocar. As baterias pifavam e as bombas dos motores paravam de funcionar. Os técnicos da tripulação entravam em cena, iniciando uma angustiante corrida contra o tempo para fazer os consertos.

Para evitar que a água tomasse conta de tudo, não havia outro jeito senão tentar voltar à superfície. Um risco inevitável, pois, nesse caso, os navios-escolta ficavam à espreita e empregavam a artilharia, visando preferencialmente os canhões e a torreta de comando. O ataque podia chegar até a colisão, com o navio subindo no convés do submarino. Muitas vezes, acontecia aí o confronto homem a homem com o uso de armas portáteis, como num combate naval de tempos passados.

Existiam alguns truques para escapar do cerco de um caça-submarino, que logo foram descobertos. Muitas vezes, quando o submarino era atacado - mesmo não sendo atingido -, a tripulação liberava propositalmente grandes quantidades de óleo queimado, pedaços de madeira e até uniformes velhos. com a imagem de uma mancha no mar, e destroços boiando à sua volta, procurava-se passar a impressão de que o submarino fora seriamente alvejado. Quando o caça-submarino se afastava, pensando que o oponente estava no fundo do mar, o submergível fugia.

com o grande raio de ação e excelentes condições de visibilidade, os aviões também foram armas poderosas nessa guerra. Equipados com radares que foram sendo aperfeiçoados ao longo do conflito, tinham ainda metralhadoras, bombas comuns e de profundidade. Os tipos de aviões usados pela Marinha dos Estados Unidos, no período, foram o Hudson (OS 2 U), o Vega Ventura (PV/1), o Catalina (PBY-5A), o Harpon (PV/2) e o Mariner (PBM). com exceção deste último, a Força Aérea Brasileira utilizou todos esses aviões e mais o Vultee D-11.

Uma das tarefas mais importantes desses aviões era a de proteger os comboios. As perdas navais aliadas ainda eram grandes até que, em maio de 1943, uma descoberta do cientista inglês John Sayers foi colocada em prática. Era um radar bem compacto, ideal para ser instalado em aeronaves. Bem equipados, os aviões executavam planos de cobertura que se estendiam por longas distâncias, dentro da rota seguida pela fileira 134 135 de navios. Os aparelhos avançavam em pernadas de uma a duas horas de ida e volta, e sobrevoavam continuamente a área do comboio. Era um trabalho vital para que não houvesse risco de um ataque surpresa.

Quando um submarino era avistado, a ofensiva era imediata. Se ele tentasse escapar pela superfície, os aviões usavam metralhadoras e bornbas comuns. Se mergulhasse, lançavam mão das bombas de profundidade. Nesse caso, a posição de submersão era marcada com sinais de fumaça e a coordenada do local transmitida tanto

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para outras unidades aéreas quanto para os caça-submarinos, que com seus sonares procuravam localizá-lo.

Apesar de uma teórica vantagem por atacarem do alto e agirem em alta velocidade, os pilotos eram orientados a estar constantemente alertas a aspectos que poderiam diminuir a eficácia de suas ações. Sabia-se que os submarinos alemães eram guarnecidos por um oficial e três vigias muito bem treinados e de posse de potentes binóculos.

Da torreta do submarino, dividiam-se para observar os vários pontos do horizonte. Sem contar que muitos U-boats também possuíam radares. Geralmente, estando emersos, eles percebiam a aproximação de um avião de patrulha antes ou, no máximo, ao mesmo tempo em que eram vistos. As exceções eram quando o avião voava na frente do sol ou quando a lua se colocava atrás do submarino marcando a sua silhueta.

Um problema a ser combatido nas campanhas aéreas era a monotonia que a vigilância de muitas horas provocava. Para que não houvesse distrações, muitas vezes fatais, os homens com essa incumbência deveriam ser rendidos em intervalos razoáveis e distribuídos por setores fixos de procura, sempre portando binóculos de boa qualidade.

O cansaço e equipamentos inadequados eram os maiores inimigos de uma boa vigilância.

Os navios-aeródromos (porta-aviões) também tiveram importante papel na caçada aos submarinos, pois, estacionados longe da costa, permitiam que os aviões chegassem a pontos mais distantes do oceano. Os ingleses chegaram a instalar catapultas em embarcações mercantes. Mais comum em navios de guerra, era um engenho que auxiliava os aviões a levantar vôo numa distância curta. Constituía-se em um trilho montado numa plataforma especial, sobre o qual eles ganhavam rapidamente impulso até decolar.

Em alguns casos de emergência, não havendo pos- 136 sibilidade de voltar às suas bases, as aeronaves chegavam a amerissar ao lado dos navios, que recolhiam os pilotos.

Foram estratégias que fizeram uma grande diferença no combate aos U-boats do Eixo. Foi uma reação necessária aos estragos provocados por essa modalidade de guerra, largamente utilizada pelos alemães. Basta dizer que os Aliados tiveram 2.603 navios mercantes afundados (1.160 só em 1942) e 175 aviões abatidos, principalmente até 1943, quando se sofisticaram os mecanismos de defesa. No total, foram perdidos 13,5 milhões de toneladas de cargas e 40 mil marinheiros morreram. No início de 1945, uma nova geração de submarinos já estava sendo lançada ao mar. Eram aparelhos bem mais modernos e ágeis, capazes de disparar um torpedo estando até 45 metros submersos. Mesmo mergulhados, navegavam em velocidade igual à de um barco de escolta. Tinham mais autonomia e ainda possuíam um tubo, pelo qual respiravam enquanto carregavam suas baterias, o que eliminava a possibilidade de serem avistados por aviões. Já estava

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também nas pranchetas dos engenheiros alemães o projeto de construção dos chamados submarinos "Walter", do tipo XXVI, dotados de turbinas acionadas a peróxido de hidrogênio, que, com seus 25 nós de velocidade em imersão, poderiam, se desenvolvidos, dar uma reviravolta na guerra submarina.

Não foi por acaso que Churchill, em suas memórias, confessou o quanto receava a campanha submarina do Reich. Para ele, os U-boats de Donitz foram a maior ameaça à vitória dos Aliados. Segundo o primeiroministro inglês, o plano de retomada da Europa, em 1944, que necessitou de constante suprimento de material bélico, normalmente trazido pelos navios, jamais seria concretizado se os submarinos já não estivessem, pelo menos em sua maior parte, varridos das águas do Atlântico.

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Tiros de maio

Os últimos acontecimentos demonstravam que tudo o que acontecia no mar de uma forma ou de outra tinha reflexos na rotina do país. Aquele 1 de maio de 1942 foi mais uma prova disso. No tradicional discurso do Dia do Trabalho, Vargas falaria ao povo exatamente sobre as ameaças que os ventos atlânticos há muito sopravam. Era mais uma oportunidade de o presidente exercitar a retórica populista que sedimentava muito do seu poder. Dessa vez, porém, nem isso, pelo menos pessoalmente, Vargas pôde fazer. Um acidente de carro o obrigaria a uma longa convalescença.

Sem batedores acompanhando sua comitiva, Getúlio Vargas voltava do Palácio Rio Negro, em Petrópolis, na véspera das comemorações marcadas para o estádio de São Januário.

Era uma quinta-feira ensolarada, de temperatura agradável na capital federal. Nada sugeria um contratempo. O carro que levava o presidente avançava pela Praia do Flamengo, a cerca de 2 quilômetros do Palácio Guanabara. No cruzamento com a rua Silveira Martins, sobreveio o inesperado. Ao ouvir a buzina do Cadillac presidencial, o inspetor de trânsito, repentinamente, interrompeu a passagem dos veículos que cruzavam a avenida Beira-Mar. Um deles acabou ficando atravessado na pista. Para impedir a colisão, o chofer de Vargas desviou, mas bateu, com força, num poste de sinalização, que foi derrubado.

Em poucos minutos, o local estava cercado de curiosos, que se impressionavam com a violência do impacto. Retirado do automóvel com diversas escoriações e dificuldade para andar, Vargas foi levado ao hospital num outro carro da comitiva. O trauma maior fora na perna direita. Segundo o Correio da Manhã, a radiografia identificou "uma violenta lesão na região coxo-femoral, sem sinais aparentes de fratura". Novos exames, entretanto, revelaram fraturas sérias, em três lugares: na perna, na mão e também no "ramo ascendente esquerdo do maxilar inferior do presidente".

"As lesões não oferecem gravidade, mas impõem repouso, no leito. Dentro de alguns dias, o presidente voltará à atividade administrativa no Palácio Guanabara com os ministros de Estado e seus auxiliares imediatos. Condições que lhe permitam locomover-se normalmente exigem, porém, prazo mais prolongado", dizia o otimista boletim médico.

Na verdade, foram necessários três meses para que Vargas se recuperasse plenamente - período em que se acirrariam os embates entre os protagonistas da luta pelo poder dentro do governo e que trariam momentos de depressão para o presidente. O discurso que Vargas faria no campo do Vasco foi lido, perante um público de 40 mil pessoas, por Marcondes Filho, ministro do Trabalho. Embora houvesse mais de um mês sem qualquer registro de ataque de submarinos a navios brasileiros, a mensagem de

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Vargas estava carregada de preocupações com relação à guerra. E, como se provaria posteriormente, não sem razão:

"(...) Escolhi exatamente o Dia do Trabalho para fixar a nossa exata posição em face aos acontecimentos mundiais e indicar o rumo a seguir no interesse de defesa e progresso nacionais. Jornais e rádios europeus acusam-nos de fazer guerra privada aos países do Eixo (...) submetendo-lhes os súditos à restrição de liberdade.

E rematam tais alegações, feitas evidentemente de má-fé, com alusões e ameaças a um futuro ajuste de contas. A nossa declaração de solidariedade ao povo norte-americano, a quem nos liga secular amizade, e a conseqüente ruptura de relações diplomáticas com os países que o arrastaram à guerra eram um imperativo de obrigações solenemente assumidas em tratados e convênios e da aplicação de princípios de unidade política continental. Porém, ao definirmos esta atitude timbramos em exprimir o decidido propósito de continuar em paz com todo o mundo, ressalvada a hipótese de sermos agredidos." "Apesar de tão leal e compreensível procedimento, ao navegarem em rotas livres e distantes das zonas de bloqueio, foram postos a pique vapores nacionais (...) com o sacrifício de bens e vidas brasileiras. Ao ataque de mar sucederam-se, fronteiras adentro, tentativas de articulações com intenções subversivas e positivaram-se atividades de espionagem exercidas por indivíduos a soldo das nações que nos acusam. A violência e à felonia respondemos por forma bem diversa da usada alhures. Não houve confiscos, nem fuzilamentos. Apenas (...) fizemos recolher a uma ilha florida na Baía de Guanabara os agentes secretos que ameaçavam a nossa segurança. Equivocam-se, portanto, os que nos imputam atos de guerra. A nossa campanha, desde muito encetada, é outra, e aqui estou para concitar-vos a ampliá-la, aumentando-lhe o ritmo e a extensão." "No momento, nossa tarefa nas lavouras, nas manufaturas, nas minas e estaleiros, é preencher os claros da importação e fabricar em quantidades exportáveis o que apenas bastava para o consumo interno. A palavra de ordem a que devemos obedecer é produzir. Nem os brasileiros, nem as nações vizinhas e amigas devem sofrer restrições da guerra e da carência dos transportes (...) que constituem, aliás, ponto fundamental de nossa campanha. Se foram nas rotas marítimas que primeiro se fizeram sentir as hostilidades contra nós, aí devemos atuar com mais rigor (...) São o heroísmo e o denodo de nosso marinheiro que garantem a vida brasileira através dos caminhos atlânticos."1 Por uma impressionante coincidência, em 1a de maio, no mesmo momento em que Vargas, através do seu ministro do Trabalho, chamava a atenção para a importância das rotas marítimas, depois de exatos 53 dias de calmaria nos mares (desde o afundamento do Cairu em 8 de março), o Parnaíba, do Capitão-de-Longo-Curso Raul Francisco Diégoli, era torpedeado pelo U-162, do comandante Jürgen Wattenberg.2 Um dos maiores mercantes do país, construído em Flensburger, na Alemanha - fora confiscado à época da Primeira Guerra -, o vapor do Lloyd Brasileiro singrava as águas claras do Mar do Caribe em direção a Nova Correio da Manhã - 3 de maio de 1942.

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2 Pouco mais de quatro meses depois de atacar o Parnaíba, o [7-762 seria destruído. O seu afundamento aconteceu, no Mar do Caribe, próximo a Trinidad, em 9 de setembro de 1942. O submarino nazista foi atingido por cargas de profundidade lançadas pelos con- tratorpedeiros britânicos HMS Vimy, HMS Pathfinder e HMS Quentin. Quarenta e nove membros da tripulação sobreviveram. Dois morreram.

141 York com os porões abarrotados: eram 40.950 sacas de café, 30 mil de cacau, 27.155 de farelo, 25 mil fardos de couro, 17.585 de mamona e 15.108 de cargas diversas - um total de 155.739 volumes. O Parnaíba deixara o Rio de Janeiro, onde era registrado na Capitania dos Portos com o número 17, no dia 5 de abril; e de Recife saíra em 24 de abril. Havia, portanto, uma semana que navegava desde a capital pernambucana.

Como era feriado, vários tripulantes estavam de folga. Enquanto alguns descansavam tranqüilamente no passadiço, outros, aproveitando a leve brisa que soprava, pegavam um pouco de sol na popa. Nada sugeria um ataque, pois, até então, não havia qualquer indício de que o navio estivesse sendo seguido. Além disso, a vigilância de três marinheiros armados com um canhão era constante. Por volta das 15h, no entanto, enquanto trocava de roupa em seu camarote, o comandante Diégoli ouviu um estrondoso baque no costado do navio. Saiu assustado e dirigiu-se, imediatamente, ao passadiço, onde foi informado de que o navio fora torpedeado à meia-nau por um submarino submerso, o que fez abrir um rombo na praça de máquinas. E pior: chegava a notícia de que todos os homens que lá estavam de serviço haviam morrido instantaneamente.

Eram eles o 3Q maquinista, o cabo foguista, dois foguistas e dois carvoeiros.com o navio paralisado, o comandante ordenou que os tripulantes descessem para

três baleeiras disponíveis - uma quarta, com a explosão, foi arremessada pelos ares.Em meio à densa fumaça negra que envolvia o barco, Diégoli ainda voltou ao seu

camarote para tentar resgatar alguns documentos. Foi quando um segundo torpedo atingiu o Parnaíba. Sem perder mais tempo, o comandante deixou seus aposentos e jogou-se na água, embarcando em seguida na última baleeira baixada. Antes disso, ainda emitiu o pedido de socorro, o que pode ter irritado os agressores. Em seguida, eles utilizaram um canhão para castigar ainda mais o vapor.

Pelas características do ataque, tudo indicava que o comandante Wattenberg tivesse o objetivo de explodir o navio até antes que os tripulantes pudessem se salvar.

Isso porque, além de o torpedeamento ter sido feito sem aviso prévio, a mira fora feita contra a praça de caldeiras. Já a bordo de uma das baleeiras, o comandante do Parnaíba comentava que "a providência fez com que o projétil desviasse três metros, indo atingir a casa de máquinas. Se não fosse por esse milagre, não ficaria ninguém para contar o trágico fim do navio".

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Como se não bastasse o afundamento do vapor, uma terrível tragédia seria presenciada pelos tripulantes. Tendo se demorado dentro da embarcação, um dos radiotelegrafistas foi obrigado a mergulhar no mar para alcançar uma das baleeiras. Além de nadar bem, ele ainda vestia um colete salva-vidas, o que fez com que chegasse rapidamente à baleeira. Mas quando levou o braço à borda, surgiu um enorme tubarão que o puxou para o fundo d'água. A cena foi rápida e ele não foi mais visto, deixando seus companheiros em estado de choque. Antes que estivessem recuperados, os homens do Parnaíba ainda assistiram ao lançamento de mais dois torpedos contra o navio, cujo costado parecia desafiar seus agressores. Só foi submergir totalmente três horas depois, quando a noite se aproximava.

Ao sabor das ondas, os náufragos viram o tempo mudar repentinamente. O vento passou a soprar forte e grandes vagas pareciam querer tragar as baleeiras. Pela posição em que estavam quando o navio foi torpedeado, o comandante traçou um rumo para os três barcos. A idéia era chegar em terra em no máximo uma semana. Depois de uma madrugada de intensas agruras, com uma chuva constante alagando as baleeiras, ao amanhecer, surgiu um alento: era um hidroavião de guerra norte-americano, que, corajosamente, amerissou sobre o mar encrespado para oferecer água e mantimentos aos náufragos.

com muita dificuldade, o aparelho alçou vôo novamente. Uma hora mais tarde, o mesmo hidroavião estava de volta e, sobrevoando as baleeiras, passou a lançar pára-quedas luminosos sobre elas, até que, meia hora mais tarde, guiado por esses pontos de referência, surgiu o navio espanhol Cabo Hornos. Trazidos a bordo, os homens de duas baleeiras do Parnaíba tiveram calorosa recepção dos náufragos do Montevidéu, que também fora torpedeado.3 O cargueiro canadense Turret Cup acabou resgatando o terceiro barco. Todos foram deixados em Georgetown, principal cidade da Guiana. De um total de 72 tripulantes, sete morreram.

3 Baseado na entrevista do comandante Raul Diégoli, publicada no Diário Carioca em 14 de maio de 1942.

143 O afundamento do Parnaíba mostrou que a campanha de submarinos do Eixo no Atlântico não cessara. Muito pelo contrário. Na verdade, estava ganhando fôlego novo para chegar, brevemente, mais perto de águas brasileiras. O acidente automobilístico, a perda de outro navio... Foi um 1a de maio que Vargas, se pudesse, esqueceria.

Por outro lado, o presidente pôde finalmente comemorar a aprovação dos termos do Convênio Político-Militar entre os Estados Unidos e o Brasil. Embora desde meados de junho de 1941 a cooperação militar entre os dois países tivesse sido implementada (com a chegada ao Brasil da Task Force 3, uma unidade de navios de guerra comandada pelo almirante Jonas Ingram, e a utilização dos portos de Recife e Salvador por forças norte-americanas), dessa vez algo de mais concreto estava sendo selado. Era o

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reconhecimento formal dos Estados Unidos de que o Brasil teria a primazia no continente sul-americano.

Para tanto, foram criadas duas comissões técnico-militares, uma em cada país, que ficariam encarregadas da elaboração de planos minuciosos e de estabelecer acordos entre os Estados-Maiores necessários à defesa mútua. A princípio, o emprego das forças brasileiras ocorreria apenas dentro do seu próprio território, mas, em situações de emergência, mediante decisão do governo brasileiro, elas poderiam ser destacadas para outros pontos do continente (essa atuação acabou se ampliando com a criação da FEB e o envio de um contingente de 25 mil homens para combater na campanha da Itália, em 1944).

No caso de um ataque ao território nacional por exércitos extracontinentais, os Estados Unidos dariam o auxílio necessário para a defesa do Brasil. Em quaisquer outras situações, as Forças-Armadas norteamericanas só poderiam ficar estacionadas em terras brasileiras quando previamente autorizadas. O governo brasileiro também teria autonomia para decidir se os norte-americanos poderiam ou não construir depósitos e instalações.

Entre as principais obrigações brasileiras estava a intensificação do serviço de saneamento nas prováveis zonas de operações e o fomento e a ampliação de suas indústrias agrícolas, fabris e extrativas de modo a fornecer aos Estados Unidos prioritariamente matérias-primas e produtos que fossem julgados indispensáveis em tempos de guerra. Já os nor- 144 te-americanos facilitariam imediatamente a aquisição do material bélico já requisitado para que fossem completadas as formações de defesa do Brasil. Seriam também disponibilizados os materiais indispensáveis para o desenvolvimento de suas indústrias militares e das redes ferro-rodoviárias em regiões estratégicas.

Nada disso, porém, impedia que aqui e ali o Brasil saísse ferido. Uma grande guerra estava em curso e não faltariam estilhaços atingindo quem já se envolvera mais do que a rala tolerância nazi-fascista admitia.

145 O presidente Vargas, recém-adoentado, recebe a VISIta de estudantes

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O simbolismo do Comandante Lira O acidente de Getúlio Vargas era muito bem capitalizado pelo DIP. Chegaram a

ser organizadas caravanas de jovens estudantes, que, com o uniforme colegial - as meninas de trancinhas e os meninos com o corte de cabelo à escovinha -, beiravam a cama do presidente para os registros fotográficos. Sorridente, Vargas aparentava sincera alegria ao receber aqueles meninos. Era conhecida sua paixão pelas crianças. Nesses momentos, esquecia um pouco das questões que nos últimos tempos tanto o afligiam.

Contribuíam também para esse bom astral mensagens de solidariedade que vinham de várias partes do mundo; do presidente Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos, ao Papa Pio XII, no Vaticano. Aliás, o representante de Roosevelt no Brasil, o embaixador Jefferson Caffery, que levara a carta que transmitia os sentimentos pessoais do presidente norte-americano, com o desejo de pronta recuperação, fora o primeiro diplomata a assinar o livro de visitas.

Não faltavam, no entanto, motivos de preocupação. A guerra naquele maio de 1942 começava a interferir dramaticamente no dia-a-dia dos brasileiros, atormentando principalmente a vida das donas de casa. Os preços dos gêneros alimentícios se elevavam assustadoramente e começavam a faltar produtos de primeira necessidade. Nos armazéns e feiras livres, era difícil encontrar até ovos e frangos. Surgiam também denúncias nos jornais de que alguns clientes exclusivos e mais abastados estariam sendo privilegiados pelos comerciantes.

A falta de gasolina era outro problema. Há tempos, o seu racionamento era estudado por uma comissão governamental. E logo ele entraria em vigor no Distrito Federal.

Para amenizar seus efeitos, foram tomadas medidas como o aumento do número de linhas de ônibus entre o Palácio Mon- roe, na Cinelândia, e a Praça Mauá, como também o de paradas na avenida Rio Branco. Usar o próprio carro, um luxo na época, tornava-se bem mais complicado. Segundo o Correio da Manhã de 14 de maio, "nenhum revendedor de combustível, seja de posto, bomba ou garagem, poderá vender qualquer quantidade sem o cupom de autorização da prefeitura".

Mas não faltavam garagistas se aproveitando da situação para aumentar seus lucros. Elevavam o preço da gasolina, clandestinamente, "cobrando de acordo com a aparência do freguês". Como denunciava o Diário Carioca., "os resultados auspiciosos das primeiras vendas aguçaram a ganância dos dilapidadores da economia do povo". Pelo menos um deles foi denunciado ao Tribunal de Segurança. Dono da garagem localizada à rua Hilário de Gouveia 95, em Copacabana, o comerciante Joaquim Coelho de Souza Filho foi preso em flagrante.

Para alguns, entretanto, as restrições em função do racionamento de gasolina estavam longe de ser um problema. Numa bela manhã daquele mês de maio, tendo como

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combustível apenas a paixão pelo mar, quatro jangadeiros vindos do Ceará aportaram nas águas tranqüilas da Baía de Guanabara. O líder deles era um certo Manoel Olímpio, mais conhecido como Jacaré, presidente da colônia de pescadores de Fortaleza. Figura emblemática no Nordeste, acabara de fazer com seus companheiros, a despeito de todas as adversidades, a travessia Fortaleza-Rio a bordo de uma rústica jangada. O objetivo maior da viagem era reivindicar ao presidente Vargas direitos trabalhistas para os jangadeiros nordestinos. Jacaré foi recebido apoteoticamente pela população, se encontrou com Vargas e logo a sua fantástica história chegou aos ouvidos de Orson Welles, que, quando estivera no Ceará, constatara seu enorme prestígio. Prestígio que acabou atravessando fronteiras, depois de vencidos os mais de 2 mil quilômetros pelo mar:

"Viagem homérica", resumiu a revista Time. Welles nem pensou duas vezes em incluir a façanha de Jacaré no filme que realizava sobre o Brasil. Ficou combinado que a travessia seria reconstituída especialmente para o registro das lentes do diretor, que se fascinara com a personalidade simples e corajosa do jangadeiro.

As cenas seriam gravadas na praia da Gávea (atual São Conrado) e a jangada de Jacaré partiu para lá, inicialmente em águas calmas. No meio do caminho, porém, o tempo repentinamente mudou e, ao chegar ao local das filmagens, para onde Orson Welles seguira de carro, o mar já estava totalmente encapelado, com ondas gigantes se formando. Uma delas acabou colhendo de surpresa a jangada de Jacaré, atirando à água os quatro homens. Enquanto a jangada flutuava ao sabor das ondas, os jangadeiros lutavam contra a forte correnteza.

Três deles conseguiram nadar até a praia, mas justamente Jacaré foi tragado pelo mar bravio. Uma lancha da produção que levava o material técnico ainda tentou resgatá-lo, sem sucesso. Ojuando Welles chegou à praia encontrou os três companheiros de Jacaré desolados, olhando em silêncio para o horizonte, numa mistura de incredulidade e perplexidade pelo desaparecimento do seu líder. Emocionado, abraçou-se a eles:

"Eu não lamento a morte de Jacaré como um simples jangadeiro. Eu sinto profundamente a morte dele porque era um herói americano. Uma inteligência viva, interessantíssima.

O filme vai continuar e será um tributo a ele", disse Welles à imprensa carioca.O consolo foi lembrar das palavras de Jacaré publicadas no Diário Carioca logo

que chegara ao Rio: "O jangadeiro deve morrer no mar. Para ele, jamais existirá sepultura mais bela." Depois desse episódio, Welles não pôde prosseguir as filmagens como pretendia, pois foi chamado às pressas de volta aos Estados Unidos. Insatisfeitos com o conteúdo dos rolos de filmes que recebiam, seus produtores lhe cortaram a verba. Além da festa do carnaval, o material produzido por Welles continha apenas imagens da pobreza das favelas, do martírio dos que fugiam da seca e do drama dos jangadeiros do Ceará, quando a idéia deles era mostrar - para atrair turistas - apenas o lado bom do

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Brasil e não suas mazelas sociais. O projeto do filme acabou sendo abandonado e, somente em 1993, oito anos depois da morte do cineasta, foi retomado, o que gerou o documentário com o nome original escolhido por Welles: lú ALI True (É tudo verdade).

O impacto da morte de Jacaré, que tanto comovia a cidade, só encontraria paralelo na notícia de que mais um submarino atacara um _ navio da frota nacional, e pela primeira vez em pleno litoral brasileiro, l coincidentemente ao largo do Ceará, de onde viera o jangadeiro que l acabara de entrar para a história.

l Era o cargueiro Comandante Lira, que, sob o comando do Capi- tão-de-Longo-Curso Severino Sotero de Oliveira, singrava, em 18 de 149 maio de 1942, a 180 milhas da costa nordestina na direção de Nova Orleans, nos Estados Unidos. Foi nesse ponto que o vapor, segundo Severino Sotero, passou a ser seguido por um submarino. O comandante chegou a mudar o rumo do navio para tentar despistá-lo. Não conseguiu. Era um início de noite (18h50) e, devido à baixa luminosidade, os quatro militares que guarneciam um canhão nada puderam fazer.

Os torpedos do U-Boat italiano Barbarigo,1 sob as ordens do comandante Gian Francesco Piaroggia, atingiram em cheio o Comandante Lira, causando duas mortes instantâneas.

Ao perceber que o naufrágio seria inevitável, rapidamente a tripulação, que era composta por 46 homens, providenciou que os escaleres fossem arriados. Nesse momento, o Primeiro Radiotelegrafista do navio, José Henrique da Silva, cedeu seu lugar na embarcação salva-vidas, que ainda se encontrava no convés, e, repentinamente, voltou para o interior do navio.

Mesmo sabendo que as estações radiotelegráficas eram um dos pontos mais visados pelos canhões e metralhadoras dos submarinos, foi para lá que ele se dirigiu. Na esperança de salvar o mercante, enviou mensagens de socorro que acabaram sendo captadas no litoral. Mesmo incendiado pelo fogo do Barbarigo, o Comandante Lira resistiu até a chegada de auxílio. Primeiro, foi um avião militar que fez com que o U-Boat italiano fugisse. Posteriormente, surgiram dois navios norteamericanos, o Jouett e o Milwaukee, que recolheram os tripulantes de dois escaleres. Um terceiro se desgarrou e foi dar em terra. Todos se salvaram.

O rebocador Heitor Perdigão, ajudado por um outro navio norteamericano, o Trush, conseguiu trazer o Comandante Lira até a costa, salvando, além do navio, a carga de sacas de café, tambores de óleo, caixas de mica e volumes de madeira, entre outros produtos. Grata pelo auxílio dos americanos, a direção do Lloyd Brasileiro fez uma doação de 50 mil dólares à Navy Relief Society, dos Estados Unidos. Já o radiotelegrafista José Henrique, que arriscou a vida para mandar mensagens de socorro, sem as quais dificilmente o Comandante Lira deixa- 1 O Barbarigo iniciou suas operações em 1938, sendo responsável pelo afundamento de sete navios. Desapareceu na Baía de Biscaya, na Espanha, em junho de 1943, sem deixar vestígios.

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150 ria de ser afundado, recebeu elogios do procurador do processo no Tribunal Marítimo.

"Estou convencido de que à bravura do radiotelegrafista José Henrique da Silva se deve o salvamento do Comandante Lira e, possivelmente, a vida de muitos de seus tripulantes."2 O receio de que ataques de submarinos do Eixo se aproximassem ainda mais do litoral fez com que o patrulhamento da região fosse reforçado. Apesar da sua extensão, era importante mostrar ao inimigo que haveria resistência. Não se aceitariam novas agressões passivamente. No dia 29 de maio, O Jornal anunciava em manchete: "Um submarino do Eixo afundado pela FAB." A notícia se baseava numa nota distribuída pelo DIP, fornecida pelo Ministério da Aeronáutica: "Os ataques dos submarinos em águas territoriais brasileiras, aos nossos navios mercantes, determinaram uma ação da Força Aérea no sentido de resguardar a nossa soberania, a liberdade da nossa navegação e a vida das tripulações indefesas, que vinham sendo metralhadas e canhoneadas (...) Após desumana agressão ao Comandante Lira, foram localizados, perseguidos e atacados três submarinos nas costas brasileiras, sendo um deles afundado." Isso se comprovou, ainda segundo o relato do DIP, quando se verificou "uma explosão, sendo observados no local destroços, salva-vidas, pedaços de madeira e uma enorme mancha de óleo na superfície."3 O ataque ocorrido entre o Atol das Rocas e Fernando de Noronha foi feito pelo bombardeiro B-25 Mitchell. O avião pertencia a uma unidade de treinamento da FAB que preparava seus pilotos para utilizarem os aviões fornecidos pelos Estados Unidos. A tripulação do 5-25 era mista. No comando, estava o Capitão-Aviador Affonso Celso Parreira, tendo a bordo também o Capitão-Aviador Oswaldo Pamplona. Ambos eram treinados pelo primeiro-tenente Henry Schwane, da Força Aérea 2 Processo Comandante Ura (Tribunal Marítimo, Arquivo, Rio de Janeiro, número 663). O Chefe do Estado-Maior da Armada fez registrar o elogio (Subsídio para a História Marítima do Brasil, Rio de Janeiro, 1945).

3 Como o afundamento acabou não se confirmando, é possível que os vestígios encontrados tenham sido liberados pelo submarino propositalmente para fazer com que os pilotos dos aviões imaginassem que ele havia sido destruído, ganhando, assim, tempo para escapar.

151 norte-americana. O ministro da Aeronáutica Salgado Filho ficou exultante com a operação, e o presidente Roosevelt não tardou em enviar um telegrama a Vargas estimulando outras ações contra os submarinos do Eixo.

"Foi com grande interesse e satisfação que soube dos bem-sucedidos ataques levados a efeito contra submarinos ao longo da costa brasileira. A intrepidez e a perícia dos pilotos da Força Aérea Brasileira que tomaram parte nessas operações estão acima de qualquer encômio. Desfecharam-se poderosos golpes em sua campanha de proteção à navegação deste continente. Torno-lhes extensivas, por intermédio de Vossa Excelência, as minhas sinceras congratulações e meus mais calorosos votos de felicidade."4 Ao mesmo tempo em que chegava ao Brasil a mensagem de Roosevelt, chegava também a

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notícia de um novo torpedeamento que acontecera no dia 24 de maio. Dessa vez, era o Gonçalves Dias que havia sido canhoneado. O ataque fora feito pelo U-502? comandado pelo CapitãoTenente alemão Jürgen von Rosenstiel. O vapor do Lloyd, comandado pelo Capitão-de-Longo-Curso João Batista Gomes de Figueiredo, carregava café embarcado nos portos de Santos, do Rio de Janeiro, de Angra dos Reis e Vitória, com destino a Nova Orleans. Navegava no Mar do Caribe, ao sul do Haiti, quando, à 00hl5, foi torpedeado traiçoeiramente logo abaixo da linha da água, no meio do navio, e teve atingido um tanque de óleo adaptado em frente às caldeiras perto do porão 3. Não houve tempo nem de usar o armamento guarnecido por quatro militares. Um minuto depois, o Gonçalves Dias, alvejado por um segundo tiro no porão 2, ardia em chamas. Dois homens da casa das máquinas morreram na explosão que sobreveio.

O incêndio que se alastrou pelo vapor impediu que todos os escaleres fossem arriados. Só dois puderam ser usados. No desespero, 14 homens se jogaram ao mar. Quatro deles não conseguiram alcançar os escaleres e se afogaram. Foram seis as vítimas do ataque. Em não mais que sete minutos, o Gonçalves Dias estava totalmente adernado.

Segundo os sobreviventes, nesse instante deu-se uma cena que revoltou a todos. Aproximando-se a cerca de 30 metros dos escaleres, alguns tripulantes do U-502 subiram à torreta do submergível e passaram a se divertir com a agonia dos que lutavam contra as ondas do mar que se agitava:

"Quatro oficiais do submarino permaneceram na torre de comando deste, rindo-se das dificuldades que encontravam os tripulantes para atingir a nado os botes salva-vidas", contou Haroldo Nascimento, o chefe das máquinas do Gonçalves Dias.6 Os 46 tripulantes que se salvaram vagaram por cerca de 30 horas até serem resgatados pelo navio norte-americano F.J. Luceenback. Foram deixados no porto de Key West, no extremo sul da Flórida.

O Gonçalves Dias era o oitavo navio brasileiro atacado desde fevereiro. Cento e vinte e quatro pessoas já haviam morrido. Para quem não estava em guerra, eram números inaceitáveis.

4 Correio da Manhã- - de junho de 1942.5 Desde que fora entregue, em 2 de abril de 1940, o U-502 havia afundado 14

navios. Sua trajetória terminou logo depois desse ataque ao Gonçalves Dias. Em 5 de julho de 1942, quando se encontrava na Baía de Biscaya, a oeste de La Rochelle, na França, foi completamente destruído por cargas de profundidade de um avião britânico Wellington do Esquadrão 172/H. Da tripulação de 52 homens, ninguém sobreviveu.

152 153 A campanha na África do Norte era a maior ameaça ao continente americano

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Fogo em terra e mar As notícias que chegavam do front naquele início de junho de certa forma

tranqüilizavam a população, que, bombardeada diariamente com uma overdose de informações sobre a guerra, vivia em constante sobressalto. Não havia um jornal brasileiro que, desde o início das hostilidades, não dedicasse inteiramente a sua primeira página, geralmente encimada por manchetes que pareciam cheirar a pólvora, aos acontecimentos na Europa, na África e, depois da entrada dos Estados Unidos no conflito, no Oceano Pacífico.

Do Pacífico Central vinham boas-novas. Os Estados Unidos, depois de terem saído em desvantagem na guerra por causa do ataque surpresa à base de Pearl Harbor, já conseguiam rechaçar o inimigo japonês. Numa batalha encarniçada para defender a estratégica ilha de Midway, impôs pesadas baixas à Marinha nipônica, que, com a perda de praticamente toda a sua defesa aérea e dos seus quatro porta-aviões de esquadra - contra apenas um dos dois que possuíam os norte-americanos -, foi obrigada a recuar para oeste. O comando norte-americano da região, exultante, distribuiu o seguinte comunicado:

"O inimigo parece estar se retirando. Exceto pela atividade submarina insignificante nas ilhas vizinhas às do Havaí, esta parte do Pacífico se mantém calma. Assim, ao que tudo leva a crer, está próxima do fim a batalha de três dias que se travou no Pacífico Central. Batalha que ficará inscrita como a maior das vitórias isoladas na história naval dos Estados Unidos."1 Correio da Manhã - 3 de junho de 1942.

O regozijo norte-americano mais do que se justificava, pois, àquela altura, ainda era flagrante a superioridade militar dos japoneses. A vitória teve uma repercussão impressionante no ânimo dos seus homens, mas, possivelmente, não teria sido alcançada sem a quebra do código naval japonês pelo Serviço de Inteligência da Marinha dos Estados Unidos, o que permitiu que fosse armada uma cilada. Tendo a informação do ataque iminente, o almirante Nimitz pôde concentrar todas as forças de que dispunha, "com poderio suficiente na hora e nos lugares certos".

Nem a perda de 35 dos 41 torpedeiros que fizeram a primeira investida contra os porta-aviões japoneses que se aproximavam comprometeu o sucesso da empreitada norte-americana.

Quando os inimigos só tinham olhos para esses aviões, 37 bombardeiros, praticamente sem qualquer resistência, lançaram suas bombas sobre o Soryu, o Akogi e o Kaja.

Em pouco tempo, as três gigantescas embarcações foram seriamente danificadas, com seus aviões, que ganhavam novas cargas de bombas naquele momento, convertidos em bolas de fogo.

O contra-ataque japonês não demorou. Foi desfechado com quarenta aviões dispostos a tudo para devolver o estrago. Apesar de terem sido recebidos por diversos

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caças e fogo antiaéreo, atingiram com três bombas o porta-aviões Yorktown, que afundou. Mas isso não abateu o ânimo dos pilotos norte-americanos, que, com 24 bombardeiros de mergulho, partiram do Enterprise no encalço do último porta-aviões japonês. Pouco mais de duas horas depois de ser localizado, o Hiryu "era um escombro em chamas".

Não restava outra alternativa ao almirante Nagumo senão bater em retirada, humilhado pela destruição dos seus quatro porta-aviões:

"O efeito moral foi imediato. De uma vez só, a posição dominante do Japão inverteu-se",2 opinou o primeiro-ministro britânico Winston Churchill.

Na Europa, os Aliados também podiam comemorar. Depois de um início de campanha avassalador, no qual, através da tática militar 2 Memórias da Segunda Guerra Mundial. Volume II. Winston S. Churchill. Nova Fronteira, 2005.

denominada Blitzkrieg (guerra-relâmpago), não faltaram conquistas territoriais, a Alemanha começava a sentir na própria pele o que havia infligido impiedosamente a seus inimigos. Naquele limiar de junho, algumas cidades do Reich ardiam pelo fogo aéreo imposto pela Real Força Aérea do Reino Unido, a RAF. Sem clemência, 1.047 aviões ingleses despejavam bombas em diversas áreas. As informações eram de que, ao longo de um mês, foram feitas 30 mil incursões.

O resultado era o caos e a devastação. As cidades de Colônia, Bremen e Essen (chamada de "Capital das Munições") eram as mais atingidas. Imensasáreas cobertas por instalações industriais e comerciais estavam arrasadas, o que fazia supor que houvesse um considerável número de vítimas, pois, para acelerar a produção de guerra, trabalhava-se dia e noite. Diante desse cenário, milhares de alemães estavam sendo levados para cidades ao sul da Alemanha, como Munique e Stuttgart. A situação mais grave era a de Colônia. Castigada por 1 .445 toneladas de explosivos, teve bairros inteiros varridos. A parte antiga da cidade transformara-se num monte de escombros. O aspecto do que ficara de pé também denunciava a catástrofe: eram fileiras de prédios com suas fachadas inteiramente arruinadas.

Esses bombardeios somente se intensificariam a partir de então, expondo uma população de cerca de 25 milhões de civis. As incursões aéreas da RAF passariam a ter um efeito duplamente devastador. Além de trazerem toda espécie de sofrimento, colocavam em xeque a propaganda nazista que alardeava vitórias nos campos de batalha, sempre omitindo as derrotas. Pouco a pouco, seria minada a resistência do povo alemão, e os sintomas psicológicos logo se manifestariam: medo, desesperança e apatia generalizada. A constância e severidade dos ataques, em muitas ocasiões desfechados mais contra áreas urbanas do que contra regiões estratégicas (os denominados pontos nevrálgicos, ou seja, fábricas, estaleiros, estradas, redes ferroviárias etc.), passariam a produzir, como desejavam os Aliados, a forte impressão da sua superioridade, o que preocupava profundamente as autoridades do Reich.

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O que acontecia no front soviético também passaria a ser motivo de dor de cabeça para Hitler e seus generais. Depois da desastrada campa- 156" 157 nha de 1941, quando a neve grossa paralisou as tropas nazistas a poucos quilômetros de Moscou, dando oportunidade para que o inimigo recompusesse seus exércitos, mais dificuldades se apresentavam na nova campanha na direção leste, dessa vez para além das montanhas da região do Cáucaso, em busca das abundantes reservas petrolíferas de Baku.

Apesar da espetacular mobilização de forças - estavam em ação 3.270 tanques, 3.400 aviões e 43 mil canhões -, em duas frentes, os russos, já contando com a ajuda bélica dos Aliados e com suas fábricas de armamentos funcionando a pleno vapor, penetraram fortemente nas linhas alemãs e, na localidade de Kalilin, repeliram importantes ataques. Numa zona florestal da região, na qual estava localizada uma aldeia recentemente conquistada pelo Exército Vermelho, a Wehrmacht - como eram chamadas as forças armadas alemãs durante o Terceiro Reich - desfechou sucessivas ofensivas, sem conseguir desalojar o oponente.

Eram os primeiros indícios de que, mais uma vez, os alemães seriam barrados pela feroz resistência soviética.

As informações que vinham da África serviriam de alento para o Alto-Comando alemão. Desde que, no início de 1941, o general Erwin Rommel foi nomeado comandante das tropas alemãs na Líbia, os resultados eram bem expressivos. Considerado um esplêndido jogador militar - segundo Churchül, "um mestre no manejo de formações móveis, especialmente no reagrupamento rápido após uma operação, de modo a explorar um êxito"3 -, Rommel impunha perdas pesadas aos ingleses.

Eram 5h20 da manhã do dia 20 de junho de 1942 quando, apoiado pela infantaria, duas divisões de tanques e escudo aéreo, o intrépido Rommel ordenou mais um ataque decisivo. Dessa vez, ao porto líbio de Tobruk, até então sob domínio inglês. Esse era um ponto crucial para o avanço do Afrika Korps na direção leste, tanto que a resistência foi imensa, sendo necessárias 25 horas de combates para que Rommel 3 Memórias da Segunda Guerra Mundial. Volume I. Winston S. Churchill. Nova Fronteira, 2005.

garantisse a posição. Mesmo assim, a batalha continuou por mais um dia inteiro até que a vitória se consolidasse.

Depois das hostilidades, Tobruk estava envolvida por uma densa fumaça e a lembrança dos lança-chamas iluminando a noite anterior estava fresca na memória dos habitantes da cidade portuária. Sabendo da sua importância estratégica (era um dos melhores portos naturais da costa norte africana), Rommel já havia tentado outras vezes conquistá-la.

Finalmente, conseguindo levar isto a cabo, o general vivia o auge da sua longa carreira militar. Mas logo a campanha alemã na África também fracassaria, muito mais pela escassez de recursos (alimentos, armamentos e peças de reposição) do que pela falta de competência e astúcia de Rommel. Tanto que ele acabou, posteriormente, indo

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comandar as tropas alemãs na Europa. Mas, naquele junho de 1942, ele ainda era a temida "Raposa do Deserto", a maior ameaça à segurança do Brasil.

Em meio à devastação da guerra, em discurso na Câmara dos Comuns, o próprio Churchill, não sem certa recriminação dos seus pares, reconhecia o valor de Rommel:

"Temos contra nós um oponente muito arrojado e hábil, um grande general."4 De Washington, em 24 de junho, três dias depois da tomada de Tobruk por Rommel, o embaixador Carlos Martins enviava uma carta ao ministro Oswaldo Aranha, na qual se comprovava o quanto os norte-americanos se preocupavam com as conquistas do general alemão na África, principalmente porque poderiam significar um avanço sobre o continente americano:

"A situação na América do Sul voltou a tomar vulto nas rodas políticas e nos órgãos de opinião pública. Os motivos foram as recentes vitórias de Rommel (...) Que uma vitória alemã na África do Norte é condição preparatória para eventual ataque contra o Brasil não resta dúvida. Que um ataque à América do Sul seria o melhor caminho para 1Memórias da Segunda Guerra Mundial. Volume I. Winston S. Churchill. Nova Fronteira, 2005.

159 um ataque aos Estados Unidos é verdade atestada, freqüente até nos discursos do presidente Roosevelt. Entretanto, essa possibilidade depende da abertura da segunda frente. Se a segunda frente for aberta pela Alemanha, uma vez terminada a sua campanha oriental na Rússia e no Egito, a América do Sul estará plenamente dentro da esfera de perigo de guerra. Se a segunda frente for aberta pelos Estados Unidos ou pela GrãBretanha, a América do Sul terá a garantia de segurança. A verdade é que o hemisfério inteiro, direta ou indiretamente, está envolvido no problema da segunda frente, solução não só para a Rússia e o Egito, para os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, como para o Brasil e demais países sul-americanos."5 Não foi à toa que, na primeira semana de junho, a cidade de Natal, a mais ameaçada na hipótese de uma invasão partindo da África, viveu dias de pânico, causado pela informação de que existiam planos alemães de ataque à base aérea de Parnamirim. Fuzileiros chegaram a cavar trincheiras e muitos moradores foram se refugiar em cidades do interior. Um blecaute ainda foi determinado pelas autoridades militares da região:

"A população vem recebendo as instruções da maneira mais louvável, demonstrando estar disposta a enfrentar qualquer eventualidade resultante de um ataque aéreo contra aquela capital, que é, hoje, um ponto vital na marcha dos acontecimentos da atual conflagração mundial. Aqui se respira o clima de guerra. O general Cordeiro de Farias superintende pessoalmente as principais fases do blecaute", noticiou o Correio da Manhã de 10 de junho de 1942.

Eram as conseqüências de um ambiente que transformara a pacata capital do Rio Grande do Norte numa cidade agitada e trepidante - o "Trampolim da Vitória", como ficou conhecida depois da guerra. Shows nos hangares da base de Parnamirim levavam a

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Natal artistas como Ary Barroso, Dircinha Batista, Orlando Silva, Francisco Alves e Carlos Galhardo. A população dobrara com a chegada dos soldados norte-ameri- canos e a imagem de velhinhos com suas cadeiras de balanço nas calçadas não era mais tão presente quanto a dos inferninhos em que garotas de programa ofereciam, quem sabe, a última noite de prazer aos combatentes que logo partiriam para o front africano e europeu.

5 Correspondência do embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Carlos Martins, ao ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, em 24 de junho de 1942. Rolo 7, fotograma 0216 a 0217. CPDOC/FGV.

160 161 O general Góes Monteiro, Chefe do Estado-Maior do Exército, em visita a uma base aérea nos Estados Unidos Filinto Muller, chefe da polícia do Distrito Federal, e o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra: simpatia pelos alemães

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Germanófilos perdem poder Enquanto se especulava a respeito de um possível ataque das tropas de Rommel

ao Brasil, os navios do Lloyd prosseguiam sendo torpedeados. Apesar de Dõnitz, àquela altura, estar insatisfeito com o ritmo da produção de submarinos nos estaleiros alemães, os que estavam em ação causavam danos consideráveis. Desde o início de 1942, a cada mês, eles se apresentavam em maior número na costa norte-americana e na região do Caribe. Eram 19 operando, em janeiro; 29, em março; 35, em maio; e 40, em junho.

Nessa época, passaram a integrar a frota de Dõnitz os grandes submarinos de 1.600 toneladas. Eles não tinham torpedos - apenas canhões de defesa - e seus tanques podiam carregar 720 toneladas de óleo diesel por uma distância de 19 mil quilômetros. Por isso, eram chamados de "vacas leiteiras". Sua função era abastecer os outros submarinos, que não mais precisariam voltar às suas bases para esse fim. com mais unidades no mar, muitas vezes as investidas contra comboios contavam com até trinta aparelhos. Foi mais um dado que facilitou a ação dos U-boats alemães nas águas do Oceano Atlântico.

No primeiro dia de junho, um deles investiu contra o navio Alegrete. Ao passar ao largo da Ilha de Santa Lúcia, nas Antilhas Inglesas, o comandante Eurico Gomes de Souza avistou um periscópio que se salientava à distância. Era o sinal de que estava sendo seguido. Eram 17h45, quase noite, quando a embarcação do Lloyd, carregada de café, cacau, castanhas e óleo de mamona, recebeu o primeiro torpedo do U-156,1 do comandante Werner Hartenstein. Imediatamente, foram 1 Desde 11 de outubro de 1940 em campanha, o U-156 tinha em seu currículo o afundamento de vinte navios. Acabou abatido a leste de Barbados, em 8 de março de 1943, por cargas de profundidade de um avião Catalina (Esquadrão VP-53/P-1) da Marinha dos Estados Unidos. Todos os 53 tripulantes foram mortos.

feitos os procedimentos para que a tripulação de 64 homens (não havia passageiros) abandonasse o navio. Das quatro baleeiras, pelas quais eles se dividiram, foi ouvida a explosão de mais dois torpedos, além de 18 disparos de canhão.

O Alegrete submergiu inapelavelmente, enquanto começava o suplício dos tripulantes. Foram quatro dias enfrentando toda sorte de contratempos: frio, com ventos gelados durante a noite, sol quente na maior parte do dia, além de pouca alimentação e água potável.

"Durante todos os dias, a baleeira em que eu me encontrava permaneceu à mercê de terríveis vagalhões que, durante a noite, pareciam querer tragar a frágil embarcação", relatou o comandante do Alegrete, Eurico Gomes de Souza.

Depois de privações e sofrimentos inclementes, a primeira baleeira chegou a Port of Spain, a capital de Trinidad e Tobago; a segunda foi recolhida pelo navio norte-americano Tabel; a terceira atingiu La Guaira, na Venezuela; e uma última recolheu-se a

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uma ilha, também na Venezuela, chamada La Blanquila. Esses últimos náufragos relataram terem sido cercados de todos os cuidados pelos habitantes locais. Todos se salvaram, apesar das queimaduras e outros ferimentos sofridos no ataque do U-156. No entanto, nenhuma dessas agruras parecia intimidar aqueles homens:

"Eu, como todos os tripulantes do Alegrete, aqui nos encontramos prontos para embarcar a qualquer momento. A obediência ao dever e a causa que defendem as nações aliadas, que é a própria causa do Brasil, vale muito mais que a própria vida. E mais digno a um marujo morrer com honra a viver escravizado sob o desígnio sanguinário de uma "nova ordem" que manda atacar navios desarmados e mata populações indefesas", declarou o comandante Eurico Gomes de Souza ao retornar ao Brasil.

Por outro lado, a despeito da disposição de não recuar diante das agressões do Eixo, o recrudescimento dos torpedeamentos fazia com que crescessem as insatisfações salariais da classe marítima. Sensível ao problema e percebendo o grave momento vivido pela categoria, o presidente Getúlio Vargas, ainda se recuperando do acidente que sofrera em maio, não pensou duas vezes em autorizar um abono de 40% para as tripulações dos navios que se destinavam às zonas consideradas perigosas:

"Diante da situação que os marítimos atravessam, conseqüência da campanha submarina desencadeada pelas nações do Eixo contra a navegação mercante, esse abono veio apenas corresponder a uma necessidade premente", declarava o comandante Fuhad Estrela, presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Náutica da Marinha Mercante.

Diante da resistência dos armadores, que só concordaram com o aumento por causa do apoio de Vargas, Fuhad ainda disse:

"Os marítimos brasileiros são os que recebem o menor ordenado entre todas as marinhas mercantes do mundo. Os Estados Unidos e a Inglaterra pagam dez vezes mais.

Mas eles não são nosso parâmetro. A Argentina, sim, e lá os marítimos recebem o dobro. E há quem tenha a coragem de chamar-nos de ambiciosos e incontentáveis."2 No mesmo dia em que os jornais traziam a boa notícia para a classe, outra embarcação brasileira era abatida, confirmando os perigos crescentes para a nossa navegação.

"Afundado navio brasileiro Pedrinhas", anunciou a manchete do Diário Carioca, revelando que "a nova agressão do Eixo ocorrera à luz do dia". O Pedrinhas singrava a 300 milhas da costa de Porto Rico quando foi torpedeado pelo U-203, do comandante alemão Rolf Mutzelburg. Eram 17h do dia 26 de junho, e nem o fato de o cargueiro estar equipado com um canhão evitou o ataque. O fator surpresa sempre era o maior aliado dos submarinos.

"com o bom tempo e o sol brilhante ninguém esperava que aparecesse um submarino, até que o barco foi alcançado por um torpedo. Não houve outra alternativa senão deixar imediatamente o navio", relatou o comandante Ernesto Mamede Vidal, que lamentou também o desaparecimento do seu gato de estimação durante o ataque.

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A tripulação de 44 civis e quatro militares, que guarneciam o canhão, vagou à deriva nas baleeiras por 84 horas até ser salva por navios de patrulha norte-americanos e levada para Porto Rico. Construído em 1935, no 164 2 Diário Carioca - 26 de junho de 1942.

3 O U-203 foi entregue pelos estaleiros alemães em 28 de março de 1940. Teve sucesso no afundamento de 22 navios. Seu destino foi selado quando, em 25 de abril de 1943, ao sul do Cabo de Farewell, na Groenlândia, foi atingido por cargas de profundidade de um avião britânico Swordfish (Esquadrão 81 l/L) e de um destróier Pathfinder.

Dos 48 tripulantes, 38 sobreviveram. 165 estaleiro Lithgown em Glasgow, o Pedrinhas era o navio mais novo da

marinha mercante. Pertencia à Cia. de Cabotagem de Pernambuco.O sentimento de rejeição da população a tudo que se relacionasse ao nazi-

fascismo aumentava em progressão geométrica aos seguidos ataques à navegação nacional. Isso fazia com que cada vez mais houvesse uma aproximação com os Aliados. Mergulhados em discussões sobre os desdobramentos da guerra, os estudantes do Distrito Federal decidiram, em 4 de julho, data da independência dos Estados Unidos, fazer uma passeata em solidariedade a este país e de repúdio às nações do Eixo:

"A hora atual de nossa pátria reclama-nos solidariedade aos nossos estadistas democráticos contra os crimes dos nazistas e o 'olho' da quinta-coluna. O quinta-colunista é o grande criminoso político. Como única preocupação procura enfraquecer, confundir, indispor interna e externamente a consciência moral de todas as nações livres", dizia um documento divulgado pelos estudantes de Direito.

Nem a forte chuva diminuiu a empolgação dos manifestantes. Da Praça Mauá até o Palácio Monroe, na Cinelândia, 15 mil estudantes caminharam, cantando o hino nacional e ostentando cartazes de condenação ao Eixo e de exaltação à democracia. O evento, promovido pela UNE, contou, inclusive, com a presença dos filhos do ministro Oswaldo Aranha, que simbolizava como ninguém a luta contra o nazi-fascismo. "Aranha: campeão da democracia!", dizia um dos cartazes. Os alunos da Escola de Belas-Artes produziram carros alegóricos. Um deles, bem criativo, trazia a figura de Hitler soprando uma flauta para uma serpente, com a frase: "O encantador de serpentes." A participação de marinheiros de navios afundados trouxe ainda mais peso ao protesto. O episódio, inédito no Estado Novo, gerou uma série de acontecimentos que abalou profundamente o perfil autoritário de poder criado a partir do golpe de 1937.

Até O Estado de S. Paulo, sob intervenção federal desde março de 1940, exaltava a iniciativa dos estudantes: "Grande manifestação contra o regime totalitário. Constituiu empolgante expressão de fé nos princípios defendidos pelas nações unidas o desfile de ontem no Rio, promovido pela mocidade escolar." 166 Já o Correio da. Manhã afirmou: "É confortador assistir ao pronunciamento da classe estudantil, unida e coesa

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em torno de princípios democráticos, que forma hoje uma força indestrutível, da qual devemos nos orgulhar." com sua aguda obtusidade e incontrolável tendência à germanofilia, o que o impedia de perceber o novo momento que se avizinhava, Filinto Müller, o chefe da Polícia do Distrito Federal, havia negado aos estudantes a permissão para que realizassem a passeata, que classificou de "subversiva". Foi categoricamente desautorizado pelo ministro interino da Justiça, Vasco Leitão da Cunha, que ordenou que a polícia não interviesse. Diante da reação intempestiva de Filinto, que foi ao seu gabinete interpelá-lo, Vasco Leitão ordenou a prisão disciplinar de Müller por desacato à autoridade. Indignado, o chefe da polícia foi até Vargas pedir demissão. O presidente aceitou e, duas semanas depois, no dia 17, o coronel Alcides Etchegoyen, que tinha a confiança da ala governista pró-Aliados, já estava em seu lugar. Amigo de Oswaldo Aranha e leal a Vargas na Revolução de 30, Etchegoyen tinha, naquele novo contexto, o perfil ideal para ocupar o cargo.

Essa atitude não deixava de ser uma reação do presidente aos boatos, espalhados por agitadores pró-Eixo, de que, por não estar falando - ainda por causa da lesão no maxilar -, não teria mais condições de governar. Havia também pressões internas de oficiais do Exército de alta patente que tentavam convencê-lo de que os Estados Unidos tramavam sua deposição. Ainda em convalescença, Vargas, entre deprimido e apreensivo, se consumia diante das infames insinuações.

Mas não o bastante para mudar sua nova estratégia política.A troca de comando da Polícia do Distrito Federal teve a melhor repercussão

entre os americanos. O embaixador Caffery chegou a indicar 15 oficiais para trabalhar com Etchegoyen, que havia encontrado no departamento um clima hostil, além do lugar em escombros, com documentos queimados e o sistema de rádio policial sabotado.

Etchegoyen se sentia um estranho no ninho sem saber em quem confiar. Foi necessário se fazer um grande expurgo para que a polícia pudesse trabalhar sem restrições contra os espiões do Eixo.

"Estou cada vez mais satisfeito com o novo chefe de polícia", telegrafou Caffery a Washington, em 22 de julho.

167 com o aval de Vargas, Etchegoyen passaria a rrabalhar intimamente com a embaixada americana, que daria o suporte necessário no combate às ações de espionagem.

A disposição dos Estados Unidos de eliminar qualquer influência nazi-fascista no Brasil era tanta que eles chegaram a elaborar, através do birô que cuidava dos seus interesses no país, uma lista negra de quinhentos possíveis colaboradores brasileiros da quinta-coluna.

Tudo isso estava sendo muito mal digerido pelos nazistas. A Rádio Berlim rotulava o governo Vargas de "um protetorado dos Estados Unidos" e Oswaldo Aranha

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de ser "evidentemente um sujeito comprado por Roosevelt". Para completar a insatisfação do Reich, a reboque da demissão de Filinto Müller, deixaram também o governo o germanófilo ministro da Justiça, Francisco Campos, e o onipotente diretor-geral do DIP, Lourival Fontes.

O afastamento de Fontes, principalmente, tinha um caráter altamente simbólico. Sergipano de Riachão do Dantas, tido como um erudito, homem letrado, ele jamais se constrangia, porém, em declarar-se um fascista empedernido. Sempre muito prestigiado, era praticamente impossível se chegar ao presidente sem passar por Lourival, tanto naquele momento quanto posteriormente, quando se tornou chefe da Casa Civil na volta de Vargas ao poder depois das eleições em 1950.

A proximidade entre eles era tanta que dava margem a fuxicos alimentados por opositores do regime, que visavam, através de Lourival, atingir o presidente da República, criando um clima de cizânia no governo. Mencionava-se um possível caso de Getúlio com a mulher de Lourival Fontes, a exuberante poetisa Adalgisa Nery. Especulação não de todo infundada. Viúva do pintor Ismael Nery desde 1934, Adalgisa era conhecida por despertar amores irrefreáveis.

Lindíssima, inteligente e culta, circulava à vontade no meio literário, pois, bem jovem - casou-se, em 1921, aos 16 anos -, já convivia com intelectuais como Aníbal Machado, Jorge de Lima, Pedro Nava, amigos do seu ex-marido. Era musa inspiradora de poetas do calibre de Carlos Drummond de Andrade ("Acho que todos nós a amávamos, mesmo sabendo que não se tratava de amor. Amávamos nela a obra de arte viva", escreveria ele, quando Adalgisa morreu em 1980) e Murilo Mendes, este um grande amigo e reconhecidamente apaixonado por ela.

Na famosa livraria José Olympio, ponto de encontro dos grandes escritores no Distrito Federal, Adalgisa desfilava seu estilo mulher-fatal 168 - lábios muito pintados, decotes audaciosos e invariavelmente perfumadíssima. Só Graciliano Ramos, com seu jeitão rabugento, implicava: "Você está empesteando os livros"4, reclamava. Ela nem ligava. Sapecava-lhe um beijo e seguia seu bordejo sedutor, ignorando que as queixas de Graciliano poderiam apenas ocultar uma dilacerante paixão secreta.

O fato é que ninguém entendia o que a deslumbrante Adalgisa fazia casada com alguém como Lourival Fontes, que, além de taciturno e de direita, não tinha entre suas maiores virtudes os atributos físicos. Era baixo, vesgo e usava uma cabeleira grisalha que lhe caía sobre o olho torto. Em resumo, apesar do ar empertigado e do aprumo com que se vestia, era feiíssimo.

O boato de um possível triângulo amoroso entre Adalgisa, Lourival e o presidente era tão forte que Benjamim Vargas, o irmão mais novo de Vargas, um freqüentador assíduo de cassinos e cabarés, contoulhe, preocupado, o que se comentava pela noite:

- Cada vez se espalha mais que estás apaixonado pela Adalgisa e que ela é tua amante! Toma cuidado, isso é perigoso! - disse-lhe Benjamim.

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Vargas imediatamente descartou tal possibilidade:- Bobagem! Isso é gabolice do Lourival. Ele é que espalha para se gabar!5 -

respondeu brincando o presidente, deixando claro que essas intrigas não abalariam o seu relacionamento com o chefão do DIP.

Esse diálogo nunca foi confirmado, mas entrou para o anedotário popular. Mesmo que não tenha sido real, revelava o quanto Vargas e Lourival eram ligados. Só forças muito poderosas poderiam separá-los, empurrar Lourival para fora do governo. E foi o que ocorreu. com a sua queda, não havia mais dúvidas: a ditadura do Estado Novo estava sofrendo um abalo significativo e irreversível. O país parecia ferver, da mesma forma que os corações que batiam acelerados pela bela Adalgisa.

169 Hitler autorizou o envio de umaflotilha de submarinos ao Atlântico Sul para revidar a adesão do Brasil aos aliados

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Pobre LídiceNaquele momento em que a temperatura política se elevava dramaticamente, as

atenções da imprensa e do público se voltaram para um episódio inusitado envolvendo um soldado francês prisioneiro de guerra, resgatado, em plena Baía de Guanabara, pela barca que fazia o trajeto Niterói-Rio de Janeiro. O jornal O Globo do dia 13 de julho de 1942 publicou uma extensa reportagem para contar a incrível história de François Stellit, que lutara ao lado das tropas alemãs na África do Norte, sob o comando do general Erwin Rommel.

Stellit chegou ao Rio aprisionado num navio inglês e, pensando que estivesse na Argentina, onde disse ter parentes, resolveu fugir atirando-se ao mar durante a madrugada:

- Sabia que estava a caminho da América do Sul, e veio-me à lembrança o meu tio que reside em Rosário. O Rio de Janeiro, no entanto, foi o ponto que tocamos. Pensei que fosse Buenos Aires. A uma hora da manhã de hoje fiz uma mochila e pulei do navio. Nadei ao léu até que amanheceu e fui encontrado - contou o francês, nascido em Estrasburgo, na Alsácia, à reportagem de O Globo depois de ser entregue às autoridades do - Distrito da Capital.

Stellit, que tiritava de frio, ainda usava farda de soldado, mas se dizia inocente. Revelou que, depois de ter entrado para a Legião Estrangeira, foi forçado a lutar com os alemães:

- Tinha apenas 18 anos quando me alistei e buscava apenas aventura. Por ordem do Governo de Vichy, minha divisão motorizada foi incorporada à Afrika Korps. Fui obrigado, junto com outros companheiros, a lutar contra nossos aliados franceses - garantiu.

Stellit disse ter participado de batalhas em Derna e Tobruk:- Enchia-nos de orgulho a resistência de Tobruk diante do cerco imposto pelos

nazistas. De longe, víamos nossos irmãos de coração. Eles não sabiam que, ali, ombro a ombro com os alemães, éramos obrigados a esta postura inglória.

A história de Stellit, rica em detalhes, parecia despertar um certo fascínio entre os repórteres que o ouviam com ajuda de um intérprete. Estar diante de um soldado que há pouco estivera no front era como se transportar momentaneamente para uma trincheira do deserto africano, sem, é claro, a desvantagem de correr o risco de ser atingido por uma bomba:

- Certa vez - prosseguiu o francês, narrando o momento da sua captura -, os ingleses introduziram um ponta-de-lança nas linhas nazistas. Fomos atacados pela retaguarda.

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Poucos conseguiram escapar com vida. Eu e outros companheiros caímos prisioneiros. Foi em princípios de janeiro de 1942 e, para mim, a prisão representou a verdadeira liberdade. Mas éramos prisioneiros de guerra. Fomos transferidos para o Cairo e depois para o Suez. No último dia 23, fui embarcado no navio que me trouxe até aqui.

Mesmo com tantas desventuras, Stellit se dizia um homem de sorte, que escapara ileso de uma sucessão de episódios que poderia tê-lo matado:

- Quando fui preso num deserto da Líbia, o caminhão em que estava foi metralhado. Escapei sem levar um tiro. Antes, o canhão antitanque de cuja guarnição fazia parte foi despedaçado. Quase todos os meus companheiros morreram. Eu não tive sequer um arranhão. Também o trem militar que me levava prisioneiro para o Suez foi bombardeado por aviões nazistas. Oitenta soldados morreram e eu nada sofri. Já na viagem ao Brasil, o navio em que estava foi atacado por um submarino e novamente nada me aconteceu.

Para encerrar, antes de ser levado para uma cela, François Stellit fez questão de dizer o que sentia em relação ao fato de ser um soldado:

- Não sou culpado da guerra. Sou um simples cabo de infantaria. Não tenho nenhuma responsabilidade no curso dos acontecimentos. Quero viver em paz, não lutar mais.

O espírito aparentemente desarmado do soldado Stellit não era nem de longe o exibido pela cúpula alemã. Pois nem mesmo os preparativos para 172 a grande ofensiva contra Stalingrado1 impediram que Hitler se reunisse com seu almirantado para decidir que medidas seriam adotadas em face ao novo quadro na América do Sul. O Brasil teria que pagar ainda mais caro pela sua clara adesão aos Aliados. Uma soma de acontecimentos irritava profundamente o Führer. o rompimento de relações diplomáticas, a presença ostensiva de tropas norte-americanas em nosso território, os ataques a submarinos por aviões da FAB, que recebera os primeiros aparelhos em razão do acordo militar com os Estados Unidos, a prisão de diversos espiões, o afastamento de integrantes do governo simpáticos ao Eixo...

Esperava-se, portanto, uma forte reação, já que uma das características da Alemanha nazista era nunca deixar de dar o troco quando se sentia agredida ou simplesmente contrariada em seus interesses. O episódio da morte de Reinhard Heydrich, um dos homens mais prestigiados por Hitler, ocorrida nessa época, foi um exemplo clássico disso. Considerado um dos mais perversos oficiais da SS, Heydrich tinha em seu sombrio currículo a supervisão da "Solução Final", que exterminou milhões de judeus durante a guerra. Em fins de maio de 1942, ele era o responsável pela repressão aos opositores do regime nazista nos territórios ocupados. Cumpria essa tarefa na Tchecoslováquia, país invadido pela Alemanha em 1939, quando sofreu um atentado fatal. Estava em seu carro, acompanhado apenas pelo motorista, quando foi atingido por

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uma bomba caseira lançada por um militar nativo chamado Jan Kubis, depois que a metralhadora do companheiro Josef Gabcik emperrara. Ambos haviam sido treinados na Inglaterra e chegaram clandestinamente ao país.

Ficando gravemente ferido, o oficial alemão morreria uma semana depois.A retaliação do Reich foi brutal e chocou o mundo ocidental. Em 11 de junho, os

jornais brasileiros anunciavam em manchete a completa destruição da pequena Lídice, onde Heydrich fora morto. O Jornal noticiou no alto da primeira página o que considerava uma "ignomínia": "Arrasada a cidade e fuzilada a população masculina." 1 A decisão de atacar Stalingrado, localizada num importante entroncamento fluvial e ferroviário que ligava importantes regiões minerais e petrolíferas até a capital Moscou, foi uma ousada cartada de Hitler para tentar dobrar definitivamente os soviéticos. Existia também um componente simbólico de conquistar a cidade que ostentava o nome do grande chefe comunista soviético. A ofensiva, inicialmente, teve êxito, mas logo os alemães seriam outra vez surpreendidos pela heróica resistência dos soviéticos.

173 Como não conseguiram prender imediatamente os autores do atentado, agentes da Gestapo e soldados do Exército alemão executaram todos os homens da aldeia, que, em sua maioria, eram tão-somente trabalhadores das minas carboníferas da região. Já as mulheres foram enviadas para o campo de concentração feminino de Ravensbruck, onde a maioria veio a morrer de tifo ou de exaustão por causa dos trabalhos forçados. As crianças foram transferidas para "centros educacionais".

O nome do lugarejo, segundo informou O Jornal, "foi riscado de todos os registros oficiais e as casas e construções ali existentes foram completamente destruídas".

Na terra aplainada por tratores, os alemães plantaram cevada e tudo foi transformado em pasto. Dessa vez, ao contrário do que acontecia normalmente quando eram cometidos crimes de guerra, a propaganda alemã não omitiu a informação. Através da rádio nazista de Praga, fez questão de divulgar a notícia, afirmando que "a população castigada havia cometido outras ações hostis, como manter um depósito ilegal de munições e armamentos e uma transmissora de rádio clandestina". A intenção era intimidar os que ainda pensavam em resistir ao domínio do Reich nos territórios ocupados. Lídice tinha população de 1.200 pessoas e o seu desaparecimento foi considerado "um acontecimento sem paralelo na história da ocupação alemã na Europa continental".

Já Gabcik e Kubis, os autores do atentado contra Heydrich, depois de denunciados por um traidor - os alemães ofereceram uma recompensa pela captura de ambos -, percebendo que estavam cercados por uma tropa da SS, acabaram se matando. Eles estavam escondidos em Praga.

Mesmo envolvido em várias frentes de guerra, dando uma cartada decisiva na tentativa de conquistar Stalingrado, Hitler concordou com o envio de dez submarinos

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para o Atlântico Sul, com o objetivo de retaliar o Brasil pelas últimas posições assumidas. A frota deixara os portos da França Ocupada no início de julho, e a previsão era de que chegasse às águas brasileiras no início de agosto.

Nessa mesma época, o Rio de Janeiro, numa espécie de prelúdio do que estava por vir, vivia dias de completa paranóia. Mas o motivo nada tinha a ver com a guerra e sim com a fuga de seis portadores de hanseníase da Colônia Curupaiti, em Jacarepaguá. Na época, a ignorância e o estigma que pairavam sobre a hanseníase, ainda chamada de lepra (o Serviço Nacional da Lepra foi criado em 1941), faziam com que os doentes causassem verdadeiro pânico nas pessoas. Pânico alimentado por lendas de que eles usavam sinistras capas pretas e que podiam contaminar alguém pelo simples contato visual. Pior: as notícias davam conta de que os leprosos poderiam estar atacando e mordendo crianças.

Pelo menos um deles foi detido após abordar uma menina de 12 anos no bairro daTijuca. A menor contou que o homem teria dito "que já havia mordido quatro e ainda faltavam três".2 O terror continuou quando surgiu o boato de que um dos fugitivos teria se escondido no morro do Salgueiro:

"Verificou-se um tremendo alvoroço entre os humildes habitantes. Todos os barracos se fecharam e seus ocupantes, munidos de paus e outros objetos contundentes, ficaram de plantão, escondidos atrás das frágeis portas", noticiou o Diário Carioca, enfatizando que tudo não passava de "fantasia popular".

O pesadelo real era mesmo outro e continuava a não dar trégua.O Tamandaré, cargueiro do Lloyd de 118 metros de comprimento, singrava ao

largo de Trinidad, vindo de Recife com cargas variadas (café, fardos de tecidos, medicamentos, areia monazítica e manganês), quando, na tarde do dia 25 de julho, se deparou com um submarino avariado navegando na superfície. Verificada a sua rota, foram tomadas providências para o uso da artilharia. Vários disparos foram feitos, mas o submergível, com manobras rápidas, conseguiu fugir. Na madrugada do dia 26 de julho, surgiu um outro submarino no caminho do Tamandaré. Era o U-66,3 do Capitão-Tenente Friedrich Markworth, e, dessa vez, quem atirou primeiro foi o inimigo. Era uma noite estrelada, de lua cheia, e isso pode ter contribuído para a localização do navio, que provavelmente teve a presença informada pelo submarino que escapara.

A explosão que o torpedo lançado causou foi tão violenta que danificou três baleeiras de bombordo, matando instantaneamente quatro 2 Diário Carioca - 16 de julho de 1942.

3 O U-66 contabilizou 33 navios afundados em seus quatro anos de campanha (desde 20 de março de 1940). Sua atuação nos mares foi interrompida em 6 de maio de 1944, a oeste das Ilhas de Cabo Verde, costa ocidental da África, por cargas de profundidade e tiros de aviões torpedeiros americanos de escolta. Vinte e quatro tripulantes do submarino morreram e 36 sobreviveram.

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174 175 homens que estavam de serviço nas máquinas. Toda a tripulação restante, além do Capitão-de-Longo-Curso, José Martins de Oliveira, e a guarnição de canhão, utilizando as outras duas baleeiras do Tamandaré, conseguiu se salvar. Em quarenta minutos, o navio estava afundado.

No inquérito que foi aberto no consulado brasileiro de Port of Spain, em Trinidad e Tobago, o comandante Martins afirmou que exerceu rigorosa vigilância para que não fosse surpreendido por um ataque. Reclamou, porém, que a falta de bons binóculos prejudicou essa tarefa. Ele também fez críticas ao material de salvamento e ao fato de que a tripulação era maior do que o necessário.

"A guarnição deve ser reduzida ao mínimo estritamente necessário ao serviço de vigilância e navegação, sendo que, no caso do Tamandaré, a guarnição de 52 homens poderia ser reduzida para 42, contando com os artilheiros."4 Martins também relatou que as ordens sobre as saídas dos navios deveriam ser transmitidas em linguagem cifrada, o que não era usual. Ele ainda lembrou que o ideal seria que essas saídas fossem determinadas pelo comandante, o que evitaria "a navegação em lua cheia em locais infestados de submarinos".

Dois dias depois, em 28 de julho, com a madrugada ainda enluarada, era o Barbacena que se via em apuros no Mar do Caribe. A embarcação do Lloyd Brasileiro, com 119 metros de comprimento, foi atingida por dois torpedos do U-155, do Capitão-Tenente Adolf Cornelius, que em março havia posto a pique também o Arabutan. Três membros da tripulação e três militares que guarneciam o canhão foram mortos. com mais esse ataque, ficava evidente que, quando o fator surpresa prevalecia, de pouco adiantava o navio estar armado. Não havia tempo para qualquer reação. No total, a tripulação do navio era composta por 58 homens. Distribuídos em três baleeiras, os náufragos acabaram recolhidos pelos navios Tácito, argentino, e Elmdale e St. Fabian, ingleses.

Na mesma latitude em que afundara o Barbacena, o U-155 encontraria o Piave na tarde daquele mesmo dia 28 de julho. Eram 17h30 e o navio viajava para a refinaria de Capirito, na Venezuela, onde receberia carga de petróleo. O submarino, depois de lançar o primeiro torpedo, subiu à superfície disparando várias rajadas de metralhadora contra o mercante.

Durante os procedimentos de salvamento, o capitão do navio, Renato Ferreira da Silva, foi atingido na cabeça por uma peça do escaler e acabou morrendo. Surpreendentemente, segundo o relato dos tripulantes, depois de fazer um interrogatório, o comandante alemão transportou o foguista que ficara no Piave até uma das baleeiras e entregou aos náufragos dez litros de água, três pães de centeio e uma garrafa de rum. O U-155 era todo pintado de cinza-claro e, apesar de demonstrações de humanidade do seu comandante, acabara de fazer a 135a vítima desde o primeiro ataque aos navios da frota nacional, em fevereiro.

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Preocupado com a insegurança crescente no Mar do Caribe, o embaixador Carlos Martins, em 5 de agosto, enviou de Washington ao presidente Vargas notícias a respeito da possibilidade de os navios brasileiros passarem a ser comboiados nessa região por embarcações norteamericanas:

"Welles se manifestou consternado com a situação. Declarou que só mesmo a estreita colaboração entre as duas marinhas, que ainda não existe, poderá modificar a insegurança no mar. Na minha presença, telefonou para o almirante Horn, subchefe do serviço de operações navais, solicitando informações sobre a atual organização de comboios na região de Trinidad. Sugere que o almirante Vasconcellos tenha instruções para entendimentos com o almirante Horn no sentido de fixar: 1) utilização de navios brasileiros em comboios já estabelecidos pela Marinha americana, não só dos Estados Unidos para Trinidad, mas também da Ilha para os portos americanos; 2) organização de comboios entre Trinidad e portos brasileiros nas duas direções. Esses entendimentos adreferendum do governo brasileiro completariam acordos entre nosso Ministério da Marinha e o almirante Irving, chefe da Esquadra do Atlântico Sul."5 Contudo, o perigo estava muito mais próximo do que se imaginava. Aproximava-se o momento mais crítico da guerra para o Brasil. Os ataques à nossa navegação de cabotagem estavam prestes a acontecer.

4 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.

5 Correspondência do embaixador Carlos Martins ao presidente Vargas. Rolo 7, fotograima 0234. CPDOC/FGV.

176 177 Harro Schacht, comandante do U-507, o submarino que torpedeou o navio brasileiro Baependi, no'litoral do Nordeste

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O fim trágico do velho vaporA flotilha de submarinos que deixara a França Ocupada na direção do Atlântico

Sul estava orientada para uma retaliação sem precedentes. A posição do Brasil, favorável aos Aliados, pusera abaixo a tese, endossada pelo ex-embaixador Karl Ritter, de que Getúlio Vargas agia sob influência de Oswaldo Aranha e era pressionado por Franklin Roosevelt. Até então, havia a ilusão - endossada por Ritter junto ao Comando Alemão - de que o Brasil, se dependesse do seu presidente, poderia ser "recuperado".

Mas a escolha de Vargas era definitiva. Todos os seus discursos e as suas atitudes dos últimos meses sinalizavam que a política pendular que cultivara habilmente de 1939 até fins de 1941, quando os Estados Unidos abandonaram a neutralidade, fazia parte de um passado que, diante dos novos rumos do conflito, não tinha mais como ser revivido.

Sempre atento ao clamor das ruas - muitas vezes resultado de um trabalho político para que se manifestasse de acordo com o que pensasse -, Getúlio percebeu que estaria politicamente acabado se tentasse conter a onda popular que se opunha aos conceitos pregados pelo nazifascismo. O sentimento anti-Eixo era de tal forma agudo, e se disseminara com tamanha intensidade por todo o país, que não havia mais como voltar atrás. Recuar estava fora de cogitação, e isso já parecia fato consumado também para os líderes nazistas.

Em suas memórias, publicadas em 1968, Karl Dõnitz, o comandante da frota de submarinos alemã, que morreu em 1980, aos 89 anos, revelou por que o Brasil se tornou um inimigo em potencial:

"Nossas relações políticas com aquele país há algum tempo já vinham se deteriorando, e as ordens emitidas pelo Alto-Comando Naval referentes à nossa atitude para com a navegação brasileira se agravavam em correspondência. No fim de maio, o ministro da Aeronáutica brasi- leiro (Salgado Filho) anunciou que um avião tinha atacado submarinos do Eixo e continuaria a fazê-lo. Sem nenhuma declaração de guerra formal, achamo-nos assim num estado de guerra com o Brasil." Havia, também, um antigo desejo de ocupação do Brasil por parte do Führer, que, àquela altura, estando frustrado, exacerbaria a agressão desproporcional e punitiva que estava por ser desencadeada. Num dos capítulos do livro Hitler ma dit (Hitler me disse), escrito por um dos seus mais íntimos colaboradores - o ex-oficial prussiano Hermann Rauschning, que combatera na Primeira Guerra e, em 1932, se filiara ao Partido Nacional-Socialista -, está reproduzida uma conversa dele com o ditador, ocorrida em 1934, da qual participou também um convidado que acabara de chegar da América do Sul. Nela, se comprovava que os planos de Hitler de estender os seus domínios até a América Latina, e especialmente ao Brasil, eram reais e para lá de ambiciosos.

"O Brasil me interessa, particularmente. Lá, edificaremos uma nova Alemanha. Ali se acham reunidas todas as condições para uma revolução que permitiria transformar em alguns anos um estado governado e habitado por mestiços corrompidos numa

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possessão germânica. De resto, nós temos direitos sobre esse continente onde os Fagger, os Welser e outros pioneiros alemães possuem herdades e feitorias. Nosso dever é reconstituir esses velhos patrimônios que uma Alemanha degenerada deixou se dispersarem." Diante da observação do convidado de que a Alemanha teria boas chances de impor seu poder, Hitler afirmou:

"Os brasileiros precisam de nós, se quiserem fazer alguma coisa por seu país. O que lhes falta não é tanto capital para frutificar, porém o espírito de empreendimento e talento de organização. Nós daremos ainda uma terceira coisa: nossas idéias políticas. Se há um continente onde a democracia é uma insanidade, esse é a América Latina (...) Trata-se convencer esses povos de que eles podem sem escrúpulos lançar por terra o seu liberalismo e seu democratismo (...) Eles ainda têm vergonha de ostentar seus bons instintos. Crêem-se obrigados a interpretar a farsa democrática. Além disso, o Brasil já começa a ter bastante dos Estados Unidos, que não sonham em outra coisa senão em explorar o país."1 1 O livro escrito por Hermann Rauschning chegou a vender cerca de 2 mil exemplares só no Rio de Janeiro. Logo se percebeu o quanto o seu conteúdo era agressivo ao Brasil.

Imediatamente, foi proibido, e a Polícia Política chegou a fazer buscas nas principais livrarias do centro da cidade. Vinte e dois volumes foram apreendidos. Dois na livraria Victor 180 Inconformado com o fato de não ter conseguido dobrar o Brasil como pretendia, Hitler, em 4 de julho, aprovou um plano do Alto-Comando Naval no qual os portos de Santos, Rio de Janeiro, Salvador e Recife seriam penetrados furtivamente tarde da noite. Instalações e embarcações ancoradas seriam torpedeadas e os acessos minados, o que aumentaria os sérios problemas de abastecimentos do país. Sem contar com os ptejuízos materiais.

Receoso de que essa agressão arrastasse todo o continente sul-americano para a guerra, Hitler, aconselhado pelo ministro das Relações Exteriores do Reich, Joachim von Ribbentrop, decidiu abortar o plano. As novas ordens eram para que apenas o U-507 prosseguisse na missão, mas se limitando a atacar, "em manobras livres", a navegação costeira.2 Os demais submarinos se ocupariam de outras operações pela região.

Esse vivo interesse de Hitler pelo Brasil era, de certo modo, correspondido. No dia 12 daquele que seria, verdadeiramente, um fatídico mês de agosto, estreava com grande interesse do público, no Vitória, São Luiz, Carioca e Ipanema, O Grande Ditador, obra-prima de Charles Chaplin inspirada na personalidade megalomaníaca do líder nazista, e que entraria para a história como uma das mais contundentes mensagens de condenação à guerra produzidas pelo cinema.

"O que nos parece apenas uma tese anti-nazista não é mais do que uma sátira forte e veemente contrária aos regimes ditatoriais que outta coisa não têm feito senão derramar sangue e lágrimas", dizia a resenha do Diário Carioca, que trazia, na edição do

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dia 9 de agosto, a cobettura da pré-estréia do filme, assistida, entre outros, por figuras proeminentes do rádio como Renato Murce, Jorge Murad e Jayme Costa.

O U-507 do Capitão-de-Corveta Harro Schacht já então penetrara em águas territoriais brasileiras. Estava pronto para atacar, e credenciais para isso não lhe faltavam.

Desde que saíra da linha de montagem dos estaleiros de Hamburgo, em 11 de setembro de 1940, o U-boat na Cinelândia (em francês); nove na livraria Cosmo, na rua do Rosário 137 (em inglês); e 11 na avenida Rio Branco 157 (em espanhol). Os trechos principais foram traduzidos para o português. Todo o material faz parte do acervo do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Pasta 10. Caixa 0755.

2 Essa estratégia de ataque do Alto-Comando Naval de Hitler foi confirmada pelo professor alemão Jürgen Rohwer, da Biblioteca de Estudos Contemporâneos de Stuttgart, em conferência pronunciada na Escola de Guerra Naval Brasileira em 28 de março de 1982.

181 nazista contabilizara o afundamento de 18 navios aliados no Atlântico Norte. Schacht também tinha um currículo respeitável. Casado, 35 anos, com residência fixa em Hamburgo, começara a carreira naval, em 1926, antes de completar 19 anos. Ele serviu por muito tempo nos cruzadores Emden e Nürnberg, até ser deslocado para o gabinete do Comando da Marinha do Reich. Em 10 de outubro de 1940, foi promovido a Capitão-de-Corveta e logo assumiu as operações do U-507.

Sabendo dos perigos em alto-mar, a direção do Lloyd havia decidido que as embarcações da companhia não deveriam se afastar da costa. Tanto que a primeira vítima do U-507, o moroso Baependi? estava a apenas 20 milhas do Rio Real, no litoral sergipano. Vinha do Rio de Janeiro e, depois de uma escala em Salvador, no entardecer do dia 15 de agosto, foi avistado por Schacht. Desarmado e com as luzes de navegação apagadas, o Baependi singrava as agitadas águas do litoral nordestino a uma velocidade de 9 nós (16,6 km/h), num local em que a profundidade era de aproximadamente 40 metros. Como estava sendo comemorado o aniversário do imediato Antônio Diogo de Queiroz, o salão do velho vapor estava repleto. Além do comandante de longo-curso, João Soares da Silva, oficiais e alguns passageiros participavam da festa.

Do lado de fora, sob o toldo do convés, soldados cantavam e batucavam alegremente. Eram homens do 7S Grupo de Artilharia de Dorso a caminho de Recife.

com o primeiro torpedo acertando em cheio o Baependi, não demorou para o pânico tomar conta de todos a bordo. Foram 300 kg de explosivos - suficientes para fazer soçobrar um navio de guerra - que atingiram a casa das caldeiras. Um segundo torpedo foi lançado em seguida justamente contra os tanques de óleo combustível. Simultaneamente ao grande estampido, houve uma explosão, que fez destapar a escotilha do porão 2, de onde passaram a sair imensas labaredas que subiam até quase o topo do mastro.

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com isso, o navio se incendiou, submergindo rapidamente. Todo adernado a boreste, lado pelo qual foi 3 Construído em 1899 pelo estaleiro Blohm & Voss, em Hamburgo, na Alemanha, o Baependi (ex-Tyuca) foi um dos 45 navios que se encontravam em nossos portos e que foram apresados pelo governo brasileiro, em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial. A decisão foi tomada pelo presidente Venceslau Brás, em is de junho, depois que navios nacionais foram torpedeados pelos alemães - o Paraná, em 5 de abril, no litoral da França; e o Lapa, em 22 de maio, a oeste de Gibraltar. Em 1922, o Baependi foi incorporado à frota do Lloyd Brasileiro, a mais importante companhia de navegação do país.

agredido, o vapor afundou junto com a maioria dos que estavam a bordo e com praticamente todas as baleeiras.

A noite fria e enevoada, sem qualquer estrela visível no céu, que compunha o cenário do torpedeamento do Baependi, ficou para sempre marcada na memória do oficial de artilharia do Exército brasileiro, o capitão Lauro Moutinho dos Reis. A alegria de muitos dos seus companheiros na popa do navio "tocando pandeiros, batendo palmas e cantando sambas vindos dos morros cariocas" em nada sugeria a tragédia que se abateu sobre todos.

"Eram por volta das 19 horas quando, de súbito, um tremendo estampido sacudiu violentamente o velho vapor. Era o início de um grande martírio", lembrou o oficial.

Segundo Lauro Moutinho, as conseqüências foram imediatas. Vidraças se partiram e o rangido do madeiramento trouxe a certeza de que algo gravíssimo ocorrera. Estilhaços de vidro, pedaços de madeira e a prataria da refeição recém-acabada atravessaram como lanças o salão. Tombaram as primeiras vítimas, e muitos tinham o rosto coberto de sangue:

"As máquinas pararam e o navio alterou o rumo abruptamente. Fomos jogados com força para frente. Num primeiro momento, todos ficaram imóveis de espanto, com a respiração suspensa, as fisionomias pálidas e angustiadas." Apesar do quadro de horror que se produzia, "não houve desespero e percebia-se em cada um o esforço para entender o que ocorria".

No entanto, os gritos de pânico, inicialmente abafados, logo passaram a ecoar por todos os lados. Não havia como pensar em outro motivo para aquela tragédia. As notícias de torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos alemães há muito haviam se tornado rotina nos grandes jornais. Desde fevereiro, nada menos que 13 haviam sido afundados. E, de novo, o pior acontecera. O Baependi começava a adernar.

Lauro Moutinho contou que enquanto alguns "corriam em disparada à procura de coletes salva-vidas", outros, sobretudo crianças e mulheres, permaneciam imóveis, atônitos, "como se esperassem que a providência divina os salvasse". Rapidamente, se acelerou o vaivém desesperado em busca de salvamento. O tumulto era completo e a

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tripulação, impotente, também se descontrolava. Já não se conseguia andar normalmente - somente escorando-se nas paredes.

Os que estavam nos camarotes inferiores seriam as próximas vítimas, pois do modo que a embarcação inclinava não seria possível voltar de lá.

Um grupo de passageiros, inclusive o capitão Lauro Moutinho, teve mais sorte ao encontrar a escada que dava acesso ao convés. Era a chance de alcançar as baleeiras.

com a ajuda dos corrimãos, chocando-se com os que desciam à procura de familiares, eles subiram apressadamente.

Foi quando um segundo torpedo atingiu em cheio o navio, despedaçando de vez sua estrutura. "O corrimão ao qual me segurava ficou em frangalhos. Rolei as escadas, de costas, aos trambolhões", relatou Moutinho.

O intervalo entre os dois disparos, conforme narrou o militar, não chegara a um minuto, o que infringia as leis de uma guerra que deveria estar bem longe dali. Mas o front repentinamente tomara de assalto o Baependi e o quadro era bem parecido com o de uma batalha. A densa cortina de fumaça que se formara e o "cheiro enjoativo proveniente das explosões" faziam com que o navio mais parecesse uma trincheira.

Passageiros e tripulantes, aturdidos e sem qualquer sentido de direção, trombavam uns nos outros. Apesar disso, a escalada de quem buscava o convés foi retomada.

"Havia uma grande escuridão. Tateando, com grande esforço, consegui agarrar-me à escada. Segurando-me nas suas saliências, fui subindo devagar. com dificuldade, distingui no alto o contorno de uma porta. Ultrapassá-la seria a minha única chance de sobrevivência", recordou Lauro.

O vapor, tombado de lado, já adernava dramaticamente. Continuar dentro dele significava ir também para o fundo do oceano.

Os poucos que chegaram ao convés se defrontaram finalmente com uma baleeira. Breve alívio. Já encharcados pela água gelada que as lufadas de vento traziam do mar, os marinheiros não tiveram tempo de desatar os cabos emaranhados nos turcos das embarcações salva-vidas. "Não trocamos uma palavra. Cheguei a tentar ajudá-los a soltar as cordas, mas foi tudo inútil", disse Lauro.

Em questão de minutos, se ouviria o derradeiro apito do Baependi. Era como um grito de despedida; pungente e agonizante. Ondas volumosas engoliam a embarcação. Não restava outra alternativa senão pular do navio prestes a naufragar:

"Senti que afundamos arrastados pelo navio. Mesmo assim, não perdi o raciocínio, nem me deixei dominar pelo desespero. Quantos metros? Nem sei! Sentia nos ouvidos o barulho característico das bolhas de ar, numa escala cromática extravagante que ia crescendo do grave 184 para o agudo, à medida que se aprofundavam as águas. A falta de fôlego já me torturava, começava a engolir água."

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Sem grande esforço, mesmo chocando-se com cargas do navio, Lauro foi trazido pelo repuxo de volta à superfície. Penosamente, com o ar se esvaindo, ele chegou à tona, "com tanta força que saí com o tronco para fora d'água, tal o repuxo", declarou.

O Baependi já não podia ser visto. Desaparecera como se nunca tivesse existido. Desde que fora torpedeado não mais que três minutos se passaram, e o panorama daquele momento não era menos estarrecedor. O mar encapelado estava repleto de escombros. Pedaços de madeira voavam, impulsionados pelo vento sibilante. Em desespero, apoiando-se mutuamente, os náufragos pediam inutilmente por socorro. "Ouvia gritos terríveis, angustiosos. Eram homens, mulheres e crianças que se afogavam em torno de mim", relembrou Lauro.

Alguns mais resistentes conseguiram nadar até os destroços que flutuavam por perto. E se agarravam a eles com o máximo de firmeza, tentando evitar que o impacto das ondas os arrancasse de suas mãos. Bóias de iluminação, que se acendiam ao contato com a água, davam um tom avermelhado ao mar, realçando cenas de imensa aflição.

Toda essa angústia se transformou em revolta quando Lauro Moutinho se elevou no mar conduzido por um vagalhão. Apesar da água salgada turvando-lhe a visão, pôde perceber um projetor lançando seu feixe de luz sobre o local do afundamento. Fixando bem o olhar, viu a silhueta próxima do algoz do Baependi: o submarino nazista U-507 do comandante Harro Schacht, que, por ironia, residia em Hamburgo, cidade de origem do navio que acabara de atacar.

Estava imóvel, provavelmente certificando-se dos efeitos devastadores da sua missão. Afundando numa nova vaga, Lauro, diante da luta para sobreviver, momentaneamente, se esqueceria daquela imagem. Foi quando achou uma tábua com aberturas que pareciam janelas. Exaurido, deitou-se na prancha improvisada e se acalmou. Não longe dali, ouviu gemidos.

"Não posso mais, vou desistir", murmurou um náufrago.Solidário, Lauro lhe transmitiu ânimo, sugeriu que se agarrasse ao escombro. com

muita dificuldade, dando braçadas descoordenadas, ele conseguiu alcançar o pedaço de madeira. Era um tripulante do Baependi. Não houve nem tempo para demonstrações de gratidão. O esforço para superar as ondas continuava. O vento intenso dispersara os náufragos e agora os 185 pedidos de socorro ficavam cada vez mais distantes. Gritos sufocados que a correnteza levava para longe. O rumo dos dois homens era incerto e a noite cerrada trazia uma sensação indescritível de abandono. Podiam estar avançando oceano adentro, ou sendo arrastados na direção da costa.

Foi quando viram, embora à distância, bóias de sinalização iluminando uma baleeira do navio. Para serem notados, o jeito foi gritar "com todas as forças dos nossos pulmões". A embarcação de salvamento, arrancada dos turcos pelo impacto do primeiro torpedo, logo se aproximou:

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"Lançaram-nos uma bóia presa a uma corda. Fomos içados a bordo, onde encontrei dois tenentes, dois sargentos e três soldados da minha unidade. Abraçamo-nos comovidamente, mas poucas palavras trocamos. Pensamos na sorte dos nossos camaradas, e não nos conformávamos com a idéia de que éramos os únicos sobreviventes." O estado de espírito melhorou com o recolhimento de mais alguns náufragos. Estavam a salvo até aquele momento 27 homens e uma jovem, que, no instante da explosão, corajosamente, não hesitou em jogar-se ao mar, nadando, durante uma hora, agarrada a um pequeno destroço, até ser recolhida. A questão agora era definir para que lado remar. Em que direção ficaria o continente? A noite enfarruscada dificultava a decisão. A única bússola disponível era inútil. Não se enxergava um palmo além do nariz. Por sorte, um tripulante, com bom conhecimento náutico, decidiu que rumo tomar: "O vento está soprando na direção da terra. Vamos segui-lo." Estar numa baleeira era reconfortante. Mas os incômodos eram muitos. Sede, enjôo e ferimentos, que praticamente todos tinham depois da árdua batalha para deixar o Baependi. "Só então notei que estava ferido. O sangue jorrava abundantemente do meu rosto, e, levando a mão à face direita, percebi que havia sofrido uma fratura.

Mas não sentia nenhuma dor", relembrou Lauro Moutinho.O frio intenso, no entanto, era impossível não sentir. Era ainda agravado pelo

vento cada vez mais cortante. O mar bravio também não dava trégua. Uma onda mais forte acabou atingindo em cheio o pequeno barco, abrindo um buraco na proa. O perigo de adernar tornou-se iminente e os homens trataram de enfiar blusões e camisas na fenda lascada da baleeira, além de baldear a água que não parava de entrar. Foi quando se avistou um navio. Pela distância, não seria possível alcançálo. Cerca de uma hora depois, ouviu-se um estrondo seco. Em seguida, formou-se um imenso clarão. Só mais tarde se soube o que ocorrera: o navio Araraquara também sofrera um ataque do U-507.

Sem referências, perdidos no meio da noite, Lauro e os demais náufragos seguiam ao sabor dos ventos na esperança de alcançar o continente. Em movimentos ritmados, sem esmorecer, revezavam-se nos remos e no trabalho com os baldes. Até que as primeiras luzes do alvorecer trouxeram um grande alento: já se podia enxergar, a pouco mais de duas milhas, uma linha branca no horizonte. Era uma extensa faixa de areia de uma praia. A perspectiva de pisar em terra firme fez com que todos se abraçassem.

Muitos, tomados pela emoção, choravam. A arrebentação estava quase sendo vencida. Uns instantes mais e aquele calvário terminaria.

Mas, à euforia trazida pelo desembarque, seguiu-se um clima de apreensão. Apesar da beleza do lugar, o ambiente era inóspito, desabitado. Condições que tornavam torturante a caminhada pela praia deserta. Estavam todos extenuados, e ultrapassar as longas dunas que se apresentavam era mais um desafio a enfrentar. Logo, o abrasador sol nordestino se imporia, escaldando os pés dos náufragos na areia quente e

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aumentando a sensação de sede e cansaço. Sofrimento que só se atenuou quando o grupo se deparou com uma pequena cabana abandonada, onde encontrou sombra e uma jarra com um pouco de água.

Mas isso não foi suficiente para reabilitar os náufragos. O estado deles era deplorável. com as pernas trêmulas, não se agüentavam; cambaleavam, pareciam não suportar mais andar. De repente, numa picada que daria num modesto povoado chamado Canoas, encontraram diversos cocos-da-baía. A água, dessa vez farta e saborosa, trouxe mais ânimo para seguir a trilha até o lugarejo próximo. Ao chegarem ao seu destino, atordoados por tanta desventura, não perceberam que estavam seminus. Assim, espantados, viram portas e janelas dos moradores locais se fecharem. "Estávamos tão embrutecidos que nos custou compreender que a nossa nudez quase total ofendera o pudor da gente da terra", relembrou Lauro.

Um deles, um pouco mais vestido, foi enviado para explicar o que ocorrera, de onde vinham. Só então receberam roupas e alimentação. Renovados pela acolhida, continuaram a jornada, de Canoas até Estância, cidade histórica de grandes casarões coloniais, fundada em 1848.

Lá, souberam que mais oito náufragos do Baependi, quase mortos, aportaram na praia agarrados a destroços. Trinta e seis sobreviventes. Foi o que restou das 306 pessoas que embarcaram no navio. Eram muitas histórias. Uma delas, contada por um médico sobrevivente, dizia 186 187 respeito ao drama de um certo tenente Assunção, que, ao atirar-se ao mar, antes de ser tragado no rastro do Baependi, gritou:

"Viva o Brasil!"4 Esse era um brado que logo tomaria conta do país. A intenção deliberada do U-507 de não só afundar o navio como também de provocar o maior número de vítimas possível foi inevitavelmente interpretada como um ato de covardia, o que exacerbou o sentimento patriótico da população. Em geral, os comandantes agiam com mais humanidade, dentro do conceito de "mínima eficiência", disparando um segundo tiro só depois que passageiros e tripulação estivessem nas baleeiras. Do modo como agiu, Schacht impediu o procedimento adequado de salvamento, que poderia ter minimizado a tragédia.

Estava configurado crime de guerra, que resultou numa verdadeira hecatombe, da qual sobreviveram apenas 18 passageiros e 18 tripulantes. Os depoimentos se sucediam e tinham, inevitavelmente, um ponto em comum: a surpresa do torpedeamento:

"Tinha acabado de jantar. Estava na sala de música. Ao som de uma valsa, nem sequer pensava em guerra e muito menos na hipótese absurda de um ataque. Eis que, de súbito, uma explosão surda e forte sacudiu o navio, que começou imediatamente a adernar",5 disse o médico Viterbo de Oliveira, que, conseguindo chegar ao convés, atirou-se ao mar. Depois de nadar agarrado a uma tábua por 15 minutos, finalmente alcançou a única baleeira que chegou à costa.

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Outro náufrago, o funcionário do Ministério da Educação e da Saúde, Zamir de Oliveira, irmão de Viterbo, contou os momentos dramáticos que viveu:

"Enquanto estava boiando, ouvi um grande estrondo, acompanhado de um clarão. Era a balsa Cecília, também do Baependi, que tinha sido atingida em cheio pelo submarino.

Ela afundou com toda a tripulação, entre gritos de dor e desespero. Nesta hora, senti minhas forças 4 Relato baseado no depoimento do capitão Lauro Moutinho dos Reis, publicado em 1948 no livro Seleções e Seleções, coletânea de artigos da revista Seleções do Reader's Digest (reproduzido no site brasilmergulho.com.br e nos processos do Tribunal Marítimo. O do Baependi é o de número 668).

5 A Manhã - 19 de agosto de 1942. fugirem e, por pouco, não me desgrudei da tábua que me mantinha na

superfície."6 Entre os poucos sobreviventes que chegaram ao litoral agarrados a destroços estava Adolfo Artur Kern, o chefe de máquinas do navio. Ao deixar o Baependi, ele contou que permaneceu por cerca de meia hora flutuando no mar agitado, "em meio a outros náufragos e às chamas produzidas pelo óleo que entornara com o movimento lateral do Baependi. A salvação foi ter vindo em sua direção, arrastado pela correnteza, um pedaço da armação do toldo do passadiço. Era uma espécie de prancha de cerca de quatro metros quadrados, sobre a qual o chefe de máquinas vagou por meia hora até "ouvir gritos por perto". Passado algum tempo, narrou ele, "vi um indivíduo na água, meio enregelado. Era um soldado. Ajudei-o a subir na tábua e ali ficamos". Transcorrido não muito tempo, foi ouvido mais um grito, "sem que se pudesse determinar de onde partia, pois a noite estava fechada". Poucos instantes depois, ele avistou um volume constituído por dois colchões. "Nele se havia recolhido um terceiro náufrago, que era o enfermeiro de bordo", recordou Kern. Os três seguiram pelo restante da noite ao sabor das ondas, que "por sorte eram favoráveis, indo na direção da praia, onde chegamos na segunda-feira, quase ao clarear do dia, nas mais lamentáveis condições físicas",7 relatou Adolfo Kern. Na relação dos mortos do Baependi estavam o comandante João Soares da Silva, o imediato Antônio Diogo de Queiroz, o médico do navio, um piloto, cinco maquinistas, um radiotelegrafista e dois comissários. A tragédia do Baependi foi a maior entre todas as que se abateram sobre os navios brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial. Em nenhum outro torpedeamento houve tantas vítimas.

Apesar da dimensão dessa tragédia, nenhum dos sobreviventes ainda poderia imaginar a repercussão daquele torpedeamento. O desaparecimento do Baependi era o ponto culminante de uma intrincada sucessão de episódios iniciados, exatamente sete meses antes, na tarde quente de verão, durante os trabalhos da Conferência dos Chanceleres.

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O pior é que a caçada do comandante Schacht estava apenas começando. Ao Baependi logo se juntariam outros navios com o mesmo destino.

6 Idem 1 Revista da Segunda Guerra Mundial - Brasil Enfrenta a Agressão. Codex, 1966.

189 O Aníbal Benévolo e o Araraquara: navios torpedeados na costa nordestina O comandante Henrique Jaques Mascarenhas Silveira:

um dos quatro sobreviventes do afundamento do Aníbal Benévolo O massacre não terá fim Na mesma rota do Baependi, naquele sombrio 15 de agosto, seguia o Araraquara, vapor do Lloyd comandado pelo Capitão-de-Longo -Curso Lauro Augusto Teixeira de Freitas.

Sua tripulação era composta por 74 pessoas e levava 68 passageiros. Eram 21h15 quando Schacht o divisou, tomando providências imediatas para um novo ataque. Dois torpedos seguidos fizeram com que o navio afundasse em cinco minutos.

Como acontecera com o Baependi, o rápido naufrágio do Araraquara não permitiu que fossem usados os equipamentos de salvamento. Contribuiu para isso o fato de a maior parte dos passageiros e tripulação já estar recolhida nos camarotes. Morreram o comandante Lauro Augusto, o imediato, seis oficiais, 58 tripulantes e 65 passageiros (131 vítimas). Só três passageiros e oito tripulantes se salvaram.

Um deles foi o is piloto, Hamilton Fernandes. Seu depoimento foi impressionante, pois ele presenciou, no destroço em que conseguiu se salvar, dois homens, traumatizados pelo torpedeamento, se jogarem ao mar depois de um acesso de loucura.

Fernandes contou que estava dormindo no momento do ataque. Foi acordado pelo estremecimento do navio, precedido do forte estampido. Logo apareceu o comandante perguntando ao oficial de quarto: "O que foi isso?" Nervoso, o oficial, "como se tivesse perdido a fala", nada respondia. Já percebendo o que ocorrera, o is piloto disse ao comandante: "Fomos torpedeados e estamos submergindo." Seguiu-se a voz de comando para que todos colocassem os salvavidas e corressem às baleeiras. Mas com a rápida inclinação do Araraquara, os escaleres caíram no mar sem que pudessem ser utilizados. Um outro acabou destruído com a queda de um toldo sobre sua base. com o navio praticamente adernado, sem baleeiras disponíveis, Fernandes gritou para os passageiros em desespero "que se salvassem como pudessem". Depois, deslizou pelo costado do navio até a quilha e lançou-se ao mar. "Ventava muito e as águas estavam bem agitadas", narrou, observando ainda que "a escuridão era quase completa". Assim, Fernandes mal podia enxergar quem estava por perto. Apenas conseguiu reconhecer o 3o maquinista.

"Nadei um pouco e quando me virei percebi que o navio ia desaparecendo." Alcançado em seguida por uma onda, agarrou-se a destroços da carga do navio, que também se chocavam contra ele. "Passou, então, boiando, um pedaço do toldo do

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botequim, e foi aí que pude realmente me firmar, evitando que o mar me tragasse." Pouco depois, recolheu um companheiro que se achava próximo. "Era o 3o maquinista, Eroghildes Bruno de Barros." E logo depois "o moço de convés, de nome Esmerino Elias Siqueira, e o 2o tenente, que, mais tarde, disse chamar-se Oswaldo Costa".

Àquela altura, já não cabia mais ninguém na tábua improvisada de escaler. O mar furioso arrastava os náufragos violentamente. "O moço de convés e o tenente pareciam desanimados. Clareando o dia, entretanto, melhoraram o estado de espírito. Eu recolhia o que podia do mar para fazer lastro, pois a água já atingia nossos joelhos.

Estávamos de pé e sentíamos muita fome e sede." Foi quando Fernandes se surpreendeu com um estranho pedido: "O moço de bordo pediu que eu lhe desse café. Percebendo que não estava no seu juízo perfeito, procurei acalmá-lo, fazendo ver que era impossível atendê-lo." Mas o rapaz reagiu dizendo que "ouvira bater a tampa, e, pois, estava na hora de tomar café com pão". Molhando a mão na água salgada, Fernandes passou-a em sua cabeça pedindo que tentasse descansar. Inútil: "Ele levantou-se e, possesso, tentou agarrar a garganta do tenente, que se achava inerte. Então, eu e o maquinista, empregando a força, o afastamos." Nesse instante, o rapaz apenas disse: "Já que não querem me dar comida, vou-me embora." E atirou-se ao mar.

192 A confusão fez com que o tenente despertasse de sua letargia. "Onde está Nelson?", perguntou com o ar perdido, sem esclarecer de quem se tratava. Em seguida, repentinamente, também se lançou ao mar. Fernandes agarrou-o pelas botinas e, com muito esforço, conseguiu traze-lo de volta à tábua. "Censurando sua atitude, pedi que tivesse tranqüilidade." Isso, contudo, de nada adiantou. Mostrando que delirava de loucura, fato comum em situações-limite semelhantes àquela, o tenente apenas afirmou que "ia para casa" e voltou a mergulhar. Dessa vez, Fernandes nada pôde fazer: "Se o tivesse tentado salvar novamente, a tábua poderia virar e morreríamos todos."1 Foram momentos dramáticos de um ataque que ninguém esperava. Ainda não era o bastante. Nas horas seguintes daquela noite fria e de mar revolto, o U-507 prosseguiu sua caçada.

No meio da madrugada, às 4h05 do dia 16, Schacht encontraria outro alvo para seus torpedos. O Aníbal Benévolo navegava nas imediações, segundo o comandante do navio, o Capitão-de-Longo-Curso Henrique Jaques Mascarenhas Silveira, "com as luzes dos salões e camarotes apagadas, conservando-se apenas acesos os faróis de navegação".

Exceto por uns poucos tripulantes de plantão, todos dormiam a bordo. O vapor seguia para o porto de Aracaju, a apenas 7 milhas náuticas do litoral, o que não impediu um novo ataque implacável do submarino alemão. Todos os 83 passageiros foram mortos, entre os quais 16 crianças. Só quatro dos 71 tripulantes sobreviveram. O comandante Henrique Jaques foi um deles e, corajosamente, logo estava de volta à zona de guerra num outro navio.

"Quando ouvi um forte estampido abafado, me encontrava no passadiço, assim como o imediato. Este, percebendo que o navio afundava, dirigiu-se para a casa do leme,

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onde pôs a funcionar o alarme, enquanto eu tentava arriar uma das baleeiras salva-vidas", lembrou Henrique Jaques, que se impressionou com a rapidez com que o navio afundou.

Revista da Segunda Guerra Mundial - Brasil Enfrenta a Agressão. Codex, 1966. 193 "Logo fui lançado na água descendo a uma profundidade que calculo em 10

metros", lembrou.com muita dificuldade, nadando em desespero, o comandante conseguiu chegar à

tona, onde, "mesmo na escuridão reinante", encontrou um tambor para se apoiar. Pouco depois, viu uma das quatro balsas que o navio possuía. Nela, conseguiu se acomodar até o dia clarear, "sempre perscrutando em volta na ânsia de descobrir algum outro náufrago a quem pudesse auxiliar". Mas ao redor, segundo ele, "só vagavam destroços". Deprimido, ele remo ia a lembrança do seu imediato correndo para a casa do leme para fazer funcionar o alarme, e de lá, provavelmente, não tendo mais tempo de retornar.

Na balsa, por mais que tentasse ouvir algo que sugerisse a presença de náufragos, Jacques apenas escutava "o marulho das vagas":

"Dali a pouco, porém, avistei dois tripulantes que pude salvar."2 Somente um outro tripulante, que chegou à costa milagrosamente agarrado a um destroço, sobreviveu a mais aquela tragédia. Somando os naufrágios do Baependi, do Araraquara e do Aníbal Benévolo, o U-507, num intervalo de menos de 12 horas, havia causado a morte de 551 brasileiros.

Uma informação fez com que surgissem suspeitas de sabotagem de agentes do Eixo. Três dos navios torpedeados acabaram ficando retidos no porto de Salvador por causa de um acidente na rede de abastecimento de água. Isso fez com que tivessem a partida retardada, resultando no seu agrupamento, o que poderia ter sido provocado propositalmente para que fossem alcançados pelo U-507. Nada, porém, foi provado.

com ou sem a ajuda da quinta-coluna, que, mesmo com os recentes golpes, aqui e ali ainda poderia estar agindo no Brasil, Schacht rumou na direção sul. Lá, pretendia interceptar os navios que chegassem a Salvador e os que deixassem seu porto para a navegação costeira ou em alto-mar.

No dia 17, já na altura do Farol do Morro de São Paulo, a 30 milhas do litoral baiano, o U-507 se deparou com o Itagiba, da Companhia de Navegação Costeira, que havia zarpado do Cais do Porto do Rio 2 Revista da Segunda Guerra Mundial - Brasil Enfrenta a Agressão. Codex, 1966.

de Janeiro quatros dias antes. Era um barco eminentemente usado para transporte de passageiros, mas isso já não importava. Sem pensar duas vezes, Schacht imediatamente o torpedeou. O estrago foi grande, mas não tanto quanto nos afundamentos na costa sergipana. O comandante José Ricardo Nunes e todos os seus oficiais se salvaram.

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Contudo, de um total de 181 passageiros, 36 acabaram morrendo.Mesmo com a informação dos ataques nos dias anteriores, permitiu-se que

largasse do porto de Salvador o Arará, um barco de 1 .050 toneladas, abarrotado de sucata, sob o comando do Capitão-de-Longo-Curso José Coelho Gomes. Nas imediações do seu trajeto estavam muitos náufragos do Itagiba, que foram resgatados sem hesitação.

No meio desse procedimento, o Arará acabou também sendo atingido por um torpedo do U-507. O barco afundou inapelavelmente levando consigo muitos dos que havia acabado de salvar. Vinte dos seus 35 tripulantes morreram. Uma hora depois, passava pelo local o iate Aragipe, que, provavelmente por não ter sido visto, não foi molestado pelo U-507.

Só com o aparecimento do cruzador Rio Grande do Sul, do Capi- tão-de-Fragata Jerônimo Francisco Gonçalves, e por causa da presença de aviões de patrulha, é que o submarino alemão se afastou. com isso, 159 náufragos dos dois navios puderam ser recolhidos do mar. O saveiro Deus do Mar, do mestre Guilherme Batista, também ajudou nessa tarefa. Mais tarde, um navio sueco foi atacado por um torpedo do U- 507 que não explodiu. O comandante Schacht parecia insaciável e somente deixou a área depois que foi obrigado a vir à superfície porque o submarino apresentou um problema de revestimento na porta do tubo dos torpedos. Um avião norte-americano o atacou, mas houve reação com tiros de canhão. Mesmo tendo, em seguida, um problema de vazamento na câmara de submersão, que foi reparado, o U-boat nazista fez a sua última vítima - num ataque que só comprovou o quanto era indiscriminada sua estratégia.

com cargas de detonação, na manhã do dia 19, a 10 milhas da Barra do Itariri, pôs a pique a barcaça Jacira, do mestre Norberto Hilário dos Santos, que transportava tão-somente piaçava, garrafas e peças de caminhão. Já bastava para Schacht, que, perce- Ibendo que poderia ser localizado a qualquer momento, deu por terminada sua operação.

195 Os sobreviventes dos naufrágios na costa baiana foram atendidos nos hospitais de Valença. Eles pareciam ter necessidade de exorcizar os momentos de horror vividos contando os detalhes dos ataques. O médico Hélio Veloso narrou o naufrágio desde o primeiro instante: "A bordo ninguém suspeitava, nem de leve, que estivéssemos prestes a sofrer qualquer agressão. O ataque verificou-se quando a terra já estava à nossa vista, à altura do Morro de São Paulo. O Itagiba foi colhido em cheio pelo torpedo, cuja explosão fez voar destroços por todos os lados. Estabeleceu-se pânico a bordo. A tripulação procurava acalmar os passageiros, ao mesmo tempo em que tomava medidas urgentes para o salvamento de todos. As baleeiras foram arriadas e os passageiros e tripulação começaram imediatamente a abandonar a embarcação.

Apareceu, então, o Arará fazendo o transbordo. Mas um submarino, provavelmente o mesmo, prosseguiu na emboscada sinistra. Mal os náufragos eram recolhidos pelo Arará e um outro torpedo atingia também este último barco, partindo-o

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ao meio. Ao atingir o alvo, o torpedo provocou uma grande explosão, a qual causou cinco mortes. As baleeiras foram arriadas desta vez com mais dificuldades, pois o Arará submergia rapidamente. Alguns escaleres ficaram amarrados e ameaçaram afundar, porém foram desvencilhados quase milagrosamente. Nessa altura, surgiu o iate Aragipe, comandado por Manoel Balbino dos Santos, que conduziu muitos sobreviventes de ambos os navios até Valença."3 O imediato do Itagiba, Mario Hugo Braun, foi um dos últimos a embarcar nas baleeiras, ao lado do comandante José Ricardo Nunes:

"Quando alcancei uma delas, a chaminé do navio, fortemente adernado, ameaçava cair sob nossas cabeças. Percebi o perigo e, antes que fosse atingido, lancei-me ao mar. Perdi meu salva-vidas e o deslocamento da água por causa do afundamento do navio puxou-me para o fundo. Quando voltei à tona, encontrei apenas destroços. Agarrei-me a um deles e nadei calma, mas energicamente, conseguindo chegar à terra." O comandante também se salvou a nado. Acabou pegando uma pneumonia que o deixou de cama com 40 graus de febre.

O Jornal- 20 de agosto de 1942. 196 O depoimento do soldado Pedro Paulo Figueiredo Moreira,4 que estava indo

para Olinda se incorporar ao grupo de artilharia que se formava na cidade, revelou outros momentos de grande desespero. com o navio totalmente adernado, depois de sentir "um medo tremendo", como confessou, ele se viu tomado por um "total desprendimento", a ponto de jogar-se ao mar decidido a se salvar. Nem o fato de ter sido "sugado pelas águas", por causa do afundamento, lhe tirou o ânimo. Depois de voltar à tona, ficou agarrado a um pedaço de madeira recuperando o fôlego. Foi quando se deparou com cenas que jamais imaginaria assistir:

"Vi companheiros serem puxados por tubarões, dando gritos de dor e desaparecendo em seguida. Outros pareciam perder o juízo, proferindo frases sem nexo, como 'quero ir a pé', antes de afundar", contou.

Depois de alcançar uma baleeira, que, "devido à superlotação, chegou a emborcar com os náufragos, lançando-os ao mar novamente", Pedro Paulo foi recolhido pelo iate Aragipe, sendo também levado para Valença.

A série de ataques teve um grande impacto também para os pilotos dos aviões que foram em busca do U-507. Do alto, o local de atuação do submarino alemão no litoral sergipano era pura desolação. Numa larga área, mais ou menos em forma circular, uma impressionante quantidade de destroços boiava sobre o mar. Parecia que um maremoto passara por ali "produzindo a destruição de uma fantástica civilização sobre as águas". Essa impressão vinha pela presença de muitos objetos de uso domiciliar: cadeiras, colchões, redes, mesas, roupas e pedaços de madeira, de todos os tamanhos e tipos. Incontáveis bóias salva-vidas eram como um testemunho dramático da dimensão da catástrofe. Era cedo ainda, o sol acabara de nascer, mas nas praias adjacentes, apesar de a região ser de baixa densidade populacional, se aglomerava uma grande quantidade de

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pessoas. Eram os espectadores do fim de uma noite de tragédias e do início de um dia de lágrimas. Chegavam à terra os restos de três navios; os destroços e os corpos das vítimas, que não eram poucas.

4 Posteriormente, Pedro Paulo fez parte da Bateria de Comando de Artilharia Divisionária da FEB, tendo servido na Itália durante a guerra.

197 "Vista do ar, aquela cena mais parecia um pesadelo do que o final de uma tragédia representada no palco da existência. Nessa hora, o que mais dói em nossa alma é a injustiça do destino. Por que o desespero e o sacrifício de tantos que não contribuíram nem de longe para tanta insanidade? Essa pergunta tem sido feita pelos justos através dos tempos e a resposta nunca foi encontrada. Só quando ela vier, se vier, essa dor que tanto dói haverá de terminar", declarou em suas memórias o brigadeiro Deoclécio Siqueira de Lima, veterano da FAB e um dos pilotos que sobrevoaram o local.

Em Aracaju, o clima era de consternação. Podia-se sentir no ar o peso do drama dos náufragos. As ruas se enchiam de pessoas buscando explicações para o terrível acontecimento. O Aníbal Eenévolo faria escala no porto da cidade e decerto muitos dos passageiros mortos eram moradores. Aquela gente, que inicialmente perambulava atordoada, meio sem rumo, logo saberia quem eram os responsáveis pelos ataques - e passaria a destruir tudo que se relacionasse com nomes de origem dos países do Eixo. "Nada mais detinha a explosão daquela ira. Consumava-se a tragédia, testemunhada nas praias, vingada nas ruas."5 Esse era um sentimento que arrebataria todo o Brasil, o que, naquele momento, impediu que fosse analisado o equívoco do Ministério da Guerra de permitir que efetivos militares, assim como material bélico, fossem transportados em linhas de cabotagem sem qualquer tipo de escolta. com o Comando Naval alemão possivelmente ainda recebendo informações da quinta-coluna, que, embora reduzida àquela altura, ainda se mostrava ativa, essa postura acabou expondo, indistintamente, tanto militares quanto civis. Mas, independentemente disso, se formaria uma imensa onda de revolta e indignação, que mudaria de modo irremediável os rumos do país durante a guerra.

Em 18 de agosto de 1942, a estação retransmissora do DIP irradiou para todo o país, e os jornais publicaram, o comunicado que chocaria o país:

"Pela primeira vez embarcações brasileiras, servindo ao tráfego de nossas costas no transporte de passageiros e cargas de um estado para o 5 A Patrulha Aérea e o Adeus do Arco e Flecha. Deoclécio Siqueira de Lima. Revista da Aeronáutica Editora.

198 outro, sofreram ataques de submarinos do Eixo (...) O inominável atentado contra indefesas unidades da marinha mercante de um país pacífico, cuja vida se desenrola à margem e distante do teatro de guerra, foi praticado com desconhecimento dos mais elementares princípios do direito e da humanidade. Nosso país, dentro de sua tradição, não se atemoriza diante de tais brutalidades e o governo examina quais as

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medidas a tomar em face do ocorrido. Deve o povo manter-se calmo e confiante, na certeza de que não ficarão impunes os crimes praticados contra a vida e os bens dos brasileiros." 199 A reunião ministerial que decidiu a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial Foto autografada pelo presidente americano Roosevelt, com mensagem de apoio aos estudantes brasileiros.

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A declaração de guerraA massa estudantil dessa vez não pediu licença. Simplesmente tomou para si as

ruas da capital federal. Eram cerca de 12 mil jovens, liderados por Luis Pinheiro Paes Leme, presidente da UNE, reunidos na Cinelândia para um comício em frente ao Teatro Municipal. Cartazes com desenhos de ratos envoltos com o emblema da suástica, com os nomes dos navios atacados ou com os dizeres "Queremos a guerra", expressavam o desejo de vingança da população. Apesar dos naturais arroubos retóricos e da queima de bandeiras nazistas, o movimento era pacífico e, por vezes, bem-humorado.

Estudantes fantasiados dos três líderes do Eixo - Hitler, Mussolini e Hiroito - encenavam esquetes ridicularizando os planos de dominação do mundo, tal como faziam seriamente os ditadores de Alemanha, Itália e Japão. Mas pela cidade já houvera momentos de perigosa confrontação. Num prédio da esquina da avenida Rio Branco com a rua da Assembléia, manifestantes tiveram de ser contidos pela polícia, depois que funcionários de uma empresa de seguros italiana, que funcionava no 3Q andar, jogaram água sobre eles. Pedras foram atiradas nas vidraças e por pouco não houve invasão da empresa com conseqüências imprevisíveis.

Os ânimos andavam de tal modo exaltados que muitas famílias alemãs, mesmo não simpáticas ao Eixo, eram hostilizadas, quando não agredidas. A estrutura autoritária da polícia do Estado Novo se empenhava, então, em perseguir e humilhar, indiscriminadamente, descendentes dos países do Eixo. Perdia-se o senso de justiça e, em especial, na região sul, foram cometidas verdadeiras atrocidades. Corria-se risco de vida só por falar o idioma alemão. Diversos colonos imigrantes foram presos arbitrariamente, sofrendo, inclusive, torturas.1 No Distrito Federal, estabelecimentos germânicos, como os bares Rhenania, Zepelim e Berlim (atual Bar Lagoa) foram depredados, assim como a sede do Clube Germânia, que acabaria fechado por ordem do governo. Localizada na Praia do Flamengo 132, a construção acabaria se transformando na sede da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Desde o primeiro protesto, na ocasião da queda de Filinto Müller, o papel de liderança da UNE, que a partir dali se estenderia pelas décadas seguintes, vinha se consolidando. O prestígio da entidade era tamanho que até o presidente Roosevelt enviou uma saudação numa foto autografada. As manifestações se sucediam, temperadas por palavras de ordem que pediam uma resposta firme e corajosa aos ataques. Escolas fechavam as portas em sinal de luto e aos estudantes se juntaram os marítimos.

Houve, então, uma outra passeata que começou na avenida Rio Branco e, seguindo pelo bairro do Catete, foi até o Palácio Guanabara. Da praia Vermelha, no bairro da Urca, outro grupo de estudantes, tendo à frente os acadêmicos de medicina, também partia para a sede do governo. "O coronel Alcides Etchegoyen assume a

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incumbência de ir adiante dos manifestantes, se responsabilizando inteiramente pela boa ordem dessa demonstração magnífica de protesto e revolta", noticiou O Jornal no dia 21.

Para o novo chefe da polícia do Rio, estar à frente de um movimento não chegava a ser uma novidade. Na Revolução de 30, Etchegoyen fora um dos oficiais que comandaram as quatro colunas que marcharam em comboios ferroviários na direção do Rio de Janeiro para ajudar na tomada do poder. Era, sem dúvida, um homem atraído por mudanças.

Todos foram então recebidos pelo comandante Octavio de Medeiros, chefe interino do gabinete militar da presidência. Da sacada do Guanabara, Getúlio Vargas, ao lado da primeira-dama Darcy Vargas e de sua filha Alzira, saldou a turba com um eloqüente discurso:

1 Memórias de uma (Outra) Guerra. - Cotidiano e Medo Durante a Segunda Guerra Mm, dial em Santa Catarina. Marlene Fávari. EDUFSC e Univali Editora, 2004.

"(•••) Quando há meses procurei alertar a consciência pública do país sobre os perigos que nos ameaçavam, não fazia uma campanha desnecessária. Tinha consciência do perigo que se aproximava. O perigo está aí, mas sempre tive a certeza de que o povo assumiria a atitude que está tendo nesse momento, que o povo atenderia o apelo do governo e marcharíamos como um único brasileiro para o cumprimento do nosso dever."2 Aos marítimos, Vargas declarou: "O mar é um símbolo da liberdade, e o povo que não defende os seus mares não é digno de viver." Enquanto isso, das janelas do Palácio do Itamaraty, Oswaldo Aranha falava para a multidão que se reunira especialmente para ouvir o ministro. Num clima de incontida emoção, Aranha, interrompido várias vezes por calorosos aplausos, disse que o Brasil jamais se curvaria ao inimigo:

"É inútil pensar que esses ataques à nossa navegação (...) modificarão nossa atitude política de apoio aos Estados Unidos. O povo brasileiro manterá seus compromissos, levando até o fim todas as suas obrigações a despeito de quaisquer agressões. Posso assegurar também aos brasileiros que me ouvem que, compelidos pela brutalidade da agressão, vamos operar uma reação que há de servir de exemplo para os povos agressores e bárbaros, que violentam a civilização e a vida dos povos pacíficos."3 Tantos afundamentos em tão pouco tempo acabaram com toda resistência que ainda poderia existir dentro do governo a uma atitude mais firme contra o Eixo. Num discurso vibrante aos oficiais e praças do Exército, o ministro da Guerra, general Eurico Dutra, que tanto criara obstáculos a uma ação mais dura contra a Alemanha, mostrava sua nova postura. Dizia-se que sua vontade passou a ser a de "enforcar todo alemão que encontrasse":

"Os afundamentos de nossos navios, ato monstruosamente criminoso, perpetrado friamente dentro dos nossos próprios mares, acarretando-nos perdas inestimáveis, cobre

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de luto os corações de todos os brasileiros (...) Nessa hora grave de nossa nacionalidade, o Exército con- O Jornal- 21 de agosto de 1942.

1 Oswaldo Aranha. Uma biografia. Hilton Stanley. Objetiva, 1994. 202 203 funde-se com o povo, ambos partilhando as mesmas emoções (...) e

obedecendo à voz de mando do chefe supremo da nação, cujas decisões devemos aguardar com calma, serenidade e disciplina."4 Por todo o país as manifestações de protesto se sucediam. No Recife, os estudantes também invadiram as ruas para realizar uma grande passeata. Levando bandeiras brasileiras e cartazes com os nomes dos cinco navios torpedeados, fizeram um ato público na Praça Independência, em frente ao Palácio do Governo, onde o interventor Agamenon Magalhães discursou. Depois se dirigiram para a frente do Diário de Pernambuco, onde foi feito um enterro simbólico do nazismo, enquanto gritos de "Viva o Brasil!" e "Abaixo o Eixo!" eram dados no tom mais alto que a estudantada podia.

Não havia clima para mais nada e até a rodada do Campeonato Pernambucano, que previa a realização do clássico Sport Recife e América, foi cancelada. O quadro era de total desolação, com cenas de desespero nas agências de navegação da cidade, onde famílias e mais famílias acorriam em busca de informações sobre parentes que estavam a bordo dos navios.

A reação da imprensa internacional também foi de revolta e indignação. O El Tiempo, do Uruguai, parecia tão agredido quanto o próprio Brasil:

"Irmãos brasileiros! Estamos convosco. Toda a América está praticamente em guerra." O argentino La Critica comparava a agressão sofrida pelo Brasil à que levou os Estados Unidos a entrarem no conflito:

"O afundamento de cinco navios brasileiros nas águas sul-americanas do Atlântico é a repetição, por parte do Reich alemão, do ataque japonês a Pearl Harbor. Em ambos os casos a agressão teve como características a covardia de um assalto sem declaração de guerra."5 Era uma situação sem volta. O Brasil, que tanto lutara para manter-se à margem do conflito, procurando, sob inspiração do seu presidente, apenas beneficiar-se comercialmente da beligerância alheia, agora estava prestes a oficialmente abandonar a neutralidade. Num manifesto contundente, os estudantes já se declaravam em guerra contra o Eixo:

"Temos proclamado, a milhares de vozes, a nossa posição política em relação aos acontecimentos internacionais: somos definitivamente contra o eixo totalitário. Hoje, após inqualificáveis atentados contra a nossa pátria, após criminoso massacre de centenas de brasileiros em nosso próprio país (...), após inumeráveis e constantes agressões nazistas no Brasil, a honra nacional reclama da nossa parte uma atitude mais firme e completa. Nossos barcos mercantes e de passageiros estão sendo torpedeados em nossas águas territoriais (...) numa inqualificável falta de respeito aos mais rudimentares princípios de humanidade. O ódio dos bárbaros contra nós não tem limite, atingindo as

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raias da covardia. Em face a tão monstruosos atentados à nossa soberania, e como fiéis intérpretes da alma nacional, resolvemos de comum acordo e numa unidade indissolúvel proclamar a existência de um estado de guerra entre os estudantes brasileiros e a Alemanha, a Itália e o Japão. Porque só a guerra nesse momento traduz o sentimento do povo brasileiro."6 A pressão sobre o governo era imensa. Estava em curso um movimento que misturava, num mesmo caldeirão, civismo, perplexidade e um certo pânico, causado por tantas mortes em tão pouco tempo. Um movimento que aproximava desde comunistas até conservadores antifascistas. Em conseqüência das agressões de submarinos à navegação de cabotagem, chegou-se até a temer um ataque ao Rio de Janeiro vindo do mar. O assunto foi seriamente discutido, a ponto de o Conselho de Segurança Nacional cogitar a transferência temporária do Governo Federal para Belo Horizonte, afastada pelo menos 500 quilômetros do litoral. Depois de consultado, o Ministério da Marinha vetou essa hipótese, garantindo proteção à cidade.

Para se executar essa tarefa, a privilegiada topografia do Rio de Janeiro seria uma grande aliada. Em visita ao Brasil, Louise Kieninger, responsável pela organização de serviços de defesa antiaérea nos Estados Unidos, afirmara que "essa corrente natural de morros da capital brasileira são magníficas fortalezas para o assentamento de inúmeras baterias 4 O Jornal- 21 de agosto de 1942.

5 Idem.O Jornal- 21 de agosto de 1942. 205 antiaéreas (...) São esteios naturais para a cidade defender-se com

extraordinárias possibilidades".7 Em face dessa enxurrada de acontecimentos não restou ao presidente Vargas outra alternativa senão convocar o seu ministério para uma reunião, que seria o primeiro passo para o processo de redemocratização do país. Pela primeira vez depois do golpe do Estado Novo, que instaurou uma ferrenha ditadura no Brasil, uma medida governamental seria tomada com base num sentimento que vinha de fora para dentro do governo e que expressava um anseio legitimamente popular. A decisão era irrevogável: estava declarado estado de beligerância com a Alemanha e Itália (o Japão, por não ter sido responsável por nenhum afundamento, não foi incluído).

O comunicado do DIP, no dia 22, anunciou para todo o Brasil a decisão."Diante da comprovação dos atos de guerra contra nossa soberania, foi

reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras - Alemanha e Itália.

Examinaram-se em seguida diversas providências." A repercussão foi imediata e, no próprio dia 22, o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, enviou uma mensagem de solidariedade a Getúlio Vargas:

"Fui informado de que o Brasil reconheceu hoje o estado de guerra com a Alemanha e Itália (...) Eu gostaria de expressar a Vossa Excelência a minha profunda

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emoção por este seu ato de coragem. Essa decisão alinha ainda mais firmemente o povo do Brasil ao lado dos povos livres do mundo na luta impiedosa contra as potências sem leis do Eixo e acrescenta poder e força moral e material aos exércitos da liberdade. Como irmãos de armas os nossos soldados e marinheiros escreverão uma página na história da amizade (...) e da cooperação que, desde os primeiros dias das suas independências, marcaram as relações entre o seu e meu país. A ação tomada pelo governo de Vossa Excelência apressou a vinda da vitória inevitável da liberdade sobre a opressão, da religião cristã sobre as forças do mal e das sombras."8 Vargas imediatamente respondeu ao presidente norte-americano, ressaltando que o Brasil se colocava em um outro patamar. Ou seja, como uma nação que participaria diretamente do conflito:

"Atento o recebimento da mensagem de Vossa Excelência acerca da declaração de beligerância entre meu país e os governos da Alemanha e Itália, que interpretou os sentimentos da nação brasileira. Meu governo não podia ter tido outra atitude em face dos atentados à sua soberania. Agora colocado entre os que defendem princípios de liberdade e autodeterminação contra os ímpetos cruéis da violência, das conquistas e do esmagamento de outros povos, o Brasil empenhará todas as suas energias para defender-se e revidar novas agressões. Desejo fazer chegar a Vossa Excelência, nessa conjuntura grave da vida americana, a certeza da nossa colaboração decidida até a vitória final."9 Logo o ministro Oswaldo Aranha comunicou aos governos da Alemanha e Itália, através do embaixador espanhol Raimundo Fernandez, a decisão brasileira. Fazendo questão de enfatizar "a orientação pacifista da política internacional do país", Aranha lembrou que partiu da Alemanha a iniciativa das agressões:

"(...) Sem consideração para com a atitude pacifista do Brasil, a Alemanha atacou e afundou, sem aviso prévio, diversas unidades mercantis brasileiras, que faziam viagens de comércio, navegando dentro dos limites do "Mar Continental", fixado na declaração XV do Panamá. A essas hostilidades limitamo-nos a opor protestos diplomáticos, tendentes a obter satisfações e justas indenizações, reafirmando nesses documentos nossos propósitos de manter o estado de paz. Ocorre, porém, que agora, com flagrante infração das normas do direito internacional e dos mais comezinhos princípios de humanidade, foram atacados, na costa brasileira, viajando em cabotagem, vapores (...) que transportavam passageiros, militares e civis, para portos do norte do país. Não há como negar que a Alemanha praticou contra o Brasil atos de guerra, criando situação de beligerância que somos forçados a reconhecer na defesa de nossa soberania. (...) Em nome do governo brasileiro, peço, senhor embaixador, que se digne Vossa Excelência a levar essa declaração ao governo do Reich para os devidos efeitos."10 1 Diário Carioca - 6 de junho de 1942.

8 Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 663. Maço 9876.'9 Idem.

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10 Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 663. Maço 9876. 206 207 O envolvimento do Brasil agora era completo, igual ao de qualquer

nação aliada. O embaixador norte-americano Jefferson Caffery resumia bem o novo contexto:

"A guerra, como a nós, vos foi imposta."11 Já Cordell Hull, secretário de Estado norte-americano, em mensagem a Oswaldo Aranha, afirmou que "não constituiu surpresa para os meus compatriotas ter a valorosa nação brasileira escolhido os riscos e agruras das batalhas ao ser atingida nos seus direitos e soberania". Hull enfatizou ainda a necessidade de agrupar forças:

"O mesmo perigo ameaça hoje em dia as 21 repúblicas americanas. Unidos, os nossos dois países enfrentarão o futuro com serena confiança e ânimo forte."12 Nos dias seguintes, os jornais do mundo inteiro repercutiram o fato. O Diário da Manhã, de Lisboa, dedicou um editorial para comentar o delicado momento vivido pelo Brasil:

"A declaração de guerra entre o Brasil e as nações do Eixo constitui o grande acontecimento diplomático que não poderia deixar de ter em Portugal particular repercussão, tendo em vista as relações de amizade que ligam os dois países de ascendência comum. Assim, Portugal, no extremo ocidente da Europa, erguido na sua posição atlântica e representando o último baluarte pacífico do velho mundo, acompanha, com o mais vivo sentimento de emoção sincera, os acontecimentos na pátria amiga e irmã que, do outro lado do oceano, se dispõe aos sacrifícios da guerra que cada vez mais tende a se ensangüentar e enlutar a humanidade."13 Já o Tribune de Lousanne, da neutra Suíça, reproduziu a mensagem de solidariedade do presidente Roosevelt a Getúlio Vargas, lembrando "a importância das bases aéreas existentes no extremo norte do país sulamericano". Ainda segundo o jornal europeu, "a declaração de guerra do Brasil aos países do Eixo trouxe profunda satisfação aos ingleses". 1 11 Correio da Manhã - 23 de agosto de 1942 12 A Manhã - 23 de agosto de 1942.

13 Reportagem contida no material do Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 663. Maço 9876.

14 Reportagem contida no material do Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 663. Maço 9876.

A prova veio com o editorial do londrino Sunday Express. O jornal afirmava que a declaração de guerra do Brasil à Alemanha "constitui um grande acontecimento":

"O Brasil é o mais poderoso dos países da América do Sul. O afundamento dos seus navios pelos submarinos do Eixo agrediu a sua neutralidade. Dessa forma, o Brasil vai lutar como nosso aliado, um aliado precioso, que deve arrastar consigo outros estados sul-americanos para o lado das democracias."15 De Washington, o embaixador Carlos Martins informou que a imprensa americana "não passa um só dia sem comentar a decisão do governo brasileiro de reconhecer o estado de beligerância com a Alemanha

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e Itália". A prestigiada revista Newsweek, por exemplo, dedicou uma longa reportagem, ilustrada com fotos do Forte de Copacabana, de Oswaldo Aranha e Getúlio Vargas, na qual era destacada a importância da contribuição do Brasil para o potencial bélico das nações unidas: "Ajuda do Brasil é vital aos Aliados", dizia o título da matéria. Um dos trechos do artigo faz referência ao gigantismo do país: "A maior e mais populosa nação da América do Sul está em condições de oferecer substancial ajuda militar. Suas forças armadas possuem cerca de 100 mil homens e podem chegar logo a 300 mil."16 Por causa desse novo momento, uma sucessão de episódios veio à tona. Na capital dos Estados Unidos foi criada uma comissão brasileiroamericana de defesa. O objetivo maior era o "de desenvolver uma estratégia de guerra na mais íntima colaboração possível entre os EstadosMaiores dos dois países". Um confiante general Marshall dizia que "o triunfo aliado era inevitável como o nascer do sol" e reafirmava a importância de fortalecer esse relacionamento:

"Hoje as forças armadas do Brasil estão sendo novamente conclamadas pelo seu governo a vingar os deliberados ataques do mais impiedoso inimigo que o mundo moderno já conheceu. Sentimo-nos estimulados e honrados com a sua presença do nosso lado. Juntos, teremos o 209 supremo dever de esmagar aquele que abomina os governos livres. Em nome do Exército dos Estados Unidos, estendo os nossos cumprimentos cordiais às forças combatentes do Brasil."17 A primeira medida de retaliação brasileira foi cassar, através de Decreto-lei, as cartas de patentes dos bancos do Eixo (Banco Alemão Transatlântico, Banco Germânico da América do Sul e Banco Francês e Italiano). Todos foram liquidados e os seus bens e direitos, a título de indenização, incorporados ao patrimônio nacional.

Cessaram também as negociações para compra de embarcações de países beligerantes que estavam ancoradas em nossos portos, muitas das quais, inclusive, já contando com tripulações nacionais. Vários navios, como acontecera na Primeira Guerra Mundial, foram apreendidos pelo governo. O Maceió, da armadora alemã Hamburg-Amerikan Linie, foi rebatizado de Sulóide e passou a servir nos Estados Unidos, onde, em 1943, acabou naufragando na costa da Virgínia. O Montevidéu, da Hamburg-Süd, que se encontrava refugiado no porto de Rio Grande, ganhou o nome de Bmsilóide e foi torpedeado no litoral baiano, em 18 de fevereiro de 1943, pelo submarino nazista U-518. Outro navio alemão apresado foi o Bollwerk, que, rebatizado de Nortelóiãe, foi perdido em 1945 por causa de um incêndio, quando singrava nas proximidades do cabo de São Tomé, no estado do Rio de Janeiro.

Mercantes de bandeira italiana tampouco escaparam de ser confiscados. Dos 19 que estavam refugiados em portos brasileiros, dez foram tomados e destinados a engrossar a frota do Lloyd. Do fim da guerra até 1950, sete deles foram devolvidos depois de acordos diplomáticos entre Brasil e Itália. O Auctoritas, rebatizado de Pelotaslóide, teve o fim mais trágico: foi afundado, na foz do Rio Amazonas, pelo submarino alemão U-509, em 4 de julho de 1943 - cinco pessoas morreram. Já o

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Bahialóide, ex-Liana, viveu dias de glória ao participar, depois de ser vendido aos Estados Unidos, em 1943, da construção de um quebra-mar artificial durante os preparativos para a invasão aliada na Normandia, em junho de 1944.

Outros procedimentos foram colocados em prática para ajudar a enfrentar o novo momento. Logo foi promovida uma campanha de ar- ' Correio da Manhã- 28 de agosto de 1942.

210 recadação de materiais utilizáveis na indústria de guerra. Em postos espalhados pela capital federal, foram coletados metais destinados à fusão para a fabricação de armas. A população aderiu em peso, da Cinelândia ao Largo da Carioca, passando pelos bairros de Vila Isabel, Madureira, Engenho Novo, "até a longínqua Ipanema".

Àquela altura, a vontade de todos era estar numa trincheira, ainda mais depois de uma reportagem publicada por O Cruzeiro na sua edição de 29 de agosto. com o título "A guerra chegou aos mares do Brasil", a revista, um fenômeno editorial que vendia mais de 700 mil exemplares semanais, mostrava fotos inéditas da tragédia com os navios brasileiros no litoral nordestino. Uma delas chocava particularmente. Era o corpo de uma menina morta ainda deitado na beira do mar.

"Alaíde, a brasileirinha de apenas 3 anos, tal como foi encontrada numa das praias do Sergipe. Imagem imorredoura da brutalidade nazista", deplorava, em tom dramático, a legenda de O Cruzeiro.

com tudo isso, o decreto-lei n. 10.358, assinado pelo presidente Getúlio Vargas em 31 de agosto, no qual o Brasil declarava oficialmente guerra à Alemanha e Itália, foi quase uma formalidade. Mas não deixava de ser um marco histórico. Depois de 18 afundamentos de navios da frota nacional que redundaram no sacrifício de 743 vidas (607 só nos ataques do U-507), não restava ao país outra alternativa. Era o fim de um longo processo. O Brasil, então, se colocava de modo claro e definitivo ao lado dos Aliados, o que não deixava de ser uma grande contradição. O Brasil de estrutura ditatorial, que ainda mantinha encarcerados aqueles que contestavam seu regime; o Brasil da censura, sem representação parlamentar; o Brasil, enfim, com as liberdades cerceadas entrava na guerra pela democracia contra o Eixo totalitário.

211 O Antonico, navio brasileiro torpedeado no mar das Antilhas Sirene antiaérea instalada no Rio de Janeiro, no auge das ameaças de ataque à capital.

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Fuzilamento em alto-mar

Nos primeiros dias de setembro, com o país mergulhado no conflito, foram tomadas algumas providências para proteger os navios da frota nacional. A partir do dia 5 começaram a ser criados comboios regulares entre portos brasileiros. No dia 12, a Força Naval Brasileira se integrou operacionalmente à Marinha dos Estados Unidos, comandada pelo almirante Ingram. Mas em terra também não faltavam ameaças. No dia da comemoração da Independência, a polícia da capital federal descobriu, em vários pontos onde seria realizada a tradicional parada militar, bombas-relógio prontas para serem detonadas.

No dia seguinte, 8 de setembro, o clima de guerra se instalou de vez no Rio de Janeiro. Toda a zona sul da cidade foi paralisada para que se realizassem exercícios de defesa antiaérea. Nos bairros de Copacabana, Ipanema e Leblon foi encenado o próprio caos, com sirenes sendo disparadas e o corre-corre de bombeiros e socorristas da Cruz Vermelha atendendo aos voluntários que, estendidos nas calçadas, simulavam ter sido feridos por bombas. Do hotel Copacabana Palace, quartel-general do Serviço de Segurança Passiva Antiaérea, e que tinha todas as lojas de sua galeria "protegidas por pesadas cortinas pretas", a primeira-dama Darcy Vargas acompanhava atentamente a movimentação.

Por medida de segurança, estava proibida aos moradores da orla marítima manter as janelas iluminadas durante a noite. A intenção era impedir que o inimigo tivesse referências na hora de atacar. Rondas policiais fiscalizavam se a determinação estava sendo cumprida. Sob comando do coronel Orozimbo Martins Pereira, o Serviço de Defesa Passiva Antiaérea também restringia a iluminação do Cristo Redentor, dos morros da Urca e do Pão de Açúcar e do relógio da torre do edifício da Mesbla, no Passeio Público. As precauções eram tantas que os prédios que estavam sendo construídos na zona litorânea da cidade, num mo- mento em que os empreendimentos imobiliários ali proliferavam, passaram a contar obrigatoriamente com abrigos antiaéreos subterrâneos.1 Nessas áreas, ficaram também proibidos os depósitos de combustível mantidos pelos postos de gasolina.

"No caso de um ataque, um dos objetivos do inimigo será naturalmente destruir esses depósitos, provocar incêndios e pavor nos moradores", avisava o Departamento de Administração do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

Eram dez os mandamentos do ministério no caso de um bombardeio:1 - Mantenha-se calmo e não se assuste, pois o pânico causa maiores danos que as

bombas do inimigo.2 - Não acredite em boatos, aguarde notícias oficiais.

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3 - Estando fora de casa e não havendo possibilidade de lá chegar em segurança, procure imediatamente um abrigo público ou um refúgio. Não permaneça na rua.

4 - Surpreendido por um ataque aéreo na rua, deite-se e comprima-se ao solo. Aproveite as depressões, valos, fossos e anteparos laterais.

5 - Estando em automóveis, procure, sem perda de tempo, um abrigo ou refugio, e, sem obstruir o trânsito, deixe seu carro com os freios cerrados e após ter verificado que as luzes do mesmo estão de fato apagadas.

6 - Estando em casa, aí permaneça. Evite andares superiores e os próximos ao solo (12 e 2o andares). Vá, com as demais pessoas, para o refúgio já preparado no interior do andar térreo ou no subsolo (porões e adegas), onde haverá conforto e segurança.

7 - Não permaneça perto das janelas ou nas peças que dêem para o exterior, pois é grande o perigo dos estilhaços de vidro e bombas.

8 - Apague os fogões a gás, feche as portas das fornalhas dos fogões a lenha e abafe o fogo.

9 - Apague as luzes, reduzindo a iluminação ao básico imprescindível nos abrigos e refúgios. Feche as janelas e portas da casa antes de ir para o refúgio.

10 - Quando as bombas estiverem caindo nas proximidades, abrigue-se dentro do refúgio, onde se acoitou.2 « Os abrigos antiaéreos não cresciam apenas no Rio de Janeiro. Em São Paulo, por exemplo mesmo distante do litoral, até abril de 1945 a Defesa Civil previa a construção de 281 abrigos, o que comprovava o receio de um ataque em grande escala. ' Recomendações do Ministério do Trabalho, em documentação do Arquivo Nacional.

As preocupações com a segurança eram tantas que o governo promoveu cursos de defesa antiaérea e primeiros socorros. Cento e quarenta e quatro pessoas se candidataram a freqüentar as 36 aulas que seriam ministradas, entre 15 e 28 de outubro de 1942, na Associação Cristã dos Moços.

Outra grave ameaça à população era a crescente dificuldade de se manter o equilíbrio econômico. Desde o início da guerra, em 1939, o país sofria com a queda significativa das exportações de produtos agrícolas, sobretudo o café, e com as dificuldades de importações de máquinas, matérias-primas industriais e combustíveis. com o intuito de coordenar com mais eficácia o funcionamento da economia, criou-se um órgão (Coordenação de Mobilização Econômica) para trabalhar no estímulo da produção industrial e agrícola, no abastecimento do mercado interno, no tabelamento de preços dos produtos alimentícios essenciais, na melhoria do sistema de transporte e também no combate à inflação. Subordinado à presidência da República, esse organismo foi dirigido inicialmente por um homem da mais absoluta confiança de Getúlio Vargas. Era o pernambucano João Alberto Lins de Barros, um ex-componente da Coluna

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Prestes, que posteriormente aderiu às hostes aliancistas, tornando-se um dos maiores conspiradores da Revolução de 30 - havia sido um dos oficiais que ao lado de Etchegoyen marcharam rumo ao Rio, a favor dos golpistas.

As medidas para minimizar os efeitos da guerra prosseguiram com a chegada ao Brasil, ainda naquele início de setembro, de uma missão norte-americana confiada pelo presidente Roosevelt a Nelson Rockefeller. O objetivo era "fomentar um maior entendimento cultural, político e econômico" entre os dois países. Apresentado por Herbert Moses, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), aos 36 jornalistas presentes na entrevista coletiva realizada no Copacabana Palace, •6 Rockefeller enfatizou a importância da união de esforços para derrotar o nazi-fascismo:

"O Brasil e os Estados Unidos atravessam neste instante os mo- I mentos mais sérios e difíceis da sua história, mas confio em absoluto no relacionamento indissolúvel das duas grandes nações. Estamos perfeita- mente equipados para lutar pela liberdade e pela independência, e estou certo de que com a unidade das Américas se obterá a vitória." ' Sobre a contribuição brasileira para o esforço de guerra, Rockefeller foi enfático:

215 "O Brasil já vem fornecendo, há muito, materiais para as nossas indústrias bélicas, tais como o manganês, a mica, o quartzo e outros. Temos a impressão de que esta produção só tende a desenvolver-se." A longa reportagem publicada em A Manhã do dia 2 de setembro listou as prioridades da missão: aumentar a produção local de mercadorias essenciais, especialmente as que antigamente eram importadas dos Estados Unidos, a fim de economizar espaço marítimo; adaptar as indústrias locais ao uso de substitutos de matérias-primas, em vez dos fornecimentos originalmente importados; manter e melhorar as facilidades de transporte; e lançar os alicerces para o duradouro fortalecimento de toda a economia industrial do Brasil.

Pelo menos num primeiro momento, nada disso foi suficiente para evitar diversos contratempos para a população. Em todas as grandes cidades, para se conseguir uma cota de pão, leite ou açúcar era preciso enfrentar longas filas desde a madrugada. Decretos eram assinados sucessivamente, geralmente trazendo prejuízos à classe operária, que via sua jornada de trabalho ser estendida e suas férias adiadas. Era a necessidade de mobilizar todas as forças produtivas no esforço de guerra, tal como acontecia nas principais potências aliadas. Tanto que, quando um grupo de 18 sindicatos enviou uma carta ao presidente pedindo "a aplicação de medidas de maior controle dos preços, para impedir a ação dos açambarcadores, atacadistas e intermediários em geral, na ganância de lucros cada vez maiores à custa do sacrifício do povo", fez a ressalva de que "o trabalhador se equipara ao soldado mobilizado, que combate no campo de batalha."3 Até das donas de casa se buscava apoio para esse "combate". Através de cartazes, a empresa distribuidora de gás do Distrito Federal chegava a recomendar que elas evitassem esquentar as refeições:

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"Aproveitem o verão para reduzir ainda mais o consumo de gás comendo pratos frios. A senhora defenderá assim a sua saúde e o seu bolso e contribuirá para a vitória do Brasil, pois toda diminuição no fornecimento de gás representa um aumento na produção (...) da indústria de guerra."4 Eram reflexos do acirramento de um conflito que estava longe de chegar ao fim. Os ataques do U-507 ainda ardiam na memória do brasileiro e as preocupações com a defesa do país só aumentavam. Uma boa notícia 3 Perfis Brasileiros. Getúlio Vargas. Boris Fausto. Companhia das Letras, 2006.

4 Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil (CPDOC).

216 foi a entrega, fruto do acordo militar com os Estados Unidos, de dois caça-submarinos - batizados de Guaporé e Gurupi -, os primeiros da Marinha brasileira dotados de escuta submarina.

Isso ainda foi pouco para garantir a defesa do litoral. Assim, decidiu-se proibir que qualquer navio deixasse os portos até que a organização dos comboios recém-criados estivesse terminada. Essa situação, contudo, era vista por muitos como vergonhosa. Em audiência com o ministro da Marinha, Aristides Guilhem, representantes das classes marítimas deixaram claro que "preferiam morrer a deixar seus navios apodrecendo nos portos, na humilhante situação de vencidos".5 Diante desse espírito de resistência, não houve como impedir que embarcações que já estavam carregadas zarpassem, mesmo que ainda protegidas por comboios precariamente organizados, com escoltas insuficientes. Foram os casos dos vapores Osório e Lajes, que acabaram partindo do porto de Belém rumo a Nova York. Nem o fato de estarem protegidos pelo navio norte-americano USS Roe evitou que fossem postos a pique, quando ainda se encontravam próximos à foz do Rio Amazonas, a cerca de 50 milhas da costa paraense. O Osório, que tinha em seu currículo o recolhimento de náufragos do navio norte-americano Robin Hooã, foi atingido às 20hlO do dia 27 de setembro, afundando em 25 minutos. Dos 39 tripulantes, morreram cinco, entre eles o comandante Almiro de Carvalho.

Segundo o comissário José Joaquim de Moura, depois que o torpedo atingiu o navio, o comandante ficou a bordo orientando o embarque nas baleeiras e ajudando a cortar a talha presa a uma delas. Depois disso, inexplicavelmente, acabou não atendendo aos chamados de seus homens para também abandonar o Osório.

"Repentinamente, virou-se e caminhou na direção do seu camarote, não sendo mais visto. Provavelmente, afundou junto do seu navio",6 contou o comissário.

Joaquim de Moura relatou ainda a odisséia vivida pelos homens de sua baleeira até serem resgatados:

"A baleeira estava cheia d'água, menos de um palmo fora da superfície. Além disso, não dispúnhamos de velas. Tão próximo o mar estava 5 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio 1 de Janeiro, 1985.

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6 Correio da Manhã - 15 de outubro de 1942. 217 das bordas do barco que, cada vez que púnhamos um balde para fora, outro

tanto de água voltava para o seu interior. Assim, navegamos a noite toda até que encontramos, vagando vazia ao sabor das ondas, outra balsa do Osório. Dez dos nossos homens para ela passaram. O peso ficou aliviado e tornou-se mais fácil tirar água da baleeira.

Então, os dez companheiros voltaram a bordo trazendo água para beber e mantimentos que estavam na balsa. Depois, ainda encontramos outra balsa com 19 sobreviventes, a maioria ferida. Finalmente, encontramos o iate Concórdia, que recolheu os náufragos levando-os para a localidade de Mosqueiro, onde fomos todos atendidos."7 Uma hora depois, o Lajes, que seguia no mesmo comboio, mas que foi separado porque lançava fumaça pela chaminé, também foi atingido, embora estivesse armado com um canhão e levasse a bordo quatro homens da Marinha. Da tripulação de 49 pessoas, três morreram no ataque. A informação do naufrágio rapidamente chegou a Belém, pois o telegrafista teve tempo de enviar uma mensagem. Além disso, uma das baleeiras que levava seis tripulantes foi avistada por um avião de guerra que logo pediu socorro à sua base. O responsável pelo torpedeamento tanto do Osório quanto do Lajes foi o U-5l4,% do Capitão-Tenente alemão Hans Jürgen Aufferman.

A essa altura, sob o comando do Capitão-de-Longo-Curso Américo de Moura Neves, o Antonico já havia deixado as águas territoriais brasileiras. Seguia ao longo da costa da Guiana Francesa, em 28 de setembro, quando foi atacado pelo U-516,9 do Capitão-Tenente Gerhard Wiebe. Por ser um navio de baixa tonelagem (1.243), submergiu ainda mais rapidamente, obrigando a tripulação a baixar apressadamente os escaleres. Já dentro deles, imaginando-se salvos, os homens do Antonico foram surpreendidos quando a artilharia do submarino nazista, dirigida pelo tenente Markle, foi apontada para eles. Foi dada a ordem para atirar. Indefesos, os tripulantes acabaram metralhados.

7 Idem.8 O U-514 foi o responsável por nove afundamentos até ser abatido, em 8 de

julho de 1943, a nordeste do Cabo Finisterre, Espanha, por foguetes do avião britânico Liberator, do esquadrão 224/R. Toda a tripulação de 54 homens morreu.

9 O U-516foi entregue em 12 de maio de 1941. Teve sucesso em 16 afundamentos ao longo da guerra. Rendeu-se em Lough Foyle, Irlanda do Norte, ao fim da mesma. Foi transferido para Lisahally em 14 de maio de 1945, fazendo parte da Operação Deadlight.

218 Possivelmente, essa ação foi fruto de uma decisão tomada por Hitler depois que, em 12 de setembro, o U-516, o mesmo que atacara o cargueiro brasileiro Alegrete, torpedeou o Lacônia, um transporte inglês que navegava com 1.800 prisioneiros italianos a 250 milhas da Ilha de Ascensão. Enquanto estava na superfície, telegrafando

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para que belonaves francesas de Dacar viessem resgatar os náufragos, o submarino nazista acabou bombardeado por um avião norte-americano baseado em Ascensão. Os alemães, "dali em diante, deveriam metralhar as baleeiras e não tentar salvá-las",10 sentenciara o Führer.

As conseqüências para a tripulação do vapor brasileiro foram trágicas. Dezesseis dos quarenta homens a bordo acabaram sendo mortos, inclusive o comandante Américo Neves. Os náufragos, muitos deles feridos, temendo um tratamento hostil dos franceses fiéis ao Governo de Vichy,11 evitaram a Ilha do Diabo, a mais próxima do local do afundamento, indo aterrar numa praia deserta da povoação de Hattlers. Lá, foram medicados e transferidos clandestinamente para o Suriname, onde os feridos mais graves ficaram hospitalizados.

Esse episódio foi tão marcante na história dos afundamentos dos mercantes nacionais que, depois da guerra, baseando-se na condenação pelo Tribunal de Nuremberg do comandante Heinz Eck e de outros dois tripulantes do U-852,n que no Oceano Indico metralhou e lançou granadas nas baleeiras em que se encontravam os náufragos de um navio mercantil grego, o Brasil pediu a punição de Gerhard Wiebe e do tenente Markle, algozes do Antonico. O caso chegou a tramitar pelas repartições brasileiras e internacionais até que a Marinha, após um parecer desfavorável da Consultoria Geral da República, resolveu desistir da solicitação de extradição dos culpados para serem julgados no Brasil.

10 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.

11 Em Vichy, ficava a sede do governo da França não-ocupada, dirigida pelo marechal Pétain e aliada da Alemanha nazista.

12 O comandante Eck foi condenado à morte e os dois tripulantes pegaram pena de prisão perpétua e de 15 anos, respectivamente.

219 SUBMARINOS DO EIXO AFUNDADOS NA COSTA BRASILEIRA * Esse era o único submarino italiano. Todos os outros eram alemães.

** Era um submarino abastecedor, que transportava torpedos, combustíveis, medicamentos e alimentos para os submarinos em operações. Foi o único que operou no litoral brasileiro. Depois de avariado por um avião aliado, os próprios alemães decidiram afundá-lo. Seus homens e suprimentos foram distribuídos entre o U-772 e o U-185, que posteriormente foram também destruídos.

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Tempo de estabelecer estratégiasOs acontecimentos dos últimos meses vieram como um turbilhão, modificando

inteiramente o panorama político internacional. Naquele outubro de 1942, era nítida a impressão de que o Terceiro Reich não era imbatível. Havia quase um ano que os Estados Unidos tinham entrado na guerra, o que já fazia uma imensa diferença. Hitler lutava em três frentes e dava sinais de que não poderia ir muito longe. Pouco a pouco, as forças dos seus exércitos se dissipavam. As indústrias bélicas alemãs, apesar de passarem a produzir em grande escala se preparando para uma guerra industrial de longo prazo, deixando de lado a estratégia da Blitzkrieg, com o tempo não dariam conta de repor as perdas que a Wehrmacht vinha sofrendo.

Nas imediações de Stalingrado, com a chegada do frio de 8 graus negativos e das fortes nevascas, típicas das estepes soviéticas, os campos de batalha se transformavam em imensos atoleiros. As tropas alemãs ficaram encurraladas. Haviam caído numa grande cilada e em breve estariam cercadas pelo Exército Vermelho. O jornalista Harold King, correspondente da Reuters em Moscou, descrevia os momentos dramáticos vividos pelos soldados de Hitler:

"Os alemães não podem mais sair de Stalingrado. Isso constitui uma situação paradoxal, depois de três meses de tentativas de blitz, que custou ao inimigo centenas de milhares de vidas e milhares de tanques e aviões. A luta nas ruas e nas casas de Stalingrado está se tornando cada vez mais difícil. Os alemães não conseguem mais avançar um passo, nem recuar. Caíram numa verdadeira armadilha." O jornal A Manhã do dia 22 de dezembro confirmaria o desastre que se avizinhava:

"Vinte e duas divisões alemãs estão isoladas entre os rios Don e Volga, em frente a Stalingrado." Pelo lado oeste da Europa, a situação era igualmente delicada para os nazistas. Os ataques dos aviões da RAF a centros industriais alemães eram cada vez mais severos, trazendo prejuízos incalculáveis. Estradas de ferro que ligavam o país à Itália também eram alvo dos pilotos ingleses, assim como a cidade de Turim, onde inúmeros quarteirões estavam sendo castigados por ininterruptos bombardeios. O panorama nas águas do Pacífico não era diferente. As perdas navais japonesas, em quase um ano de guerra, passavam de quinhentos navios, enquanto as dos Estados Unidos não chegavam a cem.

Na África, os ingleses conseguiriam, vencendo a famosa Batalha de El-Alamein - prioridade que fez com que fossem adiados os planos de desembarque na Normandia -, pôr uma pá de cal nas pretensões do Reich de alcançar os poços petrolíferos do Oriente Médio, o que possibilitaria também a abertura de outra frente de ataque à União Soviética. Exultante, Churchill considerou essa vitória "uma página gloriosa nos anais militares da Inglaterra":

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"Ela marcou, na verdade, a virada da balança da sorte. Antes de El-Alamein, nunca tivemos uma vitória. Depois, nunca mais tivemos uma derrota",1 disse o primeiro-ministro britânico.

Para Churchill, o sucesso da empreitada africana era fundamental. Significava também derrotar a "Raposa do Deserto", o que seria um duro golpe no moral dos alemães.

"Bater Rommel, o que mais importa?", chegou a perguntar.com esse espírito, Churchill nomeou o vitorioso general Montgomery para

comandar a ofensiva na África. À frente do 8Q Exército, Montgomery teve à sua disposição um arsenal inédito: 1.350 tanques - quase a metade deles do tipo Sherman americano, estalando de novos -, além de novecentos canhões, um exército de 240 mil homens e aviões que já dominavam os céus da região. A seu favor, Montgomery contou ainda com informações preciosas sobre a disposição das tropas inimigas e as rotas que utilizavam - dados fornecidos depois que decodificadores ingleses da Escola de Códigos e Cifras do Reino Unido, situada em Bletchley Park, quebraram o código secreto Enigma, que os alemães julgavam indecifrável.

1 Memórias da. Segunda Guerra Mundial. Volume II. Winston S. Churchill. Nova Fronteira, 2005.

224 Os soldados do Eixo estavam reduzidos, naquele momento, acerca de 60 mil combatentes e também em desvantagem pela carência de armamentos (tinham menos de cem tanques) e combustível. Resistiam bravamente, mas, apesar disso, depois de inicialmente repelirem o oponente, suas linhas foram paulatinamente sendo rompidas "no arco de 160 quilômetros que defendiam em volta deTúnis e Bizerta".2 Quando informado da iminência do desastre, Hitler fez a Rommel a exigência que seria sua marca a partir das sucessivas derrotas. Intransigente, determinava que não cedesse nem um metro de terreno e lançasse todos os canhões e soldados para a batalha. Decepcionado, Rommel reclamava que, em vez de gasolina e aviões, só recebia ordens. Mas o general alemão não deixou de reconhecer o valor do adversário, que conseguiu romper linhas seguidas de postos de metralhadoras, bem escudadas por um vasto campo minado:

"A artilharia inglesa demonstrou, mais uma vez, sua conhecida exce- lência. Especialmente digna de nota foi a sua grande mobilidade e sua rapidez no atendimento aos pedidos das tropas de assalto", afirmaria Rommel. Percebendo que seus comandados seriam massacrados pela torrente aliada - além dos exércitos ingleses, um grande contingente de soldados americanos vindos da base de Natal desembarcava no Marrocos -, o general alemão, contrariando a recomendação de Hitler de lutar até o último homem, ordenou que o que sobrara de seus exércitos recuasse. Como Montgomery preferiu não arriscar as posições conquistadas, e avançar apenas timidamente, foi possível evacuar o grosso das tropas que ainda resistiam. Era o fim da supremacia do Eixo na região.

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Isso acabou trazendo uma grande vantagem estratégica aos Aliados. Os comboios que antes eram obrigados a se deslocar pela desgastante rota ao redor do Cabo da Boa Esperança agora poderiam seguir pelo Mediterrâneo até o Egito, as índias e a Austrália. Estavam protegidos desde o Gibraltar até o Suez pelas bases navais e aéreas recém-conquistadas.

Chegara o momento de romper a fortaleza do Reich na Europa. Mas os Aliados estavam divididos sobre a melhor forma de buscar esse objetivo. Os atritos eram intermináveis.

Os norte-americanos insistiam em concentrar todas as forças no Canal da Mancha, enquanto os ingleses 2 Um Mundo em Chamas. Martin Kitchen. Jorge Zahar Editor, 1993.

225 propunham atrair a atenção dos alemães para o Mediterrâneo, fazendo-os pensar que a invasão poderia acontecer pela Itália. com receio das dificuldades de enfrentar um inimigo "experiente e ardiloso" onde se encontrava mais entrincheirado, chegaram a propor essa estratégia de ataque, "imaginando uma chegada triunfal a Roma".3 Nenhuma dessas desavenças, aparentemente, diminuía a satisfação do presidente Roosevelt naquele momento. Sua determinação de aniquilar as pretensões do Eixo na África Ocidental aumentava a cada dia. Tal como o premier inglês, Roosevelt apostou muitas fichas nessa empreitada, como revelou uma carta que enviou ao presidente Vargas em novembro de 1942. Estava em andamento a chamada Operação Torch:

"Lançamos uma força expedicionária de grandes proporções para ocupar a África francesa do norte e oeste. Para defesa de todas as Américas e muito particularmente com respeito à defesa do Brasil, torna-se imperativo que se tomem medidas imediatas para evitar a ocupação da África francesa pelo Eixo. As operações empreendidas pelas forças armadas dos Estados Unidos afastaram esta ameaça iminente à segurança dos nossos dois países e de nosso hemisfério (...) Essas medidas serão o primeiro passo da libertação da França. É difícil, para mim, expressar a Vossa Excelência a grande apreciação deste governo pelo valioso auxílio que o Brasil tem prestado ao nosso esforço de guerra. Desejo, assim, que Vossa Excelência fique pessoalmente ciente dessas operações porque estou certo de que reconhecerá a sua significação e importância."4 Convicto da vitória final, após uma viagem de inspeção a acampamentos de soldados em treinamento e a bases e fábricas de material bélico, Roosevelt deu uma entrevista, publicada nos jornais de todo o mundo, na qual não disfarçava o desejo de esmagar sem dó nem piedade as forças nazi-fascistas, seja em que lugar fosse:

"Nosso objetivo hoje é claro: destruir completamente o poderio militar da Alemanha, da Itália e do Japão, a um ponto tal que sua ameaça contra nós e contra todas as outras nações unidas nunca mais possa ser reeditada para as futuras gerações. Estamos em busca de uma vitória de tal natureza que possa garantir que os nossos netos

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possam crescer (...) inteiramente livres da constante ameaça de invasão, da destruição e escravidão."5 O quadro que então se desenhava podia ser muito bom para os Aliados como um todo, mas, paradoxalmente, apesar das palavras de Roosevelt na carta a Vargas, não era vantajoso para o Brasil, pelo menos no que diz respeito ao interesse do país em manter-se como uma peça-chave no contexto geral do conflito. com o esfacelamento dos exércitos de Rommel na África, estrategicamente, o Nordeste brasileiro perdia em importância, o que fazia com que diminuísse o poder de barganha do país (principalmente em relação ao fornecimento de armamento por parte dos americanos). O presidente Vargas percebia esse novo momento e buscava alternativas para que o país continuasse a ser, independentemente de ter declarado guerra ao Eixo, um parceiro efetivo dos Estados Unidos. Foi refletindo sobre essa conjuntura que começou a pensar na possibilidade de enviar tropas para a luta no front europeu.

Naquele crepúsculo de 1942, com a reviravolta da guerra, Vargas tinha consciência de que precisava firmar ainda mais a posição do Brasil no cenário mundial como uma nação pró-aliada, que deixara para trás, definitivamente, os tempos dúbios em que surfava na prancha do prag- matismo, enquanto colhia os frutos do choque de interesses entre os Estados Unidos e a Alemanha. Mais do que isso, sabia que necessitava apagar a mancha do período em que apostava na vitória das potências nazi-fascistas, prognóstico também da hierarquia militar que o sustentava. Assim sendo, a criação de uma força expedicionária significaria o seu !:) fortalecimento pessoal, além de ser um bom pretexto para a manutenção da entrega de material bélico ao país e, conseqüentemente, a continuida- Ide do apoio das forças armadas a seu governo. A preocupação de garantir solidez política, independentemente da revalorização de ideais democráticos, ficou bastante clara, em 10 de novembro, nas comemorações do quinto aniversário do golpe do Estado Novo, quando o presidente fez questão de rechaçar qualquer mudança nos quadros institucionais:

' Um Mundo em Chamas. Martin Kitchen. Jorge Zahar Editor, 1993.' Carta de Roosevelt a Vargas. Rolo 7. Fotograma 0472 a 0473. CPDOC/FGV.•>AManhã-U de outubro de 1942. 227 "O que nos cumpre agora é aperfeiçoar o aparelho político-administrativo

(...), preparando o país para a sucessão normal dos seus dirigentes dentro das fórmulas da democracia funcional que instituímos." E assinalou: "Considero mero bizantínismo indagar se o novo regime é democrático ou não."6 Essa declaração de Vargas era sintomática. Ele sabia que os ventos da liberdade sopravam com tal força que poderiam varrer em breve seu governo. A conta dos anos de ditadura chegaria a qualquer momento e os inimigos do regime que fundara, percebia o presidente, logo estariam a postos para ferroá-lo. Desde a época em que o Brasil rompera relações diplomáticas com o Eixo, conforme anotou em seu diário, ele pressentia que poderia ver sua obra política inacabada:

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"Ao encerrar essas linhas, devo confessar que me invade uma tristeza profunda. Grande parte desses elementos que aplaudem essa atitude são os adversários do meu governo (...) e chego a duvidar que possa consolidá-lo para passar tranqüilamente ao meu substituto."7 Nesse cenário, para levar à frente seus planos políticos, a FEB seria de grande valia. Vargas também estava convicto de que isso daria ao Brasil um status que o colocaria numa posição mais vantajosa no realinhamento de poderes que ocorreria ao fim do conflito, "especialmente no âmbito das nações unidas, cuja organização (que resultaria na ONU) as grandes potências já cogitavam".8 O Brasil acabaria sendo o único país da América Latina a mandar tropas para lutar na Europa.9 Ao contrário do que muitos imaginam, portanto, a idéia de formar um contingente brasileiro para combater na Europa não foi dos Estados Unidos, que, na verdade, nunca desejaram o envolvimento direto de 6 Centro de Pesquisas e Documentação em História Contemporânea da FGV (www. cpdoc.fgv.br).

7 Perfis Brasileiros. Getúlio Vargas. Boris Fausto. Companhia das Letras, 2006.8 Idem.9 Os anos do pós-guerra, no entanto, trouxeram uma grande decepção para os

brasileiros. Conforme salientou o professor de política internacional Vágner Camilo Alves em seu livro O Brasil e a Segunda. Guerra Mundial, os Estados Unidos abandonaram a América Latina e, devido à Guerra Fria, voltaram-se inteiramente para a Europa e o Extremo Oriente. A colaboração econômica e militar passou a fluir fundamentalmente para estas áreas, onde se encontravam, inclusive, os antigos inimigos do Eixo.

228 qualquer país latino-americano numa guerra industrial, como aquela que se desenrolava. A iniciativa foi puramente do governo brasileiro, que, sem demora, passaria a veicular nos inúmeros órgãos de comunicação estatais uma intensa propaganda que promovia o Estado Novo através de toda uma simbologia que surgiria a partir da FEB. As rádios, vivendo sua fase áurea, passariam a tocar marchas com letras que associavam a presença do país na Itália a uma convicção de que a vitória seria inevitável. Os pracinhas eram exaltados em músicas como Canção do Expedicionário, que estimulavam o sentimento nacionalista do povo.

"Você sabe de onde eu venho? Venho do morro, do engenho, das selvas, dos cafezais, da boa terra do coco", dizia a abertura da composição do maestro Spartaco Rossi e do poeta Guilherme Almeida, autor também dos versos que embalaram os revolucionários paulistas em 1932.

Mas talvez o símbolo mais difundido no período tenha sido a insígnia da cobra fumando. Era a resposta aos que afirmavam que seria mais fácil uma cobra fumar do que os brasileiros irem lutar no front europeu. Ao terminar a guerra, porém, tudo mudou. Depois de uma calorosa recepção, em que desfilaram heroicamente pelas ruas da capital federal, por determinação do governo, os expedicionários foram apressadamente

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desmobilizados, sendo, inclusive, proibidos de ostentar condecorações e andar uniformizados. Eram devolvidos aos seus lares, sem qualquer assistência ou garantia de emprego. Mesmo os que tinham seqüelas do conflito - mutilações, deficiências visuais e auditivas, neuroses e alcoolismo - acabaram esquecidos.

Segundo o professor de história Francisco César Alvez Ferraz, autor da tese A Guerra que não Acabou - a Reintegração Social dos Veteranos da FEB, "as dificuldades para partilhar com a sociedade as recordações da participação na guerra, por parte dos veteranos, eram semelhantes à da reintegração social. As pessoas já não queriam ouvir os ex-pracinhas e suas histórias das batalhas, e várias vezes ex-combatentes chegaram a escutar que o que fizeram na Itália fora mais um passeio do que a participação numa guerra de verdade. A dificuldade material se somava à desvalorização de seus feitos e sacrifícios em combate".

Essa marginalização foi conseqüência da decisão da cúpula militar do Estado Novo de impedir, a todo custo, uma possível utilização política dos pracinhas que lutaram pela democracia - o que fez com que 229 acabassem sendo tratados como estorvos.10 Tinha-se a ilusão de que, assim, ficaria menos evidente a estrutura totalitária do governo Vargas. Nada disso impediu que, em outubro de 1945, o presidente caísse para que fossem realizadas eleições.

Mas naquele fim de 1942, apesar dos primeiros sinais de desgaste do Eixo, a realidade ainda apontava para as águas do Atlântico, onde a campanha submarina alemã prosseguia com sua rotina de afundamentos. Segundo o almirante Ingram, três medidas eram urgentes: guerra total aos submarinos do Eixo; proteção à navegação mercante ao longo da costa, sem a qual ficaria ameaçada a vida econômica do país; e o desenvolvimento de forças armadas terrestres, navais e aéreas.

Em relatório enviado ao presidente Vargas, em 6 de outubro, o general Góes Monteiro narrou o essencial das discussões que tivera com o comandante da 4a Esquadra norte-americana baseada no Brasil:

"Referindo-se em particular à terceira questão, o almirante Ingram explicou que os pedidos de material de guerra estão sujeitos a uma certa ordem de prioridades (...) havendo presentemente outras frentes de batalha (Europa, Ásia e África) que têm de ser atendidas preferencialmente. Entretanto, afirma que, quando o Brasil fizer pedidos razoáveis, ditados pela ordem de urgência do presente modelo, ele porá todo o empenho para que os mesmos sejam considerados e atendidos o mais rapidamente possível pelo governo dos Estados Unidos."11 Não era difícil interpretar a posição americana. Havia uma guerra feroz em curso, uma guerra de extensão jamais vista até então. Evidentemente que as prioridades estavam onde as batalhas eram mais encarniçadas, onde se digladiavam grandes exércitos, onde o futuro de nações hegemônicas estava sendo decidido. Mesmo assim, depois do Gurupi e do Guaporé, em dezembro, mais quatro caça-submarinos foram incorporados à Marinha brasileira. Foram eles o Javari, o

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Jutat, o Juruá e o 10 Apenas em 1988, com a nova Constituição Federal, os veteranos de guerra do Brasil conquistaram o direito de uma pensão especial. Só então tiveram o reconhecimento do que fizeram em combate. Contudo, para a maioria o benefício veio tarde demais. Dos 25 mil expedicionários, menos de 10 mil estavam vivos.

11 Rolo 7, fotograma 0348 a 0351. CPDOC/FGV. 230 Juruena, trazidos de Miami já, inclusive, em operações de guerra. Por onde

passaram, até a base de Natal, onde ficariam fundeadas, as belonaves "não encontraram qualquer sinal de hostilidades".12 Apesar de menos freqüentes, no entanto, as hostilidades prosseguiram; nem sempre com tanto sucesso. Estando a maioria dos mercantes armados, não seria mais tão simples para os submarinos afundarem navios brasileiros.

Em outubro, no dia 29, o Correio da Manhã anunciava a façanha do cargueiro Rio Branco, do Lloyd Brasileiro. A caminho de Nova Orleans, ao ingressar no Mar do Caribe, um dos vigias da embarcação deu o alarme de que, a cerca de 3 mil metros, estava postado um submarino. com potentes binóculos, que passaram a fazer parte do equipamento das embarcações, foi possível avistá-lo. Estava parado no sentido perpendicular, pronto para atacar. com uma rápida manobra, o Rio Branco mudou de posição e, antes que fosse alvejado, lançou sua artilharia contra o inimigo. O comandante Manoel Lopes de Oliveira contou como foi possível evitar que o cargueiro engrossasse as estatísticas de navios brasileiros afundados:

"Quando navegávamos no Mar do Caribe, foi visto por bombordo, na distância de aproximadamente 3 quilômetros, o periscópio e parte da torre de um submarino, que elevava-se a um metro da superfície. Tinha a cor cinzenta e uma pequena mancha branca parecendo ser sua numeração. O imediato foi um dos primeiros a divisar o objeto no mar, manobrando imediatamente o navio para boreste, colocando o submarino na popa e disparando o primeiro canhão contra o mesmo. Ficando essa nave de guerra na esteira do navio e estando ainda à vista o seu periscópio, foram dados mais oito tiros, sendo que dois chegaram muito perto do alvo. Quando atacado por nós, conservou-se a distância estimada de 2.500 metros pela popa, mas sempre submerso, mantendo o periscópio de fora (...) Depois de um dos tiros, foi observado sair em um dos seus bojos uma pequena coluna de fumaça (...) A partir daí, o submarino distanciou-se, não sendo mais visto."13 Para evitar a surpresa de um contra-ataque, sinais de socorro foram emitidos pela estação telegráfica a bordo. Eles foram captados pela esta- 12 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.

13 Correio da Manhã - 29 de outubro de 1942. 231 ção costeira em Barbados e logo um avião da Força Aérea norte-americana

sobrevoava a região, seguindo em operação de reconhecimento. O Correio da Manhã

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chegou a noticiar o afundamento do submarino, mas isso não foi confirmado. O Rio Branco chegou são e salvo ao seu destino: o porto de Nova Orleans.

A mesma sorte não teve o cargueiro Porto Alegre, da Companhia Carbonífera Sul Rio-Grandense, de 5.187 toneladas. Singrando as águas do Cabo da Boa Esperança, onde nos meses de outubro e novembro os Aliados tiveram perdas consideravelmente altas, sob o comando do Capitão-de-Longo-Curso José Francisco Pinto de Medeiros, o cargueiro, sem armas, fazia a rota entre a Cidade do Cabo e Durban, na África do Sul. Eram 18h30 do dia 3 de novembro quando foi atingido por um torpedo do U-504,u comandado pelo Capitão-Tenente Frist Poske. O submarino alemão era de pequeno porte e tinha em sua torreta a pintura de uma cabeça de lobo emergindo das águas, com os dentes pontiagudos escancarados.

Depois de arriadas as baleeiras, o U-504 veio à tona, e um oficial interrogou o comandante Medeiros em inglês, traduzindo as respostas, em alemão, para o Capitão-Tenente Frist. Ao final, o comandante, para surpresa geral, fez a saudação nazista, exclamando: "Heil Hitler!" Ninguém respondeu.

Entre os náufragos do Porto Alegre estavam 11 tripulantes do mercante inglês Laplace, resgatados na véspera - quase todos salvos, após quatro dias no mar. As baleeiras do Porto Alegre chegaram à terra no dia 7 de novembro, a 50 milhas de Port Elizabeth. Vítima de "desordens orgânicas internas", o imediato Francisco Lucas de Azevedo acabou sendo o único a morrer.

No dia 22 de novembro, aconteceu o último torpedeamento de um navio brasileiro em 1942. Foi o cargueiro Apalóiãe, comandado pelo Capitão-de-Longo-Curso José dos Santos Silva, que fazia a rota de 14 O U-504 foi entregue pelos estaleiros de Hamburgo no dia 29 de abril de 1940. Foi responsável pelo afundamento de 16 navios aliados. Sua carreira foi interrompida, em 30 de julho de 1943, por cargas de profundidade da corveta britânica HMS KitefWoodpecker, no Atlântico Norte, a noroeste do cabo Ortegal, na Espanha. Toda a tripulação de 53 homens morreu.

232 Belém para Nova York. Seu algoz foi o U-163,15 do Capitão-de-Corveta Kurt Edward Engelman, considerado um dos mais eficientes comandantes da Marinha alemã. Ele consentiu que seus homens abrissem fogo com metralhadoras para intimidar a tripulação já nas baleeiras.

O carvoeiro Jaime de Castro, que falava vários idiomas, foi chamado a bordo do submarino para ser interrogado, sendo em seguida devolvido ao Apalóide. Dos dois escaleres arriados, um foi recolhido pelo navio inglês Leeds City, às 23h do dia 28, e o outro por um mercante, também inglês. O ataque do U-163 foi duro e implacável. Da tripulação de 57 homens, cinco morreram: quatro no torpedeamento e um vítima de queimaduras num hospital em Barbados.

15 O U-163 começou suas atividades em maio de 1940. Não foi dos submarinos mais agressivos. Provocou apenas quatro afundamentos até ser destruído, em 4 de março

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de 1943, por cargas de profundidade da corveta canadense HMCS Prescott. Os 57 tripulan- tes morreram.

233 Torpedeado o "Itapagé" nas costas de Alagoas O barco nacional, que viajava sem comboio, encalhou quando procurava fugir do corsário nazista Nunca o nosso papel-moeda esteve tão valorizado" O Jornal de 2 de outubro de 1943. O Itapagé é o único navio brasileiro torpedeado na guerra até hoje explorado por mergulhadores Encontro em que Vargas acertou com o presidente Roosevelt o envio de tropas brasileiras para o front europeu

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Uma nova era desponta no horizonteNo apagar das luzes de 1942, as águas do Atlântico Sul viveram dias de absoluta

calmaria. Sem qualquer torpedeamento em dezembro, a alvorada de um novo ano confirmaria a tendência que se delineava, após mais de dois anos de conflito. O Reich alemão começava a fraquejar. Um quadro bem diferente de poucos meses antes, quando os discursos de Joseph Goebbels, recheados de empáfia, desafiavam a capacidade dos Aliados de retomarem a Europa:

"Consideramos a invasão anglo-americana do continente uma empresa louca, que será acompanhada das mais desastradas conseqüências para a Inglaterra e os Estados Unidos.

Os ingleses marchariam na direção de Berlim não como vencedores, mas como prisioneiros. De qualquer forma, esperamos que tragam alguns americanos. Os soldados alemães querem deixar claro para eles que a Europa é uma terra proibida", declarou, em julho de 1942, o ministro da Propaganda nazista ao jornal Das Reich.

No início de 1943, essas palavras pareciam fazer parte de um passado bem distante. Encurralada em Stalingrado pelo 62S Exército do general Zukov, a Wehrmacht, com seus homens famintos e congelados pelo rigor do inverno russo, sucumbiria dramaticamente. O cerco dos Aliados se fechava e, em janeiro, na Conferência de Casablanca, Roosevelt e Churchill se encontraram para, entre outras metas, estabelecer uma estratégia definitiva de combate aos submarinos do Eixo, o que abriria caminho para se conseguir aquilo de que Goebbels tanto duvidava: a invasão do continente europeu.

Na volta aos Estados Unidos, Franklin Roosevelt encontrou-se com Getúlio Vargas em Natal, no dia 27 de janeiro. O presidente brasileiro chegou incógnito e hospedou-se no destróier Jouett, ancorado no Rio Potengi. Nem os seus ministros foram informados da viagem. Durante a inspeção à base de Parnamirim e aos quartéis do Exército e da Aeronáutica da cidade, Vargas e Roosevelt, apesar de terem se visto apenas uma vez, quase sete anos antes, pareciam velhos amigos. Roosevelt ficou especialmente impressionado com o custo das obras do complexo militar. Achou "baratíssimo" os US$ 9 milhões empregados na construção de Parnamirim, principalmente levando-se em conta a sua importância para a guerra, "e o que poupou de combustível, distância, riscos etc."1 Ambos trajavam elegantes ternos brancos e usavam os tradicionais chapéus-panamá, apropriados para o clima da região e a época do ano. Conversando em francês, os dois presidentes acertaram o envio de tropas brasileiras ao front europeu. Vargas insistiu para que os acordos militares fossem respeitados e o fluxo de armamentos ao Brasil não cessasse. Roosevelt, mantendo-se fiel à sua política de boa vizinhança, cumpriu com a palavra.

Nesse mesmo mês de janeiro, como resultado das conversações em Casablanca, começava uma sucessão implacável de afundamentos de Uboats que nem todo o

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conhecimento naval de Dõnitz - ocupando então o posto de comandante geral da Marinha alemã no lugar de Raeder, demitido depois que Hitler decidiu priorizar a arma submarina, desarmando os grandes navios de superfície - foi capaz de evitar. O mais comemorado pelos brasileiros foi o do U-507, responsável pelos afundamentos do Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arará. Avistado quando acabara de chegar ao Atlântico Sul, a noroeste de Natal, no dia 13 de janeiro, foi posto a pique por um avião Catalina da Marinha dos Estados Unidos, depois de ter torpedeado pela última vez um navio, o cargueiro inglês Yorkwood.

Provavelmente, o excesso de confiança depois da bem-sucedida missão no litoral nordestino fez com que o comandante Harro Schacht, que retornava da Alemanha depois de ser condecorado com a Cruz de Ferro - honraria concedida pelo Reich por atos de bravura dos seus soldados -, não tomasse os cuidados necessários. Toda a tripulação de 54 homens morreu, inclusive o próprio Schacht (sua casa em Hambur- 1 Testemunho Político. Murilo Melo Filho. Elevação, 1999.

236 go, da mesma forma que o submarino que comandava, acabaria destruída por um bombardeio, obrigando sua viúva a mudar-se).

Em 1943, além do U-507, mais 11 submarinos do Eixo, dos 34 que participaram de missões de ataque ou patrulhamento na costa brasileira, foram afundados em nossas águas territoriais. O afundamento do maior deles, o U-199 - um moderno submarino do tipo XXI D-2, de 1.200 toneladas, equipado com metralhadoras antiaéreas, um canhão de proa, além de seis tubos de torpedos -, foi resultado única e exclusivamente da ação de dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Em 13 de maio, comandado pelo Capitão-Tenente Hans Werner, esse U-boat de grande porte zarpou da cidade alemã de Kiel para sua primeira investida no Atlântico Sul. Um mês e cinco dias depois, chegou à zona de patrulhamento, ao sul do Rio de Janeiro. Em 27 de junho atacou, sem sucesso, o mercante norte-americano Charles Wilson Peale. Porém, em 3 de julho, abateu um avião PBM3 Mariner da Marinha dos Estados Unidos, causando a morte dos tripulantes. No mesmo dia, afundou o mercante inglês Henzada, de 4 mil toneladas.

O comandante Hans Werner parecia disposto a fazer uma devastação semelhante à que Schacht fizera 11 meses antes na costa sergipana. com audácia, penetrou num comboio e trocou tiros de canhão com uma das embarcações. Mas não tardou para que chegassem reforços. Dois aviões da FAB foram acionados: um A-28 Hudson, do Capitão-Aviador Almir dos Santos Policarpo, que decolou da Base do Galeão, e um PB Y Catalina, do Capitão-Aviador José Mendes Coutinho, que já estava nas imediações patrulhando a rota de um comboio. O Hudson lançou duas bombas sem que o alvo tenha sido atingido e metralhou o convés, de onde os alemães reagiam. O Catalina, contudo, bombardeou o U-199 com cargas de profundidade em duas passagens. Na segunda, elas detonaram no momento exato em que o submarino passava. O impacto foi tão violento que a proa do U-boat chegou a ser lançada para fora d'água. A explosão fez com que

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círculos de espuma branca se formassem e, envolvido por elas, o submarino ficou parado.

O afundamento não demorou mais de três minutos. Logo, os sobreviventes estariam nadando no mar agitado. Eram 12 os náufragos, entre eles o comandante Hans Werner.

Todos foram recolhidos pelo USS Barnegat e levados para os Estados Unidos, onde foram interrogados. 49 tripulantes morreram.

237 Soube-se, depois, que o pesqueiro Shangri-lá também foi atacado pelo U-199. Ele foi atingido por tiros de canhão ao largo de Cabo Frio, o que ocasionou o desaparecimento dos seus dez ocupantes. Só em 1999, quando os arquivos militares norte-americanos foram abertos, é que se teve a certeza de que fora o submarino alemão o responsável pelo ataque. com o desarquivamento do inquérito, em 31 de julho de 2001, o Tribunal Marítimo finalmente reconheceu os pescadores do Shangri-lá como heróis de guerra.

Em junho de 2004, tiveram os nomes incluídos no Monumento Nacional dos Mortos da Segunda Guerra Mundial.

Ao longo de 1943, conforme o combinado entre Vargas e Roosevelt, mais l O caça-submarinos foram incorporados à Marinha brasileira. Sem contar que 32 navios da nossa frota mercantil (28 deles do Lloyd Brasileiro) já estavam armados de canhões e metralhadoras. A FAB passava a contar com mais oitenta unidades, entre os bimotores Hudson e Catalina e caças tipo P-40. Apesar disso, e da declaração da 4a Esquadra norte-americana de que as águas do Atlântico Sul estavam limpas de submarinos inimigos, no decorrer do ano, mais sete navios mercantes brasileiros foram afundados.

A perda mais séria foi a do cargueiro Afonso Pena, torpedeado em 2 de março pelo submarino italiano Barbarigo, o mesmo que atacara o Comandante Lira, depois de, inadvertidamente, ter se desgarrado do comboio que o protegia quando singrava as águas do litoral da Bahia. Os relatos dos sobreviventes revelam momentos de terrível sofrimento para alguns náufragos. Depois do torpedeamento, com a confusão reinante a bordo, foi impossível parar as máquinas. A proa do navio começou a afundar e as baleeiras arriadas acabaram deslizando ao longo do costado do barco até chegar às hélices ainda em movimento. Muitos dos que tentavam se salvar morreram retalhados. O desaparecimento de 125 homens causou um grande mal-estar no país. Na mesma área em que fora abatido o Afonso Pena, outros quatro navios aliados foram torpedeados nos primeiros dias de março (dois norte-americanos, um holandês e um sueco), o que comprovava que os submarinos do Eixo, mesmo sem a antiga eficácia, ainda atuavam no Atlântico Sul.

Mais uma evidência disso veio em 31 de julho, quando o Bagé foi atacado. Um dos grandes navios mistos do Lloyd Brasileiro, carregava em seus porões borracha, castanhas, couro, fibras e algodão. Navegava de Recife para Salvador com 107

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tripulantes e 27 passageiros a bordo. Por fu- 238 megar demasiadamente, recebeu ordem para deixar o comboio e prosseguir viagem junto à costa. Foi como uma sentença de morte para o Bagé. Por volta das 21 h, recebeu o primeiro torpedo do U-185, do Capitão-Tenente nazista August Maus. Como se não bastasse, em seguida, foi atingido no seu passadiço por uma granada incendiária.

A surpresa do ataque fez com que poucas baleeiras pudessem ser arriadas, e o que se viu foram homens atirando-se em desespero ao mar para tentar alcançar os destroços que flutuavam ao redor da embarcação. O Bagé afundou em apenas quatro minutos. Morreram vinte tripulantes, entre eles o comandante Arthur Monteiro Guimarães, além de oito passageiros.

Menos de um mês depois, no dia 24 de agosto, o U-185 foi localizado e abatido por aviões do Navio-Aeródromo Escolta USS Core, que era tido como um dos mais eficientes caça-submarinos do Eixo.

Outra perda significativa, em 1943, foi a do Itapagé, vapor da Companhia Nacional de Navegação Costeira, construído em 1926 no estaleiro francês de Chantiers de LAtlantic, a mando do industrial Henrique Lage, proprietário da empresa. Sua carga continha 2 mil caixas de cerveja, 30 mil panelas, remédios, perfumes, pneus e dois caminhões. Em 26 de setembro, comandado pelo Capitão-de-Longo-Curso Antônio da Barra, depois de ser perseguido por várias milhas, não resistiu aos dois torpedos lançados pelo U-161, do comandante nazista Albrecht Achilles. Estava a apenas 8 milhas da costa e alguns náufragos foram resgatados por jangadeiros. Sendo atingido nos porões, soçobrou em quatro minutos, quando já navegava nas imediações da Lagoa Azeda, uma vila de pescadores a 60 quilômetros de Maceió. Às 13hlO, era plena a luz do dia. Por causa do pânico provocado pelas explosões, apenas duas baleeiras salva-vidas foram baixadas ao mar. Eram 106 tripulantes e passageiros, dos quais 22 morreram.

"Quando me dei conta do que se passara, não pensei duas vezes: atirei-me ao mar e, nadando desesperadamente, tentei afastar-me o mais rápido possível, procurando fugir da sucção que era produzida pela imersão do navio e que poderia arrastar-me para o fundo. Após muito tempo, avistei uma baleeira que procurava recolher os náufragos e navegava na direção do continente",2 declarou um dos sobreviventes.

2 Navios e Portos do Brasil. João Emílio Cerodetti e Carlos Cornejo. Solaris, 2006.

235 Mas o U-161 não ficou impune por muito tempo. No dia seguinte à investida contra o Itapagé, foi localizado a cerca de 200 quilômetros da Praia do Conde, na Bahia.

Atacado por um avião Mariner do esquadrão aéreo VP-74/P-2 da Força Aérea norte-americana, afundou inapelavelmente, levando para o fundo do mar os seus 53 tripulantes.

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O último mercante brasileiro perdido na guerra foi o Campos, torpedeado em 23 de outubro de 1943, a 20 milhas da costa, entre o Rio de Janeiro e Santos, pelo submarino alemão U-170,3 comandado pelo Capitão-Tenente Gunther Pfeffrer, que acabou sendo afundado, no fim da guerra, junto com outros 114 submarinos do Eixo, na Operação Deadlight. Dez homens da tripulação do Campos morreram.

Em terra, as pressões por uma abertura política no país tornavam-se insustentáveis. O antifascismo que se arraigara na sociedade brasileira resultava na criação de entidades de cunho democrático, como a Sociedade Amigos da América, da qual Oswaldo Aranha era vice-presidente, e que tinha como premissa justamente "lutar contra as doutrinas fascistas", fossem elas européias ou nacionais (integralismo). Em suma, combatia toda espécie de autoritarismo. Surgiria também o Manifesto dos Mineiros, documento assinado por 76 personalidades de Minas Gerais - Afonso Arinos de Mello Franco, Arthur Bernardes e Milton Campos, entre outros -, em cujo conteúdo era pedido o fim da ditadura, que continuava implacável. A prova foi a violenta repressão, em dezembro de 1943, a uma passeata em São Paulo que protestava contra a prisão de Hélio Mota, presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). A truculência da polícia paulista deixou um saldo de dois mortos e cerca de vinte feridos. Eram espasmos de um regime cada vez mais desgastado. Nesse mesmo mês de dezembro, o general Góes Monteiro, adoentado, seria transferido para o Uruguai, de onde passou a enviar relatórios sobre a situação da região da Bacia do Prata. Um ano e oito meses depois, ele seria o principal articulador da deposição do presidente Vargas.

3 O U-170 foi entregue em Bremen no dia 21 de maio de 1941. O único afundamento que consta em suas operações é o do Campos. Foi destruído na Operação Deadlight, em 30 de novembro de 1945.

240 Em 1944, aconteceria o que o Reich tanto desdenhara: a invasão à Europa com o desembarque na Normandia. Depois de dias de indefinição, causada por condições meteorológicas adversas, no dia 6 de junho, finalmente, foi dada a ordem para execução do plano de assalto que colocaria abaixo a Muralha do Atlântico (defesas submarinas e terrestres alemãs, constituídas de casamatas e minas ao longo de toda a costa da França, Bélgica e Holanda). Um alívio para os oficiais aliados que temiam que os planos do ataque fossem descobertos pelos nazistas:

"A perspectiva de adiar a invasão era terrível, pois teríamos que conservar um segredo conhecido por mais de 140 mil homens", disse o general Omar Bradley, comandante do 1o Exército dos Estados Unidos. Diante da monumental derrota que se avizinhava, ocorreria na Alemanha uma conspiração, da qual participariam membros da elite militar e aristocrática, com o objetivo de assassinar Hitler e negociar um cessar-fogo com os Aliados, livrando o país da destruição total. A 20 de julho, o coronel Von Stauffenberg, que servira no Afrika Korps, colocaria uma bomba dentro de uma pasta na sala de conferências do QG de Hitler, no front oriental. A explosão causou um grande

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estrondo, fazendo desabar estrepitosamente o teto da sala. Quatro homens morreram na hora e outros dois ficaram gravemente feridos.

Ao deixar o prédio em ruínas, o ditador alemão tinha a pele chamuscada, a perna direita queimada e um dos braços paralisados - a calça que usava se transformara num farrapo. Escapara de morrer, graças a um coronel que antes da reunião tropeçara na pasta colocada embaixo da mesa onde estaria Hitler, mudando-a de posição.

Todos os conjurados foram presos e executados, depois de julgamentos sumários. Nem Rommel, àquela altura marechal-de-campo, mas contrário ao prosseguimento da guerra, foi poupado.4 O atentado contra Hitler foi largamente explorado pelos nazistas, desviando a atenção da gravidade da situação em que se encontravam os 4 Mesmo tendo resistido à idéia do assassinato, Rommel, por ter se envolvido com os conspiradores, foi condenado à morte. com medo da repercussão que teria a execução de um marechal com grande prestígio popular, Hitler montou uma grande farsa para punilo. Rommel foi obrigado a ingerir veneno diante das ameaças de ser acusado de alta traição. Sua família também estava sob ameaça. Pressionado, Rommel acabou se matando. Seu funeral teve honras militares, e Hitler, hipocritamente, ainda enviou uma mensagem de condolências à viúva.

241 seus exércitos no front do leste, onde os soviéticos, numa colossal ofen- siva, levavam tudo de roldão. A primeira página do Volkischer Beoba- chter, jornal oficial do Partido Nazista, do dia 21 de julho de 1944 anunciava enfaticamente: "Nosso Führer vive!" No Brasil, o ministro Oswaldo Aranha, insatisfeito com a insistência da cúpula militar em adotar medidas antidemocráticas, deixaria o Ministério das Relações Exteriores. O estopim foi o fechamento, em agosto, com o consentimento do general Dutra, da Sociedade Amigos da América. A decisão do governo foi tomada para impedir a realização de um ato político do qual Oswaldo Aranha participaria, depois de ter sido reeleito vice-presidente. O afastamento do principal responsável pelo alinhamento com Washington escancarava fissuras incontornáveis no governo,5 porém não impedia novos avanços no relacionamento com os Estados Unidos.

Ainda em 1944, com o apoio do almirante Ingram, que há muito trabalhava com a intenção de gradativamente dar ao Brasil maiores responsabilidades nas operações de guerra no Atlântico Sul, oito contratorpedeiros-escolta tiveram as suas bandeiras e guarnições norte-americanas substituídas por brasileiras. com grupos de ataque organizados, a Marinha brasileira passou a vasculhar sozinha os mares em busca dos derradeiros corsários. Não houve mais registro de ataques a navios mercantes.

Nesse período, entretanto, a Marinha de Guerra teria a sua maior perda. Foi o torpedeamento do navio-transporte Vital de Oliveira, pelo submarino alemão U-86lf em 19 de julho. Nem a escolta do caçasubmarino/tímn impediu o ataque que matou 99 dos 275 militares que estavam a bordo. O navio havia feito escalas em Natal, Cabedelo, Recife,- 5 A passividade com que Vargas aceitou o pedido de demissão de Aranha é

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vista por muitos historiadores como uma estratégia usada por ele para esvaziar uma possível candidatura do ministro das Relações Exteriores à presidência da República. Segundo o professor de história da UFF, Vágner Camilo Alves, "Oswaldo Aranha tinha, naquele momento, prestígio de sobra para se tornar presidente, mas Vargas preferia alguém que pudesse manobrar e influenciar de forma mais efetiva, como o próprio general Dutra".

6 O U-861 foi entregue em Bremen no dia 15 de julho de 1942. Foi responsável pelo torpedeamento de cinco navios e acabou sendo afundado em 31 de dezembro de 1945 na Operação Deadlight.

242 Salvador e, por último, Vitória. Quando seguia na direção do rio de Janeiro foi sentida a grande explosão na popa. A guarnição foi chamada aos postos de combate e, através de foguetões, alertada a escolta, que partiu no encalço do submarino, provavelmente já mergulhado.

O navio não demorou mais de três minutos para afundar, o que impediu que as baleeiras fossem arriadas. Rapidamente, as águas atingiram os tubos de vapor, apagando as caldeiras. Em completa escuridão (o ataque aconteceu às 23h55), o pessoal embarcado "lançou-se ao mar, procurando apoiar-se em destroços de toda espécie que flutuavam.

Ouviam-se vozes dos oficiais e praças pedindo calma e outros dando vivas ao Brasil em tom emocionado" 7 O Capitão-de-Fragata João Batista de Medeiros Guimarães Roxo, como manda a tradição naval, foi o último a deixar o navio.

Apesar desse ousado ataque, ao se aproximar o ano de 1945, ninguém tinha dúvidas de que o resultado da guerra seria a derrota inapelável da Alemanha nazista.

com a certeza do triunfo, Franklin Roosevelt morreria nos Estados Unidos, em 12 de abril, após sofrer um derrame cerebral. "A guerra vai terminar pelo fim de maio",8 sentenciou ele em março, enquanto planejava uma visita à Europa. Foi a resposta dada a quem temia pela sua segurança onde o conflito, mesmo na sua fase final, ainda se desenrolava.

Hitler, em seus devaneios, chegou a interpretar o falecimento do presidente norte-americano como um sinal de reversão do quadro da guerra. Pura ilusão. Havia um mês que os mercantes que faziam as rotas entre os portos da América do Sul, Norte e Central estavam autorizados a navegar novamente com suas luzes de navegação acesas. Nesse mesmo mês de março de 1945, as patrulhas aéreas no litoral do Brasil foram desativadas. Em seguida, a Força Naval do Nordeste, com a missão cumf prida, retornava à sua base principal na capital federal. Enquanto isso, o presidente Vargas, apesar do surgimento do movimento queremista, que, visava a sua permanência no poder, se via cada vez mais isolado. j^ 7 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio 8 Roosevelt e Hopkins - Uma História da Segunda Guerra Mundial. Robert Sherwood.

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Nova Fronteira, 1998. 243 Em janeiro, em São Paulo, o I Congresso Brasileiro de Escritores lançara,

do mesmo modo que fizeram políticos e intelectuais mineiros, um manifesto que pregava a legalidade democrática. Apesar dos temores de represálias, tal como as que atingiram alguns dos signatários do Manifesto dos Mineiros, que, por pressão do governo, perderam até seus empregos, tanto em órgãos públicos como em empresas privadas, não faltaram adesões. Escritores de todo o país marcaram presença. "Foi um protesto contra a subserviência aos sistemas de opressão à liberdade de pensamento",9 resumiu Aníbal Machado.

Um mês depois, em fevereiro, outro golpe na ditadura. Num desafio explícito ao poder do DIP, foi publicada uma entrevista no Correio da Manhã com o paraibano José Américo de Almeida, conhecido adversário do regime, que fora impedido de concorrer à presidência por causa do golpe de 1937. Em depoimento ao jornalista Carlos Lacerda, Américo criticava duramente o Estado Novo e pedia eleições. "Getúlio tonteou. Ele supôs que, com o meu atrevimento, eu tivesse atrás de mim uma força poderosa",10 diria José Américo.

Esse episódio é considerado um marco do fim da censura à imprensa e, dois meses depois, o DIP seria extinto. Nem a decisão de Vargas, em 28 de fevereiro, através da Lei Constitucional n2 9, determinando que em noventa dias fossem realizadas eleições para a presidência da República, governos dos estados, Congresso Nacional e Assembléias Legislativas, diminuiu a onda que logo o engoliria. Tampouco adiantou, em abril, ter concedido anistia ampla e permissão de organização partidária. O Estado Novo, moribundo, estava com seus dias contados.

Nesse momento, eram dados os últimos suspiros do conflito no cenário internacional. Mesmo com nomeações de comandos nos distritos alemães que iam sendo conquistados, a direção do Exército Vermelho, que buscava estabelecer o mínimo de ordem por onde passava, não pôde impedir que soldados dos níveis mais baixos de suas tropas cometessem toda espécie de arbitrariedades contra a população civil. Em es- 9 Rua do Ouvidor 110. Uma História da Livraria José Olympio. Lucila Soares. José Olympio Editora, 2006.

10 Entrevista extraída do livro Testemunho Político, de Murilo Melo Filho, contida no site da Fundação Casa de José Américo (fcja.pb.gov.br).

pecial as mulheres sofriam. Os estupros se sucediam, vitimando, indiscriminadamente, desde adolescentes até senhoras idosas.

Em ruínas, Berlim, cada vez mais fustigada pelas forças soviéticas que avançavam do leste, estava na iminência de cair. Em 20 de março, num estado de tensão próximo ao colapso, Hitler, notificado da derrota irremediável, se exasperava numa reunião com seus principais generais, acusando-os de incompetência e covardia. Sua nova ordem era ultra radical: nada deveria cair nas mãos dos inimigos. A infra-estrutura

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que restava no território alemão - pontes, estradas, ferrovias, centrais de abastecimento, sistemas de canalizações e instalações militares - deveria ser destruída. O Führer claramente vislumbrava o fim.

Acuado em seu bunker na Chancelaria do Reich, construído 15 metros abaixo da superfície, o ditador já podia ouvir o estrondo das bombas explodindo ao redor. Junto com os sonhos que prometiam hegemonia por mil anos, ruía o bastião que se julgava inexpugnável. Em 30 de abril, após almoçar, dirigiu-se aos seus aposentos. Pouco depois, ouviu-se um disparo seco. Encontrado sentado em uma cadeira, com o rosto ensangüentado, teve, como havia exigido, o corpo levado para a parte externa do abrigo, e lá envolvido em chamas. Só restariam as cinzas de Hitler, que não admitia "ser exibido como peça de museu pelos soviéticos". O Führer desaparecia na esteira do desmoronamento da Alemanha nazista.

Sem nenhuma perspectiva de reação, assim como seu líder, as forças do Reich estavam esgotadas. Dispersas, sem munição e combustível, capitulavam no Sul e Noroeste da Alemanha, na Itália, Holanda e Dinamarca. Indicado por Hitler como seu sucessor, o almirante Karl Dõnitz, no cargo de chefe de Estado, ordenaria a assinatura de um armistício provisório e, no dia 8 de maio, eram definidos os termos da rendição incondicional. Instruídos por Dõnitz, os comandantes dos submarinos se entregavam.

Alguns poucos não acataram a ordem e, insensatamente, tentaram chegar ao Pacífico, onde o Japão ainda lutava uma guerra perdida. Outros, numa postura camicase, atacariam navios na costa norte-americana, sendo logo localizados e destruídos. No fim das contas, dos 38 mil homens que serviram à armada submarina alemã, apenas 8 mil sobreviveram.11 11 Proporcionalmente, esse foi o maior índice de perdas humanas de todas as forças envolvidas na guerra, levando-se em conta todos os países que participaram do conflito.

245 No total, 34 embarcações brasileiras foram torpedeadas durante a Segunda Guerra Mundial, o que causou a morte de 1.081 pessoas, a maioria civis inocentes. Nem nos campos de batalha tantos brasileiros pereceram. Dos mais de 25 mil soldados da FEB que foram lutar nas trincheiras italianas, 454 morreram e cerca de 3 mil ficaram feridos; a maior parte na sofrida conquista do Monte Castelo, feito que elevou os brasileiros à condição de heróis de guerra.

Hoje, mais de sessenta anos após todos esses acontecimentos, a grande maioria dos navios brasileiros torpedeados continua intocada no fundo do Oceano Atlântico.

Somente através de sondas percebe-se a presença deles. Em geral, estão em coordenadas de difícil acesso, em águas profundas e de pouca visibilidade, onde mergulhadores poderiam ser atacados pelos tubarões que infestam o mar do Nordeste brasileiro.

O único que chegou a ser explorado foi o Itapagé. Por ter sido afundado relativamente próximo à costa do estado de Alagoas, está a apenas 25 metros de

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profundidade. Como a região possui águas claras - o que permite a visão da embarcação desde a superfície -, o Itapagé virou ponto de atração turística, sendo constantemente visitado. Todos se fascinam com a majestade dos seus 113 metros de comprimento, pousados corretamente no fundo do mar. Sua proa está intacta e, ao redor, ainda podem ser vistas muitas garrafas da carga que transportava.12 Testemunha da morte de 22 homens, o Itapagé transformou-se, paradoxalmente, em refúgio da vida marinha. As estreitas e contorcidas ferragens, a cabine de comando e os camarotes viraram dormitórios para as mais diversas espécies de peixes que ali se reproduzem. Robustas barracudas de até 2 metros, com seu dorso marcado por listras negras, e raias bailando graciosamente predominam no ambiente.

Uma boa parte do que foi retirado do interior do navio - basicamente peças de serviço de bordo (talheres, copos, canecas, xícaras e pratos) - foi doada, em 1996, ao Departamento de Museu do Serviço de Documentação da Marinha, no Rio de Janeiro. A exposição à água sal- gada durante várias décadas praticamente inutilizou esses objetos. Estavam corroídos, quebrados e enferrujados.

Apesar do cuidadoso trabalho de reconstituição, o estado deles é precário. A louça, se tocada, esfarela-se, perdendo a consistência. Mesmo assim, todas as peças são guardadas como se fossem pequenos tesouros, relíquias arqueológicas. Como se nelas estivesse resumida a história de cada um dos mais de mil brasileiros que morreram sob a mira de Hitler.

12 Relato baseado no artigo do mergulhador Rodrigo Caluccini, publicado no site brasilmergulho.com.br.

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AgradecimentosEscrever sobre fatos que ocorreram há mais de sessenta anos é sempre algo

extremamente desafiador. Foram quase dois anos tomando coragem para, enfim, munido de considerável material, dar o grande e necessário mergulho de volta a 1942, e de lá resgatar toda a atmosfera que envolveu os trágicos episódios que ceifaram a vida de tantos brasileiros a bordo dos nossos navios. No entanto, foi uma empreitada que jamais conseguiria executar sozinho, sem a ajuda de diversas pessoas e instituições.

Para começar, quero manifestar a minha gratidão ao professor de História Vágner Camilo Alves, da Universidade Federal Fluminense. Autor da tese de mestrado sobre o envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial, transformada em livro pela Editora PUC, ele teve um papel crucial fazendo a revisão dos fatos históricos contidos nesta obra. Além disso, esteve sempre disponível para esclarecer as inúmeras dúvidas que inevitavelmente surgiram ao longo deste trabalho. Suas sugestões e comentários

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contribuíram fundamentalmente para a minha melhor compreensão dos eventos pesquisados.

Já ao comandante da Marinha, Francisco Carlos Pereira Cascardo, grande conhecedor da história naval, agradeço pelo carinho com que sempre me atendeu, pela gentileza de fazer a revisão dos termos náuticos e por me esclarecer vários episódios incluídos no capítulo da guerra anti-submarina. Sou grato também ao comandante Cascardo por indicar-me como fonte de pesquisa o Serviço de Documentação da Marinha, onde tive as portas abertas pelo Capitão-de-Mar-e-Guerra Francisco Eduardo Alves de Almeida; pela Capitã-de-Fragata Mônica Hartz Oliveira Moitrel; e pelo arqueólogo subaquático Luiz Octávio de Castro Cunha, todos extremamente receptivos. A Luiz Octávio sou grato tam- 255 bem pela leitura do capítulo sobre a guerra anti-submarina. No SDM também tive livre acesso ao acervo iconográfico da Marinha, onde obtive boa parte do material fotográfico que ilustra este livro. Agradeço a Márcia Prestes, chefe civil do arquivo iconográfico, pela minuciosa pesquisa, e ao Capitão-de-Mar-e-Guerra Joaquim Arinê Bacelar Rego, diretor do SDM, por autorizar o uso das imagens.

Na Biblioteca Nacional também contei com toda a boa vontade dos funcionários, que, tanto no setor de periódicos quanto na biblioteca pública, demonstraram em todos os momentos vivo interesse em colaborar. O mesmo aconteceu no Arquivo Histórico do Itamaraty e no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Em ambas as instituições, contei com significativa ajuda dos seus pesquisadores, invariavelmente prestativos. No Arquivo Público, com a boa vontade de Johenir Janotti, chefe do setor de consulta, ainda pude resgatar preciosas fotografias contidas nos inquéritos dos espiões alemães que atuaram no Brasil durante a Segunda Guerra.

A Fundação Getulio Vargas também colaborou substancialmente. Por meio do seu site, pude ter acesso a documentos fundamentais, todos disponibilizados gratuitamente para pesquisa, que conferiram a indispensável credibilidade que este tipo de trabalho requer. Seu arquivo fotográfico também contribuiu para a ilustração do livro.

Quero expressar ainda a minha eterna gratidão ao meu amigo Domingos Meirelles, jornalista consagrado e autor de diversas obras premiadas, que acompanhou praticamente todos os passos da minha caminhada, lendo os originais e dando preciosas sugestões para que o livro resgatasse ao máximo a atmosfera do período relatado.

Tenho também uma imensa dívida de gratidão com o ex-companheiro de redação Carlos Alberto Malcher. Jornalista da melhor estirpe, chefe da revisão do velho Correio da Manhã, onde aprendeu a respeitar as palavras com homens como Otto Maria Carpeaux, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade, entre outros, ele teve inestimável participação ao ler os originais e fazer uma primeira revisão.

Sou gratíssimo também a Adriana Giglio, companheira de todas as horas, que, pacientemente, me ajudou a encontrar as melhores soluções para inúmeros trechos desta

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obra. Sempre disponível, apesar de tão ata- refada, não se furtou em momento algum a contribuir com seu senso crítico aguçado e conhecimento da língua portuguesa.

com o meu amigo Sérgio Zaccaro tenho uma eterna dívida de gratidão por generosamente ter me presenteado com a coleção "A Segunda Guerra Mundial", que me serviu de fonte permanente de consulta. Sou grato à fotógrafa Nina Lima e ao tratador de imagens Ricardo Almada pela disponibilidade demonstrada na produção de parte dos registros fotográficos desta obra. Luiz Gabriel também teve a maior boa vontade ao fornecer algumas fotos do acervo do site sentandoapua.com.br.

Quero ressaltar a importância das obras que compõem a bibliografia mencionada. Utilizei-me especialmente dos livros Oswaldo Aranha, uma Biografia, de Stanley Hilton; História de uma Guerra Secreta, de Sérgio Corrêa da Costa; História Naval Brasileira, de Arthur Oscar Saldanha e Hélio Leôncio Martins; Brasil no Conflito Ideológico Global, de Teixeira Soares; Perfis Brasileiros. Getulio Vargas, de Boris Fausto; 1942 - Guerra no Continente, de Hélio Silva; Memórias da Segunda Guerra Mundial, de Winston S. Churchill; e O Brasil e a Segunda Guerra Mundial, de Vágner Camilo Alves.

Finalmente, faço questão de registrar a minha satisfação de levar este livro ao leitor pela editora Objetiva, que, ousadamente, apostou na idéia deste projeto quando ele ainda era praticamente um esboço, ou seja, antes mesmo da apresentação do seu original final. A Isa Pessoa e Helena Carone, que trabalharam incansavelmente para que o livro ganhasse em forma e conteúdo, a minha eterna gratidão.