Robert Jordan - A Roda Do Tempo 1 - O Olho Do Mundo

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    Copyright 1990 by Robert JordanPublicado mediante acordo com Sabel Weber Associated Inc.The Wheel of Time, The Dragon RebornTMe o smboloda roda/cobra so marcas registradas pertencentes a Robert

    Jordan

    TTULO ORIGINALThe Eye of the World

    TRADUOFbio Fernandes

    REVISO DE TRADUO E EDIORaquel Zampil

    PREPARAOPaulo Bernardo Henriques

    CAPAJlio Moreira

    IMAGEM PGS. 2 e 3 Cosma Andrei/Shutterstock images

    IMAGEM DA RODA DO TEMPO Sam Weber

    COURO Duncan P. Walker/iStockphoto

    MAPASEllisa MitchellThomas Canty

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    ADAPTAO DOS MAPAS

    de casa

    ILUSTRAES INTERNASMatthew C. Nielsen

    E-ISBN978-85-8057-362-6

    Edio digital: 2013

    Todos os direitos desta edio reservados

    EDITORA INTRNSECA LTDA.Rua Marqus de So Vicente, 99, 3 andar

    22451-041Gvea

    Rio de JaneiroRJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br

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    Para Harriet,corao do meu corao,

    luz da minha vida,para sempre.

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    SUMRIO

    CAPAFOLHA DE ROSTO

    CRDITOSMDIAS SOCIAISDEDICATRIA

    PRLOGO MONTE DO DRAGO

    MAPA 11 UMA ESTRADA DESERTA2 ESTRANHOS3 O MASCATE4 O MENESTREL5 NOITE INVERNAL6 A FLORESTA DO OESTE

    7 FORA DA FLORESTA8 UM LUGAR SEGURO9 HISTRIAS DA RODA

    10 A PARTIDA11 A ESTRADA PARA BARCA DO TAREN12 CRUZANDO O TAREN

    MAPA 2

    13 ESCOLHAS14 CERVO E LEO15 ESTRANHOS E AMIGOS16 A SABEDORIA17 VIGIAS E CAADORES18 A ESTRADA DE CAEMLYN

    19 ONDE A SOMBRA ESPERA20 POEIRA AO VENTO21 ESCUTE O VENTO

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    22 UM CAMINHO ESCOLHIDO23 IRMO DOS LOBOS24 FUGA PELO ARINELLE25 O POVO ERRANTE

    26 PONTE BRANCA27 ABRIGO DA TEMPESTADE28 PEGADAS NO AR29 OLHOS IMPIEDOSOS30 FILHOS DA SOMBRA31 O PREO DO SEU JANTAR32 QUATRO REIS NA SOMBRA33 AS TREVAS ESPERA34 A LTIMA ALDEIA35 CAEMLYN36 A TEIA DO PADRO37 A LONGA PERSEGUIO38 RESGATE

    39 TESSITURA DA TEIA40 A TEIA SE ESTREITA41 VELHOS AMIGOS E NOVAS AMEAAS42 RECORDAES DE SONHOS43 DECISES E APARIES44 A ESCURIDO DOS CAMINHOS45 O QUE SEGUE NA SOMBRA

    MAPA 346 FAL DARA47 MAIS HISTRIAS DA RODA48 A PRAGA49 O TENEBROSO SE AGITA50 ENCONTROS NO OLHO

    51 CONTRA A SOMBRA52 NO H COMEO NEM FIM53 A RODA GIRA

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    GLOSSRIO

    SOBRE O AUTOR

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    PRLOGO

    Monte do Drago

    O palcio ainda estremecia de quando em quando, e aterra ressoava com a lembrana, gemendo como se quisessenegar o que havia acontecido. Feixes de luz do sol, atravessandofendas nas paredes, faziam cintilar a poeira ainda suspensa noar. Manchas chamuscadas maculavam as paredes, o piso, o teto.Grandes ndoas negras cruzavam as tintas e as douradurascheias de bolhas de murais antes brilhantes, a fuligem cobrindofrisos que se desintegravam com figuras de homens e animais

    que pareciam ter tentado fugir antes que a loucura se aquietasse.Os mortos jaziam por toda parte, homens, mulheres e crianas,atingidos durante a fuga pelos relmpagos que atravessaramtodos os corredores, ou encurralados pelos incndios, ousoterrados pelas pedras do palcio, pedras que os perseguiram,

    voando, quase vivas, antes que o silncio retornasse. Em umestranho contraponto, coloridas tapearias e pinturas, todas

    obras-primas, pendiam impassveis, exceto onde paredesdeformadas as haviam deslocado. Mveis finamente esculpidos,entalhados com marfim e ouro, estavam intocados, a no seronde ondulaes no piso os tinham derrubado. A distoro damente havia atingido o ncleo, ignorando a periferia.

    Lews Therin Telamon vagava pelo palcio, mantendohabilmente o equilbrio quando a terra voltava a oscilar.

    Ilyena! Meu amor, onde est voc?A barra de seumanto cinza-claro arrastou-se pelo sangue quando ele passou

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    por cima do corpo de uma mulher, a beleza de cabelosdourados conspurcada pelo horror de seus ltimos momentos,os olhos ainda abertos, paralisados, incrdulos.Onde vocest, minha mulher? Onde todos se escondem?

    Os olhos dele captaram o prprio reflexo em um espelhotorto que pendia de uma parede de mrmore fundido. Suasroupas, que um dia foram um traje finamente tecido emajestoso em tons de cinza, escarlate e ouro, trazido pormercadores do outro lado do Mar do Mundo, agora estavamrasgadas e sujas, cobertas pela mesma poeira que lhe sujava ocabelo e a pele. Por um momento ele tocou o smbolo nomanto, um crculo metade branco e metade preto, as coresdivididas ao meio por uma linha sinuosa. Significava algumacoisa aquele smbolo. Mas o crculo bordado no prendeu suaateno por muito tempo. Ele encarou a prpria imagem com omesmo espanto. Um homem alto recm-chegado meia-idade,que j fora bonito, mas cujos cabelos agora eram mais brancos

    que castanhos, as linhas de tenso e preocupao marcando-lheo rosto e os olhos escuros j tendo visto demais. Lews Therincomeou a rir baixinho, depois jogou a cabea para trs; suagargalhada ecoou pelos sales sem vida.

    Ilyena, meu amor! Venha, meu amor. Voc precisaver isso.

    Atrs dele o ar ondulou, tremeluziu e se solidificou na

    forma de um homem, que olhou ao redor, a boca contorcida dedesprazer por um breve momento. No era to alto quantoLews Therin, e estava todo vestido de preto, exceto pela rendabranca como neve no pescoo e pelos detalhes de prata nasbarras viradas das botas de cano longo. Andava com cuidado,segurando o manto com zelo para evitar que tocasse nos

    mortos. O cho vibrava com as rplicas dos abalos, mas suaateno estava fixa no homem que encarava o espelho egargalhava.

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    Senhor da Manhele disse.Vim busc-lo.O riso cessou como se nunca tivesse comeado, e Lews

    Therin se virou, sem parecer surpreso.Ah, um convidado! Voc tem a Voz, estranho? Em

    breve ser hora do Canto, e aqui todos so bem-vindos aparticipar. Ilyena, meu amor, temos um convidado. Ilyena, onde

    voc est?Os olhos do homem de preto se arregalaram e

    relancearam para o corpo da mulher de cabelos dourados,depois de volta para Lews Therin.

    Que Shaitan o carregue. Ser que a mcula j o afetoutanto assim?

    Esse nome. ShaiLews Therin estremeceu eergueu a mo, como se para repelir alguma coisa.No devedizer esse nome. perigoso.

    Ento, pelo menos disso voc se lembra. perigosopara voc, tolo, no para mim. Do que mais se lembra?

    Lembre-se, idiota cego pela Luz! Eu no vou deixar que issoacabe com voc envolto na ignorncia! Lembre-se!Por um momento Lews Therin encarou sua mo erguida,

    fascinado pelos desenhos da sujeira. Ento, limpou-a no casacoainda mais imundo e voltou a ateno para o outro homem.

    Quem voc? O que quer?O homem de preto se empertigou com arrogncia.

    Um dia fui chamado Elan Morin Tedronai, mashoje

    Traidor da Esperana.A voz de Lews Therin eraapenas um murmrio.

    A memria tentou vir tona, mas ele virou a cabea,esquivando-se dela.

    Ento voc se lembra de algumas coisas. Isso mesmo,Traidor da Esperana. Assim alguns homens me chamaram, damesma forma que o chamaram de Drago. Mas, ao contrrio de

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    voc, eu aceitei o nome. Eles me conferiram o ttulo para meofender, mas ainda hei de faz-los se ajoelharem e o adorarem.O que far com o seu? Depois deste dia, os homens ho decham-lo de Fratricida. O que far com isso?

    Lews Therin franziu a testa e olhou para o salo emrunas.

    Ilyena deveria estar aqui para dar as boas-vindas aoconvidadoele murmurou, distrado, e ento levantou a

    voz.Ilyena, onde est voc?O cho tremeu; o corpo da mulher de cabelos dourados

    se moveu como se respondesse a seu chamado. Ele no a viu.Elan Morin fez uma careta.

    Olhe s para vocdisse com escrnio.J foi oprimeiro entre os Servos. J usou o Anel de Tamyrlin esentou-se no Gro-trono. J invocou os Nove Bastes doDomnio. Agora olhe para si mesmo! Um desgraado arruinadoe digno de pena. Mas isso no basta. Voc me humilhou no

    Salo dos Servos. Voc me derrotou nos Portes de PaaranDisen. No entanto, eu sou o maior agora. E no vou deixar quevoc morra sem saber disso. Quando morrer, seu ltimopensamento ser a plena conscincia de sua derrota, do quantoela completa e absoluta. Isso, se eu o deixar morrer.

    No consigo imaginar o que esteja segurando Ilyena.Ela vai me fazer um sermo se achar que estou lhe ocultando a

    presena de um convidado. Espero que aprecie uma boaconversa, pois ela adora falar. Estou lhe prevenindo: Ilyena lhefar tantas perguntas que voc poder acabar lhe dizendo tudoque sabe.

    Jogando para trs o manto preto, Elan Morin flexionouas mos.

    uma pena para vocele refletiuque uma desuas Irms no esteja aqui. Eu nunca fui muito hbil na Cura, eobedeo a um poder diferente agora. No entanto, mesmo uma

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    delas s poderia lhe dar alguns minutos de lucidez, se voc noa destrusse primeiro. Mas o que posso fazer tambm servir ameus propsitos.Seu sorriso sbito era cruel.Porm,receio que a cura de Shaitan seja diferente daquela que voc

    conhece. Cure-se, Lews Therin!Ele estendeu as mos, e a luz diminuiu, como se uma

    sombra tivesse passado diante do sol.A dor calcinou Lews Therin, e ele gritou, um grito sado

    das profundezas de seu ser, um grito que ele no conseguiusufocar. O fogo cauterizou seus ossos; o cido correu em suas

    veias. Ele caiu para trs e desabou no piso de mrmore, acabea atingindo a pedra e quicando. Seu corao batia forte,tentando escapar do peito, e a cada pulsao lanava-lhenovamente as chamas pelo corpo. Impotente, ele comeou a terconvulses e se debater, seu crnio era uma esfera de puraagonia, prestes a explodir. Seus gritos roucos reverberavam pelopalcio.

    Devagar, muito devagar, a dor foi abrandando. O alviopareceu levar mil anos e o deixou fraco e trmulo, arfando pelagarganta ferida. Outros mil anos pareceram se passar antes queele conseguisse se erguer, os msculos iguais a geleia, e,

    vacilante, pr-se de quatro. Seus olhos pousaram na mulher decabelos dourados, e o grito que lhe foi arrancado sobrepujoutodos os anteriores. Com dificuldade, quase desabando, ele se

    arrastou pelo cho at ela. Precisou de cada migalha de fora afim de pux-la para seus braos. Suas mos tremiam aoafastar-lhe os cabelos do rosto de olhos vidrados.

    Ilyena! Que a Luz me ajude, Ilyena!Seu corpo securvou de forma protetora sobre ela, seus soluos o clamor aplenos pulmes de um homem que no tinha mais pelo que

    viver.Ilyena, no!No! Voc pode t-la de volta, Fratricida. O GrandeSenhor das Trevas pode ressuscit-la, se voc o servir. Se servir

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    a mim.Lews Therin ergueu a cabea, e o homem vestido de

    preto deu um passo involuntrio para trs, afastando-se daqueleolhar.

    Dez anos, TraidorLews Therin disse baixinho, osom suave do ao deixando a bainha. Por dez anos seumestre vem arruinando o mundo. E agora isso. Eu vou

    Dez anos! Seu tolo pattico! Essa guerra no duroudez anos, mas desde o incio dos tempos. Voc e eu travamosmil batalhas com o girar da Roda, mil vezes mil, econtinuaremos a trav-las at o tempo morrer e a Sombratriunfar!

    Ele terminou com um grito e o punho erguido, e foi avez de Lews Therin recuar, respirando com dificuldade ante obrilho nos olhos do Traidor.

    Com cuidado, Lews Therin pousou Ilyena no cho, osdedos roando gentilmente seus cabelos. As lgrimas borravam

    sua viso quando ele se levantou, mas a voz soou fria como oferro. Pelas outras coisas que voc fez no pode haver

    perdo, Traidor, mas pela morte de Ilyena vou destru-lo almdo que seu mestre ser capaz de recuperar. Prepare-se para

    Lembre-se, seu tolo! Lembre-se de seu ataque intilao Grande Senhor das Trevas! Lembre-se do contra-ataque

    dele! Lembre-se! Neste exato instante os Cem Companheirosesto fazendo o mundo em pedaos, e todos os dias cem maisse juntam a eles. Que mo assassinou Ilyena Cabelos de Sol,Fratricida? No foi a minha. No foi a minha. Que modestruiu cada vida que tinha uma gota do seu sangue, todos queo amavam, todos a quem voc amava? No foi a minha,

    Fratricida. No foi a minha. Lembre-se e saiba o preo de seopor a Shaitan!Um suor sbito escorreu pelo rosto de Lews Therin,

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    abrindo trilhas em meio ao p e sujeira. Ele lembrou; era umalembrana enevoada como o sonho de um sonho, mas ele sabiaque era verdade.

    Seu uivo ricocheteou nas paredes, o uivo de um homem

    que havia descoberto que sua alma fora condenada pela prpriamo, e ele cravou as unhas no rosto como se para rasgar a visodo que havia feito. Para onde quer que se voltasse, seus olhosencontravam os mortos. Dilacerados, despedaados,queimados, ou quase soterrados pelas pedras. Por toda partejaziam sem vida rostos que ele conhecia, rostos que ele amava.

    Velhos criados e amigos de infncia, companheiros fiis duranteos longos anos de batalha. E seus filhos. Seus prprios filhos efilhas, espalhados como bonecos quebrados, suas brincadeiraspara sempre interrompidas. Todos assassinados por sua prpriamo. Os rostos de seus filhos o acusavam, os olhos vaziosperguntando por qu, e as lgrimas dele no ofereciamnenhuma resposta. A gargalhada do Traidor o aoitou,

    abafando seus uivos. Ele no podia suportar os rostos, a dor.No suportava ficar ali nem mais um segundo. Em desespero,buscou a Fonte Verdadeira, o saidinmaculado, e Viajou.

    A terra ao seu redor era plana e deserta. Um rio passavaali por perto, largo e reto, e ele sentia que no havia pessoas emum raio de cem lguas. Estava s, to s quanto um homempodia estar enquanto vivesse, mas no podia fugir da memria.

    Os olhos o perseguiam pelas infinitas cavernas de sua mente.No podia se esconder deles. Os olhos de seus filhos. Os olhosde Ilyena. Lgrimas cintilavam em seu rosto quando ele voltouos olhos para o cu.

    Luz, perdoe-me!No acreditava que ele viesse, operdo. No para o que havia feito. Mas gritou para o cu

    mesmo assim, implorou pelo que no acreditava que pudessereceber.Luz, perdoe-me!Ele ainda estava tocando o saidin, a metade masculina do

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    poder que movia o universo, que fazia girar a Roda do Tempo,e podia sentir a mancha oleosa conspurcando sua superfcie, amarca do contra-ataque da Sombra, a mcula que condenou omundo. Por sua causa. Porque, em seu orgulho, ele acreditara

    que os homens podiam se equiparar ao Criador, podiamconsertar o que o Criador havia feito e eles haviam destrudo.Em seu orgulho, ele acreditara.

    Ele recorreu Fonte Verdadeira profundamente, e cadavez mais fundo, como um homem morrendo de sede. Empouco tempo havia absorvido mais do Poder nico do quepoderia canalizar sem ajuda; sua pele parecia estar em chamas.Com muito esforo, ele se obrigou a absorver mais, tentouabsorver tudo.

    Luz, perdoe-me! Ilyena!O ar transformou-se em fogo, e o fogo, em luz liquefeita.

    O raio que desceu dos cus teria carbonizado e cegado qualquerolho que o vislumbrasse ainda que por um s instante. Dos

    cus ele veio, atravessou Lews Therin Telamon, cravou-se nasentranhas da terra. As pedras se transformaram em vapor aoseu toque. A terra se debateu como um ser vivo em agonia. Alinha de luz existiu apenas por uma frao de segundo, ligando aterra ao cu, mas depois que ela se foi o solo ainda se agitavacomo o mar em uma tempestade. A pedra fundida jorrou aquinhentos ps de altura, e o cho, gemendo, elevou-se,

    lanando os jatos incandescentes cada vez mais alto. Do norte edo sul, do leste e do oeste, o vento chegou uivando, partindorvores como gravetos, urrando e soprando como se quisesseajudar a montanha crescente a subir ainda mais rumo aos cus.Sempre rumo aos cus.

    Finalmente o vento cessou, e da terra vinham apenas

    murmrios trmulos. De Lews Therin Telamon, nenhumvestgio restava. Onde ele antes estivera erguia-se agora umamontanha de milhas de altura, a lava ainda jorrando do pico

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    partido. O rio largo e reto afastara-se da montanha em umacurva, e nesse ponto as guas se separaram, formando uma ilhacomprida no meio. A sombra da montanha quase chegava ilha, estendendo-se escura pela terra como a mo agourenta de

    uma profecia. Por algum tempo os roncos de protesto da terraeram tudo que se ouvia.

    Na ilha, o ar tremeluziu e se condensou. O homem depreto estava ali, de p, olhando para a montanha em chamasque se erguia da plancie. Seu rosto se contorceu de fria edesprezo.

    No pode escapar to facilmente, Drago. A batalhaentre ns dois ainda no acabou. E no acabar at o fim dostempos.

    Ento ele desapareceu, e a montanha e a ilha ficaramdesertas. espera.

    E a Sombra caiu sobre a terra, e o Mundo foidespedaado, pedra por pedra. Os oceanos recuaram, as

    montanhas foram engolidas, e as naes se espalharam pelosoito cantos do Mundo. A lua era como o sangue, e o sol, comoas cinzas. Os mares ferveram, e os vivos invejaram os mortos.

    Tudo se fez em pedaos, e tudo se perdeu, a no ser a memria,e uma delas acima de todas, a daquele que havia trazido aSombra e a Ruptura do Mundo. E a ele deram o nome deDrago.

    (De Aleth nin Taerin alta Camora,A Ruptura do Mundo.

    Autor desconhecido, a Quarta Era)

    E assim aconteceu naqueles dias, como havia acontecido

    antes e tornaria a acontecer: as Trevas caram pesadas sobre aterra e oprimiram o corao dos homens, e o que era verdeextinguiu-se, e a esperana morreu. E os homens gritaram para

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    o Criador: Luz dos Cus, Luz do Mundo, deixai que oPrometido nasa da montanha, seguindo as profecias, como foiem eras passadas e ser nas eras por vir. Deixai que o Prncipeda Manh cante para a terra, que o verde vicejar e dos vales

    viro os cordeiros. Deixai que o brao do Senhor da Aurora nosproteja das Trevas, e a grande espada da justia nos defenda.Deixai que o Drago cavalgue novamente nos ventos do tempo.

    (De Charal Drianaan te Calamon,O Ciclo do Drago.

    Autor desconhecido, a Quarta Era)

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    CAPTULO 1

    Uma Estrada Deserta

    A Roda do Tempo gira, e Eras vm e vo, deixandomemrias que se transformam em lendas. As lendasdesvanecem em mitos, e at o mito j est h muito esquecidoquando a Era que o viu nascer retorna. Em uma Era, chamadapor alguns de a Terceira Era, uma Era ainda por vir, uma Erah muito passada, um vento se ergueu nas Montanhas daNvoa. O vento no era o incio. O girar da Roda do Tempono tem incios nem fins. Mas era umincio.

    Nascido abaixo dos picos eternamente cobertos pornuvens que davam montanha seu nome, o vento soprava paraleste, atravessando as Colinas de Areia, outrora as margens deum grande oceano, antes da Ruptura do Mundo. Ele desceu efustigou os Dois Rios, penetrando na mata densa chamada deFloresta do Oeste, e flagelou dois homens que seguiam comuma carroa e um cavalo por uma via estreita e pedregosa

    chamada de Estrada da Pedreira. Ainda que a primavera devesseter chegado um bom ms antes, o vento trazia consigo umarrepio gelado, como se preferisse trazer a neve.

    Rajadas colavam o manto de Rand alThor s suas costas,chicoteavam a l cor de terra ao redor de suas pernas e depois afaziam tremular atrs dele. Rand desejou que seu casaco fossemais pesado ou que tivesse vestido uma camisa extra. Metadedas vezes em que tentava puxar o manto, trazendo-o de volta frente do corpo, ele se prendia na aljava que balanava em seus

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    quadris. Tentar segurar o manto com uma das mos noajudava muito; na outra mo ele segurava o arco, a flechaencaixada, pronta para disparar.

    Quando uma rajada particularmente forte arrancou o

    manto de sua mo, ele olhou de relance para o pai por cima dodorso da gua marrom peluda. Sentia-se um tanto tolo porquerer se assegurar de que Tam ainda estava ali, mas era umdaqueles dias. O vento uivava, mas, tirando isso, o silncio naterra era pesado. Comparado a ele, o suave rangido do eixo dacarroa soava alto. Nenhum pssaro cantava na floresta,nenhum esquilo se agitava nos galhos das rvores. No que eleesperasse ouvi-los, de fato; no naquela primavera.

    Somente as rvores que no perdiam suas folhas ouagulhas durante o inverno tinham algum vestgio de verde.Restos dos espinheiros do ano anterior espalhavam teiasmarrons sobre as pedras embaixo das copas. As urtigas erammaioria entre as poucas ervas; o resto era do tipo que tinha

    carrapichos afiados, espinhos ou trombeteiras, que deixavamum cheiro ranoso na bota descuidada que as esmagasse.Trechos brancos e dispersos de neve ainda pontilhavam o choonde as rvores se adensavam e conservavam uma sombra maisslida. O sol fraco pairava acima da vegetao a leste, mas sualuz era fria e apagada, como se misturada sombra. Era umamanh estranha, prpria para se ter pensamentos desagradveis.

    Sem pensar, ele tocou a rabeira da flecha; estava prontapara ser puxada at seu rosto em um nico e suave movimento,do jeito que Tam lhe ensinara. O inverno havia sido bastanteruim nas fazendas, o pior de que at mesmo as pessoas mais

    velhas se lembravam, mas devia ter sido ainda mais duro nasmontanhas, se o nmero de lobos levados a descer para os Dois

    Rios servia de indicativo. Eles atacavam os redis de ovelhas einvadiam os celeiros atrs do gado e dos cavalos. Os ursostambm haviam atacado ovelhas, mesmo onde um urso no era

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    visto havia anos. J no era seguro andar por a aps oanoitecer. Homens se tornavam presas com a mesma frequnciadas ovelhas, e nem sempre era preciso que o sol se tivesseposto.

    Tam caminhava a passo firme do outro lado de Bela,usando a lana como cajado, ignorando o vento que fazia seumanto marrom drapejar como um estandarte. De vez emquando tocava levemente o flanco da gua, para lembr-la deseguir em frente. Com o peito forte e o rosto largo, ele era umpilar de realidade naquela manh, como uma pedra no meio deum sonho flutuante. A face marcada pelo sol podia ter suasrugas, e os cabelos, apenas uns poucos fios pretos, mas havianele uma solidez, como se uma enchente pudesse passar por elesem tirar seus ps do lugar. Agora seguia pela estrada,impassvel. Lobos e ursos no eram um problema, dizia suapostura, criaturas a que qualquer pastor de ovelhas devia estaratento, mas era melhor que no tentassem impedir Tam alThor

    de chegar a Campo de Emond.Comeando a se sentir culpado, Rand voltou a vigiar seulado da estrada, a atitude simples e direta de Tam fazendo-olembrar-se de sua tarefa. Ele era uma cabea mais alto que opai, mais alto que qualquer pessoa no distrito, e tinha pouco de

    Tam fisicamente, exceto talvez os ombros largos. Os olhoscinzentos e o tom avermelhado dos cabelos vinham da me,

    assim dizia Tam. Era estrangeira, e, alm de um rostosorridente, Rand pouco se recordava dela embora pusesse floresem seu tmulo todos os anos, no Bel Tine, na primavera, e aosdomingos, no vero.

    Dois barris pequenos do conhaque de ma de Tamseguiam na carroa sacolejante e oito barris maiores de sidra,

    levemente forte depois de fermentar ao longo do inverno. Tamentregava a mesma carga todos os anos Estalagem Fonte deVinho, para uso durante o Bel Tine, e afirmara que seria preciso

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    mais do que lobos ou um vento frio para impedi-lo nessaprimavera. Mesmo assim, eles haviam passado semanas sem ir aldeia. Nem Tam viajava muito naqueles dias. Mas dera apalavra a respeito do conhaque e da sidra, apesar de ter

    esperado at a vspera do Festival para fazer a entrega. Mantera palavra era algo importante para Tam. Rand estavasimplesmente contente por sair da fazenda, quase to contentequanto pela chegada do Bel Tine.

    Enquanto Rand vigiava seu lado da estrada, crescia nele asensao de estar sendo observado. Durante algum tempotentou ignor-la. Nada se movia nem fazia qualquer rudo entreas rvores, a no ser o vento. Mas a sensao no apenaspersistiu; ela aumentou. Os pelos dos braos se arrepiaram; apele formigou, como se coasse por dentro.

    Irritado, ele mudou o arco de posio para coar osbraos e disse a si mesmo que no deixasse se levar porfantasias. No havia nada na floresta no seu lado da estrada, e

    Tam teria avisado se houvesse alguma coisa do outro. Ele olhoupor cima do ombroe piscou. A menos de vinte braas atrsdeles na estrada uma figura a cavalo, coberta por um manto, osseguia, cavalo e cavaleiro negros, escuros e sombrios.

    Foi mais o hbito do que qualquer outra coisa que o fezcaminhar de costas ao lado da carroa enquanto olhava.

    O manto do cavaleiro o cobria at a ponta das botas, o

    capuz bem puxado frente de modo a no mostrar nenhumaparte do rosto. Rand pensou vagamente que havia algo deestranho no cavaleiro, mas era a abertura ensombreada docapuz que o fascinava. Ele s conseguia ver traos vagos de umrosto, mas tinha a sensao de que estava olhando bem nosolhos do cavaleiro. E no conseguia desviar o olhar. Sentiu o

    estmago embrulhar. S podia ver sombras sob o capuz, massentia um dio to agudo quanto se pudesse ver um rostoenfurecido, um dio por todas as coisas vivas. dio por ele

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    principalmente, por ele acima de todas as coisas.De repente, uma pedra bateu em seu calcanhar e ele

    tropeou, os olhos se desviando da figura negra. Seu arco caiuna estrada, e apenas a mo estendida que agarrou os arreios de

    Bela evitou que ele se estatelasse de costas no cho.Resfolegando de susto, a gua parou, girando a cabea para vero que a havia detido.

    Tam franziu a testa para ele por cima do dorso de Bela.Tudo bem com voc, rapaz? Um cavaleirodisse Rand sem flego,

    aprumando-se.Um estranho nos seguindo.Onde?Tam ergueu a lana de lmina larga e olhou

    cautelosamente para trs. Ali atrs naAs palavras de Rand morreram

    quando ele se virou para apontar. A estrada atrs deles estavadeserta. Sem acreditar, ele olhou para a floresta que ladeava aestrada. As rvores de galhos nus no ofereciam esconderijos,

    mas no havia o menor vestgio do cavalo nem do cavaleiro.Ele deu com o olhar questionador de seu pai.Ele estava ali.Um homem de manto preto, num cavalo preto.

    Eu no duvidaria de sua palavra, rapaz, mas para ondeele foi?

    No sei. Mas estava ali.Ele pegou o arco e a flechacados, verificou apressadamente as aletas antes de recolocar a

    flecha no encaixe e puxou a corda at a metade antes de deix-larelaxar. No havia nada em que mirar.Estava, sim.

    Tam balanou a cabea grisalha.Se voc diz, rapaz. Vamos. Um cavalo deixa marcas

    de cascos, mesmo num terreno destes. Ele comeou a seencaminhar na direo da traseira da carroa, o manto

    drapejando ao vento.Se as encontrarmos, vamos saber comcerteza que ele esteve ali. Se nobem, dias como estes fazemum homem achar que est vendo coisas.

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    Subitamente Rand percebeu o que havia achado estranhono cavaleiro, alm do fato de ele simplesmente estar ali. O

    vento que o fustigava e a Tam no havia deslocado uma dobrasequer daquele manto negro. Rand sentiu a boca ficar seca de

    repente. Devia mesmo ter imaginado aquilo. O pai estava certo:era uma manh do tipo que mexia com a imaginao de umhomem. Mas ele no acreditava nessas coisas. No entanto,como poderia dizer ao pai que o homem que aparentementehavia desaparecido em pleno ar vestia um manto intocado pelo

    vento?Com a testa franzida, ele espiou a floresta ao redor;

    parecia diferente do que sempre fora. Praticamente desde queaprendera a andar, ele corria solto por ali. As lagoas e riachos daFloresta das guas, alm das ltimas fazendas a leste de Campode Emond, eram onde ele havia aprendido a nadar. Haviaexplorado as Colinas de Areia, o que muita gente nos Dois Riosdizia que dava azar, e certa vez chegara ao sop das Montanhas

    da Nvoa, ele e seus amigos mais prximos, Mat Cauthon ePerrin Aybara. Isso era muito mais longe do que a maioria daspessoas de Campo de Emond jamais tinha ido; para eles, umajornada at a aldeia seguinte, subindo at a Colina da Viglia oudescendo at a Trilha de Deven, era um grande acontecimento.De todos aqueles lugares, no houvera um s que o fizessesentir medo. Naquele dia, porm, a Floresta do Oeste no era

    mais o lugar do qual ele se lembrava. Um homem capaz dedesaparecer to de repente podia reaparecer da mesma maneira,talvez at mesmo ao lado deles.

    No, pai, no h necessidade.Quando Tam parou, surpreso, Rand encobriu o rubor

    puxando o capuz de seu manto.

    O senhor provavelmente tem razo. No hnecessidade de sair procurando o que no existe, no quandopodemos aproveitar esse tempo para seguir at a aldeia e sair

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    deste vento. Um cachimbo no seria nada maudisse Tam

    devagar, assim como uma caneca de cerveja num lugarquente.Subitamente ele abriu um sorriso.E imagino que

    voc esteja ansioso para ver Egwene.Rand conseguiu dar um sorriso fraco. De todas as coisas

    em que ele poderia querer pensar naquele instante, a filha doprefeito estava l no fim da lista. Ele no precisava de maisconfuso. Durante o ltimo ano ela o vinha deixando cada vezmais nervoso sempre que estavam juntos. Pior, ela nem sequerparecia se dar conta disso. No, ele certamente no queriasomar Egwene a seus pensamentos.

    Estava torcendo para que o pai no tivesse notado queele estava com medo quando Tam falou:

    Lembre-se da chama, rapaz, e do vazio.Essa era uma coisa estranha que Tam lhe havia ensinado.

    Concentrar-se em uma nica chama e aliment-la com todas as

    suas paixesmedo, dio, raivaat sua mente ficar vazia.Torne-se um com o vazio, dizia Tam, e poder fazer qualquercoisa. Ningum mais em Campo de Emond falava assim. Mas

    Tam vencia o campeonato de arco e flecha no Bel Tine todoano com sua chama e seu vazio. Rand achava que esse anopoderia obter uma boa colocao tambm, se conseguisse seater ao vazio. O fato de Tam tocar no assunto naquele

    momento significava que havianotado, mas no disse mais nadaa respeito.

    Tam estalou a lngua, incitando Bela a voltar a andar, eeles retomaram sua jornada, o homem mais velho caminhandocomo se nada fora do normal tivesse acontecido e nada fora donormal pudesse acontecer. Rand queria poder imit-lo. Tentou

    criar o vazio em sua mente, mas ele lhe escapava. A todoinstante imagens do cavaleiro de manto negro ficavam seformando em sua cabea.

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    Ele queria acreditar que Tam tinha razo, que o cavaleirohavia sido apenas imaginao, mas lembrava-se do sentimentode dio muito bem. Algum tinha estado ali. E esse algumhavia lhe desejado mal. Ele no parou de olhar para trs at os

    telhados pontudos e altos de Campo de Emond comearem acerc-lo.

    A aldeia ficava perto da Floresta do Oeste, a mata aospoucos rareando at as ltimas rvores se erguerem j entre ascasas baixas e slidas. A terra se inclinava suavemente,descendo na direo do leste. Embora houvesse trechos demata, fazendas e campos e pastos demarcados por cercas vivascobriam a terra como uma colcha de retalhos alm da aldeia ata Floresta das guas e seu emaranhado de riachos e lagoas. Aterra que se estendia para oeste era igualmente frtil, e os pastosali vicejavam quase todos os anos, mas havia apenas umpunhado de fazendas na Floresta do Oeste. Mesmo essaspoucas desapareciam completamente a milhas das Colinas de

    Areia, para no mencionar as Montanhas da Nvoa, que seelevavam acima das copas das rvores da Floresta do Oeste,distantes, mas perfeitamente visveis de Campo de Emond. Unsdiziam que a terra era rochosa demais, como se no houvesserochas por toda parte nos Dois Rios, e outros diziam que aterra trazia m sorte. Uns poucos resmungavam que no haviapor que se aproximar das montanhas mais do que o necessrio.

    Fossem quais fossem as razes, apenas os homens maiscorajosos cultivavam a terra na Floresta do Oeste.

    Crianas pequenas e ces comearam a cercar a carroaem enxames, gritando e latindo, assim que Tam e Randpassaram pela primeira fileira de casas. Bela seguiapacientemente, ignorando os pequenos que gritavam e se

    acotovelavam embaixo de seu focinho, brincando de pique ecom bambols. Nos ltimos meses pouco se vira de risos oubrincadeiras de criana; mesmo quando o tempo abrandara o

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    suficiente para que elas pudessem sair, o medo dos lobos asmantivera dentro de casa. Parecia que a aproximao do Bel

    Tine as havia ensinado a brincar novamente.O Festival havia afetado tambm os adultos. As janelas

    estavam escancaradas, e em quase todas as casas a dona sepunha ali, vestindo avental e usando um leno nos longoscabelos tranados, sacudindo lenis ou pendurando colchesnos peitoris. Independentemente do aparecimento ou no defolhas nas rvores, nenhuma mulher deixaria o Bel Tine chegarantes de fazer sua limpeza anual. Em cada quintal viam-setapetes pendurados em varais, e as crianas que no foramrpidas o bastante para escapulir livres pelas ruas descontavamsua frustrao nos tapetes com batedores de vime. Em todos ostelhados o dono da casa se empoleirava, verificando a coberturade palha para ver se os danos do inverno necessitavam de uma

    visita do velho Cenn Buie, o telhador.Por vrias vezes Tam parou para conversar rapidamente

    com um ou outro aldeo. Como ele e Rand haviam ficadosemanas sem sair da fazenda, todos queriam saber como ascoisas andavam por aqueles lados. Poucos homens da Florestado Oeste tinham aparecido na aldeia. Tam falou de prejuzoscom as tempestades do inverno, cada uma pior que a anterior,de ovelhas natimortas, de campos marrons onde as plantaesdeveriam estar brotando e os pastos verdejando, de bandos de

    corvos se reunindo onde nos anos anteriores havia pssaroscanoros. Conversas lgubres, com os preparativos para o Bel

    Tine acontecendo por toda parte ao redor deles, e muitascabeas anuindo. Era a mesma coisa em todos os lugares.

    A maioria dos homens dava de ombros e dizia:Bem, se a Luz quiser, ns vamos sobreviver.

    Outros sorriam e acrescentavam: E, se a Luz no quiser, vamos sobreviver assimmesmo.

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    Assim era a maioria das pessoas dos Dois Rios. Pessoasobrigadas a ver o granizo arrasar suas colheitas ou os loboslevarem suas ovelhas e recomear, no importando por quantosanos isso se repetisse, no desistiam facilmente. A maioria dos

    que desistiam j partira havia muito tempo.Tam no teria parado para Wit Congar se o homem no

    tivesse sado para o meio da rua obrigando-os a frear ou deixarBela passar por cima dele. Os Congarse os Coplins; as duasfamlias casavam tanto entre si que no se sabia de fato ondeuma acabava e a outra comeavaeram conhecidos da Colinada Viglia at Trilha de Deven, e talvez at Barca do Taren,como gente queixosa e encrenqueira.

    Preciso levar isto para Bran alVere, WitdisseTam, indicando com a cabea os barris na carroa.

    Mas o homem magricela ficou onde estava com umaexpresso azeda no rosto. Momentos antes ele estiveraesparramado na soleira da porta, e no em cima do telhado,

    embora a cobertura estivesse com um aspecto to ruim queparecia precisar com urgncia dos cuidados de Mestre Buie. Witnunca parecia pronto a retomar o trabalho ou terminar o quehavia comeado. A maioria dos Coplins e dos Congars eraassim, os que no eram piores.

    O que vamos fazer a respeito de Nynaeve,alThor?questionou Congar.No podemos ter uma

    Sabedoria assim em Campo de Emond.Tam deu um suspiro profundo.No da nossa conta, Wit. A Sabedoria assunto das

    mulheres. Bem, melhor fazermos alguma coisa, alThor. Ela

    disse que teramos um inverno ameno. E uma boa colheita.

    Agora pergunte o que ela ouve no vento, e ela simplesmenteolha para voc de cara feia e sai pisando duro. Se voc a questionou com seus modos habituais,

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    fosse a grosseria. Levado at um banco ao lado do fogo nacozinha, eram-lhe servidos doces, bolos de mel ou tortas decarne. E os olhos da dona da casa sempre o pesavam e mediamcom a mesma preciso das balanas e fitas mtricas de um

    mercador enquanto ela lhe dizia que o que ele estava comendono era nem de perto to bom quanto o que sua irm viva, ousua prima mais velha, sabia preparar. Tam certamente noestava ficando mais jovem, ela diria. Era bom que ele tivesseamado tanto a esposaisso era um timo sinal para a prximamulher em sua vida, mas seu luto j havia durado tempodemais. Tam precisava de uma boa esposa. Era fato, diriaela isso ou algo parecido, que um homem simplesmenteno podia ficar sem uma mulher que cuidasse dele e omantivesse longe de problema. As piores eram aquelas quenesse momento se detinham, pensativas, e ento perguntavamcom um descompromisso estudado exatamente quantos anos eletinha agora.

    Como a maior parte do povo dos Dois Rios, Rand tinhacomo forte trao de personalidade a teimosia. Os forasteiros svezes diziam que essa era a principal caracterstica da gente daregio: eram capazes de dar aulas a mulas e ensinar s pedras.

    As mulheres eram boas e gentis em sua maioria, mas eledetestava ser forado a fazer qualquer coisa, e elas o deixavamcom a sensao de estar sendo conduzido com varas pontudas.

    Assim, ele acelerou o passo, torcendo para que Tam apressasseBela tambm.

    No demorou para que a rua se abrisse, indo dar noCampo, uma ampla rea no meio da aldeia. Normalmentecoberto por uma grama espessa, o Campo nessa primaveramostrava apenas alguns trechos de verde em meio ao

    marrom-amarelado da grama morta e o negro da terra nua. Unspoucos gansos vagavam pelo local, olhando atentos o cho, semno entanto achar nada que valesse a pena bicar, e uma vaca

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    leiteira fora amarrada ali perto para pastar na grama esparsa.Mais para a extremidade oeste do Campo, a fonte

    propriamente dita do riacho Fonte de Vinho jorrava de umafloramento baixo na rocha em um fluxo que nunca falhava,

    um fluxo forte o bastante para derrubar um homem e doce osuficiente para justificar seu nome cem vezes. Da nascente, asguas corriam ligeiras para o leste, alargando-se rapidamente, asmargens pontilhadas de salgueiros ao longo de todo o caminhoat o moinho de Mestre Thane e alm, at se dividir em dezenasde crregos nas profundezas pantanosas da Floresta das guas.Duas pontes baixas e estreitas para pedestres atravessavam olmpido riacho no Campo, assim como outra mais larga e forteo bastante para suportar o peso de carroas. A Ponte dasCarroas marcava o ponto onde a Estrada do Norte, que vinhade Barca do Taren e da Colina da Viglia, tornava-se a Estrada

    Velha, que levava at Trilha de Deven. Os forasteiroscostumavam achar engraado que a estrada tivesse um nome ao

    norte e outro ao sul, mas, at onde os habitantes de Campo deEmond sabiam, era assim que sempre fora, e isso bastava. Eramotivo suficiente para a gente dos Dois Rios.

    Do outro lado das pontes, os montes j estavamcrescendo para as fogueiras do Bel Tine, trs pilhas de troncos,cuidadosamente arrumados, quase do tamanho de casas. Elastinham de ficar na terra nua, naturalmente, e no no Campo,

    por mais esparsa que a grama estivesse. No Festival, o que noacontecia ao redor das fogueiras acontecia no Campo.

    Perto da Fonte de Vinho um grupo de mulheres maisvelhas cantava baixinho enquanto erguia o Pau da Primavera.Despido dos galhos, o tronco reto e esguio de um abetoelevava-se a dez ps de altura, mesmo no buraco que elas

    haviam escavado para ele. Um bando de meninas jovens demaispara usar os cabelos tranados encontrava-se ali perto. Sentadasde pernas cruzadas, elas observavam com inveja,

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    ocasionalmente cantando fragmentos da cano das mulheres.Tam estalou a lngua, como se para incitar Bela a acelerar

    o passo, embora ela o ignorasse, e Rand mantevedeliberadamente os olhos afastados do que as mulheres estavam

    fazendo. Pela manh os homens fingiriam surpresa aoencontrar o Pau; depois, ao meio-dia, as mulheres solteirasdanariam ao redor dele, enrolando-o com longas fitas coloridasenquanto os homens solteiros cantavam. Ningum sabiaquando esse costume comeara nem por quera mais umaprtica que seguia do jeito que sempre fora, mas era umadesculpa para cantar e danar, e ningum nos Dois Riosprecisava de muita desculpa para isso.

    O dia inteiro do Bel Tine seria tomado com cantoria,danas e banquetes, com corridas e competies de quase tudo.Haveria prmios no somente para o melhor com arco e flecha,mas tambm com funda e lana. Haveria concursos de enigmase charadas, de cabo de guerra e de levantamento e lanamento

    de pesos, prmios para o melhor cantor, o melhor danarino eo melhor tocador de rabeca, para o mais rpido a tosquiar umaovelha, e at mesmo para o melhor em bocha e nos dardos.

    O Bel Tine devia acontecer quando a primaverahouvesse chegado de verdade, os primeiros cordeiros tivessemnascido e a primeira colheita estivesse brotando. Mas, mesmocom o frio ainda intenso, ningum sequer pensara em adiar o

    Festival. Um pouco de msica e dana faria bem a todos. E,para completar, se os rumores fossem verdadeiros, uma grandeexibio de fogos de artifcio estava planejada para oCampose o primeiro mascate do ano aparecesse a tempo, claro. Isso vinha gerando um falatrio considervel; dez anoshaviam se passado desde a ltima exibio desse tipo, e as

    pessoas ainda falavam dela.A Estalagem Fonte de Vinho ficava na extremidade lestedo Campo, bem ao lado da Ponte das Carroas. O primeiro

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    andar da construo era de pedras do rio, embora a fundaofosse de rochas mais antigas, que, diziam uns, vinham dasmontanhas. O segundo andar, de paredes caiadasondeBrandelwyn alVere, estalajadeiro e Prefeito de Campo de

    Emond pelos ltimos vinte anos, vivia nos fundos com amulher e as filhas, projetava-se alm da rea do andarinferior. As telhas vermelhas, nico telhado desse tipo na aldeia,reluziam luz fraca do sol, e saa fumaa de trs das dozechamins altas da estalagem.

    No lado sul da estalagem, distante do riacho,estendiam-se os vestgios de uma fundao de pedra muitomaior, outrora parte da construo ou pelo menos assimdiziam. No meio dela agora crescia um imenso carvalho, cujotronco tinha cerca de trinta passos de dimetro, e os galhos quese espalhavam eram da grossura de um homem. No vero, BranalVere dispunha cadeiras e mesas embaixo daqueles galhos,que, carregados de folhas, davam uma boa sombra, e ali as

    pessoas podiam beber alguma coisa e desfrutar da brisa frescaenquanto conversavam ou arrumavam o tabuleiro para um jogode pedras.

    Aqui estamos, rapaz.Tam estendeu a mo para osarreios de Bela, que se deteve diante da estalagem antes mesmoque ele encostasse no couro.Conhece o caminho melhor doque eu.Ele deu uma risada.

    Quando o ltimo rangido do eixo da carroa j no seouvia, Bran alVere surgiu de dentro da estalagem, parecendocomo sempre pisar leve demais para um homem de suacircunferncia, quase o dobro da de todos os demais na aldeia.Um sorriso dividiu seu rosto redondo, que era encimado poruma franja esparsa de cabelos grisalhos. O estalajadeiro estava

    de mangas curtas apesar da friagem, o avental de um brancoimaculado amarrado na cintura. Um medalho de prata naforma de uma balana de dois pratos pendia em seu peito.

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    O medalho, junto com a balana de tamanho real usadapara pesar as moedas dos mercadores que desciam de Baerlonpara negociar l ou tabac, era o smbolo do cargo de Prefeito.Bran s o usava para lidar com os mercadores e para

    festividades e casamentos. Agora ele o estava usando comantecedncia, mas aquela seria a Noite Invernal, a vspera doBel Tine, quando todos fariam visitas de um lado para o outroquase a noite inteira, trocando presentinhos e comendo ebebendo um pouco em cada casa. Depois desse inverno, pensouRand, ele provavelmente considera a Noite Invernal desculpa suficiente

    para no esperar at amanh. Tam!o Prefeito gritou ao ir apressado at

    eles.Que a Luz brilhe sobre mim, bom v-lo finalmente. Evoc tambm, Rand. Como vai, meu rapaz?

    Vou bem, Mestre alVeredisse Rand.E osenhor?

    Mas a ateno de Bran j havia voltado a Tam.

    Eu j estava comeando a pensar que voc no trariaseu conhaque este ano. Voc nunca esperou tanto assim antes.No me agrada deixar a fazenda, Branrespondeu

    Tam.No com os lobos do jeito que esto. E esse tempo.Bran pigarreou.

    Gostaria que algum quisesse falar sobre outra coisaque no o tempo. Todo mundo reclama disso, e gente que

    deveria saber das coisas espera que eu resolva a questo. Acabeide passar vinte minutos explicando Senhora alDonel quenada posso fazer quanto s cegonhas. De qualquer forma, o queela esperava que eu fizesseEle sacudiu a cabea.

    Um mau agourouma voz speraanunciou.Nenhum ninho de cegonha nos telhados no Bel

    Tine.Cenn Buie, encarquilhado e enegrecido como uma raizvelha, marchou at Tam e Bran apoiando-se em seu cajado,quase to alto quanto ele e igualmente encarquilhado. Tentou

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    encarar os dois homens ao mesmo tempo com seus olhosmidos.Coisas piores viro, ouam o que eu digo.

    Ento voc se tornou vidente, interpretandopressgios?Tam perguntou, seco.Ou voc escuta o

    vento, como uma Sabedoria? Vento o que no falta. E algunsno vm de longe daqui.

    Pode zombar se quiserresmungou Cenn, mas,se o tempo no esquentar o bastante para as lavouras brotaremlogo, mais de um celeiro vai estar vazio antes que se possa fazera colheita. No prximo inverno pode ser que no haja nada

    vivo nos Dois Rios exceto lobos e corvos. Se chegarmos aoprximo inverno. Talvez seja ainda neste.

    E o que que voc quer dizer comisso?perguntou Bran, rspido.

    Cenn olhou para os dois com azedume. No tenho muita coisa boa a dizer sobre Nynaeve

    alMeara. Voc sabe disso. Para comear, ela jovem demais

    para No importa. O Crculo das Mulheres parecedesaprovar que o Conselho da Aldeia sequer comente osassuntos delas, embora elas interfiram nos nossos sempre quedesejam, coisa que acontece na maior parte do tempo, ou assimparece

    Cenninterrompeu Tam, voc quer chegar aalgum lugar com essa conversa?

    O que quero dizer o seguinte, alThor: pergunte Sabedoria quando o inverno ir terminar, e ela se afasta. Talvezela no queira nos contar o que ouve no vento. Talvez o queoua seja que o inverno no ir terminar. Talvez esse invernosimplesmente continue at a Roda girar e a Era chegar ao fim.Isso o que eu quero dizer.

    E talvez as ovelhas saiam voandoretorquiu Tam.Bran ergueu as mos no ar.Que a Luz me proteja dos tolos. Voc, que se senta

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    no Conselho da Aldeia, Cenn, agora anda espalhando essaconversa de Coplin. Bem, escute aqui, j temos problemassuficientes sem

    Um rpido puxo na manga de Rand e uma voz baixa,

    destinada somente a seus ouvidos, distraiu-o da conversa doshomens mais velhos.

    Venha, Rand, enquanto eles esto discutindo. Antesque ponham voc para trabalhar.

    Rand olhou para baixo e teve de sorrir. Mat Cauthonencontrava-se agachado ao lado da carroa de forma que Tam,Bran e Cenn no podiam v-lo, seu corpo magricela contorcidocomo uma cegonha tentando se dobrar ao meio.

    Os olhos castanhos de Mat brilhavam antecipandoalguma travessura, como de costume.

    Dav e eu pegamos um texugo velho enorme. Eleficou todo zangado por ter sido arrancado da toca. Vamossolt-lo no Campo e ver as garotas correrem.

    O sorriso de Rand se abriu; aquilo no lhe soou todivertido quanto teria sido um ou dois anos antes, mas Matparecia no crescer nunca. Rand lanou um olhar rpido para opaios homens ainda tinham as cabeas muito prximas,todos os trs falando ao mesmo tempo e ento abaixou aprpria voz.

    Prometi descarregar a sidra. Mas posso encontrar

    vocs mais tarde.Mat revirou os olhos.

    Carregar barris! Que me queimem, eu prefeririabrincar com minha irmzinha. Bom, sei de coisas melhores queum texugo. Temos estranhos nos Dois Rios. Ontem noite

    Por um instante Rand parou de respirar.

    Um homem a cavalo?ele perguntou cominteresse.Um homem coberto por um manto preto,montado num cavalo preto? E seu manto no se move com o

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    vento?Mat engoliu o sorriso, e a voz tornou-se um sussurro

    ainda mais rouco. Voc o viu tambm? Achei que tinha sido o nico.

    No ria, Rand, mas ele me assustou.No estou rindo. Ele tambm me apavorou. Eu podia

    jurar que ele me odiava, que queria me matar.Randestremeceu. At aquele dia jamais pensara que algum pudessequerer mat-lo, mat-lo de verdade. Esse tipo de coisasimplesmente no acontecia nos Dois Rios. Trocar uns socos,talvez, lutas, mas matar, no.

    No sei sobre essa histria de dio, Rand, mas ele erabastante assustador de qualquer maneira. Tudo que fez foi ficarsentado em seu cavalo, olhando para mim, na entrada da aldeia,mas eu nunca senti tanto medo em minha vida. Ento, quandodesviei os olhos, s por um instantee isso no foi fcil, vejabeme olhei de novo, ele havia desaparecido. Sangue e cinzas!

    Isso j tem trs dias, e eu mal consigo parar de pensar nele. Ficoolhando o tempo todo por cima do ombro.Mat tentou umarisada que acabou saindo como um grasnido. gozadocomo o medo toma conta da gente. Faz a gente pensar coisasestranhas. Eu cheguei a pensar s por um minuto, vejabem que pudesse ser o Tenebroso.Ele tentou dar outrarisada, mas dessa vez nenhum som saiu de sua garganta.

    Rand respirou fundo. Tanto para lembrar a si mesmoquanto por qualquer outro motivo, disse mecanicamente:

    O Tenebroso e todos os Abandonados esto presosem Shayol Ghul, alm da Grande Praga, presos pelo Criador nomomento da Criao, presos at o fim dos tempos. A mo doCriador protege o mundo, e a Luz brilha sobre todos

    ns.Ele respirou fundo mais uma vez e continuou:Almdisso, se estivesse livre, o que o Pastor da Noite estaria fazendonos Dois Rios? Vigiando garotos de fazenda?

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    No sei. S sei que aquele cavaleiro eramau. Noria. Posso jurar que sim. Talvez ele fosse o Drago.

    Voc est mesmo cheio de pensamentos animadores,hein?Rand resmungou.Est pior que Cenn.

    Minha me sempre disse que os Abandonados viriamme pegar se eu no me corrigisse. Se algum dia eu vi algumque parecesse com Ishamael ou Aginor, esse algum foi ele.

    Toda me assusta os filhos com osAbandonadosdisse Rand secamente, mas a maioriacresce e supera isso. Por que no o Homem das Sombras, jque voc tocou no assunto?

    Mat o fuzilou com o olhar.Eu no sentia tanto medo desdeNo, nunca senti

    tanto medo assim, e no me importo de admitir isso. Eu tambm no. Meu pai acha que eu estava com

    medo das sombras das rvores.Mat assentiu, sombrio, e se recostou na roda da carroa.

    Meu pai tambm. Contei a Dav, e a Elam Dowtry.Eles esto atentos feito gavies desde ento, mas no viramnada. Agora Elam acha que eu estava tentando engan-lo. Davacredita que o cavaleiro vem l de Barca do Tarenum ladrode ovelhas, ou de galinhas. Ladro de galinhas!Ele caiu numsilncio afrontado.

    Provavelmente isso tudo no passa mesmo de uma

    bobagem disse Rand por fim. Talvez seja realmente sum ladro de ovelhas. E tentou visualizar a cena, mas eracomo visualizar um lobo tomando o lugar de um gato na frenteda toca de um rato.

    Bem, eu no gostei de como ele olhou para mim.Nem voc, no pelo jeito como reagiu ao assunto. Deveramos

    contar a algum. J falamos, Mat, ns dois, e no acreditaram. Jimaginou tentar convencer Mestre alVere sobre esse sujeito,

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    sem que ele o veja? Ele nos mandaria para Nynaeve para ver seestamos doentes.

    Mas agora somos dois. Ningum poderia achar quens dois imaginamos a mesma coisa.

    Rand esfregou rapidamente o topo da cabea,perguntando-se o que dizer. Mat era uma figura conhecida naaldeia. Poucas pessoas haviam escapado de suas traquinagens.

    Agora seu nome surgia sempre que um varal deixava cair asroupas no cho ou uma fivela de sela frouxa derrubava umfazendeiro na estrada. Nem era preciso que Mat estivesse porperto. O apoio dele podia ser pior que no ter apoio nenhum.

    Depois de um instante Rand falou: Seu pai acharia que voc me convenceu a inventar

    isso, e o meuEle olhou por cima da carroa para ondeTam, Bran e Cenn estavam conversando, e se viu olhando nosolhos do pai.

    O prefeito ainda repreendia Cenn, que agora ouvia

    quieto e amuado. Bom dia, Matrim disse Tam, animado, erguendoum dos barris de conhaque at apoi-lo na lateral docarro.Estou vendo que voc veio ajudar Rand a descarregara sidra. Bom garoto.

    Mat se levantou de um salto j na primeira palavra ecomeou a recuar.

    Bom dia para o senhor, Mestre alThor. E para osenhor, Mestre alVere. Mestre Buie. Que a Luz brilhe sobre ossenhores. Meu pai me mandou aqui para

    Claro que mandoudisse Tam.E claro que,como voc um rapaz que executa suas tarefas imediatamente,j terminou o que veio fazer. Bem, quanto mais rpido vocs

    levarem a sidra ao poro de Mestre alVere, mais rpidopodero ver o menestrel. Menestrel!exclamou Mat, parando de supeto

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    onde estava, no mesmo instante em que Rand perguntava:Quando ele vai chegar?Rand s conseguia se lembrar da visita de dois

    menestris aos Dois Rios em toda a sua vida, e em uma dessas

    visitas ele era to pequeno que pde sentar-se nos ombros deTam para assistir. O fato de terem um deles ali de verdadedurante o Bel Tine, com a harpa e a flauta, as histrias e tudo omais Dali a dez anos, Campo de Emond ainda estariacomentando aquele Festival, mesmo que no houvesse fogos deartifcio.

    Bobagemresmungou Cenn, mas calou-se com umolhar de Bran que tinha todo o peso do cargo de Prefeito.

    Tam recostou-se na lateral da carroa, usando o barril deconhaque como apoio para o brao.

    Sim, um menestrel, e ele j est aqui. Segundo MestrealVere, neste exato momento ele se encontra em um quarto daestalagem.

    Chegou na calada da noite.O estalajadeirobalanou a cabea em desaprovao.Bateu na porta dafrente at acordar a famlia inteira. No fosse pelo Festival, euteria dito que levasse o prprio cavalo para o estbulo e quedormisse na baia com ele, menestrel ou no. Imagine chegarassim no escuro.

    Rand ficou olhando intrigado. Ningum viajava alm dos

    limites da aldeia noite, no naqueles dias, certamente nosozinho. O telhador resmungou baixinho novamente, muitobaixo dessa vez para que Rand compreendesse mais do queuma ou duas palavras. Loucoe anormal.

    Ele no usa um manto negro, usa?perguntou Matde repente.

    A barriga de Bran balanou com a risada. Negro? O manto dele igual ao manto de todomenestrel que j vi na vida. Tem mais remendos do que manto,

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    e mais cores do que voc possa imaginar.Rand surpreendeu-se rindo muito alto, um riso de puro

    alvio. O ameaador cavaleiro de negro como menestrel eramesmo uma ideia ridcula, masEle cobriu a boca com a mo,

    envergonhado.Est vendo, Tam?disse Bran.No tem havido

    muito riso neste vilarejo desde a chegada do inverno. Agora atmesmo o manto do menestrel motivo de gargalhada. S issoj vale a despesa de t-lo trazido l de Baerlon.

    Digam o que quiserempronunciou-se Cennsubitamente.Eu ainda acho que um desperdcio dedinheiro. Isso e esses fogos de artifcio que vocs todosinsistiram em mandar trazer.

    Ento h mesmo fogos de artifciodisse Mat.Mas Cenn prosseguiu:

    Deveriam ter chegado h um ms, com o primeiromascate do ano, mas no houve nenhum mascate sequer, no

    foi? Se ele no vier at amanh, o que vamos fazer com osfogos? Realizar outro Festival s para solt-los? Isto , se ele ostrouxer, claro.

    Cenn.Tam suspirouVoc confia tanto naspessoas quanto um homem de Barca do Taren.

    Onde ele est, ento? Diga-me isso, alThor.Por que o senhor no nos contou?perguntou Mat

    em tom ofendido.A aldeia toda teria se divertido tanto coma espera quanto com o prprio menestrel. Ou quase, pelomenos. D para ver como todo mundo ficou s com o boatode fogos.

    , d para verrespondeu Bran, olhando deesguelha para o telhador. E se eu tivesse certeza de como

    esse boato comeouSe eu achasse, por exemplo, que algumandou reclamando do preo das coisas onde as pessoaspudessem ouvi-lo, quando as coisas deveriam ser segredo

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    Cenn pigarreou.Meus ossos esto velhos demais para este vento. Se

    vocs no se importam, vou ver se a Senhora alVere pode meservir um pouco de vinho quente para espantar a friagem.

    Prefeito. AlThor.Ele j seguia para a estalagem antes de terminar de falar,

    e, quando a porta se fechava atrs dele, Bran suspirou.s vezes acho que Nynaeve tem razo sobreBem,

    isso no importante agora. Vocs, jovens, pensem por umminuto. Todos esto empolgados com os fogos, verdade, eisso s com um boato. Pensem como eles vo ficar se omascate no chegar aqui a tempo, depois de toda a expectativa.E, com o clima do jeito que est, quem sabe quando ele vir?

    Todos ficariam cinquenta vezes mais empolgados com ummenestrel.

    E se sentiriam cinquenta vezes piores se ele notivesse vindodisse Rand devagar.Talvez nem mesmo o

    Bel Tine conseguiria alegrar o esprito das pessoas. Voc tem a cabea no lugar quando resolveus-ladisse Bran.Ele vai seguir seus passos no Conselhoda Aldeia um dia, Tam. Oua o que digo. Neste momento, nose sairia pior do que algum que conheo.

    Nada disso vai descarregar a carroadisse Tamvigorosamente, entregando o primeiro barril ao

    Prefeito. Quero uma lareira quente, meu cachimbo e umacaneca da sua boa cerveja.Ele ergueu o segundo barril deconhaque e o colocou no ombro. Tenho certeza de queRand vai lhe agradecer a ajuda, Matrim. Lembre-se: quanto maiscedo a sidra estiver no poro

    Quando Tam e Bran desapareceram no interior da

    estalagem, Rand olhou para o amigo. No precisa ajudar. Dav no vai conseguir seguraraquele texugo por muito tempo.

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    Ah, por que no?perguntou Mat,resignado.Como seu pai falou, quanto mais rpido issoestiver no poroApanhando um dos barris de sidra nosbraos, ele correu na direo da estalagem num meio

    trote.Talvez Egwene esteja por a. Ver voc olhar para elafeito um boi abatido com uma alabarda to divertido quantoqualquer texugo.

    Rand deteve-se no momento em que colocava o arco e aaljava na parte de trs da carroa. Ele havia de fato conseguidotirar Egwene da cabea. Isso por si s j era incomum. Masprovavelmente ela estaria em algum lugar da estalagem. Nohavia muita chance de conseguir evit-la. Naturalmente, j faziasemanas desde que a vira pela ltima vez.

    E ento?Mat gritou da frente da estalagem.Euno disse que ia fazer tudo sozinho. Voc ainda no est noConselho da Aldeia.

    Com um sobressalto, Rand apanhou um barril e o seguiu.

    Talvez ela no estivesse ali, afinal. Estranhamente, essapossibilidade no o fez se sentir nem um pouco melhor.

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    Tam e Bran se juntassem a eles.A preocupao no era algo incomum ao Conselho da

    Aldeia naqueles dias, no em Campo de Emond, eprovavelmente no na Colina da Viglia, nem em Trilha de

    Deven. Ou mesmo em Barca do Taren, embora ningumpudesse saber o que a gente de Barca do Taren realmenteachava a respeito de qualquer coisa.

    Somente dois homens diante do fogo, Haral Luhhan, oferreiro, e Jon Thane, o moleiro, ergueram os olhos para osgarotos quando eles entraram. Mestre Luhhan, entretanto, deumais que uma olhada de relance. Os braos do ferreiro eramgrossos como as pernas da maioria dos homens, cobertos demsculos fortes, e ele ainda usava o avental comprido de couro,como se tivesse sado correndo da forja direto para a reunio.Seu olhar carrancudo abarcou os dois, e ento ele se endireitoudeliberadamente na cadeira, voltando, com interesse exagerado,a ateno novamente para o cachimbo no qual seu enorme

    polegar batia.Curioso, Rand reduziu o passo, mas teve de engolir umgrito quando Mat chutou-lhe o tornozelo. O amigo acenavainsistentemente com a cabea na direo da porta dos fundosdo salo e correu para l, sem esperar. Mancando de leve, Rando seguiu, menos apressado.

    O que houve? quis saber assim que entrou no

    corredor que levava para a cozinha. Voc quase quebroumeu

    o velho Luhhandisse Mat, espiando o salo porcima do ombro de Rand.Acho que ele suspeita que fui euquem Ele parou bruscamente quando a Senhora alVeresaiu num rompante da cozinha, o aroma de po quentinho

    flutuando frente dela.A bandeja em suas mos trazia alguns dos pes crocantespelos quais ela era famosa em Campo de Emond, bem como

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    pratos de picles e queijo. Isso subitamente lembrou Rand deque ele s havia comido uma ponta de po antes de deixar afazenda naquela manh. Seu estmago roncouconstrangedoramente.

    Uma mulher esbelta, com a trana grossa de cabelos quej comeavam a ficar grisalhos cada em um dos ombros, aSenhora alVere sorriu com ar maternal para os dois.

    H mais destes na cozinha, se vocs dois estiveremcom fome, e nunca conheci garotos da sua idade que noestivessem. Nem de qualquer outra idade, para ser sincera. Sepreferirem, estou assando bolos de mel agora.

    Ela era uma das poucas mulheres casadas da regio quenunca tentavam dar uma de casamenteira com Tam. Em relaoa Rand, seu jeito maternal se expressava em sorrisos afetuosos eum lanche rpido sempre que ele passava pela estalagem, masela agia assim com todos os rapazes do lugar. Se de vez emquando ela o olhava como se quisesse fazer mais, pelo menos

    no ia alm do olhar, e ele se sentia profundamente grato porisso.Sem esperar resposta, a Senhora alVere se apressou para

    o salo. Imediatamente ouviu-se o som de cadeiras sendoarrastadas quando os homens se levantaram, e exclamaesquanto ao cheiro do po. Ela era de longe a melhor cozinheirade Campo de Emond, e no havia um s homem num raio de

    milhas que, se tivesse chance, no iria correndo se sentar suamesa.

    Bolos de meldisse Mat, estalando os lbios.DepoisRand falou com firmeza, ou no vamos

    acabar nunca.Um lampio pendia acima da escada que levava adega,

    ao lado da porta da cozinha, e outro criava um poo de luz noaposento de paredes de pedra embaixo da estalagem, banindotoda a escurido a no ser por uma leve penumbra nos cantos

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    mais distantes. Prateleiras de madeira ao longo das paredes esuportes no cho sustentavam barris de conhaque e sidra, eoutros maiores de cerveja e vinho, alguns com torneiras. Muitosdos barris de vinho estavam marcados com giz na letra de Bran

    alVere, indicando o ano em que haviam sido comprados, quevendedor os tinha trazido, e em que cidade foram produzidos,mas toda a cerveja e o conhaque eram de fabricao dosfazendeiros dos Dois Rios ou do prprio Bran. Mascates, e atmesmo mercadores, s vezes traziam conhaque ou cerveja defora, mas esses jamais eram to bons quanto os locais, alm decustarem uma fortuna, e ningum nunca bebia deles mais deuma vez.

    Agoradisse Rand, quando colocavam os barris nossuportes, o que voc fez para ter de evitar Mestre Luhhan?

    Mat deu de ombros. Nada, na verdade. Eu s disse a Adan alCaar e a

    alguns de seus amigos melequentos Ewin Finngar e Dag

    Coplin que alguns fazendeiros viram ces fantasmascuspindo fogo e correndo pela floresta. Eles engoliram tudocomo se fosse creme de nata.

    E Mestre Luhhan est furioso com voc por causadisso?perguntou Rand, desconfiado.

    No exatamente.Mat fez uma pausa, depoisbalanou a cabea.Sabe, eu cobri dois cachorros dele com

    farinha de trigo, para que ficassem todos brancos. Ento ossoltei perto da casa de Dag. Como que eu ia saber que elesiriam voltar correndo para casa? No minha culpa, de

    verdade. Se a Senhora Luhhan no tivesse deixado a portaaberta, eles no poderiam ter entrado. No como se eu tivessea inteno de espalhar farinha pela casa dela toda.Ele deu

    uma gargalhada que mais parecia um latido.Ouvi dizer queela botou tanto o velho Luhhan quanto os cachorros, todos ostrs, para fora da casa com uma vassoura.

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    Rand fez uma careta e riu ao mesmo tempo.Se eu fosse voc, estaria mais preocupado com Alsbet

    Luhhan do que com o ferreiro. A mulher quase to fortequanto ele, s que o temperamento dela bem pior. Mas no

    importa. Se andar rpido, talvez ele no repare em voc.A expresso de Mat dizia que ele no estava achando

    graa em Rand.No entanto, quando voltaram pelo salo, no houve a

    menor necessidade de Mat se apressar. Os seis homens haviamagrupado suas cadeiras num n apertado diante da lareira. Decostas para o fogo, Tam falava baixo, e os outros se inclinavampara a frente para ouvir, to concentrados nas palavras dele queprovavelmente no teriam notado se um bando de ovelhastivesse passado por ali. Rand queria se aproximar, ouvir sobre oque eles estavam conversando, mas Mat puxou a manga de suaroupa e lhe lanou um olhar agoniado. Com um suspiro, eleseguiu Mat at a carroa l fora.

    Quando retornaram ao corredor eles encontraram umabandeja no alto da escada, com bolos de mel quentes queenchiam o ar com seu aroma doce. Tambm havia duascanecas, e um bule de sidra fumegante. Apesar de sua prpriaadvertncia quanto a aguardar at mais tarde, Rand se viufazendo as duas ltimas viagens entre a carroa e a adegatentando equilibrar um barril e um bolo quente.

    Ao colocar o ltimo barril no suporte, ele limpou asmigalhas da boca enquanto Mat descarregava seu fardo e entofalou:

    Agora, vamos ao menesDa escada veio um rudo de ps, e Ewin Finngar quase

    caiu na adega de tanta pressa, o rosto gorducho brilhando de

    ansiedade para transmitir suas notcias. H estranhos na aldeia.Ele respirou fundo edirigiu um olhar atravessado a Mat. No vi nenhum co

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    fantasma, mas ouvi dizer que algum cobriu de farinha oscachorros do Mestre Luhhan. Tambm ouvi dizer que aSenhora Luhhan tem l suas suspeitas sobre quem fez isso.

    A diferena de idade que separava Rand e Mat de Ewin,

    que tinha apenas quatorze anos, em geral era mais do quesuficiente para que eles no dessem muita importncia aqualquer coisa que o garoto tivesse a dizer. Dessa vez, porm,os dois trocaram um olhar preocupado, e ento comearam afalar ao mesmo tempo.

    Na aldeia?questionou Rand.No na floresta?Enquanto ele ainda falava, Mat tambm perguntou:

    O manto dele era preto? Voc conseguiu ver o rostodele?

    Ewin olhou inseguro de um para o outro, depois falourapidamente quando Mat deu um passo ameaador em suadireo:

    claro que consegui ver o rosto dele. E o manto

    verde. Ou talvez cinza. Ele muda de cor. Parece que assume ascores de onde quer que esteja. s vezes voc no o v mesmoquando olha diretamente para ele, no se ele no se mexer. E odela azul, como o cu, e dez vezes mais luxuoso do quequalquer roupa de festa que eu j vi na vida. Ela tambm dez

    vezes mais bonita que qualquer pessoa que j vi. uma damanobre, como as das histrias. Tem de ser.

    Ela?perguntou Rand.De quem voc estfalando? Ele olhou para Mat, que havia colocado as duasmos na cabea e fechado bem os olhos.

    Era deles que eu estava querendo lhefalarmurmurou Matantes que voc me levasse aEse interrompeu, abrindo os olhos e lanando um olhar afiado

    para Ewin.Chegaram ontem noiteMat continuoudepois de um momentoe alugaram quartos aqui naestalagem. Eu os vi chegar a cavalo. E que cavalos, Rand!

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    Nunca vi to altos nem to lustrosos. Pareciam capazes decorrer para sempre. Eu acho que ele trabalha para ela.

    A serviointerrompeu Ewin. assim quefalam nas histrias: ele est a servio dela.

    Mat continuou como se Ewin no tivesse falado.De qualquer maneira, ele obedece a ela, faz o que ela

    manda. S que no parece um criado. Um soldado, talvez. Amaneira como leva a espada, como se ela fizesse parte dele,como a mo ou o p. Ele faz os guardas dos mercadoresparecerem vira-latas. E ela, Rand. Eu nunca sequer imaginei queexistisse algum como ela. Parece que saiu de uma histria demenestrel. Ela como comoEle fez uma pausa edirigiu um olhar cido a Ewin.Como uma damanobreconcluiu com um suspiro.

    Mas quem so eles? perguntou Rand. A no serpelos mercadores que chegavam uma vez por ano para comprartabac e l e pelos mascates, forasteiros nunca apareciam nos

    Dois Rios, ou quase nunca. Talvez em Barca do Taren, masnunca to ao sul. J fazia uns bons cinco anos desde a ltimavez em que um estranho de verdade aparecera em Campo deEmond, e assim mesmo porque o sujeito estava tentando seesconder de algum problema em Baerlon que ningum na aldeiacompreendeu. Ele no ficara por muito tempo.O que elesquerem?

    O que eles querem?!exclamou Mat.No meimporto com o que eles querem. So estranhos, Rand, eestranhos como voc nunca sonhou. Pense nisso!

    Rand abriu a boca, depois tornou a fech-la sem falar. Ocavaleiro de manto negro o havia deixado to nervoso quantoum gato em um canil. Aquilo parecia simplesmente uma imensa

    coincidncia, trs estranhos na aldeia ao mesmo tempo. Isto ,trs se o manto do sujeito que mudava de cores nunca mudassepara preto.

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    O nome dela Moiraine disse Ewin no silnciomomentneo.Ouvi quando ele disse o nome. Moiraine, foiassim que a chamou. Lady Moiraine. O nome dele Lan. ASabedoria pode no gostar dela, mas eu gosto.

    O que faz voc pensar que Nynaeve no gostadela?perguntou Rand.

    Hoje cedo ela pediu informao Sabedoria sobrecomo chegar a algum lugarcontou Ewine a chamou decriana.Rand e Mat assoviaram baixinho, e Ewin, napressa de explicar, acabou tropeando nas palavras.LadyMoiraine no sabia que ela era a Sabedoria. Pediu desculpasquando descobriu. Pediu, sim. E fez algumas perguntas sobreervas, e sobre quem quem em Campo de Emond, com omesmo respeito que qualquer mulher da aldeia demonstrariamais at do que algumas. Ela est sempre fazendo perguntas,sobre a idade das pessoas e h quanto tempo esto onde morame ah, e no sei o que mais. De qualquer forma, Nynaeve

    respondeu como se tivesse mordido uma fruta verde. Ento,quando Lady Moiraine se afastou, Nynaeve ficou olhando paraela, comoBem, no foi de maneira amigvel, isso eu possogarantir.

    Isso tudo?perguntou Rand.Voc conhece otemperamento de Nynaeve. Quando Cenn Buie a chamou decriana no ano passado, ela deu na cabea dele com o cajado, e

    ele faz parte do Conselho da Aldeia e, alm disso, velho obastante para ser av dela. Ela se enfurece com qualquer coisa,mas a raiva passa assim que vira as costas.

    Para mim isso j tempo demaismurmurou Ewin. No me interessa em quem Nynaeve bate.Mat

    riu.Desde que no seja em mim. Esse vai ser o melhor Bel

    Tine de todos. Um menestrel, uma ladyquem poderia pedirmais? Quem precisa de fogos de artifcio?Um menestrel?perguntou Ewin, a voz elevando-se

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    subitamente. Vamos l, Randcontinuou Mat, ignorando o

    menino mais novo.J acabamos aqui. Voc tem de veraquele sujeito.

    Ele subiu os degraus aos pulos, com Ewin esforando-separa acompanh-lo e gritando:

    Tem mesmo um menestrel, Mat? No que nem osces fantasmas, ? Ou os sapos?

    Rand fez uma pausa para apagar o lampio, depois foicorrendo atrs deles.

    No salo, Rowan Hum e Samel Crawe haviam se juntadoaos outros perto da lareira, de modo que todo o Conselho da

    Aldeia estava ali reunido. Bran alVere falava, a voznormalmente grave num tom to baixo que, alm daaglomerao de cadeiras, ouvia-se somente um murmriosurdo. O Prefeito enfatizava as palavras batendo um indicadorgrosso na palma da outra mo e olhando para os homens, um

    de cada vez. Todos assentiam, concordando com o que querque ele estivesse dizendo, embora Cenn o fizesse de modo maisrelutante.

    A maneira como os homens se aglomeravam falava commais clareza do que uma placa pintada. Qualquer que fosse oassunto era somente para o Conselho da Aldeia, pelo menospor enquanto. Eles no iriam gostar de ver Rand tentando

    escutar. Com relutncia, ele se afastou dali. Ainda havia omenestrel. E os estranhos.

    Do lado de fora, Bela e a carroa haviam sumido, levadospor Hu ou por Tad, os cavalarios da estalagem. Mat e Ewinestavam ali, parados, fuzilando um ao outro com o olhar apoucos passos da entrada da estalagem, o vento fustigando seus

    mantos. Pela ltima vezgritou Mat, eu no estoupregando uma pea em voc. Vamos ter mesmoum menestrel.

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    Agora v embora. Rand, quer dizer a este cabea de bagre queestou falando a verdade, para ver se ele me deixa em paz?

    Fechando o manto, Rand avanou para apoiar Mat, massuas palavras morreram quando os pelos de sua nuca se

    eriaram. Ele estava sendo observado novamente. A sensaoestava longe de ser a que o cavaleiro de capuz lhe causara, mastampouco era agradvel, especialmente to pouco tempo depoisdaquele encontro.

    Uma rpida olhada pelo Campo mostrou-lhe apenas oque ele tinha visto antescrianas brincando, pessoas sepreparando para o Festival e ningum detendo o olhar mais doque alguns segundos em sua direo. O Pau da Primaveraerguia-se sozinho agora, espera. A algazarra e os gritos infantisenchiam as ruas menores. Tudo estava como deveria. Excetopelo fato de que ele estava sendo observado.

    Ento alguma coisa o levou a se virar, a erguer os olhos.No beiral da estalagem um corvo enorme encontrava-se

    empoleirado, oscilando um pouco com as rajadas do vento quevinha das montanhas. Sua cabea estava inclinada para o lado, eum olhinho preto estava fixo nele, Rand pensou. Entoengoliu em seco, e subitamente uma raiva queimou nele, umaraiva ardente e aguda.

    Comedor de carnia imundoele resmungou. Estou cansado de ser observado grunhiu Mat, e

    Rand percebeu que o amigo havia parado ao seu lado e quetambm estava olhando de cenho franzido para o corvo.

    Eles trocaram um olhar, e ento, como se fossem um s,suas mos dispararam em busca de pedras.

    Duas pedras voaram precisamentee o corvo deu umpasso para o lado; as pedras passaram assoviando pelo espao

    onde ele havia estado. Afofando as asas uma vez, ele tornou ainclinar a cabea, fitando-os com um olho preto sem expresso,sem medo, como se nada houvesse acontecido.

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    Rand encarou o pssaro, intrigado. Voc j viu um corvo fazer isso?perguntou

    baixinho.Mat sacudiu a cabea sem desviar seu olhar da ave.

    Nunca. Nem outro pssaro. Um pssaro vil soou uma voz de mulher atrs

    deles, melodiosa apesar do tom de repugnncia, no qual nose pode confiar mesmo nas melhores pocas.

    Com um grito agudo o corvo se lanou no ar comtamanha violncia que duas penas pretas caram do beiral,flutuando.

    Assustados, Rand e Mat se viraram para acompanhar ovoo do pssaro, acima do Campo e na direo das Montanhasda Nvoa, com seus cumes envoltos em nuvens erguendo-sealm da Floresta do Oeste, at que ele no passasse de umpontinho no oeste e desaparecesse de vista.

    O olhar de Rand desceu at a mulher que havia falado.

    Ela tambm acompanhara o voo do corvo, mas nesse momentose virou, e seus olhos encontraram os dele. Rand no podiadeixar de olh-la. S podia ser Lady Moiraine, e ela era tudo queMat e Ewin tinham dito, tudo e um pouco mais.

    Quando soube que ela chamara Nynaeve de criana,Rand a imaginou mais velha, mas no. Pelo menos ele noconseguia atribuir a ela nenhuma idade. De incio, achou que

    fosse to jovem quanto Nynaeve, mas quanto mais a olhavamais pensava que ela era mais velha. Havia uma maturidade emseus olhos grandes e escuros, um ar de conhecimento queningum poderia ter adquirido ainda jovem. Por um instante,achou que aqueles olhos fossem poos profundos prestes aengoli-lo. Tambm estava claro por que Mat e Ewin a

    consideravam uma dama sada de um conto de menestrel. Seuporte era altivo, e havia nela um ar de autoridade que o faziasentir-se sem jeito e desastrado. A cabea dela mal chegava ao

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    peito de Rand, mas sua presena era tal que sua altura pareciaapropriada, e ele se sentia inadequado com o prprio tamanho.

    Em todos os aspectos, ela no se parecia com ningumque ele j tivesse conhecido. O capuz largo do manto

    emoldurava-lhe o rosto e os cabelos escuros, que pendiam emcachos suaves. Ele jamais havia visto uma mulher adulta sem oscabelos presos numa trana; toda garota dos Dois Riosaguardava ansiosamente que o Crculo das Mulheres de seu

    vilarejo determinasse que tinha idade suficiente para tranar oscabelos. Suas roupas eram igualmente estranhas. O manto erade veludo azul-celeste, com folhas, vinhas e flores num densobordado prateado por toda a borda. O vestido cintilavadiscretamente quando ela se movia, num azul mais escuro que odo manto, com veios creme. Um colar de pesados elos de ouropendia de seu pescoo, enquanto outra corrente de ouro,delicada e presa em seus cabelos, sustentava uma pequena ereluzente pedra azul no meio de sua testa. Um cinturo largo de

    ouro tranado envolvia-lhe a cintura, e no segundo dedo damo esquerda havia um anel de ouro no formato de umaserpente picando a prpria cauda. Ele certamente nunca viraum anel assim, embora reconhecesse a Grande Serpente, umsmbolo da eternidade ainda mais antigo que a Roda do Tempo.

    Mais luxuoso que qualquer roupa de festa, Ewin dissera,e ele estava certo. Ningum jamais se vestia assim nos Dois

    Rios. Jamais. Bom dia, Senhora h Lady Moirainedisse

    Rand, seu rosto ficou quente com o tropeo da lngua. Bom dia, Lady Moiraine ecoou Mat um pouco

    mais tranquilamente, mas s um pouco.Ela sorriu, e Rand pegou-se pensando se havia alguma

    coisa que pudesse fazer por ela, algo que lhe desse umadesculpa para ficar perto dela. Ele sabia que ela estava sorrindopara todos, mas parecia que o sorriso se destinava somente a

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    ele. Era de fato como se um conto de menestrel houvesseadquirido vida. Mat tinha um sorriso bobo colado no rosto.

    Vocs sabem meu nomedisse ela, parecendoencantada. Como se sua presena, ainda que breve, no fosse se

    tornar o principal assunto das conversas da aldeia por um anointeiro! Mas vocs devem me chamar de Moiraine, no delady. E seus nomes, quais so?

    Ewin deu um pulo para a frente antes que um dos outrospudesse falar.

    Meu nome Ewin Finngar, minha senhora. Fui euquem contou a eles seu nome; por isso que sabem. Ouvi Lancham-la, mas no estava espionando. Ningum como asenhora jamais veio a Campo de Emond. Um menestrel est naaldeia tambm, para o Bel Tine. E hoje teremos a NoiteInvernal. A senhora vai minha casa? Minha me fez bolos dema.

    Terei de verela respondeu, pondo a mo no

    ombro de Ewin. Os olhos dela cintilaram, divertidos, emboraela no desse nenhum outro sinal de agrado. No sei comopoderia competir com um menestrel, Ewin. Mas vocs todosdevem me chamar de Moiraine.Ela olhou, em expectativa,para Rand e Mat.

    Eu sou Matrim Cauthon, La hMoirainedisse Mat.

    Ele fez uma mesura dura e desajeitada, e estava com orosto vermelho quando se endireitou.

    Rand estava se perguntando se deveria fazer algoparecido, do jeito que os homens faziam nas histrias, mas,com o exemplo de Mat, simplesmente disse seu nome. Pelomenos no tropeou na prpria lngua dessa vez.

    Moiraine olhou dele para Mat e novamente para ele.Rand achou que o sorriso dela, uma simples curva nos cantosda boca, era agora do tipo que Egwene exibia quando tinha um

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    segredo. Talvez eu venha a ter algumas pequenas tarefas

    espordicas enquanto estiver em Campo de Emondeladisse.Quem sabe vocs no estejam dispostos a me

    ajudar? Ela riu ao v-los assentirem, um mais vido que ooutro.Aquidisse, e Rand ficou surpreso quando elapressionou uma moeda na palma de sua mo, fechando a modele com as dela.

    No precisoele comeou a falar, mas eladispensou seu protesto com um gesto enquanto tambm dava aEwin uma moeda, e em seguida ps outra na mo de Mat domesmo jeito que fizera com Rand.

    claro que . No se pode esperar que vocstrabalhem de graa. Considerem isso um pagamento simblico,e guardem-no com vocs, para que se lembrem de queconcordaram em vir quando eu chamar. Entre ns existe agoraum compromisso.

    Eu nunca vou esquecerafirmou Ewin. Mais tarde conversaremosdisse ela, e deverome contar tudo sobre vocs.

    Lady quer dizer, Moiraine?chamou Rand,hesitante, quando ela lhes deu as costas. Ela parou e olhousobre o ombro, e ele teve de engolir em seco antes decontinuar.Por que veio a Campo de Emond?

    A expresso no rosto dela manteve-se impassvel, massubitamente ele desejou no ter perguntado, embora nosoubesse dizer por qu. De qualquer forma, apressou-se emexplicar.

    No quis ser rude. Desculpe. s que ningum vemaos Dois Rios, a no ser os mercadores, e os mascates quando

    no h neve demais para descer de Baerlon. Quase ningum.Certamente ningum como voc. Os guardas dos mercadores svezes dizem que isto aqui o fim do mundo, e suponho que o

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    que deve parecer a qualquer pessoa de fora. Eu s fiqueiimaginando

    Ento o sorriso dela foi desaparecendo, lentamente,como se ela tivesse se recordado de alguma coisa. Por um

    momento ela apenas ficou olhando para ele. Eu sou uma estudante de histria disse ela por

    fim, uma colecionadora de antigas histrias. Este lugar quevocs chamam de os Dois Rios sempre me interessou. s vezeseu estudo as histrias sobre o que aconteceu aqui h muitotempo, aqui e em outros lugares.

    Histrias? perguntou Rand. O que aconteceunos Dois Rios que possa interessar a algum como querdizer, o que pode ter acontecido aqui?

    E de que outro nome voc chamaria isto aqui alm deos Dois Rios?acrescentou Mat. assim que sempre foichamado.

    medida que a Roda do Tempo giradisse

    Moiraine, quase que para si mesma e com uma expressodistante nos olhos, os lugares recebem nomes diferentes. Oshomens recebem muitos nomes, muitas faces. Faces diferentes,mas sempre o mesmo homem. No entanto, ningum conhece oGrande Padro que a Roda tece, nem sequer o Padro de umaEra. Ns s podemos observar, estudar e ter esperana.

    Rand ficou olhando para ela, sem palavras, nem mesmo

    para perguntar o que ela queria dizer. Ele no tinha certeza seela tivera a inteno de que eles ouvissem aquilo. Os outros doisestavam igualmente mudos, ele percebeu. Ewin estavaboquiaberto.

    Moiraine voltou a se concentrar neles, e todos os trsestremeceram um pouco, como se despertassem.

    Conversaremos mais tardedisse ela. Nenhumdeles replicou.Mais tarde.Ela seguiu na direo da Pontedas Carroas, parecendo deslizar sobre o cho em vez de andar,

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    o manto se abrindo de ambos os lados de seu corpo como asas.Quando ela se afastava, um homem alto que Rand no

    notara antes saiu da frente da estalagem e a seguiu, uma dasmos descansando no punho longo de uma espada. Suas roupas

    eram de um verde-escuro acinzentado que teria desaparecidoentre folhas ou sombras, e o manto alternava entre tons decinza, verde e marrom quando se agitava ao vento. s vezes eleparecia quase desaparecer, o manto misturando-se ao que querque estivesse atrs dele. Seus cabelos eram compridos egrisalhos nas tmporas, afastados do rosto por uma faixaestreita de couro. O rosto tinha linhas e ngulos rgidos,desgastados pelo tempo mas sem rugas, apesar do cinza noscabelos. Quando ele se movia, Rand no conseguia pensar emoutra coisa que no lobos.

    Ao passar pelos trs jovens seu olhar os percorreu, olhosto frios e azuis quanto a aurora no solstcio de inverno. Eracomo se ele os estivesse pesando em sua mente, e no havia

    nenhum sinal em seu rosto do que as balanas lhe diziam. Eleapertou o passo at alcanar Moiraine, ento diminuiu avelocidade para caminhar ao lado dela, curvando-se para lhefalar. Rand soltou a respirao que nem havia percebido queestivera prendendo.

    Aquele era Landisse Ewin com a voz rouca, comose ele tambm tivesse prendido a respirao. Fora um olhar

    capaz de fazer isso.Aposto que ele um Guardio. No seja tolo.Mat riu, mas era um riso

    nervoso. Guardies s existem em histrias. De qualquermaneira, Guardies tm espadas e armadura cobertas de ouro ejoias, e passam todo o tempo no norte, na Grande Praga,combatendo o mal, os Trollocs e coisas assim.

    Elepoderiaser um GuardioEwin insistiu. Voc viu algum ouro ou alguma joia?zombouMat.Temos algum Trolloc nos Dois Rios? Ns temos

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    ovelhas. O que pode ter acontecido aqui algum dia parainteressar a algum como ela?

    Algo pode ter acontecidorespondeu Randdevagar.Dizem que a estalagem est aqui h mil anos, talvez

    mais.Mil anos de ovelhasdisse Mat.Um pni de prata!Ewin gritou.Ela me deu um

    pni de prata inteirinho! Pensem s no que vou poder comprarquando o mascate chegar.

    Rand abriu a mo para olhar a moeda que ela lhe dera equase a deixou cair de surpresa. No reconheceu a moedagrossa de prata com a imagem em relevo de uma mulherequilibrando uma nica chama na mo com a palma erguidapara o alto, mas ele havia observado Bran alVere pesar asmoedas que os mercadores traziam de uma dezena de terras, etinha uma ideia de seu valor. Tanta prata assim compraria umbom cavalo em qualquer parte dos Dois Rios, e ainda sobraria

    algum dinheiro.Ele olhou para Mat e viu a mesma expresso atordoadaque sabia que seu prprio rosto