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LEVA PRA CASA De Gabriel Tonin PERSONAGENS Laércio, policial de uns cinquenta anos Guilherme, jovem branco Anderson, policial jovem branco Jonatas, jovem negro Uma casa simples, com janelas tampadas com madeira. Alguns livros em uma prateleira e uma televisão desligada. Na cozinha, um fogãozinho de duas bocas e uma mesa. CENA 1 (Guilherme está algemado em um canto com um capuz na cabeça; Laércio anda de um lado pra outro cozinhando alguma coisa; Anderson está fumando como ouvinte) GUILHERME Acho que já dá pra tirar o capuz. LAÉRCIO Oi? GUILHERME Já dá pra tirar o capuz. Tá dando falta de ar aqui. LAÉRCIO Foi mal. Peraí. (Laércio tira o capuz) LAÉRCIO Desculpa. (silêncio; Laércio continua preparando a comida) LAÉRCIO Você gosta de strogonoff? GUILHERME Até que gosto. LAÉRCIO É super fácil de fazer. Eu sempre faço. É só colocar creme de leite. (silêncio)

Transcript of rl.art.br file · Web viewBom, podem comer agora.(eles comem por um tempo em...

LEVA PRA CASADe Gabriel Tonin

PERSONAGENSLaércio, policial de uns cinquenta anosGuilherme, jovem brancoAnderson, policial jovem brancoJonatas, jovem negro

Uma casa simples, com janelas tampadas com madeira. Alguns livros em uma prateleira e uma televisão desligada. Na cozinha, um fogãozinho de duas bocas e uma mesa.

CENA 1

(Guilherme está algemado em um canto com um capuz na cabeça; Laércio anda de um lado pra outro cozinhando alguma coisa; Anderson está fumando como ouvinte)

GUILHERMEAcho que já dá pra tirar o capuz.

LAÉRCIOOi?

GUILHERMEJá dá pra tirar o capuz. Tá dando falta de ar aqui.

LAÉRCIOFoi mal. Peraí.

(Laércio tira o capuz)

LAÉRCIODesculpa.

(silêncio; Laércio continua preparando a comida)

LAÉRCIOVocê gosta de strogonoff?

GUILHERMEAté que gosto.

LAÉRCIOÉ super fácil de fazer. Eu sempre faço. É só colocar creme de leite.

(silêncio)

GUILHERMEPor um momento eu achei que o senhor estivesse me levando pra uma vala.

LAÉRCIOÉ mesmo?

GUILHERMEÉ.

(silêncio)

GUILHERMEO que o senhor tá fazendo?

LAÉRCIOStrogonoff.

GUILHERMESim, mas...

LAÉRCIOVocê gosta de champignon no strogonoff?

GUILHERMEGosto...

LAÉRCIOEu comprei batata-palha também. Você gosta?

GUILHERMEGosto sim, senhor.

LAÉRCIOAinda bem.

(silêncio)

GUILHERMEO que vai ser disso?

LAÉRCIO(impaciente) A gente vai jantar e a gente vai ver. Tudo bem?

GUILHERMETudo bem.

LAÉRCIOA molecada de hoje tá muito estranha. Eu fico um pouco impaciente com esse mundo. Você não fica não?

GUILHERMEComo assim?

LAÉRCIOImpaciente com as coisas que a gente não consegue mudar com as próprias mãos, você entende? É ou não é, Anderson? Hein, Anderson?

(Anderson confirma com a cabeça)

LAÉRCIOViu? O Anderson é um rapaz esperto. Ele consegue entender as coisas. É ou não é, Anderson?

(silêncio)

GUILHERMEEu juro que é pra uso próprio, senhor.

LAÉRCIOTá bom.

GUILHERMEÉ sim. Eu juro.

LAÉRCIONão importa.

(silêncio)

GUILHERMEO que o senhor tá pensando em fazer?

LAÉRCIOStrogonoff. Janta. Comida boa. Você bebe vinho seco?

GUILHERMEBebo.

LAÉRCIOAinda bem.

GUILHERMEPrefiro o doce, mas tudo bem...

LAÉRCIOO Anderson também gostava do doce, né, Anderson? Agora ele gosta do seco.

GUILHERMEPor que você me trouxeram pra cá? Vocês vão me matar?

LAÉRCIOVocê já tava morto. Você tava na lista negra. Né, Anderson? Considere-se com sorte.

GUILHERMEIsso não tá certo não, cara. Eu quero que vocês me levem pra uma delegacia. Eu conheço os meus direitos.

(Anderson ri)

LAÉRCIOIgualzinho, né, Anderson? Vocês são todos parecidos. É um barato.

(silêncio)

LAÉRCIOTá quase pronto já. Separa os pratos pra gente, Anderson.

(Anderson obedece)

LAÉRCIOPrefere garfo?

GUILHERMESim.

LAÉRCIO

O Anderson prefere garfo também. Eu gosto de comer de colher. Gosto é gosto.

(silêncio; eles preparam a mesa)

LAÉRCIOOlha, eu vou dar sua primeira chance de confiança. Eu vou tirar a algema. Você pode tentar sair da casa ou tentar fazer alguma coisa. Mas antes disso eu dou um tiro em você. Beleza?

GUILHERMEBeleza.

LAÉRCIOSe eu não der o tiro, o Anderson dá. E vice e versa. Combinado? Não vamos ter nenhuma gracinha?

GUILHERMEBeleza.

LAÉRCIOBeleza?

GUILHERMEBeleza.

LAÉRCIOPode tirar a algema dele, Anderson.

(Anderson obedece)

LAÉRCIOÓtimo. Vocês podem se servir.

(todos se servem em silêncio; eles se sentam na mesa)

LAÉRCIO(canta em oração) Um pouco mais de respeitoUm pouco mais de compaixãoUm pouco de vida e de comunhãoEu quero estar com vocêCom todo o meu ser

LAÉRCIO e ANDERSONTe respeito, meu irmãoTe respeito, meu irmãoTe respeito, meu irmãoTe respeito, meu irmão

LAÉRCIOTe respeito porque estamos no mesmo marEstamos unidos no mesmo lugarTe respeitoIguais somos feitosNo meio e no leitoTe respeito...

ANDERSONAmém.

LAÉRCIO

Bom, podem comer agora.

(eles comem por um tempo em silêncio)

LAÉRCIOVocê gosta de música?

GUILHERMEEu gosto.

LAÉRCIOQue tipo de música você gosta?

GUILHERMEEu gosto de música internacional. Eu gosto de rock.

LAÉRCIOSei. (pausa) Tá bom?

GUILHERMETá sim, senhor.

LAÉRCIOPodem comer mais. É pra repetir.

(silêncio)

LAÉRCIOVocê tá passando fome?

GUILHERMENão.

LAÉRCIOFuma bastante?

GUILHERMEPior que fumo. Foi cagada. Eu não costumo fazer isso, senhor...

LAÉRCIOSei. Tudo bem. E seus pais?

GUILHERMEMeu pai mora longe. Minha mãe tá bem.

LAÉRCIOEla sabe?

GUILHERMEQue eu tentei ser ladrão? Acho que não sabe.

LAÉRCIOE você é ladrão? Bandido? Você se considera?

GUILHERMEVocê me pegou roubando o posto, não foi?

LAÉRCIO

Acho que foi.

GUILHERMESei lá. Foi cagada...

LAÉRCIOE seu amigo?

GUILHERMEO que tem?

LAÉRCIOEle faz isso com frequência?

GUILHERMEEu respondo por mim.

LAÉRCIOVocê sabia que a corporação já tava de olho em vocês?

GUILHERMESe eu soubesse eu teria dado um jeito, né?

LAÉRCIONão dava nem uma semana pra tu tá mortinho da silva num necrotério. Nem todo mundo é bom moço como eu, garoto.

(silêncio)

LAÉRCIOO Anderson também tava pra ser morto, né, Anderson? Mas o Anderson se envolveu em vender droga, né, Anderson? Ia morrer na mão dos traficantes do bairro do lado.

GUILHERMEVocê é tipo que faz justiça com as próprias mãos?

LAÉRCIOOi?

GUILHERMEO que você quer? Você quer que eu peça desculpas? Você vai me torturar?

LAÉRCIOO strogonoff tá uma tortura assim?

(Guilherme bate na mesa; Anderson se assusta e levanta a arma)

LAÉRCIOCalma, Anderson.

GUILHERMEO que a gente tá fazendo aqui, cara? O que você quer?

LAÉRCIOVocê deve uma coisa pra sociedade. Nós somos policiais e eu peguei você e seu amigo assaltando o posto de gasolina de um amigo meu. Você prefere que eu leve você pra delegacia? Pra você sujar seu nome, talvez apanhar, tomar gostoso no cu. Quer? Anderson pergunta pra ele se ele realmente quer que eu leve ele pra delegacia pra ele ser processado pelo estado e ir pra cadeia logo na manhã

seguinte, pergunta. Você quer, garoto?

(silêncio)

LAÉRCIOFoi o que eu pensei. (pausa) E a maconha?

GUILHERMEO que tem?

LAÉRCIOÉ pra consumo próprio?

GUILHERMEÉ sim, senhor. Eu fumo com meu pai.

LAÉRCIONão, tudo bem. Se fosse tráfico também tudo bem. Olha o Anderson. Nem todo pai leva a vida como a gente quer levar, né? Eu fico me perguntando, cara, eu sou responsável por o quê nesse mundo? O que é de responsabilidade minha nesse tempo que passamos pelo planeta? Fazer justiça? Trabalhar? Ser uma pessoa honesta? Não é uma coisa de deixar a gente meio paranóico?

(silêncio)

GUILHERMEQual a diferença do meu crime pro seu?

LAÉRCIOOi?

GUILHERMEVocê está agindo fora da lei me trazendo aqui. Não é o certo. Ou é? Qual é a nossa diferença?

LAÉRCIOÉ exatamente essa a questão, garoto. Nós não somos diferentes. É pra isso que estamos aqui hoje. Esse aqui é mais esperto que você, Anderson.

GUILHERMEVocê é um fora da lei igual eu.

LAÉRCIOMas eu estou salvando você! Em menos de uma semana você ia pra vala, menino. Eu tô falando sério. O sistema não suporta esse tipo de pressão, você entende? Você estava interferindo no serviço de um monte de caras estressados, mal pagos, você consegue entender? Eu salvei você te trazendo aqui. (pausa) Foi você que matou aquela menina, não foi?

GUILHERMEO que?

LAÉRCIOA menina que morreu por causa do celular. Ângela era o nome dela. Uma ruiva gordinha. Mataram ela faz duas semanas. Foi você e seu amigo, não foi? Semana retrasada.

GUILHERMELógico que não. Você viu que a gente usa arma de brinquedo, cara. Pelo amor de deus...

LAÉRCIOA do seu amigo não é de verdade?

GUILHERMENão. É de brinquedo também.

LAÉRCIOTem certeza?

GUILHERMEJuro por deus. Essa foi a segunda vez que eu fiz isso. A gente só pensou em pegar comércio de playboy. Ia dar duzentão e um pacote de cigarro pra cada um.

LAÉRCIOAh, você não é playboy?

GUILHERMESou nada.

LAÉRCIOVocê tem cara de playboy.

GUILHERMEE você tem cara de matador.

(silêncio)

LAÉRCIOSurgiu a suspeita de que você e o seu amigo foram quem matou a menina. O povo quer justiça, Guilherme. Eu não consegui salvar o seu amigo. Como é mesmo o nome dele? O Renato. Mas eu salvei você.

(silêncio)

GUILHERMEA gente não matou a menina.

LAÉRCIONinguém quer saber. Precisa saciar o sentimento, você entende? Eu entendo a sua condição, mas eu preciso que você comece a entender a condição de todo mundo.

GUILHERMEComo assim?

LAÉRCIOEu aceito a sua falha, cara. Eu te respeito como ser humano passível de falha. Quero que você aceite as falhas dos homens maus também.

(silêncio)

LAÉRCIOÉ um processo bastante complicado. (pausa) Qual era a intenção nisso tudo?

GUILHERMEComo assim?

LAÉRCIOO que vocês pretendiam? Montar um esquema de roubos?

GUILHERME

A gente tava dando um jeito.

LAÉRCIODando um jeito?

GUILHERMETédio.

LAÉRCIOSei.

GUILHERMEA nossa vida não pode ter sido exatamente igual pra você entender.

LAÉRCIOEu não acho que você seja vagabundo. Eu entendo muito bem a culpa do molde.

GUILHERMEA culpa do molde...?

LAÉRCIOVocê é o que você come e onde você está inserido. Eu entendo muito bem.

GUILHERMESim.

LAÉRCIOA culpa do molde.

GUILHERMEEntendi.

(silêncio)

LAÉRCIOSabe como os caras descobriram de vocês? Como a corporação achou você e seu amigo?

GUILHERMEComo?

LAÉRCIORede social. Conseguiram sua página do Facebook.

GUILHERMEÉ mesmo?

LAÉRCIOSim. Sua namorada é bastante bonita, né? Bem bonitona, com todo o respeito. É ou não é, Anderson? Todo mundo comentou que ia ser triste ver a namorada loirinha chorando no velório do bandidinho maconheiro de classe média. Júlia? Ia ser uma pena.

GUILHERMEVocês tem o costume de fazer isso, né?

LAÉRCIODo que?

GUILHERME

De matar a molecada por aí.

LAÉRCIO(brincando) Pare, cara. Você tá vendo muito filme de ação. Imagina!

GUILHERMEEu sei que vocês fazem.

LAÉRCIO(se irrita) Lógico que fazem! É uma guerra, cumpadre! Tá morrendo todo mundo!

GUILHERMEMas vocês deviam proteger a população e não...

LAÉRCIOVai tomar no seu cu! Com a bíblia? Com um conselho? Uma instrução psicológica? Nós somos os caras que usam as armas, que podem portar armas de fogo. Não fui eu que decidi isso. Foi você? Foi você, Anderson? Quem foi? O que você espera, cara? Eu já disse que eu consigo entender a sua condição e você tem que entender a condição dos outros também. Tá todo mundo no mesmo barco, meu querido! Humanos são falhos, do lado de cá ou do lado de lá. O que você espera?

GUILHERMEAo menos que seguissem as ordens do serviço. A lei não manda atirar antes pra depois perguntar.

LAÉRCIOMeu querido, as ações são feitas por ordem de serviço sim. Acredite. São ordens de serviço por escrito. Veja bem, eu estou longe de estar defendendo esse tipo de acontecimento. Você não entendeu o que a gente tá fazendo aqui, hoje, moleque? Eu tô salvando você. Você ia ser morto. Você tava na lista negra. Os caras tem certeza que foi você e o seu amiguinho que mataram a menina. Eu não posso sozinho contra eles, eu dou meus pulos. Quem é responsável por você no mundo, Guilherme?

GUILHERMEÉ você?

(silêncio)

LAÉRCIOVeja, Anderson, a ingratidão é muito comum na juventude hoje em dia.

GUILHERMEO que é? Você quis pagar uma de bom moço e foi contra os seus colegas, é isso? Você vai fazer um tratamento psico-social, comigo, é isso? Vai me deixar desse jeito igual você deixou esse cara? Ele é polícia de verdade ou isso aqui é uma fantasia?

LAÉRCIOA arma é de verdade. Um pai educa seu filho do jeito que sabe, do jeito que pode.

GUILHERMEEu não sei. Eu não tive pai perto. Você tem sorte, Anderson.

(silêncio)

LAÉRCIOEu já disse que eu entendo a sua condição. Eu não sou o inimigo, cara. Eu juro que eu tô tentando ajudar. Você tava pra morrer. Desculpa ter te salvado.

(silêncio; Guilherme meio que desiste)

GUILHERMEValeu.

(eles terminam de comer; todos repetem o prato em silêncio)

(black-out)

CENA 2

(ainda no escuro, a música começa; quando a luz acende Guilherme e Anderson estão vendo uma apresentação de Laércio)

LAÉRCIOSe me vê agarrado com elaSepara que é briga tá ligado!Ela quer um carinho gostosoUm bico dois soco e três cruzado!Tá com pena leva ela pra casaPorque nem de graça eu quero essa mulher!Caçadores estão na pista pra dizer como ela é...

Tcha tchritcha tchritcha tchum, tchritcha tchritcha

(música Dona Gigi - Os caçadores; Anderson aplaude)

LAÉRCIOEu odeio essa música. O Anderson que gosta, né, Anderson?

GUILHERMEVocê é gay?

LAÉRCIONão. Por que? Você tem alguma coisa contra se eu fosse? Tem dois caras lá na corporação que eles se pegam e eu dou super apoio. Mas por que pergunta?

GUILHERMETalvez eu visse outra explicação pra tudo isso.

LAÉRCIOPra tudo isso o que?

GUILHERMEPra você fazer o que tá fazendo.

LAÉRCIOO que eu tô fazendo?

GUILHERMESelecionando alguns casos que você considera salvável na sua fórmula cristã da sociedade.

LAÉRCIONinguém falou em fórmula cristã.

GUILHERMEVocê se considera o salvador dos meninos perdidos. Não é isso que tá parecendo, Anderson? Eu tô começando achar que é piada...

LAÉRCIOEu levo a minha vida muito à sério.

GUILHERMEEu e o Anderson fomos os únicos? Nós somos os únicos nesse seu plano de Jesus?

(silêncio)

GUILHERMENós fomos os únicos, Anderson?

(Anderson não responde)

GUILHERMEAgora vai ser a minha vez de fazer um showzinho pros outros aplaudir?  O que vocês formam? Vocês dois trepam?

(Laércio mostra uma pasta com fotos pra ele)

LAÉRCIONão é fácil um salvamento. Fala pra ele, Anderson. Não tem Jesus envolvido nisso.

ANDERSONA gente não trepa.

(silêncio)

GUILHERME(virando as páginas) Você não pode ficar responsável por todas essas pessoas. Você não é pai de nenhuma dessas pessoas. Você não é meu pai pra decidir o que é melhor pra mim.

LAÉRCIOTá batendo a abstinência?

GUILHERMEA abstinência do que, cara?

LAÉRCIODo mundo, bonitão. Você precisa entender que alguém tem que fazer alguma coisa por vocês sim. Responda pra mim, se não fosse eu ia ter sido quem?

GUILHERMEPois se o meu destino era morrer, que morra!

LAÉRCIOLá vem a ingratidão de novo, Anderson.

(silêncio)

GUILHERMEEu tô cansado. Eu quero sair lá fora.

LAÉRCIONão haverá essa possibilidade.

GUILHERMEEu tô ficando claustrofóbico aqui dentro.

LAÉRCIOAchei que claustrofobia fosse coisa de playboy. Você quer fumar maconha, fumar cigarro, se matar...

GUILHERMEÉ isso mesmo que eu quero. Isso não te diz respeito! Se eu quiser me matar você não tem nada a ver com isso. Você não pode me deixar prisioneiro aqui dentro! Quanto tempo?

LAÉRCIOFoi você quem decidiu as minhas responsabilidades nesse mundo, meu amigo?

GUILHERMEE é você quem decide a minha?

LAÉRCIOPior que é. Porque sou eu o cara que tá com a arma aqui. Eu sou o oficial da lei na minha casa.

(Guilherme cospe no chão em desrespeito; Laércio se irrita e o segura pelo pescoço)

LAÉRCIOEu gosto de respeito.

GUILHERMESocorro!

LAÉRCIOCale a boca que ninguém vai te ouvir. Eu gosto de respeito aqui nessa casa.

GUILHERMEVai se fuder! Isso aqui é um sequestro!

LAÉRCIOVocê ia morrer! Seu burro! Moleque burro! Você ia parar dentro de um buraco com um furo na testa, garoto! E ninguém ia buscar justiça pela sua dignidade não, seu burro! Ia ser esquecido, igual seu amigo que deve tá com formiga na boca nesse instante. Vala, moleque. Morte. Fim da jornada. (ele se levanta e abre a porta) Você quer sair? Saia. Pode ir. Vá fumar seu cigarro. Eu devolvo o seu baseado. (ele pega em uma sacola um cigarrinho) Toma. Vai fumar. Vai. Vai pedir proteção pra mamãe. Experimenta ligar no 190 pra pedir ajuda.

(Guilherme não se mexe; longo silêncio; Laércio fecha a porta)

GUILHERMEO que foi que aconteceu com os outros?

LAÉRCIODeixa eu ver... (mostrando na pasta) O Ronaldo tentou fugir, eu dei um tiro nele...

GUILHERMESe eu saísse pela porta então você ia dar um tiro em mim.

LAÉRCIOIa.

(silêncio)

LAÉRCIOO Ronaldo tentou fugir e eu dei um tiro nele. O André se suicidou ali no banheiro. O Alex morreu por conta de um câncer que ele teve na cabeça, sofreu pra caralho. O Cristian foi o único que conseguiu

fugir de mim. Ele conseguiu me algemar e fugiu. Foi morto seis dias depois, ele tava devendo uma grana pra um vereador aí, eu bem que tentei ajudar... O Wesley, esse aqui foi duro, ficou bem um tempão comigo depois surtou, tá vendo essa cicatriz que eu tenho aqui? Ele. Enfiou uma caneta. Dei bobeira. Se matou também...

GUILHERMETodos jovens...

LAÉRCIODe vinte a vinte e cinco anos, mais ou menos.

GUILHERMETodos brancos de classe média.

LAÉRCIOInfratores como todo mundo. O Ronaldo era traficante igual o Anderson, o André estuprou uma garota num ponto de ônibus, o Alex tava roubando carro na zona sul...

GUILHERMEPor que você tem preferência em salvar só brancos?

LAÉRCIOOi?

GUILHERMEVocê escolhe os que acredita que devem receber uma segunda chance, não é?

LAÉRCIONão.

GUILHERMESó brancos merecem sua doce misericórdia?

(silêncio)

LAÉRCIOEu não sou racista.

GUILHERMETodo racista fala que não é racismo. Porque que nenhum negro ao seu ver merecia uma segunda chance igual você tá fazendo comigo? Negro você mata na rua que nem seus amigos?

LAÉRCIOEu não tenho que explicar nada pra você.

GUILHERMEPorque é racista.

LAÉRCIOEu já falei que eu não sou racista. Isso não tem nada a ver com racismo!

GUILHERMEO Renato é mais moreno. Porque você salvou eu e não salvou ele?

LAÉRCIOEu não posso carregar todo o peso do mundo nas costas. Vamo mudar de assunto?

GUILHERME

Morre mais negro do que caras como eu, não morre? Eu sou classe média mesmo. Eu fiz o colegial no Objetivo. Eu já viajei pra Disney com uma tia. Talvez seja vagabundice o que eu e o Renato foi fazer no posto. Era pra comprar mais droga e uma pizza.

LAÉRCIOTô ligado.

GUILHERMEO negro e o pobre não se fode mais que o branco classe média na mão da polícia? Minha mãe podia muito bem conseguir um bom advogado...

LAÉRCIONão ia dar tempo, talvez.

GUILHERMEEntão por que você nunca fez justiça com nenhum negro que tenha sido morto na mão dos seus colegas, cara? Eles precisam mais da sua ajuda, pensando na justiça divina. Eu sou privilegiado...

LAÉRCIOEu não sei o que você quer que eu fale...

GUILHERMETalvez por eu ser branco eu tenho mais chance de uma re-socialização na sociedade, não é? No seu ponto de vista. Eu sou só um garoto precisando de apoio psicológico, não é mesmo? Os outros que se fodam.

LAÉRCIONão tem nada a ver com isso. Eu acho que todo mundo devia de ter esse direito de re-socialização.

GUILHERMEEntão é por que?

LAÉRCIO(silêncio) Por nada! Sei lá, cara! Chega. Deu.

(longo silêncio)

GUILHERMEVocê só teve ele de filho? Você tem irmão, Anderson?

LAÉRCIOEle não é meu filho de verdade. Né, Anderson? É um igual você.

GUILHERMEAh. Você salvou ele também. O que ele é? O que ele tem?

LAÉRCIOComo assim?

GUILHERMEEle é autista?

LAÉRCIOPor que?

GUILHERMESei lá. Tô perguntando.

LAÉRCIOEle perguntou se você é autista, Anderson. Veja só. Não sei. Você é autista, Anderson?

(Anderson faz que não)

LAÉRCIOSe ele tá falando que não é, quem sou eu, né? E se fosse?

GUILHERMENada.

(silêncio)

GUILHERMEVocê pegou ele traficando?

LAÉRCIOAviãozinho. Coitado. Um tiro aqui na cabeça, olha. (mostra) Ficou alojado, a bala. Quase morreu. Viveu por milagre.

GUILHERMEAh. (pausa) Nunca tinha visto um policial com pena de traficante.

LAÉRCIOEu tento entender as coisas. Não é uma questão de ter pena. É uma questão de querer pensar um pouco como que funciona a cabeça desses seres.

GUILHERMESó dos seres brancos? Dos seus parecidos?

LAÉRCIOVocê de novo com esse papo!

GUILHERMEEu fiquei muito curioso com essa sua seleção, cara. Não tô contestando ela. Eu tô perguntando porque isso é muito curioso. Tem uns vinte garotos aqui e todos eles possuem o meu perfil.

LAÉRCIOVocê quer passar uma rasteira em mim. Você quer me pegar numa hipocrisia pra jogar na minha cara. Você tem a sua história e eu tenho a minha.

(silêncio)

LAÉRCIOVocê gosta de jogar baralho? Eu e o Anderson, a gente é viciado em Buraco. Todo sábado e toda quinta a gente joga. Bora uma partidinha?

(Anderson se anima)

LAÉRCIOAh, vai, cara! Não tem nada pra fazer. A gente aqui em casa não mexe no computador. A gente joga baralho da vida real ainda.

ANDERSONEu vou ganhar desse filho da puta.

LAÉRCIOOlha os modos, Anderson. Filho da puta é um xingamento machista. Por que só a puta, não é

mesmo?

(Guilherme se senta pra jogar depois que os outros dois já estiverem acomodados e preparados)

(black-out)

CENA 3

(um foco em Guilherme)

GUILHERMETem alguém olhando vocêOlha aqui, vem pra mimTem alguém seguindo os seus passosOlha aqui, vem pra mim

Tem alguém que precisa de tiO coração na sua mãoOlha aqui, vem pra mimEntender, entender

Tem alguém que te protegeOlha aqui, vem pra mimTem alguém que ama guiar-teOlha aqui, vem pra mim

I've waited, but i'll wait forever for you to come to me.Look at someone (look at someone)Who really loves you, yeah, really loves you.Turn around, look at meThere is someone walking behind you,Turn around, look at me.

(versão da música Turn around, look at me - The Vogues; Anderson e Laércio aplaudem eufóricos)

LAÉRCIOEu tô quase começando a gostar da parte internacional também. Né, Anderson? Olha o Anderson tá com os olhos marejados até. Muito bom.

GUILHERMEValeu.

LAÉRCIOGostei mesmo. Toma.

(Laércio dá um cigarro pra Guilherme; Anderson acende)

GUILHERMEPutz. Valeu!

LAÉRCIOA vida é feita de trocas, meu caro. Pra se conseguir manter-se em um vício, você precisa trabalhar pra isso. Juro que eu não te julgo, tô pouco me fudendo se você quer se matar fumando, mas faça isso dignamente. Você foi quase como um artista pedindo por alimento cantando. Parabéns.

GUILHERMEQue isso.

LAÉRCIOTá satisfeito, Anderson?

ANDERSONTá.

LAÉRCIOSe o Anderson tá satisfeito eu também tô. Pra mim, até pareceu sinceridade. (pausa) Sua vez, Anderson. O Anderson não canta. Ele gosta de dançar. Vai lá, Anderson.

(Laércio liga uma música no rádio; Anderson dança um tanto canastrão; silêncio até o fim da apresentação; Laércio e Guilherme aplaudem por respeito; Laércio dá mais um cigarro pra Anderson)

GUILHERMEVocê não se sente meio... bobo, às vezes?

LAÉRCIONa maior parte do tempo. Bobo sim, mas não mentiroso. Cada um aprendeu aquilo que deu. A gente precisa aprender a passar o tempo e afastar os pensamentos ruins. Todo mundo tem pensamento ruim. Voce sabia? Ninguém é cem por cento santo não. Todo mundo tem algum pensamento que pode ser ruim pra alguém. A gente precisa aprender a se ocupar. Ocupar a cachola. E sinceridade...

GUILHERMEEu acho que me parece que enquanto esse tempo tá passando... parece que não faz diferença se eu tivesse sido morto.

(silêncio)

LAÉRCIOChega uma hora da abstinência que a filosofia fica barata. Esse é o momento perigoso, Guilherme. É nesse momento que os outros se mataram, que o Ronaldo tentou fugir. Força na moringa, garoto. Eu não tô te forçando a arrumar um emprego, eu tô te dando comida e roupa lavada, mesmo você não sendo um hóspede exemplar...

GUILHERMEA troco de quê?

LAÉRCIOSatisfação profissional, pode-se dizer.

GUILHERMEMas essa não é a sua profissão. É?

LAÉRCIONão foi você quem disse que a polícia tem que proteger a população?

GUILHERMEMas é uma parcela mínima o que você tá fazendo, de um perfil já super protegido na sociedade...

LAÉRCIOEu não tenho como carregar o mundo na costa sozinho...

GUILHERMETem que ter outro jeito!

LAÉRCIOQue jeito! Que jeito! Você quer que eu arrume briga com cachorro grande? Que eu vá lá na secretaria

de segurança e sequestre o porra do secretário que manda a gente encobrir número, que manda a gente matar se for necessário? Tem gente nesse mundo que acredita em pena de morte, meu querido. E eles querem fazer isso em lei, se for possível. E tem gente que vai parar nessa lista, meu caro. Enquanto não conseguem fazer a justiça que acreditam em lei, fazem o que podem com o que acreditam, por fora. Quem julga? Você acha que há remorso? Não há. Não há porque existe esse sentimento de patriotismo seletivo no meio militar, meu querido. Não é culpa do indivíduo, como não é de total sua culpa ter virado um ladrão, por exemplo.

GUILHERMEMas e se foi minha culpa? E se eu sou um folgado? E se o policial corrupto é só mais um filho da puta?

LAÉRCIOÉ porque aprendeu ser! Eu vejo você como um bebezinho que não era nada e se tornou o que comeu, porra! Eu tô defendendo você, caralho! Eu tô aqui te defendendo, defendendo a falha do ser humano, defendendo todo mundo...

GUILHERMEO policial defendendo bandido. Eu nunca tinha visto...

LAÉRCIOPerceba que eu não tô defendendo a bandidagem. O ato do bandido. É muito diferente. Eu tô defendendo vocês que respiram e possuem vida nessa cachola burra.

GUILHERMEMas só os brancos.

LAÉRCIOPorra, cara, mas que chato! Eu já falei que não tem nada a ver essa merda!

GUILHERMEEu pensei que eu tivesse sendo obrigado a participar da merda. Só pensei que eu pudesse então participar da merda sabendo mais sobre a merda.

LAÉRCIOA verdade não é democrática, meu querido. Você pode não gostar da lei da gravidade, mas se você pular de um prédio você vai morrer.

(silêncio)

GUILHERMEE o Ronaldo que você matou porque tentou fugir?

LAÉRCIOO que tem?

GUILHERMEVocê é assassino também!

LAÉRCIOA sentença lá fora já estava dada, moleque. Acorda a cabeça um pouquinho! Eu dei dignidade porque foi sem tortura nenhuma com a barriga cheia e roupa limpa. Um tiro só. Bang.

GUILHERMEPra mim, você é um criminoso igual.

(silêncio)

LAÉRCIOAnderson, puta cara chato, hein. Esse é chato. Não consegue ficar de boa mesmo.

(silêncio)

GUILHERMEEu tô com saudade da minha mãe, da Júlia...

LAÉRCIOTá querendo voltar pro mundo real?

(silêncio)

LAÉRCIOSeu amigo foi achado com sete furos na cara. Caixão lacrado. Enfiaram um pau no cu dele.

GUILHERMEÉ sério?

(Laércio mostra uma foto; Guilherme se choca e quase vomita)

GUILHERMENão precisava ter mostrado essa merda. Que merda! Que merda! Porra...

LAÉRCIOEssa é a arma do seu amigo. (ele coloca a arma na mesa) Queria ver você dar um tiro de brincadeirinha na própria boca já que é uma arma de brinquedo.

(silêncio; Guilherme não se mexe)

LAÉRCIOFoi o que eu pensei. Sinceridade.

GUILHERMENão foi a gente que matou a menina.

LAÉRCIOFica difícil de acreditar em você agora. Quando a gente perde a confiança, custa pra conseguir conquistar de novo. Nem todo mundo é boa pessoa que consegue esquecer uma pisada na bola de uma cena pra outra. Não é, Anderson? O Anderson uma vez - logo no comecinho, né, Anderson? - uma vez ele deu pra dar o louco. Colocou fogo no meu antigo fogão, que eu tive que comprar outro. Demorou pra eu voltar a deixar ele andar com isqueiro no bolso. Né, Anderson?

GUILHERMEVocê tem que entender a minha posição aqui. Você tirou a minha liberdade de qualquer forma. É como se eu tivesse na cadeia.

LAÉRCIOAcredite. Não é como se você tivesse na cadeia não. Aqui ninguém come essa sua bunda branca. Considere-se com sorte.

GUILHERMEUma hora você vai deixar eu me re-socializar na sociedade?

LAÉRCIOO que você quer? Ir pra uma balada? Ir pra praia? A gente pode fazer isso. Eu já levei o Anderson no Hopi Hari, né, Anderson?

GUILHERMEDigo de liberdade. De eu fazer o que eu quiser sozinho.

LAÉRCIOQuem sabe do futuro, não é mesmo?

GUILHERMEE quanto eu peguei dessa pena?

LAÉRCIOOi?

GUILHERMEQuanto tempo eu peguei nessa condenação? A gente podia levar isso aqui então com um pouco mais de formalidade.

LAÉRCIONão. De jeito nenhum. Eu odeio essa merda. Gosto das surpresas e gosto do desconhecido. Você quer ir pra praia? A gente pode ir em novembro. Eu tenho férias pra tirar mesmo.

GUILHERMEEu não quero ir pra praia, eu quero ter uma perspectiva! Eu só sei que sábado a gente vai jogar Buraco de novo. Que eu tenho que preparar uma música pra semana que vem, que a gente vai ter strogonoff na janta.

LAÉRCIOÉ tão ruim meu strogonoff, Anderson? Você nunca falou nada...

GUILHERMENão é ruim, cara. Eu só queria... uma perspectiva.

LAÉRCIOVocê tá na abstinência da maconha? Você quer fumar um baseado na praia?

GUILHERMENão, cara! Eu só quero sair!

LAÉRCIOMas sair pra onde? Onde você quer ir?

GUILHERMESei lá! Sair. Eu quero saber se vai ter um momento onde eu mande, você entendeu? Onde eu escolha de novo.

(silêncio)

LAÉRCIOHum. Interessante. Gostei, garoto. A gente pode fazer um dia da semana pra vocês serem os chefões.

GUILHERMEO que?

LAÉRCIOUm dia da semana o Anderson, um dia da semana você. Vocês que mandam. Vocês que cozinham, vocês que ditam as regras. Eu juro que eu vou ser o máximo passivo possível. Aí nesse dia vocês podem dar ideias pra melhorar a nossa convivência em democracia. Obviamente que no dia seguinte qualquer ideia absurda pode ser revogada. Mas por durante todo um dia vocês terão o direito de

comandarem a situação. O que achou, Anderson?

ANDERSONO que achou!

(silêncio)

LAÉRCIOEu sou o tipo de pessoa que não guarda rancor. Gostou, Guilherme?

GUILHERMETem hora que eu fico me perguntando se você faz isso de propósito ou se é o seu jeito mesmo.

LAÉRCIONão entendi.

GUILHERMEVocê se faz de desentendido pra desviar a conversa. Agora não sei se você faz isso com consciência ou se você é mais um louco.

LAÉRCIOTendo consciência ou não, seria um tipo de loucura dos dois jeitos, não?

GUILHERMESeria.

LAÉRCIOEstamos no mesmo barco, meu querido.

GUILHERMEVocê é um lazarento.

LAÉRCIONo seu dia de mandar, saia dar um rolê. Por que você não começa a pensar assim?

GUILHERMEE você não vai dar um tiro nas minhas costas a hora que eu passar pela porta?

LAÉRCIODou minha palavra. Eu juro que não. Quero ver quanto você sobrevive lá fora. Só que se você não voltar eu não vou manter a língua quieta lá no trabalho de relembrá-los da sua existência, não posso prometer isso. "Nossa, galera, sabem quem eu vi hoje? O Guilherme que matou a menina lá. Onde? Tal lugar, tal lugar." Feito. Pode ser?

GUILHERMEE se eu der só uma volta e voltar?

LAÉRCIOO que?

GUILHERMEE se eu voltar? Se for só uma caminhada?

LAÉRCIONão prometo segurança. Eu preciso mesmo de um dia de folga. Você tá livre pra fazer o que quiser no seu dia de mandar, senhor.

GUILHERME

Eu sei me cuidar.

(Laércio ri; Anderson ri também)

LAÉRCIOCara, eu sou um cara muito legal. Fala a verdade...

GUILHERMEE quando vai ser a primeira?

LAÉRCIOHum. Deixa eu pensar. Quinta e sábado é dia de Buraco. Domingo e quinta também é dia de karaokê. Segunda-feira!

GUILHERMECombinado.

LAÉRCIOE o Anderson fica com a terça. Beleza, Anderson? Agora fala se eu não sou um cara do bem! Fala!

GUILHERMEValeu, cara. Obrigado por tudo.

LAÉRCIOEu sou ou não sou um cara do bem?

GUILHERMEÉ sim. Você é um cara do bem.

LAÉRCIOAgora eu vou cantar a música que eu preparei. Vamo lá.

(black-out)

CENA 4

(a música começa no escuro; Guilherme canta enquanto Laércio traduz simultaneamente romântico e Anderson dança; tudo tosco)

GUILHERMEImagine there's no heavenIt's easy if you tryNo hell below usAbove us only skyImagine all the peopleLiving for today

Imagine there's no countriesIt isn't hard to doNothing to kill or die forAnd no religion tooImagine all the peopleLiving life in peace

You may sayI'm a dreamerBut I'm not the only one

I hope some dayYou'll join usAnd the world will be as one

Imagine no possessionsI wonder if you canNo need for greed or hungerA brotherhood of manImagine all the peopleSharing all the world

You may sayI'm a dreamerBut I'm not the only oneI hope some dayYou'll join usAnd the world will live as one

LAÉRCIOImagine que não há paraísoÉ fácil se você tentarNenhum inferno abaixo de nósAcima de nós apenas o céuImagine todas as pessoasVivendo para o hoje

Imagine não existir paísesNão é difícil de fazerNada pelo que matar ou morrerE nenhuma religião tambémImagine todas as pessoasVivendo a vida em paz

Você pode dizerQue sou um sonhadorMas não sou o únicoTenho a esperança de que um diaVocê se juntará a nósE o mundo será como um só

Imagine não existir possesMe pergunto se você consegueSem necessidade de ganância ou fomeUma irmandade do HomemImagine todas as pessoasCompartilhando todo o mundo

Você pode dizerQue sou um sonhadorMas não sou o únicoTenho a esperança de que um diaVocê se juntará a nósE o mundo viverá como um só

LAÉRCIOCara, John Lennon era o cara! Quando a gente vê a tradução, é de se emocionar mesmo. Obrigado por isso, Guilherme. O Anderson até chorou, né, Anderson? Olha, chorão!

GUILHERMEParece brisa de maconheiro.

LAÉRCIOO que?

GUILHERMEEsse mundo perfeito do John.

LAÉRCIOVocê pode dizer que ele é um sonhador. Mas ele não é o único.

GUILHERMEVocê é o bom policial. O cara bonzinho.

LAÉRCIOPara.

GUILHERMEQue é fora da lei, mas fora da lei por fazer a coisa certa. Veja só.

LAÉRCIOObrigado, Guilherme. Mas chega. Agora eu tenho que ir, porque tá dando hora do trabalho. Eu vou deixar o feijão no fogo você desliga pra mim?

GUILHERMETá. Lá fora você faz o papel do policial bonzinho também?

LAÉRCIODe que tipo?

GUILHERMEBate em manifestante, em estudante, essas coisas?

LAÉRCIOEu recebo ordens de serviço do meu superior. O 'não' que eu falo pro sistema é você aqui.

GUILHERMEPra quê?

LAÉRCIOPra quê o quê? (pausa) Pra quê o quê?

GUILHERMENada.

(silêncio; Laércio termina de se arrumar)

LAÉRCIOVou trazer sorvete hoje. Tá calor pra caralho nessa merda, não tá? Qual você quer, Anderson?

ANDERSONFlocos!

LAÉRCIOE você?

GUILHERME

Pode ser de flocos também.

ANDERSONFlocos! Flocos!

LAÉRCIOSó eu que gosto de morango nessa casa?

(silêncio)

LAÉRCIOBom. Tchau, gente. Não esqueça do fogo.

GUILHERMEBeleza.

(Laércio sai; ouvimos barulho de cadeado e correntes trancando a entrada; silêncio; por um tempo Anderson e Guilherme trocam alguns olhares desconfiados; eles continuam na rotina na casa)

GUILHERMEPra quê será que a gente tem uma televisão se não pode ligar ela, né?

(Anderson mostra o cabo cortado)

GUILHERMEEu sei. Não dá pra acreditar numa casa sem computador e celular hoje em dia. (ele vai até a prateleira de livros) "Eram os Deuses Astronautas". Ele é bem maluco mesmo. (continua aleatório) Livro de horóscopo. (ri) Ai, meu deus do céu. (outro) "Cinquenta Tons de Cinza"? Caralho, velho. Tá de zoeira. (encontra um álbum de fotos) Quem é esse aqui, Anderson? Você sabe?

ANDERSONFlocos.

GUILHERMEQuem é esse menininho aqui na foto, Anderson? É você?

ANDERSONFi-lho-te.

GUILHERMEFilhote? Que filhote?

ANDERSONVoou. Foi pro céu. Oito anos vai.

GUILHERMEEsse aqui é filho dele?

ANDERSONFica voando no céu. Vruuum...

GUILHERME(vira a foto) Mil novecentos e noventa e sete. O menino era pra ter a nossa idade. Como ele morreu, Anderson?

ANDERSONFumá! (vai pra um canto fumar um cigarro começado)

(a panela está no auge da pressão; Guilherme tem uma descoberta em seus pensamentos)

GUILHERMENão é por mim que ele tá fazendo isso. Não é por você, Anderson. Ele não tá salvando ninguém, Anderson. Bom policial é o meu caralho. É só mais um egoísta. E você bem que pensou que ele tinha boas intenções sociais, não pensou? Pensou. Pensou, caralho. Puta que o pariu. Agora faz sentido, cara. É lógico. Pra uma figura como aquela existir tem que ter uma profundidade por de trás, tinha que ter uma historinha, não podia de ser à toa essa merda toda. Lógico que não podia. Alguma coisa aconteceu com esse moleque. E ele vê em nós, Anderson, o seu filho que não está mais entre nós. Alguma culpa talvez. Ele se sentiu na obrigação de ocupar a sua cachola de um filho provavelmente morto precocemente nessa nossa discussão social de rapazes brancos e de classe média que ele gosta de salvar. É por ele! (pausa) Possivelmente o garoto tenha sido vítima de algo violento. Uma tentativa de assalto ou algo do tipo. Um acidente com uma arma...

ANDERSONVrummm...

GUILHERMEUm acidente de carro. E aí ele decide transformar eu e você nos novos filhotes contemplados, Anderson! (debocha) "Veja como você é um cara de sorte, seu menino, você estava pra morrer e eu na minha humilde e doce misericórdia de Jesus recolho-te desse mundo para te salvar dos algozes maus policiais do sistema". Mentiroso do caralho. Tinha que ter algo! É claro que tinha que ter algo! Ninguém faz nada por nada! Tudo o que as pessoas fazem elas fazem pra si mesmo, não existe esse negócio de compaixão. Compaixão é o meu cu. (pausa) Você sabe o que aconteceu com o menino, Anderson? Sabe?

(Anderson aponta pro céu)

GUILHERMEMorreu, não foi? Como que ele morreu?

ANDERSONDeuses astronauta.

GUILHERMECom certeza. Filho da puta. Quando a gente perde a confiança, Anderson, é duro de ganhar de novo. Já sei que música eu vou cantar pra ele no dia do karaoke.

CENA 5

(as luzes mostram que é outro dia de repente; Laércio e Anderson assistem Guilherme)

GUILHERME(canta) Vai Tomar no cúVai Tomar no cúVai Tomar no cúBem no meio do seu cúVai Tomar no cú, vai, vai, vai, vaiVai Tomar no cú, vai, vai, vai, vaiVai Tomar no cúBem no meio do olho do seu cú

(Anderson aplaude; Laércio sorri amarelo)

LAÉRCIOEu não entendi o recado.

GUILHERMENão entendeu? Será que eu preciso ser mais direto?

LAÉRCIOVocê tava me mandando tomar no cu?

GUILHERMENão. Eu? Lógico que não.

LAÉRCIOO que foi isso, então? Por que foi isso?

GUILHERMEPiada. Pra fazer piada.

LAÉRCIOPor que que eu tenho que ir tomar no cu?

GUILHERMENão foi pra você não, cara. Que mania de perseguição.

LAÉRCIO(simpático) Tá escrito 'idiota' aqui na minha testa? Foi pra mim sim. Fala o que foi.

GUILHERME(explode) Você é um hipócrita!

LAÉRCIOOi?

GUILHERMEÉ sim! É o que você é!

LAÉRCIOVocê sabe o que é hipócrita?

GUILHERMESei sim. É o que você é! Você nos prendeu aqui porque você sente falta do seu filho. É por você que a gente tá aqui não é por mim. O que aconteceu?

LAÉRCIOE você tá bravinho porque queria que fosse tudo por você, pra você ser o egoísta e não eu?

GUILHERMENão interessa! Você me enganou. Eu achei que a gente estivesse aqui fazendo um serviço social. Mas você é um hipócrita porque você misturou a sua vida pessoal nisso tudo. Você resgata os caras pra substituir a falta que seu filho faz. Não é isso?

LAÉRCIO(ri) Realmente. Eu tenho bastante saudade do meu filho. E quem é que consegue separar a vida profissional do pessoal? Hein? Fala pra mim.

GUILHERMEVocê é um coitado, um doente!

LAÉRCIOE você não sabe o que significa a palavra 'hipócrita'.

GUILHERMEO que aconteceu com ele?

LAÉRCIOCom quem?

GUILHERMECom seu filho?

LAÉRCIOEle tá nessas horas bem lá no alto no céu.

GUILHERMEEu tô falando sério! Tem como você levar a sério pelo menos uma vez?

LAÉRCIOPara de parecer um menininho carente, Guilherme. Pelo amor de deus.

GUILHERMEO que aconteceu com ele?

LAÉRCIONão aconteceu nada com ele.

GUILHERMEEntão como ele morreu?

LAÉRCIOMeu filho não morreu não. Quem falou que ele morreu?

GUILHERMEMentira. Eu sei que ele morreu.

LAÉRCIOTô falando. Ele vai demorar pra voltar porque ele está numa missão que vai demorar mais oito anos ainda.

GUILHERMEMas...

LAÉRCIOMeu filho estudou física. Virou astronauta. É o primeiro astronauta brasileiro que vai pisar em Marte. Um orgulho do pai. Fumou maconha também, o desgraçado, eu descobri. Mas a gente conversou e ele levou só como recreação. Eu sou um bom pai, Guilherme. Quando ele voltar já vai ser um homem. Puxa vida.

(silêncio)

LAÉRCIOO que foi, Gui? Destruí a sua teoria?

ANDERSONDurou pouco. (gargalha)

GUILHERMEPor que só rapazes brancos?

LAÉRCIO

E por que você acha que tem que ter um negro no meio da minha lista de bandidos?

GUILHERMEPorque... porque...

LAÉRCIOAh, há! Tinha que ter um cara negro pra representar um assaltante de posto de gasolina? Por que não pode ser um playboyzinho como você pra fazer o papel do bandido?

GUILHERMEPorque na realidade...

LAÉRCIOO que? Tem mais negros no crime? Se é pra representar um bandido tem que ser um preto pra ser realista?

GUILHERMEEntre vinte rapazes da sua lista de salvação nenhum ser negro é estranho.

LAÉRCIOPois você fique sabendo, meu querido, que tem muito branco sendo do mal também.

GUILHERMEE você só tem dó dos brancos?

LAÉRCIOVocê acha que é dó o que eu sinto por você?

GUILHERMEEu quero saber por que você só salva branco?

LAÉRCIO(se irrita) Isso foi ao acaso, caralho! Eu já falei! Eu vou lá escolher quem eu vou salvar na hora do fogo? Podia ter sido você como podia ter sido seu amigo lá na hora, porra! Talvez essa nossa querida raça não esteja tão santa como você pensa e eu dei a terrível sorte de só sequestrar rapazes brancos!

GUILHERMEImpossível...

LAÉRCIOImpossível por que? Você é racista? Tem que ter preto envolvido no crime?

GUILHERMEImpossível porque não é essa a realidade... na porcentagem...

LAÉRCIOQuem disse? Você convive com todos os criminosos do mundo? Você sabe os segredos de todo mundo? Pode ser que a área que minha corporação é responsável tenha mais branco bandido do que negro bandido.

GUILHERMEOu pode ser que você seja racista e acha que só branco merece uma segunda chance.

LAÉRCIOQue puta segunda chance de merda que você teve, né, garoto? O que você faz? O que eu ofereço pra vocês? Não é você que fala? Nossa, agora a dondoca pode sair dar uma volta às terças-feiras. Uau, que demais! Que futuro promissor que você tá tendo na espectativa, Guilherme. Que mais que

você vai poder fazer da sua vida agora? Que merda de segunda chance é essa, garoto? Se liga!

(silêncio)

GUILHERMEVocê tá se contradizendo...

LAÉRCIOVocê tá se contradizendo! Chega! Deu.

(silêncio)

LAÉRCIOOs motivos de uma boa ação não interessam, você entendeu? Se você quer morrer, pode ir embora. Vá embora. Faz uma mochila e pega um ônibus pro interior do país. Foge. (pausa) Não existe motivo pra você fazer a coisa certa, você entendeu? Enfia isso nessa sua cabeça. Não deu tempo de ficar vendo a cor do cara que eu ia salvar dessa vez, ou da outra vez. É racismo da minha parte não ter tido a oportunidade de salvar nenhum negro ainda, mas não é racismo da sua parte de esperar que tenha ao menos um negro na minha lista de bandidos?

GUILHERMEÉ o que é a realidade de hoje em dia...

LAÉRCIOA realidade dá pra se basear nas estatísticas, mas tem uma hora que o universo manda a exceção. Você entendeu? Você entendeu o que eu acabei de falar? Lembre disso. Nem sempre acontece como acontece na regra.

GUILHERMENão tem como a gente defender a exceção. Desculpe as minhas dúvidas.

LAÉRCIOTá desculpado.

(silêncio)

ANDERSONO duro é uma peça com três atores brancos, com um dramaturgo branco, um diretor branco, um produtor branco, e ainda quererem discutir sobre racismo no meio desse drama policial existencial ficcional baseado numa história real e ilegal. Cadê o ator negro pra dizer o que ele acha de tudo isso? Branco só faz branquice mesmo. Será que eles não cansam de quererem sempre o foco só pra eles? O dramaturgo pede desculpas por alguma ignorância nessa luta que não lhe pertence o protagonismo, mas que também lhe tira o sono as injustiças.

(silêncio)

GUILHERMEVoltamos ao policial puritano. Não há motivos pra se fazer o bem. Esse é você. Eu invejo um pouco isso.

LAÉRCIONão que eu seja um cara perfeito, mas obrigado.

GUILHERMEEu admiro essa sua forma de ajudar o mundo, cara. No fim das contas...

LAÉRCIOPode ser que exista um porquê. Assim como pra ser bom dá a impressão que parece que tem que ter

um porquê que você é um cara decente, que deve ter tido boa educação, uma boa vivência no mundo, pra ser mal não é simplesmente vagabundagem e sem-vergonhice, é a mesma coisa. Todo mundo tem os seus motivos de serem o que são, não é não? Fica parecendo que a gente precisa saber se você matou ou não matou a menina pra gente sentir um pouco mais de compaixão por você, pelo ser humano que respira e é falho como todo mundo. Ou que uma boa ação precisa ter uma desculpa pra acontecer, que precise ter algo por trás da minha rebeldia social; ou uma plateia, um espectador pra me aplaudir no final desse drama policial existencial ficcional baseado numa história real e ilegal.

GUILHERMESe eu tivesse matado a menina, você me trataria igual?

LAÉRCIOVocê matou a menina?

GUILHERMEEu tô supondo. Tô fazendo uma suposição.

(silêncio)

LAÉRCIOEu não posso dizer sobre um sentimento que eu não tô sentindo. Não tem como eu ter o parâmetro, entendeu? Eu teria que sentir, pra pensar qual seria a minha reação.

GUILHERMEHum.

LAÉRCIOMas concientemente, sem a adrenalina da hora da raiva, eu acho que te perdôo. Cinquenta por cento de chance de sim, cinquenta por cento de chance de não. Você matou?

GUILHERMENão.

LAÉRCIOVocê jura?

GUILHERMEJuro.

LAÉRCIOVamos ter que crer nas suas palavras.

GUILHERMEQual é a história por trás da sua história?

LAÉRCIOVocê não precisa saber.

GUILHERMEEstamos quites.

(silêncio)

GUILHERME(pausa) Como é seu nome? Eu nunca perguntei. Que estranho não saber o seu nome.

LAÉRCIO

É Laércio. José Laércio. Não faz diferença. Vamo esquecer tudo isso e tomar sorvete?

ANDERSONFlocos!

LAÉRCIOFlocos!

GUILHERMEFlocos!

(eles se sentam tomar o sorvete)

ANDERSONUm sorvete inteiro branco com gotinhas negras.

LAÉRCIOSe fosse o contrário seria de prestígio. Chocolate com côco. Pode ser a próxima pedida, se vocês quiserem. Gosta de prestígio, Anderson? Só eu que gosto de morango mesmo.

(eles se servem)

GUILHERMEPra que a televisão, Laércio?

LAÉRCIONão, não me chame de Laércio, me chame de cara, colega, amigo, mano.  Fica estranho me chamando de Laércio.

GUILHERMEPra que a televisão se ela não liga, cara?

LAÉRCIOPra gente ter certeza de que essa merda existe e que a gente não precisa dela.

GUILHERMEHum. Que bosta.

ANDERSONFlo-cos.

(longo silêncio enquanto eles chupam o sorvete; black-out)

CENA 6

(antes de alguém aplaudir pensando que a peça acabou, as luzes retornam; Guilherme está cozinhando e Anderson está lendo um livro)

GUILHERMEEle esqueceu de comprar champignon. Vai ser sem mesmo.

(Laércio entra com Jonatas encapuzado)

GUILHERMECaralho! Eu pensei que você ia avisar quando a gente fosse ter mais hóspedes. É assim de repente, é?

LAÉRCIOEu falei que não é premeditado. E dessa vez é uma surpresa pra você!

GUILHERMEO que?

LAÉRCIOEle é negro! (tira o capuz) Tchan, tchan, tchan! O nome dele é Jonatas. Peguei batendo na namorada.

JONATASO que é isso? Eu conheço os meus direitos!

(Laércio e Guilherme riem; inesperadamente Anderson atira na cabeça de Jonatas que cai morto; Laércio e Guilherme param de rir em choque)

LAÉRCIOA inclusão é foda de acontecer, porra.

GUILHERMEAnderson, seu filho da puta.

ANDERSONFilho da puta é uma expressão machista.

(black-out)

FIM