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JOSILÉIA RIBEIRO DANTAS SOUZA Graduanda em Letras/Português -UESPI PATRICK ÁLISSON DE SOUSA – Graduado em Letras/Português - UESPI INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como principal objetivo analisar, de forma profunda, o fluxo de consciência na obra Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector. Tal estudo se faz relevante devido se tratar de uma escritora naturalizada brasileira e que, infelizmente, desprezada por parte da massa nacional, que não tem interesse em conhecer a produção literária nacional ou estrangeira. Materializando uma escrita de cunho existencialista e introspecção psicológica, a obra de estreia de Lispector provoca um verdadeiro choque nos críticos de então, que ora a aplaudem, ora a “rejeitam”, justamente pela novidade de estilo apresentado pela autora. Rompendo diques da logicidade, as sílabas soltas são lançadas, em contínuo fluxo, revelando a linguagem sob a luz da inspiração. O mundo surge dividido entre palavras que criam, ou não criam uma realidade, ou seja, entre as que detêm ou não o circuito da comunicação para si mesmo É por estes e muitos outros motivos que o levaram a escolha do referido tema. A maioria das personagens de Clarice Lispector são mulheres. Existem questionamentos a respeito do papel da mulher dentro da sociedade, tornando-se assim uma obra

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JOSILÉIA RIBEIRO DANTAS SOUZA – Graduanda em Letras/Português -UESPI

PATRICK ÁLISSON DE SOUSA – Graduado em Letras/Português - UESPI

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como principal objetivo analisar, de forma

profunda, o fluxo de consciência na obra Perto do coração selvagem, de

Clarice Lispector. Tal estudo se faz relevante devido se tratar de uma escritora

naturalizada brasileira e que, infelizmente, desprezada por parte da massa

nacional, que não tem interesse em conhecer a produção literária nacional ou

estrangeira.

Materializando uma escrita de cunho existencialista e introspecção

psicológica, a obra de estreia de Lispector provoca um verdadeiro choque nos

críticos de então, que ora a aplaudem, ora a “rejeitam”, justamente pela

novidade de estilo apresentado pela autora. Rompendo diques da logicidade,

as sílabas soltas são lançadas, em contínuo fluxo, revelando a linguagem sob a

luz da inspiração. O mundo surge dividido entre palavras que criam, ou não

criam uma realidade, ou seja, entre as que detêm ou não o circuito da

comunicação para si mesmo É por estes e muitos outros motivos que o

levaram a escolha do referido tema.

A maioria das personagens de Clarice Lispector são mulheres. Existem

questionamentos a respeito do papel da mulher dentro da sociedade, tornando-

se assim uma obra reflexiva, gerando uma tendência à introspecção. O amor, o

casamento, a vida da mulher e o emaranhado de emoções que esta vida

permite são tomados pela autora, que leva o leitor a refletir e pensar a respeito.

Para apoiar e referenciar a pesquisa, foram utilizadas fontes

bibliográficas de Bossi (2006), que aborda sobre o modernismo brasileiro;

Massaud (1989), que cita a literatura brasileira e seus principais representantes

e Filho (2008), que aborda sobre os estilos de época na literatura. A divisão

deste trabalho tanta, acima de tudo, oferecer elementos para uma maior

compreensão do processo de criação da autora.

A pesquisa se divide em três capítulos. No primeiro capítulo, situou-se

Clarice Lispector no contexto estético literário do modernismo brasileiro,

marcado com tentativas de mudanças do passado da literatura brasileira por

uma busca da expressão nacional, concluindo o capitulo, foi enfocada a

importância da escritora no contexto literário nacional com seus aspectos de

uma literatura intimista e social.

No segundo, foi abordado acerca do fluxo de consciência nas obras de

Clarice Lispector, ressaltando os vários arquétipos que compõe a narrativa, na

tentativa de adequar a linguagem ao conteúdo narrado. No terceiro e último

capitulo foi abordado à análise do fluxo de consciência em si, na obra outrora

analisada.

Foram utilizadas pesquisas bibliográficas e qualitativas, com análise no

romance Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector em torno do fluxo

da consciência, pesquisas na internet e em livros, para legitimar o trabalho.

CAPÍTULO I

CLARICE LISPECTOR NO CONTEXTO ESTÉTICO-LITERÁRIO DO MODERNISMO BRASILEIRO

Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.

(LISPECTOR, 1998, p. 70)

Nesse capítulo será abordado acerca das contribuições de Clarice

Lispector no Modernismo Brasileiro. Para isso, é necessário entendermos o

que foi o Modernismo.

Em termos gerais, foi um movimento que veio para radicalizar mudanças

nas artes, literatura, cultura, teatro e cinema. Seu inicio foi, basicamente, a

partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna. Esse movimento surgiu no fim

do século XIX e inicio do século XX, apresentando-se nas artes plásticas e

literatura, e tinha como principal objetivo renovar as manifestações culturais no

país, opondo-se ao tradicionalismo vigente e retratando a insatisfação politica,

que ocasionou a inflação, desemprego, greves e protestos. De um modo muito

genérico, essa sedução pela irracionalidade, visto como uma atitude existencial

e estética dá o tom e os rumos de novos grupos considerados modernistas e

impõe uma agressividade no campo acadêmico geral.

Tanto no Brasil como em Portugal o Modernismo acabou por se afirmar

como um movimento singular, pois seu impacto está para além da literatura.

Entretanto, no Brasil, seu caráter estético seu voltou mais para a intenção e

ambição de construir uma arte de caráter nacional, com originalidade criativa,

procurando uma sobreposição da densidade dos personagens sobre os

eventos narrados, em que a língua fosse também de fato um elemento de

coesão e identidade nacional.

Daí resulta a opção dos modernistas brasileiros pelo coloquialismo e

pela oralidade da língua falada pelo homem comum. Seja como for, é preciso

reconhecer que a primeira geração foi a mais radical não pelo fato de inaugurar

o pensamento modernista enquanto movimento estético, mas, por assumir um

projeto artístico-estético até então revolucionário, optando com primazia pela

arte, pela inovação literária e pela cultura do país, deflagrando um genuíno

movimento de rompimento com o passado de uma arte brasileira que era

quase que uma imitação da arte europeia.

Para Santos Filho e Costa (2014):

Ao trazer para o texto literário o uso coloquial da língua portuguesa falada no Brasil, os escritores modernistas absorvem os registros linguísticos antes colocados de fora do entendimento de língua culta, revertendo a função social anteriormente desempenhada pela literatura. Não se está, obviamente, afirmando que a literatura modernista passou a ser disseminada através da oralidade, mas sim que os registros da língua oral passaram a compor a literatura, ainda que escrita (SANTOS FILHO; COSTA, 2014, p. 550).

Assim sendo, é preferível evitar uma análise simplificada que coloca ora

a primeira geração como representante de um desejo de ruptura radical –

embora essa fosse uma característica central do modernismo brasileiro –, sem

ligações estético-artísticas com outros movimentos; e outrora, as outras duas

gerações como fases que funcionaram apenas para assimilação do paradigma

central do modernismo, como meras iniciativas literárias posteriores, herdeiras

cegas do movimento que eclodiu em 1922, em São Paulo.

Segundo Vera Lúcia de Oliveira (2002):

O Modernismo radicalizou a controvérsia sobre o problema da dependência cultural do país, levando muitos escritores a rever, de forma ainda mais crítica, o presente e o passado e a denunciar a alienação vigente em muitos setores da vida nacional. A questão é antiga, como vimos. Foi colocada pelos românticos, mas se achava, então, ainda distante de uma solução definitiva. Na verdade, é com o Modernismo que se consolidará, definitivamente, a emancipação das letras e das artes brasileiras. E o momento culminante, o ponto de conjunção de todas as discussões e polêmicas sobre o assunto, foi a Semana de Arte Moderna: para ela confluíram e nela acabaram colidindo entre si muitas das posições mais extremas do debate. O Modernismo marca, nesse sentido, uma ruptura. Podemos afirmar que existe um modo de conceber o

fenômeno estético-literário nacional anterior e um outro, já bem distinto, posterior a Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Partir dessa vanguarda é percorrer um caminho obrigatório para compreender plenamente a literatura brasileira contemporânea: foi a partir desse movimento e das suas conquistas que essa literatura alcançou uma alma nacional e se transformou em um instrumento de expressão da cultura sincrética do país (OLIVEIRA, 2002, p. 63-64).

Decididamente, o modernismo brasileiro não é somente um movimento

radical, mas um ato inaugural de como a partir de então seria pensada a

literatura e a arte brasileira. O movimento de ruptura deflagrado pelos

modernistas em 1922 não foi uma tentativa de negação total de outros

sistemas literários, mas uma iniciativa radical de construção de uma nova

estética literária à brasileira, com arquétipos, linguagem, estética, criatividade,

cultura, fluxos, expressividade e inventividade inerentemente brasileiras.

Além disso, como salienta Mônica Gomes da Silva (2015) o interesse

por romper com o academicismo e o tradicionalismo ao mesmo tempo, fez do

modernismo brasileiro um movimento singular e quase que subversivo no

panorama da arte do início dos anos 1920. Esse radicalismo foi, inclusive, um

traço estético do movimento que motivou duríssimas críticas aos modernistas

ao longo do século XX. Críticas essas que partiam tanto de críticos de arte

como de críticos literários.

No entendimento de Frederico Barbosa e Elaine Cuenca Santos: “Os

modernistas de 1922 abriram o caminho para que os novos prosadores e

poetas pudessem criar em liberdade, sem as amarras formais do

academicismo, e preocupadas com a realidade nacional” (BARBOSA;

SANTOS, 2009, p. 87). Era preciso, pois, fazer uma arte condizente com a

realidade, a história e a sociedade brasileira, mestiça e multifacetada na

maioria de seus aspectos históricos, sociais e culturais.

No Modernismo tem-se o encontro da confluência de vozes, da

efervescência do coloquialismo e da polifonia, características de uma forma de

praticar literatura que pretendia fazer uma tradução alternativa do Brasil,

sobretudo, das regiões mais interioranas. No interior do Brasil predominava a

exploração do pobre camponês pelo rico senhor de fazenda, o voto de

cabresto, uma sociedade agrária – quase feudal –, o coronelismo e a política

das oligarquias, uma tendência que foi predominante na segunda e na terceira

geração do modernismo, emprestando o contexto histórico para a literalidade,

por exemplo, em Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos (1892-1953); O Quinze (1930), de Rachel de Queiroz (1910-2003); Menino de Engenho (1936), de José Lins do Rego (1901-1957); Morte e Vida Severina (1955), de

João Cabral de Melo Neto ; Grande Sertão: Veredas (1956), de João

Guimarães Rosa; e O Auto da Compadecida (1955), de Ariano Suassuna.

Em geral, o movimento deflagrado em 1922 com os modernistas

brasileiros foi ao mesmo tempo um ato de atrevimento, de libertação, de

coragem e de insatisfação com as formas de fazer, criar e produzir arte até

então vigentes, pois se configurou como a primeira tentativa de criar uma arte

genuinamente nacional, produzida no Brasil, por brasileiros, para os brasileiros

e pelos brasileiros. Foi de fato uma declaração de independência no território

da arte, praticamente um século depois da independência política do Brasil,

num momento em que a arte brasileira se identificava com a maioria dos

movimentos de vanguarda europeus, entretanto, sem perder de vista a

originalidade estética que o próprio movimento postulava.

1.1 Clarice Lispector e a Terceira Geração Modernista

Integrante de uma seleta galeria de destacados expoentes da terceira

fase do modernismo brasileiro como João Cabral de Melo Neto (1920-1999), Antônio Olinto (1919-2009), João Guimarães Rosa (1908-1967), Mauro

Ramos da Mota e Albuquerque (1911-1984), Nelson Falcão Rodrigues (1912-

1980) e Ariano Vilar Suassuna (1927-2014), Clarice Lispector (1920-1977) foi

uma das raras mulheres da terceira geração modernista da literatura brasileira,

mas que assim como seus pares masculinos, não perdeu um determinado fio

condutor que ligava-os aos laços estéticos e ideológicos do pensamento

original do movimento modernista, que eclodiu na oportunidade dos

emblemáticos acontecimentos da Semana de Arte Moderna, realizada em

fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.

Mesmo assim, não se pode afirmar com grande segurança que a

segunda e a terceira geração modernistas foram tão simplesmente dois

desdobramentos históricos e estéticos da primeira geração do modernismo,

pois essa continuidade estética, linguística e artística é muito difícil de ser

identificada no tempo longo, até porque, a tendência do movimento modernista

foi caraterizada por uma certa metamorfose estética, linguística e artística que

acompanhou toda a trajetória do movimento. Ao contrário do simbolismo –

corrente que o precedera –, no modernismo, a experiência subjetiva e a

renovação constante conservaram-se enquanto atributos centrais, tanto na

poesia quanto na prosa. Além disso, é preciso considerar que enquanto

movimento o Modernismo não foi puramente literário, uma vez que abrangeu

vários segmentos da arte, o que torna ainda mais problemática assinalar uma

continuidade ou mesmo uma unidade do movimento no Brasil.

Ciente do peso semântico, linguístico, histórico e estético que a questão

da continuidade possui no universo literário, Fernando Guimarães (2004)

explica:

Com efeito, a palavra continuidade pode ser entendida, relativamente à produção literária, em dois sentidos bem diferentes. Por um lado, significaria algo que aplainaria a própria realidade textual ao nível de um denominador comum de natureza temática ou estilística. Por outro lado, apontaria para a realização de uma leitura renovada dos textos, aferida por um discurso que acaba por se tornar homólogo e que era capaz, não de encontrar, mas, antes, de lhes propor uma identidade na sua diferença real (GUIMARÃES, 2004, p. 8).

Por isso, ao mesmo tempo, não aceitar que todas essas gerações

possuem suas tendências e particularidades anularia o fato de reconhecer que

o modernismo teve influência de outros movimentos literários, principalmente,

os movimentos de vanguarda europeus, mas também, influência de um

conjunto de obras da literatura norte-americana, da literatura hispano-

americana e dos próprios românticos. Naturalmente, no modernismo, quando

se fala em influência pode-se pensar apenas na influência que se dá no sentido

de uma assimilação estética, mas essa mesma influência pude justamente

provocar um desejo de mudança nos processos de criação, produção e na

estética literária de maneira geral, caracterizando justamente o rompimento

com certos modelos, arquétipos e padrões estético-literários considerados

ultrapassados.

Portanto, é demasiado problemático analisar as três gerações

modernistas enquanto uma continuidade, inclusive, torna-se ainda mais

problemático, na visão de Ivanaldo Oliveira dos Santos Filho e Emias Oliveira

da Costa (2014), pois o modernismo no Brasil tomou um rumo duplamente

revolucionário: uma revolução de natureza estética e outra na própria natureza

do conteúdo das obras modernistas. Como bem observou Pedro Pinto (2004),

o movimento modernista, no que diz respeito ao seu processo de formação no

plano da literatura, até mesmo entre as tendências estéticas que o

influenciaram, desde o saudosismo e o decadentismo ao futurismo, e desde o

simbolismo ao existencialismo, trazia em seu discurso ideológico concepções

de arte bastante divergentes, que vieram do nascedouro do movimento

modernista, ainda no Portugal do começo do século XX.

A terceira geração modernista da literatura brasileira, a qual pertencia

Clarice Lispector se caracterizou por uma intensificação na questão modernista

dessa geração, que foi a busca por uma nova linguagem, uma linguagem

simples e acessível, que foi o que caracterizou e limitou o grupo dessa

geração. Essa redução de todo o universo da linguagem lírica acabou

resultando em algumas cadências intencionalmente estéticas.

Por isso, para se compreender Clarice Lispector e a terceira geração

modernista é preciso entender que o próprio termo moderno já sugere um

pensamento de ruptura histórica, em que a estética, valores, crenças,

costumes, formas de agir e de pensar são considerados superados em relação

ao que se apresenta, não necessariamente como novo, mas enquanto uma

opção alternativa.

Segundo Monica Pimenta Velloso:

A cada época são criados novos valores, inventos e denominações. Quando nos referimos aos tempos modernos, à mulher moderna, ao espírito moderno, ao estilo moderno e ao mal moderno, mesmo inconscientemente, estamos nos reportando à associação entre tempo e história. Fica clara a abrangência do termo moderno. Ele se mostra de tal forma flexível e ocupa tamanha extensão a ponto de poder integrar uma cultura inteira. Em tempos de globalização o moderno atingiu tamanha organicidade, caráter tão complexo, passando a ser de tal maneira integrado ao circuito da nossa vida cotidiana que deixou de ser um mero vocábulo. Tornou-se parâmetro de referências, moldando pensamentos e juízos de valores sobre arte e ciências, vida política, social e econômica (VELLOSO, 2010, p. 11).

Assim, desde seu pensamento embrionário o modernismo brasileiro

procurou romper laços com o academicismo e o tradicionalismo, mostrando

ainda um significativo desprezo pelo formalismo. O modernismo brasileiro

também teve como características principais, o experimentalismo estético, a

liberdade de expressão, a opção por temáticas da vida cotidiana do país, além

da influência de vanguardas artísticas europeias como o dadaísmo, o

expressionismo, o futurismo, o cubismo e surrealismo, investindo na busca por

uma autêntica linguagem literária, no sentido de construir uma vertente

estético-artística no plano da literatura, da pintura e da escultura que fosse

capaz de pensar formas de tradução da arte e da realidade de viés

genuinamente brasileiro.

Ainda segundo Silva (2015), mesmo que os literatos modernistas não

mostrassem veementemente que tinham em mente a tentativa de aproximação

com a população, seja no apreço pelo coloquialismo, seja por uma expressão

artística que se manifestasse através de uma estética que fosse capaz de

provocar uma leitura dos diversos Brasis que existem neste país de dimensões

continentais, isso ocorrera de forma indireta e, talvez, até inconsciente, por

meio da grande produção literária do movimento.

Entretanto, diferente da primeira e da segunda geração, a terceira

geração do Modernismo, a qual pertencia Clarice Lispector, de acordo com

Silva passou a ser cognominado de “geração do instrumentalismo”, segundo

comentário do próprio João Guimarães Rosa (2017).

Além disso, Santos Filho e Costa (2014) sugerem que o modernismo

brasileiro de fato decidiu por um caminho estético de apreço pela cultural

brasileira, ao romper com as ancestrais raízes lusitanas da norma culta da

língua portuguesa, ao propor a inserção do coloquialismo na literatura, e,

embora não seja possível afirmar que o movimento modernista foi propagado

por intermédio da oralidade, mas sim, a partir do movimento modernista os

registros da língua falada passaram a compor o cânone literário na sua

modalidade escrita.

A notabilidade de Clarice Lispector se dá num contexto em que

claramente as mulheres ainda são uma minoria. Na realidade, o aparecimento

da mulher no cânone literário brasileiro é uma configuração histórica que só se

tornou possível após a década de 1930. Na visão de Luciana Santos de

Oliveira e Luciano Amaral Oliveira (2013) houve um silenciamentos da figura

feminina no cenário literário brasileiro. Esse quadro só começou a mudar um

pouco após o aparecimento da obra de Rachel de Queiroz, primeira mulher a

ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Na verdade, o que

Oliveira e Oliveira (2010) acabaram por constatar é que existia uma tentativa

deliberada de excluir as mulheres dos círculos literários. Notadamente, porque

a sociedade patriarcal brasileira desejava uma mulher que fosse criada e

educada para ser boa esposa, boa mãe e boa dona de casa.

A maior parte da obra de Clarice Lispector, sobretudo, os romances, –

entre eles Perto do Coração Selvagem, de 1943 –, foi publicada com a autora

em vida, por volta de meados dos anos 1940 e final da década de 1970. Neste

tempo, o Brasil passou por uma amálgama de acontecimentos turbulentos que

subverteram o panorama da política, da sociedade e da cultura brasileira.

De acordo com o historiador brasileiro Boris Fausto (2000), a Era Vargas

chegava em 1945 e quase uma década depois, em 1954, acusado pela

imprensa de estar por trás de um atentado contra um de seus maiores

adversários políticos, Carlos Lacerda, o presidente tirava a própria vida com um

tiro no peito, gerando grande comoção nacional. Dez anos depois, os militares,

alegando combater o comunismo que chegava ao Brasil realizam um golpe de

Estado e fundam um regime ditatorial que duraram duas décadas.

No plano literário, Clarice Lispector tinha a companha de figuras

literárias como Maria Alice Barroso, Geraldo Ferraz, Lousada Filho e Osman

Lins, que como sublinhou Alfredo Bosi, “percorrem o caminho da experiência

formal (BOSI, 2006, p. 434)”. Seja como for, de algum modo, o frenesi de

acontecimentos que pairaram sobre o Brasil nessa época influenciaram a

terceira geração modernista. Naturalmente, toda essa geração ora despertava

elogios calorosos da crítica literárias, ora críticas ferrenhas, que em geral

partiam dos críticos orientados por uma visão de mundo bastante ortodoxa.

Compartilhando da posição de Bosi (2006) a respeito do movimento

modernista, Cléber Mapeli Serrador (2015) assinala que no âmago da terceira

geração modernista reside uma preocupação fundamental com uma singular

objetividade, no âmbito de uma dinâmica estética que é significada de forma

dialética. De um lado tem-se o pensamento artístico-ideológico e de outro a

construção literária. Mas não se trata apenas de meras características.

Na terceira geração modernista havia uma preocupação em dotar a

palavra de criticidade, operada quase que na forma de um testemunho

engajado sobre o panorama político, social, moral e cultural do Brasil. Além

disso, existia um interesse em uma literatura comunicativa, que fosse capaz de

dialogar com o homem comum, enfim, com as grandes massas, já que a

sociedade contemporânea tinha como traço fundamental a comunicação de

massa. E, portanto, nessa geração prevalecia um cuidado bastante especial

com a escolha das palavras.

CAPÍTULO II

O PROJETO DE ESCRITURA DE CLARICE LISPECTOR

No entanto não era raiva, mas amor. Amor tão forte que só esgotava sua paixão na força do ódio. Agora sou uma víbora sozinha. (LISPECTOR, 1998, p.61)

Através do seu processo de escrever, o escritor vai se descobrindo,

constrói uma linguagem para ser imediatamente ultrapassada em função da

sua busca para dizer a última linguagem que desemboca no silêncio da

escritura. Não é por acaso que, para Clarice Lispector, escrever é procurar

entender, assim como em qualquer compreensão possível se dá “através do

processo de escrever”. “É essa tentativa, por sua vez, que move a o texto

clariceano. Escrevo porque não quero as palavras que encontro: por

subtração.” (BARTHES, 1996, p. 54).

A linguagem literária de Clarice Lispector se constrói num silêncio

escritural, não muito diferente, seu sujeito-escritor faz seu “processo de

escrever” uma reflexão incessante sobre o escrever no momento mesmo que o

pratica. Não é por acaso que Roland Barthes, em Aula, afirma que entende por

literatura “o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de escrever”

(2001: 17); e define um escritor como o sujeito dessa prática.

O texto Clariceano passa a refletir sua tentativa de escrever o “instante-

já”, ou seja, revelar, por meio das palavras, a vida submersa nos fatos da

realidade no momento exato em que ocorrem. Por isso sua escritura possui

como marca uma pesquisa sobre o ser, que também envolve a linguagem,

tendo em vista que por esse caminho o homem se revela ao mundo:

O que escrevo não se refere ao passado de um pensamento, mas é o pensamento presente: o que vem à tona já vem com suas palavras adequadas e insubstituíveis, ou não existe. Ao descrevê-lo de novo a certeza só aparentemente paradoxal de que o que atrapalha ao escrever é ter de usar palavras. É incômodo. É como se eu quisesse uma comunicação mais direta, uma compreensão muda como acontece às vezes entre pessoas. Se eu pudesse escrever por intermédio de desenhar na madeira ou alisar uma cabeça de menino ou de passear pelo campo, jamais teria entrado pelo caminho da palavra. Faria o que tanta gente que não escreve faz, e exatamente com a mesma alegria e o mesmo tormento de quem escreve, e com as mesmas profundas decepções inconsoláveis: viveria, não usaria palavras. O que pode vir a ser a minha solução. Se for bem-vinda (LISPECTOR, 1999, p. 285).

Ao questionar a relevância da palavra para a literatura, a narrativa

clariceana envolve o leitor que é convidado a sair de uma recepção passiva

para participar na elaboração do texto.

Desse modo podemos falar em um futuro que determina o presente, pois

é em nome do leitor que o autor seleciona valores e normas para construir o

texto:

Outra coisa notei: basta eu saber que estou escrevendo para um jornal, isto é, para algo aberto facilmente por todo mundo, e não para um livro que só é aberto por quem realmente quer, para que, mesmo sem sentir o modo de escrever se transforme. (LISPECTOR, 1999, p. 113).

No texto Clariceano, citado acima, podemos perceber que a intenção de

sentido conduz a uma intenção entre autor e leitor, em que este assume

participação na elaboração da obra, pois aquele não deixa de considerar sua

atividade: a recepção do texto.

Ao mesmo tempo em que se apresenta como um texto metalinguístico,

pois realiza reflexões a respeito do processo pelo qual o escritor passa a criar

sua obra, o texto clariceano trata da existência. Assim, Clarice Lispector

estabelece um cruzamento entre o fazer literário e a existência humana,

revelando o que há de comum entre eles sem, contudo, desviar seu olhar do

cotidiano.

No conto “Amor”, de Laços de família (1998), por exemplo, Ana “sopra

a pequena flama do dia” e retoma sua vida após ter vivenciado um período de

reflexão a respeito “dos dias que ela forjara”, a partir da instantânea visão de

um cego mascando chicletes, conforme o fragmento do conto:

O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranquila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicletes. (...) E, se atravessara o amor e seu inferno penteava-se agora diante do espelho por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia. (LISPECTOR, 1998, p. 21-29).

Como suas personagens realizam questionamentos ônticos, Clarice

Lispector não se desvencilha da realidade e considera a linguagem o meio

necessário para atingi-la. A escrita clariceana funciona como um pólo gerador

de todo processo de “ficcionalização”.

Assim, fica muito claro no estudo de Clarice Lispector que ela tem como

uma das características básicas a metalinguagem. Percebemos como questão

central a problemática do processo de criação literária, que se confunde com

as questões das personagens que compõem a narrativa.

Os conflitos individuais das personagens chegam a ser superados por

questões pertinentes ao fazer literário. Desse modo, os elementos próprios do

processo criativo, tais como personagens, narrador, autor, leitor tomam-se

“personagens” do texto. Essas “personagens” são articuladas entre si pela

linguagem, que se apresenta como ponto de partida e de ligação desses

elementos, responsáveis pelo texto.

A partir do primeiro romance, Perto do coração selvagem, temos a

personagem Joana, que possuía “vozes interiores”: uma possível alusão à

limitação da linguagem para representar sensações. Em A maçã no escuro, a

personagem Martim também experimenta um momento de dificuldades para

ordenar suas ideias por meio das palavras.

Outro procedimento observado na escrita clariceana é a “epifania”, que

se perfaz em todos os níveis: a revelação é o que autenticamente se narra em

seus contos e romances, a partir de experiências rotineiras: uma visita ao

zoológico, a visão de um cego na rua, a revelação de dois namorados ou a

visão de uma barata dentro de casa. Propomo-nos a tratar, a partir da análise

de alguns críticos da escrita epifânica, cujo maior representante, dentro da

literatura brasileira, é Clarice Lispector.

A definição dessa técnica literária nos será bastante útil para podermos

realizar um estudo do estilo clariceano. No seu livro A Escritura de Clarice Lispector, Olga de Sá (1979) dedica um capítulo ao procedimento da epifania,

que traz considerações suas e de vários críticos sobre a epifania na obra de

Clarice Lispector, desde a própria definição do termo ao procedimento, a partir

de James Joyce, um dos precursores na utilização da escritura epifânica.

Embora sua análise não se volte essencialmente para a epifania

encontrada na obra deste escritor, Olga de Sá encontra na fonte Joyceana uma

fundamentação relevante para a realização de tal estudo.

O termo epifania, segundo Olga de Sá, jamais fora empregado por

Clarice Lispector e esta nunca revelou claramente ter consciência da técnica

epifânica em seus livros. Porém vários críticos utilizaram definições

semelhantes à da epifania para nomear e a escritura de Lispector.

Muito embora o termo não apareça explícito na obra da autora brasileira,

Olga de Sá demonstrou pertinência. A palavra epifania, epiphanéia (=

manifestação, aparição) de origem grega (epi = sobre; phaino = aparecer,

brilhar), poderá ter duas acepções: a primeira num sentido místico-religioso,

que a definirá como “aparição ou manifestação divina” ou “festividade religiosa

com que se celebra essa aparição”, cujo exemplo traz no Novo Testamento, na

ocasião das aparições de Jesus Cristo. No calendário cristão, a igreja celebra a

Festa da Epifania para comemorar a vinda do Menino Jesus ao mundo.

A segunda, de caráter literário, é muito bem explicada por Affonso

Romano de Sant’Anna, em Análise Estrutural de Romances Brasileiros: “...

o relato de uma experiência que a princípio se mostra simples e rotineira, mas

que acaba por mostrar toda a força de uma inusitada revelação. (...) é uma

parte de uma obra onde se narra o episódio da revelação”. (SANT’ANNA, 1973,

p. 187).

O autor, então, tenta definir a epifania pelo termo “revelação”, ou seja,

um episódio ocorrente através de atos comuns do dia-a-dia, que resulta num

momento de êxtase em que se percebe uma “realidade atordoante”. Ainda em

Análise Estrutural de Romances Brasileiros, o autor explica:

É a percepção de uma realidade atordoante quando os objetos mais simples, os gestos mais banais e as situações mais cotidianas comportam iluminação súbita na consciência dos figurantes, e a grandiosidade do êxtase [sic] pouco tem a ver com o elemento prosaico em que se inscreve o personagem. (Idem, Ibidem p. 187).

Olga de Sá cita Massaud Moisés que explica a epifania de uma forma

bastante simples e clara, chamando-a de “instante existencial.” É um momento

quase sempre fugaz em que, no caso dos personagens de Lispector, tomados

de uma “súbita revelação interior”, apercebe-se de seus destinos. Não é

necessário que seja um momento extraordinário, entretanto é preciso que

tenha um caráter de revelação, determinante para esses personagens; é “o

momento de lucidez plena, em que o ser descortina a realidade íntima das

coisas e de si próprio”. (MOISÉS apud SÁ, 1979, p. 131).

Benedito Nunes atribui a esse momento o nome de “descortínio

silencioso" e, em um ensaio de mesmo nome, publicado em 1973, emprega

claramente o termo epifania. Observamos, portanto, que nos três conceitos ou

observações sobre a epifania relacionada à obra de Clarice Lispector, o ponto

comum é exatamente a existência de um instante luminoso, momento especial

e modificador para o personagem, mesmo que seja fugaz.

Seriam incompletas (e até injustas) nossas pesquisas concernentes à

escritura epifânica, se aqui não ressaltarmos, pelo menos em síntese, a

epifania de James Joyce. Para tanto, seguimos as explicações de Olga de Sá

que conclui a epifania em Joyce como consequência de um processo evolutivo:

partindo do “emotivo”, isto é, o “modo de ver o mundo real”, para o “operativo

ou artístico”, ou seja, o modo de “criar o mundo”, o “fazer ver”.

A fim de identificarmos a epifania em alguns textos de Lispector, cujos

exemplos mais significativos citaremos agora, tomaremos como referencial a

definição de Benedito Nunes e as considerações de Affonso Romano de

Sant‟Anna. Apesar de verificarmos a existência de tal processo em vários

textos de Clarice Lispector, nos voltaremos para a estrutura do conto pela sua

menor complexidade em relação ao romance e por apresentar com mais

evidência a estrutura analisada pelos autores acima citados.

Benedito Nunes, em O Drama da Linguagem (1995, p. 84-85) diz que o

procedimento da epifania, na maioria dos contos de Clarice Lispector se dá

através do que ele chama de “tensão conflitiva”, ocorre no núcleo da narrativa e

resulta no “clímax”. A “tensão conflitiva” é, normalmente, provocada por um fato

banal, uma cena do cotidiano, uma pessoa, um lugar, onde um desses

elementos será um intermediário entre o mundo e a “incompatibilidade latente”

do personagem. Latente, porque essa visão ou concepção de um mundo

sempre existira, mas vem à tona num momento fugidio; a isso, então, ele

chama de “clímax”, ou seja, o “momento privilegiado”, o confronto do

personagem com o mundo. Em seguida, Benedito Nunes trata de um

“anticlímax”: aqui a situação quase sempre retorna à sua posição original, isto

é, o conflito volta ao estado de latência de onde saíra e o personagem retorna

a rotina de sua vida.

Em Laços de Família, publicado em 1960, encontramos no conto

“Amor” um exemplo explícito de epifania clariceana. A protagonista Ana, que

leva uma vida tranquila com o marido e filhos, depara-se um dia, voltando das

compras, com um acontecimento que a deixa muito perturbada, num estado de

náusea e de profunda tranquilidade: de dentro do bonde, ela observa um cego

mascando chiclete.

Aquele cego, como mediador de um processo epifânico, provoca no

personagem uma sensação estranha, ou seja, uma “tensão conflitiva”; vejamos

como o narrador descreve este momento: “Alguma coisa intranquila estava

sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles... Um homem mascava

chicles.” (LISPECTOR, 1998, p. 21).

O “clímax” da epifania, neste conto, dá-se exatamente quando Ana

desce do bonde e entra no Jardim Botânico:

E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber. (...) As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. (LISPECTOR, 1998, p. 25).

Ali, naquele momento, Ana passa a ter outra visão da realidade. É

realmente um instante de profunda luminosidade dentro da narrativa.

Finalmente em casa, o personagem se sente de volta à sua vida de sempre.

Identificamos, então, o que Benedito Nunes chama de “anticlímax”:

Acabara-se a vertigem de bondade. E, se atravessara o amor e seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia. (Idem, Ibidem, p. 29).

A epifania constitui, portanto, uma realidade complexa, perceptível aos

sentidos, sobretudo, aos olhos (visão), aos ouvidos (vozes), e até ao tato. A

escritura epifânica é do domínio do narrador. É na página escrita que se

configura o momento epifânico. Clarice Lispector apropria-se dos três níveis de

procedimento epifânico, reconhecidos em James Joyce:

1) A epifania - visão como revelação presentativa imediata;

2) A epifania - crítica como visão irônica;

3) A epifania - linguagem revelada na própria palavra.

Em Clarice Lispector, há uma gama de epifanias da beleza e visão, mas

existe, outra, de epifanias críticas e corrosivas, epifanias das percepções

decepcionantes, seguidas de náuseas ou tédio, como o marido Otávio, fraco e

incapaz de agredir a vida; a barata, massa informe de matéria viva. Dessa

forma, a autora desorganiza sua linguagem para reorganizá-la através de

outra, como um processo de revelação.

Debruçando-se nos textos clariceanos, em especial, nos textos-crônicas,

concluímos que nos é permitido mapear sua teoria poética. Ao escrever sobre

o papel e/ou lugar do escritor, sobre seu “próprio método de trabalho” e sobre o

escrever/contar, Clarice acaba nos revelando o seu processo de produção

escritural. Por outro lado, sabemos, com Clarice Lispector, que a escritura

continua para além de seus traços: “Tudo acaba, mas o que te escrevo

continua. O que é bom, muito bom. O melhor ainda não foi escrito. O melhor

está nas entrelinhas.” (LISPECTOR, 1990, p. 100).

Escrever, para Clarice Lispector, sempre foi “um esforço quase sobre-

humano de aprendizagem, de autoconhecimento”. Talvez, por esse motivo ela

tenha resumido sua vida dessa forma: “minha vida tem que ser escrever,

escrever, escrever?” (LISPECTOR, 1999, p. 419).

Reconhecemos a importância do entendimento da escrita clariceana e,

acerca do assunto abordado neste capítulo, Leyla Perrone-Moisés, em Flores da escrivaninha, declara: “ela operava emergência de real na linguagem,

urgências de verdade.” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 177).

Sua produção literária adquire importância pela abrangência e

densidade, seja pelo vasto campo do conhecimento humano de que se ocupou,

ou pela inventividade e estilo peculiar desenvolvido pela autora. Em sua prosa,

Clarice Lispector buscava uma forma lírica para o romance e desenvolveu com

precisão os recursos do fluxo da consciência e dos monólogos interiores, que

constituíram a marca da narrativa em seus livros. Além disso, Clarice Lispector

criou uma literatura permeada de figuras cotidianas esmiuçadas e detalhadas

até a exaustão, principalmente, no interior dos pensamentos das suas

personagens. É uma autora em que de fato o trânsito dos personagens ao

longo da obra funciona como uma espécie de cadência e de condensação do

enredo.

2.2 A Literatura de Clarice Lispector e a busca por uma nova linguagem

A questão da construção do fluxo da consciência é uma constante em

Perto do Coração Selvagem. As obras de Clarice Lispector possuem como

uma de suas características mais notáveis outras constantes que foi se

intensificando no plano da prosa modernista, isto é, a busca por uma nova

linguagem, uma linguagem simples e acessível, que foi o que em grande

medida caracterizou e limitou o grupo da terceira geração modernista. Essa

redução de todo o universo da linguagem lírica e, portanto, algumas cadências

intencionalmente estéticas.

Segundo Antonio Candido:

[...] Perto do coração selvagem (1944), trouxe algo novo à literatura brasileira, pela capacidade de elevar a descrição das coisas e dos estados de espírito a um nível radioso de expressividade, como se dos fatos mais simples brotasse a cada instante o indefinível. A força desta escritora parece estar na capacidade de manipular os detalhes, que vão se juntando para formar a narrativa e sugerir o mundo, sem que haja necessidade de uma estruturação rigorosa. Daí a fluidez imprecisa que dissolve muitas das suas histórias, ou, pelo contrário, o destaque luminoso que elas ganham na intimidade sugerida pela ampliação do pormenor (CANDIDO, 1999, p. 91).

Materializando uma escrita de cunho existencialista e introspecção

psicológica, a obra de estreia de Lispector provoca um verdadeiro choque nos

críticos de então, que ora a aplaudem, ora a “rejeitam”, justamente pela

novidade de estilo apresentado pela autora. Rompendo os diques da

logicidade, as sílabas soltas são lançadas, em contínuo fluxo, revelando a

linguagem sob a luz da inspiração. O mundo surge dividido entre palavras que

criam, ou não criam uma realidade, ou seja, entre as que detêm ou não o

circuito da comunicação para si mesmo. Essa constante é o sinal da busca da

autora por uma forma alterativa de construção literária, e, consequentemente,

de procura por uma nova linguagem.

A maioria das personagens de Clarice Lispector são mulheres. Existem

questionamentos a respeito do papel da mulher dentro da sociedade, tornando-

se assim uma obra reflexiva, gerando uma tendência à introspecção. O amor, o

casamento, a vida da mulher e o emaranhado de emoções que esta vida

permite são tomados pela autora, que leva o leitor a refletir e pensar a respeito,

preocupada em assinalar os caminhos seguidos pelos personagens, tendo o

conjunto da história quase tão somente como uma espécie de pretexto

(GOTLIB, 1995).

Sua literatura é um ambíguo espelho da mente, registrado através do

fluxo da consciência, que indefine as fronteiras entre a voz do narrador e a das

personagens, afirmam Abdala Júnior e Campedelli (1981). Segundo Massaud

(1989) o foco narrativo ou ponto de vista é o mediador entre o leitor e o autor

de uma obra literária. Assim sendo, podemos compreender, portanto, que a

construção do foco narrativo é fundamental para a compreensão da narrativa.

Já o fluxo de consciência, técnica desenvolvida por James Joyce e Virgínia

Woolf, e empregada por Clarice Lispector em algumas de suas obras, consiste

em recortar pensamentos e sentimentos de determinada personagem sem

manter um argumento lógico ou uma sequência narrativa. Este elemento

constitutivo do texto narrativo clariceano nos permite conhecer o mundo interior

das personagens.

Ao analisar a escrita de Clarice Lispector em suas obras vemos que

dificilmente elas possuam um enredo com um começo, um meio e um fim,

como os narrativos tradicionais. A própria autora nunca soube explicar os seus

processos de criação. “É um mistério”, dizia ela. “Quando penso numa história,

eu só tenho uma vaga visão do conjunto, mas isso é coisa de momento, que

depois se perde. Se houvesse premeditação, eu me desinteressaria pelo

trabalho” (ENTREVISTA-TV CULTURA, 1977). Mais do que histórias, os seus

livros contêm impressões. Por isso, consciente de sua condição como

escritora, Clarice tentava invadir o interior das personagens, como se ela

própria vivesse aquela história.

Mesmo tendo se iniciado como escritora numa época em que os

romancistas brasileiros estavam voltados para a literatura regionalista ou de

denúncia social, Clarice enfocou em seus textos o ser humano em suas

angústias e questionamentos existenciais principalmente na sua primeira obra,

Perto do Coração Selvagem, sempre em suas narrativas, o enredo, bem

como as personagens, as referências de tempo e espaço ganham novos

significados: o enredo é quase sempre psicológico. O tempo e espaço, por sua

vez tem pouca influência sobre o comportamento das personagens; o tempo é

psicológico e o espaço é quase sempre acidental.

Portanto, nessa busca por uma nova linguagem há a tentativa de

transcender o cotidiano, mobilizando a sensibilidade dos seus leitores, pondo

em diálogo intersubjetivo sensações, pensamentos, experiências e,

principalmente, epifanias. Essas revelações, que sua ficção expõe, analisam,

penetram, aprofundam e contribuem assim para a construção de visões de

mundo, de sensibilidades, que são parte do processo de formação que a

literatura pode propiciar, ela nos faz viver experiências singulares, apesar de

ser constituída sob bases universais, para leitores empiricamente

desconhecidos. Cada leitor inserido em uma sociedade e cultura irá

desfrutar/interpretar um texto de maneira singular. O autor não impõe uma

verdade, mas nos incita a produzir uma ação interna e é por essa linguagem

que Clarice Lispector constrói uma obra de caráter tão profundo quanto

universal.

O romance Perto do coração selvagem, de 1943, é a obra inaugural de

Clarice Lispector, embora antes dele a autora já tivesse publicado contos na

imprensa nacional. A obra surge num contexto em que se publicam os

romances regionalistas, comprometidos com a denúncia político-social. O

mundo surge dividido entre palavras que criam, ou não criam uma realidade, ou

seja, entre as que detêm ou não o circuito da comunicação para si mesmo,

evidenciando-se a recepção crítica do romance de estreia e seus efeitos de

sentido na trajetória da autora.

O ritmo crescente dos seus devaneios, a inquietação gerada diante do

mistério irrevelado de seu próprio ser, traz angústia à personagem que deseja

descobrir-se por inteiro. Joana é uma mulher que espera mais da vida e se

recusa a aceitar a rotina, o papel adotado por tantas mulheres que a rodeiam.

Com isso, ela acaba criando uma atmosfera de distanciamento das pessoas

com as quais convive.

Observa-se que a maioria delas não é capaz de entendê-la. Quando

Joana pega escondida um livro na livraria, provoca choque e desconfiança na

tia. Confessando o ato sem demonstrar culpa, ela desafia regras estabelecidas,

num gesto que pode ser interpretado como um ato de resistência aos

mecanismos culturais. “Sim”, diz ela, “roubei porque quis. Só roubarei quando

quiser. Não faz mal nenhum”. (LISPECTOR, 1980, p. 60).

De acordo com Antonio Candido (1999), é Clarice Lispector quem traz

uma nova posição, diferente do sólido naturalismo ainda reinante. “Clarice

Lispector instaurava as aventuras do verbo, fazendo sentir com força a

dignidade própria da linguagem (CANDIDO, 1999, p. 18)”. Desse modo, com a

estreia de Perto do coração selvagem, a escritora trazia um tom novo para as

letras brasileiras, recolocando a palavra no centro dessa ficção.

Numa perspectiva biográfica, Gotlib, ao construir uma obra densa e

detalhada acerca da biografia da escritora brasileira, analisa alguns aspectos

daquilo que ela chamou de “a poética inaugural de Clarice Lispector (GOTLIB,

1995, p. 167)”.

Considera o livro um romance estranho em que se constata a

construção de uma biografia, a procura de uma identidade diante das relações

conflituosas com a alteridade e a multiplicidade de manifestações da

protagonista que anima a narrativa. A biógrafa aponta ainda a tentativa dessa

personagem em fisgar a coisa, movida pelo terrível e adocicado gosto do mal,

que vai tomando formas mais definidas. (GOTLIB, 1995, p. 170). De certa

forma, dentro da própria terceira geração modernista Clarice Lispector

representou um crivo, um momento emblemático. Na busca por essa

linguagem alternativa autora colocava o máximo de significado na trajetória dos

personagens pela trama, fosse qual fosse o custo para o enredo final.

Além do fluxo de consciência, na obra de Clarice Lispector também pode

ser encontrado um processo epifânico, já mencionado anteriormente: o termo

epifania possui conotação religiosa e consiste em uma manifestação divina ou

aparecimento de algo revelador. Na obra de Clarice, a epifania pode ser

desencadeada por um fato corriqueiro, como um beijo, um olhar, uma visão ou

até mesmo uma brusca freada de ônibus. Na maioria das vezes, os momentos

epifânicos são traumáticos, ativando questionamentos filosóficos e existenciais,

bem como rupturas com antigos comportamentos.

Já na literatura moderna, com a maior importância dada à

individualidade e aos aspectos interiores dos personagens, a narração em

primeira pessoa mostrou-se eficiente em permitir maior verossimilhança ao

explorar emoções e memórias não alcançadas pelo narrador em terceira

pessoa. Aqui desaparece a onisciência e o narrador participa dos

acontecimentos, deixando o leitor à mercê de suas percepções. Comprovando

tais afirmações, abaixo segue fragmento:

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía "As reinações de Narizinho", de Monteiro Lobato.Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. (LISPECTOR, 1998, p.02)

O fluxo da consciência na literatura é recente. Foi no início do século XX

que a preocupação com a realidade psíquica do homem se tornou de grande

interesse da literatura, tomando posição central em obras de James Joyce,

Virginia Woolf, William Faulkner, dentre outros. Razão disso, em grande parte,

foram os estudos do norte-americano William James - um dos grandes nomes

da psicologia mundial - sobre o inconsciente humano, tendo sido ele o primeiro

a cunhar o termo "fluxo da consciência" para indicar que ela não é

completamente fragmentada em partes aleatórias, mas que compõe um fluxo

contínuo de pensamentos encadeados.

Assim, essa técnica surgiu naturalmente do interesse do homem moderno que,

após incríveis avanços na ciência, finalmente volta-se a si mesmo, procurando

entender seus próprios pensamentos, como afirma Ronaldo Costa Fernandes

(1996):

Jamais poderia aparecer o fluxo da consciência no Renascimento porque simplesmente o fluxo de consciência é mais do que uma técnica literária. Ele é a expressão das descobertas, das angústias, das investigações de uma época histórica. A simultaneidade, o instantâneo, o balbuciar, a associação, o caos, o onírico e tudo o mais que contém o fluxo da consciência são características de uma interioridade psíquica que o homem do renascimento não viva. (FERNANDES, 1996, p. 14).

De acordo com os estudos de Humphrey, “o fluxo da consciência pode

se dar tanto no nível da pré-fala, quanto nos níveis mais superiores da

consciência, pois esta, como termo da psicologia, atravessa vários níveis da

mente humana, do mais ao menos inconsciente”. Assim, com relação à técnica

narrativa, quanto mais próximo do inconsciente, mais desarticulado e, portanto,

mais pura a técnica, como pode-se observar no fragmento abaixo:

Pensemos na consciência como tendo a forma de um iceberg - o iceberg inteiro, e não apenas a parte relativamente pequena que aparece. A ficção de fluxo da consciência, para levar avante esta comparação, ocupa-se em grande parte com o que está abaixo da superfície. (Humphrey, 1976, p.4)

Também se pode ter a impressão de que se trata de um artifício utilizado

somente no "interior" da consciência, sem abranger o que há a volta do

personagem. Porém, apesar de deter-se principalmente no psicológico como

forma de analisar o que se passa em sua consciência, na prática, é a partir da

ação descrita e da exteriorização de pensamentos que se pode apreender seu

mundo interior.

O fluxo, metaforicamente falando, é o "ir e vir" da consciência em torno

de um fato, ou seja, o sentimento ou sensação, associado à ideia de passado e

futuro. A partir dessa fusão temporal, perpassa a tentativa de colocar todas as

premissas do pensamento dentro de uma realidade presente, gerando o estado

de continuidade do pensamento em uma cadeia sistemática de acordo com o

conhecimento de mundo e as experiências de vida do autor.

Clarice Lispector abdica de aprofundar em detalhes as personagens, a

ambientação e até mesmo os diálogos para focar somente no fluxo de

consciência.  O livro, por exemplo, A Hora da Estrela, em que a autora usa o

pseudônimo Rodrigo S.M como o seu alter ego, esta criação, na verdade, faz a

projeção do fluxo da consciência no narrador. Na publicação desta obra, são

vários momentos de divagações para explicar os pormenores da personagem

Macabéa, a figura anti-heroína da trama. A Clarice Lispector é tão altiva neste

recuso literário que a leitura flui positivamente bem, sendo aprazível o consumo

desta obra em questão.

Clarice nos propõe uma viagem ao consciente individual: a experiência

interior passa para o primeiro plano da criação literária, deixando em segundo

plano o meio externo o homem e sua condição social, Clarice com o fluxo de

consciência quebra os limites espaço-temporais, mesclando presente e

passado, realidade e desejo, cruzando, simultaneamente, vários planos

narrativos, sem a preocupação com a lógica ou a ordem narrativa. Isso faz com

que o pensamento das personagens fique como que solto, livre das

convenções tradicionais.

Diante do exposto, resta ao leitor receber suas mensagens em branco, e

ouvir o que de essencial se diz em seus silêncios.

CAPÍTULO III

O FLUXO DA CONSCIÊNCIA PERTO DO CORAÇÃO

“Nada posso dizer ainda dentro da forma”.Tudo o que possuo está muito fundo dentro de mim.Um dia,depois de falar enfim,ainda terei de que viver?Ou tudo o que eu falasse estaria aquém e além da vida?” (PCS 1998,p 71).

Um dos aspectos mais importantes e inovadores na prosa de Clarice

Lispector foi o fluxo de consciência, narrativa baseada na introspecção

psicológica. Nele, os pensamentos das personagens são fielmente

desvendados, misturando falas e ações com reminiscências, além de serem

representados por uma sintaxe muitas vezes caótica que dá vazão a uma livre

associação de ideias. No fluxo de consciência, o pensamento flui, e o escritor

permite que a personagem perca-se em divagações e reações íntimas, como

se pode comprovar no fragmento abaixo:

O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo? – Palavras muito puras, gotas de cristal. Sinto a forma brilhante e úmida debatendo-se dentro de mim. Mas onde está o que quero dizer, onde está o que devo dizer? Inspirai-me, eu tenho quase tudo; eu tenho contorno à espera da essência; é isso? (LISPECTOR, 1998, p. 69)

Fluxo de consciência, didaticamente falando, é a representação literária

de todo o pensamento no seu estado corrente (cf. Leon Edel: The Modern

Psychological Novel, 1964). Assim, seguindo a metáfora proposta por William

James, se tomarmos a corrente de consciência como o fluxo de um rio, o

monólogo interior "poderá ser uma represa onde a água remoinha durante

algum tempo para depois voltar à corrente". O fluxo de consciência é um rio

impetuoso ou uma corrente de palavras e imagens indistintas tão próximas

quanto possível da variedade contraditória de elementos que atravessam

constantemente a mente humana, um fluir desenfreado das sensações e

pensamentos das personagens, da consciência, da vida subjetiva.

Segundo a afirmação de Oliveira (2003):

Fluxo de consciência é uma expressão migrante que carrega complexidade. Presente, principalmente, nas áreas da psicologia e da literatura, é usada para definir objetos distintos nesses dois campos do conhecimento. Os estudos pertinentes ao fluxo de consciência alcançam entendimentos diversificados ao ser pensado sob perspectivas específicas. (OLIVEIRA, 2003, p. 01).

Ao deparar-se com a citação acima, fica evidente que o fluxo de

consciência, na literatura, inclui o inconsciente transformado em matéria

discursiva e estética. E, em literatura que faz uso de técnicas verbais das mais

diversas. Portanto, é um artificio utilizado, magistralmente, por escritores que

dominam essa técnica e conhecem, a fundo, noções de do subconsciente

humano, desnudando seus sentimentos, emoções e pensamentos mais

ocultos. Essa técnica usada por Clarice em sua obra já havia sido praticada por

outros escritores, como James Joyce, Virginia Woof, Marcel Proust e William

Faulkner. No Brasil, foi precursora da técnica, que também pode ser

encontrada na obra de escritores como Antônio Callado e Autran Dourado.

3.1 A Presença do Fluxo da Consciência em Perto do Coração Selvagem1

Ao adequar a linguagem ao conteúdo narrado, ou seja, às emoções,

registrando através do fluxo da consciência, técnica que indefine as fronteiras

entre a voz do narrador e a das personagens, às intuições, ao inconsciente da

personagem, a linguagem de Perto do Coração Selvagem “trai a afirmação da

natureza racional da prosa” como enfatizou Gotlib (1995, p.184) e,

consequentemente, provoca uma ruptura em relação à forma, subvertendo o

conceito tradicional de enredo como uma combinação temporal de causa e

efeito. Através dessas sensações impetuosas, Joana procura conhecer-se

intimamente.

A estrutura do romance Perto do coração selvagem é divida em duas

partes narradas de formas distintas, mas que dialogam, quanto a peculiar

compreensão do tempo presente, sempre dado em relação com o passado.

Essa primeira parte é composta por nove capítulos e trata da infância da

protagonista, já adulta, no movimento retrospectivo e intercalado: os títulos dos

capítulos sugerem esse movimento e alternam-se entre as figuras mais

próximas da protagonista, sempre acompanhado por reticencias e situações

que constam o adjunto adnominal que bem aponta a personagem de exceção,

que é a protagonista, em busca do selvagem coração da vida; “o dia de Joana”,

“o passeio de Joana”, “alegrias de Joana”.

Para referenciar melhor o parágrafo acima, Sá (1979) afirma:

Nas duas partes que compõe o livro, a fabulação, a estória, é mínima. Os dois planos da primeira parte situam a ação igualmente no passado; no segundo plano, porém, o narrador em terceira pessoa de tal modo se identifica com a protagonista Joana, que o foco narrativo – invadido por monólogos diretos, discursos indiretos livres e vermos no presente do indicativo – denuncia a primeira pessoa. (SÁ, 1979, p. 219)

Nessa parte, ilustramos a subdivisão dos capítulos para comprovar a

afirmação de Olga de Sá:

Primeira parte

1 A partir deste ponto, os trechos extraídos do romance Perto do coração selvagem, de Clarice Lispector (1998) serão referenciados com a sigla “PCS”, seguido da indicação do número da página.

Passado distante Passado recente/ PresenteO pai...

O dia de Joana

... A mãe...

O passeio de Joana

... A tia...

Alegrias de Joana

... O banho...

A mulher da voz e Joana

... Otávio...

Segunda parte

O casamento

O abrigo no professor

A pequena família

O encontro de Otávio

Lídia

O homem

O abrigo no homem

A víbora

A partida dos homens

A viagem

As reticências indicam uma ideia de continuidade apontando o passado

não como simplesmente já-ido, mas como algo retornável, cuja potência se

alastra até o ultimo capitulo, quando, por fim, aparece a personagem

coadjuvante Otávio, antes das reticencias finais, que representam o devir de

um presente constantemente atravessado pelo passado que ainda urge. O

adjunto adnominal, por sua vez, deixa explicita a importância da protagonista,

que vai se apropriar dos eventos e das situações reais em uma reivindicação

de tomar para sim o que por ela puder ser aproveitado, pensado ou sentido.

O estilo introspectivo e intimista de Clarice Lispector revela-nos

episódios da infância e da vida adulta de Joana, em que há um questionamento

dos valores morais da sociedade brasileira da década de 1940. Diante das

indagações sobre o que é bom e mau, por exemplo, a resposta da personagem

é singular:

– Bom é viver..., balbuciou ela. Mau é... – É?...– Mau é não viver... – Morrer? – indagou ele. – Não, não... – gemeu ela. – O quê então? Diga.– Mau é não viver, só isso. Morrer já é outra coisa.- Morrer é diferente do bom e do mau. (PCS, p.55-56)

A moral não será apenas questionada, mas também transgredida. A

heroína clariceana não hesitará em roubar um livro na presença da tia, apenas

porque quis: “– Sim, roubei porque quis. Só roubarei quando quiser. Não faz

mal nenhum.” (LISPECTOR, 1980, p. 52). Aos olhos do adulto, Joana torna-se

um signo do mal, a própria víbora, alcunha dada pela tia quando presencia o

furto.

As tentativas de interdição aos desejos da menina também são

percebidas no meio escolar. Quando a professora propõe como tema de

redação “E daí em diante ele e toda a família foram felizes” (LISPECTOR,

1980, p. 29); o que era para ser uma atividade simples e rotineira torna-se um

uma espécie de confronto com os valores da professora através de uma

pergunta audaciosa de Joana:

– O que é que se consegue quando se fica feliz – sua voz era fina como uma seta clara. A professora olhou para Joana. – Repita a pergunta...? Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros. – Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi. – Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? – repetiu a menina com obstinação. A mulher encarava-a surpresa. – Que ideia! Acho que não sei o que você quer dizer, que ideia! Faça a mesma pergunta com outras palavras... – Ser feliz é para se conseguir o quê? ((PCS, p. 30).

Ser feliz na concepção dos contos de fadas concede ao gênero feminino

um príncipe, um casamento e um viveram felizes para sempre. Para Simone de

Beauvoir, em O segundo sexo, “o destino que a sociedade propõe

tradicionalmente à mulher é o casamento. Em sua maioria, ainda hoje, as

mulheres são casadas, ou foram, ou se preparam para sê-lo, ou sofrem por

não o ser” (BEAUVOIR, 1967, p. 165). Joana recusa a forma dada pelo social

rumo a um destino pré-determinado. Daí a afronta no questionamento da

protagonista.

Ao perguntar o que se ganha quando se é feliz, a personagem ameaça a

estabilidade do imaginário predominantemente patriarcal, através da renúncia

de um futuro tido como “promissor” pela busca do prazer. A felicidade não é

uma meta para a heroína, pelo menos em seu sentido tradicional: prazer

perene e ausência de sofrimento. Ela romperá intimamente com tudo aquilo

que se apresenta como empecilho para sua realização individual, a busca do

prazer.

Joana também transgride o tempo, desafiando a monotonia cronológica

de uma forma lúdica:

... se tinha alguma dor e se enquanto doía ela olhava os ponteiros do relógio, via então que os minutos contados no relógio iam passando e a dor continuava doendo. Ou senão, mesmo quando não lhe doía nada, se ficava defronte o relógio espiando, o que ela não estava sentindo também era maior que os minutos contados no relógio. Agora, quando acontecia uma alegria ou uma raiva, corria para o relógio e observava os segundos em vão. (PCS, p. 14).

Cria-se no romance um tempo selvagem, no qual a protagonista não

vive uma história linear, e sim fluxos de acontecimentos. Há uma ruptura da

linearidade. O passado não é algo acabado, mas flashes que ganham a

dimensão do instante corrente. A infância, por exemplo, não será apenas uma

lembrança para Joana; esta fase apresenta-se na forma presente: “Não é

saudade, porque eu tenho agora a minha infância mais do que enquanto ela

decorria...” (PCS, p. 49).

Na construção textual, intercalam-se momentos referentes à vida de

Joana criança e à vida de Joana adulta. Passado, presente e futuro fundem-se.

Cada período na vida da protagonista possui um tempo único, como se não

houvessem diferenças entre a infância e a maturidade. O tempo

existencialmente vivido e sonhado é o interior, através de um fluxo de

consciência em que se pode retroceder parar ou avançar. Assim, a vida de

Joana resiste ao relógio.

É pela transgressão do tempo que a heroína clariceana cria novas

formas de tempo que possam comportar sua imprevisível lógica das

sensações. A personagem descobre seu próprio corpo, sua identidade. Um

corpo percorrido por sensações, sem limites ou contornos. O encontro com a

imagem refletida no espelho causa em Joana estranhamento e surpresa:

Quando me surpreendo ao fundo do espelho assusto-me. Mal posso acreditar que tenho limites, que sou recortada e definida. Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, vivendo nas coisas além de mim mesma. Quando me surpreendo ao espelho não me assusto porque me ache feia ou bonita. É que me descubro de outra qualidade. Depois de não me ver há muito quase esqueço que sou humana, esqueço meu passado e sou com a mesma libertação de fim e de consciência quanto uma coisa apenas viva. (PCS, p.72).

A mulher adulta também transgride ao não se submeter à hegemonia do

discurso masculino. Joana é uma ameaça constante à representação estável

buscada por seu marido Otávio: “Aquelas linhas de Joana, frágeis, um esboço,

eram inconfortáveis” (LISPECTOR, 1998, p.97). A protagonista questiona sua

condição como mulher casada:

Julgava mais ou menos isso: o casamento é o fim, depois de me casar nada mais poderá me acontecer. Imagine: ter sempre uma pessoa ao lado, não conhecer a solidão. – Meu Deus! – não estar consigo mesma nunca, nunca. E ser uma mulher casada, quer dizer, uma pessoa com destino traçado. Daí em diante é só esperar pela morte. Eu pensava: nem a liberdade de ser infeliz se conservava porque se arrasta consigo outra pessoa. (PCS, p. 159).

Ótavio é um sujeito frio, incapaz de lidar com a sensibilidade de Joana.

Ainda que toda a cena demonstre que o personagem seja hábil com as

palavras, saiba manter o ar profundo na conversa, provavelmente herdado de

seu intelectualismo, não parece haver uma empatia em relação à esposa. Mais

uma vez, aqui é frisado o papel da representação masculina no romance.

Otávio, abertamente, trai Joana com Lídia e tem um filho com ela. Ele também

não entende Lídia, no entanto, o faz propositalmente.

A mesma dificuldade de compreensão se apresenta para com ambas as

mulheres. Em relação à Lídia, quando Otávio se queixa de uma desatenção

proposital por parte da amante, a imagem é a seguinte: “Ótavio surpreendeu

sua expressão. Assustado. Uma crueldade distraída... Perscrutou-a, sem

conseguir decifrá-la, compreendendo apenas que estava excluído daquele

semissorriso” (idem, p. 130). Não se trata, portanto, de um homem insensível,

mas de um indivíduo profundo que lida com as emoções de forma rasa e fria,

adequando-se a uma conduta prevista para seu papel social, demonstrado a

seguir na citação abaixo:

E do mesmo modo como ela não se mostrara altiva ou diminuída quando ele ironizara da primeira vez sobre a magnificência inútil, agora ela não se rejubilava com a humildade de Otávio. Ele olhou-a. De novo não soubera ligar-se àquela mulher. De novo ela o vencia. (PCS, p. 181).

No capítulo “O banho” há um dos mais significativos de todo o romance,

tendo sido o mais citado pela crítica. Na primeira análise que se fez de Perto do Coração Selvagem, Antônio Candido sugere procurar nesse capítulo, “o

melhor ponto de apoio para compreender Joana” (CANDIDO, 1999, p. 129). De

maneira geral, essa possibilidade de compreensão pelo percurso que se faz no

capítulo, a mostrar que é, a partir da interação com as demais personagens

que Joana acaba por realizar um movimento epifânico de introspecção, e a

simplicidade do contato real com os indivíduos se opõe à profundidade dos

dilemas pensados interiormente.

Quando Joana encontra o professor que outrora foi apaixona, diz:

- Olhe, a coisa de que eu mais gosto no mundo... eu sinto aqui dentro, assim se abrindo... Quase, quase posso dizer o que é mas não posso... - Tente explicar, disse ele de sobrancelhas franzidas. - É como uma coisa que vai ser... É como... - É como?... – inclinou-se ele, exigindo sério. - É como uma vontade de respirar muito, mas também o medo... Não sei... Não sei, quase dói. É tudo... É tudo (PCS, p. 54).

O professor (que não tem nome) é o primeiro amor de Joana. O desejo

platônico do aprendiz pelo mestre, apesar de clichê, é significativo na medida

em que o tema do romance é, justamente, a busca pela apreensão de tudo. Ao

notar a esposa do professor, a jovem Joana se entristece ao fazer uma

comparação involuntária e começa a chorar. O professor, então, pergunta o

motivo e Joana responde, simplesmente, “é que sou feia” (PCS, p. 57).

Quanto a isso, o professor esclarece que ela é apenas uma criança e

que teria de esperar um pouco para se enxergar como mulher, ou seja,

humilhando Joana e enaltecendo sua esposa, como se observa na citação

abaixo:

Eis-me de volta ao corpo. Voltar ao meu corpo. Quando me surpreendo ao fundo do espelho assusto-me. Mal posso acreditar que tenho limites, que sou recortada e definida. Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, vivendo nas coisas além de mim mesma. Quando me surpreendo ao espelho não me assusto porque me ache feia ou bonita. É que me descubro de outra qualidade (PCS, p. 68).

É perceptível notar esse fluxo de consciência constante nos demais

capítulos da obra analisada, ressaltando o estilo autêntico e revelando sua

identidade. A introspecção é nitidamente percebida até o último capítulo,

intitulado “A viagem”, em que Joana faz uma viagem sem destino, tendo seu

ápice neste, em que, após um pacto com as forças interiores, Joana entrega-se

ao princípio disjuntivo e parte numa viagem indefinida rumo ao coração

selvagem, abandonando o prazer e almejando o gozo, marca privilegiada da

pulsão de morte. De certa forma, toda a vida de Joana se configura numa

viagem de regresso, de retorno ao real, para além de toda representação, ao

indissolúvel, em que o prazer é permanente. No entanto, esse retorno não se

faz em sua completude, ele não se efetiva de fato e apenas um vazio tomava

conta de sua alma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante desenvolvimento deste trabalho, percebemos a grande

contribuição do fluxo de consciência no âmbito da literatura na escrita de

Clarice Lispector, o que requer do leitor atenção redobrada, pois a mesma

passa por momentos de revelação, exigindo do leitor abertura de sua mente e

grande bagagem literária, pois essa obra, em questão, tendo em vista que foi o

primeiro romance da escritora, preanunciava sua identidade a partir da

introspecção intimista, o que causou grande crítica e estranheza e, ainda hoje,

motivo de antipatia por parte de alguns leitores.

É notável a quebra de linearidade na obra analisada, ressaltando o

surgimento de uma nova imersão que nasce da centralização do individuo,

liberando ideias que vão até o inconsciente das personagens. Com esse

trabalho, percebeu-se que a obra Perto do coração selvagem, narra a história

de uma órfã, a Joana, que mora com sua tia após o falecimento do pai e, na

fase adulta, conhece um professor e se apaixona por ele, porém, não é

correspondida, causando-lhe grande frustração, até que, tempos depois,

conhece Otávio, se casa com ele, mas é traída pela ex-noiva do Otávio, a

Lídia.

Pode-se pensar, a partir disso, em um devir narrativo, que ultrapassa

Perto do Coração Selvagem e se apresenta em toda a obra de Clarice

Lispector, a partir do qual as múltiplas vozes se fazem ouvir dentro da mesma

linha no enredo e que suas protagonistas, na maioria mulheres, sofrem

desgraças da vida ou por serem feias, desajeitadas e sem graça e nunca

conseguirem serem amadas de verdade por um homem. Essa união de

perspectivas, que acabam resultando em uma grande visão aglutinadora,

aparece, sob outra forma, no romance em questão. Assim, as narrativas de

Clarice Lispector projetam o autor para um mundo além daquele narrado nas

páginas de suas obras, levando a questionamentos internos de descobertas e

inquietações.

Há no romance analisado uma observação clara do modelo proposto

pela autora: uma literatura voltada para a descoberta do indivíduo desenvolvida

de forma direta, pois os personagens, embora concretos e verossímeis, estão

retratados a partir de seu mundo interior.

Todas as questões desenvolvidas em torno do fluxo da consciência têm

a função de explorar o feito de Clarice Lispector em aprofundar-se na alma

humana e seus sentimentos como desassossego, incompreensão e procura.

Mostra-se o homem dividido entre a angústia de não conseguir penetrar em

seu mundo interior, e a fascinação pelo mundo físico que o rodeia.

Observamos que a narrativa e a construção do fluxo da consciência,

bem como as obras de Clarice Lispector, possibilitam campo farto para análise

acadêmica. Há um amplo universo de estudo sobre os temas a ser

desenvolvido, para o qual pretendemos ter contribuído.

Conclui-se, por fim, que a literatura clariceana propõe inesgotável fonte

de pesquisa para futuros outros trabalhos, revelando inúmeras possibilidades

na literatura e provando ser necessário conhecer uma escritora magistral e de

importância ímpar na literatura nacional, como meio de valorizar a nossa

história, cultura, literatura e arte.

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