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43 Riscos Naturais e Protecção do Ambiente Risco de incêndio florestal em Portugal Continental * Introdução O título proposto para esta intervenção poderá sugerir uma eventual análise exaustiva dos diferentes sistemas de informação do risco de incêndio florestal. No entanto, não é nossa intenção realizá-la, não só porque o tempo e o espaço de que dispomos não são suficientes para o seu cabal tratamento, mas também porque, em parte, alguns aspectos já foram abordados em comunicações anteriores. Deste modo, apenas pretendemos dar conta da investigação que temos vindo a desenvolver neste domínio, orientada no sentido de vir a produzir sistemas de informação de risco de incêndio florestal, a qual tem procurado contemplar as duas principais vertentes do problema, uma de natureza essencialmente espacial e a outra sobretudo de carácter temporal. Em trabalhos recentemente divulgados (L. LOURENÇO, 1992a, 1992b, 1993 e 1994) apresentámos alguns dos processos de avaliação do risco de incêndio que estamos a investigar, pelo que agora, mais do que uma abordagem teórica desta problemática, pretendemos antes partir de algumas ideias chave desses trabalhos para procedermos à sua actualização e, ao mesmo tempo, aproveitar esta oportunidade para também procedermos à sua divulgação, na medida em que a sua difusão foi relativamente restrita. A nossa investigação neste domínio tem procurado sempre ser aplicável, quer à prevenção quer ao combate aos fogos florestais, tentando conjugar o detalhe da informação prestada com a sua exequibilidade prática. * Informação Florestal, Direcção-Geral das Florestas, N.º 4 - Janeiro/Março 1994, P. 22-32. Comunicação apresentada ao II Encontro Pedagógico Sobre Risco de Incêndio Florestal, Coimbra, 21 a 23 de Fevereiro de 1994, com alterações e actualizações.

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Risco de incêndio florestal emPortugal Continental*

Introdução

O título proposto para esta intervenção poderá sugerir uma eventual análiseexaustiva dos diferentes sistemas de informação do risco de incêndio florestal.No entanto, não é nossa intenção realizá-la, não só porque o tempo e o espaçode que dispomos não são suficientes para o seu cabal tratamento, mas tambémporque, em parte, alguns aspectos já foram abordados em comunicaçõesanteriores.

Deste modo, apenas pretendemos dar conta da investigação que temosvindo a desenvolver neste domínio, orientada no sentido de vir a produzirsistemas de informação de risco de incêndio florestal, a qual tem procuradocontemplar as duas principais vertentes do problema, uma de naturezaessencialmente espacial e a outra sobretudo de carácter temporal.

Em trabalhos recentemente divulgados (L. LOURENÇO, 1992a, 1992b, 1993e 1994) apresentámos alguns dos processos de avaliação do risco de incêndioque estamos a investigar, pelo que agora, mais do que uma abordagem teóricadesta problemática, pretendemos antes partir de algumas ideias chave dessestrabalhos para procedermos à sua actualização e, ao mesmo tempo, aproveitaresta oportunidade para também procedermos à sua divulgação, na medida emque a sua difusão foi relativamente restrita.

A nossa investigação neste domínio tem procurado sempre ser aplicável,quer à prevenção quer ao combate aos fogos florestais, tentando conjugar odetalhe da informação prestada com a sua exequibilidade prática.

* Informação Florestal, Direcção-Geral das Florestas, N.º 4 - Janeiro/Março 1994, P. 22-32.Comunicação apresentada ao II Encontro Pedagógico Sobre Risco de Incêndio Florestal, Coimbra,21 a 23 de Fevereiro de 1994, com alterações e actualizações.

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1. Risco de incêndio numa dada região - componente espacial

A avaliação objectiva do risco de incêndio florestal que, com maiorfrequência, se observa numa dada região é uma tarefa complexa. Contudo, éessencial, urgente e prioritário conhecê-lo, tanto para uma orientação eficaz daprevenção dos fogos florestais, como para o ordenamento florestal, sobretudono que concerne à elaboração de projectos florestais.

Um dos processos indirectos mais práticos para determinar a componenteespacial do risco de incêndio consiste na análise das estatísticas disponíveis,relativas aos últimos anos, de modo a reconstruir a história dos fogos numpassado recente. A partir delas, é possível prever as medidas a tomar, aplicáveis acada situação concreta, as quais serão naturalmente, diferentes de local para local.

Sabemos que, actualmente, a principal causa dos incêndios florestais é anegligência da população em geral e, em particular, dos proprietários florestais edos transeuntes. Contudo, os fogos só se desenvolvem, atingindo frequentementegrandes proporções, quando as condições meteorológicas são favoráveis (F. REBELO,1980) e porque há uma flagrante falta de prevenção, na generalidade das matas eflorestas, tanto públicas, como privadas. A compartimentação folhosas/resinosasnão existe ou é deficiente, como deficientes ou inexistentes são também asestruturas de corta-fogo e os acessos, os quais, mesmo quando existem, sãoineficazes, por se encontrarem em mau estado de conservação.

Estas circunstâncias acentuam-se, de modo geral, nas áreas montanhosas,sendo, por esse motivo, as mais fustigadas pelos grandes incêndios (fot. 1, 2 e3), pois o seu combate também é aí mais dificultado.

Em Portugal, foi essencialmente depois do 25 de Abril de 1974 que osincêndios florestais passaram a constituir um flagelo nacional. As profundasmodificações que se vinham introduzindo na estrutura sócio-económica dasociedade portuguesa e que se acentuaram significativamente a partir dessadata, contribuíram, directa e indirectamente, para um substancial aumento,tanto do número, como da dimensão dos incêndios florestais. Infelizmentenão dispomos de estatísticas detalhadas, a nível de concelho, desde esse ano,motivo pelo qual a nossa análise se limitará a um período mais recente.

Com o objectivo de avaliar o risco de incêndio, iremos, pois, analisar tanto

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a frequência como a extensão dos fogos, em cada um dos concelhos docontinente, ao longo dos últimos doze anos, recorrendo, para o efeito, ao seutratamento estatístico e à respectiva representação cartográfica. Com efeito, onúmero de incêndios reflecte sobretudo as causas dos fogos, directas eindirectas, enquanto que a área ardida traduz não só a importância dasvariáveis de natureza física (meteorológicas, silvícolas, geomorfológicas, etc.)envolvidas no processo, mas também a eficiência ou não do próprio combate.

Fot. 1 - Incêndio florestal em povoamento de folhosas.

1.1. Avaliação do risco de incêndio, por concelhos

A representação cartográfica dos incêndios florestais, como forma indirectade visualizar o risco de incêndio, constituíu, logo desde o início, uma dasprioridades da nossa investigação (L. LOURENÇO, 1986a e 1986b, 1989,L. LOURENÇO et al., 1988b).

Usando uma metodologia semelhante à empregada por Y. COCHELIN eD. ALEXANDRIEN (1986) para cartografar o número e a superfície dos fogosocorridos, entre 1973 e 1985, no Languedoc-Roussillon, procurámos avaliar orisco de incêndio em Portugal Continental.

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Utilizámos esta metodologia pela primeira vez, quando esboçámos umaaproximação do risco de incêndio em cada um dos concelhos das antigasCircunscrições Florestais de Coimbra e de Viseu (L. LOURENÇO, 1989). Noentanto, porque as dimensões dos concelhos são muito variáveis, optámosagora por considerar variáveis relativas, em substituição dos valoresefectivamente registados em cada concelho, antes usados.

Com efeito, os municípios com maior dimensão têm mais probabilidadede registar maior número de incêndios e áreas ardidas mais extensas do que os

concelhos de dimensão maisreduzida. Para não prejudicar osmunicípios mais pequenos,estabelecemos uma comparaçãoatravés de variáveis relativas, ou seja,considerámos o número médio deincêndios florestais ocorridosanualmente em cada 100 km2 e apercentagem de área ardida emmédia, em cada ano, relativamenteà superfície do concelho.

Simplificámos, ainda, arepresentação cartográfica, parafacilitar tanto a visualizaçãocomo a leitura do mapa, atravésda redução do risco a trêsgrandes classes, consoante a

Fot. 2 - Incêndio florestal emmato denso

importância das respectivas áreas ardidas. Por sua vez, cada uma destas divide-se em três sub-classes, de acordo com o significado do número de incêndiosregistados por 100 km2 (TABELA I).

Os limiares que marcam a transição entre as diferentes classes de risco foramdefinidos após diversos ensaios, partindo sempre de dois pressupostos:

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1 - a importância da área ardida é um factor de risco proporcional àincidência das causas de natureza física;

2 - o maior ou menor número de fogos florestais está intimamenterelacionado com causas humanas, reflectindo a prática negligente ouintencional de determinadas actividades causadoras de grande númerode fogos e, como tal, envolvendo grande risco de incêndio.

A conjugação destes dois pressupostos permitiu estabelecer diferentes sub-classes de risco, as quais proporcionam o agrupamento dos concelhos com riscosde incêndio florestal semelhantes. O potencial risco de deflagração de incêndiovaria desde o extremamente elevado, traduzido pela ocorrência de elevadonúmero de fogos, mas que apresentam áreas ardidas muito reduzidas porque osfogos são pronta e eficazmente combatidos, até ao risco de eclosão de incêndiopotencialmente muito baixo, correspondendo a áreas com fraca densidadepopulacional, mas que, no entanto, encerram um verdadeiro risco de progressão(ou de propagação) de incêndio, como o demonstram as áreas ardidas nosúltimos anos.

Deste modo, analisando dados estatísticos referentes ao período de 1982 a 1990(L. LOURENÇO, 1992a), considerámos que cerca de 50% dessas situações foram debaixo risco (correspondentes a 136 concelhos), distribuindo-se as restantes 50%pelas classes de risco médio (70 concelhos) e alto (69 concelhos), cada uma delascom 25% dos municípios, tendo-se definido como limiares os valores médiosanuais de 0,5 e 1,5% de superfície municipal incinerada.

Relativamente ao número médio de fogos por ano e por cada 100 km2,apontámos para cerca de 40% dos concelhos com risco médio e os outros 60%a distribuírem-se igualmente (30% cada) pelos riscos baixo e alto. Deste modo,definimos como limiares os valores médios anuais de 3 e 15 incêndiosflorestais/ano/100 km2, tendo essa distribuição correspondido a 89 municípioscom risco baixo, 104 com risco médio e 82 com risco alto.

Alargando o período de análise, por inclusão dos anos de 1991 a 1993,verificam-se algumas transferências entre classes (TABELA I). De modo geral,traduziram-se no agravamento do risco de alguns concelhos, especialmentedaqueles que antes nunca tinham sido afectados por grandes incêndiosflorestais. Com efeito, os anos de 1991, 1992 e 1993 registaram um elevado

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número de grandes incêndios florestais, pelo que houve necessidade deaumentar o valor do limiar inferior de 3 para 5 fogos florestais/ano/km2.

TABELA I - Classificação do grau de risco de incêndio florestal em funçãodo número de fogos e da superfície ardida

Grau de Risco 1982-93Efectivos de Concelhos

% de Área Ardidaanualmente em

relação àsuperfície do

concelho

Clas

ses

Número médiode Fogos

Florestais por anoe por

100 km2

Sub-classe %Total

ž 15,0

< 0,50 5,0 - 14,9

< 5,0

5,0 - 14,9ž 15,0

5,0 - 14,9< 5,0

< 5,0

ž 15,0

Extremamente BaixoMuito Baixo

BaixoMédio Baixo

Médio

Médio AltoAlto

Muito AltoExtremamente Alto

1219

2783

6,9

9,830,2

262941956

4,39,5

10,51,56,920,4

0,50 - 1,49

ž 1,50

Baixo

Méd

ioAl

to

Fot. 3 - Incêndio florestal em povoamento de resinosas.

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Nestas circunstâncias, as interrelações que estabelecemos entre áreas ardidase número médio de fogos por 100 km2 permitiram apurar nove sub-classes, asquais parecem reflectir a real situação do Continente.

A cada uma destas sub-classes correspondem condições específicas de risco. Oconhecimento detalhado dessas situações permite que se proponham medidasgerais de prevenção para cada sub-classe, de acordo com os seguintes critérios:

Risco extremamente baixo - Compreende os concelhos onde os incêndiossão pouco frequentes (< 5 fogos/ano, por cada 100 km2) e se devem,sobretudo, a causas aparentemente acidentais. São controlados facilmente,pelo que as áreas ardidas apresentam valores médios anuais relativamentebaixos (< 0,5% superfície concelho/ano).

Felizmente, grande número de concelhos (30%) situa-se dentro desteslimites (fig. 1) e, nestas circunstâncias, as acções de prevenção, embora sempresejam necessárias, não são prioritárias nestes concelhos.

Risco muito baixo - Agrupa mais de 10% dos concelhos, os quais, em média,registaram entre 5 e 15 fogos/ano/100km2 e áreas ardidas inferiores a 0,5% dasuperfície do concelho. Estas condições reflectem uma razoável incidência defogos, normalmente controlados com relativa rapidez.

As características destes concelhos aconselham a dinamização de acções desensibilização, sobretudo com o objectivo de, nesses municípios, se reduzir afrequência dos fogos florestais.

Risco baixo - Apenas um reduzido número de concelhos, cerca de 7%apresenta este tipo de risco: áreas ardidas insignificantes, inferiores a 0,5% darespectiva superfície concelhia, mas com um número muito elevado de fogos,superior a 15 fogos por ano, por cada 100km2.

Trata-se de concelhos com características particulares, de modo geralcorrespondentes a áreas industriais do Norte de Portugal, com uma grandedensidade populacional e, muitas vezes, em franca expansão urbana, comosucede com Matosinhos, onde o número médio anual de fogos foi superior aum fogo por km2.

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Fig. 1 - Risco de incêndio florestal em Portugal Continental por concelhos.

Base de Dados: IF

0 40 km

extremamente baix

baixo

médio

médio alto

alto

muito alto

Grau de Risco

(1982-93)

muito baixo

médio baixo

extremamente alto

Limite de Municíp

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Pelas características peculiares de todos estes concelhos, é urgentedinamizar, em todos eles, acções de sensibilização, com vista à drástica reduçãodo número de fogos.

Risco médio baixo - Identifica-se com os concelhos onde o número deincêndios florestais é reduzido, inferior a 5 fogos por ano, em cada 100 km2,mas com áreas ardidas já significativas, situadas entre 0,5 e 1,5% da superfíciedo concelho. Nestas circunstâncias, encontram-se cerca de 4,5% dos concelhosdo Continente, nos quais os incêndios parecem apresentar um carácteressencialmente acidental, mas onde, por vezes, foram difíceis de controlar.

Esta circunstância pode revelar eventuais carências materiais e/ou humanas,a nível de estruturas e de equipamento, tanto de prevenção como de combate,que convirá averiguar para solucionar.

Risco médio - Nesta categoria integra-se um conjunto de concelhos, 10%dos continentais, registando todos eles um significativo número médio deincêndios, entre 5 e 15 fogos/ano por cada 100 km2, e uma área ardidarazoável, situada entre 0,5 e 1,5% da respectiva superfície municipal.

Por esse motivo, estes concelhos registaram incêndios com relativafrequência, tendo sido, normalmente, controlados com prontidão. Por setratar de concelhos contíguos a sectores de sensibilidade muito elevada,carecem de cuidados especiais, em particular a nível das campanhas desensibilização tendentes a reduzir o número de fogos. Além disso, é necessáriodesenvolver as estruturas e equipamentos de prevenção e de combate para queas áreas ardidas possam também decrescer.

Risco médio alto - Observa-se num conjunto de concelhos que constitui cercade 10% do total analisado, os quais registaram fogos com muita frequência,mais de 15 fogos/ano por cada 100 km2 de superfície, embora sejam semprecontrolados com relativa rapidez, dada a dimensão das respectivas áreas ardidas.Trata-se, mais uma vez, de concelhos com características muito especiais.

Apesar de muitos deles apresentarem diversos aspectos comuns, aproblemática que envolve os fogos florestais é, muitas vezes, diferente em

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concelhos com o mesmo grau de risco. Pelas suas características, devem seranalisados caso a caso, pois as soluções preconizadas para uns poderão não seadaptar aos outros.

De qualquer modo, torna-se necessário dinamizar, em todos eles, acções desensibilização, de modo a reduzir substancialmente o número anual de fogos,pois concelhos como Santo Tirso, Maia, Gondomar, Paços de Ferreira e SãoJoão da Madeira registaram por ano, em média, mais de 1 fogo por km2. É pordemais evidente que esta situação não pode continuar e só com acçõesconcretas de sensibilização, junto de quem, deliberadamente ou não, provocaos fogos, se poderá reduzir o seu número.

Risco alto - Apenas quatro concelhos, Pampilhosa da Serra, Mação, Vila deRei e Aljezur se situam nesta classe, na qual as áreas médias ardidas anualmenteforam superiores a 1,5% da superfície dos respectivos concelhos, apesar doescasso número de fogos registado, inferior a 5 fogos/ano/100 km2.

Nestes concelhos, o reduzido número de fogos por ano atribui-lhes umcarácter essencialmente acidental. Apenas um único grande incêndio, ocorridoem 1986, no concelho de Vila de Rei e dois grandes fogos no concelho deMação, no Verão de 1991, foram responsáveis pela quase totalidade da áreaardida.

Esta circunstância revela, além das naturais dificuldades provocadas pelorelevo e pelo vento, eventuais carências materiais e/ou humanas que importainventariar, para lhes pôr cobro.

Para que esta situação possa vir a ser alterada no futuro, estes concelhosrequerem particulares medidas de prevenção, sobretudo a nível de estruturas ede acompanhamento dos povoamentos florestais entretanto regenerados.

Risco muito alto - Engloba cerca de 7% dos concelhos, onde os incêndiossão sempre numerosos e, muitas vezes, mal controlados, registandoanualmente uma média superior a 1,5 fogos/100 km2, e entre 5 e 14,9% dasuperfície concelhia ardida.

A grande maioria destes concelhos situa-se na Região Centro, emboratambém se distribuam pelas Regiões do Norte e, até, do Algarve. Como, na

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generalidade, correspondem a áreas montanhosas, as serras apresentam-se,pois, como unidades particularmente sensíveis ao fogo. São exemplos osconcelhos de Arganil e Figueiró dos Vinhos, com um valor médio anualsuperior a 5% da superfície concelhia varrida pelas chamas.

Por conseguinte, os concelhos nestas circunstâncias, devem ser alvo demúltiplas acções de sensibilização, essencialmente destinadas a reduzir o númerode fogos. Além disso, como apresentam sinais de eventuais carências materiais e/ou humanas, os meios de prevenção e de combate devem neles ser desenvolvidos,salvaguardando-se sempre, naturalmente, as especificidades de cada sub-região.

Risco extremamente alto - Agrupa cerca de 20% dos concelhos do Continente,os quais apresentaram sempre, em termos médios anuais, áreas ardidassignificativas - >1,5% da superfície concelhia - e grande número de incêndios - ž15 fogos/ano/100 km2. À excepção do concelho de Cascais, todos os demais sesituam nas Regiões do Centro, na grande maioria, e do Norte.

O risco é agravado nestes concelhos devido ao elevado número médio defogos/ano, o qual chega a ser impressionante em alguns concelhos, como é ocaso de Vila Nova de Gaia, Paredes e Valongo, onde é superior a130 fogos/ano/100 km2, ou seja, em cada um destes concelhos todos os anosocorre, em média, mais de um fogo por km2.

As acções de sensibilização tendentes a reduzir o número de fogos sãoparticularmente importantes nestes municípios, onde o risco de incêndio éextremamente elevado. Devem, também, visar a redução das áreas ardidas, asquais, em média anual, foram superiores a 5% da superfície municipal, nosconcelhos de Pedrógão Grande, Miranda do Corvo, Guarda e Sever do Vouga.

Estas acções deverão ser acompanhadas com o reforço dos meios deprevenção e de combate, a fim de que, no futuro, se possa evitar a incineração degrandes áreas e, concomitantemente, a sua transformação em fenómeno cíclico.

Este processo de, indirectamente, se determinar o risco de incêndio florestalserá tanto mais fiável, quanto mais longa for a série de elementos. No entanto,a noção de risco é uma noção dinâmica, pelo que, todos os anos, poderãosurgir novos factores que podem agravar o risco de alguns concelhos e reduziro de outros. De qualquer modo, se a série de registos for suficientemente

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extensa, as alterações que um ano anormal poderá introduzir acabarão semprepor ser diluídas, na média com os restantes anos.

Além disso, o critério que usámos, tendo em consideração limitesadministrativos, se é cómodo para o tratamento de informação estatística, nãoreflecte a real cartografia do risco. Por exemplo, no concelho de Oliveira doHospital, onde o risco foi cartografado como sendo médio alto, é possíveldistinguir, no pormenor, diferentes situações de risco, dentro do mesmomunicípio.

Com efeito, como é a Sul do concelho que o relevo se apresenta maismovimentado, com vales profundos e serras de altitude elevada, superior a1200 metros, o risco é nesse sector muito elevado em contraponto com riscomédio das áreas setentrionais, muito planas.

Em função destes condicionalismos, o utilizador deste tipo de Mapas deRisco de Incêndio terá de saber adaptá-los à especificidades da região que estáa analisar, para poder retirar todo o partido da informação que podemtransmitir. Contudo, à falta de outros critérios objectivos expeditos, esteprocesso permite ilustrar, de forma precisa, os diferentes graus de risco deincêndio em cada um dos concelhos do Continente (fig. 1).

Esta representação cartográfica das áreas ardidas, em íntima associação como número de fogos, fornece óptimos indicadores de que deverão constituir umelemento base na orientação da prevenção, pois permitem identificar as regiõescom a maior sensibilidade ao fogo, logo, com maior risco de incêndio.Indirectamente, reflectem, ainda, tanto as características físicas que facilitam aprogressão, como os factores humanos que contribuem para o aumento donúmero de incêndios florestais.

Por esse motivo, são fundamentais para a planificação de acções a médio elongo prazo e deverão passar a constituir um auxiliar indispensável, a ter emconta não só na definição das estratégias de prevenção directa e na adequaçãodos meios de combate aos fogos florestais, mas também, e sobretudo, naelaboração dos projectos de arborização e de recuperação das áreas ardidas,bem como no ordenamento florestal do território.

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2. Evolução do risco de incêndio num dado local - componentetemporal

Os diferentes índices meteorológicos de risco de incêndio, dos mais simples aosmais complexos, procuram dar indicações sobre a probabilidade de vir a registar-se, ou não, a ocorrência de fogos em determinadas condições meteorológicas.Todos eles resultam de correlações estabelecidas entre um maior ou menor númerode elementos meteorológicos e a ocorrência e gravidade dos fogos.

Partindo do conhecimento concreto da realidade nacional, por um lado emtermos climatológicos e meteorológicos e, por outra parte, do ponto de vistadendrocaustológico, tentámos produzir um índice simples que permitisseestabelecer relações precisas entre estas duas realidades.

Embora se trate de um índice que se fundamenta exclusivamente emvariáveis meteorológicas, não se deverá considerar apenas sob este aspecto, namedida em que às condições meteorológicas e à sua variação estãointimamente associadas outras variáveis, tais como o estado e o teor dehumidade dos combustíveis, a mobilidade da população, a facilidade oudificuldade de combate ao fogo, etc.

Para a identificação das situações meteorológicas mais influentes nofenómeno fogo florestal propusemos um método muito simples e prático,baseado apenas na relação entre valores de temperatura e da humidade relativado ar(1). O nosso índice, além de procurar ser eficaz, tem um outro objectivofundamental, ser também operacional, isto é, poder ser calculado em qualquermomento e local onde possa ocorrer ou esteja a ser combatido um incêndioflorestal, com recurso a aparelhos muito simples.

Para alcançar tal desiderato, tinhamos de, obrigatoriamente, lhe associar asimplicidade do cálculo, sem com isso lhe retirar ou diminuir o rigorpretendido. Foi o que conseguimos através da inclusão dos elementosmeteorológicos mais significativos e com maior incidência no fogo florestal,para não perder a eficácia, e que, ao mesmo tempo, fossem de fácil obtenção,para se poderem conseguir mesmo durante a ocorrência dos incêndios.1 O índice proposto, IRLL = T/U, em que T é igual à temperatura do ar (°C) e U à humidade relativa do

ar (%), reflecte sobretudo o risco de deflagração de fogos florestais.

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Além disso, deverá ser económica, para se obter o maior número possível de locais,dando-lhe assim maior dispersão geográfica e, por conseguinte, mais pormenor.

A aplicação desta metodologia ao período de Junho a Outubro de 1982 a1987 (L. LOURENÇO et al., 1988a) não só permitiu testar o índice mas tambémconfirmou os bons resultados da relação descrita. O prosseguimento dainvestigação nessa área levou mesmo ao desenvolvimento de novos índices derisco de incêndio(2) (L. LOURENÇO, 1990 e 1991).

O nosso índice, à semelhança do que acontece nos Estados Unidos daAmérica, apresenta cinco classes de risco, identificadas do seguinte modo:

“1. Baixo(3): pequenos focos de ignição não provocam incêndios. Noentanto, focos intensos, como uma faísca, podem incendiar turfa ou detritos.Os fogos em campos abertos de herbáceas podem propagar-se poucas horasapós uma chuva, mas os incêndios florestais propagam-se lentamente.Incêndios sem gravidade e facilmente controláveis.

2. Moderado: os fogos em campo aberto de herbáceas secas ardem intensamentee propagam-se rapidamente com vento. Os incêndios em maciços florestaisprogridem lentamente. A extinção dos incêndios é relativamente fácil.

3. Alto(4): os combustíveis miúdos mortos inflamam-se rapidamente. Osincêndios propagam-se rapidamente havendo produção de faúlhas de pequenoalcance. O fogo atinge grande intensidade em encostas ou em concentraçõesde combustíveis miúdos. Os incêndios podem atingir gravidade e tornar-sedificilmente controláveis, se não forem combatidos a tempo.

4. Muito alto(5): os incêndios consolidam-se imediatamente após a ignição epropagam-se com rápido aumento de intensidade. Abundante produção defaúlhas que provocam focos de ignição salteados.

5. Extremo(6): fácil ignição e propagação imediata, com grande velocidade e

2 O novo índice passou a incluir também o vento (km/h), determinando-se pela fórmulaIRLL = T/U+V/100, o qual também reflecte o risco de propagação (progressão) do fogo.Além disso,quando se trata do cálculo da tendência para o dia seguinte do risco de incêndio, adiciona-se umfactor de correcção, positivo ou negativo, de acordo com a previsão meteorológica.

3 Reduzido, na nova nomenclatura proposta em 1997 (ver artigo seguinte).4 Elevado, na nova nomenclatura;5 Muito elevado, idem6 Máximo, ibidem.

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intensidade. Os incêndios que atingem povoamentos florestais, especialmentede resinosas, podem tornar-se incontroláveis, sendo o combate possível apenassobre os flancos, até que a alteração das condições ambientais ou oesgotamento dos combustíveis permitam um ataque frontal.” (F. MACEDO etal., 1987, p. 45).

2.1 Indicação da tendência do índice meteorológico de risco de incêndiopara o dia seguinte

O projecto-piloto destina-se essencialmente ao processamento dos dadosmeteorológicos recolhidos tanto pela rede de estações do Instituto deMeteorologia (IM) sediadas nas Regiões Centro e de Lisboa e Vale do Tejo,como por uma rede complementar, temporária, de estaçõespirometeorológicas, concebidas especialmente para este efeito.

Deste modo, usámos os valores obtidos a partir da rede do IM, cuja área deinfluência de cada uma destas estações ronda, em termos médios, os200 000 ha, valor que pode ser considerado satisfatório para as regiões maisplanas do Sul de Portugal, mas que é nitidamente insuficiente nas regiões derelevo acidentado, onde as variações locais são mais acentuadas, tanto no Nortecomo no Centro de Portugal.

Porque a rede de estações meteorológicas do IM apresenta nessas regiõesuma cobertura considerada insuficiente, temos em curso um projecto-piloto,centralizado no Aeródromo da Lousã, que se propõe superar, a nível da micro-escala, algumas das lacunas de cobertura daquela rede. Para o efeitoprocedemos à instalação de uma rede suplementar de estaçõespirometeorológicas, de carácter temporário, a partir da qual obtemosobservações meteorológicas complementares das da rede oficial.

Esta rede secundária é composta por três tipos de estações. Umas são fixas eestão equipadas com sensores que permitem avaliar a temperatura e humidaderelativa do ar e, também, o rumo e velocidade do vento. Normalmente, estasestações estão instaladas em postos de vigia de fogos florestais e destinam-se acolmatar falhas nas situações de maior altitude.

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O segundo grupo é constituído por estações móveis, equipadas comsensores idênticos aos das primeiras. Estão instaladas nos Centros de MeiosAéreos (CMA’s), com função de também apoiarem a actuação desses meios.

Por fim, ao terceiro conjunto, pertencem as estações portáteis que, para já,estão equipadas apenas com sensores que permitem avaliar temperatura ehumidade relativa do ar. Encontram-se distribuídas por diversos Corpos deBombeiros, destinando-se a cobrir situações de baixa altitude, onde asinformações da rede do IM são mais espaçadas. Apresentam, ainda, apossibilidade de facilmente poderem ser transportadas para qualquer localonde se queiram acompanhar as condições meteorológicas que rodeiem fogosem progressão.

Esta rede de estações pirometeorológicas fornece elementos adicionais ecomplementares aos da rede do IM, de cujo tratamento conjunto se determinaa tendência do índice para o dia seguinte.

Basicamente, o processo de cálculo consiste no seguinte:1. Leitura e registo dos valores das variáveis meteorológicas em todos as

estações pirometeorológicas, às 14 horas locais (12 UTC), altura em queo risco normalmente se encontra mais próximo do valor máximo;

2. Transmissão dos dados em tempo útil, via rádio e por telefone, para oCentro de Cálculo da Lousã.

3. Compilação dos elementos recebidos por telefax relativos às estações darede do IM.

4. Tratamento e processamento das informações recebidas, paradeterminação do valor do índice observado às 14 horas;

5. Verificação do valor previsto no dia anterior, para confirmação dafiabilidade do sistema, através do seu grau de acerto;

6. Cálculo da tendência do risco para o dia seguinte para cada concelho,com base na informação de três ou quatro estações, através da adição deum factor de correcção, determinado com base na previsão do IM e nascaracterísticas fisiográficas de cada uma das sub-regiões;

7. Elaboração do mapa com a distribuição da tendência do risco deincêndio florestal para o dia seguinte (fig. 2);

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2.2. Finalidade do cálculo da tendência para o dia seguinte do índicemeterológico de risco de incêndio florestal

A tendência do risco de incêndio florestal é, quanto a nós, um instrumentoextremamente válido, cuja utilização deverá ser usada em variadíssimascircunstâncias, que vão desde as tarefas rotineiras, até às situações mais críticas,registadas no auge dos fogos. É sobretudo importante para a planificação deacções a executar a curto prazo, mormente no que concerne à adequação dosmeios aéreos de combate às situações antes previstas.

Os índices de risco prestam valiosos serviços à prevenção e detecção defogos florestais, mas é particularmente na luta contra os fogos que podem dar

Fig. 2 - Mapa exemplificativo da distribuição da tendência do índice meteorológico de riscode incêndio, usada em 1994, calculada na Lousã e divulgada na véspera, ao fim da tarde.

Legenda

baixo

moderado

alto

muito alt

extremo

Localização e Ra

de Acção do CMA

N

30 km0

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a sua mais valiosa contribuição, através da correcta gestão das organizações decombate. Mas, para que isso suceda, é fundamental conhecer as circunstânciasque, normalmente, envolvem cada situação de risco e saber o que fazer, comoagir, que mecanismos accionar, em cada uma dessas circunstâncias.

Dados estatísticos referentes à ex-Circunscrição Florestal de Coimbra(TABELA II) podem ajudar a compreender melhor este aspecto. Com efeito,um estudo relativo aos meses de Junho a Outubro de 1989 (L. LOURENÇO,1991), veio mostrar que 90% dos dias analisados apresentaram riscos baixos(45%) ou moderados (44,8%). Apenas 10% dos dias foram de verdadeirorisco, dos quais 7,7% tiveram risco alto e só uma percentagem muito pequenateve risco muito alto (2%) ou extremamente alto (0,5%, o que equivale a 6dias), ou seja, na ex-Circunscrição Florestal de Coimbra, durante oito anos,apenas seis dias tiveram situações de risco extremo!

Em contrapartida, nesses seis dias registaram-se 202 fogos, o que equivale auma média de 34 fogos na Circunscrição, por cada dia de risco extremo.À medida que o grau de risco foi diminuindo observou-se também umadiminuição do número médio de incêndios florestais por dia. Deste modo, emmédia registaram-se 25 fogos nos dias com risco muito alto, 18 fogos nos diascom risco alto, 10 fogos quando o risco foi moderado e apenas 2,5 fogosquando foi baixo! (TABELA II).

TABELA II - Relação entre o grau de risco e o número médio de fogosflorestais registados na ex-Circunscrição Florestal de Coimbra, entre Junho e

Outubro de 1982 a 1989

Fonte: L. LOURENÇO, 1991

N.º de dias

%N.º de fogos

%

Média diáriade fogos

Baixo551

AltoModerado TotaisExtremoMuito Alto

96442026331725570613781000,52,07,744,845,0

548 94 25 6 1224

33,725,318,410,42,5

1002,06,617,959,214,3

7,88

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Estes números reflectem a importância de que se deve revestir a correctagestão do índice de risco. Considerando que foi nos dias de risco igual ousuperior a alto, que, em média, se registou o maior número de fogos eatendendo a que aqueles apenas representaram 10% dos dias da “época defogos”, não teria sido possível tomar medidas especiais que tivessem minoradoos efeitos dos incêndios registados nesses dias?

Até agora apenas temos considerado o número de fogos, mas tambémsabemos que os incêndios de maiores dimensões lavraram nos dias de riscomais elevado (L. LOURENÇO, 1988; L. LOURENÇO et al., 1988a e 1990), peloque não nos restam quaisquer dúvidas sobre a importância de que o risco sereveste, bem como sobre a sua utilidade prática. Naturalmente, esta passa pelanecessidade de se implementarem medidas concretas, que cada responsávellocal deve assumir, em função da tendência do risco de incêndio na sua área.

Não basta, pois, conhecer os índices. É necessário aplicar, em devidotempo, as medidas concretas, superiormente definidas para cada classe derisco, a fim de que, sendo tomadas, se evite, na medida do possível, odesenvolvimento de grandes incêndios.

Essas normas devem ter como objectivo prioritário a gestão eficiente dasorganizações directamente intervenientes, definindo os efectivos de pessoal ede equipamentos necessários em cada circunstância de risco, de modo amanter em funções apenas os mínimos estritamente necessários.

Tal implica a definição antecipada de um conjunto de normas, que têm a vercom:

- planeamento da frequência e intensidade das actividades de detecção dosfogos florestais;

- determinação dos dias e locais em que devem operar os meios disponíveis;- localização no terreno, em situações críticas, de equipamento e efectivos

de combate;- definição das circunstâncias em que se deve proceder à desmobilização do

pessoal para emprego noutras tarefas, de molde a não se afectar a eficáciada organização;

- determinação das regras da mobilização anormal de pessoal;- planificação da vigilância aérea e terrestre (complementar da dos vigias),

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as quais sendo extremamente dispendiosas, deveriam actuar sempre combase em previsões de risco devidamente fundamentadas.

Nestas circunstâncias propomos que, de acordo com o grau de risco, setomem as seguintes medidas:

Risco baixo: diminuição do estado de alerta do pessoal, aproveitando otempo para realizar operações de conservação e manutenção do equipamento.Abolição de patrulhamentos.

Risco moderado: situação considerada normal, em que são assegurados todosos serviços de rotina, excepto a intervenção dos meios aéreos em fogos nascentes.

Risco alto: reforço da vigilância e dos meios de primeira intervenção. Proibiçãode queimadas. Ataque dos fogos nascentes com meios aéreos e aerotransportados;

Risco muito alto: colocação de brigadas de primeira intervenção em locaisestratégicos, próximos de áreas particularmente sensíveis, onde se fará ocontrole de pessoas e viaturas. Supressão de actividades na floresta queenvolvam risco de incêndio. Detecção de fogos por meios aéreos.

Risco extremo: situação anormal, de máxima gravidade, pelo que deve envolvertodos os meios disponíveis, inclusivamente o estado de alerta de pessoal auxiliar.Patrulhamento aéreo nas horas de maior risco, com os aerotanques preparadospara intervenção. (Adaptado de D. X. VIEGAS & L. LOURENÇO, 1989, p. 4 e 5).

Para que o índice venha a ser realmente rentabilizado nas suas potencialidades,é imprescindível accionar medidas concretas, para cada uma daquelas situações.Uma vez conhecido o risco previsto para o dia seguinte, aquelas medidas serãoobrigatoriamente adoptadas, logo após a recepção do índice, entrandoimediatamente em vigor com vista à planificação das actividades do dia seguinte.

Conclusão

O prévio conhecimento do risco de incêndio deverá constituir a base daplanificação da maior parte das acções de prevenção e de combate a incêndiosflorestais.

Quando conseguirmos explorar convenientemente as múltiplas vantagensda correcta utilização destes índices, teremos dado um passo significativo no

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controlo dos incêndios florestais. Quer se queira quer não, no nosso país,quem dita as características dos fogos são, em primeiro lugar, as condiçõesmeteorológicas, mormente quando, de início, não são tidas na devidaconsideração. Depois, é o modo como os povoamentos foram, ou não,conduzidos que, normalmente, rege o comportamento do fogo.

A correcta utilização de índices de risco conduz não só a uma gestão eficazde equipamentos e de pessoal, com todos os proveitos, incluso económicos,que tal acarreta, mas também contribui para o desenvolvimento harmonioso eequilibrado da floresta.

Pelas vantagens que proporciona, o prévio conhecimento do risco deincêndio merece vir a ser tido em devida consideração por todos aqueles que,de algum modo, têm responsabilidades para com a floresta. Pela nossa parte,continuamos a trabalhar nesse sentido, esperando que os responsáveis criemcondições que permitam a sua eficaz utilização.

Em resumo, os sintomas e as consequências dos fogos, a principal “doença”que afecta a floresta portuguesa, são conhecidos, pelo que é fácil traçar o seudiagonóstico. A terapia a aplicar depende da política florestal que vier a serdefinida. Para se salvar a floresta portuguesa torna-se necessário aplicar, entreoutras, as seguintes medidas:

1. Compartimentação das regiões com aptidão florestal em sub-regiões comcaracterísticas semelhantes, as quais passariam a constituir as futurasunidades de intervenção, independentemente de serem públicas e/ouprivadas.

2. Definição das sub-regiões em que a intervenção é prioritária, por sesituarem em áreas críticas de alto risco, com vista à preservação das matasainda existentes e à recuperação das áreas ardidas;

3. Inventariação dos respectivos cadastros;4. Elaboração dos Projectos Florestais adequados a cada uma delas;5. Sensibilização dos proprietários florestais;6. Afectação de meios técnicos e humanos;7. Faseamento e calendarização das intervenções específicas em cada área,

com vista ao acompanhamento e à manutenção dos povoamentos.

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O futuro da floresta terá de assentar numa política concertada que,gradualmente, criará as condições para que todos os anos se salvem novas sub-regiões do cíclico flagelo do fogo. É um trabalho moroso, cujos frutos sópoderão ser colhidos dentro de alguns anos.

Para que tal seja possível e para que as novas gerações possam reconheceresse vultoso esforço feito em seu proveito, demos, pois, prioridade à prevenção.

Agradecimento

O autor deseja deixar aqui expresso o seu vivo agradecimento à ComissãoNacional Especializada de Fogos Florestais, ao Serviço Nacional de Bombeiros,ao Instituto Florestal e ao Instituto de Meteorologia pelo apoio que lheconcederam para a realização deste trabalho.

À Dr.ª Paula Malta, que organizou parte das estatísticas relativas aos fogosflorestais, manifestamos também a nossa gratidão.

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