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[email protected] www.forumavarzim.org.pt JULHO2012 07 ON-LINE TR SFORMAR Revista dos Associados e Amigos do Forum Abel Varzim Desenvolvimento e Solidariedade siga-nos RIO + 20 OPORTUNIDADE PERDIDA OU DESAFIO ESTIMULANTE? JUNTOS PELA EUROPA QUE PODEM OFERECER AS EMPRESAS COOPERATIVAS EM TEMPO DE CRISE? UMA COMUNIDADE EUROPEIA DE SOLIDARIEDADE E RESPONSABILIDADE PALESTINA VÃO ACABAR OS MENDIGOS? A MOCHILA DA GRAçA VIDAS SEM-ABRIGO

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JULHO2012

07on-line

TR SFORMARRevista dos Associados e Amigos do Forum Abel Varzim Desenvolvimento e Solidariedade

siga-nos

Rio + 20 opoRtunidade peRdida ou desafio estimulante?

Juntos pela euRopa

Que podem ofeReCeR as empResas CoopeRatiVas em tempo de CRise?

uma Comunidade euRopeia de solidaRiedade e ResponsaBilidade

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VÃo aCaBaR os mendiGos?

a moChila da GRaçaVidas sem-abrigo

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Colaboradores :António SoaresAntónio Leite GarciaCristina MonteiroArtur LemosJosé Carmo Francisco

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editoRial

Alguns estão a iniciar o período das férias, aqueles que durante todo o ano exercem funções profissionais. E até os que estão aposentados, ou os que fazem trabalho

voluntário, aproveitam este tempo para mudar um pouco o seu modo normal de viver. Infelizmente, há muitos que não têm a possibilidade de gozar as suas férias como gostariam por razões económicas. Em qualquer caso, este tempo de férias de 2012 vem acompanhado de preocupações e ameaças que não podemos ignorar. É por isso que esta edição do «TRANSFORMAR ON LINE», que desejavelmente deveria ser mais leve, não pôde ignorar temas que continuam na ordem do dia. E assim, chama-se a atenção para o artigo sobre a recente cimeira RIO+20 onde se procura fazer uma avaliação sobre os resultados alcançados e os caminhos que urge percorrer para dar continuidade ao trabalho desenvolvido. Num outro artigo, aborda-se, em síntese a posição dos Bispos Europeus sobre os caminhos necessários para construir uma comunidade europeia de solidariedade e responsabilidade. A questão europeia também é novamente equacionada nas referências as actividades da plataforma «Juntos pela Europa» que realizou manifestações em 100 cidades europeias. O movimento cooperativo pode ser instrumento de combate à crise? É um dos temas que também é abordado nesta edição. Chama-se, igualmente, a atenção para um artigo sobre os palestinianos onde se mostra a força de um povo que se recusa a desaparecer. Finalmente o tema dos pobres não poderia ser ignorado. «Mochila da Graça» é um testemunho vivido de uma comunidade que consegue despertar para a realidade dos sem--abrigo e se empenha no apoio de quem está marginalizado. E ainda sobre esta temática apresentamos um texto de 1948 da autoria da figura inspiradora deste Forum: o Padre Abel Varzim. Boas leituras, boas férias e que estas constituam tempo de descanso para iniciar ou continuar a luta por uma sociedade

melhor e pelo bem comum de todos.

Redação

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aproveitam este tempo para mudar um pouco o seu modo normal de viver. Infelizmente, há muitos que não têm a possibilidade de gozar as suas férias como gostariam por razões económicas.

um VeRÃo CaRReGado de nuVens

Encerrou na sexta-feira, dia 22 do passado mês de Junho, a cimeira Rio+20 sobre Desenvolvimento Sustentável que ocorreu no Rio

de Janeiro, com as presenças de elevado número de Dirigentes Mundiais, onde foi aprovado um documento «O futuro que queremos».

Este importante evento, mesmo antes de ocorrer, alimentou muitas expectativas: umas positivas, outras mais pessimistas, sobre os resultados que seriam alcançados e sobre o impacto na qualidade de vida da humanidade. Muitos reconhecem que vivemos tempos difíceis: o meio ambiente vem-se degradando, as alterações climáticas afectam as populações mais carenciadas, mantêm-se as desigualdades gritantes entre Estados, a fome e a pobreza estão longe de ser erradicadas do nosso planeta, etc, etc. Há alguns mais radicais, como é o caso do Prof. David Price da Universidade Cornell (EUA) que assegura: «o colapso da civilização moderna é inevitável». E explica que a espécie humana está a provocar o empobrecimento energético do planeta. E o «dia do ajuste de contas» há-de chegar.

Por estas e outras razões, todos desejavam

que a Cimeira do Rio +20, que ia ocorrer 20 anos após a emblemática Cimeira do Rio de 2002, trouxesse muitos avanços desejáveis e necessários para a vida de todos nós.

Que balanço se pode fazer deste encontro? Como sempre, levantam-se vozes que criticam com dureza o resultado alcançado e outras que acentuam o lado positivo do evento e as portas que o mesmo abriu para continuar a trabalhar para o bem comum da humanidade. O grupo dos chamados «socioambientais» considera que faltou ousadia às autoridades na exigência de definições claras: prazos, medidas concretas, fixação de responsabilidades e até ampliação dos poderes das Nações Unidas para impor aos Estados os procedimentos adequados. É nesta linha de pensamento que se inscreve a avaliação do conhecido ambientalista português Francisco Ferreira: « era necessário aportar caminho, fazer caminho».

Do outro lado, temos a avaliação de dirigentes políticos como o caso da Presidenta do Brasil, o Secretário Geral das Nações Unidas e da Ministra portuguesa da Agricultura, Pescas e Ambiente, para os quais o balanço é francamente positivo. Ao jornal «Expresso» dizia Assumpção Cristas: «Houve avanços significativos, e

sobretudo há trabalho de casa para ser feito, há a renovação do compromisso político e há um mandato claro para a ONU para trabalhar» E exemplifica:« é o caso do desenvolvimento sustentável, cujos objectivos devem ser fixados com calendário e metas.».

Apesar de muita coisa que na Cimeira não foi assumida, como seria desejável, e até o facto de nela não terem participado dirigentes, como Barack Obama (EUA), Ângela Merkel (Alemanha) e James Camerom (Reino Unido), e de apenas estarem representados Governantes que representam 45% do PIB Mundial, ela constituiu um momento importante que pode potenciar avanços futuros. E esses avanços surgirão se existir uma convicção mundial que eles são absolutamente necessários.

A luta contra a pobreza, a aposta no desenvolvimento sustentado, a protecção do ambiente são da responsabilidade dos políticos, mas também precisam de cidadãos activos, participativos e empenhados na construção do mundo melhor. Cabe-nos aqui um papel decisivo. A nós e às Organizações Cívicas.

Rio + 20, oportunidade perdida ou desafio estimulante?

António Soares

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Juntos pela Europa Num tempo em que as estruturas da Europa estão em debate, “Juntos pela Europa” segue o seu caminho, reconhecendo a identidade e a missão de um continente que necessita dos cristãos, empenhando-os simultaneamente na Nova Evangelização na Europa. Uma das intenções centrais é que os vários movimentos e comunidades cristãos, apesar das diferenças, se dêem a conhecer, e que assim se possa desenvolver um novo entendimento e uma nova prática, a partir da originalidade dos carismas próprios de cada um.

A Europa precisa de mais unidade. Se os nossos países, os nossos povos, enfrentarem sozinhos os desafios de um mundo globalizado, estarão destinados à irrelevância.

A Europa é um destino e uma necessidade para cada um dos nossos países. Um futuro de paz, de prosperidade e de justiça só se pode alcançar, partilhando e colaborando juntos. A Europa, unida numa diversidade reconciliada, concretiza a civilização da convivência, de que o Mundo precisa.

Neste espírito de comunhão, surgiu o Manifesto “os 7 SIM” que constitui a Carta Magna de Juntos pela Europa e que sublinha os seus valores “estruturantes”: vida, família, ecologia, economia, solidariedade, paz e responsabilidade social. Trata-se de uma expressão da fé cristã que está na identidade europeia, de um sinal de comunhão para contribuir para uma Europa do espírito, e de uma manifestação de vida para reavivar a alma da Europa.

funchal

alemanha

suécia

eslóvenia

Coimbra

Bélgica

itáliaitália

No evento central, que decorreu em Bruxelas, em festa de comunhão, de anúncio e de celebração da fé, que é a alma da nossa cultura, e em defesa de uma união de

valores perante a crise económica e financeira, foi afirmado que a fraternidade era essencial para a unidade e a paz da Europa e de toda a família humana e prometeram comprometer-se por uma Europa unida, solidária e acolhedora, manifestando o desejo de que o viver juntos, entre europeus, fosse um sinal de liberdade, justiça e solidariedade. Juntos querem construir uma Europa que se abra com generosidade aos desafios do mundo pobre, uma Europa que ponha a ânsia de paz e a convivência no centro das suas preocupações e do seu trabalho.

Neste evento, marcaram presença Romano Prodi, ex-presidente da Comissão Europeia, e Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e actual ministro italiano para a Cooperação Internacional e a Integração. Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, enviou uma mensagem aos promotores, onde destaca os “tempos de grandes desafios políticos, económicos e sociais” e sublinha que “a Europa precisa de uma alma”, acrescentando que o diálogo com as Igrejas e comunidades religiosas “é essencial para a alimentar”. Herman van Rompuy, presidente do Conselho da Europa, pediu, por sua vez, que os participantes se recordem “da solidariedade e da necessária fraternidade que é preciso construir e reforçar cada dia entre os europeus”.

“Juntos Pela Europa” nasceu em 1998, quando o Papa João Paulo II promoveu um encontro em Roma dos novos Movimentos da Igreja, tendo em vista “reavivar o espírito cristão na Europa”. Desde então, foram sendo congregados representantes de numerosos Movimentos e Comunidades: cristãos, católicos, evangélicos, anglicanos, membros das igrejas livres e ortodoxas, provenientes de muitos países e regiões da Europa. E, gradualmente, cerca de 250 movimentos e comunidades cristãs espalhados pelo continente europeu têm vindo a pôr em comum os seus carismas e a colaborarem para unir as suas riquezas e suscitar mais solidariedade, justiça, paz, liberdade e coragem para construir o futuro.

Seguindo os fundadores da Europa, têm por missão a unidade, após a tragédia dos totalitarismos, do horror da guerra e do colonialismo, do abismo do Shoah e dos campos de concentração. E, diante da crise que ameaça o nosso Continente, como cristãos e como europeus, sentem que a resposta não está em se fecharem em reivindicações nacionais, no antagonismo e na contraposição ou no regionalismo. E muito menos em se protegerem atrás dos novos muros do egoísmo político e económico, que nos dividem, tanto dentro do nosso Continente, como entre o Norte e o Sul do mundo.

No passado dia 12 de Maio de 2012, a plataforma “Juntos pela Europa”, congregando 250 movimentos cristãos de diferentes Igrejas na construção de uma Europa unida, solidária e acolhedora, realizou manifestações em cerca de 100 cidades europeias. Em Portugal, mais de mil cristãos associaram-se a esta manifestação ecuménica, com eventos públicos em Lisboa, Porto, Coimbra, Faro e Funchal.

António Leite Garcia

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As medidas que estão a ser implementadas, alegadamente para combater a crise, podem levar alguns trabalhadores a procurarem desenvolver

actividades no quadro de empresas de tipo cooperativo.

As empresas comuns, a coberto das novas facilidades legais que lhes estão a ser concedidas, enveredam, em geral, pela precaridade e pelos despedimentos. Muitos trabalhadores estão a experimentar, com enorme dose de sofrimento, a crueldade de tais práticas. Em contrapartida, as cooperativas colocam o emprego em primeiro lugar e esforçam-se por compatibilizar qualidade de emprego com rentabilidade económica.

Surpreende a desigualdade na distribuição dos rendimentos gerados pelas actividades das empresas. É sabido que Portugal apresenta um dos leques salariais mais cavados da Europa e é curioso verificar como a opinião pública portuguesa, se ainda reage contra os salários escandalosos dos dirigentes do sector público empresarial, aceita pacificamente a total arbitrariedade do sector privado. O patrão e os dirigentes de topo podem ganhar quanto quiserem e dispor de todos os recursos da empresa, a seu bel-prazer e em proveito próprio. Nas cooperativas cada cooperador recebe um salário adequado à actividade que desenvolver e os lucros ou excedentes são canalizados para investimentos que ampliem as actividades e as sustentem no futuro.

Em muitíssimos casos e, apesar da generalização da retórica da participação, nas empresas comuns os trabalhadores não são chamados a opinar sobre a orientação das empresas nem sobre as práticas de gestão e de trabalho, ao contrário do que acontece nas cooperativas onde cooperadores e trabalhadores contratados participam na condução dos destinos e das

actividades das organizações. Neste particular as empresas de tipo cooperativo proporcionam formas concretas de praticar os princípios da democracia em contexto de trabalho.

As cooperativas encaram fornecedores e clientes como parceiros de negócio e, nessa perspectiva, preocupam-se em assegurar a viabilidade do negócio dos fornecedores e os interesses genuínos, imediatos e futuros, dos clientes e em articulação com todos eles.

Em síntese, as empresas cooperativas oferecem trabalho com direitos, trabalho mais sustentável e mais amigo do ambiente físico e social e, embora geralmente silenciado, igualmente rentável para todos os intervenientes. A situação actual pode constituir uma boa oportunidade para dar novo impulso ao cooperativismo.

Os trabalhadores mais esclarecidos estão a aperceber-se de que o capitalismo financeiro, mais ainda do que o capitalismo empresarial, não hesita em destruir empresas e emprego, manifestando desprezo absoluto pelo contributo do trabalho e pelos direitos dos trabalhadores.

O modelo cooperativo de organização implica, porém mais exigências. Os benefícios são mais vastos e as exigências crescem nessa proporção: exigências de cooperação, de aposta no futuro e de cuidado com o ambiente físico e social.

A Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (COMECE), produziu uma importante reflexão

que constitui um importante contributo para ajudar a Europa a ultrapassar a crise sistémica em que se encontra mergulhada. Depois de apresentar os fundamentos culturais da economia social de mercado, o documento evidencia as relações entre a liberdade de mercado, o princípio da justiça e o mandamento de amor, e apresenta quatro importantes características da economia social de mercado na Europa.

Refere como primeira característica a existência de iniciativas comunitárias e voluntárias e recomenda que este tipo de iniciativas com objectivo social sejam promovidas e protegidas por um quadro jurídico que respeite a sua especificidade.

E como segunda característica, lembra que uma economia social de mercado não pode deixar de ser eficiente no plano económico, e portanto competitiva, mas acrescenta que não se pode passar sem uma política de regulação, sem uma moral e sem uma ética da virtude.

Uma política social em sentido lato é apresentada como a terceira característica

da economia social de mercado europeu. E começa por recordar que, segundo os princípios da solidariedade e da subsidiariedade, é preciso dar protecção social e justiça a todos os que necessitam. Assim, a juventude deve poder contar com uma educação e formação de qualidade, e a família, como fonte viva para o crescimento da solidariedade e da responsabilidade, deve ser promovida e valorizada. E, exemplificando com o que se passa no domínio do direito dos contratos, onde a falta de igualdade entre as partes contratantes, no que respeita a informação e a poder, pode levar a abusos e injustiças, inclui nas preocupações de política social os esforços que a União Europeia está a fazer para eliminar os estrangulamentos no mercado interno europeu, e manifesta o desejo de que, no quadro da proposição de um direito europeu dos contratos, aplicável numa base voluntária ao lado das legislações nacionais em vigor, seja dada particular atenção à garantia de que, em cada caso, a parte contratante mais fraca seja efectivamente protegida.

Finalmente, a ecologia é apresentada como a quarta característica da economia

social de mercado da UE, sendo a propósito afirmado que a protecção do ambiente deve deixar de ser uma limitação para se tornar uma meta do desenvolvimento das sociedades, através do reconhecimento da qualidade ambiental como uma componente integral do modelo de prosperidade

Artur Lemos

Que podem oferecer as Empresas Cooperativas em tempo de crise?

»» No portal do Fórum Abel Varzim pode ler um resumo alargado deste contributo dos Bispos Europeus ««

Uma Comunidade Europeia de solidariedade e responsabilidade

António Leite Garcia

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Palestina – entre os peixes de São Pedro e as terras do semeador, um Povo recusa-se a desaparecer A palavra Palestina (El-Falestin em árabe) começou por definir a área ocupada pelos Filisteus na costa do Mediterrâneo em redor de Gaza mas, mais tarde, depois da vitória dos Romanos, passou a incluir toda a província da Judeia. Já no século XX a Grãs Bretanha recebe em 22-7-1922 um mandato da Sociedade das Nações para governar a Palestina, mandato ao qual renuncia em 14-2-1947. Já a ONU vota em 29-11-1947 um plano de partilha da Palestina com um espaço de 26.300 km2 a dividir a Nação em duas: uma entregue ao estado judaico, a outra seria árabe. A primeira tinha no Plano 14.300 km2 mas passou no Armistício de 1948 para 20.850 km2 e para 102.400 km2 depois da guerra dos seis dias em 1967.

Palestina

Tudo no conflito é desproporcionado desde 1948 quando, em 14 de Maio, o Estado de Israel foi proclamado. A resolução da ONU especificava que «Jerusalém seria uma cidade internacionalizada e

desmilitarizada mas em 15 de Maio de 1967 Israel decidiu unificar as duas partes da cidade – judaica e islâmica. Em 4 de Julho de 1967 a ONU intimava Israel a renunciar a qualquer medida que alterasse o estatuto da cidade.»

Mas já em 1948, entre 1 de Abril e 14 de Maio, a Haganah, a Irgun e a Stern levaram a cabo 13 operações nocturnas: Nachschon, Harel, Misparayin, Chametz, Jevussi, Yftach, Matatech, Maccabi, Gideon, Barak, Bem Ami, Pitchfork e Shififon. Deír Iácine é a mais tristemente famosa pelo horror provocado na opinião pública internacional. Uma aldeia pacífica de 400 habitantes foi atacada de noite (9-4-1948) por duas companhias da Irgun e da Stern que mataram 250 mulheres, crianças e velhos; depois lançados em poços. O delegado da Cruz Vermelha internacional (Reynier) ainda foi a tempo de ver grupos de rapazes e raparigas israelitas que liquidavam com frieza, à faca, os sobreviventes. Deír Iácine foi arrasada mais tarde e os israelitas construíram, no lugar dessa aldeia, um aeroporto.

Em «O novo Adão», texto de Guy Sitbon, escreve-se: «quando uma criança judia morre é luto nacional» mas a morte de três quartos da população de uma aldeia árabe (mulheres e crianças) como foi Deír Iácine tem, para a gente que se revê nesse texto, tanta importância como esmagar moscas.

A jornalista francesa Ania Francos, filha de uma família inteiramente dizimada pelos nazis, sabe que os Árabes não têm qualquer responsabilidade no caso; e muito menos ainda os Palestinianos. E afirma: «Nego aos dirigentes israelitas o direito de falar em nome desses mortos e de se servirem

dos seus cadáveres para justificar uma façanha cada vez mais sinistra.»

Neste momento a questão de fundo é que as negociações estão congeladas por causa da colonização israelita dos territórios palestinianos. Não se trata de um capricho palestiniano mas sim de uma questão de má-fé por parte de Israel. Esta colonização não está apenas a inviabilizar as negociações mas também a futura criação do próprio Estado Palestiniano. A instalação de um número cada vez maior de elementos israelitas nos territórios previstos para o futuro Estado Palestiniano funciona como uma ocupação gradual, uma espécie de limpeza étnica que vai afastado as populações originais e, na prática, provocar um esvaziamento das condições que permitiriam fundar o Estado Palestiniano. Na prática fazer negociações enquanto se coloniza um território é negociar para nada. Por absurdo, quando as negociações terminassem, já não haveria território para se criar o Estado. Esta colonização é ilegal à luz da Convenção de Genebra que impede alterações demográfica e físicas nos territórios sob ocupação. Construir aldeias, levantar muros e delimitar acessos é ilegal. Por outro lado há numerosas resoluções da ONU (Conselho de Segurança) que nada faz para as aplicar. Esta colonização não abrange apenas a Cisjordânia mas também Jerusalém Leste, a parte árabe da cidade que foi ilegalmente ocupada e anexada por Israel e que os palestinianos pretendem que seja a capital do seu futuro Estado. O grande problema tem a ver com aquilo que Noam Chomsky sintetizou - «Os Estados Unidos e Israel sempre quiseram uma solução diplomática mas segundo as suas condições. Estas não foram aceites pelo resto do Mundo.» Entretanto um povo, os Palestinianos, recusa-se a desaparecer.

José Carmo Francisco

O Ministro do Interior; e o Subsecretário da Assistência expuseram no outro dia, aos jornalistas, os seus planos

pata acabar com a mendicidade em Portugal.

Nos os trabalhadores, nós, os operários, aplaudimos com ambas as mãos a dignificadora iniciativa destes dois homens. E aplaudimos, porque somos nós - a classe trabalhadora - aqueles a quem mais interessa o assunto.

Pondo de lado os que mendigam por vício – e esses são sempre a minoria - quem pode alegrar-se tanto, efectivamente, com a extinção do flagelo, como nós que, muitas vezes, somos reduzidos pelos acidentes de trabalho, pelo desemprego, pela doença ou pela velhice, à condição de mendigos?

Quem corno nós sente escaldar como ferro em brasa, numa condenação que não merecemos, a perspectiva da mendicidade?

Se um de nós, morre de fadiga ou de doença antes de ter os filhos a ganhar, que esperança levará para o outro mundo sobre a sorte deles, senão a mendicidade ou o asilo? Se um de nós cai de cama ou é levado para o hospital em longa doença, que lhe resta, como prémio do trabalha, senão mendigar ou mandar mendigar?

Se um de nós envelhece, que outra esperança lhe fica senão a esmola?

Quem como nós, portanto, se há-de alegrar com a promessa de que vão acabar os mendigos em Portugal?

Nós quereríamos que os órfãos e as viúvas tivessem, pelo seguro, garantido o seu pão.

Nós queríamos que a previdência

assegurasse o salário na doença, qualquer que fosse a duração dela; e que garantisse aos inválidos não um asilo nem uma esmola mas a justa reforma, prémio de uma vida de trabalho.

Portanto, nós aspiramos a que o nosso esforço nos dê, por direito, segurança de viver sem esmola, sem subsídios, sem asilos, como qualquer outro cidadão.

Não havia em 1940, segundo o próprio discurso governamental, 204.000 pessoas com mais de 70 anos, quase todos sem previdência e sem meios de vida? Quem deu este contingente de miseráveis, senão nós os homens do trabalho manual, os empregados de balcão e de escritório?

Quem criou a riqueza senão principalmente nós?

Alegramo-nos, por isso, com as boas disposições do Governo. Mas não queríamos que o problema fosse resolvido apenas porque a mendicidade é um flagelo anti-turístico, mas sobretudo por ser uma obrigação social.

Os falsos mendigos também nós queremos que sejam punidos. Eles são a vergonha da sociedade que os consente. E nós, os homens do trabalho, honramo-nos com o trabalho e, por isso, aplaudimos que seja punido aquele que, podendo, não quiser trabalhar.

Aplaudimos, por isso, as medidas tomadas e fazemos votos por que sejam eficazes. Mas é preciso não esquecer que elas de nada valerão se não se suprimirem as causas da miséria. Disse-o o Ministro do Interior. Vamos então a isso, que nós, não pedimos melhor.

A luta contra a pobreza é de todos os tempos. Vejamos um texto escrito pelo Padre Abel Varzim em 1948 em que se congratulava com as boas intenções do Governo da altura para acabar com a mendicidade em Portugal

Vão acabar os mendigos?

Publicado em 17 de Janeiro de 1948, no n.º 1 – II Série, de «O Trabalhador».

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«Quem foi aBel VaRzim?»

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Cristina Monteiro

Carlos trabalhou toda a vida e foi voluntário da Comunidade Vida e Paz: distribuiu comida aos sem-abrigo. Um dia, perdeu o emprego; uma noite estava na rua. “Hoje, sou um deles”, desabafa com os voluntários do Projecto +, enquanto Jacinta, ali mesmo ao lado, recolhe a roupa

lavada que secou nos arbustos.

Ao fechar do dia, improvisadas cantinas de rua congregam uma babel humana de quem pouco se sabe e a quem pouco se pergunta. Há muitos portugueses mas cada vez mais estrangeiros. As carrinhas que passam amparam-lhes o frio e a fome. Mas, quem são eles? Que mágoas carregam? De onde vêm? Que sonhos os agarram?

São 19:00, começa o ritual. Primeiro as carrinhas do exército de Salvação. Trazem sopa. Cerca das 21:00 chega o CASA (Centro de Apoio aos Sem Abrigo) com refeições arrumadas em cuvetes individuais. Uma hora depois passa a Comunidade Vida e Paz com pão e leite quente ou pão e sumo, conforme é inverno ou verão. A maioria dos comensais participa das três rondas e guarda alimentos que amansam as horas da espera, no dia seguinte. “Muitos deles nem sequer estão em situação de sem abrigo mas vivem numa acentuada precaridade económica, explica a Vanessa Chande, assistente social da Igreja de Arroios, uma das responsáveis do Projecto +. Moram em casas ou quartos mas não têm o que comer. Ou porque não têm emprego, ou porque o que ganham não dá para se alimentarem”.

O Projecto +, parceria da Igreja de Arroios e do Centro Social Paroquial de Arroios, onde trabalha Filipa Belchior, a assistente social coordenadora do projecto, nasceu em 2008 em resposta a perguntas do Pároco de Arroios, o Padre Paulo Araújo, e do director do Centro Social Paroquial de Arroios, Pedro Cardoso: quem são estas pessoas que todas as noites aqui se reúnem nas escadarias da Igreja e no jardim? Que podemos fazer por elas? “Estas pessoas, na sua maioria, só

precisam de uma oportunidade que surge com o emprego”, acrescenta Vanessa.

despertar ComunidadeUm domingo a cada dois meses o salão paroquial é o local de encontro comunitário. “Pretende-se pôr ao serviço destas pessoas todos os agentes da comunidade no seu conjunto”. A iniciativa envolve muita gente. Há cabeleireiro, boutique (roupa proveniente do Banco de bens doados, devidamente lavada, passada e dobrada, como nova), postos de informação de habitação, imigração, emprego; rastreios de saúde com os Médicos do Mundo; distribuição de kits de higiene. O acolhimento social começa às dez com café e bolinhos. Cada um demanda o que lhe faz falta. Depois do almoço convívio, o atendimento continua pela tarde fora.

Alguns já são conhecidos das noites de 3ª e 5ªs feiras, quando a equipa do Projecto + sai à rua. “No início viam-nos e vinham perguntar: E aqui estão a dar o quê?, Mas agora já nos conhecem.”. Outros ouviram falar e vêm ver como é, resolver os seus problemas, ver se arranjam trabalho ou um quarto que possam pagar, buscar roupa limpa ou tratar do cabelo, consultar o médico ou pedir ajuda para os problemas que têm com o SEF* (Agora, sem emprego, como vai ser?). E, claro, também há animação sempre a cargo de um dos diferentes grupos da Igreja.

Carlos não quer o rendimento social. Quer trabalho. Quer sentir--se útil. “Quando pode não vem comer à rua. Só aparece quando tem que ser”. Da última vez que apareceu tinha um emprego em vista e precisava de ajuda para fazer o currículo. Abriram-lhe uma conta de correio electrónico em seu nome, o currículo seguiu e o Carlos também, ainda não voltou a aparecer.

A Mochila da GraçaVidas sem-abrigo

A mochila dá graça ao andante na rua / Ao viajante num lugar distante / Ao transeunte feirante / Ao arrumador de carros / Ao biscateiro das mudanças / Ao publicitário da cidade. /…/ Eu cantarei e dançarei / Com a mochila da graça!

(Samuel Kohivo Diarra)

Samuel, o poeta veio do Mali há muitos anos. “Samuel não é alcoólico nem drogado. Samuel não fuma, não toma café. Samuel não gasta a sua semanada. Samuel faz ginástica, é bem conservado. Samuel é poeta”. Um poeta entre dois mundos.

São sessenta e cinco anos de vida e vinte e dois de Portugal, sem papéis: o Mali não lhe encontra certidão de nascimento, Portugal mantém-no ilegal. Em 2011 constava da lista de retorno voluntário autorizado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. “Eu que sonhava escrever na língua de Camões poemas, lendas, romances, tenho de ir desiludido no meu País onde não encontrarei oportunidades para tal”.

Samuel, o Poeta apátrida, nasceu no Mali mas fala e escreve corretamente português. A Carla ofereceu-lhe uma mochila e encheu-lhe a alma de versos. Páginas de poemas cantaram graças a Carla Nadir. “A quem dá graça eu canto gracias /…/ O Humanismo é o teu único Credo”.

Samuel Kohivo Diarra e Vanessa Chande

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projecto +Parceria da Igreja de Arroios e do Centro Social Paroquial de Arroios, nasceu em 2008 em resposta às perguntas: Quem são estas pessoas que todas as noites aqui se reúnem nas escadarias da Igreja e no jardim? Que podemos fazer por elas?....”

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