RICARDO OHARA O Encanto do Pássaro Azul 1ª Edição · “A fantasia permanecerá adormecida até...
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RICARDO OHARA
O Encanto do Pássaro Azul
1ª Edição
“CAROS AMIGOS ESTOU DISPONIBILIZANDO O
PRIMEIRO CAPÍTULO DO MEU LIVRO - O ENCANTO
DO PÁSSARO AZUL - PARA QUE POSSAM APRECIAR
UM POUCO MAIS DO MEU TRABALHO. DIVIRTAM-
SE... CASO SE INTERESSEM PELO LIVRO ELE ESTÁ
DISPONÍVEL NOS SITES:
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O Encanto do Pássaro Azul transborda magia desde o primeiro
capítulo até o último. Vô Jô, uma das personagens principais,
recebe a filha Clara, o genro e os netos para passarem alguns
dias de férias no Sítio do Jacaré do Papo Dourado. Danilo, o
filho mais velho, mostra-se muito amargurado e descontente,
pois pretendia viajar com os amigos da escola para uma colônia
de ferias. E para quebrar a monotonia do dia a dia, vô Jô
convoca a todos para uma sessão de contos, onde todas as
noites um dos participantes contaria uma história. E a magia
começa a acontecer, misturando a realidade com a fantasia.
Interferindo na vida de todos e principalmente na do Danilo,
que se entrega totalmente ao encanto do pássaro azul.
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“A fantasia permanecerá adormecida até que o sol
desponte no brilho de um olhar...”
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1
O Sítio do Jacaré do Papo Dourado já estava às vistas. As
crianças, cheias de euforia, começaram a gritar e saltitar dentro
do carro. Os pais, na tentativa quase que inútil, tentavam
acalmar as meninas, Ana Clara e Gabriela, mas de nada
adiantava. A visão da grande porteira do sítio anunciava dias
de muitas travessuras: correr em volta do antigo casarão,
alimentar as carpas coloridas no pequeno lago, brincar de pique
no pomar sentindo o cheiro suave de frutas frescas; claro que
tudo isso com a companhia permanente do fiel companheiro e
travesso vô Jô.
Fazia tempo que a família não passava longas férias no
sítio. Apenas algumas visitas rápidas no fim de semana. Danilo,
o filho mais velho, já com os seus onze anos de idade, não
demonstrou tanta alegria ao avistar a porteira do sítio. Estava
ali contra a sua vontade. Queria mesmo ter ido junto com a
turma da escola para a colônia de férias.
- Desemburra essa cara, Danilo – chamou-lhe a atenção a
mãe.
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- Que coisa chata! Só eu que não fui para a colônia de férias.
Eu queria estar lá agora e não aqui no meio do mato. Aqui
não tem nada para fazer. Só tem gente chata e bichos.
- Eu não estou lhe reconhecendo, Danilo. Você sempre
gostou de passar a temporada de férias no sítio do seu avô.
Você não sente saudades dele?
- Claro que eu sinto. Mas a gente não se fala sempre por
telefone?
- Não é a mesma coisa.
- Mas eu queria ter ido com os meus amigos para a colônia
de férias. Aqui só tem velho, não tem ninguém da minha
idade.
- Vê se para de reclamar, rapazinho – repreendeu-o o pai.
- Eu adoro passar as férias aqui com o vô Jô. Tudo aqui é tão
bonito! – disse Ana Clara, a filha do meio, com oito anos
de idade.
- Olha lá o malhado pastando – gritou Gabriela, a mais nova
de todos, com quase cinco anos de idade.
- Olha o vô Jô, ele veio abrir a porteira. Vô! – gritou Ana
Clara.
As meninas abriram a porta do carro e correram na
direção do avô, cobrindo-o de abraços e muitos beijos.
- Quanta saudade o vô estava sentindo de vocês, meu
tesouro.
- Vamos, meninas, entrem no carro! Ainda não chegamos.
- Ah, mãe, eu quero ir de charrete – insistiu Gabi.
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- Eu também quero ir de charrete – entusiasmou-se Ana
Clara, reforçando o pedido da irmã.
- Está bem. Mas tenham cuidado.
- Oba! – gritaram as duas.
As meninas correram, subiram na charrete e se juntaram
ao avô.
- Iah! – gritou vô Jô, agitando as rédeas do cavalo.
- Vamos cavalinho! Eu nem vejo a hora de ver o dingo e o
hércules. Eu estou morrendo de saudade deles.
- Eles também devem estar morrendo de saudade de você,
Gabi. E nós temos mais um amiguinho morando aqui no
sítio.
- Quem? Outro cachorro, vô? – perguntou Ana Clara.
- Vocês vão ver. É uma grande surpresa.
- Não é um cachorro? Então é um gatinho... – insistiu Gabi,
cheia de curiosidade.
- Calma, logo vocês vão ver.
- É um bicho grande?
- Gabriela, o vô já disse que é uma surpresa.
- Meninas! Logo, logo, vocês vão ver. Pronto! Vamos
descer e entrar. Os seus pais devem estar nos esperando
com ansiedade.
- Mamãe! O vô disse que tem uma surpresa para gente –
gritou Gabi, descendo da charrete e correndo ao encontro da
mãe.
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- É? O que o senhor está aprontando dessa vez, papai? –
perguntou Clara.
- Não é nada de mais. É que as meninas estão entusiasmadas
para ver o novo amiguinho que está morando aqui com a
gente.
- Outro cachorro?
- É surpresa, filha. E você, Danilo?
- Eu o quê?
- Não vem dar um abraço no vô?
O menino, ainda carrancudo, levantou-se do sofá e deu
um abraço meio sem graça no avô, deixando sua mãe indignada
por tratar o avô com tanta indiferença.
- O que há com você, meu filho?
- Nada, vô.
- Está chateado? Já sei, não queria ter vindo para cá. Está
sentindo falta dos amiguinhos?
- É que eu queria ir para a colônia de férias com a turma da
escola. Eu sei que ia ser muito legal. Melhor do...
- Danilo! – repreendeu-o o pai.
- Desculpa, vô. Eu também estava com muita saudade do
senhor – retratou-se o menino, meio envergonhado.
- Você vai ter muito tempo para se divertir com os seus
amiguinhos, meu filho. Deixa essa tristeza de lado e
aproveita as suas férias aqui no nosso sítio. Você sempre
adorou passar as férias aqui. Eu me lembro bem quando
você ainda era bem pequenino, e não faz tanto tempo assim,
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fazia um escândalo para não ir embora, saía daqui aos
soluços. Teve uma vez que você cismou que queria levar
um cavalo com você.
- Eu gosto daqui, vô. Mas é que...
- Eu acho melhor desfazermos as malas e tomarmos um bom
banho. O que vocês acham disso?
- Claro, filha. Eu vou chamar alguém para ajudar a carregar
a bagagem.
Mais tarde, bem de noitinha, após o descanso da longa
viagem, todos se acomodaram à mesa para jantar.
Danilo, ainda muito emburrado, demonstrava muita
tristeza e insatisfação de estar ali, deixando vô Jô com um
semblante de preocupação. Mas ele tentou disfarçar para que o
menino não percebesse que estava sendo observado. Sentia-o
bem longe dali, e isso poderia tornar os seus dias no sítio
enfadonhos e cansativos. Tinha que pensar em um modo de
trazer o menino inteiro para junto deles – pensou ele.
A comida estava tão saborosa que não se ouvia uma só
palavra, apenas o tilintar dos talheres e os olhares de satisfação.
Após o jantar todos foram para o salão do antigo casarão.
Os adultos ficaram conversando ao sabor de um café bem forte,
servido pela empregada da casa. Enquanto as meninas,
totalmente despojadas, jogaram-se sobre as grandes almofadas
que cobriam o assoalho, submergindo em sua maciez com tanta
satisfação e felicidade por estarem passando as férias no sítio
do vô Jô. Claro que com Danilo não acontecia o mesmo. Ele
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sequer contraía um músculo da face. Toda a euforia e alegria
extravasada por todos naquele momento não conseguia arrancar
dele um singelo sorriso de satisfação. Pelo contrário, ele sentia
muita raiva. A sua vontade era de sair correndo, ir para bem
longe daquele lugar e de todos.
- Seu Jô, vou lhe falar com franqueza, eu já estou começando
a me sentir outra pessoa. A cidade grande nos estressa
muito. A gente trabalha tanto para manter certo padrão de
vida que nem vê o tempo passar. E olha que passa muito
rápido. Às vezes eu chego em casa tão cansado, tomo um
banho, janto, sento no sofá para relaxar um pouco e ali
mesmo eu apago. Não sei nem como eu fui parar na cama.
Eu só sei que quando eu abro os olhos já está na hora de me
levantar e trabalhar, trabalhar...
- Eu sei muito bem como é este corre-corre, Rony. Eu já
passei por isso.
- Eu gostaria de passar mais tempo aqui, papai. Eu adoro isso
tudo aqui. Aqui eu nasci e cresci. Passei praticamente toda
uma vida neste sítio. Tenho grandes recordações e muitas
saudades.
- É por isso que eu quero morrer aqui, minha filha.
- Não vamos falar em morte...
- Mas a morte faz parte da vida. Um dia eu terei que partir,
não sou eterno...
- Para mim o senhor é.
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- Eu sei, querida. Eu amo muito todos vocês. Quando eu
abro aquela porteira e vejo todos vocês passarem por ela, eu
me sinto o ser mais feliz do planeta.
- Do planeta, vô? – questionou-o Ana Clara, dando-lhe um
sorrisinho irônico.
- Do planeta não... Do universo...
- Mamãe, lá fora está cheio de fadinhas voando. Vem ver,
vem ver – gritou Gabi, agarrando a mãe pelas mãos e
puxando-a até a janela.
- Fadinhas? Que coisa ridícula! – murmurou Danilo.
- Nossa! É mesmo, querida.
- Não vai me dizer que o sítio está sendo invadido por
fadinhas? Essa eu quero ver – disse Rony, levantando-se
apressadamente do sofá.
- Eu posso ir lá fora para ver de mais perto?
- Não, Gabi. Senão, elas vão ficar assustadas e vão embora.
- Que pena!
- Não deveríamos explicar para a menina que as fadinhas que
ela está vendo são apenas vaga-lumes? Afinal, ela já está
bem crescidinha para ficar acreditando nessas coisas... –
murmurou Rony no ouvido da Clara.
- Não. Deixe-a pensar que são fadinhas. Não vamos tirar
dela esse momento de magia. Eu também acreditava que
eram fadinhas.
- Acho que você é meio destrambelhada como o seu pai.
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- A magia está dentro de nós, meu amor. E aqui no sítio eu
posso achar tudo. Aqui, tudo é um pouco mágico.
- Mágico?
- Não são lindas, mamãe? – continuou Gabi, deslumbrada
diante do apagar e acender das pequeninas luzes que
ziguezagueavam entre a vegetação.
- Olha lá para fora, Rony.
- Eu estou olhando. E daí?
- Responda com sinceridade, vaga-lumes voam tão rápido?
- O quê? Acho que sim. Bem, estão rápidos mesmos. O que
você...?
- Eu não estou querendo dizer nada – respondeu ela, dando
uma risadinha de deboche.
No dia seguinte, durante o café da manhã.
- Dormiram todos bem? – perguntou-lhes vô Jô.
- Parece que sim, papai.
- Parece que eu dormi cem anos! – respondeu Rony,
espreguiçando-se.
- Cem anos, papai? – questionou-o Ana Clara.
- É, filha. Eu quis dizer que dormi muito bem. E você,
Danilo?
- Eu, o quê?
- Já passou a ranhetice?
- Eu também gostaria de poder dizer que estou me sentindo
como se tivesse dormido cem anos.
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- E por que não dormiu, Danilo?
- Com esse monte de barulho chato, quem é que consegue
dormir...
- Barulho? Você está falando do quê? – estranhou Rony.
- Ele está falando dos pequenos seres da natureza –
respondeu vô Jô.
- Pequenos seres?
- É pai... Os grilos, sapos e outros bichos mais – retrucou
Danilo.
- Ah, agora eu entendi. O problema, Seu Jô, é que ele ficou
com o pensamento longe, por isso não conseguiu dormir
direito. Mas acho bom deixar esse mau humor de lado... –
esbravejou o pai.
- Deixa o garoto. Logo, logo, isso passa. Nós também já
tivemos a idade dele. Ele tá ficando um rapazinho. Tá
sentindo falta dos amigos, das meninas. Mas eu garanto
que ele ainda vai se divertir muito por esses dias. Nem vai
querer ir embora quando as férias acabarem.
- E a surpresa, vô? – lembrou-o Gabi.
- Que surpresa, filha? – perguntou Rony.
- A surpresa que o vô disse que ia nos mostrar. Ele disse que
tinha um novo amiguinho morando no sítio.
- Tem mais crianças morando aqui no sítio, papai?
- Não, Clara. É um...
- Um...? – continuou Gabi, cheia de curiosidade.
- Se eu falar, não vai ser uma surpresa.
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- Mostra logo vô – insistiu Ana Clara.
- Todos já terminaram o café?
- Já! – gritaram as meninas, levantando-se apressadamente
como um soldado para receber as ordens do comandante vô
Jô.
- Então vamos lá! Vamos conhecer o nosso novo amiguinho.
Vô Jô tomou as duas meninas pelas mãos e convidou a
todos para que os seguissem. No meio do caminho foram
surpreendidos pelos cães dingo e hércules. Os bichanos
fizeram a maior festa, pulando e lambendo as meninas sem
parar.
- Dingo! – gritou Ana Clara, afagando a cabeça do cão.
- Venham! Venham! – chamou-os vô Jô, entrando no
estábulo.
- Mas para que tanto mistério, papai?
- Olhem! Este é o nosso novo amiguinho.
- Que cavalinho mais lindo! – gritou Gabi, aproximando
mais do animalzinho.
- Um potrinho, papai! – maravilhou-se Clara.
- Ele vai crescer mais que o malhado, não vai mamãe? –
indagou Gabi.
- Vai, filha. Ele vai ficar do tamanho da mãe dele.
- E quem é o pai dele? – continuou ela.
- O pai dele é um belo puro sangue que mora em outra
fazenda, bem longe daqui – explicou-lhe vô Jô.
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- Mas por que ele não está aqui com o filhote, vô? O pai não
tem que ficar perto do filho? – continuou a menina com as
suas perguntas desenfreadas.
- É que o cavalo, pai do potrinho, não pertence ao vô, meu
anjo. O dono dele mora em outra fazenda.
- Mas o potrinho não vai sentir falta do pai dele?
- Só um pouquinho, querida. De vez em quando ele vem
visitar o filho. Ele tem outros filhos para cuidar.
- Muitos?
- Muitos... Ele sabe que a gente vai cuidar bem dele. Não
vamos?
- Vamos! – gritaram as meninas cheias de empolgação.
- Realmente, Seu Jô, é uma bela cria – elogiou Rony. – Foi
inseminação artificial?
- Não. Eu levei a égua para a cobertura. É um puro sangue
de muito valor.
- Eu posso tocar nele, mamãe?
- Não, Gabi. A mãe dele pode ficar brava.
- E o que você achou, Danilo? Danilo?
- O quê?
- Danilo, seu avô está perguntando o que você achou do
potrinho.
- Sei lá, mãe. É bonitinho – respondeu o garoto,
aproximando-se do potrinho com certa indiferença.
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- Só falta escolher um belo nome para ele. Eu vou deixar a
tarefa para vocês. Cada um vai escolher um nome. Vamos
realizar uma grande sessão familiar, com pipocas, bolo e
muitos outros doces. Que tal? Todos concordam?
- Que legal! – gritou Ana Clara.
- Agora vamos que a mãe dele está ficando um pouco
agitada. Eles têm que descansar.
- Que pena! Eu queria ficar aqui olhando mais um
pouquinho.
- Vamos Gabriela. Você vai ter muito tempo para ficar
olhando para o seu novo amiguinho.
- Só mais um pouquinho, papai.
- Vamos, Gabi – esbravejou Rony, puxando-a pela mão
contra a sua vontade.
- Amanhã o vô vai soltar ele um pouco para pastar com mãe.
Ele já está forte. Vai se sair bem.
- Eu já tenho um nome lindo para dar a ele.
- Depois, Gabi.
- Mas pai... É um nome tão lindo, tão lindo, que vocês vão
adorar...
- Vamos, crianças. Vocês vão ter muito tempo para pensar
em um nome para dar para ele. Eu também tenho que ir à
cidade para comprar algumas coisas para abastecer a casa.
- Eu vou com o senhor, papai. Você se importa de ficar e
olhar as crianças, Rony?
- Mas...
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- Eu preciso comprar algumas coisas que eu esqueci de
trazer. Vamos, papai.
- Eu vou adorar.
Enquanto tomavam a estrada, vô Jô não deixava de
observar Clara. Sabia que alguma coisa estava acontecendo e
tinha a ver com o comportamento do Danilo. No entanto,
continuou calado, esperando que ela tomasse a iniciativa, não
queria bancar o intrometido.
- Puxa! Isso aqui está cada vez mais lindo. Parece até que
estamos em um outro mundo. Nos grandes centros urbanos
se vê tão pouco verde. Aqui os problemas parecem tão
pequenos.
- E são. Basta que saibamos a hora certa de atacá-los.
- Papai, meu grande e melhor amigo. Como poderia
esconder do senhor que estou com uma batata quente nas
mãos.
- Não podemos deixar a batata nos queimar, meu bem.
Devemos colocá-la para esfriar em algum lugar.
- Se fosse tão fácil assim...
- O que está acontecendo, Clara?
- É que eu ando um pouco sem paciência com tudo. Marido,
filhos, o cotidiano...
- Mas você sempre foi tão paciente e dedicada a sua família.
- Eu tenho me esforçado tanto... Mas às vezes acontecem
várias coisas ao mesmo tempo... Parece até que eu vou
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enlouquecer. A vida da gente é uma correria só. Tem
sempre alguma coisa que foge do nosso controle.
- É o Rony?
- Também tem a ver com ele.
- Tem alguém com alguma doença grave?
- Não, papai. Não há doença alguma.
- Então o que é?
- O Danilo está muito rebelde. Não é mais aquele garotinho
carinhoso, amoroso e obediente como antes. Acho que não
estamos sabendo lidar com isso. O Rony passa mais tempo
trabalhando e dormindo. Até já brigamos por causa disso.
- Isso é coisa da idade. Ele está ficando rapazinho. Hoje, um
garoto da idade dele não pensa e nem vive como um garoto
de tempos atrás. É todo esse modismo... Essa coisa de
Internet. Cuidado com isso, minha filha.
- Eu sei papai. Mas eu estou sempre fiscalizando. Eu não
deixo que eles fiquem muito tempo navegando na Internet.
Eu converso muito com eles sobre isso.
- Então o que está realmente acontecendo, Clara?
- Ele está muito agressivo. Investe contra as meninas com
violência. Está muito ciumento e possessivo.
- Foi por isso que vocês não deixaram ele ir para a colônia de
férias com a turma da escola?
- Também. Hoje nós temos um padrão de vida bem melhor
do que antes. Trabalhamos muito para isso. E ele sempre
quer que façamos as suas vontades. Acho que em parte
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somos um pouco culpados, mas já está na hora dele
aprender a lição. Precisa compreender mais. Precisa
dedicar-se mais aos seus estudos, a sua família. Sei lá. Às
vezes eu fico um pouco perdida, sem saber como agir. Eu
fico apavorada só em pensar na possibilidade dele estar
usando drogas.
- O que Rony acha de tudo isso?
- Às vezes ele concorda comigo. Outras vezes não. Isso está
gerando muitas discussões entre a gente. Ainda bem que
dessa vez ele concordou comigo em não deixar o Danilo ir
para a colônia de férias. Já estava passando da hora de
tomarmos uma atitude mais enérgica com ele. Ele não
queria vim com a gente de jeito algum. Veio obrigado. Até
nos ameaçou dizendo que ia fugir de casa e que a gente não
ia ver a cara dele nunca mais. O Rony quase que perdeu a
paciência e deu umas sacudidas nele. É por isso que ele
está todo emburrado com a gente. Não tem nada a ver com
o Senhor. Na verdade, estamos todos precisando do
aconchego da família. Precisamos do seu aconchego.
Precisamos da sua ajuda.
- Eu também preciso do aconchego de vocês. Vocês são a
minha família.
- Eu adoro conversar com o Senhor, sabia. Esse seu jeitinho
especial de ouvir atentamente o que a gente está falando
sem interromper uma palavra, e depois confortar a gente
com suas palavras doces e sábias... Isso é único. O Senhor
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se lembra de quando eu fiquei menstruada pela primeira
vez?
- Claro!
- Eu corri assustada para contar para o Senhor. Engraçado
que eu não tive nem um pouco de vergonha.
- Eu fiquei muito emocionado em compartilhar esse
momento com você, filha.
- Eu sei. Mas a mamãe ficou com um pouco de ciúmes, não
foi?
- Foi? Mas ela nunca teve esse jeito aberto de conversar
sobre essas coisas. Bem lá no fundo, ela até gostou.
- Jura?
- Claro. Ela ficava fascinada quando nos via juntos
conversando.
- Eu achava que ela sentia ciúmes.
- Talvez sentisse um pouquinho. Mas ela sempre dizia que
sentia uma alegria enorme quando nos via juntos. Dizia
que era contagiante.
- Eu sinto muita saudade dela.
- Eu também, filha.
- Eu queria tanto que fosse assim também com o Danilo. Às
vezes eu sinto que ele está cada vez mais distante de nós,
papai. Eu não sinto nele aquele apego familiar. Está
sempre distante. Tem hora que eu me sinto uma estranha
diante dele. É horrível.
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- Besteira, filha. Nós vamos encontrar uma solução. Sempre
encontramos, não é?
- É por isso que estamos aqui.
Mais tarde, enquanto todos estavam reunidos no salão do
antigo casarão, vô Jô pediu um pouco de atenção. Danilo, ainda
bem fechado, despojado em uma das poltronas assistindo
televisão, torceu o nariz, colocou o controle remoto de volta no
móvel e ficou prestando atenção nas palavras proferidas pelo
avô.
- Senhoras, senhoritas e senhores, está aberta a sessão de
debate para a escolha do nome que será batizado o mais
novo integrante desta família. Na mesa à frente, muitos
doces, bolos, refrescos, e ainda com o direito dos
participantes ouvirem uma grande história.
- Qual? – perguntou Ana clara, como se conhecesse todas as
histórias contadas pelo avô.
- Eu acho que já ouvi todas as histórias contadas pelo vô Jô?
– ironizou Danilo.
- Dessa vez eu vou surpreender a todos. Eu sei onde tem
muitas histórias que vocês nunca ouviram.
- É mesmo, vô. Onde? - insistiu Gabi.
- Dentro de um enorme baú mágico. Um verdadeiro
tesouro...
- Eu estou morrendo de curiosidade para ouvi-las.
- Depois, Ana Clara. Agora vamos aos nomes que Vossas
Senhorias escolheram.
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- Eu escolhi Floco de Neve – gritou Gabi.
- Que nome lindo Gabi! – emocionou-se a mãe.
- Mas o potrinho não é negro? – espantou-se Rony.
- Não tem importância, Rony.
- Eu sei papai, mas é que ele é tão fofinho e pequenino que
parece um floquinho...
- Que idiota! – implicou Danilo.
- Mamãe, o Danilo me chamou de idiota – reclamou a
menina.
- Danilo, se você não se comportar vai para o seu quarto –
repreendeu-o o pai.
- Eu escolhi sansão, por que ele tem uma crina bem
comprida, e vai se tornar um garanhão grande e forte, feito
o Sansão das histórias – manifestou-se Ana Clara.
- Ele tem cara de sansão – concordou Rony.
- Por que não pode ser floquinho de neve? – reclamou Gabi,
emburrando a cara.
- Calma, meu anjo. É por isso que estamos todos aqui, para
apresentar vários nomes e escolher um só. Você escolheu
floquinho. A Clara escolheu sansão. Agora temos que
esperar a apresentação dos outros nomes para a gente
escolher um só. O seu nome é muito bonito – confortou-a
a mãe.
- Não pode ser mais de um nome? Aí pode colocar floquinho
também.
- Até poderia, coisa rica do vô – respondeu o velho rindo.
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- Então!
- Mas é que bicho não é igual à gente, Gabi. Só um nome
basta. Se a gente colocar vários nomes, ele vai ficar
confuso. E quando você chamá-lo para brincar, ele não vai
lhe dar atenção.
- Tá bom, vô.
- E você Danilo?
- Eu o quê?
- Escolheu algum nome?
- Eu não.
- E você Clara?
- Papai, eu nem parei para pensar em algum.
- Rony?
- Eu?
- É.
- Bom...Que tal... Poderia ser...
- Já vi que você também não parou para pensar em um nome.
Mas não tem problema.
- E o Senhor escolheu qual, vô? – perguntou Ana Clara.
- Eu pensei em Fúria. Ele tem jeito que vai ser um pouco
valente. Bravo.
- Nós já tivemos um cavalo no sítio com esse nome. Eu
gostei, papai.
- Ninguém gostou do nome que eu escolhi – resmungou
Gabi, cruzando os braços e amarrado a cara.
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- Gostamos sim, meu bem. Mas como vamos chamar o
potrinho de floquinho de neve se ele é todo preto. Se ele
fosse todo branquinho como a neve... – justificou o avô.
- Então pode ser só floquinho? Ele é tão fofinho que parece
um floquinho – insistiu a menina.
- Eu nunca vi tanta palhaçada – resmungou Danilo.
- O que foi que você falou rapazinho?
- Nada, pai.
- Eu ouvi.
- É que eu acho tudo isso muito chato. Eu preferia estar
assistindo um bom filme na televisão.
- É só uma brincadeira, Danilo.
- Eu sei, mãe. Mas é que vocês ficam falando de um cavalo
que mal acabou de nascer como se ele fosse a coisa mais
importante do mundo. A gente nem sabe se ele vai estar
vivo amanhã.
- Mas este é o segredo, Danilo. Devemos celebrar a vida
com muita alegria enquanto ela se manifesta e está
presente. Não somos dono do amanhã. Não sabemos nem
se nós mesmos estaremos vivos daqui a um segundo.
- Desculpa, vô. É que vocês ficam falando desse cavalo
como se ele fosse uma jóia muito preciosa, um diamante.
- Isso!
- Isso o quê? – espantou-se o menino.
- Ele é muito importante para nós, Danilo. É a nossa jóia.
Nosso diamante negro.
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- Diamante negro? Eu adorei! É melhor do que floquinho –
gritou Gabi, radiante.
- Todos concordam com o nome escolhido? – perguntou vô
Jô, olhando com entusiasmo para Danilo.
- Sim! – gritaram todos; menos Danilo, que se sentiu acuado
e forçado a participar da solene sessão.
- Então vamos comemorar! – gritou vô Jô, olhando para
Clara com ar de satisfação.
E avançaram todos à mesa para saborearem as
guloseimas que foram preparadas para a grande ocasião. Até
Danilo, que se encontrava um pouco arredio, não resistiu,
juntou-se a todos e aos poucos foi deixando de lado um pouco
do seu mau humor.
Os empregados da casa também foram convidados para
participarem da comilança e trouxeram com eles os seus filhos,
dois meninos. Carlos, quase da idade do Danilo, e José, com a
mesma idade da Ana Clara. O bastante para que em poucos
minutos toda a criançada se sentisse à vontade para fazer uma
grande algazarra.
- Vô Jô, você não vai contar a historinha? – perguntou Gabi,
cochichando no ouvido dele.
- A história? Acho que já está um pouco tarde, querida. Mas
amanhã eu prometo que contarei uma bela história. Ou
melhor, venham todos para cá.
- O que foi papai? – perguntou Clara, espantada e ao mesmo
tempo curiosa.
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- Filha, a Gabi veio me perguntar se eu não vou contar uma
história. Isso até me deu uma grande idéia. E isso inclui
todos que estão aqui presente, inclusive a Maria, o Zé Pedro
e as suas crianças. Vamos fazer todas as noites reuniões
iguais a esta. Só que tem uma coisa, a cada noite um de nós
contará uma história diferente. Vamos nos tornar
contadores de histórias. Que tal?
- Oba! Eu adoro ouvir historinhas – gritou Gabi.
- O que vocês acham? Podemos também nos reunir lá fora,
acender uma fogueira. Seria divertido, não?
- Só o Senhor mesmo para ter essas idéias, papai.
- Clara, minha Clarinha, você não se lembra das histórias
contadas pelos seus avós?
- De algumas sim, papai.
- Então, conte-as aos seus filhos.
- Mas as crianças de hoje não querem saber de ficar sentadas
ouvindo histórias.
- É porque elas são contadas sem magia. Tem que ter
emoção, Clara. Tem que sair do coração.
- Eu sou péssimo para contar histórias. Não levo o melhor
jeito para tal coisa, mas prometo ser um bom ouvinte -
disse Rony, bocejando.
- Então está combinado. A partir de amanhã a magia vai
tomar conta deste sítio.
No dia seguinte, mal havia clareado e vô Jô já estava de
pé, pronto para começar os seus afazeres. Tomou o seu café e
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foi direto para o estábulo para ver como estava passando o
potrinho.
Olhou para o animalzinho com um olhar examinador. O
pequeno diamante negro estava arisco, forte, pronto para correr
com sua mãe pelas pastagens. Mas ele queria fazer isso junto
dos meninos. Queria que eles também sentissem a emoção de
ver aquele novo e pequenino ser sair em disparada junto de sua
mãe correndo pelas pastagens. Deixou-os quietos por um
instante e seguiu em direção a um pequeno sótão que existia na
parte superior do antigo casarão.
O lugar estava um pouco empoeirado, cheio de teias de
aranhas e quinquilharias. Ele entrou de mansinho, olhando
tudo ao seu redor. Até que encontrou um velho baú. Ficou por
algum tempo olhando para o velho baú, alheio a tudo que
estava a sua volta, como se tivesse voltado no tempo em busca
de suas lembranças. Dos seus olhos algumas lágrimas de
saudades rolaram pelo rosto, caindo sobre a sua mão,
despertando-o, transportando-o ao tempo real.
Cuidadosamente, ele abriu o velho baú, remexeu-o até
encontrar um pequeno caderno amarelado pelo tempo. Tomou-
o em suas mãos e saiu apressadamente, sem se dar conta do
tempo que havia passado no sótão debruçado sobre o velho baú
agarrado as suas doces lembranças. Mas foi o tempo suficiente
para que todos acordassem, tomassem o café e saíssem para um
banho de sol.
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- Eu estava esperando vocês acordarem. Vamos ver o
diamante negro correr pelo pasto?
- Vamos! Vamos! – gritou Gabi, correndo ao encontro do
avô e segurando na sua mão.
E todos os outros se juntaram a vô Jô para assistirem o
primeiro dia do potrinho solto, pastando junto de sua mãe.
O potrinho logo que foi solto no pasto começou a
espinafrar e a dar pinotes, correndo de um lado para o outro
sem parar.
- Realmente, Seu Jô, ele é um belo animal – elogiou Rony.
- Concordo plenamente com você, meu genro.
- Vô Jô eu posso montar um pouquinho no malhado? –
perguntou Gabi.
- Claro meu bem. Eu vou colocar a sela nele.
E assim foi se passando mais um dia no Sítio do Jacaré
do Papo Dourado. Todos entusiasmados com o pequeno
potrinho, batizado pelo nome de diamante negro.
Já de noitinha, após o jantar, todos se deslocaram para o
salão do antigo casarão. Acomodaram-se e ficaram aguardando
a chegada dos empregados de confiança da casa, Maria, Zé
Pedro e os seus filhos.
Quando todos já estavam reunidos e bem à vontade, vô
Jô chamou a atenção para si e abriu a sessão agradecendo a
presença de todos. Depois, sentindo-se um pouco emocionado,
deu um discreto suspiro de saudade, tomou na mão o pequeno
caderno amarelado pelo tempo e começou o seu discurso.
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- Aqui estão algumas das histórias contadas por gerações de
minha família, inclusive pela minha falecida mulher, que
sempre procurou guardá-las com muito zelo e carinho neste
pequeno caderno. Ela sempre dizia que não poderia se
perder coisas tão ricas. E hoje eu vejo que ela tinha razão.
Prova disso, é podermos estar todos aqui reunidos para
ouvi-las e até, quem sabe, aprender um pouco com cada
uma delas. Sei também que cada um de vocês deve guardar
uma pequena história em seus corações. Digo no coração,
pois é ele quem a conduz, que dá vida a cada palavra, a
cada frase. Então, podemos começar?