Revolução Russa: história, política e literatura 7 ensaios...

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    MARITEGUI, Jos Carlos. Revoluo Russa: histria, poltica e literatura. So Paulo,

    Expresso Popular, 2012.

    Sydnei Melo Mestre em Cincia Poltica, IFCH/UNICAMP)

    A publicao de Revoluo Russa: histria, poltica e literatura d continuidade a um

    trabalho, cada vez mais consistente, de divulgao e estmulo produo de estudos sobre a

    obra do socialista peruano Jos Carlos Maritegui (1894-1930) no Brasil. O reconhecimento

    dos escritos do Amauta em nosso pas, no obstante referncias muito pontuais localizadas

    entre as dcadas de 1920 e 19601, se inicia mais explicitamente com a traduo e publicao

    dos 7 ensaios de interpretao da realidade peruana em 1975, por iniciativa do socilogo

    Florestan Fernandes, quarenta e sete anos depois da publicao de sua primeira edio no

    Peru2. Aps este indito impulso, as ideias de Maritegui comeam a receber maior ateno

    por parte de intelectuais e militantes polticos brasileiros durante a dcada de 1980 entre os

    quais, poderamos mencionar, Joo Pedro Stedile, Michael Lwy3, Jos Paulo Netto

    4, Hctor

    Alimonda, Carlos Nelson Coutinho5 e Alfredo Bosi

    6. Um silncio nas referncias a

    Maritegui sucede este perodo, sendo interrompido em 1998 com a publicao de um artigo

    de Adolfo Snchez Vsquez, debatendo aspectos do marxismo de Maritegui, em uma

    antologia organizada por Paulo Barsotti e Luiz Bernardo Perics7. Desde ento, autores e

    pesquisadores como Bernardo Ricupero8, Enrique Amayo e Jos Antonio Segatto

    9, Leila

    1 Deste perodo existem referncias a correspondncias trocadas por Maritegui com os brasileiros lvaro

    Soares Brando (em 1928) e Baltazar Dromundo (1929). Aparentemente, a primeira meno a Maritegui em

    uma publicao brasileira seria feita por Alberto Guerreiro Ramos, em 1941. J Nelson Werneck Sodr, na

    passagem das dcadas de 1950-1960, tomaria Maritegui como referncia para um curso que ministraria no

    Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), alm de citar extensamente os 7 ensayos em seu livro

    Formao Histrica do Brasil, de 1962. Em geral, porm, Maritegui no lembrado nos escritos de

    intelectuais e militantes ligados ao PCB por mais que entre os comunistas brasileiros houvesse algum

    conhecimento, mesmo que tangencial, das ideias do socialista peruano (PERICS, 2010, p. 338-345).

    2 O socilogo tambm coordenaria, no Brasil, uma coleo de obras compiladas de cientistas sociais, entre

    as quais se encontraria uma seleo de textos do jornalista peruano (organizada por Manoel Lelo Belloto e

    Anna Maria Martinez Correa). Em 1994, Fernandes ainda publicaria o artigo O significado atual de Jos

    Carlos Maritegui (cf. PERICS, 2010, p. 345-347)

    3 Na dcada de 1980, Lwy publica na Frana uma antologia de textos sobre o marxismo na Amrica Latina,

    incluindo escritos de Maritegui. A compilao seria traduzida para o portugus na dcada de 1990.

    4 Autor de O contexto histrico-social de Maritegui, publicado na revista Encontros com a Civilizao

    Brasileira em 1980.

    5 Coutinho o tradutor de uma breve biografia e anlise redigida por Alimonda, Jos Carlos Maritegui,

    publicada em 1983.

    6 Bosi publica, em 1990, o artigo A vanguarda enraizada: o marxismo vivo de Maritegui, na revista Estudos

    Avanados.

    7 Amrica Latina: histria, ideias e revoluo, publicado pela editora Xam.

    8 O cientista poltico compara as reflexes de Maritegui e Caio Prado Jr. no captulo Existe um pensamento

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    Escorsim10

    , Yuri Martins Fontes11

    , Andr Kaysel12

    , alm dos j citados Michael Lwy13

    e

    Luiz Bernardo Perics, produziram e organizaram para o pblico brasileiro comentrios,

    tradues e coletneas de textos redigidos pelo Amauta (cf. PERICS, 2010; COSTA e

    CLEMENTE, 2012).

    Neste sentido, deve ser ressaltada a importncia do trabalho realizado por Luiz

    Bernardo Perics. Destaco o nome do professor do Departamento de Histria da FFLCH/USP

    no apenas por ser o organizador, tradutor e autor do prefcio da coletnea aqui resenhada,

    como tambm por ser o principal responsvel pela publicao dos textos de Mariategui no

    Brasil nos ltimos dez anos, por meio dos volumes Do sonho s coisas: retratos subversivos

    (2005), Maritegui sobre educao (2007), As origens do fascismo (2010), alm de

    Revoluo Russa, publicado em 2012. notvel, tambm, a postura de diferenciao editorial

    assumida por Perics em relao publicao dos textos de Maritegui na coleo Obras

    Completas, organizada pela Editora Amauta ao longo da segunda metade do sculo XX: os

    volumes publicados no Brasil tem se caracterizado por critrios distintos de seleo dos textos

    do escritor peruano, os diferenciando, em grande medida, dos formatos de publicao

    assumidos pela coleo peruana. Acrescente-se, no caso de As origens do fascismo e

    Revoluo Russa, a adoo da ordem cronolgica de publicao dos artigos e ensaios

    mariateguianos na organizao destes volumes, possibilitando uma compreenso mais clara

    da trajetria percorrida pelas reflexes do Amauta ao longo do tempo.

    Revoluo Russa , como afirma o prprio Perics no prefcio deste livro, a mais

    completa coletnea em lngua portuguesa de textos escritos por Jos Carlos Maritegui sobre

    a Revoluo de Outubro. Tratam-se de artigos divulgados em diferentes veculos de

    comunicao impressa (como o jornal peruano El Tiempo e as revistas Variedades e Mundial),

    conferncias ministradas pelo jornalista nos anos de 1923-1924 junto s Universidades

    Populares Gonzlez Prada, e textos publicados originalmente no primeiro livro lanado por

    Maritegui, La escena contempornea, de 1925. So, portanto, escritos publicados entre 1920,

    quando Maritegui ainda encontrava-se exilado na Itlia, e 1930, ano de sua morte. Essa

    marxista latino-americano? em Caio Prado Jr. e a nacionalizao do marxismo no Brasil (Editora 34,

    2000).

    9 Amayo e Segatto organizam a coletnea J. C. Maritegui e o marxismo na Amrica Latina (UNESP/Cultura

    Acadmica, 2002), com ensaios sobre o pensamento do Amauta.

    10 Autora de Maritegui: vida e obra (Expresso Popular, 2006).

    11 Tradutor e organizador de Defesa do marxismo, polmica revolucionria e outros escritos (Boitempo, 2011).

    12 Publicou Dois encontros entre o marxismo e a Amrica Latina (Hucitec, 2012).

    13 Lwy organizou diversos textos de Maritegui na coletnea Por um socialismo indo-americano: ensaios

    escolhidos (UFRJ, 2005).

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    seleo preserva a opo editorial levada a cabo por dcadas pelos organizadores das Obras

    Completas de no publicar os textos do perodo que ficou conhecido entre os comentadores da

    obra do Amauta como a idade da pedra14

    . Constatado, como registrado no prefcio, que

    Maritegui no apenas era sensvel aos ecos da Revoluo Russa nos anos de 1918-1919,

    como tambm escreveu em defesa do processo revolucionrio protagonizado pelos

    bolcheviques neste mesmo perodo, talvez fosse interessante ver integrados a esta coletnea

    alguns dos escritos juvenis15

    publicados pelo jovem jornalista, abrindo algumas brechas

    para se conhecer um perodo da produo mariateguiana que pouco estudamos no Brasil.

    Evidentemente, isto no reduz o mrito do trabalho de Perics e a importncia que tal

    coletnea representa para os estudos brasileiros sobre Maritegui.

    Apesar de no ter visitado a Rssia em sua passagem pela Europa, o conhecimento

    que Maritegui dispunha sobre a experincia sovitica provinha da leitura de veculos de

    imprensa internacionais e de livros publicados por autores como Edouard Herriot, Anatole de

    Monzie, Luc Durtain, Alvarez de Vayo, entre outros (cf. PERICS, 2012, p. 25). Entre as

    conferncias sobre a Historia de la crisis mundial, Maritegui ministra trs exposies aos

    estudantes e trabalhadores de Lima sobre o episdio da revoluo, as instituies do novo

    regime russo e a biografia poltica de sua principal liderana, V. I. Lenin. Indagado sobre qual

    seria o movimento revolucionrio idealista de maior transcendncia em sua poca,

    consideraria ser este, incontestavelmente, o movimento da Revoluo Russa (MARITEGUI,

    1987, p. 158). As revistas Amauta (1926-1930) e Labor (1928-1929), ambas editadas pelo

    jornalista peruano, publicaram diversos textos produzidos por intelectuais soviticos e por

    colaboradores peruanos e estrangeiros, que escreveram sobre arte, cultura, economia e poltica

    relacionados Rssia (cf. PERICS, 2012, p. 27-29). Maritegui tambm demonstrava ter

    grande conhecimento sobre a produo literria russa, qual dedicou diversos artigos, e

    apontou alguns escritores russos entre seus favoritos, como o poeta Alexander Blok e os

    romancistas Leonid Andreiev e Mximo Gorki (MARITEGUI, 1987, p. 139). Histria,

    poltica e literatura, deste modo, torna-se um subttulo bastante adequado para retratar o

    conjunto de artigos e ensaios que constituem esta coletnea: uma reunio de reflexes de

    14 Segundo o professor Ricardo Portocarrero Grados, a autoria do termo idade da pedra atribuda a

    Maritegui, apesar de no haver nenhum registro escrito deste termo sob sua pena. A classificao seria

    confirmada por seu filho, Javier Maritegui, e foi consagrada entre os mariateguistas com a publicao do

    primeiro tomo do trabalho biogrfico de Guillermo Rouilln, La creacin heroica de Jos Carlos

    Maritegui: La edad de piedra (1975).

    15 Os Escritos Juveniles, reunindo contos, poesias, textos teatrais, crnicas e artigos de Maritegui publicados

    antes de seu exlio italiano, foram lanados pela Editora Amauta entre 1987 e 1994.

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    Maritegui sobre uma revoluo que permeia diferentes esferas da vida de homens e

    mulheres, entre a poltica e a cultura.

    A defesa da Revoluo

    Os textos do Amauta demonstram posies claramente favorveis ao processo

    histrico e poltico desencadeado pelos bolcheviques em outubro de 1917. Nosso autor

    considerava que, apesar de possveis divergncias existirem entre diferentes grupos

    socialistas, a Revoluo Russa sempre seria, para o proletariado, o princpio da revoluo

    social16

    (p. 47). Maritegui no apenas elevava a Revoluo Russa a um alto patamar

    poltico, como tambm conectava o progresso das lutas socialistas ao momento histrico de

    declnio da civilizao europeia que seria, por sua vez, representao da destruio da

    civilizao capitalista: esta civilizao [capitalista] contm o embrio de uma nova

    civilizao. E, como todas as civilizaes, est destinada a extinguir-se17

    (p. 53).

    Em um contexto de fortes disputas ideolgicas, que contrapunham crticos e

    defensores do regime sovitico na Europa, nos Estados Unidos e na Amrica Latina,

    Maritegui assumiu a postura de divulgao e defesa da URSS, realizando tal tarefa por meio

    de leituras da conjuntura poltica internacional e redigindo biografias das principais lideranas

    polticas russas como George Tchitcherin, Anatli Lunatcharski, Grigori Zinoviev, Flix

    Dzerzhinsky, Leonid Krassin, alm de Lenin e Leon Trtsky. Procurando retratar para o

    pblico peruano o que ocorria no interior da URSS, Maritegui teceu comentrios sobre a

    organizao poltica dos sovietes, a representatividade popular dos bolcheviques, a poltica

    diplomtica sovitica, a preocupao do novo governo com os temas da educao e da

    cultura. Nos textos usados em suas conferncias de 1923-1924 h tambm alguns comentrios

    no desenvolvidos, apenas como notas sobre o problema religioso na URSS, a poltica

    econmica do pas, as polmicas com social-democratas e anarquistas, e o papel poltico das

    mulheres. Este ltimo tema ser objeto de um artigo escrito em 1924 pelo Amauta18

    .

    Por outro lado, podemos reconhecer criticamente o fato de Maritegui no considerar,

    de forma mais consistente, a ocorrncia de problemas internos ao modelo sovitico,

    16 A fome na Rssia, publicado em novembro de 1921 (cf. p. 45-47).

    17 O crepsculo da civilizao, publicado em dezembro de 1922 (cf. p. 49-54).

    18 A mulher e a poltica, publicado em maro de 1924 (cf. p. 83-87).

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    especialmente no que tange s dissenses polticas no interior do governo russo19

    . A questo

    abordada por Perics, que sugere que as descries e anlises dos personagens da revoluo,

    unidimensionais e laudatrias em certos momentos, deixariam de mostrar as particularidades

    e os problemas intrnsecos a cada um deles, seja em relao ao carter ou personalidade dos

    mesmos, seja por meio de aspectos tericos ou polticos (PERICS, 2012, p. 33). Os textos

    de Maritegui, de fato, refletem vrias posies otimistas sobre o governo sovitico. Se

    sabemos que Maritegui dependeu fundamentalmente de comentrios de terceiros para

    estudar a realidade sociopoltica russa, e que a Revoluo Russa, sistematicamente atacada

    pela imprensa burguesa de vrios pases, representava um importante ideal de transformao

    para diversos movimentos operrios e socialistas em outras partes do mundo, torna-se

    necessrio ler de forma cautelosa os escritos do Amauta, reconhecendo certos limites de sua

    leitura que possivelmente se conectam s disputas ideolgicas de seu tempo.

    Uma nova literatura russa

    Maritegui tambm dedicou muitas pginas literatura russa, especialmente ao que

    definiu como a nova literatura russa, aquela que seria verdadeiramente realista em razo de

    suas origens no contexto da revoluo. Esta literatura se contraporia a uma literatura dos

    emigrados, voltada somente ao insulto do bolchevismo, e que seria de qualidade inferior.

    Tomando Trotsky como referncia, Maritegui dir que no h literatura que viva e cresa

    sem razes em uma sociedade e um povo viventes:

    a velha Rssia morreu. A literatura que se alimentava de sua seiva e de sua realidade

    no pode subsistir. Suas razes secaram. A nica literatura russa possvel a que,

    contrastando-a ou servindo-a, se nutra da nova vida russa20

    (p. 140-141).

    Maritegui versar sobre romances de autores como Lidia Seifulina, Leonid Leonov, Mikhail

    Artsibachev, Fedor Gladkov, Konstantin Fedin, Nikolai Ognev, Larissa Reissner e Alexander

    Fadeiev, e tambm comentar escritores russos j muito prestigiados poca, como Leon

    Tolstoi, Fidor Dostoivski e Mximo Gorki este ltimo, inclusive, seria pessoalmente

    19 Um curioso comentrio pode ser visto na p. 201, quando comenta, a respeito do exlio de Trotsky, que

    sensatamente, o que no devia jamais se esperar que a empresa de organizar o primeiro grande Estado

    socialista fosse cumprida por um partido de mais de um milho de militantes apaixonados (com o acordo da

    maioria mais um), sem debates nem conflitos violentos. O exlio de Trotsky, publicado em fevereiro de

    1929 (p. 201-205).

    20 A nova literatura russa, publicado em 20 de maro de 1926 (p. 139-143).

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    entrevistado por Maritegui em dezembro de 1922, na Alemanha. Poetas, como Blok,

    Vladimir Maiakovski e Sergei Essenin tambm so analisados pelo Amauta. Alis, o socialista

    argumentar, a respeito do impulso potico do contexto revolucionrio21

    , que

    a revoluo que recebeu a adeso dos poetas () encontrou, por outro lado, hostis

    os romancistas. E de romancistas, crticos, historigrafos, etc., est composto o

    conjunto maior dos 'emigrados'. A Poesia votou pela revoluo22

    (p. 177).

    Maritegui buscava apresentar, portanto, um realismo proletrio que seria a melhor

    manifestao da literatura produzida nos anos da revoluo, afastada do vis romntico e

    burgus, e baseada nas dores, angstias e tragdias que marcam a luta de uma classe para criar

    uma nova ordem23

    (p. 272-273). Os limites desta leitura tambm devem ser considerados,

    afinal, daquilo que Maritegui definia como literatura dos emigrados, nomes importantes

    como Ivan Bunin e Vladimir Nabokov foram negligenciados. O Amauta era bastante otimista

    a respeito de autores realistas que, estando ainda muito longe de se compararem a nomes

    como Dostoievski e Tolstoi, seriam posteriormente secundados ou esquecidos no conjunto da

    literatura universal especialmente se considerarmos que alguns destes escritores,

    confrontados com o realismo socialista das dcadas seguintes, seriam perseguidos, seno

    executados, ou obrigados a elaborar seus trabalhos em conformidade com os padres estticos

    e conteudsticos propostos pelo PCUS. Perics comenta que, se a literatura ocidental

    permaneceu pujante e produzindo grandes autores e romances durante todo o sculo XX, na

    URSS a produo artstica, em geral, se caracterizaria por obras de qualidade questionvel

    (PERICS, 2012, p. 32-33).

    Trotsky

    A admirao do Amauta pelo dirigente russo ilustrada em artigos publicados na

    presente coletnea. Maritegui define Leon Trotsky como um dos personagens mais

    interessantes da histria contempornea condottiere da Revoluo Russa, organizador e

    21 O primeiro perodo da revoluo no foi propcio para uma intensa produo literria. No havia tempo,

    papel nem humor para livros (). A falta de papel resultou particularmente hostil prosa. poesia basta

    muito pouco papel. Um verso se deixa aprender de memria ou escrever com fiz sobre um muro. E do outro

    lado, o ambiente de epopeia da revoluo acendia, preferentemente, a imaginao dos poetas (p. 141).

    22 Sergei Essenin, publicado em outubro de 1927 (p. 173-177).

    23 O realismo na literatura russa, publicado em 23 de novembro de 1929 (p. 271-274).

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    animador do Exrcito Vermelho, pensador e crtico brilhante do comunismo24

    (p. 89) e

    exalta, em um texto exclusivamente dedicado ao lder bolchevique, suas preocupaes

    filosficas, artsticas e literrias25

    . Em fevereiro de 1929, Maritegui afirmaria que a

    Revoluo Russa devia seu valor internacional, ecumnico, bem como seu carter de

    fenmeno percursor do surgimento de uma nova civilizao, ao pensamento de Trotsky:

    sem uma crtica vigilante (que a melhor prova de vitalidade do partido

    bolchevique), o governo sovitico correria provavelmente o risco de cair num

    burocratismo formalista e mecnico (p. 201).

    Contudo, Maritegui apontaria em seus textos um balano crtico das ideias trotskistas

    no que diz respeito ao potencial de tais ideias para a consolidao do programa marxista na

    URSS. Se o Amauta considera a crtica radical como parte essencial da oposio trotskista

    direo do partido bolchevique, as propostas para temas como a poltica agrria e industrial, a

    luta contra o burocratismo e o esprito da NEP, no seriam capazes de se condensar em

    frmulas concretas e precisas, carecendo de solidez. E o carter internacionalista de seu

    pensamento, capaz de posicionar Trostky entre os mais alertas e sagazes crticos de sua poca

    a respeito da transitria estabilizao do capitalismo, no entanto no lhe daria a fora

    necessria para intervir na prtica poltica russa. Maritegui acreditou que Stalin e outros

    quadros da direo sovitica demonstravam maior capacidade para a execuo de uma

    programa poltico marxista, por possurem um sentido mais realista das possibilidades

    polticas de sua poca. Inclusive, o jornalista peruano defender que a Revoluo Russa

    encontrava-se em um perodo de organizao nacional: no se trata, no momento, de

    estabelecer o socialismo no mundo, mas realiz-lo em uma nao que () no deixa de

    constituir, geogrfica e historicamente, uma unidade (p. 204). Stalin, um eslavo puro, seria

    um dos homens aptos a lidar com os problemas nacionais e o carter da revoluo ao

    contrrio de Trotsky e outros que viveram sua experincia de formao poltica no exlio, e

    por razo da qual reivindicariam perspectivas socialistas para alm de suas fronteiras.

    Esta anlise de Maritegui certamente suscita questes e investigaes que

    mencionarei de forma breve. no incio de 1929 que Maritegui se vincula organicamente

    III Internacional, em decorrncia de sua designao como membro do Conselho Geral da Liga

    contra o Imperialismo. Em junho do mesmo ano, representantes do Partido Socialista Peruano

    24 O Partido Bolchevique e Trotsky, publicado em 31 de janeiro de 1925 (p. 89-94).

    25 Leon Trotsky, publicado em La escena contempornea, 1925 (p. 95-99).

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    apresentam as teses Punto de vista antimperialista e El problema de las razas en Amrica

    Latina, escritas por Maritegui com a colaborao de Hugo Pesce, na Primeira Conferncia

    Comunista Latino-americana de Buenos Aires. Tais teses, bem como as ideias de Maritegui

    presentes nos 7 ensayos (publicados no ano anterior), foram alvos de vrias crticas e

    polmicas por parte da representao latino-americana do Comintern, que no aceitavam as

    reflexes mariateguianas direcionadas compreenso das especificidades sociais e histricas

    peruanas e defensora de uma revoluo socialista como passo seguinte e fundamental da

    transformaes polticas a serem realizadas no Peru26

    .

    Reflexes poderiam ser construdas a respeito do peso dos vnculos polticos entre o

    Amauta e a III Internacional na construo de suas anlises, e como as consequentes

    polmicas entre ambos impactam os artigos posteriormente publicados at antes de sua morte,

    em 1930. Em geral, os artigos selecionados para a edio de Revoluo Russa e publicados

    aps a divulgao de O exlio de Trotsky no se detm de maneira detalhada sobre figuras

    do governo russo. At mesmo figuras como Stalin, ou Bukharin, dois dos principais dirigentes

    soviticos, no recebem grande ateno nos escritos do Amauta. Outra investigao

    certamente poderia ser feita a respeito da crtica de Maritegui ao pensamento trotskista e seu

    radicalismo terico, porm pouco frutfero, na conjuntura revolucionria russa. Onde

    residiriam as justificativas polticas e tericas que permitiriam ao Amauta defender, ao menos

    naquele momento, a conduo stalinista da URSS? De que forma tal reflexo se conecta com

    o modo como enxergava os caminho da revoluo socialista no Peru e na Amrica Latina?

    Respostas poderiam nos ajudar a identificar os limites de sua leitura. Em razo do contexto

    histrico em que vivia, sendo a Revoluo Russa um exemplo fundamental para os

    trabalhadores e militantes socialistas de tantas partes do mundo, o fato que Maritegui no

    pde enxergar o processo que conduziria o Estado sovitico ao elevado grau de

    burocratizao e autoritarismo que, aparentemente, as ideias e o discurso de Trotsky teriam

    ajudado a evitar.

    26 As posies do Comintern tendiam homogeneizao das conjunturas polticas e econmicas dos pases

    latino-americanos sob a alcunha de semicoloniais e defesa da revoluo democrtico-burguesa como

    etapa prvia da revoluo socialista na regio (cf. FLORES GALINDO, 1982, p. 28-33).

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    REFERNCIAS BILIOGRFICAS

    COSTA, Diogo Valena de Azevedo e CLEMENTE, Mrcia da Silva. Maritegui e o Brasil:

    o socialismo indo-americano e os dilemas do marxismo na periferia. guas de Lindia, 36

    Encontro Anual da ANPOCS, 2012.

    FLORES GALINDO, Alberto. La agonia de Maritegui: la polmica con la Komintern.

    Lima, Desco, 1982.

    MARITEGUI, Jos Carlos. La novela y la vida. Lima, Empresa Editora Amauta, 1987.

    PERICS, Luiz Bernardo. Jos Carlos Maritegui e o Brasil. Estudos Avanados, So

    Paulo, USP, v. 24, n. 68, 2010, p. 335-361.

    __________. Jos Carlos Maritegui e a Rssia, in: MARITEGUI, Jos Carlos.

    Revoluo Russa: histria, poltica e literatura. So Paulo, Expresso Popular, 2012.