Revolução Russa e Espanhola

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  • 7/28/2019 Revoluo Russa e Espanhola

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    A REVOLUO RUSSA E A DITADURA SOBRE O PROLETARIADO

    No ano de 1917 o antigo Imprio Czarista Russo foi posto abaixo por uma revoluo: operrios,marinheiros, camponeses e soldados foram s ruas, tomaram as fbricas e as ferramentas, expulsaram ospatres, acabaram com os resqucios do sistema feudal e revoltaram-se contra seus oficiais. Para se reunir,discutir seus problemas, se organizar e coordenar suas lutas criaram conselhos, os chamados soviets. Naquelaocasio, dada a ilegalidade dos sindicatos, os soviets foram a forma de organizao criada pelos operrios,

    eram portanto, um legtimo instrumento de auto-organizao dos trabalhadores. Estes soviets j haviamaparecido em 1905, quando o Imprio Russo viveu sua primeira crise revolucionria, depois retrocederam,mas no incio de 1917 ressurgiram com fora, ampliando em muito sua influncia, desta vez englobandosoldados e mesmo os camponeses em algumas regies.

    Desde princpios de 1917, mais acentuadamente desde fevereiro deste ano, quando caiu o Czar e seinstaurou um governo provisrio, os soviets se tornaram de fato, e cada vez mais, um poder dostrabalhadores, gerando uma situao real de duplo poder na Rssia. Muitas fbricas j eram geridas portrabalhadores, que mantinham sua produo, se organizavam de novas formas e discutiam coletivamentesuas tarefas. Este processo ascendente culminou na revoluo de outubro. Dentro dos soviets estavamrepresentados todos os trabalhadores, soldados e camponeses, independentemente de quais fossem suasconcepes polticas. Anarquistas de vrios matizes, socialistas revolucionrios, mencheviques,bolcheviques, maximalistas, etc., todos tinham voz e voto nos soviets e todos respeitavam suas decises. Estaunidade que os soviets conseguiram dar ao movimento foi fundamental para a vitria da revoluo numprimeiro momento. vlido lembrar que at abril de 1917 os bolcheviques no davam importncia aossoviets, somente com a volta de Lnin e as Cartas de Abril que eles mudam de orientao, percebendo queo movimento real da classe trabalhadora se dava de fato nos soviets, passaram a atuar ali com prioridade.

    A partir de outubro de 1917 as coisas foram mudando. Apesar dos bolcheviques terem defendidotodo poder aos soviets e as fbricas aos operrios (palavras de ordem sem dvida revolucionrias,defendidas bem antes pelos anarquistas, por exemplo) eles comearam a adotar medidas que de fato iam nosentido oposto daquelas divisas. O todo poder aos soviets apregoado por eles era uma orientao ttica,uma guinada temporria para quebrar o poder do Estado provisrio. Entretanto, a orientao estratgica detomar o Estado e instalar uma ditadura do proletariado permaneceu intocada, aguardando o melhor momentopara se efetivar. Na realidade comearam a aplicar aquilo que realmente sempre tinham defendido: uma

    ditadura. E isto fazia parte de seu programa, uma vez sendo comunistas estatistas, concebiam o Estado comouma ferramenta de classe, um resultado da estrutura econmica da sociedade e assim, tambm poderia serutilizado pela vanguarda, que o tomaria e exerceria o poder atravs de uma ditadura chamada por eles deproletria.Com o poder estatal nas mos, a vanguarda auto-proclamada do proletariado faria as transformaesnecessrias na estrutura econmica, criando as condies para o surgimento de uma sociedade comunista,enfraquecendo o Estado, que como sonhavam Marx e Engels, iria definhando. Na teoria tudo certo, naprtica a coisa se deu de modo muito diferente.

    No plano poltico, o poder dos soviets foi sendo absorvido pelo Estado, a palavra sovitico usadapara designar o regime russo, perderia totalmente o sentido em poucos meses. J em 1918 os soviets eramapenas uma miragem do poder real que exerciam at 1917. Totalmente subordinados ao Estado foram sendotransformados em correias de transmisso, meros rgos executores de tarefas decididas pelo Estado, sem

    qualquer participao popular. Conforme Lnin e Trotski admitem sem meias palavras, o ditadura no era doproletariado no sentido de que eles a exercessem, era sim exercida em nome do proletariado, sobre oproletariado se fosse necessrio e isso foi feito em muitos momentos e sequer era a ditadura do partidobolchevique, era a ditadura do comit central do partido, e no final das contas a ditadura do secretrio geraldo partido, sobre o comit central, sobre o partido, sobre o Estado, sobre os sovietes e sobre a sociedadecomo um todo. Este poder centralizador e sua conservao passaram a orientar a ao dos bolcheviques.Manter-se no poder significava acumular cada vez mais poder, aumentando o tamanho do Estado, gerandouma busca agora no pela mais-valia, mas pelo mais-poder.

    O Estado passou tambm a ser um agente econmico, era dono das fbricas e das ferramentas, docomrcio e regulava toda a atividade econmica na antiga URSS tambm era o maior empregador, emespecial na burocracia, uma vez que, para se fazer presente como agente econmico precisou criar um amploaparato administrativo. Este aparato foi aumentando sua influncia e poder na sociedade, desenvolvendo

    interesses prprios e formando novos quadros dirigentes, j identificados com os interesses do Estado edistantes dos operrios e de povo.

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    No plano da gesto as fbricas saram das mos dos operrios e foram para as mos do Estado; aautogesto deu lugar aos mtodos capitalistas do taylorismo e a militarizao do trabalho; a burocraciacresceu junto com um corpo de tcnicos privilegiados no mbito da produo; os operrios j no eram maisouvidos; os soviets foram sendo esvaziados em seu real poder de deciso, dando lugar ao partido nico e suaditadura, que se dizia, do proletariado. Evidentemente tais medidas no foram aceitas passivamente, houvecrticas cada vez mais duras ao rumo que o recm batizado Partido Comunista (at a Revoluo denominadoPartido Operrio Social Democrata Russo) imprimia Revoluo, estas crticas no eram bem recebidas pelo

    partido e a partir de ento a onda repressiva no se dirigiu apenas aos czaristas, mas voltou-se tambm contraos revolucionrios no pertencentes ao partido e que ousavam question-lo. Entre estes estavam osanarquistas, correntes como a dos maximalistas, socialistas revolucionrios de esquerda e mesmo osbolcheviques que, de dentro do partido se opunham as decises tomadas pelo comit central.

    Dois momentos da revoluo ilustram este perodo, no qual a ditadura bolchevique procurou se livrarde qualquer oposio esquerda. Um o combate Makhnovstchina, um movimento de camponeses eoperrios da Ucrnia que tinha combatido a contra-revoluo branca e a burguesia ucraniana, reconhecia edefendia os sovietes, mas que no aceitava a ditadura do partido nico. O outro momento crucial foi aRevolta da Kronstadt, na qual os marinheiros e trabalhadores daquela base naval se insurgiramreivindicando, entre outras coisas, a volta do poder aos soviets. Estes mesmos operrios, que dissolveram namarra a Assemblia Nacional Constituinte, considerados o orgulho e a vanguarda da revoluo foramchamados no momento seguinte de traidores. Vinte mil mortes e um rio de sangue deram o colorido final daresistncia revolucionria ditadura bolchevique.

    Da em diante o que temos a consolidao de um Estado policial, que longe de definhar crescendocada vez mais e se tornando mais poderoso. A eliminao das crticas e oposies chegou ao interior doprprio Partido Comunista (bolchevique), atingindo a Oposio Operria de Alexandra Kolontai que havia seoposto ao massacre de Kronstadt e alguns anos depois a Oposio de Esquerda, faco do prprio Trotski.Ele que fora um dos mais destacados defensores da ditadura, da militarizao dos sindicatos, artfice daperseguio s vrias tendncias revolucionrias; acabou sendo ele mesmo vtima do monstro que com tantoafinco trabalhou para criar. Cada vez mais os expurgos e os processos fraudulentos estavam estabelecidoscomo uma pratica interna na disputa pelo poder, que mesclava o Estado e o partido numa mesma estrutura.Pode-se argumentar que isso foi feito no perodo do comunismo de guerra, uma poca de guerra civil e dedificuldades econmicas que poderia ter acabado com a revoluo. No entanto, no se explica e nem justifica

    a represso dentro do prprio mbito revolucionrio, a concepo de ditadura com partido nico eprincipalmente a alienao da classe trabalhadora do processo revolucionrio e das decises polticas embenefcio dos dirigentes partidrios, unicamente pela existncia da guerra civil. Se assumimos a guerra civilcomo panacia que tudo justifica, qualquer revoluo seria obrigada a tomar tais medidas? Este conjunto demedidas configurou a nosso ver uma contra-revoluo. O estalinismo em nossa anlise muito mais umresultado deste processo do que a expresso dos desvios de um nico homem perverso, sagaz o suficientepara enganar todo um partido cheio de virtudes.

    Nos anos 30, com Stlin no comando, a URSS era um gigante burocrtico maior do que fora oprprio Estado czarista. Os elementos destacados do partido, militares de alta patente, chefes de polcia etecnocratas compunham aquilo que j era uma nova classe dominante. Os sindicatos existentes funcionavammais como um agente coercitivo do Estado do que como um instrumento a servio dos trabalhadores, poisno tinham independncia alguma, portanto no serviam aos trabalhadores. Nas fbricas havia prmios,

    concursos do tipo operrio padro, os trabalhadores totalmente alienados das discusses sobre a produoe de seu planejamento e qualquer organizao fora do estado era perseguida.

    A economia a esta altura j estava totalmente estatizada, seja no planejamento centralizado, seja naposse dos meios de produo. Na poltica vigorou o partido nico confundido com o prprio Estado, situaoque se manteve com leves alteraes at a queda da URSS. Na vida cultural, durante o perodo estalinistahouve um grande empobrecimento com a imposio do realismo socialista como esttica oficial, sendoqualquer outra proposta artstica condenada como anti-sovitica ou incompreensvel para as massas.Artistas e intelectuais comprometidos com a revoluo como Maiakovski, Marc Chagall e Mikhail Bakthin,entre outros foram duramente perseguidos.

    Nas dcadas seguintes a URSS passou pela Segunda Guerra Mundial e teve um acrscimo em suarea de influncia no ps-guerra com a formao do chamado Bloco Socialista no leste europeu,organizado com base no modelo da URSS. Neste momento a URSS j era considerada por todos os partidos

    comunistas do mundo como a ptria do socialismo, o modelo a ser seguido. Evidentemente que no eramtodos os pases ditos socialistas que seguiam com exatido o modelo russo, havia pequenas variaes, mas oessencial do sistema estatal era mantido: governo ditatorial de partido nico; economia estatizada, ausncia

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    de organizaes geridas pelos prprios trabalhadores, sistema de salrios desiguais; uma rede de proteosocial, privilgios para a burocracia dirigente, forte aparato policial, patrulhamento poltico-ideolgico,alienao dos trabalhadores do processo de gesto da sociedade e das decises polticas.

    Com a queda do muro de Berlim em 1989 e o fim da URSS em 1991, o modelo russo deixou de ser oreferencial central do que pode ser uma sociedade socialista para muita gente, abrindo caminho para a crticamais ampla, embora sejamos obrigados a relembrar que esta crtica j era feita desde os princpios darevoluo russa pelos anarquistas e outras correntes socialistas minoritrias. impressionante perceber o

    quanto o termo socialismo ficou vinculado ao que se passou na ex-URSS. grande o nmero de antigoscomunistas em todos os lugares do mundo, que foram absolutamente incapazes de conceber outra alternativasocialista distinta daquela da russa, muitos deles se tornaram os neo-liberais e social-democratas de plantohoje em dia. Na antiga URSS, o regime que sucedeu o sistema estatal foi o capitalismo, ironicamente geridopelos antigos burocratas do partido e ex-agentes da KGB, que agora so mafiosos e empresrios capitalistas.

    O fracasso da revoluo russa repercutiu sobre toda esquerda e no apenas sobre as correntesafinadas com as concepes bolchevique-estalinistas. A idia de socialismo, e a idia de revoluo foramdesacreditas pelos resultados nefastos da experincia russa. A ideologia burguesa, manipulando habilmenteos fatos, afirma at os dias de hoje que socialismo foi aquilo que se passou na URSS e no Leste Europeu, fazisso com a clara inteno de criar uma rejeio priori sobre qualquer proposta socialista. Neste ponto dahistria o perigo para os capitalistas j no se situa nos regimes derrubados e jogados para a lata de lixo dahistria, o perigo que eles querem matar na raiz a reabilitao do conceito de socialismo, impedindo aretomada e atualizao de qualquer projeto realmente socialista. Neste sentido o sistema estatal, ditosocialista, foi uma ddiva para os capitalistas pois permite que eles desacreditem, embasados em fatoshistricos, o prprio socialismo.

    A Economia de Estado e a Burocracia

    Esta revoluo consistir na expropriao quer progressiva, quer violenta, dos proprietrios e dos

    capitalistas atuais, e na apropriao de todas as terras e de todo o capital pelo Estado, que, para poder

    desempenhar a sua grande misso econmica to bem como a poltica, dever ser necessariamente muito

    forte e muitssimo concentrado. O Estado administrar e dirigir a cultura da terra por meio dos seus

    engenheiros, escolhidos, e comandado um exrcito de trabalhadores rurais, organizados e disciplinados

    para esta cultura. Ao mesmo tempo, sobre a runa de todos os bancos existentes, ele estabelecer uma bancanica, comandatria de todo o trabalho e de todo o comrcio nacional (...) Na realidade, isso seria um

    regime de caserna para o proletariado, em que a massa uniformizada dos trabalhadores e das

    trabalhadoras despertaria, adormeceria, trabalharia e viveria a toque de caixa.

    M. Bakunin

    A Revoluo Social de orientao socialista como que existiu na Rssia (e nos outros pases que vieram aformar o bloco socialista) acabou se transformando em um sistema onde os trabalhadores foram duramentemassacrados por um poder policial, onde a alienao do homem e sua coisificao no deixaram de existir.Porque isso aconteceu? Quais eram as concepes daqueles que ocuparam postos chaves na determinao dofuturo da revoluo? Finalmente, quais so os problemas que ns enxergamos neste tipo de sociedade eporque a renegamos? Parte destas questes j se encontra respondida nas entrelinhas do texto acima, mas

    procuraremos respond-las com mais clareza a seguir.O Capitalismo, como vimos, possui contradies internas muito fortes. um sistema no qual a

    tecnologia avana cada vez mais, onde as possibilidades de produo j garantem que exista abundncia dealimentos para a humanidade, onde as tecnologias de comunicao facilitam uma integrao global dahumanidade. Todas essas coisas poderiam facilitar a formao de novas formas de sociabilidade onde adisputa, a competio e a guerra no fossem os elementos centrais das relaes humanas; nas quais oshomens e mulheres no fossem subordinados ao mercado e ao Estado, mas pudessem planejar coletivamentetodos os aspectos da vida humana. Porm, o que encontramos a misria em meio a abundncia, a queimade capitais para que a taxa de lucro se mantenha alta, a utilizao das tecnologias para a dominao e amanuteno da misria da humanidade, a mercadoria ganhando caractersticas sobre-naturais acabando porsubordinar o homem que se transforma em coisa no processo de reproduo ampliada do capital. Tudo issoformando um emaranhado de contradies acionado por uma economia sem controle social junto a perversa

    formas de participao polticas, de interao cultural e de controle militar.

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    Para alguns socialistas e comunistas necessrio que a economia capitalista no tenha mais aliberdade de estabelecer as suas relaes "naturais", necessrio que exista a interveno do homem paraque as contradies inerentes ao modo de produo capitalista cessem de existir gerando as condies para aformao de uma sociedade comunista plena, onde s relaes humanas no sejam subordinadas as relaesentre coisas, onde tenhamos o tempo necessrio para desenvolvermos as nossas capacidades fsicas,intelectuais e culturais sem a presso de formas de explorao e opresso do homem.

    Esta interveno do homem, para os socialistas e comunistas estatistas, seria realizada pelo

    instrumento que identificado enquanto o homem coletivo, aquele que possui em seu interior arepresentao da vontade geral desde que seja utilizado no enquanto instrumento de dominao daburguesia, mas sim como instrumento de opresso aos burgueses e libertao do proletariado: o Estado. Paraeles o Estado planificaria a economia evitando as crises peridicas do capitalismo, organizaria os fatores deproduo da nova sociedade, tiraria o poder econmico e poltico das mos da burguesia, enfim, acabariacom o capitalismo gerando condies para a construo de uma nova sociedade. O Estado seria ento uminstrumento neutro, passvel de ser utilizado por outra classe a seu favor.

    A revoluo seguindo esta lgica no deveria ser poltica. Para acabar com o capitalismo no bastavatirar a burguesia do poder poltico, seria necessrio modificar a prpria base econmica da sociedade. Umarevoluo social de massas que tomasse o poder da burguesia e usasse o Estado para massacr-la enquantoclasse seria o caminho. Esta revoluo foi feita. Criaram-se organismos de poder onde o povo decidia sem aintromisso da burguesia, os soviets, ao mesmo tempo em que houve a conquista do Estado pelo que elesconcebiam como o partido revolucionrio do proletariado, o Partido Bolchevique. E apesar de tratarmos doexemplo russo, podemos generalizar estas consideraes para vrios outros pases onde esta orientao foilevada adiante; o que h de comum em todos que os revolucionrios assumiram o poder poltico com aparticipao das massas em seus movimentos, qualquer que seja a forma militar de desenlace que arevoluo conquistou.

    Na fase pr-revolucionria, na ruptura e imediatamente aps existiu uma dualidade de poderes: opoder dos soviets, do qual j falamos e o poder do Estado, a essa altura tomado por aqueles que seconsideravam como a vanguarda do proletariado, o Partido Bolchevique. Mas na viso dos bolcheviques,para a planificao da economia e construo de uma nova sociedade esta dualidade de poderes eraperniciosa; seria necessria a unificao do poder nas mos do legtimos representantes do proletariado, oPartido Bolchevique, realizada atravs da instituio que representa o homem abstrato, o representante da

    vontade dos homens em geral: Estado, despido de sua capa burguesa e preenchido com os elementos maisrevolucionrios do proletariado. Com isso, a revoluo social ganhou forma poltica, e o Estado foi oprincipal elemento para modificar a estrutura econmico-social do sistema capitalista.

    Com o controle do Estado dito proletrio sobre a economia foi possvel racionalizar a produo. Apartir de ento seria possvel estabelecer em que produzir, como dividir a fora de trabalho nos diferentessetores da economia, a quantidade da produo, a lgica da circulao, etc., no seria mais um mercado semcontrole e irracional, nem ao menos o mercado orientado pela interveno estatal visando a minimizao dosproblemas causados pela lgica interna do prprio capitalismo. Quem iria organizar a colocao dos fatoresde produo em seu devido lugar seria o prprio poder poltico nas mos do proletariado. Ao menos estaera idia.

    Na prtica trata-se de um mito construdo ideologicamente pelos bolcheviques considerar que aproduo do pas estava totalmente paralisada e desorganizada. Desde meados de 1917, como j dissemos, os

    soviets controlavam boa parte das fbricas. Uma parte expressiva destas fbricas produzia, estava auto-geridae realizava trocas; e na maioria dos casos as empresas auto-geridas alcanavam nveis de produtividademaiores do que os da gesto capitalista anterior. Este processo se expandiu mais ainda na medida em que osmeses passavam; e foi em grande parte a partir deste proletariado organizado, que j realizava na prtica opoder dos soviets e auto-geria as fbricas que se conseguiu apoio a revoluo de outubro. Neste momento aguerra civil estava apenas no incio e no tinha efeitos devastadores sobre a produo ainda. Logicamenteno era uma economia planificada e havia muitos ajustes a fazer, vivia-se o fervor revolucionrio.O que fez o Estado bolchevique diante desta situao? Ordenou, atropelando resolues dos soviets, aparalisao da produo at que a planificao da economia a partir do Estado reorganizasse a produo. Eisso no foi feito de forma pacfica. No plano econmico imediato isso causou a paralisia da produo epromoveu o caos. No plano poltico gerou uma enorme tenso entre os trabalhadores e o Estado bolchevique,e no se tratava de qualquer parcela de trabalhadores, mas dos mais ativos na revoluo.

    Seria perfeitamente possvel que o Estado planificasse a economia sem precisar paralis-la, fazendo umareorientao planificada dos setores econmicos, uma lgica puramente econmica indicaria que este seria ocaminho mais lcido. Mas estes exemplos ilustram o que estava em jogo realmente: o poder do Estado X o

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    poder dos soviets. Era necessrio centralizar o poder, acabar com a dualidade, e isso tinha prioridadeinclusive sobre os resultados econmicos de tais aes. Para completar podemos deduzir os efeitos polticosde atitudes como esta sobre o conjunto da classe trabalhadora, o afastamento do proletariado, a percepontida de que no detinham mais o poder e de que a ditadura era realmente sobre o proletariado.

    Todavia a planificao do Estado demorou para surtir o efeito esperado. Por um lado se exigiu umacompleta submisso da autogesto operria planificao centralizada do Estado, nada deveria escapar aoscentros de deciso, foram rigorosos a este respeito. Por outro lado, ao perceber que a economia no

    conseguia se levantar e avanar em 1921 se lanou a Nova Poltica Econmica, a NEP, concedendoliberdades para a burguesia atuar com o objetivo de dinamizar a economia. Ou seja, a atitude da ditaduraproletria com os burgueses no foi to rigorosa quanto fora com os proletrios.

    Alguns anos depois o Estado tomou o controle total dos meios de produo e estabeleceu a divisosocial do trabalho de forma planejada, a concorrncia entre diferentes capitalistas privados foi substitudapela estatizao. Em tudo isso no se v nada a respeito da socializao dos meios de produo, das decisespolticas, etc. Aqui, uma vez mais, tentou-se fazer passar estatizao por socializao, como se os interessesda sociedade fossem coincidentes com os do Estado.

    Para os bolcheviques a transio para o comunismo estaria indo no caminho mais correto, pois comuma economia planejada requereria menos tempo de trabalho humano socialmente necessrio para produzirtudo o que preciso para a sobrevivncia e bem estar dos homens. Isso geraria um aumento do tempo livrede cada pessoa, o que por sua vez possibilitaria o desenvolvimento de suas faculdades fsicas, intelectuais eculturais. Com mais tempo livre a sociedade estaria caminhando para formas mais evoludas de sociabilidadeque iriam prescindindo progressivamente do prprio Estado. Em sntese, graas a interveno do Estado nabase econmica da sociedade, alterando sua estrutura, o Estado iria definhando. Na prtica pretendiamutilizar algo que segundo o prprio marxismo era uma superestrutura determinada pela estrutura, paraderrubar esta mesma estrutura, algo como subir nos galhos de uma rvore para cortar o tronco. A histriamostrar que o medo de despencar preservou e fortaleceu mais ainda este tronco...

    Para que o Estado pudesse fazer as modificaes necessrias na base econmica ele deveria possuirum corpo de tcnicos capazes de planejar e administrar a economia, a poltica e a cultura da sociedade. Estesadministradores caminhariam cada vez mais para a administrao das coisas e no dos homens. Estasubstituio do objeto de administrao seria o ideal buscado por estes comunistas fazendo com que existisseum mundo onde a administrao perfeita das coisas fosse se formando, trazendo bem estar e o fim dos

    conflitos de classe, j que aqueles que administram as coisas agiam de acordo com o interesse geral doshomens.Surge ento uma camada de burocratas que tem como funo mediar os interesses particulares da sociedadecom o interesse geral representado pelo Estado. Esta burocracia vai fazer com que exista a separao entrequem planeja, quem administra, e aquele que executa, mantendo a diviso intelectual do trabalho, o quecolabora para manter classes distintas no interior da sociedade e uma no homogeneizao do esforo nosdiferentes tipos de trabalho, mantendo o trabalho mais cansativo que as pessoas s fazem quando soobrigadas por outros e no por interesse coletivo, j que no os planejam.

    Outro fato que merece destaque a disputa interna que se instaurou dentro da burocracia estatal,representada pelas diferentes fraes da burocracia, e mesmo indivduos, que lutavam para assumir os postosde maior importncia. Para minimizar estas disputas foi necessria a interveno do partido, representante deuma espcie de fuso entre a sociedade e o poder poltico do Estado. O partido devia ser nico para que o

    mesmo realizasse o controle burocrtico de seus prprios membros presentes no Estado e evitasse disputasque causassem uma ciso interna no poder estatal.

    Esta dinmica partiu da ditadura do proletariado desde o incio da revoluo e foi acentuando seugrau de autoritarismo at chegar no ponto de converter-se num regime totalitrio, cujo expoente mximo foiJoseph Stlin. Contraditoriamente os comunistas estatistas, ao pretender utilizar uma instituio abstrata dasociedade e que supostamente representava o interesse coletivo, reforaram mitos personalistas na URSS eLeste Europeu. J na poca de Lnin o culto ao indivduo que estava no poder foi uma constante, desta formaestes comunistas acabaram revigorando a herana paternalista do Czar deposto, acentuando mais ainda opersonalismo dos lderes.

    Interessante avaliarmos como o bolchevismo valorizou o papel do desenvolvimento das forasprodutivas para a construo do socialismo e do comunismo como meta. As relaes sociais de produo ena sociedade foram totalmente subordinadas a uma nica meta: o desenvolvimento das foras produtivas. No

    exemplo que citamos sobre as fbricas auto-geridas isso fica evidente, pouco importavam as relaes sociaisde produo que se estabeleceriam. Ao instalar o taylorismo, os mtodos de trabalho capitalistas, ostakanovismo (uma poltica e ideologia de recompensa para os que se exaurissem no trabalho), ao

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    restaurarem antigos chefes burgueses como gerentes, os bolcheviques deram prova cabal de suas prioridadese sobre como entendiam a evoluo rumo ao comunismo. Num pas de frgil burguesia seriam eles, oscomunistas bolcheviques, os responsveis por organizar a partir do Estado o desenvolvimento das forasprodutivas, mesmo que para isso fosse necessrio utilizar relaes de produo e mtodos tpicos docapitalismo.

    O tempo se encarregou de provar que mesmo depois de dcadas de desenvolvimento econmico,com foras produtivas amplamente desenvolvidas e possibilidades concretas de reduo nas jornadas de

    trabalho o comunismo no veio. A esperana de que a reduo do tempo de trabalho criaria condiesobjetivas para a participao ampla dos trabalhadores tornando desnecessrio o Estado se frustrou. Trotskipor exemplo manteve sempre a expectativa de que no momento em que a economia se desenvolvesse tantoque reduzisse o tempo de trabalho, estaria aberto o espao para uma revoluo poltica que derrubasse aditadura da burocracia, uma vez que no entender dele a revoluo social era uma tarefa j realizada. Arealidade mostrou que o Estado, guiado j pela lgica do poder, preferia no utilizar as tecnologias quereduziriam o tempo de trabalho para no correr nenhum tipo de risco de insubordinao ao seu poder. Algica do desenvolvimento econmico como nico fator determinante para as mudanas na sociedade daURSS foi por terra.

    Vamos encontrar na sociedade formada por estes comunistas o controle da economia e do poderpoltico por uma camada de mediadores controlados pelo partido. Esta a sntese do que chamamos desistema estatal, ou seja, a burocracia detm coletivamente os meios de produo e o poder poltico.Entendemos que o mais importante est na diferenciao que deve existir na forma de analisar o capitalismoe o sistema estatal. No capitalismo a base econmica da sociedade erigida sobre o prprio capital, a suaproduo e o seu movimento. ele, com o auxlio do Estado, quem organiza os diversos fatores deproduo, incluindo-se a a prpria fora de trabalho. Mesmo com toda a importncia que reconhecemos noEstado capitalista, o capital o determinante de primeira grandeza neste sistema. J no sistema estatal, oEstado quem decide tudo sobre a economia. O Estado um agente econmico de primeira importncia, ele quem vai decidir onde, quando e como vo se estabelecer os diferentes fatores de produo.

    Na lgica do capitalismo, o sistema para buscar a sua manuteno e viabilidade procura semprereproduzir o capital de forma ampliada, com a apropriao privada, e a gerao de mais-valia, sendo esta ogrande motor do capitalismo. J o Estado mesmo aps se transformar em agente econmico, possui umcontedo fundamentalmente poltico, e na URSS, por exemplo, j no buscava a mais-valia como objetivo a

    ser alcanado para a sua manuteno e reproduo. A lgica do Estado busca sempre, fazendo uma analogia,o mais-poder, j que isso faz parte de sua prpria essncia e condiciona a sua prpria existncia. O acesso aqualquer tipo de privilgio depende fundamentalmente das relaes de poder, depende das decises polticasque se tomam no partido nico e no Estado.

    Assim como os homens so coisas diante do processo de produo capitalista, no possuindocontrole sobre o mesmo, este processo se repete de outra forma no sistema estatal. O Estado de origemhumana, que foi criado pelos homens, se transforma em algo que ganha caractersticas que vo alm danatureza humana, fetichizado e acaba por subordinar os prprios homens com a sua prpria lgica internade aumento incessante de poder e os homens so novamente coisificados. Todo Estado possui estascaractersticas, mas quando o Estado concentra as energias de toda a sociedade como se passou na URSS eno Leste Europeu, esta lgica intensificada numa proporo gigantesca, totalitria.

    Entendemos que os elementos presentes neste texto j so suficientes, para apontar os motivos da

    nossa rejeio a esse tipo de sociedade, uma sociedade que no eliminou a explorao do homem pelohomem, no acabou com a alienao, no socializou os meios de produo, no acabou com a sociedade declasses e seus privilgios para uma minoria. Em suma, no emancipou a classe trabalhadora econsequentemente no acabou com a prpria existncia de classes sociais. Para ns um exemplo de comono se deve construir o socialismo, para ns aquilo esteve longe de ser socialismo.

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    O ANARQUISMO E A REVOLUO ESPANHOLA

    A Espanha pouco antes da revoluo contava com a maior central sindical existente no mundo de ento, aConfederao Nacional do Trabalho, a CNT. Pelas propores do pas e pelo alto ndice de filiao sindicalno pas a CNT talvez tenha sido, numa comparao relativa, a maior organizao revolucionria de massasque existiu na histria do movimento operrio mundial. poca da revoluo, em meados de julho 36,contava com aproximadamente dois milhes de filiados, isso num pas com cerca 24 milhes de habitantes.

    Ou seja, um em cada doze espanhis era filiado CNT. Se contarmos ainda com o grande nmero de filiadosa outra central sindical, a UGT (Unio Geral dos Trabalhadores), de influncia socialista, que possua algoem torno de 1,2 milhes de filiados, temos um ndice de filiao sindical excepcional.

    Entretanto, apesar destes dados nos darem a dimenso do movimento sindical espanhol, maisimportante do que a quantidade o fator qualitativo. No caso da CNT no estamos falando de uma simplescentral sindical, mas de uma organizao que tinha um projeto revolucionrio publicamente declarado. Issosignificava que o trabalhador que a ela aderisse, aceitava no ato de sua filiao as resolues de congresso,onde constava que o objetivo da CNT era a implantao do comunismo libertrio, pela via da insurreioarmada". Por mais que saibamos que nem todo filiado tinha clareza sobre o real alcance poltico destesobjetivos, no possvel negar que possuam afinidade prtica com a CNT e se sentiam parte dela. Outrofator de importncia a se considerar que a CNT exercia sua maior influncia e tinha maior expressojustamente na Catalunha, onde se concentrava a principal zona industrial do pas e, por conseguinte, grandeparte do proletariado.

    A CNT e o Anarco-Sindicalismo

    As definies expressas nos objetivos da CNT eram francamente libertrias. Sendo um ntido retratode uma organizao sindical que adotava os princpios tericos do anarquismo, e isto o que configura edefine o anarco-sindicalismo. (...)

    Quando a CNT foi fundada em 1910, ainda no tinha carter ideolgico abertamente anarquista queter nos anos que estavam por vir. No seu processo de formao os anarquistas espanhis basearam-seinicialmente nos moldes do sindicalismo revolucionrio da CGT francesa. Posteriormente - no Congresso de1919 - a CNT definiu-se explicitamente como anarquista, traando como seu objetivo alcanar o comunismo

    libertrio por meio da insurreio armada das massas, ou seja, cristaliza-se o que se chamou de anarco-sindicalismo, uma organizao sindical de massas dotada de um programa anarquista.Certamente muitas causas concorreram para que a CNT se cristalizasse como anarco-sindicalista.

    Um dos fatores de maior peso era a existncia da UGT, servindo como correia de transmisso ao PSOE(Partido Socialista Operrio Espanhol), o que dificultava as possibilidades de unificao numa central nicade trabalhadores espanhis. Alm disso, muitos entre os prprios anarquistas no buscavam com muitanfase esta unificao, o que contribuiu para sancionar a diviso dos trabalhadores entre uma centralanarquista e uma central socialista.

    A forte presena de uma organizao de massa de carter libertrio atraiu para dentro de si a maioriada militncia anarquista espanhola, que, assim, no procurou estabelecer uma organizao especificamenteanarquista; pelo menos at 1927 quando surgiu a FAI, embora no tivesse precisamente o carter da Alianabakuninista. Este fato parece-nos explicar em muito a ausncia de estratgia revolucionria precisa e a

    fragilidade da linha poltica da CNT no curso da Revoluo, o que foi fatal para a derrota do anarquismo.Sem uma organizao poltica especfica, os anarquistas no puderam formular um programa de ao quedesse conta da conjuntura social e revolucionria da Espanha, consequentemente foram sendo levados pelosacontecimentos, tinham que dar respostas rpidas para as quais no estavam preparados e quando formarama FAI foi mais por uma exigncia de auto-defesa, como veremos, do que por conscincia da necessidade deuma organizao poltica revolucionria dos anarquistas que pensasse um programa de atuao.Podemos dizer que isso era justamente o que Bakunin queria evitar. Na Internacional: a diviso doproletariado, que seria, segundo ele, fatal no momento revolucionrio e a ausncia de uma organizaoespecfica anarquista (tenha o nome de partido, organizao ou federao) o que teria uma importnciafundamental na compreenso da derrota da revoluo. Essa crtica, portanto, se situa dentro da prpriaexperincia da corrente libertria.

    A Federao Anarquista Ibrica (FAI)

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    Se a necessidade de se constituir uma organizao especificamente anarquista foi deixada de ladodurante muito tempo, ela foi se demonstrando mais ntida com o correr dos acontecimentos. No por acasoque a FAI surge no auge da ditadura de Primo Rivera. Os acontecimentos do perodo demonstravam dia-a-dia que a formao de uma organizao anarquista, de carter semi-clandestino, era um imperativo. Noapenas para atuar dentro da CNT, mas, principalmente, para a prpria sobrevivncia dos principais militanteslibertrios.A FAI surge em 1927 inicialmente por um motivo urgente: organizar a autodefesa. Evidentemente que ela

    no se restringiu a este objetivo e buscou outros mais amplos do que a simples ao armada, no entanto,guardou durante toda sua trajetria este carter. Isso ocorreu em parte por fora das prprias circunstncias,em parte porque amplos setores da FAI entenderem que caberia a CNT a conduo da estratgia poltica. AFAI seria ento uma organizao auxiliar da CNT. Existe assim uma certa aproximao com os conceitos deorganizao de Bakunin:

    A FAI constitua, por assim dizer, o ncleo dos sindicatos anarquistas, alm de oferecer verdadeiragarantia contra os golpes oportunistas e o perigo de desvios em direo ao reformismo. Nessa estrutura,

    vem de novo luz o modelo de Bakunin: a organizao de um movimento de massas espontneo dirigido por

    um grupo slido de revolucionrios profissionais atuando na clandestinidade. (ENZENSBERGER, HansMagnus. O Curto Vero da Anarquia: Buenaventura Durruti e a Guerra Civil Espanhola. So Paulo: Cia. dasLetras, 1987, p. 42.)

    Essa aproximao no pode ser exagerada. O que se percebe pela prtica que a FAI nunca chegou a seruma verdadeira organizao poltica, com uma estratgia definida. Entre os anarquistas militantes da pocase dizia que a FAI no era o crebro da CNT, mas os culhes. O que podemos constatar que o fato daFAI ter surgido bem depois da CNT tem uma importncia fundamental. , portanto, uma organizao quenasce dentro de um contexto j marcado pela presena do anarquismo enquanto movimento de massas.

    Vale lembrar que desde a chegada de Fanelli Espanha, passando pelo surgimento da CNT em 1910e caminhando at o nascimento da FAI em 1927; est estabelecida uma fortssima tradio anarquista naEspanha. Os mtodos de luta que da derivaram tornaram-se a partir de ento, a grande referncia anarquistana Espanha, e exerceram influncia nos libertrios em grande parte do mundo. O que nos interessa trazer luz que esta tradio no exatamente a mesma do bakuninismo, h uma srie de diferenas entre o

    anarco-sindicalismo espanhol e o anarquismo bakuninista.Ora, na histria da CNT e da FAI, e principalmente nos momentos mais candentes, j diante dosacontecimentos revolucionrios, afloraram srias divergncias entre os anarquistas. Isto ocorreu dentro dasduas organizaes. Estas divergncias iam ficando mais agudas a medida em que as condies da lutarecrudesciam e, acabaram por colocar os anarquistas em campos quase opostos.Muitas das questes centrais neste debate envolviam a questo do poder e das formas de organizao.Notavam-se vrias posies, sendo que as formas de se qualificar uma delas pode dar noo das divergnciasexistentes. Os Solidrios (Nosotros), grupo de Buenaventura Durruti, considerado por muitos a figura maisimportante do anarquismo espanhol, era minoritrio na FAI e, pelo contedo de suas posies, foiqualificado por vrios autores e at mesmo por muitos anarquistas de anarco-bolchevique. Deixandoevidente a inteno dos opositores de Durruti, Ascaso, Jover e Garcia Oliver de desqualific-los comoanarquistas.

    A dificuldade que a FAI encontrou para chegar a uma elaborao poltica deve-se a alguns motivos.Primeiramente, no s a FAI, mas a prpria CNT, no contava com elaboradores tericos e intelectuais emgrande nmero. Esta sempre foi uma carncia do anarquismo espanhol, que se explica pelo seu prpriocarter classista, que resultou numa diminuta presena de elementos da classe mdia, que em geral pendiammais para o republicanismo ou para os partidos marxistas (PSOE e PCE). Tambm as condies histricas,como a ditadura de Primo Rivera e a represso constante dificultaram um trabalho de elaborao terica,para o qual se necessitava de tempo e alguma tranqilidade. Outro fator o pouco tempo de vida que a FAIteve para se firmar enquanto organizao, ela teve menos de 10 anos de vida at o momento da revoluo.Outro fator, talvez mais explicativo e que j foi abordado refere-se ao prprio processo de formao da FAI,tendo a autodefesa como preocupao emergencial.

    Esta pluralidade, interna ao prprio anarquismo, dificultou o consenso em torno de alguns pontosque se revelaram fundamentais no decorrer da revoluo. Muitas divergncias, embora j aparentes, foram

    deixadas de lado. Na verdade faltou uma articulao entre a organizao de massas, a CNT e a parteresponsvel pela ao direta clandestina, a FAI. No houve uma instncia poltica que harmonizasse os dois,a FAI nunca chegou a desempenhar este papel e isso foi fatal para o anarquismo espanhol.

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    Julho de 1936: a Revoluo como contra-golpe ao fascismo

    Em 1936 o anarquismo era a corrente poltica mais influente na Espanha e a CNT a principalorganizao de trabalhadores no pas. H tempos corriam os rumores de que um golpe de estado estariasendo articulado pelos generais fascistas. Os republicanos no poder ignoraram os vrios sinais que indicavammovimentao nos quartis e foram pegos de surpresa pelo golpe, mas os anarquistas atravs da FAI e daCNT estavam mais atentos e organizaram a resposta militar da classe trabalhadora contra o golpe fascista.

    Assim comeou a Revoluo Espanhola. Nas regies onde CNT e a FAI predominavam, a resistncia aogolpe foi extremamente eficaz, na maior parte da Espanha o fascismo foi derrotado. Neste momento a reaofoi planejada e organizada por militantes das duas organizaes anarquistas, que foram deixadospraticamente a ss pelos republicanos, socialistas e comunistas. Em fins de julho o quadro era bastantefavorvel ao campo antifascista. A rea controlada pelos fascistas era 170.000 Km quadrados com umapopulao de seis milhes de habitantes, contra os 350.000 Km que estavam sob controle dos anti-fascistas,contando com uma populao de 18 milhes habitantes. Do ponto de vista de equipamento e efetivo militaras foras se equilibravam, porm havia um contrapeso de 60.000 milicianos organizados na resistncia e umforte clima de pessimismo do lado fascista.

    A partir de ento deu-se inicio a ofensiva, nas regies do pas onde libertrios eram hegemnicos,rapidamente se organizaram comits de bairro e conselhos de fbrica. A iniciativa de organizao dosanarquistas no uma questo sobre a qual caiba qualquer interpretao, trata-se de um fato amplamentecomprovado, at mesmo por opositores do anarquismo e causa estranheza que alguns autores simplesmentese omitam a respeito.

    Para os anarquistas a revoluo no surgia no momento escolhido pela anlise que faziam sobre aevoluo dos acontecimentos. Na verdade a revoluo acabou sendo precipitada pela tentativa de golpefascista e os militantes decidiram responder dentro das condies de organizao que possuam quela altura,mesmo que no fossem as ideais para se desatar a revoluo. Francisco Ascaso, um dos principais militantesda FAI e da CNT, declarou poucos meses antes do golpe fascista de julho de 1936 que:

    A revoluo uma atividade que exige uma organizao indispensvel. No implica seno uma partemnima de espontanesmo. Para o sucesso, so necessrios noventa por cento de organizao e ns estamos

    longe de possuir cinqenta por cento. (PAZ, Abel. O Povo em Armas: Buenaventura Durruti e o

    anarquismo espanhol. v. 1. Lisboa: Assrio & Alvim, 1974. p. 101)

    O fato que com o contra-golpe iniciou-se a revoluo: fbricas e terras ocupadas e coletivizadas,conselhos de fbrica e comits de bairro funcionando, os sindicatos se convertendo na espinha dorsal da novaorganizao social que se esboava numa vasta regio da Espanha. O governo republicano temeu mais arevoluo do que o fascismo. Tinha plenas condies de fornecer armas suficientes para derrot-lo, mas noo fez, temendo fortalecer a CNT, a FAI e o processo revolucionrio em marcha. Ao ficar indecisa aRepblica permitiu aos rebeldes fascistas sob o comando do General Franco recomporem suas foras, almde dar tempo para que a ajuda dos governos da Itlia e Alemanha pesasse na balana. Mais adiantevoltaremos a questo militar da revoluo.

    No entanto, no podemos ficar jogando a responsabilidade da derrota da Revoluo Espanholaapenas sobre os ombros dos republicanos j que se agssemos desta forma estaramos apenas provando a

    inviabilidade da alternativa libertria. O que aconteceu foi que os prprios anarquistas no estavam bempreparados para pensarem todas as questes que envolviam a luta revolucionria na Espanha e ainda nopossuam os meios para concretizar alguns dos planos que foram traados anteriormente e, ainda faltavamalgumas peas nas projees feitas pelas organizaes anarquistas antes do golpe.

    O Federalismo aplicado: a planificao da economia

    O processo revolucionrio espanhol foi uma oportunidade para que o anarquismo se colocasse prova. Em muitos aspectos revelou-se falho, em muitos outros se superou e demonstrou sua capacidade.Uma das caractersticas histricas do anarquismo enquanto corrente poltica, foi a existncia de umacontradio permanentemente presente no seu interior relativa ao princpio do federalismo. O anarco-sindicalismo espanhol no constituiu exceo. O federalismo foi entendido de diversas maneiras de acordo

    com o contexto, porm sempre houve uma tendncia que chamaremos de autonomismo e, outra que davamais nfase na necessidade de coordenao global.

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    Esta contradio resolveu-se no sentido do federalismo que superou o autonomismo e estabeleceuuma coordenao global em meio revoluo. No campo econmico isso resultou nos projetos deautogesto, que foram amplamente debatidos nos congressos da CNT, e que procuraram pensar a economiaem termos nacionais, levantando dados, estatsticas e prevendo formas de funcionamento para estaeconomia, a ser gerida basicamente com base na estrutura sindical da CNT.

    Mas o principal fato a ser destacado no foi o de existir este debate na CNT, nem mesmo o de jhaver uma planificao; mas, sobretudo o de que a economia se manteve funcionando em plena revoluo,

    em meio s necessidades de guerra, com todas as dificuldades de obteno de matrias-primas e transportenuma situao de exceo, empresas foram convertidas em fbricas de armas em questo de semanas e atmesmo a produtividade das fbricas se elevou. O exemplo espanhol contrasta com a situao catica daeconomia russa durante a Guerra Civil, por exemplo. Isso tem uma importncia capital na medida em quedemonstrou a viabilidade econmica da autogesto:

    A autogesto e auto-deciso no s foram um acerto nas regies rurais, com sua estrutura simples, mastambm em Barcelona com suas empresas enormes e muito complexas: grandes fbricas modernas, todo o

    transporte pblico, todo o servio de sade da Catalunha com seus 40 mil empregados e outras grandes

    organizaes de utilidade pblica, alm da criao da novas plantas indstrias de armamento para

    alimentar as frentes de combate. O ponto fraco do movimento anarquista, a saber: a coordenao entre

    empresas e entre localidades e cidades, foi superada nesta revoluo. (DE JONG, Rudolf. El Anarquismoen Espaa. In: El Movimiento Libertario Espaol. Pasado, presente y futuro. Paris: Ruedo Ibrico, 1974. p.14.)

    Logicamente tambm existiram problemas. A situao era de guerra, havia dependncia de certos produtosimportados e de realizar comrcio exterior, o pas todo no caiu sob domnio dos trabalhadores e haviagrandes reas onde no se realizou a expropriao e a coletivizao de fbricas e terras. Mesmo com todosestes fatores a Revoluo Espanhola mostrou durante trs intensos anos a capacidade dos trabalhadores emauto-gerir fbricas, antigos servios pblicos e terras de forma organizada e sem necessidade do Estado paraisso. Em resumo o anarquismo espanhol demonstrou a viabilidade de sua proposta de planificao eautogesto econmica em grande escala e em meio a uma guerra civil.

    A Questo Militar: milcias e exrcito

    A Repblica, ao que tudo indica, fez uma aposta. Com o maior tesouro em ouro do mundo na poca,negava-se a comprar armas para as milcias populares, formadas no momento do contra-golpe aos fascistas.Isso servia a seus propsitos, pois debilitando as milcias e provocando indiretamente consecutivas derrotaspor falta de armamento, podia-se evitar que atravs de suas vitrias a revoluo tambm vencesse e pusessepor terra no apenas os fascistas, mas inclusive a prpria Repblica.

    Era um estratagema ardiloso, que pretendia primeiro dissolver o campo revolucionrio dentro dapoltica antifascista de defesa da repblica, atravs da chantagem do fornecimento de armas, para depois simcombater efetivamente o fascismo. Era a famosa tese de fazer primeiro a guerra, depois a revoluo. Jpara os anarquistas Revoluo e Guerra eram duas faces da mesma moeda, coisas inseparveis naquelemomento, no se venceria a guerra sem fazer a revoluo e no se faria a revoluo sem vencer a guerra. Era

    das regies em franco processo revolucionrio, com expropriao, criao de novos organismos de poder eautogesto se generalizando que saam os combatentes contra o fascismo, que saam os suprimentos para asfrentes de batalha e que se produziam as armas e munies necessrias para os combates era, sobretudodestas regies que emanava o moral e a retaguarda necessrios aos combatentes.

    A forma militar adotada imediatamente depois da ruptura revolucionria foi a das milcias. E elas semostraram eficazes nos primeiros meses de combate ao vencerem as tropas de Franco e contendo o golpe.Tambm nesta questo a compreenso da necessria coordenao mais ampla foi importante para a eficcia.Mas essa eficcia foi contestada por muito tempo e mesmo depois do aparecimento de vrios trabalhosesclarecedores sobre o assunto a questo ainda causa muita polmica. O certo que se as milcias contassemnos primeiros momentos da revoluo com armamentos e munies o fascismo teria sido liquidado numaguerra rpida de poucos meses, afinal a correlao de foras era extremamente favorvel ao lado anti-fascista. Dentro daquela situao a modalidade militar de milcias foi funcional e cumpriu seu papel.

    Com a demora do governo republicano em armar os combatentes, os fascistas comearam a se reestruturar eprogressivamente, a conquistar terreno, contando j com auxlio dos governos de Hitler e Mussolini, querealizaram na Espanha um verdadeiro laboratrio blico.

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    Entre os milicianos era consenso de que a guerra teria que ser ganha rapidamente, caso contrrio asituao se complicaria. medida que o tempo passava o campo oposto se reestruturava ao passo que dolado das milcias as condies pioravam, comeava a faltar o principal: armamento e munio. Estecertamente no era o nico problema existente, mas sem dvida foi o determinante. Como conseqnciacomeam a acontecer reveses no campo de batalha. Isso contribui para se gerar um clima de instabilidade,que beneficiaria o discurso falacioso de que as milcias no serviam para o combate. O passar do tempo eraum inimigo para o qual os anarquistas e o prprio campo anti-fascista em geral, na verdade, no estavam

    preparados. Durruti, que se constituiria no principal lder miliciano anarquista, expressava tambm outrotemor, relacionado aos efeitos sociais de uma guerra prolongada:

    Se esta guerra se prolonga, a revoluo est arruinada, porque o homem que sair da guerra ter maiorparentesco com o animal do que com o humano...Devemos apressar-nos, para acabarmos com isto o mais

    rapidamente possvel. (PAZ, Abel. Op. Cit., p. 52)

    Muito se fala na oposio entre milcias e exrcito regular. Repete-se a verso falaciosa de que toda aesquerda revolucionria seria defensora das milcias e que o governo republicano e os comunistas seriamdefensores do exrcito regular. Junto com esta afirmao, as milcias so caracterizadas como algo semdisciplina, de organizao amorfa e o exrcito regular como o supra-sumo da profissionalizao militar e dadisciplina. Na verdade os anarquistas j lidavam com a questo militar h tempos, motivados pelos conflitosurbanos com a polcias e pistoleiros a mando dos patres, j haviam participado de vrias insurreies,resgates de presos, expropriaes, assaltos. Tambm haviam mudado a orientao anti-militarista de boicoteao servio militar; convertendo a orientao quase ao avesso, passaram a estimular a entrada no exrcito enos corpos armados de elite, formando ncleos anarquistas dentro dos quartis. Este fato teve importnciacrucial para organizar militarmente o contra-golpe ao fascismo, que mesmo sendo comandado pela FAI,contou com apoio de vrias unidades da Guardia de Asalto, corpo de elite do exrcito espanhol. Mesmodentro da CNT se discutia a questo militar a vrios anos e uma parte dos anarquistas j havia defendido acriao de um exrcito regular revolucionrio em caso de necessidade, entre estes anarquistas estavamDurruti, Ascaso, Garcia Oliver e outros. Alm disso, a deciso de se incorporar ao exrcito regular durante aguerra foi tomada pela CNT sem maiores contestaes naquela poca.

    Esta uma discusso impossvel de ser tratada separadamente da prpria posio poltica da

    Repblica. Desacreditar as milcias, tambm era uma forma de desacreditar, e at mesmo ridicularizar, oanarquismo e a opo revolucionria. Na medida em que os anarquistas eram mostrados pelos republicanos ecomunistas como pessoas hostis a qualquer forma de organizao e disciplina, suas milcias reproduziriameste carter e, portanto, estariam fadadas ao fracasso. A questo entre exrcito e milcias residiu muito maisno controle e comando sobre o corpo armado do que sobre a forma militar. Com o exrcito regular o governorepublicano dava aos comunistas a possibilidade de controle militar da situao. Nos parece claro que arecusa em se incorporar ao exrcito regular por parte de vrios setores da esquerda revolucionria teve estamotivao e no uma rejeio ao exrcito em si. Durruti o exemplo mais claro desta postura, as unidadesmilitares dirigidas por ele foram as mais combativas e eficazes que existiram durante a guerra civil e isso confirmado por testemunhas e historiadores das mais variadas correntes. Organizao e disciplina fizeramparte do mtodo e do vocabulrio dos anarquistas espanhis.

    Todavia, como lamentavelmente se sabe, mesmo com a formao do exrcito regular no se garantiu

    a vitria sobre o fascismo, e mesmo com as milcias dissolvidas e com os anarquistas da CNT entrando nogoverno republicano, sob o manto poltico da defesa da Repblica, o fascismo venceu. Podemos extrairalgumas concluses desse processo. A primeira que a estratgia utilizada pela repblica foi derrotada. impossvel prever o que aconteceria se as milcias tivessem obtido armamentos para que continuassem acombater, mas o certo que mesmo com as milcias dissolvidas e com a formao do exrcito regular houvea derrota. Uma segunda concluso que as milcias funcionaram bastante bem enquanto tiveram armamentoe munio, e em muitas situaes, mesmo em desvantagem de foras e meios, venceram batalhasconsideradas impossveis e perdidas de antemo, ao contrrio do que se diz, as milcias no ignoravam anecessidade de coordenao de aes e os anarquistas no foram contrrios formao de um exrcitoregular.

    O Anarquismo e o Poder

    A caracterstica mais conhecida do anarquismo, comum a todas as correntes libertrias, a negaodo Estado. Em termos polticos o anarquismo transforma este princpio num objetivo revolucionrio bem

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    claro, isto , a destruio do Estado; seja ele qual for. Todavia, de maneira at irnica, os anarquistasespanhis no levaram adiante justamente este que era um dos princpios mais fundamentais do movimentolibertrio. No o caso de se discutir a justeza ou no deste princpio, mas de constatar num primeiromomento que os anarquistas assim procederam; e compreender a seguir os motivos pelos quais isso se deu.

    Como j observamos a FAI, por vrios motivos, no chegou a se constituir enquanto umaorganizao poltica dotada de um programa estratgico. Ela encontrava-se no interior da CNT como umaespcie de guardi dos princpios anarco-sindicalistas, buscando sempre evitar o avano do reformismo;

    tarefa na qual deve-se admitir teve relativo xito.A CNT por sua vez, tinha seus objetivos - derivados dos princpios anarquistas - claramente

    estabelecidos. Tambm chegou a constituir, o que talvez seja um dos seus maiores mritos, um programaeconmico que foi posto em prtica com sucesso. Entretanto, no possua um programa estratgico maisamplo, ou seja, poltico. Sua frmula resumia o problema poltico questo econmica. A gesto social detoda a sociedade se pautaria nos sindicatos, comits, conselhos e comunas federados, enquanto que o Estado,teria que ser destrudo. Do ponto de vista libertrio isso est correto enquanto objetivo, no entanto; a prticademonstrou que isso apenas no basta. Porque o anarco-sindicalismo no avanou a ponto de traarestratgia e tticas? Um bom comeo para se responder esta pergunta talvez esteja na negao total dapoltica e do poder. A partir do momento em que se negam a simplesmente analisar estas questes aconseqncia a ausncia de uma concepo de poltica e de poder alternativos.

    Poder e poltica eram vistos pela maioria dos anarquistas como uma esfera da burguesia e, portanto,no se forjava concepes alternativas. interessante notar que com os conceitos de organizao e disciplinao mesmo no se deu, pois o anarquismo elaborou suas prprias interpretaes o que constituiu um grandeavano. O fato que a realidade revelou que no existe vazio de poder, o que pode acontecer so variaessobre a forma de seu estabelecimento.

    No momento em que estourou a revoluo na Catalunha a CNT se deparou com este dilema. O quefazer diante da questo do poder? A absteno, ou seja, a negao total do poder, mostrou-se uma fantasia.Era preciso tomar uma posio e que alternativa tinha a CNT? A rigor no possua nenhuma, uma vez quesequer aceitava refletir sobre este assunto. O dilema passou a ser ento escolher entre formas de poderconcebidas por outras foras polticas e apresentavam-se duas alternativas: colaborar no governo republicanoou estabelecer uma ditadura anarquista. Ou seja, um modelo caracterizado como democracia burguesa eoutro como ditadura do proletariado leninista. A opo decidida, como sabido, foi pela primeira alternativa.

    Em algumas regies como a Catalunha, por exemplo, a CNT teve totais condies de dissolver o Estado, nocaso da Generalitat (governo Catalo), e instaurar uma nova forma de poder. Na Catalunha, o Comit deMilcias Antifascistas, que existiu de fato como poder popular e hegemnico durante um perodo, teve apossibilidade de acabar com duplo poder, fazendo valer o princpio anti-estatal histrico do anarquismo. Masmesmo l no fez isso.

    interessante notar que os anarquistas caracterizados como os mais puristas, que defendiamprincpios supostamente puros do anarquismo como o apoliticismo, acabaram por ser os defensores maisenrgicos da tese colaboracionista, vide o exemplo de Diego Abad Santilln. Houve vacilao por parte daFAI/CNT na hora mais importante. Querer explicar esta indeciso com base na conjuntura de ento e nasnecessidades imediatas seria usar o mesmo procedimento que o bolchevismo historicamente adotou emrelao aos questionamentos e crticas dos anarquistas, o que de fato no responde satisfatoriamente squestes levantadas. A verdade que no se sabia o que fazer evidentemente por falta de estratgia, que se

    revelou capital no momento decisivo.Essa deciso, pelo colaboracionismo, apesar de muito controversa e polmica, poderia at se

    justificar num primeiro momento devido urgncia do momento. No plenrio da CNT que decidiu pelacolaborao:

    Diversas opinies se entrechocaram: a de Garcia Oliver, defensor intransigente da Revoluo, cujaspticas Durruti, alis, partilhava. Mas, contrariamente a Garcia Oliver, que se submeteu resoluo

    adoptada, Durruti persistiu na sua proposio de no consentir nos acordos seno provisoriamente, quer

    dizer, at a libertao de Zaragoza, porque esta, ao abrir a estrada do Norte, asseguraria o triunfo da

    Revoluo. (PAZ, Abel. Op. Cit., p. 24)

    Ficava claro o carter provisrio que deveria ter para Durruti a deciso do colaboracionismo. Mas o

    anarquismo cometia um duplo erro: alm de entrar no governo, constituiu, na Catalunha, o Comit deMilcias Antifascistas, que at ento representava o verdadeiro poder popular, com critrios exclusivamentepolticos, dentro do Comit os partidos polticos passam a contar com o mesmo nmero de representantes por

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    unidade. No entanto, esta medida no estava de acordo com a realidade j que na Catalunha a CNT era amaior organizao e deveria ter uma representao maior do que as outras foras como a UGT, que erapequena nessa regio, a Esquerra Republicana e a Unin Republicana, da pequena burguesia liberal, que osprprios anarquistas estavam a expropriar, a minscula seo do PSOE, etc.

    Ao invs de se compor o comit com base em critrios reais, ou seja, uma representao baseada nomovimento popular, de acordo com a composio dos sindicatos, comits de bairro e milcias; escolheu-se a

    forma poltica. Partidos que mal tinham presena nos meios sindicais e nos bairros passavam a ter a mesmaparticipao no Conselho que a FAI e a CNT, que eram enormemente majoritrias. Como este objetivo serealizou difcil de avaliar, alguns dizem que se a representao fosse proporcional fora social dasorganizaes, se constituiria uma ditadura anarquista uma vez que a FAI e a CNT teriam a maioriaabsoluta dos delegados. Outros acreditavam que assim deveria ser porque nos lugares onde a CNT eraminoritria os critrios destes organismos de representao seriam os mesmos, detalhe: a maioria dos locaisonde a CNT e a FAI eram minoritrias caram nas mos dos fascistas e a maioria dos locais que estavam dolado dos revolucionrios e republicanos s se mantiveram assim porque a CNT era majoritria. Emdetrimento disso optou-se por uma democracia formal ao invs da democracia real e direta.O certo que a CNT saiu, de um momento para outro, do extremo da negao total da poltica e do poderpara o extremo da politicagem e dos acordos partidrios; ao invs de recorrer ao movimento popular, comopregou durante toda sua existncia. Naquele momento a permanncia da Generalitat era menosprezada pelosanarquistas, uma vez que o poder real estava com o Comit de Milcias. Mas era bvia a inteno dereconstituir a Generalitat enquanto poder assim que possvel. O argumento de que Companys (presidente daGeneralitat) agora no manda em nada no explica porque ele no foi destitudo.

    Apesar disso, durante algum tempo a CNT no teve uma postura definitiva. Mesmo com a existnciada Generalitat; a constituio do Comit das Milcias Antifascistas, que logo aps o contragolperevolucionrio era quem detinha o poder real, garantia que o poder de fato ainda se mantivesserevolucionrio. No entanto a permanncia de um duplo poder necessariamente o encaminharia para um ladoou para outro. Diante disso:

    Os membros do grupo Nosotros tinham chegado a definir uma posio clara: era preciso ultrapassar oestdio da aliana entre partidos polticos e criar um organismo revolucionrio, apoiando-se para tal os

    interessados numa assemblia regional em que estivessem presentes operrios, milicianos, comits dedefesa, etc. (Idem, Ibidem, p. 31)

    Ao mesmo tempo em que a CNT e a FAI adotaram majoritariamente a opo colaboracionista, estava emgestao no seio do prprio anarquismo, durante o curso do processo revolucionrio, aquilo que seria oembrio de uma alternativa concreta de poder libertrio, ou seja, um contra-poder. Comeava a se esboarrapidamente uma concepo que a CNT no tinha desenvolvido em mais de duas dcadas. Agosto de 1936seria um ms decisivo, pois haveria um plenrio em que a CNT decidiria se continuaria com a colaboraoou se romperia definitivamente e adotaria a postura radicalmente revolucionria. A posio de Santillnpermaneceria inalterada, o que certamente garantia uma disputa de posies entre as duas fraes no seio daCNT. Ocorreu que neste nterim Garcia Oliver, membro da FAI e do grupo Nosotros, companheiro deDurruti desde os tempos de clandestinidade, mudou de idia e rompeu com o acordado inicialmente pelo

    grupo. Passou a sustentar uma tese intermediria entre a de Durruti e a de Santilln. Para ele, a preservaoda Generalitat deveria ser levada a cabo com o argumento de que evitaria uma interveno estrangeira contraa revoluo. Ela funcionaria ento como uma espcie de fachada legal para que a revoluo pudesseprosseguir.Para Durruti isso estava fora de cogitao, ele permanecia firme em sua posio inicial e no aceitou osargumentos de Garcia Oliver, sua avaliao era que:

    Tudo isso no vai enganar ningum. Quando os trabalhadores expropriam os burgueses, quando se atentacontra a propriedade estrangeira, quando a ordem pblica est nas mos dos trabalhadores, quando as

    milcias so controladas pelos sindicatos, quando, de facto, se est a fazer uma revoluo pela base, como

    possvel dar a isso tudo uma sano legal? A legalidade dar fora ao governo da Generalitat, ao mesmo

    tempo que enfraquecer o contra-poder do Comit das Milcias, ao integrar a economia, regida pelos

    trabalhadores, no aparelho de Estado. Isto significar que, de facto, a C.N.T. no s reforar o poder doEstado, como ter entre as suas mos o controle da economia, caminhando para uma espcie de socialismo

    econmico de Estado. (PAZ, Abel. Op. Cit., p. 63)

  • 7/28/2019 Revoluo Russa e Espanhola

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    Este racha dentro daquele que era considerado o grupo mais slido da FAI nos d a medida exata dasdivergncias reinantes entre os prprios anarquistas. O resultado do plenrio conhecido. A CNT confirmoua tese da colaborao, defendida por Santilln e rejeitou a de Durruti, derivaria da a impossibilidade da CNTdar seguimento revoluo. O que seria apenas ttico, apoiar o governo sob a bandeira da unidade no anti-fascismo, revelou-se um obstculo estratgico para a revoluo. Havia ento quatro opes possveis para aCNT: continuar no governo republicano, tal como j estava sendo feito; simplesmente se abster; tomar o

    poder do Estado instaurando uma ditadura do proletariado, como reclamavam os trotskistas e os poumistas.Constituir um contra-poder de carter libertrio. Essa tendncia se agrupava em torno das teses que haviamsido levantadas por Durruti na CNT e na FAI e que haviam sido derrotadas. Esta nova forma de poder, quebusca pulveriz-lo ao mximo, nada tem a ver com um poder Estatal, pois no funcionava de cima parabaixo e no se fixava enquanto autoridade. Esta era uma alternativa de poder que tinha ganhado vida noConselho de Arago, e se fortalecia inclusive contra a vontade das direes da CNT e da FAI, que j estavamamarradas aos compromissos com o governo da Repblica.

    O fato que o anarquismo j se encontrava num beco sem sada a esta altura dos acontecimentos.Em torno das posies de Durruti agrupam-se a J.J.L.L. (as juventudes libertrias); o recm formado grupoOs Amigos de Durruti, tambm Pierre Besnard, secretrio da AIT poca, considerava que A nicamaneira de sairmos deste ciclo infernal a prova de fora. Mas eu pergunto a mim mesmo se os homens queesto cabea da C.N.T. so os mesmos que a estavam no 19 de Julho. Os acontecimentos posteriorescomprovaram que as dvidas de Besnard no eram infundadas. Os anarquistas comeam a participar dogoverno da Generalitat; aceitam a dissoluo do Conselho de Aragn, bem como do Comit de Milcias.Virtualmente, este tinha desaparecido e o Conselho da Generalitat recuperava a sua antiga fora comogoverno da Catalunha, apesar da presena de quatro conselheiros da C.N.T.

    Tambm aceitaram o afastamento do POUM (Partido Operrio de Unificao Marxista) daGeneralitat, que foi uma clara manobra do PSUC (Partido Socialista Unificado da Catalunha) e, finalmente aCNT e a FAI adotam a deciso que foi o golpe de misericrdia no anarquismo durante a guerra civil, ou seja,ficam contra a sua prpria base nos acontecimentos de 3 de maio de 1937, quando o governo de Madripersegue anarquistas e militantes do POUM com o apoio de dirigentes da CNT e da FAI . Com a anulao dainfluncia dos anarquistas e do POUM, o campo estava aberto para o desmantelamento das conquistasrevolucionrias e a reconstituio do Estado Republicano. Os juzes togados so restabelecidos; os padres

    catlicos so libertados; so formados tribunais de exceo como os tribunais de espionagem e alta traio;a censura instaurada; criado oficialmente o servio de instruo militar, diretamente controlado poroficiais do PC russo; o culto catlico liberado; os decretos de coletivizao das terras so anulados e osproprietrios no declarados fascistas reassumem suas terras e fbricas. A represso demonstra na prticacontra quem se voltava, as prises da Catalunha estavam repletas e das seis galerias da priso de Barcelona,nada menos que cinco delas eram ocupadas por anarquistas e alguns poumistas.

    A Revoluo Espanhola mostrou uma srie de mritos e realizaes dos libertrios, mas tambmexps uma srie de lacunas de concepo e erros polticos cometidos. A principal delas, a nosso ver, foi aausncia de uma organizao anarquista capaz de elaborar uma estratgia global e desenvolver umaconcepo de poder no estatal.