Revista Zona de Impacto - Início zona de impacto ano 16 vol 2... · Graduada em Arqueologia e...

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Revista Zona de Impacto ISSN 1982-9108. ANO 16 Volume 2 - Julho/Dezembro, 2014. Biblioteca de Holland House, em Londres, Inglaterra, em grande parte destruída pela blitz alemã, em setembro de 1940.

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Revista Zona de Impacto ISSN 1982-9108. ANO 16 Volume 2 - Julho/Dezembro, 2014.

Biblioteca de Holland House, em Londres, Inglaterra, em grande parte destruída pela blitz

alemã, em setembro de 1940.

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Corpo Editorial

Editores

Alberto Lins Caldas

Prof. Dr. Departamento de História - UFAL

Eliaquim Timóteo da Cunha

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

PPGAS/UFAM (estudante)

Conselho Editorial

Caesar Sobreira – Antropologia – UFRPE

Jean-Pierre Angenot - Letras - UFRO

Jacinta Castelo Branco Correia - Comunicação - UFRO

José Carlos Sebe Bom Meihy – História – USP

Michel Zaidan Filho - História – UFP

Miguel Nenevé – Letras – UFRO

Nilson Santos – Educação – UFRO

Conselho Consultivo

Adailton da Silva – Antropologia – INC/UFAM

Alberto Vivar Flores – História – UFAL

Ana Monica Lopes – História – UFAL

Ana Paula Palamartchuk – História - UFAL

Antonio Filipe Pereira Caetano – História - UFAL

Clara Suassuna – História – UFAL

Emmanuel de Almeida Farias Júnior – Antropologia – PNCSA

Inara do Nascimento Tavares - Antropologia – INSIKIRAN/UFRR

João Jackson Bezerra Vianna - Antropologia

Lilian Maria Moser – História – UFRO

Sérgio Nunes de Jesus – Letras – IFRO

Xênia Castro Barbosa – História – IFRO

Magno Silvestri - Geografia – UFMT

Marta Valéria de Lima – História – UFRO

Pedro Rapozo – Sociologia - UEA

Raiana Ferrugem – Sociologia - IFAM

Rafael Ademir Oliveira de Andrade - Sociologia da Educação - Faculdade São Lucas

Sheila Castro dos Santos - Geografia - GEPCULTURA/UFRO

revistazonadeimpacto.unir.br

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Sumário

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 7

Eliaquim Timóteo da Cunha ..................................................................................................... 7

ARTIGOS ............................................................................................................................... 10

O PENSAMENTO AUTORITÁRIO DE PLÍNIO SALGADO COMO EXEMPLO DA

“INTELLIGENTSIA” BRASILEIRA DA DÉCADA DE 1930 ......................................... 11

Paula Stolerman ...................................................................................................................... 11

SERTANEJO CAIPIRA OU CAIPIRA SERTANEJO: AS DEFINIÇÕES DA MÚSICA

RURAL BRASILEIRA NA COLEÇÃO ‘NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR

BRASILEIRA’ ........................................................................................................................ 19

Alessandro Henrique Cavichia Dias ...................................................................................... 19

GÊNEROS MUSICAIS: EM BUSCA DE UMA CONSTRUÇÃO SÓCIO SONORA ... 34

Diego da Rocha Viana Muniz ................................................................................................. 34

A RECONFIGURAÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA NORTE-AMERICANA PARA O

ORIENTE MÉDIO (1967 – 1979) ......................................................................................... 44

Thiago Henrique Sampaio ...................................................................................................... 44

MONOGRAFIA ..................................................................................................................... 63

COMO AS INSTITUIÇÕES DE MICROCRÉDITO PROMOVEM A AUTONOMIA

DAS MULHERES EM MOÇAMBIQUE. ESTUDO DE CASO DA TCHUMA,

COOPERATIVA DE CRÉDITO E POUPANÇA (PARTE I) ........................................... 64

Catarina Casimiro Trindade ................................................................................................... 64

JERÔNIMO DE ALBUQUERQUE, O ADÃO PERNAMBUCANO: TRATADO

SOBRE A ORIGEM MULTIÉTNICA DO HOMEM NORDESTINO ............................ 88

Caesar Malta Sobreira ............................................................................................................ 88

SESSÃO ESPECIAL.............................................................................................................. 92

Homenagem a John Manuel Monteiro (1956-2013). ........................................................... 92

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TAVARES, GONÇALO M. 2010. UMA VIAGEM À ÍNDIA. EDITORA LEYA, SÃO

PAULO. PREFÁCIO DE EDUARDO LOURENÇO. 452 P. ............................................. 95

Vítor Queiroz ........................................................................................................................... 95

SIDNEY W. MINTZ. 2010. THREE ANCIENT COLONIES: CARIBBEAN THEMES

AND VARIATIONS. W.E.B. DU BOIS LECTURE SERIES. CAMBRIDGE:

HARVARD UNIVERSITY PRESS. 257 P. ....................................................................... 101

Ana Elisa Bersani .................................................................................................................. 101

CASTELO, CLAÚDIA; THOMAZ, OMAR RIBEIRO; NASCIMENTO, SEBASTIÃO

(ORGS). 2012. OS OUTROS DA COLONIZAÇÃO: ENSAIOS SOBRE O

COLONIALISMO TARDIO EM MOÇAMBIQUE. LISBOA: INSTITUTO DE

CIÊNCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA. 361 PP. ............................... 106

Luciano Cardenes Santos ..................................................................................................... 106

GARFIELD, SETH. A LUTA INDÍGENA NO CORAÇÃO DO BRASIL. POLÍTICA

INDIGENISTA, A MARCHA PARA O OESTE E OS ÍNDIOS XAVANTE (1937-1988).

TRADUÇÃO DE CLAUDIA SANT’ANA MARTINS, UNESP, 2001, 392 P.).

[APRESENTAÇÃO PROF. JOHN MANOEL MONTEIRO]. ....................................... 110

Francisca Navantino P. de Angelo ....................................................................................... 110

PAIVA, ADRIANO TOLEDO. OS INDÍGENAS E OS PROCESSOS DE CONQUISTA

DOS SERTÕES DE MINAS GERAIS (1767-1813). BELO HORIZONTE:

ARGVMENTVM, 2010. 1 MAPA. 208 P. (HISTÓRIA; 13) [APRESENTAÇÃO DE

ADALGISA ARANTES CAMPOS; PREFÁCIO DE ADRIANA ROMEIRO.] ........... 115

Marina M. de Freitas ............................................................................................................ 115

ENSAIO FOTOGRÁFICO ................................................................................................. 119

SOB OS CÉUS DE LAGUNA BLANCA: ARQUEOLOGIA E ETNICIDADE NA PUNA

ARGENTINA ....................................................................................................................... 120

Brena Caroline B. de S. Miranda – ...................................................................................... 120

Graduanda em Arqueologia, Universidade Federal de Rondônia (UNIR). ....................... 120

Laureline Cattelain. ............................................................................................................... 120

Graduada em Arqueologia e História da Arte e mestre em Ciência Política, Université Libre

de Bruxelles (ULB). ............................................................................................................... 120

Yves Dal Canton. ................................................................................................................... 120

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Graduado em Arqueologia e História da Arte e mestre em Arqueologia, Université de Liège

(ULg). ..................................................................................................................................... 120

SOBRE OS AUTORES ........................................................................................................ 131

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Apresentação

Eliaquim Timóteo da Cunha

No seu décimo sexto ano a Revista Zona de Impacto traz um temário bastantes

variado. Temos algumas nuvens dos Céus Argentino. As diferenças entre “música caipira” e

música sertaneja”. Passamos pelo pensamento autoritário de Plínio Salgado. Temos alguns

apontamentos sobre a construção do “Oriente Médio”. Resenha sobre Jerônimo de

Albuquerque. Vamos a alguns aspectos sobre as vidas das mulheres em Moçambique com

suas participações no mercado financeiro. Damos um sobrevoo com resenhas que abordam os

estudos pós-coloniais sobre o Mundo Lusófono Colonial.

Outra novidade da Revista Zona de Impacto é a construção do Espaço Caderno de

Criação. Este periódico foi mantido entre 1994 a 2002. O corpo editorial fazia parte do

Centro do Imaginário Social da Universidade Federal de Rondônia (UFRO), com ISSN 0104-

9389. Nesse espaço os exemplares serão disponibilizados em Portable Document Format

(PDF). Confira: revistazonadeimpacto.unir.br

Nos Artigos, encontramos: “O Pensamento Autoritário de Plínio Salgado como

exemplo da “Intelligentsia” brasileira da década de 1930” assinado por Paula Stolerman. O

texto seguinte é “Sertanejo caipira ou caipira sertanejo: As definições da música rural

brasileira na coleção ‘nova história da música popular brasileira’” assinado por Alessandro

Henrique Cavichia Dias. O terceiro artigo é “Gêneros Musicais: Em busca de uma construção

sócio sonora” assinado por Diego da Rocha Viana Muniz e o último artigo é “A

reconfiguração da política externa norte-americana para o Oriente Médio (1967 – 1979)”

assinado por Tiago Sampaio

O Texto de Stolerman, procura ressaltar, como escreve a autora: “a importância de não

rejeitarmos estudos referentes ao pensamento autoritário brasileiro, visto que ele também é

um reflexo do fenômeno social daquele momento histórico e da produção intelectual daquele

momento” na década de 1930. Temos aí um destaque aos pensamentos de Plínio Salgado;

além da coincidência desta publicação sair na semana em que faleceu o político citado.

O segundo e terceiro artigo tratam de questões sociais a partir da música Alessandro

Henrique Cavichia Dias, no texto “Sertanejo caipira ou caipira sertanejo: As definições da

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música rural brasileira na coleção ‘nova história da música popular brasileira’” destaca que

as diferenças e as construções históricas nas classificações “música sertaneja” e “música

caipira”. O autor diz que “música sertaneja” “é uma denominação tipicamente paulista, usada

para denominar o caboclo (e sua produção cultural), que não residia nos centros urbanos.

"Kaai 'pira" na língua indígena significa, o que vive afastado. Por outro lado, o termo música

sertaneja era utilizado no Rio de Janeiro no final do século XIX até a década de 1930 como

referência para todas as músicas que não pertencesse ao ambiente cultural da capital da

república.

O outro texto que trata de música é “Gêneros Musicais: Em busca de uma construção

sócio sonora” escrito por Diego da Rocha Viana Muniz, nesta oportunidade o autor quis

sublinhar a ideia de “sócio sonoridade”, segundo Muniz esta, “aponta para um conjunto

complexo de regras e esquemas sociais e musicais que se acomodam na consciência, de

forma a indicar a classificação num dado gênero musical”.

No texto “A reconfiguração da política externa norte-americana para o Oriente

Médio (1967 – 1979)” assinado por Tiago Sampaio, encontramos uma série de apontamentos

para discutir sobre a construção do “Oriente Médio” analisa eventos entre 1967 a 1970.

Destaca a presença dos Estados Unidos da América seja nos âmbitos políticos e econômicos,

tendo em vista que em diversos contextos são simultâneos e difícil separá-los.

Na sessão monografia damos continuidade ao projeto “publique seu TCC”. Neste

volume trazemos a primeira parte de “As origens do microcrédito: Do Grameen Bank às

instituições micro financeiras em Moçambique” pesquisa realizada por Catarina Casimiro

Trindade. A autora dedicou-se a estudar uma agencia de microcrédito na cidade de Maputo,

Tchuma, em Moçambique. A partir do estudo sobre a Cooperativa de Crédito e Poupança

veremos vários aspectos de qual lugar é ocupado pelas mulheres na economia de

Moçambique. O trabalho foi defendido na Faculdade de Economia da Universidade de

Coimbra, no Curso de licenciatura em Sociologia.

No tópico resenha, trazemos: “Jerônimo de Albuquerque, o Adão Pernambucano:

Tratado sobre a origem multiétnica do Homem Nordestino” escrito por Caesar Malta

Sobreira.

Neste segundo volume do ano de 2014 temos uma Sessão Especial. “Perspectivas pós-

coloniais sobre o mundo lusófono colonial. Homenagem a John Manuel Monteiro (1956-

2013).” Nesta sessão reunimos cinco resenhas dos estudantes que cursaram a última disciplina

ministrado por John Manuel Monteiro, no segundo semestre de 2012. O título do curso

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“Tópicos Especiais em Antropologia Social: Perspectivas Pós-coloniais sobre o Mundo

Lusófono Colonial”, ministrado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Agradecemos a Luciano Cardenes Santos por ter reunido a turma para realizar esta sessão.

As resenhas que compõe esta parte do volume são:

Tavares, Gonçalo M. 2010. Uma Viagem à Índia. Editora Leya, São Paulo. Prefácio de

Eduardo Lourenço. 452 p.

Vítor Queiroz.

Sidney W. Mintz. 2010. Three Ancient Colonies: Caribbean Themes and Variations. W.E.B.

Du Bois lecture series. Cambridge: Harvard University Press. 257 p.

Ana Elisa Bersani

Castelo, Claúdia; THOMAZ, Omar Ribeiro; NASCIMENTO, Sebastião (Orgs). 2012. Os

outros da colonização: ensaios sobre o colonialismo tardio em Moçambique. Lisboa: Instituto

de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. 361 pp.

Luciano Cardenes Santos

Paiva, Adriano Toledo. 2010. Os indígenas e os processos de conquista dos sertões de Minas

Gerais (1767-1813). Belo Horizonte: Argvmentvm. 1 mapa. 208 p. (História; 13)

[Apresentação de Adalgisa Arantes Campos; Prefácio de Adriana Romeiro.]

Marina M. de Freitas

Garfield, Seth. 2001. A luta indígena no coração do Brasil. Política indigenista, a marcha

para o oeste e os índios xavante (1937-1988). Tradução de Claudia Sant’Ana Martins,

UNESP, 392 p.). [Apresentação Prof. John Manoel Monteiro]

Francisca Navantino P. de Angelo

Fechando esta publicação temo um ensaio fotográfico. “Sob os Céus de Laguna

Blanca: Arqueologia e Etnicidade na Puna Argentina” fotografias feitas por Brena Caroline

B. de S. Miranda, Laureline Cattelain e Yves Dal Canton. O Ensaio trata-se de uma parte do

registro do trabalho arqueológico realizado em dezembro de 2012. Estas escavações foram

realizadas na Reserva de Biosfera Laguna Blanca, na província Catamarca no noroeste da

Argentina.

É bastante convidativo olharmos para os Céus De Laguna Blanca a partir de uma

experiência arqueológica.

Boa leitura!

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ARTIGOS

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O Pensamento Autoritário de Plínio Salgado como exemplo da

“Intelligentsia” brasileira da década de 1930.

Paula Stolerman

RESUMO:

Pretendemos com este artigo, melhor compreender as manifestações do pensamento autoritário brasileiro na

década de 30, nos reportando a seu líder, Plínio Salgado, evidenciando as características do campo do

pensamento social brasileiro, em formação, assim como evidenciar as características da “intelligentsia” nacional

daquele momento, que buscava entender os fenômenos sociais brasileiros através do resgate histórico da

formação da nação e simultaneamente contribuir para a consolidação e constituição de uma “identidade

nacional”.

PALAVRAS-CHAVE: pensamento autoritário, integralismo, Intelligentsia, campo social.

1. Introdução:

Em busca de compreender a contribuição do pensamento/ideologia autoritários

nacional, como o de Plínio Salgado, nos anos 30, à formação do campo sociológico brasileiro,

entendemos ser necessário primariamente reportarmo-nos a teorias de Karl Mannheim e

Pierre Bourdieu.

Para Mannheim, a divisão do trabalho nas sociedades exige especializações dos grupos

sociais. Estas especializações geram a consciência de classe em cada um destes grupos,

autorreflexões a respeito de sua condição. No momento em que escreve, Mannheim afirma

que a sociedade vive o momento de reflexão sociológica, após os estágios em que se “auto

explicou” de maneira religiosa, iluminista e histórica. O autor afirma que “o proletariado foi o

primeiro grupo a propor-se uma auto avaliação sociológica consistente e a adquirir uma

consciência de classe sistemática” (MANNHEIM, 2004).

O termo “intelligentsia” é cunhado por Mannheim para descrever uma espécie de

“supraclasse”, a dos intelectuais, que dentro de uma sociedade organizada na forma de

classes, não estaria vinculada nem aos grupos dominantes e tampouco aos dominados

dominadas.

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Os intelectuais estariam libertos dos radicalismos de classe, podendo circular

livremente entre estas camadas e dedicar-se à geração de consciências. O autor expõe da

seguinte forma:

O surgimento da intelligentsia marca a última fase do

crescimento da consciência social. A intelligentsia foi o

último grupo a adotar o ponto de vista sociológico, pois

sua posição na divisão social do trabalho não lhe propicia

acesso direto a nenhum segmento vital e ativo da

sociedade. O gabinete recluso e a dependência livresca só

permitem uma visão derivada do processo social

(MANNHEIM, 2004, p. 27).

No caso de pensarmos a respeito de uma sociologia brasileira em formação, é válido

utilizarmos o pensamento de Mannheim, pois os intelectuais nacionais, em nosso estudo, os

especificamente atrelados ao pensamento autoritário da década de 30, não podem ser

classificados como sendo exclusivamente movidos por interesses de classe. O conhecimento

produzido pelos intelectuais nacionais não pode necessariamente ser avaliado pela origem de

classe do intelectual.

A construção da Sociologia brasileira não pode desprender-se da constituição de uma

Intelligentsia nacional. O termo de Karl Mannheim é apropriado na medida em que buscamos

uma maior elucidação dos processos que levaram ao estabelecimento do campo

(BOURDIEU, 1983) da Sociologia no Brasil.

Quanto à teoria dos campos, de Pierre Bourdieu, está se torna útil ao nosso estudo na

medida em que observamos que a formação do pensamento sociológico brasileiro está

atrelada a própria constituição de seu campo. Para Bourdieu, não há possibilidade de

utilizarmos o conceito de totalidade para a explicação da sociedade, o que existe são inúmeros

campos sociais.

Os campos sociais são constituídos à medida que a sociedade vai se tornando mais

complexa, com a expansão da divisão do trabalho. Quanto maior a especialização de uma

sociedade, maior a quantidade de campos sociais dentro dela. O funcionamento de um

determinado campo depende de regras, “leis de funcionamento invariantes” (BOURDIEU,

1983) que são compartilhados pelos membros do campo em questão. Este conjunto de

normas, ditando o comportamento dos que participarão do campo compõe o habitus do

campo.

O habitus é transmitido dentro do campo social de maneira inconsciente. Os

indivíduos pertencentes a determinado campo não estão a todo tempo refletindo sobre o

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motivo que os leva a ter determinada crença ou a agir de uma forma específica. Estas atitudes

e orientações já foram “incorporadas” no momento da educação dentro daquele campo social.

O que constitui o habitus de um campo são as regras inconscientes incorporadas pelos

indivíduos deste mesmo campo e que fazem sentido para estes que estão imersos nesta

realidade.

Um exemplo pertinente capaz de elucidar esta questão referente ao significado do

habitus e ao campo de Bourdieu são as produções do pensamento social brasileiro no início

do século XX. Primeiramente não há um campo da sociologia brasileira com seu entorno

solidamente definido. O pensamento da intelligentsia nacional, as reflexões iniciais sobre

nossa sociedade e como teria acontecido a formação da nossa sociedade manifestavam-se

através de ensaios, romances e crônicas jornalísticas.

A procura por respostas a questões referentes à formação da sociedade brasileira

perpassava por intelectuais que respondiam tanto à produção de literatura como a de artigos

jornalísticos (O caso de Plínio Salgado, líder do movimento Integralista, por exemplo). Outros

intelectuais exerciam funções burocráticas como servidores do Estado em diversos setores

(esta informação reitera a conexão das teorias de Mannheim e Bourdieu no caso da formação

do pensamento social brasileiro).

Desta forma, é pertinente atentar para a situação brasileira na década de 1930 à luz

destas duas teorias. Neste momento, não se apresentava no país um campo da sociologia

totalmente estabelecido e a intelligentsia nacional exercia as mais diversas funções e se

originava tanto na burguesia como no proletariado.

Com o decorrer da complexificação da sociedade brasileira, consequência do processo

de industrialização do país, há uma espécie de “mutação” (TRINDADE, 1985, p. 15) do

pensamento social brasileiro, desvinculando-o com o passar das décadas da produção literária

(como na obra de Euclides da Cunha) para a sociologia científica (podemos exemplificar com

a obra de Florestan Fernandes), marcada pela técnica estabelecida nas Universidades do Rio

de Janeiro e São Paulo, onde a partir da década de 1930, inicia-se a experiência de

institucionalização das Ciências Sociais, encerrando o campo do pensamento social brasileiro

dentro dos moldes da sociologia científica.

Com a clivagem entre a produção literária e a sociológica, são estabelecidos os

campos e habitus diferenciados tanto de autores da literatura quanto de cientistas sociais. O

habitus de um cientista social, por exemplo, deve conter práticas de pesquisa empírica que

corroborem suas teorias de forma a serem reconhecidas dentro do campo das Ciências Sociais

e sejam reconhecidas pelos membros deste campo. Como afirma Bourdieu: “Ser filósofo é

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dominar o que deve ser dominado na história da filosofia para saber agir como filósofo num

campo filosófico” (BOURDIEU, 1983, p. 6).

2. O Pensamento autoritário brasileiro.

A Ação Integralista Brasileira foi o primeiro partido brasileiro a estabelecer-se

nacionalmente, abarcando em torno de meio milhão de adeptos. Desta maneira, é evidente a

importância de estudos que envolvam a formação e consolidação deste movimento ideológico

nacional na década de 1930, “o primeiro movimento de massa no Brasil” (TRINDADE,

1985).

Hélgio Trindade comenta a conjuntura brasileira no momento da expressão do

pensamento Integralista da seguinte forma:

O ano-chave do período é 1922. Nele eclodem quatro

acontecimentos simbólicos que contém, em embrião, a

mutação da sociedade brasileira entre as duas guerras

mundiais. A Semana da Arte Moderna, em fevereiro,

desencadeia a revolução estética; uma nova etapa da

organização política da classe operária se delineia, em

março, com a fundação do Partido Comunista Brasileiro; a

criação do Centro D. Vital, ligado à revista A Ordem, de

orientação católica, prenuncia a renovação espiritual; e,

finalmente, a primeira etapa da revolução política

tenentista irrompe, em julho, com a rebelião na Fortaleza

de Copacabana (TRINDADE, 1985, p. 15).

A ideologia e o pensamento autoritários no Brasil podem ser observados enquanto

exemplos da interseção entre diversos campos da sociedade brasileira. Os autores do

Integralismo se dedicaram a uma produção que respondesse a questões pertinentes às

preocupações da intelectualidade do país nesta época, tais como a necessidade de

estabelecimento de uma arte tipicamente brasileira, como a criação de heróis nacionais, ou “a

utilização de um enfoque sociológico, em moda na época” (TRINDADE, 1985, p. 27).

Citando o chefe Integralista: “Salgado não concebe projeto político sem uma dimensão

artística e vice-versa” (SANTOS, 2007, p. 2).

É importante lembrarmos que uma das preocupações dos intelectuais brasileiros, da

qual fazem parte também os intelectuais que se afinaram ao pensamento autoritário, era

explicar as razões e de alguma forma trazerem respostas quanto aos motivos que faziam o

Brasil permanecer como uma nação não industrializada, com um atraso em termos capitalistas

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em relação às nações centrais. Essa era uma das grandes questões da intelectualidade

nacional.

Outro tema que não deve ser deixado de lado quando decidimos abordar a questão do

pensamento autoritário brasileiro é o impacto da Semana de Arte Moderna. Durante a semana

de 1922, esteve um grupo de artistas mais conservadores, o Grupo Anta. Tanto na literatura

quanto nas outras artes, não devemos esquecer que o tema fundamental era a “construção da

nação”. A busca de uma arte que representasse genuinamente o Brasil era carregada de

nacionalismo. Desta forma, é válido assinalar que um nacionalismo ao extremo torna-se

autoritarismo.

Mesmo que não dentro de um campo específico da sociologia enquanto ciência, o

Integralismo se propunha a explicar o Brasil e responder à problemática política, econômica e

social. O pensamento social brasileiro, naquele momento ainda era marcado por formas

híbridas, pelas quais se manifestava de forma diferenciada da que veio posteriormente, a qual

intensificou a “diferenciação” do campo das Ciências Sociais, com seus métodos, técnicas e

teorias específicas. As práticas do pensamento social no Integralismo, como híbridas, eram

próximas da Literatura. Não é coincidência Plínio Salgado, líder do movimento, escreveu

diversos romances.

Assim como outras manifestações da intelligentsia nacional, o Integralismo também

objetivava explicar o passado brasileiro e de que maneira este passado repercute nas

orientações do país. Para os integralistas uma grande lástima para nosso país foi a instalação

da República. Para o pensamento autoritário, o país ainda não tinha condições de assumir as

consequências de um regime republicano de forma “saudável”. O povo ainda não possuía as

características necessárias para o regime republicano.

O movimento Integralista estar solidamente ligado à classe média católica, com suas

recomendações acerca da defesa da família e “bons costumes”, basta lembrarmos a máxima

integralista: Deus, Pátria e Família.

3. A “doutrina Integralista”

Como já exposto na parte anterior deste artigo, inúmeros conflitos ideológicos,

ebulições sociais e mudanças econômicas e culturais marcam a emergência do movimento

integralista. Tratemos de agora assinalar os objetivos deste movimento que segundo as

palavras de seu líder, Plínio Salgado:

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[...] considera o universo, o homem, a sociedade e as

nações, de um ponto de vista total, isto é, somando todas

as suas expressões, todas as suas tendências, fundindo o

sentido materialista do falo ao sentido interior da ideia,

subordinando ambos ao ritmo supremo espiritualista e

apreendendo o fenômeno social segundo as leis de seus

movimentos (SALGADO, 1969, p. 25).

Santos (2007), escrevendo sobre a produção literária de Plínio Salgado, expõe uma

característica que marca a produção desse autor e permeia o pensamento Integralista: o

desânimo e negativismo quanto a condição humana. Essa visão de humanidade degradada

pode ser entendida então como uma alavanca para a “reconstrução” nacional dentro do molde

Integral e a posterior Humanidade Integral. Na obra “O que é Integralismo” Salgado anuncia

“as fórmulas definitivas de salvação nacional e humana” (SALGADO, 1969, p. 37).

O pensamento Integral, como exemplo de parte da intelligentsia nacional do período,

visava explicar o Brasil dentro de uma concepção própria e elaborar soluções para as questões

nacionais. Pelo viés integralista a resolução era libertar o homem daquilo que o amarrava a

uma concepção individualista e material do mundo. Fazê-lo exercer sua plenitude. Para

Salgado, tanto as ideias, marxistas ou liberais, geravam um homem incompleto, distante de

sua verdadeira missão enquanto ser na Terra.

Ambas as correntes ideológicas, tanto a liberal quanto a marxista eram enxergadas

como materialistas, uma sob o prisma do individualismo, a outra sob o prisma do coletivismo.

O liberalismo, conforme o Integralismo é materialista, “porque permite que se processe a

evolução das forças materiais da sociedade sem nenhuma orientação diretiva do Estado,

tornando este um mero mantenedor da ordem pública” (SALGADO, 1969, p. 29). O

marxismo, por sua vez, relegava o poder de todas as ações da humanidade ao plano de

produção material, negando a natureza da vontade independente de cada ser humano.

Como detrator do pensamento liberal, uma das características desta orientação

política/ideológica a ser atacada na obra “O que é Integralismo”, é o voto. De acordo com o

pensamento exposto por Salgado, o voto é uma “artimanha” dos capitalistas, da elite liberal,

ludibriando o povo com a ideia democrática. O voto obriga a população a eleger como

representante um indivíduo que não abarca as aspirações reais daquela população, pois não se

encerram nele as características de um Estado forte, o Estado funciona apenas como aparato

da administração burocrática para a livre atividade econômica.

O marxismo, por sua vez não atende às necessidades nacionais e humanas de uma

forma geral por encapsular o homem na esfera econômica reduzindo a complexidade da

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sociedade numa “luta de morte” onde se enfrentam Capital e Trabalho. Além disso, um

agravante, para o pensamento integralista em relação à ideologia comunista era a concepção

marxista para a religião e família, onde estas duas instituições estavam a serviço da

reprodução e manutenção das forças produtivas.

No caso da explicação histórica para o “atraso” nacional, característica de nossa

intelligentsia neste momento, Salgado atribui à nossa origem colonial, e posteriormente uma

república ineficaz, de cabresto, dependente da Inglaterra, a formação de uma nação

desorganizada, ansiando por um líder que a trouxesse novamente para sua essência ordeira.

Uma questão a ser pontuada são as figuras do Estado para o pensamento integralista e

a importância de seu líder. A “sociologia Integral” considerava o povo brasileiro inapto ao

estabelecimento da democracia liberal já que estava organicamente conectado a uma figura

patriarcal, que o guiasse. Salgado bem reitera em seu texto: “... o nosso povo é sedento de

ordem e disciplina, subordinando-se espontaneamente à autoridade” (SALGADO, 1969. p.

58).

Leonardo Neves comenta em seu artigo “O lugar da democracia no pensamento

autoritário de Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos”, o paradoxo presente

nas ideias integralistas envolvendo a perene disputa entre o individualismo (contido na

ideologia liberal) e o coletivismo (“espírito” que deve ser alcançado pelo Estado Integralista

para promover o desenvolvimento da nação).

Este paradoxo reside justamente em ser o representante desse Estado máximo, capaz

de responder às necessidades de todos os cidadãos da nação brasileira de forma homogênea,

um único indivíduo. Plínio Salgado defende, em sua produção intelectual, a sua aptidão para

tamanha responsabilidade.

O pensamento autoritário brasileiro, desta forma, molda-se em torno da defesa de um

Estado centralizado, orgânico, em oposição ao inorgânico. Este último tendo como base o

individualismo inerente ao homem de Rousseau, que necessita do contrato social para existir

em sociedade. Sintetizando o pensamento integralista com palavras do próprio Plínio Salgado:

[...] qual o destino do homem e da sociedade?... É justo

que tenha conforto material, que se alimente, que se vista,

que se reproduza; é razoável que se dedique à ciência, à

arte, ao pensamento; é natural que nutra aspirações

transcendentais. Tudo isso, harmonizado, de acordo com

as tendências de cada um e debaixo de um critério superior

de espiritualidade e de interesse nacional, social e humano,

realiza o Homem Integral (SALGADO, 1969, p.47).

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3. Considerações finais.

Em nosso breve estudo a respeito do pensamento autoritário no Brasil, identificamos

características presentes nesta ideologia que evidenciam o caráter da intelligentsia brasileira

nas décadas de 1920 e 1930, apesar das críticas erigidas por Salgado aos intelectuais liberais e

marxistas.

O grande líder integralista, Plínio Salgado, atuava como jornalista, publicava

romances e produzia material de cunho sociológico buscando os motivos que propiciam o

“atraso” no “desenvolvimento” brasileiro para responder à isso com suas teorias.

O “hibridismo” do intelectual da época manifesta-se em suas obras, que chamavam

para si um cientificismo que ainda não era plenamente estabelecido, visto que o campo das

Ciências Sociais ainda não havia acumulado capital simbólico para se estabelecer plenamente,

coisa que aconteceu depois, com a institucionalização dos cursos universitários.

Afirmamos então, mais uma vez, a importância de não rejeitarmos estudos referentes

ao pensamento autoritário brasileiro, visto que ele também é um reflexo do fenômeno social

daquele momento histórico e da produção intelectual daquele momento. No entanto, é

necessário não ignorarmos os problemas de uma ideologia autoritária, que credita a apenas

um indivíduo toda a capacidade de formular a gestão do país todo e que, portanto retira o

crédito da nação de optar pelas direções que melhor lhe convir, mesmo que isto não passe de

utopia.

Bibliografia

BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2004.

NEVES, Leonardo. O Lugar da Democracia no Pensamento Autoritário de Oliveira

Vianna, Azevedo Amaral e Francisco Campos. Rio de Janeiro: IUPERJ, s/d.

SALGADO, Plínio. Obras completas. São Paulo: Editora das Américas, 1969.

SANTOS, Robson. A Estética Política - Literatura e Sociedade em O Esperado, de Plínio

Salgado. Maringá, Revista Urutágua, 2007.

TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o Fascismo Brasileiro na Década de 30. São Paulo:

Difusão Européia do Livro, 1974.

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Sertanejo caipira ou caipira sertanejo: As definições da música rural

brasileira na coleção ‘nova história da música popular brasileira’

Alessandro Henrique Cavichia Dias

Mestrando em História pela Unesp/ Campus Franca

RESUMO: Este ensaio pretende apresentar a formação de dois gêneros musicais, conhecidos como

música sertaneja e música caipira. Para tanto, analisa-se as tensões e, principalmente, as

diferenças estéticas entre ambos os gêneros e, dessa forma, visa-se problematizar tais

categorias e como elas contribuem para a solidificação de uma tradição. Junto a essas análises

da cisão desses campos musicais, caberá também ressaltar o papel da Indústria Fonografia na

consolidação desses gêneros, a partir de dois discos da coleção Nova História da Música

Popular Brasileira, intitulados Música Caipira de 1978 e Música Sertaneja de 1983, sendo

estes os primeiros a fazerem parte de uma mesma coleção e rotular, distintamente, a música

rural do interior do Brasil. Tais discos alcançaram um alto nível de popularidade e

contribuíram fortemente para a formação de uma memória musical e a solidificação de um

cânone em torno da música popular brasileira.

Palavras Chave: Música Sertaneja; Música Caipira; Indústria Cultural; Memória Musical

ABSTRACT:

This essay intends to present the formation of two musical genres, that are known as country

music and rustic music. To do this, it analyzes the tensions and, mainly, the differences

between both genres and, thus, it will render problematic these categories and how they

contribute to the solidification of a tradition. Besides, these analyzes the divergence of these

musical field, this essay will also introduce the role of Phonograph Industry in the

consolidation of these genres, from two disc of collection of the New History of Brazilian

Popular Music, entitled, in 1978, Rustic Music, and, in 1983 Country Music. These are the

first of the same collection and they labeled, distinctly, the rural music of the interior of

Brazil. These discs have reached a high level of popularity and they have contributed to the

formation of a musical memory. Add to that, they have solidified a canon around Brazilian

popular music.

Key-words: Country Music; Rustic Music; Cultural Industry; Musical Memory

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Introdução

Os álbuns em análise neste trabalho fazem parte da coleção intitulada Nova História

da Música Popular Brasileira, lançada no início da década de 1970 pela editora Abril Cultural,

a partir do qual teremos como referência o disco de música caipira de 1978 e o de música

sertaneja de 1983. Nessa direção, cabe salientar tanto os papéis desenvolvidos por esses dois

discos que se referem à música rural, como também toda a coleção produzida pela editora na

formação de uma memória musical e na solidificação de um cânone, como afirma o

pesquisador Dr. Silvano Fernandes Baia (2010, p.199):

Os discos traziam gravações selecionadas de compositores considerados relevantes

para história da música popular e vinham acompanhados de textos sobre a vida e a

obra do autor retratado. Os fascículos semanais da coleção eram vendidos em bancas

de jornal a um preço acessível. Fez um grande sucesso vendendo mais de 7 milhões

de exemplares em três edições. A série contribuía fortemente, pela sua popularidade,

na construção de uma memória da música popular no Brasil. A coleção já instituía

um cânone de quais grandes compositores dignos de figurar numa História da

música popular no Brasil na própria organização da seleção.

A partir desta perspectiva podemos afirmar que a construção do gênero sertanejo passa

pelas investidas da Indústria Cultural, como será discutido adiante. No entanto, ao diferenciar

esses dois gêneros cabe ressaltar a origem e a importância do conceito criado em torno do

termo “música sertaneja”, pois como afirma KOSELLECK R. (2006, p.98): "sem conceitos

comuns não pode haver uma sociedade e, sobretudo, não pode haver unidade política”, ou

seja, a criação de um conceito, que tenha a mesma significação dentre uma comunidade

lingüística, permite a fundação de sistemas políticos e sociais que abranja todos os níveis da

estrutura social. Algo que se torna de fundamental importância para que a Indústria Cultural

possa exercer seu leque de influência.

Sendo assim, o termo música sertaneja é diferente do termo caipira (de ‘música

caipira’), que é uma denominação tipicamente paulista, usada para denominar o caboclo (e

sua produção cultural), que não residia nos centros urbanos. "Kaai 'pira" na língua indígena

significa, o que vive afastado1. Por outro lado, o termo música sertaneja era utilizado no Rio

de Janeiro no final do século XIX até a década de 1930 como referência para todas as músicas

que não pertencesse ao ambiente cultural da capital da república, ou seja, tal termo definia

tanto as canções da região nordeste como as do centro-sul, mas com uma referência maior ao

sertanejo nordestino, que nesse momento era uma figura cativa do ambiente cultural carioca,

gêneros esses que seduziram grandes nomes do samba carioca, como Noel Rosa que fez parte

1 Para maiores informações acessar: <http://www.violatropeira.com.br/origem.htm>

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do Grupo dos Tangarás. Outro grupo de grande sucesso que teve como seus integrantes

grandes nomes do Samba foi Grupo de Caxangá que tinha na sua composição Pixinguinha,

Donga, Raul Palmieri e João Pernambuco que futuramente iriam integrar o grupo Oito

Batutas, todos esses, grandes interpretes do samba, iniciaram sua carreira artística na música

sertaneja em especial Noel Rosa como afirma o pesquisador Allan de Oliveira (2009, p.236):

Um exemplo disto é Noel Rosa, cujas primeiras composições, feitas ainda enquanto

era membro do Bando dos Tangarás, foram uma “toada do Norte” e uma

“embolada”. O próprio repertório do Bando dos Tangarás revela esta mistura dos

diferentes gêneros nas décadas de 10 e 20, pois assim como os Oito Batutas, os

Tangarás também tocavam sambas e cateretês, maxixes e desafios, foxtrotes e

emboladas. No entanto, por volta de 1931, Noel Rosa, (...) “opta” pelo samba,

passando a compor somente canções que se adequassem a este gênero e a um outro

relacionado ao carnaval, a marchinha. (...)

Como apresentamos acima, até a década de 1930 do século XX a música sertaneja no

Rio de Janeiro se constituía basicamente dos ritmos nordestinos e de uma influência ainda

muito modesta do ritmo caipira do centro-sul do Brasil. A música caipira passa construir

espaço na capital da república a partir de 1929, com a gravação dos primeiros discos deste

gênero, todos idealizados e financiados por Cornélio Pires, pois as gravadoras do período não

acreditavam que havia mercado consumidor para tal gênero, o primeiro disco era um de 78

rotações com rótulo vermelho, que levava o selo Columbia. Nesse disco, de um lado figurava

a música, “Jorginho do Sertão” e do outro, “Moda de Pião”, ambas de autoria do próprio

Cornélio Pires. De início, o disco vendeu cinco mil cópias em menos de 20 dias, ou seja,

todas as cópias que o próprio Cornélio tinha financiado, superando tanto as suas expectativas

e as das gravadoras, que passaram a investir consideravelmente neste novo filão. Com isso, a

música sertaneja passou a ser colonizada pela estética do centro-sul do Brasil, com afirma

Oliveira (2009, p.44):

Até 1929, a “música sertaneja” era simbolizada pelos diversos gêneros nordestinos

populares no Rio de Janeiro e em São Paulo nos anos 10 e 20, tais como emboladas

e desafios. Com as primeiras gravações de duplas formadas por “autênticos caipiras

do interior paulista” – nos termos das próprias gravações – a música sertaneja

começou a ser “colonizada” pela estética do interior do centro-sul, a estética caipira.

E nesse processo, a dupla cantando em terças tornou-se a formação central do

gênero. Apesar de todas as mudanças sofridas pela música sertaneja nos últimos 80

anos, a dupla foi o elemento que se manteve. Se antes havia Alvarenga e Ranchinho

(anos 30), hoje há Zezé di Camargo e Luciano.

Com isso, o termo sertanejo passa a se referir a um novo conceito de estética musical

que não possui vínculo nenhum com a tradição nordestina e que, por outro lado, será negado

pelas duplas caipiras tradicionais. Contudo, tal conceito só se cristaliza a partir de meados da

década de 1980 em diante, com os novos interpretes da música rural do centro-sul, que

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também são renegados por serem acusados, pelos músicos considerados tradicionais do meio

caipira, de estarem modernizando e corrompendo os valores morais da legítima música

caipira. Essa negação destes novos interpretes ocorre devido a influência de outros ritmos

estrangeiros em suas performances, em especial o Country Estadunidense que se torna

presença confirmada nas interpretações de Sérgio Reis, Leandro e Leonardo Chitãozinho e

Chororó, Milionário e José Rico entre outros que, dessa forma, romperam com a estética da

música caipira. Sendo assim, o conceito música sertaneja passa a representar e definir um

novo grupo social distinto do caipira e também do sertanejo, no sentido que o termo era

empregado originalmente, o que nos permite mapear as tensões e representações criadas em

torno desses dois gêneros, pois como afirma Roger Chatier (1988, p.17):

As representações do mundo social assim constituídas, embora aspirem a

universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinados pelo

interesse de grupo que as forjam. Daí para cada caso, o necessário relacionamento

dos discursos proferidos com a posição de quem utiliza

As primeiras definições acadêmicas de música caipira e música sertaneja

No que diz respeito às diferenças acadêmicas entre a música caipira e música

sertaneja, tem se como referência o artigo de José de Souza Martins (1975) intitulado “Música

Sertaneja: a dissimulação na linguagem dos humilhados”, o qual também se destaca como

uma das primeiras pesquisas voltadas para análise da história e música. No decorrer deste

artigo José de Souza Martins (1975, p.103) norteia sua pesquisa sobre a música “abrangendo

a letra que nela suporta, o universo que verbaliza cantando e o universo que se utiliza como

ponto de apoio em determinadas relações sociais”. Dessa maneira, ao longo de seu artigo ele

estabelece uma relação entre o texto literário e o texto musical e, partindo dessas reflexões,

apresenta diversos pontos em comum, assim como distinções entre a música caipira e a

música sertaneja.

Segundo o autor, a música caipira estaria sempre ligada às sociabilidades do mundo

rural, assim como aos ritos religiosos, trabalhistas e de lazer. Enquanto a música sertaneja

seria dotada de um fundamento de classe sociais, as quais podem ser observadas, ao longo das

letras, na identificação realizada pelo autor dos elementos que exemplifiquem as condições

concretas da existência das classes subalternas, assim como nas tensões, contradições e

oposições entre elas e outras classes. Nessa direção, segundo José de Souza Martins a toada

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“Chico Mineiro” da dupla Tonico e Tinoco, exemplificaria com clareza sua hipótese, como

pode-se ver abaixo:

Cada vez que me "alembro" / Do amigo Chico Mineiro,/ Das viage que nois fazia

/Era ele meu companheiro. / Sinto uma tristeza, / Uma vontade de chorar, /

Alembrando daqueles tempos / Que não hai mais de voltar. / Apesar de ser patrão, /

Eu tinha no coração / O amigo Chico Mineiro, / Caboclo bom decidido, / Na viola

era delorido e era o peão dos boiadeiro. / Hoje porém com tristeza / Recordando das

proeza / Da nossa viage motin, / Viajemo mais de dez anos, / Vendendo boiada e

comprando, / Por esse rincão sem-fim / Caboco de nada temia. / Mas porém, chegou

o dia / Que Chico apartou-se de mim. / Fizemos a última viagem / Foi lá pro sertão

de Goiás / Fui eu e o Chico Mineiro / Também foi o capataz / Viajamos muitos dias

pra chegar em Ouro Fino / Aonde passamos a noite numa festa do Divino / A festa

estava tão boa, mas antes não tivesse ido / O Chico foi baleado por um homem

desconhecido / Larguei de comprar boiada / Mataram meu companheiro / Acabou-se

o som da viola / Acabou-se o Chico Mineiro / Depois daquela tragédia / Fiquei mais

aborrecido / Não sabia da nossa amizade / Porque nos dois era unido / Quando vi seu

documento / Me cortou o coração / Vi saber que o Chico Mineiro /Era meu legítimo

irmão2

Com essa música José de Souza Martins elucida a luta de classe na música sertaneja,

afirmando que as relações de trabalho entre patrão e empregado não permitia que ambos se

reconhecessem como irmãos.

Seguindo a mesma linha apresentada por José de Souza Martins, Waldenyr Caldas

publica sua obra em 1979, intitulada “Acorde na aurora: música sertaneja e indústria cultural”,

a qual tem seu trabalho caracterizado pela mesma linha marxista que domina o trabalho de

José de Souza Martins.

No entanto, Waldenyr Caldas distingue a música caipira da sertaneja da seguinte

forma, a música caipira estaria ligada ao folclore rural, ou seja, seria fruto da socialização

entre as comunidades interioranas, ocupando, desse modo, uma função social dentre desse

grupo que vai além da mera diversão. Por outro lado, a música sertaneja se enquadraria como

um produto da urbanização, deste modo, estaria totalmente desprovido de seu caráter

folclórico e não possuiria nenhuma outra função a não ser o entretenimento, contudo, ela seria

apenas mais um produto alienante da Indústria Cultural (CALDAS, 1979).

No entanto, outros pesquisadores apresentam uma ótica distinta da apresentada por

José de Souza Martins e Waldenyr Caldas, como é o caso da dissertação de mestrado de

Lucas Antônio Araújo, a qual apresenta a música rural brasileira dividida em “música

sertaneja tradicional”, que seria o gênero que sempre teve como referência as estruturas das

músicas rurais, bem como instrumentos e temáticas semelhantes, e “música sertaneja”.

Contudo, Araújo apresenta como música sertaneja as novas duplas que surgiram em meados

dos anos 1970 e, especialmente, a partir da década de 1980, tais como Leandro e Leonardo,

2 As barras são utilizadas para separar os versos.

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Zezé di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó entre outras, que tinham suas

performances apoiadas em estrondosas bandas, com guitarristas, baixistas, tecladistas e

bateristas.

É importante ressaltar os atritos gerados entre a música sertaneja tradicional e a

música sertaneja, como bem aponta Araújo (2007, p.15):

É importante frisar que a partir da desvinculação em relação à temática, estética e

forma em geral da “nova vertente” do gênero em relação à música sertaneja

tradicional, as duplas de ambos os estilos, que poderiam ser definidas já como

gêneros distintos, têm atualmente uma relação relativamente amistosa. No boom dos

anos 1980, houve tendência marcante dos jovens astros em buscar cada vez mais se

desvencilhar da “velharia” e assumir, de forma empolgada, à modernização e à

estética “jovem”. Atualmente, as restrições, quando ocorrem, vêm do outro lado, das

duplas de violeiros tradicionais, que classificam a “nova música sertaneja” de forma

pejorativa como “sertanojo” ou “música de motel” em referência à temática

praticamente única do estilo: as desventuras amorosas. Em relação aos astros desta

“nova música sertaneja” assumem postura bem diferente daquela dos anos 1980, em

que as duplas tradicionais eram encaradas pelas jovens duplas da nova música

sertaneja de modo depreciativo, representando um verdadeiro “conflito de

gerações”. Atualmente dizem respeitar muito as duplas antigas a quem se referem

como verdadeiros mestres e, vez por outra, fazem questão de inserir um “clássico

sertanejo” na gravação de seus discos, quando não gravam um inteiro composto

somente de “músicas de raiz”.

Outra obra também muito importante, que auxilia a compreender a cisão entre esses

dois campos musicais é “A moda é viola: ensaio do cantar caipira”, de Romildo Sant’Anna

(2009). Esse trabalho é de suma importância, visto que traça uma linha do tempo ao longo de

sua explanação, sendo que, posteriormente, divide o estudo em duas partes. Primeiramente,

apresenta as configurações do cantar caipira, realizando a articulação entre o caipira e seu

meio, e como esse ambiente se expressa em suas canções, além de ressaltar sua cultura

material e imaterial, assim como seu papel socializador e lúdico. Por fim, traz a discussão

para a atualidade, analisando a situação da música caipira no cenário artístico atual, e como o

sertão hoje se representa no espaço citadino por meio da música caipira/sertaneja. Portanto,

estas considerações serão imprescindíveis para a compreensão do cenário em que atua a

música sertaneja em seus desdobramentos.

Um importante aspecto da música rural brasileira que é apontado por Romildo

Sant’Anna é a construção da dicção do cantar do caipira, conforme apresenta-se abaixo:

A Moda Caipira é cantada no acasalamento do dueto em terça, de mi e dó,

em falso bordão de dicção anasalada. O anasalamento conserva resquícios

de línguas e dialetos ameríndios; o cantar “entoando vozes” mantém a tradição

ritualística da missa, devocionada na igreja (SANT’ANNA , 2009, p.93).

Ao avaliar-se os discos da Coleção Nova História da Música Popular Brasileira em

relação a estes dois gêneros musicais discutidos acima. Pode-se notar que no primeiro disco,

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destinado a música caipira de 1978, figura-se em suas faixas as seguintes canções do lado A

“Bonde Camarão” (Cornélio Pires) Mariano e Caçula, “Calango” (Capitão Furtado,

Alvarenga e Ranchinho) Alvarenga e Ranchinho, “Moda da Mula Preta” (Raul Torres) Torres

e Florêncio, “Velho Candeeiro” ( José Rico e Duduca) Milionário e José Rico. Do lado B

destaca-se “O Menino da Porteira ( Teddy Vieira e Luizinho) luisinho e Limeira, “13 de

Maio” (Teddy Vieira, Riaçhão e Riachinho) Moreno e Moreninho, “Rio de Lágrimas” (Tião

Carreiro, Piraci e Lourival dos Santos) Tião Carreiro e Pardinho, e por fim “Em vez de me

Agradecer” (Capitão Furtado, J Martins e Aymoré) Tonico e Tinoco.3 Conforme pode-se

notar na capa do álbum abaixo:

(Coletânea Nova História da Música Popular Brasileira. Música Caipira, Abril Cultural

1978)

3 Ao longo da descrição o nome da música se encontra entre aspas, em seguida o nome do compositor e, por fim,

o interprete

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No segundo disco, destinado a Música de Sertaneja de 1983, encontra-se do lado A

“Moda do Peão” (Cornélio Pires) Cornélio Pires, “Fogo no Canaviar” (Alvarenga e

Ranchinho) Alvarenga e Ranchinho, “Moda da Pinga” (Laureano) Inezita Barroso, “Boi

Amarelinho” (Raul Torres) Torres e Florêncio, “Sertão do Laranjinha (Tonico e Tinoco,

Capitão Furtado) Tonico e Tinoco, “O Menino da Porteira (Luizinho e Teddy Vieira) Tião

Carreiro e Pardinho. Em seguida, no lado B segue as seguintes canções: “Beijinho Doce (

Nhô Pai) Irmãs Castro, “Magoa de Boiadeiro” ( Nhô Basílio e Índio Vago) Ouro e Pinguinha,

“Quatro Coisas” (Vieira e Vieirinha) Vieira e Vieirinha, Tristeza do Jeca ( Angelino de

Oliveira) Tonico e Tinoco, Três Nascentes (João Pacifico) João Pacifico, e como última faixa,

Jorginho do Sertão (Cornélio Pires) Itaporanga e Itararé.4 Como nota-se na capa no álbum a

seguir:

(Coletânea Nova História da Música Popular Brasileira. Música Sertaneja, São Paulo Abril

Cultural 1983)

4 Ao longo da descrição o nome da música se encontra entre aspas, em seguida o nome do compositor e, por fim,

o interprete.

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Como pode-se observar nas temáticas das músicas supracitadas, todas possuem como

referência o cenário rural, religioso ou se fundamentam em uma crítica a modernidade como

no caso da música Bonde Camarão e Tristeza do Jeca. E, quanto aos interpretes, nota-se que

quase todos apresentam a típica indumentária característica do caipira, com um figurino

composto por camisas xadrez, chapéu, calças e botas, como aparece nas capas e contracapas

dos discos, exceto a dupla Milionário e José Rico que aparecem na capa do primeiro disco

voltado a música caipira, na qual ambos pousam de terno xadrez, gravata e óculos escuros. No

encarte deste mesmo disco, a dupla aparece em três fotos com um figurino que destoa ainda

mais dos parâmetros propostos pelo tradicionalismo da cultura caipira, sendo que na primeira

ela mantém o padrão apresentado na capa, e nas outras duas fotos Milionário e José Rico

aparecem de cabelos cumpridos, sendo que na primeira, destas duas últimas, apresentam uma

releitura da indumentária do cowboy norte-americano e na segunda pousam com um visual

moderno característico da jovem guarda.

Seguindo a análise da dupla Milionário e José Rico, cabe ressaltar suas composições e

interpretações, como na música “Velho Candeeiro” que ocupa a quarta faixa do lado “A” do

disco Música Caipira. É possível constatar, a partir de uma audição atenta da música, que a

dupla abole a viola da harmonia da canção, instrumento esse que figura como símbolo da

música caipira, sendo que nenhuma das outras duplas que compõe os dois discos faz tal

opção. Além da abolição da viola nas músicas de Milionário e José Rico, estes ainda

compõem suas Harmonias musicais com guitarras, contra baixo, baterias, teclados e backing

vocals. Com isso, a dupla rompe com as tradições instrumentais das duplas da música caipira

que seriam a viola e o violão, e seus respectivos músicos cantando em terça. Dessa forma,

eles apresentam uma modernização da música caipira que se encaixaria nos padrões da

“Música Sertaneja” como foi citado acima, pois, tal performance se cristaliza em duplas

posteriores a Milionário e José Rico, como Zezé di Camargo e Luciano, Chitãozinho e

Chororó, Leandro e Leonardo e Bruno e Marroney entre outras, ambas duplas que abolem a

viola de suas performances.

Isso demonstra que a Editora Abril, na seleção das canções que iriam compor os

discos da coleção “Nova História da Música Popular Brasileira”, não possuía intuito algum

em definir quem seriam os intérpretes caipiras e sertanejos, e quais representavam a

tradicional música rural. O que se tinha em vista era a popularidade alcançada por cada um,

visto que no disco destinado à música caipira, álbum “Ilusão Perdida”, de 1975, a quarta faixa

é dedicada a uma dupla que detinha o recorde do número de vendas de um mesmo disco de

música sertaneja, com mais de 200 mil cópias vendidas. Já no segundo disco, de 1983,

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intitulado “Música Sertaneja”, não há sequer um intérprete da música sertaneja, pois todas as

faixas são ocupadas por clássicos da música caipira.

Com isso, observa-se que a cisão entre música sertaneja e caipira muitas vezes foge do

julgo da Indústria Cultural, ou seja, a cisão surge a partir dos próprios intérpretes, e do

público, que passa a recepcionar negativamente um gênero ou outro. Com isso, cabe apontar

que a gravadora Abril Cultural não possuía intenção alguma em demarcar o que era caipira e

o que era sertanejo, ela apenas atualiza o termo na capa do disco, pois, entre 1978 e 1983, a

música sertaneja consegue ampliar o seu público consumidor frente à música caipira.

Por conseguinte, pode-se demarcar a fronteira entre música caipira e música sertaneja

através da harmonia utilizada na construção das melodias dos dois gêneros, pois, como é

supracitado, a viola mantém a característica da música caipira em relação à música sertaneja,

diferentemente da temática apresentada por Waldenyr Caldas e José de Souza Martins, uma

vez que também se encontra na música sertaneja das duplas modernas canções com temáticas

voltadas para o religioso, ou que cantam a saudade do ambiente rural ou até mesmo uma certa

crítica a modernidade. Assim sendo, não se pode apenas utilizar tais parâmetros para realizar

a distinção entre os gêneros. Todavia, quando nos referimos ao uso da viola na composição de

suas harmonias musicais, torna-se evidente essa diferenciação, pois na música caipira a viola

figura como protagonista da canção e já na música sertaneja ela passa ser mera coadjuvante,

sendo utilizada em brevíssimos momentos, apenas para que as duplas se justifiquem dentro de

uma tradição musical (ZAN, 2004).

Junto a essas considerações elencadas acima, cabe analisar o papel da Indústria

Cultural, na segmentação desses dois gêneros, pois quando a editora Abril Cultural divulga

esses dois discos, indiretamente ela contribui para a consolidação de dois gêneros musicais

distintos, influenciando, dessa forma, na formação de um gosto musical. No entanto, isso não

significa que todos são reféns dos desejos da Indústria Cultural, e que bastaria apenas analisar

as condições de mercado para que se possa obter com clareza a fronteira entre a música

caipira e a música sertaneja, ou seja, tais analises de mercado seria insuficientes para

determinar tal problemática, por que em muitos desses casos a influência manipuladora da

Indústria Cultural não se concretiza, demonstrando, assim, que a própria Indústria fonográfica

atua, mais como mediadora dos interesses da sociedade do que propriamente como

manipuladora, como podemos observar na citação do pesquisador Gustavo Alonso (2011):

A partir da consolidação dos gêneros “caipira” e “sertanejo” pôde se estabelecer

distinções claras, assim como tornar vendáveis estes produtos, catapultando as

vendas e a participação das gravadoras no processo. A delimitação cultural e

nomeação dos campos foi essencial para que a indústria cultural pudesse

incrementar os lucros, mas foi também um processo que se deu para além da

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intervenção e dos desejos mais diretos e manipuladores desta mesma indústria.

Embora não se possa ignorar o papel da indústria cultural na construção de qualquer

gênero musical no sistema capitalista, é importante constatar que as intenções

manipuladoras dos programadores e produtores culturais não são sempre cumpridas

e que os movimentos culturais fogem a sua alçada com tanta frequência que torna

difícil compreender as variações da música sertaneja apenas pela ótica industrial.

Nesse sentido a indústria cultural parece mais efeito de uma série de batalhas

culturais anteriores a sua própria gana por lucro do que simplesmente formatadora

deste novo campo cultural.

Desse modo, observa-se que a Indústria cultural, apesar da influência que exerce sob a

sociedade, a qual nunca deve ser descartada em uma análise, ela também se torna refém dos

desejos desta mesma sociedade que ela tenta ferozmente manipular, ou seja, por mais que ela

concentre seus esforços em criar uma uniformidade musical, isso por vezes lhe foge ao

controle.

Considerações Finais

Com esse breve ensaio não pretende-se criar uma tradição delimitando o que seria

música caipira e o que seria música sertaneja, mas sim apenas mapear os campos que se

desenvolvem essas duas expressões culturais e as tensões criadas entre ambos, principalmente

em relação à música caipira, que preocupava-se em manter o que era “genuinamente

nacional” em um momento de grandes interações e hibridismos culturais, principalmente pela

influência da música Country Estadunidense e a Rancheira mexicana, ritmos que

conquistaram a música sertaneja. No entanto, ao examinar a participação da Indústria Cultural

nos discos da Coleção Nova História da Música Popular Brasileira, nota-se sua falta de

critério ao definir tais gêneros musicais, pois no disco destinado a música caipira a quarta

faixa é dedicada a uma dupla que se reconhecem como sertaneja, alegando serem herdeiros da

tradição caipira. Apenas, no segundo disco de 1983, intitulado música sertaneja, não há um

interprete da música sertaneja, pois todas as faixas são ocupadas por clássicos da música

caipira como se nota na descrição citada acima no texto, com isso, observa-se que a cisão

entre música sertaneja e caipira, foge do julgo da Indústria Cultural, ou seja, a cisão surge a

partir dos próprios interpretes que não se reconhecem e do público que passa a recepcionar

negativamente um gênero ou outro. Sendo assim, pode-se concluir que mesmo que alguns

pesquisadores descartem a importância da diferenciação desses campos musicais para a

pesquisa de História e Música, faz necessária tal reflexão, pois sabe-se que tanto a música

caipira como a música sertaneja não são ritmicamente idênticas e menos ainda pertencem ao

mesmo circuito e não são recepcionadas pelo mesmo público.

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Gêneros Musicais: Em busca de uma construção sócio sonora

Diego da Rocha Viana Muniz

Resumo

O texto busca valorizar dinâmicas internas da classificação dos gêneros musicais da indústria

massiva, tendo em vista certa complexidade no jogo que interliga criatividade musical e sua

construção cultural. Para isso, valorizou-se a noção de sócio sonoridade e as bases sob as

quais se edifica a praticidade do rótulo comercial, levando em consideração a noção

identitária que ele suscita.

Palavras-Chave: Gênero musical, Etnomusicologia, Identidade de gênero musical, Música e

Mercado.

Abstract

The text seeks to valorize the intern variable of the classification of the musical genres of the

massive industry, and aims certain complexity in the relation of musical creativity and its

cultural construction. For this, valorized the idea of “sociosonority” and the bases of the

practical commercial classification, considering its identity idea.

Keywords: Musical genre, Ethnomusicology, Musical Genre Identity, Music and Market.

Gêneros Musicais: Em busca de uma construção sócio sonora

Um gênero musical é formado por regras socialmente definidas, com a possibilidade

de criação de subgêneros como desdobramento das variáveis artísticas. Enquanto a música

popular se caracteriza pela ideia simbólica de proximidade entre as condições de produção e

consumo, representada por gêneros como o samba, a salsa, o sertanejo, o jazz, músicas

regionais etc., os gêneros da música pop se caracterizam pela mediação ou mescla de regras

da música popular, no contexto da máxima produção e consumo. Baseiam-se em formulações

obtidas a partir de outras obras, onde a produção e reconhecimento modelam a criação e

recepção de códigos gerados, voltados ao mercado, sobre certo contexto.

No que diz respeito à união de obras musicais dentro de um sistema complexo de

classificação, é quase impossível englobar os diferentes ângulos de visão de um mesmo

gênero, sendo um ponto básico e crucial, a diferenciação quanto ao compartilhamento da

identidade de gênero que divide “nós” e “eles”, e enxerga “o outro” a partir do próprio

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sistema sociocultural e sócio sonoro. Diante das complexas aproximações, confusões,

semelhanças e detalhes diferenciais, torna-se ainda mais pertinente um debate sobre a

identidade de gênero musical.

Tal visão evita não considerar um gênero o que é considerado como tal, por artistas

que se veem semelhantes; pela mídia; milhões de consumidores; críticos e assim por diante.

Exclui-se logicamente quem desvaloriza a classificação comercial dos gêneros musicais,

como um importante compartilhamento da identidade social dos grupos através da música.

Se a classificação é em si um complexo, a não classificação é paradoxalmente um

problema ainda maior, uma vez que a invenção de tais gêneros faz parte de um patrimônio

cultural da humanidade, que sem uma nomeação flexível de contorno direcional, tende a se

perder. Há a necessidade de demarcar a identidade, em um território onde exista a exploração

de um leque de variáveis possíveis na expressão musical, limitado por fronteiras. Universo

que interliga a publicidade da criatividade e do gênio artístico, mediado pela herança da

formação dos gêneros que atua como um legado memorial existente que o referência e

estrutura.

Ao relacionar as mobilidades da criatividade artística e da identidade, nenhuma

demarcação de gênero musical estará inabalável e protegida. Em adição a isso, complexa e

contraditoriamente, uma classificação, rótulo ou gênero musical pode incluir o conjunto de

outros ritmos e em muitos casos, outros gêneros. Fato acentuado por questões cruciais imersas

na pós-modernidade. O samba, por exemplo, comumente visto como a “representação

autêntica” do gênero nacional, pode conter em seu repertório a marchinha, o maxixe e a

moda.

É necessário que um grupo de pessoas baseado em tais parâmetros aceite sua

existência, negando-a toda vez que fugir aos seus principais critérios de identificação.

Fazendo dele não apenas um evento, mas uma programação contínua de natureza

multifuncional, que pode internamente incluir contradições que se expandem ao se

singularizar.

A escolha do repertório artístico nos remete a uma ideia eletiva de músicas que

recordem eventos, fatos e expectativas, num imaginário parte da memória social em sua

relação simbólica e representativa com o presente. Não se ouve comumente um bolero, à

meia-noite, na Avenida Sete de Setembro num sábado de Carnaval em Salvador. Busca-se

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uma coerência adaptativa do repertório musical com o ambiente onde se está, em seu espírito

envolvido.

É comum haver divergências com relação à exposição de pensamentos de

compositores, críticos especializados, público, músicos, produtores etc. O que além de não

excluir a questão, ressalta a importância das ciências sociais, onde os profissionais estão

adaptados a questionar a familiaridade cultural, dialogando a visão “de perto e de dentro” com

um distanciamento necessário a uma visão melhor e mais ampla. O que aumenta a

necessidade de entender e perguntar às fontes com maior profundidade e rigor, principalmente

diante da natureza dinâmica da cultura, que faz com que um gênero se desenvolva com o

passar do tempo com funções que se reafirmam a cada fenômeno. Tal trabalho necessita de

técnicas que possam ir além das pessoas imersas em seu próprio conjunto universo.

As convenções musicais também se estruturam em torno de práticas performáticas que

se posicionam como sentidos de ser e estar no mundo Se criam histórias, afinidades culturais,

com associações, repelentes etc.: longe de se restringirem a respostas imediatas, se localizam

perto do processo histórico. As experiências performáticas incluem a produção de uma

identidade, sobre continuação, rejeição ou criação de novos códigos.

Sendo assim, a noção de sócio sonoridade aponta para um conjunto complexo de

regras e esquemas sociais e musicais que se acomodam na consciência, de forma a indicar a

classificação num dado gênero musical. Dessa maneira se associam aspectos musicais e

sociais, não se desmerece o potencial criativo de uma cultura, e tampouco se subestima novas

formas emergentes de identidade de gênero, dando maior atenção à adaptação e atualização

das variáveis históricas e dos parâmetros, em prol do entendimento da alteridade.

Ao chegar a uma loja, um cidadão comum tem mais certeza do que quer comprar do

que muitos estudiosos. O gênero costuma ser uma das primeiras formas de reconhecimento e

experimentação musical. Por se tratar de algo familiar, dificilmente se pensa no que foi

construído ao longo do tempo sob ideologias cultivadas como identidades. Gêneros diferentes

têm memórias diferentes, cuja visão se torna mais clara quando comparadas.

Individualmente, os músicos também têm suas memórias, regras e culturas, dentro de

diferentes variáveis subjetivas. Esse universo inclui ritmo, harmonia, melodia, além de outras

sonoridades possíveis, que recaem nas mãos de músicos, musicólogos e demais cientista. O

foco na performance individual atenta para questões pessoais que enriquecem a criatividade,

uma vez que admitem a existência de elementos externos que não necessariamente são

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compartilhados com frequência dentro do gênero. Um compositor já pressupõe que sua obra

seja aberta, e será executada e modificada dentro do contexto dos envolvidos nas etapas

posteriores de produção. Esse evento se torna um importante fator relacionado à flexibilidade,

parte de uma liberdade que diminui a pressão social. Memórias de tempos históricos

diferentes, demandam pressões sociais diferentes.

Dessa forma, os gêneros pós-modernos são postos incisivamente à prova, uma vez que

a criatividade tem a liberdade de permear os atores imprevisivelmente, no processo de

produção e divulgação, desafiando por conseguinte, as possibilidades e limites prescritos em

uma comunidade musical em seus elementos norteadores.

As ideologias de gênero podem levar a uma disputa (mesmo que subjetiva) que

comumente dificulta os estudos, uma vez que pressupõe preferências, hierarquias de valores,

imposições sociais a partir de um referencial cultural distinto etc.

A noção que engloba os diversos atores na produção e consumo artístico é uma

importante face da etnomusicologia. Uma das formas de analisar, é fazer a escuta particular

da performance de cada artista e instrumento em questão, vendo como as diferenças

particulares se harmonizam no conjunto. O indivíduo tem liberdade de aprender e expressar

coisas que fogem à avaliação generalizada.

Identidade de gênero musical

O gênero está dentro de um contexto histórico estruturado, onde um modelo bem

sucedido serve de referência à continuação das regras. Novos gêneros e subgêneros surgem da

transgressão de tais regras negociadas com pesos diferentes, fazendo com que sua não

obediência não signifique necessariamente sua inexistência. A manutenção dos modelos de

sucesso aparece como um decreto identitário que pode ser considerado velho ou arcaico pelas

gerações seguintes que almejam novos códigos, numa dinâmica típica da história.

Busca-se uma unidade parte da motivação cultural em prol de certas identidades, que

atuam com caráter diferencial a outras. Essas diferenças são códigos possíveis de serem

analisados, que se articulam de maneira complexa e criativa com os gêneros musicais,

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interligando performance vocal, instrumental, de comunicação corporal (dança) e outros

elementos. Elas fazem com que a classificação crie uma série de expectativas dentro de um

repertório cognitivo, que não podem ser facilmente negadas.

A familiaridade identitária na indústria da música massiva, tende frequentemente à

simplificação dos códigos de linguagem sócio sonoros a fim de torná-los domáveis,

inteligíveis e compartilhados mais amplamente, o que depois de certo tempo tende a

empobrecer e a diminuir o interesse, justamente pela falta do estímulo natural das adaptações

às dificuldades. Outro fator importante, é que a contínua previsão diante da similaridade tende

a aumentar o impacto da surpresa diante da mudança. Dessa maneira, após certo grau de

maturidade, quanto mais adaptadas à diferença e à complexidade forem as regras, mais

criativas serão.

A competência varia internamente em relação às composições, performances dos

músicos, críticas e bandas. Artistas do mesmo gênero se unem na diferença, sendo que os

códigos convencionais incorporados ideologicamente, fazem com que tal naturalidade

dificilmente seja vista com clareza por quem está dentro.

Um gênero pode ser considerado por uns como a variação de outro ou como uma

mudança que justifica a criação de um novo gênero, causando não só ambiguidades, como

uma relação tensa e transgressora com as regras pré-estabelecidas.

Gêneros mais essencialistas, comumente influenciados por políticas identitárias,

tendem a assumir sonoridades mais exclusivistas. Nessa concepção de pensamento, a música

afro-americana é “naturalmente” apreciada e produzida pelos afro-americanos; aspectos

globalizantes minam a musicalidade local, sendo parte da “destruição” do patrimônio artístico

de certos grupos etc. Na mesma levada, se caracterizam composições tipicamente femininas,

masculinas entre outros aspectos de semelhanças. As diversas defesas se reafirmam como

formas que se mantêm resistentes às variações no tempo e no espaço.

O preenchimento do próprio espaço aparece como marcação de identidade. De um

território. A identidade aparece como um ideal. A resposta para “o que gostaríamos de ser”

(não o que somos) também se apresenta na musicalidade, com caráter dinâmico e dialógico.

São fatores variáveis no tempo, embutidos na música num imaginário e em performances que

remetem a se reconhecer e ser reconhecido.

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Gêneros diferentes têm identidades diferentes, e demarcam grupos sociais distintos,

com maneiras alternativas de interação social. Eles configuram experiências que te localizam

imaginariamente numa narrativa cultural.

As particularidades também surgem nas singularidades dos principais instrumentos

que simbolizam tais gêneros; na dança; no perfil do público; na escolha dos principais

sentimentos envolvidos; nas críticas internas e externas etc.

Em caráter cultural frequentemente oposto, os instrumentos da música clássica e

política normalmente levam orquestras de sopro, violino e piano, que os gêneros populares

frequentemente dispensam, ou ao menos não são tipicamente representados por eles. Esses

por sua vez têm suas exigências e representações próprias, como por exemplo, a percussão na

Axé Music, o violão no bolero e a guitarra no rock.

O trio bateria, contrabaixo e a guitarra nos lembram o rock and roll. O tantan,

pandeiro e o cavaquinho, o samba. Violão, zabumba, triângulo e sanfona, o forró pé-de-serra.

Esses exemplos fazem parte de identificações sociais em torno das exigências instrumentais

típicas, para a constituição dos gêneros musicais.

A sonoridade diz respeito a uma combinação dialógica da performance instrumental e

vocal (muitas vezes simultânea). A formação e identificação social de esquemas inteligíveis e

regras, constitui uma classificação.

A associação de dada sonoridade com a classificação do gênero musical, sentimentos,

experiências, imaginários e ações, diz respeito à identidade e ao que ele, no conjunto dos

artistas representantes, oferece ao mundo. Diante de inovações, cabe observar, por exemplo,

como o repertório do artista foi recebido pelos seus semelhantes. Se será incluído,

incorporado, particularizado, se causará desconforto ou será excluído da classificação.

As regras de gênero se estruturam quanto à função social, formas internas, divisão de

classes, grupos, gerações etc. onde a própria preferência gera critérios mais importantes que

outros, inclusive do que é básico e principal e o que é coadjuvante ou figurante.

O dominante varia, podendo ser o foco na dança, em letras intelectuais, emotivo, nos

ritmos envolvidos etc. e por mais que um gênero se veja como mais original e autêntico que

outros, a história mostra que quase sempre ocorre uma mistura de influências. É o caso do

jazz, por exemplo, que como classificação generalizada para uma nova música dançante,

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influenciou substancialmente certa subdivisão do rock nos anos posteriores5. Há uma flexível

criatividade dentro de um gênero artístico que o capacita a ter características internas de

outros gêneros e ritmos.

Sem certos rituais característicos, dadas expressões musicais perdem a autoridade

social construída, que aponta seu lugar nas relações entre os grupos. A música se postula

como uma excelente forma de entrecruzar culturas, fronteiras regionais, territórios globais,

sonoridades, classes sociais, etnias etc. em sua dinâmica interna.

A classificação é parte importante da mediação. Ela além de identificar socialmente a

produção musical e sua criatividade intrínseca, tem um público-alvo como destino e permite a

vivência do consumidor diante de diversos produtos da cultura relacionados aos gostos,

estilos de vida, sociabilidades, ideologias, fidelidades às tradições e visões de mundo.

A noção de música pop se refere ao encontro domado, da cultura popular com a mídia.

Diferentemente de outros seguimentos, a natureza midiática pede grandes investimentos e

lucros, devido à expansão às massas. Esse circuito inclui o pagamento de uma série de

pessoas, desde a criação, produção, execução e divulgação da obra, até o transporte, figurino,

tecnologia nos shows entre outros fatores.

A canção pop também tem seu direcionamento identitário. Se caracteriza pela

transformação dos códigos culturais em letra, ritmo, harmonia e melodia. Tem uma

regularidade rítmica e melódica que privilegia os refrãos, com vocabulário acessível e temas

recorrentes. O refrão é bem entendido como um modelo melódico de fácil assimilação, com

objetivo principal de memorização e participação por parte do ouvinte que canta junto,

durante a audição. Ele se repete ao longo da canção, servindo de base para os outros

elementos da música, valorizando o ritmo, a rima e os aspectos semânticos da letra.

Diante do hibridismo, da flexibilidade, mobilidade da criação artística, bem como das

diferentes faces assumidas de um mesmo gênero em um curto intervalo de tempo, como

pressuposto para sua manutenção no mercado da música pop, parece se não impossível,

retrógrado, falar em gênero musical. A classificação, porém, continua importante para orientar

consumidores, empresas envolvidas e os próprios artistas. Ela está presente nas lojas

especializadas (físicas ou virtuais) e na crítica musical que necessita da referência e divisão,

como uma síntese e um filtro prático, frente ao excesso de informação. São rótulos com

5 GUMES, Nadja Vladi Cardoso apud Hobsbawn A música faz o seu gênero: uma reflexão sobre a importância

das rotulações para a compreensão do indie rock. 2011, p.18.

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códigos complexos que caracterizam como é produzido, consumido e reconhecido por um

grupo.

Netinho e Ivete Sangalo são classificados como cantores de Axé Music, por mais que

diversifiquem seus repertórios se aproximando do pop rock e da MPB, por exemplo. O ex-

cantor da banda de reggae, Cidade Negra, Tony Garrido, tentou migrar para o pop rock,

fazendo carreira solo depois de sair da banda. Mesmo sendo individualmente um ícone que se

destaca e se desvincula da banda, (fazendo apresentações como ator de cinema e apresentador

de programas de TV), não obteve a boa recepção que esperava pelo público dos outros

gêneros6. ²

Ritmos, gêneros e produções musicais são baseados em decisões complexas do ideal a

ser fazer, por produtores, músicos e outros profissionais do circuito mercadológico.

Esse direcionamento tem base no compartilhamento da própria cultura e história referenciais,

construídas pelos alcances dos diferentes grupos.

Assim, a classificação aparece como um manual cujo conteúdo permite compartilhar

um leque de possibilidades e um denominador comum de conhecimento musical, experiências

emotivas e de sociabilidade, formas diversas de interpretação e particularidades das

características musicais. Essas formas são variáveis conforme o diálogo da identidade, da

performance individual, das bandas e grupos em sua comunicação com o público.

Considerações Finais

A fim de evitar parcialidades e/ou julgamentos inadequados, o texto valorizou a noção

de sócio sonoridade na classificação de um gênero musical, levando em consideração sua

complexidade, ao interligar construções vinculadas às performances musicais e socioculturais.

Bibliografia

6 O cantor também trabalhou como ator e apresentador de programas de Televisão. Ver

http://www.tonigarrido.com.br/. Acesso em 11/05/2011

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DA ROCHA, Diego. 2013. Que swing é esse ?! A Formação Histórica do Caldeirão de

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TROTTA, Felipe. 2008. Gêneros musicais e sonoridade: construindo uma ferramenta de

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Trabalhos em Anais e eventos científicos

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FABBRI, Franco. 2006. Tipos, categorias, géneros musicales. Hace falta una teoria?

Conferência de abertura da International Association for the Study of Popular Music

(IASPM). Havana.

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A reconfiguração da política externa norte-americana para o Oriente

Médio (1967 – 1979)

Thiago Henrique Sampaio

Graduando em História pela Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Assis.

Resumo

Nos dias atuais percebemos o constante interesse norte-americano na região do Oriente

Médio, principalmente pela questão energética e do fundamentalismo religioso que começou

a ganhar força nas últimas décadas. Mas, a pergunta que fica: a partir de quando os Estados

Unidos começaram a reconhecer o Oriente Médio como região de importância na sua política

externa? O presente trabalho tem como objetivo analisar o período de 1967 – 1970

evidenciando que nesta época até os dias de hoje o Oriente Médio passa a ser uma das regiões

mais estratégicas na política externa norte-americana, devido a importância de seus recursos

energéticos e a preocupação de conter o fundamentalismo religioso que começava a ganhar

força no período. A partir disso, podemos considerar que estes anos foram fundamentais para

o Oriente Médio se consolidar como preocupação para a diplomacia norte-americana.

Palavras-chaves: Estados Unidos, Oriente Médio, Política Externa, Guerra Fria

Abstract

Nowadays we realize the constant American interest in the Middle East region, especially the

energy issue and the religious fundamentalism that started to gain momentum in recent

decades. But the question remains: from when the United States began to recognize the

Middle East as a region of importance in its foreign policy? This study aims to analyze the

period of 1967 - 1970 showing that at this time until the present day Middle East becomes one

of the most strategic regions in U.S. foreign policy, because the importance of energy

resources and concern contain religious fundamentalism that began to gain momentum in the

period. From this, we can consider that these years have been fundamental to the Middle East

to consolidate as concern for American diplomacy.

Keys-words: United States, the Middle East, Foreign Policy, Cold War

Introdução

Desde o século XIX, a política externa norte-americana se voltou a América e a

Europa. Os interesses dos Estados Unidos no continente americano se tornaram evidente a

partir da Doutrina Monroe (1823) e da Diplomacia do Big Stick; e no caso da Europa os

interesses econômicos e políticos ficaram evidentes após a II Guerra Mundial, com o avanço

da União Soviética sobre os países da Europa Oriental formando um bloco de países que

adotaram o comunismo como sistema econômico-social.

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A política externa adotada para a Europa nos pós-Guerra se encontram dentro da

Doutrina Truman, que designou um conjunto de medidas do governo norte-americano para a

contenção do comunismo a países que estavam com suas economias fragilizadas ao final do

conflito bélico.

E como se desenvolveu as relações internacionais dos Estados Unidos com as demais

partes do globo, especificamente, o Oriente Médio?

A região compreendida como Oriente Médio esteve ao longo do século XIX até

meados do século XX sobre interesse das potências européias (principalmente França e

Inglaterra). Até 1923, está região era subjugada pelo Império Otomano, após seu

desmoronamento com o término da Primeira Guerra Mundial e a divisão de seus territórios

através do Tratado de Sèvres, Inglaterra e França puderam exercer influência e administrar

esta localidade. Só partes da península Arábica permaneceram livres de domínio europeu.

O Iêmen, assim que acabou a ocupação otomana tornou-se um Estado independente

sob o imã dos zayditas, Yahya. No Hedjaz, o xerife Husayn proclamou-se rei e governou por

alguns anos, mas na década de 1920 seu governo, ineficaz e privado de apoio britânico, foi

neutralizado por uma expansão de poder do governante saudita, Abd al-Aziz (1902 – 1953),

da Arábia Central; tornou-se parte do novo Reino da Arábia Saudita, que se estendia do Golfo

Pérsico ao mar Vermelho. O protetorado britânico sobre pequenos estados no Golfo Pérsico

continuou a existir; uma área de proteção britânica foi ampliada para leste, a partir de Áden; e

no sudoeste da península, com apoio britânico, o poder do sultão de Omã em Mascate foi

estendido ao interior, a custa do imã Ibadita (HOURANI, 2005, p. 321 – 322)7.

Colocadas em suas posições de potência, a Inglaterra e a França puderam, entre 1918-

1939, expandir seu controle sobre o comércio e a produção da região. O Oriente Médio era

importante para a Europa como fonte de matérias-primas, e uma grande proporção de

investimento britânico e francês era dedicada a criar condições para extraí-las e exportá-las

(HOURANI, Albert. Op. cit, p. 323). Os países árabes tinham grande dependência da Europa

para a maioria dos produtos manufaturados (combustíveis, metais, maquinaria), a importação

e a exportação eram feitas por navios britânicos e franceses (HOURANI, Albert. Op. cit, p.

324).

No Iraque, o controle do mandato britânico tinha, desde o princípio, sido exercido por

intermédio do rei Faysal e seu governo; o âmbito de ação do governo foi estendido em 1930

por um Tratado Anglo-Iraquiano, pelo qual o Iraque recebia independência formal em troca

7 HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 321 – 322.

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de um acordo para coordenar sua política externa com a da Inglaterra. Após o tratado, o

Iraque foi aceito como membro da Liga das Nações, um símbolo de igualdade e admissão na

comunidade internacional (HOURANI, Albert. Op. cit, p. 333).

No Egito, a existência de um partido nacionalista bem organizado tendo por trás a

classe de proprietários rurais e uma burguesia em expansão ansiosa por uma mudança

política, e por temores britânicos quanto às ambições italianas (devido a recente invasão da

Itália na Etiópia), tornou possível um Tratado Anglo-Egípcio de 1936. A ocupação militar do

Egito foi declarada encerrada, mas a Inglaterra ainda poderia manter forças armadas numa

zona em torno do Canal de Suez; logo depois, o Egito adentrou a Liga das Nações

(HOURANI, Albert. Op. cit, p. 333). Neste período, começou a emergir no Egito duas

poderosas forças, uma política e outra religiosa, que rapidamente se espalhou por diversos

países da região: o Partido Comunista e a Irmandade Muçulmana (HOURANI, Albert. Op.

cit, p. 350).

A Segunda Guerra Mundial aconteceu em um mundo árabe que parecia firmemente

seguro dentro dos sistemas colonial francês e britânico. Os nacionalistas podiam esperar uma

posição mais favorável dentro deles, mas o poder militar, econômico e cultural de Inglaterra e

França parecia inabalável. Nem os Estados Unidos, muito menos a União Soviética, tinham

um limitado interesse no Oriente Médio e na região do Magreb (Líbia, Tunísia, Argélia e

Marrocos). A guerra foi um catalisador, trazendo rápidas mudanças no poder e na vida social,

principalmente nas localidades periféricas do mundo (HOURANI, Albert. Op. cit, p. 357).

Durante os anos iniciais a guerra foi essencialmente europeia. Mas, a situação começou a

mudar a partir de 1940 quando a França foi derrotada e retirou-se da guerra e a Itália entrou.

A partir de 1942, todos os países que tinham estado anteriormente sob domínio

britânico assim continuaram, e havia tropas britânicas também na Líbia, Síria e Líbano. O

domínio francês ainda permanecia formalmente na Síria, no Líbano e no Magreb, onde o

exército francês estava sendo refeito para tomar parte ativa nos últimos estágios da guerra na

Europa (HOURANI, Albert. Op. cit, p. 358).

As bases do poder britânico e francês tinham sido abalados na região do Oriente

Médio. O colapso da França em 1940 enfraquecera sua posição aos olhos daqueles que ela

dominava; embora tivesse emergido do lado dos vencedores, e com o status formal de grande

potência, os problemas da recriação de uma vida nacional estável e restauração de uma

economia danificada lhe tornou mais difícil apegar-se a um império colonial8. Na Inglaterra,

8 Esta posição de Albert Hourani sofre uma contestação ao se ler a obra Colonialismo e Neocolonialismo, uma

coletânea de ensaio do filósofo francês Jean Paul Sartre publicado ao longo de 1954 a 1962 na revista Temps

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os esforços da guerra haviam levado a uma crise econômica que só podia ser superada aos

poucos, com a ajuda dos Estados Unidos; o cansaço e a consciência da dependência

fortaleceram a dúvida sobre se era possível dominar um império tão grande do mesmo jeito

que antes (HOURANI, Albert. Op. cit, p. 358).

Após o término da Segunda Guerra Mundial, ofuscando os poderes ingleses e

franceses, os Estados Unidos e a União Soviética tinham maiores recursos econômicos e força

humana que qualquer outro país, e no curso da guerra haviam estabelecido uma presença em

muitas partes do mundo. A partir disso, estariam em posição de exigir que seus interesses

fossem levados em conta em toda a parte, e a dependência econômica da Europa da ajuda

americana dava aos EUA um poderoso meio de pressão sobre seus aliados europeus a

permitirem o processo de descolonização (HOURANI, Albert. Op. cit, p. 359.)

O início da aproximação dos Estados Unidos e Oriente Médio

Depois da Segunda Guerra Mundial, os EUA emergiram como a primeira hegemonia

de cunho liberal e democrático, iniciando seu ciclo de dominação e expansão econômica,

transformando drasticamente o caráter de sua diplomacia internacional para promover seus

interesses regionais em oposição à União Soviética9.

A descolonização levou o declínio das potências europeias, a derrocada de seus

adversários e sua ascensão econômica beneficiaram drasticamente os Estados Unidos em sua

política externa (PECEQUILO, 2005, p. 126 – 127)10.

A expansão do comunismo trazia a necessidade de construir redes de proteção contra

os soviéticos, regional e globalmente, contendo a disseminação de suas ideologias. Esta nova

política visava construir uma ordem internacional estável e duradoura que prevenisse a

consolidação e o aumento do poder rival (PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. cit. p. 130.).

A partir de 1946, ocorreu um avanço da União Soviética sobre os países do Oriente

Médio. No Irã, os soviéticos tentaram controlar a exploração de petróleo, enquanto na Turquia

Modernes que fez duras críticas ao colonialismo francês na Argélia e a construção da mentalidade de Argélia

Francesa, tanto na população francesa quanto nos argelinos. Vale ressaltar que os processos de descolonização

ocorridos no Antigo Império Colonial Francês foi mais penoso do que no caso Inglês, visto que houveram longas

guerras: Guerra de Independência da Argélia (1954 – 1962) e as Guerras na Indochina, esta última que irá

ocasionar a conhecida Guerra do Vietnã (1955 – 1975) onde ocorreu intervenção americana. 9 PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos: fundamentos e perspectivas. Cena

Internacional. Brasília: ano 2, n. 1, jun/2000, p. 161. 10 PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos: Continuidade ou Mudança? Porto

Alegre: Editora UFRGS, 2005, p. 126 – 127.

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visavam o controle do estreito de Dardanelos (PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. cit. p.

138.).

Os Estados Unidos identificavam o grande risco na dominação da Eurásia pelos

soviéticos, era a obtenção por parte da União Soviética de condições materiais e territoriais

para superar o poder norte-americano. Era necessário impedir que uma só potência dominasse

a Eurásia (ou os blocos regionais), tornando-se uma preocupação duradoura da política

externa americana (PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. cit. p. 157).

Esta política de ação e reação de ambos os lados tornou-se uma marca característica da

Guerra Fria. Em resumo, a Guerra Fria, era uma luta entre dois modos de vida, entre dois

sistemas opostos, que tinham em comum o objetivo de estender-se, trabalhando efetivamente

para a decadência e o desaparecimento do outro (PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. cit. p.

149).

As Américas perderam a importância e a centralidade que haviam tido para os Estados

Unidos e não foram um alvo estratégico na Guerra Fria (PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op.

cit. p. 161). Era na Ásia que se desenvolveram alguns dos problemas mais característicos do

período (PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. cit. p. 172).

A partir de 1948, ocorreu a política de porta aberta para o Oriente Médio, que consistia

em tratados (principalmente com Irã e Israel) que continham cláusulas sobre garantias de

investimentos do capital americano de entrar livremente em negócios e negava discriminações

contra investidores dos EUA. Estes contratos previam a não-interferência na propriedade e

nas operações de credores norte-americanos, bem como instituir outras medidas de proteção

nestes países11.

Em depoimento na Câmara dos Deputados, ocorrida em 1967, Robert McNamara

demonstrou qual era os reais interesses dos Estados Unidos para a região do Oriente Médio e

deixou subentendido como seria a política norte-americana para esta região:

O Oriente Próximo e o Oriente Médio continuam tendo importância

estratégica para os Estados Unidos, pois a região é uma encruzilhada

política, militar e econômica. O fluxo de petróleo do Oriente Médio é

vital para o Ocidente. Nós temos, portanto, muita coisa em jogo,

quanto a estabilidade e ao contínuo desenvolvimento dessa área.

Temos também um profundo interesse em manter nossas relações de

aliança com a Grécia, Turquia e Irã, pois estes países situam-se entre a

11 MAGDOFF, Harry. A era do Imperialismo: a economia da política externa dos Estados Unidos. São Paulo:

Hucitec, 1978, p. 139.

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União Soviética, as bases navais e os recursos petrolíferos do Oriente

Médio12.

A ideia de que os EUA tinham algum tipo de “direito” sobre o petróleo do Oriente

Médio já estava presente, de modo discreto, nas décadas de 40 e 50. Eisenhower afirmou em

1957, após a Crise do Canal de Suez, que os EUA usariam a força “na eventualidade de uma

crise que ameace cortar o acesso do mundo ocidental ao petróleo do Oriente Médio”. No ano

seguinte, o presidente pediu ao Congresso autorização para o envio de tropas para o Oriente

Médio, justificando que a atitude era necessária para mostrar a “todos, inclusive os soviéticos,

que estamos plenamente dispostos a sustentar os direitos ocidentais na região” 13. Ficando

implícito nessas falas que um desses “direitos” era o acesso ao petróleo.

A respeito da Crise do Canal de Suez, os Estados Unidos afastaram tanto de seus

antigos aliados europeus, França e Inglaterra, a quem impediram de retomar o controle do

Canal nacionalizado por Nasser, como do Egito, com o qual haviam se comprometido a

construir a represa de Asuan, depois assumida pela União Soviética.

Segundo Pecequilo, a literatura que trata da Crise de Suez é praticamente unânime em

afirmar que os Estados Unidos tiveram uma política extremamente confusa, que permitiu o

avanço da União Soviética no Oriente Médio. Apresentada por Kruschev como uma vitória

soviética, prova da mudança do equilíbrio de poder em favor do bloco comunista, os

acontecimentos no Egito foram conseqüência dos erros americanos, que já percebiam que o

Oriente Médio, como uma área vital de seu interesse, tanto do ponto de visto político, quanto

econômico devido as suas reservas petrolíferas (PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. cit. p.

177).

Na década de 1950, percebe-se que a Guerra Fria começou a caminhar pela periferia

do mundo, a Europa deixava de ser o palco principal deste conflito ideológico (PECEQUILO,

Cristina Soreanu. Op. cit. p. 179). Nesta época, os soviéticos tinham uma política para o

Oriente Médio, que ficou evidente a partir desta década. Demandavam a solução dos

desentendimentos pelas negociações pacíficas, a não-interferência nas questões internas dos

países, nenhum compromisso militar contra as grandes potências, liquidação das bases

12 Depoimento do secretário da Defesa Robert McNamara, no Comitê de Negócios Estrangeiros, na Câmara dos

Deputados. Hearings on the Foreign Assistance. Act of 1967. Washington, D.C: 1967, p. 114. 13 FUSER, Igor. O petróleo e a política dos EUA no Golfo Pérsico: a atualidade da Doutrina Carter. Lutas

Sociais, p. 25. Disponível em: www.pucsp.br/neils/downloads/v17_18_igor.pdf

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estrangeiras, embargo à corrida armamentista e assistência econômica sem qualquer condição

política, militar ou outra14.

Um desafio a política externa norte-americana surgiu nesta época: o nacionalismo nos

países produtores de petróleo. Essa tendência começou com as pressões para mudar as regras

de divisão dos lucros em países como o Irã e a Arábia Saudita, cujos governos passaram a

reivindicar condições cada vez melhores15.

Em 1951, subiu no Irã como primeiro-ministro Mohammed Mossadegh, que liderou

um forte movimento nacionalista no país que defendia o controle de suas riquezas

petrolíferas. Foi favorável a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company, companhia que

operava no Irã desde 1909 e seus maiores acionistas eram ingleses. O Parlamento iraniano

aprovou a nacionalização do petróleo e Mossadegh era visto como um símbolo da luta

antiimperialista em seu país. Os ingleses juntamente com os americanos propuseram um

boicote ao petróleo iraniano com o objetivo de sufocar a economia fragilizada do país, isso

acarretou em uma aproximação do governo de Mossadegh com a URSS.

Segundo Newton Carlos, Mossadegh exagerou na estratégia de chantagem sobre os

Estados Unidos, declarando que se não obtivesse mais auxílio americano teria que procurar

com a União Soviética, insinuando que estaria disposto a assinar com esse país um acordo

econômico e de defesa mútua, esta aproximação realizaria os objetivos principais da política

externa russa desde os tempos dos czares, o acesso ao Golfo Pérsico, linha de vital

importância do Ocidente para o Extremo Oriente16.

O boicote gerou uma crise de poder entre Mossadegh e o xá Reza Pahlavi. Os

britânicos junto com os EUA pensaram em um plano para afastar Mossadegh do poder,

agitando a população iraniana contra o primeiro-ministro. Motivado pelas movimentações

populares, Reza Pahlavi demitiu seu primeiro-ministro, o que provocou manifestações

favoráveis a Mossadegh que obrigaram o xá a abandonar o Irã. Mas, Mossadegh não

conseguiu manter o poder por muito tempo, sofreu um Golpe de Estado que instalou o general

Fazlollah Zahedi como primeiro-ministro e o xá regressou ao país com poderes absolutos,

favoráveis a política norte-americana e britânica17.

Quando o preço do petróleo foi unilateralmente reduzido pelas concessionárias, em

1959 e, novamente, em 1960, infligiu perdas aos Estados produtores, com isso decidiram criar

14 O’CONNOR, Harvey. O Petróleo em crise. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1962, p. 302. 15 FUSER, Igor. Op. cit. p. 24. Disponível em: www.pucsp.br/neils/downloads/v17_18_igor.pdf 16 CARLOS, Newton. Irã: a força de um povo e sua religião. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1979, p. 48. 17 FUSER, Igor. Op. cit. p. 24. Disponível em: www.pucsp.br/neils/downloads/v17_18_igor.pdf

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um poder que seria o contraponto à exploração das multinacionais petrolíferas18. Em 1960,

surgiu a OPEP, Organização dos Países Exportadores de Petróleo, criada pela Arábia Saudita,

Iraque, Irã, Kuwait e Venezuela com o objetivo de fazer uma frente comum nas negociações

com as multinacionais petrolíferas. A OPEP surge com duas cláusulas principais em seu

acordo de criação:

1. Unificação das políticas petrolíferas e;

2. Os países exportadores não podendo permanecer indiferentes à

atitude das companhias realizando modificações de preços exigirão

deles a manutenção de preços estáveis, restauração dos preços

reduzidos e no futuro, só modificá-los com a autorização dos países

produtores. Será planejado um sistema de estabilizar os preços pelo

controle da produção, e os países formarão uma frente única,

rejeitando as ofertas de tratamento preferencial pelas companhias a

um membro em troca da ação unilateral19.

Desde finais da década de 1940, a Venezuela clamava os Estados produtores de

petróleo a unirem-se contra as multinacionais, mas seriam apenas em finais da década de 1950

que o ministro do petróleo saudita, Abdullah Tarik, aceitaria tais ideais20. Ao longo da década

de 1950, ficou evidente este discurso nacionalista sobre o petróleo, como podemos analisar

abaixo:

O petróleo árabe é nosso. È nossa riqueza nacional, que não se

enquadra apenas essencialmente, mas sim totalmente, dentro de nossa

jurisdição. Não admitimos qualquer discussão dele em qualquer foro

internacional. Os países produtores de petróleo, e aqueles pelos quais

o petróleo transita, podem discutir entre si o que devem discutir, e

quando devem discutir. O petróleo, o nosso petróleo, não é uma

mercadoria política de uma empresa internacional, e estamos

decididos a mantê-lo fora da área da política21.

Outro elemento importante que começou a se destacar no período como unidade

importante para a política externa norte-americana foi à criação do Estado de Israel (1948) e

seu posicionamento do conflito árabe-israelense.

18 FERABOLLI, Silvia. A (dês) construção da Grande Nação Árabe: Condicionantes sistêmicos, regionais e

estatais para a ausência de integração política no Mundo Árabe. Dissertação de Mestrado em Relações

Internacionais. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: 2005, p. 54. 19 O’CONNOR, Harvey. Op. cit., p. 410. 20 FERABOLLI, Silvia. Op. cit., p. 54. 21 Discurso do delegado saudita na ONU, Ahmad Sukairi, em Agosto de 1958. IN: O’CONNOR, Harvey. Op.

cit., p. 365.

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União Soviética e Estados Unidos rapidamente reconheceram a criação do Estado de

Israel em 1948. No caso americano, Gaddis afirma que o reconhecimento do EUA para este

país deveu-se basicamente por três fatores: compaixão humanitária decorrente do Holocausto;

conveniência para a política interna, especificamente a reeleição de Truman e “teimosia

pessoal” do presidente americano22. Inicialmente, ocorreu uma aproximação entre Israel e

União Soviética, mas isso rapidamente irá mudar decorrente da política externa soviética para

o Oriente Médio e a Guerra do Canal de Suez (1956)23.

A partir de 1958, começou a ficar evidente o papel estratégico de Israel na política

externa norte-americana devido à deposição do governo pró-ocidental do Iraque, tendo o novo

governo se alinhado a URSS, as crises no Líbano e na Jordânia. Israel mostrou-se como o

único regime pró-Ocidente estável da região, cuja sua aproximação com os EUA poderia ser

estratégica24.

Nos governos Kennedy e Johnson definiram a relação entre EUA e Israel como

especial e também ocorreu o fornecimento de armas defensivas para os israelenses. Segundo

Karsh, a ampliação do fornecimento de armas para Israel deveu-se a necessidade de

Washington em prevenir inicialmente o desenvolvimento e uso de armas nucleares por parte

de Israel25.

Em 1967, ocorreu a Guerra dos Seis Dias devido a atritos entre Israel e os países

árabes vizinhos, em especial Egito e Síria. Durante o conflito, a diplomacia israelense tentou

conquistar garantias norte-americanas de que um ataque aos israelenses constituiria um ataque

aos EUA, o que não ocorreu. Os americanos temiam serem envolvidos em um novo conflito

bélico, já que estava em andamento a Guerra do Vietnã (1955 – 1975) que trazia enormes

gastos econômicos e militares. Fora que, um conflito que envolvesse a Síria e o Egito poderia

atrair a URSS, aumento as dimensões bélicas. O posicionamento americano ao longo do

conflito esteve restrito em caráter apenas diplomático26.

Em decorrência da guerra, houve diversas transformações para a política do Oriente

Médio. Safran destaca a importância da vitória israelense para a política americana na

localidade, caso Israel tivesse sido derrotado a posição norte-americana na região seria

22 GADDIS, John Lewis. We now know: rethinking cold war history. Oxford: Oxford University Press, 1997, p.

164. 23 KARSH, Efrain. “Israel” In. SHLAIM, Avi; SAYIGH, Yezig. The Cold War and the Middle East. Oxford:

Clarendon Press, 1997, p. 161. 24 BORTOLUCI, José Henrique. Política Externa Norte-Americana e o Conflito Árabe-Israelense (1967 –

1982): Dinâmica e Fatores Determinantes. Monografia de Bacharelado em Relações Internacionais. São Paulo:

Universidade de São Paulo, 2005, p. 13. 25 KARSH, Efrain. Op. cit., p. 162. 26 BORTOLUCI, José Henrique. Op. cit, p. 15.

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profundamente enfraquecida27. Para Karsh, o conflito conquistou intensamente as grandes

potências nos assuntos do Oriente Médio, intensificando a competição entre essas e

transformou suas relações com os países locais. Ele ainda completa que a guerra produziu

imagens que perdurariam até os dias atuais na mente da população dos países beligerantes e

trouxeram empecilhos às tentativas de paz na região28.

Reconfiguração da política externa norte-americana para o Oriente Médio (1967 – 1979)

Na década de 1970, a atual configuração da política externa norte-americana para o

Oriente Médio se estabeleceu e se manteve até os dias de hoje. Entre os fatores que podemos

abordar que foram fundamentais para isso se encontra: a Guerra do Yom Kippur29 (1973),

Crise do Petróleo (1973), Acordo de Camp David (1978), a Revolução Islâmica no Irã (1979)

e a Invasão Soviética no Afeganistão (1979).

De 1969 a 1974, os Estados Unidos foram governado por Richard Nixon, período que

o país se encontra plenamente envolvido com questões do Oriente Médio. Houve uma

reorientação da política externa norte-americana que visava confiar a segurança de certas

regiões do planeta a seus aliados, fornecendo ajuda militar e econômica30. No caso do Oriente

Médio, Irã, Arábia Saudita e Israel foram os principais pilares de sustentação dos EUA31, está

nova doutrina ficou conhecida como Doutrina Nixon.

A Guerra de Yom Kippur (1973) representou uma das maiores crises que a

administração norte-americana se envolveu no Oriente Médio. A guerra foi um evento

totalmente inesperado tanto para os Estados Unidos quanto para Israel, isso se deve a

dependência norte-americana da inteligência israelense na região32 e a descrença que os

árabes iniciariam uma guerra estando em posição de inferioridade militar.

O avanço das tropas síria e egípcias nos primeiros dias do conflito foram

surpreendente para Israel e Estados Unidos, levando uma pesada perda de soldados e material

27 SAFRAN, Nadav. Israel: The embattles ally. Cambridge: Belknap Press, 1978, p. 418. 28 KARSH, Efrain. Op. cit., p. 163-164. 29 Ocorreu de 06 de Outubro a 26 de Outubro de 1973, começou com um contra-ataque da Síria e do Egito,

coincidindo com o dia do feriado judaico de Yom Kippur. Os dois países lideraram uma coalizão de países

árabes que cruzaram as linhas de cessar-fogo na península de Sinai e nas Colinas de Golã, que desde 1967

pertenciam a Israel, devido a Guerra dos Seis Dias. 30 LESCH, David W. 1979: the year that shaped modern Middle East. Boulder? Westview Press, 2001, p. 38. 31 LITTLE, Douglas. American Orientalism: the United States and the Middle East since 1945. Chapel Hill: The

University of North Carolina Press, 2004, p. 119. 32 BORTOLUCI, José Henrique. Op. cit, p. 24.

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de guerra. Isto levou o país a requisitar uma ajuda americana que garantisse sua vitória contra

os árabes, que eram armados pela tecnologia militar soviética.

Com a ajuda americana, Israel, nas últimas fases da guerra, havia recuperado os

territórios perdidos inicialmente, além de conseguir avanços nas regiões que já tinha

conquistado na Guerra dos Seis Dias (1967). O cessar-fogo foi aprovado pelo Conselho de

Segurança da ONU, mas desrespeitado por ambas as partes envolvidas. Isso ocasionou uma

crise diplomática entre a União Soviética e Estados Unidos, na qual os soviéticos propunhas

que as duas superpotências despachassem conjuntamente ao Egito contingentes militar com a

missão de implementar o cessar-fogo, além de ameaçar com uma ação unilateral soviética em

caso da não concordância dos Estados Unidos33.

O apoio americano a Israel com o fornecimento de armamentos causou revolta dos

países árabes que são maioria na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP),

que diminuíram a oferta de petróleo no mercado mundial, causando aumento dos preços e

afetando diretamente as econômicas ocidentais34. A crise iniciada em outubro de 1973,

fizeram o preço do petróleo subir 800% em apenas quatro meses, provocando uma problema

de alcance mundial. Nesta ocasião, pela primeira vez, os Estados Unidos ameaçaram com uso

das armas garantirem seu acesso ao petróleo do Oriente Médio35.

Segundo Pecequilo, devido à retração econômica americana foi no campo externo que

se observou uma resposta mais bem acabada e inédita nas visões e objetivos que envolvia a

política de liderança norte-americana. Substituindo a política de contenção que era usado

contra a União Soviética pela estratégia da detente36.

Dentro desta nova política, os Estados Unidos passaram a dedicar maior atenção ao

Oriente Médio em sua política externa, especialmente o Egito. Um dos objetivos centrais da

política norte-americana pelos próximos anos seria o distanciamento do Egito dos soviéticos e

atraí-lo como aliado na região.

Nos anos seguintes ao conflito, os Estados Unidos enviaram negociadores para tentar

resolver acordos fronteiriços entre os árabes e israelenses. Neste processo, os Estados Unidos

buscavam ganhar confiança dos países árabes e causar um distanciamento da União Soviética

na região.

33 BORTOLUCI, José Henrique. Op. cit, p. 26. 34 PEROSA JUNIOR, Edson José. A política externa estadunidense no Oriente Médio e a formulação da

Doutrina Carter (1977 – 1981). Revista Urutágua. Maringá: n. 28, maio / outubro de 2013, p. 100. 35 FUSER, Igor. Op. cit. p. 24. Disponível em: www.pucsp.br/neils/downloads/v17_18_igor.pdf 36 PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. cit., p. 191.

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Os Estados Unidos organizaram uma Conferência em Genebra para iniciar diálogo

entre as partes com o objetivo de negociar as medidas mais urgentes de segurança, esta

reunião foi presidida pelo Secretário Geral da ONU e contou com a participação de Estados

Unidos, União Soviética, Jordânia, Israel e Egito – a Síria se recusou a participar da

conferência. Ocorreram avanços das negociações entre Israel e Egito, permitindo o “Primeiro

Acordo de Desengajamento do Sinai” (1974) que definiu os limites das forças egípcias e

israelenses no leste do canal. Segundo Bortoluci, o resultado desse acordo foi um aumento

momentâneo do prestígio dos Estados Unidos no mundo árabe, assim como o primeiro passo

de aproximação com o Egito37.

Durante os anos de 1977 a 1981, assumiu a presidência americana Jimmy Carter. No

início de seu governo a orientação da política externa foi ganhando contornos com princípio

mais humanitário que no decorrer do mandato foi perdendo forças38.

Nesse contexto, a política Carter se envolverá no Acordo de Camp David (1978) entre

Israel e o Egito, que resultará em 1979 no Acordo de Paz Israelo-Egípcio.

O objetivo principal dos Estados Unidos no Acordo de Camp David era firmar sua

postura como parte do processo de negociação e não apenas como mediador entre Israel e

Egito, visto que os Estados Unidos tinham objetivos no Oriente Médio e não apenas a paz na

região.

Segundo Perosa, Carter acreditava que não havia possibilidade de sucesso em uma

negociação entre ambos os países sem participação norte-americana e deveria expressar suas

posições firmemente para que seus objetivos políticos fossem alcançados39. Os principais

pontos de discussão defendidos ao longo do acordo eram: a normalização das relações entre

Israel e Egito, o futuro da Cisjordânia e da Faixa de Gaze, a desmilitarização do Sinai e seu

retorno como parte do Egito e o direito de autodeterminação dos palestinos.

O Acordo de Paz Israelo-Egípcio (1979) era semelhante aos negociados em Camp

David, com exceção às alterações necessárias em decorrência da resistência da Jordânia e dos

Palestinos em participarem das negociações. Este foi uma das principais crises que

envolveram a relação Estados Unidos e Jordânia40 no período.

Os países árabes rejeitaram o acordo, o que levou a expulsão do Egito da Liga Árabe e

a transferência de sua sede de Cairo para Túnis, na Tunísia. Além disso, ocorreu o fim do

auxílio econômico ao país pelos árabes, nos quais afirmaram que o tratado legitimava a

37 BORTOLUCI, José Henrique. Op. cit, p. 27. 38 PEROSA JUNIOR, Edson José. Op. cit., p. 99. 39 PEROSA JUNIOR, Edson José. Op. cit., p. 101. 40 BORTOLUCI, José Henrique. Op. cit, p. 36.

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ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e, anos depois, que a perda da ameaça

egípcia sobre Israel favoreceu que este país invadisse o Líbano em 198241. O Egito, depois do

seu isolamento pelos países árabes, voltou-se aos Estados Unidos para obter auxílio para a

recuperação de sua economia e para seu rearmamento, isso tornou o país um dos novos

aliados americano na região do Oriente Médio.

Em sequência ao acordo firmado por Israel e Egito, os Estados Unidos tentaram

desenvolver negociações sobre a autonomia do povo palestino. As discussões se deram com

lideranças regionais palestinas, que rejeitaram a proposta de emancipação e se posicionaram

ao lado da OLP (Organização para Libertação da Palestina), que até então era excluída das

negociações por israelenses e norte-americanos. Começasse a perceber que o poder de

barganha dos palestinos começaria a crescer, já que os países europeus começaram, em sua

maioria, a simpatizar com a causa de autodeterminação do povo palestino e desejavam

envolver-se nos acordos42. Em decorrência a isso, houve uma aproximação dos Estados

Unidos com a OLP que influenciou na política interna dos americanos no período, a

comunidade judaica voltou-se contra a simpatia do presidente Carter a causa palestina43.

Outro grande aliado44 dos Estados Unidos no Oriente Médio, o Irã, vinha passando por

convulsões sociais desde a década de 1960 que não tinham sido interrompidas. O Irã

monárquico do Xá Reza Pahlavi, até 1979, representava uma zona de equilíbrio norte-

americano na região45.

Em 1973, os americanos aconselharam o Xá a promover reformas sociais e políticas

limitadas que ficaram conhecidas como Revolução Branca, que visavam acalmar a revolta da

população46. Na época, os Estados Unidos forneceram US$ 20 milhões47 em assistência

militar para conter eventuais rebeliões. Estas reformas visavam à modernização e

ocidentalização do Irã, mesma política seguida por Kermal Ataturk na Turquia nas décadas de

1920 e 193048.

Segundo Newton Carlos, a integração do regime do Xá com os interesses políticos e

estratégico dos Estados Unidos no Oriente Médio, sua aliança com Israel e a crescente

41 BORTOLUCI, José Henrique. Op. cit, p. 37. 42 BORTOLUCI, José Henrique. Op. cit, p. 36. 43 PEROSA JUNIOR, Edson José. Op. cit., p. 102. 44 PEROSA JUNIOR, Edson José. Op. cit., p. 101. 45 CARLOS, Newton. Op. cit., p. 78. 46 ARANTES, Maria Inez F. Os EUA e a guerra como instituição: o caso do Irã. Dissertação de Mestrado.

Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2004, p. 94. 47 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Formação do Império Americano: da Guerra contra a Espanha à Guerra

do Iraque. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 383. 48 PEROSA JUNIOR, Edson José. Op. cit., p. 104.

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implantação da comunidade estrangeira a contrastar com a miséria e revolta generalizada

resultou numa situação revolucionária, que acabou derrubando a monarquia e seus sonhos de

ocidentalização do país. O programa da revolução do monarca acabou se transformando no

efeito contrário e desencadeou a crise final do regime monárquico no país49.

Esse processo de ocidentalização do Irã, não satisfez a população que continuou com

suas reclamações e sua procura por líderes contra o governo do Xá. O aiatolá Khomeini, líder

xiita, impôs seus seguidores que ignorassem a celebração do ano novo pré-islâmico, tal

comemoração era de interesse para o Xá, que buscava simbolizar a reconquista da grandeza

persa. Como punição o seminário que o líder religioso dirigia foi atacado por agentes do

monarca. Khomeini protestou, a monarquia organizou uma campanha pública condenando o

clero que provocou ainda maiores protestos da população. Após este incidente, o aiatolá se

exilou no Iraque e permaneceu neste país até 1978.

No Iraque, Khomeini e radicais islâmicos começaram a planejar uma revolução50 para

depor a monarquia e expulsar a influência ocidental do Irã, suas declarações contra o regime e

a população estrangeira no país começou a perturbar a política do Xá.

Desde 1977 já estava claro que o regime do Xá Reza Pahlavi estava se

desestabilizando: boa parte da população e de lideranças religiosas desacreditavam no

governo do Xá Pahlavi e o acusavam de ser marionete dos EUA. Além disso, a repressão feita

por órgãos como a SAVAK51 tornou o público hostil às políticas do monarca52. Como

principal ferramenta do regime ocorreu uma intensificação cada vez maior da repressão53.

Aos poucos, o regime do Xá perdeu suas bases de sustentação. A presença cada vez

maior de estrangeiro54 no Irã fez parecer que o país continuava a sofrer uma política de

ocidentalização cada vez maior imposta pela monarquia. O regime e a fonte de seu poder, os

Estados Unidos, haviam perdido o apoio da população e sendo substituídos pela pessoa de

Khomeini. Em uma entrevista, o Xá garantiu que os protestos não ameaçavam seu governo,

declarando que os insurgentes deveriam removê-lo do poder se quisessem o término da

modernização do Irã55.

49 CARLOS, Newton. Op. cit., p. 97. 50 COGGIOLA, Osvaldo. A Revolução Iraniana. São Paulo, Editora Unesp, 2008. 51 Era o serviço de segurança interno e de inteligência criado pelo xá Mohammad Reza com a ajuda CIA em

1957. Foi desfeita em 1979, após a derrubada da dinastia Pahlavi do governo do Irã. 52 HODGE, Carl C.; NOLAN, Cathal J. (Org.). U.S. Presidents and Foreign Policy: from 1789 to the present.

Santa Barbara: ABC Cio, 2007, p. 334. 53 Washington Post, 22/11/1978, p. A14. 54 ARANTES, Maria Inez F. op. cit, p. 102. 55 The New York Times, 12/09/1978, p. 97.

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Em dezembro de 1978, durante uma mobilização pró-Khomeini a polícia atirou contra

a população, sem conseguir interromper a manifestação. Os protestos começaram a exigir o

fim da monarquia iraniana. Khomeini anunciou a formação do Conselho da Revolução

Islâmica para a formação de um novo governo56. Nesta ocasião, o Xá reconheceu a perda do

controle sobre o país57 e iniciou seu exílio. Em janeiro de 1979, Khomeini retorna do seu

exílio e assume a liderança da nação iraniana.

Com a perda de um dos seus principais aliados, os Estados Unidos começaram a

investir pesadamente na economia da Turquia e da Arábia Saudita. A primeira foi considerada

pelos dirigentes do programa de ajuda militar do EUA, como um sustentáculo para conter a

radicalização de movimentos islâmicos na região58. No caso da Arábia Saudita, os norte-

americanos negociaram a criação de um comando de “intervenção rápida” voltada para o

Golfo Pérsico, logo foi considerada como herdeira do Irã no papel de “polícia” do Golfo

Pérsico e tratada como o “baluarte anticomunista” no mundo árabe59.

O Xá Pahlavi exilou-se nos Estados Unidos após a Revolução o que ocasionou o corte

das relações diplomática com o novo governo iraniano, fazendo com que milhares de

iranianos se manifestassem em frente a embaixada americana em Teerã que foi logo tomada

por estudantes e militantes islâmicos, deixando membros diplomático norte-americanos reféns

da ocupação.

Na época, o governo americano autorizou uma missão militar de resgate dos reféns

que culminou com oito soltados americanos mortos e aumentando mais o sentimento de

humilhação pública americana60. A crise dos reféns e a Revolução Islâmica no Irã

contribuíram em 1980 para a derrota eleitoral de Carter para se reeleger61.

Newton Carlos assinala que o pano de fundo da política externa norte-americana deixa

de ser apenas o petróleo e começa a ser o medo da expansão do fundamentalismo islâmico no

Oriente Médio, através de governos xiitas. Os xiitas são um ramo do islamismo que sempre

colocaram em questão o poder temporal, tratando como algo impuro. Eles ajudaram os

militares a tomar o poder no Iraque (1968), logo depois de passarem a fazer oposição

juntando-se aos comunistas iraquianos (Partido Baath) com apoio da União Soviética. Ele

completa ainda que os americanos não viram como pura coincidência o fato de que os xiitas

56 The New York Times, 15/01/1979, p. 1. 57 ARANTES, Maria Inez F. op. cit, p. 103. 58 CARLOS, Newton. Op. cit., p. 87. 59 CARLOS, Newton. Op. cit., p. 82-83. 60 HAHN, Peter L. Historical Dictionary of United States – Middle East Relations. Lanham: The Scarecrow

Press, 2007, p. 71. 61 PEROSA JUNIOR, Edson José. Op. cit., p. 105; PECEQUILO, Cristina Soreanu. Op. cit., p. 201.

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eram majoritários nos dois países muçulmanos, o Iraque e o Irã, com partidos comunistas

importantes62.

Ainda em 1979, outro fator influenciou a política externa para a região: a invasão

soviética no Afeganistão. Visando apoiar um governo e seu aliado na região, a União

Soviética tentou sustentar um regime pró-Moscou que estava começando a se aproximar dos

Estados Unidos.

A partir da ocupação soviética, os Estados Unidos tomaram alguns posicionamentos

para o fato: advertiu a União Soviética contra qualquer expansão para além Afeganistão,

prometendo repelir qualquer movimento especialmente na direção do Golfo Pérsico; lançou

uma campanha diplomática para impedir apoio internacional a invasão; renovou uma aliança

com o Paquistão visando armar os rebeldes contra os soviéticos e apoiou os islâmicos através

de uma premissa ideológica de resistência, tendo como objetivo travar uma jihad (guerra

santa) contra a invasão soviética63.

Na época, o presidente norte-americano Jimmy Carter manifestou que a invasão

representava uma grave intimidação tanto para a produção e comercialização de petróleo do

Golfo Pérsico quanto para a paz regional. Aproveitando-se do temor e preocupação da

comunidade árabe, os Estados Unidos incentivaram o povo muçulmano de todas as partes a

unirem forças contra a União Soviética64, armando massivamente os rebeldes e causando

graves prejuízos anuais para os soviéticos em decorrência dos gastos militares para manter a

ocupação.

Segundo Samuel Huntington, a ocupação soviética e o armamento americano para os

rebeldes deixou uma herança de combatentes especializados e experientes, campos de

treinamento, instalações logísticas, considerável quantidade de equipamento militar e um

intenso desejo de seguirem adiante65. Em outras palavras, a ajuda militar que os norte-

americanos forneceram aos afegãos trarão problemas aos Estados Unidos na região

futuramente, isso se confirmou posteriormente com a invasão americana no Afeganistão

(2001) que se pendura até os dias de hoje.

62 CARLOS, Newton. Op. cit., p. 85. 63 RIEGER, Fernando; TEIXEIRA, Yves. A URSS: confronto de ideologias no pós-guerra e a invasão ao

Afeganistão. Seminário Brasileiro de Estudo Estratégicos Internacionais (SEBREEI): Integração Regional e

Cooperação Sul-Sul no Século XXI. Porto Alegre/RS:2012, p. 151. 64 RIEGER, Fernando; TEIXEIRA, Yves. Op. cit. p, 153. 65 HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações: a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro:

Objetivo, 1997, p. 314.

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60

Considerações Finais

No período de 1967 - 1970, percebemos que o interesse da política externa norte-

americana para o Oriente Médio se consolida e se manterá até os dias de hoje66 com discursos

de diversos presidentes posteriores para a região.

A Guerra dos Seis Dias (1967) e do Yom Kippur (1973) foram de extrema importância

para os Estados Unidos perceberem que não era viável manter apenas Israel como aliado

regional, a importância dos países árabes para a política externa americana começaria ser

imprescindível para deter o expansionismo soviético na região e para suprimir sua demanda

energética.

O papel de mediador no conflito árabe-israelense e na participação ativa sobre a

criação de um Estado Palestino independente se pendura até os dias de hoje. Mas, os Estados

Unidos buscou sempre privilegiar seu principal aliado regional nestas questões, no caso Israel.

Com a Revolução Islâmica no Irã (1979) começou a se perceber que seu principal

inimigo na região não seria a ideologia comunista que correria o risco de se espalhar, mas o

fundamentalismo religioso acabou se tornando uma das principais ameaças a política externa

desde então. A partir disso, percebeu-se que estava ocorrendo um choque entre a

ocidentalização que os Estados Unidos exportava para seus aliados regionais e as crenças

tradicionais no islamismo.

Na Invasão Soviética ao Afeganistão (1979), os Estados Unidos acreditavam que

armando os rebeldes conseguiriam consolidar um novo aliado regional, mas acabaram

errando. Ao ajudar militarmente os rebeldes os norte-americanos acabaram criando um

problema que irá acontecer décadas posteriores e trouxeram sérios problemas, que é a

formação de redes terroristas fundamentalistas que buscavam consolidar-se na região do

Oriente Médio e acabar com a influência de potências ocidentais na região.

A partir deste recorte temporal (1967 – 1979) fica nítido que as principais

preocupações americanas em sua política externa deixaram de ser a América Latina e a

66 OBAMA VAI ABORDAR IRÁ, SÍRIA E ORIENTE MÉDIO EM DISCURSO NA ONUA, 24 de setembro

de 2013. Disponível em: http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE98N03520130924 ; OBAMA DIZ

QUE EUA PODEM INTERVIR NO ORIENTE MÉDIO POR ‘COMBUSTÍVEIS’ E CONTRA

TERRORISTAS, 24 de setembro de 2013. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-

noticias/2013/09/24/obama-diz-que-eua-podem-intervir-no-oriente-medio-por-combustiveis-e-contra-

terroristas.htm; BUSH IRÁ DISCUTIR DARFUR E ORIENTE MÉDIO EM REUNIÃO DA ONU, 24 de

setembro de 2007. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL109288-5602,00-

BUSH+IRA+DISCUTIR+DARFUR+E+ORIENTE+MEDIO+EM+REUNIAO+DA+ONU.html; Acessado em:

08 de novembro de 2013.

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61

Europa, passando a lugares que até então era considerados secundário, como no caso, o

Oriente Médio.

Fontes

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na Câmara dos Deputados. Hearings on the Foreign Assistance. Act of 1967.

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MONOGRAFIA

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Como as instituições de microcrédito promovem a autonomia das mulheres

em Moçambique. Estudo de caso da Tchuma, cooperativa de crédito e

poupança (parte I)

Catarina Casimiro Trindade

Mestranda em Antropologia Social - IFCH – UNICAMP

Resumo: Como se organizam mulheres que possuem pequenos negócios nos mercados da

cidade de Maputo e que recorrem a instituições de microcrédito? Os seus negócios e família

beneficiam do empréstimo que as mulheres recebem das instituições micro financeiras?

Poderão estas promover a autonomia financeira das mulheres? Partindo da constatação de que

são as mulheres as que mais procuram instituições micro financeiras e as que têm maior taxa

de sucesso, a pesquisa partiu do estudo de caso de uma instituição de microcrédito existente

na cidade de Maputo, Tchuma, Cooperativa de Crédito e Poupança, e das suas clientes

comerciantes, para procurar dar resposta às questões levantadas. Orientadora: Profa. Dra.

Virgínia Ferreira. Instituição de ensino: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Curso: licenciatura em Sociologia.

Palavras-Chave: microcrédito; autonomia; mulheres; economia informal;

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Introdução

“…o dinheiro que entra para as famílias, por intermédio das mulheres traz muito mais benefício para

as famílias, ao contrário de quando é por meio do homem. Isto era tão óbvio que não precisávamos de pesquisa

para mostrar. A mulher tem uma visão maior para o trabalho, enquanto o homem é mais impaciente. A mulher é

muito mais consciente de seus projectos de negócio. O homem também é sério, mas menos do que a mulher.”

– Muhammad Yunnus, criador do Grameen Bank

Durante a escolha do tema para a minha tese, tinha somente duas exigências: que fosse

sobre mulheres e sobre Moçambique. Depois de muitas sugestões compartilhadas com a

minha orientadora, pôs-se a do microcrédito. Confesso que nunca tinha ouvido falar no

conceito, mas fui para casa e comecei a pesquisar. Logo me dei conta de que se tratava de um

tema bastante importante, que havia imensos estudos à volta do mesmo em toda a parte do

mundo e, o que mais me chamou a atenção, que a maior parte das pessoas que têm acesso ao

microcrédito são mulheres. Aí surgiu a minha primeira dúvida: porque é que tal acontece? O

meu primeiro pensamento foi este: tendo em conta que o mercado informal67 em Moçambique

é, na sua maioria (59%), controlado por mulheres, nada mais natural que sejam elas as

principais clientes das instituições de microcrédito. Mas, à medida que fui avançando nas

leituras, que fui vendo na televisão as diversas entrevistas sobre o microcrédito e, mais tarde,

que fui realizando o trabalho de campo, cheguei à conclusão que a razão não era só aquela. As

instituições de microcrédito têm mais clientes mulheres e preferem tê-las a elas como clientes,

não só porque as taxas de sucesso são maiores, mas também porque, quando uma mulher

recebe um empréstimo, não é só ela e o seu negócio que beneficiam, mas toda a sua família. A

preocupação da mulher está virada para o sucesso do seu negócio, sim, mas também, e

principalmente, para a educação dos filhos, fazendo de tudo para que estes não saiam da

escola, para a saúde e bem-estar destes, bem como para a melhoria da habitação e a compra de

67 A maior parte das mulheres que recorrem às instituições de microcrédito na cidade de Maputo são vendedoras

de produtos no mercado informal.

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bens. Ou seja, não é só um negócio que se salva, mas também uma família inteira que é tirada

da pobreza.

A delimitação do tema desta dissertação teve a ver com tudo isto e também com a

minha preocupação em perceber como trabalham as mulheres com o empréstimo que lhes é

dado e se as suas vidas melhoram ou não.

Para isso, procurei uma instituição de microcrédito em Maputo com a qual pudesse

trabalhar, conhecer a sua história, como surgiu, o seu funcionamento, os financiamentos, os

seus objectivos, as características dos seus clientes, os serviços que presta, as áreas de

intervenção, o seu desempenho, entre muitos outros aspectos. Mais importante ainda era

conhecer as suas clientes, as histórias de vida, os seus negócios, como investiram o

empréstimo que receberam, ou seja, a sua vida antes e após o empréstimo, saber se

melhoraram de vida ou não e o que para elas mudou.

Assim, o trabalho está dividido em seis partes. No capítulo I será apresentada a

formulação da problemática, com a sua identificação (a origem do microcrédito e as suas

características), contextualização (o microcrédito em Moçambique e o sector informal) e a sua

problematização (o papel das mulheres e o conceito de autonomia).

A metodologia de trabalho utilizada durante a pesquisa de campo, juntamente com as

hipóteses de trabalho e a experiência de campo será desenvolvida no capítulo II.

O capítulo III trará a caracterização da Tchuma, com a sua origem, características e

funcionamento.

O trabalho baseado nas entrevistas começa no capítulo IV, onde falarei sobre o acesso

ao crédito por parte das mulheres.

O capítulo V aborda a questão da gestão do microcrédito, assim como o

acompanhamento que é dado às clientes e a relação destas com a instituição.

O impacto que o microcrédito tem na vida das mulheres, tanto ao nível económico,

como sócio-familiar será desenvolvido no capítulo VI.

Os próximos volumes da Revista Zona de Impacto publicará os demais capítulos desse

trabalho.

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Capítulo I

Fundamentação teórica, Quadro teórico-analítico

1. A origem do microcrédito68

Muhammad Yunus e a criação do Grameen Bank

Existiram e existem ainda diversas experiências de microcrédito no mundo, mas a

mais conhecida e replicada por muitos é a de Muhammad Yunus.

O Grameen Bank, primeiro banco do mundo especializado em microcrédito, foi criado

por Muhammad Yunus na década de 70 no Bangladesh, onde havia um grande contingente de

pessoas que sobreviviam com actividades informais. A ideia surgiu de maneira singela,

quando Yunus emprestou cerca de 27 dólares, tirados do seu próprio bolso, a cerca de 40

mulheres, para assim poderem adquirir matéria-prima que utilizaram no seu negócio,

livrando-as de agiotas que as mantinham num regime quase de trabalho escravo. Yunus

surpreendeu-se ao verificar que todos os empréstimos lhe foram restituídos pontualmente e

pensou que esse processo talvez pudesse ser multiplicado indefinidamente.

Diz Yunus que toda a figura humana é um empreendedor em potencial. Se assim é, o

cenário actual pode ser bastante alterado. Para isso é preciso então criar instituições para

assistir as pessoas. Foi nesse sentido que começou a expandir a sua ideia a outras aldeias do

país.

Grameen Bank – principais características e objectivos

68 Informação retirada do site http://www.grameen-info.org/bank/index.html, consultado a 3 de Fevereiro de

2006

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Ao criar o sistema de microcrédito e o Grameen Bank, Yunnus pretendia que o acesso

ao crédito fizesse parte da lista dos direitos humanos. Surgiu assim a ideia de que os serviços

financeiros podiam ser levados aos pobres, possibilitando o desenvolvimento pessoal, a

sustentabilidade individual e a protecção contra agiotas informais e exploradores, tendo-se

tornado, no decurso de 30 anos, numa indústria multimilionária.

O Grameen Bank inverteu a prática convencional dos bancos, ao remover a

necessidade de garantias e ao criar um sistema bancário baseado na confiança mútua,

responsabilidade, participação e criatividade. Assegura o crédito aos mais pobres dos pobres,

sem qualquer garantia.

Aqui, o crédito funciona como uma arma contra a pobreza e um meio para o

desenvolvimento das condições socioeconômicas dos pobres que têm sido mantidos fora do

sistema bancário, com a desculpa de que são pobres e, desta maneira, incapazes.

Os principais objectivos do Grameen Bank são prover serviços bancários aos pobres,

homens e mulheres, que sejam realmente empreendedores, eliminar a exploração dos pobres,

tradicionalmente feita pelos agiotas, criar novas oportunidades de auto emprego para a vasta

população desempregada no Bangladesh rural, trazer a população carente, em especial as

mulheres mais pobres, para o seio de um sistema orgânico que elas possam compreender e

organizar sozinhas e reverter o antigo círculo vicioso de “baixa renda, baixa poupança e baixo

investimento”, introduzindo crédito para torná-lo um círculo virtuoso de “investimento, maior

renda, maior poupança”.

Yunus argumenta que, ao falar de microcrédito, está a referir-se única e exclusivamente ao

crédito Grameen e que, por isso, é importante deixar claro a que se refere. As características

principais do sistema são:

Promover o crédito como um direito humano

Ajudar as famílias pobres a vencer elas próprias a pobreza

Dirige-se aos mais desfavorecidos, principalmente as mulheres

Baseia-se na confiança e não em sistemas e procedimentos legais e garantias, entre

outros.

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2. Microcrédito69

Características, formas e objectivos

O termo microcrédito não existia até à década de 70. Hoje em dia, existem diversas

definições do termo, este é designado para caracterizar uma imensidão de formas de crédito, o

que tem vindo a criar alguma confusão. Irei explicitar algumas, as que considero mais

relevantes para este trabalho.

No geral, designa uma variedade de empréstimos cujas características comuns são o

facto de serem de pequeno valor, serem direccionados a um público restrito (desempregados,

pequenos empresários e outras pessoas que vivem na pobreza), definido pela sua baixa renda

ou pelo seu ramo de negócios, que geralmente não têm acesso às formas convencionais de

crédito. Este conceito proporcionou, com enorme sucesso, o desenvolvimento de projectos de

pequenas empresas e o auto emprego, facultando às pessoas que tiveram acesso ao crédito a

possibilidade de gerar renda e, em muitos casos, melhorar a sua condição de vida e sair da

pobreza. Assim, caracteriza-se como uma política de combate à pobreza e não tanto como

uma política de financiamento.

Formas de Microcrédito

Yunus sugere uma classificação do microcrédito mais alargada, para que, quando

falemos em microcrédito, saibamos a qual destas formas nos estamos a referir. São elas:

Microcrédito informal tradicional – empréstimos feitos a amigos e familiares, entre

outros;

Microcrédito baseado em grupos tradicionais informais – o chamado xitique70,

utilizado em Moçambique, é um deles;

69 Informação retirada do site http://www.grameen-info.org/bank/WhatisMicrocredit.htm, consultado a 3 de

Fevereiro de 2006

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Actividades-base de microcrédito através de bancos convencionais ou

especializados – crédito agrícola, de animais ou pesca, entre outros;

Crédito rural através de bancos especializados;

Microcrédito cooperativo – Crédito cooperativo, uniões de crédito, associações de

poupança e empréstimo, bancos de poupança;

Microcrédito de consumo;

Microcrédito baseado na parceria entre bancos e ONG’s;

O crédito Grameen;

Outros tipos de microcrédito de ONG’s;

Outros tipos de microcrédito que não de ONG’s.

É importante clarificar que esta classificação é meramente exemplificativa.

Com o microcrédito, ensina-se algo de fundamental às pessoas, ou seja, a confiar mais

no seu esforço, criatividade e trabalho do que nos auxílios e doações. Uma pessoa que consiga

dar os primeiros passos com um empréstimo deste tipo terá criado uma actividade económica

sustentável, uma micro-empresa que será um activo a mais na sociedade em que vive, pois

gerou desta maneira o seu próprio emprego. E se assim se possibilitar a sua integração no

sistema financeiro tradicional, poderemos também dizer que se estimulou a poupança

(Jacques, Mick, 1999).

Mas não esqueçamos que o crédito é um meio e não um fim em si mesmo. Uma

eficiente provisão de serviços financeiros dirigidos aos pobres não resolverá constrangimentos

originados por uma falta de ou acesso aos mercados. O crédito e poupança irão somente

ajudar os clientes servidos, dando-lhes uma maior variedade de escolhas para sobreviver no

sector informal, escolhas essas baseadas nas suas capacidades e trabalho árduo (Jackelen,

Henry e Rhyne, Elisabeth, 1991).

70Palavra Tsonga que significa poupança. De acordo com Teresa Cruz e Silva, uma das formas mais comuns para

a realização de poupanças nos mercados informais. Baseado em formas muito simples, o processo inicia-se

normalmente a partir de um grupo de amigos que se juntam, fixam o montante da contribuição de cada membro

e a periodicidade dos encontros para prestação de contas e distribuição rotativa da poupança, por cada um deles.

A forma de pagamento não tem que ser necessariamente monetária, havendo casos em que essa contribuição se

traduz em bens materiais. Os fundos circulam entre os seus membros e a sua colecta e distribuição funcionam,

regra geral, na base da confiança e empatia, ao mesmo tempo que obriga cada membro do grupo a fazer a

poupança de um montante predeterminado e dentro da periodicidade previamente definida para o pagamento da

sua quota. A distribuição da poupança entre os membros do grupo é feita periódica e rotativamente.

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Segundo Kofi Annan, ex-Secretário Geral da ONU, o acesso sustentável ao micro-

financiamento ajuda a amenizar a pobreza mediante a geração de renda e a criação de

empregos, permitindo que as crianças frequentem a escola, que as famílias obtenham

assistência sanitária e fortalecendo as pessoas para que tomem decisões que se adaptem

melhor às suas necessidades.

Uma das características principais dos programas de microcrédito é a de tratarem os

pobres como clientes comerciais e não como beneficiários. Estes são capazes de poupar e

pagar empréstimos, sendo assim possível desenvolver instituições especializadas, capazes de

alcançar milhares de clientes nos países em vias de desenvolvimento (Jackelen, Henry e

Rhyne, Elisabeth, 1991).

Segundo o Grupo Consultivo de Ajuda à População mais Pobre do Banco Mundial

(CGAP), as instituições micro-financeiras deveriam reunir quatro condições:

Permanência – Prestar serviços financeiros a longo prazo

Dimensão – Abranger um número suficiente de clientes

Focalização – Chegar à população pobre

Sustentabilidade financeira.

Promover serviços de microcrédito e poupança tem algumas vantagens, as quais estão

na origem de um grande optimismo por parte de quem com eles trabalha. Os meios para gerir

estes programas e instituições estão disponíveis em todos os países em vias de

desenvolvimento; em termos de pessoal, são abundantes, na maior parte destes países,

indivíduos com capacidades básicas que podem ser formados a fim de executar as complexas

tarefas exigidas; a revolução nas tecnologias de informação permitiu que os computadores se

tornassem disponíveis na maior parte destes países, minimizando a quantidade de formação e

especialização exigidos para a utilização desta tecnologia. (Jackelen, Henry e Rhyne,

Elisabeth, 1991)

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Objectivos das instituições de microcrédito

As instituições de microcrédito têm como prioridade o combate à extrema pobreza.

Assim, a aplicação de empréstimos de baixo valor, sem burocracias e com juros baixos,

permite a manutenção do auto emprego ou a geração de novos postos de trabalho,

preferencialmente para mulheres chefes de família.

Se uma pessoa ou grupo se encontra excluído do sistema financeiro tradicional por

falta de garantias, é provável que sofra também uma grande exclusão social. Se com o

microcrédito se puder evitar a exclusão financeira e apoiar o impulso empreendedor, estar-se-

á a contribuir para o progresso social.

Dentro da instituição é importante que haja um acompanhamento dos

microempresários e se estabeleça uma relação de confiança entre ela e alguém que esteja

disposto a assumir o risco inerente a um negócio, por mais pequeno que ele seja. É preciso

conhecer as pessoas, autonomizar os custos no apoio à melhoria de cada plano de negócios,

reduzir os riscos do crédito concedido e acompanhar a evolução do negócio e os pagamentos

do empréstimo. Assim, aumentam-se as hipóteses de sucesso deste tipo de iniciativas

económicas sem se tornar incomportável o custo do crédito.

3. O microcrédito em Moçambique

A sua origem

A ligação mais antiga às micro finanças em Moçambique remonta à criação, em 1989,

do Urban Enterprise Credit Fund, estabelecido como um dos componentes do Programa de

Reabilitação Urbana (PRU) do Banco Mundial e executado pelo Gabinete de Promoção de

Emprego (GPE) no Ministério do Trabalho. Este programa fornecia pequenos empréstimos a

uma grande variedade de actividades urbanas, incluindo restaurantes, bares, salões de beleza,

carpintarias, peixarias, etc. Esta foi a primeira tentativa de estabelecer um fundo não-bancário,

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apesar de os empréstimos serem desembolsados pelo Banco Popular de Desenvolvimento

(BPD) e serem cobradas taxas de juro comerciais (de Vletter, 2006:3).

Desenvolvimento

Em 1992, com a unificação da Alemanha, cerca de 18000 moçambicanos que

trabalhavam na antiga RDA (República Democrática Alemã), ao abrigo de um acordo

intergovernamental foram repatriados. O governo alemão, através da sua agência de

assistência técnica Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ), estabeleceu um

programa de formação e crédito com o GPE para assistir os “madgermanes”71. Este projecto

cedo dividiu as actividades de crédito e formação. O programa de crédito abriu,

subsequentemente, as suas portas a todas as microempresas existentes em Maputo e na Beira,

estabelecendo as sementes do que mais tarde se veio a tornar o banco comercial SOCREMO.

Este viria a ser, em 1998, o primeiro programa de micro finanças a tornar-se uma instituição

financeira registada, com o Governo de Moçambique a deter 94% do capital (de Vletter,

2006:3).

Em 1993, o World Relief anunciou alguns planos de estabelecer “village banks”,

dirigidos às mulheres pobres que trabalhavam nos mercados na área do Chokwé e na

província de Gaza. Esta iniciativa foi considerada, por várias razões, a primeira iniciativa de

micro finanças no país. Foram alcançados impressionantes resultados, incluindo taxas de

retorno de quase 100%. Estes resultados foram imprescindíveis para que o governo

começasse a apoiar de forma positiva o sector financeiro (de Vletter, 2006:3).

Durante esses primeiros anos, as micro finanças foram dominadas pela presença de

pequenas (na sua maioria rurais) iniciativas de ONG’s internacionais, que as introduziram

como um dos vários componentes dos seus programas integrados (de Vletter, 2006:4).

Em 1995/96, o Banco Internacional de Moçambique (BIM) e o Fundo de

Desenvolvimento Comunitário (FDC) iniciaram um projecto-piloto com fundos da Suiça, que

viria a ser o percursor da primeira cooperativa exclusivamente dedicada às micro-finanças,

chamada Tchuma.

71 Assim chamados os trabalhadores moçambicanos que voltaram da Alemanha.

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O primeiro estudo sobre o sistema micro-financeiro em Moçambique, feito em 1997,

demonstrou a existência de 25 operações/iniciativas de micro-finanças. Estas serviam um total

de 6000 clientes. Grande parte foi implementada por projectos e ONG’s nacionais e

internacionais, servindo clientes urbanos e peri-urbanos na cidade de Maputo.

O segundo estudo, em 2002, indicou importantes desenvolvimentos neste sector,

nomeadamente o aparecimento de entidades legais locais e a criação de instituições

independentes, uma maior dispersão geográfica, maior consciência em relação às “boas

práticas” das micro finanças por parte dos doadores e operadores, altos níveis de alcance, o

aparecimento de algumas intervenções nas áreas rurais e a publicação de um decreto para

regular as actividades de microcrédito.

Em 1998 o Banco de Moçambique (BM) adoptou uma resolução regulando as

actividades de microcrédito. Segundo os termos desta, todas as instituições e indivíduos que

ofereçam crédito, registados sob qualquer forma legal, devem requerer uma licença para o

exercício da actividade ao BM.

Em 2000, o crédito era praticamente o único produto financeiro oferecido pelos

operadores. Juntamente com este, que era dirigido essencialmente para financiar

microempresários, as poupanças e os seguros eram oferecidos numa escala muito limitada.

O sector de micro finanças foi acompanhado por três programas complementares

exclusivamente dedicados ao sector. Foram eles:

Microstart Mozambique (2000-2003) – deveria permitir um acompanhamento da

indústria emergente

Mozambique Microfinance Facility (MMF) (2001-2006) – os objectivos do

programa integram as componentes de assistência técnica às IMF, de monitoria da

criação dum quadro legislativo favorável, de criação duma associação das

instituições de micro finanças ou ainda duma Central de Risco.

Opstream Project (2002-2005) – permitiu sensibilizar e formar os decisores

políticos e económicos em questões ligadas às especificidades das micro-finanças.

Actualidade

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Apesar do serviços de micro finanças serem oferecidos por uma variedade de

instituições – bancos comerciais, ONG’s, cooperativas de crédito e poupança e associações

locais – o sector é ainda pouco desenvolvido quando comparado com outros países africanos.

Não obstante o número de clientes activos ter crescido, continua ainda a ser pouco para um

país com a população que Moçambique tem.

Hoje em dia há uma maior presença de entidades legais locais, algumas das quais

estando a tornar-se instituições independentes.

O mais notável tem sido o aumento no número de clientes activos de micro finanças,

tendo ultrapassado os objectivos do governo para 2005, alcançando um total de

aproximadamente 103.471 clientes em meados desse ano.

A maior procura de crédito destina-se a actividades não-agrícolas, geradoras de

rendimentos complementares, em particular o comércio e também algumas actividades de

produção artesanal e de transformação.

A maior parte dos programas encontra-se ainda muito dependente de gestões

exteriores ou de assistência técnica estrangeira mas, em alguns casos, estão já a criar

condições para gerar capacidades locais.

Características do sector micro financeiro em Moçambique

Apesar do grande sucesso, as disparidades de género continuam a existir em

programas que servem o norte e o sul do país. No sul, as clientes mulheres ultrapassam os

homens, num factor de dois em um, tendo uma participação de cerca de 73,5%. No norte, a

participação feminina não chega aos 15%, apesar dos enormes esforços feitos. A razão desta

desigualdade tem sido atribuída a diferenças socioeconômicas, culturais e religiosas (de

Vleter, 2006:24).

No geral, as mulheres representam 57% dos clientes de microcrédito, estando

basicamente ligadas ao comércio informal (40%), agricultura (25%), pequenas indústrias

(25%) ou serviços (10%).

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A maior procura de crédito destina-se a actividades não-agrícolas, geradoras de

rendimentos complementares, em particular o comércio e também algumas actividades de

produção artesanal e de transformação.

Uma das mais surpreendentes descobertas diz respeito à idade dos clientes. Apesar da

juventude do mercado informal, a idade média de um cliente há mais de dois anos é superior a

40 anos. Não há uma explicação óbvia para a escassez de clientes jovens, no entanto, a falta

de garantias (agravada pelo facto de a maior parte dos jovens viver ainda com os pais, devido

ao custo de uma habitação) e a instabilidade residencial foram indicadas como possíveis

factores (de Vletter, 2006).

Verifica-se também que são sem dúvida as mulheres as principais clientes do

microcrédito, não só pelo papel que desempenham nas actividades económicas, como pela

responsabilidade que emprestam ao cumprimento das obrigações contratuais. Sobretudo as

pequenas vendedoras dos mercados urbanos que comercializam alguns produtos agrícolas,

bebidas tradicionais, doces caseiros, capulanas72, peixe, e outras mercadorias são as maiores

beneficiárias dos fundos de crédito. Os homens conseguem trabalho mais facilmente no sector

formal e as mulheres tendem a virar-se para o sector informal de vendas como a sua principal

fonte de rendimentos.

Principais instituições de microcrédito em Moçambique

Existem, ao longo de todo o país, diversas instituições, bancos e cooperativas de

microcrédito.

Falarei apenas das três mais importantes da cidade de Maputo, pois creio serem

suficientemente elucidativas do tipo e características de todas elas.

A Tchuma (Cooperativa de Crédito e Poupança), a SOCREMO (Banco de Micro-

Finanças) e o NovoBanco (Instituição Micro-Fonanceira) concentram 76% da carteira activa

de clientes. O NovoBanco possui uma larga e equilibrada cobertura de mercado, tanto em

termos de número de clientes como de carteira; a SOCREMO possui uma larga cobertura, mas

parcialmente desequilibrada, tendo as suas actividades uma orientação comercial; a Tchuma

possui uma cobertura média e equilibrada, com um segmento económico médio de clientes,

tanto rurais como urbanos.

72 pano colorido com que as mulheres, tradicionalmente, cobrem o corpo

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A crescente competição entre estas três instituições, todas tendo como alvo o mesmo

tipo de beneficiários, resultou em três consequências: o notável desenvolvimento na qualidade

dos produtos de empréstimo oferecidos, em especial a rápida aprovação e renovação de

empréstimos; serviços mais eficientes e agências modernas e, finalmente, a introdução de

novos produtos financeiros, como os empréstimos para a habitação, para salários-base e

pequenos e médios empréstimos para negócios.

A Economia Informal

Considerando que grande parte das mulheres com acesso ao microcrédito se encontra

ligadas ao sector informal, tendo como actividade principal a venda de produtos nos

mercados, torna-se urgente uma caracterização deste tipo de economia, que tem vindo a

crescer fortemente, nos últimos anos, não só nos países em vias de desenvolvimento, como

em todo o mundo.

Muitas vezes definida em termos do que não é (actividades económicas e empresas

sem registo, sem regulação e que não pagam impostos), a economia informal tem como base

as actividades caracterizadas por um baixo nível organizacional, com limitada ou inexistente

divisão entre o trabalho e o capital e onde as relações de trabalho são sempre baseadas em

colaborações ocasionais, as ligações familiares, entre outras. Inclui pequenas empresas sem

qualquer tipo de registo e trabalho remunerado sem contratos, seguros, benefícios ou

protecção legal. Engloba, ainda, as situações seguintes:

Auto-emprego em empresas informais

Empregadores

Trabalhadores por conta própria

Familiares que trabalham sem qualquer remuneração

Empregados de empresas informais, entre outros.

O sector informal em Moçambique

A situação conjuntural do país demonstra que o sector informal continua a ser a única

alternativa para a sobrevivência de muitas famílias.

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Sempre que a questão do informal é debatida publicamente, a reacção mais comum é a

negativa, pois a prática informal é vista como ilegal ou criminosa. Associa-se o informal ao

ilegal de forma prejurativa e até ofensiva (Paulo e Francisco, 2006:11).

A informalidade resulta do grande êxodo rural (7....)73 e da rápida urbanização que

vem acontecendo nas últimas quatro décadas. Esta foi reforçada pelas transformações

políticas e económicas que influenciaram o ritmo do crescimento económico, em geral, e da

economia informal, em particular (Paulo e Francisco, 2006:27).

No período pós-independência, com a situação urbanística e económica precária a

agravar-se e o mercado formal e privado a tornar-se cada vez mais inviável, tanto do ponto de

vista económico, como social e financeiro, a informalidade converteu-se na única solução

disponível para a maioria da população (Paulo e Francisco, 2006:27-28).

Com uma população de cerca de 19 milhões, 80% dos moçambicanos pertence ao

meio rural e 77% não possui outros rendimentos a não ser os agrícolas. Num país em que 11%

da população tem um emprego formal, que se traduz numa percentagem pouco importante no

conjunto da população activa, é um indicador significativo da degradação das condições de

vida da população o facto dos salários reais terem diminuído para cerca de metade desde o

início do PRE (Programa de Recuperação Económica) em 1987. A taxa de desemprego é de

cerca de 40%. A liberalização económica permitiu o crescimento progressivo da chamada

“economia informal” ou “economia popular”, que representava já em 2000 cerca de 44% da

produção total comercializada. O sector informal representa cerca de 85% da população

activa, sendo que a maioria dos trabalhadores deste sector são mulheres (59%) (8....) 74.

A informalidade é um fenómeno tanto rural como urbano. No meio urbano, o sector

informal abrange 68%, contra cerca de 32% no sector formal. No meio rural, o sector

informal tem um peso muito maior, cerca de 95% do total dos trabalhadores, contra 5% no

sector formal (Paulo e Francisco, 2006:45).

Um aspecto importante a observar no sector informal é o próprio facto de a maior

parte dos agentes informais serem mulheres. Estas fazem parte dos primeiros grupos que

dinamizaram a criação e o desenvolvimento do sector informal e continuam a representar a

maior população de indivíduos que operam neste sector. Isto significa também que se trata de

73 O êxodo rural e a fixação das pessoas nas áreas urbanas não foi acompanhado por um ordenamento adequado. 74 Informação recolhida no site do Instituto Nacional de Estatística de Moçambique, http://www.ine.gov.mz/.

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uma actividade que até muito recentemente era considerada pouco convencional para

indivíduos do sexo feminino (Cruz e Silva, 2005:2-3, 16).

Tendo iniciado as suas actividades de comércio informal para suprir a grande crise

alimentar que afectou o país e particularmente a cidade de Maputo na década de 80, os efeitos

das reformas económicas (em 1987 iniciou o Programa de Reabilitação Económica, PRE,

quando Moçambique ainda se encontrava em guerra) de meados da mesma década levaram

um número cada vez maior de mulheres a engrossar este sector (Cruz e Silva, 2005:16).

Hoje a mulher não está apenas ligada a actividades do pequeno comércio retalhista de

bens alimentares e vestuário, mas abarca outras áreas mais diversificadas, nomeadamente o

comércio interprovincial e transfronteiriço. As mulheres são as que mais exercem actividades

informais, em todas as classes de idade (de Vletter, 2006:33).

Em especial na cidade de Maputo, o sector informal é a maior fonte de emprego,

principalmente de auto-emprego, para as mulheres (de Vletter, 2006:31-32).

Um aspecto importante deste sector é o facto de a maioria dos vendedores procurarem

o que pode ser considerado como actividades de sobrevivência, devido à falta de alternativas

económicas. Tais actividades requerem pouco mais do que o fundamental para vender e, por

não haver muitas ambições empresariais, estas não mudam ou aumentam muito pouco (de

Vletter, 2006:33).

Sistemas informais de micro finanças

Mais pessoas são servidas pelos sistemas informais de microfinanças do que pelas

instituições microfinanceiras. A maior parte das pessoas que recorre ao microcrédito e que

recebe empréstimos pequenos e médios está envolvida com práticas financeiras informais.

“A incapacidade do Estado para a produção de serviços sociais básicos

levou ao crescimento de formas alternativas de gestão social,

transferidas para a sociedade civil, que passou a exercer muitas das

funções ligadas à produção do bem-estar económico e social, através de

ONG’s, Associações e diferentes redes de solidariedade (parentesco,

vizinhança, grupos profissionais, étnicos, de amizade, etc).” (Cruz e

Silva, 2005:1)

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Existem iniciativas locais e saberes populares que são parte das estratégias de

sobrevivência económica e se constituem como alternativas para fazer face à exclusão social.

Elas assumem por vezes características extra-económicas que envolvem a preservação

da dignidade humana, mesmo em condições de extrema pobreza. As redes de solidariedade e

os grupos de poupança, grupos de entre-ajuda ou outras formas de solidariedade, são meios de

auto-organização e constituem iniciativas de base comunitária na origem da resolução de

problemas.

Especificamente em Maputo, dois sistemas destacam-se, ambos forçando os membros

a poupar. A associação de crédito e poupança rotativo (ROSCAS), popular em várias partes

do mundo, é comum em Moçambique (particularmente nas zonas urbanas) e chama-se

xitique. O segundo é um sistema de poupança diário, depositado nas mãos de operadores que

trabalham nos mercados e chama-se xitique geral. Este centra-se somente na área de Maputo-

Matola.

Enquanto que estes sistemas informais usam o “saving-up”, que requer depósitos

graduais até alcançar um certo montante, os depósitos nas instituições de microfinanças usam

o “saving-down”, que permite que os clientes recebam fundos que foram sendo depositados

durante algum tempo.

“As práticas tradicionais de ajuda mútua tendem a ser mais frequentes (depois de

1986) comparativamente ao período anterior, devido ao aumento das dificuldades de vida e

sobrevivência para as pessoas mais pobres (os que mais participam), levando naturalmente à

recuperação das práticas existentes no passado. As mulheres são as mais conservadoras nestas

práticas tradicionais, e em algumas actividades como Matsoni/Xivunga e Xitique, são por elas

dominadas. Perante isto, conclui-se que as mulheres detêm um papel importante na provisão

de meios de subsistência para os seus agregados familiares” (Paulo e Francisco, 2006:86).

4. Sobre a situação da mulher

Hoje em dia, falar de microcrédito é também falar de igualdade de oportunidades de

género. Não é por acaso que mais de 90% das pessoas que beneficiam deste tipo de

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empréstimos em todo o mundo são mulheres. Isto porque, em determinados sectores sociais, a

mulher continua a ser a principal e mais directa responsável pela unidade familiar. Além

disso, existe um outro factor relacionado: as mulheres ainda encontram muitos obstáculos

para entrar no mercado de trabalho (Mick, 1999).

Desde a primeira Conferência Mundial de Mulheres, em 1975, tem havido alterações

significativas, algumas delas positivas, no estatuto social e económico da mulher. As

mulheres constituem uma porção desigual dos pobres no mundo inteiro devido ao seu fraco

acesso ao capital e às terras, ao seu baixo estatuto no mercado de trabalho e à

desproporcionada responsabilidade que lhes é atribuída pelo trabalho doméstico não

remunerado. De uma maneira mais geral, a natureza ambivalente das conquistas das mulheres

é, talvez, ilustrada através da “feminização” da força de trabalho. Nas últimas duas décadas o

acesso, por parte das mulheres, ao trabalho remunerado cresceu na maior parte dos países,

mas ao mesmo tempo verificou-se uma deterioração nos termos e condições das ofertas de

trabalho. O crescimento do trabalho informal pelo mundo, juntamente com a informalização

do sector formal de emprego, tem permitido aos trabalhadores baixar os custos de trabalho.

No entanto, para a generalidade das mulheres e homens o resultado foi o aumento da

precariedade dos empregos e maior insegurança nas estratégias de sobrevivência (UNRISD,

2005:1-7). Existem mais mulheres hoje na economia formal do que havia antes mas, ao

mesmo tempo, com a reestruturação da economia, estas foram as primeiras a serem

despedidas por serem menos especializadas. São as que mais dificuldades encontram quando

procuram um emprego por serem menos alfabelitazas e daí aceitarem qualquer oferta de

trabalho sem as mínimas condições. Tudo isto parece muito contraditório, mas não é, pois

ainda hoje existe muita discriminação e desigualdade.

Assim, o trabalho informal tem vindo a aumentar e a tornar-se uma grande fonte de

rendimento para mulheres em quase todas as regiões em desenvolvimento. A insegurança

instaurou-se, mesmo para os trabalhadores dos sectores mais protegidos e as mulheres com

baixo rendimento tornaram-se incrivelmente visíveis75, tanto na parte da agricultura como na

economia formal urbana e também na migração do campo para a cidade e além fronteiras.

Programas de combate à pobreza, seja na forma de microcrédito ou transferências de

dinheiro para famílias pobres têm como alvo principal as mulheres, tendo como base o facto

75 A principal actividade das mulheres em África sempre foi a agricultura. Antes de se tornarem visíveis, estas

estavam na agricultura familiar. Familiar e não de sobrevivência pois os camponeses sempre participaram no

mercado, trocando ou vendendo os seus produtos.

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de que estas usarão os recursos de que dispõem de maneira a aumentar o bem-estar da família

e das crianças. As ONG’s são responsáveis, em quase 70% dos casos, de fazer a ligação entre

as mulheres e as fontes de crédito.

Ganhar dinheiro, qualquer que seja a quantia, pela primeira vez, pode não alterar

certas características de subordinação, tal como a da mulher no que toca à protecção do

homem. Mas pode reduzir a sua dependência em relação a este e aumentar a sua segurança

económica e tomada de decisões no espaço doméstico.

O papel da mulher em África

No geral, as mulheres gozam, como grupo, de menos direitos e trabalham mais que os

homens. Realizam dois terços de todo o trabalho no mundo, recebem 10% do rendimento

anual, são dois terços dos analfabetos (funcionais) do planeta, possuem menos de 1% da

propriedade mundial, são mais de metade da população, vivem mais e em piores condições

que os homens e têm um poder desigual no que diz respeito ao acesso e controle dos recursos

e poder. Durante muitos anos as mulheres foram votadas ao silêncio e à invisibilidade por

parte da ciência e da sociedade. No entanto, desde os tempos mais recuados da história que a

sua contribuição foi fundamental na domesticação das plantas e no surgimento da agricultura,

bem como na domesticação dos animais (Projecto SEGUI, 1999:30).

Na África ao Sul do Sahara, as mulheres dedicam mais de metade do seu tempo e

energia à sociedade sem retribuição e sendo subestimadas. São as agricultoras invisíveis e, no

geral, não têm direitos legais sobre a terra, uma vez fora dos sistemas de parentesco existentes

(Projecto SEGUI, 1999:30).

Homens e mulheres têm múltiplos papéis e responsabilidades. No entanto, enquanto

que os homens são geralmente capazes de se focar num só papel produtivo e representam os

seus múltiplos papéis numa sequência, as mulheres, ao contrário, representam os seus papéis

simultaneamente, tendo em conta o tempo limitado que têm para cada um deles (World Bank

Working Paper nº73, 2006:1-2).

Os diferentes papéis de homens e mulheres apresentam diferenças importantes, que

constituem um grande obstáculo para a redução da pobreza e para o desenvolvimento da

África ao Sul do Sahara. Os papéis significantes, mas subestimados, das mulheres na

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produção económica (agricultura e sector informal, predominantemente) e a sua posição na

gestão do agregado familiar e no bem-estar (preparação da comida, saúde e higiene, apoio às

crianças e educação) são centrais para o desenvolvimento económico e para a sobrevivência

social (World Bank Working Paper nº73, 2006:27)

Uma significativa porção da actividade produtiva que não é bem captada pelas

estatísticas oficiais encontra-se no interior do agregado familiar. Esta revela a co-existência de

uma economia de mercado e familiar e como estas são interdependentes. Revela não só o

verdadeiro tamanho e significado da economia familiar (medida em termos do tempo que se

dispende nas tarefas domésticas), mas também o peso desproporcional que recai sobre as

mulheres para a realização destas tarefas (World Bank Working Paper nº73, 2006: 26)

Em Moçambique, embora as mulheres sejam as principais produtoras agrícolas em

meio rural e obrigadas a inventar as mais diversas estratégias de sobrevivência em meio

urbano, não têm um estatuto conforme o trabalho que realizam (Projecto SEGUI, 1999:28).

Até aos anos 80, a posição da mulher em Moçambique não foi objecto de estudo na

investigação social, tendo permanecido invisível. Os estudos sobre a mulher não aparecem

individualizados, sendo esta integrada no contexto da família, do sistema de parentesco,

através da descrição de rituais, dos usos e costumes dos diferentes grupos populacionais do

país e no âmbito da divisão sexual do trabalho. A esfera privada aparece sempre reservada à

mulher e considerada natural e desvalorizada, sendo a pública da responsabilidade dos

homens, mais visível e valorizada (Projecto SEGUI, 1999:31).

No entanto, apesar da perda de representação política e das diversas transformações de

ordem política, a participação das mulheres em diversos assuntos não cessou. A sua

participação e poder de decisão são diversos de acordo com o seu estatuto e com a sua posição

social. Mulheres que não pertencem às elites, tanto em meio rural como urbano, organizam

comunidades de ajuda mútua, para poupança de dinheiro, para apoiar nas tarefas da

machamba, nas associações comerciais, sociedades de crédito, no sentido de promover os

seus interesses mais imediatos. Ou seja, em actividades geradoras de rendimentos, jardins

infantis, educação dos filhos, nutrição e saúde, terra, procurando, dos mais diversos modos,

adaptar-se e modificar a situação existente (Projecto SEGUI, 1999:34).

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O emprego de mulheres nas empresas de pequena escala é geralmente mais alto do que

nas grandes empresas. As mulheres têm que usualmente cobrir as tarefas domésticas (tomar

conta das crianças, cozinhar, tomar conta dos idosos, etc.), para além das suas actividades

externas tais como a produção para o mercado e as ligadas à gestão comunitária.

O envolvimento das mulheres em micro-negócios pode ser explicado, em certa

medida, pelas vantagens do sector empresarial de pequena escala, em termos da sua

proximidade com o local de trabalho e com o de residência, com uma melhor flexibilidade em

termos de horas de trabalho e pelo seu envolvimento a tempo parcial. No entanto, o baixo

nível de entrada nas empresas de pequena escala pode ser explicado pelo facto de as mulheres

terem um menor nível educacional, enfrentarem barreiras culturais, terem que lutar contra leis

e regulamentos discriminatórios e por terem raramente acesso a linhas normais de crédito.

Mesmo quando as mulheres têm a mesma educação que os homens e igual

experiência, o fardo das tarefas domésticas reduz a sua disponibilidade para participar na vida

económica. Assim, a contribuição do seu trabalho “visível” (pago) e a contribuição do seu

trabalho “invisível” (não pago) resulta na sobrecarga do trabalho da mulher.

Mulheres e Autonomia

Considerada uma categoria básica de análise e acção política do movimento das

mulheres, a autonomia define, por isso, um caminho próprio e não imposto, que reconheça e

respeite os direitos das mulheres no seu processo de procura de melhores condições de vida

para si, para as suas famílias, para a comunidade e a sociedade (Casimiro, 2000:6).

Equaciona a possibilidade ou não que as mulheres têm de tomada de decisões,

enquanto mulheres, com direitos e deveres na família, na comunidade ou sociedade.

A questão da autonomia é fundamental, em África, porque entra, a maior parte das

vezes, em choque com o que é considerado o aspecto central da “cultura africana”, ou seja, a

mulher como uma grande mãe, sempre pronta a dar e a nunca receber, a trabalhar e sem

tempo para descansar (Casimiro, 2000:6).

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Falar de autonomia é também abordar a questão do poder, poder de decisão, de aceder

e controlar recursos. Reconhece-se que há diversos factores que intervêm na capacidade das

mulheres poderem tomar vários tipos de decisão, que digam respeito à sua vida, à vida dos

seus filhos, à vida das famílias. Estes factores estão relacionados com a vida em meio rural ou

urbano, grupo étnico, crença religiosa professada pelo grupo familiar, estatuto, posição social,

sexo, ciclo de vida, tipo de casamento, relações com a família e possibilidades de obter apoio

de membros diversos da família, entre outros (Projecto SEGUI, 1999:27).

Tem múltiplas dimensões, cada uma fundamental pra se alcançar o controle sobre as

vidas e corpos dos seres humanos, neste caso concreto, das mulheres:

Autonomia física – diz respeito à autodefinição da reprodução e da sexualidade

Autonomia política – está relacionada com o direito de opinião, organização e

participação

Autonomia económica – em relação ao acesso e controle dos meios de

produção

Autonomia sociocultural – relativamente a aspectos de identidade e auto-

estima. (Cruzeiro do Sul, 1999:28)

Os processos de individualização, identidade e “emponderamento” podem conduzir,

numa primeira fase de descoberta de si, a uma prática de isolamento. No entanto, esta

autonomia, relacionada com os limites que a sociedade, a família e os homens impõem às

mulheres, dará lugar a uma autonomia mais dialogante que, reconhecendo as relações de força

e de poder em que se geram as relações de género, pretende modificá-las através da acção e

da decisão, pessoal e colectiva, dos sujeitos sociais específicos (Projecto SEGUI, 1999:29).

Tendo em conta tudo o que foi dito até agora, apresento, de seguida, a pergunta com a

qual parti para o trabalho de campo:

“Em que medida as organizações de microcrédito contribuem (ou não) para a

autonomia das mulheres?”

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BIBLIOGRAFIA

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Cruzeiro do Sul Trust Found (1999), Projecto Seguimento do Programa Estratégico de

Nampula (Projecto SEGUI), Relatório Ano 1 (referente a 1998), Nampula e Maputo, Janeiro

Grameen Bank. http://www.grameen-info.org/

Jackelen, Henry R. e Rhyne, Elisabeth (1991), Toward a More Market-Oriented Approach to

Credit and Savings for the Poor (UNCDF), Tokyo Fórum on LDCs. pp10

Mick, Jacques (1999), Micro-crédito e Combate à Pobreza: A Experiência Brasileira no

Contexto da Globalização. Brasília: ESAF

UNRISD (2005), Gender Equality: Striving for Justice in an Unequal World. Geneva

Sites consultados a 5 de Março de 2007:

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promoção de melhores condições de vida e de trabalho – O papel da ASSOTSI de Vletter,

Fion (prepared by) (2006), Microfinance in Mozambique – Achievements, Prospects and

Challenges. A report of the Mozambique Microfinance Facility

Francisco, António e Paulo, Margarida (2006), Impacto da Economia Informal na Protecção

Social, Pobreza e Exclusão: A Dimensão Oculta da Informalidade em Moçambique. Cruzeiro

do Sul, Instituto de Investigação para o Desenvolvimento José Negrão, Maputo

www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/assotsi.pdf

Yunus, Muhammad (1997) O Banqueiro do Povo. Difel

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RESENHA

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Jerônimo de Albuquerque, o Adão Pernambucano: Tratado sobre a origem

multiétnica do Homem Nordestino

Caesar Malta Sobreira

Professor do departamento de Ciências Sociais - UFRPE

Saudação proferida por ocasião do lançamento do livro Albuquerque: a herança de

Jerônimo, o Torto, na Fundação Gilberto Freyre, em 25 de julho de 2013.

Este é um dia de júbilo. Estamos reunidos na casa de Gilberto Freyre, o gênio de

Apipucos, para o lançamento de uma obra como que escrita no bronze, com letras de ouro e

iluminada pela joia preciosa que é a história de Pernambuco, nossa pátria imortal.

Albuquerque: a herança de Jerônimo, o Torto, é um livro magnífico que já nasce

clássico, fruto das pesquisas de Cândido Pinheiro Koren de Lima. Deu-nos, o autor, a mais

importante obra genealógico-histórica sobre o homem nordestino. Estamos diante do mais

denso tratado cujo objetivo é “resgatar a verdadeira origem do homem nordestino”,

abrangendo todo o período colonial e reverberando até os nossos dias.

O livro trata da descendência de Jerônimo de Albuquerque, o Adão Pernambucano, o

Patriarca Nordestino, o Venerando Cisne Branco que – praticando a sábia doutrina de Afonso

de Albuquerque – semeou uma herança genética do qual era portador: uma síntese

transcultural contendo sangue de cristão-novo judaico, misturado com as etnias que

professavam o islamismo: os khamitas norte-africanos e os árabes, estes também semitas

como os judeus. Além, é claro, da matriz caucasiana, branca, europeia, que remete à mescla

de celtíberos, visigodos, alanos e suevos, entre outros. Aqui, este dotação genética recebeu o

acréscimo do sangue indígena autóctone.

Partindo da obra-referência, a Nobiliarquia Pernambucana, de Borges da Fonseca, a

qual considera o único documento apto a fundamentar seu estudo, Cândito Pinheiro Koren de

Lima tem como objetivo elucidar a composição do homem nordestino colonial. Destaca-se a

persistência dos troncos raciais ou étnicos e religiosos relacionados às religiões monoteístas

(judaísmo, cristianismo e islamismo), que, por caminhos misteriosos, compõem o mosaico

etnocultural característico do homem nordestino.

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O ambicioso projeto de Cândido é, através da Coleção Borges da Fonseca, agrupar

em dez volumes o conteúdo da Nobiliarquia Pernambucana. Deste trabalho descomunal este é

o primeiro volume, que é dedicado aos Albuquerque e aos diversos troncos muçulmanos

khamitas, muçulmanos semitas, nativos indígenas e judeus que a dotação genética desta

família alberga.

Na presente obra, que é imortal e que imortaliza seu autor, consta a afirmação

segundo a qual “grande parte de Portugal atual e praticamente todo o Nordeste tem inserção

desse sangue semita-judeu” que Jerônimo de Albuquerque herdou de Ruy Capão.

O autor afirma que os judeus estavam presentes na Ibéria desde a época das

primeiras expedições fenícias, aumentando tal presença por ocasião das destruições do

primeiro e do segundo templo de Jerusalém, e multiplicando-a durante o período muçulmano

omíada da Espanha. Esta presença era relevante: a Ibéria possuía a maior concentração de

judeus do mundo, transformando Espanha no país mais rico da época.

Além do caráter genealógico e histórico, o autor reivindica a dimensão sociológica,

evocando o pioneirismo de Gilberto Freyre no que diz respeito à interpretação da contribuição

das diversas matrizes étnicas, religiosas e culturais.

Assim, o autor estabeleceu uma proporção da nossa composição multiétnica: além do

sangue ibérico quinhentista (por si só já bastante miscigenado), 80% da população nordestina

colonial documentada por Borges da Fonseca – bem como a atual – possui sangue judaico,

indígena e muçulmano-khamítico (magrebino) e muçulmano-semítico (árabe). Apenas 2% da

população documentada também possui sangue negro subsaariano.

Com tal herança multiétnica, Jerônimo de Albuquerque foi pródigo em espalhar sua

dotação genética: “A partir de seus 36 filhos conhecidos, seu sangue permeou nossas veias, de

modo que praticamente inexiste nordestino, com raízes aqui, que não seja dele descendente.

Inclusive o autor deste tratado que ora vem a lume, e também deste que vos fala, herdeiro por

via matrilinear das famílias Carvalho Brandão das Alagoas, aparentados com os Cavalcanti –

dos quais o notório Tenório era primo em primeiro grau da minha avó Ernestina Malta

Brandão; e também por parte da família Alves Feitosa, dos Inhamuns, por via patrilinear,

presente neste livro ora apresentado.

Brites de Albuquerque, a esposa de Duarte Coelho, e seu irmão Jerônimo de

Albuquerque eram terceiro ou quarto netos de Pedro Coelho, descendente do Rei Ramiro II,

de León, com Artiga Alboazar, uma mulher khamita muçulmana, bisneta de Aboali,

comandante berbere que acompanhou Tarik na conquista da Espanha em 711.

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Ambos os irmãos eram representantes genéticos dos muçulmanos semitas (árabes),

pois tinham como ascendente um membro da elite governante de Toledo durante o final de

seu período islâmico. A cidade foi conquistada em 1085, pelo rei Afonso VI de Castela. Na

ocasião, o rei o aprisionou e, depois, conseguiu sua conversão ao cristianismo, batizando-o

com o nome de Fernando Afonso de Toledo.

Mas Brites e Jerônimo também possuíam ascendência judaica através de Ruy Capão,

que fora físico e almoxarife da princesa Blanca (Urraca), filha de Afonso VII de Castela

(1155 – 1214). Quando se casou com Afonso II de Portugal (1185-1223), Ruy Capão

acompanhou a futura rainha dos portugueses. Realizadas as bodas, o rei Afonso II convenceu

Ruy Capão a se converter, após o que foi pródigo em favorecê-lo inclusive concedendo-lhe o

título de cavaleiro. Deste modo o sangue judeu se mesclou ao sangue cristão-velho nas veias

do venerando Cisne Branco, o Noé Nordestino, disseminando o sêmen semissemítico por todo

o Nordeste brasileiro.

Gostaria de destacar um fato evocado por Cândido Koren, que havia sido consignado

por frei Vicente Salvador na sua História do Brasil. Conta que o cristão-novo Vasco

Fernandes de Lucena, origem de todos deste sobrenome no Nordeste e que se tornou alcaide-

mor de Olinda, “era dotado de poderes mágicos”. Em certa ocasião, estando sitiado pelos

índios ferozes, saiu da fortificação, desarmado, e caminhou em direção aos indígenas.

Conta nosso tratadista que: “No local onde hoje é a Sé de Olinda, defrontou com os

da terra. Tomou então seu cajado, e traçou no chão um risco. Avisa que os que passassem

deste marco cairiam sem vida. Sete ou oito [índios] apressam-se em ultrapassar o limite

traçado e em atacar o Lucena. Imediatamente, ultrapassando o risco no chão, caíram sem vida.

O fato, segundo o autor da nossa primeira história aqui escrita, fez com que os indígenas

abandonassem o cerco, e partissem em louca correria.”

Ora, tratando-se de um cristão-novo é possível aventar a hipótes e que ele dominava

os segredos da Cabala, cujos poderes eram utilizados pelos judeus, incluindo círculos mágicos

de proteção. Tais técnicas eram de conhecimento da Inquisição, que as considerava atos de

feitiçaria e punia seus praticantes com o fogo crepitante das fogueiras.

Fechando este parêntesis, retornemos ao Venerando Cisne Branco, tataravô de todos

nós. Jerônimo de Albuquerque “deixou uma descendência imensa, praticamente todo o

Nordeste”, acrescentando sangue indígena e negro ao que já tinha misturado em si. Tal é a

composição racial básica do nosso povo, sendo o Nordeste a síntese pluriétnica de tantas

gentes e genes.

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Quanto ao sangue indígena, o autor proclama que ele está presente em todas as

famílias e homens do Nordeste. Assim, “toda a elite documentada nordestina”, graças a

Jerônimo de Albuquerque, possui sangue judeu por via de Ruy Capão; é tributário do sangue

muçulmano-semita (árabe), através de Fernando Afonso de Toledo; e também tem sangue

khamita muçulmano (berbere), graças a Artiga Aboazar.

Por outro lado, a “doutrina Afonso de Albuquerque” propiciou a “criação de um tipo

original de civilização de características indo-portuguesa”. Tal civilização luso-tropical foi o

resultado da prática de “política social de assimilação pelo casamento”, afirma Cândido

Pinheiro.

A doutrina de Afonso de Albuquerque se baseava na fixação do homem ibérico à

terra e, sobretudo, na união sexual com nativas. Jerônimo seguiu à risca tal doutrina: praticou

abertamente a poligamia, sem preconceito étnico. Teve descendências com mulheres das três

matrizes genéticas: brancas, negras e índias. Com elas teve 36 filhos e filhas que são os

antepassados da maioria do povo nordestino. Assim, o velho Jerônimo era um grande

“femeeiro” – como Gilberto Freyre designava o lusitano típico em terras tropicais.

Portanto, este livro sobre Jerônimo de Albuquerque ajuda a esclarecer o enigma da

nossa policromia cultural. Antecipando a teoria da dádiva, preconizada por Marcel Mauss, e a

teoria do tríplice intercâmbio (de palavras, mercadorias e mulheres) formulado por Lévi-

Strauss, o Patriarca de Pernambuco e do Nordeste realizou a miscigenação que deu origem à

metarraça do Homem Nordestino, cuja valorização foi realçada por Gilberto Freyre.

Este livro tem importância semelhante à coletânea Homo Brasilis, organizada pelo

geneticista Sérgio Pena. Entretanto, a pesquisa de Cândido Pinheiro é mais específica:

descreve o Homem Nordestino em sua dimensão genealógico-histórica, assim como Gilberto

Freyre – sobretudo em Casa-Grande & Senzala – interpretou este mesmo homem através de

uma perspectiva sociológico-antropológica.

Antes de terminar esta reflexão, quero dizer que senti um imenso prazer na leitura

deste livro, ainda que por motivo quiçá egofílico e, por isso mesmo, muito especial. É que

esta obra brônzea comprova a exatidão das teorias expostas no meu livro Nordeste Semita,

agraciado com o prêmio nacional que leva o nome do mestre de Apipucos.

Enfim, encerro esta apresentação parabenizando Cândido Pinheiro Koren de Lima,

autor de tão magnífica obra-prima, por sua imensa e inestimável contribuição ao povo e à

cultura pernambucana; e louvando Sonia Freyre, presidente da Fundação Gilberto Freyre, pela

ousadia de publicar este livro definitivo sobre o homem do Nordeste brasileiro.

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SESSÃO ESPECIAL Perspectivas pós-coloniais sobre o mundo lusófono colonial.

Homenagem a John Manuel Monteiro (1956-2013).

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Perspectivas pós-coloniais sobre o mundo lusófono colonial.

Homenagem a John Manuel Monteiro (1956-2013).

Ana Elisa Bersani,

Francisca Navantino P. de Angelo,

Luciano Cardenes Santos,

Marina M. de Freitas,

Vítor Queiroz

John Monteiro era graduado em História pelo Colorado College (1978) e conquistou

os títulos de mestre e doutor na Chicago University (1980; 1985). Foi professor nas

universidades de Harvard, Michigan, North Carolina-Chapel Hill e na École des Hautes

Études em Sciences Sociales. Em 2001, recebeu o título de Livre-docente pela Unicamp,

instituição onde lecionou e orientou diversas pesquisas até a sua inesperada passagem em

Março de 2013.

John era especialista em história indígena e desenvolvia pesquisas documentais no

Brasil e em outros pontos do antigo Império Português, com o destaque para Goa, na Índia.

Professor do Departamento de Antropologia Social da UNICAMP desde 1994, sempre

trabalhou na interface entre a História, a sua primeira formação, e a Antropologia.

Adicionava-se à seus múltiplos interesses e à sua abordagem interdisciplinar o viés político de

suas atividades acadêmicas.

As resenhas aqui apresentadas celebram a memória de John Manuel Monteiro (1956-

2013) em seu último curso intitulado “Perspectivas pós-coloniais sobre o mundo lusófono

colonial”, ministrado no segundo semestre de 2012 ao Programa de Pós-Graduação em

Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas.

O programa da disciplina estimulou-nos a uma viagem pelo mundo lusófono, através

do circuito do Atlântico e do Índico, com o objetivo de estudar os processos coloniais que

envolveram sociedades e culturas não ocidentais, problematizando os processos sociais de

conversão religiosa, os estratagemas linguísticos, o hibridismo e a mestiçagem e as mudanças

identitárias multifacetadas.

Ao longo do curso, não apenas a qualidade das discussões nos motivavam, mas

também o olhar ponderado, coerente e engajado do professor a cerca das diversas histórias do

colonialismo e dos impactos culturais provocados pela dinâmica do sistema escravocrata na

conformação das sociedades que conhecemos hoje, por exemplo, temas essenciais aos quais

somos chamados a nos posicionar tanto dentro como fora da academia.

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Durante o curso, cada um dos alunos ficou responsável por duas tarefas: conduzir o

debate de pelo menos dois dos textos ao longo do semestre letivo e elaborar uma resenha de

um livro recente, apta para publicação. Cada um de nós cumpriu de bom grado essas duas

tarefas. Conduzimos os debates sobre os textos lidos e discutidos ao longo do semestre;

escolhemos, de comum acordo com o professor, o livro que iríamos resenhar e entregamos ao

professor as primeiras versões de nossas resenhas.

Na última aula do semestre, em um Workshop de Resenhas, ele nos devolveu essas

primeiras versões do nosso trabalho, fez críticas e sugestões para que melhorássemos os

nossos textos e marcou uma data para que enviássemos a segunda versão, “apta para

publicação”. Naquele final de semestre, mesmo em nossos momentos mais pessimistas, não

podíamos imaginar que faltaria ao nosso mestre tempo para encaminhar nossas resenhas para

publicação; tampouco que éramos a sua última turma.

John, dono de um sorriso gentil e de uma generosidade intelectual cada vez mais rara

nas academias, nos deixou aos 56 anos, vítima de um acidente de transito. Sua preocupação

com as histórias não contadas fica como herança que levaremos adiante com as reflexões

iniciadas no espaço inaugurado pela disciplina com suas férteis discussões.

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Tavares, Gonçalo M. 2010. Uma Viagem à Índia. Editora Leya, São Paulo.

Prefácio de Eduardo Lourenço. 452 p.

Vítor Queiroz

Doutorando do PPGAS (Programa de Pós Graduação em Antropologia Social) do IFCH-

UNICAMP.

“Uma Viagem à Índia”, poema épico de Gonçalo M. Tavares, é também a narrativa de

uma viagem enigmática que o seu protagonista, John Bloom, empreende em todos os sentidos

e direções. Nas suas 452 páginas o herói vai de Lisboa até o subcontinente indiano e da

ignorância mística à uma espécie de autoconhecimento desencantado.

Gonçalo M. Tavares, escritor jovem nascido na Luanda de 1970, em plena guerra de

independência de Angola, que vive e atua em Lisboa e já acumula diversas premiações,

traduções e adaptações de seus trabalhos assume, no texto, o difícil papel de um narrador

participante (e nem sempre onisciente ou congruente) que transita, como um antigo lançado

português das costas atlânticas e todos os atualíssimos personagens do seu poema, entre

diversos lugares geográficos e culturais.

Escrito em versos livres e publicado em Lisboa, Portugal, e em São Paulo, Brasil, no

mesmo ano, o livro é também, de acordo com o seu subtítulo, um “itinerário” geral da

“melancolia contemporânea” que pretende refletir sobre os significados íntimos da história

europeia do início deste século fazendo uma leitura múltipla das epopeias da Antiguidade

Clássica, dos Lusíadas de Camões, do Ulisses de Joyce, do Em Busca do Tempo Perdido de

Proust e do Baghavad Gita de Vyasa, entre outros (inter)textos canônicos. “Uma Viagem à

Índia”, no entanto, é capaz de ironizar simultaneamente estas mesmas pretensões épicas,

eruditas e universalistas num pastiche cheio de zombarias a respeito, por exemplo, do

heroísmo autoimputado e passadista dos portugueses.

Este, e apenas este, viés irônico da obra é explicitado no denso prefácio escrito pelo

filósofo lusitano Eduardo Lourenço. Não é fácil, contudo, afirmar que “Uma Viagem à Índia”

é apenas um exercício de cinismo mordaz e desesperança, uma vez que seu texto muitas vezes

desenvolve, através passagens de intenso lirismo, imagens e reflexões interessantes e às vezes

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otimistas sobre o valor insuspeitado, a importância de particularidades ínfimas, a extrema

importância sócio histórica de um único gesto ou ruído.

A realidade e a viagem de Bloom são vistas na epopeia, consequentemente, como uma

transformação constante através de uma de suas imagens recorrentes, a metáfora da

tempestade que tem por trás de si um sol brilhante ou vice-versa. Gonçalo M. Tavares, ou

alguns dos outros narradores que se intrometem sem aviso e multifacetam o texto, aumentam

constantemente a sensação de ambiguidade através de alterações estonteantes de perspectivas,

escalas, contrastes binários e contradições ímpares.

Na estrofe seguinte, do VIII canto, uma das muitas fábulas e/ou digressões

interpoladas à ação principal, podemos encontrar uma das explicitações textuais destas

características instáveis, da perspectivação inerente à obra:

“(Numa sala fechada e sem janelas

acendem-se fósforos com a mesma indiferença

com que se liga a eletricidade,

porém, ao ar livre, o fogo, quando surge por meios

manuais e antigos, traz um assombro controlado

mais progressivo. À medida que a noite vai surgindo

a luz exibe ao mesmo tempo perigo e calma.

Homens rodeiam o fogo como um animal caçado

que é agora, no centro, o banquete.)”

(VIII, 13 – Pg.327)

Muitos outros trânsitos enunciativos e históricos percorrem a trajetória de John Bloom

em sua “Viagem à Índia”, entretanto. É interessante notar, por exemplo, que Gonçalo Tavares,

e/ou seus narradores-personagens, parecem comparar implicitamente a “melancolia

contemporânea” geral, pós-colonial e pós-moderna, com a busca fracassada pelo universal e a

falência do império Português que, num fenomenal exercício de anacronismo poético e junto

com o protagonista, talvez, poderíamos pensar, já estivesse fadado ao seu futuro de país

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periférico numa violenta crise econômica antes mesmo que a primeira caravela deixasse a

“ocidental praia lusitana”.

Mas “voltemos ao enredo”, como reza um dos bordões do épico. Pretendendo esquecer

um passado trágico que lembra sensivelmente o drama edípico freudiano misturado com o

tédio de uma velha Europa que dominou técnica, científica e cartograficamente toda a Terra e

buscar conhecimentos numa Índia idealizada, o herói, que é também anti, sub e super-herói

coletivo, uma vez que ele representa subliminarmente o povo português e todo o gênero

humano contemporâneo, itinerante e melancólico, parte e retorna à Lisboa, entre 2003 e 2010.

Nos seus bolsos está um rádio quebrado, que pertencia ao seu falecido pai homônimo e que é,

de certa forma, uma relíquia de sua estirpe violenta, capitalista, calculista e conquistadora. Tal

família e o próprio Bloom sob a rubrica dos termos e das metáforas “astronomia” e

“geometria” teriam ajudado a criar, historicamente, diversas técnicas epistemológicas de

dominação que incluem uma espécie de híbris heroica, o domínio linguístico ou religioso e o

roubo de conhecimentos alheios, representado na trama pelo encontro e pelo roubo de velhos

livros indianos.

Numa das primeiras estrofes do poema, ainda no tom invocativo daqueles que

afinavam as velhas liras, “tuba[s] belicosa[s]” ou as “frauta[s] ruda[s]” Gonçalo M. Tavares,

aliás, anuncia e resume todo a trama enfatizando a crueldade clânica dos John Bloom e a sua

relação de filiação e de metonímia, já que o herói se vê e algumas vezes é visto através de um

espelho que é a própria história da expansão portuguesa, como um dos antigos navegadores

lusitanos e simultaneamente como um herói trágico grego que ao tentar fugir de seu passado

individual acaba seguindo os passos de seus ancestrais:

“Falaremos da hostilidade que Bloom,

o nosso herói,

revelou em relação ao passado,

levantando-se e partindo de Lisboa

numa viagem à ìndia, em que procurou sabedoria

e esquecimento.

E falaremos do modo como na viagem

levou um segredo e o trouxe, depois, quase intacto”

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(I, 10 – Pg.28)

Entretanto, se a fuga de John Bloom é tão trágica quanto errática, já que nesta viagem

até a distância geográfica da Índia mi(s)tica do new age o herói tem que retroceder

temporalmente e passar em primeiro lugar pela Inglaterra dos grandes impérios neocoloniais,

e depois pela França do Iluminismo e pela Alemanha de Lutero e Gutenberg, as estratégias de

domínio, a “astronomia” e a “geometria” da Europa, também parecem afundar num futuro

melancólico. Afinal

“(...) Um único ponto,

tem inúmeros lados, a geometria erra de modo

ostensivo: nada é uniforme ou previsível.”

(VII, 81 – Pg.317)

e a mesma estrofe continua lamentando, numa paráfrase do tema da “glória de

mandar”, da “vã cobiça” e da “vaidade a que chamamos Fama” do IV canto dos Lusíadas, a

violência arbitrária de todos esses projetos “racionais” de conhecimento e submissão e, no

limite, da própria capacidade discursiva e simbólica da humanidade:

“E as palavras são governadas pela força; poderemos dar

uma volta inteira ao dicionário ou às regras da sintaxe

e encontraremos sempre o mesmo por cima, em cima,

dominando: a força, a força, a estúpida força.”

(VII, 81 – Pg.317)

Ainda podemos acompanhar, mantendo a temática desta condenação da “astronomia”,

da “geometria” e da “força” egoísta, no próprio decorrer da trama e especialmente no choque

cultural que ocorre na Índia “verdadeira” dos cantos VII e VIII com suas vacas, seus rios

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poluídos e suas ruas engarrafadas, alguns dos efeitos deletérios do relacionamento entre

indivíduos ou povos que tem poderes desiguais e das criações discursiva de outros

diferenciados, sintetizados neste fim de estrofe:

“(...) Por exemplo,

so assassina quem conhece o método

de olhar para os outros de longe -

como se fossem ouros, precisamente.”

(VIII, 48 – Pg.340)

Ao final do livro, o radinho quebrado, que simboliza alternadamente a solidão

ontológica humana, o clã dos Bloom e o fracasso do progresso técnico, vai e volta, no tempo e

no espaço, de Lisboa à Índia e de volta à Lisboa, sem fazer nenhum ruído e acaba passando

desapercebido por todos os outros personagens da trama em contraste com o mundo de sons e

com a insistência das diversas metáforas auditivas do texto. É possível, aliás, que neste e em

outro detalhe sonoro estejam a maiores ironias de toda a obra. Afinal, John Bloom, filho de

John Bloom, neto de John John Bloom, homônimo do Ulisses joyceano e intermediário entre

este, o astuto, teimoso e sedutor Odisseu homérico e o verborrágico Vasco da Gama dos

Lusíadas, se propõe desde o início a escutar e não consegue. O herói quer aprender com o

Outro assassinável, com a sua Índia irreal, porém, assim como os supracitados heróis da épica

e do romance, não consegue sair do egoísmo do seu próprio ponto de vista nem parar de

imaginar-se como o centro de todas as ações ou de cessar, por um momento que seja, a

narração direta ou indireta de suas próprias aventuras em sua língua materna.

Mas, como já foi indicado anteriormente e ao contrário da apreciação de Eduardo

Lourenço, nem tudo é uma tragicomédia desesperada e o misticismo da Índia orientalizada, da

Índia ideal, ainda que seja feito de ouro falso, reluz e embeleza especialmente a

transcendência das últimas páginas do épico. No final do penúltimo canto, após a angustiada

pergunta

“Quem é Bloom? Ninguém sabe (muito menos ele: está demasiado perto.)”

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(IX, 88 – Pg.395)

aparece-nos, em resposta, uma belíssima definição do herói, de cada um de nós e da

humanidade, enfim, junto com um conselho – acabar a viagem, parar de fugir em algum lugar

físico e espiritual que, no caso, é a própria Lisboa de origem para poder conhecer e amar – de

Gonçalo M. Tavares, autor e narrador, à John Bloom:

“E um organismo que tem tudo em potência.

Pode ser santo, ou vender anjos roubados

à igreja de um padre que salva.

Os homens têm fome, e quando

têm medo fogem e nessa fuga pisam o

chão ou outros animais. O amor existe,

mas não num ser vivo que se move.

O inesperado insinua-se no que parece definitivo

e ninguém se conhece antes de morrer. Ámen.”

(IX, 89 – Pg.395)

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Sidney W. Mintz. 2010. Three Ancient Colonies: Caribbean Themes and

Variations. W.E.B. Du Bois lecture series. Cambridge: Harvard University

Press. 257 p.

Ana Elisa Bersani

Mestranda em Antropologia Social - IFCH – UNICAMP

O antropólogo Sidney W. Mintz vem realizando trabalhos na região do Caribe desde

meados do século XX, quando essa passa a ser considerada uma “área etnográfica”

importante e, ao mesmo tempo, desafiadora para as análises antropológicas. Seu trabalho

etnográfico em Porto Rico, em 1948, inicia o longo percurso de pesquisas do antropólogo no

Caribe. Esse trabalho deu origem à obra “Sweetness and Power” (1985), na qual o autor

descreve o papel econômico, histórico e nutricional do açúcar (produzido, sobretudo, no

Caribe) na transformação das sociedades camponesas europeias em sociedades proletárias,

servindo como combustível para a Revolução Industrial e o desenvolvimento do mundo

contemporâneo. Mais tarde, em 1952, ele se dedica a um estudo etnográfico na Jamaica entre

os camponeses moradores do vilarejo de Sturge Town, fundado pela igreja Batista após a

emancipação da antiga colônia britânica e, em 1958, realiza, no Haiti, um estudo sobre os

mercados populares. A importante obra “Caribbean transformations” (1974) de Mintz surge

dessa longa experiência, é considerada uma obra inovadora e absolutamente central para a

compreensão da realidade caribenha.

A reflexão feita pelo autor em “Three Ancient Colonies: Caribbean Themes and

Variations” é fruto dessa longa história de pesquisa e produção etnográficas. Pode-se

interpretar o título escolhido para a obra enquanto uma referência, irônica talvez, à própria

“antiguidade” do autor que se propõe a uma reflexão com um distanciamento de várias

décadas do período de campo. O livro surge da compilação de uma série de conferências

ministradas pelo autor em homenagem a William Edward Burghardt Du Bois no Du Bois

Institute of Harvard University, em 2003, e traz uma reflexão profunda acerca das diversas

histórias da escravidão no Caribe e dos impactos culturais provocados pela dinâmica do

sistema escravocrata na conformação das sociedades que conhecemos hoje. Ao retomar as

descobertas que fez em cada ‘viagem’ etnográfica, o antropólogo enfrenta o desafio

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comparativo de realidades complexas e heterogêneas. As três ex-colônias Porto Rico, Jamaica

e Haiti têm suas histórias e culturas revisitadas nessa obra que foge do modelo etnográfico

‘clássico’ e que, segundo Mintz, “é mais uma reflexão, um olhar para trás pessoal – diferente

da forma pesada acadêmica” (p. 24).

O trabalho de Mintz no Caribe e o seu interesse na investigação do real significado do

sistema imposto pelo trabalho forçado dos escravos vindos da África para o Novo Mundo nos

revela transformações na própria história da Antropologia que, salvo raras exceções, vinha

deixando no esquecimento essa região, enquanto campo de estudos, até o fim da Segunda

Guerra Mundial. As sociedades que ofereciam condições adequadas para o trabalho

antropológico seriam essencialmente aquelas consideradas ‘primitivas’ – para usar um termo

corrente à época. O Negro no Novo Mundo representa um elemento desconcertante aos

modelos antropológicos e, por tanto, um desafio. O reconhecimento, no trabalho do autor, da

significância histórica e cultural das sociedades Caribenhas não é, portanto, trivial. No

entanto, de acordo com os apontamentos de Mintz, as duas últimas décadas foram marcadas

por um entusiasmo em relação às retóricas da mudança o que fez com que a região do Caribe,

antes desimportante, ganhasse novo status e relevância à medida que termos como

mestiçagem, hibridismo, globalização e crioulização passaram a fazer parte do vocabulário

conceitual antropológico.

O método proposto por Mintz para se pensar as sociedades Caribenhas passa pela

importância que o autor atribui à história na pesquisa antropológica. Ele considera superado o

debate posto pela antropologia cultural que questionava a relevância da história. Apesar de

metodologicamente diferentes, a antropologia e a história se debruçam sobre perguntas de

uma mesma ordem e mantém uma relação íntima. Dessa forma, ele incorpora o colonialismo

no universo empírico como parte da experiência das pessoas. Os indivíduos em interação são

centrais na apreensão dos processos sociais que estão envolvidos nas transformações

históricas da mesma forma que os processos históricos são extremamente importantes para a

compreensão do presente.

No caso do Caribe, Mintz propõe que as transformações ocorridas nessas três ex-

colônias se deram em relação à dois aspectos fundamentais da história dessa região: a

exploração do trabalho escravo e o plantation como sistema de produção. As divergências

histórias entre o colonialismo escravista Britânico, Francês e Espanhol são as chaves para se

entender as distintas características dessas três sociedades. No decorrer de todo o livro, Mintz

oferece observações históricas sobre cada uma das três ex-colônias, somando a elas as

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trajetórias e experiências pessoais dos atores encontrados nos campos etnográficos, chamados

por ele de “little people”, com os quais estabeleceu relações muito próximas.

Porto Rico, Jamaica e Haiti compartilham várias semelhanças que vão dos aspectos

geográficos, do papel que desempenharam em favor do desenvolvimento do poderio europeu

ultramarino, ás semelhanças históricas: todos foram ocupados e povoados por colonos

europeus e escravos africanos; todos tiveram seus povos nativos exterminados pelas doenças e

pela escravidão; em todos houve uma marcante mistura cultural e de raças. Porém, cada um

deles abriga sociedades extremamente distintas, inclusive no que diz respeito ao lugar que a

escravidão ocupa nas suas histórias e na formação demográfica de suas populações. Apesar de

reconhecer a importância do sistema escravista e das relações raciais para a conformação da

história e identidade locais nas três ex-colônias, para Mintz, essas relações não são as

mesmas. A escravidão foi menos importante na história de Porto Rico, por exemplo, o que

evidencia o modelo colonial distinto das colônias Hispânicas no Caribe.

A obra apresenta uma reflexão cuidadosa, aproximando e distanciando as três

sociedades estudadas. Ao passo que na Jamaica e no Haiti a população local se tornou

preponderantemente africana em sua origem ao longo dos séculos, em Porto Rico isso não

aconteceu. Enquanto a Jamaica recebeu imigrantes vindos de lugares como Índia e China, o

Haiti e Porto Rico não fizeram o mesmo. Assim, não apenas a instituição escravista variou em

relação à duração e importância nessas ilhas, mas outros fatores como a composição física,

demográfica, da população local e a influência dos grupos libertos não brancos também

variaram ao longo do tempo, marcando cada sociedade com características distintivas.

Ao pensar o caso de Porto Rico, onde desde o início a população era majoritariamente

composta por descendentes de europeus livres e a aparência física da maioria foi se tornando

cada vez mais mestiça ao longo do tempo, devido à queda da importância econômica dos

escravos, Mintz aponta para as consequências do fenômeno da mestiçagem. Segundo ele, essa

experiência histórica única engendrou relações de raça e atitudes raciais menos conflituosas

em Porto Rico. Aqui, podemos notar uma interpretação da mestiçagem enquanto elemento

decisivo para a suavização dos conflitos raciais nos moldes de Gilberto Freyre.

Dois aspectos chamam a atenção de Mintz ao contrastar as diferenças culturais das três

sociedades: gênero e raça. A maneira como homens e mulheres são percebidos diferem

bastante nas três ex-colônias. Porém, são nas relações de raça que o autor vê as diferenças

mais dramáticas entre Porto Rico, Haiti e Jamaica. Ele vai se debruçar sobre essa questão e

desenvolver uma interpretação acerca do conceito de crioulização para explicar a

heterogeneidade Caribenha. A composição demográfica das raças aparece aqui como um fator

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fundamental para explicar as diferenças entre Porto Rico e as outras duas sociedades. Para

Mintz, a chave para compreensão de Porto Rico está no fracasso Espanhol na construção de

um sistema escravista de plantation do mesmo tipo que vingou nas colônias Britânicas e

Francesas no Caribe no período que vai de 1650 a 1800. Em contraste com a Jamaica e o

Haiti, a economia colonial de Porto Rico, sob o controle Espanhol, não estava baseada no

sistema de plantation. Além disso, a conformação de uma população majoritariamente

descendente de europeus resultou, segundo Mintz, em relações raciais mais cordiais, “less

toxic”, em comparação às outras duas sociedades. Apesar dessa constatação, o antropólogo

afirma que isso não fez com que Porto Rico fosse mais econômica e politicamente igual.

A redefinição do conceito de crioulização permite que Mintz dê sentido as diferenças

descritas entre as colônias Hispânicas e o resto do Caribe. A palavra “crioulo” teve vários

significados ao longo da história. Em oposição aos significados mais comuns da palavra,

Mintz define o conceito crioulização como sendo uma síntese cultural criativa que se deu no

Novo Mundo, “pela qual novas instituições sociais, adornadas com conteúdo cultural

reordenado, foram forjadas para fornecer as bases de um contínuo crescimento cultural” (p.

190). O autor acredita que foram os escravos das plantações coloniais do Novo Mundo que

forjaram essa síntese através de um processo de mudança social que se deu na interação entre

eles e os libertos, incluindo a classe dos Senhores.

Com exceção dos índios nativos, todos os recém-chegados ao Novo Mundo, vindos

das mais diversas regiões, eram culturalmente heterogêneos. Esse ‘repovoamento’ envolveu

basicamente dois grupos diferentes: um minoritário, politicamente dominante, cultural e

linguisticamente homogêneo; e outro numericamente maior, subordinado, culturalmente

heterogêneo entre si e formado por falantes de línguas diversas. Na Jamaica e em Santo

Domingo (Haiti), a grande maioria da população era composta por escravos. Em razão das

terríveis condições em que eles eram mantidos sob o julgo de uma violência atroz, no Caribe,

a mudança social era inescapável. Os habitantes dessa nova terra – tanto escravos como

Senhores – foram obrigados a comer novos alimentos, a se adaptar ao clima tropical, a lidar

com novas plantas e animais e, sobretudo, conviver com pessoas distintas em aparência,

língua e comportamento. Cada sociedade se transformou em uma espécie de “incubadora de

inovação social”.

Segundo Mintz, o processo de Crioulização, enquanto criação de uma nova cultura a

partir das ruínas da escravidão teve lugar em colônias como a Jamaica e o Haiti, mas não em

Porto Rico, pois as bases desse processo – a escravidão e o sistema plantation de produção –

foram fenômenos enfraquecidos na colônia Espanhola. Para reforçar o argumento, o autor

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chama atenção para a relação entre a língua e as relações sociais. Ele acredita que a não

existência de línguas crioulas nas sociedades formadas sob o poderio Espanhol é uma pista

importante para a reflexão sobre a homogeneidade social nesses contextos coloniais

Hispânicos. Da mesma forma que determinadas condições contribuíram para a emergência

das línguas crioulas no Haiti ou na Jamaica, elas também levaram à criação de “culturas

crioulas” nesses territórios.

A crioulização foi, antes de tudo, um ato efetivo de criação por parte dos escravos e

teve consequências similares na Jamaica e no Haiti. Mintz sugere, por exemplo, que um efeito

importante dessas mudanças foi um tipo de modernização. Longe de ser uma mistura passiva

entre culturas distintas, esse processo concretizou um esforço de criação de novas instituições

híbridas e novos significados culturais para substituir aqueles que foram destruídos pela

escravização. Foi uma reação aos terríveis constrangimentos impostos por essa situação e à

concomitante desorganização étnica. Os escravos tiveram que construir coletivamente

instituições sociais no interior do sistema escravista para fazer com que a vida cotidiana

ganhasse algum sentido. A memória do passado era crucial, mas não bastava. As memórias

precisavam ser arranjadas coletivamente através da construção de práticas sociais

compartilhadas que permitissem uma perpetuação cultural. Esse processo de reconstrução, de

atribuição de novos sentidos às atividades cotidianas, foram experiências modernizadoras,

segundo Mintz.

A discussão retomada pelo antropólogo em “Three Ancient Colonies” recupera pontos

fundamentais para a reflexão acerca das ideias de globalização e hibridismo, por exemplo.

Cinquenta anos depois, ao voltar às sociedades onde havia estudado ao longo de sua carreira,

Mintz mostra como a antropologia pode ser uma ferramenta potente ao permitir a exploração

de questões históricas de difícil compreensão. O seu interesse no impacto das dinâmicas

econômicas da sociedade escravocrata e na continuidade das hierarquias sociais baseadas na

raça e nas relações sociais de gênero levaram o antropólogo a formular a ideia de processo de

crioulização como uma importante matriz de compreensão das culturas humanas.

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CASTELO, Claúdia; THOMAZ, Omar Ribeiro; NASCIMENTO, Sebastião (Orgs).

2012. Os outros da colonização: ensaios sobre o colonialismo tardio em Moçambique.

Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. 361 pp.

Luciano Cardenes Santos

Doutorando em Antropologia Social (PPGAS/Unicamp). Bolsista da Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado do Amazonas e pesquisador associado ao Núcleo de Estudos de Políticas

Territoriais na Amazônia (NEPTA/UFAM).

Presente em todo o pensamento ocidental, o colonialismo atua enquanto um discurso

manejado no campo político, sociológico, militar, ideológico, científico e imaginativo (SAID,

1978). Aplica-se sempre que ameaçada a sua sobrevivência, forjando representações culturais

através de forças desiguais e irregulares, expressas na competição pela autoridade política e

social do mundo moderno daqueles que estão no propósito das classificações ocidente/oriente,

civilizado/primitivo – colonizador: português da metrópole, branco do mato – colonizados:

africanos, indígenas, árabo-mulçumanos, sino-moçambicanos, sino-asiáticos, sino-africanos,

coolies, chineses, indianos.

Ao tomar essas classificações como matéria-prima, o pós colonialismo tem como

elemento fundamental o discurso das minorias, transformando-as em sujeitos operadores da

cultura e da mudança para desnaturalizar o racismo, a pobreza e os processos de dominação

entre nações.

A crítica pós-colonial formula revisões em torno das diferenças culturais, da

autoridade social e da discriminação política, muitas vezes reveladas no interior do

pensamento moderno a partir da desconstrução de estruturas binárias e essencializantes:

gênero, raça, etnia, nacionalismo. (BAHBHA, 1994)

Em sintonia com as reflexões de manifestos pós-colonialistas, o livro Os Outros da

colonização: ensaios sobre o colonialismo tardio em Moçambique merece nossa atenção por

administrar perfis intelectuais, políticos e um material etnográfico histórico-ocular,

instigando-nos ao desafio de ver nos espaços intersticiais a produção, ocultamento e

extermínio de alteridades.

O livro reúne perfis e trajetórias de lá (África Moçambicana) e além mar (Portugal,

Brasil, Estados Unidos). Pensamentos que se incomodam com a memória do colonialismo do

ultramar e do ultramundo, seduzindo-nos à experimentação da viagem pelo mundo

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moçambicano, sobretudo como forma de conhecermos a nós mesmos – cobaias de projetos

similares como o lusotropicalismo de Gilberto Freyre (1940, 1958).

Partindo da leitura desse mundo, o livro reúne uma sensível e criteriosa antropologia

para a leitura de processos recentes de um tardo colonialismo, colocando-nos diante de

testemunhos orais, documentos oficiais e memórias organizadas por olhares sociológicos

atentos aos conflitos e a história de movimentos sociais daquele pedaço da África austral.

Na constelação de pesquisadores, o brilho precioso é realçado pelos artigos de

intelectuais, alguns militantes políticos de destaque e que testemunharam o interior e os

desdobramentos da história mundial em Moçambique. É o que podemos conferir nos textos de

Amélia Neves Souto, Eduardo Medeiros, Isabel Casimiro, João Paulo Borges Coelho, José

Luís Cabaço, Teresa Cruz e Silva, pesquisadores da Universidade Eduardo Mondlane, atores

de círculos de fruição intelectual e agentes políticos nos movimentos sociais de libertação em

contextos pretéritos e posteriores a independência em 1975.

Os artigos estão organizados a partir da ideia de colonialismo tardio - tardo

colonialismo – caracterizado por um conjunto de estratégias mais lentas, fora do tempo e que

tem por objetivo a manutenção da geopolítica e do status do império lusitano, cuja resposta

aos seus críticos e opositores culminou na transformação das antigas colônias em províncias

ultramarinas no ano de 1951.

Ao enfrentar movimentos sociais e grupos nacionalistas, o Estado novo de Salazar e

Marcelo Caetano adotou a estratégia de intervenções tipificadas como sociais, anunciando

projetos desenvolvimentistas para as áreas científicas e tecnológicas, aliando-se a uma postura

antirracista para construção de uma África portuguesa, pluricontinental e multirracial – uma

perspectiva aplicada de 1950 até a revolução dos cravos (1974) e a independência de

Moçambique (1975), uma prática colonial tardia na primeira metade do século XX.

Partindo desse contexto histórico, o livro está estruturado em quatro partes: Estado,

sociedade e produção de alteridades (Parte I), Paradoxos e limites do assimilacionismo em

Moçambique (Parte II), Representações (Parte IV) e; A guerra (Parte IV).

Ao abordar as representações, em termos metodológicos, Penvenne (Capítulo 8) nos

faz lembrar que as imagens também se comunicam e que nelas, podemos ler a história e

perceber as transformações sociais das representações ridicularizadas, sexualizantes e

exóticas, operadas em Lourenço Marques (atual Maputo) e que tentavam se expressar através

de fotografias assimilacionistas e de expressão do sucesso da empresa física colonial do

sólido domínio português.

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Se para o Estado novo a fotografia teve o seu papel, a imprensa moçambicana também

teve suas atribuições para a empresa colonial. Há aqui a revelação de um caráter duplo e que

reflete os interesses do Estado ou a ele associados. Por um lado, disseminam-se um

agrupamento de ideias que se tornam hegemônicas e passam a constituir-se enquanto

ideologia, por outro lado, refletem-se interesses divergentes, podendo coincidir em alguns

aspectos com os do Estado, mas dando origem à produção de ideias de ruptura que podem

integrar utopias, aspecto explorado por Mendonça (Capítulo 9).

No escopo desse tardo colonialismo são notáveis as ações que se estendem à produção

literária dos processos de escolarização, desde o nível de letramento até a educação superior.

Como resposta à crise interna em que o país vivia após a I Guerra Mundial, a adoção de

estratégias que correspondessem culturalmente ao esforço de justificação que a empresa

colonial se via na contingencia de apresentar para assegurar sua permanência nas terras

obtidas revelavam-se uteis. Assim, o espólio da invasão colonial é romanceado e

transformado em direito inalienável por meio da literatura, ou seja, a prática literária passa a

ser vista como um excelente meio para disseminar um conjunto de ideias funcionais a

dominação.

É neste espírito que se criou o Concurso de Literatura Ultramarina, uma reocupação do

território, não apenas físico, mas artístico, filosófico e desportivo, conforme nos mostra

Chaves (Capítulo 10) e Domingos (Capítulo 11) ao analisar o futebol e a cidadania informal, a

mobilidade e a vida pública. Pina-Cabral (Capítulo 12), por sua vez observará na arquitetura

um elemento marcante para perceber essa disputa colonial através da arte e religião.

As reações a essas representações criadas pelo Estado Novo serão o combustível para

os conflitos da década de 1960-1970. No período de guerra (Parte IV), a estratégia colonial

instituiu a africanização dos conflitos, criando a aparência de que as hostilidades sociais eram

oriundas de moçambicanos contra moçambicanos e retirando as responsabilidades do Estado

português, justificando as redes de articulação com a população local e que favoreceram o

sucesso do colonialismo (Ribeiro, Capítulo 13 e Coelho, Capítulo 14).

Sem dúvida uma relevante contribuição do livro está nas referências às alteridades de

diversos grupos e coletivos sociais (Parte I) objeto das políticas assimilacionistas do Estado

novo português (Parte II), com argumentação conceitual no lusotropicalismo - um processo de

miscigenação conduzido pelo português como significante dos significados de outras

alteridades. Assim, a vocação multirracial e poligâmica nos trópicos será pensada como uma

apropriação da poligamia muçulmana – onde o português, por sua ascendência islâmica, será

o agente intercultural da poligamia (Macagno, Capítulo 2).

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É nessa inspiração assimilacionista que serão feitos os projetos de povoamento

agrícola com a população excedente e pobre da metrópole portuguesa (Castelo, Capítulo 1). A

mesma orientação se estenderá a prática pedagógica do letramento da população Tsonga

(Cruz e Silva, Capítulo 4), à formação universitária (Souto, Capítulo 6) e ao trabalho como

tutela do Estado para a assimilação humanista do negro (Cabaço, Capítulo 7). É também

diante dessas ações coloniais que o movimento estudantil utilizará o associativismo para

forjar o seu nacionalismo e, mais tarde, a Frente de Libertação de Moçambique (Casimiro,

Capítulo 5).

Por fim, na medida em que o livro expõe a produção, o ocultamento e extermínio das

alteridades, coloca-nos a pensar acerca das reverberações dessas classificações coloniais no

âmbito do discurso anticolonial e pós-colonial. Afinal, que alteridades permaneceram ocultas

na virada do século XXI, quando as aporias colonizador/colonizado perderam seu valor

heurístico, se é que um dia o possuíram.

REFERÊNCIAS

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Ed. UFMG: Belo Horizonte, 2005. FREYRE,

Gilberto. O mundo que o português criou, Rio de Janeiro, José Olympio, 1940.

______. Integração portuguesa nos trópicos. Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar,

1958.

SAID, Edward. Orientalismo - o Oriente como invenção do Ocidente. Trad. Rosaura

Eichenberg. Coleção Companhia de Bolso. São Paulo: Companhia das Letras, 2007

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GARFIELD, Seth. A luta indígena no coração do Brasil. Política indigenista, a marcha

para o oeste e os índios xavante (1937-1988). Tradução de Claudia Sant’Ana Martins,

UNESP, 2001, 392 p.). [Apresentação Prof. John Manoel Monteiro].

Francisca Navantino P. de Angelo

Indígena do povo Paresí. Historiadora pela UFMT. Mestre em Educação Pública/Instituto de

Educação/UFMT. Doutoranda em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ e como

aluna especial, participou do Curso “Tópicos Especiais em Antropologia Social: Perspectivas

Pós-coloniais sobre o Mundo Lusófono Colonial”, ministrado pelo Prof. John Manuel

Monteiro da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 2012.

Seth Garfield é professor-associado do Departamento de História da Universidade do

Texas, em Austin, Estados Unidos.

O livro traz à luz a luta do povo xavante frente ao processo de ocupação do seu

território no estado de Mato Grosso e às políticas indigenistas adotadas como forma de negar

os seus direitos territoriais, “(...) a partir do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945),

criou um projeto político e um discurso cultural para dominar os grupos indígenas e seus

territórios.” (p. 12).

A história relatada se passa num período em que o estado de Mato Grosso, localizado

na região Centro Oeste, se encontrava isolado dos “progressos” centrais do país, ficando

meramente à mercê das oligarquias locais.

A leitura nos chama atenção pelas revelações sobre a contradição do poder estatal e

das suas ações, às vezes em defesa dos povos indígenas e muitas vezes contra esses povos e

sua cultura.

O livro foi dividido em oito capítulos demonstrando que o autor procurou registrar

também uma pesquisa etnográfica do povo xavante, sua tradição e até alguns rituais, já sob a

pressão de missionários e funcionários do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) com o resultado

de crescentes mudanças sociais e culturais.

Um dos focos “é o envolvimento xavante nas estruturas socioeconômicas e nos

mecanismos culturais que buscavam redefinir sua economia e identidade política. A história

dos xavante pós-contato – assombrada por morte, exílio, perda territorial e violência cultural –

não é exceção à maioria das experiências pós-conquista dos nativos americanos.” (p. 22).

Todo esse processo numa época em que o estado de Mato Grosso era considerado o sertão

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selvagem, com baixa população urbana, visto pelos intelectuais brasileiros como o “eldorado”

a ser explorado e conquistado a qualquer custo. No início da década de 1940, o povo xavante

lutava para dar visibilidade a sua identidade e à legitimidade da sua luta por território.

O livro nos mostra a trajetória dessa luta, com um estado centralizador e com um

governo que implantou o chamado “desenvolvimento econômico” planejando ações de

pacificações do povo xavante, seu confinamento em reservas, uma vez submetido à ordem e

ao comportamento exigido para se tornar um povo de cidadãos brasileiros, cristãos e fiéis à

pátria brasileira.

Os xavante citados neste trabalho são da região denominada Xavantina, de Pimentel

Barbosa, da região de Couto Magalhães, do Batovi, que ocuparam a região de Paranatinga, e

de Parabubure.

Outro processo marcante foi a implantação do projeto Marcha para o Oeste –

Expedição Roncador-Xingu, lançado em l943 pelo Governo Getúlio Vargas que resultou na

criação do Parque Nacional do Xingu, transferindo povos indígenas dos seus territórios

tradicionais. A população de muitas etnias diminuiu em virtude das epidemias que assolaram

as comunidades indígenas.

Toda essa operação foi comandada pelo Coronel Flaviano de Mattos Vanique, e por

Antonio Basílio (Capitão da FAB-Força Aérea Brasileira). Trata-se de uma expedição que

“planejava percorrer 1.800 quilômetros a partir da fronteira noroeste de Goiás-Mato Grosso

até Santarém (PA). Nesse percurso previa-se um acampamento às margens do Rio das Mortes

e uma incursão pela Serra do Roncador, região habitada por índios xavante”.

No tocante a atuação do SPI, o autor revela o espírito que predominava na instituição

frente a situação dos povos indígenas, ora centrado na defesa dos direitos territoriais, ora

determinado pelo governo central.

É neste contexto que o texto sobre a pacificação do sertão de Mato Grosso nos revela

como o SPI, por meio do lema do órgão que era “morrer, se necessário for; matar, nunca”,

atuava conforme os mesmos procedimentos usados para a “atração” do povo xavante como a

de qualquer outro povo nativo.

A forma de “conquista atrativa”, usando a armadilha dos “presentinhos”, não se

diferenciava da dos tempos coloniais, com espelhos e “bugigangas” oferecidas aos indígenas.

Desta forma, o autor nos mostra que as formas acompanham os tempos, mudando apenas os

produtos, mas a metodologia é a mesmo dos tempos de Cabral.

Uma das evidências retratadas no texto é a violência interétnica e os conflitos entre os

indígenas e os invasores. Os primeiros eram reprimidos principalmente no que concerne às

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disputas nas ocupações territoriais e com o apoio do governo para o estabelecimento de

propósitos de retirar os índios de suas terras indígenas.

Essa luta travada pelos indígenas no coração do Centro Oeste sempre foi negada por

historiadores mato-grossenses. A imagem que sempre foi repassada à população de uma

maneira geral foi a de que os índios são agressivos, selvagens e praticam atrocidades contra os

não índios, sem todavia mostrar outro lado da história, as consequências nefastas do contato.

O autor procurou mostrar os xavante depois do contato com os não índios, destacando

o papel das lideranças nesse processo. As divergências ocasionadas pelas disputas políticas

que resultavam em mortes, chacinas e até expulsões dos territórios tradicionais são

destacadas, mostrando a tensão vivenciada por ambas as partes.

Outro ponto fundamental retratado pelo autor é a política de “politicagem” praticada

por funcionários “indigenistas” com os indígenas, gerando situações de clientelismo e

assistencialismo que levavam a privilégios e direcionavam comportamentos de

individualismo e egoísmo. Os valores e princípios indígenas eram discriminados, assim como

a própria cultura indígena.

A ideologia do desenvolvimento da Amazônia tinha como fundo, a “segurança

nacional” com fins de ocupação das terras indígenas e “visava promover a industrialização, a

modernização agrícola e a expansão da infraestrutura” com a suposta finalidade de sanar o

desequilíbrio regional (p.211).

Neste aspecto o autor nos revela as intenções do Estado brasileiro de “desenvolver as

regiões” e promover a integração nacional. “A ideologia da segurança nacional baseava a

defesa do Brasil na industrialização, na utilização eficaz dos recursos naturais e na

“integração nacional”, por meio de extensas redes de transporte e comunicação”. (p. 211).

“Os limites da Amazônia Legal, concebidos segundo critérios sociopolíticos,

expandiram a jurisdição federal sobre o Centro-Oeste: enquanto a definição “clássica” ou

geográfica da Amazônia, empregada historicamente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística, compreendia Amapá, Acre, Roraima, Pará, Amazonas e Rondônia, a Amazônia

Legal ampliava sua área em mais um terço, incluindo as regiões norte de Mato Grosso e

Goiás, além do oeste do Maranhão” (Mahar, 1979 apud Garfield, 2001, p.213).

O autor mostra que a política indigenista sempre esteve vinculada a projetos de

governo com a finalidade de transformar os povos indígenas em “pessoas civilizadas”,

cidadãos, expulsando-os dos seus territórios para expandir a ocupação e o povoamento das

regiões, e a dominação e controle dos povos que ficaram na rota deste projeto

desenvolvimentista. Estes povos têm sido deixados à mercê de acordos e políticas que os

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colocam na dependência de ações assistencialistas tanto por parte do SPI, quanto por políticos

locais.

Pode-se verificar que o autor procura dar destaque ao protagonismo indígena na luta

pelos seus direitos mesmo diante de ameaças e apesar da submissão ao controle do Estado,

tanto do SPI, quanto da FUNAI.

No deslumbre do processo histórico, o autor nos coloca como o surgimento de

municípios como Barra do Garças, Nova Xavantina e Canarana foram criadas a partir da

ocupação de terras e da exploração dos recursos naturais, do desmatamento do cerrado para

dar lugar a pastagens de gado e aos migrantes vindos do sul do Brasil. A consolidação da

Marcha para o Oeste possibilitou esses processos de ocupação.

“Herminio Ometto, industrial paulista e primeiro presidente da AEA [Associação dos

Empresários da Amazônia], foi um “pioneiro” na Amazônia: fundou a fazenda Suiá-Missu, de

seiscentos mil hectares, nas terras xavante de Marãiwatsede em l961, três anos antes do golpe

militar.” (p. 225).

Atualmente, essa terra indígena é alvo de várias batalhas jurídicas e conflitos com

posseiros, invasores e aventureiros que adentraram nesse território com o apoio dos políticos

locais e regionais de Mato Grosso. Lembramos que do ponto de vista legal, a justiça deu

ganho de causa ao povo xavante, ordenando a retirada imediata dos invasores até o dia 06 de

dezembro de 2012.

Garfield nos revela as tentativas de transferência do povo xavante, inclusive para

Minas Gerais por parte dos militares, e a resistência e revoltas que levaram à conquista dos

direitos xavante no que concerne à permanência em seu território.

Apesar das lutas travadas para que os xavante pudessem permanecer nos seus

territórios, o relacionamento entre os indígenas e os “brancos” foi se agravando a medida que

o governo, através de sua política desenvolvimentista, promovia a ocupação e a expansão para

consolidar atividades agropecuárias, e na tentativa de transformar os xavante em

“agricultores”, tentando fazer com que passassem a ocupar pequenos lotes de terras.

Outra contribuição registro do trabalho de Garfield diz respeito à análise do processo

educativo escolar entre os xavante. A presença dos missionários evangélicos e católicos

(salesianos) veio atender à política de civilização e de “integração à comunhão nacional”. O

governo facilitou a entrada nas terras indígenas do SIL (Summer Institute of Linguistics), com

a finalidade de traduzir textos cristãos na língua indígena para a conversão religiosa.

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O trabalho de evangelização era acompanhado pelo monopólio dos atendimentos na

área social e na saúde, e com isso muitas tradições e rituais foram sendo substituídos pelo

modo de vida não indígena.

Destaco o registro do autor sobre a questão da alimentação que foi substituída pelos

produtos industrializados com graves consequências para a saúde do povo xavante.

O livro permite um aprofundamento na história do Mato Grosso e conhecer como as

oligarquias locais promoveram a corrupção, os privilégios e, principalmente, como o

desenvolvimento nunca foi igual para todos os cidadãos.

Garfield esclarece os meandros das relações interétnicas, dos conflitos entre indígenas

e não indígenas, e que nos permite entender como estes processos contribuíram para o

delineamento do modo de ser do povo xavante, que experimentou fases diferenciadas da

história do contato. Trata-se de uma leitura fascinante que nos ajuda a compreender melhor a

história de um povo, e, sobretudo, dos verdadeiros habitantes das terras mato-grossenses.

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PAIVA, Adriano Toledo. Os indígenas e os processos de conquista dos

sertões de Minas Gerais (1767-1813). Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. 1

mapa. 208 p. (História; 13) [Apresentação de Adalgisa Arantes Campos;

Prefácio de Adriana Romeiro.]

Marina M. de Freitas

Historiadora, pela Universidade Federal de Minas Gerais; Mestra em Ciências Sociais, pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e Professora Assistente IV da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais. No segundo semestre de 2012, na condição de aluna

especial, participou do Curso “Tópicos Especiais em Antropologia Social: Perspectivas

Póscoloniais sobre o Mundo Lusófono Colonial”, ministrado na Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP) pelo Prof. John Manuel Monteiro.

Dois padres: um mulato; outro, índio. Através da trajetória desses dois personagens,

Adriano Toledo Paiva conduz o leitor aos sertões do Rio da Pomba e aos meandros da

sociedade mineira entre a segunda metade do século XVIII e os primeiros anos do século

seguinte. Esses sertões constituíram, durante parte dos setecentos, uma barreira natural à

expansão colonial, mas, igualmente, um empecilho aos descaminhos do ouro. Neles vivia um

grande contingente de índios – Coropós, Coroados e Puris – e existiam muitos quilombos. Na

segunda metade do século XVIII, momento em que a exploração aurífera declina, essa região

de fronteira, até então considerada território indígena, será incorporada aos domínios coloniais

e, para tanto, nela seria erigida uma paróquia, a Freguesia do Mártir São Miguel dos Sertões

do Rio da Pomba e Peixe dos índios Cropós e Croatos, unidade administrativa composta por

um aldeamento régio e mais as pequenas aldeias adjacentes. A Freguesia do Rio da Pomba, de

grande extensão territorial, abarcaria a porção sul e central da atual Zona da Mata mineira.

Manoel de Jesus Maria, o padre mulato, filho de Maria Angola e seu senhor, João

Antunes, comanda a Freguesia do Rio da Pomba de 1767, época da sua criação, até o seu

falecimento, em 1811. Antes, no entanto, percorre um longo caminho, pois o mulatismo, a

ilegitimidade de nascimento e o ser alforriado constituíram três empecilhos que dificultaram e

retardaram seu ingresso na vida sacerdotal. Assim, foi preciso esperar por 10 anos, até que,

finalmente, conseguiu do papado a dispensa dos “seus defeitos”. Pouco tempo depois da sua

ordenação, seria criada a referida freguesia, da qual ele se tornou o primeiro vigário.

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Pedro da Motta, índio coroado, inicialmente é um administrado do Guarda-mor

Manoel da Motta Andrade, uma das grandes fortunas das Minas Gerais no século XVIII. O

militar custeia seus estudos, realizados na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de

Guarapiranga, região vizinha ao que depois se tornaria a Freguesia do Rio da Pomba. O índio

Pedro aprende a ler e a escrever, em português e em latim e, mais tarde, após sua ordenação,

retorna aos sertões do seu nascimento para catequizar os índios de sua nação. Entre 1780 e

1784, na condição de sacerdote coadjutor do Padre Manoel de Jesus Maria, atua na catequese

e colonização dos índios do Rio Xopotó, porção da freguesia do Rio da Pomba. Em 1785,

morre precocemente, provavelmente em virtude de doenças contraídas nesse mesmo sertão

onde havia nascido.

Sobre o padre coroado, informa Adriano Toledo Paiva, propagou-se, desde o final do

século XVIII, “o argumento de que o clérigo (...) teria abandonado a batina e retornado às

vivências gentílicas com os que deveria catequizar e civilizar” (p. 92). Entre os que trataram

do assunto, Paiva cita Spix e Martius, observadores da ingratidão do indígena que, apesar de

ser tratado com desvelo pelos colonizadores, fugiu para as matas, retomando seu estado

anterior: “Um índio da tribo dos Coroados foi criado pelos brancos, tornando-se, tão instruído,

que recebeu ordens, e, como Padre, disse missa; mas de improviso, abandonou o estado

clerical, despojou-se da batina e fugiu nu para o mato, volvendo ao seu primeiro modo de vida

nômade” (Spix e Martius, apud p. 93). Paiva dedica algumas páginas do livro a desconstrução

desse argumento, que corrobora a incapacidade dos nativos de viverem no “mundo

civilizado” dos colonizadores, apoiando-se, entre outros documentos, na análise do

testamento do padre índio.

As trajetórias dos padres Manoel de Jesus Maria e Pedro da Motta estão contempladas,

respectivamente, nos dois primeiros dos quatro capítulos do livro. No terceiro capítulo, o

autor trata das transformações ocorridas no espaço e nas comunidades indígenas a partir da

instalação de uma paróquia nos sertões do Rio da Pomba. No quarto e último capítulo, Paiva

ocupa-se da militarização dessa fronteira e das guerras entre índios e não índios,

“intensificadas pelas alterações da política indigenista oitocentista” (p. 33).

O livro, originalmente uma dissertação de mestrado, é resultado de uma pesquisa de

fôlego, da qual fez parte o cotejamento de uma variada e esparsa documentação (paroquial,

cartorária, correspondências, legislação, recenseamentos etc.) depositada no Museu Histórico

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de Rio Pomba, no Arquivo Público Mineiro, nos arquivos eclesiásticos da Arquidiocese de

Mariana e da Paróquia de São Manoel de Rio Pomba e em outras instituições.

A dissertação, intitulada “O Domínio dos Índios”: Catequese e conquista nos sertões

de Rio Pomba (1767-1813), elaborada sob a orientação da Professora Adalgisa Arantes

Campos, foi apresentada, em janeiro de 2009, ao Programa de Pós-Graduação da UFMG

(Universidade Federal de Minas Gerais) e aprovada, conforme parecer da banca examinadora,

“com distinção e louvor”, “em razão da qualidade excepcional do trabalho”.

Adriano Toledo Paiva é autor de diversos artigos publicados em revistas, jornais e

anais de congressos e do livro História indígena na sala de aula, publicado, em 2012, pela

Fino Traço. Em 2013, concluiu na UFMG, sob a orientação da Professora Adriano Romeiro, o

doutorado em História, após a defesa e aprovação da tese intitulada “Aranzéis da tradição”:

conquistadores nos sertões do ouro (1760-1800).

No livro aqui em pauta, Os indígenas e os processos de conquista dos sertões das

Minas Gerais, Paiva analisa os processos coloniais de conquista e governo dos sertões do Rio

da Pomba entre os anos de 1767 e 1813, um tema pouco estudado pela historiografia.

Distingue o trabalho do autor, além da extensa pesquisa documental, o trazer à tona uma outra

história das Minas Gerais, focada em uma região secundária, e a tentativa bem sucedida de

dar visibilidade às populações nativas, priorizando o protagonismo indígena na história do

Brasil colonial e ultrapassando o marco da vitimização dessas populações. Encontramos,

então, índios que aderem à colonização europeia, aceitam viver em aldeamentos e, a partir do

convívio com os não índios, reestruturam aspectos da sua cultura.

A capa do livro traz o rosto de um mulato. A imagem é curiosa e causa um certo

estranhamento, porque na obra não há maiores esclarecimentos sobre a mesma, exceto os

créditos de praxe que sugerem ter sido a mesma desenhada especialmente para a composição

da capa do livro, pelo designer Paulo André Ferreira de Souza. Quem seria o mulato retratado

nessa imagem? Seria uma representação do padre Manoel de Jesus Maria? Não sendo uma

representação do padre mulato, que relação existe entre essa imagem, os indígenas dos sertões

do Rio da Pomba e os processos de colonização dos sertões das Minas Gerais, objeto de

estudo de Adriano Toledo Paiva?

Alguns leitores poderão ficar insatisfeitos com a ausência de explicações para essa

imagem e, ainda, com o fato de muitas das questões elencadas por Paiva permanecerem em

aberto. Outros, talvez, argumentem que algumas das afirmativas, conclusões, apresentadas

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pelo autor não estão justificadas a contento. Essa crítica poderia ser exemplificada por

afirmativas como a que se lê à página 32, na qual o autor afirma que o Padre Manoel de Jesus

Maria “aderiu à carreira eclesiástica como mecanismo de ascensão social na sociedade

setecentista”. Essa ideia é recorrente no livro, no qual Paiva informa que o mulato Manoel

ascendeu socialmente ao tornar-se padre. Contudo, é possível que a argumentação apresentada

pelo autor não seja capaz de convencer a todos os leitores sobre ter sido um projeto do mulato

tornar-se pároco e oferecer-se para trabalhar nos sertões do Rio da Pomba, catequizando

índios, visando apenas ou principalmente a ascensão social.

Ainda que essas imperfeições possam existir, elas não comprometem os méritos do

autor e do seu trabalho, haja vista, é importante repetir, a riqueza da pesquisa documental e a

tentativa bem sucedida de preencher lacunas da historiografia, explorando assuntos ainda

pouco estudados. O livro, além de contribuir para o conhecimento da história dos índios no

Brasil, leva à reflexão e ao desejo de conhecermos mais sobre os sertões mineiros, os seus

habitantes, índios e não índios, e os processos históricos que transformaram as terras dos

Cataguases nas Minas Gerais. Os aficionados pela história mineira terminarão a leitura na

expectativa de outras pesquisas capazes de seguir a importante trilha percorrida pelo

historiador Adriano Toledo Paiva no livro Os indígenas e os processos de conquista dos

sertões de Minas Gerais (1767-1813).

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

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Sob os Céus de Laguna Blanca: Arqueologia e Etnicidade na Puna

Argentina

Brena Caroline B. de S. Miranda –

Graduanda em Arqueologia, Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

Laureline Cattelain.

Graduada em Arqueologia e História da Arte e mestre em Ciência Política, Université Libre

de Bruxelles (ULB).

Yves Dal Canton.

Graduado em Arqueologia e História da Arte e mestre em Arqueologia, Université de Liège

(ULg).

Situada na província de Catamarca no noroeste argentino, a Reserva de Biosfera

Laguna Blanca é um oásis de 973.270 hc encravado na região montanhosa da Puna

meridional.

Desde 1990 o Instituto Interdisciplinário Puñeno, da Universidade Nacional de

Catamarca, atua na região através de projetos arqueológicos e museais visando o

empoderamento e a emancipação da comunidade campesina de Laguna por meio de uma

práxis arqueológica definida como “Socialmente Útil”, preocupada com a produção conjunta

de conhecimento e no posicionamento político junto aos povos originários no objetivo de

restaurar direitos históricos e políticos sobre seus territórios e promover o fortalecimento da

autogestão dos recursos naturais e culturais.

As primeiras escavações realizadas pelo Proyecto Arqueologico Laguna Blanca

permitiram inserir esse assentamento no período Formativo (primeiro milênio D. C) e revelar

um importante posto de administração do Império Incaico, cujas velhas estruturas

remanescentes são hoje reutilizadas e resignificadas pelos atuais 600 moradores da reserva.

As fotos foram produzidas entre novembro e dezembro de 2012 durante o

voluntariado internacional que congregou jovens pesquisadores da Argentina, Brasil, Bélgica

e França.

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Foto 01 Acesso à Laguna Blanca (vista da RP-43). Novembro de 2012. Foto Brena Barros

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Foto 02 Caminho até a zona arqueológica de Piedra Negra. Novembro de 2012. Foto Brena

Barros

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Foto 03 Flanco oriental do nevado de Laguna Blanca (vista a partir dos 3.352 metros).

Dezembro de 2012. Foto Brena Barros

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Foto 04 O quintal de Doña Rosa. Novembro de 2012. Foto Laureline Cattelain

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Foto 05 A lagunense Liliana e suas meninas. Novembro de 2012. Foto Brena Barros

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Foto 06 Desenho de croquis do recinto pré-incaico PIN-07. Novembro de 2012. Foto Yves

Dal Canton.

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Foto 07 Peneiragem do sedimento arqueológico. Dezembro de 2012. Foto Laureline Cattelain.

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Foto 08 Escavação do recinto pré-incaico PIN-07. Novembro de 2012. Foto Brena Barros.

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Foto 09 Vasilha cerâmica marleada. Dezembro de 2012. Foto Laureline Cattelain

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Foto 10 Momento de recreação pós-campo entre o arqueólogo argentino, Gustavo Pisani, e o

pequeno lagunense Camilo, de 5 anos. Dezembro 2012. Foto: Laureline Cattelain.

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Sobre os autores

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Ana Elisa Bersani é formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), em

2010, é mestranda em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP). Com especial interesse nas áreas de Antropologia do Desenvolvimento e da

Ajuda Humanitária, desenvolve pesquisa com ênfase em contextos de crise e pós-desastre.

Tendo realizado pesquisa de campo no Haiti em 2012 e integrado o conjunto de Visiting

Students do MIT Anthropology (Massachusetts Institute of Technology) em Boston, Estados

Unidos.

Alessandro Henrique Cavichia Dias, é licenciado em História pela Fundação Educacional

de Fernandópolis, Bacharel em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho” – Campus de Franca, Mestrando em História pela Universidade Estadual

Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Franca. Bolsista Capes. E-mail:

[email protected]

Caesar Malta Sobreira. Tem doutorado em Filosofia (Psicologia) pela Universidade de

Salamanca e professor de Antropologia na UFRPE, é escritor e membro da Academia

Olindense de Letras, da Academia Maçônica de Letras do Recife, do Instituto Histórico de

Olinda e do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, e autor de Nordeste Semita (São

Paulo: Global, 2010), obra vencedora do Prêmio Nacional Gilberto Freyre. Endereço

eletrônico: [email protected]

Catarina Casimiro Trindade possui licenciatura em Sociologia pela Faculdade de Economia

da Universidade de Coimbra, Portugal, tendo feito a sua pesquisa de monografia sobre

microcrédito e mulheres em Maputo, Moçambique, na área da Sociologia do Trabalho e do

Emprego. Em Maputo, trabalhou como oficial de programas numa ONG feminina para a

promoção e defesa dos direitos humanos da mulher, e mais tarde numa rede de escolas e

centros profissionais, onde desempenhou o cargo de técnica de género. Faz parte da rede de

formadores do Fórum Mulher, rede da sociedade civil que congrega várias organizações

comprometidas com a defesa dos direitos humanos das mulheres e igualdade de género. É

actualmente mestranda do programa de pós-graduação em Antropologia Social da

Universidade Estadual de Campinas, pesquisando associações de poupança e crédito rotativo

também em Maputo, Moçambique, mais especificamente a prática do xitique.

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Diego da Rocha Viana Muniz é etnomusicólogo. Graduado em História em 2014 na UERJ

(Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Autor do livro “Que Swing e esse?! A Formação

do Caldeirão de Ritmos da Axé Music”, em processo de publicação. Baseado na monografia

homônima aprovada com louvor e indicada pra publicação. Pesquisador membro do grupo “O

Som do Lugar e o Mundo” vinculado à UFBA (Universidade Federal da Bahia) desde 2013.

Pesquisador Membro da IASPM – América Latina (International Association of Studies of

Popular Music) – Latin America) desde 2014. e-mail: [email protected]

Francisca Navantino P. de Angelo é indígena do povo Paresí. Historiadora pela UFMT.

Mestre em Educação Pública/Instituto de Educação/UFMT. Doutoranda em Antropologia

Social do Museu Nacional/UFRJ.

Luciano Cardenes Santos é doutorando em Antropologia Social (PPGAS/Unicamp).

Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas e pesquisador associado

ao Núcleo de Estudos de Políticas Territoriais na Amazônia (NEPTA/UFAM).

Marina M. de Freitas é historiadora, pela Universidade Federal de Minas Gerais; Mestra em

Ciências Sociais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e Professora Assistente

IV da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Vítor Queiroz é doutorando do PPGAS (Programa de Pós Graduação em Antropologia

Social) do IFCH-UNICAMP. Bacharel e mestre em História Social também pelo IFCH-

UNICAMP.

Brena Caroline B. de S. Miranda. Graduanda em Arqueologia, Universidade Federal de

Rondônia (UNIR).

Laureline Cattelain. Graduada em Arqueologia e História da Arte e mestre em Ciência

Política, Université Libre de Bruxelles (ULB).

Yves Dal Canton. Graduado em Arqueologia e História da Arte e mestre em Arqueologia,

Université de Liège (ULg).

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Thiago Sampaio. Graduando em História pela Faculdade de Ciências e Letras –

UNESP/Assis.