Revista Terra e Cultura nº 42

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Diretoria:Sra. Ana Maria Moraes Gomes ......................PresidenteSr. Edson Aparecido Moreti ..........................Vice-PresidenteDr. Claudinei João Pelisson .........................1º SecretárioSra. Edna Virgínia C. Monteiro de Melo .......2ºVice-SecretárioSr. Alberto Luiz Candido Wust ....................1º TesoureiroSr. José Severino .........................................2º Vice-TesoureiroDr. Osni Ferreira (Rev.) ................................ChancelerDr. Eleazar Ferreira ......................................Reitor

CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIACENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIACENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIACENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIACENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

EEEEENTIDADE MANTENEDORA:NTIDADE MANTENEDORA:NTIDADE MANTENEDORA:NTIDADE MANTENEDORA:NTIDADE MANTENEDORA:INSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINAINSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINAINSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINAINSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINAINSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINA

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ISSN 0104-8112

TERRA E CULTURA

Ano XXII – nº 42 – Janeiro a Julho de 2006

CONSELHO EDITORIAL

PRESIDENTELeandro Henrique Magalhães

CONSELHEIROSAdalberto Brandalize

Ademir Morgenstern PadilhaDamares Tomasin BiazinDenise Hernandes Tinoco

Elaine Beatriz PedrosoElen Gongora Moreira

Izabel Fernandes Garcia de SouzaJoão Antonio Cyrino Zequi

João JulianiJosé Antônio Baltazar

José Martins Trigueiro NetoJuliana Harumi Suzuki

Lenita Brunetto BrunieraMarcos Roberto Garcia

Maria Eduvirges MarandolaMarisa Batista Brighenti

Marta Regina Furlan de OliveiraMiriam Maiola

Patrícia Martins Castelo BrancoSérgio Akio Tanaka

Thais Berbert

REVISORESJúlio Marcos Secco Delallo

Tadeu Elisbão

SECRETARIABarbara Vilas Boas Gomes

Nathalia Cristina Fernandes Ribeiro Morato

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃOWagner Werner

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R349 Revista Terra e Cultura: cadernos de ensino e pesquisa, v.1, n.1, jan./

jun., 1985- . – Londrina: UniFil, 1985.

Semestral

Revista da UniFil – Centro Universitário Filadélfia.

ISSN 0104-8112

1. Educação superior – periódicos. I. UniFil – Centro UniversitárioFiladélfia

CDD 378.05

Bibliotecária responsável Thais Fauro Scalco CRB 9/1165

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FILADÉLFIA

REITOR:Dr. Eleazar Ferreira

PRÓ-REITOR DE ENSINO DE GRADUAÇÃO:Prof. Jose Gonçalves Vicente

COORDENADORA DE CONTROLE ACADÊMICO:Josseane Mazzari Gabriel

COORDENADORA DE AÇÃO ACADÊMICA:Profª. Damares Tomasin Biazin

PRÓ-REITOR DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO:Prof. Nardir Antonio Sperandio

COORDENADOR DE PROJETOS ESPECIAIS E ASSESSOR DO REITOR:Prof. Reynaldo Camargo Neves

COORDENADOR DE PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS:Prof. Leandro Henrique Magalhães

COORDENADORES DE CURSOS DE GRADUAÇÃO:

Administração Prof. Luís Marcelo MartinsArquitetura e Urbanismo Prof. Ivan Prado JuniorBiomedicina Prof. Eduardo Carlos Ferreira TonaniCiências Biológicas Prof. João Antônio Cyrino ZequiCiências Contábeis Prof. Eduardo Nascimento da CostaDireito Prof. Osmar Vieira da SilvaEducação Física Prof. Pedro Lanaro FilhoEnfermagem Profª.Maria Lúcia da Silva LopesFarmácia Profª.Lenita Brunetto BrunieraFisioterapia Profª. Suhaila Mahmoud Smaili SantosNutrição Profª. Ivoneti Barros Nunes de OliveiraPedagogia Profª. Marta Regina Furlan de OliveiraPsicologia Profª. Denise Hernandes TinocoSecretariado Executivo Profª. Izabel Fernandes Garcia SouzaSistema de Informação Prof. Adail Roberto NogueiraTeologia Prof. Joaquim José de Moraes NetoTurismo Profª. Michelle Ariane Novaki

Rua Alagoas, nº 2.050 - CEP 86.020-430Fone: (0xx43) 3375-7400 - Londrina - Paraná

www.unifil.br

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EDITORIAL

Estamos trazendo a público a edição 42 da Revista Terra e Cultura.Mantendo nossa linha editorial, a revista está dividida em núcleos de pes-quisa, respeitando a estrutura definida pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação – PROPG e aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Exten-são – CONSEPE. Assim garantimos a característica institucional do periódi-co, que se qualifica como instrumento de divulgação da produção científicanos diversos campos de conhecimento, organizado de forma a certificar queas respectivas áreas sejam respeitadas, assegurando a unidade interna darevista. Nesta edição ampliamos nosso conselho editorial, visando maior agi-lidade para os avaliadores, além de manter a qualidade dos artigos encami-nhados e publicados.

No Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ciências Sociais Aplicadas –NEPCSA, temos dois artigos, um que trata de uma proposta para o ensino dehebraico voltado para alunos de cursos de graduação em Teologia, e outrovinculado à discussão acerca do patrimônio, de caráter interdisciplinar e deinteresse para estudiosos de turismo, arquitetura e urbanismo, história eafins. Na área empresarial, vinculada ao Núcleo de Estudos e Pesquisas emDesenvolvimento Tecnológico e Empresarial – NEPDTE temos artigos quetratam de objetos variados, como a importância do investimento em gestãode vendas, a administração hospitalar, que interessa também aos profissio-nais de saúde, e um trabalho que aborda o setor supermercadista.

O Núcleo de Estudos e Pesquisas Educacionais – NEPE apresenta arti-go que trata da importância do teatro de fantoches como recurso para pro-fessores que atuam no ensino fundamental. Há ainda um trabalho que ex-plica o funcionamento da brinquedoteca da UniFil, escrito por um profissio-nal da área que participou da sua organização. Por fim, temos uma discus-são fundamental para a construção da identidade brasileira, sobre a etniaMalê no Brasil. O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Saúde e Qualidade deVida – NEPSV está representado com dois artigos, um da área de saúdecoletiva, que trata do perfil dos conselheiros municipais de saúde do Municí-pio de Bandeirantes-PR, e outro da área de psicologia, no qual a autora fazuma análise do filme As Pontes de Madison.

Finalizando, o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Arquitetura e Urba-nismo – NEPAU está representado com dois estudos: o primeiro aborda aarquitetura em uma sociedade de risco e o segundo trata da importância deum programa de gerenciamento de resíduos de laboratório, tendo como es-tudo de caso o Instituto Filadélfia de Londrina – IFL.

Desejamos a todos uma boa leitura, já no aguardo das colaborações paraas edições futuras.

Conselho Editorial

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S U M Á R I O

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAISAPLICADAS – NEPCSA

PROPOSTAS PARA UM ENSINO DE HEBRAICO CONSOANTE COM OPERFIL DO ALUNO DE TEOLOGIA........................................... 13

SUGGESTIONS FOR THE TEACHING OF HEBREW IN ACCORDANCE WITH THE PROFILEOF THE THEOLOGY STUDENTMaria Youssef Abreu

CONSIDERAÇÕES SOBRE PATRIMÔNIO H ISTÓRICO ECULTURAL .......................................................................... 2 5

CONSIDERATIONS ON THE HISTORICAL AND CULTURAL PATRIMONYIsabela CruciolJuliana Harumi Suzuki

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EMDESENVOLVIMENTOTECNOLÓGICO E EMPRESARIAL-NEPDTE

A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DE INVESTIMENTOS NA GESTÃO DEVENDAS .................................................................................. 39

THE IMPORTANCE OF INVESTMENT ANALYSIS IN SALES MANAGEMENTCarlos Eduardo ZawadzkiPaulo MoroLuís Marcelo Martins

OS NOVOS TEMPOS DA COMUNICAÇÃO E DO RELACIONAMENTONO SETOR SUPERMERCADISTA ............................................. 46

THE NEW TIMES OF COMMUNICATION AND RELATIONSHIPS WITHIN THESUPERMARKET BUSINESSAislan Ribeiro Greca

A MODERNA ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR............................. 56MODERN HOSPITAL MANAGEMENT

André Marcel Mariano da SilvaAdalberto Brandalize

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EDUCACIONAIS - NEPE

TEATRO DE FANTOCHES: VALIOSO RECURSO NAS MÃOS DO PRO-FESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL ...................................... 71

PUPPET THEATER: VALUABLE AID IN THE HANDS OF PRIMARY EDUCATION TEACHERMaria Cristina Anzola Alexandre

MALÊS: UMA PASSAGEM A SER CONCRETIZADA...................... 85THE MALÊ: A PASSAGE STILL TO BE ACHIEVED

Agnaldo Kupper

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B R I N Q U E D O T E C A : O B J E T I V O S , O R G A N I Z A Ç Ã O EC L A S S I F I C A Ç Ã O .............................................................. 9 4

TOY ROOM: OBJECTIVES, ORGANIZATION AND CLASSIFICATIONKarina de Toledo Araújo

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM SAÚDE E QUALIDADE DEVIDA - NEPSV

PERFIL DOS CONSELHEIROS MUNICIPAIS DE SAÚDE DEBANDEIRANTES-PR ........................................................... 113

PROFILES OF THE MUNICIPAL COUNSELORS OF BANDEIRANTES, STATE OF PARANÁSimone C. Castanho S. de MeloMaria Lúcia da Silva LopesMaria José GaldinoPaula Sitta

UMA DISCUSSÃO DO FILME THE BRIDGES OF MADISON COUNTYDE ACORDO COM A ANÁLISE COMPORTAMENTAL .............. 120

A DISCUSSION ON THE FILM The Bridges of Madison County, ACCORDING TO ABEHAVIORAL ANALYSISJocelaine Martins da Silveira

NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ARQUITETURA E URBA-NISMO- NEPAU

ARQUITETURA E SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE DERISCO .................................................................................129

SUSTAINABILITY AND ARCHITECTURE IN THE RISK SOCIETYAntonio Manuel N. Castelnou

IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE GERENCIAMENTO DERESÍDUOS DE LABORATÓRIO NO INSTITUTO FILADÉLFIA DELONDRINA ............................................................................ 142

IMPLEMENTATION OF A PROGRAM FOR THE MANAGEMENT OF LABORATORY WASTESIN THE INSTITUTO FILADÉLFIA DE LONDRINAMirian Ribeiro AlvesSuzana Mali

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA EM CIÊNCIASSOCIAIS APLICADAS – NEPCSA

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PROPOSTAS PARA UM ENSINO DE HEBRAICO CONSOANTE COMO PERFIL DO ALUNO DE TEOLOGIA

Maria Youssef Abreu*

RESUMO O ensino da língua hebraica apresenta dificuldades particulares no

âmbito do ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras. Uma destas difi-culdades, e, certamente a maior de todas, é a distância que a língua hebraicaapresenta em relação à língua materna do aluno, o português. O objetivodeste artigo centra-se na apresentação de algumas propostas para um ensi-no da língua hebraica, fundamentado nos pressupostos teóricos e práticosda Língüística Contrastiva, em concordância com as necessidades específicasdo aprendiz de Teologia.

PALAVRAS CHAVES: Lingüística; Ensino de Línguas; Língua Hebraica.

ABSTRACTThe teaching of Hebrew presents peculiar difficulties in the context of

the teaching/learning of foreign languages. Certainly the major difficulty isthe distance between Hebrew and Portuguese, the mother tongue of thestudent. The goal of this work is to present a few suggestions for the teachingof the Hebrew language based on the theoretical and practical presuppositionsof contrastive linguistics, in accordance with the specific needs of the theologystudent.

KEY WORDS: Linguistics; Language Teaching; Hebrew Language

1. IntroduçãoÉ normal que haja dificuldades no processo de aprendizagem de uma

língua estrangeira (LE), especialmente quando se trata de uma língua quedista muito da língua materna dos aprendizes. O presente artigo descreve,passo a passo, as partes principais de um projeto de pesquisa de doutorado,que tem como objetivo principal o estudo contrastivo de dificuldadesidentificadas no processo de aprendizagem do hebraico por parte de alunosdo curso de Bacharel em Teologia.

O hebraico é uma língua semítica, e como tal apresenta estruturaslingüísticas (fonéticas, morfológicas, sintáticas e semânticas) sem equiva-lência alguma no português, língua materna (LM) dos aprendizes. O hebraicose denvolveu no Oriente Médio, na região da Palestina, na metade do segun-do milênio antes de Cristo. No relato bíblico de II Reis 18: 26 e 28, estalíngua é denominada yehudite; no período helenístico, os historiadores refe-riam-se a ela através do termo grego hebraios (Josefo, 1980); já no período doimpério romano, era conhecida como ivrit (hebraico).

O alfabeto hebraico possui características que refletem elementos re-lacionados à história e à cultura de seus falantes: os judeus. Os caractereshebraicos recebem o nome de quadráticos, devido ao formato retangular dasconsoantes. Também são conhecidos por ashurith (assírio), pois os judeuspassaram a utilizá-lo durante e depois do cativeiro babilônico (antiga Assíria),aplicando este alfabeto a sua antiga escrita hebraica, (Kerr, 1980).

* Professora de Hebraico do Curso de Teologia da UniFil. Mestre em Estudos da Linguagem com área deconcentração em Linguística. E-mail: [email protected]

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Os caracteres do alfabeto hebraico constituiem-se de vinte e duasconsoantes,escritas da direita para a esquerda, { t v f q r q c p [ s n m t v f q r q c p [ s n m t v f q r q c p [ s n m t v f q r q c p [ s n m t v f q r q c p [ s n ml k y x z h d g l k y x z h d g l k y x z h d g l k y x z h d g l k y x z h d g }, dentre estas consoantes, há um grupo de cinco letras{ p m n c k p m n c k p m n c k p m n c k p m n c k } que apresentam um tipo de grafia diferente e que são usadasno final da palavra (sofiot) { @ @ @ @ @ !!!!! # ^ # ^ # ^ # ^ # ^ }; há, também, um grupo de seis letras { tptptptptpk d gk d gk d gk d gk d g } marcadas por um ponto (.), com o nome de daguesh lene que tem afunção de alterar a pronúncia das letras. As consoantes sin {vvvvv} e shin {fffff}representam variantes de um mesmo fonema e sua grafia é diferenciadamediante a colocação de um ponto diacrítico no lado direito ou no lado es-querdo da letra; há outras letras que se confundem por apresentar grafiassemelhantes, como por exemplo:{ t t, nt t, nt t, nt t, nt t, n z w g, d r e c [z w g, d r e c [z w g, d r e c [z w g, d r e c [z w g, d r e c [ }, etc. Ainda háque se dizer que, existem diversas consoantes que não possuem equivalên-cia fonética com as da língua portuguesa, dentre as quais se destacam asconsoantes guturais { t h r t h r t h r t h r t h r } que representam fonemas tipicamente semitas,com ponto de articulação na região glotal da faringe.

Originalmente, não existiam vogais no hebraico, somente as três conso-antes vav, he e ’alef { w w w w w hahahahaha} eram utilizadas para funcionar com os sons de [a][i] e [o], as matres lectionis, termo de origem latina que significa “mãe daleitura,” e que tinham a função de “guiar” o escriba durante a leitura detextos na sinagoga. Mais tarde, porém, no período Medieval, entre osséculos VI e XV d. C., surgiram os sinais massorérticos, sistemas de vocalizaçãoinventados pelos massoretas, tradicionais gramáticos da língua, que substi-tuíram os antigos escribas dos templos bíblicos. Dentre os vários sistemasvocálicos desenvolvidos, o de Tiberíades foi o que alcançou maior êxito porapresentar uma pronúncia mais aproximada daquela falada pelos antigosjudeus, e terminou por suplantar os demais sistemas, tornando-se o únicoadotado até os dias de hoje. Consiste de dez sinais diacríticos colocadosembaixo, encima e do lado das consoantes, para representar os sons vocálicos,a saber: cinco vogais longas, cinco vogais breves; uma semivogal simples(shevá), que é combinada com três vogais breves, formando três semivogaiscompostas (hateps). Assim, a invenção dos signos vocálicos, tornou cadajudeu apto para ler os textos bíblicos. Observe-se, abaixo, o exemplo deescrita plena, com o uso das consoantes vocálicas e da escrita defectiva, em-pregando os sinais vocálicos:

Escrita Plena:UX@D Z@E MINYD Z@ MIDL@ @XA ZIY@XA

GEXE MEDZ IPTLR JYGE EDAE EDZ DZID UX@DEMIND IPTLR ZTGXN MIDL@

Escrita Defectiva::U £X ¡@ ¡D Z ¤@ ¥ E M ¦ I ¢ N ¡y ¢D Z ¤@ MI ¦D «L ª@ @ ¡X ¡d ZI ¦[@ ¤X ¥d M]D ¥Z I ¤ P ¥s-L ¢R a £[ «G ¥ E hD «A ¡ E hD «Z D ¡Z ¥ I ¡D U £X ¡@ ¡D ¥ E

:M ¦ I ¡ o ¢D I ¤ P ¥s-L ¢R Z £T £G ¢X ¥N MI ¦D «L ª@ ¢GhX ¥ E

A decodificação das vinte e duas consoantes do alfabeto hebraico e suascaracterísticas, assim como do complexo sistema vocálico, constitui umaparte representativa no primeiro momento do aprendizado.

O conjunto das diferenças lingüísticas entre o português e o hebraicoprovocam, à primeira vista, um enorme impacto no aluno iniciante. Esta

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problemática passa a ter uma dimensão ainda maior devido a ausência totalde material didático adequado, com estratégias metodológicas específicas eexercícios diferenciados que possam dirigir-se às necessidades e objetivosdos alunos.

Como professora de hebraico do Curso de Bacharel em Teologia do Cen-tro Universitário Filadélfia - UniFil, é possível entender que o curso, emseu estatuto pedagógico, privilegia a diversidade e a pluralidade de religi-ões, possibilitando a formação de profissionais que atuarão em instituiçõesreligiosas, na qualidade de pastores, padres, professores e leigos nos pro-cessos educacionais, bem como pessoal qualificado de nível superior para aeducação contínua nos níveis da Pós-graduação.

Como decorrência destes objetivos gerais propostos no âmbito desse cursoe, ainda, de seu reconhecimento junto ao Ministério de Educação e Cultura,o perfil dos alunos que ingressam no curso, incorpora diferentes caracterís-ticas. Destaca-se abaixo uma relação de algumas destas características per-cebidas no primeiro ano:

• a faixa etária dos alunos que ingressam no curso varia entredezenove a cinquenta e cinco anos;

• cinquenta e cinco por cento dos alunos são do sexo masculino equarenta e cinco do sexo feminino;

• a comunidade se constitui de um público formado por pessoasque buscam capacitação profissional para o exercício de ministéri-os variados: pastoral, música, dança, aconselhamento, missões,capelania, ensino, etc;

• parte dos aluno alunos já está no exercício de atividades religio-sas e busca no curso o preparo para a ordenação;

• um grupo reduzido dos alunos são profissionais (advogados, en-genheiro e professores etc), e buscam conhecimentos afim de pre-parar-se para atividades ligadas ao ensino;

• um número expressivo de alunos faz opção pelo curso com oobjetivo de entender melhor a Bíblia e fazer um curso de nívelsuperior;

• há um grupo de mulheres e homens com segundo grau, queparou seus estudos e que retornou, após um longo período, parafazer esse curso.

Diante do quadro que descreve o perfil do aluno que ingressa no cursode Teologia pode-se afirmar que uma porcentagem muito reduzida de alunostêm conhecimento de uma língua estrangeira, como o inglês ou o espanhol,o que significa, entre outras coisas, uma falta de familiaridade com o apren-dizado de línguas estrangeiras.

O ensino do hebraico nos cursos de Teologia caracteriza-se pelo apren-dizado instrumental da língua, e tem o objetivo de possibilitar ao aluno oaprendizado de estruturas gramaticais básicas da língua e cultura, com afinalidade de utilizar materiais como léxicos analíticos, comentários, dicio-nários e outros, além da aplicabilidade destes conhecimentos na práticapastoral. A disciplina, com carga horária de 70 h/a anuais, é ministrada noprimeiro ano e está inserida entre as disciplinas nucleares do curso.

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2. JustificativaAs características do processo de ensino-aprendizagem de línguas es-

trangeiras, tem sido tema de investigações já há muitos anos. São muitos osfatores apresentados que colaboram para que o ensino de línguas estrangei-ras não aconteça do modo como gostaríamos. O contexto de ensino-aprendi-zagem da língua hebraica não é diferente. As dificuldades parecem maio-res do que ocorrem com outras línguas devido a vários fatores, a saber:salas de aula com número elevado de alunos, professores sem preparo ade-quado, alunos desmotivados, carga horária reduzida e, quase nenhumainvestigação que vise a proporcionar melhorias nesta área. Todavia, nenhu-ma destas dificuldades parecem maiores diante da particular escassêz delivros didáticos adequados e disponíveis para o uso de professores e alunosno que se refere a este idioma.

O livro didático (LD) sempre foi uma questão problemática, pois costu-ma apresentar diversas inadequacões quer no que se refere a correção dasinformações que veicula, ou aos aspectos formais de apresentação. Estetema tem sido alvo de pesquisas desenvolvidas em vários programas dePós-graduação em Estudos da Linguagem no Brasil e já foi, anteriormente,estudado por C.Fries (1945) e R.Lado (1973), no contexto de outros contex-tos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Fries ponderou emseus estudos que a elaboração de LDs ajustados às necessidades dos alu-nos seriam mais eficientes, se partissem de uma descrição científica dalíngua materna cuidadosamente comparada à descrição da língua estran-geira em questão.

Os LDs utilizados no ensino do hebraico para aprendizes brasileiros emcursos de Teologia são bastante reduzidos. Dentre estes, destacam-se osdois mais conhecidos: o primeiro é uma gramática clássica intitulada “No-ções de hebraico Bíblico,” de Paulo Mendes, que funciona como um estudoauto-didático, que traz exercícios com enunciados explicativos e respostas àmargem da página; a segunda, é a gramática “Hebraico Bíblico: uma Gramá-tica Introdutória,” de Page H. Kelley, a qual oferece um tratamento maisdetalhado e amplo da gramática da língua que a obra antes citada. No en-tanto, nos materiais destacados, observa-se a ausência de vários pontossignificativos, por se tratar do ensino e aprendizagem de uma língua estran-geira, os quais ressaltamos, abaixo, que:

1- nem uma nem outra apresentam quadros contrastivos de con-teúdos gramaticais entre o português (LM) e o hebraico (LE), sali-entando, portanto, diferenças e semelhanças entre os dois idio-mas;

2- não há exercícios específicos e explicações que considerem asdificuldades dos alunos de fala portuguesa, nem exercícios sufici-entes para o treino ortográfico de consoantes e vogais;

3- há uma total ausência de notas explicaticas no que concerne asituações relacionadas aos diverssos elementos culturais intrín-secos ao processo de ensino desta língua em relação à variantebrasileira do português.

Diante destas observações sobre o ensino-aprendizagem da línguahebraica, voltamos nossa atenção para uma área do conhecimento que mui-to tem contribuído para a compreensão dos problemas existentes no ensinode línguas estrangeiras: a Linguística Contrastiva. Considerando que, asrelações existentes entre as estruturas gramaticais da língua materna(LM) do aprendiz e as da língua estrangeira alvo, apontam diferenças e se-

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melhanças entre ambas, a Linguística Contrastiva influi positivamente noensino-aprendizagem da língua estrangeira, na medida em que expõe asestruturas que oferecem dificuldade e aquelas que apresentam, pelo menoshipoteticamente, facilidades, devido a similaridade com a língua materna.Este tipo de abordagem permite ao professor intervir no processo mediante ouso de estratégias que auxiliam os aprendizes em suas necessidades espe-cíficas.

Para compreender melhor o que tentamos dizer, vejamos um exemplo: ohebraico faz uso de um sistema vocálico formado por dez vogais cheias, sen-do cinco longas e cinco breves e, uma semivogal simples e três semivogaiscompostas. A semivogal ou meia-vogal se caracteriza por representar umsom indefinido e “apertado,” pois equivale ao som de uma vogal cheia que foiabreviada, por razões fonéticas ocorridas no interior da palavra. Observe-seo quadro comparativo equivalente às vogais da língua portuguesa e às vogaisda língua hebraica:

Como o sistema vocálico da língua portuguesa segue uma estruturadiferente do hebraico, o aprendiz brasileiro terá que aprender dois sinaisgráficos equivalentes a cada vogal de sua LM, além das as semivogais. Alémdo caso apresentado no exemplo, existem várias diferenças entre os doissistemas linguístico em questão, que ocorrem na rotina da sala de aula e, oque ocorre é justamente o exposto por Fernández (2004, p. 9), ou seja, oprofessor busca na LM do aprendiz o elemento equivalente e a partir deste,tece explicações de como a língua estrangeira trabalha com este equivalen-te em sua realidade e com seu funciomamento estrutural peculiar. A LM,assim, funciona como ponto de partida para chegar a um entendimentosatisfatório dos conteúdos da língua objeto de estudo. Portanto, a LM doaluno é a ponte para se chegar à língua estrangeira.

A Linguística Contrastiva, em suas contribuições teóricas e práticas,oferece recursos que possibilitam a comparação sistemática em todos osníveis da língua: fonético, morfológico, sintático, léxico-semântico, pragmá-tico e discursivo. No que concerne à comparação de dois sistemas de vocabu-lário, Lado (1975) sugere quatro aspectos pontuais das palavras, os quais épossível se estabelecer relações contrastivas: (1) na forma, (2) no significa-do, (3) na distribuição e (4) na cultura.

No ensino do hebraico, cuja a ênfase está na forma da língua, que con-siste, às vezes, em esforços concentrados na metalinguagem, o estudo dapalavra ocupa um lugar de destaque, exigindo, então, que se faça uma via-gem pelo interior e pelo exterior da mesma (Ferreira, 1985). Pelo interior,decompondo as suas partes constituintes, as unidades mímimas de conteú-do como sufixos, prefixos, flexões de gênero, número etc; pelo exterior, estu-dando as possibilidades semânticas que adquirem em novos contextos e com-

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preendendo os aspectos da visão de mundo do falante oriental que se apre-sentam semânticamente impregnados no vocabulário da língua.

Um outro exemplo que assinalamos, mesmo que de modo superficial, dizrespeito ao nível léxico-semântico, que possibilita o contraste das unidadeslexicais no contexto em que estão inseridas as duas línguas envolvidas: noléxico hebraico, a maioria das palavras possuem um radical constituído portrês consoantes, o (radical triconsonantal), que confere à palavra uma gamade sentidos sem igual. Na palavra paz, shalom, o radical é formado pelo triode consoantes SH-L-M cujo significado na língua portuguesa é conhecido porpaz.

Todavia em torno da raíz SH-L-M, da palavra shalom, residem na lingua-gem, no pensamento e na própria realidade do falante judeu, os significadosde integridade, no sentido físico; saúde, (fórmula universal de saudação),normalidade; salvação, no sentido de “sair são e salvo;” submissão, aceitaçãode boa ou má vontade; conclusão de um assumto, paz, etc. A comparação dosentido que as palavras possuem entre os dois códigos linguísticos adquireuma enorme importância para a aprendizagem da língua na medida em queproporciona uma maior compreensão da mentalidade do falante da línguaestrangeira (LE) para o aprendiz brasileiro.

Com o apoio dos pressupostos teóricos e práticos proporcionados pelaLinguística Contrastiva (LC), portanto, propomos uma pesquisa que visa o es-tudo contrastivo das dificuldades verificadas no processo de aprendizagembásica do hebraico por brasileiros estudantes de Teologia, incorporando umestudo lexicográfico do cerimonial judaico no Antigo Testamento, que atendaàs necessidades dos aprendizes, podendo ser utilizado nas aulas de língua.

3. Referencial TeóricoA Linguística Contrastiva (LC) é uma subárea da Linguística Aplicada,

preocupada com os efeitos que as diferenças existentes entre a estrutura deuma língua materna (M) produz na aprendizagem de uma língua estrangei-ra (LE). Tem por objetivo ressaltar semelhanças e diferenças estruturaisexistentes entre as duas (ou mais) línguas, destacando as estruturas queoferecem dificuldade e as estruturas que apresentam facilidade para osaprendizes.

Como área do conhecimento com ênfase na pedagogia de línguas es-trangeiras, historicamente, a Linguística Contrastiva se situa durante edepois da Segunda Guerra Mundial, estimulada pelas necessidades geradaspela mesma. Teve grande aceitação até finais dos anos 60, e por isto, osestudos e os pressupostos teóricos deste período são conhecidos como “ver-são forte” da Linguística Contrastiva ou, simplesmente “Análise Contrastiva.”

A Línguística Contrastiva tem duas vertentes: uma teórica e outra prá-tica. A vertente teórica se detém no conceito de universais linguísticos, como objetivo de oferecer condições para uma reflexão sobre como cada catego-ria universal funciona em cada língua em questão (Durão, 2004 p.3). A ver-

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tente prática contribui para o processo de ensino-aprendizagem de línguasestrangeiras. A vertente prática da Linguística Contrastiva se subdivide emdois modelos teóricos e um campo de pesquisas sobre a interlíngua, os quaisque foram se sucedendo, a saber: o Modelo de Análise Contrastivo (AC), oModelo de Análise de Erros (AE) e as Análises de Interlíngua (Durão, noprelo).

Os estudos com a finalidade de estabelecer contrastes linguísticos nãosão recentes. Há registros que informam a existência de uma publicaçãocom data de 1892, de H. Grandgent, que estuda o sistema fonológico dalíngua inglesa em contraste com a língua alemã (James, 1983). Ainda, deacordo com Gargallo (1993, p. 41), Whorf, em 1941, cunhou um termo ade-quado para agrupar uma série de estudos teóricos realizados no períodoentre o final do século XIX e início de século XX. Refere-se das pesquisas deVietor (1894), Passy (1912), J. Baudoin de Courtenay (1912), e Bogorodicking(1915), entretanto, o marco histórico que certificou o surgimento daLinguística Contrastiva como disciplina científica foi a publicação de LinguisticsAcross Cultures, de Robert Lado, em 1957. O livro de Lado, segundo o pensa-mento de alguns, fora influenciado por idéias provenientes da leitura deoutros dois livros, que tratam sobre questões relacionadas ao bilinguismonos Estados Unidos: o primeiro é o livro de Weinreich (1953) e o segundo é olivro de Haugen (1956).

3.1. Os Modelos de Análise da Linguística Contrastiva3.1.1 O modelo de análise contrastiva.

O modelo de Análise Contrastivo foi o primeiro que se desenvolveu noâmbito da Linguística Contrastiva. O modelo foi idealizado por de Charles C.Fries, ao afirmar, em seu livro Teaching and Learning as a Foreing Language,em 1945, que os materiais para o ensino de línguas estrangeiras deveriamfundamentar-se em uma descrição científica da língua materna e da línguaestrangeira alvo. Valendo-se deste postulado de Fries, o pesquisador RobertoLado desenvolveu uma metodologia prática para o Modelo de AnáliseContrastiva, com idéias do Estruturalismo linguístico e da Psicologiacomportamentalista, instituindo, assim, o modelo.

Em seu trabalho publicado em 1957, Roberto Lado concluiu que o apren-diz, ao deparar-se com uma língua estrangeira, logo percebe que a existên-cia de algumas estruturas nesta língua são mais fáceis e outras, suposta-mente, são mais difíceis. E ainda mais: que as estruturas da língua estran-geira parecidas com as da língua materna são mais fáceis e as estruturasdiferentes são mais difíceis. Seguindo esta perspectiva, R. Lado definiu quea função básica do Modelo de Análise Contrastivo era estabelecer, de modosistemático, o contraste entre as duas línguas em questão, ou seja, identifi-car quais estruturas causariam dificuldade e quais estruturam não a cau-sariam.

A idéia firmada no pressuposto de que através do contraste entre agramática da língua materna e da língua estrangeira era possível predizeros erros dos aprendizes, constitui o propósito central central da primeiraversão do modelo de Análise Contrastivo, conhecida por Versão Forte ouVersão Preditiva.

Mais tarde, os pressupostos da Versão Forte do modelo foram alteradosdepois da constatação de Wardhaugh (1970) de que as pesquisas fundamen-tadas nesta versão, apresentavam diversas limitações por se basearem tãosomente nas gramáticas das línguas e não consideravam a produção oral e

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escrita dos aprendizes. Wardhaugh, assim, propôs outra versão para o mode-lo, a qual denominou Versão Fraca, que privilegiava a produção linguística doaprendiz como base de dados para as análises. A Versão Fraca tambémrecebeu o nome de Versão Explicativa.

3.1.2 Limitações do modelo ACO modelo de Análise Contrastivo, inicialmente, foi considerado perfei-

tamente adequado para a realização de pesquisas, mas na década de ses-senta recebeu várias críticas por parte dos teóricos que identificaram nestemodelo diversas limitações. Entre as observações dirigidas ao modelo, des-tacam-se três feitas por Durão (2004, p.15):

1. o trabalho de Chomsky contra a base teórica do modelo de A C. Abase teórica do modelo de AC que fundamenta-se na teoriacomportamentalista de aquisição linguística, a qual consideravaque a aquisição/aprendizagem de línguas se realizava mediante omecanismo estímulo- resposta-recompensa. Com o advento doGerativismo, Chomsky declara que a aquisição/aprendizagem delínguas está associada diretamente ao o Dispositivo de Aquisiçãoda Linguagem (LAD), localizado no cérebro.

2. a declaração de que todas as estruturas da LE diferentes da LM inva-riavelmente causariam interferências. Ficou provado mediante a reali-zação de várias pesquisas, a indicação da existência de diversosfatores que induzem ao erro. Estes fatores podem ser caracteriza-dos por deficiências relacionadas ao material didático, método,estratégias de ensino etc.

3. a suposição de que a interferência era o único fator que leva ao erro. Omodelo de AC considerava a suposição de que o fenômeno da in-terferência da língua materna era a única fonte dos erros no pro-cesso de aquisição/aprendizagem. Todavia, através de vários es-tudos realizados, constatou-se que o número das dificuldades re-sultantes do fenômeno da interfência era inferior em relação aoutros fatores envolvidos no contexto das pesquisas.

3.1.3 Pontos positivos do modelo ACA contribuição do modelo de AC foi importante para o desenvolvimento

de diferentes áreas de estudos linguísticos, como os relacionados à aquisi-ção da linguagem e às variações diacrônicas e dialetais. No que concerne àárea do ensino e aprendizagem de línguas, os pontos positivos do modelo deAC, podem ser deste modo resumidos:

a- aponta para as facilidades ou as dificuldades que os aprendizesde uma determinada língua terão ao estudá-la;

b- possibilita ao professor indicar o que pode levar aos erros edesenvolver exercícios específicos para que os alunos os superem;

c- fornece recursos para a proposição de critérios de avaliação delivros didáticos mais adequados às necessidades dos aprendizes;

d- estabelece uma gradação das dificuldades.

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3.2. O modelo de Análise de ErrosO modelo de Análise de Erros (AE) originou-se a partir da verificação de

equívocos existentes no modelo de Análise Contrastivo (AC). O fundamentoteórico do modelo de AE repousa na teoria de aquisição da língua materna,postulada por Chomsky (1965) e na hipótese imanente de que todos os ho-mens nascem com uma predisposição biológica para adquirir a língua.

Em oposição aos conceitos de competência e performance desenvolvidospor Chomsky, Corder (1967) organiza a dicotomia erros sistemáticos e errosnão sistemáticos. Os erros sistemáticos são aqueles provocados pelo aprendizcausados pela falta de conhecimento das regras da língua, no período daaprendizagem. São considerados como erros não-sistemáticos, aqueles des-lizes causados por fatores como ansiedade, a falta de atenção etc, que nãoestão relacionados a falta de conhecimento das regras da língua estrangei-ra. Segundo Corder, somente os erros sistemáticos devem ser analisados,pois são pertinentes para a compreensão do processo de aquisição/aprendi-zagem de línguas.

3.3. Análise de InterlínguaO conceito de Interlíngua (IL) foi desenvolvido por Selinker em 1969 e

posteriormente reelaborado em 1972. Segundo Selinker, interlíngua refere-se ao sistema lingüístico transitório, diferente da língua materma e da lín-gua estrangeira, produzido pelo aprendiz de língua estrangeira. A interlínguaapresenta características próprias como fossilização, sistematicidade e mu-dança contínua.

3.4. Pesquisas Realizadas em Lingüística ContrastivaO escopo teórico e metodológico existente não só no Modelo de Análise

Contrastivo, como também no modelo Análise de Erros e no campo das Aná-lises da Interlíngua, serviram de fundamentacão para o desenvolvimento dediversas pesquisas em Linguística Contrastiva nos últimos anos. Pérez (2004,p. 26 e 27) comprova isto quando faz uma descrição de várias pesquisasrealizadas na área da Lingüística Contrastiva divulgadas em revistas, tesese livros recentes no eixo português-espanhol, destacando as de Benedetti,1993; Durão, 1998; Hora, 2000, Hoyos-Andrade, 1993; Lago, 2000; Silva,1998 e Tomazini, 1999, entre as diversas publicações expostas.

No que concerne à existência de pesquisas relacionadas ao estudocontrastivo de línguas semitas e a língua portuguesa, o número é bastanteescasso devido a diversos fatores inibidores e característicos deste contextode língua estrangeira. Destacamos a tese de doutorado de Safa Abou ChahlaJubran, defendida em 2001 na FFLCH-USP, na qual a autora apresentouum modelo de contraste fonológico do árabe padrão e do português do Brasil.Para tanto, desenvolveu-se uma descrição dos sistemas fonológicos de ambasas línguas, considerando-se os níveis segmental e supra-segmental. Trata-se de um texto básico e científico dirigido, de um lado, a linguistas e pesqui-sadores em geral, e, de outro, a estudantes e professores que trabalhamcom o árabe como segunda língua.

Com relação à situação atual desta área do conhecimento, Durão (2004)reconhece na teoria da Lingüística Contrastiva, pressupostos sumamenteúteis para o desenvolvimento de pesquisas que visem a entender os proble-mas existentes no contexto do ensino de línguas estrangeiras, e postula que

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“em qualquer de seus modelos, a Lingüística Contrastiva contribui,inquestionavelmente, para o aprimoramento da formação de professores de lín-guas, o ideal é o aprimoramento deles, visto que são, na verdade, etapas comple-mentares no sentido de propiciar um enfoque e um material didático mais ajus-tados às necessidades dos estudantes de línguas.” (Durão, 2004, p. 22)

Considerando o exposto, entendemos que os pressupostos teóricos daLingüística Contrastiva, muito especialmente os do Modelo de AnáliseContrastiva, associado às teorias de aprendizagem de línguas, às teoriaslinguísticas e á caracterização dos processos cognitivos envolvidos, certa-mente, também provêm um alicerce seguro para a elaboração da pesquisaque ora propomos, o qual tem por objetivo o estudo contrastivo de dificulda-des no processo de ensino/aprendizagem do hebraico por parte de aprendi-zes brasileiros.

4. Procedimentos MetodológicosO levantamento teórico das dificuldades identificadas entre o hebraico

e o português será de interesse teórico para este estudo contrastivo. A aná-lise contrastiva entre estas duas línguas, nesta pesquisa, seguirá os se-guintes passos:

1. descricão teórica das dificuldades dos aprendizes, consideran-do o sistema linguístico do hebraico e do português;

2. seleção e classificação dos elementos que serão comparados,obedecendo a uma hierarquia de dificuldades;

3. comparação destes elementos com o objetivo de verificar suassemelhanças e diferenças.

Considerando as dificuldades do aprendiz de hebraico, destaca-se o sis-tema de escrita que possui uma configuração bastante diferente do sistemade escrita do português, tornando-se isto uma notória dificuldade para osaprendizes. Neste caso, a comparação entre os dois se fará observando osseguintes pontos:

- modo de realização da escrita nos dois idiomas;

- tipo de alfabeto: consonantal, formado por consoantes ou alfa-bético, formado por vogais e consoantes;

- letras diferentes utilizadas: maiúscula, minúscula, medial fi-nal etc;

- estilos diferentes de grafia: cursiva e imprensa;

- distribuição das letras nos dois idiomas;

- tipos de sinais gráficos usados: acentos conjuntivos edisjuntivos, acentos ortográficos, acentos de prosódia etc;

- relação entre letra e som nos dois idiomas.Os sujeitos envolvidos neste estudo serão representados pelos alunos

do primeiro ano do curso de Teologia da Universidade Filadélfia- UniFil.Trata-se de uma classe de hebraico com aproximadamente cinquenta alu-nos, divididos em duas turmas, A e B, visando melhor aproveitamento. Adisciplina de hebraico está inserida no currículo com uma carga horáriarelativa a 70 h/a anuais, distribuídas em 2h/a por semana.

A pesquisa, ainda, será do tipo de intervenção (Moita Lopes, 2000), nosentido que investigará a possibilidade de se alterar a situação em que

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ocorre a aprendizagem, na medida em que se for constatando os resultadosdurante o desenvolvimento do trabalho.

5. ConclusãoA escassêz de produções téoricas e pesquisas científicas na área de ensi-

no/aprendizagem da língua hebraica é grande. O número de fontes de pesqui-sa sobre assuntos ligados a este idioma também é escasso. Diversas publica-ções sobre temas realcionados à língua não são reeditados e estes materiaisestão restritos ao acervo de bibliotecas nos grandes centros, tornando difícil oacesso por parte dos interessados de outras localidades menores.

Deste modo, esperamos que os dados obtidos durante o desenvolvimentodeste estudo, mediante a aplicação dos pressupostos teóricos e práticos daLingüística Contrastiva, possam fornecer informações importantes que ve-nham a contribuir, sobretudo de forma prática para o ensino/aprendizagemda língua hebraica, de modo a estabelecer relações de contraste entre asdificuldades apresentadas pelos aprendizes, comparando as semelhanças eexplicando as diferenças entre o português e o hebraico e, assim, possibili-tar melhorias nesta área, como também propôr um Material Didático (MD),que vise a aprendizagem do vocabulário, elaborado de acordo com as neces-sidades específicas dos aprendizes, com o objetivo de servir de input rele-vante (Krashen, 1982) e com isto, diminuir as dificuldades enfrentadas pe-los aprendizes deste idioma.

Pretende-se, ainda, sugerir a criação de um Grupo de Estudos Judaicos,ligado ao Departamento de Teologia do Centro Universitário Filadélfia - UniFil,dirigido aos discentes e demais pessoas interessadas em temas que envol-vem diretamente um conhecimento sobre a língua hebraica, tais como:texto massorético, gramática, prosa e poesia hebraica, cultura judaica etc.Esta iniciativa terá como objetivo, a abertura de um espaço que vise tanto ainiciação à pesquisa científica, investigando os diversos matizes da culturajudaica impregnados na língua escrita (Antigo Testamento), como ainda adivulgação de e elementos culturais desta comunidade

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CONSIDERAÇÕES SOBRE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL

Isabela Cruciol*Juliana Harumi Suzuki**

RESUMO:O presente artigo tece considerações gerais sobre Patrimônio Históri-

co. Para uma melhor compreensão do tema, apresentados os antecedenteshistóricos da preservação, bem como a evolução de seus conceitos ao longodo tempo. Embora tenha surgido há muito tempo, e apesar dos inúmerosinstrumentos e métodos existentes, a preservação ainda encontra muitosobstáculos a serem superados; dentre eles figuram os interesses, sobretu-do econômicos, que agem sobre o patrimônio, além da falta deconscientização das comunidades sobre a importância da conservação deseus bens culturais.

PALAVRAS CHAVES: Patrimônio Histórico; Patrimônio Cultural; Pre-servação; Bens Culturais.

ABSTRACT:This work discusses the historical patrimony in a general way. For a

better understanding of this subject, it presents the historical antecedentsof preservation and the evolution of its concepts. Although preservation hasexisted for a long time, and in spite of the innumerable existing instrumentsand methods at its disposal, it faces many obstacles which must be overcome,among them private interests such as economical interests, which affects itadversely, and the local communities’ lack of understanding of the importanceof preserving their cultural assets.

KEY WORDS: Historical Patrimony; Cultural Patrimony; Preservation;Cultural Assets

IntroduçãoTratar de patrimônio e não mencionar a arquitetura é quase impossível.

Grande parte das obras ou monumentos históricos passíveis de serem pre-servados, é constituída por milhares de edifícios executados nas mais diver-sas épocas e regiões do mundo. Alguns deles podem pouco representar aosolhos de uma sociedade; muitos nem mesmo possuem um estilo ou métodoconstrutivo definido, porém a maior parte deles traz consigo sua história,ilustrando a capacidade construtiva de uma época e possibilitando encon-trar outras tantas informações sobre seus costumes e modos de vida.

Segundo CHOAY (2000), patrimônio histórico designa um fundo destina-do ao usufruto de uma comunidade alargada a dimensões planetárias econstituído pela acumulação contínua de objetos que congregam pertencescomuns ao passado: obras e obras-primas das belas-artes e das artes aplica-das, trabalhos e produtos de todos os saberes e conhecimentos humanos.

*Arquiteta e urbanista. Graduada em 2002 pela UniFil. E-mail:[email protected]** Docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIFIL. Mestre em Estruturas AmbientaisUrbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).E-mail:[email protected].

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Em outras palavras, patrimônio histórico seria todo o conjunto de mani-festações culturais, artísticas ou sociais de uma determinada sociedadeque, de alguma forma, seja ela natural, física ou sensorial, se faz presenteno meio em que se vive – materializadas através de paisagens, jardins,edificações, monumentos, objetos e obras de arte – sendo importantes peçasa serem conservadas, por representarem parte de uma cultura e modo devida de uma época.

LEMOS (1985) divide o Patrimônio Cultural em três categorias de ele-mentos. Primeiramente, ele inclui os elementos pertencentes à natureza,ao meio ambiente. São os recursos naturais, que tornam o sítio habitável. Osegundo grupo de elementos refere-se ao conhecimento, às técnicas, aosaber e ao saber fazer. São os elementos não tangíveis do Patrimônio Cultu-ral, e compreendem toda a capacidade de sobrevivência do homem no seumeio ambiente. O terceiro e último grupo de elementos é o mais importantede todos porque reúne os chamados bens culturais que englobam toda sortede coisas: objetos, artefatos e construções obtidas a partir do meio ambientee do saber fazer.

BRASILEIRO (2001) acredita que todo bem cultural é infungível, o quesignifica dizer que é impossível de ser substituído por outro de mesma espé-cie material, seja em quantidade ou qualidade. A preservação de um tecidourbano deriva de um processo que tem como objetivo a preservação da me-mória social de uma comunidade, cristalizada ao longo do processo históricono ambiente construído. Ainda assim corre-se o risco de interpretações polí-ticas e distorções na preservação, ou seja, é preservado aquilo que é consi-derado herança cultural, dependendo, pois, de quem analisa e quais sejamos seus conceitos históricos.

Conforme MENESES apud MELO (1998), existem várias razões para apreservação: a razão científica, a razão afetiva e a razão política. A razãocientífica se justifica pelo fato de os bens culturais representarem a diversi-dade de ambientes e fenômenos, e se configurarem como uma fonte paraentendimento dos processos de mudanças sócio-culturais e expressões dasformas como os homens se organizavam na sociedade. A razão afetiva existepelo fato de os bens culturais representarem um enraizamento do Homem,sua ligação com o espaço de vivência, de comunicação e de inter-relação, deorganização e de pertencimento ao espaço. Neste sentido, cabe ressaltarque se a propriedade propicia a ocupação de um lugar, não expressa por si sóos vínculos entre os indivíduos, suas redes de relações. O espaço ocupadonão fala apenas daqueles que o ocupam no presente, mas de todos os que aliviveram até então, dando uma qualidade de vivência a partir de uma identi-dade (identificação). A razão política existe porque a preservação revela-secomo um direito à polis, à política, à cidadania.

As primeiras tentativas de preservação de monumentos datam de sécu-los atrás. Apesar das inúmeras contribuições e do desenvolvimento de políti-cas para tal, a mentalidade das sociedades atuais ainda não está completa-mente preparada para aceitar algumas destas mudanças. Alguns dos moti-vos são: a falta de informação daqueles que não participam do meio científi-co na área; a falta de políticas e normas voltadas aos interesses regionais,ou seja, diferentes para cada área em questão; a falta de incentivos paracom os proprietários por parte do governo; além do “jogo de interesses” entretodos os envolvidos na preservação.

Apesar de se saber exatamente o valor de cada “peça” ou ruína que façaparte de uma edificação antiga, infelizmente, não há material publicado ede fácil acesso aos leitores em geral, que os informe, por exemplo, que namaioria das vezes é mais vantajoso (inclusive economicamente), prover no-

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vos usos para edifícios antigos do que destruí-los a fim de criar algo novo.Não há incentivos ou garantias concretas de que o proprietário de um imóvelem vias de tombamento obterá algum retorno de seu investimento, se optarpor conservá-lo, contribuindo assim para a memória de uma época.

No entanto, é possível obter retorno financeiro na preservação deedificações antigas, contanto que se saiba tirar proveito da situação e dademanda existente. Segundo BRASILEIRO (2001), a preservação envolve edi-fícios; edifícios dizem respeito a funções; para atrair investimento deve ha-ver valor econômico; criar valor econômico via funções a serem desempe-nhadas, implica em preservar os edifícios. Para tanto, podem ser criadosnovos usos (reestruturação funcional) ou ser dada maior eficiência aos usosjá existentes (regeneração funcional).

Observa-se, no Brasil, que a maior parte de sítios ou edifícios preserva-dos encontra-se em locais onde ocorreram os chamados ciclos econômicos,como o do café, do ouro e da cana-de-açúcar. Isto acontece porque nestesdeterminados locais, a memória se faz presente por si só, e é do interesseda própria comunidade que as partes ou o todo sejam mantidos como quandoforam criados. Muitas destas cidades tornaram-se provas vivas da históriado país, o que colabora no incentivo ao turismo e que, por sua vez, acaba pormovimentar grande parte de sua economia e serviços. A principal vantagem,porém, é a criação de uma identidade própria, o que as diferencia de todo oresto, além de fazê-las conhecidas nacional ou internacionalmente.

O suporte fundamental dessa identidade é a memória, um mecanismode registro da experiência e do conhecimento, que permite as articulaçõessociais, conferindo-lhes uma inteligibilidade. MENESES apud MELO (1998),acredita que “Ter consciência histórica não é informar-se das coisas outroraacontecidas, mas perceber o universo social como algo submetido a um pro-cesso ininterrupto e direcionado de formação e reorganização”.

De acordo com MELO (1998), o ambiente histórico-cultural, ao ser pre-servado e recuperado, passa a assumir uma posição, um significado diferen-te daquele anterior à mudança de legislação, visto que, em cada cidade, acada momento é redefinida a divisão social e econômica do espaço. Nessesentido, o futuro da área a ser preservada vai depender, por um lado, de umconjunto de medidas legislativas e, por outro lado, de um processo coletivoque possibilite as identificações sociais entre os ambientes e seus usos.

Porém, a preservação do meio ambiente, seja ele natural ou cultural,não pode ser global, porque isto implicaria em impedir qualquer intervençãomodificativa do meio ambiente, mantendo estático o processo cultural. SOU-ZA FILHO apud BRASILEIRO (2001), acredita que, preservar toda interven-ção cultural humana na natureza ou toda manifestação cultural é um ab-surdo e uma contradição, pois, ao proteger todas e quaisquer manifestaçõespassadas, se estaria impedindo que a cultura continuasse a se manifestar.Implicaria em não admitir qualquer possibilidade de mudança, processo oudesenvolvimento.

Para CASTELNOU (1992), a preservação não é estritamente a manuten-ção da paisagem urbana inalterada, mas também se associa à percepção deque nada é perpétuo e imutável, mas sim passível de transformação e conse-qüente crescimento. Entender o passado não é apenas conhecê-lo como his-tória, mas também saber incorporá-lo à ação do presente e, mais ainda, aofuturo.

Antecedentes Históricos da Preservação do Patrimônio Desde seusurgimento, a preservação do patrimônio experimentou várias fases, diver-sos métodos e incentivos. Na Antiguidade Clássica importava mais a preser-vação do lugar. Segundo MELO (1998), o edifício em si podia ser renovado,

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desde que o “local sagrado” fosse preservado. Na antiga Roma já recebiam onome de Monumentum os edifícios destinados a evocar a memória de even-tos ou personagens notáveis, servindo para transmitir às futuras geraçõesas glórias do presente.

Todos os objetos que despertaram encantos nos povos da antiguidade e,posteriormente, nos Romanos eram de origem grega, pertencentes quaseque exclusivamente aos períodos clássico e helenístico. O valor era autênti-co, pois eles davam a conhecer os feitos de uma civilização superior. Erammodelos apropriados para suscitar uma arte de viver e um requinte que só osGregos tinham conhecido. Segundo CHOAY (2000), esses povos queriam fa-zer da sua capital um centro de cultura grega. Os Romanos procuravamimpregnar-se, através da visão, do mundo plástico da Grécia, tal como pro-curavam impregnar-se do pensamento da Grécia por via da prática da sualíngua.

Tempos depois, em uma Europa que a civilização romana tinha cobertode monumentos e edifícios públicos, testemunharam-se inúmeras destrui-ções através das invasões bárbaras dos séculos VI e VII. Isso acabou porincentivar uma indiferença relativa aos monumentos, que em parte já ti-nham perdido o seu sentido e a sua utilidade. Entretanto, havia um movi-mento preservacionista realizado pelo clero que, apesar de indireto, tratavada reutilização de antigas edificações patrícias, que eram comumente trans-formadas em mosteiros ou mesmo igrejas. Isto se deu, primeiramente, porrazões econômicas, mas principalmente porque o interesse e o respeito tes-temunhados a essas obras estavam em consonância com as posições toma-das pela igreja face às letras e ao saber clássicos, que eram, alternadamente,promovidos em nome das “humanidades”, ou condenados pelo paganismo.

A partir de 1430 a situação pedia por mudanças, e os humanistas foramunânimes em reclamar a conservação e uma proteção vigilante dos monu-mentos romanos. O papa enunciou então, um conjunto de interdições preci-sas e formais que proibia qualquer cidadão (independente de cargo, profis-são ou nível social) de retirar, demolir, ou modificar qualquer vestígio ouedifício público da Antiguidade, mesmo que este se encontrasse dentro desua propriedade, sob pena de excomunhão e de pesadas multas. O contradi-tório é que antes desta interdição, o próprio clero foi o grupo que mais cola-borou com a devastação de Roma e de suas antiguidades, encarregandoempreeiteiros de encontrar nos monumentos antigos, as belas pedras ouelementos necessários para a restauração de diversas de suas edificações.

As antiguidades tornam-se objeto de um imenso esforço de conceituaçãoe de recenseamento na metade do século XVI. De acordo com CHOAY (2000),parte-se então para a pesquisa culta, meticulosa e paciente dos eruditos, oschamados antiquários. Estes acumulavam em seus gabinetes não apenasmedalhas e outros “restos” do passado, mas também pastas contendo verda-deiros dossiers, que associavam descrições e representações figuradas dasantiguidades. Eles correspondiam-se e visitavam-se por toda a Europa, tro-cando objetos, informações e discutindo suas descobertas e hipóteses. As-sim se constituiu um imenso corpus de objetos, englobando sucessivamenteno seu campo as inscrições, as moedas, os selos, os quadros, todos os aces-sórios da vida cotidiana pública e privada, e os grandes edifícios religiosos,prestigiosos ou utilitários.

A Revolução Francesa foi um dos marcos da história da preservação. Elaobteve, por volta de 1789, todos os elementos necessários para uma autênti-ca política de conservação do patrimônio monumental francês: a criação dotermo ‘monumento histórico’, cujo conceito foi alargado, por comparação comos de ‘antiguidades’, ‘monumentos em curso de inventariação’ e ‘administra-

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ção predisposta à conservação’, dispondo-se de instrumentos jurídicos e detécnicas então sem equivalentes. Essa experiência durou seis anos e seufim culminou também com o encerramento dos trabalhos de suas comis-sões. Entretanto, esta determinou, a longo prazo, a evolução da conservaçãomonumental no país.

Foi então na França, no final do século XVIII, que nasceram os concei-tos e as instituições de tutela do patrimônio. Em 1794, a Convenção Nacio-nal editou uma série de atos destinados a conter o vandalismo que se se-guiu à revolução, estabelecendo também sanções contra os responsáveispelas demolições, inventariando seus monumentos, determinando sua con-servação integral e fixando alguns princípios.

A chegada da era industrial enquanto processo de transformação, se-gundo CHOAY (2000), rompeu com os modelos tradicionais de produção, es-tabelecendo então dois períodos da criação humana: um antes, em que seencontra o monumento histórico, e um depois, onde se inicia a modernidade.O ‘mundo acabado’ do passado perdeu a continuidade e a homogeneidadeque lhe conferia a permanência do fazer manual dos homens. A RevoluçãoIndustrial concedeu ao conceito de monumento uma conotação universal,aplicável em escala mundial, o que resultou na generalização das legisla-ções de proteção ao monumento histórico, e fez do restauro uma disciplinaautônoma e solidária com os progressos da história da arte.

De acordo com MENICONI (1998), ao abarcar também a produção româ-nica e gótica, a conservação de monumentos deparou-se com a total ausên-cia de informações sistematizadas e com o despreparo, e, muitas vezes, como desprezo dos arquitetos. A assimetria, a organicidade e a irregularidadedas obras eram reinterpretadas de acordo com os princípios da arquiteturaclássica, resultando em demolições e reconstruções arbitrárias.

Aos poucos, à cultura neoclássica dominante contrapuseram-se os pri-meiros estudiosos da Idade Média, entre os quais Vitor Hugo. Um dessesestudiosos, Merimée, veio a ocupar o cargo de Inspetor Geral dos Monumen-tos, vinculado à Comissão dos Monumentos Históricos criada em 1837. In-terligado à Comissão revolucionária, esse organismo vai finalmente criaruma estrutura operativa, estabelecer formas de financiamento das restau-rações e fixar seus critérios operativos e metodológicos.

A primeira concepção do restauro, segundo ASKAR (1996), baseou-se noprincípio de obter a recomposição do edifício mediante o emprego, sem dife-renciação, de partes originais, ou a sua reprodução. Com este critério, atémais ou menos 1830, foram executados restauros sobre monumentos daantiguidade clássica, especialmente em Roma.

Surge então a figura de Viollet-le-Duc (1814-1870), arquiteto e restau-rador autodidata, que desde 1840 até sua morte foi responsável por inúme-ras obras na França e Europa. Definiu a doutrina da Restauração Estilística,que tinha por objetivo recuperar a unidade de estilo do monumento,reconduzindo-o à sua integridade construtiva e morfológica, muitas vezesignorando as verdadeiras qualidades formais que determinavam sua singu-laridade. ASKAR (1996) relata que se chega assim a legitimar e impor re-construções e acréscimos baseados somente nas analogias tipológicas eestilísticas com outros monumentos, alterando a estrutura e a forma daobra, em nome de uma abstrata coerência de estilo.

Em torno da metade do século XIX, ao restauro estilístico se sobrepõe oRestauro Romântico, devido ao movimento inglês, que quer substituir asgrandes intervenções pelo absoluto respeito ao monumento. Dizia John Ruskin(1819-1900), propagador desta posição: “É impossível, assim como ressusci-tar os mortos, a restauração daquilo que foi grande ou belo em arquitetura”.

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Após meio século de predomínio do método de Viollet-le-Duc, no períodocompreendido entre 1880 e 1890, duas novas posições se afirmaram quasecontemporaneamente. A primeira, chamada de Restauro Histórico, susten-tada e aplicada por Luca Beltrami (1854-1933), considerava cada monumen-to como um fato distinto e concluído. O restaurador se baseava em testemu-nhos seguros, desde documentos de arquivo até pinturas, partindo da análi-se aprofundada do monumento e dos textos literários do período.

A segunda posição surgiu em 1883, enunciada por Camilo Boito (1836-1914) e chamada de Restauro Moderno. De acordo com MENICONI (1998),nela se propunha que eventuais intervenções fossem distintas e notórias,além de serem adotadas uma série de medidas nas obras, como diferencia-ção de estilo e materiais, supressão de molduras e ornamentos, exposição –junto ao monumento – das partes removidas, descrição e documentação (atéfotográfica) das várias fases do trabalho, incisões datando os materiais no-vos empregados, como a divulgação de todo o processo.

Gustavo Giovanonni (1873-1948), em 1924, conceitua o Restauro Cientí-fico, que considerava a obra arquitetônica como documento a salvaguardar,pois ela constituía a prova de existência de certo tipo de edificação ou formaestilística. A doutrina, que contemplava tanto o valor “museológico” quanto ovalor de uso dos monumentos e conjuntos urbanos, deveria ser tratada emrede de planejamento urbano, e não mais isoladamente. Este tipo de restau-ro (também chamado de filológico) revela-se insuficiente após a SegundaGuerra Mundial.

A destruição provocada pelo conflito tornou a questão da conservaçãodas cidades dramática e urgente: a extensão e a escala das intervençõesnecessárias exigiam a revisão dos conceitos e procedimentos operacionais.Segundo LEMOS (1985), foi justamente para tentar normalizar em todo omundo os procedimentos preservadores que se reuniu, em Veneza, o Con-gresso Internacional de Arquitetos e Técnicos em Monumentos Históricos.Eram setecentos profissionais, inclusive brasileiros, que se reuniram preo-cupados com a falta de entrosamento e de conceitos comuns no trabalho depreservação de bens culturais.

Surge então em 1964 a Carta de Veneza, criada certamente para ser oprimeiro documento de caráter internacional a definir que:

(...) Os sítios urbanos ou rurais, assim como as obras modestasque alcançaram com o tempo um significado cultural, deveriamser equiparadas aos monumentos, no tocante à sua preserva-ção. Igualmente afirmou este documento que a conservação deum monumento exige a preservação da vizinhança à sua esca-la, sendo proscrita toda nova construção ou alteração que possamodificar suas relações de volume e cor (MELO ,1998).

Depois do surgimento dessa carta patrimonial, cada país partícipe dareunião de arquitetos patrocinada pela UNESCO tratou de providenciar suaslinhas de conduta ou as normas locais aplicáveis dentro de suas peculiari-dades, e sempre desejando “regulamentar” as normas venezianas. Assim foique, em dezembro de 1967, deu-se uma reunião em Quito, para tratar deproblemas próprios do mundo latino-americano, tendo como texto orientadora Carta de Veneza, foram criadas as Normas de Quito.

A partir do início dos anos 70, segundo LEMOS (1985), proliferaram os“encontros” destinados a dar continuidade aos documentos já citados, comoo de Nairobi, em 1976 e o de Machu Picchu, em dezembro de 1977. As cartaspatrimoniais, conforme ASKAR (1996), embora não constituíssem instrumen-tos jurídicos em si, foram condutoras do pensamento teórico-prático refe-

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rente à preservação. Eram elas que conduziam o senso comum dos profissi-onais envolvidos na matéria e que, por sua vez, tinham suas diretrizes im-plantadas (ou rejeitadas) nos diversos países, quer signatários ou não.

Surgem a partir daí, novos princípios de restauro, como o chamado Res-tauro como Processo Crítico. O restaurador deveria primeiramente identifi-car o valor do monumento, para em seguida recuperá-lo, restituindo e libe-rando a obra de arte. Em outras palavras, sua função era dar ao valor artís-tico a prevalência absoluta em relação aos demais aspectos da obra, os quaisdeveriam ser considerados somente na dependência e em função deste.Durante toda a operação, deve haver total consciência do ato que se cumpre,bem como o completo controle dos seus resultados deve ser levado em conta.

E, por último, porém não menos importante, apresenta-se o RestauroCriativo. Quando a ação de percorrer a imagem resulta interrompida pordestruições ou obstruções visíveis, o processo crítico é forçado a valer-se dafantasia para recompor as partes que faltam ou reproduzir aquelas escondi-das e reencontrar, enfim, a completa unidade da obra, antecipando a visãodo monumento restaurado. O restaurador pode utilizar novos elementos,para dar de novo à obra uma unidade e continuidade formal próprias, valen-do-se de uma livre escolha criadora.

É importante destacar, porém, que o Restauro como Processo Crítico e oRestauro Criativo podem também agir em conjunto, no que se pode chamarde “Restauro Crítico”, onde o primeiro define as condições que o outro deveadotar como premissa, e onde a ação crítica realiza a compreensão da obraarquitetônica, e a ação criadora é chamada para prosseguir e integrar.

A Preservação do Patrimônio no Brasil No Brasil, encontram-se referên-cias a ações no sentido de preservar o patrimônio edificado desde o séculoXVIII, sendo nas primeiras décadas deste século que medidas mais concre-tas foram tomadas pela sua salvaguarda. Em novembro de 1937, foi criado oServiço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN – regulamen-tado pelo Decreto-Lei 25, de 30/11/1937. Ele organiza a proteção dopatrimônio histórico e artístico nacional através do tombamento, o que pos-sibilita a inscrição do bem cultural nos livros de tombo, conferindo para omesmo que fique assegurada a garantia de perpetuação da matéria.

Já a “Era Vargas”, que tinha como um de seus objetivos a necessidadede criar uma identidade nacional e um pacto nacional entre os grupos soci-ais, serviu de pano-de-fundo para a valorização da cultura para consumo dosgrupos sociais dominantes.

Segundo MELO (1998), no centro dos debates destacavam-se dois gruposdistintos: o grupo dos neocoloniais, que defendia o ecletismo e a reproduçãoda arquitetura colonial, valorizando a relação passado-presente; e o grupodos modernistas, que defendia a arquitetura colonial, porém com vistas aum resgate da mesma na construção de uma arquitetura moderna nacional,valorizando assim a relação passado-futuro. Como a ideologia vigente noEstado-Novo tinha bases nacionalistas, o resultado foi a vitória dos moder-nistas sobre os neocoloniais.

Durante os primeiros trinta anos, o conceito de bem cultural teve comobase uma noção estética estilística, ditada pelo movimento modernista dadécada de 20. Assim, a política do Patrimônio foi marcada por obras essenci-almente clássicas, deixando no esquecimento as experiências das popula-ções negras e indígenas. Interessava sim, preservar exemplares de outrasépocas e estilos, desde que fossem monumentais ou excepcionais.

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Em tal contexto, a delimitação do patrimônio se referia:- Ao conjunto de bens móveis e imóveis, quer vinculados a fatosmemoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valorarqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico;

- Aos monumentos naturais, bem como sítios e paisagens de fei-ção notável, desde que inscritos em um dos livros de Tombo.

MILET apud MELO (1998) observa que a maior parte dos bens tombadosno período de 1937 a 1982, situava-se nas áreas em que ocorreram os cha-mados “ciclos econômicos”, de cana-de-açúcar, algodão, ouro e café. O Bar-roco foi considerado origem da cultura brasileira, e enquanto este erasupervalorizado, perderam-se importantes exemplares arquitetônicos doecletismo – considerados como não autênticos.

Nas décadas de 50 e principalmente 60, com o adensamento dos centrosurbanos e uma especulação imobiliária crescente, iniciou-se uma mudançano conceito de bem cultural, que, de acordo com BRASILEIRO (2001), levavaem consideração somente as fachadas (e não a volumetria), sem nenhumarestrição legal quanto ao entorno, exceto que estas construções não deveri-am impedir ou mesmo reduzir a visibilidade do bem tombado.

Em 1965, o SPHAN buscou então a UNESCO, pois além de ser visto comoelitista, pouco representativo da pluralidade cultural do país e alienado aosproblemas relacionados ao desenvolvimento nacional, este devia buscar aatualização técnica necessária para se integrar aos novos parâmetros uni-versais de preservação de bens culturais.

Passados os mais duros anos de repressão do regime militar, o campo dacultura passou a englobar conceitos como o de pluralidade nacional e dedesenvolvimento cultural. De acordo com MELO (1998), os encontros reali-zados em Brasília e em Salvador na década de 70 visavam, entre outrascoisas, à descentralização da gestão do patrimônio cultural. O Compromissode Brasília (1970) reconheceu a inadiável necessidade de ação supletiva dosestados e municípios à atuação federal e, o Compromisso de Salvador (1972),acrescentou recomendações no sentido de que se desenvolvesse a indústriado turismo, através da preservação e valorização de monumentos naturais ede valor cultural.

Em 1973, foi criado o Programa de Cidades Históricas - PCH, visando àrentabilidade econômica e aos benefícios sociais da preservação e da res-tauração de bens patrimoniais. A perspectiva modernizadora inspirou tam-bém a criação do Centro Nacional de Referência Cultural – CNRC - em 1975,que procedeu a uma revisão crítica conceitual dos trabalhos de preservaçãodo patrimônio cultural. Além disso, o CNRC voltou-se para a cultura viva,sobretudo às manifestações enraizadas ao fazer popular.

Passou a haver então um maior envolvimento com a questão do patrimônio,através da entrada de novos processos de tombamento, a pedido de grupos einstituições externos ao IPHAN, como os de bens representativos de corren-tes migratórias - italiana, alemã, japonesa, de etnias indígenas e afro-brasi-leiras – de outras religiões e de bens materiais, como os “fazeres”. Paratanto, ainda na década de 70 foi criada, na Fundação Pró-Memória, a áreade Etnias e Sociedade Nacional, responsável pelo tombamento, em 1982, dosprimeiros testemunhos da cultura afro-brasileira.

MELO (1998) cita ainda a criação do Ministério da Cultura, em 1985,que deu início a uma restauração do SPHAN na condição de Secretaria, aobuscar mais que uma estrutura administrativa flexível, revendo os própriosconceitos que regiam as políticas do Patrimônio. O novo conceito adotadoacompanhou a tendência internacional de valorização da cultura e da arqui-

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tetura vernacular. Passou-se a admitir o pluralismo ideológico na determi-nação das políticas de preservação. Iniciou-se uma descentralização da pre-servação e o reconhecimento da diversidade e historicidade dos bens cultu-rais.

Num segundo momento, na década de 80, incluiu-se no discurso oficiala necessidade de participação da comunidade nas decisões sobre preserva-ção, resultando também em mudanças no Conselho Consultivo (1992), comrepresentantes do IAB, IBAMA, e Internacional Council on Monuments andSites (ICOMOS) e a diversificação dos quadros técnicos da instituição (commuseólogos, arqueólogos, historiadores, cientistas sociais, etc.).

A formulação e a implementação da política governamental de preserva-ção do patrimônio cultural brasileiro passaram, em 1990, a ser de compe-tência do Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural – IBPC – vinculado àSecretaria da Cultura da Presidência da República. A partir de então, o IBPCpassou a atuar em todo o país, através de unidades regionais, articulando-se muitas vezes com outros organismos, por meio de parcerias, convênios ouacordos. O tombamento de bens estaduais tem o mesmo significado, força eresponsabilidade do tombamento federal, mas é regulamentado por legisla-ção específica no âmbito de cada administração.

BRASILEIRO (2001), conclui que a elaboração de políticas de preserva-ção lideradas pelo Município (não excludentes da participação da União e doEstado), possibilita a eliminação de distorções criadas em função do carátergenérico dos instrumentos legais concernentes às instâncias superiores,que desconsideram os aspectos locais no instante da preservação dos bens,gerando o distanciamento da população na condução do mesmo processo.

Métodos de PreservaçãoMuitas transformações agem sobre uma edificação em decorrência de

causas naturais de ação lenta, como problemas de mecânica dos solos, agen-tes meteorológicos ou mesmo biológicos, ou ainda, de ação violenta, comoaluviões ou tremores de terra. Segundo CASTELNOU (1992), disto resulta asua obsolência física, que pode ser acelerada por fatores artificiais ou devidoà ação humana, como o desgaste material e até a poluição. Além disso, aobra pode tornar-se obsoleta ao nível de sua funcionalidade, o que resulta demudanças por que passa a sociedade, principalmente de ordem sócio-econô-mica.

Em termos gerais, CASTELNOU (1992) apresenta três graus de interfe-rência no projeto original, a saber:

- Radical: quando os novos elementos intencionalmente contras-tam com o existente, pelas intenções projetuais ou tratamento aonível de material, cor, textura, etc.

- Equilibrado: quando se associa, harmonicamente, os acréscimosou modificações ao existente, o que pode acontecer através darepetição de tipos, unificação de motivos e tratamento cromático,porém nunca de forma dissimulada, de modo a promover a falsifi-cação da obra.

- Sutil: quando há um respeito completo ao que existe previamen-te, tanto no que diz respeito aos novos componentes sugeridos,como dos novos usos previstos. Algumas vezes é difícil identificar oque foi reformulado.

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Assim sendo, algumas formas de intervenção arquitetônica são utiliza-das visando sanar o mau estado de conservação, bem como evitá-lo a longoprazo, consentindo-lhes ou não, novos usos. São eles: a conservação, a re-construção, a restauração, a revitalização e a reciclagem.

A conservação, consiste na preservação do patrimônio do modo em queeste foi encontrado, sem adição de partes ou novos usos. De acordo comFITCH apud CASTELNOU (1992), ela é definida pela intervenção física naprópria matéria, assegurando assim sua integridade estrutural e/ou estéti-ca. É um trabalho contínuo de manutenção que visa garantir a sobrevivênciafísica dos monumentos, e que requer serviços ligados à especialidade dastécnicas construtivas, dos agentes de deterioração e das condições de viabi-lidade técnica, que reivindicam uma ação eminentemente prática.

A reconstrução, segundo BRASILEIRO (2001), é a execução de uma có-pia exata de um edifício ou monumento desaparecido no exato local ondeeste antes estava inserido.

A restauração, de acordo com CASTELNOU (1992), consiste num “re-feitio” a partir da reprodução de partes destruídas ou da substituição departes desaparecidas ou desgastadas com o tempo. Ou ainda, na versão deFITCH apud BRASILEIRO (2001), é o processo de retorno do artefato à condi-ção física na qual ele teria estado em algum estágio de seu desenvolvimentomorfológico.

A revitalização é a reestruturação de um conjunto urbanístico ou obraarquitetônica que visa reabilitá-la, caso esta esteja se deteriorando ou mes-mo em desuso. Para tanto, é permitido reformular seus componentes, asso-ciar novas funções e acrescentar intenções ao projeto, desde que se mante-nha seu caráter original, total ou parcialmente.

Por último, há a reciclagem, que se baseia essencialmente na reutilizaçãode um edifício ou sítio urbano. Ela inicia um novo ciclo de utilização da obra,que pode ser feito, não só através da mudança de sua função, como de suaforma e caráter. Vai desde a modernização da aparência até o aproveita-mento do valor econômico, cenográfico e até sentimental da obra.

ConclusõesSegundo o INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E AR-

TÍSTICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS (IEPHA-MG), o principal objetivo dapreservação do patrimônio cultural é a melhoria da qualidade de vida dacomunidade, que implica em seu bem-estar material e espiritual e na ga-rantia do exercício da memória e da cidadania. A comunidade é a verdadeiraresponsável e guardiã de seus valores culturais. O patrimônio cultural per-tence à comunidade que produziu os bens culturais que o compõem. Não sepode pensar em proteção de bens culturais, senão no interesse da própriacomunidade, à qual compete decidir sobre a sua destinação no exercíciopleno de sua autonomia e cidadania.

Para preservar o patrimônio cultural é necessário, inicialmente, conhecê-lo através de inventários e pesquisas realizadas pelos órgãos de preserva-ção, em conjunto com as comunidades. O passo seguinte será a utilizaçãodos meios de comunicação e do ensino formal e informal para a educação einformação das comunidades, visando desenvolver o sentimento de valoriza-ção dos bens culturais e a reflexão sobre as dificuldades de sua preservação.Acredita-se que uma real política de preservação do patrimônio somentepoderá ser efetiva quando a discussão se estender a vários setores da comu-nidade.

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BRASILEIRO, V. B. A legislação de preservação do patrimônio ambiental ur-bano: uma abordagem arquitetônica contemporânea. In: Cadernos de Arquite-tura e Urbanismo. Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de MinasGerais. v.8, n.9, 2001.

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INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DO ESTA-DO DE MINAS GERAIS (IEPHA-MG). Endereço eletrônico: <http://www.iepha.mg.gov.br>

FITCH, J. M. Preservação do patrimônio arquitetônico. In: CASTELNOU, A.M. N. (Org.). Preservação do Patrimônio. Londrina: Centro Universitário Fila-délfia (UniFil), 2001.

LEMOS, C. A. C. O Que é Patrimônio Histórico. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense,1985.

MELO, D. M. Patrimônio e Planejamento Urbano. In: Cadernos de Arquiteturae Urbanismo. Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Ge-rais, v.6, n.6, 1998.

MENICONI, R. A questão do patrimônio: arquitetura, memória e gestão dacidade. In: Cadernos de Arquitetura e Urbanismo. Belo Horizonte: PontifíciaUniversidade Católica de Minas Gerais, v.6, n.6, 1998.

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A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DE INVESTIMENTOS NA GESTÃODE VENDAS

Carlos Eduardo Zawadzki*Paulo Moro*

Luís Marcelo Martins**

RESUMO:O presente artigo envolve um estudo bibliográfico, que aborda a impor-

tância da análise de investimentos nos processos decisórios, no âmbito dasvendas. Para tanto, conceitua e define o termo investimento. Discorre sobreos objetivos da análise de investimentos, bem como sobre a sua utilizaçãopara a eficiência na tomada da decisão de toda e qualquer empresa, assimcomo para a amenização dos riscos. Detecta que nos empreendimentos relati-vos às vendas, a análise, ou seja, a projeção de resultados é imprescindívelpara a elaboração de estimativas quanto a expectativa de vendas, gastos e,conseqüentemente, ganhos futuros, podendo ajudar a evitar, em outros, oserros de subestimação dos custos associados a um possível aumento nasvendas. Também “aconselha” na análise do ganho líquido na expansão dasvendas (prevendo o quanto do aumento do faturamento restará após a dedu-ção dos gastos necessários para garantir o aumento); e também “ensina” aprever as quantidades necessárias para os investimentos. Conclui que a aná-lise de investimento é ferramenta imprescindível no processo decisório, per-mitindo a previsão de ganhos, retornos e evitando a viabilização de projetoscujos resultados se traduzam em insucesso e, conseqüentemente, perdas.

PALAVRAS CHAVES: Análise; Investimento; Vendas.

ABSTRACT:This work involves a bibliographical study on the importance of investment

analysis in decision-making processes concerning sales. In order to achieveits proposed goal, it conceptualizes and defines the term investment. Itdiscusses the objectives of the investment analysis and its utilization on theefficient decision-making of any company, as well as on decreasing risks. Itdetects that in enterprises engaged in sales, the analysis, that is, theprojection of results, is essential to the elaboration of estimates as to salesexpectation, cost and, consequently, future profits, and it helps to avoid,among others, the mistake of underestimating the costs associated to apossible increase in sales. It also “advises” on the analysis of net profit inthe expansion of sales or in the analysis of the net profit to be achieved bythe expansion in sales (foreseeing how much of the increased revenue itwill remain after the deduction of the necessary expenses to guarantee theincrease); and to foresee the necessary amounts for the investments involved.It concludes that the investment analysis is an indispensable tool in thedecision-making process, making it possible to foresee profits and returnsand avoid the execution of projects which could result in failures and,consequently, in losses.

KEY WORDS: Analysis; Investment; Sales.

*Alunos do curso de Pós-Graduação em Gestão e Estratégia Empresarial do Centro Universitário Fila-délfia – UniFil.**Coordenador do Curso de Graduação de Administração da UniFil, Coordenador e Professor do Cursode Pós-Graduação em Gestão e Estratégia Empresarial. [email protected]

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1. IntroduçãoAs empresas são, como asseveram SOUZA e CLEMENTE (1999, p.13),

entidades de capital que visam valorização, através da obtenção de lucros eacumulação de capital. A acumulação do capital, conseqüentemente, é re-vertida em investimentos que, por sua vez, também objetivam acumular ca-pital.

Dessa forma, todo e qualquer investimento realizado escopa, em primei-ra instância, o retorno do valor investido acrescido de quantia sobressalente(remuneração). Assim sendo, quando as empresas idealizam um novo inves-timento, o fazem porque esperam e trabalham para o sucesso da operação.Contudo, toda operação que envolva a aplicação de valores (investimentos)em operações desconhecidas, gera incertezas e sempre implicam em correrriscos. Os riscos permanecem durante todo o período em que empresa man-tém seu capital aplicado nos investimentos, mas as incertezas podem seratenuadas ou reduzidas, através de análises que ajudam e/ou determinama tomada de decisão. São métodos que são utilizados pela engenharia econô-mica com o propósito de determinar o grau exato ou aproximado do risco, quecompreende um fator imprescindível para a tomada de decisão sobre o in-vestimento.

Nesse contexto, considera-se que eficiência na tomada de decisões detoda e qualquer empresa, que deseja amenizar os riscos inerentes aos in-vestimentos, requer vasto conhecimento sobre a análise de investimentos,bem como dos diferentes métodos através dos quais se pode apontar a me-lhor opção.

Assim, norteando-se pelas obras de diferentes autores, busca-se comeste artigo, respaldar a importância da utilização dos diferentes métodos deanálise econômico-financeira, as quais visam relacionar resultados projetadospara Fluxo de Caixa de alguns anos, com o valor destinado ao investimento.

2. A Análise de Investimentos e sua ImportânciaToda e qualquer aplicação de recursos efetuada por uma empresa esta-

rá relacionada à busca de uma contrapartida. Assim, os empresários e/ougestores de organizações buscam maximizar o retorno dos investimentosfeitos, sejam eles aplicados nos mais diversos projetos ou áreas da organiza-ção.

No que se refere ao investimento na gestão das vendas, este assumealgumas conotações diferenciadas, contudo, sem fugir do contexto básico doinvestimento e de toda a análise necessária para a viabilização.

Segundo MIRANDA (1976, p.1.144), a venda compreende o ”ato ou efeitode vender”, e vender, por sua vez, corresponde a “alienar; ceder por certopreço, trocar por dinheiro; negociar”. De acordo com CHURCHILL Jr. e PETER(2000, p.518), os esforços de venda precisam ser administrados, governadospor um plano de vendas, uma declaração formal das metas e estratégias devendas, cuja elaboração e controle compreendem as atividades básicas daadministração de vendas. Essa administração, de acordo com a AssociaçãoAmericana de Marketing (apud LAS CASAS, 1999, p.18), compreende:

(...) o planejamento, direção e controle de venda pessoal, inclu-indo recrutamento, seleção, treinamento, providências de re-cursos, delegação, determinação de rotas, supervisão, pagamentoe motivação, à medida que estas tarefas se aplicam a força devendas (LAS CASAS, 1999, p.18).

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Assim, para o mesmo autor (p.61), é função do gerente de vendas odesenvolvimento e implementação do planejamento de vendas. Nesse con-texto, a administração vai mais longe e adentra à esfera da análise do inves-timento, pois esta é imprescindível no processo decisório e no sucesso daoperação. Segundo o SEBRAE, investimento corresponde:

Aplicação de recursos monetários em empreendimentos, com oobjetivo de geração de lucros, em geral a longo prazo. O termoaplica-se tanto à compra de máquinas, equipamentos, edificaçãoe imóveis para a instalação de unidades produtivas, como à com-pra de títulos financeiros. Em sentido estrito, investimento sig-nifica a aplicação de capital em meios que levam ao crescimen-to da capacidade produtiva, ou seja, em bens de capital (CIESP,2005, p.1).

MANDARINO (2005, p.1) concorda e afirma que “...o investimento em-presarial deve gerar valor”, com o objetivo de aumentar a riqueza dos propri-etários (sócios ou acionistas)”. Para SOUZA e CLEMENTE (1999, p.12), aempresa, independentemente de sua ênfase (política, econômica, adminis-trativa, técnica, contábil ou sociocultural), é “...sempre um conjunto inte-grado e interdependente, com objetivo(s) comum(ns)”, orientada para a acu-mulação de capital; uma entidade de capital que tem como principal objetivoa valorização”. Nesse contexto, os investimentos são realizados com a finali-dade de valorizar, acumular e aumentar o capital através de lucro.

Para os autores, o capital compreende o valor pelo qual a empresa podeser vendida. Conceito que traduz o inconveniente de depender da conjuntu-ra econômica, do ritmo dos negócios e das expectativas.

Suponha-se que o capital total investido em certa empresa emdeterminada época seja X1 e que, decorrido certo tempo, o capi-tal que pode ser recuperado seja X2. Então, o capital (líquido) acu-mulado (ou desacumulado) no período é a diferença (X2 - - X1).De modo geral, espera-se que haja acumulação de capital e nãodesacumulação, mas esta até poderia ser aceita em condiçõesanormais. Portanto, as empresas acumulam capital quando sevalorizam em termos de mercado, e desacumulam quando per-dem valor (SOUZA e CLEMENTE, 1999, p.14).

Desta forma, o lucro obtido (toda forma de ganho) com o próprio negócioé normalmente a principal fonte de valorização do capital. Cabe salientarque, valor líquido compreende, segundo SOUZA e CLEMENTE (1999, p.14-15), “o lucro obtido em certo intervalo de tempo é o valor líquido que, quandonão são feitas retiradas pelos proprietários, é somado ao capital”. Contudo,cabe acrescentar que, a empresa pode obter valorização por meio de outrasorigens, as quais vão além da acumulação de resultados positivos de suasatividades, pois a valorização da empresa, ou a acumulação realizada, podeser fortemente influenciada por fatores de mercado, os quais afetam deforma diferenciada os ramos de negócios e empresas, e influenciam global-mente a economia.

Nesse contexto, WOILER e MATHIAS (1996, p.154) enfatizam que a avali-ação do investimento é uma das tarefas mais importantes que se associamao projeto de viabilidades, pois “...o total a ser investido é muito relevanteem ternos de viabilidade”. SANVICENTE e MELLAGI FILHO (1988, p.18), rela-tam que a análise é fundamental, pois a previsão dos resultados do investi-mento depende da capacidade de prever “a taxa de retorno, ou taxa de vari-ação ou de crescimento do valor do objeto de aplicação”. Contudo, a

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previsibilidade de valores ou resultados depende da natureza “dos eventos aque os valores estão associados, da disponibilidade de informações a seurespeito, da influência de agentes econômicos sobre os eventos e da capaci-dade de análise dos investidores”.

Nesse sentido, WOLNER e MATHIAS (1996, p.155) alertam que “...algunsdos valores do projeto podem ser determinados de modo relativamente rápi-do e com razoável grau de decisão, ao passo que outros serão de determina-ção difícil e, freqüentemente, imprecisos”, pois, para eles:

(...) parece haver uma tendência para se subestimarem os gas-tos de investimentos, uma vez que o clima interno da empresa,ao estimar um projeto, corresponde mais a um processo políticode favorecer preferências (incluindo logicamente os choques deinteresses) do que a uma análise fria em relação ao projeto. Poroutro lado, os executivos têm interesse em que o verdadeiro va-lor não seja conhecido, para não serem controlados depois(WOLNER e MATHIAS, 1996, p.155).

Por esse motivo, esses mesmos autores, salientam a importância deassegurar o controle permanente da qualidade dos dados levantados, cujasprincipais fontes de informação se concentram nas experiências jávivenciadas, nos valores informados por fornecedores e no uso dos serviçosde consultorias especializadas. Acrescentando que, os investimentos estãosempre associados às incertezas, o que convém à alocação de estimativas deerro para cada parcela de valor investido, ou seja, a estimativa de erro con-centra uma tolerância do valor estimado, o valor de contingência, Assimsendo, a contingência, para WOLNER e MATHIAS (1996, p.155), “...depende-rá do grau de incerteza que se possui sobre determinada informação: infor-mações precisas terão contingências pequenas e vice-versa”. Contudo, paratais autores, independentemente das contingências estabelecidas para cadaitem do investimento, recomenda-se a fixação de um valor destinado aosgastos imprevistos, que, em geral, têm a ordem de 10 ou 15% do valor total aser investido.

HUMMEL e TASCHNER (1995, p.21) acrescentam que a importância daanálise econômica se faz presente em todos os tipos de tomadas de decisão,pois também se traduzem por análises de investimentos. Segundo eles, todae qualquer empresa, seja ela comercial, prestadora de serviços, industrial,sempre terá a necessidade de decidir sobre substituição de equipamentosou suprimentos e materiais, lançamentos de novos produtos etc., que tam-bém se caracterizam como investimentos, pois requerem a disponibilizaçãode valores, e a tomada de decisões. Nesse contexto, segundo estes, é im-prescindível a atuação da Engenharia Econômica, conjunto de técnicas quepermitem a comparação, de forma científica, entre os resultados de toma-das de decisão referentes a alternativas diferentes, as quais devem seranalisadas, em termos quantitativos, ou seja, após serem verificadas todasas variáveis que influenciam no sistema estudado, a escolha deve sempreoptar pelas alternativas mais econômicas, as “alternativas de investimento”,pois exigem sempre a inversão de capital.

Para MANDARINO (2005, p.1), a Análise Econômico-Financeira “...assu-me importância fundamental no processo decisório”, pois se constitui numinstrumento tanto para a avaliação de desempenho quanto para oferecer osindicadores das perspectivas econômico-financeiras da empresa”. Para ele,a Análise Econômico-Financeira se divide em duas fases distintas: de natu-reza retrospectiva e de natureza objetiva. A primeira fornece o feedback parao exame da eficácia das decisões financeiras tomadas no passado e da efici-

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ência com que foram executadas; e a segunda favorece a criação de cenári-os e de expectativas que se associam ao desempenho econômico-financeirono futuro, vislumbrando os riscos. Dessa forma, tal análise constitui-se emum poderoso instrumento de apoio, tanto para tomadas de decisão quantopara reformulações de estratégias empresarias, pois permite estimar o po-tencial de criação de valor.

Para SOUZA (2003, p.1), atualmente a análise de investimentos podeser dividida em quatro ramos interdependentes:

Avaliação Econômica, que tem como base os conceitos de valor do di-nheiro no tempo (conceito moderno de lucro) e de fluxo de caixa (FC). Segun-do o autor, “...os mais importantes desses métodos são o do valor atual (VA)e o da taxa interna de retorno (TIR)”, que se baseiam no desconto dos FCs eno método do valor anual equivalente (VAE), baseado na uniformização deFCs, os quais por sua vez são constituídos por entradas e saídas efetivas decaixa, obtidas pela melhor estimativa. A aplicação desses métodos resultano retorno do investimento expresso pelo valor atual, calculado através dataxa de atratividade do investidor, da taxa interna de retorno do investimen-to ou pelo valor anual equivalente, que também calcula a taxa de atratividadedo investimentos.

Análise de Sensibilidade: o objetivo é identificar as variáveis estratégi-cas do empreendimento, cujas variáveis chaves compreendem aquelas queprovocam uma intensa variação, ou seja, sensibilidade no retorno do projetoou possuem um alto risco e incertezas nas suas estimativas.

Análise de Risco: Compõe-se da técnica analítica e da simulação deMonte Carlo, que trabalha com as variáveis estratégicas selecionadas pelaanálise da sensibilidade e fornece a distribuição de probabilidade de todosos retornos possíveis como resultado. Para o autor, esse método de análiseassume singular importância, porque responde questões do tipo: “...qual aprobabilidade de retorno do projeto ser superior à rentabilidade exigida peloempreendedor ?” Além de fornecer respostas de forma mais ilustrativa aoutras questões; é a vantagem que tem sobre a resposta “pontual” fornecidapela avaliação econômica. Cabe ressaltar que:

(...) o conceito de valor esperado, usado na análise de risco pon-dera os resultados possíveis por suas probabilidades de ocorrên-cia, o que, para muitos analistas, leva em conta adequadamen-te, os riscos. Entretanto, para o investidor, risco não é somenteuma função de distribuição probabilística do retorno financeiro,mas também da magnitude do capital exposto à chance de perdaeconômica (SOUZA, 2003, p.2).

De tal forma que, o uso exclusivo do valor esperado na tomada de deci-são implica na indiferença do investidor em relação ao montante aplicado eao potencial de lucro ou perda do negócio. Nesse contexto, a teoria da utili-dade complementa as técnicas citadas.

Teoria da Utilidade: Utiliza a função ou curva da utilidade, a qual des-creve o comportamento (aversão, indiferença ou inclinação) do investidor aorisco e conceitos de equivalente certo, que quantificam as atitudes do inves-tidor ante o risco, e de tolerância ao risco, que mede a propensão ao mesmo.

Cabe acrescentar que a teoria da utilidade mostra as implicações demelhoria de qualidade das decisões, tanto para a diluição do risco como paraa diversificação do risco, mediante a otimização de um portfólio de investi-mentos. O autor ainda menciona a grande importância da análise de risco eda teoria da utilidade no processo de decisão, técnicas amplamente empre-gadas no setor de petróleo.

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No contexto das vendas, o Banco do Brasil – BB (2005, p.1) elucida queos empresários ao pensar no futuro, devem elaborar a projeção dos resulta-dos, imprescindível na elaboração de estimativas quanto à expectativa devendas, gastos e, conseqüentes, ganhos para os próximos meses e/ou anos,os quais podem ajudar a evitar, por exemplo, erros de subestimação doscustos associados a um possível aumento nas vendas; ou ajudar na análisedo ganho líquido da expansão nas vendas (prever o quanto do aumento dofaturamento restará após a dedução dos gastos necessários para garantir oaumento); e prever as quantidades necessárias para o investimentos.

Para o Instituto de Estudos Financeiros - IEF (2005, p.2), a análise deinvestimento empresarial é importante, porque permite subsídios para a de-finição do projeto de investimento mais rentável; calcula a rentabilidade deum determinado projeto de investimento; determina o volume mínimo devendas que um projeto de investimento precisa gerar para que possa serrentável; e define o tamanho ideal de um projeto de investimento. Segundoele, os métodos de análise de investimento se dividem em dois grupos: mé-todos práticos e métodos analíticos. Os métodos práticos (taxa de retornocontábil e tempo de retorno) são simples, mas imprecisos e, embora sejammuito utilizados, principalmente, por pequenas e médias empresas, podemconduzir a decisões erradas. Os métodos analíticos (Valor Presente Líquido- VPL e a Taxa Interna de Retorno -TIR), que como citado, têm por base ovalor do dinheiro no tempo, são mais consistentes, e podem ser enriquecidoscom técnicas mais sofisticadas, como, por exemplo, árvore de decisão, análi-se de Monte Carlo, regra de Laplace e regra de Hurwicz, entre outras.

3. ConclusõesO estudo acerca da análise de investimentos empresariais que tem como

propósito a geração de valores, e como objetivo principal a maximização dariqueza dos proprietários, atividade empresarial financiada por valores oriun-dos de crédito e/ou capital de giro, os quais devem proporcionar retornossuficientes para remunerar as fontes de capitais (credores e proprietários) eauto-sustentar o crescimento dessa atividade, revelou que os riscos ineren-tes aos investimentos são eliminados, atenuados ou minimizados quando dautilização dos diversos métodos destinados à previsão do retorno do valor aser investido, imprescindível para o desenvolvimento do processo decisório,constituindo-se em um valioso instrumento de avaliação de desempenho,que oferece à empresa os indicadores das perspectivas econômico-financei-ras acerca dos futuros empreendimentos.

Assim, a tomada de decisões sobre projetos de investimentos deve,impreterivelmente, ser precedida de cuidadosa análise por parte da empre-sa, através dos seus analistas econômico-financeiros, visando propiciar sub-sídios para a definição do projeto de investimento viável e, portanto, maisrentável deve: calcular a rentabilidade de determinado projeto de investi-mento; determinar o volume mínimo de vendas e/ou serviço, que o projetode investimento precisa gerar para se tornar viável; e definir o tamanhoideal para o projeto de investimento. São aspectos vitais para o sucesso detoda e qualquer empresa atuante no ramo de vendas.

Cabe ressaltar a identificação dos métodos de análise de investimento,os quais se dividem em dois grupos: métodos práticos e métodos analíticos.Os primeiros (práticos) compreendem a taxa de retorno contábil e o tempo deretorno, que são simples, porém imprecisos. Eles, embora muito utilizados,por pequenas e médias empresas, podem conduzir a decisões equivocadas.

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Os segundos (analíticos): Valor Presente Líquido - VPL e a Taxa Interna deRetorno -TIR, que se baseiam no valor do dinheiro no tempo, são mais con-sistentes, além de poderem ser enriquecidos com técnicas mais sofistica-das, como, por exemplo, árvore de decisão, análise de Monte Carlo, regra deLaplace e regra de Hurwicz, entre outros.

Finalizando, cabe acrescentar que, a análise dos investimentos, comoveículo para demonstrar as probabilidades a cerca dos riscos que envolvemcada projeto, especialmente, os projetos de investimento em vendas, assu-me singular importância no processo decisório, pois, como afirma SOUZA(2003, p.2), “...para o investidor, risco não é somente uma função de distri-buição probabilística do retorno financeiro, mas também da magnitude docapital exposto à chance de perda econômica”.

ReferênciasBRASIL, Banco do. Projeção de Resultados. 2005. Disponível em: http://www.bb.com.Br/appbb/portal/emp/mpe/PlanejaFinProjecaoResult.jsp.Acessado em 03.11.2005.

CHURCHILL Jr. Gilbert A.; PETER, J. Paul. Marketing: criando valor para osclientes. São Paulo: Saraiva, 2000.

HUMMEL, Paulo Roberto Vampré; TASCHNER, Mauro Roberto Black. Análisee Decisão sobre Investimentos e Financiamento: Engenharia Econômica – Teoriae prática. 4.ed. (ampliada com modelo de determinação da inflação internada empresa e modelo de resolução com taxa de inflação múltipla). São Paulo:Atlas, 1995.

IEF – Instituto de Estudos Financeiros, 2005. INVESTIMENTO. Disponívelem: http://www.ief.com.br/investim.htm. Acessado em: 04.11.2005.

LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Administração de Vendas. 5.ed. São Paulo: Atlas,1999.

MIRANDA, Augusto. Dicionário 2001 do Homem Moderno. São Paulo: Focus,1976.

MANDARINO, Domenico. Análise Econômico-Financeira de Empresas. Disponí-vel em: http://www2.uerj.Br/~faf/extensão/analise_empresas.htm. Acessadoem: 03.11.2005.

SANVICENTE, Antonio Zarotto; MELLAGI FILHO, Armando. Mercado de Capi-tais e Estratégias de Investimento. São Paulo: Atlas, 1988.

SOUZA, Alceu; CLEMENTE, Ademir. Decisões Financeiras e Análise de Investi-mentos: fundamentos, técnicas e aplicações. São Paulo: Atlas, 1999.

SOUZA, Pétain Ávila de. Status da Análise de I nvestimento. Disponível em:http://www.ietec.com.Br/ietec/techoje/techoje/mineração/2003/01/24/2003_01_24_0002.2xt/template_interna. Acessado em: 03.11.2005.

WOILER, Sansão; MATHIAS, Washinton Franco. Projetos: planejamento, ela-boração, análise. São Paulo: Atlas, 1996.

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OS NOVOS TEMPOS DA COMUNICAÇÃO E DO RELACIONAMENTONO SETOR SUPERMERCADISTA

Aislan Ribeiro Greca*

RESUMO:Na atualidade, o setor supermercadista busca formas de se diferenciar

e se destacar no mercado competitivo. Muitas empresas deste ramo têm seespecializado na prestação de serviços e no atendimento para se integrarcom seus clientes. Porém, diante das mudanças que ocorrem no comporta-mento deste segmento de público, somente um bom atendimento não bastapara se estabelecer um relacionamento sólido, sendo necessário investirem ações institucionais que envolvam, além dos colaboradores da empresa,a comunidade local e os clientes. Para que esta atitude se torne possível énecessário implementar ações que intensifiquem o bom relacionamento como público e, principalmente, desenvolvam ações de responsabilidade social.Hoje não basta ter um bom produto, ou um bom preço; o relacionamento éque faz a diferença, principalmente em um setor tão competitivo como osupermercadista.

PALAVRAS CHAVES: Comunicação; Varejo; Marketing de Relaciona-mento; Supermercado; Comunicação Institucional.

ABSTRACT:Nowadays, the supermarket business seeks new ways to differentiate

and to outstand in a competitive market. Many companies in this field havespecialized in service rendering and caring to integrate their clients. However,due to the changes which occur in the behavior of this client segment, goodservice rendering alone is not enough to establish a solid relationship: it isnecessary to invest in an institutional policy which involves the localcommunity and the clients, besides company collaborators. For this policy tobecome viable, it is necessary to implement procedures which intensify thegood relationship with the public and, specially, to implement a socially-responsible attitude. Nowadays, it is not enough to have a good product dosell, or a competitive price: it is the relationship that makes a difference ina competitive market such as the supermarket business.

KEY WORDS: Communication; Retail; Relationship Marketing;Supermarket; Institutional Communication.

A globalização é um fator que também está presente no setorsupermercadista. Hoje, várias são as empresas que estão expandindo suasações em nível mundial, gerando marcas famosas, como as das grandesredes que estão na maioria dos países desenvolvidos e emergentes.

* Especialista em publicidade, marketing e propaganda pelo Centro Universitário Filadélfia – UniFil.

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No entanto, saber como cada país, ou região de uma nação responde emrelação a uma determinada ação comunicacional desenvolvida, não é algofácil de se fazer quando as empresas agem com base em uma estratégiaglobal. O problema das grandes redes de supermercado, ou de qualquerempresa varejista, é a relação direta que ela tem com o consumidor, pois ocliente é diferente em cada lugar, com as mais diversas característicasculturais e formas de percepção. É o que defende Quelch, ao afirmar que“...é preciso dedicar atenção à adaptação ao local” (apud ROTHENBERG,2001, s/p). Ele defende, ainda, que após se ter conquistado um grupo parti-cular de clientes, é necessário observar as preferências locais do restantedos consumidores e do público em geral.

Sendo assim, “...no caso das estratégias de marketing e comunicaçãohá uma descentralização da gestão em beneficio das unidades locais”(MATTOS, 2000,s/p.), ou seja, essas estratégias são definidas de acordo comas demandas de uma determinada região tentando-se assim, desmassificarao máximo o padrão de consumo e o relacionamento com a comunidade emque a empresa está inserida.

Esta busca pela desmassificação está trazendo para o setorsupermercadista a necessidade de aproximar-se, cada vez mais, de seusclientes com o objetivo de obter um relacionamento mais intenso e dura-douro, contribuindo para a geração da fidelidade. Assim, surge a tendênciade se criar os chamados “supermercados de bairro”, estabelecimentos mon-tados estrategicamente para atender, preferencialmente, a uma determi-nada região, em um espaço físico menor, se comparado aos hipermercados,com custo de operacionalização relativamente baixo, mas oferecendo emum pequeno espaço tudo que o consumidor necessita: Ser uma loja devizinhança não é só ficar de portas abertas diariamente, inclusive domingoe feriado. Para fazer valer a denominação, a loja deve ter serviços, produ-tos e mix diferenciados, voltados para o atendimento da vizinhança (FON-SECA, 2003, p.17).

Deste modo, é utilizado como chamariz, principalmente, o fator con-veniência.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira deSupermercados (ABRAS), a conveniência, ou seja, a proximidade do estabe-lecimento com a casa ou trabalho é o fator mais importante para o consumi-dor escolher e freqüentar um determinado supermercado, tendo sido men-cionado por 52% da população entrevistada, abrangendo todas as classessociais de A a E. “É importante enfatizar que a proximidade tem o mesmopeso tanto para clientes de pequenos estabelecimentos quanto para os degrandes lojas.” (LUKIANOCENKO, 2003). Desta forma, é possível observarque no varejo, o aspecto emocional e o relacionamento são elementos queestão intimamente ligados ao sucesso do negócio. Empresas de referência jáenxergaram estas características e hoje colhem os frutos de um trabalho deadaptação aos novos tempos.

(...) temos, como nunca antes, um brasileiro mais crítico, decidi-do e consciente de seu papel nas relações de consumo. Em para-lelo a esse perfil mais reivindicador, ele é também mais emocio-nal, capaz de trocar de loja ou de marca por um atendimento maisatencioso ou por um serviço diferenciado (SOUSA, 2003, s/p.).

Investir em comunicação, principalmente quando se busca um resulta-do a longo prazo, é algo que demanda audácia e confiança no empreendi-mento, sendo que no varejo isto tem que estar muito mais presente, pois asrespostas do consumidor sobre as ações e práticas são instantâneas, poden-

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do levar a empresa do sucesso ao fracasso quase que de imediato.Vale ressaltar que todas as estratégias de comunicação devem ser

embasadas em um planejamento de Comunicação Corporativa eOrganizacional envolvendo os mais diversos públicos, como por exemplo, ossegmentos: interno, clientes, imprensa, fornecedores e comunidade. É oque defende Jorge ao afirmar que:

A comunicação empresarial deve integrar e coordenar todas asfunções e atividades inerentes. Ela não deve subordinar-se aoutras áreas, como Marketing, RH ou Financeiro, como aconte-ce em algumas empresas, não só no Brasil, como nos EstadosUnidos e em outros países. Subordinada a outros departamen-tos, fica praticamente impossível administrar a comunicação deforma estratégica. (JORGE, 2000, s/p).

O autor complementa dizendo que a comunicação organizacional “con-tribui para a eficácia organizacional e corporativa quando ajuda a conciliaros objetivos da empresa com as expectativas de seus públicos estratégicos”.

Deste modo, o trabalho com o público interno é fundamental quando aempresa se encontra no setor varejista, pois quem se relaciona com o clien-te é o funcionário, sendo ele, então, um elemento importante presente noatendimento e no relacionamento. “Se o consumidor é a alma do negócio dequalquer empresa, quem interage constantemente com ele? A resposta será:o funcionário, direta ou indiretamente”. (GIANGRANDE, 1997, p.33).

Farias defende que:

É necessário buscar a participação dos funcionários e tambémda direção no processo de uniformização da identidade empresa-rial. Treinamento, integração, conhecimento do produto/servi-ço que a organização oferece, programas de motivação, proces-sos de busca da excelência da qualidade, podem ser vistos comoatividades muito diversas entre si. Mas não. Devem ser feitasantes mesmo de se pensar em abrir canais diretos de atendi-mento ao público (FARIAS, 1998, p.61).

Ele acrescenta ainda que “...a Comunicação Corporativa estará dandoseus primeiros passos quando os componentes da organização estiveremengajados no processo de identificação da empresa e uniformização do dis-curso empresarial”. Deste modo, as políticas, sejam elas de atendimento oude padrões de qualidade, devem estar alicerçadas e interligadas, buscando-se com isso, a uniformização da identidade empresarial. No entanto, estauniformização deve ser flexível, capaz de se adaptar ao local em que a em-presa está inserida, principalmente na questão de atendimento, pois o con-sumidor de uma metrópole é muito diferente do consumidor de uma cidadelitorânea ou de uma cidade de porte médio do interior.

Devido a esta necessidade de uma uniformização e identificação, é desuma importância a participação do gerente das lojas na comunicação erelacionamento com os clientes e funcionários, pois é ele quem deve ter apercepção necessária para moldar as políticas da empresa à realidade emque se esta inserida. FARIAS (1998) destaca que a conscientização de toda adireção e gerência, a respeito da necessidade de uma mudança, é fatorprimordial para que esta possa ocorrer. Sem a participação da direção, todo oprocesso se torna mais difícil.

Fontes fiéis e sem parcialidade, é o que a sociedade busca das empre-sas na hora em que a mesma exige uma posição da organização. As pessoashoje buscam credibilidade nas informações e não se deixam mais levar pe-

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las propagandas enganosas, elas querem a verdade. Segundo RIES (2003), apropaganda carece de credibilidade, sendo considerada pelo público umamensagem tendenciosa; sendo assim, uma comunicação séria, aberta e amplano intuito de manter um relacionamento duradouro com a sociedade é o querealmente pesa na decisão de um cliente sobre qual entre as empresa eleirá optar.

Hoje, o supermercado que ‘briga’ somente no preço é visto aos olhos doconsumidor como uma commodite, pois todos fazem isto. O consumidor es-pera mais benefícios dessas empresas; além de preço baixo, eles querem serbem atendidos, ver o supermercado participando de ações juntamente com acomunidade, e também ser totalmente responsável social e ambientalmente.

Mais bem-servido, o consumidor adiciona novos valores e cren-ças aos seus critérios de escolha e de julgamento de empresas emarcas. Em todos os níveis sociais cresce a consciência da di-mensão ética, da cidadania, da valorização dos direitos huma-nos e do respeito à capacidade de consumo. Questões como meioambiente, reciclagem de embalagens, responsabilidade social eaté mesmo o tratamento dispensado pela empresa aos seus co-laboradores pesam e muito na hora de escolher onde ele vai gas-tar seu dinheiro. (SOUSA, 2003, s/p.).

Na visão de Lazzarini, o que um supermercado necessita para obter umavantagem competitiva é estreitar o “relacionamento de valor com o cliente”.Para isto, ele aponta seis engrenagens (LAZZARINI apud. SOUSA, 2003, s/p.):

1. Ambiente – É preciso avaliar as constantes mudanças no per-fil do consumidor.

2. Estratégias – É necessário se perguntar: como meu negócioestará nos próximos cinco anos? E buscar lacunas no merca-do para atender às necessidades até então não atendidas.

3. Táticas – Buscar o conjunto integrado de ações de curto emédio prazo, e que dão sustentação e estratégias.

4. Dinâmica de Preços – Dados da ACNielsen usados na pesqui-sa Líderes de Vendas, apontam que a variação de preços dosprodutos foi menor que a do índice geral, o que fez as marcaslíderes perderem participação. Por isso é importante ter sem-pre informações que norteiem a definição de mix e preços.

5. Consumidor – É preciso conhecer os fatores que direcionamou influenciam sua escolha pelo supermercado.

6. Elemento humano – O funcionário da loja faz a diferença setiver campo fértil para se desenvolver e satisfazer o cliente.

Analisando sob este contexto, percebe-se que as relações públicas e asáreas da comunicação atuando nas mais diversas “engrenagens”, auxiliamcom competência as empresas na construção do chamado relacionamentode valor.

Na atualidade, o que diferencia um estabelecimento do outro é a capaci-dade deste se comunicar e relacionar com os seus públicos. E para isto acomunicação organizacional, aliada a estratégias de Relações Públicas, po-dem efetivamente fazer a diferença. A comunicação é matéria prima básicapara agregar valor institucional a um supermercado; no entanto, ela temque estar alicerçada a um planejamento capaz de integrar o ambiente inter-

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no com o externo, adequando a empresa às novas demandas que surgemneste mercado globalizado e cada vez mais competitivo: “(...) E o grandeprotagonista dessa nova era – pós-industrial – é o ser humano (GIANGRANDE,apud VOLPI, 2003, p.168).

Baseado neste conceito principal de relacionamento, valorização do serhumano e comunicação, percebe-se que o setor supermercadista, em virtu-de de ter uma relação direta com o seu consumidor, em muitos casos quaseque diárias, demonstra que as ações de relacionamento e responsabilidadesocial estão muito em voga dentro do setor, e trazendo enormes frutos paraas empresas.

De acordo com dados da Escola de Administração de São Paulo (EAESP)da Fundação Getúlio Vargas, os supermercados foram as entidades varejis-tas que mais participaram, em número de inscrições, do Segundo Prêmio deResponsabilidade Social no Varejo, com 17% das inscrições de todo o Brasil,sendo finalista em todas as categorias em que o setor poderia participar:micro, pequena, média e grande empresa.

Isto demonstra o quanto as ações de responsabilidade social estãoinseridas dentro do setor, não só em grandes empresas, mas também emempresas de pequeno porte, provando que não há necessidade de grandesinvestimentos para se aproximar da comunidade.

Vale ressaltar que as ações não englobam somente a comunidade, mastambém funcionários e trabalhos voltados ao meio ambiente.

Mas para isto a responsabilidade social deve ser assumida de formaconsistente e inteligente pela empresa e assim contribuir de forma decisivapara a sustentabilidade e para o desempenho empresarial.

Tudo começa com o surgimento de um clima de maior simpatiapara a imagem da empresa. De repente, a empresa deixa de servilã, responsável pela prática de preços abusivos, demissões efontes geradoras de lucros exorbitantes e, em muitos casos, res-ponsável pela depredação da natureza. Torna-se uma empresa-cidadã (...) (MELO, 2000, p.95).

Isto comprova que as novas vias de se comunicar com os consumidoresestão além das tradicionais formas de comunicação de massa que reinaramnas últimas décadas. Hoje, anunciar uma oferta imperdível em horário no-bre não é garantia de se obter clientes fiéis e que respeitem a sua empresa;hoje, para ser lembrado por um consumidor, não basta estar só no seu bolso,mas também no seu coração, pois como afirma Thompson:

Os consumidores foram além das necessidades básicas da Hie-rarquia das Necessidades de Maslow, mas enfrentam a deca-dência das instituições tradicionais (...). Os consumidores de-monstram respeito crescente pelas empresas, em parte pela fal-ta de outras instituições que mereçam essa admiração, mastambém como resultado dos esforços das próprias empresas(THOMPSON, 2000, p.45).

Baseando-se na escala de fidelidade, percebemos que o grande lucrodas empresas do setor supermercadista não advém dos consumidores de ummodo geral, mas dos “defensores”, que são os que realmente consomemconstantemente nas lojas e que podem difundir melhor o conceito da empre-sa perante a sociedade de um modo geral; funcionando assim muito melhorque as propagandas massivas, pois a chamada propaganda boca-a-boca trazconsigo a espontaneidade e a veracidade na informação.

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Prospects: pessoas que podem estar interessadas em comprarde você;

Shoppers: pessoas que visitam o seu negócio pelo menos uma vez;

Clientes Eventuais: pessoas que adquiriram um ou mais produ-tos e serviços de seu negócio;

Clientes Regulares: pessoas que adquirem regularmente seusprodutos ou serviços;

Defensores: pessoas que elogiam a qualidade de seu negócio aquem quiser ouvir. (BOGGMAN, 2002, p.37).

Com isto podemos concluir que uma comunicação vista de um modomais estratégico pode, a longo prazo, fazer a diferença e estreitar o relacio-namento de valor com o cliente, não só do ponto de vista do marketing, mastambém com o cliente interno e, principalmente, com a comunidade, pormeio de práticas de Responsabilidade Social.

A empresa, na responsabilidade social, vai precisar desenvolveruma rede de relações afetivas que reduza sua vulnerabilidadeem relação ao consumidor, perante a exposição pública de seuserros (PARENTE, 2003, p.25).

Um exemplo de uma ação de comunicação integrada com foco no relaci-onamento com o cliente é o do ‘Supermercado Fatão’ de Londrina.

Esta empresa buscou se destacar perante seus concorrentes, tendo comodiferencial o relacionamento com a comunidade. Esta foi, e ainda é, a prin-cipal proposta de trabalho que o supermercado Fatão desenvolve na cidadede Londrina.

Aproveitando-se do conceito de supermercado de bairro, o Fatão buscounos últimos seis meses de 2002, entender o seu cliente, saber de ondevinha e o que ele almejava. Por meio de entrevistas em profundidade comalguns clientes e com a observação diária no estabelecimento, descobriu-seque uma parcela considerável dos clientes que freqüentavam o Fatão erammoradores dos bairros vizinhos ao supermercado e que freqüentavam diaria-mente o local.

Tendo esses dados em mãos, percebeu-se que o grande diferencial seriaaprimorar e estreitar o relacionamento com os clientes, por meio de umcompromisso sério de ações, que realmente desenvolvessem um conceitopositivo do Fatão perante os seus clientes e a comunidade em geral.

Sendo assim, em janeiro de 2003, foi lançado o projeto “Atendimento doCoração”, que tem como objetivo principal treinar os funcionários para queos mesmos desenvolvessem um atendimento diferenciado, aproveitando avantagem de se conhecer a maioria de seus consumidores.

Esta facilidade em se conhecer o cliente vem, principalmente, decor-rente do fato de a maioria dos clientes morarem nos bairros vizinhos aoFatão. Procurou-se enfatizar, no treinamento dado aos funcionários, a im-portância da percepção nas ações com os clientes, ou seja, observar os hábi-tos de consumo dos clientes mais assíduos, superar as suas expectativas eatendê-los sempre com o objetivo de fazer com que ele se sentisse único,buscando, muitas vezes, criar um vínculo emocional com os consumidores,transformando-os em “nossos amigos”.

Como modo de avaliação e controle do processo de atendimento, o De-partamento de Comunicação possui um canal direto de relacionamento como cliente, por meio de uma caixa de sugestões e e-mail e, regularmente, oDepartamento telefona para os clientes que utilizaram os serviços de entre-ga para avaliar a qualidade e a pontualidade da mesma, além de realizar

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pesquisas de opinião, implementadas regularmente no supermercado, en-volvendo uma amostragem de 5% do movimento médio da segunda semanade cada mês, e que na última pesquisa resultou em cerca de 800 clientesentrevistados.

Além da coleta de opiniões que é realizada, diversas pesquisas nos maisvariados eventos promovidos pelo Fatão também acontecem. São enfatizadasquestões de atendimento, como forma de suporte para o projeto.

Os resultados alcançados foram muito positivos, devido principalmenteao engajamento de todos os funcionários no projeto. De acordo com os dadosrevelados pela pesquisa, e também através do recolhimento de opiniões dosclientes, conseguiu-se atingir o objetivo principal, que era diferenciar o Fatãoperante os concorrentes na questão do atendimento. Hoje, pode-se afirmarque, realmente, o Fatão atende os seus clientes com o coração.

Resultados da última pesquisa revelaram que o supermercado possuicerca de 98% de aprovação nos níveis bom e ótimo, sendo que para 42% dosclientes, o atendimento promovido pelo Fatão é ótimo . Este dado é realmen-te animador, principalmente pelo fato de o supermercado estar atuando asomente dois anos.

Outro fato interessante é que se analisarmos o atendimento pela faixaetária, percebemos que entre as pessoas da 3ª idade (entre 61 e 70 anos), foiobtido 62.5% de avaliação ótima no atendimento. Isto é reflexo das políticasque o supermercado possui com as pessoas da 3ª idade, que representam,juntamente com as pessoas da faixa de 50 anos (que também se encaixamnas políticas de relacionamento), cerca de 25% dos clientes.

Com isto, pode-se concluir que no Fatão o atendimento é a grande chavedo sucesso; a valorização do elemento humano e do relacionamento, volta-dos, realmente, para a construção de vínculos e não de simples açõesefêmeras de marketing, trazem resultados positivos que, a longo prazo, ten-dem a ser aprimorados e expandidos.

Focalizando o relacionamento, o supermercado Fatão percebeu, por meiode suas pesquisas de opinião e de análises estatísticas, que a 3ª idade seriaum ótimo nicho para se trabalhar um atendimento voltado para o relaciona-mento, com uma visão mais social. Foi assim, que em março de 2003 foilançada a “1ª Semana Saudável” que foi uma semana inteira voltada, so-mente, para a qualidade de vida das pessoas, principalmente aquelas da 3ªidade.

Para isto, a empresa contou com o apoio, para a primeira edição, daUNOPAR (Universidade Norte do Paraná) que cedeu estudantes universitá-rios de Nutrição, os quais fizeram, durante toda a semana, uma avaliaçãonutricional nos clientes, focando a importância de uma alimentação maissaudável. Para ajudar nesta divulgação, contou-se com o apoio de fornecedo-res que comercializam produtos saudáveis, para patrocinar um folder exibin-do a pirâmide nutricional, para proporcionar apoio aos estudantes na orien-tação dos clientes.

Além das nutricionistas, a primeira edição da “Semana Saudável” tam-bém contou com a participação da Embrapa, que ofereceu duas aulas deculinária à base de soja para os clientes, enfocando, principalmente, a im-portância deste alimento para os idosos.

Os resultados foram tão positivos que em um período de 4 a 5 meses,outras edições foram implementadas para os clientes. O evento cresceu ehoje conta com a participação de estudantes de Nutrição, Enfermagem, Far-mácia e Educação Física, cedendo seu tempo como voluntários para a reali-zação da “Semana Saudável”.

Além das aulas de Culinária de Soja, a “Semana Saudável” também

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promove palestras com cardiologistas, nutricionistas, aulas de culinária so-bre reaproveitamento de alimentos, aulas light, entre outras. Vale ressaltarque a “Semana Saudável” também é voltada para o público interno, poissempre que ocorre este tipo de evento, a empresa incentiva os funcionáriospara participarem dos programas de saúde, como um procedimento de pre-venção.

Existem também outras formas de relacionamento com a 3ª idade. Tam-bém foram criados o clube de culinária, onde as clientes fazem, em média,de 15 em 15 dias, cursos de culinária dos mais diversos produtoscomercializados no Fatão; além do ”café da tarde” e bingos com sorteios debrindes, promovidos pelo supermercado.

Hoje a demanda por um grupo de convivência mais intenso com essesclientes foi tão grande que em março de 2004 foi lançado o projeto “Fatão emForma”, onde toda segunda e quarta-feira são ministradas aulas de educa-ção física para os idosos, com o objetivo de melhorar o condicionamentofísico dos mesmos, além de formar mais um grupo de convivência com essesclientes.

Outra forma de inserir a empresa na luta pelo bem estar dos idosos, foio apoio financeiro mensal da empresa Associação Beneficente Galvão Buenopara a 3ª Idade, que terá a sede construída até o final de 2006 e que écoordenada pela Sra. Mildred Galvão Bueno, mãe do locutor esportivo, e quelançou a associação na edição de novembro de 2003 da “Semana Saudável”.

O principal resultado obtido foi o bom conceito das pessoas da 3ª idadesobre as ações do Fatão, tanto que a aprovação do atendimento do supermer-cado, como dito anteriormente, foi de cerca de 60% em nível ótimo com estepúblico. O supermercado Fatão conseguiu fidelizar os idosos que moram nobairro; tanto que percebe-se a sua presença diariamente no estabelecimen-to e as avaliações dos cursos de culinária e dos eventos confirmam a aprova-ção deste público, que não exige muito das empresas, somente um pouco deatenção e respeito.

Os benefícios conseguidos foram muito bons, além de um conceito posi-tivo perante à 3ª idade e da fidelização desses cidadãos em relação ao super-mercado (que foram, realmente, superiores ao esperado), mas satisfaçãomaior foi saber que para muitos idosos o Fatão é visto como a sua segundacasa e foi isto que mais a empresa objetivou.

Há previsão de continuidade deste programa, tanto que em agosto de2005 estudantes de Nutrição estarão trabalhando juntamente com a profes-sora de Educação Física em um projeto de atividade física e reeducaçãoalimentar durante todo o restante do ano. Os idosos são ótimosdisseminadores de informação e tê-los como aliados ajuda consideravel-mente na formação de uma imagem positiva do supermercado perante acomunidade em geral.

Com isto podemos concluir que todos os projetos acima apresentadospodem ser implementados em qualquer empresa. Hoje o relacionamento é achave para o sucesso de qualquer organização, e no varejo isto é ainda maisperceptível. Se diferenciar no preço, na variedade ou na tecnologia ajudamuito à empresa; no entanto, quando alguém possui uma relacionamentoreal e aberto com o cliente e, principalmente, com a comunidade, adquireum vínculo emocional com essas pessoas, conseguindo mais que simpatia...respeito e passa a ser visto como um parceiro que oferece um serviço, masque, adicionalmente, está disposto a dividir os frutos com a sociedade.

Ser socialmente responsável não requer grandes investimentos; apenasbasta ser estratégico na maneira de se relacionar e comunicar com seuspúblicos de interesse, mantendo como foco, sempre, o bem comum.

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A MODERNA ADMINISTRAÇÃO HOSPITALAR

André Marcel Mariano da Silva*Adalberto Brandalize**

RESUMO: Ao avaliar a questão da qualidade da saúde alguns anos atrás e compará-

la à realidade de hoje, podemos listar inúmeras inovações nos quesitostecnologia e modelos de gestão administrativa. Apesar de ainda serem en-contradas algumas deficiências, nota-se a preocupação com a melhoria porparte dos gestores, dos colaboradores das instituições e da própria comuni-dade. A comunidade torna-se cada vez mais exigente na satisfação de suasnecessidades e/ou desejos. O Sistema de Qualidade é um conjunto de ativi-dades e tarefas que devem ser praticadas efetivamente por todos os colabo-radores e só trará resultados se houver um comprometimento da alta admi-nistração. Esse compromisso é assumido através da Política da Qualidade. Aqualidade da assistência alcançada demonstra o investimento realizado emRecursos Humanos visando desenvolvimento profissional, intelectual, cul-tural e pessoal, preparando-os para as mudanças no cenário hospitalar, fru-to do desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido no mundo atualmen-te. Frente a esse cenário, algumas competências devem ser desenvolvidas eaprimoradas nos profissionais que se preparam para os novos desafios dasdemandas atuais e futuras.

PALAVRAS CHAVES: Saúde, Qualidade de atendimento, Administra-ção Hospitalar.

ABSTRACT:When evaluating the issue of health quality of some years ago as

compared to the reality of today, are able to list countless innovations intechnology and standards of administrative management. In spite of somedeficiencies, the managers’ concern about improvement is noticeable, as itis noticeable the concern of the collaborators in the institutions and in thecommunity itself. The community becomes more and more demanding whenit comes to the satisfaction of its necessities and/or desires. The QualitySystem is a group of activities and tasks that should be carried out effectivelyby all the collaborators and it will only bring results if there is a commitmentof the high administration. This commitment is taken on through the Policyof Quality. The quality of assistance that is reached shows the investmentmade in Human Resources aiming at professional, intellectual, cultural andpersonal development, preparing them for the changes in the hospitalscenario, result of the scientific and technological development whichoccurred in the word. When facing such a scenario, some competenciesshould he developed and improved in professionals who prepare themselvesfor the new challenges in the present demands and also in future ones.

KEYWORDS: Health; Quality of Service; Hospital Management.

* Acadêmico de Administração - Gestão Empresarial pela UniFil – Centro Universitário Filadélfia. E-mail: [email protected]** Administrador de Empresas, Professor de Administração na UniFil e de Pós-Graduação, ConsultorEmpresarial, Mestre em Administração, Pesquisador e autor de artigos científicos, Executivo, Palestrante,autor de projetos de extensão, Coordenador Acadêmico de Pós-Graduação. Diretor Executivo da BPC-Brasil/Paraná-China.Câmara de Comércio, Industria, Desenvolvimento e Cultura. BPR- Brasil/Paraná-Russia.Câmara de Comércio, Industria, Desenvolvimento e Cultura. BPI- Brasil/Paraná-India.Câmarade Comércio, Industria, Desenvolvimento e Cultura. Conciliador do Tribunal de Justiça do Est. doParaná. [email protected], www.professorbrandalize.hpg.com.br - Telefones: (43) 3337.9676,celular: (43) 9994.2194.

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IntroduçãoA qualidade do atendimento na área de saúde deve ser uma preocupa-

ção constante em qualquer país, independentemente do seu estágio de de-senvolvimento. Graças aos avanços da tecnologia médica, à expansão dosconhecimentos mediante investigações científicas e à acentuada diversifi-cação das especialidades médicas, dentre outros fatores, os hospitais trans-formaram-se em uma instituição bastante dinâmica, sendo parte integrantee fundamental de todo um complexo sistema de assistência médica.

O conhecimento das opiniões dos usuários dos serviços de atendimentohospitalar pode revelar aspectos em que as suas expectativas ainda nãoforam plenamente atendidas e nortear ações pertinentes para o aprimora-mento de tais serviços.

O aumento crescente da complexidade da estrutura hospitalar e de seufuncionamento tornou indispensável à participação de um elemento tecni-camente preparado de maneira adequada, que é o administrador hospitalar.Por essa razão, em todos os países desenvolve-se, em particular nas univer-sidades, um considerável esforço na implantação de cursos e atividades,destinadas a preparar esse especialista em administração hospitalar e ematualizar permanentemente seus conhecimentos.

Ao avaliar a questão da qualidade da saúde alguns anos atrás e compará-la à realidade de hoje, podem-se listar inúmeras inovações nos quesitostecnologia e modelos de gestão administrativa. Apesar de ainda serem en-contradas algumas deficiências, nota-se a maior preocupação com a melhoriapor parte dos gestores, dos colaboradores das instituições e da própria comu-nidade.

DesenvolvimentoOs primeiros hospitais surgiram em Roma com a finalidade de atender

e acolher os doentes. A principal razão da criação desses estabelecimentosfoi de ordem econômica e militar, relacionada à estrutura da sociedaderomana. O conceito da necessidade de assistência social no caso de doençadesenvolveu-se muito na Idade Média, principalmente entre os muçulma-nos, judeus e cristãos.

A palavra hospital é derivada do latim hospitium, que se refere a umconvidado, hóspede. Dos anos 30 aos 50, o conhecimento se expandiu a umataxa acelerada, como ocorreu com os serviços de diagnóstico e tratamento eproliferou a especialização. Iniciando nos anos 60 e continuando até o inícioda década de 70, o hospital emergiu como um centro de saúde para diagnós-tico e tratamento da comunidade, com uma equipe de profissionais da saú-de.

As duas últimas décadas foram marcadas por intensas transformaçõesno sistema de saúde brasileiro, intimamente relacionadas com as mudan-ças ocorridas no âmbito político-institucional. Simultaneamente ao processode redemocratização iniciado nos anos 80, o país passou por grave crise naárea econômico-financeira, começa o Movimento da Reforma Sanitárias Bra-sileiras, constituídas inicialmente por uma parcela da intelectualidade uni-versitária e dos profissionais da área da saúde.

O capítulo dedicado à saúde na nova Constituição Federal, promulgadaem outubro de 1988, retrata o resultado de todo o processo desenvolvido aolongo dessas duas décadas, criando o Sistema Único de Saúde (SUS) e de-terminando que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196).

Entre outros, a Constituição prevê o acesso universal e igualitário às

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ações e serviços de saúde, com regionalização e hierarquização,descentralização com direção única em cada esfera de governo, participaçãoda comunidade e atendimento integral, com prioridade para as atividadespreventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais. A Lei nº 8.080, promul-gada em 1990, operacionaliza as disposições constitucionais. São atribui-ções do SUS em seus três níveis de governo, além de outras, “ordenar aformação de recursos humanos na área de saúde” (CF, art. 200, inciso III).

Há necessidade de as organizações de saúde (tanto públicas como priva-das) adaptarem-se a um mercado que vem se tornando mais competitivo e àsnecessidades de um país em transformação, em que a noção de cidadaniavem se ampliando dia a dia. Nesse contexto, as organizações de saúde e aspessoas que nelas trabalham precisam desenvolver uma dinâmica de apren-dizagem e inovação, cujo primeiro passo deve ser a capacidade crescente deadaptação às mudanças observadas no mundo atual. Devem-se procurar osconhecimentos e habilidades necessárias e a melhor maneira de transmiti-los para formar esses novos profissionais, ajustados à realidade atual e pre-parado preparado para acompanhar as transformações futuras.

Um hospital, além dos serviços médicos propriamente ditos, oferece, emgeral, outros serviços, a saber: os de enfermagem, laboratório clínico e pato-logia, radiodiagnóstico, farmácia, serviço social, sala de cirurgia, nutrição edietética, fisioterapia ocupacional, fonoaudióloga, Central de Esterilização,Prontuário Médico, Serviço de Registros, Serviço de Dietas Gerais, Secreta-ria, trabalho voluntário, etc.

Envolvem profissionais que vão desde o pessoal da manutenção, dasedificações, jardins, da limpeza e lavanderia, até eletricistas, encanadores,mecânicos. Há ainda à parte da contabilidade, do departamento pessoal e dodepartamento de compras, o departamento de informática, marketing, entreoutros.

Todos esses serviços e profissionais devem estar bem coordenados. Aconscientização de todos os funcionários de um hospital para o objetivo fimde qualquer hospital - atender bem ao cliente - é essencial e deve ser passa-da da alta administração para os chefes de serviço e daí repassada paratodos os níveis.

O hospital é geralmente considerado como sendo o centro do sistema deatenção à saúde. Embora o tratamento médico receba a maior ênfase, apromoção de saúde, a prevenção da doença, a reabilitação e os serviços deproteção são, também, importantes na prestação de serviços de saúde, con-forme já foi especificado.

Para desenvolver suas atividades o hospital depende de uma extensadivisão de trabalho entre seus integrantes e de uma estrutura organizacionalcomplexa, abrangendo muitos departamentos, equipes, cargos e posições,mas depende também de um elaborado sistema de coordenação de tarefas efunções. O hospital tem quatro centros de poder: a diretoria superior, osmédicos, a área de enfermagem, a administração em conjunto com os de-mais profissionais, entre os quais destaca-se principalmente a enfermagem.

A diretoria superior tem toda a autoridade e a responsabilidade pelainstituição. Ela delega ao administrador a gerência da rotina do hospital, oqual delega às chefias dos serviços sua autoridade de comando. A Direto-ria é órgão executivo, ao qual compete planejar, organizar, dirigir e contro-lar as atividades técnicas e administrativas. A importância de sua atuaçãovincula-se ao fato de que a direção superior responde pelo desempenho dohospital diante do poder que lhe confiou a autoridade, seja o poder repre-sentado pela comunidade, seja o poder público, seja o poder decorrente dapropriedade.

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O corpo clínico pode ou não estar sob o comando do diretor e/ou admi-nistrador, dependendo do tipo de hospital. O médico exerce no hospital subs-tancial influência em todos os níveis organizacionais, tendo uma grandeautonomia em seu trabalho e autoridade profissional sobre os outros naorganização.

O Conselho de Administração é o órgão deliberativo do hospital, na mai-or parte dos hospitais é aquele que traça sua política de atendimento enormas de funcionamento administrativo.

A Divisão de Serviços Administrativos engloba os serviços de: comunica-ções e arquivo ou secretaria; pessoal; contabilidade; tesouraria;processamento de dados; material; lavanderia e rouparia; conservação ereparos; zeladoria; limpeza; transportes; portarias e telefones.

Já a Divisão de Serviços Técnicos é constituída por: enfermagem, servi-ço social, nutrição e dietética e farmácia.

O serviço de enfermagem é constituído pelo maior contingente de servi-dores do hospital, girando em torno de 60% do quadro geral de pessoal.

Segundo Gonçalves (1989, p. 23), “organizar é estabelecer divisão detrabalho, coordenado hierarquicamente segundo certos princípios e mé-todos”.

A nova proposta tem como base fundamental uma estrutura matricial,associada a estruturas funcionais, geográficas ou de produto, com a elimi-nação da figura “centralizadora e geralmente autocrática” do superinten-dente ou diretor geral, surgindo em seu lugar um Conselho Técnico-Admi-nistrativo, vinculado a Conselho Superior ou Diretor. As Gerências Médica,de Enfermagem, de Apoio Operacional, de Materiais e Financeira aparecemnuma dimensão horizontal da matriz, enquanto as Gerências Patrimonial ede Engenharia de Processos, de Recursos Humanos e a de Marketing, nadimensão vertical.

Segundo o autor,

O alto grau de profissionalização determina o aparecimento denormas e valores comuns aos membros dos grupos e que sãoessenciais para a integração organizacional. A profissionalizaçãodefine obrigações profissionais, éticas, padrões de comportamen-to, atitudes, valores, entendimento de seu trabalho e da relaçãodo mesmo com os outros. Essas normas e valores profissionais[...] permitem ao hospital atingir um nível de coordenação eintegração incapaz de se alcançar por medidas administrativas(GONÇALVES, 1989, p. 25).

O hospital moderno apresenta um conjunto de funções, já apresentadasanteriormente, desempenhando ao mesmo tempo papel de hotel, centro detratamento, laboratório, universidade, entre outros e empregando grandenúmero de funcionários especializados. Existe no hospital uma grande divi-são de trabalho exigindo habilidades técnicas diversificadas. Como conseqü-ência desses fatores, um hospital tem grande necessidade de coordenaçãode suas atividades e os sistemas administrativos estão em evolução cons-tante.

A principal função do administrador é estabelecer as linhas de ação dohospital e fazer com que esses guias sejam seguidos. A linha de ação inclui:o objetivo pretendido, a responsabilidade delegada para a concepção de pla-nos e supervisão de operações necessárias para atingir os objetivos, a orga-nização e os métodos e procedimentos apropriados. Para isso ele deve im-plantar uma organização adequada, unir os líderes, coordenar todas as ati-vidades que ocorrem dentro do hospital, tomar decisões especificando as

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funções dos funcionários que trabalham nos diversos serviços do hospital,rever periodicamente as linhas de ações existentes, organizar as bases paraa utilização crescente do hospital no futuro, planejar, persuadir e gerenciare por fim delegar tarefas. As linhas de ação permitem uma comunicaçãouniforme por meio de todos os serviços. Com linhas de ação bem determina-das e apropriadas, os empregados se encontram em melhor situação parasaber o que se espera deles.

O conselho de administração de um hospital também possui, entre ou-tras funções a de: ser legal e formalmente responsável pelo controle e ma-nutenção da eficácia organizacional; ajudar a obter apoio ao hospital do meioem que ele atua; representar, e ser também responsável perante a região e/ou subgrupos de seu meio ambiente. Diante da direção superior respondepelo cumprimento das políticas e diretrizes por ela definidas, mas principal-mente pela administração judiciosa dos recursos econômicos que lhe sãoconfiados e que são essenciais ao funcionamento do hospital.

Na concepção de Gonçalves (1987, p. 51),

A moderna Administração de Recursos Humanos não comportamais os tradicionais métodos coativos ou de simples estimulaçãoremuneratória; o que se busca é a integração do funcionário,entendido e assumido mais como um colaborador da organiza-ção, do que como empregado submisso e anônimo.

O paciente é o personagem mais importante do hospital é em torno deleque se deve desenvolver toda a organização desse sistema. É importante queele sinta que é personagem principal de todo o hospital, e que o objetivo dohospital é atendê-lo bem. O planejamento administrativo deve procurar man-ter uma certa continuidade do tipo de vida que o paciente está acostumado.

Embora a função principal do hospital seja a de servir às necessidadesdo paciente, dificilmente ele é considerado como um indivíduo integral comnecessidades complexas; ao contrário, geralmente o paciente é tratado comoum sistema biológico que precisa se adaptar a serviços hospitalares técnicose médicos eficientes e eficazes. Tratar o paciente como sendo uma pessoaintegral é um grande desafio para médicos, enfermeiras e outros profissio-nais e para membros do conselho e administradores que têm a responsabili-dade final de assegurar que as necessidades dos pacientes sejam atendi-das.

O hospital, desde a sua formação, foi se tornando uma organização cadavez mais complexa, com funções definidas e próprias, especialmente equipa-rada para lidar com a doença, da forma mais adequada e positiva possível.Contudo encontra-se, dentro do hospital, uma grande concentração de sofri-mento e a presença constante e consciente da morte. Profissionais que cons-tituem a equipe de tratamento médico têm, normalmente, pouco tempo edisponibilidade para dar atenção às preocupações, ansiedades e medos queo paciente apresenta.

E o doente, ao ser admitido no hospital, sente-se como uma pessoa quedeixou de ser capaz de assumir plena responsabilidade por suas decisões eações, para se sujeitar às contingências impostas por sua doença, pelo regu-lamento do hospital e pelo tipo de tratamento a receber. Precisa, ainda,submeter-se às normas e rotinas estabelecidas.

A personalidade é um fator particularmente importante para o profissio-nal de saúde, porque o doente ou ferido é uma pessoa assustada, dependen-te dos que cuidam dela e precisa ser confortada e tranqüilizada, o que sópoderá ser feito por alguém em que ela confie e respeite. Por isso é necessá-rio que o profissional da saúde demonstre qualidades como: força de cará-

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ter, segurança, conhecimento de sua profissão e ao mesmo tempo compai-xão, empatia e interesse pelas necessidades imediatas do paciente.

Freqüentemente as demonstrações de compaixão e empatia pelo paci-ente perdem-se porque nem sempre o profissional da saúde conhece sufici-entemente o paciente para perceber suas dúvidas, medos e necessidades.

O fato de os hospitais necessitarem manter rígidas rotinas de procedi-mento e o duplo objetivo: atender ao paciente e dirigir um grande empreen-dimento comercial, impedem geralmente um contato pessoal entre os em-pregados do hospital e os doentes. Na hora em que o hospital transforma a“pessoa doente” em paciente, colocando-a dentro de uma estrutura padroni-zada, vestindo-a com roupas do hospital e moldando sua dieta e seus hábitosde dormir e receber visitas aos horários pré-estabelecidos, há uma grandedespersonalização do indivíduo.

A pressão que os funcionários de saúde sofrem com horários, responsa-bilidades e bens materiais do hospital também contribuem de forma negati-va para que haja uma menor interação entre paciente-funcionário do hospi-tal. Some-se ao fato de que os funcionários também tendem a adotar atitu-des impessoais em relação ao paciente, como uma necessidade inconscien-te de se protegerem e não se exporem ao sofrimento, à dor, ansiedade,tensão e tragédia que envolve geralmente a pessoa hospitalizada. Existemna maioria dos empregados do hospital, sentimentos conflitantes entre anecessidade e o desejo consciente de manter uma relação pessoal com opaciente versus às pressões contrárias, no sentido de adotar uma atitudeimpessoal e manter a distância social da pessoa hospitalizada.

Segundo Marcondes (1973, p. 50),

O médico com os valores sociais adquiridos em sua formação,com seus objetivos, dedicação e independência defronta-se coma estrutura do hospital bem mais restritiva que a social. Ao ladode ter mais contato, de aprimorar-se junto à evolução datecnologia, ele tem que se relacionar com grupos diferentes esujeitar-se a escolhas e influências de terceiros. Estes fatos re-percutem na efetivação da coordenação das atividades médicas.A responsabilidade definida no papel do médico exige tambémum correspondente poder e autoridade no desempenho de suasatividades, o que significa maior complexidade no relacionamentomédico-hospital.

Se por um lado o hospital oferece condições para o desempenho dasatividades do médico, por outro, por meio da divisão de trabalho, coloca aoseu lado equipes assessoras formadas por outros grupos de especialistas,resultando na diminuição de seu poder em relação ao exercício privado daprofissão. Apesar disto, o médico apenas diminui de intensidade o seu po-der, sem perdê-lo, continuando detentor da palavra final.

Outro grupo profissional que muitas vezes é envolvido em conflitos edificuldades comportamentais é a Enfermagem. Pelo fato inegável da suaimportância para o atendimento do doente e pela permanência no hospitaldurante as 24 horas do dia, confusão entre competência e dedicação comautonomia e insubordinação podem gerar sérios conflitos.

O alto grau de especialização e complexidade das profissões desempe-nhadas dentro do hospital contribui para a crescente dificuldade na integraçãoe desenvolvimento conjunto por parte dos funcionários das instituições desaúde.

O desenvolvimento de novas técnicas e de novos equipamentos leva auma crescente utilização desses recursos sofisticados por número cada vez

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maior de interessados. Este aumento na demanda tem uma de suas origensna própria divulgação pelos meios de comunicação de massa, que contribuipara que a população aceite novas técnicas e as procure cada vez mais. Poroutro lado, existe uma inevitável tendência a uma redução na oferta deserviços, devido ao fato de os custos estarem cada vez mais elevados. Toda atecnologia modernamente aplicada à área de saúde, embora altamente efi-ciente, fez com que houvesse um aumento dos custos de atendimento dasaúde. A solução para buscar o equilíbrio entre a demanda e a oferta está naracionalização no uso de todos os recursos disponíveis, a fim de que toda apopulação possa ter acesso a elas.

O avanço tecnológico e o alto grau de especialização ocorridos na medi-cina moderna trouxeram alterações fundamentais no mercado de prestaçãode serviços de saúde e aumentaram significativamente os custos da assis-tência médica.

Nunca se gastou tanto com saúde. A explicação para essa afirmaçãoestá no incrível avanço da tecnologia na medicina. Os profissionais de saúdenunca foram tão especializados. Equipamentos sofisticados e a alta tecnologiaestão exigindo cada vez mais mão-de-obra na área médica, transformandoeste setor, num dos únicos não atingidos pela onda de enxugamento global.Esses avanços da medicina trazem benefícios imediatos: desde 1985, a po-pulação brasileira ganhou em média 3,5 anos de vida. Por outro lado, trouxeproblemas como o aumento exorbitante nos custos e um enorme contingentede demanda não atendida.

Outro motivo apontado para a elevação dos custos de saúde está na máadministração. Mesmo os melhores centros médicos brasileiros estão dis-tantes dos modelos mundiais de gestão. E o paciente deve arcar com todasas ineficiências administrativas.

Outro aspecto importante da análise é a elevada privatização da redehospitalar. O Brasil é um dos poucos países do mundo onde a rede hospitalaré quase totalmente privatizada.

PesquisaEfetuou pesquisa em dois hospitais na cidade de Londrina, doravante

denominados: Hospital 1 e Hospital 2. Foram entrevistados: 6 funcionáriosdo Hospital 1, 14 do Hospital 2 e 3 funcionários de cargo de chefia em ambosos hospitais. As perguntas foram breves e objetivas, devido aos envolvidosnão terem muito tempo ou paciência para responder a questionamentos lon-gos.

Por tratar-se de uma pesquisa não-probalística as informações obtidasnão se destinam a uma globalização, mas são aplicáveis à amostra, servindocomo um indicativo de comportamento e tendências do setor.

Análise da Pesquisa com FuncionáriosA pesquisa indica que o hospital 1 os funcionários tem treinamento

anual, já o hospital 2 apenas metade tiveram treinamento. No gráfico I, aseguir demonstra-se o percentual de treinamentos realizados por ano, se-gundo os funcionários.

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GRÁFICO I – Fonte: Dados do autor (dados em %)

O hospital 2 os funcionários são mais bem qualificados que o hospital1, por ter este baixo índice de qualificação o hospital 1 tem incentivado osseus funcionários a se qualificarem, o mesmo incentivo ocorre com o hos-pital 2. O grau de instrução dos funcionários está demonstrado no GráficoII a seguir. O Gráfico III a seguir demonstra os incentivos colocados àdisposição dos funcionários por cada um dos hospitais. Outro fator observa-do é que em ambos os hospitais, alguns funcionários demonstraram desco-nhecer o benefício.

GRÁFICO II – Fonte: Dados do autor (em %)

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Gráfico III – Fonte: Dados do autor ( em %)

Observa-se pelas informações que em ambos os hospitais ocorrerammelhorias no último ano.

Alguns funcionários estão trabalhando mais de horas semanais, prova-velmente, este seja um dos motivos do elevado índice de insatisfação comAdministração dos Hospitais, no hospital 2 a insatisfação provavelmente sedeve ao fato de metade dos entrevistados não estarem com os salários ebenefícios em dia, o mesmo não ocorre no hospital 1 aonde todos os entrevis-tados estão com os salários em dia.

A pesquisa nos indica um fator importante que os hospitais estão dentrodos padrões internacional de atendimento em caso de urgência que é de 7minutos:

• Hospital 1: 33% dos atendimentos, os funcionários relataramque ocorre entre 0 a 5 minutos e 50% de 6 a 10 minutos;

• Hospital 2: 36% os funcionários relataram que ocorre entre 0 a 5minutos e 21% de 6 a 10 minutos.

• Para o atendimento de casos normais estão divididos entre 0 a10 minutos e 11 a 20 minutos para o paciente chegar ao quarto.

Análise da Pesquisa com as ChefiasIdentifica-se que o Hospital 1 esta com implantação de qualidade total, o

mesmo não ocorre com o hospital 2, onde todos os entrevistados negaramqualquer tipo de certificação. Ambos os dois hospitais afirmam ter coletaseletiva de Lixo Hospitalar.

Só apresentam algum tipo de pós-serviço ou pós-vendas para seus clien-tes quando o atendimento é particular.

Com respeito a treinamento aos funcionários a pesquisa feita junto achefia dos hospitais, confirmaram os dados levantados junto a pesquisa feitapara os funcionários que o hospital 1 tem treinamento anual, porém nohospital 2 apurou-se que apenas a metade tiveram.

Um fato importante que podemos notar é que o hospital 1 tem se atuali-zado tecnologicamente com freqüência, o mesmo não ocorre no hospital 2,

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onde a atualização tecnológica representa um terço do hospital 1, conformepode ser observado no gráfico IV a seguir:

GRÁFICO IV - Fonte: Dados do autor (dados em %)

Nos dois hospitais a maioria dos entrevistados disse que os hospitaisnão possuem um profissional em Administração Hospitalar.

A carga horária média no hospital 1 é de 8 horas, já o hospital 2 trabalhacom turno de 12x36.

Um fato grave é que nos últimos 6 meses houve caso de infecção hospi-talar no hospital 2.

ConclusõesOs hospitais, desde sua origem, sempre estiveram voltados para a pres-

tação de serviços de saúde sem dar atenção ao gerenciamento. Esse tipo depreocupação só começou a surgir com a crise econômica mundial de meadosdos anos 80 – e cujas cicatrizes ainda podem ser percebidas – principalmen-te no chamado terceiro mundo. A partir de então, tornou-se necessário trans-formar os hospitais em empresas, com tudo que essa migração tem de bom ede ruim.

Visão corrente entre muitos daqueles que procuram o auxílio de ummédico para diminuir seus sofrimentos é a de que a medicina, já há um bomtempo, ganhou tanto em tecnologia quanto perdeu em humanismo. O grandedesafio daqueles que se propõem a cuidar da saúde alheia neste século 21,portanto, é conseguir conciliar a frieza de raciocínio exigida pelos avançostecnológicos e terapêuticos com um comportamento mais humano, condiçãofundamental para uma saudável relação médico-paciente.

Uma das explicações que os estudiosos da prática médica postulam paraa “perda de humanidade” na relação entre médicos e doentes é que, ao prefe-rir viver em simbiose com as máquinas e as mais modernas drogas, em detri-mento de seu relacionamento pessoal com os pacientes (transformados emmeros objetos de estudo), o médico tende a desvalorizar seu papel de agenteativo da cura, tornando-se, por ironia, ele também um simples objeto.

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Como toda generalização, essa é perigosa e comporta uma boa dose deerro. Mas, no dia-a-dia, é difícil encontrar quem nunca tenha ido ao médicoe tenha saído da consulta um tanto frustrado por não ter tido tempo nemsequer de contar a história de sua moléstia antes de receber uma enormelista de exames por realizar e uma igualmente extensa receita de remédiosa serem adquiridos na farmácia mais próxima.

Também é comum ouvir a queixa de pacientes que deixaram os con-sultórios mais confusos e angustiados do que quando entraram simples-mente por não terem recebido mínimas explicações sobre a causa de seussofrimentos.

De sua parte, os médicos rebatem que os doentes andam reclamandodemais, muitas vezes sem razão e por puro desconhecimento dos meandrose dificuldades da ciência. Brincadeira (de mau gosto, diga-se) captadafreqüentemente nos corredores hospitalares é a afirmação de que o únicoespecialista a não receber queixumes de seus pacientes é o médico-legista.

O conflito, tão antigo quanto a própria medicina, tem raízes mais pro-fundas e complexas e não pode ser encaixotado em explicações simplistas.As Causas são várias, mas é interessante notar que, se, de um lado, omédico arroga-se dono de todo o conhecimento e poder de cura, de outro, opaciente comporta-se de maneira contraditória: nutre expectativas exagera-das quanto à capacidade da moderna tecnologia, ao mesmo tempo em queexige de quem o atende comportamento mais “artesanal” e “antiquado”.

A resposta para a questão, além da capacidade ou do talento inatos decada profissional para estabelecer uma comunicação sincera com o doente,parece estar nos bancos das faculdades de medicina.

Pelo menos é essa a esperança de Ernesto Lima-Gonçalves. Segundo oautor, a preparação do futuro médico se desenvolve no curso de graduação,em que o aluno “precisará reconhecer e aprimorar atitudes e comportamen-tos que lhe permitam relacionar-se com o doente de maneira adequada”. Ofuturo médico deve, principalmente, “reconhecer naquele que o procura embusca de tratamento alguém que precisa ser ouvido e compreendido, maisdo que apenas ‘tratado’“.

Conjugar a frieza da técnica com a compaixão e a ternura pelo doentefoi e será sempre a pedra de toque da medicina. É a capacidade de realizaressa “sintonia fina” que transmuta o médico de técnico em artista, comodesejavam os gregos na Antiguidade.

Muitas vezes não é o que acontece. Infelizmente, diz Lima-Gonçalves,hoje “a prática médica desenvolve-se por meio de uma relação sujeito-obje-to, em que o médico-sujeito, encarregado de executar a ação, dirige seu atoao doente-objeto, sem voz e sem vez, sem opinião e sem vontade”.

Essa situação semiótica entre o homem e a máquina “envolve o risco deque a relação médico-paciente se transforme em uma relação objeto-objeto,em que o médico tende a desvalorizar sua participação e seu discernimento,submetendo-se a ‘conselhos’ e ‘sugestões’ que a máquina possa oferecer”,ensina Lima-Gonçalves. Em outras palavras, entra em cena o médico-objeto,legítimo produto do século 21.

Portanto, a questão que se impõe ao médico de hoje é se ele será capazde aliar os vastos conhecimentos que a velocidade estonteante da tecnologiamoderna produz à capacidade intrínseca de se relacionar com seu pacien-te-se poderá observá-lo como um indivíduo completo, e não como mero por-tador de doença a ser tratada, à custa de drogas e equipamentos de últimageração.

Difícil é saber como ensinar esse dom. Para Lima-Gonçalves, cabe aoeducador identificar as características pessoais do futuro médico e, com

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elas, propor e desenvolver outras tantas que facilitem sua relação com opaciente.

Com o objetivo de efetuar uma breve análise do perfil de funcionários echefias de hospitais na cidade de Londrina, efetuou-se uma pesquisa queapresentou dados que demonstram, que os hospitais analisados estão longede aplicar as ferramentas de gestão empresarial modernas, embora obser-ve-se alguns trabalhos direcionados à melhoria, tais como investimentos emtreinamento e qualidade, porém a característica da área é de rápido de-senvolvimento de tecnologias e os investimentos nesta área, aparentemente,são tímidos.

Esta pesquisa demonstrou que ambos os hospitais precisam investirem uma administração hospitalar moderna e adequada ao mundo contem-porâneo.

ReferênciasGONÇALVES, Ernesto Lima. Administração de recursos humanos nas institui-ções de saúde. São Paulo: Pioneira, 1987.

GONÇALVES, Ernesto Lima. O Hospital e a visão administrativa contemporânea.São Paulo. Biblioteca Pioneira de Administração e Negócios, 1989.

MALIK, Ana Maria; SCHIESARI, Laura Maria Cesar. Qualidade na gestão localde serviços e ações de saúde. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Uni-versidade de São Paulo, 1998.

MARCONDES, Reynaldo Cavalheiro. O Comportamento administrativo nas orga-nizações hospitalares. São Paulo. Tese de doutorado, 1973.

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TEATRO DE FANTOCHES: VALIOSO RECURSO NAS MÃOS DOPROFESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL

Maria Cristina Anzola Alexandre*

RESUMO:O presente artigo pretende discutir sobre a importância do teatro de

fantoches na educação de crianças, jovens e adultos, em escolas da redepública de ensino. Este quer demonstrar que o teatro de fantoches é umrecurso eficaz nas mãos do professor do Ensino Fundamental.

PALAVRAS CHAVE: Teatro de Fantoches; Ensino Fundamental; Moti-vação.

ABSTRACT:The article intends to discuss the importance of the puppet theater in

the education of children, youths and adults in the public school system. Itintends to demonstrate that the puppet theater is an effective aid in thehands of the primary education teacher.

KEY WORDS: Puppet Theater; Primary Education; Motivation.

IntroduçãoA atração que o teatro de fantoches exerce, quer sobre as crianças ou

adultos, vem da mais remota antiguidade: egípcios, chineses, javaneses jáfaziam mover os seus bonecos. A história conta que grandes artistas e escri-tores se inspiravam, muitas vezes, em peças de marionetes para criaremsuas obras primas.

Desde o mais simples espetáculo até o mais requintado, é o fantocheuma fonte inesgotável de criação artística, de dedicação, de educação e deprazer. Por isso, e pensando na importância educacional e metodológicadesse recurso artístico, optamos por analisar o teatro enquanto teoria eprática.

A proposta consiste em mostrar, através de pesquisas, como o teatro defantoches pode ser um recurso pedagógico valioso para o planejamento econstrução das aulas de diferentes áreas do conhecimento. Ele proporcionacondições educacionais diferenciadas, aulas motivadoras, criativas e atrati-vas, aplicadas tanto para crianças, quanto para jovens e adultos. No entan-to, nossa preocupação primordial nesta pesquisa, está em analisá-lo comoum recurso que pode ser direcionado ao professor.

A intenção é oferecer uma alternativa de trabalho que pode ser inseridaem todos os conteúdos programáticos. Afinal, este recurso contribui comeficácia no processo ensino-aprendizagem e estimula os educandos de to-das as idades. Com este artigo, pretendemos proporcionar aos educadores,por meio da análise e de contribuições teóricas, algumas alternativas parao manuseamento do teatro de fantoches, pois é uma excelente opção parase trabalhar de forma dinâmica e diferenciada as diversas disciplinas docurrículo.

*Aluna do 6º. Período do Curso Normal Superior do Instituto Superior de Educação Mãe de Deus,Londrina, Paraná. Este Trabalho é parte da monografia, orientada pelas Professoras do Instituto: ÂngelaMaria de Sousa Lima (Doutoranda em Ciências Sociais – Unicamp; professora de Prática Pedagógica) eAndréia Cavaminami Lugle (Mestranda em Educação – UEL; professora de Estágio Supervisionado).

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O problema-chave que norteou a realização da pesquisa e, posterior-mente, inspirou este artigo consistiu em auto-avaliar a educação básicaque a autora teve, com os seus professores preocupados, simplesmente, coma transmissão dos conteúdos de maneira mecanicista. A educação, então,era voltada não para o aluno, nem para a interação entre aluno/professor.Os conteúdos eram trabalhados de maneira arbitrária e não havia oenvolvimento crítico de ambas as partes.

A partir do contato com as reflexões pedagógicas atuais, percebemosque a educação passou por diversas modificações e que, atualmente, preci-samos formar cidadãos críticos, envolvidos em um processo social em cons-tante mudança, e prontos para enfrentar as igualdades e as diferenças queeste contexto social coloca cotidianamente. Enfim, depois de avaliarmos to-das estas situações, resolvemos defender esta teoria, pois acreditamos que,como educadores, devemos proporcionar aos nossos alunos o prazer em es-tudar. Assim, defendemos a idéia de que o teatro de fantoches na escola, éum veículo dinâmico para envolver as crianças, jovens e adultos na constru-ção da sua própria aprendizagem, ou seja, ele é um recurso valioso na cons-trução das interações entre professor-aluno, aluno-conteúdos, aluno-alunoe aluno-escola.

Através do teatro de fantoches, podemos explorar vários aspectosformativos para o desenvolvimento da criança, do jovem e do adulto e ainserção dos conteúdos, no sentido de ligar as experiências comuns dosmesmos ao plano das relações humanas.

Breve Histórico do TeatroDe acordo com relatos de um material organizado por PUNHAGUI (1984),

o teatro de fantoches tem sido uma importante manifestação das artes cêni-cas e possui uma gloriosa história em todos os países de elevado nível cultu-ral. Remontando à mais longinqua antiguidade, originou-se, provavelmente,em Java ou na China, tendo sido muito popular entre os gregos e os roma-nos.

Durante a Idade Média, o teatro ambulante, ao lado dos saltimbancos eatores acrobatas, levaram seus argumentos aos palácios e às feiras, nasgrandes cidades e nas aldeias nômades e pobres, sofrendo com a fome e o pódas estradas. Tornou-se uma das artes mais populares e queridas de todos,pobres e ricos.

No Brasil, os bonecos começaram a ser utilizados em representações,no século XVI. No tempo dos vice-reis eram muitos apreciados. Foi no Nor-deste que o teatro de bonecos apareceu com destaque, principalmente emPernambuco, onde até hoje é tradição. É o teatro mamulengo, rico em situa-ções cômicas e satíricas.

Há muito tempo grupos estão se esforçando para desenvolver o teatro debonecos no Brasil, mas só a partir de meados do último século foi que osresultados começaram a aparecer. Nestes últimos anos, o teatro de fanto-ches tomou grande impulso em nosso país, com o aperfeiçoamento da atua-ção dos grupos, apresentando um excelente trabalho, reconhecido como for-ma de cultura pelos apreciadores dessa arte e pelo Serviço Nacional deTeatro (LADEIRA e CALDAS, 1993, p.11).

Hoje, após ter sido introduzido na educação, como poderoso meio peda-gógico, ganha programas especiais, seja como teatro, seja como auxiliar deensino, ao lado de outras artes.

No mesmo material, PUNHAGUI (1984), destaca que a criança com os

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seus brinquedos recorre à imaginação para dar-lhes vida ou atribuir-lhescoisas que na realidade não têm. Assim o fantoche, dentro da fantásticacriatividade imaginativa infantil, passa a ser seu amigo favorito, o mestremais querido, o médico mais simpático.

Quando os fantoches são utilizados diretamente pelos alunos, tendo oprofessor apenas como orientador, tornam-se valiosos auxiliares da açãopedagógica. Isto porque desenvolvem múltiplos aspectos educacionais, sali-entando-se os relativos à comunicação. As crianças pequenas inicialmentebrincam sozinhas com os bonecos. Depois interagem umas com as outras ecada uma fala por seu fantoche. É um princípio de socialização, pois cadacriança começa a perceber que deve esperar sua vez para falar, que deveráouvir o que os outros falam e que precisará respeitar a opinião dos outros.

Os fantoches confeccionados com materiais alternativos podem ser bemoriginais e dar ensejo à criação de histórias com variados tipos de persona-gens, além de estimular a criação de cenários. Com isso, as crianças desen-volvem a expressão oral e artística. Os fantoches são um permanente convi-te à imaginação criadora, a inserções no reino do faz-de-conta, pois transmi-tem aos espectadores beleza, alegria e ritmo.

Enfim, a participação direta das crianças com os fantoches no contextoeducacional, proporciona nas mesmas, o desenvolvimento da percepção vi-sual, auditiva e tátil, a percepção da seqüência de fatos (noção de espaçotemporal), a coordenação de movimentos, a expressão gestual, oral e plásti-ca, a criatividade, a imaginação, a memória, a socialização e, por fim, ovocabulário.

Muitas vezes, aqueles conselhos não aceitos dados pelos pais ou mesmopelos professores, são acatados e obedecidos, se transmitidos pelo fantoche.Valendo-se disto, o educador poderá conseguir êxito em seus ensinamentos,sejam referentes à iniciação alfabética e numérica, como também a hábitosde higiene, preservação da natureza, cuidados com a saúde, valorização defatos e personagens históricos, relacionamento social e familiar, enfim per-tencentes aos conteúdos programáticos a serem abordados pelos professo-res no cotidiano escolar.

O teatro de fantoches na escola, além de educar recreando, pode favo-recer a aprendizagem das matérias básicas do currículo. Ele é um recursovalioso no esclarecimento de uma nova concepção e na fixação de uma apren-dizagem. O teatro de fantoches aplicado à pedagogia é de inestimável valor;não somente porque faz a criança criar, manipular e viver um teatrinho,incentivando o espírito de grupo, como também por ser uma escola viva, debons hábitos.

Metodologia do TeatroO teatro pode ser praticado mesmo por quem não é artista, damesma maneira que o futebol pode ser praticado mesmo porquem não é atleta (BOAL, apud, JAPIASSU, 2003).

De acordo com JAPIASSU (2003, p.17), as artes são contempladas sem aatenção necessária por parte dos responsáveis pela elaboração dos conteú-dos programáticos de cursos para a formação de professores alfabetizadorese das propostas curriculares para a educação infantil e o ensino fundamen-tal no Brasil. Constata-se que o ensino das artes na educação escolar brasi-leira é considerado, por muitos professores, funcionários de escolas, pais dealunos e estudantes, como supérfluo, caracterizado quase sempre como lazer,recreação ou “luxo”, favorecendo às crianças e adolescentes das classes

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economicamente mais favorecidas.A inclusão do teatro como componente curricular da educação formal de

crianças, jovens e adultos nas principais sociedades ocidentais deu-se como processo da escolarização em massa que caracterizou a democratização doensino no século XX. Uma explicação para esta incorporação dos conteúdosàs Diretrizes Curriculares foram as exigências impostas à instrução formalpela economia. (JAPIASSU, 2003, p.20).

Segundo o mesmo autor, as justificativas para o ensino do teatro e dasartes na educação escolar, inicialmente de caráter contextual ou instru-mental, passaram a destacar, pouco a pouco, a contribuição singular daslinguagens artísticas para o desenvolvimento cultural e o crescimento pes-soal do ser humano, apresentando uma nova perspectiva para a apreciaçãodo papel das artes na educação: a abordagem essencialista ou estética. Essaabordagem, diferentemente da perspectiva instrumental, defende a presen-ça das artes nos currículos das escolas, como conteúdos relevantes para aformação cultural do educando.

Em sua concepção, as abordagens do teatro na educação, tanto instru-mentais como estéticas, foram em grande parte determinadas pelas políti-cas educacionais das nações e fundamentadas, rigorosamente, em teoriaspsicológicas do desenvolvimento infantil. As considerações acima, nos tra-zem a dimensão educativa do fenômeno teatral que permite afirmar que, emtodas elas a improvisação constitui o princípio pedagógico fundamental parao aprendizado do educando.

As práticas teatrais de caráter lúdico se configuram na condição deensinar recreando, sem a qual não é possível a descoberta das muitas possi-bilidades de uso da linguagem teatral (JAPIASSU, 2003, p.46).

O conceito cotidiano de jogo (atividade lúdica com regras explícitas) é oponto de partida no sistema de jogos teatrais para apropriação ativa (corpo-ral, física), por parte dos jogadores, do conceito social de cooperação. O pro-cesso de desenvolvimento das ações cooperativas encontra na moldura dosjogos com regras, o enquadramento adequado para que o aluno possa perce-ber, sobretudo sensorialmente, o significado da participação no coletivo(JAPIASSU, 2003, p.73).

A nova LDB, os PCNs e o Ensino do TeatroA educação brasileira incorporou obrigatoriamente o ensino do teatro

com a entrada em vigor da Lei 5.692 de 1971, que exigiu o ensino de Educa-ção Artística na 5ª série de 1º grau até a 3ª série do 2º grau (atuais EnsinoFundamental e Médio) em todas as escolas do país. Educação Artística foi,então, a nomenclatura instituída para designar a matéria que abordava deforma integrada as linguagens cênicas (teatro e dança), plástica e música.Antes disso, porém, o ensino das artes havia sido introduzido legalmente nocurrículo escolar da educação básica com a LDB de 1961 (Lei 4.024/61), deforma não obrigatória. A Lei 4.024/61 instituiu, por exemplo, a disciplinaArte Dramática, ministrada em alguns ginásios vocacionais, colégios de apli-cação e escolas pluricurriculares. Esta disciplina voltava-se para aespecificidade da linguagem teatral (JAPIASSU, 2003, p.49).

A instituição da Nova República e a promulgação da Constituição Demo-crática de 1988, acenaram com a possibilidade de elaboração de uma NovaLei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, fruto do diálogo entre diver-sos segmentos representativos da educação brasileira. A atual LDB, Lei 9394/96, estabelece, referindo-se à educação estética, no Artigo 26, Capítulo II, a

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obrigatoriedade do “ensino de arte” nos diversos níveis da educação básica.O Artigo 24 reza sobre o direito de se criarem turmas multisseriadas (alunosde séries distintas) para o “ensino de línguas estrangeiras, artes ou outroscomponentes curriculares.” (JAPIASSU, 2003, p.51-52).

No parágrafo único são assegurados os padrões de qualidade. A educa-ção escolar poderá adotar alternativas de processos, estratégias emetodologias mais adequadas aos seus objetivos, às características do edu-cando e às condições disponíveis, inclusive mediante a sua combinação comprocessos extra-escolares. Esse parágrafo nos leva a refletir sobre o teatrode fantoches inserido na sala-de-aula, proporcionando alternativas de re-cursos pedagógicos e eficiência para a fixação do conhecimento. O Artigo 48– III, dispõe sobre o desenvolvimento da capacidade de reflexão e criação embusca de uma participação consciente no meio social (LDB-96, 1997 p.88).Com todos os escritos contidos nas leis que norteiam a educação vigente, oteatro de fantoches se torna um veículo viável na construção de um conheci-mento mais prazeroso e forte. Isto fica claro com a prática, onde se podecomprovar a eficácia desta técnica dentro da sala-de-aula das escolas ondeforam feitas as intervenções.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), na parte especí-fica sobre a arte, os objetivos gerais estabelecem que no transcorrer doensino fundamental, a criança poderá desenvolver sua competência estéti-ca e artística nas diversas modalidades da área de arte (artes visuais, dan-ça, música, teatro), tanto para produzir trabalhos pessoais e grupais quantopara que possa, progressivamente, apreciar, desfrutar, valorizar e julgar osbens artísticos de distintos povos e culturas, produzidos ao longo da históriae na contemporaneidade (PCNs-Arte, 2000, p.53). Sobre esta afirmação dosPCNs, podemos considerar que ela vem de encontro aos objetivos contidos nalei apresentada através dos PCNs de Arte.

Na rede pública não é difícil constatar que o gerenciamento autoritáriodas unidades de ensino, a carência de espaços adequados para o trabalhocom as artes, a superlotação das classes, as instalações escolares precáriase os baixos salários pagos aos trabalhadores da educação, têm afugentado acompetência profissional. Contudo, por outro lado, as pressões sociais e polí-ticas da economia de mercado em processo de globalização e automaçãocrescentes passaram a exigir a formação multilateral do educando, sinali-zando para a valorização do teatro e das artes na escolarização dos sujeitos(JAPIASSU, 2003, p.53).

Ainda não é possível prever o espaço que terá o ensino das artes naeducação brasileira daqui para frente, mas, sem dúvida, o incremento dasistematização dos saberes sobre o teatro na educação no Brasil coincidecom a entrada em vigor da Lei 5.692/71, que, obrigando o ensino regular daEducação Artística na educação básica, limitou o espaço das diferentes lin-guagens artísticas no currículo escolar. Desde então, a produção acadêmicade estudos e pesquisas sobre o teatro e educação no Brasil têm se avolumadoe desenvolvido, sobretudo no exame das diferentes abordagens – instrumen-tais e estéticas – do teatro na educação, tanto na vertente especificamenteescolar como no âmbito da ação cultural. Concordamos com o autor, ”Crian-ças, jovens, adultos e pedagogos devem ter também o direito a uma alfabeti-zação estética nas diferentes linguagens artísticas”. (JAPIASSU, 2003, p.54).

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A Criança e o Papel do ProfessorExistem várias questões sempre presentes no dia-a-dia da sala-de-aula,

tais como: de que maneira as crianças aprendem? Ou qual a melhor formade ensinar? As respostas variam sempre de acordo com a forma pela qual oprofessor concebe o desenvolvimento humano e a proposta pedagógica decada escola.

Jean Jacques Rousseau demonstrou que a criança tem maneiras dever, de pensar e de sentir, que lhes são próprias; demonstrou que não seaprende nada senão por meio de uma conquista ativa. “Não deis a vossoaluno nenhuma espécie de lição verbal: só da experiência ele deve receber.”(apud ALMEIDA,1998, p.22).

Percebeu ainda que só se aprende a pensar se exercita os sentidos e osinstrumentos da inteligência. Rousseau destacou, também, o interesse quea criança sente ao participar de um processo que corresponde à sua alegrianatural.

Para Froebel, (apud ALMEIDA, 1998, p.23), a pedagogia deve considerara criança como atividade criadora, e despertar, mediante estímulos, suasfaculdades próprias para a criação produtiva. Na verdade, com Froebel sefortalecem os métodos lúdicos na educação. O grande educador faz do jogouma arte, um admirável instrumento para promover a educação para ascrianças. “A educação mais eficiente é aquela que proporciona atividade,auto-expressão e participação social às crianças.” (FROEBEL, apud, ALMEIDA,1998, p.23).

Já para Jean Piaget, a criança é concebida como um ser dinâmico que, atodo momento, interage com a realidade, operando ativamente com os objetose pessoas. Essa interação com o ambiente, faz com que construa estruturasmentais e adquira maneiras de fazê-las funcionar (ZACHARIAS, 2004, p.1).

A educação, na perspectiva piagetiana, deve possibilitar à criança umdesenvolvimento amplo e dinâmico, respeitando todas as fases a os fatoresque influenciam o processo do desenvolvimento. A escola deve partir dosesquemas de assimilação da criança, propondo atividades desafiadoras queprovoquem desequilíbrios e reequilibrações sucessivas, promovendo a desco-berta e a construção do conhecimento. Enfim, para Piaget, a atividade lúdicaé o berço obrigatório das atividades intelectuais e sociais superiores; porisso indispensáveis à prática educativa.

Vygotsky considera que o desenvolvimento ocorre ao longo da vida, e asfunções psicológicas superiores também ao longo dela. Ele não estabelecefases para explicar o desenvolvimento, como Piaget, e para ele o sujeito nãoé ativo nem passivo: é interativo. Segundo o autor, a criança usa as interaçõessociais como formas privilegiadas de acesso a informações; isto é: aprende aregular seu comportamento pelas reações, mesmo parecendo desejáveis ounão. Vygotsky ainda afirma que é enorme a influência do brinquedo para odesenvolvimento de uma criança. É no brinquedo que ela aprende a agir emuma esfera cognitiva, ao invés de em uma esfera visual externa, dependen-do das motivações e tendências internas e não dos incentivos fornecidos porobjetos externos.

Muitos ainda entendem o processo ensino-aprendizagem de forma está-tica. Isto é, de um lado existe o professor que ensina, transmite informa-ções, de outro lado existe o aluno, que deve escutar, esforçar-se para apren-der e, na medida do possível, permanecer obediente e passivo. A escola, queatua dentro desse sistema geral, reproduz essas mesmas relações estáticasonde o professor manda e ensina e o aluno obedece, escuta e, se consegueaprende. (PILETTI, 1986, p.78).

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Na nossa própria experiência escolar vivemos esta realidade, onde sem-pre tivemos que permanecer sentados, imóveis, passivos, impedidos de ma-nifestar nossa opinião, de propor e de relatar. Geralmente, nem se permitiaque tentássemos associar o que estava sendo ensinado com a nossa vidafora da escola e os conteúdos eram elaborados e abordados de maneiramecânica e pré-determinada.

Pensamos que a relação entre aluno e professor deve ser dinâmica,como toda e qualquer relação entre seres humanos. Para isso, o professordeverá atrair o aluno para o que está sendo estudado. Quanto mais jovem oaluno, maior a necessidade de utilizar recursos variados e não apenas “sali-va e giz”. Convém estimular todos os sentidos, através do lúdico (jogos ebrincadeiras), filmes sobre o assunto abordado, aguçar a curiosidade dascrianças com questões e problemas e com a inserção do teatro de fantochescomo um recurso a mais nesta relação (PILETTI, 1986, p.72). A mesma afir-mação vale para a educação de jovens e adultos.

No processo da educação o papel do professor é de valiosa importância,pois é ele quem cria os espaços, disponibiliza materiais, participa das brin-cadeiras, ou seja, faz a mediação da construção do conhecimento, segundoVygotsky (ZACHARIAS, 2004, p.1-2).

E é com base nestes teóricos que parte do nosso trabalho de pesquisa seconstrói. Temos por objetivo mostrar que a educação lúdica está diretamen-te ligada ao teatro de fantoches como um recurso pedagógico. Seus objeti-vos, além de explicar as relações múltiplas do ser humano em seu contextohistórico, social, cultural, psicológico, visam também enfatizar a importân-cia da libertação das relações pessoais passivas, trocadas por técnicas derelações reflexivas, criadoras, inteligentes, socializadoras. Fazendo do atode educar um compromisso consciente intencional, de esforço, sem perder ocaráter de prazer, de satisfação individual e modificador da sociedade, pois oser humano, para se constituir como tal, precisa viver em um ambiente detrocas afetivas, emocionais e culturais. A partir disso vai criando maneirasgeneralizáveis de lidar com o mundo, e que o vão construindo cognitiva,moral e emocionalmente.

A Educação de Jovens e Adultos - EJAA história da educação de jovens e adultos sempre esteve ligada aos

interesses econômicos que, mais que todos os outros interesses, determi-nam a vida dos países e das pessoas, especialmente dos mais pobres.

A necessidade de instrução, não tem sido negada; o que é bastantediferente de assegurar é o direito à educação. Isto vai além do direito àescola, pois passa pelo entendimento de que todos os homens são educados,através da prática social em diferentes instâncias onde esta prática se rea-liza (Programa 1 – Um salto para o Futuro, 1997, p.2). Continuamos, “Aescola de jovens e adultos precisa, tanto quanto a de crianças, repensar asua função social política. Pensar que, como espaço público, precisa-se fazerrealmente pública, sem excluir de qualquer sujeito o direito e o acesso aoconhecimento.” (Programa 2 - Um Salto para o Futuro, 1997, p.3).

Paulo Freire propôs a metodologia dos temas geradores, de forma a valo-rizar o conhecimento de mundo dos alunos, sua cultura, seus problemascotidianos e o significado destes acontecimentos reais para suas vidas.

O trabalho do professor do EJA, na perspectiva metodológica de PauloFreire, está centrado nos temas geradores. Segundo esta teoria, o professorque trabalha com a educação de jovens e adultos precisa valorizar a baga-

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gem de conhecimentos sobre a realidade e a história de vida que o aluno,sujeito do processo-ensino-aprendizagem, traz para o contexto escolar. Taisconhecimentos passam a fazer parte do currículo escolar e passam a ter,automaticamente, significado para a subjetividade dos sujeitos históricosenvolvidos no processo de ensinar/aprender.

Interessante é traçarmos uma relação entre estas informações e a pro-posta do trabalho, defendida neste artigo. Mesmo não sendo mais crianças,os jovens e os adultos se fascinam, como as crianças, quando entram emcontato com o teatro de fantoches. Mas é importante que o professor não ostrate como crianças, cronologicamente falando. Para cada faixa etária epara cada contexto escolar, é preciso readequar os planejamentos e os diálo-gos, afinal não podemos esquecer que a elaboração dos objetivos devem an-tes partir dos interesses dos alunos.

Temas geradores foram pensados por Paulo Freire para serem utilizadosna fase pós-alfabética dos educandos. As palavras geradoras são instrumen-tos que, durante o trabalho de alfabetização, conduzem os debates. Cadauma delas sugere e a compreensão do mundo (que é o melhor nome para aidéia de conscientização) que nos espera a ser aberta e aprofundada com osdiálogos dos educandos em torno dos temas geradores, que proporcionaminstrumentos de debate em grupo em busca do conhecimento. A preocupa-ção com os conteúdos se assenta no fato de se saber, com clareza, quenenhuma ação educativa se dá no vazio, sem precisar ou definir que conteú-dos se deseja ensinar. Mas, para ensinar são necessários conteúdos, quenão dispensam a forma como devem ser trabalhados os métodos.

Conteúdo e forma são, portanto, indissociáveis, já que esta é, quasesempre, determinada por aquele, que carrega um modo de ver a realidadedefinida pela forma como se apresenta; a compreensão da forma é reduzidaa puro conjunto de técnicas ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita(FREIRE, [199...]).

Paulo Freire afirma que o conteúdo é um objeto de conhecimento, quedeve ser conhecido pelo educador, enquanto ensina o educando, que só seaprende se o apreende. Não pode ser, simplesmente transmitido do educa-dor para o educando, depositado em sua cabeça vazia, como se fosse umespaço em um banco (FREIRE, 1986, p.78).

Com isso Freire alerta para o fato de que o fundamental, ao se discutirconteúdos é relevar a natureza política e ideológica que eles têm, encober-tos por uma falsa neutralidade, que tenta provar que o conhecimento é sem-pre desinteressado (FREIRE, [199...]). O autor, um dos maiores pensadoresda educação como prática da liberdade, aborda o homem como sujeito da suaprópria história. Para ele, toda ação educativa deverá promover o indivíduofortalecendo a sua relação com o mundo por meio da consciência crítica e dalibertação concreta com o objetivo de transformá-la. Assim, ninguém se ati-rará a uma atividade eminentemente séria, penosa, transformadora, se nãotiver no presente, alegria real, ou seja, o mínimo de prazer, satisfação epredisposição para isso.

Com Freire temos a educação libertadora, que não atua somente emescolas, porém visa levar professores e alunos a atingirem um nível de cons-ciência da realidade em que vivem, na busca da transformação social, ondeo método utilizado se baseia na discussão em grupo, pois a relação entreeducadores e educandos é de igual para igual, isto é, horizontal. Para essasdiscussões, o programa de ensino é baseado em temas geradores, que sãoescolhidos de acordo com a realidade e com o contexto social dos educandos.Para a alfabetização dos mesmos são tiradas as palavras geradoras, quefarão parte do programa. A decodificação da palavra escrita vem em seguida

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à decodificação da situação existencial codificada. Para tanto compreendealguns passos que devem, rigorosamente, se suceder.

Entender esta ação é reconhecer a prática e o exercício da cidadania,do senso crítico, os papéis sociais que os homens desempenham e as rela-ções entre eles e entre as instituições às quais estão vinculados. Uma dasfunções nobres do professor na educação de jovens e adultos é promover ogosto pela arte, pois está diretamente ligada a uma verdadeira educação enão a uma domesticação.

O grande desafio deste educador está em ultrapassar a grande dificul-dade que surge e que exige do mesmo um alto sentido de responsabilidade,não pela dificuldade na aprendizagem, mas sim devido à relação de igualda-de que deve ocorrer entre educando e educador, durante o processo educa-cional em jovens e adultos.

Motivação, Aprendizagem e ArteSe o teatro é um recurso motivador excelente, precisamos refletir um

pouco sobre este conceito. O tema motivação e aprendizagem, tem sido obje-to de investigação por parte dos psicólogos educacionais nos últimos anos,sendo que alguns determinantes da motivação acadêmica são conhecidos epodem auxiliar o trabalho do professor que pretenda ver seus alunos genui-namente envolvidos.

Uma queixa presente na maioria dos encontros de professores é: “Osalunos não têm interesse em aprender o que queremos ensinar”. Encontra-mos nas salas-de-aula alunos apáticos, com a atenção voltada para aspectosnão relacionados com o conteúdo ali abordados esforçando-se ou compare-cendo o mínimo necessário para garantir sua aprovação na disciplina. Essefato afeta diretamente professores e alunos em função das áreas de estudo,dos níveis do sistema educacional e das características socioculturais dequem aprende, entre outras variáveis. No entanto, em toda ação educativa oprofessor deve responder à pergunta motivacional: “Como conseguir dos alu-nos um comprometimento pessoal com sua própria aprendizagem?”.

Saber motivar para a aprendizagem não é tarefa fácil. Motivar para apren-der implica lançar mão de recursos não exclusivamente pontuais e que obe-deçam apenas a um momento determinado. O professor pode aproveitar al-gum recurso transitório como o teatro de fantoches para proporcionar umasituação de aprendizagem específica, mas, sobretudo trata-se de instaurarprocessos motivacionais que tendam a realimentarem-se nos alunos. Paraisso, é necessário promover uma interação criativa e de qualidade com osalunos, baseada em conhecimento (GUIMARÃES, 1996, p.2, Conversa 4).

Quando nos deparamos com alunos aparentemente pouco motivados,tendemos a pensar que são desinteressados, que sua atenção está em ou-tras coisas, que talvez não lhes interesse o que ensinamos porque não en-tenderiam. Acreditamos que a maioria dessas situações tem relação comprogramas excessivamente carregados, muitos alunos em sala-de-aula, fal-ta de materiais, influência negativa da família, perspectivas de futuro incer-to e professores desestimulados e descrentes. Tais constatações fazem comque tenhamos uma visão bastante pessimista da possibilidade em se motivaresses alunos, pessimismo este que aumenta à medida que avança a escola-ridade (TAPIA e FITA, 2003, p.13).

A motivação, como se pode comprovar, não depende exclusivamente sódo aluno, mas também do contexto. Daí a importância de os professoresavaliarem e modificarem, se preciso, a meta que suas mensagens assestam,

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já que ela define se é relevante para o aluno fazer ou aprender o que sepede.

A fixação de um determinado tipo de meta interfere diretamente noenvolvimento com a aprendizagem, mostrado pelos educandos. Cabe entãoanalisarmos os determinantes da escolha de uma ou outra meta. Um impor-tante aspecto está relacionado ao clima criado em sala-de-aula, sendo este,em grande parte, ele é conseqüência da direção assinalada pelas diferentesações que o professor implementa (GUIMARÃES, 1996, p.2, Conversa 4).

De acordo com Piletti, são muitos os aspectos abordados pelos estudossobre a motivação no contexto escolar que podem auxiliar o professor a com-preender os problemas e agir de modo efetivo para superá-los. No entanto,podemos ter como meta para esta análise, o envolvimento dos alunos com osconteúdos de nossas disciplinas, que refletem as nossas ações e as nossasorientações motivacionais como educadores.

Concordamos com PILETTI quando afirma que a motivação é fator funda-mental da aprendizagem. Sem motivação não há aprendizagem. Pode ocor-rer aprendizagem sem professor, sem livro, sem escola e sem uma porção deoutros recursos. Mas mesmo que existam todos esses recursos favoráveis,se não houver motivação não haverá aprendizagem (1986, p.63).

Uma Proposta Metodológica para o Ensino sobre Teatro de Fantoches:Recurso para Professores

É hora de pensarmos mais em nossas crianças, nossos jovens e adultos,priorizando o educar brincando, o divertimento e a experimentação. Atravésdo teatro de fantoches, levamos os alunos ao encontro da aprendizagemprazerosa, aliada a um mundo de sonhos e fantasias. Este recurso permiteensinar as mais variadas lições e conteúdos educacionais. Esta é uma fer-ramenta versátil, um recurso riquíssimo no desempenho desta tarefa deimportância vital, como levar os educandos ao ensino de ordem social eintelectual.

O mundo dos fantoches é um mundo maravilhoso e fantástico, que podeatuar na vida de crianças, jovens e adultos de uma forma educativa e ins-trutiva. Por isso, este artigo tem como objetivo geral demonstrar aos educa-dores, que como forma de auxílio no processo educacional, o teatro defantoches é efetivamente eficaz.

Sabemos das dificuldades que os educadores enfrentam no dia-a-dia;então a nossa proposta visa proporcionar facilidades com o uso do teatro defantoches inserido nos conteúdos programáticos. Durante a presente pes-quisa, percebemos a escassez de materiais direcionados a esta técnica.Encontramos materiais que dizem respeito ao teatro de fantoches como umrecurso pedagógico, mas sempre tendo os alunos com atuantes ou persona-gens de atuação, e o professor presente, somente, como orientador desteprocesso.

Justificando a nossa pesquisa, demonstramos através da experiênciavivida em nosso estágio (onde tal técnica se mostrou tão valiosa), que oteatro de fantoches, como recurso do professor, pode se tornar uma realida-de presente dentro das salas-de-aula de crianças, jovens e adultos. A se-guir, abordaremos passo-a-passo como esta técnica pode ser um aliado doeducador que busca caminhos para melhorar o processo educacional do qualé responsável, detalhando metodologicamente como educar através desterecurso motivacional.

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• 1º PASSO: Em primeiro lugar, propomos aos educadores umtotal domínio dos conteúdos programáticos a serem aborda-dos em sala-de-aula, podendo ser referente a qualquer dis-ciplina. É importante neste momento, o educador estar beminterado do conteúdo a ser trabalhado, dos objetivos que de-seja atingir com a aplicação, para fazer com que os alunos sedesenvolvam com a apresentação e que a assimilação dosconhecimentos seja significativa e concreta.

• 2º PASSO: Esta técnica se torna ainda mais eficaz, quando oprofessor se dispõe a trabalhá-la na interdisciplinaridade.Tanto no Português quanto em Ciências ou em Matemática,este recurso mostra o seu valor. Esta é a proposta inseridanos PCNs de todas as disciplinas: trabalhar os conteúdosfazendo uma ligação entre eles. É possível até a abordagemde várias disciplinas e temas em um único diálogo ou estó-ria.

• 3º PASSO: O processo da elaboração deste planejamento sefaz da seguinte forma: analisar o conteúdo que deverá serabordado e avaliar os objetivos que deverão ser alcançados.Em seguida, o professor pode fazer uma relação, interligan-do o conteúdo a uma estória que pode ser inventada ou atémesmo adaptada de uma já existente. Esta fase requer doeducador criatividade, paciência e comprometimento, masconstitui mais uma ferramenta de trabalho que pode se es-tender por outros anos. Após estar com a estória pronta, émomento de selecionar o material a ser utilizado para a apli-cação. De preferência, a estória criada deverá exigir poucospersonagens, para proporcionar maior facilidade na hora daexposição.

• 4º PASSO: Existe uma grande diversidade de materiais para afabricação e a utilização dos fantoches. Podem ser bonecos,fantoches de mão, dedoches; podem ser feitos de cartolina epintados, feitos de material reciclado, enfim, existem inú-meras maneiras para a montagem dos fantoches. Quere-mos garantir que para esta técnica ter êxito, não é necessá-rio gasto financeiro elevado. Fundamental é a pesquisa doprofessor e a busca por diversas formas de construção eadesão dos fantoches aos conteúdos. Para o palco ou cená-rio, pode-se utilizar uma tábua forrada com feltro ou papel,um pano estirado, uma caixa de papelão revestida com papelou plástico em cores alegres. Poderá ser também uma caixade camisa com uma abertura onde aparecerão os fantoches,uma caixa de geladeira forrada e ornamentada que poderáaté permanecer na escola, uma carteira virada, um lençol,um pano de mesa, a cortina da sala, entre outros. Enfim,para que esta técnica se torne realidade dentro da sala-de-aula é necessário por parte do educador comprometimento,criatividade e, acima de tudo, esperança de mudanças nosistema educacional.

• 5º PASSO: Com esta pesquisa de monografia, pretendemosfazer com que os professores acreditem que é possível a mu-dança, isto é, que podem melhorar o processo ensino-apren-

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dizagem no cotidiano escolar com técnicas simples, porémmuito motivadoras. Este recurso poderá ser utilizado peloprofessor, tantas vezes quanto for necessário e cabe a eledefinir com qual freqüência esta técnica poderá ser aplica-da. O educador deverá, primeiramente, interessar-se pelorecurso e ter a vontade de torná-lo real. Além disso, esteprecisa de disponibilidade para a elaboração do planejamentode aula e, sem dúvida, de muita criatividade, que é um fatorcentral desta proposta. O teatro de fantoches é um aliadodo professor e não necessita de curso específico e de gastosextras. No quadro abaixo figuram os elementos que a aplica-ção deste recurso tão valioso requer.

Aspectos que justificam e não justificam a utilização do teatro defantoches:

ConclusõesConcluindo, estamos diante da técnica do teatro de fantoches, onde o

nosso objetivo geral nesta pesquisa de monografia constituiu em proporcio-nar um auxílio aos educadores através da motivação em sala-de-aula. Paraisso se faz necessário saber como motivar nossos educandos para um apren-dizado crucial e significante. Se o leitor nos perguntasse como motivar, res-ponderíamos: “É só educar, recreando...”.

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MALÊS: UMA PASSAGEM A SER CONCRETIZADA

Agnaldo Kupper*

RESUMO:Malês eram escravos islamizados, que organizaram várias revoltas na

Bahia, entre 1807 e 1835. Pertenciam às etnias ‘hauça’, ‘nagô’, ‘tapa’ e ‘jeje’;originários do golfo de Benin. Muitos escravos maometanos tinham elevadopadrão cultural: sabiam ler e escrever o árabe. As revoltas dos malês culmi-naram com a ocupação de Salvador em 1835, quando os escravos atacaramvários quartéis e prisões, mas acabaram sendo derrotados pelas forças poli-ciais. Ao final deste último conflito, pelo menos oito soldados brancos e se-tenta negros estavam mortos, além de centenas de feridos. Foram presos281 escravos, dos quais dezesseis foram condenados à morte. Analisar apresença malê, sua dispersão após a grande revolta de 1835 e o enraizamentode sua cultura entre nós, é resgatar para a História os rostos daqueles quelutaram e lutam por princípios, crenças e cidadania.

PALAVRAS-CHAVE: Escravos Islamizados; Revoltas; Permanência e Rup-tura; Influências Malês.

ABSTRACT:“Malê” were Islamized slaves who organized several revolts in Bahia

between 1807 and 1835. They belonged to the ‘Hauca’, ‘Nagô”, ‘Tapa’ and‘Jeje’ ETNIAS, and were from the Gulf of Benin. Many Moslem slaves had ahigh cultural standard: they could read and write in the Arabic language.The revolts of the Malê culminated in the occupation of Salvador in 1835,when the slaves attacked military quarters and prisons, but were defeatedby police forces. At the end of this conflict, at least eight white soldiers andseventy negroes were dead, and hundreds were injured. 281 slaves werearrested and sixteen of them were sentenced to death. To analyze the Malêpresence, their dispersal after the great revolt of 1835 and the roots of theirculture among us is to rescue for History the faces of those who have fought,and still fight, for their principles, beliefs and citizenship.

KEY WORDS: Islamized Slaves; Revolts; Permanence and Rupture; MalêInfluence.

IntroduçãoQuando assistimos à produção do cinema norte-americano “Malcom-X”,

podemos identificar influências de negros islamizados em território ameri-cano. Quando se observa algumas pessoas fazendo uso de amuletos, mal sesabe que há, no ato, uma influência malê. Ao observarmos o uso de trajesbrancos às sextas-feiras em algumas áreas do território brasileiro, imagina-mos ser uma tradição afro-brasileira; mais do que isso: é uma influênciaislâmica. Quando nos referimos à Praça Onze como o berço do samba, deve-mos relacioná-la como o berço das memórias nagôs.

* Docente na UniFil. Docente e Diretor Pedagógico no ensino médio e cursos pré-vestibulares. Autor delivros didáticos e paradidáticos. Doutorando na área de História e Sociedade. Chefe do Centro deEstudos e Pesquisas da SEMA-PR. Diretor do Ateneu - Ensino Médio e Vestibulares. Escritor. E-mail:[email protected]

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Algumas tradições dos intitulados malês enraizaram-se entre os habi-tantes de porções do continente americano. Porém, não as identificamoscomo usos e costumes deixados por negros islamizados, que foram introduzi-dos nesta porção do planeta como negros boçais destinados à escravidão.

Capoeira, samba, candomblé, vatapá. O que seria do Brasil sem o legadoda cultura africana? Certamente, não o mesmo que é hoje. O Brasil nãocomeria o que come, não rezaria o que reza, não dançaria o que dança, nãocantaria o que canta.

Acredita-se ter sido de cinco milhões o número de negros trazidos daÁfrica e introduzidos como escravos no Brasil e, por mais de três séculos,jogados nas praias, florestas, morros e cidades.

Embora o nordeste brasileiro tenha sido a área que recebeu maior influ-ência dos povos africanos, não há um só lugar no Brasil que não tenha setransformado pelo legado dos negros.

A historiografia brasileira, há algumas décadas atrás, preferiu adotar atese segundo a qual os escravos “adaptaram-se bem” ao regime tirânico quelhes foi imposto no Brasil. O mito do “bom Senhor” quase adquiriu força delei depois do lançamento, em 1933, de “Casa-Grande & Senzala”, de Gilber-to Freyre. No início dos anos 1960, a “escola paulista”, liderada por FlorestanFernandes, Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, preferiu estudar aquestão pelo lado da “coisificação” do escravo, quase ignorando as rebeliõesda senzala. O próprio Cardoso chegou a insinuar, em diversos trabalhos, sero negro escravizado um “instrumento passivo”. Ao contrário, a resistênciados escravos foi feroz e constante. A fuga, coletiva ou individual, não era aúnica forma de rebelião.

A interpretação da presença dos negros intitulados comumente de malêsno Brasil, merece destaque, até porque a África dos séculos XIV e XV nãoera atrasada e primitiva, nem habitada apenas por negros brutos. Ao contrá-rio, algumas regiões deste continente, neste período, mostravam-se maisevoluídas que algumas localidades européias (RODRIGUES, 1976).

Desde a fundação do Reino de Aksun, no século I da era cristã, que acivilização árabe, mais tarde muçulmana, espalhou-se pelo Egito, Sudão,antiga Rodésia, Costa Oriental e Ocidental, expansão que se intensificoucom o advento do islamismo, no século VII. Grandes impérios como dosAlmorávides, o de Gana, o de Mali, o de Songhay, estavam no apogeu quan-do da chegada dos europeus e suas intenções de escravidão. Os habitantesdos Reinos de Congo e Angola, bem estruturados, sabiam ler e escreverárabe e conheciam o islamismo e a álgebra; tinham sistemas agrícolasevoluídos, comércio bem regulamentado e estrutura de classes sociais, aoque se sabe. Os traficantes os viam como boçais, isto porque não entendi-am seus dialetos.

A entrada de negros islamizados no Brasil, com concentração em Salva-dor e Rio de Janeiro, provocou um outro tipo de resistência, cuja intençãonão foi apenas a de confrontar-se com a estrutura a que foram submetidos,mas também a de converter os exploradores.

A passagem destes negros islamizados pelo Brasil, não foi momentânea.Ficou e continua, mesmo após as tentativas frustradas das “guerras santas”empreendidas no Recôncavo Baiano no século XIX. Merecem análise maisprofunda, em especial a pós-revolta malê de 1835, quando dispersaram-se eenraizaram-se no Rio de Janeiro e em outras áreas do Brasil, deixandomarcas.

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A Busca do Brasil pela Afirmação como EstadoEm 1835, o jovem Brasil dava seus primeiros passos, vacilantes, no sen-

tido de portar-se como país. A década de 1830 mostrou-se agitada diante danova realidade: a suposta independência de 1822. Tais agitações ocorriamem todos os quadrantes do território brasileiro, derivadas da grave criseeconômica e dos confrontos entre os defensores da submissão à Coroa Por-tuguesa e os defensores de um Brasil livre.

No cenário político-partidário, os liberais moderados (chimangos) deti-nham o poder e tinham que enfrentar dois grupos antagônicos entre si: osrestauradores (caramurus), a favor da volta de D. Pedro I ao trono brasileiro,e os liberais exaltados (farroupilhas ou jurujubas), mais radicais do que oschimangos na defesa de uma maior independência e do federalismo.

Não bastassem as crises internas na esfera do poder, no Grã-Pará aabdicação (renúncia) de D. Pedro I e o atraso nos pagamentos das tropas,motivaram a eclosão de um movimento que visava a deposição do presidenteda província. No Maranhão, ocorreu uma tentativa de tomada de poder pelosjurujubas, explorando argumentos como o nacionalismo contra a influêncialusitana local. No Ceará, ergueram-se os restauradores a pretexto de consi-derarem nula a abdicação de D. Pedro I. Em Pernambuco eclodiram aSetembrada e a Novembrada, ambas em 1831. Em 1832, ainda nesta provín-cia, caramurus promoveram a Abrilada, que viria inspirar a Cabanagem noPará a partir de 1835. Outros movimentos agitaram a vida das Regências(1831-1840), como a Sabinada, onde baianos debatiam-se entre aceitar anova realidade político-administrativa ou tentar a restauração. No Mato Grosso,os exaltados promoveram na década de 1830 diversos motins. No Rio Grandedo Sul, a partir de 1835, aconteceu a Farroupilha, norteada pelos atos dosRegentes. No Maranhão, a Balaiada, de grande expressão popular.

Enquanto desenrolavam estes acontecimentos dramáticos da vida polí-tica brasileira, a alta sociedade seguia incólume, divertindo-se nos salõesda Corte do Rio de Janeiro ao som das composições de ilustres músicoscomo Francisco Manoel da Silva, que comporia em 1831 uma melodia defortíssima conotação nacionalista em comemoração à renúncia do Impera-dor, e que se tornaria, mais tarde, o Hino Nacional Brasileiro. Ainda nosprimeiros anos da década de 1830, Gonçalves de Magalhães trazia de Parisas sementes do Romantismo, que se oporia à escola clássica de OdoricoMendes e José de Natividade Saldanha. Em 1835, brilhava o gênio de PierreJoseph, com obras arquitetônicas que mudariam a face da capital imperial,Rio de Janeiro.

Foi neste panorama político, social e econômico instável, aqui descritoresumidamente, do Período Regencial brasileiro (1831-1840), marcado porreviravoltas e transformações, que ocorreu o maior levante dos negros mu-çulmanos de Salvador.

Quem Eram os Malês?A origem étnica dos escravos africanos que foram trazidos para o Brasil

nunca foi devidamente esclarecida (KUPPER; CHENSO, 1998, p.52). As de-nominações de ‘guiné’, ‘angola’, ‘nina’ ou ‘moçambique’, indicam apenas indí-cios vagos dessa procedência, referindo-se mais a localidades de onde osnegros provinham. Seja como for, abrangiam etnias e culturas as mais di-versas, situadas numa vasta área, que se estendia da Guiné ao Sudão,abarcando a Região do Rio Congo (República do Congo e Angola) e a Costa doÍndico (Moçambique).

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Aos portugueses e brasileiros escravagistas, jamais importou saber aorigem dos negros, desde que trabalhassem e fossem submissos (PRADO JR,1963, p.269). A única distinção exigida era a do vigor físico, para melhordesempenho braçal.

Sobre os escravos africanos foram projetadas imagens das mais negati-vas. A África era tida como lugar do pecado e das trevas. As origens bíblicasdestes negros estariam ligadas a duas maldições: seriam descendentes deCaim, aquele que por inveja matou o irmão Abel, e traziam na pele a marcado sinal imposto por Deus ou, então, membros da geração de Cam, filho deNoé, que deserdou o pai sendo condenado, juntamente com seus filhos, àescravidão. A América seria o lugar da purgação dos pecados bíblicos, atribu-ídos aos africanos. No Brasil, as atividades açucareiras reforçavam a ima-gem de colônia purgatória. Na verdade, os castigos impostos a estes escravosfaziam com que o engenho de cana nordestino parecesse o inferno (isto nasprimeiras décadas do início da colonização portuguesa no Brasil, a partir de1530).

Chegando ao Brasil, os negros eram “pulverizados” através do territóriode então, dificultando os levantes de reação.

Apesar das informações controversas de vários autores, podemos classi-ficar os escravos africanos estabelecidos no Brasil em três grupos: o primei-ro, constituído por ‘iorubas’, ‘geges’, ‘fantis’, ‘ashantis’, ‘tapas’ e ‘fulanis’; osegundo, por sudaneses islamizados, dentre eles os ‘hauças’, ‘tapas’ e ‘fulanis’;e o terceiro formado por ‘bantus’, tais como os povos chamados no Brasil de‘angola’, ‘congo’ e ‘moçambique’ (KUPPER; CHENSO, 2002).

Estima-se que através do Golfo da Guiné, principal porta de escoamentode africanos para a América, foram traficados cerca de cinquenta milhõesde negros, sendo que cerca de cinco milhões destinados ao Brasil.

A escravidão americana não se liga, no sentido histórico, a nenhumadas formas de trabalho servil que procedem, na civilização ocidental, domundo antigo ou dos séculos que seguiram, derivando da nova ordem que éinaugurada no século XV com os achamentos ultramarinos, e pertencendointeiramente a ela (PRADO JR, 1963).

Ainda segundo Caio PRADO (1963), a escravidão introduzida na Améri-ca, ao invés de brotar, como no mundo antigo, de todo um conjunto de vidamaterial e moral, nada mais foi do que um recurso de oportunidade lançadopelos países da Europa a fim de se explorar as riquezas do Novo Mundo. Umnegócio, apenas; com povos bárbaros e semibárbaros arrancados de um habitatnatural e incluídos, sem transição, em uma civilização inteiramente estra-nha.

A massa escrava não era uma multidão sem rosto, como insistem al-guns autores. Mais: na condição de escravos, redefiniram suas identidades.No Brasil, como em áreas tropicais em que foram introduzidos, estavamvinculados ao plantation (monocultura e latifúndio).

Não há como precisar a data exata da entrada dos primeiros negrosescravos no Brasil. Oficialmente, a primeira remessa data de 1538, em na-vio de Jorge Lopes Bixorda (PRADO JR, 1963). Os navios negreiros aportavamno norte-nordeste ou no Rio de Janeiro, despejando suas cargas de huma-nos nos portos; daí eram dirigidos aos mercados de escravos, como o de Águados Meninos em Salvador, ou o do Udongo, no Rio.

Vendidos como animais em feiras ou nos mercados, o preço das “peças”variava de acordo com a raça, idade e vigor físico. Normalmente os sudaneseseram usados nas tarefas da casa-grande. Os ‘congos’ e ‘minas’ iam para otrabalho nos canaviais, ou para a mineração ou então fazendas de café(KUPPER; CHENSO, 2002).

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O negro nunca aceitou com resignação a condição de escravo. As fugas,as rebeliões, os quilombos, os freqüentes assassinatos de feitores e fazen-deiros, são provas de resistência. Não raro, morriam de melancolia, sob umadoença conhecida como banze.

Além da formação de quilombos, os negros recorreram também à insur-reição aberta contra a sociedade escravocrata. Foi o que ocorreu com osintitulados malês (negros islamizados) na Bahia, entre 1807 e 1835, umavez que ali mostraram-se “mais conscientes de sua força ou de um nívelcultural mais elevado, o que existia, particularmente, na Bahia” (PRADOJR, 1963).

Observando Nina Rodrigues (1976), a origem destes africanos nos reme-te às nascentes do Níger, prolongando-se ao Golfo da Guiné: o grande ReinoYorubá. Pertenciam às etnias ‘haucá’, ‘nagô’, ‘tapa’ e ‘gege’.

Os povos da África eram divididos em centenas de nacionalidades egrupos étnicos, com uma imensa variedade de culturas e religiões. No anti-go Reino Mali (atuais Senegal, Mali, Borkina-Fanzo e Níger) no século XVI,como no moderno Reino da Etiópia, povos eram reunidos sob autoridadepolítica única. Outras vezes, um reino era formado por apenas uma etnia,como é o caso dos ‘zulus’, no extremo sul (RODRIGUES, 1976).

Mary KORASCH (2000, p.64), criou uma imagem que seria uma leiturasensorial sobre os ‘minas’: (...) aqueles que eram orgulhosos, indomáveis ecorajosos, falavam árabe e eram muçulmanos, eram alfabetizados, inteli-gentes e enérgicos, que trabalhavam duro para comprar sua liberdade.

Com a chegada do islamismo no norte da África, no século VIII da eracristã, iniciou-se a “islamização” de reinos africanos, sendo um dos motivosdeste avanço muçulmano na África Ocidental e sub-saariana, o poder co-mercial daquela região. Não há dúvidas que a penetração do islamismo in-fluenciou profundamente a história do norte africano e, de forma indireta,de todo o continente. A partir do século VIII até o XII, integrou toda a Áfricasetentrional, em uma imensa área cultural e econômica, desde o Egito, oSaara e, pelo sudeste, até o Sudão e quase toda a costa oriental da África(KUPPER; CHENSO, 2002, p. 192).

Quando a era dos grandes achamentos foi iniciada, ainda no século XV,os europeus dirigiam-se à África apenas pelo seu litoral ocidental, evitandoo interior, desconhecido para eles. Principiou-se, com estas investidas, otráfico de escravos, sendo estes remetidos a regiões coloniais como o Brasil.

Entre os países africanos islamizados, o dos ‘hauçás yorubanos’, ‘bantos’,‘sanghay’, entre outros, foram introduzidos no Brasil, indistintamente, comomalês (KUPPER; CHENSO, 2002, p.91).

Em 1835, depois de sucessivas rebeliões (1807, 1809, 1813, 1826, 1827,1820 e 1820), quase dois mil negros insurgiram-se em Salvador, tomandoquartéis e praticamente ocupando a cidade. Havia entre eles escravos elibertos, de origem étnica ‘hauçá’ e ‘nagô’. Lutavam contra o caráter oficial eexclusivo da religião católica (como pano de fundo) e também contra a escra-vidão e propriedade particular da terra (KUPPER; CHENSO, 2002).

A grande rebelião malê de 1835, fez temer que em terras do Brasil fosserepetida a Revolução do Haiti. Para tanto, as forças oficiais da Regênciausaram de extrema violência contra o movimento que terminou com cente-nas de prisões, execuções, deportações e fugas em conseqüência das perse-guições das autoridades.

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As Diásporas dos MalêsApós o aborto imposto à Revolta de 1835 dos ‘minas-nagôs’, que colocou

Salvador e região em polvorosa, ocorreu um grande êxodo de sobreviventesmalês para a capital do Império (a cidade do Rio de Janeiro); isto porque olevante de janeiro exigiu das autoridades perseguições às comunidades afro-muçulmanas da Bahia, com as prisões abarrotando-se de suspeitos (SOA-RES, 2001, p.358).

Os que fugiam de Salvador com recursos próprios, refugiavam-se (ouprocuravam fazê-lo) na cidade do Rio de Janeiro, já que esta mostrava-se, naprimeira metade do século XIX, como a maior cidade “africana” do mundoocidental, o que devia trazer aos fugitivos maior sentimento de proteção(KORASCH, 2000, p.64). Na Corte, circulavam livremente e envolviam-secom as capoeiras, o que trazia preocupação às autoridades e senhores,temedores de repetições das revoltas que assolaram a Bahia.

Segundo Carlos Eugênio Líbano SOARES (2001, p.358), em abril de 1835,a chegada de noventa e oito escravos da Bahia, de todas as origens, assus-tou ao chefe da polícia Eusébio de Queiroz, que emitiu ordens para que sebarrasse a entrada de africanos provenientes da Bahia até “segunda or-dem”. Ainda segundo Líbano Soares, Eusébio chegou a negar a permanênciade malês na cidade-capital, mesmo após observar as fichas policiais limpasdos mesmos.

Outros negros foram transferidos para o Rio de Janeiro pelas mãos deseus próprios senhores, sabedores estes de que poderiam obter preços me-lhores por aqueles que, certamente, seriam perseguidos em Salvador.

Outro recurso usado pelas autoridades da Regência para se verem li-vres de ‘minas’ libertos foi a deportação para a África, com africanosislamizados cruzando o Atlântico de volta e aportando, geralmente, em An-gola, como também em Serra Leoa e Moçambique, como nos diz ManuelaCarneiro de CUNHA (1985): “Cesário, afinal, foi deportado para Benguela, afim de justar-se à talvez vasta comunidade de minas em Angola, emboraalguns não tenham tido esta sorte”.

A deportação para a África poderia ser vista por alguns membrosda elite branca como um prêmio (...), mas era melhor do que tercérebros ardilosos e perigosamente inteligentes integrados a umavigorosa comunidade negra e no coração de uma cidade coalha-da de africanos e escravos (SOARES, 2001, p.358).

Alguns dos deportados, voltaram à cidade do Rio, alguns deles, inclusi-ve, para dedicação a negócios lucrativos na cidade (VERGER, 1987).

Mas se o Rio de Janeiro era local preferido dos remanescentes da Revol-ta de 1835 da Bahia, não foi o único. Deve ser investigada a dispersão malêspor outras áreas do país na primeira metade do século XX, pois o Brasil viviarevoltas como a Balaiada, a Cabanagem, a Farroupilha, entre outras, o que,perante a dimensão dos movimentos, permitia aos refugiados passarem des-percebidos nas províncias rebeldes.

A questão das minas era nacional, e por mais que na corte elestalvez tivessem mais projeção, era nas províncias maisestremecidas pelos movimentos políticos que eles encontravamfacilidade para se esconder em meio à população escrava e, tal-vez, maior impacto de suas ações (SOARES, 2001, p.374).

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Podemos identificar ainda o ingresso de representantes ‘minas’ nasrevoltas liberais de Sorocaba e Barbacena em 1842, quando por ocasião doinício do II Reinado (1840-1889), estimulados que foram pelos conservado-res na luta contra os membros do Partido Liberal (MARINHO apud MATOS,1986, p.34).

A sedução foi também usada entre os malês. A prática consistia ematrair o escravo e enviá-lo – com anuência e participação deste – paraalguma fazenda da periferia da capital ou do interior, ou mesmo para al-gum quilombo. Não significava roubo, pois, como frisado, havia a concor-dância do próprio escravo. Porém, na primeira metade do século XIX, aprática de sedução passou a ser comum (a sedução era também praticadado campo para a cidade ou na própria Corte), o que nos permite indagar arespeito da possível proliferação da “Guerra Santa” para o interior do cen-tro-sul do Brasil.

Assim como se tem notícia da penetração de fugitivos ‘cabanos’ para osmorros do Rio de Janeiro, por que não imaginar a de ‘minas’ (malês) nestesmesmos locais? Aqui, fica mais uma suspeita.

A tentativa malê de islamizar Salvador, ajuda a compreender as lutaspolíticas entre grupos subalternos (negros escravizados e libertos malês) eos grupos dominantes, sobretudo os elementos característicos da culturamental que presidiram as tensões e conflitos das revoltas islâmicas queatingiram Salvador e o Recôncavo Baiano como um todo, na primeira metadedo século XIX, assim como ajuda a identificar o engajamento de descenden-tes malês nas lutas sociais brasileiras dos séculos XIX e XX, buscando-se assuas diversas significações.

Conclusões A história contemporânea caracteriza-se pela ausência de concordân-

cia de idéias, de opiniões. A multiplicação das pesquisas faz com que perca-mos a dimensão do conjunto, gerando fragmentações excessivas. Os histori-adores perdem-se em seus próprios critérios, afirmando suas dúvidas erelativizando suas conclusões e críticas.

Na busca de significados e do funcionamento das sociedades, as maisdiversas linguagens tornaram-se objetos privilegiados para as análises, vis-tas, cada vez mais, como metáforas da realidade. Os variados discursos(orais, rituais, escritos, musicais, arquitetônicos) passaram a ser codifica-dos com maior freqüência, procurando apreender seus elementos de tensãosocial e seus sentidos históricos, sua produção e sua circulação em um dadomeio social. Ou seja, faz-se necessária a identificação de elementos da“micro-história” e sua valorização diante da tradicional “macro-história”.

Sabemos que História se faz desvendando os processos reais, levantan-do problemas. Sabemos que praticar História é desconstruir, é “comer pelasbordas”. Sabemos que fazer História concentra um duplo sentido: ação dosujeito que opera o conhecimento e a ação individual ou coletiva que foiconsiderada relevante em determinada fase da vida humana. Mas o que érelevante? Para quem? Podemos, sim, como historiadores, defender teses erevê-las quando oportuno. A vontade da verdade é insuficiente.

Nos dias atuais a aparente falência definitiva do marxismo teria estabe-lecido também a falência das preocupações políticas, estabelecendo-se naciência histórica “a multiplicação do insignificante” (BURKE, 1992) ou “afragmentação excessiva da operação historiográfica” (DOSSE, 1992), com oshistoriadores lançando mão de uma série de pesquisas sem a preocupação

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do conjunto, de totalidade. Ao mesmo tempo, a análise reflexiva do historia-dor, ao que parece, procura acompanhar o mundo globalizado, seguindo astendências de nossa complexidade contemporânea, trazendo-nos uma His-tória, por vezes, sem conclusões críticas, com obras abertas. Neste sentido,não consigo imaginar a “história malê” interrompida no último levante dosmesmos, de que se tem notícia. As ações malês, em especial no século XIX ena Bahia, devem ser melhor interpretadas e nunca tratadas de formadescontínua, eventual e momentânea.

Uma ruptura abrupta com o período, ignorando-se as conquistas sociais,políticas e culturais leva, pois, à renúncia da liberdade e à valorização doEstado (RAGO, 2000).

Dar continuidade aos passos malês pós-1835, creio, faz-se essencial.Para onde foram?; por onde se espalharam?; como passaram a atuar emseus novos dias?; viraram católicos?; refugiaram-se na umbanda e/ou can-domblé?; São questões que devem ser minuciosamente esmiuçadas e res-pondidas, para que esta história não se perca. Afinal a História foi e é marcadapor lutas em defesa de liberdades contra velhos costumes, poderes e privilé-gios de classes e de grupos sociais. A partir das sucessivas revoltas malês,em Salvador, entre 1807 e 1831, e desenvolveu-se uma “tradição de audá-cia” do escravo baiano (REIS, 2003). Tais revoltas mostram-nos também,como sobreviviam escravos e libertos em uma sociedade escravocrata como abaiana.

Ao buscar-se a recuperação da trajetória dos chamados malês, não sedeve resgatar o exótico ou o pitoresco, mas oferecer, através da compreen-são crítica do caminho destes negros islamizados (e que como tal tentaramislamizar), um exemplo de cidadania, onde seja valorizada a luta e não avitória.

Uma das conquistas da ciência foi mostrar que o processo de produçãodo conhecimento científico não se inicia por premissas universais aceitascomo indiscutíveis e verdadeiras. No caso da trajetória malê no Brasil, pou-co se tem de discutível e verdadeiro da forma como o assunto vem sendotratado pela historiografia. Contrastar o corpo de conhecimento existente edisponível e a realidade que este corpo de conhecimento não consegue expli-car, eis o que enxergo como relevante. Crê-se, baseado em muitos documen-tos existentes (e pouco explorados) espalhados em centros de documentaçãode Salvador, Rio de Janeiro e outras localidades; fica claro que a históriados malês ainda está por se completar.

Teriam estes negros, a que se faz referência após a grande Revolta de1835, desistido da Guerra Santa apregoada? Refugiaram-se após o massa-cre imposto? Onde? Como?

Documentos sobre famílias malês podem ser encontrados até a décadade 1910; ao menos no Brasil, quando algumas referências de refúgio dosmesmos na cidade do Rio de Janeiro e deportações para a África, foramfeitas. Mas o ‘pré’ e o ‘pós’ ainda ressentem-se de explicações.

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BRINQUEDOTECA: OBJETIVOS, ORGANIZAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

Karina de Toledo Araújo*

RESUMO:A brinquedoteca é um espaço de prática pedagógica fundamentada em

uma metodologia lúdica, onde os jogos, os brinquedos e as brincadeiras sãoconsiderados instrumentos de inteverção durante o processo de ensino-apren-dizagem com vistas a possibilitar à criança a construção da realidade apartir da vivência lúdica. O principal objetivo é que, por meio de jogos ebrincadeiras, sejam aprendidos diferentes conteúdos escolares, favorecen-do o pleno desenvolvimento dos diferentes aspectos do comportamento as-sim como a formação das capacidades psíquicas superiores. Para tanto, abrinquedoteca também pode ser considerada um Setor de Recursos Pedagó-gicos. Além disso, a brinquedoteca serve como laboratório e campo de pes-quisa para os docentes e alunos dos cursos de formação de professores,Psicologia, Turismo, entre outros que consideram o aspecto lúdico do com-portamento humano primordial para o bom desenvolvimento e aprendizagemdos indivíduos. Dessa maneira, propõe-se neste trabalho orientações para aorganização da brinquedoteca e classificação dos jogos e brinquedos a partirde classificação psicológica; classificação pedagógica; classificação por tipode jogo e brinquedos e classificação por atividades propostas, conteúdos es-colares e temas de trabalho.

PALAVRAS CHAVES: Brinquedos; Classificação; Jogos; Organização deBrinquedoteca.

ABSTRACT: The toy room is a space of pedagogical practice based on a playful

methodology where games, toys and playing are considered instruments ofintervention during the teaching-learning process with the objective of makingit possible for children to build their reality from their playful experiences.The main objective is to teach different school CONTEÚDOS through funand games, thus aiding the full development of the different aspects ofbehavior, as well as the formation of the superior psychic capacities. In thiscontext, the toy room also can be considered a Sector of PedagogicalResources. Moreover, the toy room serves as laboratory and field of researchfor professors and students of courses such as teacher formation, psychologyand tourism, among others, which consider the playful aspect of the humanbehavior fundamental for the good development and learning of theindividuals. This work suggests some guidance for the organization of a toyroom and classification of games and toys considering the aspects ofpsychological classification; pedagogical classification; classification by typesof games and toys; and classification by activities pertaining to schoolproposals, contents and topics of activities.

KEY-WORDS: Toys; Classification; Games; Organization of toy rooms.

* Docente dos Cursos de Graduação em Pedagogia e Turismo – UniFil; Docente do Curso de Pós-Graduação em Educação Infantil – UNIFIL; Coordenadora da Brinquedoteca – UniFil. Mestre emEducação.

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IntroduçãoConforme Altman (1992) são várias os fundamentos e os critérios, utili-

zados pelos pesquisadores (entre eles os que mais se destacam são: Gross,Callois, Château, Secadas, Bühler e Piaget,), no que se refere a classifica-ção dos jogos e brincadeiras. Os fundamentos para essas classificações par-tem de diferentes teorias. Michelet (1992) apresenta algumas classificaçõesencontradas na literatura, entre elas estão: 1) a classificação baseada emteorias etnológicas ou sociológicas: analisa os brinquedos a partir de suafunção nas diversas sociedades; 2) a classificação psicológica que parte daanálise dos jogos e brinquedos em função do desenvolvimento da criança e ahierarquia dos jogos por elas apresentadas; 3) a classificação fundamentadaem teorias filogenéticas, onde analisam os brinquedos a partir da evoluçãoda humanidade reproduzida pelos jogos das crianças e 4) a classificaçãopedagógica que está fundamentada na relação dos jogos e brinquedos e osaspectos e opções dos métodos educativos. Entretanto, existem outros tiposde classificações, como aquelas baseadas na faixa etária das crianças, nomaterial que o jogo ou brinquedo é feito, como objeto de coleção, como fun-ção lúdica ou apenas uma organização para controle de empréstimo.

Em relação a organização de brinquedotecas, Cunha (2001) salienta queos materiais devem ser catalogados e registrados de acordo com os objetivosdesse espaço. Para tanto, podem ser utilizadas algumas das classificaçõesjá propostas de jogos e brinquedos como, por exemplo, a classificação ICCP(International Council of Children’s Play, entidade fundada em Ulm na Ale-manha em 1959) e o Sistema ESAR (desenvolvida em Quebec, no Canadá,pela psicopedagoga Denise Garon), como apresenta Altman (1992). Uma ou-tra classificação, proposta por Cunha (2001) é denominada de Sistema deClassificação de Jogos, Brinquedos e Materiais Pedagógicos N.C., cujo obje-tivo é, mais especificadamente, atender a organização de uma brinquedotecavoltada à finalidades pedagógicas estando estas inseridas nas faculadadesde educação como setor de pesquisa e centros de recuros pedagógicos volta-dos para a utilização desses materiais em situações de aprendizagem.

Em se tratando da classificação e catalogação dos jogos, brinquedos emateriais didáticos utilizada na brinquedoteca do Centro Universitário Fila-délfia - UNIFIL, esta foi estruturada a partir de estudos bibliográficos, deanálises e sínteses das classificações propostas pelo Sistema ESAR, peloICCP, pelo Sistema de Classificação de Jogos, Brinquedos e Materiais Peda-gógicos N.C. e na organização metodológica dos jogos proposta por Araújo(2003). A classificação aqui apresentada, parte da reflexão sobre a realidadee dos objetivos da brinquedoteca da Unifil.

Contudo, a classificação adotada pela brinquedoteca do Centro Univer-sitário Filadélfia – UNIFIL é fundamentada em pressupostos de teorias sobreo desenvolvimento psicológico da criança (classificação psicológica), da aná-lise pedagógica (classificação pedagógica) dos jogos e brinquedos relaciona-dos as capacidades e habilidades a serem desenvolvidas durante a interven-ção pedagógica e no tipo de jogo e brinquedo (classificação por tipo de jogo ebrinquedo), relacionada à função ou objetivos dos jogos, brinquedos e brinca-deiras. E, ainda, uma classificação que indique as atividades que podem serpropostas pelo professor, os conteúdos escolares e os temas de trabalho quepossam ser devenvolvidos com o intúito de facilitar a localização dos jogos ebrinquedos conforme as necessidades e solicitaçõeso do professor. Ou seja,a UNIFIL organiza o acervo da brinquedoteca e sua utilização baseada noscritérios das seguintes classificações: classificação psicológica; classifica-ção pedagógica; classificação por tipo de jogo e brinquedos e classificação por

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atividades propostas, conteúdos escolares e temas de trabalho. Esta organi-zação baseia-se nos objetivos da brinquedoteca enquanto Centro de RecursoPedagógico, como sugere Cunha (2001) e de Laboratório de Pesquisa emsituações de aprendizagem a partir da utilização de jogos, brinquedos e brin-cadeiras. Nesse caso, tanto os jogos como os brinquedos podem ser conside-rados materiais pedagógicos. Isto depende dos objetivos que eles cumpremdurante o processo de intervenção pedagógica.

Classificação dos Jogos e Brinquedos• Classificação Psicológica: fundamentada no desenvolvimento da criançae em função dos quais se estabelece uma hierarquia dos jogos e sua hierar-quia com relação ao desenvolvimento da inteligência; 1) Jogos Motores (fun-cionais ou de exercício); 2) Jogos Simbólicos (representação ou pré-operató-rios); 3) Jogos Operatórios (regras); 4) Jogos de Construção ou de Criação.1) Jogos motores, funcionais ou de exercício: marcados pelo caráterexploratório. Partem de movimentos simples e repetitivos. O principal objeti-vo é conhecer a realidade (objetos, pessoas e causalidade) a partir de experi-ências com o próprio corpo com ou sem a integração de objetos.2) Jogos simbólicos: iniciados pelos jogos de imitação (das mais simples atéas mais complexas) e evoluem até a representação individual e coletiva. Osobjetos ou os movimentos corporais são transformados em símbolos (signifi-cado) cuja função é representar determinada realidade (significante). Piaget,citado por Aroeira et al (1996), classifica os jogos simbólicos conforme aprojeção envolvida no jogo:

2.1) Jogos simbólicos de combinação simples: a criança usa um objeto (sím-bolo) para representar suas necessidades ou anseios. O objeto é o apoioa sua representação;2.2) Jogos simbólicos de combinações compensatórias: o símbolo é utilizadopela criança como forma de compensar alguma situação de conflito,medo, ansiedade. A fantasia é uma maneira da criança lidar com situ-ações inusitadas;2.3) Jogos simbólicos de combinações liquidantes: utilizados pela criançaquando esta necessita liquidar sensações desagradáveis (dor, medo,etc.) por meio da representação (fantasia) na tentativa de se equilibrar.2.4) Jogos de combinações simbólicas antecipatórias: ao representar (rela-tar de alguma maneira) uma situação determinada e real que foi signi-ficativa para ela, a criança acrescenta a essa situação ‘ingredientesfantasiosos’ (inventados) como forma de tornar possível que seu desejoreal perante a situação fosse contemplado, mesmo que não tenha sidotal situação a presenciada por ela;2.5) Jogos de combinações simbólicas ordenadas: a ordenação da realida-de que será representada é o ponto essencial desses jogos. Implica naarrumação, organização e sequência de fatos em um determinado tem-po e espaço com papeis definidos e que devem ser devidamente repre-sentados por todos os envolvidos no jogo. Normalmente , é o que ocorrena dramatização de algum acontecimento ou história e depende de umajuste coletivo de necessidades.

3) Jogos de regras: envolve conteúdos e ações preestabelecidas que regu-lam a atividade. Os procedimentos passam a ser minuciosamente definidose, em geral, estabelecidos pelo grupo. As regras podem ser incorporadas ouser expontâneas. Esses jogos são evidenciados do período de desenvolvimen-to pensamento caracterizados pelas operações.

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4) Jogos de construção ou de criação: caracterizados pelas ações de reu-nir, combinar, modificar ou transformar objetos para conhecê-los ou resol-ver problemas. O mesmo percurso é feito e refeito pela criança diversasvezes. Todas essas ações permitem à criança experimentar e perceber dife-rentes possibilidades solução para a situação conflitante por meio de cria-ções e construções.

• Classificação Pedagógica: fundamentada na utilização do jogo, do brin-quedo ou, ainda, do material pedagógico, enquanto procedimento de inter-venção pedagógica segundo os diferentes aspectos e opções dos métodoseducativos.

Conforme Kamii e DeVries (1991), a organização dos jogos (classifica-ção) ajuda o professor a desenvolver uma consciência crítica a respeito desua utilização, afim de que ele possa selecionar, modificar e criar novosjogos. As funções que os jogos assumem, no contexto de ensino-aprendiza-gem, podem apresentar objetivos diferenciados. Essas funções são determi-nadas conforme os objetivos a que essas atividades se prestam.

A classificação do jogo, brinquedo ou material didático está diretamenterelacionado ao assunto, tema, conteúdo ou habilidade e capacidade a serdesenvolvida.

1) Jogos, Brinquedos e Materiais Pedagógicos: relacionados as capacida-des e habilidades a serem desenvolvidas.

1.1) Desenvolvimento Corporal (aspecto motor): o objetivo da utili-zação dos jogos, brinquedos ou materiais pedagógicos prima pelodesenvolvimento das capacidades e habilidades físico-motoras.

1.1.1) consciência corporal: a imagem do corpo é um intuitivoque o sujeito tem de seu próprio corpo.1.1.2) esquema corporal: segmentos do corpo e o corpo comoum todo;1.1.3) percepção e organização espacial: equilíbrio, lateralidade,coordenação.1.1.4) percepção e organização temporal: sucessão, velocida-de, cronologia1.1.5)coordenação motora: É a união harmoniosa de movi-mentos e supões a integridade e maturação do sistema ner-voso:

1.1.5.1) coordenação motora global: grandes segmentos cor-porais (grandes grupos musculares).

1.1.5.2)coordenação motora fina: pequenos segmentos corpo-rais (pequenos grupos musculares).

1.1.6) experiência sensorial: tato, visão, audição, olfato, pa-ladar.

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1.1.7) percepção: capacidade de reconhecer e compreenderestímulos recebidos. Está ligada à atenção, à consciência ea memória. Os estímulos provocam sensações que possibili-tam a percebê-los e discriminál-los. Primeiramente sãosentidos (por meio do desenvolvimento das experiênciassensoriais, posteriormente, ocorrem mediações entre osentir e o pensar e, por fim, acontecem as disciminaçõesnecessárias dos estímulos iniciais. A percepção édependende do desenvolvimento das experiências sensori-ais descritas anteriormente.

1.1.8) capacidades físicas: 1.1.8.1) força muscular, velocidade, resistência mus-cular e cardiovalsucar, flexibilidade, agilidade.

1.2) Desenvolvimento Intelectual (aspecto cognitivo): o objetivo dautilização dos jogos, brinquedos ou materiais pedagógicos primapelo desenvolvimento das capacidades intelectivas, estruturasmentais e raciocínio lógico.

1.2.1)Exploração, aquisição, memorização, classificação,seriação, reconhecimento, representação, regras,planejamento, raciocínio lógico, criatividade, imagina-ção, expressão,

1.3) Desenvolvimento Afetivo e Social: o objetivo da utilização dosjogos, brinquedos ou materiais pedagógicos prima pelo desenvol-vimento da afetividade e da socialização.

1.3.1) identificação, auto-afirmação, sentimentos, emo-ções, valores (juízo moral), comunicação,etc.

• Classificação por tipo de jogo: Esta classificação utiliza como critério afunção do jogo e o objetivo (ou objetivos) que justifica sua utilização. ou dobrinquedo, estando esta diretamente relacionada ao objetivo da criança du-rante a atividade. Conforme Araújo (2003), as categorias em que se dividemos tipos de jogos estão estreitamente vinculadas ao conteúdo desses, aocontexto em que são praticados, aos objetivos mais gerais que o professorpretende alcançar em suas aulas, aos aspectos (biológicos,neurocomportamentais, cognitivos e sócio-culturais) amplamente caracteri-zados como objetivos específicos a serem atingidos por meio de determinadotipo de jogo. Outro fator que possibilita a classificar os jogos em tipos dife-rentes, está relacionado ao nível de desenvolvimento do pensamento da cri-ança que, muitas vezes, justifica ou determina a utilização dessa atividade.

Tipos de Jogos 1) Jogos funcionais ou psicomotores; 2) Jogos sensoriais ou perceptivos motores; 3) Jogos intelectivos ou jogos de raciocínio; 4) Jogos de imitação, ficção ou faz de conta;

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5) Jogos de construção, fabricação, combinação ou criativo; 6) Jogos de transição ou de deslocamento; 7) Jogos competitivos; 8) Jogos cooperativos; 9) Jogos de salão, jogos de mesa ou pequenos jogos;10) Jogos de rua e brincadeiras populares ou recreativos tradicionais;11) Jogos e brincadeiras regionais ;12) Jogos rítmicos;13) Jogos dramáticos;14) Jogos didáticos ou pedagógicos;

1) Jogos motores, funcionais ou psicomotores: são definidos com base nosaspectos biológicos e neurocomportamentais do movimento. O principal obje-tivo é a exploração, o desenvolvimento, o aprimoramento ou manutenção dascapacidades físicas e das habilidades motoras. Os jogos motores, ‘nascem’da combinação de movimentos naturais como: andar, correr, lançar, rece-ber, saltar, saltitar, transportar (utilização ou não de ferramentas – materi-ais), etc. Para Le Boulch citado por Araújo (2003), os jogos funcionais exigemdas crianças o desenvolvimento ou o aprimoramento das condutaspsicomotoras, visto que padrões corporais e mentais encontram-se ligados1 .Dessa forma, esses jogos permitem às crianças a utilização dos movimentosde coordenação dinâmica geral (coordenação da composição dos movimentosnaturais: corrida, arremesso, salto, recepção, etc.).2) Jogos sensoriais ou perceptivos-motores: são distintos dos jogos funcio-nais ou motores por serem fundamentados, principalmente, nos aspectosneurocomportamentais do desenvolvimento onde são percebidos a evidênciadas habilidades sensório-motoras, perceptivas e coordenativas.3) Jogos intelectivos ou jogos de raciocínio: baseados nos aspectosneurocomportamentais e nos aspectos cognitivos como, por exemplo:memorização, categorização, comunicação, atenção, percepção e avaliaçãode situações, táticas e estratégias, síntese, seqüência de pensamento, lin-guagem (oral e escrita), etc.4) Jogos de imitação, de ficção ou faz de conta: relacionados ao simbolis-mo: a imitação, a imaginação e a representação.5) Jogos de fabricação, de construção ou de criação: possibilitam quediferentes domínios do comportamento, assim como diferentes aspectos dedesenvolvimento sejam valorizados. O professor deve tirar proveito dessasatividades propondo variações e mecanismos os quais favoreçam o alcancede diferentes objetivos. fabricação, de combinação e de construção fazemparte de uma das categorias (ou tipos) de jogos que devem receber umaespecial atenção. Os jogos de construção são considerados jogos de transi-ção e, para serem desenvolvidos pelas crianças, necessitam das demaisclasses de jogos, ou seja, os jogos sensório-motores, os jogos simbólicos e osjogos de regras.

1 Aspecto biológico e neurocomportamental. Domínio motor e cognitivo.

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6) Jogos de transição e deslocamento: caracterizam-se pela necessidadeda criança em deslocar objetos, a si própria ou, ainda, outra(s) criança(s)para que a atividade seja efetivada conforme as regras e os objetivos propos-tos. Entre outras funções do desenvolvimento, a noção espacial e temporal émuito solicitada, além do que, quando o deslocamento é do próprio corpo oude outras crianças as capacidades e habilidades físicas como força, equilí-brio e coordenação são, constantemente, solicitadas.7) Jogos competitivos: a principal característica é a competitividade. O as-pecto afetivo e social do comportamento são evidenciados. O grupo (união demais de um sujeito) e a socialização se tornam aspectos essenciais no de-senvolvimento dos jogos. A questão do ganhar e do perder está muito relaci-onada com a formação do juízo moral, justiça, verdade, regras, etc.8) Jogos cooperativos: fundamentam-se na cooperação, no trabalho em grupo.Para o efetivação da atividade é necessário a participação de mais de umacriança. O trabalho em grupo aparece como uma característica imprescindí-vel ao desenvolvimento do pensamento da criança.9) Jogos de mesa, de salão ou pequenos jogos: fundamentados nos mesmosaspectos e atendem objetivos semelhantes durante o seu desenvolvimentoque os jogos intelectivos ou jogos de raciocínio. Desta forma estes são opçõesde jogos de raciocínio e também de jogos perceptivos-motores (aspectosneurocomportamentais). Alguns exemplos desses jogos são: xadrez, dama,tênis de mesa, trilha, jogo da velha, resta um, etc...10) Jogos tradicionais: vinculados às atividades que perpassam pelo tem-po e são transmitidos de geração em geração. A estes se vincula a culturade jogos infantis tradicionais que são conhecidos, entre outras denomina-ções, como jogos recreativos (ou lúdicos) tradicionais, jogos de rua e brin-cadeiras populares. Friedmann, citada por Araújo (2003) afirma que astecnologias atuais (primeira década do século XXI) e a diferenciação noespaço dos jogos, influenciam massificadamente nas brincadeiras, nos jo-gos e nos tipos de brinquedos infantis. A criança está mais voltada para obrinquedo-objeto de consumo. O papel do educador é o de despertar nascrianças a criatividade (criação) e a comunicação por meio das brincadei-ras e dos jogos tradicionais.11) Jogos e brincadeiras regionais: correspondem aqueles que trazem ascaracterísticas regionais e as mudanças que os jogos sofrem de acordo como contexto de cada região. Um dos aspectos do comportamento evidenciadodurante a realização desses jogos, é o aspecto sócio-cultural.12) Jogos rítmicos: as atividades baseiam-se em movimentos combinados(coordenados) a partir de um ritmo determinado. Os movimentos precisamser realizados em um determinado tempo e espaço. Normalmente, essesjogos necessitam de algum tipo de som.13) Jogos dramáticos: as características fundamentais desse tipo de jogosão encontradas nos jogos de imitação, ficção ou faz de conta. São atividadesque evidenciam a representação de determinada situação ou situações darealidade. Podem ser utilizados materiais para a realização desse tipo dejogo. O aspecto simbólico é considerado o mais evidenciado durante o desen-volvimento das atividades dramáticas.14) Jogos didáticos ou pedagógicos: apresentam a evidência dos mesmosaspectos do comportamento e características semelhantes aos jogosintelectivos ou jogos de raciocínio são os jogos didáticos, por exemplo: que-bra-cabeças, dobraduras, etc.

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Outros aspectos a serem considerados pelo professor, ou interventordas situações de aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras, relacio-nam-se aos recursos disponíveis para o desenvolvimento das atividades. En-tre esses recursos encontram-se: 1) a utilização do próprio corpo sem autilização de materiais ou ferramentas; 2) o espaço disponível; 3) o númerode participantes; 4) entre outros.

O professor precisa ter clareza quanto ao tipo de jogo a ser desenvolvidoem cada situação, levando em conta seus objetivos, o nível de desenvolvi-mento das crianças e possibilitar aos alunos a análise das características dojogo em questão.

Para Friedmann apud Araújo (2003), a escolha do jogo deve: 1) partir dosinteresses específicos das crianças; 2) possibilitar que elas o transformem(participação ativa); 3) o jogo deve possibilitar a criança uma avaliação desua atuação; 4) ir ao encontro dos objetivos pré estabelecidos pelo professor;5) desenvolver a autonomia da crianças; 6) possibilitar a coordenação dediferentes pontos de vista; 7) incentivar a elaboração de idéias, questões,resoluções de problemas e 8) propiciar o estabelecimento de diferentes rela-ções.

Tipos de Brinquedos1) brinquedos de afetividade;2) brinquedos de armar e de montar;3) brinquedos de atividades físicas;4) brinquedos de berço;5) brinquedos de encaixar;6) brinquedos de faz-de-conta;7) brinquedos musicais;8) brinquedos tradicionais;

Conforme consta no presente regulamento, a brinquedoteca do CentroUniversitário Filadélfia – UNIFIL funciona como Laboratório de Pesquisa eEnsino para os docentes e discentes dos Cursos de Pedagogia e Psicologia ecomo Setor de Recursos Pedagógicos, cujo principal objetivo é atender pro-fessores e alunos da Educação Infantil e das Séries Iniciais do Ensino Fun-damental, sendo estes últimos, alunos que apresentam dificuldades deaprendizagem.

Para atender os referidos objetivos educacionais, foi adaptado do Siste-ma de Classificação de Jogos, Brinquedos e Materiais Pedagógicos NC (Cu-nha, 2001), um sistema de classificação que facilite o trabalho do professordurante a localização dos jogos e brinquedos e que atendam as solicitaçõesconforme as atividades propostas, aos conteúdos escolares e temas de tra-balho que serão desenvolvidos.

Atividades propostas: referem-se ao tipo de ação a ser realizada pelacriança durante a utilização do brinquedo e do jogo.

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Conteúdos Escolares e Temas de Trabalho: referem-se aos conteúdosveiculados pelas diferentes áreas do conhecimento e aos temas ou assuntosutilizados como centro de interesse.

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Organização do Sistema de Classificação

1) IDENTIFICAÇÃO DOS JOGOS, BRINQUEDOS e MATERIAIS PEDAGÓGI-COS: Cada jogo, brinquedo ou material pedagógico recebe uma etiqueta con-tendo informações sobre a localização, a classificação psicológica do jogo, ashabilidades e capacidades a serem desenvolvidas (classificação pedagógica)e o número do exemplar do referido material.1.1) localização: estante em que o jogo, brinquedo ou material pedagó-gico está localizado. Segue as letras do alfabeto e a ordenação das estan-tes nos espaços determinados.

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1.2) classificação psicológica do jogo: identificados pela cor da letra cor-respondentes à estante em que o jogo, o brinquedo ou o material pedagógicoestá localizado.

1.1.1) Jogos Motores (funcionais ou de exercício): vermelho;1.1.2) Jogos Simbólicos (representação ou pré-operatórios): verde;1.1.3) Jogos Operatórios (regras):amarelo1.1.4) Jogos de Construção ou de Criação: azul;

1.3) classificação pedagógica dos jogos e brinquedos (habilidades ecapacidades a serem desenvolvidas): cores e letras iniciais referentes aoaspecto do desenvolvimento de maior relevância durante o desenvolvimentodas atividades.

1.3.1) Desenvolvimento Corporal (aspecto motor): DC em laranja;1.3.2) Desenvolvimento Intelectual (aspecto cognitivo): DI em preto;1.3.3) Desenvolvimento Afetivo e Social: DA/S em rosa.

1.4) número do exemplar do jogo, brinquedo ou material pedagógico:ex.00.

2) FICHAS DE IDENTIFICAÇÃO: Organizadas em um fichário por ordem alfa-bética referentesaos conteúdos escolares e temas de trabalho a seremdesenvolvidos. As informações constantes nas fichas são referentes aosaspectos pedagógicos dos jogos, brinquedos ou materiais pedagógicos. Nasfichas contém as seguintes informações:1) Assunto: conteúdos escolares etemas de trabalho; 2) Localização (estante): letra e cor; 3) Número de registro(conforme livro tombo); 4) Tipo do jogo, brinquedo ou material pedagógico (base-ada na classificação por tipo de jogo e brinquedo); 5) Atividades propos-tas; 6)Habilidade ou capacidade a ser desenvolvida (baseada na classificaçãopedagógica dos jogos); 7) Idade aproximada; 8) Exemplares (quantidade).

3) REGISTRO DOS JOGOS, BRINQUEDOS OU MATERIAIS PEDAGÓGICOS:informações constantes no livro tombo referentes aos aspectos físicos dosjogos, brinquedos e materiais pedagógicos.1) Número de registro: conforme a ordem de entrada do material no arcevoda brinquedoteca;2) Data da Entrada;3) Nome do jogo, brinquedo ou material pedagógico;4) Fabricante e Local;5) Código e ano de fabricação;6) Compontentes;7) Tipo de jogo ou brinquedo (classificação por tipo de jogo e brinquedo);8) Localização (na brinquedoteca);9) Descrição das regras.

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O professor ou o mediador das atividades pedagógicas, por meio de jogose brincadeiras, necessita ter uma fundamentação teórico-metodológica queo possibilite trabalhar da melhor forma possível com os recursos oferecidospor uma brinquedoteca que serve como Setor de Recursos Pedagógico e comoLaboratório de Pesquisas voltadas ao a prática pedagógica que contempleuma metodologia lúdica. Para tanto, alguns conhecimentos em relação adefinições e conceitos de jogos e brincadeiras são fundamentais, assim comoconhecer alguns critérios que devem pautar a escolha do jogo ou dos brin-quedos em cada situação pedagógica.

Kamii e DeVries (1991) definem o jogo com uma atividade desenvolvidade acordo com uma regra que especifique o que cada criança deverá fazer eos papéis que deverão ser desempenhados, papéis estes que sãointerdependentes, opostos e cooperativos. As regras são estabelecidas porconsenso ou convenção. Essa atividade deve possibilitar confrontações, opo-sição de ações e, portanto, a elaboração de estratégias por parte dos jogado-res. Para ser considerado um bom jogo, o professor deve analisar a atividadea partir de alguns critérios: um bom jogo deve ser interessante e desafiador;o professor precisa pensar no tipo de desafio que o jogo propõe para as crian-ças; considerar o que esses desafios significam teoricamente.

Durante a escolha do jogo e a partir deste critério, devem ser conside-rados dois momentos:

1) a análise das possibilidades do conteúdo do jogo;2) a análise da ação da criança jogando, ou seja, perceber o signi-

ficado do jogo para ela.O professor deve observar o envolvimento, papéis principais e secundári-

os, das crianças durante ao jogo, seja agindo, observando ou pensando o quedepende de seu nível de desenvolvimento. Cada tipo de ação evidencia umaspecto do comportamento diferente, depende da intenção da criança, mastodos os jogos estimulam ações mentais que implicam em ações físicas.

Conforme Kishimoto (1994), um dos elementos que diferenciam os jogosdas brincadeiras é o sistema de regra que regulamentam essas atividades.Nos jogos, as regras são socialmente e culturalmente construídas e, na maio-ria dos casos, depende de objetos (materiais utilizados durante a atividade).Nas brincadeiras, geralmente, o que orienta a atividade são as regras decomportamento e a imaginação. O brinquedo é o suporte das brincadeiras(ferramenta, material) cuja função relacionar situações reais e pensamento.

Araújo (2003), ao analisar as afirmações de Kishimoto, relata que ape-sar do sistema de regras ser um dos indicadores das diferenças entre jogose brincadeiras, não quer dizer que nos jogos não se imagina e que nasbrincadeiras não existam regras organizadas. Para melhor explicar essa afir-mação, é necessário identificar o tipo de regra que está evidência durante aatividade, ou seja, nos jogos a imaginação está presente de forma oculta esão as regras construídas que orientam a atividade; na brincadeira, são asregras culturais que se apresentam de forma oculta e o que orienta a ativi-dade é a imaginação, o simbolismo.

Vygotsky, citado por Kishimoto (1994), afirma que o brincar envolve umaação complexa, pois a criança reorganiza suas experiências e, ao reorganizá-las cria espaço para a reconstrução do conhecimento. A brincadeira coloca acriança na presença de situações do cotidiano e uma indeterminação quan-to ao seu uso.

Sendo assim, qualquer jogo pode fazer parte da brincadeira quando ele éo objeto da brincadeira mas, a brincadeira não pode ser considerada umjogo. Basicamente o que muda o sentido entre os conceitos é a intenção dacriança e o objetivo das atividades.

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ARAÚJO, Karina de Toledo. Jogos, inteligência e pensamento: a construção deconhecimentos para além do ensino da educação física. Maringá, 2003. (Disser-tação de Mestrado).

AROEIRA, M. L. C.; SOARES, M. I. B.; MENDES, R. E. A. Didática de pré-escola:vida criança: brincar e aprender. São Paulo: FTD, 1996.

CUNHA, Nylse Helena Silva. Brinquedoteca: um mergulho no brincar. 3ª ed. SãoPaulo: Vetor, 2001.

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM SAÚDE EQUALIDADE DE VIDA - NEPSV

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PERFIL DOS CONSELHEIROS MUNICIPAIS DE SAÚDE DEBANDEIRANTES-PR

Simone C. Castanho S. de Melo*Maria Lúcia da Silva Lopes**

Maria José Galdino***Paula Sitta***

RESUMO:O Conselho de Saúde é um instrumento legitimado pelos princípios

constitucionais e por leis que o regulamentam para o exercício do controlesocial das políticas e da gestão de saúde. O objetivo do trabalho é caracte-rizar o perfil dos conselheiros de saúde de Bandeirantes-Pr. O Conselho deSaúde estudado é composto por 35 membros, sendo 18 efetivos e 16 su-plentes. Em janeiro de 2005 foram entrevistados 30 conselheiros de saú-de, as perdas ocorreram por viagem, mudança ou recusa em participar dapesquisa. Verificou-se que, dos conselheiros entrevistados 18 são do sexomasculino e 12 são do sexo feminino, 53,3% dos entrevistados tem entre25 e 44 anos. Dos 30 conselheiros a maioria (43,3%) possui curso superiorcompleto e trabalha na área da saúde. A renda familiar é superior a 8salários mínimos em 40 % dos entrevistados. O segmento que mais teverepresentatividade foi o dos usuários com participação de 14 conselheiros.Em relação ao tempo de participação do conselho 16 entrevistados (53,33%)são conselheiros há 01 ano. Observa-se que 93,3% dos conselheiros desaúde não participaram de cursos de capacitação. Verificou-se que a mino-ria dos conselheiros (6,7%) tem o conceito ampliado de saúde. A maioriados entrevistados (36,7%) atribuem como funções de um conselheiro bus-car alternativas para resolver os problemas. 46,7% dos conselheirosconceituaram controle social de acordo com a Lei 8142/90. Frente a estesresultados é possível identificar que os conselheiros são jovens, de bomnível sócio, econômico e cultural, porém, necessitam de cursos decapacitação. Sugere-se que o próprio conselho organize esta demanda as-sumindo uma postura propositiva frente as suas fragilidades.

PALAVRAS CHAVES: Conselho de saúde, Conselheiros de saúde, Con-trole social.

* Aluna do curso de Especialização em Saúde Coletiva da UEL** Docente do curso de Especialização em Saúde Coletiva da UEL*** Alunas do curso de Enfermagem da Faculdades Luiz Meneghel – Bandeirantes

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ABSTRACT:The Health Council is an instrument legitimized by constitutional

principles and by laws which regulate it for the exercise of social controlover the policy and management of health services. The objective of thiswork is to determine the profiles of the members of the Health Council ofthe town of Bandeirantes, in the State of Paraná. The health council understudy is composed of 35 members, 18 of them being active members and 16deputies. In January 2005, 30 counselors were interviewed; the losses inthe sampling were due to the fact that some of them were traveling, somehad moved away or refused to take part in the research. It was determinedthat, among the counselors interviewed, 18 are male and 12 are female;53.3% of them are between 25 and 44 years old. The majority of the counselors(43.3%) holds a college degree and work in health-related areas. Householdincome exceeds 8 minimum-wage values in the case of 40% of the counselorsinterviewed. The social segment with the highest number of representativesin the sampling is that of the users of the public health system, with 14members. As to the participation in the council, 16 counselors (53.33%)have held the office for more than a year. It was determined that 93.3% ofthe counselors have not taken part in any capacitating course. It wasdetermined also that a minority among the counselors (6.7%) has an amplifiedconcept of health. Most of the counselors interviewed (36.7%) understandthat their major attribution is seeking solutions for problems. 46.7% of thecounselors have a concept of social control in accordance to Law 8.142/90.Faced with these results, it is possible to conclude that the counselors areyoung and of a good socio-economical and cultural level, but they needcapacitating courses. It is suggested that the Health Council itself shouldcorrect this deficiency, assuming a positive attitude concerning its ownfragilities.

KEY WORDS: Health Councils; Health Counselors, Social Control.

1 IntroduçãoNo conjunto de discussões que há alguns anos vêm se intensificando

sobre os rumos técnicos e políticos do sistema nacional de saúde, a questãoda participação popular e do controle social tem merecido destaque, poisestão associados ao processo de redemocratização, que ocorreu com o fim dogoverno militar e da repressão política (DROPA, 2001; VALLA, 1998).

O controle social é entendido como a capacidade que a sociedade civiltem de intervir na gestão pública, colocando as ações do Estado na direçãodos interesses e das necessidades da comunidade (DALLA VALLE, 2002).

Em meados dos anos 80 houve grande aumento da criação de associa-ções de moradores, entidades religiosas, movimentos femininos, entidadesfilantrópicas e vários outros movimentos comunitários, que passaram a exerceratividades e pressões de controle em função de reivindicações específicas,inclusive serviços de saúde (FORTES, 1997). Neste contexto ocorre em Brasíliano ano de 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde com a participação de5000 pessoas, considerada um marco na História da saúde no Brasil.

Os relatórios produzidos nessa conferência serviram de base para a Cons-tituição Federal de 1988. Passados dois anos da promulgação constitucional,após intensa movimentação e luta dos setores organizados na saúde, edita-sea Lei 8080/90, que institui o SUS, e a Lei 8142/90, juntas, denominam-se deLeis Orgânicas da Saúde (CARVALHO; MARTIM; CORDONI Jr, 2001).

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A Lei 8142/90 dispõe sobre a participação da comunidade na gestão doSUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeirosna área da saúde, criando a obrigatoriedade de organização e funcionamen-to dos Conselhos de Saúde e da existência das Conferências de Saúde emcada esfera de governo (FORTES, 1997).

O Conselho de Saúde é um instrumento plenamente legitimado pelosprincípios constitucionais e por leis que o regulamentam para o exercício docontrole social das políticas e da gestão de saúde (BRASIL, 2003).

A partir da década de 90 foram instalados conselhos em todas a Unida-des da Federação (LABRA, 2002). A proliferação destes Conselhos repre-senta um aspecto positivo, ao criar oportunidades para a participação dasociedade na gestão das Políticas Públicas.

O Conselho Municipal de Saúde de Bandeirantes-Pr, município localiza-do ao Norte do Paraná, foi criado através da Lei nº 1741/91 em 20 de dezem-bro de 1991 e alterado pelas Leis nº 1789/93, Lei 2035/97 e Lei 2442/2003 eé composto hoje por 35 membros.

Considerando que os Conselhos de Saúde apresentam aspectos desco-nhecidos que precisam ser esclarecidos, o objetivo deste estudo é conhecerquem são os protagonistas que estão representando a sociedade civil nagestão do Sistema Único de Saúde do município de Bandeirantes – Pr

2 Material e MétodoO Conselho de Saúde estudado é composto por 35 membros, sendo 18

efetivos e 16 suplentes.Em janeiro de 2005 foram entrevistados 30 conselheiros de saúde,

as perdas ocorreram por viagem, mudança ou recusa em participar dapesquisa.

Os resultados foram apresentados através de tabelas e gráficos, utili-zando o programa Epi 6 para sua tabulação.

Foi solicitado o consentimento livre e esclarecido de cada um dos entre-vistados de acordo com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional deSaúde.

3 Resultados e DiscussãoOs dados a seguir referem-se aos resultados obtidos na pesquisa sobre o

perfil dos conselheiros de saúde do município de Bandeirantes - Pr, 2004.Observa-se que 60% dos conselheiros são do sexo masculino e 40 % são

do sexo feminino.Quanto a faixa etária dos conselheiros pode-se observar que 08 (27%)

conselheiros estão na faixa etária de 25-34 e 35-44 anos, 05 (17%) encon-tram-se na faixa etária de 45-54 anos e 55-59 anos e 4 (12%) dos entrevista-dos tem 60 anos ou mais.

Quanto ao grau de escolaridade verifica-se que 13 (43,3%) dos conse-lheiros entrevistados possuem Curso Superior Completo, 06 (20%) CursoSuperior Incompleto, 06 (20%) Ensino Médio Completo, 04 (13,3%) possuemEnsino Fundamental Incompleto e 1 (3,3%) conselheiro possui o Ensino Fun-damental Completo.

Em relação ao local de trabalho observa-se na figura 1 que os conselhei-ros estão vinculados a profissões diversas, havendo um predomínio para aárea da saúde (40%).

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Figura 1 – Distribuição dos conselheiros de saúde segundo local de trabalho, Bandeirantes –Pr, 2004.

Em relação a renda familiar 12 conselheiros (40%) recebem acima de 8salários mínimos, 06 (20%) recebem entre 6 e 8 salários mínimos, 06 (20%)entre 4 e 6 salários, 05 (16,7%) conselheiros possui renda entre 2 e 4salários e 01 (3,3%) recebe entre 1 e 2 salários mínimos. Os dados descritoscondizem com o encontrado em Lopes (1999) onde 47% dos conselheirospossuíam renda superior a 8 salários mínimos.

Conforme observa-se na figura 2 não há paridade no conselho de saúdede Bandeirantes, pois no segmento dos prestadores de saúde há 7 partici-pantes (23,3%), no segmento dos gestores temos 4 conselheiros (13,3%) e nosegmento dos trabalhadores há apenas 3 participantes (10%).

Figura 2 – Distribuição dos conselheiros segundo segmento a que perten-cem, Bandeirantes – Pr, 2004.

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Observa-se que 53,3% dos conselheiros estão no conselho há apenasum ano. Atribui-se este percentual alto a última conferência ocorrida nomunicípio em 2003, evento em que ocorre às alterações na composição doconselho.

Observa-se que 26 conselheiros (86,7%) se ausentaram de algumas reu-niões, e que apenas 4 (13,3%) não faltaram a nenhuma reunião.

Quando questionados quanto ao motivo da ausência 27% dos entrevista-dos responderam que o horário das reuniões e a falta de aviso os impossibi-litaram de participar.

A figura 3 mostra o conceito de saúde adotado pelos conselheiros. Ob-serva-se que 16 conselheiros (53%) consideram saúde como ausência dedoença, 2 conselheiros (7%) conceituaram saúde de acordo com a OMS e 2(7%) de acordo com a Lei 8080/90 que é um conceito ampliado. Os demaisconselheiros (10 - 33%) mantiveram respostas evasivas como: “é vital”, “pri-oridade da vida de cada um”, “liberdade”, “é tudo”, entre outras.

Figura 3 – Distribuição dos conselheiros segundo conceito de saúde adotado,Bandeirantes – Pr, 2004.

Observa-se na tabela 1 a opinião dos conselheiros quanto a função doconselho de saúde.Tabela 1 – Distribuição dos conselheiros segundo sua opinião sobre a função

de um Conselho de Saúde, Bandeirantes-Pr, 2004.

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Conforme mostra a figura 4, 15 (50%) dos conselheiros entrevistadosapresentam o conceito de controle social segundo o proposto na Lei 8142/90,porém observa-se que 14 (46,7%) não sabem o que significa controle social e1 conselheiro (3,3%) conceituou em desacordo com a Lei 8142/90 dizendoque “ o estado manda na sociedade”.

Figura 4 – Distribuição dos conselheiros segundo conceito de controle social, Bandeirantes –Pr, 2004.

Observa-se que o número bastante alto de conselheiros que não sabemo significado de controle social provavelmente seja devido a falta decapacitação dos mesmos, pois o controle social é um dos fatores mais impor-tantes para a implementação do SUS. Sugere-se que seja implantada umapolítica municipal de Educação Permanente em Saúde.

5 Considerações FinaisNos anos 90 se consolida, em base legal, a possibilidade da população

participar na formulação, implantação e implementação da política de ges-tão dos serviços de saúde, sobretudo através da instituição dos Conselhos deSaúde.

A participação popular no setor saúde apresenta-se em construção atra-vés dos Conselhos de Saúde, que possuem características asseguradas poraparato jurídico desde sua composição até suas atribuições. Entretanto, setemos por um lado o espaço através de canais de participação como os Con-selhos de Saúde, por outro temos a falta de capacitação dos representantesdos segmentos.

Em resumo, falta muito caminho a percorrer para que o público se torneobjeto de controle social (CORREIA, 2000). É certo que a discussão a cercado tema não se esgota e nem deveria, este trabalho servirá de base parapesquisas futuras, ampliando o campo de discussão sobre a participação dapopulação nos Conselhos de Saúde.

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6. ReferênciasBRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº333, de 4 de novembro de 2003. Aprova as seguintes diretrizes para criação,reformulação, estruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde.Revogada as Resoluções 33/1992 e a de nº 319/2002. Diário oficial [da]República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 dez. 2003.

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LABRA, M. E.; FIGUEIREDO, J. S. A. F. Associativismo, participação e cultu-ra cívica. O potencial dos conselhos de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Riode Janeiro, v. 7, n. 3, p. 537-547, 2002.

LOPES, M. L. S. Estudo dos conselhos municipais de saúde em municípios doNorte do Paraná. 1999. 201 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) –Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 1999.

VALLA, V. V. Sobre participação popular: uma questão de perspectiva. Cader-nos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 7-18, 1998. Suplemento.

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UMA DISCUSSÃO DO FILME THE BRIDGES OF MADISON COUNTYDE ACORDO COM A ANÁLISE COMPORTAMENTAL* *

Jocelaine Martins da Silveira*

(Para sua conveniência, não leia se ainda não assistiu ao filme)(For your convenience, watch the film before you read this article)

RESUMO:“Analisar” de acordo com o referencial da Análise do Comportamento

significa descrever a combinação dos eventos no contexto, em contraposiçãoà concepção de análise como decomposição. Quatro importantes tensões dahistória foram selecionadas para a analisar o filme. 1) Como pessoas tãodiferentes se tornam um par? 2) Se não havia problemas explícitos no con-texto familiar, por que Francesca estava insatisfeita? 3) Se o romanceentre Francesca e Rorbert era perfeito, por que ela não permanece norelacionamento? E 4) Certa de que a separação seria definitiva, por queFrancesca não esquece Robert? A primeira tensão é explicada por meio daanálise da combinação probabilística do repertório comportamental deFrancesca e Robert. A insatisfação de Francesca é interpretada como produ-to colateral de contingências importantes, embora não muito óbvias no con-texto familiar e social em que vivia. Os indicativos da vigência de contingên-cias de reforçamento negativo são listados na discussão da segunda tensão.A terceira tensão da história justifica a importância da compreensão dosdois efeitos do reforçamento, quais sejam: o prazer e a alteração da probabi-lidade da resposta. Sem essa compreensão, ficaria difícil explicar por queFrancesca opta por ficar na fazenda. Por fim, são discutidas as contingênci-as necessárias para a promoção da extinção e do esquecimento. As idéias deB. F. Skinner sobre o comportamento de ver na ausência da coisa vista sãoutilizadas na explicação da persistência do amor de Francesca por Robert.Para concluir, destaca-se a força relativa do comportamento operante natransformação do contexto que o controlará no futuro.

PALAVRAS CHAVES: Behaviorismo Radical, Análise Comportamental.

ABSTRACT:“Analyzing”, according to the referential of Behavior Analysis, means

describing a set of events in a context, as opposed to the concept of analysisas decomposition. Four important tensions in the story were selected for theanalysis of the film. 1) How do such different people become attracted toeach other? 2) If there were no explicit problems in the familiar context, whywas Francesca dissatisfied? 3) If the romantic relationship between Francescaand Robert was perfect, why didn’t she keep up the relationship? And, oncesure that the separation was permanent, why didn’t she forget Robert? Thefirst tension is explained by means of the analysis of the probabilisticcombination of the behavior repertoire of Francesca and Robert. Francesca’sdissatisfaction is interpreted as a collateral product of importantcontingencies, although not very obvious in the family and social context inwhich they lived.

KEY WORDS: Radical Behaviorism; Behavior Analysis

**O presente artigo decorre da participação da autora em uma mesa redonda que discutiu o filme na VJornada de Psicologia da Unifil (2004), Londrina PR.*Docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento da Universidade Estadual deLondrina - PR. Email: [email protected] Doutora em Psicologia Clínica/USP, mestre em Psicologia

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O presente artigo se propõe a analisar o filme The bridges of MadisonCounty, cujo título da versão brasileira é As pontes de Madison, de acordo como referencial da Análise do Comportamento2. Analisar um filme significailustrar por meio dele o que acontece na natureza. É sempre bom lembrarque a lógica dos filmes é a dos roteiristas e não necessariamente a danatureza. Nesse filme há muita correspondência entre a história e o que sesabe sobre o comportamento humano.

A Análise Comportamental (AC) permite inúmeras explicações para ascenas. Nesse artigo optou-se por explicar quatro importantes tensões dahistória. São elas:

1. Como pessoas tão diferentes (Francesca e Robert) se tor-nam um par?

2. Se não havia problemas explícitos no contexto familiar deFrancesca, por que ela manifestava insatisfação?

3. Se o romance com Robert era perfeito, por que Francescanão permanece no relacionamento?

4. Se a separação foi definitiva e eles não voltariam a se en-contrar, por que Francesca não esquece Robert até o fim desua vida?

Considere-se, inicialmente, o que talvez seja a primeira importante ten-são da história. Os protagonistas do romance, Francesca Johnson e RobertKincaid, são pessoas muito diferentes. Ela, uma dona de casa, casada e mãede dois filhos adolescentes, mora em uma fazenda há muitos anos e sentesaudades da cidade onde nasceu e cresceu na Itália. Mudou-se para osEstados Unidos ainda moça, depois que conhecera o marido, então soldadona Itália. Robert, por sua vez, não era casado e trabalhava como fotógrafo darevista National Geographic. Sua rotina de trabalho consistia em viajar efotografar lugares pitorescos. Os personagens se encontram quando Robertpára em frente à casa de Francesca para pedir-lhe informações do caminhoaté uma ponte que deveria fotografar.

Qual a probabilidade de, dada uma amostra de pessoas, duas delas tor-narem-se um par? Por que um encontro tende a ocorrer entre duas pessoase é consideravelmente improvável com outras? A explicação comportamentalpara essa probabilidade leva em conta o repertório comportamental de cadaum dos parceiros. Assim, havendo uma atração física, os pares se formam,considerando a combinação do repertório comportamental da díade. Essesrepertórios precisam ser funcionais. Isto é, eventos reforçadores podem ocor-rer em razão de diferenças ou de afinidades entre as pessoas. A funcionali-dade dos repertórios pode advir de similaridades ou de discrepâncias. Tome-se o encontro de Robert e Francesca. O que aumentou a probabilidade deseus repertórios serem funcionais, parece ter sido a discrepância. Ambosfaziam coisas muito distintas.

O filme mostra como dois repertórios bastante diversos tornam-se fun-cionais e (positivamente) reforçadores um para o outro. Francesca parecedivertir-se muito ouvindo histórias engraçadas sobre as aventuras de Robertmundo afora. Robert também parece gostar do convite de Francesca parajantar na casa dela. Pelo menos é o que se pode deduzir quando ele diz quecomida caseira para quem está em viagem é coisa rara.

Diversamente, haveria ainda a possibilidade de Robert e Francescaligarem-se a pessoas com quem tivessem mais afinidade. Por exemplo,

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Robert poderia conhecer uma mulher também fotógrafa da National Geographic.Eles poderiam falar sobre suas viagens ou sobre a revelação de fotografias,por exemplo e isso poderia ser positivamente reforçador para esses compor-tamentos de ambos. Pode-se imaginar que os dois viajariam e um não seressentiria da ausência do outro, o que também seria reforçador para orelacionamento. Do mesmo modo, a título de ilustração de uma união porsimilaridades, tome a possibilidade de Francesca encontrar um mecânicopacato, morador da fazenda vizinha e o repertório comportamental de ambosproporcionar reforçamento positivo um para o outro.

Considerando determinadas classes de resposta de cada parceiro, osrepertórios podem ser também (negativamente) reforçadores. Existe a possi-bilidade de uma parte importante do repertório de um ser (positiva ou nega-tivamente) reforçador para o outro. Enfim, há muitas possibilidades de com-binação do repertório comportamental de um casal. O ponto crítico a serconsiderado em uma análise comportamental da formação de um par é oreforçamento potencial entre os parceiros. Como se pôde observar, os reper-tórios de Francesca e Robert, embora muito distintos, eram funcionais emuma eventual união desta díade.

Considere-se agora, uma outra tensão da história. Ela consiste no fatode não haver um problema familiar explícito na vida de Francesca. Ou seja,um evento que a comunidade verbal costumeiramente caracteriza como pro-blemático na vida familiar. O que justificaria a insatisfação de Francesca?Seu marido parecia adequado, embora um tanto inexpressivo afetivamente(conforme se observa nas cenas em que ele sai para viajar e na cena dachegada da viagem). Os filhos adolescentes não estavam apresentando com-portamentos preocupantes como por exemplo, fazer uso de substâncias deabuso. Tampouco havia agressão física, morte recente na família ou qual-quer outro evento traumático. Enfim, Francesca e o marido não pareciamatravessar propriamente uma crise conjugal.

Operacionalmente, isto significa dizer que não se podia verificar a apre-sentação de um evento aversivo qualquer. Entretanto, o produto colateralindicava alguma adversidade no contexto. Francesca sentia-se insatisfeita.Disse ela na carta aos filhos, que, por algum motivo estava aflita para quepartissem logo de viagem. Só mais tarde o filme revela que a aversão presen-te no contexto consistia na remoção contingente de algum evento aversivo (enão na apresentação dele). Ela diz ao Robert que, ao se casar e ter filhos,sua vida foi ficando cheia de detalhes. Sua vida passa a ser os “detalhes”. Osdetalhes podem ser formulados como relações de contingência de reforçonegativo. O produto colateral de contingência de reforço negativo é o senti-mento de alívio. Parece um detalhe na rotina de Francesca, sentar com afamília à mesa e fazer uma prece nada fervorosa, para então, comer. Ou,correr e abrir a geladeira para botar na mesa algo que o marido costumaquerer (antes que ele reclamasse). Mais tarde no filme, Francesca diz queos detalhes a salvaram do sofrimento de não ter partido com Robert. Nessemomento, o filme exibe uma cena em que ela está lavando as roupas dafamília, que retornou da viagem. O que aconteceria se ela simplesmentenão cumprisse os rituais das tarefas domésticas? Possivelmente, algum eventoaversivo seria apresentado.

A situação mais óbvia é a que se revela quando Robert senta-se no cafédo condado de Madson. Aparentemente, o contexto social apresentava puni-ção contingente ao comportamento de transgredir o esperado para o papel deuma mulher (ser descomprometida, comparecer sozinha ao café e quemsabe até, de não fazer as tarefas domésticas). A personagem Lucy Redfieldemitiu alguns desses comportamentos e foi tratada com hostilidade (puni-

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ção, cujo produto colateral é o sofrimento). O filme exibe uma cena em queela está chorando no carro, depois de ter sido maltratada no café da cidade.“Andar na linha” evitava a apresentação de eventos aversivos naquele con-texto. Outras moradoras do lugar pareciam estar sujeitas ao mesmo contro-le e até treinadas a esquivarem-se dele, quando possível. Por exemplo, umavendedora de roupas ensina Francesca um modo de evitar a punição domarido pela compra de um vestido (repertório de fuga/esquiva). Uma outramulher, a amiga de Francesca que chega a sua casa, relata ironicamentecomo se livrou do controle do marido para estar ali. Observa-se no condadode Madson uma forma de relação de controle em que a aversão é contingen-te a alguma variação no repertório daquelas mulheres. Esta forma de con-trole é bastante comum na vida das pessoas. Seu produto colateral é ainsatisfação, embora não se saiba direito com o quê, já que o evento aversivotem sido eficazmente removido pelo repertório de fuga/esquiva.

O inverso dessa condição produz o sentimento de liberdade. O senti-mento de liberdade é o produto colateral de contingências não opressoras.Ou seja, sente-se liberdade quando a condição é positivamente reforçadora.Isso é o que parece ocorrer no relacionamento de Robert e Francesca. Algu-mas cenas que sugerem isso são: Robert dizendo a ela que tem de fazerumas fotos. Ela então diz que tudo bem se ele vier mais tarde (não há apre-sentação de um evento punitivo), ao que ele responde que estava pensandoem levá-la com ele. O que ele disse é algo como “Escolhi estar com você”.Provavelmente, há eventos positivamente reforçadores em estar comFrancesca. Robert também não é coercitivo com ela. Por exemplo, ao ver nocafé da cidade, uma situação potencialmente desagradável para ela, eletelefona para ela e diz que caso fosse inconveniente (para ela) comparecerao encontro, ele entenderia. Ao que ela respondeu que iria encontrá-lo as-sim mesmo. Novamente uma resposta do tipo “Mas eu escolho estar comvocê”. Havia algo positivamente reforçador em estar com Robert. Sabe-seque os produtos colaterais do reforço positivo são “...alegria, felicidade, con-tentamento...” (Madi, 2004, p. 50) e isto é o que o casal parecia sentir estan-do junto.

Um outro exemplo de interação positivamente reforçadora. No momentoem que Robert e Francesca estão juntos deitados, ele conversava sobre acidade na Itália de onde ela sentia saudades (“...aquele bar com toldolistrado...eu estive lá...”). Descrever aquele lugar parecia também ser positi-vamente reforçador para Francesca. Os dois então engajam-se no comporta-mento de ver na ausência da coisa vista do qual se falará mais adiante.

A força de um relacionamento íntimo e genuíno pode estabelecer novossentimentos relacionados ao “eu”. Um produto colateral importante de umrelacionamento íntimo genuinamente edificante é o bem estar consigo, ouum sentimento de “eu” agradável. Francesca disse na carta aos filhos quesentia-se diferente de tudo que sabia sobre si mesma, depois de conhecerRobert. Ao mesmo tempo, dizia ela “...eu nunca fui tão eu mesma”.

Resta agora, a pergunta: se o relacionamento entre Francesca e Rorberta fazia sentir-se tão bem, por que ela não permaneceu com ele? Este ponto émuito importante porque ilustra ricamente o conceito de reforço.

Uma pessoa está bem consigo mesma quando sente um corpopositivamente reforçado. Os reforçadores positivos dão prazer.Dão prazer mesmo quando acidentais (Feliz, antigamente, sig-nificava ‘sortudo’) (Skinner, 1989/1991, p. 114).

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Conceitualmente, o reforçamento tem dois efeitos: o efeito de prazerque é sentido no corpo e de fortalecimento do comportamento, que ocorreprobabilisticamente na interação organismo/ambiente. As pessoas podemsentir mais facilmente o efeito imediato de um evento, o prazer, do que atendência para se comportarem da mesma maneira no futuro, a inclinaçãodo repertório. O que as pessoas sentem não é causa do comportamento de-las. As relações dos eventos em um contexto é que explicam o que as pesso-as fazem. A Análise Comportamental prescinde de explicações finalistas ehedonistas para o comportamento humano. Isto é, admite-se que as pessoasnão agem porque “será prazeroso”. Agem quando as contingências tornaramprovável a emissão de uma resposta. Assim, Francesca não ficaria comRobert porque isso era prazeroso para ela. Francesca ficaria ou não, dadasas condições em que seu comportamento ocorria naquele contexto.

Quando o analista do comportamento é um terapeuta, ele facilita des-crições por parte do cliente que diferenciam aqueles dois efeitos. O estadocorporal gerado pelas conseqüências e o fortalecimento do desempenho queproduziu o reforçador. Francesca estava fortemente inclinada a continuarrespondendo no contexto de reforçamento em que predominava o reforçamentonegativo (mesmo que isso não fosse exatamente prazeroso). A cena em queela segura e torce a maçaneta do carro quase “decidindo” partir com Robert,revela a força de um novo repertório sendo instalado. Afinal, a interação comRobert foi positivamente reforçadora. Mas, Francesca decidiu ficar e pagar opreço disso. Ela disse a Robert que quando uma mulher decide casar-se eter filhos sabe que estará abrindo mão de alguns prazeres. Operacionalmente,Francesca teria dito que, ao casar-se, uma mulher está operando de modo adefinir a qual contexto de controle seu comportamento estará sujeito. Nova-mente, um controle coercitivo parece ajudar a definição de Francesca porficar. Ela disse que seu marido não resistiria às fofocas, caso o deixasse. Eleseria “partido ao meio”, disse ela. Isto indica a apresentação contingente deum evento aversivo ao comportamento de partir com Robert.

Por fim, o filme provoca o questionamento de por que os comportamentosde Francesca relacionados a Robert não entraram em extinção ou no esque-cimento?

De acordo com Catania (1998), uma das propriedades do reforço é quesua descontinuidade resulta na redução do responder. A extinção é a opera-ção na qual o reforço é suspenso. Quando o responder retorna a seus níveisprévios como resultado dessa operação, diz-se que foi extinto.

O responder de Francesca frente a Robert não retorna aos níveis prévi-os. O chamado esquecimento também não ocorre. Dada a mesma condição,a resposta antes emitida, não mais ocorreria, caso Francesca esquecesseRobert. Contudo, ao receber, pelo correio, o livro com as fotos que Francescaincentivara Robert a publicar, ela comporta-se como no passado. Não o es-quecera, portanto.

O operante de ver Robert na ausência da coisa vista também parecevigoroso até o fim da vida de Francesca. Aparentemente, ele manteve-seforte por muito tempo em função da combinação das seguintes condições:

a) Outras variáveis no contexto, como a vida familiar tediosa,com a predominância de reforçamento negativo (cujo produ-to colateral era insatisfação) não exerceram concorrência.

b) Aquele contexto familiar manteve alguns comportamentosde fuga/esquiva. Um deles poderia ser o de pensar em

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Robert. Francesca disse: “Se ele não tivesse existido, eunão teria conseguido ficar na fazenda todos esses anos”.Aparentemente, o padrão de esquivar-se desse modo, isto é,lembrando-se do passado, já existia antes de conhecerRobert. Antes, Francesca pareceu esquivar-se pensandonostalgicamente em sua cidade na Itália.

c) Francesca operou de modo a tornar provável seu comporta-mento de continuar lembrando-se de Robert. Francesca tor-nou-se amiga de Lucy e disse que ela era o elo que restaracom Robert. Francesca visitava a ponte a cada aniversárioseu, guardava em um baú, objetos que testemunhavam seuromance com Robert e escreveu uma carta revelando suahistória com ele. Carta que deveria ser lida quando ela mor-resse. Além de todos esses comportamentos que parecemter ajudado a manter as lembranças de Robert, Francescaplanejou ser cremada e pediu que suas cinzas fossem joga-das na ponte em que esteve com Robert.

Para finalizar, gostaria de sumariar algumas idéias impor-tantes do ponto de vista comportamental que o filme ilustrou. A primei-ra é que pessoas com repertórios muito distintos podem se unir, casohaja funcionalidade no comportamento de ambas. A segunda é que nemsempre a ausência de um evento aversivo observável ostensivamenteimplica sentimento de satisfação com a vida. Uma terceira idéia impor-tante é que as pessoas não agem porque sentem prazer, agem em con-formidade com as contingências. E finalmente, o tempo não garante oesquecimento dos fatos. O controle possível sobre o esquecimento deveser novamente buscado nas contingências. Para os que querem esque-cer, fica o conselho: “Se você não consegue esquecer, pelo menos nãoaja de forma a ficar lembrando”.

ReferênciasCATANIA, A. C. Learning. 4ª ed. Nova Jersey: Prentice-Hall, 1998.

MADI, M. B. B. P. Reforçamento positivo: Princípio, aplicação e efeitos dese-jáveis. Em: C. N. Abreu e J. H. Guilhardi (Orgs), pp. 41-54. TerapiaComportamental e Cognitivo-Comportamental: Práticas Clínicas. 2004.

SKINNER, B. F. Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas:Papirus, 1991.

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NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ARQUITETURAE URBANISMO- NEPAU

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ARQUITETURA E SUSTENTABILIDADE NA SOCIEDADE DE RISCO

Antonio Manuel N. Castelnou*

RESUMO:Fundamentando-se no conceito de Sociedade de Risco, de Ulrich Beck,

este artigo tem como objetivo principal apontar algumas considerações sobrea prática arquitetônica sustentável, visando apresentar possíveis caminhosque conduziriam à sustentabilidade das cidades, assim como da vida urba-na. A partir da caracterização e crítica do pensamento desse autor, busca-sediscutir as potencialidades da arquitetura dita ecológica, assim como seurebatimento na discussão contemporânea referente à questão do meio am-biente e desenvolvimento.

PALAVRAS CHAVES: Arquitetura Ecológica; Desenvolvimento Susten-tável; Sociedade de Risco.

ABSTRACT:Based on Ulrich Bech’s concept of Risk Society, this article has as its

main objective to point out some considerations on the green architecturalpractice, seeking to present possible ways that would lead to the cities self-support, as well as that of the urban life. Starting from the characterizationand critic of that author’s thought, it aims at discussing e potentialities ofthe so-called ecological architecture, as well as its application in thecontemporary discussion regarding the issue of environment and development.

KEY WORDS: Ecological Architecture; Sustainable Development; RiskSociety

IntroduçãoTodas as espécies vivas hoje conhecidas, inclusive o homem, dependem

da biosfera para sobreviver. Entretanto, a espécie que mais a agride e colocaem risco é justamente o ser humano. Se desde a Pré-História, o impactosobre o ambiente era pequeno, já que as populações eram modestas etecnologicamente pouco desenvolvidas. Nos dois últimos séculos, a suposi-ção de que o crescimento econômico ilimitado fosse indispensável ao pro-gresso, criou uma visão unilateral de desenvolvimento, baseada no volumeda produção material, que não leva em conta a qualidade de vida, nem adistribuição social dessa produção. A Revolução Industrial (1750-1830) trou-xe assim uma nova realidade sócio-econômica, apoiada em um processo ace-lerado de urbanização, o qual vem exercendo um violento impacto sobre ossistemas naturais, especialmente pelo fato de ser grande consumidor deenergia e matérias-primas, além de produtor de poluição e resíduos tóxicos.

*Arquiteto e engenheiro civil, mestre em Tecnologia do Ambiente Construído pela Escola de Engenhariade São Carlos, Universidade de São Paulo – EESC/USP, é também docente na área de Teoria e Históriada Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário Filadélfia de Londrina – UniFil. Atualmente, édoutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal do Paraná – UFPR.

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A arquitetura e o urbanismo, cujo principal objetivo foi sempre criar eorganizar o espaço humano, de modo a abrigar suas atividades segundo im-perativos de ordem funcional, técnica e estética, desempenham um impor-tante papel neste contexto, já que foram de suas posturas que se originarammuitos problemas ambientais urbanos, devido, principalmente, às práticasde construção e aplicação de determinadas tecnologias e materiais. Atual-mente, as cidades abrigam populações desejosas do progresso material e doconforto proporcionado pela industrialização e utilização da energia. Contu-do, esse tipo de desenvolvimento também gerou poluição, enchentes, con-gestionamentos, insuficiência ou precariedade de serviços básicos, misériae violência; problemas estes que prejudicam a qualidade de vida nas cidadesde todo o mundo e colocam em risco a própria sobrevivência.

Diante do contexto a que Beck (1992; 1997) denominou Sociedade deRisco, o presente texto busca apontar algumas considerações sobre a práticaarquitetônica sustentável, visando apresentar possíveis caminhos que con-duziriam à sustentabilidade das cidades, assim como da vida urbana. A par-tir da caracterização e crítica do pensamento desse autor, busca-se discutiras potencialidades da arquitetura dita ecológica, assim como seu rebatimentona discussão contemporânea referente à questão do meio ambiente e de-senvolvimento.

Modernização Reflexiva e Sociedade de RiscoDe modo geral, considera-se modernização o processo a partir do qual

há uma quebra dos laços sociais tradicionais, paralelamente a uma integraçãodas forças produtivas naturais ao processo econômico, especialmente atra-vés de novas tecnologias iniciadas com a industrialização. De acordo comBeck et al. (1997), ela passou a ser reflexiva quando, a partir dos anos 70 doséculo passado, transformou-se em tema para si mesma, ou melhor, quandoa sociedade industrial se autoconfrontou, principalmente ao se deparar comos problemas por ela mesma produzidos. Nascia assim a Sociedade de Risco:enquanto a sociedade industrial caracterizava-se por sua capacidade de pro-duzir riqueza, a atual caracterizar-se-ia por estar saturada, além de estarrepleta de efeitos não previsíveis, o que faz com que produza e distribua,desta vez, riscos ambientais e sociais.

Referindo-se mais especificamente, segundo Goldblatt (1996), aos esta-dos territoriais denominados países industrializados, cujas sociedades su-peraram, pelo menos tendencialmente, o problema da escassez de bens bá-sicos e de sua distribuição desigual entre os grupos ou camadas sociais, aSociedade de Risco caracteriza-se pelo fato de que, ao invés dos benefíciosda industrialização, seriam seus malefícios – ou riscos – que seriam distri-buídos uniformemente. O próprio processo de modernização transformou-seem um problema por causa das instabilidades e riscos que as novidadestecnológicas e organizacionais provocaram. Assim, a sociedade contemporâ-nea estaria transformando as principais estruturas modernas – camadassociais, formações de classes, ocupação e papéis dos sexos, família nuclear,agricultura, setores empresariais, etc. – e também os pré-requisitos e asformas contínuas do progresso técnico-econômico.

Nas sociedades pré-industriais, os riscos tomavam a forma de perigosnaturais (tremores de terra, secas, enchentes, etc.) e não dependiam dasdecisões dos indivíduos. Efetivamente inevitáveis, não eram criados intenci-onalmente e podiam ser, tanto espacial como socialmente, localizados oubastante amplos. Com a industrialização, os riscos e acidentes passaram a

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estar claramente dependentes das ações, tanto dos indivíduos como de for-ças sociais, o que fez com que se criassem instituições, leis e indenizaçõesde modo a vencer e atenuar os perigos. Atualmente, conforme Brüseke (2001),o risco civilizatório é igualmente uma expressão da modernização industrial,mas também representa uma nova dimensão, globalizante, que envolve, nocontexto de perigo, lugares distantes e populações sem conhecimento sobreas verdadeiras causas do seu sofrimento presente e futuro.

Nos dias atuais, os riscos tornaram-se incalculáveis e imprevisíveis,não havendo assim certezas ou garantias no que se refere à atribuição desuas responsabilidades e causas como na modernidade clássica (Quadro I).Logo, para Beck (1992), o processo de modernização reflexiva anuncia umaSociedade de Risco proveniente do corpo de uma sociedade industrial emdecadência; e que estaria firmada e definida pela emergência dos perigosecológicos, caracteristicamente novos e problemáticos. Exemplificando, en-quanto que nas sociedades industriais, as posições de classe e as posiçõesde risco (os graus de exposição dos indivíduos aos perigos, dadas às suasposições sociais e geográficas) estavam mais ou menos relacionadas, atual-mente deixaram de estar, já que o envenenamento por pesticidas, a fusãonuclear ou a acumulação de gases tóxicos na cadeia de alimentos afetam atodos.

Quadro I – Caracterização Comparativa entre a Primeira e a SegundaModernidade.

Fonte: Notas de aula. Disciplina: Conservação da natureza esustentabilidade sócio-ambiental (MA-722), Prof. Dr. Alfio Brandenburg,Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento – UFPR, out.2002.

Enquanto que o impacto dos perigos ecológicos podia ser anteriormenteentendido em termos de ausência – ou de um índice pouco elevado de ofertade bens e serviços para controlar e atenuar os perigos, como, por exemplo, ossistemas de saúde pública e as empresas de serviços públicos acessíveis –,na sociedade de risco, o problema estaria no próprio processo de produção deriqueza. Além disso, os problemas ecológicos contemporâneos possuem ca-racterísticas diferentes, as quais evocam e exigem formas muito determina-das de resposta política e psicológica. Ainda segundo Beck (1992), as formasatuais de degradação não estão limitadas espacialmente ao âmbito de seuimpacto nem estão confinadas em termos sociais a determinadas comunida-

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des. Além de seus riscos irem se acumulando em intensidade e complexida-de através das gerações, excedendo também as fronteiras temporais, seuponto de impacto não está obviamente ligado ao seu ponto de origem; e a suatransmissão e movimentos são, muitas vezes, invisíveis e insondáveis para apercepção cotidiana. E, acima de tudo, existe a possibilidade deautodestruição do homem.

Diante disso, pode-se dizer que, devido às ameaças ecológicas, a moder-nização – em conjunto com o crescimento econômico e a transformaçãotecnológica – criou as condições para a sua própria crise, desgastando suaestrutura essencial e o próprio princípio da modernidade. Hoje em dia, osefeitos secundários do crescimento econômico ameaçam inclusive a possibi-lidade de bem-estar econômico contínuo e coletivo. De acordo com Goldblatt(1996), as teorias de Beck (1992) mostram que, paralelamente a tudo isto, osindivíduos tendem a enfrentar o risco e a insegurança pessoal e biográfica.Assim, o processo de modernização reflexiva desfaz os parâmetros culturaistradicionais e as estruturas sociais institucionais anteriores, conduzindo àcrescente individualização e perda de referenciais.

Verifica-se hoje grandes transformações nos mercados de trabalho dassociedades ocidentais, tais como o surto do desemprego em massa e emlongo prazo; as mudanças na composição da estrutura dos trabalhadores porsexo; a queda do trabalho por tempo integral em detrimento do parcial; e adecadência das estruturas tradicionais de emprego na busca da flexibilida-de, com grande insegurança econômica. Isto levou à transformação das es-truturas de classes e à diminuição da importância do trabalho como meio deidentidade pessoal, e daí a um enfraquecimento da relação entre posiçõessócio-econômicas e interesses individuais; identidades e consciência. Rom-peram-se também todos os padrões familiares de biografia pessoal antesaceitos e estáveis.

A dissolução das funções tradicionais e a intensificação daindividualização aumentaram a necessidade e o interesseemotivo em criar relações abertas, sustentáveis. Uma vez desa-parecidas as funções tradicionais e a camisa de forças ideológi-ca que ajudava a prender as pessoas, as inseguranças da vidapessoal e profissional parecem multiplicar-se – divórcio, pater-nidade ou maternidade unilateral, ameaças à segurançaeconômica, conflitos quanto às necessidades de casa e trabalho– numa altura em que a capacidade e as intenções do governopara oferecer apoio institucional – autorização do poder pater-nal, lei do divórcio por mútuo consentimento, assistência à in-fância – são mínimas (Goldblatt, 1996. p.239-40).

Finalmente, acrescenta-se o conceito de irresponsabilidade organizada,o qual se refere às instituições da sociedade que reconhecem inevitavel-mente a realidade da catástrofe, mas negam simultaneamente sua existên-cia, ocultando suas origens e evitando a indenização e o controle. Presentena chamada Sociedade de Risco, tal idéia denota um encadeamento de me-canismos culturais e institucionais pelos quais as elites políticas e econômi-cas encobrem efetivamente as origens e conseqüências dos riscos e perigoscatastróficos da recente industrialização. Ao fazê-lo, essas elites limitam,desviam e controlam os protestos que estes riscos provocam, o que, conse-qüentemente, leva à inércia e ao descaso da maioria das populações e dosgovernos.

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Degradação Ambiental e Riscos UrbanosExistem poucas dúvidas de que o meio ambiente e o equilíbrio ecológico

do planeta tornaram-se praticamente insustentáveis. No século passado,economistas, sociólogos e geógrafos já denunciavam a degradação ambientale o perigo que isso representava; e, após a Segunda Guerra Mundial (1939/45), as formas como o homem vem ocupando o espaço e as condições da suaprópria sobrevivência começaram a ser realmente questionadas. SegundoMenezes (1999), a institucionalização dessa problemática ocorreu no iníciodos anos 70, paralela à emergência de movimentos sociais urbanos eambientais. A Terra tem uma capacidade limitada para sustentar a humani-dade, o que vem diminuindo irreversivelmente em inúmeras regiões do pla-neta, sendo as principais causas dessa redução o grande crescimentodemográfico, o esgotamento dos recursos naturais e a poluição ambiental.

Conforme Papanek (1998), a humanidade já passou por muitas crisesecológicas, ambientais e energéticas, antes da grande crise petrolífera de1973. Há cerca de 12.000 anos, a agricultura iniciou-se sobre a simultâneapressão da seca, temperaturas elevadas, superpovoamento e exploração ex-cessiva dos recursos naturais. Na China, o abate abusivo de árvores causoua falta desse “combustível” entre 1400 e 1800, o que fez seus habitantespassarem a queimar a palha e desenvolver uma tecnologia de estruturas embambu, somente igualada pela América Latina antes da conquista. A Peque-na Era Glacial da Europa Ocidental durou, mais ou menos, de 1550 a 1700 eajudou a criar novos modos de vida, de agricultura e, conseqüentemente, deexpressão artística. O maior tempo passado dentro de casa durante os lon-gos invernos levou ao florescimento de artefatos e técnicas para tornar avida mais confortável, como a tecelagem de mantas e o fabrico de artigos decerâmica. Verificou-se ainda uma crise energética na Inglaterra no séculoXVI, obrigando as pessoas a queimarem carvão ou turfa para afastar o frionos meses de inverno.

Entretanto, a atual preocupação com a biosfera é resultado de umasérie de catástrofes recentes, as quais vão desde o intoxicamento em gran-de escala (Bhopal, Índia, 1984; Exxon Valdez, Alaska, 1990) até acidentesnucleares de porte (Three Mile Island, Pensilvânia, 1982; Chernobyl, Ucrânia,1986). Segundo o mesmo autor (Papanek), “tivemos, em média, a cada doisdias, durante os últimos dezoito anos, um grande derramamento oceânicode petróleo” (p.21). Soma-se a tudo isso a morte lenta das florestas, rios elagos; a extinção de espécies; o aumento do efeito-estufa e do buraco dacamada de ozônio; e a crise energética.

Tanto a explosão demográfica[2] como a busca da qualidade de vida nascidades ocasionou um processo geométrico de exploração dos recursos natu-rais renováveis (florestas, plantações, pastagens, etc.) e não-renováveis (mi-nerais metálicos, compostos químicos, matérias-primas energéticas comocarvão e petróleo, etc.). Além disso, a intensa atividade comercial, a flutuaçãoda população móvel e o desenvolvimento tecnológico são fatores que influen-ciam a problemática urbana, o que acaba interferindo nos padrões de trans-porte, habitação e serviços. As atividades industrial e comercial, assim comoa exploração de matérias-primas, poluem o meio em que vive o homem.Assim, as atuais práticas no uso dos recursos naturais – inclusive nas áreasda arquitetura e construção – estão levando o mundo a uma crise de escas-sez, tornando irreversíveis os processos que agridem o meio ambiente.

Neste início de século, de acordo com Chaffun (1997), a intensidade eas características da urbanização em todo mundo geraram dois grandesproblemas: a questão urbana e a questão ambiental. Embora a deterioração

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ambiental, tanto na cidade como no campo, seja um problema antigo, quesempre existiu na história da humanidade, nova hoje é a intensidade dosprocessos de degradação que acompanham a urbanização, resultando nacrescente vulnerabilidade das cidades, problema agravado pela atual inten-sidade de concentração. Após vários fóruns e conferências internacionais,foi a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e De-senvolvimento – Cnumad, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, que se refor-çaram as iniciativas visando associar essas duas questões.

Ao se analisar a aproximação dos aspectos ambiental e urbano, deve-seconsiderar que a cidade é um meio densamente artificial, aglomerado etransformado. O meio urbano sugere uma modificação das condições natu-rais da região em que se insere, sendo que seus habitantes ficam isoladosda realidade natural, muitas vezes, inclusive, a ignorando. Nas últimas dé-cadas, a exploração desenfreada, a concentração populacional, as atividadeseconômicas e os padrões tecnológicos têm reforçado esse quadro ambientalaltamente deteriorado, sob a conseqüência de um desenvolvimento que levaao uso predatório e ilimitado dos recursos naturais. Logo, as cidades, porserem os principais centros de produção e consumo, que exploram recursoscomo a água e os combustíveis fósseis, são os lugares que mais absorvemessa problemática, concentrando os riscos mais sérios.

Os problemas ambientais urbanos estão crescendo gradativamente, eas conseqüências estão sendo sentidas de perto pelos moradores das cida-des, como o aumento da temperatura causado pelo efeito-estufa; este éprovocado tanto pela poluição das indústrias e dos automóveis, como pelouso de produtos à base de clorofluorcarbonetos – CFC. Soma-se a isto aemissão de gases tóxicos e a produção de resíduos perigosos, muitas vezesarmazenados em locais abertos ou lançados em vias hídricas, ameaçando aqualidade do ar, da água e do solo. Assim, aumentam-se os riscos de câncerde pele, doenças ligadas às vias respiratórias e outras enfermidades relaci-onadas às condições higiênicas e de saneamento. Ao mesmo tempo em que oaquecimento global conduz à perda de áreas férteis para agricultura e pas-tagem em todo o mundo, coloca em risco partes das cidades litorâneas doplaneta, já que pode provocar o aumento do nível das marés e conseqüentesinundações.

Para Goldemberg (1998), as raízes da atual crise urbana aprofundam-seem décadas de exploração desenfreada de recursos energéticos não-renováveis, cujos estoques caminham inexoravelmente para o esgotamento.E apesar de toda a experiência acumulada em séculos de relações políticas,industriais e comerciais, as nações e estruturas internacionais não se mos-tram preparadas para enfrentar a situação em curto prazo. A manutençãodas atuais taxas de crescimento populacional, do consumo dos recursos na-turais, da concentração da renda e riqueza e da sua distribuição de formaprofundamente desigual – o que faz da exclusão social a marca do modeloeconômico vigente – levará a humanidade, dentro de 50 anos, a viver ascrises de água, de energia e de alimentos. E além de toda essa problemáticaambiental, haverá o impacto urbano, especialmente sobre a infra-estrutura,a habitação, os serviços e, enfim, sobre a qualidade e a segurança de vidanas cidades.

Os riscos a que estão submetidos os habitantes das grandes metrópoles,os quais se relacionam desde os perigos ligados a inundações e deslizamentoscausados pela impermeabilização excessiva das superfícies, até as doençasprovocadas pelas condições insalubres, passam, muitas vezes, desapercebi-dos a eles próprios. Problemática esta, já apresentada por Beck (1992; 1997),que se mostra desafiadora em uma sociedade, cujos interesses coletivos se

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vêem substituídos pelos individuais. Logo, deve-se buscar a co-responsabili-dade política entre os governantes locais e os diversos setores da sociedade,de modo que se possa obter práticas que apontem para um ambiente urbanosaudável, democrático e solidário. Ressalta-se ainda a importância de secriar soluções alternativas que respeitem as diversidades locais e que con-duzam a uma cidade ambientalmente sustentável.

Arquitetura e SustentabilidadeEm 1991, a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento –

Cmmad, em seu estudo intitulado Nosso Futuro Comum, definiu que, parase atingir o desenvolvimento sustentável, seria preciso suprir as necessida-des do presente sem comprometer a capacidade das próximas gerações su-prirem as de seu tempo. Isto significaria incorporar no planejamento urbanonão apenas os fatores econômicos, mas também as variáveis sociais eambientais, considerando as conseqüências das ações a longo prazo, bemcomo os resultados em curto prazo. A Conferencia das Nações Unidas sobreAssentamentos Humanos ou Habitat II, ocorrida em Istambul, em 1996, fi-cou conhecida como a Cúpula das Cidades, e deu ênfase à questão urbanaambiental ao definir a sustentabilidade como princípio, e os assentamentoshumanos sustentáveis como objetivo mundial a ser perseguido.

De acordo com Helene-Bicudo (1994), é importante assinalar que a tran-sição para sociedades mais sustentáveis pressupõe o tratamento de temasambientais urbanos tangíveis, como transporte, uso do solo, qualidade do are conservação de energia, da mesma forma que temas intangíveis, como osde saúde e segurança pública, igualdade entre sexos, educação ambiental,responsabilidade ambiental global, etc. Para tanto, a alteração dos proces-sos de tomada de decisão é considerada ponto essencial da sustentabilidade,visando-se o fortalecimento dos níveis locais, mais aptos a distinguir e esta-belecer prioridades e soluções pertinentes. Paralelamente, a manutençãodos processos ecológicos, da diversidade biológica e do meio físico, garantidapelo manejo cuidadoso dos recursos naturais, seria uma conduta essencialem sociedades que desejam tornar-se sustentáveis.

Para Chaves-Paim (1995), o princípio do desenvolvimento sustentávelresume o grande imperativo ético-ecológico de nossa época. Nas palavras deAlva (1997), a sustentabilidade deve ser entendida como um conceito ecoló-gico, isto é, como a capacidade que tem um ecossistema de atender àsnecessidades das populações que nele vivem; e como um conceito político,que limita o crescimento em função da dotação de recursos naturais, datecnologia aplicada no uso desses recursos e do nível efetivo de bem-estarda coletividade. Na verdade, trata-se de conceitos complementares: a partirde certa capacidade “natural” de suporte, as sociedades organizadas busca-riam ampliar sua capacidade de sustentação para suprir o aumento da popu-lação ou a elevação dos níveis de consumo. No caso específico das cidades, aprática da arquitetura estaria diretamente relacionada a esta problemática,pois envolve os métodos e os materiais que são empregados na construçãourbana (Quadro II).

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Quadro II – Princípios Relacionados ao Conceito de Sustentabilidade.

Fonte: Silva, B. F. Sistema de indicadores de avaliação de desempenhourbano e ambiental. São Carlos SP: Dissertação de Mestrado, UniversidadeFederal de São Carlos – UFSCar, 2000.

Segundo Villeneuve (1992), o desenvolvimento sustentável consistiria emassegurar uma gestão responsável dos recursos do planeta de forma a preser-var os interesses de gerações futuras e, ao mesmo tempo, atender às neces-sidades atuais. Trata-se de um desafio particular e estimulante para os indi-víduos e coletividades, sendo necessário enfrentá-lo o mais cedo possível,pois, à medida que o tempo passa, torna-se cada vez mais difícil implementaras medidas necessárias à sua efetivação. Ele, provavelmente, representa paraa humanidade o mais importante desafio de toda a história. Têm-se hojeextraordinários instrumentos científicos para prever a evolução do meio ambi-ente. Seria possível saber evitar as catástrofes e, ao mesmo tempo, melhorara qualidade de vida? Ou se deixar arrastar até a crise por modelos econômi-cos que levam a crer na existência do infinito em um mundo finito?

Conforme Corcuera (2002), o ponto chave da sustentabilidade aplicada àquestão urbana seria, justamente, a disseminação da chamada eco-arquite-tura ou arquitetura sustentável, termos estes intimamente ligados a doisconceitos básicos: energia e meio ambiente. Nesta prática arquitetônica, des-tacam-se a eficiência energética do edifício, a correta especificação dos mate-riais, a proteção da paisagem natural e o planejamento territorial, além doreaproveitamento de edifícios existentes, históricos ou não, procurando dar-lhes um novo uso. De acordo com Faivre (2000), ao se projetar uma edificação,deve-se saber quanto petróleo é consumido para fabricar ou processar os ma-teriais empregados na construção; quanta água intervém no processo de pro-dução; e como completar uma trama urbana existente para não repetir falsassoluções, anti-sociais e insustentáveis.

Para Pesci (2000), voltar-se para a prática da arquitetura sustentável éuma realidade irrefutável, estando esta apoiada basicamente sobre quatro

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pilares. Primeiro, em um programa eco-lógico – ecológica e economicamentelógico –, para que sua inserção no meio contribua para sustentar a diversida-de e a qualidade dos recursos naturais e da sociedade em que se insere. Emsegundo lugar, nas energias do comportamento, para recriar as identidades eas melhores tendências de convivência locais e regionais. Depois, nas energi-as do espaço e do clima, para enfatizar as melhores tensões do espaçocircundante pré-existente e as do próprio espaço a intervir, de modo a seaproveitar o clima para poupar energias e melhorar o conforto humano. E,finalmente, nas práticas morfológicas e tecnológicas mais apropriadas, quecapitalizem a mão-de-obra existente e os materiais locais não-esgotáveis, paraconseguir linguagens morfológicas comprometidas com a história e as condi-ções ambientais.

Atualmente, já são muitas as ações para se promover o desenvolvimentosustentável em relação à arquitetura. A União Internacional dos Arquitetos –Uia, por exemplo, adotou, em 1993, juntamente com o Instituto dos Arquitetosdos EUA, a Declaração de interdependência para um futuro sustentável, quecoloca a sustentabilidade social e ambiental como sendo o centro de respon-sabilidade profissional e prática. Alguns documentos, tais como a ISO 14.000e a Agenda Habitat são de fundamental importância, no sentido de fornecerdiretrizes e instrumentos para o melhor desenvolvimento dos recursos econô-micos e sociais, com adequado respeito ao meio ambiente. Obviamente, para-lela a tudo isto, deve existir uma iniciativa na formação das novas gerações deplanejadores urbanos e arquitetos, em direção a uma prática adequada aosprincípios da sustentabilidade.

Em uma sociedade onde os riscos passam a compor o dia-a-dia das pesso-as, em especial nos ambientes urbanizados, a prática arquitetônica e urba-nística deve procurar avançar em direção a metodologias e procedimentos queobjetivam, essencialmente, a diminuição do desperdício energético dasedificações, a utilização de matérias-primas renováveis, a adequação topográ-fica e bioclimática das estruturas, a reciclagem de edifícios antigos, ozoneamento ambiental e a preservação das áreas naturais. Deve-se fazer apromoção de saúde e do saneamento, cujo objetivo básico é garantir a qualida-de da água para a prevenção de doenças; o tratamento adequado do lixo eresíduos urbanos, evitando a contaminação do solo e das águas; a ênfase emfontes alternativas e limpas de energia – tais como a solar, a eólica e a hi-dráulica – aplicadas tanto no espaço construído como no transporte, em espe-cial no coletivo, solução mais viável para as metrópoles futuras.

Hoje em dia, a tarefa tem de ser firme e clara de modo a convencer tantoa quem está intrigado por estas novas posições, quanto para atrair quem estálonge delas. É preciso avançar em direção a uma arquitetura ecológica ougreen architecture (Wines, 1998), integrando todas as contribuições parciais.Afinal, existe uma dimensão ecológica e ambiental em todas as atividadeshumanas, o que vai desde a reciclagem do lixo doméstico até a responsabili-dade ética no corte de uma árvore ou na economia de luz e energia. Entretan-to, de maneira paradoxal, a maioria dos habitantes do chamado primeiro mundoé vagamente consciente de que a utilidade em curto prazo tem de ser substi-tuída por modos de vida mais sustentáveis. No momento, ainda são poucos oscidadãos preparados para abandonar hábitos esbanjadores e, em grande par-te, isto se atribui a uma carência de alternativas confiáveis, que estejamplenamente desenvolvidas ou mesmo acessíveis à população. Além disso, aprópria divulgação de conceitos, tais como o da própria sustentabilidade, ain-da depende, lamentavelmente, dos interesses políticos e comerciais. E aquinovamente predomina a irresponsabilidade organizada.

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Algumas ConclusõesNos relatórios oficiais elaborados mais recentemente acerca da proble-

mática global, ressalta-se a necessidade de se buscar estratégias que resul-tem em uma nova forma de pensar a vida urbana, tendo como base a inclu-são de políticas ambientais nos programas estratégicos de governo. Discute-se enfim, no limiar do século XXI, em frente a um descontrole inevitável docrescimento urbano em todo o mundo, se o ser humano está ciente dastransformações em curso nas cidades e no campo; ou se a consciência dasquestões urbana e ambiental é suficiente para uma transformação do atualestado das coisas, envolvendo mudanças de comportamento e ações rumo àsustentabilidade.

Os padrões térmicos e meteorológicos absolutamente imprevisíveis dasúltimas décadas vêm sugerindo estarmos vivendo em uma época de grandemudança ambiental. São vários os indicadores dessa transformação, por ve-zes amedrontadora. Para que haja futuro, seria preciso que o homem apren-desse a preservar e a conservar os recursos da Terra, alterando seus pa-drões básicos de consumo, fabricação e reciclagem. A maioria das pessoasconcorda que as catástrofes ecológicas acarretam enormes perigos, mas lhesdá pouca importância, convencida de que as mudanças decorrem lentamen-te na natureza durante períodos que vão até milhões de anos. Confunde-seos tempos geológicos com aqueles inerentes à sociedade contemporânea.Assim, este conceito de tempo não passa de ilusão, já que durante uma vida,uma década, um ano ou mesmo um dia, podem ocorrer mudanças dramáti-cas, profundas e impessoais. Conforme Papanek (1998), devemos “...compre-ender o conceito de que os continentes podem se deslocar ao longo de umaeternidade e que, em termos nucleares, podem morrer rapidamente.” (p.29).Na verdade, a maior parte dos danos ecológicos e, possivelmente, aquelesirreversíveis ocorreu apenas durante os últimos trinta anos***.

Na Sociedade de Risco descrita por Beck (1986; 1992), muitos dos pro-blemas de destruição de recursos e de desgaste do meio ambiente não seinserem na idéia de que existam de um lado vilões e de outro vítimas, poistodos estariam em melhores condições se cada um considerasse os efeitosde seus atos sobre os demais. Contudo, ninguém parece disposto a crer queos outros agirão desse modo, e assim todos continuam a buscar seus própri-os interesses. A sensação é de que a “culpa” é de todos e, ao mesmo tempo,de ninguém. As comunidades ou os governos tentam compensar essa situa-ção mediante leis, seguros, impostos, subsídios, educação e outros métodos.Até que ponto isto é suficiente?

*** Segundo Papanek (1998), ...o tempo do mundo que conhecemos, no qual os seres humanos seconstituíram em uma espécie de civilização, pode ser facilmente compreensível, diferentemente dequando se enfoca, por exemplo, os 600 milhões de anos em que viviam os trilobitas ou os 150 milhõesde anos em que havia dinossauros. Os povos começaram a se estabelecer em grupos sociais prototípicosna Mesopotâmia aproximadamente há 12.000 anos. Se presumirmos que 25 anos seria a duração deuma geração, isso significaria que a civilização começou há apenas 480 gerações. Entretanto, foi somen-te a partir do Renascimento que compreendemos o mundo e, principalmente, após a Revolução Indus-trial, foi que passamos a conhecê-lo realmente como contemporâneo. Assim, o mundo em que nossentimos à vontade começou mesmo há não mais que dois séculos ou oito gerações. E este é um tempobastante incipiente dentro da história da Terra (N. do autor).

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Convém lembrar que quase todos os desertos do mundo foram criadospelo Homem, assim como estudos recentes sugerem a influência do clima edas ecocatástrofes na mudança do destino da civilização maia na AméricaCentral. Muitas vezes as pessoas parecem demasiado alheias aos seus gover-nos em matéria de preocupação com o ambiente, como, por exemplo, com adestruição e o desfolhamento sistemático das florestas do Vietnã, Laos eCambodja, entre 1968 e 1971, através do uso do “agente laranja” e outrosprodutos químicos; ou com o incêndio de mais de 500 poços de petróleo noKuwait, no fim da Guerra do Golfo. Isto sem contar outros desastres, nãomenos devastadores senão silenciosos, como a chuva ácida provocada pelasemanações das chaminés industriais; o desaparecimento de espécies ani-mais e vegetais que nem ao menos foram descobertas; ou a terrível ameaçaque representa o efeito-estufa em todas as cidades do planeta. Até mesmomudanças aparentemente triviais no meio ambiente, como o aumento de moscase mosquitos portadores da malária e da dengue, podem ser diretamente im-putadas à atividade humana.

Tais riscos contemporâneos, cada vez em maior número e complexidade,fazem com que seja vital para a sobrevivência do mundo, tal como o conhece-mos, que os planejadores urbanos e arquitetos envolvam-se na procura desoluções ambientais, contribuindo objetivamente a partir de suas áreas espe-cíficas de conhecimento e influência, e associando-se a outras disciplinas.Nestes tempos perigosos, não se necessita somente imaginação, inteligênciae trabalho árduo, mas essencialmente uma consciência ambiental, capaz deconferir efeito, mesmo a pequenos atos individuais sobre o cenário global. Osproblemas podem se situar a nível mundial; no entanto, só cederão com umaintervenção descentralizada, local e em escala humana (Papanek, 1998).

Grande parte dos profissionais em arquitetura sente que a atual tecnologiaé susceptível de perturbar profundamente o equilíbrio ecológico, manifestan-do tal preocupação através do anseio nostálgico pelo passado, defendendo oretorno ao estilo de vida aparentemente simples e primitivo, através de técni-cas e materiais vernáculos (Svensson, 1992). Outros, igualmente preocupa-dos com o ambiente, estão convencidos de que tais problemas requerem umasolução tecnológica, ou seja, o uso da eco-tech architecture (Slessor, 2001)para resolver os problemas ambientais que o planeta e a humanidade enfren-tam. Todavia, ambos os pontos-de-vista estão equivocados. Embora se possaencontrar muitas respostas a estes problemas em práticas construtivas anti-gas, como no uso de materiais naturais e de sistemas tradicionais, que seapropriam da ventilação e iluminação naturais, ou mesmo na alta tecnologia,como a eletrônica, a computação e os circuitos integrados, há a necessidadede se reencontrar um equilíbrio entre o eco e o tecnocentrismo.

Por fim, vale salientar que a questão da arquitetura sustentável deveincorporar, em uma época onde a incerteza, a insegurança e a individualida-de parecem cada vez mais se afirmarem, um verdadeiro e profundo diálogo desaberes (Leff, 2001). Além das ferramentas tecnológicas representadas pelosavanços dos sistemas de informação e comunicação, deve envolver os conhe-cimentos provenientes das ciências humanas e sociais, tais como a Antropo-logia, a Sociologia e a Geografia Cultural, em consonância com os das ciênci-as naturais, que podem, em muito, contribuir com seus pontos-de-vista emrelação à Geologia, à Biologia e à Ecologia, e assim por diante. Paralelamente,a incorporação de saberes populares e tradicionais aos conhecimentos cientí-ficos atuais conduziria, sem dúvida, à construção de uma racionalidadeambiental capaz de compreender e, mais ainda, transformar o mundo deforma eficiente e sustentável.

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IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROGRAMA DE GERENCIAMENTO DERESÍDUOS DE LABORATÓRIO NO INSTITUTO FILADÉLFIA DE

LONDRINA

Mirian Ribeiro Alves*Suzana Mali* *

RESUMO:Há um crescente interesse da sociedade em diminuir o impacto ambiental

causado pela geração dos diferentes tipos de resíduos. Diante disto, o objeti-vo deste trabalho foi o estabelecimento de um programa que visou a destinaçãoadequada para os resíduos químicos e biológicos gerados nos laboratórios doInstituto Filadélfia de Londrina. Foram instituídos procedimentos de trata-mento, reaproveitamento, reciclagem e descarte seguro desses resíduos,concomitantemente com trabalhos de conscientização ambiental, no escopoda formação de agentes multiplicadores da hierarquia de resíduos.

PALAVRAS-CHAVE: Resíduos; Gerenciamento de Efluentes; Educaçãoambiental.

ABSTRACT:There is a growing interest within society in attenuating the

environmental impact caused by the generation of different types of waste.In this connection, the objective of this work was the establishment of aprogram aimed at the safe destination of chemical and biological wastesgenerated by the laboratories in the Instituto Filadélfia de Londrina.Procedures were instituted for the safe treatment, reuse, recycling anddiscarding of these wastes, along with the practices to arouse environmentalawareness, in the scope of the formation of multiplying agents of the wastehierarchy.

KEY WORDS: Wastes; Effluent management; Environmental Education

IntroduçãoExiste uma tendência na nossa sociedade em considerar como impactante

para o meio ambiente apenas aquelas atividades que geram grandes quanti-dades de resíduos. Conseqüentemente, são estes ‘grandes geradores’ queestão sempre sob a fiscalização das agências estaduais e federais de prote-ção ambiental, sendo passíveis de punição pelo órgão competente. Pequenosgeradores de resíduos, tais como instituições de ensino e de pesquisa, labo-ratórios de análises químicas, bioquímicas e físico-químicas, normalmentesão considerados pelos órgãos fiscalizadores como atividades não impactantes,e assim sendo, raramente fiscalizados quanto ao descarte de seus rejeitos.

* Docente no Curso de Farmácia e Bioquímica da UniFil. Graduada em Química. Doutora em Química.Presidente da Comissão de Biossegurança da UniFil.** Docente no Curso de Farmácia e Bioquímica da UniFil. Farmacêutica e Bioquímica. Doutora emCiência de Alimentos.

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Levando-se em conta o grande número de pequenos geradores de resí-duos existentes em nossa sociedade, e que os resíduos por eles gerados sãode natureza variada, incluindo metais pesados, solventes halogenados,radioisótopos e material infectante, a premissa de que estas atividades dis-pensam um programa eficiente de gerenciamento de resíduos não procede.Nestas últimas décadas a conscientização e a mobilização da sociedade civiltêm exigido que esta situação cômoda da qual desfrutam estes pequenosgeradores de resíduos, seja revertida, requerendo para estas atividades omesmo grau de exigências que o Estado dispensa para os grandes gerado-res.

O gerenciamento de resíduos nas chamadas unidades geradoras de pe-quenas quantidades esbarra em algumas peculiaridades no tocante aos as-pectos de legislação que merecem uma análise mais criteriosa antes de seimplementar um programa de gestão de resíduos, o qual tem como objetivoprimeiro minimizar os danos causados pela disposição adequada destesrejeitos químicos nos corpos receptores disponíveis (rede de esgoto, águassuperficiais, aterros, etc.). Por exemplo, o lançamento de efluentes industri-ais líquidos é balizado nacionalmente pela resolução CONAMA (ConselhoNacional do Meio Ambiente) no 20 de 1986, que estabelece as concentraçõesmáximas de uma série de elementos químicos e compostos que são permiti-dos descartar no efluente, dependendo da classe na qual o corpo receptor foienquadrado. Supondo que o efluente industrial esteja sendo lançado em umcorpo receptor Classe 3 (pela Resolução do CONAMA os corpos aquáticos sãodivididos em 9 classes, sendo 5 de águas doces, 2 de águas salinas e 2 deáguas salobras). Os corpos de água doce podem ser classificados em ClasseEspecial e Classes 1 a 4, sendo que quanto menor o número da classe, maisrestritivo se torna o lançamento de efluentes no mesmo. Um corpo Classe 3destina-se ao abastecimento doméstico após tratamento convencional, à ir-rigação e à dessedentação de animais); a concentração máxima permitidapara fenol neste efluente é de 0,3 mg/L, enquanto que para mercúrio estevalor é de 0,002 mg/L. De modo similar, os resíduos sólidos industriais sãoclassificados de acordo com a norma NBR 10.004 (ABNT) após os ensaiosrealizados de acordo com as normas NBR 10.005 (lixiviação) e 10.006(solubilização).

Diante de tais prerrogativas o presente trabalho visou a implantação doprograma de gerenciamento de resíduos de laboratório, com a iniciativa decontribuição para a solução dos problemas causados pelos resíduos geradosnos laboratórios de ensino e pesquisa do Instituto Filadélfia de Londrina.

Enfatiza-se a sua importância na busca de tomada de decisões e mu-danças de comportamento dos professores, técnicos e alunos de graduação epós-graduação como agentes multiplicadores da hierarquia de resíduos.

O objetivo principal deste trabalho foi a implantação de um Programa deGerenciamento de Resíduos de Laboratório (PGRL) gerados no Centro Uni-versitário Filadélfia e Colégio Londrinense. Especificando: o levantamentodos resíduos gerados em aulas práticas no colégio, na graduação e na pós-graduação; armazenamento adequado dos resíduos gerados; desenvolvimen-to de metodologias de reciclagem e/ou recuperação e/ou reutilização dosresíduos; análise da qualidade do produto recuperado; oportunidade deconscientização e treinamento de técnicos, professores e alunos objetivandoa formação de agentes multiplicadores da hierarquia de resíduos.

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Fundamentação TeóricaA necessidade de disposição adequada de resíduos é um assunto de

extrema importância, atualmente. A conscientização de que a natureza e,conseqüentemente, o homem, estão sofrendo devido ao descaso que foi atri-buído a tal assunto no passado, é fato incontestável. Para que o processo dedegradação do meio ambiente seja, ao menos minimizado, é de vital impor-tância que medidas sejam tomadas para evitar que novos contaminantessejam incorporados ao ecossistema (ALBERGUINI et al., 2003). A importân-cia desta prática foi reconhecida pela Agenda 21, principal instrumento apro-vado na Conferência Mundial de Meio Ambiente – Rio 92.

Os resíduos são divididos de acordo com a sua composição; alguns resí-duos devem ser tratados logo após a sua geração, outros necessitam demetodologias específicas. Assim, cada tipo de resíduo tem recebido trata-mento específico ao seu tipo de composição (ALVES, 2005; TAVARES eBENDASSOLLI, 2005).

Indústrias, centros de pesquisa e universidades têm problemas em lidarcom os produtos perigosos gerados por eles. Os resíduos produzidos pelasuniversidades contemplam, praticamente, todos os resíduos perigosos listadospela Agência de Proteção Ambiental (EPA), incluindo ácido clorídrico, metanol,bifenilas policloradas, entre outros. As universidades lidam, ainda, com umaespecificidade: é a possível variação da composição dos resíduos a cada novapesquisa. Faz-se necessário, portanto, que se pesquisem continuamente novosmétodos de tratamento de resíduos para se minimizar o problema (ASHBROOKe REINHARDT, 1985).

A contaminação em grande escala por produtos químicos, e os danoscausados à saúde, às estruturas genéticas e ao ambiente, além de um nú-mero muito grande de tragédias provocadas por esses produtos, convence-ram a população em geral dos reais perigos associados à fabricação, uso einadequada disposição de produtos químicos. Estes materiais, no ambiente,encontram-se em todos os setores, desde complexos industriais de grandeporte até em nossas casas. A quantidade total de produtos químicos queentra no ambiente como emissões de rotina, é consideravelmente grande, eapresenta um grave risco à saúde da sociedade. No entanto, as vantagensque esses produtos podem trazer para a vida moderna e para a pesquisacientífica de um modo geral, são indiscutíveis (ROOS et al., 2000).

A solução ideal para utilizar os benefícios desses produtos químicos é omanuseio e a disposição adequados desses materiais, para que os possíveisriscos envolvidos sejam minimizados. Nesse contexto, uma política que ve-nha a ter como objetivo evitar a geração de resíduos na fonte, com a aplica-ção de tecnologias que utilizem menores quantidades de matéria-prima erecursos naturais em geral, seguida pela reciclagem ambientalmente segu-ra dos resíduos do setor produtivo é imprescindível (PRADO, 2003).

Profissionais da área, inclusive os ambientalistas, concordam que o con-trole da poluição tornou-se um negócio complexo e oneroso, considerando oscustos da instalação e operação de controladores de poluição ou equipamen-tos de tratamento. Reduzindo a quantidade de poluentes do ambiente, redu-zir-se-ia, também ,os custos com controle e tratamento desses resíduos(ALVES e REZENDE, 2001). Isso poderia ser feito trocando-se os processosde produção ou os produtos usados, ou ambos, para que os poluentes maisagressivos não fossem produzidos; encontrando substituintes não perigosospara aqueles materiais perigosos; limpando e reciclando, por exemplo,solventes após o uso (PRADO, 2003).

Uma grande quantidade de produtos químicos introduzidos no ambiente

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são gradualmente degradados e assimilados por processos naturais, umavez que estes produtos são diluídos suficientemente para não causar riscosao homem ou ao ambiente. Entretanto, há duas classes de produtos quími-cos cuja diluição não funciona: metais pesados e seus compostos; e produtosorgânicos sintéticos não-biodegradáveis. Esses produtos tendem a ser ab-sorvidos pelo ambiente e concentrar-se nos organismos, incluindo os sereshumanos, atingindo algumas vezes doses letais (WONG et al., 2001).

Os metais pesados mais perigosos são: arsênio, bário, cádmio, cobre,cromo, chumbo, estanho, mercúrio, selênio, prata e zinco. São tóxicos por-que, dependendo da especiação, podem ser prontamente absorvidos pelosorganismos e, mesmo em quantidades muito pequenas, podem causar seve-ras conseqüências neurológicas (TAVARES e CARVALHO, 1992).

Muitos destes produtos químicos não afetam e não produzem efeitoscolaterais ao ecossistema. Outros, devido, principalmente, às suas proprie-dades físico-químicas ou a diferentes campos de aplicação, podem afetar ouserem afetados pelo ecossistema, produzindo um desequilíbrio ambiental.

Quanto à necessidade de prevenir e reduzir os riscos à saúde e ao meioambiente, por meio do correto gerenciamento dos resíduos biológicos, a Re-solução RDC no 306, de dezembro de 2004, da Agência Nacional de Vigilân-cia Sanitária, estabelece procedimentos quando ao gerenciamento dessesresíduos, onde são previstas medidas técnicas, administrativas e normativas,desde o momento da geração até a destinação final, considerando os princí-pios da biossegurança afim de prevenir acidentes ao ser humano e ao meioambiente.

A implementação e a manutenção com êxito de um programa degerenciamento de resíduos líquidos (PGRL) demanda a adoção de três con-ceitos importantes, os quais nortearão as atividades a serem desenvolvidasno desenrolar do programa. O primeiro conceito importante é o de quegerenciar resíduos não é sinônimo de “geração zero de resíduo”. Ou seja, ogerenciamento de resíduos busca não só minimizar a quantidade produzida,mas também impõe um valor máximo na concentração de substânciasnotadamente tóxicas no efluente final da unidade geradora, tendo comoguia a Resolução CONAMA 20. O segundo conceito “diz” que só se podegerenciar aquilo que se conhece, e assim sendo, um inventário de todo oresíduo produzido na rotina da unidade geradora é indispensável. O terceiroconceito importante é o da responsabilidade objetiva na produção do resíduo,ou seja, o gerador do resíduo é o responsável pelo mesmo, cabendo a ele asua destinação final (JARDIM, 1998).

Existem quatro maneiras de direcionar os problemas com a poluiçãocausada por resíduos laboratoriais: (1) prevenção da poluição; (2) reciclagem;(3) tratamento (degradação ou conversão a produtos não agressivos); e (4)disposição segura.

O compromisso formal dos responsáveis pela unidade geradora emimplementar e manter o PGRL é de vital importância; primeiro porque envol-ve todo o pessoal ligado diretamente às atividades que geram resíduos. Alémdisso, há que se considerar que grande parte destas pessoas estará engajadaem alguma atividade adicional, pelo menos durante a fase inicial do PGRL.Além do engajamento de pessoal, um programa desta natureza sempre de-manda recursos financeiros, tanto na sua fase inicial, como na sua manu-tenção.

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Materiais e MétodosMateriais

Recursos audiovisuais: utilizados em palestras e treinamento de técni-cos, professores e alunos.

Recursos laboratoriais: vidrarias, capelas, reagentes, estufa, mufla,mantas aquecedoras, papel de filtro, etiquetas;e materiais diversos foramutilizados no tratamento dos resíduos. Além de recipientes especiais para oarmazenamento de resíduos.

MétodosFoi realizado um levantamento junto aos professores e técnicos, do Centro

Universitário Filadélfia e Colégio Londrinense, acerca dos resíduos geradosem aulas de laboratório e no desenvolvimento de pesquisas.

Foram proferidas palestras aos estudantes, visando à conscientizaçãosobre a geração excessiva de resíduos, bem como os perigos causados pelasua disposição final inadequada.

Os professores foram contextualizados e os técnicos treinados sobre ocorreto armazenamento, tratamento e destinação final dos resíduos produ-zidos nos diferentes laboratórios do Instituto Filadélfia de Londrina.

Os resíduos resultantes de aulas práticas foram coletados e acondicio-nados em frascos adequados e devidamente rotulados, para posterior trata-mento segundo as suas especificações.

Durante algumas aulas práticas foi exposto aos alunos o tipo de frasco,onde seriam acondicionados os materiais resultantes dos diferentes tiposde experimentos, salientando-se que cada tipo de resíduo tem especificaçõespróprias para o seu armazenamento.

No desenvolvimento das aulas das disciplinas de Química Geral, Quími-ca Orgânica, Fundamentos de Química e Física e Química Analítica I e II,nos cursos de Biomedicina, Ciências Biológicas, Nutrição e Farmácia, resul-tam alguns materiais comuns, como é o caso dos metais, que foram entãodevidamente armazenados, para tratamento no final de cada semestre; istoporque o tratamento do total dos resíduos é mais apropriado que o tratamen-to parcelado em alíquotas pequenas.

Os resíduos contendo metais foram tratados, seguindo-se a seguintemetodologia:

Inicialmente foram adicionadas aos materiais ácido clorídrico (HCl), con-centrado; a mistura ficou em repouso para a precipitação dos metais queentão formam sais insolúveis, ou com baixa solubilidade, na forma de cloretos:AgCl, PbCl2, BaCl2.

Posteriormente a essa etapa foi adicionada uma solução de hidróxido desódio (NaOH), quando então foram precipitados metais na forma de hidróxidos:Al(OH)3, Cr(OH)3, Fe(OH)3, Fe(OH)2.

Após a precipitação dos sais metálicos na forma de hidróxidos, foi adici-onada uma solução de carbonato de sódio (NaCO3); assim foi possível a ob-tenção de sais metálicos insolúveis sob forma de carbonatos: CaCO3, BaCO3,SrCO3. Por meio de tal procedimento foi obtida uma mistura de sais demetais na forma sólida e um sobrenadante neutralizado. A mistura foi entãofiltrada passando por papel de filtro, até a completa eliminação da umidade.

Os sais na forma sólida foram armazenados em sacos plásticos paraposteriormente serem imobilizados, adicionando-os a cimento e brita para“fabricar” concreto, conforme o processo utilizado na indústria cimenteira.

Outros tipos de resíduos receberam tratamentos logo após as aulas, taiscomo:

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- misturas com pH alto ou baixo, isentas de compostos passí-veis de causar danos ao meio, foram neutralizadas e despe-jadas na rede de esgoto;

- misturas de éter de petróleo/suco de cenoura e éter de pe-tróleo/suco de uva, em que o éter de petróleo foi evaporadologo após a aula, e os sucos foram descartados na rede deesgoto;

- misturas éter etílico/KOH e éter etílico/anilina; o éter etílicofoi evaporado logo após a aula e o KOH e a anilina foramarmazenados;

- misturas de água/álcool etílico, em que o álcool foi destiladoe reaproveitado para outros fins;

- misturas de ácidos e matéria orgânica, provenientes do Co-légio Londrinense, foram neutralizadas e dispostas no solo.

Os resíduos biológicos gerados durantes as aulas práticas, como carca-ças e tecidos de animais são devidamente armazenados e congelados, emequipamentos próprios para esse fim; e depois periodicamente encaminha-dos como lixo hospitalar para uma empresa especializada.

Os resíduos gerados nas aulas de Microbiologia costumam serautoclavados e armazenados, para posterior coleta como lixo hospitalar.

Buscando avaliar o grau de conscientização da comunidade envolvida,detectando com isso as faltas e falhas envolvendo o programa deconscientização do presente projeto, foi elaborado o seguinte questionário,que foi aplicado aos alunos, do Centro Universitário Filadélfia.

Projeto de Pesquisa:

Programa de Gerenciamento de Resíduos de Laboratório

Favor refletir sobre o descarte de resíduos e responder às questões abaixo:1. A disposição inadequada de resíduos, sejam industriais, domésticos oude serviços de saúde, pode afetar a sua vida?( ) sim ( ) nãoComo?2. O que as autoridades podem fazer para minimizar os problemas causa-dos pela disposição inadequada de resíduos?3. No exercício de sua futura profissão, existem atitudes que podem sertomadas para evitar que resíduos contaminem o meio ambiente?( ) sim ( ) nãoQuais?4. Você se considera um agente de conscientizador do descarte adequadode resíduos?( ) sim ( ) nãoPor que?

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Resultados e DiscussãoOs resíduos gerados durante as aulas práticas foram tratados adequa-

damente; os resíduos que apresentavam pH acima ou abaixo de 7 (neutro), enão continham compostos passíveis de causar danos ao meio ambiente, fo-ram neutralizados e descartados na rede pública de esgoto.

Outros resíduos onde havia misturas de compostos foram separados, eaquelas substâncias que após a separação não representavam riscos ao meioambiente, foram dispostas, quando sólidas no solo, quando líquidas na redede esgoto.

Já as substâncias passíveis de comprometer o meio ou que poderiamapresentar interesse como matéria-prima para outros experimentos, foramarmazenadas adequadamente. Essas substâncias poderão ser utilizadas no-vamente em aulas práticas, ou ainda serem utilizadas no tratamento denovos materiais residuais gerados, como a neutralização de produtos ácidoscom KOH.

A conscientização de professores, técnicos e alunos sobre a importânciado correto manuseio e destinação dos resíduos de laboratórios, é um proces-so dinâmico, pois se observa perdas definitivas quando esses materiais nãosão trabalhados continuamente.

No decorrer do desenvolvimento dos trabalhos foi observado que as açõesdaqueles que participavam, direta ou indiretamente da criação dos resídu-os, ou seja, professores, técnicos e alunos, se mostravam aquém do neces-sário para uma satisfatória implantação do programa. Assim, visando detec-tar as faltas e falhas envolvendo o programa de conscientização da comuni-dade do Instituto Filadélfia, foi aplicado um questionário aos alunos. Asrespostas foram bastante variadas, e são apresentadas a seguir, agrupadaspor semelhança.

1ª Questão: A disposição inadequada de resíduos, sejam industriais, do-mésticos ou de serviços de saúde, pode afetar sua vida?74% dos questionados responderam: que a disposição inadequada causaprejuízos à saúde pública;48,5% indicaram que tal ação acarreta contaminação do meio ambiente;9,5% salientaram a contaminação humana via manejos agrícolas;3,2% indicaram que o descarte inadequado de resíduos pode acarretarcontaminação de água de superfície e de lençol freático com substânciasque não são retiradas pelos tratamentos convencionais utilizados na redepública;3,6% lembraram que tal fato é a causa de enchentes;3,2 % se reportaram à superlotação dos “ lixões” ;1,6% salientaram a contaminação de indivíduos catadores de lixo.

2ª Questão: O que as autoridades podem fazer para minimizar os proble-mas causados pela disposição inadequada de resíduo?39% apontaram que as autoridades devem criar e manter locais adequadospara o descarte de resíduos;38% salientaram que as autoridades podem criar programas que promovama conscientização da população;20% acham que cabe às autoridades a instituição e correta aplicação demultas;17% declararam que a coleta seletiva ajudaria na solução do problema;11% citaram que são necessários maiores investimentos no tratamento deresíduos;

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9,5% indicaram que as leis deveriam ser mais rigorosas;9,5% escreveram que o planejamento e a padronização dos métodos dedescarte seriam apropriados;9,5 % salientaram que as autoridades deveriam promover a instalação deincineradores para lixo hospitalar;9,5% citaram que a criação de programas dentro de indústrias, hospitais elaboratórios e outros centros geradores, seria bastante interessante;1,6% são da opinião de que as autoridades deveriam propor iniciativas queminimizassem a geração de resíduos;1,6% defenderam a criação de usinas de reciclagem.

3ª Questão: No exercício de sua profissão, existem atitudes que podem sertomadas para evitar que resíduos contaminem o meio ambiente?( ) sim ( ) nãoQuais?Dos entrevistados que responderam sim:35% disseram que atitudes como a correta coleta, armazenamento e des-carte final são essenciais;20,5% indicaram que a separação seletiva do lixo traria benefícios;12% salientaram a importância do tratamento de resíduos hospitalaresantes do descarte;11% citaram que não deve acontecer descarte de resíduos na rede deesgoto sem tratamento prévio;3,2% confessaram que poderiam ser agentes de conscientização a respeitodo problema;3,2% acham que promover esforços para uma menor geração de resíduosseria uma atitude eficiente para combater o problema;1,6% indicaram que os profissionais devem buscar informações técnicassobre o correto descarte dos resíduos com os quais estão em contato;1,6% apontaram que os resíduos devem ser encaminhados a profissionaisespecializados para o tratamento ou descarte.4,7% dos questionados responderam não, sem justificavas e 1,6% declara-ram que ainda não trabalhavam na atividade.

4ª Questão: Você se considera um agente conscientizador do descarteadequado de resíduos?( ) sim ( ) nãoPor que?Dos que responderam sim:32% disseram que atitudes como: dar exemplo, chamar a atenção e promo-ver debates sobre o assunto com as pessoas próximas são essenciais;27% registraram que já fazem a separação e a destinação corretas do lixodoméstico;4,7% escreveram que descartam da melhor forma possível o lixo gerado nolocal de trabalho;3,2% citaram que no momento não fazem corretamente o descarte, masque têm a pretensão de mudança de atitude para não causar malefícios;19% responderam negativamente à questão, sem justificavas.

Com base nas respostas dos estudantes foi possível observar que muitosdeles já se conscientizaram sobre o tema, inclusive já são vetores de divul-gação em suas comunidades; também que uma vez trabalhando profissional-mente serão agentes positivos em procedimentos no visem uma corretadestinação de resíduos, sejam eles domésticos ou de serviços.

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Em adição, é notório que muitos deles se mostram cidadãos politica-mente preparados para incentivar e cobrar das autoridades, atitudes efeti-vas em relação à questão.

Cabe, ainda, salientar a dificuldade de tal conscientização, pois mesmoos professores, que são constantemente alertados para instruir e incentivarseus alunos a armazenarem os restos oriundos das aulas práticas desenvol-vidas na Instituição, apresentam um certo grau de descaso em relação aopresente trabalho. Apesar de tudo, a Coordenadora e demais colaboradorasdo presente projeto estão, continuamente, trabalhando tais questões junto aestudantes, técnicos e professores.

ConclusõesOs resultados alcançados com o desenvolvimento dos trabalhos relacio-

nados à implementação do PGR no Instituto Filadélfia indicaram que osprocedimentos adotados são perfeitamente viáveis, corroborando para a dis-seminação das práticas preconizadas pelo projeto em questão.

O sucesso do projeto depende do engajamento responsável de professo-res, alunos e funcionários, envolvidos direta ou indiretamente com as ativi-dades laboratoriais. Saliente-se o grande impacto atual no tocante ao temaEducação Ambiental, favorecendo a busca por alternativas mais harmonio-sas, em substituição ao posicionamento incoerente até então adotado pelasinstituições de ensino e pesquisa em relação à gestão de seus resíduoslaboratoriais.

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PRADO, A. G. S. Química Nova, v.26, n.5, p.738, 2003.

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AOS COLABORADORES

A Revista TERRA E CULTURA é uma pu-blicação semestral da UniFil. Tem porfinalidade divulgar artigos científicos e/ou culturais que possam contribuir parao conhecimento, o desenvolvimento e adiscussão nos diversos ramos do saber.Um artigo encaminhado para publica-ção deve obedecer às seguintes normas:

1- Estar consoante com as finalidadesda Revista.

2- Ser escrito em língua portuguesa edigitado em espaço duplo, papel ta-manho ofício, mantendo margens la-terais de 3 cm (de acordo com aABNT). Recomenda-se que o núme-ro de páginas não ultrapasse a 15(quinze).

3- Tabelas e gráficos devem ser nume-rados consecutivamente e endereça-dos por seu título, sugerindo-se a nãorepetição dos mesmos dados em grá-ficos e tabelas conjuntamente.

4- Fotografias poderão ser publicadas.Publicar-se-ão trabalhos originais que se

enquadrem em uma das seguintescategorias:

4.1- Relato de Pesquisa: apresentação deinvestigação sobre questões direta ouindiretamente relevantes ao conheci-mento científico, através de dados ana-lisados com técnicas estatísticas perti-nentes.4.2- Artigo de Revisão Bibliográfica: des-tinado a englobar os conhecimentos dis-poníveis sobre determinado tema, medi-ante análise e interpretação da biblio-grafia pertinente.4.3- Análise Crítica: será bem-vinda,sempre que um trabalho dessa naturezapossa apresentar especial interesse.4.4- Atualização: destinada a relatar in-formações técnicas atuais sobre tema deinteresse para determinada especialida-de.4.5- Resenha: não poderá ser mero re-sumo, pois deverá incluir uma aprecia-ção crítica.4.6- Atualidades e informações: textodestinado a destacar acontecimentoscontemporâneos sobre áreas de interes-se científico.

5- Redação – No caso de relato de pes-quisa, embora permitindo liberdadede estilos aos autores, recomenda-seque, de um modo geral, sigam à clás-sica divisão:

Introdução – proposição do problema edas hipóteses em seu contexto mais am-plo, incluindo uma análise da bibliogra-fia pertinente; Metodologia-descriçãodos passos principais de seleção daamostra, escolha ou elaboração dos ins-trumentos, coleta de dados e procedi-mentos estatísticos de tratamento dedados; Resultados e Discussão – apre-sentação dos resultados de maneira clrae concisa,seguidos de interpretação dosresultados e da análise de suas implica-ções e limitações. Nos casos de RevisãoBibliográfica, Análises Críticas, Atuali-zações e Resenhas, recomenda-se queos autores observem às tradicionais eta-pas: Introdução, Desenvolvimento eConclusões.6- O artigo deverá apresentar resumo e

palavras chaves em português eabstract e key words em inglês.

7- Deve ser entregue na forma dedisquete.

8- As Referências deverão ser listadaspor ordem alfabética do último sobre-nome do primeiro autor, respeitandoa última edição das Normas da ABNT.

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10- Informar o E-mail do autor ou do co-autor que deverá ser contatado pelopúblico leitor.

A publicação do trabalho nesta Revistadependerá da observância das normasacima sugeridas, da apreciação por par-te do Conselho Editorial e dos pareceresemitido pelos Consultores. Serãoselecionados os artigos apresentados deacordo com a relevância a atualidade dotema, com o n° de artigos por autor, ecom a atualidade do conhecimento den-tro da respectiva área.

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