Pequenos olhos que se abrem para o mundo. Tanta coisa para ser descoberta.
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1. - ABREM
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Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
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O CORRECTOR SIVE MEDICUS (OU CORRECTOR BURCHARDI, OU AINDA DE
POENITENTIA, C.1000-1025) DE BURCARDO DE WORMS (C.965-1025):
APRESENTAÇÃO E TRADUÇÃO DOS CAPÍTULOS 1-4, ALÉM DAS
“INSTRUÇÕES” DE PENITÊNCIA 001 A 095
THE CORRECTOR SIVE MEDICUS (OR CORRECTOR BURCHARDI, OR DE
POENITENTIA, C. 1000-1025) BY BURCHARD OF WORMS (C. 965-1025):
PRESENTATION AND LATIN-PORTUGUESE TRANSLATION OF
CHAPTERS 1-4 AND “PENITENTIAL INSTRUCTIONS” 001-095
Álvaro Alfredo Bragança Júnior*
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Renan Marques Birro**
Universidade Federal do Amapá/Universidade de São Paulo _________________________________________________________________________________________________________
Resumo: Trata-se de introdução e tradução
para a língua portuguesa dos quatro
primeiros capítulos do livro XIX do
Decretum de Burcardo de Worms, redigido
entre o ano 1000 e 1025. Esta obra
burcardiana versa sobre diversos assuntos
ligados ao âmbito da penitência em que se
percebe o esforço da Igreja para regular as
práticas disciplinares ligadas ao foro moral,
como o homicídio, o incesto, a fornicação, o
furto, os juramentos, as chamadas
superstições, feitiçarias, etc. Após uma
síntese biográfica, faz-se uma discussão
introdutória das motivações da obra frente à
história da Igreja do século XI bem como
discutem-se os principais argumentos
desenvolvidos por Burcardo no Decretum.
Palavras-chave: Burcardo de Worms,
Decretum, Penitência.
Abstract: This is the introduction and
translation, into Portuguese, of the first four
chapters of the book XIX of the Decretum of
Burchard of Worms, written between 1000
and 1025. This burchardean work deals with
various subjects related to the context of
penitence in which one perceives the
Church’s efforts to regulate disciplinary
practices related to moral law, such as
murder, incest, fornication, theft, oaths, the
so called superstitions, witchcraft, etc. After
a bibliographical summary, an introductory
discussion is made about the motivations of
such work, taking into account the history of
the Church in the eleventh century, as well as
how the major arguments developed by
Burchard in the Decretum are discussed.
Keywords: Burchar of Worms, Decretum,
Penance. __________________________________________________________________________________________________________
Recebido em: 31/10/2015
Aprovado em: 14/07/2016
* Professor Associado III em Letras Português/Alemão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ; Doutor em Letras
Clássicas pela UFRJ com estágio pós-doutoral em História Medieval pela Ruhr-Universität Bochum, Alemanha
(2001-2002); É membro da Academia Brasileira de Filologia, da Associação de Professores de Alemão do Rio de
Janeiro, do Centro de Estudos Interdisciplinares da Antiguidade da UFF e membro fundador do Círculo
Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos das Literaturas da Idade
Média (NIELIM) e do grupo Brathair de Estudos Celtas e Germânicos, além de membro co-fundador e
pesquisador convidado do GT “Estudos Medievais” da ANPOLL. É Membro Fundador da Associação Brasileira
de Estudos Germanísticos. E-mail: [email protected]
** Professor Assistente de História Medieval da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e Professor
Colaborador do Curso de Especialização em História Antiga e Medieval da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (CEHAM/UERJ); Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em
História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisador do LATHIMM/USP, do LEM/USP, do
Leitorado Antiguo/UPE, do Brathair/UEMA e do CEPRES/UNIFAP. Site: E-mail: [email protected].
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Burcardo foi um erudito bispo que viveu entre os séculos X e XI, bastante
conhecido pela composição do Decretum, uma obra de caráter monumental e a primeira
tentativa eclesiástica conhecida de compilação da lei canônica com base nas principais
referências cristãs anteriores. Conforme o Biógrafo deste epíscopo1, ele provinha de
uma rica família em Hesse (c.965), atual Alemanha, que ofereceu ao jovem as melhores
condições educativas daquela época 2.
Sua família foi influente o bastante para pertencer ao ciclo interno da corte
imperial e ocupar duas vezes a função de bispo de Worms: ele foi descrito pelo
imperador Henrique II como “discreto na apetência, forte na tolerância, justo no
julgamento” 3 . É possível ainda perceber a proximidade entre tal bispo e outros
imperadores concomitantes ao período, como Otto III e Conrado II 4.
De fato, ele era um dos membros da família dos condes de Reichenbach-
Ziegenhain, representantes da Hofkapelle (“capela real”) e conselheiros eclesiásticos de
alta dignidade dos imperadores. O comentário ponderado e positivo de Henrique II
condiz com outras referências coevas ao relato do príncipe germânico5.
1 Não há dúvidas que se tratava de um cônego de Worms. Um possível autor da vida de Burcardo seria
Ebbo, mestre da catedral de Worms em época. Como não há certeza, Greta Austin optou em chamar o
autor como “o Biógrafo”, proposta que seguimos nesta tradução (AUSTIN, Greta. Who was Burchard of
Worms? In: AUSTIN, Greta. Shaping Church Law Around the Year 1000: The Decretum of Burchard of
Worms. Farnham: Ashgate, 2008, p.54). 2 Vita Burchardi episcopi, 1-2. 3 “discretus in appetendo, fortis in tolerando, iustus in iuditio” (HENRICUS SECUNDUS. Carta de Junho 1018). 4 MCNEILL, John; GARNER, Helena. Medieval Handbooks of Penance. New York: Octagon Books,
1965, p.321. 5 GAGNON, François. Burchard de Worms et son œuvre. In: GAGNON, François. Le Corrector sive Medicus de
Burchard de Worms (1000-1025): présentation, traduction et commentaire ethno-historique. Dissertação.
Montréal: Université de Montréal, 2010, p. 28.
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Mapa 1: Mapa do Império. Destacamos a cidade de Worms ao centro do mapa, nas margens do
Médio Reno. Fonte: Bachrach (2014)6.
Quando jovem, Burcardo estudou em Koblenz, como cônego da catedral. Dali
ele partiu para uma escola monástica – possivelmente são Florin ou são Kastor. Ávido
pelo conhecimento, ele viajou ainda para Mainz, onde foi promovido ao diaconato, se
tornou o chefe do tesouro episcopal e um dos primeiros homens da cidade. Outrossim,
ele ainda foi proboste do mosteiro e claustro dos cônegos de são Vitor, em Mainz7. Foi
ali que ele recebeu sua formação clássica, sob a tutela do arcebispo Willigis 8.
6 BACHRACH, David S. The Histories of a Medieval German City, Worms c. 1000-c. 1300: Translation and
Commentary. Farnham: Ashgate, 2014, p. x. 7 AUSTIN, Greta. Who was Burchard of Worms? In: AUSTIN, Greta. Shaping Church Law Around the
Year 1000: The Decretum of Burchard of Worms. Farnham: Ashgate, 2008, p.54-55, nota 3. 8 GAGNON, François. Burchard de Worms et son œuvre. In: GAGNON, François. Le Corrector sive Medicus de
Burchard de Worms (1000-1025): présentation, traduction et commentaire ethno-historique. Dissertação.
Montréal: Université de Montréal, 2010, p. 28, nota 7.
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Após esta fase, considerando as conexões familiares e o apreço imperial,
Burcardo alcançou o episcopado de Worms aproximadamente no ano mil, após três
bispos que governaram a diocese num intervalo de apenas dois anos (Franco, Erfo e
Razo, 998-999). O autor do Decretum, diferentemente de seus antecessores diretos,
permaneceu no cargo até sua morte, vinte e cinco anos depois.
Em vida, sobretudo após receber o pálio, Burcardo defendeu simultaneamente a
interpretação metafórica e uma leitura holística da Bíblia. Ademais, ele esteve diretamente
engajado no ensino dos cônegos da catedral de Worms. Este impulso educador, que inclui
certamente a redação do Decretum, integrou o movimento de bispos otônidas e sálios
dedicados à renovação monástica e canônica do final do século X. Os bispos, nestes
termos, foram rememorados como fundadores ou patronos de monges e mosteiros,
cônegos e catedrais. Todavia, Burcardo se destaca como um dos mais preocupados
homens da Igreja de seu tempo na reforma da estrutura eclesiástica e monástica9.
Para empreender as mudanças necessárias na Igreja e na sociedade, o bispo em
questão adotou a perspectiva de um erudito, mantendo sua atenção concentrada nos
grandes pensadores que o precederam. É possível traçar um “mapa” dos estudos de
Burcardo a partir das listas de manuscritos copiados em Mainz enquanto ele esteve ali,
além de outro índice de obras produzido no capítulo da catedral de Worms pouco depois
de sua morte. Ao que tudo indica, o autor foi um grande adepto dos exemplos bíblicos, da
tradição canônico-teológica cristã e da tradição clássica, como Cícero, Sêneca e Isidoro10.
Assim, com base na obra Da doutrina cristã de Agostinho, Burcardo acreditava
e provavelmente ensinava a compreensão espiritual da Escritura em vez de uma leitura
literal, como forma de superar os problemas hermenêuticos da tradição cristã 11 .
Preocupado ainda com os problemas legais da sociedade, este Bispo germânico
dedicou-se não apenas aos assuntos da Igreja, mas também na formulação e aplicação
9 GAGNON, François. Burchard de Worms et son œuvre. In: GAGNON, François. Le Corrector sive Medicus de
Burchard de Worms (1000-1025): présentation, traduction et commentaire ethno-historique. Dissertação.
Montréal: Université de Montréal, 2010, p.63-65. 10 Ibid., p.56-60. 11 AUSTIN, Greta. Jurisprudence in the service of Pastoral Care: the Decretum of Burchard of Worms, Speculum
v. 79, 2004, p. 930.
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da justiça: além das tarefas episcopais, Burcardo ainda foi o responsável pela redação
das leis de Worms (Lex familiae Wormatiensis ecclesiae), aplicada aos ricos e pobres12.
Um atento leitor do Decretum pode perceber uma grande variedade de assuntos
tratados em seus vinte livros, sumarizados por Andrea Vanina Neyra: a organização da
Igreja e do culto (L. I, II, III); o batismo e a confirmação (L. IV); o sacramento do corpo e
do sangue do Senhor (L. V); o assassinato (L. VI); o incesto e a fornicação (L. VII,
XVII); homens e mulheres dedicados ao Senhor (L. VIII); o tratamento das virgens,
viúvas e comcubinas (L. IX); magos, profetas e adivinhos (L. X); excomungados e
ladrões (L. XI); o perjuro (L. XII); a veneração e a observância do jejum (L. XIII); vícios
como a gula e o alcoolismo (L. XIV); imperadores, príncipes e o laicado (L. XV);
acusadores, defensores, juízes, testemunhos e falsos testemunhos (L. XVI); a visita, a
penitência e a reconciliação dos enfermos (L. XVIII); as correções do corpo e os remédios
da alma, objeto desta tradução (L. XIX); por fim, a providência e a predestinação, a vinda
do Anticristo, o Juízo Final, a condenação dos danados e a felicidade eterna (L. XX)13.
O Corrector sive Medicus (ou Corrector Burchardi, ou ainda Da poenitentia,
c.1000-1025)14, como mencionado, é o décimo nono livro do Decretum de Burcardo. Os
temas abordados neste livro são diversos, como o homicídio, o incesto, a fornicação, o
furto, os juramentos, os abusos contra o cônjuge, as superstições, as supostas feitiçarias,
além de provações demoníacas. O Biógrafo do Bispo de Worms indicou que o
compêndio visava promover o trabalho disciplinar e institucional da Igreja15.
Trata-se, deste modo, de uma espécie de manual para o sacramento da
penitência, um pedido de perdão à divina misericórdia pelos pecados cometidos contra
12 No prefácio da Lex familiae Wormatiensis ecclesiae, Burcardo acusou os condes de ferir a família cristã “como
cães”, impor leis inconsistentes e oprimir os fracos em seus julgamentos (BURCHARDUS WORMATIENSIS.
Lex familiae Wormatiensis ecclesiae, prologus; AUSTIN, Greta. Jurisprudence in the service of Pastoral Care: the
Decretum of Burchard of Worms, Speculum v. 79, 2004, p. 931, nota 13). 13 NEYRA, Andrea Vanina. La tradición en la cultura medieval: el Decretum de Burchard de Worms. Mirabilia
v. 3, 2003, p.132-133. 14 O título do livro XIX é controverso. Os eruditos parecem privilegiar a alcunha Corrector sive Medicus desde
meados do século XX (GAGNON, François. Burchard de Worms et son œuvre. In: GAGNON, François. Le
Corrector sive Medicus de Burchard de Worms (1000-1025): présentation, traduction et commentaire ethno-
historique. Dissertação. Montréal: Université de Montréal, 2010, p.102, nota 6). A datação do trabalho também é
fruto de discordâncias: alguns autores optam pelo ano mil, outros fixam a composição entre 1008-1012;
considerando a data-fim como a morte de Burcardo e a impossibilidade de estabelecer com acurácia qual o ano de
composição, optamos pelo recorte mais amplo possível, que provavelmente cobriu a maior parte do trabalho
pastoral deste príncipe da Igreja de Worms. 15 Vita Burchardi episcopi, IX.
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Deus e aos membros da comunidade cristã. Através deste ato, os fieis são reconciliados
com a comunidade religiosa. De fato, o foco era a reintegração dos mesmos ao seio da
Igreja, pois os penitentes não poderiam realizar a Eucaristia, ou seja, comungar do
corpo de Cristo, sem estar devidamente purificado dos erros cometidos16.
O Decretum foi uma grande novidade em relação aos textos prévios da tradição
canônica cristã. Ele faz referências numerosas aos textos patrísticos, cônegos de
concílios regionais e a coletânea de muitos penitenciais anteriores17. A lista de textos
denota o caráter universal e monumental da coleção, assim como o “projeto” que
provavelmente guiava o pensamento do autor 18.
Apesar de ter copiosamente utilizado todas as leis canônicas, decisões sinodais e
penitenciais que pode encontrar, Burcardo alterou e adaptou bastante ao elaborar o
Decretum, o que confere ao trabalho do bispo um caráter, pessoal, único e relevante. Ele
se apropriou de fórmulas, rituais e instruções de penitência com séculos de diferença, o
que provavelmente levou o Bispo de Worms a grandes esforços de reflexão para dobrar
as incongruências e divergências entre diferentes fontes19.
Outrossim, ainda que os medievais fossem respeitadores da mensagem e
tradição cristãs predecessoras, sendo grandes adeptos da repetição de lugares comuns e
autoridades, interstícios podem ser percebidos, novas combinações, resoluções de
16 VOGEL, Cyrille. Le pécheur et la pénitence au Moyen Âge. Paris: Éditions du Cerf, 1969, p.19-36. 17 A lista de referências é imensa: Statuta Ecclesias antiqua (c.476-485); Canones apostolici (c.390, traduzidos ao
latim por Burcardo); Collectio Dionysio-Hadriana (774); Capitula Angilramni (c.790); Capitularia Benedictae
Levitae (c.850), Decretales Pseudo-Isidorianae (847-852); Collectio Anselmo dedicata (c.882); Collectio
Regionis Prumiensis (c.906); Paenitentiale mixtum Pseudo-Bedae-Egberti (c.870-880); Excarpsus Cummeani
(c.700); Paenitentiale Bedae (c.800); Paenitentiale Egberti (c.800); Paenitentiale Hubertense (c.800-825);
Paenitentiale Martenianum (c.850); Paenitentiale Remense (c.700-725); Paenitentiale Theodori (c.800) e a
muitas vezes negligenciada Collectio Hibernensis (c.700). Ainda é possível perceber a influência dos Concílios de
Toledo (I-IV e VI-XII), dos Concíclios de Orléans (I e III-V), dos Concílios de Mainz (I-III) e do Concílio de
Worms (868). Da Patrística nota-se o Collectio Canonum Anselmi Lucensis, o Pseudo-Isidoro e o trabalho prévio
de Regino de Prüm já mencionado, além das cartas de Gregório Magno (c.590-604) e a Da doctrina Christiana de
Agostinho (SZUROMI, Szabolos Anzelm. The Decretum Burchardi Wormatiensis and its Discipline regarding
Bishops. In: SZUROMI, Szabolos Anzelm. Pre-Gratian Medieval Canonical Collections: Texts, Manuscripts,
Concepts. Berlin: Frank & Timme GmbH, 2014, pp.46-47). 18 Ibid., p.47. 19 GAGNON, François. Burchard de Worms et son œuvre. In: GAGNON, François. Le Corrector sive Medicus
de Burchard de Worms (1000-1025): présentation, traduction et commentaire ethno-historique. Dissertação.
Montréal: Université de Montréal, 2010, p. 44-48, nota 7.
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problemas e inclusões de elementos do momento. Enquanto seleção dentro de um leque
de opções, o próprio ato de cópia pressupõe uma intensa e ponderada reflexão20.
Nestes termos, conforme o Biógrafo, após participar de vários sínodos e
colóquios régios, Burcardo estava estafado dos assuntos temporais e desejava abraçar
sem embaraço os assuntos espirituais 21. Assim, a Vita Burchardi atesta que
Naquele tempo, numa cela, ele trabalhou de modo não módico na
coleção dos cônegos. Portanto, com a ajuda do senhor bispo Walter de
Spyer e os apelos e sugestões do proboste Brunicho, ele coligiu os
cônegos num corpus; não por nenhuma arrogância, mas ele disse que
as leis dos cônegos e a justiça da penitência foram completamente
negligenciadas e destruídas em seu episcopado. Este mesmo corpus
ou coleção ele dividiu e distribuiu em vinte livros22.
Pelas dimensões da obra, sua complexidade e abrangência, Burcardo certamente
despendeu tempo, atenção e dedicação para compor a coleção batizada como Decretum. O
auxílio e apoio indicados pelo Biógrafo, por sua vez, sugerem que Burcardo foi hábil ao
recolher recursos, ajuda episcopal e local para propor um trabalho desta monta. Ademais, a
natureza colaborativa do Decretum lança luzes sobre as inclinações coletivas do labor
intelectual no contexto da reforma em curso, além da ampla difusão da obra. Alguns
manuscritos desta coleção de cônegos e penitências indicam cópias “para exportação”,
assim como a rápida e relativamente ampla recepção do Decretum: no círculo sálio e
otônida, quase oitenta manuscritos da obra de Burcardo foram encontradas23.
Assim como nos penitenciais anteriores, compilados para auxiliar na
administração da confissão, está presente a noção de “penitência tarifada”, isto é, um
termo pré-fixado para redimir certos pecados24. Nota-se claramente a opção pelo jejum
20 NEYRA, Andrea Vanina. La tradición en la cultura medieval: el Decretum de Burchard de Worms. Mirabilia
v. 3, 2003, p.134-135, nota 15. 21 Vita Burchardi episcopi, X. 22 “Eodem quippe tempore in collectario canonum in hac cella non modicum laboravit. Nam domino Walterio
Spirensi episcopo adiuvante et Brunichone praeposito exhortante et suggerente, canones in unum corpus collegit;
non pro ulla arrogantia, sed ut ipse dixit, quia canonum iura poenitentiumque iudicia in episcopatu suo omnino
fuerant neglecta ac destructa. Hoc vero corpus sive collectarium distinxit et in vigint libros distribuit” (Vita
Burchardi episcopi, X). 23 HAMILTON, Sarah. The church law of penance: the evidence of the collections In: HAMILTON, Sarah. The
Practice of Penance, 900-1050. Woodbridge: Boydell & Brewer, 2001, p.32-33. 24 A tarifação das penitências foi criada nas Ilhas Britânicas, ao que tudo indica no século VI. Ela foi introduzida
no continente provavelmente por monges escoceses e anglo-saxões no século VII, como demonstra o cônego 8 do
Concílio de Chalon-sur Saône (c.644-655) (VOGEL, VOGEL, Cyrille. Le pécheur et la pénitence au Moyen Âge.
Paris: Éditions du Cerf, 1969, p.15-24, nota 15).
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a pão e água (“pane et aqua [...] jejunare”) para o perdão do fiel. O clérigo, como o
título e o “prefácio” do livro XIX aludem, age como um médico, que corrige e aplica o
remédio da alma para reestabelecer a relação entre o cristão e o divino25.
Desta feita, ainda que os erros pagãos e superstições ainda persistissem, o
Corrector et Medicus não seria uma prédica pública destinada aos não-conversos, mas
um instrumento dos homens da Igreja para auferir adequadamente os erros dos cristãos
durante a confissão, um ato secreto, discreto e individual. Nestes termos, a necessidade
de admitir os erros, receber a penitência e empreendê-la exigia uma compreensão
mínima do cristianismo por parte do fiel.
Esta chave de leitura foi repetida no tratamento destinado ao pecador.
Conquanto muitos erros sejam tratados como provocações demoníacas ou superstições,
todos fazem parte do grande corpo de Cristo. Nestes termos, o Decretum é um grande
compêndio sobre os cuidados pastorais, com leis canônicas e penitências aplicáveis aos
paroquianos. Seu sucesso no período inicialmente foi atribuído ao papel como manual
aos curas, que utilizavam a obra ou partes dela para o trabalho cotidiano26.
Ludger Körtntgen seria um intérprete moderno da mesma tendência. Ele
renovou a leitura do início do século XX ao demonstrar que o livro XIX do Decretum
seria uma espécie de sumário de toda obra. De maneira magistral, Burcardo teria
produzido não apenas um penitencial de fácil uso e excelente qualidade, mas também
uma obra completamente integrada e não-controversa em relação às leis canônicas que
compõem o restante da obra27.
Greta Austin ofertou uma opinião parcialmente consoante, mas com ênfase noutra
referência. Para ela, o trabalho de Burcardo foi bem sucedido ao buscar na Bíblia a resposta
para a contradição nos cônegos. A metodologia, batizada como “testemunhas inspiradas”, ou
seja, fontes eclesiásticas que o bispo considerava inspiradas por Deus para corrigir a
25 BURCHARDUS WORMATIENSIS. Decretum, XIX; SHINNERS, John. The Burchard of Worms's Corrector
and Doctor (c.1008-1012). In: SHINNERS, John. Medieval Popular Religion, 1000-1500: A reader. 2.ed.
Toronto: University of Toronto Press, 2009, p.459. 26 FOURNIER, Paul. Sur le Décret de Burchard de Worms. Paris: Librairie de la Societe du Recueil Sirey, 1910,
p. 688-689. 27 KÖRNTGEN, Ludger. Canon law and the practice of penance: Burchard of Worms’s penitential, Early
Medieval Europe, v. 14, n. 1, 2006, p.103-117.
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compreensão da Bíblia, estava pautada na autoridade, mas abria espaços flexíveis e
aplicáveis de maneira ampla. Ademais, tal metodologia para resolver conflitos entre cônegos
antecede o prólogo de Ivo de Chartres (c.1040-1115) em seu Decretum e Panormia. Ao que
tudo indica, Ivo baseou-se em Burcardo, que deve ter inspirado o primeiro28.
Seja qual for a perspectiva adotada, o trabalho de Burcardo foi um marco para
compilações e interpretações das leis canônicas posteriores e mais famosas, como do
próprio Ivo de Chartes e de Graciano. Outra inovação do Corretor sive Medicus fornece
ao medievalista contemporâneo uma das evidências mais antigas do sacramento da
penitência aplicado de maneira individual, isto é, propiciando a confissão dos pecados e
a reconciliação imediata, como nos dias de hoje29.
Sendo assim, propiciar uma tradução do Decretum ao público brasileiro serve
como uma importante ferramenta para entrever o labor intelectual dos homens de letras
da época em assuntos relativos a fé. O esforço para reunir manuscritos relacionados,
analisar os casos, interpretar os cônegos e redigir uma obra desta monta oferta ao menos
a visão de um bispo do século XI sobre como praticar corretamente a religião cristã.
A utilização da expressão “ao menos” foi proposital, no intuito de provocar o
leitor, pois é impossível saber em que medida o depoimento de Burcardo seria um
dianóstico do cenário religioso da época de modo abrangente. Afinal, o Decretum seria
um exemplo de “cristianismo erudito”, apenas circunscrito na dimensão textual-
intelectual e refratário à realidade da diocese de Worms? Ao assumir uma postura
paradigmática diametralmente oposta, seria possível identificar um “cristianismo
popular” no Corrector sive Medicus, a saber, a partir da experiência de Burcardo e de
seus auxiliares no trabalho clerical cotidiano?
É possível responder parcialmente as perguntas ao considerar com maior atenção
o contexto mais circunscrito da vida medieval, a saber, a paróquia:
E foi precisamente na estrutura da “molecula” local da igreja que a maior
parte do povo medieval passou seus dias. Estabelecida e apoiada por
autoridades tanto seculares quanto espirituais, a paróquia tendeu a suplantar
28 AUSTIN, Greta. Jurisprudence in the service of Pastoral Care: the Decretum of Burchard of Worms, Speculum
v. 79, 2004, p.932-933, nota 13. 29 POSCHMANN, Bernhard. Penance and the Anointing of the Sick. The Herder History of Dogma. London:
Burns & Oates, 1963, p. 257.
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todas as outras associações humanas [...] alguém pertencia a uma paróquia
do nascimento até a morte, e até mesmo além [...] As igrejas paroquiais
foram mais que centros religiosos. A vida cívica era em grande extensão
focada nela; barganhas eram feitas ali, festividades realizadas, grãos
estocados; e frequentemente a igreja paroquial era o único prédio em pedra
da vila, o último refúgio de bandidos e exércitos invasores30.
Para além dos laços religiosos, que também dispunham de memórias próprias, a
paróquia era uma espécie de microcosmo que condicionava, em certa medida, o
comportamento das pessoas que pertenciam a ela 31 . Portanto, parece verossímil que
Burcardo tenha se pautado tanto na tradição presente nas compilações canônicas e
penitenciais anteriores quanto na experiência como pastor diocesano dos homens de Worms.
Destarte, não parece factível que o rigor metodológico de Burcardo ignorasse as
questões da ordem do dia na diocese que atuava. Sua preocupação com as leis de
maneira geral, não apenas com as decretais canônicas, sugere que ele circulava ou se
interessava não apenas nas altas esferas do poder imperial, mas também entre os
homens comuns, o retrato do cotidiano32.
Seja como for, tais respostas ainda não contemplam os questionamentos e
provocam outro incômodo: “o que não é [ou era] a religião medieval”? A pergunta,
lançada por John Shinners, é muito pertinente, uma vez que a religião englobava vários
aspectos da vida medieval33. Por outro lado, ela também evoca a tradição acadêmica de
separar a experiência religiosa popular (ou laica) da clerical 34. Em certa medida, os
30 “It was precisely in the frame of this local 'molecule' of the church that most medieval people spent their lives.
Established and supported by both secular and spiritual authorities, the parish tended to supplant all other human
assocations [...] one belonged to one's parish from birth to death and even beyond [...] Parish churches were
more than religious centres. Civic life was to a great extent focussed on them; bargains were struck there,
festivities held, grain stored; and often the parish church, the only stone building in the village, was the last refuge
from bandits and invading armies” (GUREVICH, Aron. Medieval popular culture: problems of belief and
perception. Cambridge: Cambridge University Press, 1988, p 78-79). 31 Ibid., p.79. Vale ressaltar que compreendemos a noção de paróquia em termos relativos, uma vez que tal
unidade não estava plenamente operativa no século XI, sobretudo quando comparada ao século XIII. Para uma
das críticas do modelo absoluto de paróquia, cf. NOIZET, Hélène. De l’eglise au territoire: les paroisses à Tours
(XIe-XIIIe siècles), Médievales 45, 2005, p.45-56. 32 NEYRA, Andrea Vanina. Los penitenciales como fuentes históricas: un debate vigente. Conferência. 2do.
Congreso Regional de Historia e Historiografía da Facultad de Humanidades y Ciencias de la Universidad
Nacional del Litoral Santa Fe, 3 e 4 de maio de 2007. Disponível em conicet-
ar.academia.edu/AndreaVaninaNeyra Acesso em 28 set 15. 33 VAUCHEZ, André. Sainthood in the Later Middle Ages. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 444. 34 NEDKVITNE, Arned. Lay belief in Old Norse Society, c.1000-1350. Copenhagen: Museum Tusculanum
Press, 2009. Para um debate sobre o assunto, ver: SCHMITT, Jean-Claude. Religion, folklore and society in the
medieval West In: LITTLE, Lester K. (ed.), ROSENWEIN, Barbara (ed.). Debating the Middle Ages: Issues and
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eruditos das últimas décadas tem sugerido, com sucesso, que muitos aspectos
considerados pertencentes à “religião popular” e termos congêneres faziam parte da
vida devocional tanto de bispos quanto de camponeses35.
Apesar das interdições, esses constructos medievais sobreviveram de várias
formas, como lendas, criações literárias e folclore 36 . Dentre estes elementos, seria
possível ainda incluir a mitologia, considerando-a tanto como parte da religião quanto
seu caráter complexo. Nestes termos, Jens Peters Schødt afirmou que “a Mitologia é
sempre ‘sincretica’, e quando estamos falando de religiões populares é fútil procurar por
qualquer tipo de formato original”37.
Não se trata de uma constatação nova, conquanto velhas tradições acadêmicas
imperem. Hilário Franco Júnior alcançou a mesma reflexão ao afirmar que “como todos
os mitos de uma mesma cultura interagem, formam uma mitologia, conjunto complexo
e articulado, as várias mitologias de um mesmo quadro espaço-temporal tendem a
formar redes intercomunicantes”38.
Portanto, esta perspectiva teórico-metodológica tentar suprimir a falta de uma
metodologia específica para o estudo da mitologia medieval. Propõe-se, assim, uma
crítica da “mitologia cristianizada”, isto é, a incorporação de temas pré-cristãos pela
letra e espírito clericais39. Nestes termos, para o medievalista brasileiro,
O amplo denominador comum entre cristianismo medieval e
paganismos europeus da época estava justamente na visão mítica do
mundo que ambos possuíam. As oposições ideológicas, sociais e
econômicas não obstruíam aqueles vasos comunicantes, mas
Readings. Malden: Blackwell, 1998, p. 376-387; VAN ENGEN, John. The Christian Middle Ages as an
historiographical problem. The American Historical Review, v. 91, n. 3, 1986, p.519-552. 35 SHINNERS, John. Medieval Popular Religion, 1000-1500: A reader. 2.ed. Toronto: University of Toronto
Press, 2009, p.xvii, nota 27. 36 KLANICZAY, Gábor. Learned systems and popular narratives of vision and bewitchment. In: KLANICZAY,
Gábor (ed.), PÓCS, Éva (ed.), CSONKA-TÁKAKS, Eszter (ed.). Witchcraft, Mythologies and Persecutions.
Demons, Spirits, Witches, V.3. Budapest: Central European University Press, 2008, p. 50-82 (cf. p.62-63). 37 SCHJØDT, Jens Peters. Contemporary research into Old Norse Mythology. In: HERMANN, Pernille;
SCHJØDT, Jens Peters (ed.), KRISTENSEN, Rasmums Tranum (ed.). Reflections on Old Norse Myths.
Turnhout: Brepols, 2007, p.8 (p. 1-16). 38 FRANCO JÚNIOR, Hilário. Cristianismo Medieval e Mitologia: reflexões sobre um problema historiográfico.
In: FRANCO JÚNIOR, Hilário.. A Eva Barbada: ensaios de mitologia medieval. São Paulo: EdUSP, 1996, p.51. 39 Ibid.., p. 47-50.
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construíam discursos muito diferentes, que dificultam ao historiador a
percepção daquele processo sincrético40
A proposta de Franco Júnior aplicada ao caso do Corrector sive Medicus explica
como se deu a aproximação entre deidades e construções mitológicas greco-romanas e
germânicas que caminham lado a lado dos espíritos malignos cristãos e ilusões
demoníacas. Trata-se de um amálgama poderoso, indissolúvel e que concatena religião,
mitologia, lenda, crença, ritual e prática. Ela também diminui a distância entre o
paroquiano comum e os letrados da Igreja, homens que compartilham em várias
instâncias e no dia a dia o exercício da fé.
***
Nelle sue istruzioni ai vescovi, Reginone di
Prüm (m. 915) condanna, insieme a varie
credenze superstizione, quella delle donne che,
illuse dal diavolo, credono dia cavalcare in certe
notti con Diana, dea dei pagani, e il suo corteo
di donne, recandosi in luoghi remoti41.
Carlo Ginzburg, ao mencionar Regino de Prüm, afirmou que obras e
comentários desta natureza estavam particularmente preocupados com a conduta dos
cristãos recém-convertidos da Europa Setentrional, até então tachada como pagã.
Apesar da curta digressão ao período medieval, o historiador italiano aproveitou a
menção de Diana/Hulda/Perchta para reforçar a longeva tradição de cultos agrários no
Norte italiano, em certa medida, com ecos na tradição indo-europeia42.
A obra I Benandanti de Ginzburg é diretamente conhecida do público brasileiro,
sendo uma referência para estudiosos dos períodos medieval e moderno; indiretamente
Regino de Prüm alcançou relativa notoriedade pela menção do italiano. Conquanto o
40 FRANCO JÚNIOR, Hilário. Cristianismo Medieval e Mitologia: reflexões sobre um problema historiográfico.
In: FRANCO JÚNIOR, Hilário.. A Eva Barbada: ensaios de mitologia medieval. São Paulo: EdUSP, 1996, p. 50. 41 GINZBURG, Carlo. I Benandanti: Stregoneria e culti agrari tra Cinquecento e Seicento. Torino: Einaudi, 1966,
p.61 (“Nas suas instruções aos bispos, Reginone de Prüm (morto em 915) condena, juntamente com várias
crenças supersticiosas, as das mulheres que, iludidas pelo diabo, acreditam cavalgar à noite com Diana, deusa dos
pagãos, e o seu cortejo de mulheres, em direção a lugares remotos”; cf. GINZBURG, Carlo. Os andarilhos do
bem: feitiçaria e cultos agrários nos séculos XVI e XVII. São Paulo: Cia das Letras, 1988, p.62). 42 Na esteira de Ginzburg e de caráter mais abrangente para o centro e o norte europeus, cf.
BEHRINGER, Wolfgang. How waldensians became witches: heretics and their journey to the other
world. In: KLANICZAY, Gábor; PÓCS (ed.), Éva; CSONKA-TAKÁKS, Eszter (ed.). Communicanting
with the spirits. Demons, Spirits, Witches, v. 1. Budapest: Central European University, 2005, p. 155-
192; LEVACK, Brian. The intellectual foundations. In: LEVACK, Brian. The Witch-Hunt in Early
Modern Europe. 3. ed. Harlow: Longman, 2006, p.45-51.
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trabalho de Regino tenha servido como base de outras compilações canônicas e penitenciais
da Idade Média, tudo indica que seu alcance ficou circunscrito ao Leste franco43.
Por sua vez, o alcance do Decretum de Burcardo foi muito maior: a obra foi
amplamente copiada e estudada do século XII em diante, pois, de maneira geral, os
príncipes da Igreja consideravam o compêndio prático. Como afirmou Greta Austin, “os
bispos italianos estavam usando o Decretum como uma ferramenta de referência e
consideravam-no útil ao inserir informações para conduzir um sínodo”44.
Burcardo, porém, lembrado sobretudo pelo Corrector sive Medicus, permaneceu
permaneceu praticamente ausente dos trabalhos nacionais por ter sido poucas vezes
traduzido. Para além de excertos, uma parcela considerável deste livro do Decretum
nunca foi traduzida para o português.
Também não há uma tradução completa ou abrangente do Corretor e Doutor
para o inglês, apenas trabalhos que focavam este ou aquele aspecto do indício,
principalmente os aspectos mágicos e supersticiosos45. Tais traduções são de caráter
livre e bastante limitadas se forem usadas diretamente pelo especialista do período, pois
simplificam ao leitor uma série de termos e expressões da língua latina.
Há três traduções conhecidas em línguas modernas, duas em francês e uma terceira
em italiano, consultadas na produção desta versão46. Além destas, há trabalhos publicados
43 HAMILTON, Sarah. The church law of penance: the evidence of the collections In: HAMILTON, Sarah. The
Practice of Penance, 900-1050. Woodbridge: Boydell & Brewer, 2001, p.30-31, nota 25. 44 “Italians bishops were using the Decretum as a reference tool and found it helpful to add instructions for
running a synod” (AUSTIN, Greta. Who was Burchard of Worms? In: AUSTIN, Greta. Shaping Church
Law Around the Year 1000: The Decretum of Burchard of Worms. Farnham: Ashgate, 2008, p.54, nota 3). 45 A tradução de John Shinners talvez seja a mais recente em inglês. O autor inseriu apenas as instruções que
considerou como “erros”, uma vez que partes que compunham penitenciais mais antigos foram traduzidas em
porções anteriores da mesma obra, sem, contudo, inserir as variações textuais dos autores seguintes. Ver:
SHINNERS, John. Burchard of Worms’s Corrector and Doctor (c. 1008-12). In: SHINNERS, John. Medieval
Popular Religion, 1000-1500: A reader. 2. ed. Toronto: University of Toronto Press, 2009, p.459-470). Todavia, a
tradução de John McNeill e Helena Garner, mais antiga, é mais próxima do original, ainda que também seja
parcial, uma vez que partes que compunham penitenciais mais antigos foram traduzidas em porções anteriores da
mesma obra, sem, contudo, inserir as variações textuais dos autores seguintes. É possível notar tal problema nas
“referências cruzadas” do Corrector sive Medicus e os penitenciais de Pseudo-Beda, Halitgar e Regino de Prüm,
por exemplo. Ver: MCNEILL, John; GARNER, Helena. Medieval Handbooks of Penance. New York: Octagon
Books, 1965, p.321-345. 46 Para uma versão em francês mais atualizada do livro XIX do Decretum sem os cônegos 1-4, ver: GAGNON,
François. Le Corrector sive Medicus de Burchard de Worms (1000-1025): présentation, traduction et
commentaire ethno-historique. Dissertação. Montréal: Université de Montréal, 2010; Para a versão completa em
italiano, ver: PICASSO, Giorgio; PIANA, Giannino; MOTTA, Giuseppe. A pane e acqua: peccati e penitenze nel
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por Andrea Vanina Neyra em periódicos brasileiros que propiciavam até então alguns
excertos do Decretum de Burcardo. Dentre estes, um foi publicado na Signum47.
Incorporamos o texto em latim da edição crítica de Hermann Joseph Schmitz,
uma vez que é relativamente acessível e tem sido sistematicamente utilizado noutros
trabalhos de tradução 48 . Removemos as notas dos editores, exceto quando faziam
referências ao texto bíblico, para fins de comparar como determinados excertos das
Escrituras foram interpretados e instrumentalizados pelos homens da Igreja.
Inicialmente os cônegos 1 ao 4 – ou capítulos, como no texto original – não
fariam parte desta tradução, uma vez que estão presentes em documentos religiosos
congêneres (Penitencial Romano, Penitencial do Pseudo-Beda, Penitencial de Regino
de Prüm, etc.). No entanto, ao considerar a importância fundamental deste sacramento
religioso e do preparo do fiel para o exercício da penitência, percebemos a necessidade
de também inserir essas passagens, muitas vezes negligenciada pelos tradutores e
comentadores dos penitenciais medievais.
Adotamos o termo “instrução” para os instrumentos de penitência para aplicação
clerical do cânon 5 do Corrector sive Medicus. Nesta versão dispomos de 95 de 194, ou
seja, aproximadamente a metade. Para tornar mais clara a diferença entre um e outro –
nem sempre o autor os diferenciou –, propomos uma organização em números; eles
antecedem o texto latino e foram diretamente incorporados ao texto traduzido ao
português. A divisão seguiu, por sua vez, a proposta tradutória de François Gagnon.
Medioevo - Il «Penitenziale» di Bucardo di Worms. Novara: Europia, 1998; Para versões fragmentadas e parciais
também em francês, ver: VOGEL, Cyrille. Burchard de Worms. Le “Guerisseur ou Medecin” In: Sources
d’histoire médiévale, IXe - milieu du XIVe siècle. Paris: Larousse, 1992, p. 566-573; cf. VOGEL, Cyrille. Le
pécheur et la pénitence au Moyen Âge. Paris: Éditions du Cerf, 1969, p.80-113; VOGEL, Cyrille. Pratiques
superstitieuses au début du XIe siècle d’après le Corrector sive Medicus de Burchard, évêque de Worms (965-
1025) In: Études de Civilisation médiévale (IXe-XIIe siècle). Mélanges offerts à E.-R. Labande, Poitiers: CÉSCM,
1974, p.751-761. 47 NEYRA, Andrea Vanina. La tradición en la cultura medieval: el Decretum de Burchard de Worms. Mirabilia
v. 3, 2003, p.130-145; NEYRA, Andrea Vanina. La magia erótica en el Corrector sive medicus de Burchard von
Worms. Brathair, v. 10, n. 1, 2010, p.83-99; NEYRA, Andrea Vanina. Consideraciones sobre la tipología del
pecado en el Corrector de Burchard von Worms. Signum, v. 11, v. 1, 2011, p.108-130. Vale lembrar que a edição
mais usada é a de Fransen & Kölzer. Cf. FRANSEN, G.; KÖLZER, T. Burchard von Worms, Decretum libri XX.
Colônia, 1548; VAN BALBERGHE, E. Les éditions du Décret de Burchard de Worms: Avaters d’un text.
RTAM, v. 37, 1970, p.5-22. 48 SCHMITZ, Hermann Joseph. Die Bussbücher und die Bussdisciplin der Kirche. Tomo 2. Graz: Akademische
Druck-U. Verlagsanstalt, 1958, p. 407-430 (Para o texto integral, cf. Ibid., p.407-452).
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Também de acordo com esse princípio, ordenamos as “instruções” por seções,
como é possível notar no texto em português. Todavia, elas não são originárias do
Decretum. Trata-se de um mero instrumento didático e visual para melhor
aproveitamento dos leitores contemporâneos. No texto original algumas seções ocorrem
mais de uma vez, sem uma lógica aparente quando observado tão somente o livro XIX
do Decretum, mas que estão diretamente conectadas ao restante do compêndio.
Mantivemos as notas estritamente essenciais, como datas, referências bíblicas
diretas e alusões a deidades, por exemplo. Pretendemos publicar uma versão com
robustas notas explicativas no futuro, após a conclusão da tradução, no intuito de sugerir
discussões acadêmicas e propor problematizações para o estudo do penitencial.
Esta iniciativa a quatro mãos deseja proporcionar ao público lusofalante um contato
mais direto com Burcardo e o Corrector sive Medicus. A tradução infelizmente ainda não está
concluída – pretendemos terminar esta tarefa o mais breve possível –, mas lançamos uma
parte considerável para escrutínio dos medievalistas brasileiros, no intuito de obter sugestões,
críticas e aprofundamentos que permitam qualificar a versão definitiva do trabalho.
Por fim, vale ressaltar que o caráter fundamental e pungente do Corrector sive
Medicus é certamente seu aspecto enciclopédico: é possível identificar num rápido olhar
a presença de várias “referências cruzadas” entre os penitenciais, obras bíblicas e textos
teológicos, fruto do supramencionado esforço de Burcardo.
Ler esta compilação, portanto, oferece uma mirada ampla sobre a paradoxal
relação do fiel e sua condição intrínseca como pecador. Outrossim, notam-se os
desdobramentos e as soluções proporcionados pelos homens da Igreja em diferentes
épocas. Neste caso, a partir da pena de Burcardo, o intuito de dirimir os crentes,
padronizar os meios de “religamento” com o divino, instruir os párocos e leigos e, por
fim, tentar suprimir os pecados recorrentes de maneira geral e os mais perpetrados em
âmbito local, combinam a tradição religiosa cristã e os problemas religiosos enfrentados
nas diferentes plagas da Cristandade em perpétua dilatação.
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BURCHARDI WORMACIENSIS
ECCLESIAE EPISCOPI
DECRETORUM
LIBER DECIMUS NONUS DE
POENITENTIA
Liber hic Corrector vocatur et Medicus,
quia correctiones corporum et animarum
medicinas plene continet, et docet
unumquemque sacerdotem, etiam
simplicem, quomodo unicuique succurrere
valeat, ordinato vel sine ordine, pauperi,
diviti, puero, juveni, seni, decrepito, sano,
infirmo, in omni aetate et in utroque sexu.
CAP. PRIMUM. - Quo tempore presbyteri
plebium, canonica auctoritate,
discordantes ad pacem, et delinquentes ad
poenitentiam compellere debeant.
[Ex Poenitentiali Romano.] Hebdomada
priori ante initium Quadragesimae,
presbyteri plebium convocent ad se
populum, et discordantes canonica
auctoritate reconcilient, et omnia jurgia
sedent, et tunc primum confitentibus
poenitentiam dent; ita ut, antequam caput
jejunii veniat, omnes confessi poenitentiam
acceptam habeant, ut liberius dicere
possint: Dimitte nobis debita nostra, sicut
et nos dimittimus debitoribus nostris.
CAP. 2.- Quomodo sacerdotes plebem sibi
commissam tempore poenitudinis
admonere et instruere debeant.
Presbyteri admonere debent plebem sibi
subjectam, ut omnis qui se sentit mortifero
peccati vulnere sauciatum, feria quarta
ante Quadragesimam cum omni
festinatione recurrat ad vivificatricem
DECRETOS DO BISPO DA IGREJA
BURCARDO DE WORMS.
LIVRO DÉCIMO NONO, DA
PENITÊNCIA.
Este livro é chamado de o Corretor e
Doutor, porque ele contém plenamente
correções para o corpo e remédios para a
alma, e ele ensina a cada clérigo, até
mesmo os simples, como pode vir a ajudar
outrem: ordenado ou sem ordens, pobre,
rico, garoto, jovem, senil, decrépito,
saudável ou doente, de qualquer idade e de
ambos os sexos.
Capítulo Primeiro – Quando os
presbíteros do povo devem compelir à
penitência, pela autoridade canônica, os
discordantes da paz e delinquentes.
[Do Penitencial Romano] Na semana
anterior ao início da Quaresma, os
presbíteros do povo devem convocar para
si a plebe e reconciliar os discordantes,
pela autoridade canônica, e cessar todas as
querelas, e então darão a primeira
penitência aos que se confessarem; de
modo que, antes que ocorra o jejum citado,
todos os que confessaram tenham a
penitência aceita, para que eles possam
dizer livremente: “Perdoai os nossos
pecados, assim como nós perdoamos a
quem nos tenha ofendido”49.
Capítulo Segundo – De que modo os
sacerdotes se comprometem em admoestar
e instruir o povo reunido sobre o tempo da
penitência.
Os presbíteros devem admoestar a plebe
sujeita a ele, de forma que todo aquele que
se sentir vulnerado por feridas de pecados
mortais deve, na quarta-feira de Cinzas,
retornar com toda pressa para a vivificante
49 Cf. Mt 6, 12.
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matrem Ecclesiam, ubi, quod male
commisit, cum omni humilitate et
contritione cordis simpliciter confessus,
suscipiat remedia poenitentiae secundum
modum canonicis auctoritatibus
praefixum. Non solum autem ille qui
mortale aliquid commisit, sed etiam omnis
homo quicunque se recognoscit
immaculatam Christi tunicam, quam in
baptismo accepit, peccati macula
polluisse, ad proprium sacerdotem festinet
venire, et cum puritate mentis omnes
transgressiones, omnia peccata, quibus
Dei offensam se incurrisse meminit,
humiliter confiteatur: et quidquid ei a
sacerdote fuerit injunctum, ac si ab ipso
omnipotentis Dei ore esset prolatum, ita
diligenter intendat, et cautissime observet.
Episcopi vel presbyteri, quando fidelium
recipiunt confessiones, humiliare se
debent, et cum tristitiae gemitu
lacrymisque orare, non solum pro suis
delictis, sed etiam pro fratris casu. Ait
enim Apostolus: «Quis infirmatur, et ego
non infirmor?» Cum ergo venerit aliquis
ad sacerdotem confiteri peccata sua,
mandet ei sacerdos ut exspectet modicum
donec intret Ecclesiam, aut in cubiculum
suum ad orationem. Si autem locus non est
aptus ad hoc, in corde suo dicat hanc
orationem.
CAP. 3. - Oratio sacerdotis dicenda ad
poenitentiam venientibus.
Domine, Deus omnipotens, propitius esto
mihi peccatori, ut condigne tibi possim
gratias agere, qui me indignum propter
tuam misericordiam ministrum fecisti
officii sacerdotalis, et me exiguum
humilemque mediatorem constituisti ad
orandum, et ad intercedendum ad
madre Igreja, onde, com toda humildade e
contrição do coração simplesmente
confesso pelo mal que cometera, [e] que
receba os remédios da penitência segundo
o modo pré-estabelecido pelas autoridades
canônicas. Não apenas aquele que
cometeu algum pecado mortal, mas todo
aquele que reconhecera a imaculada túnica
de Cristo, a qual aceitara no batismo e a
tivesse poluído com a mancha do pecado
deve ir apressadamente ao seu sacerdote e
com pureza mental, confidenciar em
humildade todas as transgressões [e] todos
os pecados de que se lembrasse com os
quais ofendera a Deus; e tudo que a ele for
imposto pelo sacerdote ele deve
diligentemente intentar e observar com
muita cautela, como se fosse dito pela
boca do próprio onipontente Deus.
Quando o bispo ou os presbíteros
receberem a confissão dos fieis, eles
devem se humilhar e orar com gemidos de
tristeza e lágrimas, não apenas por seus
próprios delitos, mas também pelos erros
de seus irmãos. Pois disse o Apóstolo:
“quem fraqueja, sem que eu também me
sinta fraco?”50 Então, se alguém vem ao
sacerdote para confessar seus pecados, que
o sacerdote ordene a ele para esperar um
pouco antes de entrar na Igreja, ou num
cubículo seu para oração. Porém, se não
houver um lugar apto para tal, em seu
coração ele deve dizer essa oração.
Capítulo terceiro – A oração que o
sacerdote deve dizer ao penitente que
chega.
“Ó Deus, onipotente Deus, tendes
compaixão de mim que sou pecador51, e
que com dignidade possa dar graças a ti
que, apesar da minha indignidade [e] por
tua misericórdia, me fizeste ministro dos
assuntos sacerdotais e, ainda que humilde
e exíguo, constituíste a mim como
50 2Cor 11, 29. 51 Lc 18, 13.
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Dominum nostrum Jesum Christum Filium
tuum pro peccatis, et ad poenitentiam
revertentibus. Ideoque, dominator
Domine, qui omnes homines vis salvos
fieri, et ad agnitionem veritatis venire, qui
non vis mortem peccatorum, sed ut
convertantur et vivant, suscipe orationem
meam, quam fundo ante conspectu
clementiae tuae, pro famulis et famulabus
tuis qui ad poenitentiam venerunt, ut des
illis spiritum compunctionis, ut resipiscant
a diaboli laqueis, a quibus astricti
tenentur, et ad te per condignam
satisfactionem revertantur. Per eumdem
Dominum nostrum Jesum Christum filium
tuum, etc.
CAP. 4. - De confessione, et poenitentia, et
reconciliatione, et interrogatione illorum
qui peccata sua confiteri desiderant, et
ordo ad poenitentiam eis dandam.
Tunc sacerdos blande leniterque
interroget eum primum de fide qualiter
credat, et dicat:
(Ex Poenitentiali Romano.) Credis in
Deum Patrem, et Filium, et Spiritum
sanctum? Respon. Credo. Credis quod
istae tres personae unus Deus sit? Respon.
Credo. Credis quod in ipsa ista carne in
qua nunc es, resurgere habes in die
judicii, et recipere sive bonum sive malum
quod gessisti? Respon. Credo. Vis
dimittere illis peccata qui in te
peccaverunt, Domino dicente: «Si non
remiseritis hominibus peccata eorum, nec
Pater vester vobis dimittet peccata
vestra?» Respon. Volo. Et require ab eo
diligenter si est incestuosus, aut suo
seniori infidelis; et si non vult incestum
dimittere, non potes ei dare poenitentiam:
si autem vult, potes. His praemissis,
poenitentem alloqui affectuose debet
mediador para orar e interceder a nosso
Senhor Jesus Cristo, teu Filho, pelos
pecados e para a penitência daqueles que
retornam. Por conseguinte, soberano
Senhor, que desejas salvar todos os
homens e vieste para o conhecimento da
verdade, que não desejas a morte dos
pecadores, mas que eles se convertam e
vivam, aceita minha oração, que derramo
diante da presença de tua clemência, por
teus servos e tuas servas que vieram fazer
a penitência, de maneira a dar-lhes um
espírito de compunção e para que possam
se recuperar das armadilhas do diabo, as
quais estão ligados e para ti retornam com
satisfação condigna. Por nosso Senhor
Jesus Cristo, teu filho, etc”.
Capítulo quarto – Da confissão,
penitência, reconciliação e interrogatório
daqueles que desejaram confessar seus
pecados, e a ordem para a penitência a
ser concedida.
Em seguida, o sacerdote, com gentil
brandura, interroga primeiro sobre como
expressa sua fé, e diga:
[Do Penitencial Romano] Crê em Deus
Pai, e no Filho, e no Espírito Santo?
Resposta: Creio. Crê que essas três
pessoas são um só Deus? Resposta: Creio.
Crê que, nesta mesma carne em que estás
agora, irás ressurgir no dia do juízo, e
receber pelo que fizeste, seja bom ou mal?
Resposta: Creio. Queres renunciar aos
pecados daqueles que pecaram contra ti,
como disse o Senhor: “mas se não
perdoardes aos homens os seus pecados, o
vosso Pai também não perdoará os vossos
pecados?”52 Resposta: Quero. E pergunte a
ele diligentemente se é incestuoso ou infiel
ao seu senhor; e se ele não deseja
renunciar a este incesto, não podes lhe dar
a penitência. Por outro lado, se desejas, tu
o podes [dar]. [Com] essas premissas, o
52 Cf. Mt 6, 15.
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sacerdos his verbis: Frater, noli
erubescere peccata tua confiteri, nam et
ego peccator sum, et fortassis pejora quam
tu feceris habeo facta. Haec idcirco
admoneo, quia usitatum humani generis
vitium est, ut beatus Gregorius dicit, et
labendo peccatum committere, et
commissum non confitendo prodere, sed
negando defendere, atque convictum
defendendo multiplicare. Et qui diabolo
instigante nefanda crimina perpetrare non
metuimus, haec eadem, quae opere absque
ulla verecundia perfecimus, eodem
suadente saltem verbis erubescimus
confiteri, et coram homine qui similis
nostri est, eisdemque fortasse passionibus
subjacet, confundimur dicere quod coram
Deo, qui omnia inspicit, absque ullo
mentis rubore committere non
formidavimus, detrectatione detestanda.
Sponte ergo fateamur, quod nullo cogente
commisimus. Si vero nos nostra scelera
celaverimus, ab illo manifestabuntur qui et
accusator est peccati et incentor. Ipse
enim hic nos ut peccemus instigat, ipse
cum peccaverimus accusat; si ergo in hac
vita preveniamus eum, et ipsi nostri
sceleris accusatores simus, nequitias
diaboli inimici nostri, et accusatoris
effugiemus, Paulo teste, qui ait: «Si
nosmetipsos judicaremus, non utique
dijudicaremur.»
CAP. 5. - Videns autem eum sacerdos
verecundantem, rursum prosequatur:
Fortas is, charissime, non omnia quae
gessisti ad memoriam modo veniunt. Ego
te interrogabo. tu cave ne, diabolo
suadente, aliquid celare praesumas. Et
sacerdote deve afetuosamente endereçar
essas palavras ao penitente: “Irmão, não te
enrubeças por confidenciar teus pecados,
pois eu também sou um pecador, e talvez
eu tenha cometido erros maiores que os
teus. Por isso, nestas coisas eu te
admoesto, porque o vício é usual ao
gênero humano, como disse o abençoado
Gregório; e, havendo cometido o pecado,
não proceder à confissão, mas [sim]
defende[-o] negando [tê-lo cometido] e
multiplica[-o] defendendo com convicção.
E nós que não tememos a instigação
nefasta do diabo para perpretar estes
crimes, estes mesmos [crimes] que
realizamos sem trabalho e vergonha
alguma, [mas] que, por instigação dele
enrubescemos ao confessar ao menos com
palavras; e diante de um homem similar a
nós e a quem talvez subjazem as mesmas
paixões, somos em confusão levados a
dizer, diante de Deus, que tudo vê, que não
tememos cometer, sem qualquer rubor
mental e repulsa das coisas abomináveis.
Logo, confessemos, pois,
espontaneamente e sem qualquer coação, o
que cometemos. De fato, se selarmos
nossos crimes, devemos fazê-los
manifestar para aquele que é acusador e
incitador de pecados. Ele, em verdade, é
quem nos instiga para que pequemos e
quem nos acusa quando pecamos;
Portanto, se nesta vida nos prevernirmos
dele, e formos os acusadores de nossos
crimes, fugiremos do acusador e das
iniquidades do diabo, nosso inimigo, como
Paulo testemunhou, ao dizer: “Se nos
examinássemos a nós mesmos, não
seríamos julgados”53.
Capítulo quinto – Assim, o sacerdote,
tendo visto qualquer vergonha, por outro
lado, prossiga: “Talvez, caríssimo, não te
venhas à memória neste momento tudo
que tenhas feito. [Portanto], eu te
interrogarei. Tenha cuidado para não
53 1Cor 11, 31.
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
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tunc eum ita per ordinem interroget.
[1.] Fecisti homicidium voluntarie sine
necessitate non in hoste, sed per tuam
cupiditatem ut sua sibi tolleres, et sic eum
interfecisti? Si fecisti, XL dies continuos,
quod vulgus carinam vocat, ita ut
consuetudo est, in pane et aqua debes
jejunare; et septem annos sequentes sic
observes.
[2.] Primum annum post illos XL dies,
totum a vino, medone, sagimine, et a
caseo, et ab omni pingui pisce abstinere
debes: nisi in illis festis diebus qui in illo
episcopio a cuncto populo celebrantur. Et
si sis in magno itinere, in regio hoste, vel
in regali curte, vel in aliqua infirmitate
detentus sis, tunc liceat tibi uno denario,
vel pretio unius denarii, aut tres pauperes
pascendo, tertiam feriam, quintam feriam,
sabbatum redimere: ita tamen ut una re de
illis tribus supradictis utaris, id est, aut
vinum bibas, aut medonem, aut mellitam
cervisiam. Postquam domum veneris, aut
sanitati fueris restitutus, nullam licentiam
habeas redimendi. Completo anni circulo
ecclesiam introducaris, et pacis osculum
tibi concedatur.
[3.] In secundo anno, et tertio, similiter
jejunes, nisi quod tertiam feriam, quintam
feriam, et sabbatum, potestatem habeas
redimendi praenominato pretio, ubicunque
es. Caetera omnia diligenter observes, ut
in primo.
[4.] Per singulos quatuor annos qui
remanent, tres quadragesimas, per
legitimas ferias debes jejunare. Primam
ante Pascha cum caeteris Christianis,
alteram ante festivitatem sancti Joannis
Baptistae, et si quid remanet, post
presumir esconder alguma coisa por
sugestão diabólica. Então, que se lhe
interrogue por uma série [de perguntas]”.
1. Cometeste um homicídio voluntário
sem necessidade, não contra um inimigo,
mas por tua cupidez, no intuito de tolher
os bens da vítima e tomar para ti? Se
fizeste, deves jejuar a pão e água por 40
dias contínuos, vulgo carina 54 , e deste
modo observar os sete anos seguintes.
2. Deves abster-se no primeiro ano após os
40 dias de todo vinho, hidromel, banha e
queijo, e de toda gordura de peixe; exceto
nos dias de festas que são celebrados pelo
povo reunido na diocese. Se estás numa
grande viagem, na hoste régia, ou na corte
régia, ou se deténs alguma enfermidade,
será permitido a ti compensar a terça-feira,
a quinta-feira e o sábado com um denário,
ou o valor de um denário, ou alimentando
três pobres; desde que tu tenhas
consumido somente de uma das três coisas
supraditas, isto é, ou vinho, ou hidromel
ou cerveja ao mel. Após retornares para
casa ou tiveres recobrado a saúde, não
terás permissão para redimires.
Completado o ciclo de um ano, que sejas
[re]introduzido na Igreja e será concedido
o beijo da paz a ti.
3. No segundo e terceiro ano, farás
similarmente jejuns, mas poderás redimir-
te com a taxa prenominada na terça-feira,
quinta-feira e sábado, onde quer que
esteja. Quanto ao demais, observarás
diligentemente, como no primeiro [ano].
4. Por cada um dos quatro anos que
restam, tu deverás jejuar três
quadragésimas nos dias estabelecidos: a
primeira antes da Páscoa com os outros
cristãos; a outra antes da festa de são João
Batista, e se restarem dias de jejum,
54 Carina, do latim clássico quarentena ou quadragena, é um período de jejum de 40 dias.
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adimpleas. Tertiam ante Nativitatem
Domini, a vino, a medone, mellita
cervisia, a carne, sagimine, et a caseo, et
a pinguibus piscibus [abstineas].
[5.] Et in quatuor supradictis annis, tertia
feria, quinta feria, et sabbato accipias
quidquid velis. Secundam autem feriam,
quartam, redimere poteris pretio jam
supradicto. Sextam feriam semper
observes in pane et aqua. Et his expletis,
sacram communionem accipias, ea ratione
ut non sis sine poenitentia quandiu vivas,
sed in omni vita tua omnes sextas ferias in
pane et aqua poeniteas, et, si redimere
volueris, potestatem habeas redimendi uno
denario, vel pretio unius denarii, vel
pascas tres pauperes.
[6.] Ista secundum misericordiam
concedimus tibi, non secundum canonum
censuram: quia canones sic praecipiunt:
Si quis per industriam et per cupiditatem
homicidium fecerit, saeculum relinquat, et
ingrediatur monasterium monachorum, et
ibi jugiter Deo serviat4.
[7.] Fecisti homicidium pro vindicta
parentum? XL dies, quod carinam vocant,
poeniteas, cum septem sequentibus annis,
quia Dominus dicit: «Mihi vindicta, et ego
retribuam.»
[8.] Si fecisti homicidium nolens, ita ut in
ira tua aliquem percutere velles, et non
occidere, tamen occidisti, XL dies, id est,
carinam in pane et aqua poeniteas, et
septem sequentes annos. Sed in primo
anno tertiam feriam, quintam feriam,
sabbatum redimere poteris, singulas
singulis denariis, vel pretio unius denarii,
vel tres pauperes pascendo, Reliquos
cumpra depois [da festa]; a terceira antes
do Nascimento do Senhor. [Abstenha-te]
de vinho, hidromel, cerveja com mel,
carne, banha, de queijo e de gordura de
peixe.
5. Nos quatro anos supraditos, na terça-
feira, quinta-feira e sábado poderás
receber o que quiseres. Mas na segunda-
feira e quarta tu poderás redimir as taxas já
acima mencionadas. A sexta-feira tu
observarás sempre a pão e agua. E ao
completar os anos, tu receberás a santa
comunhão e, enquanto viver, saiba que
não passarás sem penitência, mas durante
toda sua vida farás penitência a pão e água
nas sextas-feiras; e, se quiseres te redimir,
tu podes redimir-te com um denário, ou o
valor de um denário, ou ao alimentar três
pobres.
6. Concedemos isso a ti segundo a
misericórdia, não conforme as regras
canônicas, pois os cânones prescrevem
assim: se cometeres homicídio
premeditado ou por cupidez, deves deixar
o século e ingressar num mosteiro de
monges, e lá servir perpetuamente a
Deus55.
7. Cometeste um homicídio por vingança
de seus parentes? Se fizeste, tu farás
penitência por quarenta dias, que se chama
carina, pelos sete anos seguintes, pois o
Senhor disse: “A mim pertence a
vingança, eu é que retribuirei”56.
8. Se cometeste homicídio contra a
vontade, de maneira que, em tua ira,
quiseste bater em alguém não para matar,
mas ele morreu, deves penitência por 40
dias a pão e água, isto é, carina, pelos sete
anos subsequentes. Mas no primeiro ano tu
poderás redimir a terça-feira, a quinta-feira
e o sábado com apenas um denário, ou o
valor de um denário, ou ao alimentar três
55 A fonte para tal afirmação é incerta. 56 Rm 12,19.
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autem sex annos ita observa, sicut de
homicidiis sponte commissis constitutum
est.
[9.] Fecisti homicidium in bello, jussu
legitimi principis, qui pro pace hoc fieri
jusserat, et interfecisti tyrannum qui
pacem pervertere studuit? tres
quadragesimas per legitimas ferias
poeniteas. Si autem aliter fuerit, id est,
sine jussu legitimi principis, ut
homicidium sponte commissum poeniteas,
id est carinam unam cum septem
sequentibus annis.
[10.] Occidisti tu liber servum senioris tui,
qui nihil in te peccavit, sed jussu senioris
tui? XL dies, id est carinam in pane et
aqua cum septem sequentibus annis
poeniteas, et senior tuus similiter, nisi
servus sit fur aut latro, et [senior] pro
pace aliorum fieri praecipiat.
[11.] Si autem tu servus conservum tuum
jussu domini tui occidisti, dominus tuus
quadraginta dies, id est carinam, in pane
et aqua cum septem sequentibus annis
poenitere debet, et tu tres quadragesimas,
per legitimas ferias, excepto nisi pro pace
communi fieret.
[12.] Consiliatus es homicidium et non
fecisti, et occisus est homo propter illud
consilium? XL dies, id est carinam, in
pane et aqua, cum septem sequentibus
annis poeniteas.
[13.] Explorasti vel speculatus es aliquem
hominem, et sic tradidisti illum in manus
inimicorum suorum, et occisus est? XL
dies, id est carinam in pane et aqua
poeniteas, et septem sequentes annos ita
observes ut consuetudo est.
pobres. Entretanto, nos seis outros anos,
observarás [o jejum] para o homicídio
cometido por sua própria vontade,
conforme está constituído.
9. Cometeste um homicídio na guerra, sob
o comando de um príncipe legítimo, que
ordenou isto ser feito a favor da paz, e
mataste um tirano que desejava perverter a
paz? Farás penitência por três
quadragésimas nos dias estabelecidos.
Porém, se fizeste de outro modo, isto é,
sem comando de um príncipe legítimo,
farás penitência como para um homicídio
cometido voluntariamente, ou seja, uma
carina pelos sete anos subsequentes.
10. Mataste tu, livre, um servo de teu
senhor, que não cometera contra ti nenhum
pecado, mas sob a ordem de teu senhor?
[Deves] penitência por 40 dias a pão e
água, isto é, carina, pelos sete anos
subsequentes, assim como o teu senhor,
exceto se o servo fosse ladrão ou
assaltante e, pela paz dos outros, [o
senhor] te ordenara.
11. Se, por outro lado, tu, um servo,
mataste um companheiro teu sob ordem do
teu senhor, teu senhor deve penitência de
quarenta dias a pão e água, isto é, carina,
pelos sete anos subsequentes; e tu, três
quadragésimas nos dias estabelecidos,
exceto se o fizeste pela paz comunitária.
12. Aconselhaste um homicídio, mas não o
fizeste, contudo o homem foi morto por
causa de seu conselho? [Deves] penitência
por 40 dias a pão e água, isto é, carina,
pelos sete anos subsequentes.
13. Investigaste ou observaste outro
homem e, assim, o levaste às mãos de seus
inimigos e ele foi morto? [Deves]
penitência por 40 dias a pão e água, isto é,
carina, e observarás os setes anos
subsequentes como é de costume.
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[14.] Fuisti cum aliis qui pugnaverunt
contra aliquem, aut in domo propria, aut
in alterius domo, aut aliquo loco ubi se
defendere speraverat, et lapidem in eum
projecisti, aut sagittam, aut spiculum
aliquod adversus eum misisti et occidere
voluisti, et non est a te percussus, nec
vulneratus, tamen ab aliis cum quibus eum
impugnabas, occisus est? XL dies, id est,
carinam in pane et aqua poeniteas, et
septem sequentes annos ita observes ut
consuetudo est.
[15.] Fecisti parricidium, id est interfecisti
patrem, matrem, fratrem, sororem,
patruum, avunculum, materteram, amitam,
vel aliquod tale fecisti? si casu, non
sponte, neque in ira tua percutere voluisti,
sed casu evenit, ut homicidium sponte
commissum poenitere debes. Si autem ex
industria, et in ira tua fecisti, istud
observare debes, ut per unius anni
circulum ante fores basilicae orans
Domini elementiam perseveres. Completo
anni circulo, introducaris in Ecclesiam.
Tamen in angulo Ecclesiae, usque dum
unius anni spatium finiatur, stes. His ita
peractis, si poenitentiae fructus in te
conspicitur, corporis et sanguinis Domini
particeps fias, ut non obdureris
desperatione. Carnem non manduces
omnibus diebus vitae tuae. Jejunes autem
usque ad nonam quotidie, exceptis festis
diebus atque dominicis. Abstineas autem
te a vino, medone, mellita cervisia tres
dies per hebdomadam. Arma portare non
audeas, nisi contra paganos. Et ubicunque
ire volueris, nullo vehiculo deducaris, sed
pedibus propriis pergas. Ab uxore, si
habeas, non separeris: si autem non
habueris, aliam non ducas. Tempus autem
hujus poenitentiae, in episcopi tui sit
arbitrio, ut, secundum conversationem
tuam, aut extendere vel minuere, valeat.
14. Foste com outros que lutaram contra
alguém, ou em sua própria casa, ou na
casa de outrem, ou outro local onde
esperava se defender, e lançaste contra ele
uma pedra, ou uma flecha, ou uma lança
para querer matá-lo, mas [ele]não foi
atingido ou ferido por ti, mas por aqueles
com quem tu lutavas, e [a pessoa] foi
morta? [Deves] penitência por 40 dias a
pão e água, isto é, carina, e observarás os
sete anos subsequentes como é de
costume.
15. Cometeste parricídio, isto é, mataste
pai, mãe, irmão, irmã, sogro, tio paterno
ou materno, tia materna ou paterna, ou
fizeste coisas como estas? Se num
acidente não voluntário, tu não bateste
com ira, mas ocorreu um acidente, deves
penitência como para um homicídio
cometido voluntariamente. Porém, se
intencionalmente o cometeste em tua ira,
tu deverás observar assim: pelo período de
um ano ante os portões de uma basílica
perseverarás orando pela clemência do
Senhor. Completo o período de um ano,
serás introduzido na Igreja. Contudo, tu
terás que permanecer num canto da Igreja
até o período de um ano terminar. Feito
isto, se o fruto da penitência for notado em
ti, participarás do corpo e do sangue do
Senhor para não endurecer-te no
desespero. Não comerás carne por todos os
dias de tua vida. Tu deverás jejuar
quotidianamente até a hora nona [c.15h],
exceto em dias de festas e aos domingos.
Abstenha-te também do vinho, hidromel e
cerveja com mel três dias por semana. Não
portarás mais armas, exceto contra os
pagãos. E para onde quiseres ir, nunca
serás transportado num veículo, mas
percorrerás [o caminho] com [teus]
próprios pés. Se tens esposa, nunca te
separarás dela; se não tens esposa, não
tomarás outra. O tempo de tua penitência
será conforme o arbítrio de teu bispo, de
modo que, conforme tua forma de vida, ele
poderá estender ou diminuir.
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[16.] Fecisti homicidium casu, ita ut
nullum occidere velles, vel ferire voluisses
in ira tua, sive virga seu ferro, sive aliquo
genere flagelli, sed tu simpliciter ibas, aut
in silvam venatum, et feram sagittare
voluisti, et sic improvise, te nolente et
nesciente, pro fera occidisti?
[17.] Aut si jocatus fuisti cum aliquibus
aliquem ludum, et aliquam rem, sive
aviculam, sive quoddam aliud animal, vel
in ludo aliquid sagitta, vel baculo, vel
lapide percutere voluisti, et sic aut
fratrem, aut filium tuum, aut aliquem
hominem interfecisti;
[18.] Aut si stabas in loco publico, sive in
curticula tua, sive in loco alio, et petram
propter jocum projiciebas in illum locum
ubi nullum vidisti, et nulli insidiatus es, et
tamen occidisti aliquem;
[19.] Aut si aliquis te coegerat ut secum
luderes, et tu fortior fuisti, eum subtus te
stravisti, aut ipse te, et si, a tuo vel a suo
cultello vulneratus, mortuus est;
[20.] Aut si, tu operi necessario dum
instabas, securis fugerat de manu tua, aut
ferrum lapsum est de manubrio, et socium
et amicum tuum percusserat, et occisus
est? si ista fecisti, aut alia horum similia,
et nullam malam voluntatem adversus
supradictas personas, vel istorum similes
habuisti, quadraginta dies, quod vulgus
carinam vocat, ita ut consuetudo est,
jejunes: et quinque sequentes annos
poeniteas. Abstinentia autem ciborum in
istis quinque annis misericorditer
tribuatur, ita ut in primo anno illas tres
ferias, tertiam, quintam, sabbatum
redimere possis uno denario, vel pretio
unius denarii: vel tres pauperes pascendo.
16. Cometeste homicídio por acidente,
pois não desejavas matar, ou não desejavas
ferir em tua ira com um porrete, uma
espada ou outro gênero de flagelo, mas tu
simplesmente andavas, ou caçavas na
selva, e desejavas flechar uma fera, e
assim, subitamente, sem desejo ou
sapiência, mataste [alguém] no lugar da
besta?
17. Ou se foste jogar com alguém um
jogo, e desejavas ferir profundamente
qualquer coisa, como uma avezinha ou
outro qualquer animal qualquer com uma
flecha, porrete ou pedra, e assim mataste
teu irmão ou teu filho, ou qualquer
homem;
18. Ou se estavas num local público, ou
em teu pequeno pátio, ou ainda em outro
lugar e, ao atirar uma pedra por
brincadeira em algum local sem ver e sem
desejar emboscar mataste alguém;
19. Ou se alguém te coagiu para lutar com
ele e tu eras muito mais forte e, quando
aquele se lançou sob ti ou tu estavas
deitado sob ele, ele foi ferido por tua faca
ou cutelo e morreu;
20. Ou enquanto tu te dedicavas
intensamente num trabalho necessário e
um machado fugiu de tua mão ou uma
lâmina escapou de teu punho, e atingiste
teu colega e amigo, e ele morreu? Se
fizeste isto, ou quaisquer outras coisas
similares, e não tiveste má vontade contra
as pessoas supra mencionadas ou
semelhantes a elas, quarenta dias de jejum,
vulgo carina, como é de costume; e cinco
anos subsequentes de penitência. Porém, a
abstinência de alimentos pode ser
substituída pela misericórdia durante estes
cinco anos, de maneira que, no primeiro
ano, três dias – terças, quintas e sábados –
possas redimir com um denário, ou o
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Et in alio anno omnes ferias, excepta sexta
feria, quam semper in pane et aqua
jejunare debes, potestatem habeas
redimendi praetaxato pretio. Et sic
reliquos annos observare debes.
[21.] Si autem cum fratre tuo, vel cum
socio ibas in silvam ad succidenda ligna,
et, appropinquante casura unius arboris,
tu dicebas fratri vel socio ut fugeret, et ille
fugiens sub arbore oppressus est, innocens
eris a morte ipsius.
[22.] Si autem ex incuria tua vel
negligentia, dum ille juxta te aliam
arborem incideret, tu non praemonuisti
eum in tempore, ut praevideret casuram
arboris, et sic ex tua incuria oppressus est
et mortuus: tunc debes poenitere ut
homicida, sed tamen multo levius quam
illud quod ex industria factum est.
[23.] Occidisti seniorem tuum, vel in
concilio fuisti ut occideretur, vel uxorem
tuam, partem corporis tui? duo consilia
proponimus tibi; elige horum duorum
quod tibi charius sit. Istud unum est:
Relinque istud fragile saeculum, et
ingredere monasterium, et humiliare sub
manu abbatis: et cuncta quae tibi ab eo
fuerint imperata, simplici animo observa.
[24.] Secundum autem consilium tale est:
Arma depone, et cuncta saecularia negotia
dimitte, carnem et sagimen omnibus
diebus vitae tuae non comedas, excepto
uno die Resurrectionis Domini, et uno die
Pentecostes, et uno die Natalis Domini.
Caeteris temporibus in pane et aqua, et
interdum leguminibus et oleribus
poeniteas. In jejuniis, in vigiliis, et
orationibus, et eleemosynis persevera
omni tempore. Vinum, et medonem, et
mellitam cervisiam nunquam bibas, nisi in
illis praedictis tribus diebus. Uxorem ne
ducas, concubinam non habeas,
adulterium non facias, absque spe conjugii
preço de um denário, ou ainda ao
alimentar três pobres. E pelos outros anos
todos os dias podes redimir pelo preço pré-
estabelecido, exceto sexta-feira, no qual
deves sempre jejuar a pão e água. E assim
tu observarás os anos restantes.
21. Porém, se ias para floresta com irmão
ou amigo teu para o corte das árvores e
aproximando-se de uma árvore a ponto de
cair disseste a teu irmão ou sócio para
fugir e ele, ao fugir, foi esmagado pela
árvore, és inocente desta morte.
22. Porém, se por descuido ou negligência
uma árvore caiu enquanto ele estava junto
contigo e tu não teves tempo para adverti-
lo, de forma que não previu a queda
daquela, e deste modo por teu descuido ele
foi esmagado e morto, tu deves penitência
por um homicídio, mas muito mais leve do
que por um homicídio voluntário.
23. Mataste teu senhor, ou foste em
concílio para matá-lo, ou tua esposa, que é
parte do teu corpo? Dois conselhos
propomos a ti: elege o que tu considerares
melhor. O primeiro é: deixe o mundo
frágil e entre num mosteiro, e humilhe-se
sob as mãos do abade. Tudo que for
ordenado por ele a ti, observa com espírito
simples.
24. Porém, o segundo conselho dado é
este: depõe as armas e renuncia a todos os
negócios seculares. Não comas carne e
banha durante todos os dias, exceto no dia
da Ressurreição do Senhor, no dia de
Pentecostes e no Natal do Senhor. Nos
demais tempos tu farás penitência a pão e
água e, por vezes, legumes e vegetais. Em
jejum, vigília, oração e esmolas persevere
todo tempo. Nunca bebas vinho, hidromel
e cerveja com mel, nem mesmo naqueles
três dias preditos. Nunca tomes esposa,
não tenhas concubina, nem cometas
adultério: sem esperança de conjugue
mantenha-te perpetuamente. Nunca te
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in perpetuo maneas. Nunquam te laves in
balneo, equum non ascendas, causam
tuam et alterius in conventu fidelium non
agas. In conviviis laetantium nunquam
sedeas. In ecclesia segregatus ab aliis
Christianis post ostium humiliter stes.
Ingredientium et egredientium orationibus
suppliciter te commendes. Communione
sacri corporis et sanguinis Domini cunctis
diebus vitae tuae indignum te existimes. In
ultimo autem termino vitae tuae, pro
viatico, si observaveris consilium, ut
accipias, tibi concedimus.
[25.] Occidisti, aut in consilio fuisti ut
occideretur poenitens qui publice
poeniteret, et in ipso vestitu vel habitu
esset quo solent illi esse qui carinam
jejunant? si fecisti idipsum, debes jejunare
quod ipse inceperat, et hoc totum
observare quod retro praeceptum est de
his qui homicidia sponte et per
cupiditatem commiserunt.
[26.] Fecisti truncationem manuum, aut
pedum, aut oculos fratris tui eruisti, aut
vulnerasti aliquem? pro truncatione, quia
proximum et fratrem tuum debilem et sibi
inutilem fecisti, nisi pro furto, aut pro
latrocinio, sive pro pace communi fecisses,
unum annum graviter poenitere debes. Pro
vulnera autem, si grave est, et cicatrices
deformes habuerit, eo quod proximum
tuum et fratrem deformem reddideris,
quadraginta dies in pane et aqua
poenitere debes.
[27.] Interfecisti furem aut latronem, ubi
comprehendi poterat absque occisione, et
tamen interfecisti? quia ad imaginem Dei
creatus, et in nomine ejus baptizatus, et
sanguine ejus redemptus est, XL dies non
intres in Ecclesiam, lanea veste indutus,
ab escis et potibus qui interdicti sunt, et a
toro, a gladio et ab equitatu illos
supradictos dies te abstineas. In tertia
laves em casas de banho, não subas no
cavalo, nem faças defesa de causa tua ou
de outrem numa reunião de fieis. Não
fiques em banquetes regozijando-se. Na
Igreja, permaneças humildemente
segregado dos outros cristãos próximo da
porta. Recomendes [a ti mesmo]
humildemente em orações aos que entram
e saem [da igreja]. Considerar-te-ás
indigno da comunhão do sangue e do
corpo de Cristo todos os dias de tua vida.
[Porém,] te concederemos [a comunhão]
no último dia, antes do término de tua
vida, como viático, se observares e
aceitares os conselhos.
25. Mataste, ou participaste de um concílio
para matar um penitente que fazia
penitência publicamente, e para isso
vestiste o hábito daqueles que estão
jejuando uma carina? Si fizeste isso, deves
jejuar tão logo possas começar, e em tudo
deves observar o que se relaciona ao
preceito sobre aqueles que cometem
homicídio espontâneo e por cupidez.
26. Fizeste mutilação das mãos, ou dos
pés, ou arrancaste os olhos de teu irmão,
ou ainda feriste alguém? Por uma
mutilação que tornou débil e inutilizou teu
vizinho ou irmão, deves penitência grave
de um ano, exceto se tivesses feito isso por
furto, por latrocínio ou a favor da paz
comum. Pelos ferimentos, contudo, se são
graves e tens cicatrizes que deformam e
que tenhas transformado teu vizinho ou
irmão em [alguém] disforme, deves
quarenta dias de penitência a pão e água.
27. Mataste um gatuno ou ladrão,
conquanto pudesse prendê-lo sem matá-lo,
mas, entretanto, o mataste? Pois foste
criado à imagem de Deus e em seu nome
foi batizado e elo seu sangue redimido, 40
dias não entrarás na igreja nem vestirás
roupas de lã; abster-te-ás nos supraditos
dias de alimentos e bebidas que [te] são
interditos, do leito, do gládio e da
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autem feria, et in quinta et in sabbato
aliquo genere leguminum, vel oleribus et
pomis, vel parvis pisciculis cum mediocri
cervisia utere, et temperate. Si autem sine
odii meditatione, te tuaque liberando,
diaboli membrum interfecisti, secundum
indulgentiam dico, propter imaginem Dei,
si aliquid jejunare volueris, bonum est tibi,
et eleemosynas largiter fac. Si presbyter
eadem fecerit, non deponatur: tamen,
quandiu vivat, poenitentiam agat.
[28.] Accusasti aliquem, et per tuam
accusationem occisus est, nisi pro pace?
quadraginta dies in pane et aqua, quod
carinam vocant, cum septem sequentibus
annis poenitere debes. Si autem per tuam
delaturam debilitatus est, tres
quadragesimas per legitimas ferias
poenitere debes.
[29.] Cepisti aliquem, et tradidisti eum in
talem locum ubi aut occisus est, aut
membra ejus truncata? similiter jejunare
debes, quamvis dicas quod non ea ratione
eum illuc traderes ut vel debilitaretur vel
occideretur.
[30.] Occidisti tu ipse, aut aliquis per
tuum consilium aliquem ex ecclesiasticis
viris Deo dicatis, aut psalmistam, aut
ostiarium, aut lectorem, aut exorcistam
aut acolythum, aut subdiaconum, aut
diaconum, aut presbyterum? Si fecisti,
singulos ordines, singulos gradus
singulariter poenitere debes. Ita
faciendum est tibi, ut pro Psalmista, XL
dies in pane et aqua, quod Teutonice
carina vocatur, cum septem sequentibus
annis poeniteas. Pro ostiario similiter, pro
lectore similiter, pro exorcista similiter,
pro acolytho similiter, pro subdiacono
similiter, pro diacono similiter, pro
presbytero similiter: quia omnis presbyter
octo ordines habet. Quapropter, omnis qui
equitação. Porém, na terça-feira, na quinta
e no sábado poderás ingerir
moderadamente qualquer gênero de
legumes, ou vegetal e frutas, ou pequenos
peixes com uma normal quantidade de
cerveja. No entanto, se sem premeditar,
mas liberando o teu ódio mataste um
membro do diabo, digo, conforme a
indulgência e a imagem de Deus, se
quiseres jejuar, isto é bom para ti e
distribua esmolas largamente. Se um padre
fizer o mesmo, não será deposto, mas fará
penitência enquanto viver.
28. Acusaste alguém e por tua acusação
esta pessoa está morta, exceto a favor da
paz? Deves penitência por quarenta dias a
pão e água, que chamam de carina, pelos
sete anos subsequentes. Se, todavia,
alguém por tua delação debilitado está,
deves penitência por três quadragésimas
nos dias estabelecidos.
29. Capturaste alguém, e o levaste para um
local tal, onde esta pessoa foi morta, ou
um de seus membros foi mutilado? Deves
jejuar de forma similar,
independentemente de dizer que não
tiveste a intenção de levá-lo, debilitá-lo ou
matá-lo.
30. Mataste tu mesmo, ou pediste a outro,
por teu conselho, um dos homens da Igreja
dedicados a Deus, seja salmista, porteiro,
leitor, exorcista, acólito, subdiácono,
diácono ou padre? Se fizeste, deves
penitência por cada ordem, cada grau
singularmente. Assim, farás penitência
para o salmista por 40 dias a pão em água,
o que em língua teutônica é chamado de
carina, pelos sete anos subsequentes.
Similarmente para o porteiro, leitor,
exorcista, acólito, subdiácono, diácono e
padre: porque todo padre tem oito ordens.
Isso ocorre, porque todo aquele que matar
voluntariamente um padre deve fazer
penitência como se tivesse cometido
voluntariamente homicídios, e nunca deve
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
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interfecerit voluntarie presbyterum, ita
debet poenitere, ut octo homicidia sponte
commissa, et nunquam debet esse sine
poenitentia. Tamen, secundum
Wormaciense consilium, ita debes
poenitere: Si sacerdotem voluntarie
occideris, carnem non manduces, et vinum
non bibas cunctis diebus vitae tuae.
Jejunes quotidie usque ad vesperam,
exceptis diebus festis, atque Dominicis,
arma non feras, equum non ascendas,
ecclesiam per quinquennium non
ingrediaris, sed ante fores ecclesiae stes.
Post quinquennium ecclesiam ingredere,
nondum vero communices, sed in angulo
ecclesiae stes vel sedeas. Cum autem fuerit
duodecimi anni circulus finitus,
communicandi tibi licentia concedatur, et
equitandi tribuatur remissio. Maneas
autem in reliquis observationibus tres dies
per hebdomadam, ut perfectius purificari
merearis.
[31.] Fecisti perjurium pro cupiditate? XL
dies in pane et aqua, quod vulgus carinam
vocat, et septem sequentes annos ita
observes ut consuetudo est. Et quandiu
vivas, omnes sextas ferias in pane et aqua
jejunes. Et si redimere volueris, uno
denario, vel pretio unius denarii, vel tres
pauperes pascendo, potestatem habeas
redimendi. Tamen Poenitentialis Romanus
praecipit: Si quis per cupiditatem se
pejeraverit, omnes res suas vendat, et
pauperibus distribuat, et monasterium
ingressus, jugi poenitentia se subdat.
[32.] Fecisti perjurium sciens, et alios in
perjurium adduxisti? XL dies in pane et
aqua, quod vulgus carinam vocat,
poenitere debes, et septem sequentes
annos, ita ut consuetudo est, observare
debes. Et tot perjuria debes jejunare, quot
homines sciens ad perjurium adduxisti, et
ipsi sua perjuria emendent, ut supra
notatum est, si scientes fecerunt. Sin
[viver] sem penitência. Contudo, conforme
o Segundo Concílio de Worms, farás
penitência assim: se mataste um sacerdote
voluntariamente, não deves comer carne, e
não deves beber vinho todos os dias de tua
vida. Deverás jejuar cotidianamente até as
Vésperas [c.18h], exceto em dias de festas
e aos domingos; não portarás armas, não
subirás no cavalo, não ingressará na igreja
por cinco anos, mas permanecerás ante a
porta da igreja. Após cinco anos
ingressarás na igreja, [mas] não poderás
em verdade comungar, embora possas
tomar assento no canto da igreja. Porém,
após completados doze anos, será
concedida a ti a licença para comungar,
além de seres liberado para andar a cavalo.
Todavia, mantenhas as observações
restantes por três dias da semana para que
mereças a purificação perfeita.
[Do perjúrio]
31. Fizeste perjúrio por cupidez? [Deves
penitência por] 40 dias a pão e água, que o
povo chama de carina, e observarás os
sete anos seguintes como é de costume. E
enquanto viveres, jejuarás todas as sextas-
feiras a pão e água. E se desejas redimir-
te, podes redimir-te com um denário, ou o
valor de um denário, ou ao alimentar três
pobres. Porém, o Penitencial Romano
instrui: se aquele que por cupidez perjurar,
que venda todas as suas coisas e distribua
aos pobres, e ingresse no mosteiro, além
de submeter-se a penitência.
32. Fizeste perjúrio ciente, e induziste
outros ao perjúrio? Deves penitência por
40 dias a pão e água, que o povo chama de
carina, e deves observar os sete anos
seguintes, como é de costume. E tu deves
jejuar nos perjúrios, tanto quanto forem os
homens a quem tu, conscientemente,
induziste ao perjúrio, e [devem] eles
próprios corrigir seus perjúrios, como
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
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autem, levius.
[33.] Fecisti perjurium coactus, et pro
necessitate, aut pro vita tua? quia dilexisti
corpus plus quam animam, quadraginta
dies, id est carinam, in pane et aqua
poenitere debes, et omnes sextas ferias
quae sunt in unius anni circulo, in pane et
aqua poeniteas, et non redimas.
[34.] Promisisti meretrici vel adulterae
juramento fidem, aut aliquid tale cum
juramento promisisti, quod contra jus
canonum esset? poeniteas juramentum, et
frange jusjurandum, et illud melius et
justius est quam permanere in stupri
flagitio aut in alio aliquo malo, quia
scriptum est: «Injusta vota frangenda
sunt»6.
[35.] Si jurasti per capillum Dei, aut per
caput ejus, vel alio modo blasphemia
contra Deum usus fueras, si semel
nesciens fecisti, septem dies in pane et
aqua poeniteas.
[36.] Si secundo vel tertio, increpatus,
fecisti, XV dies in pane et aqua poeniteas.
Si per coelum aut per terram, sive per
solem vel per lunam, aut per aliam
aliquam creaturam, XV dies in pane et
aqua poeniteas.
[37.] Si sacramento te obligasti ut ad
pacem alicujus inimici tui nullo modo
redires, pro perjurio annum unum a
corpore et sanguine Domini sis
segregatus, et XL dies in pane et aqua
poeniteas: ad charitatem vero, quae operit
multitudinem peccatorum, celeriter redi.
supracitado está, se o fizeram
conscientemente. Todavia, se não o
fizeram, de maneira mais leve.
33. Fizeste perjúrio coagido, por
necessidade, ou por tua vida? [Se]
preferiste o corpo à alma, deves penitência
por quarenta dias, isto é, carina, a pão e
água, e penitenciarás todas as sextas-feiras
dentro de um ano completo, sem remissão.
[Do juramento odioso]
34. Prometeste a uma meretriz ou adúltera
um juramento de fé, ou prometeste um
outro tal juramento que vai contra o
direito canônico? [Deves] penitência pelo
juramento e por quebrá-lo, pois é melhor e
mais justo do que permanecer no flagelo
da infâmia ou em qualquer outro mal, pois
escrito está: “os votos injustos devem ser
quebrados”57.
35. Se juraste pelo cabelo de Deus ou pela
cabeça dele, ou se fizeste uso de qualquer
outra blasfêmia contra Deus, [deves]
penitência; se fizeste [uma vez] de forma
néscia, penitencia-te por sete dias a pão e
água.
36. Se, repreendido duas ou três vezes
fizeste [juras ou blasfêmias], [deves]
penitência por 15 dias a pão e água. Se
pelo céu e pela terra, ou pelo Sol e pela
Lua, ou por qualquer outra criatura,
[deves] penitência por 15 dias a pão e
água.
37. Se te obrigas, pelo sacramento, a de
modo algum fazeres a paz com aquele que
é teu inimigo, serás segregado do corpo e
do sangue do Senhor por um ano pelo
perjúrio, e [deves] penitência por 15 dias a
pão e água; mas, em verdade, restitua
rapidamente a caridade, que sobrepuja
uma multidão de pecadores.
57 RÁBANO MAURO, Poenitentia ad Otgarium, 21.
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[38.] Si definisti, vel juramento te
obfirmasti aliquid agere quod Deo non
placeret, juxta modum peccati
poenitentiam age, et hoc quod temere et
injuste definisti, in irritum revocetur. Si
aliquid te incaute jurasse contigerat, quod
observatum pejorem verteretur in exitum,
juxta synodalia decreta mutandum
decernimus, [potius] quam, te permanente
in juramento, in aliud crimen majus
devertaris.
[39.] Furatus es aliquid de ecclesiastico
thesauro infra ecclesiam, sive aurum, sive
argentum, sive gemmas, sive libros, sive
pallia altaris, sive sacerdotalia
vestimenta; sive vela, sive tapetia, sive
aliquid quod ad ecclesiae usum vel datum
est, vel factum est? si fecisti, redde quod
tulisti, et tres carinas cum septem
sequentibus annis poeniteas. Si ipsas
sacras reliquias furatus es, reportatis
sacris, septem carinas jejunare debes.
[40.] Si infregisti alicujus Christiani
domum per noctem, et ibi tulisti ejus
quadrupedia, id est aut equum aut bovem,
aut alia ejus animalia, aut fortiorem
causam valentem quadraginta solidos,
pretium redde, et annum unum per
legitimas ferias poenitere debes. Si autem
non reddis, duos annos per legitimas
ferias poenitere debes. Si majus furtum
fecisti, magis debes poenitere. Et si saepe
fecisti, tanto magis debes augere
poenitentiam. Si parvum furtum fecisti,
decem dies in pane et aqua debes
poenitere: pueri quinque dies in pane et
aqua poeniteant.
38. Se definiste ou firmaste em juramento
fazer algo que não agrada a Deus, faça
penitência conforme o modo do pecado, e
aquilo que foi estabelecido [de modo]
impensado e injusto, será considerado
nulo. Se algo que juraste de maneira
incauta aconteceu, de maneira que o mal
observado verteu em êxito, seguindo aos
decretos sinodais nós decidimos pela
correção, pois, perseverando no juramento,
seguirás para um crime ainda maior.
[Do furto]
39. És ladrão de alguma coisa do tesouro
eclesiástico de dentro da igreja, como
ouro, prata, gemas, livros, a manta do altar
ou as vestimentas sacerdotais; ou cortinas,
ou tapeçarias, ou qualquer outra coisa
utilizada pela igreja, ou [ainda] que foi
dada ou feita [para a igreja]? Se fizeste,
devolva o que tolheste e [deves] penitência
de três carinas pelos sete anos
subsequentes. Se furtaste as sacras
relíquias, devolvas o sagrado e deves
jejuar sete carinas.
40. Penetraste à força a casa de algum
cristão durante a noite e tolheste seus
quadrúpedes, isto é, um cavalo, um boi, ou
outro desses animais, ou [ainda] outra
coisa que vale mais que quarenta moedas
de ouro, devolvas o valor e deves
penitência por um ano nos dias
estabelecidos. Porém, se não devolveres,
deves penitência por dois anos nos dias
estabelecidos. Se fizeste roubo maior,
deves uma penitência maior. E se fizeste
com frequência, deves aumentar a
penitência tantas vezes mais [quanto
fizeste]. Se fizeste um roubo pequeno,
deves penitência por dez dias a pão e água;
as crianças penitenciarão por cinco dias a
pão e água.
[Da rapina]
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[41.] Si rapinam fecisti, gravius debes
poenitere: quia miserabilius est quod per
vim se vidente rapuisti, quam quod sibi,
dormiente vel absente, furatus es. Si fecisti
furtum necessitatis causa, sic dico ut non
haberes unde viveres, et propter famis
penuriam, et tantum furatus es victualia
extra ecclesiam, et non propter
consuetudinem fecisti, redde quod tulisti,
et tres sextas ferias in pane et aqua
poeniteas. Si autem reddere non poteris
decem dies in pane et aqua poeniteas.
[42.] Moechatus es cum uxore alterius, tu
non habens uxorem? XL dies in pane et
aqua, quod in communi sermone carina
vocatur, cum septem sequentibus annis
poeniteas.
[43.] Si moechatus es tu uxoratus cum
alterius uxore, quia habuisti quomodo
impleres tuam libidinem, duas carinas,
cum quatuordecim sequentibus annis
poeniteres debes, unam quia super uxorem
tuam alteram habuisti, ecce unum
adulterium, et nunquam debes esse sine
poenitentia.
[44.] Si tu solutus ab uxore cum femina
vacante stuprum perpetrasti, decem dies in
pane et aqua poeniteas, si cum propria
ancilla, similiter poeniteas.
[45.] Si dimisisti uxorem tuam, et aliam
duxisti, accipe priorem uxorem, et
carinam unam in pane et aqua cum septem
sequentibus annis poeniteas, quia scriptum
est: Quod Deus conjunxit, homo non
separet. Nulli licet uxorem suam dimittere,
nisi causa fornicationis, id est, si ipsa
adulterium cum alio perpetraverit; tunc
licet illam dimittere propter fornicationem,
41. Se fizeste rapina, deves grave
penitência: pois é mais miserável é aquele
que rouba com violência [do que] daquele
furta quem está dormindo ou ausente. Se
furtaste por necessidade, como digo, pois
não tens onde viver, e pela penúria da
fome, e furtaste o sustento fora da igreja, e
não o fizeste por costume, devolva o que
tolheste e faça três sextas-feiras de
penitência a pão e água. Porém, se não
podes devolver, dez dias de penitência a
pão e água.
[Do adultério]
42. Cometeste adultério com a esposa de
outro e tu não tens esposa? Farás
penitência de 40 dias a pão e água, o que
em língua comum é chamado de carina,
pelos próximos sete anos.
43. Se tu és casado e cometeste adultério
com a esposa de outro, de modo que
satisfizeste tua libido, deves penitência de
duas carinas, com quatorze anos
sequenciais: uma por ter tido outra à
revelia de tua esposa, e outra por adultério,
que nunca deve existir sem penitência.
[Da fornicação]
44. Se tu estás solteiro, tomaste como
esposa e perpetraste um estupro de uma
mulher livre, farás penitência de dez dias a
pão e água. Se o fizeste com tua própria
escrava, farás uma penitência similar.
45. Se tu abandonaste tua esposa, te
casaste com outra e retornaste à primeira
esposa, deves penitência de uma carina a
pão e água pelos sete anos seguintes, pois
está escrito: “Portanto, o que Deus uniu, o
homem não deve separar” 58 . Não é
permitido devolver sua esposa, exceto em
razão de fornicação, isto é, se ela
perpetrou adultério com outro. Neste caso,
58 Mt 19,6.
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
297
sed illa vivente aliam non ducere. Sed si
sic privati voluerint permanere, ut neuter
illorum se super alterum de discidio
proclamaverit, maneant sic. Si autem se de
discidio proclamaverint, tunc primum
episcopus peracta inter eos poenitentia id
est post septennem poenitentiam, si
petierint, debet eos reconciliare. Eadem
lex erit marito adversus uxorem; si ipse
adulterium perpetraverit, et si ipsa
voluerit, propter fornicationem potest
maritum dimittere, eadem ratione qua
supra de uxore adulterium perpetrante
dictum est.
[46.] Accepisti uxorem, et non fecisti
nuptias publice, et non venisti ad
ecclesiam tu et uxor tua, et non accepistis
benedictionem a sacerdote, sicut in
canonibus scriptum est, et non dotasti eam
dote qualicunque potuisti, sive terra, sive
mobilibus rebus, auro, argento, vel
mancipiis, vel animalibus, vel juxta
possibilitatem tuam: postremo, vel
denario, vel pretio unius denarii, vel
pretio unius oboli, tantum ut dotata fieret?
Si non fecisti, tres Quadragesimas per
legitimas ferias poenitere debes.
[47.] Fecisti fornicationem cum
sanctimoniali, id est cum sponsa Christi?
Si fecisti, XL dies in pane et aqua, quod
carinam vocant, cum septem sequentibus
annis poeniteas, et quandiu vivas, omnes
sextas ferias in pane et aqua observes.
[48.] Si corrupisti virginem, et postea
eamdem suscepisti uxorem, eo quod solas
nuptias, quod maximum est, violasti,
annum unum per legitimas ferias
poeniteas. Si autem non duxisti eam post
corruptionem uxorem, duos annos per
legitimas ferias poeniteas.
[49.] Accepisti illam tibi uxorem, quam
alter sibi desponsatam habuerat? dimitte
illam, quia nunquam potest tibi fieri
é permitido devolvê-la em virtude da
fornicação, mas, enquanto viver, não te
casarás com outra. Mas se permanecer em
regime privado por própria vontade e se
ambos não proclamarem a separação, que
permaneçam assim. Contudo, se ambos
proclamarem a separação (o divórcio?),
perante o bispo eles devem penitência, isto
é, após o sétimo ano da penitência, se
pedirem, ele deve reconciliá-los. A mesma
lei serve para o marido contra a esposa; se
ela perpetrou adultério, e se ela desejar,
pode devolver o marido em virtude da
fornicação, pela mesma razão supracitada
da esposa que está perpetrando adultério.
46. Aceitaste uma esposa e não fizeste
núpcias públicas, e não vieste à igreja, tu e
tua esposa, e não aceitaste a benção do
sacerdote, conforme está nos escritos
canônicos, e não a dotaste com um dote
qualquer que possuíste, seja terra, seja
bens móveis, ouro, prata, ou alimentos, ou
animais, ou algo similar dentro de tuas
possibilidades, ao menos um denário, ou
algo do valor de um denário, ou do valor
de um óbolo? Se não o fizeste, deves fazer
penitência por três quaresmas nos dias
estabelecidos.
47. Fizeste fornicação com uma freira, isto
é, com uma esposa de Cristo? Se fizeste,
farás penitência por 40 dias a pão e água, o
que chamam de carina, pelo sete anos
seguintes, e enquanto viver, observarás as
sextas-feiras a pão e água.
48. Se corrompeste uma virgem e depois a
aceitaste como esposa, por violares a noite
de núpcias, que é única, farás um ano de
penitência legítima. Contudo, se não
casaste com ela após corrompê-la, farás
penitência por dois anos nos dias
estabelecidos.
49. Aceitaste como esposa que tenha
noivado com outro? Devolva-a, pois ela
nunca lhe será legítima, e farás penitência
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
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legitima, et XL dies in pane et aqua, quod
carinam vocant, cum VII sequentibus
annis poeniteas.
[50.] Rapuisti uxorem tuam, et vi sine
voluntate mulieris, vel parentum in
quorum mundiburdio tenebatur, illam
adduxisti? Si fecisti, nec illam habere
debes, secundum canonum auctoritatem,
nec aliam unquam canones te habere
concedunt. Si autem illa consentiens non
fuerat, in Domino licentiam habeat
nubendi. Tu autem XL dies, id est,
carinam, in pane et aqua poeniteas, et VII
sequentes annos: et, quia legitima
conjugia Dei praecepto sunt ordinata, et
quia ex duobus corporibus unum ex Dei
jussu conficitur, et quia non debet fieri
legitimum conjugium nisi ex consensu
amborum et parentum, tu, qui sanctum
illud constitutum turbasti et violasti, sine
spe conjugii permaneas.
[51.] Contigit tibi ut uxor tua te conscio et
hortante cum alio viro, illa autem nolente
adulterium perpetraret? Si fecisti, XL dies,
id est, carinam, in pane et aqua poeniteas
et septem annos, unum ex his in pane et
aqua poeniteas, et nunquam sis sine
poenitentia. Si autem uxor tua hoc probare
potuerit, quod tua culpa et tuo jussu, se
renuente et reluctante, adulterata sit, si se
continere non potest, nubat cui voluerit,
tantum in Domino. Tu autem sine uxoria
spe in perpetuo permaneas. Illa autem si
consentiens fuerat, eadem jejunet quae tibi
proposita sunt, et sine spe conjugii
permaneat.
[52.] Accepisti uxorem cognatam tuam,
vel quam cognatus habuit? separari debes
ab ea, et poenitere juxta modum
cognationis: quia sancti Patres et sancta
illorum statuta incestis conjunctionibus nil
prorsus veniae reservant, neque numerum
por 40 dias a pão e água, o que chamam de
carina, pelos próximos 7 anos.
50. Raptaste tua esposa, contra a vontade
dela ou dos parentes que a protegiam, e a
levou contigo? Se o fizeste, não deves tê-
la conforme a autoridade dos cânones,
nem os cânones permitem ainda que tu
tenhas outra. Contudo, se ela não deu o
consentimento, ela tem a licença do
Senhor para casar. Porém, tu deves
penitência por 40 dias, isto é, carina, a pão
e água, pelos sete anos seguintes. E como
os casamentos legítimos são ordenados
pelos preceitos de Deus, e como dois
corpos se tornaram um sob ordem de
Deus, e por não dever fazer casamento
legítimo sem o consenso de ambos e dos
pais, tu, que conturbaste e violaste a santa
constituição, deves permanecer sem
esperança de casamento.
51. Aconteceu de que tua esposa, sob teu
conhecimento e após tua exortação,
cometeu adultério com outro homem
contra a própria vontade? Se o fizeste,
farás 40 dias de penitência, isto é, carina,
a pão e água, por sete anos; entre um
destes anos farás penitência a pão e água, e
jamais passes sem penitência. No entanto,
se tua esposa provar que ela cometeu
adultério, resistindo e relutando, por tua
falta e teu comando, se ela não pode
impedir [tal fato], que se case com quem
quiser, [mas] somente no Senhor. Todavia,
tu permanecerás perpetuamente sem
esperança de esposa. Contudo, se ela
esteve de acordo, que faça o jejum
idêntico ao proposto a ti, e permaneça sem
esperança de cônjuge.
52. Aceitaste como esposa uma parente tua
ou cognata? Deves te separar dela, e farás
penitência por cognação, pois os santos
Padres e seus santos estatutos não
reservam de forma alguma vênia às
relações incestuosas, nem mesmo definem
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
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generationum definiunt. Sed id statuerunt,
ut nulli Christiano liceat de propria
consaguinitate seu cognatione uxorem
accipere, usquem dum generatio
recordaretur, cognosceretur, aut memoria
retineretur. Quia sanctus Gregorius dicit:
"Si quis de propria cognatione, vel quam
cognatus habuit in conjugium duxerit,
anathema sit". Quapropter scire debes,
quia non est ita ut multi sacerdotes multos
seducunt, dicentes quod in ipso peccato
poenitentia esse possit. Verbi gratia, si tu
modo haberes cognatam tuam, vel uxorem
alterius, vel aliquid tale quod licitum non
esset, et velles in eo peccato permanere, et
tamen in poenitentia esse: verbi gratia, si
hodie quadraginta dies in pane et aqua
pro uno quolibet peccato peractos haberes
in poenitentia, et iterares prius peccatum,
nihil valeret poenitentia quam fecisti, juxta
id quod dicitur: "Sicut canis qui redit ad
vomitum suum, et sues ad volutabra sua",
ie erit peccatori qui redit ad pecatum prius
confessum. Quapropter scias vere, dum in
ipso peccato fueris, poenitentia ejusdem
peccati nihil valet.
[53.] Concubuisti cum uxore tua vel cum
alia aliqua retro, canino more? Si fecisti,
decem dies in pane et aqua poeniteas.
[54.] Junxisti uxori tuae menstruo
tempore? si fecisti, decem dies in pane et
aqua poeniteas. Mulier tua si intraverit
ecclesiam ante mundum sanguinem post
partum, tot dies poeniteat, quot ecclesia
carere debuerat. Si autem concubuisti cum
ea his diebus, viginti dies in pane et aqua
poeniteas.
o número de gerações. Mas estabelecem
que a nenhum cristão seja permitido
aceitar como esposa [alguém] da própria
consanguinidade ou de cognação até que
as gerações recordem, conheçam e a
memória retenha. Pois são Gregório disse:
“Se alguém toma como esposa uma
consanguínea ou cognata, que seja
excomungado”. Porque deves saber, como
se segue, que muitos padres seduzem a
muitos, dizendo que é possível fazer uma
penitência por um pecado. Por exemplo, se
tu tiveres uma cognata tua ou a esposa de
outro [parente], de maneira que a união
não é lícita, e desejas permanecer no
pecado, e também fazer penitência. Nesse
exemplo, se estiveres em penitência por
quarenta dias completos a pão e água para
que te liberes do pecado, mas reiterares o
pecado anterior, de nada vale a penitência
que fizeste, pois já foi dito que “assim
como o cão retornou ao seu próprio
vômito, a porca [lavada] retornou para sua
pocilga”59, tal qual o pecador que retorna
ao pecado anteriormente confesso. Pois,
saibas em verdade que, enquanto estiveres
em pecado, de nada valerá contra este a
penitência.
[Do abuso do conjugue]
53. Copulaste com tua esposa ou com
outra mulher por trás, a maneira dos cães?
Se tu o fizeste, farás penitência por dez
dias a pão e água.
54. Uniste-te a tua esposa no período da
menstruação? Se tu o fizeste, farás
penitência por dez dias a pão e água. Se
tua mulher adentrar a igreja antes de
purificar-se do sangue do pós-parto, ela
fará penitência por tantos dias quantos
dever como carência à igreja. Se tu
copulaste com ela nesses dias, farás
penitência por vinte dias a pão e água.
59 O texto original é “Cumpriu-se neles a verdade do provérbio: o cão voltou ao seu próprio vômito, e: ‘a
porca lavada tornou a revolver-se na lama’.” (2Pe 2,22).
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
300
[55.] Concubuisti cum uxore tua postquam
infans motum in utero fecerat? vel saltem
XL dies ante partum? Si fecisti, XX dies in
pane et aqua poeniteas.
[56.] Concubuisti cum uxore tua post
manifestatam conceptionem? decem dies
in pane et aqua poeniteas.
[57.] Concubuisti cum uxore tua die
dominica? quatuor dies in pane et aqua
poenitere debes.
[58.] Coinquinatus es cum uxore tua in
Quadragesima? XL dies in pane et aqua
poenitere debes, aut XXVI solidos in
eleemosynam dare. Si per ebrietatem
evenit, XX dies in pane et aqua poeniteas.
Viginti dies ante Natalem Domini, et
omnes dies Dominicos, et in omnibus
legitimis jejuniis, et in natalitiis
apostolorum, et in praecipuius festis et in
publicis, castitatem debes custodire. Si
autem non custodisti, XL dies in pane et
aqua poeniteas.
[59.] Fuisti in falso testimonio, ita dico ut
testimoniares et affirmares hoc verum esse
quod falsum erat, et hoc fecisti propter
amorem alicujus, sive per praemium, sive
propter timorem? Si fecisti, ita debes
poenitere sicut adulterium, et homicidia
sponte commissa, Domino dicente: De
corde enim exeunt homicidia, adulteria,
furta, falsa testimonia. Et ideo debet
similiter poenitere et excommunicari
falsus testis, sicut adulter, et fur, et
homicida. Si propter timorem fecisti illius
a quo timere potuisti, et membra perdere,
aut vitam, et ad ultimum bona tua, tunc
divide poenitentiam, et postea praevide ne
tibi ulterius contingat.
55. Copulaste com tua esposa após uma
criança ter feito movimento no útero, ou
quarenta dias antes do parto? Se tu o
fizeste, farás penitência por 20 dias a pão e
água.
56. Copulaste com tua esposa após
manifestada a concepção? Farás penitência
por dez dias a pão e água.
57. Copulaste com tua esposa no dia do
Senhor? Deves fazer penitência por quatro
dias a pão e água.
58. Polui-se com tua esposa na Quaresma?
Deves fazer 40 dias de penitência a pão e
água ou doarás 26 moedas como esmola.
Se ocorrer por embriaguez, farás
penitência por 20 dias a pão e água; vinte
dias antes do Natal e todos os dias do
Senhor (domingos?), além de todos os
jejuns legítimos, dos aniversários dos
apóstolos, em festas precípuas e nas
públicas, deves guardar a castidade.
Todavia, se não a aguardares, farás
penitência por 40 dias a pão e água.
[Do falso testemunho]
59. Caíste em falso testemunho, e deste
modo testemunhaste e afirmaste que era
verdadeiro o que era falso, e o fizeste por
amor de alguém, por um prêmio ou por
temor? Se tu o fizeste, deves fazer
penitência como por adultério e homicídio
cometido voluntariamente, pois o Senhor
disse: “Com efeito, é do coração que
procedem os homicídios, adultérios,
roubos [e] falsos testemunhos” 60 . E,
portanto, quem pratica o falso testemunho
deves fazer penitência e ser excomungado
similarmente ao adúltero, ao ladrão e ao
homicida. Se tu o fizeste por temor
daquele que poderia [te fazer] perder teus
membros, tua vida ou teus bens, então
dividas a penitência, prevendo que depois
60 Cf. Mt. 15,19.
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
301
[60.] Violasti sepulcrum, ita dico, dum
aliquem videres sepelire, et in nocte
infrigeres sepulcrum et tolleres vestimenta
ejus? Si fecisti, II annos per legitimas
ferias poeniteas.
[61.] Consuluisti magos, et in domum
tuam induxisti exqurendi aliquid arte
malefica, aut expiandi causa, vel
paganorum consuetudinem sequens,
divinos qui tibi divinarent, ut futura ab eis
requireres quasi a propheta, et illos qui
sortes exercent, vel qui per sortes sperant
se futura praescire, vel illos qui vel
auguriis vel incantationibus inserviunt, ad
te invitasti? Si fecisti, duos annos per
legitimas ferias poeniteas.
[62.] Si observasti traditiones paganorum,
quas, quasi haereditario jure diabolo
subministrante, usque in hos dies semper
patres filiis reliquerunt, id est ut elementa
coleres, id est lunam aut solem, aut
stellarum cursum, novam lunam, aut
defectum lunae, ut tuis clamoribus aut
auxilio splendorem ejus restaurare
valeres, aut illa elementa tibi succurrere
aut tu illis posses, aut novam lunam
observasti pro domo facienda aut
conjugiis sociandis? Si fecisti, duos annos
per legitimas ferias poeniteas, qui
scriptum est "Omne qodcunque facitis in
verbo et in opere, omnia in nomine
Domini nostri - Jesu Christi facite".
[63.] Observasti Kalendas Januaris ritu
paganorum, ut vel aliquid plus faceres
propter novum annum quam antea, vel
post soleres facere, ita dico ut aut mensam
tuam cum lapidibus vel epulis in domo tua
não te aconteça posteriormente.
[Sobre as artes mágicas]
60. Tu violaste uma tumba, quero dizer,
após tu veres alguém enterrado, tu saíste à
noite, abriste a tumba e tomaste as roupas
do morto? Se tu o fizeste, farás penitência
por dois anos nos dias estabelecidos.
61. Tu consultaste mágicos, levando-os
para sua casa para procurar obter uma arte
maléfica, ou para punir, ou, seguindo o
costume dos pagãos, tu convidaste
adivinhos para interrogar sobre o futuro,
quase como se fossem os profetas, ou tu
convidaste aqueles que lançam a sorte, ou
aqueles que esperam prever o futuro ao
lançar a sorte, ou aqueles que se valem de
augúrios e encantamentos? Se tu o fizeste,
farás penitência por dois anos nos dias
estabelecidos.
62. Se tu guardaste as tradições dos
pagãos, que, dos dias passados até os
nossos dias, os pais transmitem aos filhos,
como se por um direito hereditário
estabelecido pelo diabo, isto é, tu tens
cultuado os elementos, a lua ou o sol, ou o
curso das estrelas, a lua nova ou o eclipse
da lua, cuja luz tu esperas restaurar através
de teus clamores ou com tua ajuda? Tu
tens usado esses elementos para tentar
trazer
ajuda para si ou tu para eles, ou tens
consultado a lua nova antes de construir
algo ou casar-te? Se tu o fizeste, farás
penitência por dois anos nos dias
estabelecidos, pois está escrito: “Qualquer
coisa que fizerdes em palavras ou obras,
fazei em nome de nosso Senhor Jesus
Cristo” [Cl. 3,17].
63. Tu tens guardado as calendas de
Janeiro para os ritos pagãos, de forma que
ou faças algo a mais porque é um novo
ano ou que deverias fazer normalmente,
antes ou depois dele, a saber, tu
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praeparares eo tempore, aut per vicos et
per plateas cantores et choros duceres, aut
supra tectum domus tuae sederes, ense tuo
circunsignatus, ut ibi videres et
intelligeres quid tibi in sequenti anno
futurum esset vel in bivio sedisti supra
taurinam cutem, ut et ibi futura tibi
intelligeres? Vel si panes praedicta nocte
coquere fecisti tuo nomine, ut, si bene
elevarentur, et spissi et alti fierent, inde
prosperitatem tuae vitae eo anno
praevideres? Ideo, quia Deum creatorem
tuum dereliquisti, et ad idola vana te
convertisti, et apostata effectus es, duos
annos per legitimas ferias poeniteas.
[64.] Fecisti ligaturas, et incantationes, et
illas varias fascinationes quas nefarii
homines, subulci, vel bubulci, et interdum
venatores faciunt, dum dicunt diabolica
carmine super panem aut super herbas, et
super quaedam nefaria ligamenta, et haec
aut in arbore abscondunt, aut in bivio aut
in trivio projiciunt, ut aut sua animalia vel
canes liberent a peste et a clade, et
alterius perdant? Si fecisti, duos annos per
legitimas ferias poeniteas.
[65.] Interfuisti, aut consensisti
vanitatibus quas mulieres exercent in suis
lanificiis, in suis telis, quae, cum ordiuntur
telas suas, sperante se utrumque posse
facere, cum incantationibus et cum
aggressu illarum, ut et fila staminis, et
subtegminis in invicem ita commisceantur
[ut], nisi his, iterum aliis diaboli
incantationibus econtra subveniant, totum
pereat? Si interfuisti, aut consensisti,
triginta dies poeniteas in pane et aqua.
[66.] Collegisti herbas medicinales cum
prepararias naqueles dias tua mesa com
pedras ou um festim, ou conduzirias
cantores e dançarinos através das ruas e
lugares, ou sentar-te-ias no telhado de sua
casa, traçando com a espada um círculo
em torno de ti no intuito de ver e saber o
que irá acontecer contigo no ano seguinte?
Ou tu te sentaste numa encruzilhada sobre
uma pele de touro para conhecer teu
futuro? Ou tu assaste pães em teu nome na
noite prevista, e, se eles crescessem firmes
e altos, a partir disso tu poderias adivinhar
que tua vida seria próspera no ano novo?
Se assim for, porque tu abandonaste Deus,
teu criador, e te converteste aos vãos
ídolos e te tornaste um apóstata, farás
penitência por dois anos nos dias
estabelecidos.
64. Tu amarraste nós, ou encantamentos,
ou ainda outros vários feitiços que homens
ímpios, guardadores de porcos, vaqueiros,
e alguns caçadores fazem enquanto
recitam cantos diabólicos sobre o pão,
ervas e certas bandagens ímpias, e ainda
escondeste esses [objetos] numa árvore ou
atiraste-os em bifurcações ou cruzamentos
de caminhos, no objetivo de livrar teus
animais ou cães da pestilência, ou
destruição, ou para arruinar o gado de
alguém? Se tu o fizeste, farás penitência
por dois anos nos dias estabelecidos.
65. Tu participaste ou consentiste com
aquelas coisas vãs que as mulheres fazem
em suas telas durante o trabalho com a lã,
aquilo que ao começarem sua tecelagem,
esperando que possam fazer isso acontecer
por encantamentos, ou pelo fechamento da
trama delas, de forma que os fios das
tramas e das urdiduras fiquem tão unidos
que, a menos que ocorra algum
encantamento diabólico contrário, toda a
peça irá ruir? Se tu participaste ou
aprovaste isto, farás penitência por trinta
dias a pão e água.
66. Tu tens coletado ervas medicinais
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
303
pravis incantationibus nisi cum symbolo et
Dominica oratione, id est cum Credo in
Deus et Pater noster cantando? Si aliter
fecisti, decem dies in pane et aqua
poeniteas.
[67.] Venisti ad aliquem locum ad
orandum nisi ad ecclesiam vel ad alium
locum religiosum quam episcopus tuus vel
tuus sacerdos tibi ostenderet, id est vel ad
fontes, vel ad lapides, vel ad arbores, vel
ad bivia, et ibi aut candelas aut faculam
pro veneratione loci incendisti, aut panem
aut aliquam oblationem illuc detulisti, aut
ibi commedisti, aut aliquam salutem
corporis aut animae ibi requisisti? Si
fecisti, aut consisti, tres annos per
legitimas ferias poeniteas.
[68.] Requisisti sortes in codicibus vel in
tabulis, ut plures solent, qui in Psalteriis et
in Evangeliis, vel in aliis hujuscemodi
rebus sortiri praesumant? Si fecisti, decem
dies poeniteas in pane et aqua.
[69.] Credidisti unquam vel particeps
fuisti illius perfidiae, ut incantatores et qui
se dicunt tempestatum immissores esse,
possent per incantationem daemonum aut
tempestates commovere aut mentes
hominum mutare? Si credidisti, aut
particeps fuisti, annum unum poeniteas
per legitimas ferias.
[70.] Credidisti aut particeps fuisti illius
incredulitatis, ut aliqua feminina sit, quae
per quaedam maleficia et incantationes
mentes hominum permutare possit, id est
aut de hodium in amore, aut de amore in
hodium, aut bona hominum
fascinationibus suis subripere possit? Si
credi disti, aut particeps fuisti, unum
annum per legitimas ferias poeniteas.
recitando encantamentos ímpios e não
cantando o símbolo e a oração dominical,
a saber, o Credo e a Oração do Senhor?
Caso contrário, se tu o fizeste, farás
penitência por dez dias a pão e água.
67. Tu foste a qualquer lugar para orar que
não seja uma igreja ou outro lugar
religioso que seu bispo ou clérigo
designara a ti, como, por exemplo, fontes,
rochas, árvores ou encruzilhadas, e tu
acendeste velas ou uma pequena tocha
para venerar este lugar, e tu trouxeste pão
ou alguma oferenda, ou tu comeste ali ou
pediste algo pela saúde de teu corpo ou de
tua alma? Se tu o fizeste ou consentiste,
farás penitência por três anos nos dias
estabelecidos.
[Sobre a Divinação]
68. Tu tens tirado a sorte nos livros ou
tábuas escritas, como muitos costumam
fazer com os Salmos e os Evangelhos, ou
outra escolha similar que considerem para
tirar a sorte? Se tu o fizeste, farás
penitência por dez dias a pão e água.
69. Tu alguma vez creste ou participaste
de certa perfídia, que encantadores e
aqueles que dizem poder instigar as
tempestades e, por encantamentos
demoníacos, atiçar tempestades e mudar o
pensamento dos homens? Se tu acreditaste
ou foste partícipe, farás penitência por um
ano nos dias estabelecidos.
70. Tu creste ou participaste de certa
crença falsa, que uma mulher, por
malefícios ou encantamentos, pode mudar
os pensamentos dos homens, ou seja, o
ódio em amor, ou o amor em ódio, ou que
poderia desviar sorrateiramente os bens
dos homens com os seus feitiços? Se tu
acreditaste ou foste partícipe, farás
penitência por um ano nos dias
estabelecidos.
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
304
[71.] Credidisti ut aliqua femina sit, quae
hoc facere possit, quod quaedam, a
diabolo deceptae, se affirmant necessario
et ex praecepto facere debere, id est cum
daemonum turba in similitudinem
mulierum transformatam, quam vulgaris
stultitia hic strigam holdam vocat, certis
noctibus equitare debere super quasdam
bestias, et in eorum se consortio
annumeratam esse? Si particeps fuisti
illius incredulitatis, annum unum per
legitimas ferias poenitere debes.
[72.] Maledixisti patri vel matri tuae, vel
flagellasti, vel aliquo dehonestasti? Si
fecisti, quadraginta dies, unam carinam,
in pane et aqua, cum septem sequentibus
annis poeniteas, quia Dominus dixit: “Qui
maledixerit patri suo, vel matri, morte
moriatur”.
[73.] Tulisti aliquid de ecclesiastico
thesauro? Si fecisti, in quadruplum
restitue, aut tres annos per legitimas ferias
poeniteas.
[74.] Deduxiste vel transmisisti vel
vendidisti aliquem hominem in
captivitatem, nisi pro pace communi? Si
fecisti, reduc eum si poteris; sin autem,
duos annos per legitimas ferias poeniteas.
[75.] Concremasti domum vel aream
alterius, odii meditatione? Si fecisti, redde
damnum, et unum annum per legitimas
ferias poeniteas.
[76.] Solvisti jejunium in Quadragesima,
antequam vespertinum celebraretur
officium, nisi propter infirmitatem? Si
71. Tu creste que uma mulher pode fazer o
que algumas alegam, enganadas pelo
demônio, que precisam fazer por
necessidade ou por ordem, nomeadamente
com uma multidão de demônios
metamorfoseados em semelhança a uma
mulher, que a ralé tola chama Hulda, a
bruxa, e que durante certas noites elas
montam sobre as bestas e encontram-se
numa assembleia? Se tu foste partícipe
desta incredulidade, deves fazer penitência
por um ano nos dias estabelecidos.
[Sobre o Sacrilégio]
72. Maldisseste teu pai e tua mãe, ou
flagelaste, ou ainda desonraste? Se tu o
fizeste, farás penitência por quarenta dias
– uma carina – a pão e água pelos
próximos sete anos, pois disse o Senhor:
“Quem amaldiçoar seu pai ou sua mãe,
será morto”61.
73. Tolheste algo do tesouro eclesiástico?
Se tu o fizeste, restituirás o quádruplo ou
farás penitência por três anos nos dias
estabelecidos.
74. Conduziste, transmitiste ou vendeste
qualquer homem cativo, exceto pela paz
da comunidade? Se tu o fizeste, faça-o
retornar, se puderes, se não, farás
penitência por dois anos nos dias
estabelecidos.
75. Consumiste [com fogo] uma casa ou
área de outrem por ódio premeditado? Se
tu o fizeste, redime o dano e farás
penitência por um ano nos dias
estabelecidos.
[Desdém sobre o jejum]
76. Libertaste-te do jejum na Quaresma
antes da celebração do ofício vespertino,
exceto por enfermidade? Se o fizeste, para
61 Ex 21,17.
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
305
fecisti, pro unoquoque die tres dies in
pane et aqua poenitere debes: quia
canones praecipiunt, quod in
Quadragesima currendum sit ad missam,
et auditis missarum solemnitatibus et
vespertinis officiis, largitis eleemosynis,
ad cibum accedendum esse. Si autem
aliquis necessitate constrictus fuerit, ut ad
ecclesiam venire non possit, et missam
audire non possit, aestimata vespertina
hora, completa oratione, jejunium solvat.
[77.] Contempsisti indictum jejunium a
sancta Ecclesia, et noluisti illud observare
cum caeteris Christianis? XX dies in pane
et aqua poeniteas.
[78.] Solvisti jejunium Quatuor temporum,
et non custodisti illud cum caeteris
Christianis? XL dies in pane et aqua
poeniteas.
[79.] Jejunasti diem Dominicum propter
abstinentiam et religionem? XX dies in
pane et aqua poeniteas.
[80.] Si non observasti jejunium Litaniae
majoris, et dierum Rogationum, et
vigiliarum sanctorum, XX dies in pane et
aqua poeniteas.
[81.] Coegisti publice poenitentem
manducare et bibere ultra id quod sibi
imperatum fuerat, nisi ad praesens pro eo
eleemosynam dedisses? Si fecisti, decem
dies in pane et aqua poeniteas.
[82.] Contempsisti aliquem cum tu
jejunares, qui jejunare non poterat et
manducabat? Si fecisti, quinque dies in
pane et aqua poeniteas.
[83.] Solvisti jejunium in Coena Domini,
et in Sabbato sancto, ut in illis duobus
diebus frequentius comederes quam in
cada dia, deves penitência por três dias a
pão e água. Porque os cânones prescrevem
que no decorrer da Quaresma é preciso ir à
missa e ouvir a missa solene e o ofício da
tarde, além de fazer grandes esmolas de
alimentos às casas das almas. Contudo, se
alguém, exceto por necessidade, não puder
vir à igreja e não puder ouvir a missa na
hora vespertina estimada, que faça a
oração completa e estará liberado do
jejum.
77. desdenhaste o jejum indicado pela
santa Igreja e recusaste a observá-lo como
os outros Cristãos? Farás penitência por 20
dias a pão e água.
78. Rompeste o jejum dos Quatro tempos
e não os fez respeitar entre os outros
cristãos? Farás penitência por 40 dias a
pão e água.
79. Jejuaste no dia do Senhor por
abstinência e pela religião? Farás
penitência por 20 dias a pão e água.
80. Se tu não observaste os jejuns das
Litanias maiores62, do dia das Rogações63
e da Vigília dos Santos64, farás penitência
por 20 dias a pão e água.
81. Coagiste publicamente um penitente a
comer e beber outra coisa que lhe foi
ordenado? Exceto se por isso tu
distribuíste esmola, farás penitência por
dez dias a pão e água.
82. Fizeste pouco de alguém enquanto tu
jejuavas, alguém que não poderia jejuar
[mas] comera? Se fizeste, farás penitência
por cinco dias a pão e água.
83. Rompeste o jejum da Ceia do Senhor e
no sábado santo, de maneira que durante
estes dois dias tu comeste com frequência
62 25 de Abril. 63 Entre a segunda e a quarta-feira anteriores a Festa da Ascensão. 64 1 de Novembro.
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
306
reliquis Quadragesimae diebus, excepto in
coena, vel infirmitatis causa? Si fecisti,
decem dies in pane et aqua poeniteas.
[84.] Habuisti in consuetudine ut plus
comederes et biberes quam tibi necesse
esset? Si fecisti, decem dies in pane et
aqua poeniteas, quia Dominus dicit in
Evangelio: «Videte ne graventur corda
vestra in crapula et ebrietate.»
[85.] Bibisti unquam tantum, ut per
ebrietatem vomitum faceres? Si fecisti,
quindecim dies poeniteas in pane et aqua.
[86.] Inebriasti te unquam per jactantiam,
ita dico ut gloriareris in hoc quod alios in
potu vincere posses, et sic, per tuam
vanitatem et per tuam exhortationem, te et
alios ad ebrietatem perduxisti? Si fecisti,
triginta dies poeniteas in pane et aqua.
[87.] Fecisti vomitum corporis et
sanguinis Domini propter ebrietatem? Si
fecisti, quadraginta dies in pane et aqua
poeniteas.
[88.] Si per nequitiam alium inebriasti, XX
dies in pane et aqua poeniteas. Si per
bonam voluntatem, X dies in pane et aqua
poeniteas.
[89.] Neglexisti ut non acciperes corpus et
sanguinem Domini, istis quatuor
temporibus, id est in coena Domini, et in
Pascha, et in Pentecoste, et in Natali
Domini, et totam Quadragesimam non te
sustinuisti a coitu, et postea in aliis
praedictis temporibus aut septem dies, aut
maior do que durante os dias restantes da
Quaresma, exceto na ceia por causa de
enfermidade? Se fizeste, farás penitência
de 10 dias a pão e água.
[Sobre a gula e a embriaguez]
84. Estás habituado a comer e beber mais
do que te é necessário? Se sim, tu farás
penitência por dez dias a pão e água,
porque assim disse o Senhor nos
Evangelhos: “Cuidado para que vossos
corações não fiquem pesados pela
devassidão e embriaguez”65.
85. Bebeste tanto que vomitaste por
embriaguez? Se fizeste, farás penitência
por quinze dias a pão e água.
86. Alguma vez inebriaste-te por jactância,
assim digo, de maneira que te glorificaste
naquilo em que podes vencer os outros -
em beber - e assim, por tua vaidade e por
tua exortação, conduziste a ti mesmo e a
outros à embriaguez? Se fizeste, [farás]
trinta dias de penitência a pão e água.
87. Vomitaste o corpo e o sangue do
Senhor por embriaguez? Se fizeste, farás
penitência por quarenta dias a pão e água.
88. Se por más razões embriagaste outro
[homem], farás penitência por 20 dias a
pão e água. Se por boa vontade, farás
penitência por 10 dias a pão e água.
[Da irreligiosidade]
89. Negligenciaste e não recebeste o corpo
e o sangue do Senhor nos Quatro tempos,
isto é, na Ceia do Senhor, na Páscoa, no
Pentecostes e na Natividade do Senhor, e
em toda Quaresma não suspendeste o
coito, e após os tempos mencionados, sete
ou cinco dias antes de receber o corpo
65 Lc 21,34.
Revista Signum, 2016, vol. 17, n. 1.
307
quinque dies ante acceptionem sacri
corporis Domini? Si ista neglexisti, XX
dies in pane et aqua debes poenitere.
[90.] Sprevisti missam vel orationem, vel
oblationem conjugati presbyteri, ita dico
ut nolles tua peccata sibi confiteri, vel ab
eo accipere corpus et sanguinem Domini,
ob hoc quia peccator tibi esse videretur?
Si fecisti, unum annum per legitimas ferias
poeniteas.
[91.] Credidisti aut particeps fuisti illius
incredulitatis, quod quaedam sceleratae
mulieres retro post Satanam conversae,
daemonum illusionibus et phantasmatibus
seductae, credunt et profitentur se
nocturnis horis cum Diana paganorum
dea, et cum innumera multitudine
mulierum equitare super quasdam bestias,
et multa terrarum spatia intempestae
noctis silentio pertransire, ejusque
jussionibus velut dominae obedire, et
certis noctibus ad ejus servitium evocari?
Sed utinam hae solae in perfidia sua
perissent, et non multos secum in
infirmitatis interitum pertraxissent! Nam
innumera multitudo, hac falsa opinione
decepta, haec vera esse credit, et credendo
a recta fide deviat, et in errore paganorum
volvitur, cum aliquid divinitatis aut
numinis extra unum Deum esse arbitratur.
Sed diabolus transformat se in diversarum
personarum species atque similitudines, et
mentem, quam captivam tenet, in somnis
deludens, modo laeta, modo tristia, modo
incognitas personas ostendens, per devia
quaeque deducit, et cum solus spiritus hoc
patitur, infidelis mens haec non in animo,
sed in corpore evenire opinatur. Quis enim
non in somnis et nocturnis visionibus extra
seipsum educitur, et multa videt
dormiendo quae nunquam viderat
vigilando? Quis vero tam stultus et hebes
sit qui haec omnia, quae in solo spiritu
sagrado do Senhor? Se negligenciaste,
farás penitência por 20 dias a pão e água.
90. Desprezaste a missa, ou a oração, ou
ainda a oblação de um padre casado, assim
digo, de maneira que não desejaste
confessar teus pecados para ele ou receber
dele o corpo e o sangue do Senhor porque
te parece que ele foi um pecador? Se
fizeste, farás penitência por um ano nos
dias estabelecidos.
[Também sobre as artes mágicas]
91. Acreditaste ou foste partícipe de
incredulidade, pois certas mulheres
celeradas depois de reconvertidas a
Satanás, seduzidas pela ilusão e
fantasmagoria demoníaca, ao crer e
professar que, em certas horas noturnas,
com a deusa pagã Diana, assim como com
uma multidão inumerável de mulheres,
cavalgam sobre animais e percorrem um
grande espaço de terras no silêncio da
noite, obedientes as ordens dela como se
fosse uma nobre senhora, e que em
algumas noites elas são chamadas para seu
serviço? Antes elas perecessem sós em sua
perfídia sem arrastar muitos para a
enfermidade da ruína! Com efeito, uma
multidão inumerável, iludida por esta falsa
opinião, crê que ela é verdadeira e, ao
acreditar, desvia-se da verdadeira fé e
volta para o erro dos pagãos, ao julgar que
existe algo divino ou deífico além do
único Deus. Mas o diabo se transforma e
pode [assumir] forma e semelhança a
diversas pessoas, iludindo com sonhos a
mente daquela que ele mantém cativo, ora
de maneira regozijante, ora de maneira
triste, ora revelando pessoas
desconhecidas, desviando-as [do certo] e,
enquanto apenas o espírito é afetado, a
mente do infiel pensa que isso ocorre não
na alma, mas na matéria. Quem, com
efeito, não é levado em sonho ou em
visões noturnas para fora de si próprio e vê
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fiunt, etiam in corpore accidere
arbitretur? Cum Ezechiel propheta
visiones Domini in spiritu, non in corpore,
vidit et audivit, sicut ipse dicit: «Statim,
inquit, fui in spiritu.» Et Paulus non audet
se dicere raptum in corpore. Omnibus
itaque publice annuntiandum est quod qui
talia et his similia credit, fidem perdit: et
qui fidem rectam in Deo non habet, hic
non est ejus, sed illius in quem credit, id
est diaboli. Nam de Domino nostro
scriptum est: «Omnia per ipsum facta
sunt, et sine ipso factum est nihil.» Si
credidisti has vanitates, duos annos per
legitimas ferias poeniteas.
[92.] Observasti excubias funeris, id est
interfuisti vigiliis cadaverum mortuorum
ubi Christianorum corpora ritu
paganorum custodiebantur, et cantasti ibi
diabolica carmina, et fecisti ibi saltationes
quas pagani diabolo docente
adinvenerunt; et ibi bibisti, et cachinnis
ora dissolvisti, et, omni pietate et affectu
charitatis postposito, quasi de fraterna
morte exsultare visus es? Si fecisti, XXX
dies in pane et aqua poeniteas.
[93.] Fecisti phylacteria diabolica, vel
caracteres diabolicos quos quidam
diabolo suadente facere solent, vel herbas,
vel succinos; vel quintam feriam in
honorem Jovis honorasti? Si fecisti vel
consensisti, quadraginta dies in pane et
aqua poeniteas.
[94.] Conspirasti cum aliis insidiatoribus
contra episcopum tuum, aut adversus
muitas coisas dormindo que nunca viu
acordado? Mas quem é tão estulto e tolo
para arbitrar que isso tudo que aconteceu
apenas no espírito também ocorreu no
corpo? Quando o profeta Ezequiel teve
visões do Senhor no espírito, não em
corpo, viu e ouviu, de maneira que ele
mesmo disse: “Enquanto falava, entrou em
mim o espírito”66. E de Paulo não se ouviu
dizer que foi levado de corpo67. Eu faço
declarar publicamente a todos aqueles que
creram nessas coisas ou similares que
perderam a fé, e que não tem a fé reta em
Deus, e que não creem nele, mas em outro,
isto é, no diabo. Pois por nosso Senhor
está escrito: “Tudo foi feito por meio dele
e sem ele nada foi feito” 68 . Se creste
nessas vaniloquências, farás penitência por
dois anos nos dias estabelecidos.
92. Observaste o respeito funeral, isto é,
fez parte da vigília dos mortos onde corpos
cristãos eram guardados em ritos pagãos, e
cantaste cantos diabólicos ali, e fizeste
danças ali que os pagãos inventaram,
instruídos pelo diabo; e bebeste ali e
dissolveste-te em gargalhada, e, deixando
de lado toda piedade e afeto de caridade,
estás quase em júbilo pela morte de seu
irmão? Se fizeste, [deves] penitência por
30 dias a pão e água.
93. Fizeste talismãs diabólicas ou
caracteres diabólicos que certas pessoas se
acostumaram a fazer induzidos pelo diabo,
ou honraste ervas ou âmbares, ou a quinta-
feira em homenagem a Júpiter, ou honraste
a quinta-feira em homenagem a Júpiter69?
Se fizeste ou consentiste, [deves]
penitência por quarenta dias a pão e água.
94. Conspiraste com outros insidiadores
contra teu bispo ou contra seus
66 Ez 2,2. 67 “Conheço um homem em Cristo que, há quatorze anos, foi arrebatado ao terceiro céu — se em seu
corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe!” (2Co 12,2). 68 Jo 1,3. 69 Referência ao deus Þórr/Donar/Thunar/Thuner.
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cooperatores suos, ita dico [ut] vel
doctrinam vel praecepta tui episcopi vel
presbyteri irrideres vel subsannares? Si
fecisti, quadraginta dies in pane et aqua
poeniteas.
[95.] Comedisti aliquid de idolothyto, id
est de oblationibus quae in quibusdam
locis ad sepulcra mortuorum fiunt, vel ad
fontes, aut ad arbores, aut ad lapides, aut
ad bivia, aut portasti in aggerem lapides,
aut capitis ligaturas ad cruces quae in
biviis ponuntur? Si fecisti, aut consentiens
in aliquibus fuisti, triginta dies in pane et
aqua poeniteas.
cooperadores, quero dizer, zombaste ou
riste da doutrina ou dos preceitos de teu
bispo ou padre? Se fizeste, [deves]
penitência por quarenta dias a pão e água.
95. Comeste qualquer coisa dos ídolos,
isto é, oblações preparadas em certos
locais junto à tumba dos mortos, ou junto
às fontes, ou às árvores, ou às pedras, ou
às encruzilhadas, ou portaste pedras para
uma pilha, ou puseste grinaldas nas cruzes
que estão nas encruzilhadas? Se fizeste ou
consentiste em alguma dessas coisas,
[deves] penitência por trinta dias a pão e
água.