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IGREJA LUTERANA Revista Semestral de Teologia

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IGREJA LUTERANARevista Semestral de Teologia

IGREJA LUTERANA

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DiretorGerson Luis Linden

ProfessoresAcir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Gerson Luis Linden, Leo-poldo Heimann, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz

Professores EméritosDonaldo Schüler, Paulo F. Flor Norberto Heine

SEMINÁRIO CONCÓRDIA

IGREJA LUTERANAISSN 0103-779XRevista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho EditorialPaulo P. Weirich (Editor), Gerson L. Linden e Acir Raymann

Assistência AdministrativaIvete Terezinha Schwantes e Alisson Jonathan Hann

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografi a Bíblica Latino-Americana e Old Testament Abstracts.

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com endereço e selado.

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SUMÁRIO

IGREJA LUTERANA

Volume 71 – Novembro 2012 - Número 2

ARTIGOS

A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO NA VIDA DE JESUS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A MISSÃO DA IGREJA: UM ESTUDO NO EVANGELHO DE MARCOS 5Clécio Leocir Schadech

XII - DE OUTRAS FACÇÕES E SEITAS, QUE NUNCA ABRAÇARAM A CONFISSÃO DE AUGSBURGO (ANABATISTAS, SCHWENCKFELDIANOS E ANTITRINITÁRIOS) 21Valci Sering

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 31

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ARTIGOS

A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO NA VIDA DE JESUS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A MISSÃO DA IGREJA: UM ESTUDO NO EVANGELHO DE MARCOS

Clécio Leocir Schadech

A intenção deste trabalho é verifi car a relação existente entre a ação do Espírito Santo e a vida de Jesus. O estudo se limita a passagens do Evangelho de Marcos onde há referências específi cas à pessoa do Espírito Santo, especialmente aquelas do primeiro capítulo ligadas ao batismo de Jesus.

A impressão que se tem é que o Evangelho de Marcos está preocupado em revelar que Jesus, através do seu ministério, deu provas de que é, de fato, o Filho de Deus. E este ministério, segundo João Batista, se resume da seguinte forma: “.. .ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1.8).1 Parece claro que esta profecia de João está ligada ao evento do Pentecostes, quando Jesus de fato enviou o Espírito Santo, oportuni-zando a proclamação e aceitação do evangelho em todas as nações. Mas, antes disso, alguém talvez se pergunte: Como pode Jesus ser capaz de batizar com o Espírito Santo, ou em outras palavras, como pode Jesus ser o doador do Espírito Santo? Quem era ele e o que ele fez para ser capaz de oferecer este dom às pessoas? E, fi nalmente, que implicações esta ligação inseparável entre Cristo e o Espírito trazem para um melhor entendimento da continuada missão da Igreja de anunciar o evangelho a todas as pessoas (Mc 16.15)?

JESUS COMO RECEPTOR E DOADOR DO ESPÍRITO SANTO

Marcos tem sido considerado por muitos o Evangelho mais simples dos sinóticos. Não apenas em termos linguísticos, mas também no que se refere à sua mensagem. Por outro lado, é preciso que se diga que a

1 Peter Scaer propõe que o Evangelho de Marcos precisa ser entendido do ponto de vista dessa profecia de João Batista, conforme segue: “What can John the Baptist mean by this? This, I would propose, is a thematic verse, that clues the reader in on how to understand the entire Gospel. If we take John the Baptist’s, and the evangelist’s, word for it, Jesus’ entire ministry is baptismal. What does Baptism accomplish? From elsewhere in the Scriptures we know that in Baptism we receive the Spirit, the devil is driven out, we are able to call upon God as “Abba, Father,” we are cleansed from our sin, we are raised up to walk in the newness of life, and we are given the garment of Christ’s righteousness that covers us. These things are happening in Christ’s own ministry in the Gospel of Mark.” (“The atonement in Marks Sacramental Theology”. Concordia Theological Quaterly 72:3 [July 2008]: p. 241).

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simplicidade desta narrativa favorece para que o Evangelho chegue aos menos instruídos no Antigo Testamento, dando chance aos gentios de conhecerem o “Filho de Deus”.

Sobretudo, o Evangelho segundo Marcos apresenta esse contraste inexplicável e por vezes inacreditável até mesmo aos olhos dos mais pró-ximos e comprometidos discípulos de Jesus: de que o homem Jesus é o verdadeiro Filho de Deus. Sem os detalhes dos demais evangelhos sobre a concepção e infância de Jesus, ou ainda sobre a eterna existência do Logos, a narrativa se apressa em falar do contato entre o “Reino de Deus”, personifi cado em Cristo, com as pessoas.

Antes mesmo de Cristo entrar pessoalmente em cena, o Espírito Santo já é nomeado abertamente na pregação de João Batista (Mc 1.8) e em parte alguma se questiona a sua operação e efi cácia. Por parte das pes-soas, especialmente fariseus e escribas, havia, entretanto, uma tremenda difi culdade em aceitar e perceber que este Espírito Santo está em Jesus e o acusaram de estar louco (3.21).

Isso parece indicar o fato de que a expectativa destes líderes religio-sos e parentes de Jesus era de que aquele que estivesse com o Espírito Santo deveria ser alguém em posição muito mais nobre que Jesus e exer-cer um ministério diferente daquele que Jesus estava exercendo, talvez com maiores dimensões políticas. Por outro lado, pode indicar que havia a expectativa de que o Espírito Santo acompanharia o Messias em seu ministério, como Pedro mesmo, posteriormente, testemunhou na ocasião em que, referindo-se ao batismo de Jesus, disse: “... Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (At 10.38).

Alguém poderia questionar o fato de que Jesus, então, pela sua Palavra não tinha capacidade para convencer ou até mesmo criar a fé nos corações das pessoas e abrir os olhos delas para verem nele o Salvador do mundo. No entanto, não se trata de diminuir a Divindade de Cristo, nem seu poder, mas de realçar a obra própria do Espírito Santo como sendo aquele que ensina todas as coisas e faz lembrar o que Jesus disse (Jo 14.26). Pedro, por sua vez, parece usar a presença do Espírito em Jesus para confi rmar o fato de que ele é o Filho de Deus, o Messias enviado ao mundo. Pode-se ir além ainda: o Espírito Santo age por meio dessa Palavra, que é Cristo, revelando aos corações a presença do Reino de Deus na pessoa de Cristo, aplicando a eles todas as dádivas contidas nessa palavra de Deus, “a qual vive e é permanente” (1 Pe 1.23).

O fato é que o Espírito Santo desceu sobre Jesus, quando este foi batizado. A ação de batizar e a descida do Espírito parece ser uma ação

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A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO NA VIDA DE JESUS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A MISSÃO DA IGREJA: UM ESTUDO NO EVANGELHO DE MARCOS

conjunta, já que Marcos cuidadosamente diz que “logo” (euvqu.j), “ ime-diatamente”, ao sair da água desceu o Espírito sobre ele.2

O particípio scizome,nouj3 caracteriza o céu visto por Jesus. Marcos escolhe um verbo diferente para descrever aquilo que acontece com o céu. Mateus e Lucas usam “abrir”, enquanto Marcos é mais enfático, des-tacando que o céu foi rasgado, rompendo a “separação” existente entre Deus e o mundo, de forma que em Cristo a humanidade pode receber o Espírito Santo. Signifi cante também é o fato de que Marcos usa o mes-mo verbo sci,zw quando escreve que o véu do santuário se rasgou (Mc 15.38), desfazendo a separação entre o comum do Santo dos Santos, a separação entre Deus e o homem. Esse sentido provavelmente está pre-sente na morte de Cristo e mostra o que ela conquistou para o mundo, ou seja, que agora “temos acesso a Deus”. O batismo de Jesus antecipa, ou revela, o fato de que “este Filho amado” cumprirá sua missão e permitirá que o Espírito Santo, o qual ele também recebeu no batismo, seja doado a todos os fi lhos de Deus.4

O texto não deixa claro se este evento foi visto por outras pessoas também. Possivelmente sim, visto que pôde também ser relatado no Evangelho. O que o texto diz é que ele viu o céu se abrir e o Espírito San-to descer sobre ele. Do ponto de vista de Marcos, o evento tem também signifi cado para Jesus. Não se trata apenas de um evento revelatório ou a confi rmação pública da fi liação de Jesus para as outras pessoas, mas de fato o Espírito Santo desceu e, como a preposição eivj pode sugerir, o Espírito entrou nele, de forma que o próprio ministério de Jesus iniciado depois do Batismo é um ministério no Espírito Santo.

2 “The connection between baptism and the coming of the Spirit is made particularly vivid in Mark’s account: “immediately” (1:10). The connection is immediate and so direct as to make of what could two – baptism in water and descent of the Spirit – one… Spiritual baptism is formed and inaugurated in no less than the person of it elect dispenser: Jesus Christ.” (Frederick Brunner. A Theology of the Holy Spirit: The Pentecostal Experience and the New Testament Witness. Michigan, EUA: Grand Rapids, 1970, p.220).

3 sci,zw: to split or to tear an object into at least two parts - ‘to split, to tear.’ euvqu.j avnabai,nwn evk tou/ u[datoj ei=den scizome,nouj ouvranou,j 'as soon as he came up from the water he

saw the sky split open'. In some languages the meaning of sci,zw in Mk 1.10 may be best expressed as ‘the sky tore’ or ‘there was a slit in the sky’ or possibly ‘there was suddenly an opening in the sky.’ The adverb ‘suddenly’ may provide some of the implications of the

splitting involved in the verb sci,zw (Louw-Nida lexicon).4 David Scaer explica que “Mark, however, moves beyond Matthew and Luke, and has a

distinctly theological point to make. In our Lord’s Baptism, the Spirit is able to descend, the Father’s voice can be heard, and Jesus is revealed as God’s Son (Mark 1:l0). In Jesus’ Baptism, the wall of separation is violently ripped open. Jesus is baptized unto the death. The tearing open of the heavens is an expression of God’s desire to be at one with human-ity, as well as a vivid picture of the price that would have to be paid. Mark would have us know our Lord’s entire ministry is a passion story, whereby he tears open the curtain of separation between God and man, and ensuring an everlasting Yom Kippur, that is, a Day of Atonement” (CTQ 72:3 [July 2008]: p. 241).

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Segundo Sánchez, diferente da concepção, o batismo ou unção do Filho tem as características de uma nova presença ou comunicação do Espírito em Jesus com vistas à chegada escatológica do Reino de Deus entre pecadores e para tanto com vistas à possibilidade de uma unção do Espírito transferível do Messias para outras pessoas, para a igreja. O fi lho é ungido como o Servo (Mt 3.16 e paralelos) para que, uma vez terminada a sua missão por nós em sua morte e batismo de sangue (conforme Mc 10.39, 45; Lc 12.50), nos faça participantes por graça de seu Espírito e por consequência de sua fi liação, sua íntima relação e comunhão com Deus (por ex. Mt 3.11 e paralelos; Gl 4.4-7; Rm 8.15-16).5

Jesus de Nazaré da Galiléia é o Filho amado, no qual agora está o Espírito Santo. Sanchez explica que aqui Jesus Cristo é o segundo Adão através do qual o Espírito perdido pela queda em pecado do primeiro Adão é restaurado novamente para a raça humana.6

A transição rápida do Batismo para a tentação parece signifi cativa, visto que é o Espírito Santo, que agora está em Jesus, que o “impele” para o deserto. Enquanto Mateus diz que Jesus foi “levado” pelo Espí-rito ao deserto e Lucas destaca que “Jesus, cheio do Espírito, voltou do Jordão e foi guiado pelo mesmo Espírito, no deserto...”, Marcos usa um verbo forte, dizendo que o Espírito o “impeliu” para o deserto. O verbo usado é ekballei (expulsar, impelir). Jesus é expulso7 pelo Es-pírito para o deserto para ser tentado pelo diabo. A vida de Jesus no Espírito o leva, imediatamente após o batismo, para onde terminou a vida bem-aventurada da humanidade: para a tentação. O caminho é inverso, visto que agora Jesus vai ao deserto para vencer aquele que fez entrar o pecado no mundo, a fi m de trazer de volta, da separação, toda a humanidade. Segundo Sanchez, no Jordão pode-se ver o início

5 SANCHEZ. Pneumatología – El Espíritu Santo y La Espiritualidad de La Iglesia, p. 104: “A diferença de la concepción, el bautismo o unción del Hijo tiene las características de uma nueva presencia o comunicación del Espíritu em Jesús com vistas a la irrupción escatológica del reino de Dios entre pecadores y por lo tanto com vistas a la posibilidad de uma unción del Espíritu transferible desde el Mesías a otros. Los evangelios nos presentam la unción en el Jordan no solo como patrimônio del Hijo sino como condición para la comunicación del Espíritu del Padre e otras personas, a la iglesia. El Hijo es ungido como el Siervo (Mt 3:16 y paralelos) para que, uma vez terminada su misión por nosotros em su muerte o bautismo em sangre (véase Mr 10:39, 45; comp. Lc 12:50), nos haga partícipes por gracia de su Espíritu y por ende de su filiación, su íntima relación y comunión com Dios (p. ej. Mt 3:11 y paralelos; comp. Gá 4:4-7; Ro 8:15-16).

6 “Here Jesus Christ is the second Adam through whom the Spirit lost by the first Adam´s fall into sin is restored once again to the human race.” (Sanchez. Missio Apostolica XIV:1 [Maio 2006]: p.35).

7 David Scaer comenta: “Mark again has theology on his mind. Though sinless and well-pleasing to God, Jesus receives the same treatment as did the first Adam, whom God drove out of paradise (Gen 3:24). Again, even as he drives out unclean spirits, so also is he driven out by the Spirit and left to Satan’s devices. Thus, his baptismal ministry begins with the price of atonement.” CTQ 72 (2008): p.240.

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A AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO NA VIDA DE JESUS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A MISSÃO DA IGREJA: UM ESTUDO NO EVANGELHO DE MARCOS

de uma nova criação, na qual Deus recriará por meio de Cristo, e do Espírito nele e a partir dele, uma nova humanidade. Jesus é, portanto, o novo Adão cheio do Espírito.8

Interessante que Marcos não traz os detalhes da tentação, nem se preocupa em revelar se Jesus venceu ou não o tentador. O leitor do Evan-gelho precisa assumir que Jesus, no qual está o Espírito Santo, foi fi el a Deus e segue fi rme na missão de passar pelo batismo de sangue e beber o cálice da ira de Deus (Mc 10.39,45).

Assim, Jesus pode ser doador do Espírito Santo porque em primeiro lugar ele próprio o recebeu, como verdadeiro Homem, ao viver de acordo com a vontade de Deus e pode passá-la adiante ao santifi car a humanidade com sua morte e ressurreição.9 Jesus cumpre assim a profecia de João Batista, como aquele que vem depois e é mais poderoso (~o ivscuro,tero,j – Mc 1.7) , e que na verdade é o Senhor já anunciado por Isaías (Mc 1.3), capaz de batizar com o Espírito Santo.

O batismo de Jesus, portanto, aponta para o fato de que Jesus de Nazaré da Galileia é o Senhor que se encarnou e que, ao ser batizado, também assumiu sua missão. Mais do que isso, ele recebeu o Espírito Santo, que desceu sobre ele e o “impeliu” para o deserto e o acompanhou no seu ministério.

A missão conjunta do Filho e do Espírito Santo aparece mais uma vez quando os escribas e fariseus acusam Jesus de expulsar demônios pelo poder de Satanás (Mc 3.22). Nessa ocasião, Jesus adverte do perigo do pecado contra o Espírito Santo, o qual não tem perdão. Em outras pala-vras, aquele que rejeita a Jesus, rejeita também aquele que está nele, ou seja, o Espírito Santo, incorrendo no pecado sem perdão. Por outro lado, fi ca aparente que o ministério de Jesus é um ministério no Espírito, visto que na sua ação no mundo Jesus traz juntamente com o Espírito, e sob a vontade do Pai, a realidade da presença do Reino de Deus.

O EVANGELHO COMO MEIO DA DOAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

A refl exão acima nos faz compreender com maior profundidade a obra do Espírito Santo. Dois pontos parecem fundamentais e podem contribuir para uma melhor compreensão da missão da Igreja.

O primeiro ponto se refere ao fato de que o Espírito Santo está ligado ao Filho e age para revelar o Salvador ao mundo. Isso não é nenhuma novidade a partir do Pentecostes, afi nal, foi o Espírito Santo que tornou possível a conversão de milhares de pessoas naquele primeiro Pentecostes,

8 SANCHEZ. Pneumatología – El Espíritu Santo y La Espiritualidad de La Iglesia. p. 104.9 Así pues, el que santifica La humanidad com El Espíritu primero debe recibir y portar El

Espíritu em su propia humanidad (Idem, p.105).

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revelando a elas que Cristo é o Senhor. Estaria o Espírito Santo agindo as-sim já no ministério de Jesus? Se agiu, isso diminuiria a divindade e poder do Filho de Deus? Se não, não estaríamos diminuindo a ação do Espírito Santo? Atrás destas perguntas se encontra outra, que talvez esteja mais próxima de nós, na qual se questiona se o Espírito Santo não pode usar outros meios para salvar pessoas que não seja por meio do Evangelho. Parece importante afi rmar que o Espírito Santo está unido, desde o início, a esta Palavra, que é Cristo, e do qual não pode ser separado, e sem o qual fi ca sem ação. Somente aquele que recebeu o Espírito Santo na carne, e foi batizado no batismo de sangue, pode doar esse Espírito. E somente o Espírito Santo, que desceu sobre Jesus, pode revelar ao mundo, por meio do evangelho, que Jesus é o Salvador que cumpriu a vontade do Pai e por meio do qual todos são feitos fi lhos de Deus. A missão da Igreja, portanto, é pregar este Cristo, para que onde Cristo está, esteja também o Espírito Santo, que cria a fé e faz ver em Cristo o Salvador.

Parece evidente que a missão do Espírito Santo nem sempre é com-preendida nos mesmos termos da missão do Filho, ou seja, que também o Espírito Santo foi enviado ao mundo e condiciona-se a criar a fé pela Palavra que anuncia Cristo, submetendo-se graciosamente, a fi m de revelar, pelos meios externos, algo que seria impossível ser assimilado pela humanidade de outra forma, em vista da grandeza e santidade nelas contidas. Poderí-amos falar, portanto, numa teologia da cruz do Espírito Santo, ou talvez, na teologia do Espírito Santo na perspectiva da cruz de Cristo.

A divindade do Espírito Santo se revela justamente no converter “onde e quando lhe apraz, naqueles que ouvem o evangelho, o qual ensina que temos, pelos méritos de Cristo, não pelos nossos, um Deus gracioso, se o cremos”.10 Ele mostra seu poder naquilo que para o ser humano parece desprovido de qualquer força e efi cácia, justamente para que seja enfa-tizada nessa missão a obra e o poder daquele que foi enviado para ser o “divino mestre”. Nesta perspectiva destrona-se toda e qualquer iniciativa humana e a expectativa toda se volta para aquele que tem o papel de converter a descrença em confi ança verdadeira, no Doador e não na dá-diva conquistada.

Essa ideia nos leva ao segundo ponto, que se refere ao fato de que a vida no Espírito não isenta as pessoas da cruz, pelo contrário, as leva para ela. A vida no batismo é um constante “afogar” do velho homem e uma constante caminhada no deserto das tentações. É falsa a ideia de que os cristãos vivem já agora em estado de glória, longe da cruz, cheios de prosperidade. Pelo contrário, as tentações envolvem a tentativa de procurar uma evidência espiritual além do batismo, isto é, outras provas de que se é realmente o “fi lho de Deus” (ausência de sofrimento, cresci-

10 CA, V.

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mento econômico, sucesso nos relacionamentos, etc.) deixando de lado o testemunho da Palavra de Deus, a qual diz que pelo batismo somos feitos fi lhos de Deus e recebemos o dom do Espírito Santo. Sabe-se, entretanto, que a vida no Espírito é uma vida em meio à tentação e sofre todo tipo de oposição.

Nesse ponto, Sanchez chama a atenção para o fato de que os cris-tãos muitas vezes associam a presença do Espírito Santo na igreja com tempos de “sucesso espiritual”. Quando recebemos uma resposta para a oração pela cura, articulamos ou ouvimos uma refl exão sábia, mostramos ou testemunhamos um ato de santidade, ou pertencemos a uma igreja que cresce, então estamos prontos a enfatizar a poderosa presença do Espírito entre nós. Talvez estejamos menos propensos a afi rmar o Espírito em tempos de “luta espiritual”. Quando nenhum milagre acontece, quando lutamos com a vontade de Deus, quando sofremos os ataques do diabo, quando perdemos discípulos na igreja, então não falamos tanto sobre o Espírito Santo.11 A presença do sofrimento e outros tipos de problemas seria então uma evidência da ausência do Espírito Santo?

Tal ideia da ação do Espírito Santo perde de vista todo sofrimento, angústia e dor vividos por Cristo, que esteve acompanhado do Espírito Santo, e também ignora o que o apóstolo Paulo diz sobre o ser sepultado com Cristo na morte pelo batismo.12 É nesse “sepultamento”, no “afogar do velho homem”, que o Espírito acompanha pelo evangelho e torna os fi lhos semelhantes ao Filho, conformando sua vontade à do Pai a ponto de dizer: Aba Pai.13 Como é possível a natureza humana conformar-se a tal ponto de chamar aquele que a sepulta com Cristo de “Pai, querido Pai”? Essa é a obra própria do Espírito Santo, ou seja, conformar a vontade humana à vontade de Deus a ponto daquela ser completamente submissa a essa. E, posteriormente, também criar a esperança da nova vida, que surge nesta união com Cristo e sua ressurreição.

A missão da Igreja, portanto, está longe de prometer prosperidade, mas está voltada a animar as pessoas a permanecerem fi éis ouvintes do evangelho de Jesus Cristo em meio às tentações e sofrimentos da vida, assegurando-lhes de que em meio à cruz, e especialmente na cruz, o Espírito Santo as acompanha.

11 “Christians often associate the presence of the Holy Spirit in the church with times of “spiri-tual success”. When we receive an answer to prayer for healing, articulate or hear a wise reflection, show or witness an act of holiness, or belong to a growing church, then we are prone to highlight the Spirit’s powerful presence among us. Perhaps we are less likely to claim the Spirit in times of “spiritual struggle”. When no miracles occur, when we struggle with the will of God, when we suffer the devil’s attacks, when we are losing disciples in church, then we do not talk about the Holy Spirit as much.” (Sanchez. Missio Apostolica XIV:1 [Maio 2006]: p.38).

12 Romanos 6.413 Marcos 14.36; Romanos 8.15

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REFERÊNCIAS

BRUNNER, Frederick. A Theology of the Holy Spirit: The Pentecostal Experience and the New Testament Witness. Michigan, EUA: Grand Rapids, 1970.

SANCHEZ, Leopoldo. Towards a Missionary Theology of the Holy Spirit: The Father´s Anointing of Christ and Its Implications for the Church in Mission. Missio Apostolica XIV:1 [Maio 2006]: 28-40.

______. Pneumatología – El Espíritu Santo y La Espiritualidad de La Iglesia. St. Louis, EUA: Concordia, 2005.

SCAER, Peter. The atonement in Marks Sacramental Theology. Concordia Theological Quaterly 72:3 [July 2008]: p. 227-242.

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Clécio Leocir Schadech é pastor em Corbélia/PR. Ensaio produzido no Programa de Mestrado da Escola de Pós-Graduação do Seminário Concórdia de São Leopoldo/RS.

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DA DESCIDA DE CRISTO AO INFERNO -FÓRMULA DE CONCÓRDIA, ARTIGO IX

Wilson Proescholdt Walder

INTRODUÇÃO

A doutrina da descida de Cristo ao inferno é muito discutida. Não há unanimidade sobre diversos detalhes deste artigo da fé cristã. Há inter-pretações e ensinos divergentes dentro da própria igreja cristã. Dentre os muitos questionamentos, destacam-se alguns:

- Existe um texto bíblico que ensine claramente sobre este artigo?- Será que a descida de Cristo ao inferno é necessária para consumar

a obra da redenção?- O que Jesus foi fazer no inferno?- Qual o caráter de sua pregação?- Sua descida ao inferno refere-se ao seu estado de humilhação ou ao

seu estado de exaltação?- O que os teólogos ao longo dos anos escreveram sobre este assunto?- Que aplicações práticas e pastorais este artigo nos traz?Para que tenhamos respostas para estas perguntas, serão analisados

alguns aspectos exegéticos, históricos e pastorais que irão nos auxiliar no entendimento desta confi ssão de fé sobre a descida de Cristo ao inferno.

ASPECTOS EXEGÉTICOS

O que se entende quando nós confessamos: “Creio na descida de Cristo ao inferno?” Para entendermos melhor esta confi ssão de fé, é pre-ciso olhar o texto bíblico de 1 Pedro 3.18-22, que é o que fala com mais clareza sobre o assunto:

V. 18: Pois também Cristo morreu pelos pecados de uma vez por todas, o justo pelos injustos, a fi m de que Ele pudesse trazer-nos a Deus, tendo sido condenado à morte na carne, mas vivo no espírito.

V. 19: em que também foi, e fez proclamação aos espíritos agora na prisão,V. 20: que outrora foram desobedientes, quando Deus pacientemente

esperava nos dias de Noé, durante a construção da arca em que alguns, isto é, oito pessoas foram salvas por meio da água.

V. 21: E, correspondente a isso, o batismo agora salva vocês – não a remoção da sujeira da carne, mas um apelo a Deus para uma boa cons-ciência – através da ressurreição de Jesus Cristo,

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V. 22: que está à direita de Deus, tendo subido ao céu, depois de anjos, autoridades e poderes haverem sido submetidos a ele.

Nesta pequena passagem bíblica, o apóstolo Pedro apresenta a obra redentora de Cristo de forma crescente e concreta. Suas afi rmações nos levam a confessar a morte de Cristo (v.18), a descida de Cristo ao inferno (v.19), a ressurreição de Cristo (v. 21) e a ascensão de nosso Senhor (v. 22).

De acordo com Schmeling,1 uma das palavras mais importantes nesta perícope e que nos ajudam a entender este artigo de fé é a palavra Filakh que aparece no versículo 19 e signifi ca “um lugar de guarda, uma prisão”. Em Apocalipse 18.2 e 20.7 esta palavra é usada para o lugar onde o diabo e seus anjos são mantidos até o julgamento. Já em Mateus 5.25 e Lucas 22.23 ela é utilizada para designar um lugar de punição. Os textos de 2 Pedro 2.4 e Judas 6, por sua vez, declaram que os anjos do mal estão comprometidos aos abismos da escuridão e mantidos em prisões eternas na escuridão para o juízo do grande dia. Sendo assim, tendo como defesa de nossa argumentação todos esses textos bíblicos, podemos concluir dizendo que Filakh é uma prisão, lugar de castigo e tormentos.

Schmeling também afi rma que “não se pode comparar Filakh “prisão” a sheol referente à “sepultura”, o que signifi ca que Jesus foi ao túmulo, declarando assim unicamente sua morte. Esta é a implicação da leitura alternativa do Credo no Livro Luterano do Culto”. 2

O Livro Luterano do Culto tem no Credo Apostólico um asterisco impres-so após a frase “Ele desceu ao inferno”. O asterisco é explicado no meio da página com o seguinte dizer: “Ou, desceu à mansão dos mortos”.3 Usando essa frase, nada é dito sobre a ida de Cristo ao inferno. Pelo contrário, apenas fala da condição de Jesus depois de sua morte. Essa interpretação é bastante aceitável para aqueles que já rejeitaram a doutrina do inferno e da condenação eterna.

É importante ressaltar que, de acordo com as Escrituras Sagradas, tal ponto de vista é impossível porque Filakh, “prisão”, não signifi ca “morte” ou “sepultura”. Filakh só pode se referir a esse lugar de castigo preparado para Satanás e seus seguidores.

Outro fator a ser levado em conta é se a descida de Cristo ao inferno refere-se a seu estado de humilhação ou ao seu estado de exaltação. É próprio lembrar que os degraus de humilhação de Cristo são em número de seis: concepção, nascimento, paixão, crucifi cação, morte e sepulta-mento. E os estados de exaltação de Cristo também são em número de seis: vivifi cação, descida ao inferno, ressurreição, ascensão, direita do Pai e juízo fi nal. Caso Jesus tivesse ido à prisão para ainda sofrer os horrores

1 SCHMELING, Gaylin R. The Descent Into Hell. p. 3.2 Idem. p. 33 Idem. p. 1.

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DA DESCIDA DE CRISTO AO INFERNO - FÓRMULA DE CONCÓRDIA, ARTIGO IX

infernais, então a descida de Cristo ao inferno faria parte do seu estado de humilhação, mas se Cristo foi aos espíritos em prisão para, como vencedor, anunciar a sua vitória sobre pecado, morte, inferno e Satanás, então a descida de Cristo ao inferno faz parte do seu estado de exaltação.

Diante desta questão surge outra indagação importante: Quem desceu ao inferno? Cristo foi à prisão segundo a sua natureza humana ou segundo a sua natureza divina? Ou apenas sua alma foi ao inferno enquanto seu corpo se encontrava na sepultura? Como afi rmação de fé, cremos que toda a pessoa de Jesus Cristo desceu ao inferno, isto é, de corpo e alma, com sua natureza divina e sua natureza humana.

Cristo desceu ao cárcere do inferno e fez proclamação aos espíritos presos ali. Esses espíritos eram aqueles que foram desobedientes e incré-dulos nos dias de Noé, quando ele pregou o arrependimento. “De acordo com Schmeling, Pedro não está dizendo que Jesus está pregando somente aos incrédulos na época de Noé, mas eles são representativos de todos os condenados”.4

Agora, que tipo de anúncio o Senhor faz para os condenados no inferno? Alguns acreditam que ele desceu para pregar o evangelho, dando a chance de os condenados serem salvos. No entanto, todo o contexto desta seção em 1 Pedro aponta para uma proclamação de condenação.

Cristo desceu ao inferno como o Divino Vencedor, como o único triun-fante, a fi m de tomar posse das chaves do inferno e da morte, levando cativo o cativeiro. Em procissão triunfal, ele fez um espetáculo público aos maus, triunfando sobre eles pela cruz. A morte, o inferno, Satanás e todos os seus inimigos foram vencidos. A descida ao inferno confi rma que Cristo é vitorioso, conquistador do Universo, Senhor dos Senhores e Rei dos Reis.

ASPECTOS HISTÓRICOS

A Igreja, ao longo dos anos, confessou e se posicionou diante deste ensinamento: “A primeira confi ssão formal do credo da descida de Cristo ao inferno é encontrada na Quarta Fórmula de Sirmium, escrita em 359 d.C. Ali se encontra a afi rmação de que o Senhor “desceu para o sub-mundo [inferno]”.5

No fi nal do quarto século, a afi rmação de que Cristo desceu ao infer-no era parte da confi ssão batismal em Aquiléia. No entanto, parece que só no início do VII século é que o artigo foi aceito no Credo Apostólico e Atanasiano.6

4 Idem. p. 2.5 SCHMELING, Gaylin R. The Descent Into Hell. p. 46 Idem. p. 5.

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Embora a declaração Sirmium seja a primeira confi ssão formal do credo da descida de Cristo ao inferno, é bastante comum encontrarmos registros desta informação nos escritos pessoais dos pais da igreja apos-tólica. Por exemplo7:

Policarpo de Esmirna, martirizado por volta do ano 155, escreve: “Nos-so Senhor Jesus Cristo, que sofreu a enfrentar até a morte pelos nossos pecados, a quem Deus ressuscitou, rompendo os grilhões do inferno”.

Justino Mártir declara: “O Senhor Deus se lembrou dos mortos de Israel, que estavam na sepultura: e desceu para pregar sua própria salvação”.

Irineu diz: “Ele também desceu nas partes mais baixas da terra para contemplar com os olhos o estado dos que estavam descansando dos seus trabalhos, em referência a quem Ele fez também declarar a seus discípulos: muitos profetas e justos desejaram ver e ouvir o que vós vedes e ouvistes”.

Schmeling lembra que

Os pais da Igreja dos primeiros quatro séculos estavam unidos em sua aceitação da descida de Cristo ao inferno. Eles foram, porém, em desacordo quanto à forma em que ocorreu e a fi nalidade que lhe deram origem. O que causou estragos, especialmente na doutrina da descida de Cristo ao inferno, foram as ideias confusas que os pais tinham em relação ao período de tempo entre as pes-soas que morreram e o dia do julgamento, e o local onde a alma destas pessoas fi cou. Acreditava-se que todas as almas dos que morreram antes da morte de Cristo foram mantidas no submundo. Mesmo os patriarcas não haviam entrado na glória.8

No período da Igreja Antiga e Igreja Medieval, havia alguns teólogos que acreditavam que a descida de Cristo ao inferno signifi cava simples-mente que Jesus foi sepultado, negando, assim, a doutrina de que Cristo desceu ao inferno. Um destes teólogos foi Agostinho9 que, em uma de suas cartas, ao comentar as palavras que Jesus Cristo disse ao malfeitor do Calvário: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”, afi rma que, com efeito, neste dia o homem Cristo não estaria no céu, pois sua alma deveria estar no inferno e o seu corpo no sepulcro.

Desde a época de Santo Agostinho, a doutrina da descida de Cristo ao inferno não era alterada até o início da Reforma. O que ele fez foi de-senvolver uma tendência de maior departamentalização na vida após a morte. Ela foi dividida da seguinte forma:10

7 Idem. p. 5.8 Idem. p. 5.9 SCHMELING, Gaylin R. The Descent Into Hell . p. 6.10 Idem. p. 6.

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DA DESCIDA DE CRISTO AO INFERNO - FÓRMULA DE CONCÓRDIA, ARTIGO IX

1. Limbus patrum: que foi o lar dos crentes do Antigo Testamento, que foram liberados pela descida de Jesus ao inferno.

2. Limbus infantum: a morada dos recém-nascidos que morreram sem o batismo.

3. Purgatório: onde os crentes aguardavam a fi nal e completa liber-tação.

O erro fundamental dos teólogos da Igreja Antiga e Medieval quanto a esta doutrina era o de eles não entenderem que a alma do crente, tan-to no Antigo como no Novo Testamento, após a morte, vai diretamente para o céu, como as palavras de Jesus ao ladrão na cruz mostram: “Hoje estarás comigo no paraíso”.

Com a Reforma, houve um renovado estudo desta doutrina. Calvino en-sinou que “a descida de Cristo ao inferno era apenas simbólica, no sentido da linguagem que Cristo suportou o sofrimento do inferno na cruz”.11

Ao interpretar a pregação de Cristo no inferno, Calvino afi rmou:

A pregação de Cristo no inferno foi uma pregação dupla: lei e evangelho, salvação e condenação. Foi uma pregação da graça divina aos que creram em Deus e que morreram antes da vinda de Cristo, e pregação condenatória para confi rmar os condenados de sua total exclusão da vida eterna.12

A opinião de Lutero sobre este assunto divide-se em dois momentos. “Um Lutero mais jovem via a descida de Cristo ao inferno como parte de seu sofrimento”.13 Lutero está aqui dizendo que a descida de Cristo ao inferno é Ele ter suportado o castigo do inferno em nosso lugar. Já o ensino de um Lutero mais maduro relativo à descida de Cristo ao inferno aparece em seu sermão de Torgau de 1532.14 Neste sermão Lutero expõe sua opinião sobre este artigo de fé, e que manteve a sua confi ssão para o resto de sua vida. É esse sermão que o artigo IX da Fórmula de Con-córdia usa para resolver a controvérsia que mais tarde se instalou entre os luteranos.

Lutero faz ricas afi rmações sobre este artigo. Ele diz:

Acredito no Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, que foi morto, sepultado e que desceu ao inferno, que é, toda a pessoa de Deus e do homem, com corpo e alma, divididos, nascidos a partir da Virgem Maria, que sofreu, morreu e foi sepultado. Assim eu não deveria dividir, mas acreditar e dizer que o mesmo Cristo, Deus

11 Idem. p. 6.12 Idem. p. 6.13 Idem. p. 7.14 LUTERO, Martinho. Torgau Sermon, 1532. p. 245.

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e homem em uma pessoa, desceu ao inferno. Não obstante, não permanecem ali como diz o Salmo 16.10: “Pois não deixarás a minha alma no inferno, nem deixarás acontecer que o teu Santo veja corrupção”.15

Lutero confessou que toda a pessoa de Cristo desceu ao inferno e não apenas parte dele, mas como isso ocorreu, constitui mistério. Ele declara:

Eu não quero pregar este artigo com uma sublime ou precisa linguagem, descrevendo exatamente como isso aconteceu ou o que signifi ca o descer ao inferno. Em vez disso, eu quero fi car com o simples signifi cado das palavras como deve ser apresentado às crianças e pessoas simples.16

Muitos queriam entender estas palavras com sua razão, mas sem su-cesso. Eles apenas vaguearam longe da fé. Esse assunto, como tantos ou-tros, deve continuar a ser uma questão de fé: eu acredito no Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, que morreu, foi sepultado e desceu ao inferno.

ASPECTOS PASTORAIS

A descida de Cristo ao inferno é confessada como um fato histórico e verdadeiro. Não é e não pode ser considerado como adiáforo, isto é, como assunto livre, facultativo e sem maior importância para o cristão. A descida de Cristo ao inferno é doutrina, é dogma da igreja cristã, pois é ensino da Sagrada Escritura. É um dos diversos degraus ou estágios da caminhada do redentor Jesus. Sendo assim, ela faz parte do anúncio e da atividade pastoral, não podemos ignorar este conceito.

Primeiramente, é importante afi rmar que a doutrina sobre a descida de Cristo ao inferno é uma confi ssão de fé. Ela é repetida milhares de vezes pelo povo de Deus. Sempre está presente em nosso culto. Faz parte do artigo básico da confi ssão cristã e está arrolado como um dos diversos atos que Cristo realizou entre o nascimento e a ascensão, como mostra o Credo Apostólico. Como esta doutrina não é tema tão comum em nossos sermões, eis aí um desafi o pastoral: tornar este tema mais claro dentro da congregação.

Lutero pregou sobre este assunto. Não se omitiu diante deste dogma cristão. O Sermão de Lutero sobre a descida de Cristo ao inferno foi pre-gado em Wittenberg, na Páscoa, em 31 de março de 1532. Neste sermão, Lutero lembra que “a descida de Cristo ao inferno é o dia em que Ele se

15 SCHMELING, Gaylin R. The Descent Into Hell. p. 8.16 Idem. p. 9.

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FÓRMULA DE CONCÓRDIA: ARTIGO XI – DA ETERNA PRESCIÊNCIA E ELEIÇÃO DE DEUS

tornou Senhor sobre a morte e sobre todas as coisas no céu e terra. Este fato aconteceu antes que ele ressuscitou dos mortos e subiu ao céu. En-quanto ele estava ainda no túmulo, ele desceu ao inferno”.17

Com a descida de Cristo ao inferno, o reino do diabo e seu poder foram destruídos. É por isso que Cristo morreu, foi sepultado e desceu ao inferno, para que o diabo e seus aliados não pudessem nos dominar. O inferno continua a ser inferno e detém os incrédulos aprisionados lá, assim como a morte, o pecado e todo o mal continuam a existir e eles ainda podem aterrorizar e perseguir-nos na carne. No entanto, na fé e no espírito, eles estão completamente destruídos de modo que eles não podem nos prejudicar mais.

No sermão de Torgau Lutero lembra que

Nem a santidade de todos os monges, nem o poder e a força de todo mundo poderiam ter apagado uma pequena centelha do fogo infernal. Mas isso foi realizado quando Cristo desceu ao inferno com sua bandeira. Todos os demônios tiveram que fugir. A presen-ça de Cristo apaga todos os fogos do inferno. O resultado é que não há necessidade de os cristãos temerem essas coisas, e porque Cristo foi lá, não devemos sofrer a dor do inferno. A descida de Cristo ao inferno traz grande consolo para os cristãos.18

Encontramos nesta afi rmação de Lutero uma grande fonte de consolo, pois a descida de Cristo ao inferno nos assegura que nossa redenção está completa. Jesus não só esmagou o poder de Satanás na cruz, mas como conquistador Ele entrou no inferno mostrando que Ele era completamente vitorioso.

Isso não signifi ca que o diabo é completamente impotente hoje. Ele ainda é uma força a ser contada na vida do cristão. A Escritura diz: “Seu inimigo, o diabo, anda em derredor como um leão que ruge procurando alguém para devorar” (1 Pe 5.8). Esse leão ferido ainda caminha hoje. Mas já não estamos indefesos diante dele. Porque temos compartilhado com a vitória de Jesus através do batismo, temos o poder dado por Deus para superar o antigo inimigo que procura loucamente nossa derrota. Como nós fortalecemos nossa fé batismal através do uso regular da palavra e do sacramento, somos capazes de resistir às tentações do diabo.

CONCLUSÃO

É maravilhoso, acima de tudo, saber que Cristo cumpriu a lei em meu lugar e a cumpriu de maneira completa. Ao descer ao inferno, Cristo de-

17 LUTERO, Martinho. Torgau Sermon. p. 245.18 LUTERO, Martinho. Torgau Sermon. p. 250.

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clara não apenas a sua vitória sobre o diabo e todas as forças infernais, mas também declara a minha vitória sobre o diabo e seus aliados.

Bem-aventurado homem que sou, pois sou redimido pelo sangue de Jesus e tenho a certeza de que nada no mundo pode me separar de seu amor, nem perigo, nem espada, fome ou perseguição, nem altura e nem profundidade, nem o diabo, nem o pecado e nem a morte. Louvado seja Deus!

REFERÊNCIAS

LUTERO, Martinho. Torgau Sermon. ???

HEIMANN, Leopoldo. Pregação aos Mortos. Canoas: Editora da ULBRA, 2002.

SCHMELING, Gaylin R. The Descent Into Hell. ???

LIVRO DE CONCÓRDIA. Fórmula de Concórdia: Artigo IX. ???

___________________________________________________________

Wilson Proescholdt Walder formou-se em Teologia no ano de 2004 e exerce o pastorado na Congregação Evangélica Luterana Cordeiro de Deus – Jardim América, Capão do Leão/RS. E-mail: [email protected]

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XII - DE OUTRAS FACÇÕES E SEITAS, QUE NUNCA ABRAÇARAM A CONFISSÃO DE AUGSBURGO (ANABATISTAS, SCHWENCKFELDIANOS E ANTITRINITÁRIOS)

Valci Sering

INTRODUÇÃO

Os séculos XX e XXI estão marcados por um pluralismo religioso nunca antes visto na história cristã, com o Cristianismo sendo divido cada vez mais em seitas e facções. Várias doutrinas bíblicas são ignoradas nestes movimentos e também relativizadas em detrimento de um falso ecume-nismo. Quando uma igreja estabelece seu ensino com fi rmeza sob sua confi ssão, pode ser rotulada como fundamentalista. Os meios de comuni-cação de massa são utilizados para propagar estes movimentos sectários. Mas qual é a fé que se prega? A bíblica? Quais as doutrinas?

É neste contexto que somos desafi ados, como luteranos confessio-nais, a expor as nossas confi ssões desde os grandes centros urbanos até as mais distantes aldeias indígenas em meio às selvas. Com uma leitura atenta deste contexto atual, faremos uma analogia do Artigo XII da Fór-mula de Concórdia, na qual os seus autores se reportam à Confi ssão de Augsburgo para refutar as doutrinas errôneas de seu tempo. Este tam-bém é um princípio utilizado por teólogos luteranos mais recentes, isto é, de recorrer aos documentos confessionais no combate às heresias dos séculos XX e XXI.

CONTEXTO DOS SÉCULOS XX E XXI

O teólogo Robert Kolb, em seu artigo The Formula of Concord and Contemporary Anabaptists, Spiritualists, and Anti-trinitarians, se reporta à obra de outro teólogo, George Huntston Williams, intitulada The Radical Reformation, que destaca os anabatistas, espiritualistas e antitrinitários do século XX, observando estes movimentos na América e na Europa, desde 1965 a 1995. Na terceira edição da sua obra, Williams acrescenta a desestabilização das igrejas estatais na Europa, a reorganização das igrejas da América do Norte, a expansão da igreja para a Ásia e África com uma renascente ética religiosa. A obra de Williams que Kolb toma como base para sua exposição é descrita também por Timothy J.Wengert, em A Formula for Parish Practice como a melhor descrição dos heréticos

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recentes que estão vivifi cando antigas heresias destes três grupos. “A melhor descrição destes grupos é ainda de George H. Williams, A radical Reforma”.1

E nesta leitura atual Williams detecta as heresias que já eram com-batidas pela Confi ssão de Augsburgo, pela Fórmula de Concórdia, e que nunca deixaram de existir dentro da história do Cristianismo desde o século XVI, de forma especial algumas que envolvem a trindade, batis-mo e santa ceia. Algumas com roupagem diferente, sobretudo envol-vendo os problemas trinitários – que marcaram o século IV e até hoje explicita ou implicitamente estão inseridos nas igrejas –, e o batismo, que já era deturpado pelos montanistas do século II, posteriormente pelos donatistas e, fi nalmente, pelos líderes anabatistas no período da Reforma. Muitas seitas continuam com esta prática equivocada até na nossa atualidade.

Em um breve estudo, é impossível analisar todas as doutrinas errôneas e ignoradas do nosso contexto atual de mundo, das Américas ou mais especifi camente do Brasil. Porém é possível destacar alguns grupos em bloco, como Pentecostais Unionistas, Neopentecostais e outros.

Há muitos cristãos evangélicos que consideram o movimento Pentecostal Unicista (também conhecido como “Só Jesus”) como um movimento cristão evangélico. A realidade é que este movi-mento está muito longe de ser considerado como cristão; está mais para uma seita... Os mais conhecidos grupos que compõem o movimento Pentecostal Unicista são: Igreja Apostólica da Fé em Cristo Jesus, Igreja Pentecostal Unida, Igreja Pentecostal da Fé Apostólica. Outros grupos independentes que também creem na unicidade de Deus (como, por exemplo, a Igreja Voz da Verdade, Igreja Pentecostal Unida do Brasil, Tabernáculo da Fé, Igreja de Deus do Sétimo Dia).2

Seguem-se movimentos neopentecostais que não possuem um corpo doutrinário sistemático com respeito à Trindade. Isaltino Gomes Coelho Filho, em uma palestra dirigida na Faculdade Batista de Campinas, ob-serva que em algumas vertentes do neopentecostalismo “Cristo é cada vez mais um nome, um talismã, uma legenda, que uma pessoa, do que a segunda da Trindade”.3 Deturpam assim a Trindade como a Cristologia. Além de tornarem Jesus um talismã, é a terceira pessoa da Santíssima Trindade a mais enfatizada nos cultos, como é apresentado por um outro

1 WENGERT, 2006, p.198.2 In. http://<www.teologicadecampinas.com.br> Prof. Isaltino Gomes Coelho Filho para a

Faculdade Teológica Batista de Campinas, 14 de abril de 2004. Acessado em 29/03/2011.3 In http://<www.agirbrasil.org> Ricardo Bezerra. Acessado em 29/03/2011.

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estudioso observador do assunto, Wemerson Marinho, bacharel em Teo-logia da Igreja Batista:

A maioria deles defende a doutrina da Trindade, como nós tam-bém; porém a pessoa mais enfatizada no culto neopentecostal é o Espírito Santo. Praticamente tudo no culto é atribuído ao Espírito, cura, expulsão de demônios, decisões, etc. Com isso, o papel das outras pessoas da Trindade é ignorado. Parece que eles consideram o Espírito superior aos demais membros da divindade, ou pelo menos, mais importante.4

Além destes movimentos, existe a Igreja dos Mórmons e as Teste-munhas de Jeová, que negam explicitamente a divindade de Cristo. São ensinamentos a serem combatidos à luz das Confi ssões Luteranas e, principalmente, que nos devem alertar para certo conformismo que reina entre nós luteranos confessionais por assistirmos silenciosamente estes movimentos sem nos manifestar. Quem é este Jesus que tanto se prega na mídia? É a segunda pessoa da Trindade? O Jesus histórico? A impres-são que temos é que nunca o mundo foi evangelizado com tanta rapidez como nos últimos dias. Mas qual é este evangelho que ignora verdades fundamentais das Escrituras Sagradas? Portanto, é preciso despertar para esta realidade. Essa é uma preocupação de Wengert que na sua obra A Formula for Parish Practice aborda a conciliação da teoria das Confi ssões Luteranas com a prática. A própria terminologia “confi ssão” sugere que não se trata apenas de teoria, mas também de prática. Esta conciliação sugerida por Wengert nos parece mais tranquila quando se trata de con-texto luterano. A difi culdade é quando se sai do ambiente luterano para a missão de fora. Temos difi culdade de sermos aceitos em virtude da prática do batismo infantil, que se restringe às igrejas históricas, com exceção das igrejas batistas, e difi culdades quanto à justifi cação por meio da graça em alguns contextos, etc. Em nosso estudo estaremos destacando apenas algumas das doutrinas relacionadas no artigo XII, que estão em evidência nas igrejas hoje – algumas explícitas e outras implícitas.

Uma das doutrinas em discussão que mais tem me intrigado é a do batismo. Se por um lado é tão desvalorizado na grande massa evangéli-ca, por outro negar o batismo infantil tem tanta infl uência. É importante ressaltar a indignação de Jesus quando seus discípulos repreendiam as crianças de virem a Ele: “Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o Reino dos Céus”.5 Como representantes de Cristo, não podemos fi car acomodados diante de tal negação, mas nos

4 In http://<www.teologicadecampinas.com.br> Prof. Isaltino Gomes Coelho Filho para a Faculdade Teológica Batista de Campinas, 14 de abril de 2004. Acessado em 29/03/2011.

5 Mt 19.14.

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preparar com argumentos bíblicos e convincentes para que todas as igrejas cristãs possam vir a praticar o batismo infantil. E ao lado do problema com o batismo, destacamos a desvalorização da santa ceia, restringindo-a a mero simbolismo.

A grande massa evangélica com deturpações de várias doutrinas fun-damentais da fé cristã explica-se na falta de preparação e valorização do ofício ministerial que se fundamenta em Andreas Bodenstei Von Karlstatd, no período da Reforma, o qual ordenava pastores sem qualquer preparação acadêmica como ainda veremos nesta exposição.

CONTEXTO DO SÉCULO XVI

O Artigo XXI da Fórmula de Concórdia não tinha como objetivo conciliar os dois grupos existentes no contexto luterano, os gnesiosluteranos e os fi lipistas do período pós-reforma, mas delinear a confi ssão dos luteranos diante de “seitas e facções que jamais professaram a confi ssão de Au-gsburgo” (Epítome). Os católicos romanistas associavam os luteranos a estas seitas, e por isso a necessidade de explicitar a confi ssão luterana para não serem confundidos e, ao mesmo tempo, combater os grupos sectários e suas doutrinas errôneas a fi m de não se inserirem e serem tolerados entre os confessores da Confi ssão de Augsburgo.

O último artigo da Fórmula de Concórdia não é motivado por desentendimento entre luteranos, ao contrário, a confi ssão quer protestar vigorosamente contra insinuações de adversários de que tais seitas tenham surgido em decorrência da reforma e que esta se identifi cava em alguns pontos com o movimento sectário. 6

No artigo em estudo, os teólogos não se detiveram em aprofundar as doutrinas errôneas, tendo em vista que algumas já foram estudadas em artigos anteriores, como, por exemplo: no Artigo I, o Pecado Original; no Artigo III, a Justifi cação diante de Deus; no Artigo VII, a Santa Ceia de Cristo; no artigo VIII, a Pessoa de Cristo, etc. O objetivo neste artigo foi apenas enumerar e distinguir as doutrinas falsas em relação às doutrinas da Confi ssão de Augsburgo, as quais são similares, tanto na Epítome quanto na Declaração Sólida. No entanto, são resultados de vários ser-mões, devidamente aprofundados nas Escrituras Sagradas, relacionados à Confi ssão de Augsburgo e pregados por Jacobus Andreae em combate a diversas heresias correntes no período da Reforma e logo após a morte de Lutero. Estão concentrados em três grupos não mencionados em artigos anteriores na Fórmula de Concórdia, que são os Anabatistas, Schwenck-

6 GOERL, 1977, p. 32.

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feldianos e Antitrinitários. Em 1559 Andreae, na Refutação e na Confi ssão de Mansfeld, explicitamente condena estes grupos.

O principal expoente da Fórmula de Concórdia foi o Dr. Jacobus Andreae (1528-1590), um teólogo do sul da Alemanha e professor da Universidade de Tübigen. “Andreae tem demarcado repetidamente a igreja da Confi ssão de Augsburgo de oponentes e críticos da teologia luterana”.7 Em 1566, elaborou e pregou trinta e três sermões na cidade de Esslingen para ins-truir seus paroquianos sobre a diferença do ensino dos luteranos diante de católicos romanos, zwinglianos, anabatistas e schwenckfeldianos. Ao introduzir estes sermões, ele mencionava sua esperança em Deus de que estes grupos pudessem rever suas posições e se unir à verdade. Infeliz-mente esta esperança de Andreae nunca se concretizou. Pelo contrário, as divisões sempre continuaram, e de forma mais acentuada nas últimas décadas.

O resumo dos seus sermões, pregados enfaticamente, como já mencio-nado, tornaram-se a base para o artigo XII, o último capítulo da Fórmula de Concórdia, cujo material foi revisado por Martin Chemnitz e subscrito pelo comitê de Bergen. O artigo enumera as diversas heresias relacionadas nos três grupos combatidos que apresentaremos a seguir.

ANABATISTAS

Um grupo que surgiu na época da Reforma. O próprio nome remete à sua prática principal: rebatizar, ou batizar de novo. Ensinavam que uma criança não pode crer e por isso a necessidade de um novo batismo. Em 1520 Martinho Lutero, Filipe Melanchton e outros começaram a repudiar os ensinos dos anabatistas. Destaca-se neste cenário Karlstadt (1480-1541), professor e colega de Lutero em Witenberg, que, na ausência de Lutero, começou ensinar e sustentar vários ensinos diferentes de Lutero. Quando Lutero retornou para Witenberg em 1522, o destituiu da lide-rança do movimento evangélico. Karlstadt desconsiderava a necessidade de um pastor ser preparado em escolas, podendo ser chamado para o pastorado pessoas simples sem qualquer preparação acadêmica. Assim, muitos abandonaram a Universidade de Witenberg, tornando-se pastores. E neste movimento Karlstadt já se sentiu na liberdade de menosprezar os sacramentos e abolir o batismo infantil.

No sul da Alemanha, um grupo identifi cado pelos artigos de Schlei-theim de 1527, liderados por Jakob Hutter e Menno Simons, fundaram as igrejas anabatistas que continuam até hoje. Os anabatistas se fazem presente nas igrejas batistas e praticamente em todas as igrejas que dela

7 KOLB, p. 456.

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derivam, negando o batismo infantil e outras doutrinas deste movimento do sexto século. Os grandes movimentos pentecostais e neopentecostais rejeitam o batismo infantil e, ao receberem membros de denominações históricas como católicas, luteranas, metodistas, etc., rebatizam estes novos “convertidos”, alegando que o primeiro batismo foi falso. E neste contexto de evangelização somos desafi ados a pregar com convicção o batismo infantil e outras doutrinas relacionadas, como do pecado original, da justifi cação somente por graça. Com experiência própria reconheço a difi culdade de convencer os índios de uma aldeia que atendemos em Rondônia, de que todos devem ser batizados, tantos adultos quanto suas crianças. Os anabatistas apresentam uma série de doutrinas errô-neas relacionadas pelo Artigo. “Os anabatistas entre si mesmos estão divididos em muitas seitas, das quais uma defende muitos erros, outra menos. Mas em geral professam doutrinas que não se pode tolerar ou permitir, nem na igreja, nem no estado e no governo secular, nem na sociedade doméstica”.8

A seguir relacionamos estas doutrinas de forma resumida e simplifi -cada.

Artigos relacionados à igreja:– Cristo não tem corpo humano, apenas celeste. – Cristo não é verdadeiro Deus, apenas tem mais dons do Espírito

Santo que qualquer outro homem santo.– Somos justifi cados diante de Deus não apenas pelos méritos de

Cristo, mas com a nossa cooperação.– Crianças não são pecadoras, são inocentes porque não fazem uso da

razão, e são salvas sem batismo. Rejeitam assim o pecado original.– Batismo só em idade de poder de forma racional confessar sua fé.– Filhos de cristãos são fi lhos de Deus sem o batismo.– Numa congregação cristã verdadeira não se encontram pecadores.– Não ouvir sermão e participar de culto em templos anteriormente

papistas.– Ministros que confessam a Confi ssão de Augsburgo não deveriam

ser ouvidos, mas deles fugir.

Artigos relacionados ao Estado:– O governo não é estado agradável a Deus no Novo Testamento.– O cristão não pode, de sã consciência, ocupar ofício governamental.– O cristão não pode fazer uso do seu ofício governamental contra os

maus, nem os súditos recorrer ao estado para proteção ou defesa.

8 LIVRO DE CONCÓRDIA, 1997, p. 536.

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– O cristão não pode de sã consciência prestar juramento à pátria ou às autoridades civis.

– O governo não pode em sã consciência aplicar a pena capital.

Artigos relacionados à vida doméstica:– O cristão não pode ter propriedade particular.– O cristão não pode de sã consciência ser hoteleiro, comerciante e

faqueiro.– O cônjuge pode se divorciar por causa da fé e contrair novo casa-

mento da mesma fé.

SCHWENCKFELDIANOS

Nome que deriva do seu fundador, Gaspar Schwenckfeld (1490-1561), nobre da Silésia e reformador espiritualista. Este aderiu à Reforma e teve um encontro com Martinho Lutero em 1525, mas logo veio a se desviar dos ensinos bíblicos. “Infelizmente, desenvolveu algumas ideias antiescri-turísticas dentro de um misticismo obscuro e confuso, principalmente em torno da pessoa de Cristo e os meios da graça”9. A seguir relacionamos os seus erros, alguns semelhantes aos anabatistas:

– A carne de Cristo é celeste e não humana.– A carne de Cristo pertence à essência da Santa Trindade.– A palavra de Deus pregada e ouvida não é meio da graça.– Que a água do batismo não é o meio pelo qual Deus sela a adoção

de seus fi lhos e opera o renascimento.– O pão e o vinho não são meios pelos quais Cristo distribui seu corpo

e sangue.– Que um verdadeiro convertido pode cumprir perfeitamente a lei de

Deus.– Não é verdadeira congregação cristã aquela que regularmente não

excomunga publicamente.– O ministro da igreja só pode ensinar e administrar sacramentos se

ele for justo e piedoso.

ANTITRINITÁRIOS

Os antitrinitários são também chamados de arianos, por serem adep-tos de Ário, um teólogo herege do séc. IV, o qual negava a divindade de Jesus, ou que Jesus seria um Deus inferior. E sua heresia perpassou a história da igreja cristã fazendo seus estragos. “O arianismo se espalhou

9 GOERL, 1977, p. 32.

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principalmente na área do Oriente e durante muito tempo provocou sérios distúrbios no seio da igreja”.10 No período da Reforma foram mencionados e refutados na Fórmula Concórdia, visto que começaram a se organizar, retomando as heresias de Ário. Entre os seus líderes destacam-se Fausto Socino, advogado e teólogo da Itália, mas que se radicou na Polônia, onde desenvolveu esta doutrina na época da Reforma. A Fórmula de Con-córdia caracteriza este movimento como uma seita nova, como segue: “Esta é uma seita inteiramente nova, de que antes não se ouviu falar na cristandade”.11 É importante ressaltar que a heresia surgiu nos primeiros séculos do cristianismo, através de Ário, que motivou o Concílio de Nicéia em 325, mas, como organização, evidentemente só no período da Refor-ma. Seus erros são os seguintes:

– Rejeitam os antigos Credos aprovados pela igreja, Niceno e Atanasia-no, os quais defi nem a Trindade de acordo com as Escrituras Sagradas.

– Ensinam que somente o Pai é autêntico e verdadeiro Deus.

ASPECTOS PASTORAIS

Como pastores luteranos confessionais, não podemos nos calar frente a todas as heresias que nos cercam e deturpam o puro evangelho de Jesus Cristo. Reporto-me à preocupação especial que tinha o apóstolo Paulo com os pastores Timóteo e Tito, por exemplo: “...te roguei perma-necesses ainda em Éfeso para admoestares a certas pessoas, a fi m de que não ensinem outra doutrina”.12 E ainda: “tem cuidado de ti mesmo e da doutrina”.13 “Tu, porém, fala o que convém à sã doutrina”.14 Quando o diabo não consegue impedir as pessoas de virem a crer em Jesus, ele faz de tudo para confundir a fé e o verdadeiro evangelho.

Durante toda a história do Cristianismo, o diabo tem tentado destruir a obra salvadora de Cristo. Por isso não podemos deixar de confessar a nossa fé, tal como os apóstolos de Cristo, Lutero e outros como os autores da Fórmula de Concórdia. Defender a doutrina pura, apontar erros dou-trinários não é indelicadeza e mero julgamento, mas comprometimento com as verdades bíblicas. É inadmissível nos calarmos diante de heresias e até promovermos ecumenismo com tais seitas, sacrifi cando as verdades bíblicas.

10 GOERL, 1977, p. 34.11 LIVRO DE CONCÓRDIA, 1997, p. 538. 12 Tm 1. 3. 13 Tm 4. 16. 14 Tt 1. 2 .

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Assim como os teólogos luteranos no séc. XVI, devemos atentar, dis-tinguir e podemos enumerar várias doutrinas falsas no século XXI, tais como:

– Jesus sendo apenas um talismã, uma senha, e não o Jesus encar-nado, histórico e segunda pessoa da Trindade.

– A obra de Cristo é insufi ciente para a nossa justifi cação, precisa ser complementada com obras próprias.

– O batismo infantil é desnecessário, as crianças são salvas por não terem pecado.

– A igreja luterana não tem doutrina, por isso permite na congregação pessoas pecadoras.

– A santa ceia é mero simbolismo, e não presença real de Cristo.– Pastores não precisam de formação teológica e de conhecimento

aprofundado das Escrituras, pois recebem revelação direta do Espírito Santo. Menosprezam, assim, as Escrituras Sagradas.

– Se você for um fi el dizimista, você não terá problemas espirituais, físicos ou materiais.

– Ênfase demasiada no Espírito Santo.– Estas são algumas das doutrinas errôneas ensinadas e praticadas

por uma infi nidade de seitas que surgiram e surgem a cada dia. Diante disso, Kolb sugere: “Luteranos do século XXI são chamados para continu-ar e repetir a orientação e confi ssão de fé pastoral que tiveram em suas mentes os seguidores de Martinho Lutero no sexto século”.15

CONCLUSÃO

Os católicos romanos nos associam geralmente à grande massa evangélica, e essa massa evangélica nos associa aos católicos. Nós nos consideramos luteranos confessionais, mas por que aqueles não sabem o que cremos e confessamos? Poderíamos afi rmar que somos mais lute-ranos crentes do que luteranos confessionais. Como detentores de uma doutrina que se fundamenta somente na fé, na graça e nas Escrituras, está na hora de nos expormos com mais coragem como fi zeram Lutero e seus seguidores do sexto século.

Não nos iludamos ao pensar de que o mundo está evangelizado. O mundo está, sim, confundido diante de tanta crendice popular e doutrinas que são preceitos de homens. Está na hora de fazermos uma boa leitura do contexto atual e relacioná-lo à Fórmula de Concórdia, e nos tornar verdadeiros confessionais. E que Deus nos mantenha fi rmes na confi ssão da nossa fé.

15 KOLB, p. 478.

XII - DE OUTRAS FACÇÕES E SEITAS, QUE NUNCA ABRAÇARAM A CONFISSÃO DE AUGSBURGO (ANABATISTAS, SCHWENCKFELDIANOS E ANTITRINITÁRIOS)

IGREJA LUTERANA

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REFERÊNCIAS

BEZERRA, Ricardo. Pentecostalismo Unicista. Disponível em: <http://www.agirbrasil.org>. Acesso em: 29 mar. 2011.

COELHO, Isaltino Gomes. Neopentecostalismo. Faculdade Teológica Batista de Campinas, 14 de Abril de 2004. Disponível em: <http://www.teologicadecampinas.com.br>. Acesso em: 29 mar. 2011.

GOERL, Otto A. Fórmula de Concórdia: cremos, por isso falamos. Porto Alegre: Concórdia, 1977.

HÄGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre: Concórdia, 1981.

KOLB, Robert. The Formula of Concord and Contemporary Anabaptists, Spiritualists, and Anti-trinitarians. In Lutheran Quarterly, Winter 2001, v. XV, n.4.

LIVRO DE CONCÓRDIA. Fórmula de Concórdia, Artigo XII. São Leopoldo e Porto Alegre: Sinodal e Concórdia, 1997.

WENGERT, Timothy J. A Formula for Parish Practice. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans Publishing Company, 2006.

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Valci Sering ([email protected]). Sou natural de Afonso Claudio/ES, nascido em 23/08/1965. Em 1979 mudei com minha família para Rondônia. Formado em Teologia no Instituto Con-córdia de São Paulo em 1997. Fui comissionado para fundar a Igreja Evangélica Luterana do Brasil no Estado do Acre. Atuei no Acre de 1998 a 2005. Pós-graduado em Psicopedagogia em 2004 pela Universidade Varzeagrandense de Mato Grosso. Desde de março de 2005 sou pastor na PEL Ressurreição de Ministro Andreazza/RO. Mestrando em Teologia Prática no Seminário Concórdia de São Leopoldo/RS. Casado com Elenilda Agezislau de Souza Sering e pai de Valci Junior e Klara Eliza.

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PRIMEIRO DOMINGO DE ADVENTO

2 de dezembro de 2012

Salmo 25.1-10; Jeremias 33.14-16; 1 Tessalonicenses 3.9-13; Lucas 19.28-40 ou Lucas 21.25-36

CONTEXTO

1. Contexto litúrgico: O primeiro Domingo no Advento marca o início de mais um ano eclesiástico. É um tempo de esperança, pois Deus graciosamente permite que sua palavra de amor e perdão continue a ser anunciada ao seu povo. O tempo de Advento tem como tema fundamental a vinda de Jesus para os seus – ele veio em carne, ele vem por meio do evangelho, ele virá em glória para buscar os seus.

Duas leituras são sugeridas como opções para o Evangelho do dia. Lucas 19.28-40 registra a entrada de Jesus em Jerusalém (confi ra em Igreja Luterana 67/1 [Junho 2008], p. 75-78 – disponível em http://www.seminarioconcordia.com.br/seminario/documentos/il/129/IL20082.pdf). Aqui optamos pela leitura alternativa, de Lucas 21.25-36, com a ênfase na segunda e defi nitiva vinda de Jesus.

Na leitura do Evangelho do primeiro Domingo de Advento nossas aten-ções se dirigem em alegre expectativa para os tempos do fi m diante da promessa da vinda de Cristo, que trará redenção e alegria ao seu povo.

2. Contexto literário: O texto sugerido faz parte do assim chamado “discurso escatológico” de Jesus. Ele é “provocado” por duas perguntas feitas pelos discípulos – “quando” e “que sinal” Jesus poderia lhes dar sobre os eventos futuros. A resposta de Jesus não dará elementos para responder especifi camente ao “quando”, mas apresentará os sinais de que o fi m se aproxima. Curiosamente, em sua mensagem, Jesus vai abordar dois eventos distintos, mas relacionados – a queda de Jerusalém (que, conforme sabemos, aconteceu no ano 70 AD, sob os romanos) e a segunda vinda do próprio Jesus para o fi m de todas as coisas (como lemos na Epístola do dia, “a vinda de nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos” – 1 Ts 3.13). Na linguagem teológica a queda de Jerusalém é o “tipo” e a vinda futura de Cristo, o “antítipo”. No texto em estudo, a ênfase está na vinda defi nitiva de Cristo, portanto, um texto que traz a mensagem escatológica por excelência – a parousia de Jesus.

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS

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DESTAQUES DO TEXTO

“Haverá sinais ...” – um sinal (shmei/on) é por defi nição algo que aponta para uma realidade à qual se deve estar atento. O sinal não é em si aquilo em que Jesus espera que as pessoas coloquem sua atenção; esta deve ser dirigida para a realidade à qual o sinal está indicando. No discurso escatológico, após a pergunta dos discípulos pelo “sinal”(Lc 21.7), Jesus usa o termo duas vezes (vv. 11,25), não sem antes alertar seus discípu-los para aqueles que irão se aproveitar para semear o erro (v. 8) e para interpretações que levem ao terror desnecessário (v. 9). No discurso de Jesus os sinais acontecem tanto na época anterior à queda de Jerusalém como no período entre esta e a parousia de Jesus. Por isso mesmo, a atenção não deve ser excessivamente voltada aos sinais e não devem estes ser equivocadamente usados para fi ns especulativos (por exemplo, de tentar “adivinhar” quando será!). O grande evento não se resume a qualquer dos sinais, mas ao que o Salvador mesmo se refere ao dizer: “Então se verá o Filho do Homem vindo numa nuvem, com poder e grande glória”. Numa época em que livros são escritos e fi lmes são feitos tendo como grande evento arrebatamento, sete anos de tribulação e milênio, normalmente apresentados de forma especulativa e contrária ao ensino da Escritura, cumpre lembrar que o evento escatológico por excelência é a vinda de Jesus, que traz alegria e exultação ao seu povo, mas angústia aos descrentes.

“... exultai e erguei a vossa cabeça” (v. 28) – um marcante contraste se estabelece com a atitude dos descrentes (“desmaiarão de terror” – v. 26). Estes dois efeitos apontados pelos eventos cataclísmicos que anunciam o fi m deste mundo mostram que o anúncio da vinda defi nitiva de Jesus é proclamação de lei e evangelho e não mera informação para satisfazer a curiosidade das pessoas.O verbo traduzido por “exultai” (NTLH – “fi quem fi rmes”) signifi ca literalmente “levantar-se, parar ereto”. Somente é usado no NT neste texto e em Lc 13.11, a respeito de “uma mulher possessa de um espírito de enfermidade” que há 18 anos estava encurvada e não podia endireitar-se. No AT (na LXX), o verbo é usado em Jó 10.15 – “não ouso levantar a cabeça, pois estou cheio de ignomínia”. Assim, erguer-se é uma manifestação de libertação e de confi ança, olhando para cima, para o Senhor que vem em sua glória, este que é o Senhor gracioso.

“... não passará esta geração” (v. 32) – a difi culdade está em determinar a que Jesus está especifi camente se referindo. A NTLH traduz: “todos os que agora estão vivos”, entendendo a referência sendo feita aos contem-porâneos de Jesus. Este parece ser o sentido mais evidente, o que levaria a entender o “tudo isto” como se referindo aos eventos anteriores à queda de Jerusalém (70 AD) e à própria destruição do templo pelos romanos. A

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expressão é usada nove vezes em Lucas (7.31; 11.29,30,31,32,50,51; 17.25; 21.32) e em cada uma delas fi ca evidenciado o tom de crítica por parte de Jesus. “Esta geração” sempre se refere a pessoas que são hostis a Jesus e ao reino nele manifesto. Considerando este uso da expressão em Lucas e a natureza tipológica do discurso de Jesus (em que a destruição do templo de Jerusalém é um tipo dos eventos que acontecerão na vinda defi nitiva de Jesus), ela pode ser entendida como referindo-se a todos aqueles que ao longo da história, de maneira especial na proximidade da parousia, rejeitam a Cristo e o evangelho. Em outras palavras, até a vinda de Jesus sempre haverá pessoas em oposição ao evangelho.

“... sabei que está próximo o reino de Deus” (v. 31) – assim como os discípulos são exortados a observar (“Vede”) a fi gueira, que ao brotar indica a chegada próxima do verão (vv. 29,30), eles saberão pela observância dos diversos sinais que a chegada do reino de forma visível e plena está próxima. É importante lembrar que nos Evangelhos o reino de Deus tem uma dupla vinda – na pessoa e obra de Jesus (Lc 1.32; 11.20) e na sua vinda futura, anunciada no texto em estudo. É o mesmo reino, de graça, perdão e vida – hoje recebido pela fé; no fi nal, visível e plenamente usufruído.

Note-se o imperativo – “sabei”! É importante saber tanto quanto Deus nos revela, nada mais, nada menos. Querer saber mais do que as claras palavras de Cristo ensinam é mera curiosidade humana e desejo espe-culativo, que desvia o coração do evangelho; ignorar o que é revelado é correr o risco de ser enganado e ser tomado “repentinamente, como um laço” (v. 34).

“... as minhas palavras não passarão” (v. 33) – em contraste com os céus e a terra, que passarão (mesma forma verbal - pareleu,sontai) ou seja, não permanecerão na forma como hoje aí estão, as palavras de Je-sus permanecem e dão sentido ao tempo presente. Observe-se que Jesus utiliza de verbo no futuro com uma negação enfática - oi` lo,goimououvmh. pareleu,sontai = as minhas palavras de modo nenhum passarão.

“Acautelai-vos” (v. 34) – o mesmo imperativo é usado em Lucas mais três vezes: 12.1 - cuidado com a hipocrisia dos fariseus; 17.3 (mesma expressão de 21.34 – prose,ceteeautoi/j) – cuidado com a atitude de causar escândalo, que é mencionada antes desta expressão; 20.46 – cuidado com os escribas, que gostam de reconhecimento público. Estas admoestações de Jesus alertam os discípulos contra aqueles que, sob aparência de direi-to e religiosidade, agem contra a justiça de Deus. No texto em estudo o alerta é contra uma atitude que trate levianamente o que está por vir. De certa forma, lembra um dos perigos mencionados por Jesus na parábola do semeador (Mt 13.7,22).

“Vigiai” (v. 36) – a vigilância na fé é fundamental em todo tempo, em cada época da história (evnpanti. kairw/|), ainda mais quando se aproxima

PRIMEIRO DOMINGO DE ADVENTO

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o dia da vinda do Senhor (cf. Hb 10.25). Lucas conecta a vigilância à oração (um tema que tem destaque neste Evangelho). Aqui não é usado o verbo proseu,comai, o mais frequente em Lucas (usado, por exemplo, na referência ao “Pai Nosso” – Lc 11.1,2). Jesus emprega o verbo de,omai, diversas vezes utilizado para uma súplica diante de uma situação grave (por exemplo, Lc 5.12; 8.28,38; 9.38,40; 10.2; 22.32). A vigilância na fé signifi ca dependência do Senhor; por isso, a oração! A força vem dele, de sua palavra que não irá passar (v. 33), para que se possa viver os tempos difíceis que virão e que levarão pessoas ao desespero (v. 25) e para que se possa fi car de pé (postura de vitória, que lembra o “exultai” do v. 28) quando o Senhor vem.

APLICAÇÃO HOMILÉTICA

Ao falar especifi camente sobre a vinda de Cristo (vv. 27-36), é possível observar no texto uma interessante estrutura: no início (v. 27) e fi nal (v. 36) há referências ao “Filho do Homem”, o próprio Jesus em sua glória, que servem como que de uma moldura. É a presença gloriosa do Filho do Homem (expressão que lembra autoridade, poder e glória), o mesmo que morreu e ressuscitou pelos pecados do mundo, é esta vinda futura que dá direção à igreja e à vida de cada fi lho de Deus neste mundo. Segue um conjunto de verbos no imperativo – “exultai, erguei, vede, sabei, acautelai-vos, vigiai”. E ainda, praticamente no centro do texto, está a promessa da permanência das palavras de Jesus, promessa esta colocada de forma enfática pelo duplo negativo. Esta promessa fundamenta a vida daqueles que aguardam a chega-da de Cristo e nela encontram motivo de júbilo e recebem forças para saber lidar com estes tempos de expectativa, em vigilância e devida cautela.

O texto em si fornece uma boa sugestão de esboço para a mensagem – com a “moldura” colocada pela vinda de Cristo; com os três conjuntos de imperativos – (1) “exultai e erguei a vossa cabeça”, (2) “Vede ... sa-bei”, (3) Acautelai-vos ... vigiai”; e com a promessa que conduz o povo de Deus em alegre expectativa – “Minhas palavras de maneira nenhuma passarão”.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA JUST JR., Arthur. Luke 9.51-24.53. Concordia Commentary. St. Louis: Concordia, 1997.

Gerson L. LindenSão Leopoldo/RS

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SEGUNDO DOMINGO NO ADVENTO

9 de dezembro de 2012

Salmo 66.1-12; Malaquias 3.1-7B; Filipensses 1.2-11; Lucas 3.1-14 (15-20)

CONTEXTO

Com regularidade, o Lecionário, a cada ano, revisita certas histórias bíblicas. Esta é uma delas: João Batista aparece pregando no deserto cada segundo Domingo no Advento. Logo, quando João Batista aparece no horizonte é sinal de que o Natal está perto. Claro, João é um profeta (1.76a; 3.1-2; 7.26), o precursor de Jesus (1.17; 1.76b; 3.4; 7.27) que prega arrependimento e perdão como prelúdio para a vinda da salvação (1.77; 3.3). Lucas, entretanto, não compara João com Elias e nem mesmo faz uma descrição das suas roupas esquisitas.

A passagem de abertura do nosso texto fala da identidade de João. A impressionante lista de governantes políticos e religiosos não apenas fi nca a narrativa na história quanto confi rma que João é um tipo de profeta do Antigo Testamento cujo ministério é cercado por personagens de desta-que. No centro desse círculo está Herodes, contra quem João vai falar a palavra do SENHOR (cf. Jr 1.2, Mq 1.1; Sf 1.1).

João não é imperador, governador ou sumo sacerdote, mas é a ele que “veio a palavra de Deus”. A Palavra vem não em Roma nem em outro centro de poder, mas “no deserto” – um lugar que surpreende.

A função de João como profeta aponta para Jesus, um poder profético ainda maior. Jesus tem autoridade não apenas sobre João, mas sobre toda a tradição profética do Antigo Testamento que ele, João, represen-ta, simboliza e fi naliza. Embora ambos sejam fi guras proféticas e ambos sejam “grandes” (1.15, 32), apenas Jesus é o “Filho do Altíssimo” (1.32). Como precursor de Jesus, João anuncia a salvação, mas apenas Jesus é Aquele que a traz.

TEXTO E SUGESTÕES HOMILÉTICAS

Ao colocar a narrativa no contexto histórico tanto romano quanto ju-daico, Lucas mostra que a palavra de Deus que vem a João é um evento signifi cativo para o mundo e a história da salvação. João “prepara o ca-minho do Senhor”. Este caminho é para todos, judeus e gentios. Aquele que estiver sob a liderança de Tibério César ou Pôncio Pilatos ou Herodes

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ou Felipe ou Lisânias ou Anás ou Caifás será tocado pela palavra que João prega e pelo caminho que ele prepara.

“No deserto” – é uma expressão marcante. Evoca a memória dos israelitas, especialmente porque o local no deserto é o Jordão (3.1-2). Lucas prepara-nos para isso já em 1.80. O Antigo Testamento profetizou que Deus iniciaria sua restauração escatológica de Israel no deserto num novo êxodo que iria transcender a primeira peregrinação de Israel no deserto (p. ex., Is 41.17-20; 43.19-21; Ez 20.33-38; Os 2.14-23). A “circunvizinhança do Jordão” também carrega implicações teológicas. Para os israelitas, cruzar do rio Jordão foi um passo signifi cativo das suas peregrinações para a Terra Prometida (Js 3). Da mesma forma, passar pelo mar Vermelho trazia consigo fortes ênfases batismais, como bem confi rma Paulo em 1Co 10.2.

João vem ao Jordão “pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados”. É a primeira vez em Lucas que aparece o termo “pregar” (khru,ssw), o que denota o anúncio de que uma nova era de salvação está presente e ativa por meio de João Batista (3.3) e, depois, Jesus (4.18-19, 44; 8.1), ou os discípulos (9.2; 12.3; 24.37).

Quando Mateus descreve os que vêm a João para serem batizados, ele especifi camente se refere aos fariseus e saduceus. Lucas, em nosso texto, fala apenas em "as multidões" (o;cloi) e as chama de "fi lhotes de víboras" (Gennh,mata evvcidnwn). Estão destinadas à ira e considerando-se fi lhos de Abraão de nada adiantará se não se submeterem ao batismo de João. Fariseus e saduceus não se submetem ao batismo porque, como descendentes do patriarca, "já caíram no pote", e dispensam qualquer outra medida substitutiva. Por isso, João os chama de "fi lhotes de víbo-ras", uma referência a Satanás (Gn 3.1). Ao afi rmar "destas pedras Deus pode suscitar fi lhos a Abraão", João estava insultando os judeus porque, para estes, os gentios eram considerados pedras e João está insinuando que Deus pode criar judeus a partir dos gentios por meio do batismo de arrependimento para a remissão de pecados.

Para eles, fariseus e saduceus, o "lavar" ritualístico bastava para os livrar da "ira vindoura" uma vez que estavam seguros nas dinásticas promessas de fi lhos de Abraão. Aplicações contemporâneas similares a tal arrogância nota-se ainda hoje. Muitos supostos cristãos se estribam num ritualismo vazio atrelado a promessas do passado em que o falso conceito "uma vez salvo, sempre salvo" garante estabilidade perene da sua relação com Deus. É uma heresia popular que ainda persiste.

Ecoando a mensagem profética do Antigo Testamento, João responde que o verdadeiro arrependimento, que inclui fé, produz frutos "dignos" de uma fé baseada em humilde contrição e incondicional aceitação da graça divina. Assim como no lavar ritualístico, obras não produzem salvação

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ou arrependimento, senão que elas são resultado natural do verdadeiro arrependimento.

Os detalhes incluídos por Lucas nos vv. 10-14 (ausentes nos outros Evangelhos) destaca a reação dos que fazem parte das "multidões", mas que eram alijados do povo de Deus pelos fariseus e saduceus: os publicanos e os soldados. Os publicanos eram judeus contratados pelos romanos para cobrar o imposto daqueles; por isso, eram detestados pelos judeus (em especial pelos fariseus e saduceus) por ajudarem um imperador pagão e frequentemente defraudarem seu próprio povo. Os soldados faziam parte de um restrito destacamento militar cuja fi nalidade era manter a segurança a certos líderes ou instituições dos judeus como Herodes Antipas, a guarda do templo e a escolta para os publicanos. Em resumo, se estão no meio do povo correm riscos, mas o motivo deve suplantar o medo. São eles que formulam a pergunta que os fariseus, por exemplo, jamais fariam: "Que havemos de fazer?". É uma demonstração de que estão inclinados a fazer o que João pede. O fruto mais digno de arrependimento é estar preparado para a vinda do Messias e isso começa ouvindo a "palavra do Senhor" que vem de João, que leva ao arrependi-mento e que conduz ao batismo para a remissão de pecados.

Quais são as obras próprias do arrependimento? João dá orientações gerais às multidões, aos publicanos e soldados, resumindo como o ar-rependimento se expressa na vida diária. Cada orientação diz respeito às coisas aqui no mundo. Para as multidões, que façam obras de mise-ricórdia, compartilhando o excedente; aos publicanos, que não sobre-taxem; aos solados, que não usem o poder do ofício para a extorsão ou violência. As obras de arrependimento, portanto, se caracterizam por não ser espetaculares, extravagantes, sofi sticadas, motivadas por espe-cial experiência religiosa. Ao contrário, elas são aplicações bem práticas e mundanas da humildade e ética cristãs. É a essa prática que Lutero denomina de vocação.

A abordagem seguinte de João (v.15) é para o "povo que está na ex-pectativa". O "povo" (lao,j) é diferente das "multidões" (o;cloi). O texto não diz se o povo é uma parte diferenciada das multidões, mas afi rma que é um povo que vive numa diferente expectativa, a do Messias. Para este povo João aponta Cristo. Seu batismo inclui fogo e o Espírito Santo, que separará a palha do trigo. Ele "é mais poderoso do que eu", como prometido por Jeremias (50.34). O Espírito produz fé, que produz frutos dignos de arrependimento.

João, o precursor, anuncia o advento do Messias, a quem esperamos. O Natal é antes e acima de tudo a celebração da fi delidade de Deus a suas promessas. A expectativa da vinda do Messias, como expressa em Lucas, antecipa a alegria e a certeza de que pela sua encarnação e obra,

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Ele nos garante, por graça, a salvação e o perdão dos pecados que, por sua vez , tornam o arrependimento natural e "cheios do fruto de justiça", como atesta a Epístola de hoje.

Acir RaymannSão Leopoldo/RS

[email protected]

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TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO

16 de dezembro de 2012

Salmo 85; Sofonias 3.14-20; Filipenses 4.4-7, Lucas 7.18-28

COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO

Essa seção pode ser considerada a partir de uma divisão em duas partes: a) o questionamento de João Batista a respeito de Jesus e b) o testemunho de Jesus a respeito de João.

A rotina de milagres operados por Jesus foi noticiada amplamente e de forma particular a João, que, por sinal, estava preso. Seus discípulos não haviam perdido o contato com Jesus e João era informado sobre tudo o que estava acontecendo.

Todos os milagres feitos por Jesus certamente tiveram seu impacto, mas muito provavelmente a ressurreição do fi lho único da viúva de Naim (Lc 7.11-17) é que trouxe maior inquietação e curiosidade a João, bem como maior admiração entre as pessoas. Essas notícias se espalharam e João decide checar sobre quem é que está operando essas maravilhas.

Naturalmente que a dúvida de João, e certamente do povo em ge-ral, e a resposta de Jesus indicam isto, tem a ver com a identidade do Salvador Jesus. É desafi ador a forma como Jesus vem demonstrando ao longo do Evangelho que ele é o Messias prometido no Antigo Testamento. Num dos seus primeiros sermões ele faz menção ao profeta Isaías para afi rmar que ele veio para pôr em liberdade os presos. Ora, João estava preso. As coisas pelo jeito estavam tomando rumos inesperados e bem diferentes das expectativas humanas.

As ações de Jesus que devem ser repassadas para João Batista apontam para o fato de que seu ensino está sendo confi rmado pelos seus milagres (Dt 18.21-22). Isto é signifi cativo na medida em que são os milagres que testifi cam que em Jesus Deus está presente entre seu povo e as profecias de Isaías estavam tomando forma concreta no tempo e no espaço. É isso que se pode perceber na enfática resposta de Jesus. Na verdade, ele só não responde com palavras aos discípulos de João, mas os deixa ver com os seus próprios olhos mais curas sendo realizadas (Lc 7.21). Só depois ouvem da boca de Jesus palavras do profeta Isaías (Lc 7.22).

O versículo 23 serve como ponte para a segunda parte dessa perí-cope. A aceitação ou rejeição a João Batista. Porém, ele continua tendo conotações cristológicas, visto que Jesus afi rma que abençoados são

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aqueles que não se escandalizam com ele. Quais seriam os motivos desse escândalo? Primeiro, quem sabe, pela identifi cação de Jesus de Nazaré como o Messias. Não obstante seu ensino e milagres atestarem para sua identidade messiânica, nem todos queriam reconhecer esta verdade. Em Lucas 4.22 muitos apenas diziam “não é este o fi lho de José”? O segundo motivo de escândalo poderia ser a forma como Jesus veio e que não correspondia às expectativas do povo de Israel. Jesus se mostra acima de tudo como sendo misericordioso, compassivo, per-doador e não como alguém que vai executar a vingança (cf. Is 61.2b). Ao invés de dar cumprimento à ira de Deus, ele vai absorvê-la e assim trazer paz à humanidade. É interessante notar que muito provavelmen-te Jesus “não esqueceu” de incluir “e o dia da vingança”, nem que foi sem propósito citar Isaías 29.18-19, sem fazer menção ao versículo 20, “pois o tirano é reduzido a nada, o escarnecedor já não existe e já se acham eliminados todos os que cogitam a iniquidade”. A omissão de Jesus pode até frustrar as expectativas de João, dos seus discípulos e principalmente do povo, pois não era isso que eles queriam ouvir. Mas era isto que precisava ser dito.

Muitos esperaram pelo Messias que viria para executar vingança contra aqueles que eram considerados inimigos de Deus e do povo de Israel. Jesus, porém, vem em solidariedade com a humanidade pecadora e carrega sobre si a ira de Deus contra o pecado. Abençoados são aqueles que veem em Jesus o Messias que traz misericórdia e compaixão, ainda que esperanças sejam frustradas e observações humanas não alcancem tal dimensão do seu ministério. É a “velha e sempre difícil cruz”.

Na segunda parte a atenção é sobre o último dos profetas do Antigo Testamento. Último e o maior, no ofício de profeta, menor porque ele não é parte da era messiânica recém chegada em Cristo e anunciada por ele. João percorreu o caminho do “outro lado” do Messias: a rejei-ção e a cruz. O próprio aprisionamento de João e sua iminente morte atestavam para isso e o precursor do Messias certamente viveu na pele a teologia da cruz.

REFLEXÃO HOMILÉTICA

O que textos como esses dizem para nós, luteranos? Como nós encara-mos as doenças e reagimos diante de Deus? Vemo-las apenas como uma anomalia física, ou também teologicamente, como sendo consequência do pecado e que por isso podem ser tratadas por Jesus?

Antes de tudo, é preciso observar que esses momentos de cura e todos os outros registrados nos evangelhos devem ser vistos à luz do seu contexto original, a saber e especialmente, as profecias de Isaías

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29.18-19; 35.4-6 e 61.1, junto com Lucas 7.21-22. Quando João Batista envia seus discípulos para perguntar sobre a identidade de Jesus, se era realmente ele que estava por vir, a resposta e a ação de Jesus em curar tem conexão direta com as profecias de Isaías. O que quer dizer isso? Isto quer dizer, em outras e bem simples palavras, que o Reino de Deus chegou e tem face em Jesus Cristo.

Por que então nós não poderíamos ter ou não deveríamos esperar esse tipo de presença do Reino e consequente cura em nossa vida cristã ainda hoje? Qual é a base para não crermos? Qual é a base para crermos que Deus pode nos dar por antecipação, assim como nos dá o perdão, vida e salvação pelo Batismo, Palavra e Santa Ceia, também curas físicas e outras bênção que não são apenas “espirituais”?

Nós não somos deístas abertos, como se Deus não soubesse de an-temão o que é melhor para nós e assim poderíamos ter medo de pedir uma cura, por exemplo. Porque um deísta aberto crê que Deus não tem conhecimento prévio e pleno do futuro. Também não somos deístas, como se Deus tivesse nos criado e nos deixado à nossa sorte aqui neste mundo e nos negado a participação na nossa história. Porque um deísta até crê que Deus criou o mundo, mas deixou ele e suas criatura por sua própria conta. Igualmente não somos secularistas, que não creem em milagres, nem em revelação divina, aliás, nem creem em Deus. Portan-to, não há base para não se crer que Deus não esteja interessado em também nos curar fi sicamente.

Nós cremos num Deus todo-poderoso, que enviou seu Filho Jesus para morrer por nossos pecados e nossas enfermidades físicas. Nós cremos que Deus nos criou e a todas as criaturas, além disso, Ele não se ausentou do mundo. Ele está presente nos meios da graça, nele as pessoas se movem e existem. Cremos que Ele é o Deus de todo o poder, o Senhor, que pode ser chamado de Pai.

Outra coisa: a profecia de Isaías 53. 4:“Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si”, é usada pelo evangelista Mateus num contexto de uma série de curas físicas (Mt 8.17). Mateus sabia da morte vicária de Cristo, tanto que ele é visto como o servo que deu a sua vida em resgate pelos pecadores (Mt 20.28), mas ele também pode momentaneamente e por antecipação, afastar os males físicos que tanto nos afl igem e nos dar um aperitivo do que nos espera na eternidade.

Além disso, quando oramos “venha o teu reino”, não estamos pedindo apenas o reino da glória e da graça, mas também a presença do Cristo todo-poderoso e misericordioso. Essa petição legitima nosso pedido pela presença de Jesus, para que ele cuide de cada detalhe da nossa vida, também das nossas doenças, pois Ele é o Redentor e Criador. Com

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isso não precisamos e nem devemos minimizar o perdão dos pecados, a maior cura que Jesus pode realizar em nossa vida, nem sua presença no Batismo, Evangelho e Santa Ceia, nem o aspecto escatológico futuro, mas crer que somos fi lhos amados de Deus em Jesus e que nos concede a dignidade de pedir “venha o teu reino” e por que não: cura! Sabemos e cremos que “Jesus pode curar algumas vezes, alivia com muita frequência, mas cuidar, consolar e perdoar, isto ele faz sempre”.1

Anselmo Ernesto GraffSão Leopoldo/RS

[email protected]

1 Adaptado de um lema da Enfermagem e que foi tirado do Facebook.

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QUARTO DOMINGO NO ADVENTO

23 de dezembro de 2012

Lucas 1.39-45

AS LEITURAS DO DIA

O tema do domingo gira em torno da cristologia. Há uma clara demons-tração disso nas leituras, que deixam transparecer o propósito encarnacio-nista de Deus reafi rmado na crucifi cação do corpo do Messias. A leitura do AT (Mq 4.2-4) anuncia a ancestralidade do Filho de Davi nascido em Belém; na epístola (Hb 10.5-10), o autor do livro aos Hebreus faz uso do Salmo 40 para declarar que o Senhor encarnado é aquele que será oferecido na cruz como sacrifício fi nal pelos pecados do mundo; e no santo evangelho Maria proclama que a criança em seu ventre é o Messias, o Cristo.

Desta forma, o último domingo antes da natividade do Senhor é do-minado por um tema que amarra indissoluvelmente a encarnação e a expiação. A distância que separa a expiação do nascimento é meramente temporal, pois quando a criança nasce em Belém, sua morte já é vista como o clímax da sua encarnação.

Pode-se, portanto, corretamente afi rmar que Jesus, o Cristo, nasceu para morrer; que, com o seu nascimento, o que era velho (os sacrifícios antigos) se tornou novo (seu sacrifício de uma vez para sempre).

O certo é que não se pode pregar neste período sobre o nascimento de Cristo sem reconhecer que a encarnação, a expiação e a ressurreição de Cristo são eventos carregados de força e poder.

CONTEXTO

O encontro das duas parentas, Maria e Isabel (também conhecido como a visitação), reúne duas histórias que correm paralelas, mas separada-mente. Maria abriga o sinal prometido (v. 31), experimenta mais do que foi prometido: ouve dos lábios inspirados de sua parenta a confi rmação do Espirito referente à mensagem do anjo Gabriel a seu respeito e a respeito do seu Filho: a bem-aventurança de Maria e o senhorio de Jesus.

TEXTO

V. 39: Maria não esperou muito para ir contar a “novidade” a Isabel. Lucas, inclusive, diz que foi “apressadamente”. Mesmo não sendo tão per-

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to, Maria não perdeu tempo. A vontade de falar com Isabel era grande. A saudação (aspázomai) é qualquer forma de saudação ou despedida que começa com um abraço e termina em palavras. Tudo indica que, neste caso, a saudação foi calorosa.

Vv. 40,41: Alguns querem atribuir o estremecimento da criança no ventre de Isabel a um excitamento da mãe pela inesperada visita de Maria como parece indicar o v. 44. Mas o fato de Isabel ter fi cado possuída pelo Espírito Santo, associado ao conteúdo do v. 15, dirime qualquer dúvida. Pois lá se afi rma que João seria enchido do Espírito Santo já no ventre materno, e o bebê “respondeu” estremecendo!

V. 42: Necessariamente, “exclamar em alta voz” não signifi ca que Isabel tenha entrado em êxtase, pois demonstra estar em total controle de seus sentidos. Falar alto não denota mais do que a alegria e surpresa, muito comuns em ocasiões como essas. A razão da alegria e da surpresa se concentra em Maria e no fruto do seu ventre.

V. 43: Isabel fala por revelação, pois nada sabia anteriormente (não confundir revelação – tornar conhecido de forma sobrenatural – com inspi-ração, a prontidão e o controle divino da fala ou escrita). A revelação teve um signifi cado especial para Maria. Deus estava em ação concernente a ela. Nem ao menos precisou preocupar-se em fazer grandes “revelações”. Deus assumiu fazê-las por ela.

Vv. 44,45: Maria é tida como “a que creu”. Crer aqui é usado em seu sentido usual de confi ar (pisteuein). O texto deixa claro que Isabel está profetizando ao repetir e endossar as palavras do anjo a respeito da pessoa, natureza e obra do fi lho de Maria. Mesmo que, tanto Maria como Isabel, estivessem sentindo a sua gravidez, as promessas concernentes a ambos, João e Jesus, requeriam confi ança em quem fez as promessas.

ESBOÇO

Tema: A Família Cristã Celebra o Natal Difi cilmente alguém consegue dissociar a família das celebrações do

Natal. O ideal, porém, nem sempre é alcançado. Não raro as agitações preparatórias acabam obscurecendo o verdadeiro brilho da festa. A família ideal, para os que não têm esperança, pode até parecer uma miragem, impossível de ser concretizada. Cristãos, no entanto, podem mostrar como se pode celebrar em família um Natal genuíno, real e duradouro.

I. Corações e vidas que não foram tocados com a alegria da boa nova em Cristo, na verdade, não têm muito a celebrar e repartir.

A. Maria foi profundamente marcada e movida pelo anúncio do anjo (Lc 1.26-38). As promessas concernentes ao Messias

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fi zeram-na esquecer, inclusive, de seu casamento. Deixou tudo de lado para contar a notícia à sua estimada parenta Isabel. Ela tinha algo importante a repartir.

B. Ao permitirmos hoje que “outras coisas” obscureçam o verdadeiro sentido das promessas de Deus com respeito ao Natal, a alegria que buscamos pode facilmente transformar-se em miragem. Isso acontece quando se procura a alegria em coisas que passam rapidamente.

C. Resultado: pouco ou nada teremos a repartir que possa produzir alegria verdadeira e dar signifi cado às nossas vidas e às vidas de outras pessoas. (cf. Mt 7.24-27 – a casa que não foi construída sobre o fundamento que é Jesus e sua Palavra, perece).

II. Repartir as boas novas é uma forma de celebrar a presença de Deus e receber as bênçãos dessa sua presença.

A. Compartilhar a mensagem que afetou decisivamente as nossas vidas traz bênçãos de vida e salvação a muitos. 1. Maria e Isabel foram escolhidas por Deus para exercerem

diferentes papéis na história do Natal, mas ambas foram importantes e, as duas, repartiram uma com a outra a nova de alegria e esperança naquilo que Deus estava por realizar por intermédio delas.

2. A exemplo de Maria e Isabel, não importa em que papel Deus nos colocou; podemos compartilhar com nossas famílias, amigos e irmãos o evangelho do amor de Deus revelado em Cristo. Como elas, também receberemos as bênçãos da confi rmação, inspiração, alegria e esperança do Espírito Santo (Lc 1.41,42,44,45).

3. Que o Espírito Santo, e não a minha vontade emocional, é o autor dessa alegria e esperança mediante o uso dos meios da graça, está evidenciado pelo estremecimento do feto no ventre de Isabel (vv. 41-42). Quando o Espírito do Senhor toca os corações, ele provoca alguma resposta, assim como sucedeu com João.

B. Pelo Evangelho da encarnação, crucifi cação e ressurreição, Deus estabeleceu uma comunhão com ele e entre os membros da família cristã. 1. A resposta de Maria em forma de um hino de louvor (o

Magnifi cat) atesta a comunhão que as duas mulheres tinham com Deus e uma com a outra nos três meses em

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que conviveram (Lc 1.56). Demonstra também como as duas se prepararam para os eventos que estavam por concretizar-se. Uma preparação calcada da palavra da pro-messa e avivada pelo Espírito Santo. O resultado foi uma gloriosa confi rmação de sua fé, confi ança e esperança no Deus Conosco (Mt 1.23 – Emanuel).

2. Uma comunhão assim, que se expressa numa alegre resposta de preparação pessoal e proclamação, o Espírito Santo produz ainda hoje nas pessoas que se apegam à Pa-lavra e aos sacramentos – nos quais Deus se faz Emanuel de uma forma pessoal e real.

Ao Maria ser convocada por Deus, ela foi tocada profundamente pela Sua graça e pelo Seu amor. E a sua resposta foi: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra” (Lc 1.38).

Em nosso batismo Deus nos tocou com o seu amor eterno; em sua Palavra, ele continua nos tocando com seu amor perdoador. Assim como Deus tocou e usou Maria (e Isabel), Deus continua a tocar pessoas e as move a responder em amor.

Como pessoas tocadas pelo amor de Deus, também seremos levados a compartilhar as novas em Jesus Cristo aos nossos familiares, irmãos e amigos.

Bênçãos espirituais inigualáveis resultarão dessa comunhão.

Oscar Lehenbauer (Dezembro de 1991)

Porto Alegre/[email protected]

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DIA DE NATAL

25 de dezembro de 2012

Salmo2; Isaías 52.7-10; Hebreus 1.1-6 (7-12); João 1.1-14 (15-18)

CONTEXTO

O apóstolo João destina o Quarto Evangelho a pessoas que já eram cristãs. Trata-se, por assim dizer, de uma “confi rmação” de fatos e verdades que já conheciam e criam. Encontravam-se nos corações dos crentes, mas seu valor para a vida deles recebe novo destaque por meio do conteúdo do Evangelho de João.

Na época em que foi escrito o Quarto Evangelho surgiram heresias, principalmente o gnosticismo, colocando em dúvida a verdade a respeito de Jesus Cristo como o Deus-homem Senhor e Salvador. Toda a mensagem de salvação pela fé em Jesus Cristo, apresentada nos outros três evangelhos, cai por terra se houver negação da verdadeira divindade ou da verdadeira humanidade de Cristo. Não é de estranhar, portanto, que João inicie seu evangelho falando detalhadamente a respeito de Jesus Cristo, o que vem a ser o conteúdo da perícope do evangelho para o Dia de Natal.

Os cristãos de hoje celebram o nascimento de Jesus nesta data. Creem nele como Senhor e Salvador, contudo não escapam da ameaça que paira sobre sua fé, a qual tem origem em outras “cristologias” muito presentes diante de olhos e ouvidos de milhares. Há uma cristologia espírita que apresenta um outro “Cristo”. Existe também uma cristologia na teologia da prosperidade que invade lares por meio do rádio e da televisão, que retira de Cristo o “Salvador” para transformá-lo em “milagreiro”. São apenas dois exemplos, pois a soma de “cristologias” diferentes excede a esse número.

O Natal oferece-nos a chance de renovar nosso conhecimento sobre o verdadeiro Jesus Cristo, a fi m de que o recebamos, o adoremos e nele creiamos como único Senhor e Salvador. Pelo seu evangelho Ele vem novamente a nós, trazendo-nos “luz e verdadeira vida”, conforme atesta João no texto da perícope.

TEXTO

Vv. 1-5: Os cinco primeiros versículos apresentam três verdades a respeito de Jesus Cristo, descrevendo-o para que saibamos construir a verdadeira cristologia. As verdades referidas falam: da existência e iden-tidade de Cristo; da sua obra criadora e da sua obra salvadora.

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Cristo é chamado de “Verbo” no texto. Ele sempre existiu. A Bíblia na Nova Tradução na Linguagem de Hoje, às vezes uma tradução mais interpretativa do que literal, diz assim: Antes de ser criado o mundo, aquele que é a Palavra já existia (v. 1). Não houve momento algum em que ele não tivesse existido. Ele estava com Deus e era Deus. Não é uma criatura de Deus, porém sempre existiu como Deus. É a primeira verdade. Na história da igreja cristã houve quem negasse a verdadeira divindade de Jesus Cristo, ou plenamente, ou em parte. Repete-se tal atitude ainda hoje. Por isso, o Natal apenas justifi ca sua celebração quando acolhe a vinda de Deus ao mundo, encarnado no Filho de Maria.

O Verbo (Palavra) teve participação efetiva na criação de todas as coisas. Na verdade todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez (v. 3). É, portanto, Deus com poder, com poder para tudo criar. Esta é a segunda verdade. Por isso não lhe é impossível criar e manter em nós a nova vida que ele promete. O que ele promete dar a quem nele confi a, verdadeiramente chega a tais pessoas. Portanto, o texto traz também o convite para refl etir no poder de Cristo como verdadeiro Deus e tudo que isso desperta na vida dos crentes.

A terceira verdade ressalta sua obra salvadora, ao dizer que a vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela (vv. 4, 5). No Verbo está a vida no mais supremo sentido, a vida eterna de Deus. Onde está presente a vida verdadeira, ali também está a verdadeira luz. A verdade divina que emana de Cristo é a luz dos homens e as trevas não prevaleceram contra ela. A luz resplandece nas trevas e não é contida pelas trevas. Tudo isso para a felicidade daqueles que creem no Senhor Jesus. Mesmo dentro de um mundo em trevas, com pecado e morte, resplandece a luz que brota daquele que é a vida: o Verbo. Natal, portanto, nos convida para adorar aquele que é Deus por todo o sempre, que tem todo o poder, pois tudo criou, e que é vida e luz que não deixam de existir, mesmo recebendo sempre a oposição da morte e das trevas.

Vv. 6-9: São versículos que apresentam a ação de Deus para tornar conhecido o Verbo, a fi m de que as pessoas o conheçam, bem como sua obra, e creiam nele. É o testemunho que surtiu efeito e chegou a nós, por isso o adoramos como verdadeiro Deus, vida e luz.

No testemunho de João Batista percebemos a graça de Deus em ação para que o Verbo se torne conhecido. Quantos “Joãos Batistas” Deus con-tinua usando para que conheçamos o Senhor Jesus Cristo! Lembramos dos nossos pastores, pais e de todos aqueles que testemunharam Jesus para nós, fazendo com que a verdadeira luz brilhasse diante dos nossos olhos. Todo o testemunho tem um só objetivo: que adoremos a Jesus como Deus, vida e luz!

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Vv. 10-14: Os versículos 10 e 11 descrevem um tipo de reação diante do Verbo: desconhecimento por parte de alguns (o mundo não o recebeu) e rejeição por parte de outros (os seus, os judeus, não o receberam). Qual o resultado de tal reação? É a perda daquilo que recebem aqueles que reagem de modo diferente, conforme expressa o versículo 12: Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos fi lhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome.

Os que creem no nome de Jesus Cristo são feitos fi lhos de Deus. “Filhos de Deus” não é somente um título ou uma designação para tais pessoas. É muito mais! É uma nova situação de vida, que transcorre debaixo da misericórdia, do perdão e da salvação que Deus dá aos que creem no Verbo encarnado. Mas essa nova situação de vida é trazida apenas pelo Verbo e não está ao alcance daqueles que o desconhecem ou rejeitam. Destaca-se novamente o valor da nossa fé no Senhor Jesus. Que bênção maravilhosa é a fé em Jesus! A maravilha dessa bênção desvenda-se no versículo 13. Refere-se aos que creem e diz assim: os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. Não há vida sem nascimento. A nova vida recebida por meio da fé no Verbo surge de um nascimento. Não acontece por causa da vontade do sangue, da carne e nem do ser humano. Não é um nascimento natural, mas tem a sua origem em Deus. É o milagre da conversão. Adoramos o menino nascido em Belém, recebemo-lo como Deus, Senhor e Salvador, porque Deus fez um milagre na nossa vida. Qual o resultado desse milagre? Nada menos do que a nossa salvação.

O novo nascimento dá-nos uma nova vida, a partir da qual se faz a confi ssão do versículo 14: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do uni-gênito do Pai. O Natal leva-nos a olhar para a criança na manjedoura e nela ver o Verbo encarnado, a revelação de Deus Pai, o qual vem a nós cheio de graça que não merecemos. Com ele também vem a verdade que não encontramos fora dele. Celebrar o Natal vendo isso com o olhar da fé signifi ca ter um verdadeiro Natal.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

O texto oferece-nos a oportunidade para refl etir sobre a pergunta: o que vemos deitado na manjedoura? A aparente fragilidade e dependência daquela criança não impede de vê-la como o Verbo encarnado, o verda-deiro Deus, o Senhor e Salvador.

Quem é capaz de vê-la assim? Apenas aqueles que o recebem pela fé. Mas são os que “nasceram de novo”, graças à bondade de Deus. Que bela ocasião para apontar para a graça de Deus sobre nós! A graça divina

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motiva-nos a muitas ações. Uma delas pode ser explorada a partir do texto: ser “Joãos Batistas” no testemunho que aponta para Jesus Cristo, o caminho, a verdade e a vida. E oportunidades não faltam para tal ação!

Paulo Moisés NerbasSão Leopoldo/RS

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VÉSPERA DE ANO NOVO

31 de dezembro de 2012

Salmo 90.1-12; Isaías 30.(8-14)15-17; Romanos 8.31b-39;Lucas 12.35-40

CONTEXTO

O texto de Romanos 8.31-39 precisa ser reconhecido no seu contexto, a fi m de não perder o ponto fulcral que é a doutrina da eleição da graça que fundamenta a perícope. No entanto, antes de desenvolver o ensinamento sobre a eleição da graça, o apóstolo expõe os artigos fundamentais da doutrina cristã: o pecado, a justifi cação e a santifi cação. Dessa forma, a doutrina da eleição da graça, tal como é ensinada nos textos anteriores à nossa perícope bem como outras passagens (Ef 1.3ss.; 2 Ts 2.13ss.; 2 Tm 1. 9; 1 Pe 1.1,2), está plena de conforto para oscristãos e serve de fortalecimento para a vida cotidiana.

ÊNFASES E ANÁLISE DOS TEXTOS

Salmo 90.1-12O título apresenta Moisés como autor, sendo que os versículos 7-12

demonstram um fundo histórico defi nido: os últimos meses da caminhada do povo de Israel pelo deserto, quando a geração adulta que saíra do Egito estava agora rapidamente desaparecendo. Por isso, os primeiros versículos (1-6) mostram o Criador como sendo eterno e a vida terrena efêmera. O primeiro versículo, como Dt 33.27, mostra que o povo de Deus não tinha lugar de habitação desde os dias de Abraão e que o Senhor sempre tinha sido, e continuava sendo, o lugar de descanso e refúgio para seu povo (Sl 91.9). Nos versículos seguintes (7-12), as tristezas da vida são constrastadas com a santidade de Deus, único onde é possível encontrar a serenidade à alma e segurança de vida. Quem conhece...? (v.11) destaca a importância do ser humano de buscar o arrependimento e voltar os olhos e o coração para seguir o Senhor, o que demonstra corações sábios (v.12).

Isaías 30.15-17O texto está inserido dentro de um contexto onde o ponto eram as ne-

gociações com o Egito, a fi m de estabelecerem uma aliança. Isaías chama à atenção da loucura de tal objetivo, por isso dirige a mensagem ao povo, chamado de fi lhos rebeldes. Estes haviam demonstrando falta de confi ança

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no Senhor e agora procuravam fazer aliança com o Egito. Mesmo alertados contra tal prática pelo profeta de Deus, mantinham-se persistentes em seus intuitos políticos, o que caracterizava uma rebelião contra o Senhor. Mesmo Deus advertindo o povo e mostrando o caminho certo de libertação, nada é obedecido e as admoestações se tornam vãs (v. 15) e resposta do povo a Deus: “não” (v.16). Por isso os próprios cavalos adquiridos no Egito serão usados para fugir em cavalgada precipitada e desesperadora.

Romanos 8.31b-39Este texto demonstra a importância da fé a partir da grandiosidade do

amor de Deus no propósito da salvação em Jesus Cristo. Isso o escritor faz incentivando os seus leitores a tirarem as conclusões a partir de suas perguntas:

V. 31: Poderia haver maior e vigoroso incentivo à fé do que a certeza da presença do Senhor Deus ao lado dos seus? Não há nenhum mais po-deroso do que o Senhor Todo-poderoso, Criador dos céus e da terra. Não há, absolutamente, nenhum outro que pode fazer frente a Deus.

V. 32: Pois este Deus não poupou a seu próprio Filho, repetindo as palavras encontradas em Gênesis 22.12. Na interpretação judaica, o epi-sódio com Isaque é tratado como exemplo clássico da efi cácia redentora do martírio. Assim, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?, nos lembra a promessa de Mateus 6.33: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”.

Vv. 33 e 34: Estes dois versículos apresentam uma linguagem forense que nos remete ao “perto está o que me justifi ca; quem contenderá comi-go?” (Is 50.8ss.). Não há ninguém que possa acusar os eleitos de Deus, nem mesmo Satanás. (V.34): as palavras o qual está à direita de Deus lembram o Salmo 110.1: “Disse o SENHOR ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés”. Estas palavras, cuja interpretação messiânica era axiomática entre os judeus dos tempos de Cristo, foram aplicadas a Jesus desde os primeiros dias da igreja, e demonstram o seu lugar de supremacia sobre o univer-so. Assim, e também intercede por nós nos remete ao quarto Cântico do Servo (Is 52.13-53.12), onde diz, no fi nal, que “pelos transgressores intercedeu” (Is 53.12).

V. 35: Quem nos separará do amor de Cristo?Através da fé o cristão está unido inseparavelmente a Cristo por causa do seu amor. Não há nada que possa romper a ligação de sua comunhão com Cristo ou de tirar a fé. Para exemplifi car, o apóstolo nomeia algumas infl uências hostis em-pregadas por Satanás que, porventura, poderiam prejudicar esta ligação: tribulação (amargura, tormento, contrariedade, adversidade); angústia (afl ição, ansiedade, agonia); perseguição (tratamento cruel com sofri-

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mento físico, tratamento injusto, maledicência, desonra); fome (falta de alimento, penúria, miséria, falta do necessário para sobrevivência); nudez (falta de vestuário, falta de ornatos, privação, simplicidade, singeleza); perigo (estado que prenuncia um mal para alguém, risco, situação grave); e espada (o auge da perseguição, com a morte como prenúncio).

V. 36: Num parêntesis o apóstolo mostra que o carregar de todas estas difi culdades e afl ições está profetizado nas Escrituras, quando se refere ao Salmo 44.22, onde a igreja do Antigo Testamento lamenta que muitos membros precisam sofrer o martírio por causa de sua posição inabalável ao lado de Deus, que são considerados e tratados como ovelhas para o matadouro.

V. 37: A partir de pa/sin ~upernikw/men (somos super vencedores, mais do que vencedores) o fi lho de Deus pode ter a certeza de que, apesar de todas as afl ições nomeadas no versículo anterior, ele é mais do que ven-cedor (“super vencedor”) por intermédio do Salvador, que está à direita de Deus.

Vv. 38 e 39: Através da explanação apresentada no texto, o apóstolo leva o leitor à conclusão do capítulo, onde qualquer poder existente no universo, seja ele bom ou mau, não tem capacidade e força sufi ciente para separar os fi lhos de Deus do amor do Pai que lhes foi assegurado em Cristo.

Lucas 12.35-40Neste texto do Evangelho, Jesus salienta a importância da correta

utilização dos bens para esperar a segunda vinda do Filho do homem, a qual é certa. Nesta espera, é sempre bom lembrar que as coisas terrenas são passageiras e os seguidores de Jesus devem estar alertas e cientes de que, nesta espera vigilante, crises acontecerão e deverão ser enfrentadas com uma fé fortalecida e alicerçada na Palavra de Deus. Por isso, Jesus diz (vv. 35-36) para estarem os vossos lombos cingidos (~umw/n - demonstra uma ênfase dada por Cristo), i.é, cada discípulo precisa estar pessoal-mente pronto e alerta. Os mantos longos dos orientais eram dobrados e amarrados ao redor da cintura, assim quando o senhor chamar os seus servos estes estarão prontos para qualquer serviço que ele desejar. Por isso, o senhor (ku,rioj) que encontra seus servos em tal prontidão fi cará tão satisfeito com os seus servos que inverterá os papéis, dando lugar aos servos à mesa e ele mesmo, o senhor, os servirá (v. 37). O estar preparado e vigilante é destacado como importante em todo e qualquer momento, seja na segunda vigília ou na terceira (os judeus dividiam a noite em três vigílias; os romanos em quatro) (v. 38). E Jesus mostra isso de uma foma bem prática, exemplifi cando com a fi gura do chefe de um lar que, se soubesse da hora em que o assaltante viria estaria alerta em prontidão

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para defender sua família. Por isso, Cristo alerta seus seguidores: estai preparados (gi,nesqe e[toimoi), vivendo em permanente prontidão para não serem surpreendidos pela chegada inesperada do Senhor.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Introdução: a efemeridade da vida e do que é importante em nosso mundo atual, salientando como tantas coisas (músicas, moda, acessórios, modelos de automóveis, bens de consumo, etc.) que eram importantes no princípio do ano hoje já são coisas do passado.

Tema: Só temos uma certeza: Deus nos ama!

1. No mundo tudo passa e nós passamos. a) Moisés chama a nossa atenção disso no Salmo 90.b) Muitas pessoas colocam seu coração em coisas efêmeras e a

sociedade de consumo é um exemplo visível disso.c) Deus não é um deus de consumo. O deus de consumo se chama

Mammon.d) O povo de Israel que procurava fazer aliança com o Egito,

contra a vontade de Deus (conforme Isaías 30).e) Tudo passará – isso traz o sentimento de angústia, medo, pavor

sobre o futuro para todos que não conhecem a mensagem do amor de Deus.

2. Na certeza do amor de Deus há vida.a) O apóstolo, em Romanos 8, expõe as provas e a certeza do

amor de Deus por todos seus fi lhos.b) A doutrina da eleição da graça é confortadora para todos os

fi lhos de Deus.c) Por isso Jesus alerta para que nunca deixemos de estar atentos

e vigilantes (Lucas 12), mantendo sempre fi rmes a chama da fé

Conclusão: Só temos uma certeza: Deus nos ama! E nesta certeza vivemos e nos movemos no mundo e na relação com os que estão ao nosso lado. A certeza de que somos amados por Deus nos dá forças para superarmos as difi culdades que precisamos enfrentar no nosso viver coti-diano. Mas, sempre lembrados de que “estamos no mundo, mas dele não somos” e que estamos caminhando rumo à pátria celeste, que é o nosso verdadeiro lugar! Que este seja o nosso foco no ano que se inicia.

Clóvis Vitor GedratSão Leopoldo/RS

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PRIMEIRO DOMINGO APÓS O NATAL

30 de dezembro de 2012

Salmo 111; Êxodo 13. 1-3a, 11-15; Colossenses 3. 12-17; Lucas 2.22-40

SALMO 111

Destaque para o v. 10: O temor do Senhor é o princípio da sabedoria. Esta expressão “O temor do Senhor” e suas variantes “temer a Deus”, e outras, não podem ser diminuídas ou “desinterpretadas” do seu real signifi cado. Talvez a melhor interpretação e aplicação deste termo seja aquele momento em que Jesus admoesta os seus seguidores, em espe-cial os futuros apóstolos, dizendo enfaticamente: “Digo-vos, pois, amigos meus: Não temais os que matam o corpo e, depois disso, nada mais podem fazer. Eu, porém, vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no inferno. Sim, digo-vos, a esse deveis temer” (Lc 12. 4-5).

No Apocalipse este temor é apresentado como que fechando o círculo do tempo de Deus entre o temor que Deus ensinou no Egito, enviando as dez pragas. O cântico de Moisés é referido no cântico do Cordeiro na expressão: “Quem não temerá e não glorifi cará o teu nome, ó Senhor” (Ap. 15.4). Este que pode matar povos e nações, derrubar reis e senho-res sem dever explicações quanto aos seus motivos (Jó 12.13 ss.), este Senhor é o mesmo que destinou seu Filho à morte. Nisto ele precisa ser temido para que o orgulho humano seja abatido.

Deste temor brota o desespero que não encontra alívio nem descanso. A não ser que para dentro deste desespero caia em tempo a gota d’água que tarde demais, o rico almejava da ponta do dedo de um Lázaro. “Bus-cai ao Senhor enquanto se pode achar” (Is 55.6). Aí está o princípio da sabedoria. Deus se faz achar pelo desesperado e o consola.

O temor do Senhor se pergunta diariamente: Por que ainda conservo a minha dignidade? Por que ainda sou considerado bom e reto? O temor do Senhor responde: Nada em mim merece esta dignidade. “Miserável homem que eu sou”, afi rma em Paulo este mesmo temor do Senhor. Este temor do Senhor é a fé que admite nada merecer, senão castigo. Este temor do Senhor espera pelo impensável, pela loucura e pelo escândalo de que Deus decida salvar pecadores “dos quais eu sou o principal”. Em outras palavras, o temor do Senhor recebe o nome “fé”, ou “esperança”, que somente Deus pode confi rmar. O temor do Senhor diz a si próprio:

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“Espera pelo Senhor”, na expectativa de que nenhuma de suas promessas venha a falhar.

Glorifi ca o fato de que o Senhor fez estas mesmas promessas que somente ele pode cumprir. E entre o temor do Senhor – deste povo que, por natureza, continua em trevas – e revelação fi nal na segunda vinda do Cordeiro, cantamos as alegrias do Natal com os anjos e toda a com-panhia celeste.

ÊXODO 13. 1-3A, 11-15

“Consagra-me todo primogênito... é meu” (13.1). Quem fala é o Senhor. Diante dele os impérios dos homens, por mais

poderosos que sejam, não deixam de ser impérios de homens. Este Se-nhor diz: “O primogênito é meu”. Ele demonstrou ao Faraó que ele dá a vida e também tira a vida (v.15).

Este “é meu” fere o orgulho humano. Entretanto, aquele que assim fala é o mesmo que “te tirei da terra do Egito, da terra da servidão” (13.3). Somente ele pode dar primogênitos livres como pode matar os primogê-nitos que lhe são negados.

“É meu!” não expressa uma reivindicação de posse sobre uma pro-priedade ou pessoa. Expressa antes ao ser humano em busca de uma identidade o fato de que o Senhor dá identidade e comunhão sem nada requerer em troca. Expressa a bondade e a misericórdia que acompanham o ser humano “sem qualquer mérito ou dignidade” da parte deste.

Este Senhor é aquele que libertou o seu povo, do qual ninguém fi ca excluído. É aquele Senhor que buscou o seu Filho no Egito. É o Senhor da vida.

COLOSSENSES 3. 12-17

A identidade humana desaparece sob o revestimento do novo homem (3.10) cobrindo de uma nova imagem. Não mais a imagem do orgulho que vive na inveja e provoca divisões sem fi m. Deus, o Senhor, reveste os seus da imagem do primogênito, o seu primogênito, que ele ofertou a si próprio como propiciação e sacrifício em lugar dos demais que ele agora chama de “meus fi lhos”.

Agora o temor do Senhor é coberto pelos ternos afetos e misericórdias. O fi lho de Deus sabe agora como ele passou a ter esta nova experiência. Sabe também o quanto custou para o Senhor para que ele revista esta velha natureza de uma nova mentalidade.

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PRIMEIRO DOMINGO APÓS O NATAL

LUCAS 2. 22-40

Se bem que esta perícope e domingo apontem para a apresentação de Jesus no templo em cumprimento à lei, buscamos o enfoque principal no cântico de Simeão como a pregação do evangelho deste dia.

Não se sabe ao certo a época em que as palavras de Simeão foram incorporadas à liturgia da Santa Ceia. Löhe o atribui ao tempo da Refor-ma, fato contestado por faltarem as evidências. De qualquer maneira, o fato de aí estarem favorece algumas refl exões que ligam o Natal à Santa Ceia. Fato este que permite ligar o Natal aos grandes eventos salvífi cos, mormente à Semana Santa.

A presença real de Deus Conosco, EmanuelEsta presença real, cantada por Simeão ao tomar a criança em seus

braços, é cantada por toda a igreja que recebe o corpo e o sangue do Deus feito menino e sacrifício vivo pelos pecados de cada um. A longa espera pela manifestação viva da esperança da humanidade é concreta e viva para Simeão e todos os santos que buscam a comunhão com o Deus da misericórdia.

Para Simeão esta não é uma mera euforia ou entusiasmo por ter nos braços o Filho de Deus. Simeão tem vivo e presente que ele veio para salvar. Isto, para Simeão, implica em tudo aquilo que signifi ca a salva-ção. Não somente o sofrimento dele e da sua mãe Maria. A espada que traspassa o coração de Maria é a mesma espada que traspassa o coração de cada pessoa que teme a Deus e precisa contemplar este “tão grande sofrimento” e confessar: “Foi por mim que tu morreste”.

O Natal de Simeão é feliz. Mas também é de profunda compreensão de que tem em seus braços o “servo sofredor” de Isaías. Ali também está o Pai que, diferentemente de Abraão, precisou ver a morte a que o seu fi lho estava sujeito.

Simeão também viu aqueles pelos quais Deus se fez homem. Ele veio nos braços da pobreza de Maria. O sacrifício que Maria oferece é o sacrifício dos despossuídos, daqueles que nada tinham de seu para oferecer a Deus além da sua vida, sua mortalidade, sua pecaminosidade, seu desespero. “Nada tendo, mas possuindo tudo.” Este tudo de Paulo é o menino, no qual se oculta o poder que destrói o poder do pecado e da morte.

“Bem-aventurados os pobres” não fala somente da pobreza material. Fala da real condição humana. Ali estão incluídos os pobres de espírito. Eles aprendem que é o Espírito de Deus que é a sua única riqueza. Ali estão incluídos os pobres, de pobreza moral, afundados em pecados e tentações diariamente. Em tudo dependem de que se lhes diga que este menino leva sobre si os pecados de todos e os de cada dia. Ali estão os

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fi sicamente pobres, em sua fragilidade diante da doença e da morte. Saúde, para eles, está no corpo deste menino. Fora e além dele, resta a morte e a aniquilação. Ali estão, sim e também, os materialmente pobres que reconhecem que tudo que têm, desde o ar que respiram até o teto que os cobre à noite, são dádivas de Deus que estão sujeitos a mudanças inesperadas.

Nesta pobreza e encarnado nesta pobreza e miséria o Salvador é apresentado a Deus e Deus o apresenta ao mundo.

Assim, na sua encarnação, ele diz a todos os pobres: Toma e come; toma e bebe. Isto é o meu corpo e o meu sangue que é dado e derramado POR TI.

A história do culto cristão ligou o Natal e a Santa Ceia através da pa-lavra de Deus que brotou do coração de Simeão. “Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo”. Pois “agora, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”(Gl 2.20). Esta comunhão dos céus é também a comunhão dos santos, pois, com os anjos e arcanjos e com toda a companhia celeste, lou-vamos e glorifi camos o seu glorioso nome junto ao trono do Cordeiro.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: O Natal na Santa CeiaÉ tempo de louvar a Deus com Simeão, porque1. Os meus olhos viram o Emanuel2. Os meus lábios sentiram: POR TI3. Posso partir em paz: Eu sou teu e tu és meu.

Paulo Proske WeirichSão Leopoldo/RS

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CIRCUNCISÃO E NOME DE JESUS DIA DE ANO NOVO

1 de janeiro de 2013

Salmo 8; Números 6.22-27; Gálatas 3.23-29; Lucas 2.21

CONTEXTO

O Evangelho do dia 1º. de janeiro tem apenas um versículo. Neste versículo fi ca explícito que, oito dias após seu nascimento, Jesus foi cir-cuncidado e recebeu seu nome. Jesus nasceu dentro das leis do Antigo Testamento ainda em vigor. E o primeiro ato litúrgico após o nascimento de um menino era sua circuncisão, que se dava ao oitavo dia após o nascimento.

Como a igreja cristã, a partir da segunda metade do quarto século, escolheu o dia 25 de dezembro para celebrar o Dia do Natal, o dia festivo da Circuncisão e Nome de Jesus coincide com o dia de Ano Novo. Litur-gicamente a ênfase não é no Ano Novo, mas na Circuncisão e Nome de Jesus. Mas, sem dúvida, o Nome de Jesus serve de portal para iniciarmos mais um ano diante da graça e bondade de Deus em nos dar Jesus como um guia para nos conduzir através de mais um ano.

TEXTO

O evangelho de hoje é o cumprimento da profecia que o anjo deu a Maria quando lhe anuncia a concepção de Jesus: “Eis que conceberás e darás à luz um fi lho, a quem chamarás pelo nome de Jesus” (Lc 1.31). Depois o anjo vem a José, esclarecendo-lhe a gravidez de sua noiva: “Ela dará à luz um fi lho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21).

José e Maria pertenciam ao povo judeu, portanto, nada mais natural do que seguir as leis prescritas para um recém-nascido. Com a circunci-são, o menino era declarado membro do povo de Deus e recebia o nome pelo qual seria distinguido na congregação do povo de Deus. Neste caso seguiram a recomendação do anjo que já lhes havia dado o nome para o menino antes da sua concepção. A razão para o nome de Jesus, confor-me as palavras do próprio anjo, era “porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21).

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APLICAÇÕES HOMILÉTICAS

Jesus inicia sua vida submetendo-se à lei para nos livrar do jugo da lei. Conforme as palavras de Paulo: “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fi m de que recebêssemos a adoção de fi lhos” (Gl 4.4,5). Portanto, desde seu nascimento e circuncisão, Jesus já estava iniciando sua obediência ao Pai e cumpriria todas as ordenanças da lei até seu sofrimento e morte. Por ocasião de seu batismo ele diz a João Batista: “Deixa por enquanto, porque assim nos convém cumprir toda a justiça” (Mt 3.15).

Submetendo-se à lei, Jesus toma o nosso lugar, é nosso substituto para suportar o castigo eterno de nossos pecados. Caso contrário, estaríamos perdidos para sempre. Paulo explica: “Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fi m de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8.3,4).

O nome Jesus era comum para a época e tem o signifi cado de ajuda-dor, benfeitor. Entretanto, aqui se trata de um signifi cado específi co para o menino. O anjo já explicara a José: “Ora, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um fi lho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco)” (Mt 1.22,23). O anjo aqui está citando a profecia registrada em Isaías 7.14: “Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um fi lho e lhe chamará Emanuel”. Jesus é também Emanuel, pois em Jesus Deus está conosco. Ele salva os pecados da humanidade, separando a barreira que está entre nós e Deus.

Como a Circuncisão e Nome de Jesus acontece liturgicamente no dia 1º. de janeiro, o nome de Jesus no início de um ano civil é apropriado para nos garantir mais um ano abençoado, pois temos a certeza de que, mesmo em meio a provações e tentações, seguiremos seguros sob o am-paro e proteção daquele que conseguiu para nós a solução de nosso maior problema, que é nossa separação de Deus por causa do pecado. Somos indignos de tamanha bênção, mas em Jesus somos declarados justos e herdeiros da vida eterna.

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PROPOSTA HOMILÉTICA

O nome Jesus no início de mais um Ano Novo:1. Lembra-nos Emanuel, que é Deus conosco2. Motiva-nos a viver e testemunhar este nome no transcorrer

de todo ano.

Raul BlumSão Leopoldo/RS

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CIRCUNCISÃO E NOME DE JESUS - DIA DE ANO NOVO

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CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR DIA DE ANO NOVO

1 de janeiro de 2013

Salmo 8; Números 6.22-27; Gálatas 3.23-29; Lucas 2.21

Nosso texto está previsto para o “Dia do Ano Novo”. Mas, no calen-dário cristão, este é o dia da circuncisão e nome do Senhor. Nos dias de Lutero, praticava-se, nas igrejas, um costume surgido no fi nal da Idade Média que consistia em anunciar do púlpito uma série de desejos ou votos especiais de Ano Novo para os ouvintes. Lutero repudia esta prática e a considera como consistindo de fábulas inúteis e inadequadas para o ofício ministerial. Em seu lugar, diz Lutero, o Evangelho exige que se pregue sobre a circuncisão e o nome de Jesus.

O texto do evangelho é breve mas, ainda nas palavras de Lutero, a observância da circuncisão de Cristo oferece um rico sermão sobre o qual se poderia falar por várias horas. E, de fato, Lutero pregou, pelo menos, três sermões sobre este texto. Neste estudo, compartilho alguns desta-ques destes sermões, por duas razões: 1º) devido à riqueza contida nes-tes sermões de Lutero, e 2º) porque muitos dos leitores não têm acesso fácil a eles. Por isso, as considerações que seguem são, principalmente, extraídas dos referidos sermões.

A CIRCUNCISÃO DE JESUS

O texto nos faz refl etir sobre duas circuncisões: a antiga circuncisão dos judeus e a nova circuncisão de Jesus. As duas envolvem uma circun-cisão da carne. Mas, há um mundo de diferença entre as duas porque as pessoas envolvidas são tão diferentes. Os circuncidados sob o judaísmo são desta terra, a pessoa circuncidada hoje brilha como o próprio céu e governa sobre todos os céus.

A antiga circuncisão data de sua instituição relatada em Gênesis 17.9-14 e deveria permanecer em efeito até o tempo da circuncisão do menino Jesus. Desta antiga circuncisão nada resta a não ser o fato histórico e os exemplos de fé nela envolvidos. A ordem da circuncisão, porém, acabou com a vinda de Jesus. Para nós hoje está ordenado, em seu lugar, que creiamos e sejamos batizados, se quisermos ser fi hos de Deus e ser salvos eternamente.

Uma lição que podemos aprender da antiga circuncisão é que, quando Deus quer ajudar seu povo, ele, às vezes, o faz de maneiras que são nada

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menos do que ridículas aos olhos humanos. Para os arrogantes gentios, nada poderia ser mais tolo do que Deus – a sabedoria eterna – ordenar a circuncisão de um menino de oito dias e de um Abraão de noventa e nove anos de idade. Mas, diz Lutero, “ao mesmo tempo, temos aqui um exemplo de como Deus faz o mundo parecer tolo! O que Deus propõe não agrada ao mundo, e o que o mundo empreende não agrada a Deus!” (cf. 1 Co 1.21).

Julgados pela razão humana, os sacramentos do Novo Testamento também parecem irracionais. A mente natural não entende como um pouco de pão e vinho podem ser auxílio contra o pecado. Ou, então, como a água do batismo pode lavar do pecado e transferir alguém do reino de Satanás para o Reino de Deus. Diz Lutero que deveríamos aprender da lei da cir-cuncisão e nos deixar orientar pelo seguinte: “Quando Deus ordena, fala, ou faz algo, você deveria fechar a boca, cair de joelhos e, sem qualquer objeção, fazer o que ele ordenou, ouvir o que ele diz, submeter-se ao que ele faz”. Em questões espirituais, não podemos nos deixar guiar pela nossa razão ou dar ouvidos ao nosso coração enganoso (Jr 17.9).

A antiga circuncisão nos deixou o exemplo da maravilhosa fé de Abraão e de seus servos. Eles não se ofenderam com a ordem de Deus, não a consideraram tola ou ridícula e nem tentaram dar-lhe uma interpretação espiritual.

Lutero vê uma indicação de que a antiga circuncisão seria válida apenas até o tempo de Cristo no fato de que as crianças deveriam ser circuncidadas apenas no oitavo dia. A lei ordenava trabalhar seis dias e descansar no sétimo. O dia que segue ao sábado é o oitavo, que dá início a uma nova semana. “Assim também uma nova e diferente circuncisão começou quando o infante Jesus foi circuncidado no oitavo dia”.

Com a sua circuncisão, Jesus iniciou seu ofício de Salvador. Esta foi a primeira ação de seu ministério. Pessoalmente ele não tinha necessidade da circuncisão porque ela foi dada aos que nasceram em pecado e, por isso, merecem a morte eterna. Mas, Cristo era totalmente sem pecado e Senhor da lei.

Nós, porém, precisávamos de alguém sem pecado para guardar a lei em nosso lugar e para nos livrar da maldição eterna da lei. Isto Jesus fez, conforme diz Paulo em Gálatas 4.4-5. Jesus colocou-se debaixo da lei, para tomar sobre si o nosso pecado, para tornar-se semelhante a nós não apenas na carne, mas na carne pecaminosa (Rm 8.3). Pois, colocando-se sob a lei da circuncisão, ele tornou-se devedor de toda a lei (Gl 5.3).

Abraão foi colocado sob a lei como um pecador; o infante Jesus, po-rém, foi colocado sob a lei sem pecado, sem culpa, mas como Senhor da lei que tira a autoridade e o poder da lei.

Nós precisávamos ser libertados da lei porque não a conseguíamos cumprir. Mas, não era a circuncisão, como tal, que salva, como ensina

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Paulo em Gálatas 5.2-3 e 6.13. A circuncisão era o selo da aliança (Rm 4.11). Não é a obra humana que salva, mas a graça e a fé que confi a na promessa de Deus. Assim, também, a nossa fé e o nosso batismo não nos salvam como obra, mas porque recebem a dádiva de Deus. A lei, portanto, apenas nos coloca sob a maldição (Gl 3.10, Jo 7.19, Rm 4.15, 2 Co 3.6-7).

Por isso, Deus proclama uma nova mensagem, melhor que a lei: o Evangelho de seu Filho, o Cristo, que se submeteu à lei em nosso lugar. “Uma vez que a lei se excedeu no seu caso, ela perdeu sua autoridade sobre ele. Este triunfo ele reparte conosco ...”. Por isto, agora, quem crê em Cristo não é condenado pela lei da circuncisão nem por qualquer outra lei; pois ele tem Cristo que é o Senhor da lei. Assim, temos tranquilidade e paz para nossa consciência (Rm 5.1; 8.3-4).

Cobertos com o cumprimento de Cristo e adornados com sua justiça, podemos, agora, também começar a amar a Deus e ao próximo. Onde ainda falhamos nisto, temos o perdão de Cristo. Pois, ainda, temos carne e sangue como diz Paulo em Romanos 7.23. Mesmo assim, não precisamos desesperar, pois temos a justiça de Cristo pela qual – quando confessa-mos que somos pecadores que nunca podem satisfazer completamente a lei – Deus nos considera puros e justos.

O NOME DE JESUS

Jesus não apenas foi circuncidado ao oitavo dia, mas, também, rece-beu seu nome naquela ocasião. Este nome não foi escolhido por homens, mas pelo próprio Deus. O anjo Gabriel explicou a José a razão do nome, em Mateus 1.21: “...lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles”.

Jesus não salva de coisas triviais deste mundo. Para isso, Deus nos dá o reino secular: governantes, para o país e os cidadãos; pais e mães, para os fi lhos; patrões e patroas para os servos; médicos para os doentes. Estes também são salvadores, mas são pobres imitações quando comparados com o Salvador Jesus.

Jesus é Salvador com relação à vida eterna e à redenção do pecado, e dos efeitos do pecado: morte, diabo e inferno. Ele nos socorre onde governo, pais, dinheiro e posses não podem ajudar. É claro que Jesus tam-bém nos ajuda em coisas deste mundo onde e quando outros não podem ajudar, mas sua principal missão não é ajudar em coisas temporais, mas contra pecado e morte eterna.

Mas somente os que creem que há uma vida após esta irão sentir a necessidade deste Salvador. Já no tempo de Lutero, havia os que ele cha-ma de epicureus, que só acreditavam nesta vida e pensavam que depois

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da morte tudo acabou. Estes vão querer aproveitar esta vida ao máximo, sem ligar para a vontade de Deus ou as necessidades do próximo, ou, então, criam uma nova fé que lhes sirva.

Nós cremos que haverá outra vida após esta e, por isto, nos alegramos com o Salvador que temos neste menino. Neste mundo, porém, parece que não temos um Deus, pois ele nos deixa sofrer todo tipo de problemas físicos e não nos livra de malfeitores, perseguições e doenças. Mas ele nos prometeu algo melhor do que esta vida. Além disso, as aparências são enganosas, pois Deus prometeu estar conosco todos os dias (Mt 28.20). Ele também governa sobre nós na terra, nos dá alimento, roupa e tudo o de que precisamos. Ao mesmo tempo, permite tribulação neste mundo (cf. Jo 16.33).

Neste mundo até podemos achar, temporariamente, que não precisa-mos da ajuda de Jesus, quando tudo vai bem e temos dinheiro e bens. Mas, quando a consciência oprime e a hora da morte chega, a situação muda.

Experts religiosos diversos pervertem o nome de Jesus e estabelecem seus próprios salvadores falsos, à parte e contra o único Salvador verda-deiro. No tempo de Lutero, havia, por exemplo, as ordens monásticas. O próprio Lutero tentou salvar-se com o nome “agostiniano”. Mas ele des-cobriu que não há outro Salvador, além de Jesus, contra pecado e morte. Boas obras devem ser feitas, mas elas não são Jesus, elas não salvam. Só Jesus pode nos salvar onde nada e ninguém outro pode, quando temos que deixar para trás tudo o que possuíamos aqui e entrar numa nova vida.

O signifi cado do nome de Jesus não é invenção humana, mas foi dado por Deus do céu através do anjo Gabriel. O que eu invento e penso não pode ser chamado de Jesus, apenas a própria criança pode ser chamada assim. Muitas pessoas e seitas querem roubar o menino deste nome e estabelecer outros salvadores, mas não o conseguirão. Seu nome foi dado não apenas no momento da circuncisão, mas pelo anjo antes que fosse concebido. Por isso, o nome da criança vai permanecer – vai resistir contra todos os ataques.

Quem estima este menino como Salvador, presta a maior e mais alta honra a Deus, pois o próprio Deus o afi rma em João 5.23. Mas você de-sonra a Deus se procura outro Salvador ou pensa que seus pecados são tão grandes que este menino não pode resgatá-lo deles.

Dar nome às crianças signifi ca que, pela fé, temos um nome e somos conhecidos perante Deus. Pois Deus não conhece os descrentes, conforme diz o Salmo 1.6 e Mateus 25.12. Qual é o nosso nome? Assim como Cristo nos dá tudo o que é seu, assim ele também nos dá o seu nome; por isso, somos chamados de cristãos e fi lhos de Deus. Por isso, não há medida para a dignidade e a honra de um cristão.

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BIBLIOGRAFIA

THE COMPLETE SERMONS OF MARTIN LUTHER. Ed. John Nicholas Lenker. Grand Rapids: Baker Books, 1983, v. 1.1, pp. 308-318.

THE COMPLETE SERMONS OF MARTIN LUTHER. Ed. Eugene F. A. Klug. Grand Rapids: Baker Books, 1996, v. 5, pp. 177-195.

Paulo Wille BussSão Leopoldo/RS

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EPIFANIA DO SENHOR

6 de janeiro de 2013

Salmo 72.1-11 (12-15); Isaías 60.1-6; Efésios 3.1-12; Mateus 2.1-12

A igreja de Antioquia da Síria tem sido associada com a origem e/ou

com a acolhida (canonização) do Evangelho segundo Mateus. Essa relação tem o testemunho de Inácio, que conhecia o referido evangelho. Se os “magos do oriente” foram os primeiros gentios a adorarem o Salvador, em Antioquia foi que os primeiros gentios se converteram diretamente do paganismo ao evangelho de Cristo. Cornélio e outros, mencionados no livro de Atos, estavam entre os “tementes a Deus” e “prosélitos”, gentios que já haviam sido instruídos na Lei ou que haviam se convertido à fé de Israel.

O relato da visita dos magos do oriente ao recém-nascido “rei dos judeus” antecipa, com um “descortinamento” do reino de Deus/missão da igreja, a universalidade do governo e do evangelho de Jesus (cf. Mt 25.31-34; 28.18-20).

A visita dos magos é um acontecimento histórico, mas não devemos perder de vista os aspectos literários do texto. A narrativa dos magos contrasta, no evangelho, com outro evento, o escárnio dos soldados ro-manos. Os “magos” trazem ao ungido de Deus os “despojos” das nações, enquanto os soldados, em contraste, “despojam” Jesus de suas vestes (27.35). Esse contraste é um recurso literário, empregado pelo autor do evangelho, para indicar atitudes opostas do mundo gentio diante da pre-gação do evangelho de Cristo. Os magos “prostrando-se, o adoraram; e, abrindo os seus tesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra” (Mt 2.11). Os soldados, por sua vez: “ajoelhando-se diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, rei dos judeus! (Mt 27.29). Finalmente, os magos protegem a vida de Jesus; os soldados, no entanto, “o levaram para ser crucifi cado” (Mt 2.31). É junto da cruz, porém, que o centurião, que comandava os soldados que crucifi ram a Jesus, assim como o mal-feitor arrependido, declara: “Verdadeiramente este era Filho de Deus” (Mt 27.55). Suas palavras recordam, em forte contraste, a pergunta: “Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo” (Mt 2.2). A intenção de Herodes, o Grande, fi nalmente se cumpre, por meio de seu sucessor, também chamado Herodes, e pelas mãos de Pilatos. Jerusalém, ainda dominada pelos gen-tios e novamente alarmada pela chegada do Cristo (Mt 21), fi nalmente o

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homenageia. Judeus e gentios, inimigos desde a mais remota antiguidade, se reconciliam nesse dia mais sombrio de toda a história e, segundo os desígnios assassinos do coração rebelde, o Cristo é crucifi cado. E aí está, fi nalmente, a resposta à pergunta dos magos: “Por cima de sua cabeça puseram escrita a sua acusação: ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS” (27.37; cf. Mt 1.21,25 e 2.2).

O brilho da estrela no meio da noite cedeu lugar às trevas ao meio-dia, invertendo-se os fenômenos. No meio dessas trevas, contudo, foi resgatada uma ovelha perdida da casa de Israel (Lc 23.39-43) e um gentio glorifi cou o Nome do SENHOR (Mt 27.54; Mc 15.39), cumprindo-se a palavra de Jesus: “e eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo” (Jo 12.32). A estrela de Belém foi um sinal e fi gura, nos céus, da vinda do Filho de Deus ao mundo: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida” (Jo 8.19).

A Epifania é a festa da “iluminação” (= batismo) dos gentios. O batismo é a “iluminação” (Hb 10.32) e/ou “purifi cação” (1 Pe 1.22) dos gentios convertidos a Cristo, os quais, até então, viviam na ignorância da Palavra de Deus. A Epifania era o dia do batismo dos novos convertidos, depois de instruídos no evangelho de Cristo.

No Domingo de Epifania, as leituras bíblicas mais antigas à conversão da água em vinho (Jo 2.1-12) e à Transfi guração (Mt 17.1-8), antecipam, de modo visível, assim como o batismo, a glória (o reino) de Jesus e a nossa participação em sua glória (seu reino), recordando-nos, sempre, de que nesse caminho, nos deparamos com poderosos inimigos, com perse-guição e cruz. A leitura desse domingo nos lembra de Herodes, o Grande, o qual não se apiedou dos pequeninos de Belém, em seu intento regicida. O arqui-inimigo do recém-nascido rei dos judeus aparece na narrativa de Mateus, segundo alguns comentaristas, como “sucessor” de Labão, pai de Raquel (e de Lia), o qual maltratou e perseguiu a Jacó e seus fi lhos. Herodes, o idumeu, também ocuparia, na narrativa de Mateus, segundo as mesmas fontes, o lugar de Balaão, que é trazido pelo rei amalequita, Balaque, para amaldiçoar os fi lhos de Israel. Balaão vem do mesmo lugar e com as mesmas intenções de Labão, para acusar, amaldiçoar e matar os fi lhos de Raquel. Contudo, é repreendido por Deus e, em vez de amal-diçoar, é forçado a abençoar os isrealitas. O Livro de Números traz, em poética, as quatro bênçãos proferidas por Balaão sobre Israel, em que se destacam a proeminência do rei de Israel entre as nações (Nm 23.1-24.25). Balaão, o mago do oriente, anuncia, contra sua própria vontade, a soberania universal do rei dos judeus: “uma estrela procederá de Jacó, de Israel subirá um cetro” (Nm 24.17). A “estrela” e o “cetro” são símbolos reais, e eles foram dados por Deus ao fi lho de Maria, que os guardou em seu coração (Lc 2.51), como Raquel guardou (escondeu) os símbolos da

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primogenitura que, por direito, pertenciam aos seus fi lhos (e, secundaria-mente, aos fi lhos de Lia), conta vida dos quais conspirou o arquiinimigo Labão/Balaão/Herodes.

Paulo, que cita as palavras de Balaão em Romanos 8.33 (cf. Nm 23.8), talvez tivesse essa tradição oral, transmitida na sinagoga, sobre o “arqui-inimigo” atemporal de Israel quando escreveu: “a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6.12). Esse inimigo Jesus enfrentou no deserto (Mt. 4.1-11) – recordando-nos de que Balaão, uma vez não tendo conseguido amaldiçoar os eleitos de Deus, conspirou com Balaque para corrompê-los por meio de tentações, tendo desviado a muitos do caminho da salvação. É nesse sentido, também, que Pedro adverte aos que foram chamados por Deus das trevas para a maravilhosa luz do nosso Senhor Jesus Cristo (1 Pe 2.9): “Sede sóbrios e vigilantes. O Diabo, vosso ad-versário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar; resisti-lhes fi rmes na fé” (1 Pe 5.8,9). Tiago, também, escreve: “Resisti ao diabo e ele fugirá de vós” (Tg 4.7).

A sobriedade é uma importante virtude, exaltada também por mes-tres pagãos da antiguidade e, hoje, cada vez mais, por médicos. Entre os pagãos, a “epifania” era uma data dedicada ao “deus do vinho”, Dionísio (Baco). Como em muitos outros rituais pagãos, a embriaguês e a promis-cuidade sexual não apenas eram toleradas, como eram parte do próprio culto religioso. Paulo repreende severamente alguns cristãos em Corinto que, vindo do paganismo, comportavam-se mal nas refeições conjuntas dos cristãos, quando se reuniam para a santa ceia (1 Co 11.21). Noutra carta, Paulo aconselha os cristãos a embriagarem-se do Espírito Santo, e não de vinho (Ef 5.18). Por que, então, provavelmente em Antioquia pela primeira vez, a festa pagã da “epifania” de Dionísio/Baco/Baal (no-mes grego, romano e siro-fenício, respectivamente), foi associada com o nascimento de Jesus? A tradição da igreja primitiva, em harmonia com o Novo Testamento, deixa claro que não foi para incorporar na igreja vícios pagãos, mas para anunciar, no dia em que havia uma procissão pública em homenagem a um ídolo pagão, que a verdadeira luz do mundo é Jesus de Nazaré.

As procissões da igreja, segundo um importante estudioso da origem da liturgia, teriam começado como forma de testemunho público dos cristãos. Esses, deixando os templos pagãos para trás, reuniam-se em casas para adorar o Senhor Jesus como único Senhor (1 Co 8.6; cf. Dt 6.4). Assim como os magos, igualmente, deixaram Jerusalém para trás, para, em procissão, irem até uma humilde casa em Belém para adorar o Salvador. Em Antioquia e em todas as cidades do império, cada vez mais

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novos convertidos (batizados/iluminados) estavam deixando para trás o paganismo para servir a Cristo. Como Paulo escreve aos tessalonicenses: “dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro, e esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dos mortos, Jesus que nos livra da ira vindoura” (1 Ts 1.9,10). Os “gregos” (= idólatras, pagãos) em Antioquia esperavam a manifestação (= epifania) de um ídolo feito por mãos humanas (procissão em que a imagem de Dionísio/Baco/Baal sairiam pelas ruas da cidade). Agora, abandonando o paganismo e a dissolução da carne, uniam-se ao cortejo dos magos do oriente para celebrar a Epifania do Filho Unigênito do único Deus Vivo e Verdadeiro (cf. Jr 10).

Essa conversão espiritual traz consigo, também, uma “renovação da mente” (Rm 12.2), um culto a Deus que se caracteriza pela “glo-rifi cação” ou “santifi cação” ou “purifi cação” do corpo e da mente, que não se guia mais por paixões mundanas ou carnais, mas pelo Espírito Santo. A mensagem da Epifania continua sendo a mesma: cessou a espera por salvadores deste mundo, pois veio, dos céus, o Salvador. A salvação não vem pela violência dos poderosos deste mundo, mas na mansidão da Palavra de Deus. A salvação é “iluminação” e “purifi cação” dos corações, mentes e corpos, para servir ao Senhor em “novidade de vida” (Rm 6.4).

As palavras de Paulo em Efésios 5.3-21, se nos permitimos alguma liberdade na leitura bíblica, são um modelo exemplar de pregação para a festa de Epifania, quando os novos convertidos eram batizados: “Outrora, éreis trevas, porém, sois luz no Senhor; andai como fi lhos da luz (porque o fruto da luz consiste em toda bondade, e justiça, e verdade), provan-do sempre o que é agradável ao Senhor”! Nesse Domingo de Epifania, a igreja toda cantava aos que ainda resistiam ao evangelho e aos que ainda adiavam o seu batismo: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te iluminará” (v. 14). Se essa passagem de fato guarda relação com o surgimento da festa cristã da Epifania do Senhor Jesus, em substituição à festa da epifania pagã do deus do vinho, e como dia especial para o batimo dos novos convertidos, entendemos melhor o apelo de Paulo: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18). Os cristãos não apenas estavam deixando para trás os templos pagãos, mas também um modo de vida contrário aos mandamentos de Deus, para viverem, como “luz do mundo” e “sal da terra”, para que “vejam as vossas boas obras e glorifi quem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.14-16). A estrela que guiou os magos como que “explodiu” no Pentecostes, derramando-se como línguas de fogo sobre todos os cristãos, fazendo de cada cristão e cristã uma pequena fagulha da presença de Jesus no mundo, para fazer discípulos de todas as nações.

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Os enigmáticos “magos do oriente” são, portanto, os mesmos “discí-pulos de todas as nações” – cada um dos que são batizados em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, os quais fomos chamados a proclamar ao mundo o cumprimento da promessa: veio o “Emanuel – Deus conosco”. E somos, como os magos do oriente, guiados pela promessa de que, nessa obra, seremos guiados pelo Senhor: “E eis que estou convosco todos os dias até a consumação do século” (Mt 1.23; Mt 28.20).

Luisivan Vellar StrelowMontevideo/Uruguai

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EPIFANIA DO SENHOR

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PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA O BATISMO DO SENHOR

13 de janeiro de 2013

Salmo 29; Isaías 43.1-7; Romanos 6.1-11; Lucas 3.15-22

CONTEXTO LITÚRGICO

O domingo é de Epifania e a temática específi ca, fi xa, nesse primei-ro domingo de Epifania, é a apresentação de Jesus no seu batismo. O Salmo 29 introduz tal temática, enfatizando a presença ou manifestação (epifania!) da voz do Senhor e dizendo inclusive que “a voz do SENHOR é ouvida sobre as águas” (v. 3). Também a leitura do Antigo Testamento (Is 43.1-7), escolhida para “rimar” com o evangelho do dia, aborda a temática das águas, que aqui se mostram ameaçadoras: “Quando passa-res pelas águas, eu serei contigo” (v. 2). (Paulo fala sobre morrer e ser sepultado com Cristo, no batismo. Lutero lembra o afogar diário do velho homem.) Por ser uma promessa de resgate, Isaías 43 alerta para o fato de que a ação de Jesus em se deixar batizar já é o primeiro ato de sua obra como Filho amado que agrada o Pai. Quanto a Romanos 6, é o texto mais “batismal” das cartas paulinas (embora Paulo entre na questão do batismo como que tangencialmente, pois o assunto específi co, em Rm 6, é a vitória sobre o pecado).

O TEXTO

Em Lucas, o relato do batismo de Jesus é o mais breve de todos, numa comparação com Mateus (o mais longo de todos) e Marcos (geralmente mais longo do que Lucas). Isto talvez ajude a explicar por que a perícope é estendida, tendo o seu início no versículo 15. Assim sendo, antes do relato do batismo de Jesus aparecem duas pequenas perícopes adicionais: a pregação messiânica de João Batista (Lc 3.15-18) e o relato da prisão de João Batista (Lc 3.19-20). O batismo de Jesus aparece em dois versículos, ao fi nal (Lc 3.21-22).

Em Lucas 3.15-18, o evangelista começa como que montando o palco de sua apresentação através de duas construções com genitivo absoluto (reproduzidos em Almeida por dois gerúndios: “estando” e “discorrendo”): o povo está na expectativa (não se diz diretamente do quê) e há um questionamento interior a respeito da pessoa de João. Esse “povo” (laós)

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poderia ser uma simples multidão, a nação inteira ou, então, o povo de Deus. Pairava no ar a pergunta se João não seria, quem sabe, o Messias. Sobre esse “palco” ocorre a ação principal, a saber, a resposta ou declara-ção de João: Eu batizo vocês com água, mas vem o que é mais poderoso do que eu. Com isso, João nega, indiretamente, ser o Messias. Ele se coloca na condição de alguém que não merece ser o escravo do Messias. (Na tradição rabínica posterior, desatar as correias das sandálias era algo que um discípulo não tinha a obrigação de fazer para o seu mestre.) Como profeta, João dá testemunho de Cristo. A imagem de alguém que está com a pá na mão (no contexto rural de nossos dias, seria mais um “for-cado”) para separar o trigo da palha (jogando o cereal trilhado ou batido para cima) é, claramente, um quadro de juízo, pois envolve separação e a queima da palha. O que não está tão claro, no contexto, é a referência ao batismo com o Espírito Santo e com fogo. Isto pode ser interpretado de diferentes maneiras. Alguns entendem que se trata basicamente de um só “batismo” de juízo ou condenação. Outros, em contrapartida, veem nisso uma referência a dois batismos, com base no que é dito no versículo 17: o batismo do Espírito, de salvação, para aqueles que são “trigo”, e o batismo de fogo, de juízo, sobre os impenitentes (a “palha”). Seriam, neste caso, “batismos” em momentos distintos. (O primeiro batismo re-ferido poderia ser uma profecia do Pentecostes, em Atos 2.) O contexto parece favorecer esta interpretação. (As implicações são interessantes: alguém até pode fi car sem o batismo do Espírito, pela palavra de Deus que está unida à água, mas não conseguirá fugir do batismo com fogo, no juízo!) O versículo 18, que conclui essa seção, é um texto exclusivo de Lucas, no sentido de que não consta de Mateus e Marcos. Nele aparece o verbo “anunciar o evangelho” (euaggelízo), que Lucas gosta de usar (nos Sinóticos, a única ocorrência fora de Lucas é em Mt 11.5, que é como que uma citação do texto de Isaías 61).

O texto de Lucas 3.19-20 é, por assim dizer, um resumo do relato bem mais detalhado que aparece em Marcos 6. O agente passa a ser o tetrarca Herodes (neste caso, trata-se de Herodes Antipas), que, repreendido por João a respeito de uma série de maldades (incluindo o casamento com a ex-mulher de seu irmão, em claro desrespeito a Lv 18.16), acrescentou a todas as suas culpas mais esta: mandou prender João. (O texto grego diz que Herodes lançou João no cárcere. Entretanto, como Herodes não fez isso pessoalmente – tendo, antes, ordenado que assim se fi zesse – fazem bem as traduções que dizem que “Herodes mandou prender João”.) Interessante é que o relato da prisão de João aparece antes do batismo de Jesus. Lucas antecipa, em sua narrativa, algo que, historicamente, ocorreu mais tarde. Há quem entenda que isso é signifi cativo, fazendo parte da intenção do evangelista de estabelecer nítida distinção entre o

PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA - O BATISMO DO SENHOR

IGREJA LUTERANA

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tempo de João Batista e o tempo de Jesus. Jesus só aparece quando João Batista sai de cena.

O relato do batismo de Jesus, em Lc 3.21-22, é, sem dúvida, interes-sante. Trata-se, no grego, de um único e longo período, que as traduções (inclusive Almeida Revista e Atualizada) tendem a dividir ao meio, com justifi cadas razões. Inicia-se com uma locução típica de Lucas (69 vezes no Evangelho; 54 vezes em Atos): “E aconteceu” (kai egéneto). O que foi que aconteceu? Isso vem expresso através de um (ou mais) infi nitivo(s). Neste caso, aconteceu o céu se abrir, o Espírito Santo descer e aparecer uma voz do céu. E o batismo de Jesus? Faz parte do pano de fundo, do contexto. Numa tradução bem literal, o texto grego diz assim: “E aconte-ceu, ao ser batizado todo o povo e ao Jesus ter sido batizado e estando a orar, o céu se abrir e descer o Espírito Santo sobre ele em forma corpórea como uma pomba, e aparecer uma voz do céu: Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo”. Lutero fez uma tradução semelhante: “E aconteceu, quando todo o povo se deixou batizar e Jesus também havia sido batizado e estava a orar, que o céu se abriu...” Há quem argumente que Jesus foi batizado depois que todo o povo havia sido batizado (a Tradução Brasileira e a NTLH favorecem essa leitura), numa espécie de “chave de ouro”, mas isto parece uma tentativa de extrair do texto mais do que ele pretende dizer. (Há até quem diga que o batismo de Jesus, ao fi nal de tudo, deu sentido ao batismo do povo, mas isto parece forçar o texto.) Está claro, porém, que a ação principal ocorreu depois que Jesus havia sido batiza-do (baptisthéntos é um particípio aoristo passivo) e enquanto ele orava (proseuchoménou é um particípio presente). Convém notar a presença de várias características do estilo de Lucas, nesta perícope (além do uso da locução egéneto de): a referência ao povo (laós), o fato de Jesus estar em oração, o uso do singular em “céu” (Mateus e Marcos trazem a forma mais semítica: “céus”), e a apresentação do Espírito como “o Espírito Santo” (Mateus traz “Espírito de Deus”; Marcos, apenas “Espírito”).

No entanto, o mais importante é o que é relatado através do uso de uma série de três infi nitivos. Em primeiro lugar, o céu se abriu, ou, para ser mais exato, “o céu foi aberto”. Esse fenômeno tem tudo a ver com a retomada da atividade profética (Ez 1.1), após um longo período de silêncio. Para ser mais exato, trata-se do início da era messiânica. De fato, Deus falou, apresentando o seu Filho. Antes disso, porém, o Espíri-to Santo desceu em forma corpórea (somatikô) sobre ele, como pomba. Dois aspectos se destacam: a corporeidade do Espírito (uma tradução diz: “em forma visível”) e o fato de que essa forma era como uma pomba, o que não signifi ca que era uma pomba (como aparece em pinturas e em fi lmes). O clímax de tudo é a voz do céu (que é a voz do Pai, na medida em que se dirige ao Filho), que apresenta Jesus como o Filho amado, em

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PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA - O BATISMO DO SENHOR

quem o Pai tem a maior satisfação. Essas palavras, ditas do céu, são, muitas vezes, vistas como um eco de vários textos do Antigo Testamento: Sl 2.7, Is 42.1 e, talvez, Gn 22.12,16 e Jr 31.20. Por mais importante que isso seja, não se pode perder de vista o que elas signifi cam e qual a sua importância no momento em que foram ditas. Elas identifi cam Jesus como o Filho de Deus e expressam que o Pai se agrada dele. O aoristo, em eudókesa, que é a última palavra do v. 22, pode ser interpretado como aoristo gnômico ou proverbial, sem indicação de tempo. (Em português isso é, normalmente, expresso através do presente, como o fazem nossas traduções.) O signifi cado é que de modo geral, sempre, o Pai se compraz no Filho. Num contexto em que o Filho deu o primeiro passo em direção à cruz, submetendo-se (vicariamente) ao batismo de arrependimento para remissão de pecados (Lc 3.3), essa aprovação do Pai é muito importante. Deus, o Pai, o confi rmou com o seu selo (Jo 6.27). Portanto, o texto culmina numa tríplice epifania: do Espírito, do Pai e do Filho. Mas o ponto focal é o Filho, sobre o qual o Espírito desce e a quem o Pai se dirige.

PISTAS HOMILÉTICAS

Sendo tempo Epifania, que neste dia seja proclamado Aquele que foi manifestado. Quem o manifestou foi o Pai. Nenhum testemunho é mais importante do que este. Ele é o Filho amado, em quem o Pai se agradou o tempo todo, tanto na assim chamada obediência ativa quanto na obediência passiva. Ele é aquele que nos resgatou, fazendo-nos passar pelas águas do batismo (Is 43 e Rm 6). Sim, o batismo agora nos salva (1Pe 3.21). O benefício do batismo de Jesus – que culminou na cruz (um evento ao qual Jesus se refere como um batismo, em Lc 12.50) – nos é conferido em nosso batismo, que se renova em arrependimento diário.

Havendo batismos previstos para o fi nal do ano ou início do ano novo, uma boa ideia é tentar transferi-los para este dia. Assim, seria possível elaborar toda uma liturgia centrada no batismo: daquelas (crianças) que serão batizadas e de todos os cristãos presentes que, pela ênfase no tema, poderão (re)aprender o valor do batismo e o consolo de se poder dizer: Baptizatus sum, isto é, “fui batizado!”

Vilson Scholz

São Leopoldo/[email protected]

IGREJA LUTERANA

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SEGUNDO DOMINGO APÓS EPIFANIA

20 de janeiro de 2013

Salmo 128; Isaías 62.1-5; 1 Coríntios 12.1-11; João 2.1-11

Epifania é tempo da revelação de Cristo ao mundo. Tempo de apresentar e dar-se a conhecer. O Salvador nasceu e agora precisa ser apresentado e conhecido pelo mundo. É o tempo que marca a saída do Filho de Deus do anonimato, depois de trinta anos, para agora, em público, dedicar-se à obra a que fora enviado: salvar a humanidade dos seus pecados.

O texto narra o primeiro milagre de Jesus, numa festa de casamento que acontece na cidade de Caná, na Galileia, a cerca de 15 quilômetros de Nazaré. O episódio acontece três dias após ter chamado Filipe e Natanael para fazerem parte do grupo de discípulos.

TEXTO

Vv. 1-2: “Três dias depois” – Refere-se ao tempo depois de Jesus ter chamado a Filipe e Natanael.

- Casamento era o grande acontecimento social na aldeia. Os festejos duravam até uma ou duas semanas. Porém, o primeiro dia era o princi-pal.

- Jesus é convidado para o casamento. “Vem, Senhor Jesus, sê o nosso convidado” é o convite diário que fazemos a Jesus. Jesus espera por este convite. Convém ele estar em nossa casa, como afi rmou para Zaqueu. Sua intenção é trazer-nos bênçãos espirituais, vida e salvação.

Vv. 3-4: “Eles não têm mais vinho” – Não é propriamente uma oração, mas, na verdade, tem uma forte entonação de pedido de socorro.

- A falta de vinho pode simbolizar todas as carências pessoais e hu-manas: carências materiais, psicológicas, afetivas, sociais e também espirituais.

- “Mulher…” (grego gynai, vocativo de gyne) – É o mesmo termo usado por Jesus na cruz ao dirigir-se à Maria (Jo 19.26). Apesar do aparente desrespeito, o termo contém extrema cortesia e respeito. Poderia ser tra-duzido por “madame” ou “minha senhora”. É a primeira vez que ele deixa de tratá-la por “mãe”. Jesus traça uma linha divisória entre sua existência humana, ligada à mãe por laços de parentesco normal, e sua existência divina, ligada ao Pai celeste, desde a eternidade. Aqui não está em jogo o

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quarto mandamento. Se Maria precisava de ajuda, não poderia recebê-la com base nos laços familiares.

- “Minha hora” – A manifestação completa da sua glória só se daria por ocasião da morte e ressurreição. Deus tem sua hora para tudo. Não cabe a nós prescrevermos a ele o prazo ou a maneira de agir. Oração é a fala da fé. E fé é confi ança no amor do Pai, que nos atende de acordo com sua boa e misericordiosa vontade.

Vv. 5-7: “Fazei tudo o que ele vos disser” – Maria não fi cou melindrada com a resposta de Jesus. Pelo contrário, estava convencida de ser atendida. Ela não sabia o que ele faria, mas sabia que seria a coisa certa.

- As palavras de Maria são um convite para procuramos compreender e fazer com alegria a vontade de Deus, e também vivermos o evangelho em ações concretas de amor ao próximo.

- “Metreta” – medida grega, que correspondia a cerca de 40 litros, o que daria um total de mais ou menos 600 litros, calculando-se em média 100 por talha (cf. Goerl, in: Púlpito, v. 2).

- “As encheram totalmente” – Serventes fazem “serviço completo” atendendo à ordem de Jesus. Na verdade, em qualquer situação, o serviço de Deus sempre é completo.

Vv. 8-10: O texto traz uma singela descrição do milagre. O relato bíblico, nesta e em outras circunstâncias, evita qualquer sensacionalis-mo. Jesus dispensa o estardalhaço, o espetáculo, a exibição diante das massas, pois o que interessa não é o milagre em si, mas sua motivação e fi nalidade. Este gesto de Jesus contrasta com a forte publicidade em torno de curas e milagres, tão ao gosto de muitas seitas e pretensos pastores nos dias atuais.

- Vinho novo pode simbolizar: novo amor, nova aliança, nova alegria, transformação interior.

Vv. 11-12: “Deu Jesus princípio aos seus sinais” – Signifi ca que nada havia acontecido na infância e adolescência de Jesus. Digamos que não era tarefa para criança. Isto contrasta com o uso de crianças em igrejas neo-pentecostais como pregadores e fazedores de milagres (reportagem da Revista Veja nº 2292, de 24/10/2012 – também disponível na versão digital).

- “Sinais” – No evangelho de João são narrados apenas sete milagres, que o autor chama de “sinais”. Os sinais ou milagres de Jesus são ações que revelam o poder salvador de Deus.

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IGREJA LUTERANA

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SUGESTÃO HOMILÉTICA

O tema próprio de Epifania é a manifestação de Jesus aos gentios como Filho de Deus. O tema do sermão pode ter este enfoque específi co, porém, minha proposta homilética é de um enfoque mais abrangente, explorando outras nuances proporcionadas pelo texto, como a oração e o casamento.

Tema: Uma festa de casamento

I – Momento de oraçãoa) Acabou! (v.3)

• Festividades duravam cerca de sete dias. Vinho era indispen-sável.

• Constrangimento: acabou o vinho. Anfi triões fi cam desnorte-ados. Em risco estava a reputação do hospedeiro.

• Maria: “Eles não têm mais vinho”: constatação em tom de súplica.

• Oração: - Embora Deus saiba tudo a nosso respeito, podemos procurá-

lo e segredar-lhe humildemente: acabou o ânimo, a alegria, a paciência, a esperança, o pão, os recursos…

- Diante de tanto orgulho e arrogância, são necessárias ora-ções sinceras, humildes, confi antes.

b) Vv. 6-10: “Encham os seis potes de água e levem ao dirigente da festa” = água transforma-se em vinho. Não há sensacionalis-mos.

c) 1º milagre de Jesus: atendendo pedido, clamor, necessidade. d) Refl exão: Como está nosso relacionamento com Deus? Tudo lhe

confi amos em oração?

II – Momento de manifestar a glória de Deusa) Jesus – na infância, adolescência e juventude, tinha vida normal:

brincava, chorava, dormia, trabalhava, estudava. Agora mostra quem realmente é: Filho de Deus.

b) Diálogo com Maria:• Jesus deixa de tratá-la por mãe (“mulher”), no v. 4 = traça

uma linha divisória entre existência humana e divina; • “Ainda não chegou a minha hora” = morte e ressurreição• V. 5: “Tudo o que vos disser” = revela não conhecer os planos

de Deus, mas permanece fi el a Deus

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c) Milagres:• Não têm objetivo de resolver todos os problemas• São sinal e demonstração da glória divina• Epifania = Jesus conhecido de todos

d) Refl exão: Quem é Jesus para nós? Guru? Profeta humano? Ou Filho de Deus, o Salvador?

III – Momento de unir-se pelo amor de Cristo• Não é coincidência que o 1º milagre de Jesus tenha sido numa

festa de casamento. A escolha de uma festa de casamento para sua revelação indica o quanto ele preza o santo estado matrimonial.

• Missão de Jesus: salvar. E salvar implica também unir.- Unir-nos com Deus- Unir vidas:

Fazer de muitas vidas uma só = família Fazer de duas vidas uma só = casal

- Jesus não está apenas na igreja/templo. Está no meio das pessoas, não apenas como convidado, mas no dia a dia da vida familiar para transformar momentos de crise em momentos de bênção.

• Refl exão: Jesus está diariamente em nossos lares com sua palavra e seu amor?

CONSULTAS

BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Sociedade Bíblica do Brasil.

BRUCE, F.F. João - introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida e Editora Mundo Cristão, 1987.

GOERL, Otto A. Púlpito, v. 2 (Epifania). Porto Alegre: Concórdia S/A, 1980.

Jonas Roberto FlorRio de Janeiro/RJ

jonas.fl [email protected]

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IGREJA LUTERANA

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TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

27 de janeiro de 2013

Salmo 19.(1-6)7-14; Neemias 8.1-3, 5-6, 8-10; 1 Coríntios 12.12-31a; Lucas 4.16-30

LEITURAS

Salmo 19.(1-6)7-14: Deus fala! Talvez esse possa ser o resumo deste salmo. Deus apresenta diversas formas de revelar a sua glória e amor ao ser humano. A primeira forma é através da natureza. A nature-za “fala sem palavras”, sem conjugar um verbo sequer. Ela contempla a humanidade com sua exuberância e maravilhas moldadas pelas mãos de Deus. A segunda forma é a própria Lei divina. Lei essa que é perfeita, que dá forças, sabedoria, alegria, iluminação, verdade, doçura e perdão. O povo de Deus anuncia com intrepidez a glória de Deus àqueles que ainda não o conhecem.

Neemias 8.1-3, 5-6, 8-10: Terminada a obra da reconstrução das muralhas da cidade, o povo se reúne em Jerusalém para ouvir a leitura da lei de Deus. Depois, o povo estaria preparado para viver a novidade de vida, pois estaria com corações e almas abastecidos da alegria e da força que o Senhor dá por meio da Palavra.

1 Coríntios 12.12-31a: A epístola mostra que e como somos mem-bros do corpo de Cristo para executar cada um a sua função de corpo. Que somos falhos, pecadores. Que somos corpo da Igreja a partir da manifestação de Jesus Cristo como Salvador de todas as pessoas. Que somente por Jesus Cristo é que podemos pregar e proclamar a Boa-Nova da Salvação, manifestar o amor de Deus em Jesus, a fi m de nos aperfei-çoar e enriquecer para que dediquemos os nossos dons e talentos para anunciar os atos poderosos de Deus, que nos chamou da escuridão para a sua maravilhosa luz. Como somos seu corpo, podemos louvar e render-lhe graças por tudo que ele tem nos abençoado e concedido. Oferecendo ofertas de gratidão a Deus, louvando com salmos e hinos de louvor. En-riquecendo e fortalecendo o seu santo nome.

Lucas 4.16-30: Jesus acabara de ser tentado pelo diabo, no deserto. Jesus estava cheio do Espírito de Deus (v. 14), resistiu e venceu o diabo e toda a sua força, mas afastou-se do diabo a fi m de manifestar a todos

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os povos e nações a grande mensagem da salvação que se encontrava nele como Salvador de toda a humanidade. Jesus era muito elogiado pelas pessoas, pois foi chamado por Deus para ser o Salvador de toda a humanidade. Nós, como corpo de Cristo aqui neste mundo, também po-demos e devemos pregar com toda ousadia e coragem os atos poderosos de Deus. Manifestar a luz que ilumina, busca e atrai o povo de Deus à comunhão com ele.

CONTEXTO DE LUCAS 4.16-30

O evangelista Lucas dá ênfase à presença do poder do Espírito Santo no trabalho missionário de Jesus. Mesmo sendo tão bem recebido na Galileia, o mesmo não podemos dizer de Nazaré. Ali Jesus foi rejeitado e enfrentou ameaças de morte (Mt 13.53-58; Mc 6.1-6).

Jesus começa o seu trabalho na região da Galileia. Ele já era conhecido na região da Galileia perto de Caná, onde operara seu primeiro milagre (Jo 2). Agora, por isso, a notícia sobre seu feito se espalhou pela vizinhança. Ela o precedia em qualquer lugar aonde ia, e fazia com que o povo fosse desejoso para vê-lo e ouvi-lo. O mestre Jesus ensinava nas sinagogas e era elogiado por todos, visto que todos sentiam o poder de sua pregação, sendo que, ao menos, alguns reconheciam a divindade de sua missão. Reassumiu sua obra de trazer o evangelho aos seus conterrâneos. Tentava repassar-lhes as grandes lições da vinda do reino de Deus.

Em seu sermão, Jesus deu o tom de cumprimento citando Isaías 61.1 e 58.6. Ele disse que a unção de Deus (e]crise,n do verbo Cri,w) prometida nessas passagens acabara de se cumprir. No contexto de Lucas, a unção remonta à ação do Espírito em 3.20-22. A citação de Isaías não serve meramente para retratar Jesus como profeta, como as alusões a Elias e Eliseu nos versículos 24-28 dão a entender, mas também afi rma o papel real de Jesus, a saber, trazer a salvação a todos os necessitados: os po-bres, os cegos e os cativos. Sua presença signifi ca liberdade da servidão, principalmente a causada pela atividade de Satanás, como mostram seus milagres mais tarde (4.31-44). A rejeição, como em Nazaré, não redundará em fracasso, mas na evangelização de outras pessoas, alusão indireta à inclusão dos gentios (vv. 24-30). A missão de Jesus não é limitada, mas abrangente.

TEXTO

V. 16: Jesus chegou a Nazaré. Cidadezinha nas colinas da Galileia, situada no alto da colina. Lugar onde foi o seu lar por quase trinta anos. Ali ele cres-cera. Ali recebera, ao menos, em grande parte, sua educação. Ali também

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trabalhara em seu ofício de carpinteiro, junto com seu padrasto José. Agora ele veio numa nova aptidão, ou seja, como um professor ou rabi. Chegando o sábado, procedeu segundo seu habitual costume e foi à sinagoga.

Nota: Se Jesus sentia a necessidade de participar regularmente do culto, a nós é muito mais necessário termos o hábito de estar na igreja em cada domingo ou sempre que sua palavra é ensinada. No sábado do qual o texto fala, o Senhor esteve presente, como era seu costume. Segundo a ordem do culto, já fora feita a leitura da lei. A seguir, veio a leitura dos profetas. Agora o Senhor se ergueu para ler. Era uma cortesia, cordialmente concedida a quaisquer rabis visitantes, que lessem alguma das leituras e acrescentassem algumas observações como explanação à leitura. Este era o meamar, ou palestra, que fazia a vez do sermão.

V. 17: Aparentemente, Jesus não selecionou o livro do qual leu, pois o rolo do profeta Isaías lhe foi dado. Isto não signifi ca, porém, conforme alguns pensam, que leu de um lecionário fi xo. Não podemos autenticar um lecionário em data tão recuada assim. A passagem pode ter sido selecionada pelo chefe da sinagoga, ou Jesus pode até a ter selecionado pessoalmente. Isto concordaria com as palavras de Lucas: abrindo o livro, achou o lugar onde estava escrito...

Vv. 18,19: Leu de Isaías 61.l-2, seguido por 58.6. As palavras profeti-zam o ministério do Messias às pessoas afl itas: os pobres, os cativos, os cegos, e os oprimidos. A aplicação que Jesus fez das palavras a ele mesmo mostra que o senso de vocação que veio com a voz celestial no seu batismo permaneceu forte (para a unção do Espírito, cf. At 10.38). Jesus se via chegando com boas novas para as pessoas perturbadas deste mundo. O ano aceitável do Senhor não representa, naturalmente, qualquer ano civil, mas, sim, é um modo de fazer referência à era da salvação. O tempo da graça! Epifania é tempo de manifestar a salvação à humanidade.

Vv. 20-22: Jesus enrolou o rolo (fechou o livro) e devolveu-o ao assis-tente. Sentou-se, assumindo assim a posição para pregar. Com todos agora olhando para ele com expectativa, tudo estava pronto para o sermão. A maneira que o sermão era entregue na época era sentado. Jesus começou dizendo que a profecia que acabara de ler estava sendo cumprida. As pa-lavras de Isaías aplicavam-se ao ministério que ele estava começando (cf. 7.22). Hoje é importante. Os contemporâneos de Jesus não duvidavam que o reino de Deus viria algum dia. O ensino de Jesus era diferente, sendo que via Deus agindo no presente, na obra dele mesmo. Os ouvintes fi caram impressionados com suas palavras de graça, i.é, a maneira atraente de Jesus falar. Ficaram atônitos que alguém da sua própria cidade, alguém que podiam chamar de fi lho de José, conseguisse falar assim. Note-se que Lucas fala de espanto, mas não de admiração ou apreciação. Estranharam sua pregação, mas não a aceitaram de coração.

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Vv. 23: Jesus sabia que sua reputação se espalhara até Nazaré, e que aqueles entre os quais crescera desejariam que fosse viver à altura daquela reputação. Citou um provérbio (desconhecido noutro lugar, embora se achem provérbios semelhantes) cuja lição é clara. A aplicação imediata, no entanto, não fi ca tão simples, porque não havia qualquer questão de Jesus curar-se a si mesmo. Talvez o pensamento seja que a operação de milagres fosse de benefício para ele, por salvar sua reputação.

Vv. 24: Queriam provas. Mas, ao invés disto (de deve ser traduzido “mas”, e não “e”), Jesus seguiu uma linha de pensamento dele mesmo. Sua resposta começa com amém (Amh,n), de fato. Esta palavra é empregada somente seis vezes em Lucas (prefere traduzir o termo aramaico), mas em Mateus e João está frequentemente nos lábios de Jesus. Dá ênfase e marca as palavras seguintes como sendo especialmente signifi cantes. Jesus passa a afi rmar que os profetas não são aceitos no seu próprio local. As pessoas sempre estão mais dispostas a ver grandeza nos estranhos do que naqueles que conhecem bem. “Santo de casa não faz milagre.”

Vv. 25, 26: Jesus ilustra seu argumento com referências a dois grandes profetas. Elias foi ajudado, não por uma das muitas viúvas israelitas dos seus dias, mas por uma mulher de Sarepta de Sidom (cf. l Rs 17.8 ss.). A repetição da palavra viúva (ch/rai) não é rigorosamente necessária, mas ressalta a comparativa falta de importância desta estrangeira. Foi, porém, a ela que Elias foi enviado. A duração da fome é citada como sendo por três anos e seis meses (como em Tg 5.17), que é um pouco mais do que é referido na expressão “no terceiro ano” (l Rs 18.1). O “terceiro ano” pode, naturalmente, referir-se à duração da permanência de Elias em Sarepta (l Rs 17.8) e não à duração da fome, e neste caso não haverá problema. Se a referência for à fome mesma, há várias possibilidades. Ou Jesus pode ter tido alguma outra fonte de informação. E de qualquer maneira, a fome teria continuado por algum tempo depois de a seca acabar.

V. 27: O exemplo de Elias é reforçado com aquele de Eliseu, que curou não um dos muitos leprosos em Israel, mas, sim, Naamã, o sírio (2 Rs 5.1-14).

Vv. 28-30: Isto foi demais para eles. Foi sufi cientemente ruim quando um dentre eles demonstrou que não pertencia ao mesmo grupo que eles. Agora que ele apelou para as maneiras de Deus tratar com os gentios, aquilo foi demais. A ira propagou-se pela congregação inteira (“Deus para os judeus”!) e se propuseram a linchar Jesus. A tentativa de precipitá-lo do cume do monte parece ser um esforço para jogá-lo num precipício (embora talvez seja simplesmente um prelúdio ao apedrejamento). Meramente passando por entre eles, retirou-se. Não falou nenhuma palavra irada, nem operou qualquer milagre espetacular. Simplesmente andou por meio da turba. Alguns acharam que isto em si mesmo era um milagre – mas

TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA

IGREJA LUTERANA

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não o tipo de milagre que os nazarenos queriam! Pelo que se sabe, Jesus nunca voltou a Nazaré. A rejeição pode ser defi nitiva.

PROPOSTA HOMILÉTICA

I – Jesus vem ao nosso encontro- Pela Palavra- Pelos sacramentos (batismo e santa ceia)

II – A missão de Deus não tem limites- Não se restringe a lugares- Não se restringe a certas pessoas. Cristo é para todos! (v.18)

III – Epifania é oportunidade para anunciar que a graça de Cristo é universal!

IV – Proclamemos a Palavra de Deus aos excluídos. Como?Falando de Jesus (vida e obra)Praticando o amor através do testemunho pessoal.

Héber Guéter Fach Ebenézer, São Paulo/SP

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QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

3 de fevereiro de 2013

Salmo 71.1-6(7-11); Jeremias 1.4-10(17-19); 1 Coríntios 12.31b-13.13; Lucas 4.31-44

CONTEÚDO

Uma característica distinta do Evangelho de Lucas é sua ênfase na universalidade da mensagem cristã. Do cântico de Simeão, louvando Je-sus como “luz... para as nações” (2.32), ao comissionamento do Senhor ressuscitado para que se “pregasse em todas as nações” (24.47), Lucas realça o fato de que Jesus não é apenas o Libertador dos judeus, mas também o Salvador de todo o mundo.

Um versículo chave do evangelho de Lucas é o 19.10, que declara que Jesus “veio buscar e salvar o que se havia perdido”. Ao apresentar Jesus como Salvador de todos os tipos de pessoas, Lucas inclui material não encontrado nos outros evangelhos, como o relato do fariseu e da pecadora (7.36-50); a parábola do fariseu e o publicano (18.9-14); a história de Zaqueu (19.1-10); e o perdão do ladrão na cruz (23.39-43).

Este evangelho tem mais referências à oração do que os outros evan-gelhos. Lucas enfatiza especialmente a vida de oração de Jesus registrando sete ocasiões em que Jesus orou que não são encontrados em mais ne-nhum outro lugar (3.21; 5.16; 6.12; 9.18,29; 11.1; 23.34,46). Só Lucas tem as lições do Senhor sobre a oração ensinada nas parábolas do amigo importuno (11.5ss.). Além disso, o evangelho é abundante em notas de louvor e ação de graças (1.28,46-56,68-79; 2.14,20,29-32; 5.25-26; 7.16; 13.13; 17.15; 18.43).

CRISTO REVELADO

Além de apresentar Jesus como o Salvador do mundo, Lucas dá os seguintes testemunhos sobre ele: Jesus é o profeta cujo papel equipara-se ao Servo e Messias (4.24; 7.16,39; 9.19; 24.19). Jesus é o homem ideal, o perfeito salvador da humanidade. O título “Filho do Homem” é encontrado 26 vezes no evangelho. Jesus é o Messias. Lucas não apenas afi rma sua identidade messiânica, mas também tem o cuidado de defi nir a natureza de seu messianismo. Jesus é, por excelência, o Servo que se dispõe fi rmemente a ir a Jerusalém cumprir seu papel (9.31,51). Jesus é o fi lho de Davi (20.41-44), o Filho do Homem (5.24) e o Servo Sofredor (4.17-19, que foi contado com os transgressores (22.37). Jesus é o Senhor

IGREJA LUTERANA

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exaltado. Lucas refere-se a Jesus como “Senhor” dezoito vezes em seu evangelho. Jesus é o amigo dos proscritos humildes. Ele é constantemente bondoso para com os rejeitados.

CONTEXTO

Como no caso dos outros três evangelhos, o relato de Lucas fornece evidência abundante de que Jesus deveras é o Cristo, o Filho de Deus. Re-vela Jesus como homem de oração, que se estribava plenamente no seu Pai celestial (Lc 3.21; 6.12-16; 11.1; 23.46). Contém numerosos pormenores suplementares, os quais, conjugados com o que se encontra nos outros três evangelhos, oferecem um quadro mais completo dos acontecimentos associados com Cristo Jesus. Quase os inteiros capítulos 1 e 2 não têm paralelo nos outros evangelhos. Pelo menos seis milagres específi cos e mais de duas vezes este número, em ilustrações, são exclusivos deste livro. Os milagres são: Jesus fez com que seus discípulos tivessem uma pesca milagrosa (5.1-6), ressuscitou o fi lho duma viúva de Naim (7.11-15), e também curou uma mulher encurvada (13.11-13), um homem que padecia de hidropisia (14.1-4), dez leprosos (17.12-14) e a orelha do escravo do sumo sacerdote (22.50, 51). Entre as ilustrações há as seguintes: os dois devedores (7.41-47), o prestativo samaritano (10.30-35), a fi gueira estéril (13.6-9), a lauta refeição noturna (14.16-24), a moeda de dracma perdida (15.8, 9), o fi lho pródigo (15.11-32), o mordomo injusto (16.1-8), o rico e Lázaro (16.19-31), e a viúva e o juiz injusto (18.1-8).

Expulso de Nazaré, o Senhor Jesus continua o seu ministério em Ca-farnaum. Ele ensina e cura com uma autoridade que não teria admirado os homens (v. 32 e 36) caso quisessem reconhecer nele o Filho de Deus. Por outro lado, os demônios não se equivocavam. Tiago 2.19 nos diz que eles creem... e tremem. Enquanto o Senhor Jesus esteve aqui na Terra, a atividade demoníaca aumentou numa tentativa de pôr obstáculos à Sua atividade. Jesus encontrava com espíritos imundos até nas sinagogas, mas ele não permitia que lhe dessem testemunho.

Os versículos 38 e 39 nos falam da cura da sogra de Simão. O Senhor Jesus se inclina afetuosamente sobre a mulher doente, pois não é apenas a distância que ele se ocupa com as nossas enfermidades. E como esta mulher emprega a saúde que acaba de recuperar? De uma maneira que fala a todos nós: “E logo se levantou, passando a servi-los”.

Ainda que fosse um estrangeiro aqui, o Senhor Jesus não estava alheio às difi culdades e misérias deste mundo. Assim vemos que a noite não interrompe sua maravilhosa atividade e cedo pela manhã já está pronto a retomá-la, porque passou algum tempo em separado, para estar a sós com Deus. E sendo assim dependente, não se deixa deter pelas multidões que o instavam para fi car ali.

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TEXTO

Lucas 4.31-37: A cura de um endemoninhado em Cafarnaum1. Neste momento Lucas passa a narrar as atividades e ensinos de

Jesus. O material é o mesmo de Marcos 1.21-28.2. Entramos num assunto por demais atual na igreja. A expulsão de

demônios.3. Existe mesmo hoje em dia a expulsão de demônios? Tudo o que se

tem dito é de fato verdade e com respaldo bíblico? Se não, o que então acontece nestes lugares onde esta prática é aceita?

4. O cristianismo está dividido hoje em torno deste assunto:a. Pentecostais e carismáticos de um ladob. Tradicionais do outro.c. A grande maioria crê que a possessão é real e que a expulsão

deve ser praticada.

A EXPULSÃO DE DEMÔNIOS NÃO É A PRINCIPAL MARCA DA IGREJAI – A expulsão de demônios era uma credencial messiânica

1. Lucas 4.18,192. De certa forma o que Lucas narra neste capítulo e no próximo

é a prática desta credencial3. Libertar os cativos; pôr em liberdade os oprimidos...4. Quais? Aqueles que lhe pertenciam!5. Notar que o plano de salvação em toda a sua extensão está

aqui enfatizado.6. Toda cura e expulsão era seguida da conversão do indivíduo.

II – A expulsão era uma credencial apostólica1. Mateus 10.82. Fazia parte do kit apostólico3. Qual era a tarefa? Procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel!

III – Não há nenhuma ordem para a igreja exercer este papel1. Mateus 28.18-20: a grande comissão omite completamente

esta prática2. O papel da igreja é o de edifi car os fi lhos de Deus3. A ministração mútua e o exercício dos dons.

IV – A completa ausência no Velho Testamento 1. Por que não há ocorrência no A.T. desta prática?2. Por que houve tanto em Israel nos dias de Jesus e dos após-

tolos?

QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

IGREJA LUTERANA

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3. A presença de Jesus aqui provocou a manifestação4. O ministério de resgate de Jesus!5. A entrada no meio dos gentios que defi nitivamente mexem com

a prática de demonismo.

V – Os princípios que regem esta prática1. De volta a Lucas2. Jesus estava na sinagoga; neste momento...3. Achava-se na sinagoga...4. Jesus repreendeu o demônio e o expulsou5. A igreja não deve ir atrás disto, mas se houver alguém, deve

ser liberto.

Lucas 4.40-441. É inevitável que se faça comparações do que aconteceu nos dias

de Jesus e seus apóstolos com o que acontece hoje.2. Inclusive eles mesmos dizem que o que acontece é o mesmo

daquela época!3. O que vemos aqui é a repercussão dos dois fatos anteriores: a

expulsão do demônio na sinagoga e a cura da sogra de Pedro na casa dele.

4. A porção de hoje é muito importante dentro do contexto do ministério de Jesus narrado pelos evangelistas.

5. Lucas encerra este capítulo introdutório do ministério de Jesus narrando as palavras de Jesus que deixariam claro o seu plano de ação.

JESUS VEIO PARA ANUNCIAR O EVANGELHO DO REINO DE DEUSI – Curas e expulsão de demônios eram secundárias

1. As pessoas traziam os seus “queridos” para serem assistidos por Jesus

2. Jesus não fazia propaganda e nem mesmo os seus discípulos3. Diferentes moléstias – curava impondo as mãos... sobre cada

um!4. O mesmo com os demônios...5. Mesmo os que tinham o dom de curar, não curavam quando

queriam, mas quando o Espírito os movia a. Paulo com Epafrodito... b. Pedro na porta formosa... Atos 3.1,2 c. Subiam... punham – ambos imperfeito (ação contínua no

passado) d. Diariamente...

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e. Não foi a primeira vez que subiram para adorar – por que a cura foi só naquele dia?

II – Solitude, uma prática regular do Senhor Jesus1. Sendo dia... Marcos diz: “Alta madrugada” ele levantou e saiu

para um lugar deserto e orava!2. Eles o procuravam diligentemente...3. Eles não queriam se juntar a ele para orar; eles queriam que ele

permanecesse com eles para os livrar daquilo que os afl igia!4. De certa forma não pensavam nos outros que poderiam também

ser benefi ciados com o poder de Jesus!

III – Anunciar o Evangelho do Reino, isso sim, era o seu ministério1. É necessário... anunciar o evangelho do reino...2. Evangelho é boas novas – boas notícias...3. Do reino de Deus – primeira ocorrência da expressão em Lucas.4. Qual é o evangelho do reino? “Arrependei-vos porque é chegado

o reino de Deus”.

IV – A pregação era sua estratégia1. Era... ação contínua no passado!2. Pregador – pregante – aquele que prega.3. Proclamava – fazia o papel de arauto!

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Jesus veio para proclamar o evangelho do reinoVeio libertar-nos do poder das trevas para a sua maravilhosa luzVeio para aliviar as nossas doresVeio para viver em comunhão conosco

Conclusão1. O real ministério de Jesus era a proclamação do evangelho do reino2. Os milagres eram secundários, embora fossem sua carteira de

identidade messiânica3. Solitude era sua prática habitual para fortalecimento4. Pregação, sua estratégia!5. Era ao mesmo tempo o Pregador e o Conteúdo da Mensagem.

Paulo Gerhard PietzschSão Leopoldo/RS

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QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

10 de fevereiro de 2013

Salmo 138; Isaías 6.1-8(9-13); 1 Coríntios 14.12b-20; Lucas 5.1-11

Estamos no período eclesiástico denominado de Epifania, no qual en-fatizamos a obra da evangelização. Os textos do dia apresentam enfoques diferentes que têm relação com a evangelização.

LEITURAS DO DIA

Salmo 138: É uma oração de gratidão a Deus “por causa da tua mi-sericórdia e da tua verdade”. Por isso, o salmista está disposto a render graças ao Senhor: “na presença dos poderosos te cantarei louvores”. É um salmo que incentiva os fi eis a anunciarem a misericórdia de Deus aos poderosos deste mundo.

Isaías 6.1-8: Deus chama Isaías para ser seu profeta. Ele procura esquivar-se julgando-se incapaz, pessoa de lábios impuros. Deus enviou um anjo que pegou uma brasa viva no altar e a encostou nos lábios de Isaías, purifi cando-o para exercer o ministério. Capacitado por Deus, ele se dispôs: “Eis-me aqui, envia-me a mim”. De igual modo é o Espírito Santo quem perdoa nossos pecados e nos capacita a exercermos o ministério pastoral ou a exercermos o sacerdócio como cristãos no dia a dia.

1 Coríntios 14.12b-20: O texto faz parte de um capítulo que trata sobre o falar línguas estranhas, dom que Deus deu para alguns cristãos da congregação de Corinto. Mas, parece que este dom só trouxe problemas. Por isso, Paulo incentivou os cristãos a procurarem progredir para a edifi -cação da igreja e incentiva os cristãos a anunciarem a palavra de Deus na língua que as pessoas na igreja entendam e então sejam edifi cadas.

Lucas 5.1-11: Este texto de Lucas é considerado paralelo de Mt 4.18-22 e Mc 1.16-22 porque culminam com Pedro sendo chamado para ser pecador de homens. O texto é um tanto diferente de Mt e Mc, e tem alguns detalhes muito signifi cativos, que veremos a seguir.

ANÁLISE DO TEXTO DO EVANGELHO

Jesus estava “junto ao lago de Genesaré”. É um lago de água doce com cerca de 20 km de comprimento por 12 km de largura. Também era chamado de lago da Galileia, mar da Galileia ou de Tiberíades.

V. 1: A multidão se apertava em volta Jesus “para ouvir a mensagem

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de Deus”. Curioso: a multidão estava ali “para ouvir a mensagem de Deus”. Isto ocorreu no início do ministério de Jesus. Será que o interesse pela mensagem anunciada por Jesus foi só no início de seu ministério? E depois não? Ou sempre houve os interessados pela mensagem e os que só queriam auxílio material? Aliás, parece que na Igreja sempre vai ser assim: pesso-as que sinceramente desejam a mensagem de Deus, que anuncia perdão dos pecados pela fé em Jesus, salvação, vida eterna, enquanto muitas só desejam conseguir o que precisam de terreno para o aqui e agora.

Vv. 2,3: Diante de um problema (multidão o apertava), Jesus vê dois barcos desocupados e decide por uma solução: ele conhecia Simão, entra em seu barco e pede para afastar-se um pouco da praia, e de lá ensina a palavra de Deus ao povo. Observamos que Jesus aproveitava as opor-tunidades de pregar a palavra de Deus, improvisava meios e, quando necessário, usava recursos de seus conhecidos. Quantos pregadores hoje acham que só podem pregar a palavra de Deus se tiverem um templo bem equipado! Ou não se sentem bem em anunciar a palavra em lugar simples ou num casebre! Por outro lado, vemos que em todos os tempos Jesus quer contar com os bens materiais de seus amigos para evangelização.

V. 4: A ordem de pescar dada por Jesus era estranha para aqueles pescadores profi ssionais, pois a melhor hora de pescar era à noite.

V. 5: Simão já conhecia Jesus, embora não fosse ainda um discípulo seu. Com suas palavras, Simão não estava querendo esquivar-se do pedido de Jesus; apenas estava constatando o fato ocorrido – trabalharam a noite toda sem nada pescar. Simão chamou Jesus de “Mestre”. Esse tratamento aparece seis vezes no evangelho de Lucas e sempre citado pelos discípulos. Era um título de respeito, não signifi cava aqui relação pessoal próxima. Jesus pediu muito a Simão, e Simão obedeceu.

V. 6: Aqui simplesmente narra o resultado do lançar as redes. Os discípulos seguem a palavra de Jesus, e as redes fi cam cheias de peixes, rompendo-se. O objetivo deste milagre era demonstrar o poder da palavra de Jesus. Quando Jesus do barco pregou, sua palavra poderosa atingiu corações, convertendo-os em crentes nele, mas ninguém viu este milagre nos corações das pessoas convertidas. Coisas espirituais são invisíveis aos olhos físicos. Por isso muitas vezes nós pregadores pensamos que foi em vão a pregação que anunciamos. Como Simão e os demais pescadores (futuros apóstolos) poderiam ter certeza da vitória da pregação da palavra de Deus diante do judaísmo tradicional e do paganismo quando pregassem a palavra? Neste milagre estaria a certeza: as redes fi caram cheias por causa da palavra de Jesus, e pela palavra dele somente. Esta certeza nós pregadores devemos ter: sempre que a palavra de Jesus for pregada, a rede do evangelho se encherá. Para encherem seus templos tantos pre-gadores estão mudando a palavra de Jesus, atraindo aquelas pessoas que

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só querem ajuda para as necessidades terrenas. Quantas destas pessoas nestes templos estão realmente sendo convertidas a Jesus? Precisamos permanecer fi eis no anúncio da imutável palavra de Deus, pregada em lei e evangelho, que de fato é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16).

V.7: Lensky lembra: “quando o Senhor dá, ele nunca é pão-duro, sua generosidade é abundante, como no casamento em Caná, em que Jesus fez o melhor vinho. Esta quantidade de peixes simbolizava o avanço abundante do sucesso do evangelho, seu poder em si de pescar pessoas”. Simão precisou pedir ajuda para puxar as redes e pôr todos os peixes em barcos... Isto signifi ca que Jesus permanece com sua promessa e agir pelo seu Espírito Santo nos corações das pessoas quando sua palavra é anunciada, mas também aprendemos que o trabalho de pregar o evangelho perto ou longe e de “pescar” pessoas precisa ser em equipe – não somente o pastor em sua paróquia ou bairro, nem um missionário sozinho num local distante; mas pastor e membros evangelizando, e, dependendo do lugar, equipe de missionários atuando conjuntamente.

V.8: Quando Simão viu o resultado da pesca, reconheceu em Jesus sua divindade. Não mais o chamou de “Mestre” (~Epistata e sim de “Senhor” (Ku,rie no sentido de Senhor divino, como os apóstolos e mais tarde a Igreja passou a chamá-lo. Simão demonstrou a mais profunda humildade; sentiu-se muito pequeno diante de Jesus. O prostrar-se aos pés de dele foi um sinal de profunda humildade, unida a uma verdadeira adoração. A expressão “Simão Pedro” não se encontra em nenhuma outra parte do evangelho. Lucas acrescenta o nome “Pedro”, dado por Jesus, para mostrar a fé fi rme que estava brotando em Simão a partir deste acontecimento. Este milagre mexeu profundamente com Simão, pois ele se vê como terrível pecador diante do Senhor santo e, por isso, segundo ele, não merecia estar na presença de Jesus. Simão teve a atitude de um neófi to na fé; tempos depois, sem dúvida, diria “permanece comigo, Senhor!”

V.10: Acredita-se que Salomé, esposa de Zebedeu, era irmã de Maria, mãe de Jesus; então Tiago e João seriam primos de Jesus. Lensky destaca que Zwgrwn é “pescar vivo”, em contraste com a pesca de peixes que acabam morrendo. O evangelho nunca mata; aliás, salva da morte e produz verdadeira vida. Que chamado abençoado é pescar pessoas para serem vivas no sentido mais completo! E que situação abençoada é a nossa de termos sido pescados para viver com Deus aqui e na eternidade! Diferente de Mt 4.21 e Mc 1.17, em que Jesus os chamou para serem pescadores de homens, aqui Jesus faz-lhes a promessa de que seriam “pescadores de homens”. Esta promessa Jesus fez e faz para todos os ministros do evangelho; mas não só a eles, e sim a todas as pessoas convertidas a Jesus pela palavra de Deus.

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QUINTO DOMINGO APÓS EPIFANIA

V. 11: Jesus atingiu seu objetivo: Pedro, Tiago e João deixaram para outros o cuidado de sua empresa de pesca e seguiram a Jesus, a fi m de aprenderem a ser pescadores de pessoas.

Este milagre no início do ministério de Jesus tem semelhança com o outro citado em Jo 21.6-11 no fi nal de seu ministério. É como se Jesus quisesse dizer aos discípulos: - O que procurei lhes ensinar com a primeira pesca maravilhosa no início de meu ministério é o que desejo lhes ensinar nesta última pesca maravilhosa ao fi nal de meu ministério – eu os quero como pescadores de pessoas, preguem a palavra de Deus para isto e eu sempre os acompanharei com bênçãos.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Objetivo: Que meus ouvintes sintam-se felizes por serem parceiros de Jesus na obra da evangelização e tenham uma participação ativa na mesma.

Tema: Parceria na evangelização: Deus e nós

1. Deus... - oferece sua palavra poderosa para ser anunciada - o conteúdo da palavra é a obra da salvação realizada por Jesus - chama seus fi lhos para anunciarem sua palavra - oferece recursos terrenos para auxiliarem na evangelização

2. Nós... - fomos pescados para Jesus por pessoas que ele enviou nos ba-

tizando e ensinando sua palavra - por isso, precisamos também ser pescadores de pessoas - como? anunciando (falando, distribuindo literatura, convidando

pessoas para as programações da igreja), ofertando (na congregação, ajudando a formar pastores, ajudando a manter missões), orando (pela conversão de pessoas, pelos pastores e missionários, pelo Seminário) e encaminhando jovens para o Seminário.

Leonerio Faller

São Leopoldo, RS [email protected]

IGREJA LUTERANA

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ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

10 de fevereiro de 2013

Salmo 99; Deuteronômio 34.1-12; Hebreus 3.1-6; Lucas 9.28-36

LEITURAS DO DIA

Salmo 99: Este Salmo pode ser dividido em três estrofes: a primeira estrofe celebra a santidade de Deus tal como se expressa na majestade de seu senhorio sobre o mundo (vv.1-3); a segunda trata da santidade de Deus manifestada no estabelecimento da justiça (vv.4,5); e a terceira fala sobre a mesma santidade revelada na história de Israel por seus atos de graça e pela severidade de seus julgamentos (vv.6-9). Este cântico nos apresenta com muita seriedade e grande alegria a revelação de Deus no Antigo Testamento. Este texto, assim como os outros textos do dia, também lembra o Profeta Moisés (v.6) e seu temor a Deus.

Deuteronômio 34.1-12: Este último capítulo de Deuteronômio traz o relato da morte de Moisés. Mas antes que isso acontecesse, Deus o levou ao alto do monte Nebo e mostrou toda a terra que havia prometido ao povo de Israel. Moisés pode contemplar aquela terra maravilhosa, mas não pode entrar nela. Após contemplar esta terra, ele morreu ali mesmo e foi sepultado pelo próprio Deus, num vale, na terra de Moabe. Diz o texto (v.10) que não houve nunca mais em Israel um profeta como Moisés. Em-bora tivessem surgido muitos profetas, nenhum se igualou a Moisés, nem jamais igualaria, a não ser Aquele que é maior que Moisés. Moisés não foi um homem apenas de palavras, mas também de atos. Atos que o Senhor realizou através dele, como por exemplo: as maravilhas feitas no Egito por ocasião da libertação do povo de Israel. Tudo isso não passou duma preparação para a grandiosa obra redentora de Cristo no Calvário.

Hebreus 3.1-6: O profeta Moisés foi escolhido por Deus para liderar o povo de Israel em sua fuga do Egito, rumo à terra prometida. Ele é mediador humano da Antiga Aliança. Mas o que chama a atenção neste texto é a comparação feita entre Moisés e Jesus. Este texto aponta para a superioridade de Jesus em relação a Moisés. Moisés foi um servo fi el na casa de Deus, da qual ele mesmo fazia parte, mas Jesus Cristo é o edifi cador da casa, pois Cristo é o próprio Deus, portanto, com muito maior glória do que Moisés. Cristo é o cumprimento de tudo quanto Moisés previu. Cristo não aponta para outro senão para Si mesmo.

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Lucas 9.28-36: Este é o texto escolhido para a mensagem, o qual aborda a Transfi guração de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. E sobre este texto iremos refl etir a seguir.

CONTEXTO DO LIVRO

O Evangelho de Lucas é o que, comparado aos outros três, traz um relato mais completo da vida de Jesus. É ainda o único que tem uma conti-nuação. O evangelista Lucas escreveu também o livro de Atos que aborda a vida da Igreja e a atuação do Espírito Santo no início do cristianismo. Além de estes dois livros serem dedicados à mesma pessoa, Teófi lo, eles foram escritos pela mesma razão: mostrar que Deus estava realizando o seu propósito na vida e obra de Jesus e de seus seguidores.

Este livro foi escrito a partir de fontes confi áveis e com elevado rigor. A preocupação de Lucas é mostrar aos seus leitores Jesus como o Salvador de toda a humanidade. Ele mostra a vinda de Jesus como um evento de interesse mundial. Lucas enfatizou a humanidade de Jesus. As histórias contadas neste evangelho apontam para o grande interesse de Lucas pelas pessoas, especialmente os mais necessitados.

TEXTO: ANÁLISE E COMENTÁRIO

V. 28: “Cerca de oito dias depois de proferidas estas palavras...” Essas palavras iniciais mostram que este texto tem uma relação com o que Jesus havia falado aos discípulos anteriormente. Ele havia exposto o que estava para lhe acontecer: seu sofrimento, morte e ressurreição. Ao que o texto nos propõe, Jesus estava, com isso, querendo preparar os discípulos para o término de Sua obra. O fato de Jesus ter levado consigo a Pedro, Tiago e João pode nos mostrar que Ele já sabia o que iria acontecer no alto do monte. Mas o texto mostra que a intenção de Jesus é orar, como indica o verbo proseu,xasqai (para orar; com o propósito de orar).

V. 29: “... a aparência dele se tornou outra”. Essa mudança de apa-rência aconteceu enquanto Jesus orava, enquanto Ele estava em contato com Seu Pai. Os três evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas concordam e deixam registrado que o rosto de Jesus mudou de aparência, foi transfi -gurado. E não somente seu rosto, mas também suas vestes. Suas vestes resplandeceram (evxastra,ptwn) de brancura, elas fi caram tão brancas, como nenhum tecido pode fi car, mesmo que passe por um processo de lavagem de alta qualidade.

Vv. 30-32: O que é narrado no versículo anterior por si só já era um mo-mento incomum, maravilhoso, sem igual. Mas ainda viriam mais surpresas para os discípulos. Kai. ivdou,( a;ndrej du,o sunela,loun auvtw/|( “E eis que

ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA - A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

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dois homens conversavam com Ele”; estes homens eram, simplesmente, Moisés e Elias. Moisés, o libertador do povo de Israel, da escravidão do Egito, e Elias, o Profeta que não experimentou a morte, foi levado direta-mente para o céu. O texto nos fala que eles apareceram em glória. Isso quer dizer que já estão desfrutando a glória no céu. Eles conversavam a respeito da partida de Jesus. O termo e;xodon (v. 31) aqui não signifi ca apenas partida ou morte, mas se refere a toda a obra redentora que Jesus iria cumprir em Jerusalém. Somente no versículo 32 é que entram em cena os discípulos, especialmente Pedro. Eles estavam dormindo e, quando acordaram, viram aquela que seria a cena mais impressionante que eles iriam presenciar na companhia de Jesus. Jesus totalmente transfi gurado e Moisés e Elias com Ele.

V. 33: Pedro fi ca maravilhado com aquela cena – e quem não fi caria ao ver Jesus glorifi cado e na companhia de Moisés e Elias? Por isso ele falou a Jesus: evpista,ta( kalo,n evstin h`ma/j w-de ei=nai (“Mestre, bom é estarmos aqui...”. Pedro assim falou impulsionado pelo êxtase do mo-mento. Em seguida ele tem uma ideia maravilhosa, mas sem nenhuma noção do que realmente estava acontecendo. Já que a glória dos céus estava se manifestando naquele lugar, nada melhor do que acampar ali. É assim que muitas vezes também podemos pensar. Como seria bom nos acamparmos no templo e esquecermos todo o resto. Esquecermos nos-sos problemas, nossas difi culdades, o testemunho, a vida corrida. Mas se pensamos assim, estamos fazendo como Pedro: não estamos sabendo o que estamos pensando, e precisamos novamente olhar para Cristo e ouvir qual é a nossa missão como Igreja.

Vv. 34,35: “Ele ainda estava falando, quando apareceu uma nuvem e os cobriu.” Primeiro os discípulos presenciam uma luminosidade fantás-tica, gloriosa, de Jesus, Moisés e Elias. Agora experimentam a situação de um verdadeiro apagão. Eles devem ter fi cado apavorados com aquela situação. O aoristo evfobh,qhsan (fi car com medo; encher-se de medo; temer) aponta para a reação dos discípulos diante do ocorrido. Mas eles não precisavam fi car com medo, porque era o próprio Deus quem os es-tava envolvendo. E Deus testemunha a respeito de Jesus. Da nuvem Ele diz para os discípulos que Jesus é seu Filho, o Escolhido (o` evklelegme,noj) e que os discípulos deviam ouvi-lo. Os discípulos além de verem a glória de Jesus, agora ouvem de Deus um testemunho sem igual. Será que os discípulos ainda estavam com alguma dúvida a respeito da divindade de Jesus? Se dependesse do que presenciaram e ouviram, eles nunca mais teriam o mínimo de dúvida a respeito da autenticidade do ministério messiânico de Jesus.

V. 36: “Eles calaram-se e a ninguém contaram naqueles dias coisa algu-ma do que tinham visto.” Os discípulos provavelmente estavam querendo

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ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA - A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

contar aos outros nove o que tinha acontecido. Mas, conforme o texto, os três discípulos, em obediência a uma ordem de Cristo, guardaram silêncio sobre esta revelação maravilhosa. Não falaram desta experiência, a não ser depois da ressurreição de Cristo.

PROPOSTA HOMILÉTICA

A transfi guração de Jesus foi um acontecimento incrível, sem igual, sobrenatural. E esse acontecimento nos mostra que Jesus é o Filho de Deus, o seu escolhido. Os três discípulos puderam ver por pouco tempo a glória de Jesus. E nós só podemos imaginar como deve ser essa glória. Mas o importante é que Jesus foi revelado como o escolhido de Deus para salvar a humanidade perdida e condenada.

Tenhamos certeza de que Jesus é o Filho de Deus e o seu escolhido 1. Porque o próprio Deus disse2. Porque a palavra de Deus assim testemunha3. Para que nós tenhamos a certeza de nossa salvação nEle4. Para que nós testemunhemos essa verdade a todas as pessoas.

Geomar MartinsBela Vista/MS

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QUARTA-FEIRA DE CINZAS13 de fevereiro de 2013

Salmo 51.1-13 (14-19); Joel 2.12-19; 2 Coríntios 5.20b-6.10; Mateus 6.1-6; 16-21

CONTEXTO E APONTAMENTOS INICIAIS

Esta é uma semana diferente. É imediata a relação entre quarta-feira de cinzas e carnaval. O contexto litúrgico nos oferece uma refl exão inte-ressante: Qual a relação entre carne e cinza? Pois neste aspecto pode ser desenhada a semana que antecede o Primeiro Domingo na Quaresma. A terça e a quarta-feira se distinguem desde os primeiros séculos da era cristã. A partir do estabelecimento, pela Igreja, do tempo quaresmal, o que incluía a abstenção de carne, outros tantos logo resolveram resgatar rituais pagãos, fazer a despedida da carne ou festa da carne, antes ‘da-queles dias chatos’ de silêncio e sacrifício.

A pergunta que é respondida pela história desta ‘semana diferente’ é: a quarta-feira de cinzas gerou a terça de carnaval, e não o contrário. Está aí a primeira inversão necessária, ou seja, destacar o que veio primeiro, o que é maior. Enfatizar a origem do dia de cinzas e sua posterior liga-ção à ‘festa da carne’, no dia anterior, ajuda a desfazer a ideia de que a quarta-feira de cinzas é um ‘adendo’, ou um tipo de ‘mal necessário’ após a festividade do carnaval. Vivendo num país que respira carnaval quase o ano todo, é importante frisar isso. Os textos remetem, sem dúvida algu-ma, ao verdadeiro sentido das cinzas – arrependimento, reconhecimento: “Lembra-te que és pó a ao pó tornarás”.

A época litúrgica é de entrega total do ser humano pecador aos cuida-dos do Deus do perdão e da consolação. É época de ‘olhar no espelho de Deus’, que não engana, que traz a realidade cruenta da maldade humana e aponta um caminho que inverte a lógica e a inclinação humana. Deus dá vida através da morte; Deus vê a cara e vê o coração do ser humano, por isso todo fi ngimento é desnecessário, por ser inefi caz.

LEITURAS DO DIA

Salmo 51.1-13 (14-19): Um texto que expressa a total dependên-cia de Davi. De mãos vazias, o pecador está prostrado diante do Senhor. Ele não vê nada em si que possa lhe dar créditos para exigir ou solicitar

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algo. “Por causa do teu amor... por causa da tua grande compaixão...” (v. 1 – NTLH); “tu tens razão quando me julgas e estás certo quando me condenas” (v. 4). Não se trata de uma negociação onde ambos têm algo a oferecer. Pelo contrário, o que Deus exige ele precisa dar primeiro. “O que tu queres é um coração sincero... Ó Deus, cria em mim um coração puro... e conserva em mim o desejo de ser obediente” (vv. 6; 10; 12). Deus opera tudo, do início ao fi m. No imperfeito ser humano nada reside que se aproveite em termos de comunhão com Deus. Esta é a tônica que introduz a quarta-feira de cinzas.

Joel 2.12-19: É o convite de Deus ao culto verdadeiro, fundamentado na misericórdia do próprio Deus. “Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, pois ele é misericordioso...” (v. 12 – ARA). Trata-se de uma convocação a estar diante do Senhor. Os versículos 15-17 denotam a importância do culto, do ritual que expressa a dependência do povo. Então o Senhor, por causa de sua grande mise-ricórdia, tem compaixão do povo, e responde.

2 Coríntios 5.20b-6.10: O apóstolo Paulo fala sobre o ministério da reconciliação, onde Deus procura, estende a mão e oferece Cristo aos pecadores. A proposta parte de Deus. A tarefa do embaixador em nome de Cristo é fazer de tudo para mostrar isso com clareza ao povo.

O CONTEXTO DE MATEUS 6.1-6; 16-21

O texto em destaque faz parte do assim chamado Sermão do Monte (Mateus 5-7.29), onde Jesus inverte a lógica humana. Jesus mostra que vivemos num mundo ‘às avessas’. Na quarta-feira de cinzas somos con-vidados a subir o monte e ouvir Jesus.

O TEXTO: ALGUNS APONTAMENTOS

Dar esmolas, orar e jejuar. Estas três atitudes caracterizavam a re-ligiosidade judaica. Lutero entende estas três obras como sendo as que resumem todas as demais, a saber: dar esmola – fazer toda sorte de boas obras para o bem do próximo; orar – preocupar-se com toda sorte de problemas, tanto comuns quanto próprios, e levá-los a Deus; jejuar – disciplinar o corpo.

Ênfases textuais:Merece atenção a antítese entre dois termos, que formam três seções,

nos vv. 2-4; 5-6 e 16-18.1. misqo.n - misqo,j - recompensa, retribuição

QUARTA-FEIRA DE CINZAS

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Seu uso nos vv. 2; 4; 16:avpe,cousin to.n misqo.n auvtw/n - receberam (recebem) – o verbo está

no presente indicativo ativo - a recompensa deles.avpe,cousin - avpe,cw - termo usado para designar satisfação plena pelo

débito. Recibo comprovando não existir mais nada a receber. Portanto quem quer receber a recompensa dos homens, já tem tudo o que vai ganhar.

2. avpodw,sei - avpodi,dwmi - recompensa, retribuição. Forma verbal: futuro indicativo ativo – 3ª pessoa singular.

avpodw,sei soi – Deus, o Pai que vê, é o agente da recompensa. O uso da forma verbal no Novo Testamento pode lançar luz sobre o signifi cado. Por isso é bom ver:

- Romanos 2.4-8: Deus retribuirá a cada um conforme suas obras, segundo o seu justo juízo.

- Mateus 16.24-27: Jesus é quem vai dar a recompensa a cada um con-forme sua conduta. A conduta, que é descrita no contexto deste texto.

- 2 Timóteo 4.8; 14: Paulo espera a recompensa que o Senhor dará na-quele dia. Enquanto Alexandre, o latoeiro, também a receberá (v. 14).

O uso dos termos acima parece não ser por acaso. Enquanto misqo,j tem seu signifi cado alicerçado na obra que recebe seu pagamento, sendo derivada do uso comercial (não sendo anulado seu uso em contextos reli-giosos), avpodi,dwmi aponta para a recompensa que Deus dá de acordo com seu padrão de aceitação e valor. No Antigo Testamento, era a recompensa de Deus ao intervir em favor de seu povo. No período intertestamental, o termo recebeu um entendimento mais legalista, no sentido de ser a retribuição de Deus às ações humanas concernentes ao cumprimento da Lei. No contexto de Mateus 6, Jesus parece pontuar a diferença no teor e tempo da recompensa, ao usar estes dois termos.

A tensão do texto parece não estar no ato de dar a esmola, fazer a oração ou o jejuar em público ou em segredo. O que caracteriza a dife-rença fundamental é a intenção, a expectativa quanto à retribuição. Dar esmola, orar e jejuar para algo, ou devido a algo. Onde reside o motivo: no ser humano, ou em Deus? Quem ou o quê motiva?

A questão pode ser abordada da seguinte forma: Ao dar esmolas, orar e jejuar, de quem esperamos a recompensa? Que tipo de recompensa? Ou ainda: Esperamos recompensa? Pois o esperar recompensa carrega consigo dois rumos, ambos errados: querer recompensa de outras pessoas e ou querer a recompensa de Deus. À atitude de esperar recompensa se direcionam as palavras de Jesus. A recompensa de Deus não é esperada. Ela simplesmente é dada.

Deus não nos deve nada pela nossa esmola, oração ou jejum. Tudo o que nos é atribuído é fruto da pura e misericordiosa graça de Deus. Nada nos credita a receber algo de Deus. No máximo o louvor de pessoas, o

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que é uma recompensa que ‘a traça e a ferrugem corroem’ (vv. 19,20). Na parábola do fariseu e do publicano, em Lucas 18.10ss., temos um exemplo claro do que é ensinado aqui por Jesus.

ENCAMINHAMENTO HOMILÉTICO

Precisamos subir o monte e sentar aos pés de Jesus, ouvindo suas palavras que invertem a ordem reinante no mundo. Isso nos ajuda a olhar para a quarta-feira de cinzas com os ‘óculos’ certos, ou seja, ver nas cinzas nossa realidade; e no caminho da cruz, que é descortinado nos dias quaresmais, nossa completa incapacidade em achegar-nos a Deus e servi-lo por nossa própria iniciativa ou querer adquirir perdão ou status com obras e argumentos próprios. Lutero afi rma: “Mãos puras e belas palavras na aparência exterior são fáceis de fazer e estão ao alcance das pessoas, mas um coração puro, isento do amor [isto é, apego] a todas as coisas, isto é uma obra do Criador e do poder divino”. O salmo do dia deixa isso bem claro. No entanto isso não signifi ca uma fuga, do tipo: ‘já que nada posso, nada faço’, pois a leitura do Antigo Testamento aponta a necessidade do culto. A Bíblia orienta uma vida de esmola, oração e jejum. Como disse alguém: “os cristãos não devem fazer boas obras para serem vistos, mas precisam ser vistos fazendo boas obras”.

Sempre que o ser humano encara a quarta-feira de cinzas – e o período quaresmal – como passos para chegar até Deus, como época especial, fora da rotina, onde é preciso ‘maneirar um pouco’, está no caminho errado. Por outro lado, trilhar os caminhos do arrependimento, em obras de amor cristão; no orar e no jejuar no sentido de entrega humilde diante do Deus da misericórdia, signifi ca a atitude correta diante daquele que tudo opera em nós e através de nós. Isto em todos os dias do ano. E as recompensas virão. Isso quando, como e onde Deus o tiver determinado.

Ainda vivemos no mundo das cinzas. Onde a morte reina e a transito-riedade está em todas as coisas. O que permanece ainda não está inau-gurado aqui. Temos, na quarta-feira de cinzas e nos dias posteriores, uma caminhada com o olhar para trás, para a obra da cruz, e com o olhar para frente, para o que está reservado a todo o que crê. Em meio a estes dois olhares, somos convidados a viver o presente em testemunho e fé. O que acontece com esmolas, oração e jejum. Até que o Senhor aja, conforme Isaías 61.3 “... e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado; a fi m de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo Senhor para a sua glória”.

A proposta que o texto parece trazer é no sentido de que não haja contradição entre ação e motivação; entre cara e coração. A pregação deste

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texto requer o cuidado de que não se salte tão forte sobre o cavalo, caindo do outro lado, ou seja, nenhuma das obras descritas no texto é rejeitada em si, mas sim ensinada na sua forma correta. Isto traz implicações muito práticas no ser igreja, num mundo cinzento e calculista. Pregar sobre a origem de toda boa ação em Deus; manifestar claramente a incapacidade humana em negociar com Deus ou impressioná-lo; e a recompensa como sendo atribuição voluntária do próprio Deus, que premia por aquilo que ele próprio oferece – deve ser o objetivo principal da mensagem.

Sugestão de tema: - Deus vê cara e coração.

Leitura recomendada:LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas, v. 9. Porto Alegre: Concórdia; São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 136-176.

Arnildo MünchowCanguçu/RS

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PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA

17 de fevereiro de 2013

Salmo 91.1-13; Deuteronômio 26.1-11; Romanos 10.8b-13; Lucas 4.1-13

CONTEXTO HISTÓRICO

O evangelista Lucas reuniu informações com a fi nalidade de procla-mar a mensagem central da igreja cristã: Jesus de Nazaré é o Messias, o Salvador que Deus prometeu enviar. Este evangelho foi escrito para proclamar e fortalecer a fé cristã. Lucas escreve desde a fé e para a fé, oferecendo com isso um testemunho pessoal de que Jesus é o Messias que veio dar cumprimento perfeito ao plano salvador preparado por Deus antes de todos os tempos.

Em nosso contexto, Jesus tinha acabado de ser batizado e agora an-tecipava o ministério público ao qual se dedicaria. Primeiramente, porém, passou algum tempo em refl e xão, quieto no deserto.

Mateus e Marcos nos dizem que Jesus foi levado pelo Espírito ao de-serto, mas somente Lucas diz que Jesus estava “cheio do Espirito San-to”. Também diz que era “no (e não pelo) Espírito” que Jesus foi guiado. Satanás realmente tentou Jesus, mas havia mais do que isto na história. Era o plano de Deus que, logo de início, Jesus enfrentasse a questão de que tipo de Messias haveria de ser.

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM

Podemos usar como ponto principal o fato de Jesus, no momento em que foi tentado, estar em sua pura e sã natureza humana, ou seja, Jesus não se imbuiu de sua natureza divina ao combater com o diabo. Logo, o diabo estava tentando ao Jesus homem.

O diabo tentou Jesus usando de diferentes estratégias: fala com ele, arma ciladas, leva-o para lugares diferentes, argumenta, faz citações, insinua, insiste e, por fi m, abandona o local da luta. O diabo sempre se aproveita das circunstâncias e das situações em que nós estamos em fraqueza. E com Cristo Jesus não foi diferente. Satanás tentou fazer com que Cristo escolhesse o caminho mais fácil e desistisse de morrer na cruz em nosso lugar. Então, como vemos no Evangelho, Cristo foi tentado por três vezes:

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Na primeira vez, o tentador propõe a Jesus a escolha dos prazeres do corpo: “Se és o Filho de Deus, manda que esta pedra se transforme em pão”. v.3

Na segunda vez, Jesus é tentado a escolher o caminho das riquezas: “Portanto, se prostrado me adorares, toda será tua”. v.7

E na terceira vez, o diabo propõe a Jesus a escolha do caminho da fama e da exaltação em vez da humildade: “Se és o Filho de Deus, atira-te daqui abaixo”. v.9b

E diante de todas as investidas do diabo, a reação de Jesus foi a mesma: nas três ocasiões, Jesus responde: “Está escrito, e dito está”. (vv.4,8,12)

“Está escrito!”. Jesus podia ter usado outra defesa: um simples NÃO! Ou um gesto de poder. Em lugar disso, Jesus usa o que nós temos em mãos: a Bíblia, a palavra de Deus. É nesse sentido que Paulo admoesta: “A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos. Se com a tua boca confessares Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Rm 10.8b-9). Eis o poder dessa arma, desde que não esteja en-ferrujando num canto esquecido da casa, pois:

• A palavra divina alimenta a alma e nos dá força e vigor na luta diária;

• Fortalece a fé no Salvador Jesus;• Aumenta e aprofunda o nosso conhecimento da santa vontade

de Deus.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: O grande inimigo da cruzAssunto: Satanás, o nosso maior inimigo, aparece várias vezes nas

histórias da Bíblia. Foi ele o causador do maior de todos os problemas da humanidade, o pecado. Desde o primeiro pecado é ele também o pri-meiro a impedir que alguém vença o mal. Desde o princípio ele vem se apresentando de forma disfarçada, para que ele possa tentar e enganar. Através da história dos tempos, Satanás teve grandes vitórias, entre elas a de trazer o pecado ao mundo. Mas por outro lado, teve também grandes derrotas. A maior delas é de ver Cristo triunfar na cruz. E é este o grande medo do diabo, a cruz de Cristo.

Desenvolvimento:1. Sabe que nela está a chance da humanidade• Por isso tenta desviar os cristãos da cruz O diabo sabe que na cruz está a chance da humanidade se

livrar do pecado, da morte e dele mesmo. Ele sabia que se o

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PRIMEIRO DOMNGO NA QUARESMA

Filho de Deus levasse esta cruz até o fi m e ainda morresse nela, o pecado estaria pago e também estaria pago tudo o que Deus exigia de nós. E, desta forma, Cristo teria a vitória, bem como todo aquele que nele confi ar. E ainda o diabo sabia que ele não seria o dono do universo como ele pretendia.

2. Na cruz está a oportunidade da salvação Jesus mostra para o diabo que, muito mais importante do que

a comida, a bebida, a casa, todos os bens e a riqueza deste mundo, é a Palavra de Deus. Pois esta Palavra de Deus faz aquilo que o pão natural e as riquezas não podem fazer, que é alimentar a alma, o espírito.

3. Tenta desviar Jesus da cruz Na ocasião em que Jesus estava no deserto e onde foi tentado

pelo diabo, Jesus ainda não passara pela morte. E o diabo sabia que Jesus teria de passar por este caminho. E se ele vencesse - como venceu -, o diabo seria derrotado. Daí o a solução para ele era tentar desviar Jesus do caminho da cruz.

Conclusão• É na vitória de Cristo que está a nossa vitória. Cristo venceu Satanás de uma vez por todas. A sua morte na

cruz não é derrota, mas é o pagamento do pecado. Pela palavra Cristo afastou do seu caminho e do nosso caminho a grande pedra de tropeço. Cristo venceu por nós as tentações. Agora, todo aquele que está apegado a ele pela fé, também vence pela fé. E assim temos um Rei e Senhor que nos ampara e que vence por nós. Vivamos, assim, inteiramente para Cristo.

Eduardo Malikouski VizaRolante/RS

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IGREJA LUTERANA

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SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA

24 de fevereiro de 2013

Salmo 4; Jeremias 26.8-15; Filipenses 3.17-4.1; Lucas 13.31-35

CONTEXTO

Quaresma é tempo de meditar mais enfaticamente sobre a caminhada de Jesus até a cruz e o clímax de sua obra salvadora. Nossos corações são dirigidos até a Semana Santa que culmina na Sexta-Feira da Paixão com o maior evento de todos os tempos, a morte vicária de Cristo em favor da humanidade. É tempo de refl etir a caminhada da igreja sob a cruz, na paz de Cristo, mas ainda suportando oposição e perseguição.

Salmo 4: O Salmo retrata a confi ança e a alegria no Senhor, mesmo em meio à tribulação. Lembra a caminhada da Igreja, por vezes difícil sob a cruz, mas ao mesmo tempo confi ante e alegre, em paz, com a certeza da vitória eterna.

Jeremias 26.8-15: O profeta Jeremias está sendo julgado por falar a verdade. Permanece, porém, inabalável. Após expor que falava da parte de Deus, convenceu momentaneamente alguns e sua vida foi poupada. No entanto, um pouco além do texto indicado, o profeta Urias é assassinado por profetizar a mensagem de Deus. O texto retrata a oposição à mensa-gem fi el justamente por aqueles que deviam amá-la e acatá-la.

Filipenses 3.17-4.1: Exortação à fi rmeza em Cristo, na vida e na fé, seguindo o exemplo do apóstolo.

Lucas 13.31-35: Cristo vive os últimos dias antes de sua paixão e morte. Não se espera que um profeta morra longe de Jerusalém (Lc 13.33). Assim, é para lá que Jesus está caminhando. Esta caminhada de Jesus ilustra toda a sua obra: sua missão de pregar o Reino de Deus, ensinando o povo, expulsando demônios e curando enfermos até chegar o momento designado pelo Pai no qual deverá consumar a salvação (Lc 13.32). Ninguém pode impedir Jesus de trilhar este caminho. Satanás já havia tentado desviá-lo no deserto (Lc 4) fazendo-lhe falsas promessas e agora tenta através da força e ameaça. Ele usa como instrumento para atingir seu intento a liderança religiosa de Israel, justamente aqueles que deveriam compreender a missão do Cristo. Daí o lamento de Jesus. Os

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líderes religiosos representam um povo que não reconhece a oportunida-de de sua visitação. O lamento sobre Jerusalém é real e destaca o juízo de Deus sobre o pecado da descrença (Jo 16.9), porém igualmente sua longanimidade e ação misericordiosa (“quantas vezes”, diz Jesus).

ANALISANDO O TEXTO DE LUCAS 13. 31-35

V. 31: Herodes: O tetrarca. Seu pai “Herodes, o Grande” governou toda a Palestina para os romanos. Após sua morte, a Palestina foi dividida em quatro partes, cabendo a Herodes Antipas o governo da Galileia e Pereia. Por vezes a Bíblia se refere a Herodes como rei (Mt 14.9, Mc 6.14) pois ele assim era popularmente chamado na Galileia.

Vv. 31,32: O mal age através da força e da violência. Jerusalém ape-dreja os profetas. Herodes quer matar Jesus. Jesus, porém, não responde com violência, mas com a convicção de que o poder do mal é inferior a ele. Não é Herodes quem dita as regras. Deus está no comando. Realmente Jesus irá morrer. Não porque Antipas é mais forte do que ele. Mas porque este é o propósito de Deus. Assim, isto acontecerá no tempo de Deus.

V. 31: porque Herodes quer matar-te. Não se trata de uma manifesta-ção de cuidado por parte dos fariseus. Eles queriam, na verdade, assustar Jesus para que deixasse aquele lugar e fosse para a Judeia. Tratava-se de uma ameaça para que Jesus desesperasse diante da morte iminente. É importante lembrar que o plano de Satanás sempre foi desviar Jesus da cruz, para a qual ele caminhava convicto. Herodes temia Jesus, conside-rado por ele como João Batista ressurreto (Mt 14.1) e estava disposto a usar a força para acabar com esta ameaça.

V. 32: raposa: pessoa esperta e ardilosa, ainda que indefesa diante do forte, insignifi cante.

V. 32: no terceiro dia terminarei. O verbo teleioumai está no passivo. Pode-se ler “No terceiro dia Deus consumará”. Deus é o sujeito da ação. A obra de Cristo está na mão dele e não de Herodes.

V. 33: Não será Herodes que derramará o sangue de Jesus, mas Je-rusalém que “mata os profetas e apedreja os que foram enviados”. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam (João 1). Há um claro contraste entre a fi delidade e fi rmeza de Cristo, o servo fi el (Is 53) e a infi delidade de Jerusalém.

V. 34: Palavras de juízo sobre a infi el e inconstante Jerusalém, pois obstinadamente rejeitou a palavra de Deus na pessoa dos profetas e agora, fi nalmente, rejeita a própria Palavra encarnada.

V. 34: Quantas vezes. Jesus deixa claro o cuidado e carinho de Deus pelo seu povo. A misericórdia de Deus é insistente. Deus prefere salvar.

SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA

IGREJA LUTERANA

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SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Tema: Firme e fi el por ti!Moléstia: A inconstância na vida e na fé e consequente descrença.Meio: A fi delidade de Cristo que manteve seu caminho até a cruz em

nosso lugar e para a nossa salvação.Objetivo: Reconhecer que por natureza somos infi éis, fracos e incons-

tantes. E que existe real perigo nestes pecados. Tomar a sério o exemplo de Jerusalém cuja infi delidade obstinada atraiu o juízo e a condenação de Deus. Advertidos, queremos caminhar como Igreja, sob a cruz, olhando para Cristo. Ele ao contrário dos pecadores foi fi el até o fi m, vencendo todas as tentações e suportando a morte de cruz em nosso lugar.

Esboço:

INTRODUÇÃO: A infi delidade dos homens e a fi delidade de Deus.

PARTE I - A tentação no caminho da cruz- Oposição dos que deveriam estar ao lado- Ameaças de morte e perseguição- A inconstância e a infi delidade do ser humano (exemplo de Jeru-

salém)- A fi delidade e fi rmeza de Cristo

PARTE II - A Igreja sob a cruz:- Amparada e justifi cada pela fi delidade de Cristo- Caminhando sob a graça, com confi ança e alegria no Senhor (Salmo)- Imitando a fé e a fi rmeza dos apóstolos (Epístola)- Confi ando no propósito de Deus, que tudo tem em suas mãos.

Fernando Ellwanger Garske São Leopoldo/RS

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TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA

3 de março de 2013

Salmo 85; Ezequiel 33.7-20; 1 Coríntios 10.1-13; Lucas 13.1-9

CONTEXTO

O capítulo 12 de Lucas já registra a força da mensagem de juízo de Jesus quando, na parábola do empregado infi el, diz que o patrão “man-dará cortar o empregado em pedaços e o condenará a ir para onde os desobedientes vão” (Lc 12.46). No fi nal desse capítulo convida para que nos preocupemos a urgentemente resolver a questão da nossa dívida, porque uma vez na cadeia, não se sai sem pagá-la toda.

Esse ensinamento de Jesus mexe com uma série de temas relevantes da teologia. Estamos todos endividados por natureza e não temos como pagar com recursos próprios nossas dívidas perante o santo e justo Deus. Portanto, é tempo de se arrepender, reconhecer e confessar nosso pecado e confi ar unicamente na misericórdia de Deus.

TEXTO

Podemos identifi car duas partes: 1-5 e 6-9. Ambas falam de arrepen-dimento. A segunda é chamada de parábola. A primeira parte é ilustrada com mortes repentinas, tragédias, catástrofes. Esses temas provocam sempre discussões relevantes, mas antigas: o relacionamento entre pecado e sofrimento. Jesus “foge” da discussão política, mas quer refl etir com os seus interlocutores sobre pecado e sofrimento, chamando ao arrependi-mento. Em Jo 9 1-3 o tema se repete. O olhar de Jesus é diferente, muito diferente da lógica humana.

MEDITAÇÃO SOBRE LUCAS 13.1-5

A ira e misericórdia de DeusA ira de Deus pode acertar, a qualquer hora, qualquer um de nós. A

distribuição da bênção ou maldição divina não é uma questão de sorte. Ninguém tem direito diante de Deus, pois todos merecemos a ira de Deus. Ninguém merece bênçãos especiais.

No fi nal desse capítulo é proclamado um julgamento sobre toda cidade de Jerusalém, que não se arrependeu, desprezou a misericórdia de seu Deus. No ano 70 experimentou o juízo destruidor.

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A bondade de Deus só pode ser louvada sendo Ele Juiz, não um es-pectador.

O verdadeiro sinal da ira de Deus não são os galileus ou os dezoito, mas o Filho, que carregou sobre si a ira divina (Isaias 53).

O verdadeiro sinal da bondade de Deus não é que nós ainda vivemos, mas que Deus faz justiça em Seu Filho. Nele a santa ira de Deus é visível como também sua incompreensível misericórdia.

MEDITAÇÃO SOBRE LUCAS 13. 6-9

A fi gueira estérilV. 7: A fi gueira é uma árvore que suga a terra e rouba a força das

parreiras que a cercam.V. 8: “Pôr estrume”. O viticultor quer fazer algo especial. Tenta a última

coisa possível. É oferecido um período de graça e uma atenção especial é planejada para ela. É notável a ênfase dada na misericórdia, que é em geral menosprezada à luz do juízo.

“Deixa-a ainda este ano” – a esterilidade é evidente e necessita do perdão. Da graça. Povo e líderes precisam arrepender-se.

V. 9: “o tempo da graça que Deus concede é irrevogavelmente o úl-timo”. Sua paciência também tem um limite. Deus concede tempo para arrependimento! Não está nas mãos humanas o poder para prorrogá-lo. É tempo e juízo dEle. E só dEle, o justo, santo e misericordioso Deus. A parábola também mostra que apesar da seriedade do momento, Deus é um Deus de paciência.

A parábola é uma advertência. A chance dada é a derradeira.Vivemos no tempo da graça de Deus. Ainda vivemos e podemos “co-

mer e beber” da misericórdia proeminente de Deus. Estamos a caminho do tempo da glória – a eternidade.

A fi gueira estéril (só folha, aparência inútil) na parábola aponta para atitudes vazias e irresponsáveis de pessoas que atraem o juízo de Deus. Mas, mesmo ali ainda há uma nova chance, mais uma oportunidade. O machado ainda não é posto a serviço. Ainda uma vez a pá, o serviço (a ár-vore por si não consegue) trazem outra perspectiva. O que aparentemente seria o fi m, ainda poderá renascer. “Senhor, deixa-a ainda este ano!” Esse é o pedido. Ver a vida quebrada é o começo de tudo. Deus nos concede tempo e oportunidades em sua misericórdia, mas seu juízo é real.

“Mandarás cortá-la” – Anúncio do juízo, do Juízo Final.Nós somos a fi gueira. O Senhor nos deixou. Estamos aí. Agora é tempo

de mudança contínua e diária.O viticultor troca o machado pela pá (lei) e aduba (evangelho). Essa

é a boa e nova notícia em Jesus, e só em Jesus, pois nEle Deus fez e faz as pazes conosco.

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TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA

Essa certeza da reconciliação com Deus nos muda religiosa, ética e socialmente. É por isso que na primeira das 95 teses da Reforma Luterana fala-se em arrependimento contínuo e diário. O arrependimento não paga o perdão, mas abre o caminho para recebê-lo. Pela fé sei que preciso do perdão para viver e amar.

PISTAS PARA A PRÉDICA

Todos nós precisamos nos arrepender e esse é o escopo da parábola que é apresentada na segunda parte do texto.

O pensamento central do Evangelho é a urgência do arrependimento. O objetivo do sermão é que os ouvintes façam de suas vidas um contínuo e diário arrependimento – (1ª tese de Lutero).

O problema é que os cristãos se tornam despreocupados (“deitados”) sobre o seu produzir frutos de arrependimento confessando seus pecados, confi ando na misericórdia divina e fazendo boas obras.

No entanto, o Senhor, em Sua graça, nos dá tempo para nos arre-pendermos. Deus nos dá tempo para viver. Como o usamos é de suma importância para o presente e para o futuro. É por isso que necessitamos levar a sério as palavras de Cristo: “Deixa-a ainda este ano”.

ESBOÇO HOMILÉTICO

Tema: “Deixa-a ainda este ano”I – Essas palavras nos falam que a paciência de Deus terminará.- O machado do juízo de Deus corta.

II – Essas palavras também nos dizem que Deus deseja profundamente nosso arrependimento.

a) Ele dá oportunidadeb) Ele mesmo age e opera através da lei e do evangelho.c) Somos chamados a confessar, confi ar e produzir frutos, não folhas

que só enfeitam. Arrependimento – confi ra esse tema na C.A. e Apologia da Confi ssão de Augsburgo.

d) Agora é o tempo da salvação.

Oração:Confi ssão de pecados: Senhor, reunimo-nos aqui neste culto para aprender de tua palavra.

No entanto, ao pensar mais sobre nossa tarefa, temos que admitir humil-demente que muito falhamos. Pouco fazemos para sermos reconhecidos como tua comunidade. Perdoa-nos quando sempre tentamos ver que o

IGREJA LUTERANA

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outro é o culpado e não enxergamos as nossas falhas. Perdoa-nos pelo que fazemos contra a tua vontade e pela nossa omissão. Perdão, Senhor, pelo desrespeito ao nosso semelhante e pelo desrespeito à natureza, tua criação. Ajuda-nos a viver a partir de ti. Ajuda-nos a ouvir tua Palavra e a obedecê-la, para nos tornarmos instrumentos do teu amor redentor.

Gerhard GraselCanoas/RS

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BIBLIOGRAFIA

BAILEY, Kenneth. As parábolas de Lucas. São Paulo: Vida Nova, 1985.

EICHHOLZ, Georg (ed.) Herr, tue meine Lippen auf. Volume I. Emil Müller Verlag Wuppertal – Barmen – Alemanha.

LECTIONARY PREACHING RESOURCES. Series C. St. Louis (Mo): Concordia Publishing House, 1988.

PROCLAMAR LIBERTAÇÃO. Volume XVII. São Leopoldo: Editora Sinodal, 1991.

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QUARTO DOMINGO NA QUARESMA

10 de março de 2013

Salmo 32; Isaías 12.1-6; 2 Coríntios 5.16-21; Lucas 15.1-3, 11-32

TEMA: O CORAÇÃO DE DEUS QUE NINGUÉM ENTENDE

“Diga-me com quem tu andas e te direi quem és”. Será que este ditado é totalmente correto? Jesus andava com os pe-

cadores. Não é difícil entender por que os líderes religiosos do povo judeu tanto condenavam Jesus, que seguidamente era visto no meio de gente de má fama –adúlteros, ladrões, desonestos... o que não acontecia com os fariseus e professores da Lei. Eles se mantinham afastados deste tipo de gente. E por isso criticavam Jesus dizendo: – “Este homem se mistura com gente de má fama e toma refeições com eles”. Claro, “diga-me com quem tu andas e te direi quem és”. Não podia ser outra coisa! De que forma Jesus poderia ser santo se ele se misturava com pecadores? Até jantava na casa deles? (naquele tempo fazer alguma refeição com alguém era comungar com os princípios dele).

O que os fariseus e religiosos judeus pensavam de Jesus não deixa de ser o pensamento religioso de hoje. Será que não fi caríamos igualmen-te incomodados com Jesus ao vê-lo conversando na esquina com uma prostituta, ou jantando na casa de um ladrão fi chado na polícia? O que pensaríamos se víssemos o pastor numa esquina conversando com uma prostituta? Ou algum membro da igreja jantando na casa de um político corrupto?

Precisamos entender o jeito de Jesus, o coração dele. Sem dúvida, este é o nosso grande desafi o – em nossas relações dentro e fora da igreja: compreender o pensamento de Jesus. O que é uma coisa muito difícil. Afi nal, o amor de Deus é muito estranho. E a Bíblia não esconde isso. Ela diz que o amor de Deus é loucura (1 Co 1.18). Uma loucura que leva outros nomes: misericórdia, amor, salvação. Na verdade, é preciso reconhecer que através das nossas experiências e entendimentos nunca seremos capazes de compreender o que se passa no coração de Deus.

Este era o problema dos judeus religiosos no tempo de Jesus. Eles queriam entender Deus a partir de suas experiências de justiça, de retidão, de religião. Religião fundamentada em leis –leis da balança infl exível dos pesos e das medidas da justiça humana. “Olho por olho, dente por dente”, era assim que eles entendiam.

A parábola do fi lho perdido, do fi lho pródigo, é a história da balança em que o peso mais pesado incrivelmente sobe em vez de descer. O que Jesus

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relata vai contra qualquer regra de justiça, de bom senso. O fi lho sai de casa com todo o dinheiro da herança paterna, vive uma vida com festas, prostitutas, joga todo o dinheiro fora, e fi ca na miséria. Depois ele se dá conta da bobagem que fez, lembra-se do seu pai e volta para casa.

Alguns aspectos para destacar: Por que o pai entrega a herança ao fi lho, dando-lhe liberdade, deixan-

do que fi zesse tudo o que fez? Ele poderia ter dito ao fi lho: - De forma alguma, eu não vou te dar a herança, se tu quiseres ir embora, tudo bem, mas então vai sem nenhum tostão...

Isto tem algo a nos dizer? Sem dúvida que sim! Deus dá liberdade, não acorrenta. Nos deixa gastar a vida, os dons, as coisas que temos e que são heranças dele. E não importa se usamos de forma certa ou errada. Até permite que façamos as piores bobagens. O que não deve ser fácil para Deus ver tudo isto. Mas aqui percebemos algo incrível, porque tem uma coisa que o fi lho não consegue gastar, jogar fora, estragar: o amor do Pai... Um amor que permanece “ingastável”...

Outra coisa nesta parábola: quando o fi lho se acha no fundo do poço, ele não diz: - “eu errei, eu preciso mudar de vida, eu vou consertar o que fi z de errado”. Em vez disto, ele diz: “os empregados lá na casa do meu pai têm do bom e do melhor, e eu aqui estou passando fome”. Percebe-se que o fi lho não compreendia mesmo o amor do Pai. Ele pensou: “eu vou voltar para casa e dizer: Pai, eu errei e agora me trata como um empre-gado”. Pois é neste momento que a fi gura do pai se destaca. Ele corre ao encontro do fi lho. Não esperou que primeiro o fi lho viesse ao seu encontro. Não se colocou como pai ofendido. Não se escondeu do fi lho dentro de casa. Esta cena mostra algo de grande importância: é Deus que vem ao nosso encontro. Ele faz isto não apenas porque nos ama, mas porque sabe que nós não podemos ir até ele, ao encontro dele. Somos cegos, mortos, inimigos de Deus. Assim como a moeda perdida não pode voltar sozinha à sua dona, assim como a ovelha perdida não pode voltar ao seu pastor, o fi lho também não tem condições de chegar até o coração do pai. O pai é que faz isto, ele que traz o fi lho de volta.

Mais uma coisa nesta parábola: o pai abraçou e beijou o fi lho. Antes mesmo de pedir satisfação, fazer cobranças, o pai o abraçou afetuosamente e o beijou. O beijo aqui não é apenas um sinal de afeto. É sinal de perdão segundo a tradição judaica! Em 2 Coríntios 5.19 lemos: “Deus não leva em conta os pecados dos seres humanos”.

Outro detalhe: o fi lho, ao confessar: - “Pai, pequei contra Deus e contra o senhor e não mereço mais ser chamado de seu fi lho” – antes mesmo de continuar, o pai diz aos empregados: “Depressa, tragam a melhor roupa e vistam nele. Ponham um anel no dedo dele e sandálias nos seus pés”. O anel na época era sinal de autoridade! O pai recebe o fi lho não

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como escravo ou empregado, mas como fi lho e lhe dá autoridade para gerenciar seus negócios, sua fazenda, suas terras. As sandálias também mostram isto. Quem andava descalço era escravo e quem andava calçado era fi lho! A gente se pergunta: - Será que o pai não exagerou? Tudo bem, receber o fi lho de volta, qual pai que não faz isto? Mas com uma festa? Ao menos deveria ter tido uma boa conversa com ele, colocá-lo de castigo para aprender a lição. Se pensamos assim, então não estamos sozinhos. Foi exatamente o que pensou o fi lho mais velho. Ele fi cou tão indignado com a atitude do pai que se negou a entrar em casa e participar da festa. Aqui se percebe que o pai tinha dois fi lhos que estavam perdidos: o que tinha saído de casa e o que tinha fi cado. Mesmo em casa ao lado do pai, também precisa voltar, voltar para o coração do pai. Na verdade, este fi lho em casa eram os fariseus, os religiosos ofendidos com o jeito de Jesus em receber de braços abertos as prostitutas e ladrões arrependidos. O que Jesus diria para nós, quando olhamos atravessado para os “pecadores” que voltam para a igreja e participam até da Santa Ceia?

Esta parábola deve mesmo se chamar de parábola dos “dois fi lhos perdidos”. É uma das histórias mais conhecidas na Bíblia, mas a mais mal entendida da Bíblia. Porque ela fala do coração de Deus que ninguém consegue entender. Ou como o pastor tem o costume de dizer no fi nal do sermão “e amor de Deus que excede todo o nosso entendimento...”. Mas, quem disse que é preciso entendê-lo? O fi lho que voltou para casa não entendeu nada do que estava acontecendo, precisou apenas acreditar no que estava acontecendo. Agora era a vez do outro fi lho. E esta não é outra história, é a mesma.

“Diga-me com quem tu andas e vou te dizer quem tu és”. Percebemos que este ditado não é totalmente verdadeiro, aliás, pode ser muito enga-nador. Em todo o caso, se alguém estiver andando com Jesus, certamente pode se saber quem é esta pessoa – é um fi lho amado de Deus.

Marcos SchmidtNovo Hamburgo/RS

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QUARTO DOMINGO NA QUARESMA

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QUINTO DOMINGO NA QUARESMA JUDICA

17 de março de 2013

Salmo 126; Isaías 43.16-21; Filipenses 3.(4b-7)8-14; Lucas 20.9-20

Salmo 126: O salmista fala daquilo que lhe dá imenso prazer. O seu tema principal é restauração. É a restauração que lhe dá prazer, a respei-to do que as nações dizem que são grandes coisas. Interessante que ele faz uso da palavra restauração tanto em referência ao passado como em referência ao futuro.

Filipenses 3.(4b-7)8-14: Que grande passagem sobre o conhecimen-to de Cristo! É mais importante que tudo! Quem tem esse conhecimento considera todo o resto como refugo, assim como aquele que encontra o tesouro escondido e vende tudo (Mt 13.44), pois nada é mais precioso que o conhecimento de Cristo.

Lucas 20.9-20: As imagens parecem claras neste texto. O contexto ajuda bastante para perceber que há uma oposição forte por parte dos sacerdotes, escribas e anciãos contra Jesus. Eles não querem que Jesus ensine e questionam a sua autoridade. Após Jesus deixá-los sem palavras, ele mesmo é quem questiona a autoridade de seus opositores contando essa parábola. Na parábola, os lavradores maus maltratam os servos do dono da vinha e matam o fi lho. Os escribas e os principais sacerdotes percebem que Jesus refere-se a eles dizendo isso. Portanto, a parábola dirige-se contra a autoridade religiosa de Israel, pois ela não entrega os frutos da vinha ao seu Senhor.

ISAÍAS 43.16-21

“Assim diz o SENHOR.” Então escute! Esse é o pressuposto dessa frase tão amplamente utilizada no Antigo Testamento, onde ela aparece nada menos que 293 vezes em diversas situações diferentes. É, porém, notá-vel que ela apareça muitas vezes (ainda que não sempre) em referência à ação salvadora de Deus. Ela está no diálogo entre Moisés e Faraó (Êx 10.3) e quando Deus lembra ao povo de como ele havia saído do Egito (Jz 6.8; 1Sm 2.27; 10.18). Em Is 43.16 essa expressão aparece mais uma vez para falar de uma ação salvadora de Deus. Então alguém poderia perguntar: “Mas Deus quer nos salvar do quê?” Com certeza ainda esta-va na mente da tribo de Judá a gloriosa vitória que eles tiveram contra

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os assírios, um povo considerado muito forte (Is 37.36-38). “Assim diz o SENHOR.” Então escute!

Somente em Isaías 43 essa expressão aparece por três vezes (Is 43.1,14 e 16). Em todos estes três casos a expressão é acompanhada de qualidades do SENHOR e de algo bom que ele faz para o seu povo. As qualidades do SENHOR são muitas, como a de Criador (Is 43.1) e de Redentor (Is 43.14). O que ele faz para o seu povo são ações de salvação. As palavras que ele usa nos fazem lembrar de ações salvífi cas de Deus do passado. Para dar um exemplo, Is 43.16-17 usa todas as suas linhas para falar de qualidades do SENHOR que nos remetem ao Egito (Êx 15.19). Então, incrivelmente, encontramos quase que perdido o versículo de Is 43.18: “Não vos lembreis das coisas passadas, nem considereis as antigas.” A nossa tentação é a de arrancar esse versículo fora dizendo que alguém colocou ele ali depois de Isaías. “Assim diz o SENHOR.” Então escute assim como ele falou! A ideia desta passagem é bem resumida pelo Dr. Thomas Egger: “No decorrer do capítulo 43, Deus desenrola a promessa da restauração vindoura pela imagem de seus atos salvífi cos anteriores. A fi delidade poderosa e redentora do Senhor brotará mais uma vez de modo tão grande e decisivo que as coisas passadas referentes à obra salvadora de Deus em favor de Israel vão ter a simples aparência de um prelúdio. Falando retoricamente ao Israel exilado defi nhando na Babilônia, Deus declara a verdadeira ação nova que está para acontecer.”1

O fato é que o povo ainda não estava exilado quando ouviu essas pala-vras de Isaías. Talvez eles nem quisessem algo novo. Afi nal de contas, as coisas antigas são objeto de orgulho! “As riquezas do presente tem a ver com a glória do passado”, poderiam eles pensar. Esse texto deve ter sido recebido com um susto pelo povo de Israel. Apenas algumas linhas antes, em Is 39, é-nos descrita a visita amistosa da embaixada da Babilônia. O rei Ezequias recebe-os e mostra-lhes toda a riqueza de seu reino, pois nem lhe passava pela cabeça que pudessem ser inimigos interesseiros. Agora, o profeta Isaías está relatando a volta do povo de Israel do exílio babilônico quando este nem imaginava que isso pudesse acontecer. Isso parece errado, pois o povo não sentia a necessidade de voltar da Babilônia (afi nal, eles não estavam lá!). Isso assemelha-se a dizer a quem é bem sucedido na vida: “Você vai sair do fundo do poço” ou ainda dizer a quem está feliz da vida: “Um dia você será feliz”. A resposta que você pode ga-nhar pode não ser nada amistosa ao dizer uma coisa dessas. Portanto, se alguém pensa não ter a necessidade de receber essa coisa nova de Deus, é preciso fazê-lo perceber que ele precisa.

1 EGGER, Thomas. Homiletical Helps: Lent 5, Isaiah 43:16-21, March 21, 2010. In: http://concordiatheology.org/2010/03/lent-5-%E2%80%A2-isaiah-4316%E2%80%9321-%E2%80%A2-march-21-2010/

QUINTO DOMINGO NA QUARESMA - JUDICA

IGREJA LUTERANA

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Mas que coisa nova é essa, então? Alguém poderia usar as palavras do sábio Salomão para resmungar: “nada há, pois, novo debaixo do sol” (Ec 1.9b). E ele está certo, pois ele está falando do que as criaturas feitas por Deus podem fazer. Isaías, porém, está falando do que Deus há de fazer: “Assim diz o SENHOR.” E Deus há de fazer coisa nova. Isto certamente é algo bom para o povo de Deus, pois é prometido por um Deus que tem por costume fazer coisas boas pelo seu povo como ele fez no passado. Mas há algo maior que está para acontecer. Podemos pensar nessa coisa nova como a libertação do exílio babilônico, pois, afi nal de contas, Deus está falando em enviar inimigos contra a Babilônia e que de lá ele os fará sair. Porém, como é costume de Isaías, ele fala de algo menor e de algo maior (tipo e antítipo). Ele desenvolve a sua fala até chegar em Is 65.17, onde ele também fala de algo novo com a mesma implicação de ser algo maior do que as coisas passadas. Neste versículo é-nos dito claramente de novos céus e nova terra, bem como em Is 66.22. Deus está fazendo coisa nova, um êxodo da Babilônia, um êxodo rumo ao céu, aos novos céus e nova terra (cf. Rm 8.18; 1Co 10.11; Ap 21.4-5). Não é à toa que João toma emprestado a imagem da queda da Babilônia para falar da criação do novo céu e da nova terra (Ap 18).

Será que você não está percebendo que coisa nova é essa? Essa per-gunta está em Is 43.19 e nos faz pensar que, de algum modo, é possível perceber essa coisa nova que Deus está fazendo. Isso quer dizer que os novos céus e a nova terra não estão tão longe de nós assim, afi nal de contas, é possível percebê-los. O evangelho do dia revela-nos que os líderes religiosos da época de Jesus não estavam percebendo isso e são reprovados por isso. Ali, diante deles, estava a latente manifestação da coisa nova que Deus estava fazendo e mesmo assim não perceberam. Cristo é o agente da coisa nova de Deus, ele é o verbo de Deus, e ele age em direção à cruz.

Portanto, pode-se enfatizar em um sermão estas três coisas: (a) a expressão “Assim diz o SENHOR”, (b) a coisa nova e (c) o sofrimento de Cristo, não necessariamente nesta ordem.

Falar em coisa nova pode não ser muito confortável para muitas pesso-as. Para alguns, uma coisa nova é muito bom, para outros talvez nem tanto e ainda para outros pode ser mesmo indiferente. Mas quando falamos da coisa nova que Deus faz, isso não pode nos deixar quietos. Pois afi nal de contas a coisa nova que Deus faz toma o caminho da cruz, e esse caminho que Cristo tomou não pode deixar de mexer com a gente. Muitas vezes nós somos vacinados contra o escândalo da cruz e nos assemelhamos àqueles que fazem um lanchinho vendo um fi lme recheado de sangue. Mas não é qualquer coisa que aconteceu ali no caminho da cruz. Ali estava o próprio Deus sofrendo em nosso lugar. É um sofrimento substitutivo. Cada um

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QUINTO DOMINGO NA QUARESMA - JUDICA

de nós deveríamos ser os protagonistas da sexta-feira da paixão, mas se assim fosse ela não seria santa e não haveria ressurreição. Cristo assume o papel principal para que haja algo novo, algo que nenhum ser humano poderia imaginar, mas que é a mais pura verdade, pois é assim que diz o SENHOR. Ouçamos a sua voz e celebremos o seu louvor!

Francis Dietrich Hoffmann Canguçu/RS

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DOMINGO DE RAMOS DOMINGO DA PAIXÃO

24 de março de 2013

Salmo 118.19-29; Deuteronômio 32.36-39; Filipenses 2.5-11; João 12.20-43

CONTEXTO

Estamos celebrando o Domingo de Ramos. Jesus encaminha-se para a semana decisiva de sua morte. Em João 12.12-19 lemos sobre a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Uma multidão de pessoas aclama a sua chegada com gritos de “Hosanas”. Provavelmente dentre essa multidão que vai a Jerusalém para as celebrações da Páscoa (libertação do Egito) encontram-se alguns gregos, que querem também ver Jesus (v.21). Não eram da nacionalidade judaica e eram gentios, não crentes. Mas haviam ouvido a respeito de Jesus. “Havia aqui o desejo do despertar da fé, pois eles não estavam tão preocupados com o ver Jesus com os olhos de seu corpo, como sobre a realização de sua esperança de encontrar nele o Salvador. Filipe não se atreveu a decidir sozinho o assunto de levar estes gregos a Jesus, por isso procurou seu companheiro da mesma ci-dade, André, para lhe ajudar na decisão. O que os fez hesitar de expor o desejo dos gregos ao Senhor foi, provavelmente, o preconceito que tinham, como membros que eram da igreja judaica, contra os gentios” (Kretzmann).

ESTUDO DO TEXTO

Uma das ênfases desse evangelho está para o que Jesus vai realizar na semana santa – sua morte e ressurreição. Por isso nesse estudo queremos destacar alguns versículos que vão nessa direção.

V. 24: “morrer” – a`poqnh|,skw – a morte física, perder a vida.A ilustração de Jesus para o que ele vai realizar é com o grão de tri-

go. O grão morre, perde a vida, não mais existe. Mas é a partir dessa morte que muita vida é produzida. Do grão de trigo nasce a planta, que produz muita semente nova. “O Senhor declara de modo muito solene que o pleno valor dum grão de semente só é alcançado por sua aparente morte e apodrecimento na terra. Como um grão semeado e decomposto na terra, assim é a morte do Salvador. Mas sua ressurreição é semelhante

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à folhinha que brota da aparentemente morta semente, sendo que esta folhinha produz uma abundância de fruto” (Kretzmann).

Esse é o único caminho para salvar pessoas. Apenas um grão – Je-sus – gera tanta vida. 1Co 15.36ss. nos permite fazer um paralelo desse texto com a ressurreição: o corpo semeado na terra vai ressuscitar – ter vida novamente.

V. 25: “amar” – File,w – gostar, ter afeição x “odiar” – mise,w – odiar, detestar, aborrecer.

“perder” – avpo,llumi – destruir, arruinar x “preservar” – Fula,ssw – vigiar, guardar.

Fica evidente nesse jogo de palavras o ensino de que os seguidores de Jesus precisam estar preparados para renunciar a interesses presentes (amar/odiar) em favor da herança futura (perder/preservar). “A vida ‘do Pai’ e a vida ‘do mundo’ querem coisas opostas... Melhor é estar disposto a sofrer perdas nesse mundo” (Bíblia de Estudo Conselheira, SBB).

“vida” – yuch, – vida nos seus aspectos físicos. Por vezes essa palavra também tem signifi cado com relação ao aspecto espiritual (eternidade). Nesse caso, por causa do v.24 é preferível entender como a vida física. “Se algum homem ama sua alma, isto é, esta vida presente, e se ele espera ganhar para si tudo neste mundo, então ele perderá a vida verdadeira em e com Cristo. É uma das exigências do discipulado cristão que todos os seguidores de Cristo diariamente morram para a vida presente, com tudo o que ela oferece. Somente aquele que odeia sua vida neste mundo atual, que está disposto a entregar e sacrifi car tudo por causa de seu Mestre, esse guardará e preservará sua alma para a vida eterna” (Kretzmann). Mt 16.25 é um texto paralelo que endossa essa colocação.

V. 27: ei[pw – subj. aoristo de le,gw.“Essa expressão revela o recuo humano diante da morte” (Morris).

“O natural seria pedir e esperar um livramento de Deus, mas Jesus sabe que um livramento para ele signifi caria um fi m para todos nós” (Bíblia de Estudo Conselheira, SBB). Parece que Jesus vai recuar. Mas Jesus não recuou. Ele entregou-se à morte. Ecoam aqui as palavras de Davi no Sal-mo 6.4ss. No Getsêmani, conforme Mt 26.38, esse sentimento do Jesus homem está também evidenciado.

dia. – “por causa”. Eis aí uma preposição central para a fé cristã com seus signifi cados: por causa de, por meio de, através. Foi para esse pro-pósito que Jesus veio ao mundo como ser humano – para morrer. O grão de trigo que morre, perde a vida.

V. 32: “foi levantado” – ~uyo,w – levantar, alçar.Realmente indica o tipo de morte que Jesus iria morrer – levantado na

cruz. João 3.14, lembrando do acontecimento com a serpente de bronze lá no AT, está no pensamento do autor. Interessante é que em sentido

DOMINGO DE RAMOS - DOMINGO DA PAIXÃO

IGREJA LUTERANA

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fi gurado esse verbo também pode ser traduzido por “exaltar”. Na cruz, na morte, Jesus é glorifi cado. “Eu já o glorifi quei e ainda o glorifi carei” (v.28). A “ponte” entre a terra e o céu é Jesus, na sua morte (sem perder de vista a ressurreição). “Jesus recuperara completamente sua certeza, o necessário equilíbrio espiritual para a realização do plano da salvação das pessoas. Sua morte redundaria para a glória do Pai, como também o faria toda a obra da salvação. Por isso Cristo esteve pronto, mesmo às custas da maior agonia. Logo que concluíra sua oração, veio uma voz do céu em resposta afi rmando que Deus tanto já glorifi cara seu nome, como novamente o faria. Seu nome já fora glorifi cado em inumeráveis ocasiões, mas, em especial, na encarnação do Filho, e que ele iria ser glorifi cado de modo ainda mais maravilhoso por meio de sua grande paixão. Desta forma, a resposta do Pai foi tanto um penhor como uma promessa. Mas ela foi feita principalmente por causa do povo. O povo devia entender que ela consistia no fato de Deus dar testemunho de seu Filho, por causa da intimidade essencial que havia entre eles” (Kretzmann).

É interessante que quando não crentes (gregos) pedem para ver Jesus, ele aponta para a sua morte. Jesus que ser visto pelas pessoas em sua morte. Justamente porque nela está a vida, muita vida, a vida plena.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: A morte de Jesus é para todos. Introdução: Falar sobre o Domingo de Ramos e a chegada de Jesus

em Jerusalém.

1. Jesus vem para todosa. Judeus, gregos, gentios – Cristo para todos! É necessário estar convicto que Jesus é o Salvador do mundo,

a fi m de realizarmos a obra missionária plenamente. b. Filipe e André pareciam não estar bem certos disso logo que

os gregos falam com eles. E hoje?

2. Ver Jesus é olhar para sua morte que traz vidaa. A necessidade de Jesus morrer para promover vida – o grão

de trigo. - Foi para isso que ele veio como ser humano: não re-

cuou.b. Nosso olhar é para o Cristo levantado na cruz. - O olhar da fé; - Apesar da morte física, há certeza da ressurreição.

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DOMINGO DE RAMOS - DOMINGO DA PAIXÃO

3. A nossa vida vivida como resposta à morte de Jesus a. Amar x Perder b. Odiar x Preservar

Aurélio Leandro Dall”OnderCampo Bom/RS

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QUINTA-FEIRA SANTA

28 de março de 2013

Salmo 116.12-19; Jeremias 31.31-34; Hebreus 10.15-25; Lucas 22.7-20

LEITURAS DO DIA

As leituras apontam para a nova aliança de Deus, estabelecida pelo sacrifício de seu Filho Jesus Cristo.

Salmo 116.12-19: expressa ação de graças por livramento de um perigo mortal. O povo de Deus vive em gratidão diante das bênçãos divinas.

Jeremias 31.31-34: é o anúncio de uma nova aliança do Senhor Deus com o povo, aliança não mais fundamentada nas ordenanças.

Hebreus 10.15-25: O sacrifício vicário de Cristo é o fundamento da nova aliança. Este sacrifício é completo e defi nitivo, que removeu a cul-pa do pecado e proporcionou livre acesso a Deus Pai. Considerados tais benefícios, fi quemos fi rmes na fé e pratiquemos as obras de amor.

CONTEXTO

Era tempo de celebrar a Páscoa. Todo ano, no mês de Nisã, o povo de Israel se reunia para celebrar a libertação da escravidão egípcia. No dia 14 do mês, cordeiros eram sacrifi cados e consumidos em ceia para recordar o evento da libertação. Jesus e seus discípulos também a celebrariam mais uma vez. Como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo seria sacrifi cado nesses dias, uma nova Ceia é instituída pelo Senhor Jesus, como memorial do sacrifício que traria libertação da escravidão espiritual. Jesus está preenchendo a ceia antiga com um novo sentido, inaugurando um novo tempo, o tempo da nova aliança. O texto imediato à perícope registra os passos do sofrimento do Senhor Jesus até a sua morte vicária na cruz e a confi rmação de sua vitória com a ressurreição.

TEXTO

A celebração da Antiga Ceia e a instituição da Santa Ceia está no cen-tro do relato. Essa nova Ceia, nossa Santa Ceia, que é o corpo e sangue de Cristo para perdão, é também celebração em memória do sacrifício libertador.

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V. 7: Dia da Festa... Páscoa – A palavra Páscoa ou festa dos Pães As-mos refere-se a toda festa de sete dias (14º ao 21º do mês de Nisã). A abertura desta comemoração dava-se no 14º dia, que iniciava no por do sol (na véspera à noite), quando se comia o cordeiro pascal. O cordeiro consumido naquela noite e o pão sem fermento consumido nos demais dias recordavam como foi na noite em que o povo de Israel iniciaria sua marcha de saída do Egito (Êx 12.1-28). O povo deveria celebrar com as futuras gerações – memorial entre vós (Êx 12.14, 17, 24).

A nova Ceia, nossa Santa Ceia, instituída por Jesus, e que é o corpo e sangue de Cristo para perdão, é também celebração em memória do sacrifício libertador. A nova Ceia, a nova Páscoa é memorial por excelência da celebração da libertação do povo de Deus, libertação da escravidão espiritual do pecado, do mundo e do diabo. Cada vez que celebramos a Ceia, estamos celebrando a Páscoa, a redenção, a libertação, o livramento efetuado pelo Cordeiro de Deus.

Vv. 8-12: Cenáculo, preparativos - A Ceia da Páscoa tinha de ser comemo-rada dentro da santa cidade de Jerusalém (Dt 16.5,6), de modo que os seus habitantes emprestavam aos peregrinos lugares como este cenáculo, devi-damente preparados (nota sobre Mc 14.15 – Bíblia de Estudo Almeida).

Vv. 13,14: Os apóstolos... convosco – “Chegada a hora (pôr do sol, fi nal da tarde do dia), pôs-se ele à mesa com os doze discípulos”. Com seus doze discípulos (Mt 26.20). A Ceia foi momento de comunhão, de intimidade; foi celebrada por Jesus com aqueles que já experimentaram a Sua presença, à semelhança da Ceia do Antigo Testamento na qual participava somente quem era do povo liberto. Nossa prática luterana para a participação na Santa Ceia é a comunhão fechada para luteranos. Há indicativos de que a Santa Ceia é (aberta ou fechada) para os cristãos!

Vv. 16,18: Nunca mais a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus – A futura salvação é representada com um banquete, do qual par-ticiparão pessoas de todos os cantos do mundo (Lc 13.29). Celebra-se a Páscoa aqui e celebrar-se-á alegremente a Páscoa num banquete eterno na presença do trono do Cordeiro com todos os libertos. Assim como a Páscoa era a celebração alegre da redenção do Egito (Êx 12.14,24-27), a Santa Ceia é celebração alegre da redenção por Cristo, haverá uma celebração jubilosa pela redenção da igreja de Cristo quando vier a consumação do reino de Deus (vida eterna).

V. 19: pão... isto é meu corpo – Jesus é o pão vivo que desceu do céu (Jo 6.51). A Ceia é o corpo e sangue de Cristo que recebemos em, com e sob o pão e o vinho, para perdão e consequente vida e salvação para quem o recebe com fé, embora o dele comer e beber (ato externo) não é garantia de salvação. (A Ceia na “hora da morte” não é indispensável, como talvez criam ou creem alguns). Importa confi ar em Cristo como seu Salvador. Em

QUINTA-FEIRA SANTA

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memória – memorial. Os discípulos devem comer o pão como recordação de que o Senhor entregou seu corpo à morte para consumar a redenção.

V. 20: Este é o cálice da nova aliança no meu sangue – O primeiro pacto ou aliança que Deus fez com Israel se confi rmou com o sangue de animais sacrifi cados (Êx 24.6-8). O segundo pacto ou aliança foi confi rmado no sacrifício de Cristo, o sangue da eterna aliança. Aliança = testamento.

POSSIBILIDADE HOMILÉTICA

Entendo que de tempos em tempos é importante que o povo de Deus ouça do púlpito o ensino sobre as principais doutrinas da fé cristã. Aqui está novamente a oportunidade de falar sobre o Sacramento da Santa Ceia. Oportunidade para desmistifi car concepções, reafi rmar que a Ceia é corpo e sangue de Cristo para perdão, e apontar para alguns pontos além, tais como:

- a Santa Ceia é memorial - ato em memória (que rememora) o sacrifício de Cristo que libertou da escravidão espiritual. Pode assim a Ceia ser também um momento alegre, que celebra a vitória que Cristo conquistou com seu sacrifício;

- a Santa Ceia é ato de comunhão intensa com Cristo. Recebe-mos seu corpo e sangue. Ele faz morada em nós, trazendo-nos todas as suas bênçãos vitais: perdão, vida, salvação;

- a Santa Ceia tem uma dimensão comunitária, pois é realizada com os discípulos de Cristo. A Ceia coloca os irmãos na fé numa posição de igualdade: todos são pecadores que buscam a co-munhão com Cristo e recebem suas bênçãos. A Ceia lembra que irmãos na fé estão unidos espiritualmente no corpo de Cristo;

- a Santa Ceia é testemunho público da fé no Cristo morto na cruz para trazer perdão e depois ressuscitado para confi rmar a vitória sobre a morte;

- a Santa Ceia é antecipação da Ceia Celestial da qual todos os redimidos irão participar na glória eterna, desfrutando da presença do Cordeiro de Deus.

Eliseu TeichmannPorto Alegre, RS

[email protected]

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SEXTA-FEIRA SANTA

29 de março de 2013

Salmo 22; Isaías 52.13-53.12; Hebreus 4.14-16; 5.7-9; João 18.1-19.42 ou João 19.17-30

CONTEXTO LITÚRGICO

1. A congregação como parte e ponte na história da igreja (chronós e kairós)

A Sexta-Feira Santa é o último dia da caminhada da Quaresma, onde nossos joelhos passam quarenta dias dobrados em arrependimento e meditação sobre a vida e obra do Salvador Jesus. A Sexta-Feira Santa, portanto, é o dia do luto, do pesar pelos pecados e, ao mesmo tempo, dia de alegria: a paz chegou em Cristo. A paz que Cristo nos deu no dia de sua morte é a mesma que vale para nós hoje.

2. As perícopes e sua função no lecionário anualAs perícopes para o dia se complementam. A promessa de Deus rela-

tada no Antigo Testamento tem o seu cumprimento e revelação no Novo Testamento, exatamente na pessoa do Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, o Autor da Vida. Não temos duas igrejas (uma no Antigo Testamento e outra no Novo Testamento). Temos uma única Igreja redimida pela obra do Cordeiro de Deus, que, “embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna”.

3. Os textos

3.1. Ideia centralSalmo 22: O Salmo 22 é o primeiro do que alguns comentaristas

classifi cam como Salmos da Paixão. A princípio ele se baseia em alguma experiência do salmista que tem como ponto central o Deus que está perto. Embora esteja sofrendo, não aponta especifi camente para o pecado como o problema. Também não há sentimento de vingança. O primeiro versículo foi dito por Jesus na cruz, durante o seu sofrimento. Nos dois casos, ambos não perderam a fé no Deus da Salvação. Há o sentimento de abandono, porém sabem que Deus está perto.

Isaías 52.13-53.12: A obra do Servo do SENHOR é vicária, isto é, ela é feita em lugar do ser humano. Em Gálatas 3, Paulo escreve que Cristo

IGREJA LUTERANA

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se fez maldição em nosso lugar, demonstrando o caráter substitutivo da obra do Senhor Jesus. Nessa perícope nos é apresentada a promessa, que é Cristo, e a sua obra a favor do ser humano pecador.

João 19.17-30: O relato da crucifi cação nos coloca diante do Servo Sofredor descrito em Isaías. É o término da expiação de Jesus por nós, que começou no seu nascimento. Jesus rende o seu espírito em obediência e em amor à humanidade. A cólera de Deus foi apaziguada pelo sacrifício do seu próprio Filho.

Hebreus 4.14-16; 5.7-9: Cristo é o nosso Sumo Sacerdote, mise-ricordioso, que se compadece das nossas fraquezas. O convite é esse: “acheguemo-nos” a fi m de recebermos misericórdia e acharmos graça. Nosso Sumo Sacerdote se doou em sacrifício, tornando-se o Autor da salvação.

3.2. Ideias comunsNosso Senhor Jesus se doou em favor dos pecadores, morrendo na

cruz em lugar da humanidade.

3.3. Objetivo GeralSomos salvos pelos méritos de Cristo.

OPÇÃO POR UM DOS TEXTOS PARA A PROCLAMAÇÃO: JOÃO 19.17-30

1. Contexto bíblico do texto1.1. Exegese; Momento histórico; Narrativa.O principal objetivo de João em seu evangelho é levar o leitor ao

conhecimento e à fé no Jesus Messias, isto é, no Filho de Deus Salvador do mundo. O relato da paixão e morte de Jesus (cap. 18.1-19.42) no evangelho de João tem suas singularidades. A intenção de João é ensinar, e para isso ele monta uma estrutura: primeiro é apresentado ao leitor o tribunal judaico (Jo 18.12-14,19-24). Depois Jesus aparece diante de Pilatos (tribunal romano), o que é uma particularidade do evangelho de João (Jo 18.28-19.16). Por fi m, temos a cena da crucifi cação e morte de Cristo (19.17-42).

O que chama a atenção para esta narrativa é a fi gura de Pilatos entre os judeus e Jesus. Ele não pareceu estar interessado no resultado do julgamento. Para ele era indiferente. Mas, parece-nos que ele aproveita a ocasião para destratar os líderes judeus. No cap. 19.1-3, temos mais uma peculiaridade de João. Só aqui são relatados os açoites antes do julgamento. Pilatos apresenta Jesus como um ridículo exemplo do na-cionalismo judaico. Conduziu o julgamento até ouvir aquilo que parecia

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estar esperando: “não temos rei, senão César!”. Jesus, então, é entregue para ser crucifi cado.

A crucifi cação era a pena para os cidadãos não romanos. Envolvia um intenso açoitamento antes de se chegar ao local da execução. Apesar disso, no evangelho de João não temos nada do sofrimento de Jesus. Apenas que ele próprio carregou sua cruz até o Gólgota, lugar onde foi crucifi ca-do. Na sua cruz um letreiro informava o motivo da crucifi cação. No caso de Jesus, Pilatos faz uma proclamação: JESUS NAZARENO, O REI DOS JUDEUS. Pilatos estava dizendo mais do que sabia. Sim. Jesus realmente era o Rei dos judeus. Porém, o Reino de Jesus é um reinado ou domínio diferente de um sistema político terreno. O Reino de Cristo é uma reali-dade espiritual, não um território ou uma área governada por alguém. E assim Jesus foi levado à morte, rendendo o seu espírito na cruz em lugar da humanidade, cumprindo-se tudo o que estava escrito.

2. Encaminhamento homilético2.1. Lei e EvangelhoLei: Quem é o culpado pela morte de Cristo? Do ponto de vista legal,

podemos dizer que Pilatos foi responsável pela execução de Cristo. Do ponto de vista moral, a culpa é dos líderes judeus. Porém, do ponto de vista teológico, todos nós somos culpados pela morte de Cristo, afi nal, sobre o seu sofrimento e sobre sua morte estavam todos os nossos peca-dos, toda nossa culpa. Jesus morreu no lugar do homem, que abandonou o seu estado de santidade passando a ser pecador.

Evangelho: O Evangelho está nas últimas palavras de Jesus na cruz: “Está consumado”. A salvação que Deus havia prometido foi cumprida. O pecador está salvo. Cristo rendeu seu espírito para ser o Autor da salvação. Jamais podemos abandonar o fato da morte vicária de Cristo. Cristo é nosso substituto. Portanto, Cristo, em sua obediência e amor, nos libertou do pecado, da morte e do poder de Satanás. Agora temos liberdade de chegar diante do nosso Pai, pois Ele aceitou o sacrifício do Seu Filho por nós. Pela fé em Jesus podemos apreender esses benefícios, tudo exclu-sivamente por graça, sem mérito ou dignidade de nossa parte. Deus nos mostra que sua bondade é totalmente gratuita e que o seu amor por nós vai além do que podemos entender.

2.2. Objetivo do textoLevar o leitor à fé em Jesus, maneira pela qual apreendemos a sua

justiça e paz.

SEXTA-FEIRA SANTA

IGREJA LUTERANA

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2.3. Objetivo deste sermãoColocar a obra de Cristo em evidência, mostrando que nós, pecadores,

fomos salvos exclusivamente pelos méritos do nosso Senhor Jesus.

2.4 Tema“Está consumado.”

Filipe Luxinger TimmCuritiba/PR

fl [email protected]

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SÁBADO DE ALELUIA

30 de março de 2013

Salmo 16; Daniel 6.1-24; 1 Pedro 4.1-8; Mateus 27.57-66

CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO, HISTÓRICO)

Este texto acontece no meio tempo entre a morte e a ressurreição de Jesus. Tecnicamente, é o único período de toda a história bíblica em que pode-se afi rmar que “Deus está morto”, pois são as únicas poucas horas em que Cristo está morto. É um texto que, por estar presente na transição da Quaresma e Paixão e Morte de Cristo para o período festivo da Páscoa, permite uma refl exão que começa justamente na profundidade do sacrifício cruento de Jesus, mas também já aponta para a confi ança em Deus de que seu Filho ressuscitaria, mesmo a partir da incredulidade e maracutaia dos inimigos do evangelho.

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

A ênfase da perícope está justamente no diálogo dos líderes judeus com Pôncio Pilatos, acontecido no sábado, que aparece na segunda me-tade do texto selecionado. Na primeira parte, cabe destacar o funeral honroso que os seguidores de Jesus desejavam dar a ele. E, também, como se estava por celebrar a Páscoa e a sexta-feira estava quase no fi m, para seguir a religião judaica, era conveniente que se sepultasse o corpo de Jesus antes do pôr do sol, que marcaria o início do sábado. O que se pode destacar do diálogo é a “precaução” que os líderes judeus tiveram em guardar o túmulo para evitar que supostamente os discípulos fossem roubar o corpo de Cristo para tentar forjar o cumprimento da pro-fecia, que é mencionada pelos próprios fariseus e principais sacerdotes. Um fato que chama a atenção é o de que os líderes sempre estiveram atentos às pregações e lições que Jesus dava, mesmo sendo inimigos mortais dele. Em outras palavras, aqueles líderes tinham ido dar o seu jeitinho para certifi car-se de que a morte na cruz acabasse com todo aquele “burburinho” envolvendo o homem de Nazaré, autodeclarado “Messias”, utilizando-se, para isso, de suposições mentirosas envolvendo os discípulos e apóstolos.

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PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

O texto de Daniel, na Trienal, é um paralelo direto e bastante interes-sante. O profeta também era justo e não se achava dolo em sua atuação como servo do governo. Seus adversários, porém, encheram-se de inveja e raiva e armaram o que se chama popularmente de “cama de gato”, fazendo passar uma lei de adoração pagã ao próprio imperador. Davi manteve-se fi el a Deus mesmo frente a esta mentira, sendo livrado das bocas dos leões por um anjo enviado da parte de Deus. Jesus também foi entregue por inúmeras mentiras. O momento de seu julgamento remete a um dos piores momentos, em todos os tempos, da justiça forense, pois as acusações mais absurdas são feitas para tentar condenar Jesus. Porém, Cristo manteve-se fi el à sua missão, por obediência à vontade do Pai. O ponto de contato entre este texto de Mateus com Daniel e com toda a Trienal, levando-se em conta o contexto do Sábado de Aleluia, é o de que permanecer fi el a Deus e sua Palavra é muito mais importante do que temer a homens, que só podem matar o corpo (Mt 10.28), utilizando-se para isso das mais ardilosas artimanhas e mentiras.

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Assunto do sermão: A verdade de Cristo sempre irá prevalecer. Não adianta o que o ser humano tente fazer para dar o seu jeitinho ou então tentar resolver da sua maneira. A palavra de Deus sempre será a verdade e a ação de Cristo irá sempre sobrepujar qualquer iniciativa humana.

Objetivo: Confortar os ouvintes de que a palavra de Deus nunca falha e que ela é a verdade, que gera confi ança, esperança e dá forças para o crente continuar seguindo os passos da fé, mesmo quando as coisas parecem não andar bem, estar aparentemente fora do controle ou sem apoio da razão humana (conexão com o “Deus morto”, que parecia ser o fi m da obra e ensinamentos de Jesus, ao menos para os discípulos e apóstolos).

Tema: Permanecer na Verdade que é Cristo

Desdobramentos: Na nossa vida, enfrentamos diversos dilemas ou situações onde a nossa fé é provada e testada, e até mesmo tentada. Em muitos casos, o cristão é chamado a carregar sua cruz por causa da fé que professa e vive. Assim sendo, o sermão deste dia pode ser um consolo neste sentido, pois nada atrapalha ou desvia o cumprimento da obra de Cristo, profetizada e assegurada pela palavra de Deus. Foi o caso

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de Daniel. Manteve-se fi el a Deus mesmo tendo que desrespeitar uma lei. Mesmo sendo jogado na cova dos leões, Daniel continuou apegado à verdade em Deus. Viver, para ele, era estar na aliança com Deus, o resto era lucro. Assim também, nós cristãos, podemos ter sempre em mente que a palavra de Deus não falha e sempre tem um fi m proveitoso em nossas vidas.

Tiago AlbrechtCuritiba/PR

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SÁBADO DE ALELUIA

IGREJA LUTERANA

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DOMINGO DE PÁSCOA RESSURREIÇÃO DO SENHOR

31 de março de 2013

Salmo 16; Isaías 65.17-25; 1 Coríntios 15.19-26; Lucas 24.1-12

CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO, HISTÓRICO)

As leituras para este domingo mostram o contraste claro entre as esperanças nas coisas deste mundo e na esperança em Deus. E mostra como nós, seres humanos, temos difi culdades em depositarmos nossa confi ança nas promessas de Deus. A confi ança nas promessas divinas nos faz esperar e confi ar na Vida Eterna.

O Salmo 16 é uma oração e ao mesmo tempo uma confi ssão de fé. O salmista fala da certeza de que Deus sempre está conosco (16.8) e também mostra que diante da evidência da morte temos a confi ança de que Deus não nos deixará na morte, mas nos dará a vida (Sl 16.10-11).

Em Is 65.17-25, o profeta traz esperança ao povo que está recons-truindo Jerusalém e que enfrenta difi culdades, principalmente o desânimo, porque estavam tendo que suportar a inimizade das nações vizinhas. Isaías lhes traz a promessa do novo céu e nova terra. Neste lugar será tudo perfeito, sem choro e sem sofrimento.

O apóstolo Paulo em 1 Co 15.19-26 nos fala sobre a realidade da morte e traz a esperança que temos na nossa ressurreição. Isto porque Jesus ven-ceu a morte por nós. Ele deixa bem claro que se a nossa esperança estiver neste mundo (só para esta vida), somos os mais infelizes (1 Co 15.19), por isso precisamos confi ar em Jesus, aquele que venceu a morte.

O texto do Evangelho de Lc 24.1-12 coloca em destaque a reação hu-mana diante da promessa de Deus da ressurreição de Jesus. Jesus havia prometido que iria morrer, mas ao terceiro dia iria ressucitar. Mas mesmo assim as mulheres foram ao túmulo na madrugada de domingo para colo-car perfumes no seu corpo. E ao descobrirem que o corpo não estava ali, não sabiam nem o que pensar. Também vemos a difi culdade de crer dos discípulos. Mesmo diante da promessa e do testemunho das mulheres, eles ainda não conseguiam acreditar que o Salvador estava de fato vivo.

O domingo da ressurreição é um dia especial para lembrarmos de duas certezas: a morte e a ressurreição. A realidade da morte nós a vemos diariamente e sabemos dela, pois vemos pessoas morrendo a cada dia. Mas a realidade da ressurreição de Jesus é o ponto diferencial

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que deve ser anunciado neste dia. Esta é a grande mensagem de ale-gria e consolo que devem ser anunciadas. Somos convidados a meditar na certeza de que a morte não é o fi m, mas que temos a esperança de uma nova vida.

Neste dia também lembramos que a promessa de salvação não termi-nou com a morte de Jesus, mas ele a venceu e por isso temos a certeza da salvação a todo aquele que crer que Jesus é o seu Salvador.

ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE

V. 1: “Foram levando aromas que prepararam”. Porque levar aromas se Jesus disse que iria ressuscitar? Elas estavam indo preparadas para colocar fragrâncias no corpo de Jesus, pois o seu pensamento ainda permanecia em que Jesus estivesse sepultado.

V. 2: Sepulcro: entre os hebreus, era geralmente uma caverna, fechada por um pedra. Este era o caso da sepultura de Jesus, onde as mulheres na madrugada de domingo viram a pedra removida.

V. 3: Senhor Jesus (kuri,ou vIhsou//) – Jesus usou este título para demonstrar sua ligação com o Antigo Testamento. E aqui o evangelista o usa neste sentido, de mostrar que o corpo que as mulheres estavam procurando não era somente de um homem, mas o do Senhor Jesus, o YHWH, do Antigo Testamento.

V. 4: avporei/sqai (estarem perplexas) – A RA traduz por “perplexas” e a NTLH traduz por “não sabiam o que pensar”. Esta última traduz muito bem o signifi cado. Este verbo é usado acerca da angústia das nações por não encontrarem solução para suas difi culdades, no sentido de estarem completamente desnorteados, sem saber como proceder. As mulheres não sabiam o que fazer, o que pensar.

“Apareceram dois homens com roupas resplandecentes.” Em Jo 20.12, texto paralelo a este, o evangelista se refere a estes homens como sendo dois anjos.

V. 5: evufo,bwn (atemorizadas) – As mulheres, ao ver os anjos, fi cam com muito medo. Diante desta situação, os anjos relembram a elas a promessa de Jesus de que ele iria ressuscitar. Eles dizem a elas que a promessa se cumpriu: ele foi ressuscitado!

V. 7: Filho do homem (uio.n tou/ avvvvvvnqpw,pou) – Título usado pelo próprio Jesus para se referir a sua humanidade, especialmente aos seus sofri-mentos e morte. Importante relação com a partícula dei/ (é necessário, é preciso), mostrando que era imprescindível a sua morte e ressurreição.

V. 10: Os discípulos não acreditaram na palavra das mulheres. Isto lhes pareceu lh/poj (lorota, conversa sem sentido). Isto mostra a difi culdade de crer em coisas que vão além das forças humanas.

DOMINGO DE PÁSCOA - RESSURREIÇÃO DO SENHOR

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V. 12: Pedro foi ao sepulcro ver o que tinha acontecido. Somente depois de ver os lençóis de linho sem o corpo de Jesus ele creu que Jesus tinha de fato ressuscitado.

PARALELOS, PONTES E PONTOS DE CONTATO

A realidade das mulheres e dos discípulos diante da morte de Jesus é acreditar naquilo que viram: Jesus morto. Não conseguiam ver o pós-morte que Jesus tinha anunciado. É por isso que as mulheres vão ao túmulo esperando lá encontrar o Mestre. E quando lá chegam e não o encontram, fi cam com medo, desorientadas.

Como o ser humano reage diante da morte? Ela sempre traz dor e sofrimento, pois se trata de uma despedida de alguém que estava no convívio diário e agora não poderemos mais conversar ou ver esta pessoa no dia a dia.

Mas, diante da realidade da morte, que é inevitável a nós seres huma-nos, nós olhamos para o que aconteceu com Jesus. Ele venceu a morte, e isto é a garantia de que todos nós também a venceremos.

A ressurreição não é algo possível graças à vontade do ser humano. O homem, através da ciência, pode encontrar curas para doenças e assim fazer com que uma pessoa possa permancer viva por mais tempo (tudo isso com a permissão de Deus, é claro). Porque se Deus quiser tirar a nossa vida, Ele pode fazê-lo quando bem lhe aprouver. Mas a morte é uma realidade que todos teremos de passar. Não há solução humana para a morte.

A ressurreição é a resposta para a realidade da morte, mas ela somente acontece graças ao milagre de Deus. Ela não faz parte do querer do ser humano. É necessário crer no sobrenatural, no milagre de Deus de dar vida a quem está morto.

Assim como a morte de Jesus, toda morte traz choro e sofrimento. O que faz a diferença é saber que assim como Jesus não permaneceu na morte, também nós não permaneceremos – e este é o grande consolo a ser anunciado neste dia: Jesus vive e por isso nós também viveremos!

SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO

Assunto: A ressurreição de Jesus

Objetivo: Mostrar aos ouvintes a importância do crer na ressurreição de Jesus, pois isto nos garante a salvação e também de que um dia res-suscitaremos para estarmos com Jesus.

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DOMINGO DE PÁSCOA - RESSURREIÇÃO DO SENHOR

Tema: Ele vive!Desdobramentos:

- Introdução: recontar o Evangelho do fi nal de semana, mas fa-lando da realidade da morte sem a ressurreição: das mulheres que foram ao túmulo e encontraram o corpo de Jesus morto e o embalsamaram. Depois vieram os discípulos e choraram junto ao corpo de Jesus. E ressaltar de que esta é a realidade do ser humano se confi ar somente em suas próprias forças.

- A realidade da morte: todos passarão por ela – cristãos e não cristãos.

- A grande diferença: crer na ressurreição. A esperança em meio à dor da morte. Os que não creem nisto são os mais infelizes deste mundo (1 Co 15.19).

- Ele vive! A história tem um fi nal feliz: a garantia da nossa salvação e da nossa ressurreição no céu!

Clóvis Renato Leitzke BlankImperatriz/MA

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SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA

7 de abril de 2013

Salmo 148; Atos 5.12-20 (21-32); Apocalipse 1.4-18; João 20.19-31

TEXTOS

Os textos para este fi m destacam a alegria, o louvor e o testemunho cristão destacando a morte e a ressurreição daquele que é o Senhor sobre a morte e a vida. No Salmo vemos o convite dirigido a todas as criaturas e criação para louvarem a Deus, o Senhor. Em Atos, o anúncio da maravilhosa mensagem da salvação recebe destaque. Os apóstolos de Jesus, mesmo sendo perseguidos e presos, não cessaram de anunciar o evangelho. O foco era obedecer a Deus e não às pessoas. Um anjo do Senhor os liberta e permite que continuem anunciando, sendo testemunhas de Jesus, de sua morte e ressurreição, como Pedro mesmo afi rmou. Apocalipse apresenta o testemunho de João para as sete igrejas. O apóstolo estava preso por causa do evangelho. Mas Jesus não pode ser preso. Ele tem autoridade sobre tudo e sobre todos, sobre o mundo dos vivos e dos mortos. O próprio Jesus se apresentou pessoalmente a João e se apresenta a nós por meio de sua Palavra e sacramentos.

CONTEXTO LITÚRGICO

Ele ressuscitou! De fato Ele ressuscitou, Aleluia! Estamos na Páscoa! É tempo de louvor, de gratidão a Jesus pelo seu imenso amor demonstrado por meio de sua morte e ressurreição. Sabemos que o nosso Redentor vive (Jó 19.25) e por isso podemos exultar de alegria, pois quem nele crê tem a vida verdadeira.

O contexto litúrgico chama o povo de Deus a olhar para a cruz mas ao mesmo tempo para o túmulo vazio. O segundo Domingo de Páscoa, bem como os demais, são oportunidades para o pregador lembrar ao povo de Deus que o cristão tem a viva esperança por causa da ressurreição de Jesus. Certa vez ouvi alguém dizendo, “todo dia é Páscoa”. E isso é verdade. O cristão pode, consequentemente, rejubilar e louvar todos os dias de sua vida, até o Senhor Jesus o chamar ou quando for chegado o Segundo Advento.

As ênfases do domingo: a paz, a alegria e o júbilo por causa da res-surreição; a manifestação visível de Jesus e o testemunho – que pode

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conduzir até ao martírio; a pregação da Palavra de Deus; a fé no Jesus ressuscitado mesmo não o vendo; a relação incredulidade e morte para fé em Jesus e vida.

O TEXTO PARA O SERMÃO

O Evangelho para este fi m de semana é um texto fantástico, riquíssimo em detalhes, em teologia, que podem ser observados de uma forma geral na mensagem. Ou o texto pode ser delimitado para um aprofundamento melhor. Vários editores bíblicos delimitam a perícope em três seções: vv.19-22, Jesus aparece aos discípulos; vv.24-29, Jesus e Tomé; vv.30-31, a fi nalidade deste Evangelho. Se o pregador optar em delimitar o texto para a pregação, essas são algumas das sugestões. Assim como palavras e expressões – comentaremos abaixo algumas delas – podem dar um belo sermão ou uma série de sermões, por que não?!

Estamos ainda no Domingo de Páscoa. Os discípulos estavam numa casa com as portas trancadas. Estavam apavorados, com medo provavel-mente de ter o mesmo fi m que Jesus. Mas eles já sabiam que a morte não detivera o seu Salvador. Precisa ser lembrado que Maria Madalena, Pedro e João já haviam visto o túmulo vazio (vv.1-10). João havia crido (v.8). Também Jesus se mostrou vencedor sobre a morte para Maria Madalena (vv.11-18). Ela, por sua vez, contou aos discípulos. Quando é lido este texto, o que chama mais atenção de muitas pessoas é a “incredulidade de Tomé”, mas é bom destacar que os demais discípulos de Jesus também não creram. E se creram, suas atitudes não eram condizentes com isso (veja a reação deles no v.26 – não saíram para anunciar a ressurreição ao mundo, mas fi caram trancados). Seria mais ou menos como se o nosso time do coração estivesse numa fi nal de campeonato e fi zesse o gol da vitória e não gritássemos e/ou vibrássemos de alegria e no dia seguinte não falássemos com ninguém sobre isso demonstrando nossa satisfação e alegria.

Jesus, ao dizer “Que a paz esteja com vocês” (vv.19, 21, 26), não apenas usa uma saudação muito comum entre os judeus da época, mas oferece a sua própria paz, a paz que o mundo não pode dar (Jo 14.27). Essa paz está ligada à alegria que os discípulos logo tiveram ao ver o seu Salvador. Antes mesmo de ser preso e morto, Cristo lembra da relação entre tristeza e alegria, e que a alegria ninguém poderia tirar deles (Jo 16. 20-22). Jesus, ao realizar a obra da salvação, deixou o seu Pai com muita alegria. O povo de Deus que crê em Jesus tem a paz verdadeira e já aqui tem um aperitivo das alegrias e bem-aventuranças eternas.

V. 21: “eu [...] envio vocês”. Os discípulos de Jesus não eram perfeitos. Eram falhos, fracos, duvidaram, se deixaram dominar pelo medo. Mas

SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA

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estes mesmos homens são os enviados pelo Redentor. São enviados a pregar o Evangelho, são enviados a anunciar a paz e a alegria que temos somente em Cristo. São enviados para perdoar e não perdoar pecados (v. 23 – Ofício das Chaves). Sozinhos eles nada poderiam fazer. O Espírito Santo estaria com eles (v. 22; At 1), falaria através deles e agiria nos ouvintes regenerando corações.

Outro ponto a ser destacado em nossa refl exão é o verbo crer. Aparece nos vv. 25, 27, 29, 31. Os ouvintes vão esperar uma palavra sobre esta questão, sobre a incredulidade (falta de fé) de Tomé. É bom relacionar isso com o desejo do apóstolo de ver o Salvador, tocar e pôr sua mão em seu lado e em suas mãos. Tomé queria basear a sua fé apenas em evidências que ele poderia comprovar. Não se contentou em crer a partir do testemunho de seus irmãos na fé, “vimos o Senhor” (v.25). O prega-dor tem um belo ponto de ligação aqui com a realidade que enfrentamos diariamente. As pessoas querem acreditar, crer somente naquilo que se pode comprovar cientifi camente. E aqui entram todos os artigos da fé cristã, consequentemente a ressurreição de Jesus e a nossa também. A fé cristã olha para a morte de Jesus e sua ressurreição e alegra-se com a certeza que temos de vencer a morte assim como Jesus venceu (1 Co 15). Cabe lembrar aqui que assim como os discípulos somente poderiam ser pregadores do Evangelho por meio da ação do Espírito Santo em suas vidas, assim somente podemos crer em Jesus como o Redentor e sermos suas testemunhas porque o Espírito Santo agiu e age em nós.

V. 28: Tomé faz uma confi ssão maravilhosa: “Meu Senhor e meu Deus!” (v.28). Este é o ápice da perícope. Aqui vemos o desejo de Deus: que todo pecador venha a crer em Jesus como seu Salvador e confesse isso diante do mundo e diante do próprio Senhor. Feliz e bem-aventurado é o que vem à fé sem ter visto Jesus (v.29). Hoje o cristão pode se alegrar com isso e ser muito agradecido ao seu Senhor pelo dom da fé. É bom lembrar que o texto permite destacarmos alguns aspectos da humani-dade de Jesus e sua divindade. Apontar para a Santa Ceia, onde Jesus de fato e de verdade está presente nos dando o seu verdadeiro corpo e sangue, assim como está presente em todos os lugares do mundo onde é celebrada a sua ceia.

A perícope termina apresentando o motivo pelo qual o Evangelho foi escrito: a salvação do pecador. E esta salvação é dada por meio da fé em Cristo Jesus, o Messias prometido e Filho de Deus. Pode ser destacada para a mensagem a palavra “vida”. Muitas pessoas não sabem exatamente o que é e o que signifi ca a palavra salvação (muito menos justifi cação!). Com a palavra vida, o pregador pode apresentar a realidade e condição humana do pecado, da morte e apontar para Jesus como a fonte da vida verdadeira, pois ele enfrentou e derrotou a morte.

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SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA

SUGESTÃO PARA A PREGAÇÃO

Tema: Da morte para a vida1. Morte de Tomé e nossa morte2. Morte e a vida de Jesus3. A vida de Tomé e nossa vida4. Morte das pessoas e nosso testemunho.

André dos Santos DreherFrederico Westphalen/[email protected]

IGREJA LUTERANA

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TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA

14 de abril de 2013

Salmo 30; Atos 9.1-22; Apocalipse 5. (1-7) 8-14; João 21.1-14 (15-19)

CONTEXTO LITÚRGICO

No período da Páscoa a Igreja vive os sinais do Messias de uma forma muito intensa. Foi assim, também, que as pessoas da época da primeira Páscoa viveram. E não foi diferente na época de Cristo, especifi camente falando daquela Páscoa, mencionada por João, a saber, a Páscoa da res-surreição de Cristo. Nos dias que a antecederam, os discípulos viveram e experimentaram intensamente a grandeza do Messias e o seu amor por todos nós.

A vida agitada e tensa ao redor de Jesus, a rejeição pública, toda agi-tação em Jerusalém, sua traição, sofrimento e morte na cruz, seguidos de sua maravilhosa ressurreição, custavam a ser digeridos pelos discípulos. Tudo era muito recente. Era preciso dar tempo e oportunidade para que os fi éis amigos de Jesus pudessem assimilar melhor o maravilhoso plano de Deus para a vida deles. Por isso, Jesus reserva ainda 40 dias após a sua ressurreição, nos quais ele permanece aqui na terra e, diante dos olhos dos seus melhores amigos, ele se revela.

Agora, após a Páscoa, Jesus continua preparando os seus discípulos para o que virá. E uma dessas preparações é para a sua ausência. Por esta razão não permanece sempre com eles, mas de tempos em tempos os reencontra e a cada encontro passa “um fi lme na cabeça dos seus dis-cípulos”. Assim Jesus “reconta” e faz os discípulos compreender melhor tudo o que haviam experimentado com ele nos últimos três anos, cada uma das cenas vividas com ele. Jesus abre os olhos, o entendimento e o coração dos discípulos.

O evangelista João nos garante que este era apenas o terceiro reen-contro com os discípulos (Jo 14.21). Não diz quanto depois da Páscoa, mas tempo sufi ciente para sair de Jerusalém, se deslocar até o mar de Tiberíades. Provavelmente algo entre a segunda e a terceira semana após sua ressurreição. O evangelista, por sinal, em todo seu livro oferece pouco subsídio histórico. Conforme o próprio João, ele procura se concentrar mais em “relatar os sinais de Jesus, para que vocês creiam que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que crendo tenham vida, por meio dele” (Jo 20.31).

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Sendo assim, esse deve ser o nosso desafi o hoje: descobrir os sinais de fé presentes nos textos bíblicos indicados para esta semana com des-taque para o Evangelho de João.

TEXTOS PARALELOS

Salmo 30 – Nos apresenta um grande sinal de fé: a vitória sobre a morte é um sinal para crer e para comemorar em todos os dias de nossa vida (vv. 3,4). Como resultado da ação de Deus em nós há uma mudança radical no sentido da vida, que passa do choro para dança alegre (v. 11). Diante da ação maravilhosa de Deus e a nossa fé nele, a nossa atitude não poderia ser outra a não ser falar das coisas maravilhosas que Deus faz e o servi-lo para sempre (v. 12). E então nos perguntamos: Por que nós luteranos falamos tão pouco das coisas maravilhosas de Deus? Talvez porque, assim como os discípulos, precisamos de tempo para digerir o amor de Deus em nossa vida. E nos tenha faltado esse tempo pelo pouco convívio que tivemos com Cristo até aqui. Ou, talvez, pelo pouco tempo que dedicamos a ele em nossa vida?!

Atos 9.1-22 – O estar diante do Messias vivo e ser confrontado com ele e por ele não fi ca sem reação. A conversão de Saulo comprova que até mesmo os piores corações podem e são de fato transformados quando confrontados com Cristo e por meio de Cristo. Algo semelhante à situação de Saulo acontece também com Pedro no evangelho, quando Jesus lhe pergunta: “Pedro, você, me ama? – Então toma conta das minhas ove-lhas” (Jo 21.17). O sinal de fé, neste caso, aparece quando Jesus lhe diz: “Pedro, quando você era moço, você se aprontava e ia onde queria, mas eu lhe digo: quando você for velho, estenderá as suas mãos e alguém vai amarrá-las e o levará para onde você não vai querer ir” (Jo 21.18).

Saulo também estava “com as mãos amarradas”! Completamente cego, ele precisa confi ar em quem não conhece. Este é também um dos sinais de grandeza do Messias. Aos fracos ele levanta e coloca em pé e aos cegos abre os olhos. Mas aos orgulhosos ele faz tropeçar e cair. Ele os cega e faz fi car surdos para que voltem para ele.

Apocalipse 5.(1-7) 8-14 – Não apenas pessoas servem ao Cristo vivo, mas também os anjos o servem junto com todos os cristãos que já estão na glória celeste. Que grande consolo diante da morte! Que visão maravilhosa nos é apresentada. Todos os líderes do Antigo Testamento, somados aos do Novo Testamento, louvam o Cordeiro sentado no trono e apresentam para ele as orações do povo de Deus. Milhões e milhões de anjos comemoram o cordeiro. O sinal de fé não está na falsa doutrina dos santos do catolicismo romano de adoração aos santos, mas está na majestade de Cristo sentado no trono e no servir glorioso dos santos. “O

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fi lho do homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mt 20.28).No evangelho de João indicado para hoje, essa fi gura messiânica

aparece com Jesus assando e servindo peixe. O sinal de fé em nossa vida está no servir. Nossa identifi cação com Cristo não poderia ser outra a não ser servir também. E fazer do servir um lema para a nossa vida. Servir, servir, servir. Servir não como forma de merecer um lugar junto ao trono, mas servir porque graciosamente Jesus já nos deu um lugar junto ao trono por meio do seu morrer e ressuscitar.

João 21.1-14 (15-19) – O evangelista nos garante que nesta história há algo mais do que um mero reencontro, há uma vefane,rwsen eauto., isto é, há uma manifestação messiânica. Cristo por si mesmo se revela. A ação parte dele mesmo e vai em direção aos discípulos. O que Jesus faz é para o consolo deles e para o fortalecimento da fé deles. Trata-se, a rigor, do único milagre externo realizado por Jesus depois da ressurreição e que, por assim dizer, é uma repetição de uma cena que os discípulos haviam visto num outro momento e que tinha tido um signifi cado profundo para a vida pessoal deles (Lc 5). Foi diante dessa cena que eles foram chamados por Jesus para serem seus discípulos. Agora, no milagre, reconhecem que é Jesus, o mesmo que haviam conhecido e com o qual haviam andado nos últimos três anos.

A cena de hoje é especialmente preparada para Pedro, que está amarguradamente arrependido de sua maneira arrogante de lidar com Jesus durante a sua prisão e depois por negá-lo três vezes na hora do julgamento. Em seus outros dois reencontros Jesus havia assegurado que os amava muito com uma amigável frase: “Que a paz esteja com vocês”! Mas ainda não havia tido uma conversa de “homem para homem” com Pedro, olhando nos olhos, para lhe garantir que estava verdadeiramente perdoado. E que apesar de suas fraquezas, Pedro havia sido chamado para ser pescador não de peixes, mas de homens, e que o momento disso acontecer estava cada vez mais próximo.

Pedro sente que o momento é para ele e com ele. Por isso rapidamente veste a sua roupa e vai ao encontro de Jesus. Mesmo com alguns laços rompidos, Pedro ainda confi a em Jesus. E agora, ansioso por estar ferido no coração, não vê a hora de voltar e tudo fi car bem novamente. Agora ele nem lembra que havia tirado a roupa para não se molhar no trabalho, e afoito ele se lança ao mar e vai ao encontro de Jesus.

Pedro continua sendo o velho Pedro, inseguro, precipitado, que na hora H deixa os discípulos trabalhando sozinhos. Da mesma forma, Jesus con-tinua sendo o mesmo. Ele é aquele que transmite segurança e ao mesmo tempo demonstra o seu amor pelo servir pão e peixe assado. Jesus sabe que este discípulo lhe é muito especial e, assim como Pedro, cada um dos discípulos terá o seu momento especial com ele. Pedro pode perceber que

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TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA

muitas coisas continuam como eram antes da morte na cruz, quando Jesus também costumava preparar tudo para os seus discípulos.

A pesca foi maravilhosa, mas o ponto alto da cena acontece quando todos estão reunidos. Neste momento Jesus os convida: “Venham comer”! João nos diz, então, que Jesus já tinha peixe e ninguém tinha coragem de lhe perguntar nada, pois sabiam que ele era o Senhor (v. 12). Ele mesmo os serviu (v. 13). Afi nal é nisto que consiste a sua glória, em poder servir.

Jesus come com eles provando que ainda é verdadeiro homem, embora já glorioso. Mas a glória maior aparece não propriamente no comer, mas na maravilhosa reconciliação que segue. Este é o ponto alto da história. Jesus é o glorioso Senhor e não deixa dúvidas disso na reconciliação, quando chama Pedro, vê o seu coração arrependido e lhe garante: tome conta das minhas ovelhas! Que voto de confi ança maravilhoso Jesus lhe dá!

PROPOSTA HOMILÉTICA

O Messias se revela:– Na vitória sobre a morte:

A - PáscoaB - em nós (Sl 30.4)

– No servir:

A - de Cristo (Jo 21.12-13)B - dos anjos e dos fi éis (Ap 5.11-13)

– Na reconciliação:A - com Saulo (At 9.11;14)B - com Pedro (Jo 21.13)C - conosco (Sl 30.5;10-11)

– No nosso serviço e testemunho: A - falando de Cristo (Sl 30.12)B - tomando conta das ovelhas (Jo21.17)

Sugestões:– Mostrar o amor imenso de Jesus pelos fi lhos individualmente. Reforçar

seu empenho em nos transformar em servos.– Desafi ar para o testemunho de Cristo na missão e na comunhão

fraterna.– Mostrar como podemos ser instrumentos em sua mão também no

dia a dia de nossas vidas.

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– Apontar para a glória de Cristo, o Messias vivo na ressurreição, e para nossa esperança na ressurreição.

BIBLIOGRAFIA

BÍBLIA NTLH. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2000.

BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

DIE BIBEL NACH DER ÜBERSETZUNG MARTIN LUTHERS. Stuttgart: Deutsche Bibelgeselschaft, 1985.

NOVO TESTAMENTO INTERLINEAR GREGO-PORTUGUÊS. Barueri (SP): Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.

SCHLATTER, Adolf. Das Evangelium nach Johannes. Stuttgart: Calwer Verlag, 1836.

Arsildo Fernando WendlerSanta Rita – Guaíba/RS

[email protected]

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QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA

21 de abril 2013

Salmo 23; Atos 10.17-35; Apocalipse 7.9-17; João 10.22-30

CONTEXTO

A - Litúrgico:O Domingo do Bom Pastor desenvolve o texto de João 10 nas três

séries de leituras: Série A – João 10.1-10; Série B – João 10.11-18;Série C – João 10.22-30.Não se pode fugir da temática do Bom Pastor, ainda mais que o Salmo

23, o Salmo do Bom Pastor, é indicado para as três séries. Ap 7.17 apresenta o Cristo ressuscitado e vitorioso e repete o pen-

samento do Sl 23.2: “O Cordeiro... os apascentará e os guiará para as fontes da água da vida...”.

At 10 mostra a expansão do rebanho de Cristo para os gentios (Cor-nélio), conforme promessa de Cristo em Jo 10.16: “Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco... elas ouvirão a minha voz.”

B – Imediato:Detalhes interessantes iniciam a perícope: “Celebrava-se em Jerusa-

lém a Festa da Dedicação”. “Era inverno.” “Jesus passeava no templo, no Pórtico de Salomão.”

“A Festa da Dedicação” lembrava a rededicação do templo na época dos Macabeus (165 AC), após o templo ter sido profanado por Antíoco, que mandara edifi car um altar a Zeus e sacrifi car porcos. Esta festa é também chamada “A Festa das Luzes” (Hanuka, ou Chanuka) celebrada até hoje pelos judeus por oito dias. O conhecido candelabro Hanuka acompanha as festividades, acendendo-se uma chama a cada noite das festividades. Às vezes a Festa da Dedicação coincide com as festividades do Natal cristão. Daí a observação “Era inverno” – no hemisfério Norte.

O “Pórtico de Salomão” fi cava no Pátio dos Gentios e era um local que costumava juntar muito povo.

C – Histórico:Parece que esta foi a última vez que Jesus frequentou o templo antes

da Entrada Triunfal em Jerusalém (Jo 12.12). Diante das afi rmações de

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Jesus em Jo 10, os judeus procuraram matá-lo (Jo 10.31,39). Jesus se retirou para o outro lado do Jordão (Jo 10.40) e só voltou quando seu amigo Lázaro faleceu (Jo 11. 7). Conhecendo o risco que corriam, os discípulos mostraram receio quando Jesus tomou a fi rme resolução de voltar a Jerusalém (Jo 11.8); e Tomé comenta: “Vamos também nós para morrermos com ele” (Jo 11.16).

Celebrando a Páscoa (4º Domingo da Páscoa), nós sabemos como a história terminou vitoriosa! Jesus enfrentou a morte no tempo determi-nado por Deus (não quando seus inimigos o queriam), cumprindo todos os propósitos divinos de salvar a humanidade.

TEXTO

A - A pergunta: “És tu o Cristo?” - Pergunta semelhante havia sido feita a João Batista. Ele negou:

“Eu não sou o Cristo” (Jo 1.20); e assegurou que o Cristo estava por vir naqueles dias.

- Satanás testa Jesus quando lhe diz: “Se és o Filho de Deus...” (Lc 4.3,9).

- O sumo-sacerdote Caifás perguntou a Jesus durante o julgamento diante do Sinédrio “Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus”. E Jesus respondeu afi rmativamente, sendo sua resposta considerada blasfêmia e causa de execução: “É réu de morte!” (Mt 26.63,66).

B - A resposta:- “Já vo-lo disse, e não credes.” – Não é a primeira vez que Jesus

confi rma ser o Cristo. Mesmo que ele não alardeasse aos quatro cantos devido aos falsos conceitos existentes a respeito do Cristo/Messias, pe-dindo inclusive segredo a respeito da sua verdadeira identidade por parte dos discípulos até após a sua ressurreição, ele nunca negou sua pessoa e sua missão.

- Suas obras e milagres atestam sua missão de Cristo e sua divindade: “As obras que faço em nome de meu Pai testifi cam a meu respeito”. “Crede ao menos por causa das mesmas obras” (Jo 14.11).

- André, irmão de Simão Pedro, quando conheceu Jesus, testemunhou: “Achamos o Cristo!” (Jo 1.41).

- Pedro confessou: “Tu és o Cristo!” (Mt 16.16). - O conteúdo central da pregação dos apóstolos registrada em Atos

pode ser resumido nas palavras fi nais do sermão de Pedro em Pentecostes: “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucifi castes, Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2.36).

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QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA

- Confessamos no 2º Artigo do Credo: “Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor...”

C - A incredulidade:- A reação incrédula dos judeus ajuda a entender a atitude de muitas

igrejas e movimentos da atualidade. Mesmo dizendo-se “cristãos”, seu enfoque não está na obra vicária do Cristo prometido e enviado por Deus. Não dão ouvidos à voz do Bom Pastor conforme registrada na Escritura “porque não sois das minhas ovelhas”. Cumpre-se a profecia de Paulo em 2 Tm 4.3,4: “Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas”.

- Novas leis e práticas de igrejas que apoiam pecados grosseiros (ho-mossexualismo, aborto...), segundo tendências e pressões da sociedade, atestam que muitos se afastaram da Verdade e não são mais parte das ovelhas e do rebanho de Cristo.

D - O rebanho:- Na continuidade de sua resposta, Jesus retoma o tema amoroso do

Bom Pastor e da vontade salvífi ca de Deus. - Característica maior do rebanho de Cristo: “As minhas ovelhas ouvem

a minha voz, eu as conheço, e eles me seguem.” - Um dos três pilares da Reforma é Sola Scriptura (somente a Escri-

tura). Lutero sofreu na carne e na alma as consequências de uma igreja que tinha se afastado da Palavra da Verdade, seguindo seus próprios en-sinamentos e práticas, enganando o povo e levando-o ao desespero e à desilusão. Quando Deus lhe foi gracioso e lhe mostrou pela Escritura que o “justo viverá pela fé”, Lutero procurou de todos os modos compartilhar esta verdade libertadora e salvadora com todos, baseando-se exclusiva-mente na Escritura – a Voz do Bom Pastor.

- Uma defi nição da igreja, segundo Lutero: “Graças a Deus, uma criança de sete anos sabe o que é igreja, a saber, os santos crentes e os ‘cordeirinhos que ouvem a voz de seu pastor’ (LIVRO DE CONCÓRDIA. Artigos de Esmalcalde, Terceira Parte, XII, 2. p.338. Arnaldo Schüler, trad. Porto Alegre/São Leopoldo, Concórdia/Sinodal, 1997 (citado por Linden, em “Conceito de Igreja” - Internet). - “Cordeirinhos que ouvem a voz do seu pastor” é a defi nição de Jesus em nosso texto. Por mais simplório e ingênuo que isto pareça, mas esta é a verdade e dela não podemos nos afastar, sob o risco de cairmos na incredulidade e na heresia.

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E - A promessa:- Mesmo diante de incrédulos, Jesus não deixa de anunciar a graça

de Deus e garante aos que ouvem a sua voz e o seguem: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará das minhas mãos.” Esta afi rmação faz eco a Jo 3.16. A salvação não é apenas dada de graça, mas também garantida pelo poder de Deus e pela unidade do Pai e do Filho (vv.29,30).

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: As minhas ovelhas ouvem a minha vozObjetivo: Levar o ouvinte a analisar como está escutando a voz do

Bom Pastor: Com ouvidos críticos? Incrédulos? Ou com fé no Cristo enviado pelo Pai?Problemas: Muitos se acham no direito de criticar o texto bíblico,

aceitando apenas o que lhes interessa e rejeitando a Verdade. Heresias passadas e recentes encontram sua base na rejeição do Sola Scriptura.

Solução: O Bom Pastor deu sua vida pelas ovelhas e nos garante vida eterna por graça.

Introdução: Jesus é perguntado se ele é o Messias/Cristo. Ele res-ponde claramente (v. 25); aponta para os seus milagres como prova de sua missão (v.26); retoma o tema do Bom Pastor, que perpassa todo o capítulo de João 10, garantindo a salvação de suas ovelhas; e conclui sua resposta afi rmando: “Eu e o Pai somos um!” – Ao mesmo tempo critica a incredulidade dos líderes judeus, atestando que eles não fazem parte do seu rebanho.

I – Os que não dão ouvidos à voz do Bom Pastor- rejeitam a Verdade, como o fi zeram os judeus.- seguem outras vozes, enganadoras, criando heresias passadas e

modernas.- seguem seu próprio coração enganoso (tudo é relativo...)- confundem e enganam as ovelhas.

II – Os que dão ouvidos à voz do Bom Pastor- São ovelhas do rebanho de Jesus e procuram consolo e orientação

nas palavras do Bom Pastor- São conhecidos por Jesus- Seguem a Jesus em dias maus e bons- Têm a vida eterna garantida e se alegram com isso- Estão seguras na mão do Pai.

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QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA

Conclusão/Ilustração: Uma criança fechava com a mão um dos seus ouvidos durante o culto. Perguntada pelo pastor após o culto por que fazia isto, ela respondeu: minha mãe sempre fala que tudo o que ela me diz entra num ouvido e sai no outro. Eu quero que a Palavra de Jesus fi que dentro de mim; por isso fecho um ouvido...

Carlos Walter WinterleCape Town, África do Sul

[email protected]

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QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA

28 de abril de 2013

Salmo 148; Atos 11.1-18; Apocalipse 21.1-7; João 16.12-22

LEITURAS DO DIA

Salmo 148: O salmista conclama toda a criação, no céu e na terra, a louvar e engrandecer o nome de Deus, o seu criador. O louvor rendido a Deus vai muito além da voz que sai da boca do homem; a própria vida dos que se reconhecem agraciados por Deus transforma-se num contínuo culto de louvor a seu criador e mantenedor.

Atos 11.1-18: O apóstolo Pedro tem uma visão na qual algo parecido com um grande lençol baixa dos céus. Nesse lençol estão diversos animais, dos quais Deus lhe ordena que coma. Pedro se nega, pois, segundo a Lei, muitos daqueles animais eram impuros. Diante da negativa de Pedro, Deus diz: “Não chame de impuro aquilo que Deus purifi cou” (v. 9). Essa afi rmação se refere tanto aos alimentos como, também, pelo contexto, se aplica ao próprio ser humano.

Os não-judeus, incircuncisos, eram vistos como impuros e indignos. Porém, nada que o sangue de Cristo purifi cou pode ser visto como impuro. Nenhum pecado escapa do perdão que Cristo nos conquistou ao derramar o seu sangue e entregar a sua vida em nosso favor na cruz. Todos, judeus e não-judeus, são purifi cados e transformados em fi lhos amados de Deus ao receberem o Espírito Santo na Palavra e no Batismo.

Apocalipse 21.1-7: Todos aqueles que foram purifi cados por Deus, lavados com o sangue do Cordeiro, recebem o direito de viver eternamente na Jerusalém celeste, onde terão suas lágrimas enxugadas pela mão do próprio Deus e o louvarão em perfeita dignidade por toda a eternidade.

CONTEXTO

Jesus acaba de celebrar a última ceia junto de seus discípulos e o traidor já foi revelado. Está próxima a hora em que o Filho de Deus será entregue nas mãos dos homens para ser crucifi cado, cumprindo a missão para qual fora enviado ao mundo.

Por diversas vezes Jesus já havia predito a sua morte, mas as suas palavras ainda eram incompreensíveis ao coração dos discípulos. Nas pa-lavras do texto de João 16.12-22, Jesus oferece consolo e conforto para os momentos de medo e afl ição que os discípulos enfrentariam, tanto nas próximas horas como no decorrer de toda a sua vida.

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Na sequência de nosso texto, Jesus se dirige ao Getsêmani, de onde é levado preso para ser condenado à morte.

O TEXTO DE JOÃO 16.12-22

Vv. 12-15: Nas palavras deste texto, observamos o grande carinho e preocupação de Jesus para com seus queridos discípulos. Em breve, Ele seria entregue à morte na cruz e os discípulos logicamente se sentiriam sós e desorientados. Jesus gostaria de prepará-los ainda mais para os acontecimentos futuros, mas eles ainda não estavam maduros para en-tender o que se passaria. Os discípulos ainda não compreendiam a real dimensão do que estava por vir.

“Ainda tenho muitas outras coisas para lhes dizer, mas vocês não poderiam suportar isso agora” (v. 12). Precisamos ver nessas palavras de Jesus, além de uma referência aos acontecimentos imediatos, uma referência aos sofrimentos e perseguições que no futuro seriam impostos aos discípulos pelo diabo e o mundo. Os discípulos ainda não faziam ideia das terríveis afl ições e tentações que os aguardavam. Eles ainda não en-tendiam o que realmente seria sofrer por amor a Cristo. Mas Jesus lhes promete o Espírito Santo, o qual os ajudaria e consolaria, guiando-os pelo caminho da verdade.

O ser humano, por natureza, jamais escolheria o caminho da verdade, o caminho de Deus, que conduz à salvação. Aos olhos do mundo, o cristão é um pobre miserável, um infeliz. Além disso, o coração humano diz que esse Jesus sofredor, crucifi cado pelo seu próprio povo, jamais poderia ser o Filho de Deus. Portanto, entrar no caminho de Deus e persistir nele é obra do Espírito em nós, que nos mantém fi rmes e fortes para lutar contra nossa própria natureza e razão.

A razão espera glória, mas o Espírito mostra que o caminho da verdade passa pela cruz. Mas àquela altura, o coração dos discípulos ainda não estava preparado para ser confrontado com essa realidade. Eles precisa-vam ser preparados pelo Espírito para poderem aceitar a dura realidade que enfrentariam como fi lhos de Deus.

Sem o Espírito não é apenas difícil, mas impossível resistir ao diabo. Lutero disse certa vez que jamais conseguiríamos pregar a Palavra, batizar ou mesmo permanecer fi rmes por muito tempo em Cristo sem a ajuda do Espírito. Se o Espírito Santo não nos segurasse, em uma hora o diabo já teria arrancado a fé de nosso coração.

O diabo trava diariamente uma luta em nós a fi m de manter nossa consciência aprisionada em nossos pecados, colocando em nós medo e dúvida, a fi m de nos arrancar da companhia de Deus e nos afundar na

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IGREJA LUTERANA

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maldição do inferno. Essa luta contra o diabo jamais poderá ser vencida sem a ajuda constante do Espírito que Deus colocou em nós.

Esse Espírito não fala qualquer coisa de qualquer forma. Através da Palavra, Ele aponta para Cristo e sua obra, glorifi cando o nome do Filho. E nisso poderemos provar aqueles que dizem possuir o Espírito: se sua pregação não apontar para Cristo, o Espírito não está neles e sua prega-ção é falsa.

Vv. 16-18: Jesus disse: “Daqui a pouco vocês não vão me ver mais; porém, pouco depois, vão me ver novamente” (v.16). Os discípulos não entenderam o que Jesus quis dizer com estas palavras. Eles não com-preendiam que em tão pouco tempo (poucas horas) Jesus lhes seria tomado e crucifi cado, e novamente em tão pouco tempo (três dias) seria ressuscitado e eles o veriam outra vez. Além de uma referência à morte e ressurreição de Jesus, podemos ver nestas palavras uma referência à ascensão de Jesus, que vai “para junto do Pai”, e seu retorno glorioso para o dia do juízo fi nal.

O fato é que, para a razão humana, isso tudo é completamente impos-sível. Sem a ajuda do Espírito Santo, nós também não daríamos crédito a essas palavras. Essa é a obra do Espírito: revelar a verdade divina, que é obscura aos olhos do homem pecador.

Vv. 19-22: Como os discípulos não compreendiam as palavras de Jesus, Ele busca lhes ensinar falando em termos concretos da dura experiência que teriam de enfrentar: “Vocês vão chorar e fi car tristes” (v. 20).

Choro e tristeza aguardam os discípulos. A palavra “chorar” traz consigo um sentido de profundo desespero (Lutero traduz por Heulen – chorar ou uivar, tamanha angústia), chorar amargamente por não enxergar qualquer possibilidade de a dor ter fi m.

Tentemos imaginar o que deve ter passado no coração daqueles dis-cípulos durante o tempo em que Jesus esteve no sepulcro. O diabo os maltratou da forma mais violenta possível. A dúvida tomou conta de seus corações. Será que o Filho de Deus realmente havia sido derrotado? A dor e a tristeza que aqueles discípulos enfrentaram não era uma dor normal. O seu coração estava à beira do inferno.

Mesmo quando o ser humano perde algo ou alguém que lhe era muito importante, ele ao menos ainda tem a Deus. Saber de Deus que a dor uma hora terá fi m traz alívio. Mas o que fazer se alguém perde a Deus? Não ter Deus perto de si signifi ca perder tudo: consolo, esperança, alegria. Não pode haver nada mais terrível. Se Deus foi embora, não existe mais esperança. Tudo se foi! Essa era a situação dos discípulos.

Mas depois da tempestade, Jesus prediz a calmaria. Se aquele pequeno tempo em que os discípulos não veriam o seu mestre traria momentos de desespero inimaginável, tamanha dor e luto não durariam para sempre,

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QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA

nem ao menos duraria muito tempo. “Pouco depois” eles o veriam. O seu mestre ressuscitaria, enchendo os seus corações de alegria, pois jamais os deixaria novamente, vivendo eternamente à direita do Pai e em seus corações. Se a alegria do mundo durou três dias, enquanto Jesus esteve no sepulcro, a alegria dos fi lhos de Deus será eterna.

Tal paradoxo entre não enxergar fi m para o medo e a tristeza, e pou-co tempo depois nem sequer lembrar mais dos momentos de angústia, Jesus ensina através do exemplo de uma mulher que está prestes a dar à luz. Antes de dar à luz, a mulher vê na sua frente apenas medo e dor. Mas, num instante, está aí a criança. E diante do belo rostinho do fi lho, a mulher já se esqueceu do medo passado. Com o fi lho nos braços, tudo se transforma em alegria. Ao aplicar essa ilustração para a vida do cristão, Lutero é cômico ao dizer que nossa vida não é um eterno olhar para o diabo com os seus chifres e cascos, mas nós poderemos novamente enxergar a Cristo, e nos alegrar nele.

Mesmo que não enxerguemos um fi m para a dor e a angústia, nem possamos mensurá-las, podemos estar certos de que Deus já determinou o momento em que elas cessarão, mesmo que o diabo tente nos convencer do contrário e nos levar ao desespero.

Entretanto, precisamos também estar cientes de que a vida do cris-tão neste mundo não é apenas paz. Onde Cristo está, a cruz também estará presente. A vida do fi lho de Deus é, neste mundo, um constante revezar entre “daqui a pouco... porém, pouco depois”. Agora podemos estar vivendo em escuridão e medo, mas daqui a pouco viveremos em paz e alegria.

O entristecer-se e chorar acompanhou a vida dos apóstolos e acom-panha a vida de todos os cristãos, os quais procuram dirigir sua vida de acordo com a vontade de Deus. Quem quer ser um bom pai de família, um bom patrão, um bom governante, vai sentir na pele o que é a maldade, a falsidade, a traição. O diabo e o mundo se encarregarão de nos mostrar diariamente o que é se entristecer e chorar.

Às vezes sentimos na pele aquele “daqui a pouco vocês não vão me ver mais”. São momentos em que Deus aparentemente se ausenta de perto de nós. E quando estamos afundados na amargura, não é tão simples aceitar que aquele “pouco depois, vão me ver novamente” possa ser verdade, e que uma hora tudo passará e estaremos juntos de Jesus.

O homem, por si só, sabe e entende o que é a dor e a desgraça, pois este é o seu estado natural. O normal para o ser humano é sentir essa dor, esse medo, essa afl ição sem perspectiva de fi m, pois ele se afastou de Deus, e tudo o que encontra longe de Deus é medo e dor. Por isso, quando o homem está afundado na desgraça, ele não vê saída para si, pois sabe que esta faz parte de sua existência; ele a merece. A razão humana não

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consegue entender que a graça de Deus virá para seus fi lhos, e que Ele nos arrancará das garras do diabo.

Deus não permite que aquilo que seria o normal para nossa existên-cia exerça poder em nossa vida por muito tempo. Em sua graça, Ele nos preserva maior parte do tempo daquilo que é o nosso estado normal, o estado de dor e desespero. Por isso, a graça não pode ser entendida, ape-nas sentida, pois ela é algo que não vem de nós, não faz parte de nosso ser, mas vem de Deus.

A esperança na qual todos os fi lhos de Deus podem viver é que toda a nossa dor e pranto são passageiros, e um dia tudo virará alegria. Não demorará muito, e veremos a Cristo. E então, quando formos levados para viver eternamente na Jerusalém celeste, o próprio Deus cuidará de nós e enxugará de nossos olhos todas as lágrimas. Lá não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois as coisas velhas já passaram (Ap 21.4). Então, sim, fi caremos cheios de alegria, e ninguém poderá tirar essa alegria de nosso coração, pois viveremos eternamente junto de Deus (Jo 16.22).

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Ninguém pode nos tirar a alegria que vem de Deus.1. É normal o ser humano buscar por uma vida de paz e alegria.

Este é o anseio da maioria das pessoas. Mas a paz que o mundo nos oferece não é genuína. A alegria deste mundo é passageira.

2. O normal na vida do homem é que este viva em dor e so-frimento. O pecado afastou toda a humanidade de Deus, e longe de Deus é apenas isso que nos aguarda: medo, dor e sofrimento.

3. Apenas o próprio Deus pode mudar essa realidade. Pelo Espírito Santo somos levados a Deus e feitos fi lhos seus. Ele mesmo nos lava e purifi ca de nossos pecados com o sangue de Cristo, transformando-nos em herdeiros da Jerusalém celeste, onde um dia viveremos em perfeita alegria e paz junto de Deus e de todos os seus fi lhos.

Ederson A. VorpagelNova Petrópolis/RS

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SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA

5 de maio de 2013

Salmo 67; Atos 16.9-15; Apocalipse 21.9-14; João 16.23-33 ou João 5.1-9

LEITURAS DO DIA

Salmo 67: Este salmo é muito utilizado em datas festivas, especial-mente em cultos nos quais se agradece por colheitas realizadas, bem como no dia de ação de graças. No entanto, convém lembrar que o salmista, antes de convidar todos os povos da terra para louvar a Deus, faz um pedido: “Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto”. Devido à graça de Deus, todos os povos têm muitos motivos para louvá-lo: é Deus quem providenciou e torna conhecida a salvação em Cristo para as nações, é Deus quem guia as nações e as jul-ga com justiça, é Deus quem providencia aos povos o frutos da terra, o alimento. Todas as nações são convidadas a louvar a Deus, reconhecendo que, somente da sua mão, provém todas as bênçãos.

Atos 16.9-15: Esta leitura contém dois fatos marcantes. 1) Paulo tem uma visão, na qual um macedônio pedia que Paulo fosse até a Macedônia para ajudar o seu povo, e Paulo se dirigiu até lá. 2) Paulo permaneceu na cidade de Filipos, onde Lídia foi convertida e acolheu a Paulo.

Convém lembrar que estes acontecimentos fazem parte da segun-da viagem missionária de Paulo. O apóstolo tinha planos de anunciar o evangelho na região frígio-gálata, mas ele diz em Atos 16.6 que o próprio Espírito Santo o impediu. Mais tarde, ele acabou tendo a visão descrita acima, que o motivou a deslocar-se até a Macedônia, situada no norte na Grécia, iniciando assim a difusão do evangelho na Europa. Desta forma, Deus segue seu plano de que “se conheça na terra o seu caminho, e, em todas as nações, a sua salvação” (Salmo 67.2).

Apocalipse 21.9-14: Estes versículos descrevem a visão que João teve da Nova Jerusalém, a esposa do cordeiro. A Nova Jerusalém é o “taber-náculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povo de Deus, e Deus mesmo estará com eles”. A Nova Jerusalém, morada de Deus com os homens, é tão gloriosa, majestosa, que é difícil a todo ser humano, devido à sua compreensão limitada, entender tal glória. Por isso a Bíblia, com o objetivo de explicar a glória real da Nova Jerusalém, utiliza muito a fi gura de pedras preciosas – algo cheio de glória na visão dos seres humanos. “O seu fulgor era semelhante a uma pedra preciosíssima, como

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pedra de jaspe cristalina”. Para esse lugar tão precioso, maravilhoso, e ao mesmo tempo real, que Deus quer conduzir o seu povo.

João 16.23-33: Após Jesus explicar aos seus discípulos qual seria a missão do Consolador, Jesus despede-se deles. Nesses versículos, Jesus também fala da sua profunda ligação com o Pai: “Vim do Pai e entrei no mundo; todavia deixo o mundo e vou para o Pai”.

Este é o tempo que a igreja vive: Cristo voltou para junto do Pai, e o Consolador está conosco, convencendo o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Enquanto os cristãos aguardam com expectativa a volta do noivo e a morada na Nova Jerusalém, os tempos não serão fáceis. Por isso, Jesus encoraja tanto seus discípulos como também a igreja cristã em sua estadia aqui na terra – tempo esse que atualmente vivemos, dizendo: “No mundo, passais por afl ições; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”.

CONTEXTO HISTÓRICO/LITÚRGICO

O período pós-páscoa é um tempo específi co para lembramos da res-surreição de Cristo e das consequências que este fato traz para a vida do cristão neste mundo, ao mesmo tempo em que o cristão já vislumbra a vida no porvir.

O texto de Apocalipse traz ao coração do cristão a glória do céu, onde Deus morará conosco em perfeita comunhão. Devido à ressurreição de Jesus na Páscoa, bem como ao texto de Apocalipse, somos levados a viver na expectativa da nova Jerusalém.

No entanto, os outros textos nos lembram que ainda estamos neste mundo. O Evangelho de João lembra as afl ições que os discípulos, os pastores e toda igreja irão enfrentar – e também lembra as palavras de ânimo e encorajamento de Jesus. O texto de Atos mostra Deus cumprindo sua missão de espalhar a boa nova da salvação pelo mundo, para que mais pessoas tenham o privilégio de desfrutar da Nova Jerusalém. E Deus cumpre sua missão de forma “estranha” aos olhos humanos: impedindo o apóstolo de evangelizar num lugar e levando-o a evangelizar em outro. Olhando para o texto de Atos, somos lembrados que é Deus quem guia e orienta a obra de sua igreja neste mundo.

Em todos os tempos, tanto no tempo que ainda está por vir, quanto nos tempos atuais, é Deus quem está no comando da história. É Ele quem providencia a salvação e o anúncio do evangelho. É Ele quem providecia o necessário para a vida das pessoas. É Deus quem cuida do ser humano. É Ele quem consola, guia e orienta.

Período pós-páscoa: tempo de anunciar a palavra de forma que o cristão aguarde com expectativa o retorno de Cristo, bem como tempo de pregar para que o cristão viva a sua fé neste mundo.

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TEXTO

O texto de João 16.23-33 contém palavras profundas de nosso Salvador Jesus Cristo, que são utilizadas quando se faz teologia sobre a oração e também sobre a Trindade (vv.23 a 28).

No entanto, ao falar estas palavras, certamente o pensamento de Jesus era outro: consolar os discípulos, que estavam entristecidos com a sua partida. Todos sabemos o que acontece a um grupo de pessoas quando lhe falta liderança: ele fracassa. Quando um bom líder de um determinado grupo, por um motivo ou outro, deixa de liderar este grupo, é altamente provável que este grupo passe por situações turbulentas. Se não surgir logo um líder que ocupe a posição de liderança necessária ao grupo, o mesmo corre o risco, inclusive, de se desfazer.

Os discípulos tinham o melhor dos líderes: Jesus. E este grupo, unido por Ele, modifi cado por Ele, estava prestes a perder o seu “líder”. Estes discípulos, que tiveram suas vidas transformadas por aquele que os cha-mou para serem pescadores de homens, estavam sentindo-se perdidos, desamparados, pois aquele que dava sentido ao seu projeto de vida iria deixá-los. Jesus, que orientava as ações dos discípulos, que era o “porto seguro” deste grupo, estava de partida. O sentimento dos discípulos era: tristeza, desamparo, dúvidas sobre o futuro – tanto com respeito a vida de cada um, quanto também em relação à existência e projetos de seu “grupo”. Enfi m, uma série de pontos de interrogação pairava sobre suas cabeças.

“Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim.” Visando consolar os discípulos afl itos, Jesus profere as palavras re-

gistradas em João 16.23-33. Esse foi o principal objetivo do Salvador – consolar, e não fazer um complexo discurso teológico. A chave para a compreensão dos versículos fi nais do texto de João 16 está no início de João 16.33: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim”. Lendo os versículos anteriores tendo em mente que Jesus os escreveu para que “tenhais paz em mim”, observa-se claramente o aspecto de consolo dos mesmos.

Estes versículos, além de consolar, também têm o objetivo de orientar os discípulos na continuação da obra de Cristo aqui na terra, por isso Ele diz: “...se pedirdes alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome”. Jesus também quer confortar os discípulos dando-lhes a certeza do amor do Pai, bem como da ligação extremamente profunda que Ele tem com o Pai, por isso Ele diz: “Porque o próprio Pai vos ama, visto que me tendes amado e tendes crido que eu vim da parte de Deus. Vim do Pai e entrei no mundo; todavia, deixo o mundo e vou para o Pai”. E, a partir desta ligação de Cristo com o Pai, também lembramos da ligação entre eles, o

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Pai e o Filho, com o Espírito Santo, que é aquele que virá para consolar os discípulos, bem como orientá-los na difusão do evangelho.

“No mundo, passais por afl ições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo.”

Ao proferir estas palavras, era como se Jesus estivesse dizendo para os seus discípulos: “agora que eu vou partir, e vocês estão se preocupando em vencer as coisas do mundo com a própria força de vocês. Escutem bem: eu já venci o mundo por vocês. Vocês vão passar por afl ições, provações, mas eu já as venci em lugar de vocês. E a fé que vocês têm em mim dá essa vitória a vocês também. Vocês não precisam fi car com tal peso nos ombros, pensando: ‘eu tenho que vencer o mundo, assim como eu venci’. Ao contrário, eu já tirei esse peso de vocês, já venci o mundo e também o príncipe do mundo por vocês, para que vocês tenham paz em mim. Vencer o mundo foi meu papel. Eu o fi z por vocês e para vocês. Quanto a vocês, que continuam no mundo, tenham paz em mim. Vocês já o venceram comigo, e não têm o papel de vencê-lo novamente. O Espírito Santo vos guiará, será o Consolador de vocês. Por isso, tenham paz em mim.”

SUGESTÕES DE USO HOMILÉTICO

a) Assunto: A vitória de Cristo sobre o mundo, sobre o príncipe do mundo e seus aliados nos traz a paz.

b) Objetivos: Mostrar aos ouvintes a verdadeira guerra travada entre Cristo e as forças do mal.

Levá-los à certeza de que Cristo já venceu esta batalha, e de que nós, por meio da fé, somos vencedores em Cristo.

Lembrar que esta vitória traz paz às nossas vidas. Já a sentimos aqui – mesmo que de forma incompleta, e a sentiremos de forma completa na eternidade.

c) Tema: A vitória de Cristo traz a paz.d) Desdobramentos:

Introdução. Possível ilustração: guerra entre países. Em uma guerra, todos saem perdendo. Mas, após um país vencer a guerra, a paz, nor-malmente, é estabelecida. Após a vitória de um país sobre o outro, vem o tempo de paz.

Sabe-se que não há comparações perfeitas. Mas pode-se estabelecer comparações entre tais guerras e a guerra travada por Cristo. Se hoje temos paz, é porque Cristo travou uma árdua batalha contra o mundo, o diabo e seus aliados. Se hoje os adversários da fé cristã estão derrotados, é porque Cristo os derrotou, e esta vitória traz paz às nossas vidas. Somos ligados a esta vitória e à paz de Cristo por meio da fé. Temos paz devido à dura batalha que Jesus Cristo enfrentou.

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Imaginem se fôssemos nós a ter de conquistar a vitória que Cristo já conquistou? Nas palavras de Lutero: “sem força para combater, teríamos perdido. Por nós batalha irá vencer quem Deus tem escolhido”. A vitória de Cristo nos traz a paz.

Desenvolvimento. Tenha paz em mim – porque eu venci o mundo por você. Muitas vezes, nós cristãos nos sentimos esgotados por nos vermos pressionados a vencermos o mundo tal como Cristo venceu. No entanto, não precisamos nos sentir assim. O nosso sentimento já pode ser de paz – pois Cristo já venceu o mundo por nós, e deu essa vitória de presente para nós.

Tenha paz em mim – pois eu estou contigo. No capítulo 16 do Evange-lho de João, Jesus nos deu a certeza que estará sempre conosco. Embora Jesus tenha voltado para o Pai (João 16.28), Ele está conosco por meio do Consolador. Sendo assim, nós somos liderados pelo Espírito Santo em nossa vida cristã. Somos conduzidos pelo Espírito Santo ao exercermos nossa vocação. Os pastores são guiados no exercício do santo ministério, todos os cristãos são guiados no exercício do sacerdócio real. Sendo assim, temos paz em Jesus, pois Deus guia seus obreiros neste mundo.

Conclusão. Tenha paz em mim – pois sou o seu Salvador. Embora ainda sintamos as afl ições e pressões deste mundo, somos consolados com a vitória de nosso Salvador em nosso lugar. Esta vitória nos faz ter e sentir a paz de Cristo frente às afl ições do mundo, e também nos faz sentir o sabor da paz eterna na Nova Jerusalém.

Fábio André NeumannNovo Cabrais/RS

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A ASCENSÃO DO SENHOR

9 de maio de 2013

Salmo 47; Atos 1.1-11; Efésios 1.15-23; Lucas 24.44-53

Vocês são testemunhas destas coisas

INTRODUÇÃO

Diferentes teorias testemunham falsamente a respeito da morte e ressurreição de Jesus. Para uns, ele desmaiou ou caiu num estado de coma temporário. Outros sugerem que os discípulos roubaram seu corpo. Outros, que tiveram alucinações. Outros ainda sugerem que os discípulos moldaram a narrativa evangélica da ressurreição segundo padrões da mitologia pagã (ler GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1996, pp. 226-229).

No entanto, diante de todos aqueles acontecimentos, como explicar o fato de que os discípulos se dispuseram a sofrer torturas e até morrer em defesa daquilo que muitos alegavam ser falso? E nós o que cremos, ensinamos e confessamos? O que testemunhamos?

LEITURAS DO DIA

Salmo 47: Hino de louvor a Deus, que é rei do mundo inteiro. Canta a ascensão do povo de Israel sobre outros povos. Destaca que Deus fez Israel governar outras nações.

Atos 1.1-11: Lucas retoma a exposição sobre a ascensão de Jesus, destacando que ele permaneceu entre seus discípulos, durante 40 dias, pro-vando sem deixar dúvida de que estava vivo e que não era um espírito.

Efésios 1.15-23: Paulo agradece a Deus por seus irmãos na fé e pede para que Deus dê a eles o seu Espírito, que os tornará sábios, a fi m de que conheçam a esperança para a qual foram chamados. Com o mesmo poder que agiu neles, ressuscitou a Cristo e o assentou ao seu lado direito para reinar sobre todos os governos celestiais, autoridades, forças e poderes.

APRESENTAÇÃO: LUCAS 24.44-53

O que procurar nesta perícope? Lutero responde, em sua “breve instru-ção sobre o que se deve procurar nos evangelhos e o que esperar deles”, que o ponto principal do evangelho é que, antes de tomarmos Cristo como exemplo, precisamos acolhê-lo e reconhecê-lo como dádiva e presente

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que nos foi dado, pessoalmente, por Deus, ou seja, que ao vê-lo ou ao ouvi-lo fazer ou sofrer alguma coisa, que não duvidemos que ele, Cristo, com esse fazer ou sofrer, seja nosso, e nisto não nos fi emos menos do que se nós mesmos tivéssemos feito, sim, como se nós fôssemos o próprio Cristo. Isso, sim, signifi ca reconhecer corretamente o evangelho, ou seja, a bondade exuberante de Deus, a qual nenhum profeta, nenhum apóstolo, nenhum anjo jamais pôde esgotar em palavras, nenhum coração jamais pôde assombrar-se e compreender o sufi ciente. Este é o grande ardor do amor de Deus para conosco. Mensagem alegre, benfazeja e confortadora (Osel, v. 8, p.173, 17ss.).

Destas coisas somos testemunhas, conforme Lucas 24.48. Testemunhas do presente, da dádiva, da promessa cumprida, da bondade de Deus em Jesus Cristo. Os discípulos foram testemunhas do que viram e ouviram. Proclamaram a morte e a ressurreição de Jesus para arrependimento e perdão de pecados.

Isso deveria ser a conclusão. No entanto, não é possível atropelar o texto e simplesmente não ver os acontecimentos. Pairava medo e dúvida no ar. Jesus tinha ressuscitado de fato? Apenas alguns o tinham visto. João acrescenta que estavam de portas trancadas, pois tinham medo dos judeus (Jo 20.19). Os discípulos não estavam preparados psicologicamente para os acontecimentos ligados à morte, à ressurreição e à ascensão. Na verdade, a reação deles indica que nem esperavam que Jesus ressuscitasse. Foram descrentes em relação aos primeiros testemunhos.

Para Lucas, são os apóstolos, os discípulos, que foram comissiona-dos por Jesus para a proclamação da mensagem do reino, isto é, são as testemunhas. Defi nidos, também em Atos, como sendo testemunhas da ressurreição de Jesus.

Qual é nossa atitude diante das alegações de que a ressurreição de Jesus não ocorreu? Paulo testifi ca que, se Jesus não ressuscitou, é vã a nossa fé.

No grego clássico, o substantivo martyria (testemunha), em seu con-teúdo léxico, pode ser defi nido como lembrança refl etiva e interrogativa, “relembrar”, isto é, “chamar para a consciência” alguma coisa que alguém experimentou que não pode ser negligenciada ou esquecida, e que agora, neste sentido, é trazida à atenção de outras pessoas, a fi m de transmitir a estas, por meio de declarações apropriadas, o conteúdo desta expe-riência: aquilo que foi experimentado fi cará sendo evidente mediante o testemunho (DITNT, 2000, p. 2503).

Em vista disso, o ensino apostólico não era e nem estava baseado numa coletânea de mitos, mas sim, na experiência, na vivência de testemunhas oculares, pois os principais eventos do ministério público de Jesus foram realizados na presença de seus discípulos e apóstolos.

ASCENSÃO DO SENHOR

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Cabe, nesse sentido, perguntar: quais são os nossos pressupostos ao lermos a Escritura Sagrada? Lendo com os olhos da fé, vemos uma bri-lhante exposição do que verdadeiramente aconteceu. Jesus vivo aparece, em carne e osso, com suas marcas, sentindo fome, pedindo algo para comer aos discípulos reunidos, para em seguida relembrar-lhes tudo o que já tinha lhes ensinado.

A aparição de Jesus causou espanto, medo e horror. Acreditaram estar vendo um espírito, uma visagem. Entretanto, ao pedir comida e comer diante deles, restabeleceu-se o sentimento de proximidade, de afetividade e estavam novamente prontos para ouvi-lo.

Então Jesus lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escri-turas. A narrativa de Lucas é breve, poucos versículos resumem a reunião, o jantar e a ascensão. Mas quanto tempo levou essa conversa? Quantos “Oh!”, “é mesmo”, “de fato”, “o Senhor nos disse isso” foram pronuncia-dos? Os olhares brilhando ao perceberem a realidade e a veracidade do ensino? E o reavivar na memória dos episódios vividos?

Vocês são testemunhas destas coisas. O próprio Jesus é testemunha destas coisas. Em Apocalipse (1.5), Jesus é apresentado como a “tes-temunha fi el e verdadeira”, que serve de arquétipo para o grupo fi el de crentes, os quais devem manter o mesmo testemunho, até mesmo ao custo do sacrifício da própria vida.

Vocês são testemunhas destas coisas. E, visto que Jesus em verdade ressuscitou e ascendeu, existe nos céus um Homem que intercede em favor daqueles que nEle creem, como seu substituto expiatório. Sua ressurreição e sua ascensão também são garantias de que Ele voltará a este mundo, e de que os que nEle confi am viverão com Ele para sempre.

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Vocês são testemunhas destas coisas.

Jeferson Andre SamuelssonSantarém/PA

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SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA

12 de maio de 2013

Salmo 133; Atos 1.12-26; Apocalipse 22.1-6 (7-11)12-20; João 17.20-26

TÍTULOS (JOÃO 17.1-26)

Revista e Atualizada: “A oração sacerdotal de Cristo/Jesus”. Revista e Corrigida: “Oração de Jesus pelos seus discípulos”. Tradução Ecu-mênica: “A oração de Jesus”. Nova Tradução na Linguagem de Hoje: “Jesus ora em favor dos seus seguidores”. Harmonia dos Evangelhos: “Jesus, o divino mediador, faz uma grande oração intercessória”. NIV: “Jesus Prays for Himself” (vv. 1-5); “Jesus Prays for His Disciples” (vv. 6-19); “Jesus Prays for All Believers” (vv.20-26).

TEXTO (JOÃO 17.20-26)

V. 20: aqueles que vierem a crer em mim (RA): Jesus tinha acabado de falar da missão e da santifi cação de seus seguidores (vv.18-19). Ele estava confi ante de que eles iriam espalhar o evangelho, e ele orou por aqueles que creriam como um resultado. Todos os futuros crentes estão incluídos nesta oração (Concordia Self-Study Bible – CPH).

V. 21: a fi m de que todos sejam um (RA): esta parte da oração enfa-tiza fortemente a unidade. A unidade entre o Pai e o Filho já está dada, não é algo a ser alcançado (cf. v.11). A unidade é para ser semelhante a do Pai e do Filho. É muito mais do que a unidade de organização, mas divisões atuais da igreja são resultado das falhas dos cristãos. A unidade dos crentes deve ter um efeito sobre as pessoas de fora, para convencê-las da missão de Cristo. A oração de Jesus é uma repreen-são às divisões infundadas e, muitas vezes, amargas entre os crentes (Concordia Self-Study Bible – CPH). Jesus se separou fi sicamente dos discípulos na morte e na ascensão (cf. v.11). O crente é santifi cado pelo batismo-morte (Rm 6.2-11) que o separa do mundo e o une a Cristo. Em conseqüência, os crentes por meio de Cristo participam na unidade do povo de Deus que é imprescindível, concedida por Deus e que refl ete a unidade da Trindade. É indestrutível, mas facilmente obscurecida (Bíblia Vida Nova).

V. 22: a glória (RA): a glória do Pai e do Filho estão intimamente co-nectadas (cf. v.1), e a morte pela qual Jesus glorifi caria a Deus conduziria os crentes à vida eterna (v.2). Os crentes devem ser caracterizados pela

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humildade e serviço, assim como Cristo foi, e é sobre eles que a glória de Deus repousa (Concordia Self-Study Bible – CPH).

V. 22: que sejam um, como nós o somos (RA): mais uma vez o Senhor enfatizou a importância da unidade entre os seus seguidores, e nova-mente o padrão é a unidade do Pai e do Filho. Cf. Jo 10.30: um: O grego é neutro – “uma coisa”, não “uma pessoa”. Os dois são um em essência ou natureza, mas eles não são pessoas idênticas. Esta grande verdade é o que garante as declarações de Jesus: Eu sou (Jo 6.35; 8.24, 28, 58) (Concordia Self-Study Bible – CPH).

V. 23: eu neles, e tu em mim (RA): há duas moradas/habitações: a do Filho nos crentes, e do Pai no Filho. É porque o último é uma realidade que o primeiro pode tomar lugar (Concordia Self-Study Bible – CPH).

V. 23: completamente unidos (NTLH): mais uma vez a ênfase sobre a unidade tem um objetivo evangelístico. Desta vez, está ligado não só com a missão de Jesus, mas também com o amor de Deus pelas pessoas e por Cristo (Concordia Self-Study Bible – CPH). O amor entre os crentes refl ete a união perfeita entre o Filho e o Pai e assinala a obra salvadora sobrenatural de Deus (Bíblia Vida Nova).

V. 24: quero (NTLH): a última vontade e testamento de Jesus para seus seguidores. Onde ele mesmo estava preocupado, ele orou: não seja o que eu quero, e sim o que tu queres (Mc 14.36 – RA) (Concordia Self-Study Bible – CPH).

V. 24: estejam também comigo (RA): a maior bênção do cristão (Con-cordia Self-Study Bible – CPH).

V. 24: a minha glória (RA): talvez usado aqui para se referir ao es-plendor eterno de Jesus (cf. 1 Jo 3.2). Ou a oração de Jesus pode ter sido a de que na vida futura eles poderão apreciar plenamente a glória do seu humilde serviço (cf. Ef 2.7) (Concordia Self-Study Bible – CPH).

V. 25: não te conheceu (RA): eles não conheceram a Deus, direta e pessoalmente, mas sabiam que Deus tinha enviado Cristo. Reconhecer a Deus na missão de Cristo é um grande avanço sobre tudo que o mundo pode saber (Concordia Self-Study Bible – CPH). Conforme João 17.3, co-nhecer indica aqui não só o aspecto abstrato ou intelectual, mas também a aceitação, a fé, o amor e a obediência ao Deus verdadeiro e ao seu Filho Jesus Cristo (cf. Jo 14.7, 9; 16.3; 17.25; 1 Jo 2.3-6, 13-14; 3.1,6; 4.7-8; 5.20) (Bíblia de Estudo Almeida).

Vv. 25-26: Pai justo: os atributos divinos de justiça e santidade se-param o mundo de Deus (Hb 7.26). Conhecer a Deus pela experiência da fé real em Cristo traz junto o privilégio de clamar o nome divino, “Pai” (Bíblia Vida Nova).

V. 26: cf. Mateus 11.27; João 1.18; 14.9 (Bíblia de Estudo Almeida).V. 26: nome (RA): o nome equivale à própria pessoa (Bíblia de Estudo

Almeida).

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DOUTRINA RELACIONADA (JOÃO 17.20-26)

João 17.17, que faz parte do contexto de João 17.20-26, é citado no Catecismo Menor, dentro da questão sobre a Primeira Petição do Pai Nosso: “De que maneira é santifi cado o nome de Deus? O nome de Deus é santifi cado quando a palavra de Deus é ensinada clara e puramente e quando nós, como fi lhos de Deus, vivemos uma vida santa em conformi-dade com esta palavra”. Na mesma petição, o Catecismo Menor também apresenta a seguinte questão: “Em que sentido a doutrina pura e a vida santa santifi cam entre nós o nome de Deus? Visto ser o nome de Deus santo por si mesmo, não o podemos nós tornar santo; mediante doutrina pura e vida santa, porém, o santifi camos entre nós e entre os outros e glorifi camos desta maneira o seu nome sobre a terra.” Relacionando este conteúdo com texto de João 17.20-26, podemos destacar que o melhor que temos a fazer para a unidade dos cristãos é pregar a doutrina pura, de maneira que o nome de Deus seja glorifi cado e santifi cado entre nós e os outros.

COMENTÁRIOS E REFLEXÕES

Contexto: Desde quando Jesus lava os pés dos discípulos, em João 13, até a oração sacerdotal, em João 17, Jesus passa o tempo todo com os discípulos. É quinta-feira à noite. Depois de ter se escondido do povo durante três dias (Jo 12.1,12,36), Jesus está em Jerusalém jantando com os discípulos. O Evangelho de João não nos traz a instituição da Ceia, como fazem os outros evangelhos, mas conta que Jesus lavou os pés dos discípulos. Depois, vêm os últimos ensinamentos de Jesus (Jo 14-16) e a sua última oração (Jo 17) (Bíblia de Estudo NTLH – Jo 13.1-38). Nesta oração, que alguns chamam de “A Oração Sacerdotal de Jesus”, Jesus fala primeiro sobre a sua missão na terra, que, agora, está terminando (vv.1-5). Depois, Jesus ora a favor dos seus discípulos, pedindo que Deus os guarde e que eles sejam completamente dedicados a Deus (vv.6-19). Por fi m, Jesus ora em favor daqueles que, no futuro, serão seus seguidores; ele pede a Deus que todos eles sejam um em união com ele e com o Pai, a fi m de que o mundo creia que ele, Jesus, foi enviado por Deus (vv.20-26) (Bíblia de Estudo NTLH – Jo 17.1-26). Após esta oração, Jesus sai com os discípulos para o outro lado do ribeiro Cedrom, onde havia um jardim, e Jesus entrou no jardim com eles (Jo 18.1).

“A oração sacerdotal de Jesus”: O que é um sacerdote? AT: o sacer-dote era mediador entre Deus e o povo, oferecendo sacrifícios e orando em seu favor (Êx 28-29; Lv 21; 1 Cr 24). (Bíblia Online – Dicionário). O sacerdote era o encarregado do culto divino, sobretudo do oferecimento

SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA

IGREJA LUTERANA

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dos sacrifícios. NT: Cristo, como mediador, é o único e supremo sacerdote e ofereceu o sacrifício único e perfeito. Todos os crentes são “sacerdotes para Deus” (Ap 1.6) e constituem um “sacerdócio real” (1 Pe 2.9). Por ser sacerdote, o crente há de oferecer a si mesmo em sacrifício, como “sacrifício vivo” (Rm 12.1) (Bíblia de Estudo Almeida – Dicionário, pp.80-81).

Por quem Jesus ora? A oração é sacerdotal porque Cristo intercede por si e pelos discípulos. Três partes: a) Jesus ora por si mesmo (vv.1-5); b) pede pelos discípulos (vv.6-19); c) suplica pelos futuros cristãos (vv.20-26) (Bíblia Vida Nova – Jo 17.1).

HINÁRIO LUTERANO

Hinos do Hinário Luterano que citam o texto de João 17: hino 299 (v. 11 – Povo de Deus); 389 (vv. 11,14,16 – Santifi cação / Amor e Obedi-ência); 298 (vv. 17-19 – Povo de Deus); 5 (v. 24 – Advento); 114 (v. 24 – Páscoa); 553 (v. 24 – Canções de Natal).

SUGESTÃO HOMILÉTICA

Tema: Deus nos une em Cristo Jesus (v.23). a) Por intermédio da palavra (v.20). b) A fi m de que todos sejam um (v.21-22).

Conclusão: A justiça de Deus é especial: o ser humano causou a desu-nião por causa do pecado, mas Deus nos une pelo seu amor (vv.24-26).

REFERÊNCIAS

Bíblia Online – SBB

Bíblia de Estudo Almeida – SBB

Bíblia de Estudo NTLH – SBB

Bíblia Vida Nova – Vida Nova e SBB

Harmonia dos Evangelhos – Casa Publicadora Batista

Concordia Self-Study Bible – CPH

Catecismo Menor do Doutor Martinho Lutero – Concórdia Editora.

Ezequiel BlumBalneário Camboriú/SC

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DOMINGO DE PENTECOSTES

19 de maio de 2013

Salmo 143; Gênesis 11.1-9 [ou Joel 2.28-32]; Atos 2.1-21;João 14.23-31

TEXTOS

Salmo 143: O Salmo 143 é o último dos sete Salmos de arrependi-mento. Ele é uma súplica individual onde o salmista, ao ver-se em uma situação desesperadora onde não tem mais forças para sozinho continuar, busca auxílio, forças e refúgio em Deus. Essa bela oração do salmista coloca diante dos seus ouvintes (leitores) a realidade da bondade e da fi delidade de Deus que garantem que Ele manterá a sua aliança que fez com o seu povo e não os abandonará: “Ó Senhor Deus, ouve a minha oração! Escuta o meu pedido. Responde-me, pois és fi el e bom”. É diante dessa bondade de Deus – que na tradução original pode também ser tra-duzida por justiça – que se pode perceber e confi ar que Deus está sempre pronto para salvar seu povo, a livrá-lo das suas difi culdades e fazer com que se relacione corretamente com Ele. É na certeza dessa bondade que o salmista busca a misericórdia de Deus.

Gênesis 11.1-9: A história da torre de Babel coloca diante de nós novamente a realidade do pecado humano e suas consequências. De um lado as intenções humanas: construir uma torre que chegue até o céu; tornar célebre (famoso) o nome; não serem espalhados pela terra (v.4). Todos esses anseios na verdade revelam a verdadeira motivação no coração humano: ser igual a Deus; romper os laços com o Criador; ser independente e, em última análise, destronar a Deus. Há nessa motivação e ação na construção da torre um retorno a Gênesis 3, com o pecado se revelando novamente no coração e no desejo do ser humano assim como foi no coração de Adão e Eva. Assim como em Gênesis 3, o pecado traz consequências para o ser humano. O pecado traz para a vida humana a realidade do juízo de Deus; confusão de línguas (v.7); dispersão pelo mundo (v.8); fi m da construção (v.8). Esse é o resultado da desobediência e da rebelião contra Deus. Deus precisa intervir na história humana, em suas intenções egoístas, para poder proteger o ser humano dos resultados de suas próprias más intenções.

Atos 2.1-21: O evento do Pentecostes é o cumprimento da promessa de Jesus em enviar o “Consolador” (Lc 24.49; Jo 14.15-31), promessa essa que já se havia anunciado por meio de João Batista (Lc 3.16). A festa

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de Pentecostes, comemorada cinquenta dias após a Páscoa, era quando os judeus comemoravam a colheita do trigo. Era uma das três grandes festas do judaísmo (Páscoa, Tabernáculos e Pentecostes). Nesta festa era lembrada a antiga aliança que Deus havia feito com o povo e manifestada pela entrega da Lei. No novo Pentecostes, Deus entrega o seu Espírito Santo, realizando a nova aliança com toda a humanidade (nações). Essa nova aliança se manifesta no entendimento, compreensão e testemunho da salvação que Deus preparou para o mundo através de Jesus Cristo (Jo 14.26; 16.12-15). A mensagem central dessa salvação é Jesus Cristo e sua morte e ressurreição. Esse é o testemunho dos “grandes feitos de Deus” (At 2.11) que deixam todas as pessoas maravilhadas e perplexas: “E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do SENHOR será sal-vo” (At 2.21).

O CONTEXTO DE JOÃO 14.23-31

Jesus está jantando com seus discípulos. É quinta-feira à noite e Je-sus já está preparando seus discípulos para a sua partida. Pela frente, o caminho da cruz. Antes, porém, as últimas palavras, os últimos ensi-namentos, as últimas promessas. Jesus, em um ato de humildade, lava os pés de seus discípulos ensinando-lhes uma lição muito valiosa, o seu servir humilde a toda humanidade: “se eu não lavar os seus pés, você não será mais meu discípulo” (Jo 13.8). Em meio à ceia, o traidor é indicado, um novo mandamento é ensinado. Tudo isso visava preparar os discípu-los para os próximos acontecimentos. Todo esse clima causa no coração dos discípulos um sentimento de afl ição e medo. Se Jesus vai partir, vai embora, o que será deles? Toda a sua confi ança, expectativa e esperança estavam em Jesus e em suas promessas. A realidade da morte de Jesus estava em dissonância com as suas expectativas. Se Jesus fosse embora, então tudo havia sido em vão e eles encontravam-se agora perdidos e desorientados. Quem iria defendê-los de seus inimigos? Quem cuidaria deles como Jesus cuidara até agora?

Jesus percebe os sentimentos presentes no coração dos discípulos, suas afl ições e seus anseios, por isso vai ao encontro desses homens para poder ajudá-los a compreender a necessidade de sua partida. Em primeiro lugar, Jesus vai para o Pai para preparar uma morada, um lugar para eles junto do Pai. Para isso é necessário primeiro cumprir a vontade do Pai, e essa vontade passa pela cruz. É na cruz que o caminho para o Pai é aberto a todos que em fé estão unidos com Jesus. Não existe outra maneira de se chegar ao Pai a não ser por Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém pode chegar ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Em segundo lugar, a partida de Jesus possibilita o envio do Espírito Santo, o Consolador.

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DOMINGO DE PENTECOSTES

O “trabalho” do Espírito Santo consiste em; 1. Abrir o entendimento dos seguidores de Jesus para a compreensão e testemunho da obra de Jesus. Somente por meio do “Consolador” os discípulos poderão compreender os ensinamentos de Jesus, viver em fé esses ensinamentos e testemunhar a respeito deles; 2. Defender. Ele é o “advogado”, aquele que defende os discípulos, a sua fé e testemunho e possibilita que os discípulos recebam a paz que Jesus está oferecendo.

ANÁLISE DO TEXTO

Vv. 23,24: “Se alguém me ama guarda as minhas palavras; e o meu Pai o amará... e faremos morada nele “x” Quem não me ama não guarda as minhas palavras”. Para que possamos entender essas afi rmações de Jesus, precisamos lê-las em conjunto com o v.22, onde Judas, não o Iscariotes, faz uma pergunta a Jesus: “Senhor, como será possível que o Senhor mostre somente a nós e não ao mundo quem o Senhor é?”. Jesus havia acabado de falar a respeito do envio do Espírito Santo, do Consolador. O Espírito Santo fi cará no lugar de Jesus como guia e mestre dos discípulos. Vai ensinar (v.26), falar a respeito de Jesus (Jo 15.26) e trazer julgamento sobre o mundo que não crê em Jesus (Jo 16.7,8). A pergunta de Judas, no entanto, visa entender como esse Consolador vai revelar-se e cumprir a sua missão no mundo. A resposta de Jesus é direta: por meio da minha Palavra. É por meio dela que aqueles que por fé a guardam no coração conhecerão o amor do Pai e tornar-se-ão moradas de Deus – Pai, Filho e Espírito Santo. Jesus abre aos olhos dos discípulos uma realidade “já e ainda não”. O que se espera para depois, no céu, já é realidade aqui e agora. O contraste marcado pelo que “ama e guarda as palavras x aqueles que não amam e não guardam as palavras” é vivido já aqui nesse mundo. Aos que não “guardarem” (não aceitarem, não ouvirem ou rejeitarem a palavra) não lhes será mostrado (revelado) Jesus como Salvador e, con-sequentemente, não estarão unidos com Deus. Em última análise, não experimentam a realidade do céu já aqui neste mundo.

Vv. 25,26: “Isto vos tenho dito, estando ainda convosco; mas o Con-solador... esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo”. Os ensinamentos de Jesus aos discípulos ainda parecem confusos aos ouvidos desses homens. O seu entendimento, no entanto, será aberto e eles poderão compreender todos esses ensinamentos quando o Consolador for enviado. Para que isso ocorra é necessário primeiro que Jesus parta. A obra do Espírito não é trazer um ensino novo, mas tornar claro todo o ensino e obra de Jesus.

Vv. 27-29: “Deixo-vos a minha paz”. Essa expressão usada por Jesus “deixo-vos a minha paz” pode ser compreendida como uma despedida de

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Jesus aos seus discípulos. Jesus se despede não apenas com um desejo de paz, mas efetivamente dando a paz. No entanto, podemos perceber que o ensino de Jesus ultrapassa a cruz (morte, partida); ela encontra-se com o futuro iminente, ou seja, a ressurreição: “vou e volto para junto de vós”. Poderíamos dizer que a despedida de Jesus é “um até breve”. Tudo é ensinado aos discípulos com antecedência para que eles não fi quem perplexos, nem confusos quando tudo acontecer, mas creiam. Esse crer, no entanto, está condicionado ao envio do Consolador no Pentecostes quando, de fato, o entendimento será aberto e tudo que viram e ouviram fará sentido e eles virão a crer.

Vv. 30,31: “Aí vem o príncipe do mundo”. A hora de Jesus está che-gando e a realidade da cruz está cada vez mais próxima. Na cruz o plano da salvação de Deus se tornará concreto e o diabo, o pecado e o mundo serão vencidos: “Chegou a hora de este mundo ser julgado, e aquele que manda nele será expulso” (Jo 12.31). Na cruz, o juízo de Deus se tornará evidente. É na cruz também que Deus estará reconciliando (fazendo as pazes) com o mundo (2 Co 5.18). Juízo e salvação; perdão e condenação. Essas são as realidades contraditórias encontradas na cruz. Para aqueles que amam e guardam as palavras de Jesus, a cruz signifi ca perdão, vida e salvação; para aqueles que não amam e não guardam as palavras de Jesus, a cruz signifi ca juízo, morte e condenação.

AUXÍLIO HOMILÉTICO

O Pentecostes é uma das grandes festas da Igreja Cristã. Ele é a celebração do fi m da confusão entre o ser humano e Deus por meio da comunicação estabelecida entre ambos por meio do Espírito Santo. No Pentecostes, a nova aliança entre Deus e o mundo é estabelecida e pode-mos ver, ouvir, viver e testemunhar os “grandes feitos de Deus” em nosso favor. Feitos esses que estão presentes na vida e obra de Jesus, em sua morte e ressurreição.

O texto do evangelho de João 14.23-32 nos transporta para essa rea-lidade da promessa do envio do Espírito Santo feita pelo próprio Salvador Jesus: “...mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). Nós, como Igreja de Cristo, vivemos hoje a realização completa dessa promessa. O ensinamento do Espírito Santo se torna concreto em nosso meio cada vez que nos reunimos como Igreja de Cristo em torno de sua Palavra e dos sacramentos (Batismo e Santa Ceia). É por meio do Pentecostes que Natal e Páscoa também tomam sentido para nossa realidade. Nós os recebemos como dádivas do Espírito Santo, que nos dá a compreensão do evangelho e gera em nós a fé que

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DOMINGO DE PENTECOSTES

se apropria dos benefícios da obra redentora de Cristo – manjedoura, cruz, túmulo vazio. Por isso, ao celebrarmos o Pentecostes, estamos nos lembrando da fi delidade de Deus que cumpriu as suas promessas e nos abriu as portas do reino dos céus. Assim, o tempo de Pentecostes é o tempo de sermos consolados.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema: Pentecostes – tempo de sermos consolados pelo Espírito Santo!1º Porque ele nos defende2º Nos abre o entendimento3º Nos leva até o Pai.

Elton AmericoCoxim/MS

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EU ENVIAREI O PARACLETO, O ESPÍRITO DA VERDADE

João 15.26-27; 16.4-15

O termo Paracleto aparece apenas em João (na 1 Jo 2.1 refere-se ao próprio Jesus) e de mãos dadas com o Espírito Santo.

Paracleto, segundo alguns autores, pode ter duas procedências. Pode derivar do verbo parakaleô, que signifi ca “chamar para” o lado de alguém, isto é, alguém que esteja ao lado do inocente para provar a sua inocência. Neste sentido, é o “advogado” ou “defensor” do inocente. Mas pode derivar de paraklèsis, que signifi ca “exortação” e “encorajamento” (a palavra grega paraklesis signifi ca “chamado ao lado”, “consolar”, “advogar”, “animar”, “confortar”, “incentivar”). Neste sentido, é o “consolador”. O signifi cado próprio depende do contexto e não apenas da etimologia.

O Paracleto aparece apenas nos discursos de adeus e por seis vezes. No primeiro texto, em 14.16-17, Jesus diz: “Eu apelarei ao Pai e ele

vos dará outro Paracleto para que esteja sempre convosco, o Espírito da Verdade”. Neste texto, o Paracleto será dado pelo Pai, mas a pedido de Jesus. Se Jesus diz “outro Paracleto” signifi ca que o primeiro Paracleto é o próprio Jesus. E trata-se de “outro” porque Jesus vai deixar os seus discípulos, mas não quer que fi quem tristes ou desprotegidos. Logo, o signifi cado de Paracleto é o de consolação (Consolador). Este Paracleto estará “sempre com eles” e chama-se também o Espírito da Verdade. Os discípulos devem saber que possuem a “verdade” que Jesus lhes pregou e que vai ser testemunhada pelo Espírito. É uma verdade que o mundo da não-fé não pode receber, mas que o mundo da fé dos discípulos bem conhece porque Jesus a revelou. Assim sendo, o Paracleto/Verdade “per-manece neles e está neles”. Este Paracleto/Verdade continua as funções do Jesus que ensina, exorta e conforta os seus discípulos.

No segundo texto, em 14. 25-26, Jesus diz: “Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; mas o Paracleto, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há de recordar-vos tudo o que eu vos disse”. Uma vez mais, o Paracleto vai substituir a pessoa de Jesus, mas agora como revelador. O fato de ser “revelador” afasta-se da etimologia acima referenciada. Também se chama Espírito Santo, e também é enviado pelo Pai em nome de Jesus. Como revelador, ensinará tudo, ou seja, “recordará tudo o que Jesus disse” aos discípulos. Os verbos “revelar”, “ensinar” e “recordar”, neste contexto, são sinônimos.

DEVOCIONAL

IGREJA LUTERANA

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No terceiro texto, em 15.26, o conteúdo e a relação entre o Paracle-to, Jesus e o Pai já são um pouco diferentes dos dois textos anteriores: “Quando vier o Paracleto, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, e que eu vos hei de enviar da parte do Pai, ele dará testemunho a meu favor”. Como em 14.15, o Paracleto é apelidado “Espírito da Verdade”, mas a sua procedência emana diretamente do Pai, embora logo a seguir se afi rme que é Jesus quem o “envia da parte do Pai” para “dar testemu-nho a seu favor”. O interesse da afi rmação reside no “testemunho” do Paracleto a favor de Jesus. Desta forma, o Paracleto nem é o “advogado”, o “consolador” ou o “revelador”, mas o “companheiro” eterno de Jesus, que o conhece, de modo a poder testemunhar sobre a verdade do mesmo Jesus. E é importante a afi rmação que se segue sobre o testemunho dos discípulos no v. 27: “Por isso (kai de origem e de fi nalidade), também haveis de dar testemunho, porque estais comigo desde o princípio”. Jesus envia aos discípulos o Paracleto que procede do Pai para que eles deem testemunho. O testemunho do Paracleto é o mesmo que o dos discípulos e vice-versa, se bem que a origem de tal testemunho não é humana, mas “divina”.

O quarto texto, em 16.7, apresenta uma afi rmação muito concreta e concisa: “é melhor para vós que eu vá, pois, se eu não for, o Paracleto não virá a vós; mas, se eu for, eu vo-lo enviarei”. Nada se diz da procedência do Paracleto, mas tão somente do seu envio aos discípulos da parte de Jesus com a missão de “dar ao mundo provas irrefutáveis de uma culpa, de uma inocência e de um julgamento” (v. 8).

O quinto texto, em 16.12-15, é o mais extenso e tem a ver com o Pa-racleto como “revelador” da verdade completa da pessoa de Jesus: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreen-der por agora. Quando ele vier, o Espírito da Verdade, há de guiar-vos para a verdade completa”. O texto não refere o nome do Paracleto, mas apenas o do Espírito da Verdade. Também não refere a sua procedência, nem em relação ao Pai nem a Jesus, mas o que se afi rma nos vv.l3b-15 é extremamente revelador: v. 13b: “Ele não falará por si próprio, mas há de dar-vos a conhecer quanto ouvir e anunciar-vos o que há de vir. V. 14: Ele há de manifestar a minha glória, porque receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer. V. 15: Tudo o que o Pai tem é meu; por isso é que eu disse: ‘Receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer’.” Afi rmar que o Espírito da Verdade depende em tudo de Jesus (“Ele não falará de si próprio “...”Ele há de manifestar a minha glória, porque receberá do que é meu”) é normal em relação às afi rmações anteriores, mas já não é tão normal a afi rmação inaudita sobre o Pai: “tudo o que o Pai tem é meu”, embora tal afi rmação tenha em vista corroborar a revelação do Espírito Santo relacionada com a pessoa de Jesus: “por isso é que eu disse: ‘Rece-

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EU ENVIAREI O PARACLETO, O ESPÍRITO DA VERDADE

berá do que é meu e vo-lo dará a conhecer”. A fonte de toda a revelação do Espírito da Verdade, neste texto, dimana de Jesus.

O papel de “revelador” do Espírito de Verdade neste texto também apresenta o subtema do “profeta”: “Ele não falará por si próprio, mas há de dar-vos a conhecer quanto ouvir e anunciar-vos o que há de vir”. Este último aspecto é importante porque a ação do Espírito da Verdade deixa de se centrar no mistério da pessoa de Jesus para passar ao mistério da própria história e Igreja (comunidade dos crentes) na sua dimensão pro-fética: “anunciar-vos o que há de vir”.

Os exegetas sempre se têm interrogado sobre a origem deste Paracleto. Tendo em vista o contexto, é fácil percebermos porque é que João cria o designativo “divino” “Paracleto”. Uma vez que Jesus anuncia aos discípulos que os vai deixar, e não quer que fi quem tristes, promete-lhes um “outro Paracleto” (14.16: “E eu apelarei ao Pai e ele vos dará outro Paracleto para que esteja sempre convosco”). Assim sendo, o Paracleto é o “alter-ego” do mesmo Jesus, ressuscitado e exaltado, ou, por outras palavras, a nova presença do Jesus ressuscitado. E também este o sentido da 1 João 2.1, e, indiretamente, de Romanos 8.33-34 (“Quem irá acusar os eleitos de Deus? Deus é quem nos justifi ca! Quem irá condená-los? Jesus Cristo, aquele que morreu, mais, que ressuscitou, que está à direita de Deus e que intercede (verbo entugchanô) por nós; cf. Hebreus 7.25 e 9.24). Este tema vai depois recebendo novos desenvolvimentos “teológicos” consoante os diversos textos: Jesus, como Paracleto ressuscitado, é o emissário do Pai e pede ao Pai que envie um seu substituto (14.26) que continue a sua ação no grupo dos crentes. Como Paracleto e Espírito Verdadeiro é, ao mesmo tempo, o Intercessor, o Auxiliador e o Revelador.

O ministério do Paracleto, por sua própria natureza, é um ministério pessoal e relacional, pois Ele fala (At 1.16; 8.29; 10.19; 11.12; 13.2; 28.25), ensina (Jo 14.26), testemunha (Jo 15.26), busca (1 Co 2.10,11), determina (1 Co 12.11), intercede (Rm 8.26,27), é alvo de mentira (At 5.3) e pode ser afl igido (Ef 4.30). Somente de um ser pessoal podem ser ditas tais coisas. Portanto, o Espírito Santo é Ele e por isso deve ser obedecido, amado e adorado, juntamente com o Pai e o Filho.

Testemunhar de Jesus Cristo, glorifi cá-lo, mostrando a seus discípulos quem e o que Ele é (Jo 16.7-15), e fazê-los cônscios do que são nEle (Rm 8.15-17;Gl 4.6) é o ministério central do Paracleto. O Espírito Santo nos ilumina (Ef 1.17,18), regenera (Jô 3.5-8), guia-nos à santidade (Rm 8.14; Gl 5.16-18), transforma-nos (2 Co 3.18; Gl 5.22,23), dá-nos certeza (Rm 8.16) e nos concede dons para o ministério (1 Co 12.4-11). Todo trabalho de Deus em nós, tocando o nosso coração, caráter e nossa conduta, é feito pelo Espírito Santo, embora aspectos deste trabalho às vezes sejam atribuídos ao Pai e ao Filho, de quem o Espírito é o executivo.

IGREJA LUTERANA

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Portanto, todas as aptidões que surgem na vida de um cristão devem ser vistas como a seiva emanada do Paracleto, o Espírito Santo de Deus, que nos une vitalmente ao Cristo ressurreto!

Que Ele nos ensine e nos busque constantemente, que nos regenere e conforte na certeza do perdão em Cristo, que transforme a nossa vida e o nosso coração. Que, da forma que por ele somos confortados e ani-mados, possamos também confortar e animar uns aos outros. Por Cristo. Amém.

Paulo Gerhard Pietzsch ([email protected]).Culto Eucarístico na Semana de Pentecostes, em 30/05/2012, na

Capela do Seminário Concórdia de São Leopoldo/RS

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