Revista Refletindo o Direito

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    Refletindo o DireitoREVISTA ELETRNICA DA

    FACULDADE DE CINCIAS JURDICAS DO CESMAC

    V . 1 n . 1 J a n /J u n 2 0 1 1

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    Refletindo o

    DireitoREVISTA ELETRNICA DAFACULDADE DE CINCIAS JURDICAS DO

    CESMAC

    Refletindo o

    Direito

    Macei v.1 n.1 250 p. Jan.-jun.

    2011

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    CENTRO UNIVERSITRIO CESMACExpediente

    Reitor Dr. Joo Rodrigues Sampaio FilhoVice-Reitor Prof. Dr. Douglas Apratto TenrioAssessores Pedaggicos Paulo Jos Santos Lima

    Tereza de Jesus Santos

    FACULDADE DE CINCIAS JURDICAS FADIMA

    Diretor Geral Dr. Paschoal Savastano JuniorCoordenador Geral Prof. Afrnio Roberto P. QueirozCoordenador Acadmico Prof. Ms. Fernando Srgio. T. Amorim

    NCLEO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSO NEPE

    Coordenadora Profa. Ms. Snia Maria A. SoaresProfessores Prof. Ms. Antnio Castro do Amaral

    Prof. Esp. Isabel Loureiro de Albuquerque

    Prof. Esp. Josimea de Barros Pino SouzaCorpo Administrativo Caroline Machado Tavares Mendes de Tarso

    Henrique Jos Damasceno RebeloLaryssa Mello Loureiro Lima

    COMISSO EDITORIAL DO CESMAC CONSELHO EDITORIAL CIENTFICO DA FADIMA

    Prof. Dr. Douglas Apratto Tenrio Profa. Dra. Andra PacficoProfa. Dra. Vera Lcia Romariz Prof. Dr. Francisco Wildo DantasProfa. Dra. Edilma Acioli Bomfim Prof. Dr. Adrualdo CatoProfa. Dra. Enaura Quixabeira Rosa E Silva Profa. Ms. Ana Florinda M. da Silva DantasProf. DrLircio Pinheiro de Arajo Prof.Ms. Antnio Castro do AmaralProf. Dr. Bruno Csar de Vasconcelos Gurgel Profa. Ms. Ana Rosa AmorimProfa. Ms. Snia Maria Albuquerque Soares Prof. Ms. Fernando Tenrio Amorim

    Prof. Ms. Cludio Jorge Gomes de Morais Profa.Ms. Mariclia SchlemperProf. Esp. Roberto Costa Farias Prof. Ms. Srgio Coutinho dos SantosProf. Esp. Zoroastro Pereira Neto Profa. Ms. Snia Maria Albuquerque SoaresAna Neri B. Lemos (Bibliotecria/Cesmac) Prof. Ms. Thiago Rodrigues de P. BomfimJorge Souto Moraes (Jornalista/Cesmac)

    ORGANIZAO DA REVISTAAntonio Castro do Amaral

    Snia Maria Albuquerque Soares

    DIAGRAMAOSnia Maria Albuquerque Soares

    CAPAHenrique Jos Damasceno Rebelo

    CTISetor de Desenvolvimento

    CENTRO UNIVERSITRIO CESMACFaculdade de Cincias Jurdicas

    Ncleo de Ensino, Pesquisa e ExtensoRua ris Alagoense, 437 Farol - Macei/AL

    CEP 57051-370 Tel: [email protected]

    Os contedos apresentados nos trabalhos so de inteira responsabilidade dos autores.

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    APRESENTAO

    A Fadima traz a lume o primeiro nmeroda Refletindo o Direito: Revista

    Eletrnica da Faculdade de CinciasJurdicas do Cesmac.

    Com essa iniciativa, a Faculdade deDireito do CESMAC ingressadefinitivamente na era eletrnica, usandoa tecnologia para divulgar e incentivar aproduo intelectual de textos cientficossobre temas relacionados ao Direito,agenciando o estudo e o amadurecimentodas discusses referentes a questes dasdiversas reas das Cincias Jurdicas.

    Mais do que uma revista, a Refletindo oDireito uma concepo de peridicovoltado para a publicao eletrnica detextos de alunos e professores da Fadima,comprovando a produtividade e acompetncia de nosso corpo docente ediscente, com trabalhos que mostram ariqueza de linhas de pesquisasdesenvolvidas nesta Instituio de EnsinoSuperior.

    assim que o presente nmero da revista

    apresenta, como prope o prprio nome Refletindo o Direito , um conjunto dediferentes abordagens e experinciasefetivamente implantadas sobre questesrelacionadas s reas das CinciasJurdicas.

    a materializao de um sonhoacalentado com muito carinho, graas aoempenho e dedicao da professoraSnia Albuquerque, diligenteCoordenadora do Ncleo de Ensino,

    Pesquisa e Extenso da nossa faculdade. de ressaltar o trabalho conjunto detodos colaboradores, autores,organizadores, revisores e diagramadoresdesta primeira edio que, com muitagarra e determinao, contriburam deforma determinada para o sucesso que,com certeza, a revista alcanar.

    Assim, os nossos reconhecimentos e umapalavra de estmulo para que a revistatenha vida longa e produtiva.

    Afrnio Roberto Queiroz

    EDITORIAL

    com orgulho e prazer que damos incioa mais uma jornada cultural em termos depesquisa no meio jurdico em nossoCentro Universitrio e, desta vez, comuma grande inovao: o lanamento daRevista EletrnicaRefletindo o Direito.Nestes novos tempos do domnio dainformtica, tomados pelos necessrioscaminhos virtuais, nada mais apropriadodo que esta nova iniciativa no meioeletrnico um veculo para discussesacadmico-jurdicas visando ao contnuoaprimoramento, exigncia da sociedade

    hodierna.Pensar o Direito, razo que motivou aescolha do nome da Revista Refletindoo Direito, a proposta de nosso maisnovo peridico, claro, sem perder de vistao rigor metodolgico, a atualidadetemtica e a inteno de ampliar oshorizontes das Cincias Jurdicas. Nessecaminho, muito h para se construir e osincero desejo da equipe responsvel porsua edio o de tornar a revista umareferncia para temticas jurdicas emtermos de qualidade e excelncia. Paratanto, a participao do seleto grupo deprofessores que fazem a Faculdade deCincias Jurdicas deste CentroUniversitrio no apenas necessria,mas imprescindvel.

    Nesse mesmo vis, tambm queremoscontar com a criatividade e a originalidadedas propostas discentes, em termos deproduo acadmica, creditadas comomais do que relevantes para discusses

    argutas de temas que envolvem asociedade sob o prisma das CinciasJurdicas. A Refletindo o Direito, dentrodas novas vias das publicaescientficas, pretende ser um novo canal dedivulgao da pesquisa e aprimoramentodo conhecimento jurdico em suasmltiplas formas, contribuindo, de maneiradecisiva, para a amplitude das CinciasJurdicas e suas relaes com asociedade do sculo ciberntico.

    Antnio Castro do AmaralSnia Maria Albuquerque Soares

    Editores da revista

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    SUMRIO

    A MEDIAO COMO INSTRUMENTO DE GESTO DE CONFLITOS NO MBITO

    DO PODER JUDICIRIO..............................................................................................Ana Florinda Mendona da Silva Dantas 5

    OS TESTES DE VERIFICAO DE ALFABETIZAO DO TRIBUNAL REGIONALELEITORAL DE ALAGOAS E SUAS IMPLICAES NODEFERIMENTO OUINDEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURADOS POSTULANTES ACARGOS ELETIVOS....................................................................................................Snia Maria Albuquerque Soares

    42

    NOVAS PERSPECTIVAS PARA O COMRCIO INTERNACIONAL BRASILEIRO: AVISO DA COPA DE 2014 E OS JOGOS OLMPICOS DE2016...............................................................................................................................

    Caroline Alves Montenegro56

    VIOLACO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS SOBRE COMPETNCIAPROCESSUAL PENAL: CONSEQUNCIAS DA DECRETAOJUDICIAL.......................................................................................................................Alfredo de Oliveira Silva

    68

    A JUDICIALIZAO DE POLTICAS PBLICAS DE SADE REFERENTESAOFORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E A EFETIVIDADE DO PRINCPIO DASUPREMACIA DO INTERESSE PBLICO.................................................................Renata Las Knzler Alves de Almeida e Catarine Gonalves Acioli

    95

    AS FORMAS DE SOLUO DOS CONFLITOS JUDICIAIS TRABALHISTAS:EFETIVIDADE OU INOPERNCIA?............................................................................Marcos Adilson Correia de Souza

    117

    A EVOLUO DA INTERVENO PENAL: DA NEUTRALIDADE AOGIROVALORATIVO NA ORIENTAO DO DIREITO PENAL............................................Alice Quintela Lopes Oliveira

    131

    A CONSTRUO DO ESTADO E A ORIGEM DOS DIREITOSSOCIAIS........................................................................................................................Antonio Castro do Amaral

    157

    OS EFEITOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 64/2010 NO DIREITO DEFAMLIA.........................................................................................................................Othoniel Pinheiro Neto

    168

    APONTAMENTOS ACERCA DO CARTER DAS DECISES DOS TRIBUNAIS DECONTAS........................................................................................................................Fbio Wilder da Silva Dantas

    186

    REVISTA NTIMA DO EMPREGADO LUZ DA DIGNIDADE DAPESSOAHUMANA........................................................................................................Pollyane Reis Branco de Albuquerque

    199

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    A MEDIAO COMO INSTRUMENTO DE GESTO DE CONFLITOS NO MBITODO PODER JUDICIRIO

    Ana Florinda Mendona da Silva DantasJuza de Direito do TJ/AL. Diretora da EJE/TRE/AL.Coordenadora do Ncleo de Filiao. Professora da Faculdadede Cincias Jurdicas do Centro Universitrio CESMAC.

    RESUMO: Este trabalho examina a adequao do uso da mediao comoinstrumento de gesto de conflitos, no mbito do Poder Judicirio. Desenvolve oestudo a partir da crescente demanda de processos nos tribunais, que fez com quese desenvolvessem mtodos alternativos de gesto de conflitos, com o intuito deresolv-los no menor espao de tempo e da forma menos onerosa possvel. Analisaas principais tcnicas negociais que passaram a ser utilizadas conciliao,mediao e arbitragem- conhecidas internacionalmente por ADR alternativedispute resolution que no Brasil so denominadas MESCs (Mtodos Extrajudiciais

    de Soluo de Conflitos). Argumenta que embora seja apontada como opo detcnica alternativa de gesto de conflitos e como eficiente ferramenta adequada pacificao social, a mediao no Brasil tem previso legal limitada a reas restritas,no obstante seu uso j ocorra na gesto de conflitos em reas diversas. Analisa opapel do Poder Judicirio na gesto de conflitos sociais e a sua funo pacificadora,em face da crise de demandas que vem enfrentando, e as propostas que vm sendoformuladas para a soluo da questo. Analisa a mediao nos seus aspectosconceituais e formulaes tericas, na perspectiva da compatibilidade da suautilizao pelo Judicirio, como um novo modelo de acesso Justia, enfrentandoos argumentos que vm sendo apresentados em contrrio sua aplicao e aspropostas legislativas em andamento. Examina a experincia de sua aplicao

    judicial em outros pases, no Brasil e em Alagoas, apresentando concluses com oobjetivo de contribuir para as discusses acerca da matria.

    PALAVRAS-CHAVE: Mediao. Poder Judicirio

    ABSTRACT:The paper examinates the approach of mediation as a conflict dealingsolution within the Judiciary System. The investigation starts by the growing amountof process into Courts what claims new conflict dealings alternatives toward seekingmore effective, economic and fast ways of solving litigious cases. It studies the maindealing technics that have been used conciliation, mediation and arbitramentinternationally known as ADR - alternative dispute resolution that in Brazil is namedMESCs (Extrajudicial Conflicts Solutions Methods). It affirms that although is targetedas an alternative way to solve conflicts and also an efficient tool to social peace, inBrazil mediation has narrow legal treatment, nevertheless its use already happens inmany different areas. The role of Judiciary in conflict dealing and also in socialpeace, specially facing the process crisis that has been instaured as well as thecurrent options to deal with this issue, is investigated too. The research analyses themediation in its conceptuals aspects and theoretical formulations approaching itsuse by Judiciary. Mediation is observed as a new model of access to Justice,confronting the challenging topics against its use. Finally, the experience of judicialmediation - abroad, in Brazil and in Alagoas State is examinated, offeringconclusions that aim to contribute to the theme debate.

    KEYWORDS: Mediation. Judiciary.

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    INTRODUO

    Com o objetivo de solucionar a crescente demanda de processos nos

    tribunais dos mais diversos pases, os gestores judicirios elegeram, como uma de

    suas metas prioritrias, o incentivo utilizao de mtodos alternativos de gesto deconflitos, com o intuito de resolv-los no menor espao de tempo e da forma menos

    onerosa possvel.

    Em diversos pases europeus, nos Estados Unidos e no Canad, inmeras

    tcnicas negociais passaram a ser utilizadas, sendo as mais conhecidas a

    conciliao, a mediao e a arbitragem, conhecidas internacionalmente por ADR -

    alternative dispute resolution.

    No Brasil, essas tcnicas passaram a ser conhecidas como MESCs (Mtodos

    Extrajudiciais de Soluo de Conflitos), sendo a mais difundida a conciliao, que

    tem sido utilizada como ferramenta de trabalho pelo Poder Judicirio em suas

    diversas instncias. A mediao, contudo, embora seja apontada como opo de

    tcnica alternativa de gesto de conflitos e como ferramenta adequada pacificao

    social to eficiente quanto conciliao, ainda no recebeu do nosso legislador ou

    mesmo dos gestores do Poder Judicirio brasileiro a devida ateno, tanto que sua

    previso legal restringe-se a poucas hipteses, embora j se tenha desenvolvidobastante em termos doutrinrios e seja aplicada em diversas reas, inclusive pelo

    Judicirio.

    No obstante, no pacfica a sua utilizao sistemtica pelo Poder

    Judicirio, sendo discutida a sua compatibilidade e adequao aos procedimentos

    judiciais, marcados pelo cunho da adversarialidade e pela inafastabilidade da

    apreciao por um juiz que deve decidir as questes que lhe so trazidas

    apreciao. Diante disso, frequentemente se questiona se a mediao um

    instrumento adequado para ser utilizado na gesto de conflitos, no mbito do Poder

    Judicirio, ou se deveria permanecer como um mtodo extrajudicial.

    Neste trabalho, discute-se essa compatibilidade e adequao. Para tanto, traz

    uma reflexo sobre a o papel do Poder Judicirio na gesto de conflitos, no

    cumprimento de sua funo de pacificao social, e a crise de demandas que vem

    enfrentando, com as propostas que vm sendo formuladas para a soluo dessas

    questes.

    A seguir, examina-se a mediao nos seus aspectos conceituais e em suas

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    diversas espcies e formulaes tericas, buscando estabelecer a diferena

    existente entre mediao e outras formas alternativas de gesto de conflitos mais

    conhecidas.

    Ser discorrido, tambm, acerca da possibilidade da utilizao da mediaocomo um novo modelo de acesso Justia, enfrentando os argumentos que vm

    sendo apresentados em contrrio sua aplicao e as propostas legislativas em

    andamento, trazendo exemplos da experincia de sua aplicao em outros pases,

    no Brasil e em Alagoas, apresentando nossas concluses com o objetivo de

    contribuir para as discusses ora travadas acerca da matria.

    Cabe ainda a advertncia de que, no obstante se faa necessria a

    abordagem de matria que envolve conceitos jurdicos, esta se resumir aoindispensvel para o estabelecimento de premissas valorativas aplicveis

    temtica.

    1 O PODER JUDICIRIO E A GESTO DE CONFLITOS

    1.1 O Poder Judicirio e a pacificao social

    Partindo-se do pressuposto de que o homem s pode viver em sociedade, a

    possibilidade da existncia de conflitos intersubjetivos est sempre presente. Paraque a sociedade possa subsistir, necessria a existncia de mecanismos

    reguladores do comportamento dos indivduos e dos grupos, mecanismos esses que

    sejam capazes de estabelecer a harmonia, ou, segundo Bezerra (2001, p. 41) , [...]

    agir delimitando os interesses, freando os impulsos e conjugando as esferas de

    atividades dos membros do grupo.

    A prpria sociedade estabeleceu controles atravs de regras, preceitos e

    princpios diversos, tais como, as tradies familiares, as regras de etiqueta e areligio, mas somente o direito mostrou-se um instrumento apto ao controle social e

    sua pacificao, quando a conduta humana ultrapassa os limites e vem a ameaar

    a harmonia social. Esta fora de controle decorre da sua principal caracterstica, que

    a coercitividade, e por isso a experincia mostra que o direito to velho quanto

    sociedade, e no pode haver sociedade sem direito, aplicando-se o brocardo latino

    ubi homo, ibi jus onde est o homem, est o direito sendo a pacificao a sua

    principal finalidade. (BEZERRA, 2001).

    Por outro lado, para que pudesse o direito realizar sua funo pacificadora,

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    fazia-se necessrio que fosse aplicado no por aqueles diretamente interessados no

    conflito, mas por um ente abstrato, dotado de poder de coero o Estado, que teria

    sido legitimado a faz-lo a partir do contrato social. Por isso, diversas teorias buscam

    explicar a problemtica do contrato social, que corresponde, segundo Hobbes,

    segurana da razo calculista; que constitui segundo Rousseau, nica alternativa

    para que o cidado tenha a garantia da liberdade e da justia; que segundo Kant,

    o reflexo da idealidade transcendental. (GOYARD-FABRE,1999).

    Independente da forma como se justifique a existncia do Estado e sua

    interferncia nos conflitos intersubjetivos, a grande questo do direito

    contemporneo no parecer ser a sua instituio, mas a sua organizao, ainda

    sendo pertinente recorrer-se doutrina da separao dos poderes desenvolvida porMontesquieu, preconizando a necessidade de dividir o poder do Estado num sistema

    de freios e contrapesos para cont-lo, identificando as funes estatais segundo

    critrios de especializao funcional, dentre elas cabendo, ao Poder Judicirio, a

    aplicao da lei ao caso concreto. (FERRAZ, 1994).

    Essa organizao do Estado, que reserva primordialmente ao Poder

    Judicirio a funo de aplicador prioritrio do direito, faz dele, essencialmente, um

    poder gerenciador de conflitos, pois o direito como regra de convivnciacoercitivamente imposta pelo Estado tende a ser o mecanismo mais eficiente para

    solucion-los.

    Por outro lado, embora o Poder Judicirio no seja a nica via para a

    pacificao e para a aplicao do direito, que pode e deve ser realizado por toda a

    sociedade, , ainda, o meio mais utilizado, em especial nas comunidades que no

    detm o conhecimento necessrio para, conhecendo o direito, aplic-lo, de per si,

    em suas relaes intersubjetivas, sem a interveno de terceiros.

    Acresa-se que, no Brasil, o Poder Judicirio o nico dos poderes do

    Estado que no pode deixar de apreciar os conflitos que lhe so trazidos a

    conhecer, pois a inafastabilidade de sua atuao determinada pelo art. 5, inciso

    XXV da Constituio Federal, que confere a qualquer cidado o acesso justia, ao

    tempo em que prev que a lei no excluir da sua apreciao leso ou ameaa de

    direito.

    Desse modo, no podendo o Poder Judicirio afastar-se da diretiva

    constitucional de apreciar e solucionar os conflitos, a ele cabe buscar a melhor forma

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    de faz-lo, de acordo com Bezerra (2001), sem dissociar-se de uma viso de mundo

    de contedo tico, que atente para as questes sociais que extrapolam o fenmeno

    jurdico no sentido estrito, pois somente assim cumprir efetivamente sua funo,

    que no se exercer sem a busca da reduo das desigualdades, a disseminao

    entre os cidados de sentimentos que estimulem o equilbrio, a segurana e a

    harmonia, expectativas essas que se confundem com o primado da pacificao

    social.

    1.2 O Poder Judicirio e a crise de demandas

    Refletindo acerca da democracia no Brasil, Carvalho (2001, p. 124) apontou,

    como um dos mais graves problemas, a deficincia do Poder Judicirio:

    O Judicirio tambm no cumpre seu papel. O acesso justia limitado pequena parcela da populao. A maioria desconheceseus direitos, ou, se os conhece, no tem condies de faz-los valer[...] apesar de ser dever constitucional de o Estado prestarassistncia jurdica gratuita aos pobres, os defensores pblicos soem nmero insuficiente. Uma vez instaurado o processo, h oproblema da demora. Os tribunais esto sempre sobrecarregados deprocessos, tanto nas varas cveis como nas criminais. Uma causaleva anos para ser decidida.

    Mesmo aps quase uma dcada passada dessas consideraes e dos

    avanos que vm se registrando na tentativa de consolidar o papel do PoderJudicirio como participante ativo da construo da democracia brasileira, muitas

    das mazelas ali denunciadas ainda so presentes, fazendo parte do que se costuma

    denominar crise do Judicirio que, segundo Passos (2000), algo que se encontra

    inserido na crise mais ampla do prprio modelo de Estado, pois traz implicaes

    relacionadas com o processo constitucional de produo jurisdicional do direito ou

    na institucionalizao dos agentes polticos por ele responsveis.

    Desse modo, est relacionado com os procedimentos adotados naqueleprocesso constitucional, e tambm pertinente organizao judiciria, localizada,

    entretanto, no mais significativo, no espao da legislao infraconstitucional. O autor

    aponta ainda uma quarta questo, que considera de pequena relevncia e de

    faclima superao, que a relativa aos procedimentos, mas que, em face das

    dificuldades de enfrentamento das primeiras, tornou-se a "bola da vez", servindo

    como pretexto para o encobrimento das trs primeiras, permitindo que no sejam

    cuidadas. inegvel que os problemas enfrentados pelo Judicirio se relacionam

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    tambm com a complexidade dos ritos processuais adotados no nosso direito, mas

    como j visto, no h uma atuao enrgica da esfera legislativa para buscar a

    simplificao do processo, com a implantao de procedimentos mais rpidos,

    simples e econmicos.

    Examinando tais consideraes, v-se que o Estado, poder legitimado a criar

    o direito, que pode controlar os fatores polticos que assumem o papel central na

    explicao do sistema judicial, mas que, em lugar de buscar efetivamente melhorar a

    estrutura organizativa do setor judicirio, na sua dimenso poltico-jurdica, vem

    optando por um discurso ideologicamente comprometido e irrealista, que no produz

    resultados prticos consistentes.

    O sintoma mais visvel da crise do Judicirio o imenso nmero dedemandas intentadas a cada dia, cuja causa maior a litigiosidade exacerbada

    contida na Constituio de 1988 que, ampliando direitos e garantias fundamentais,

    incluiu direitos supra-individuais e novos modelos de processo para atend-los,

    reforando na independncia dos poderes a responsabilidade do Judicirio quanto

    ao controle constitucional dos atos legislativos e do executivo. Acresam-se os

    privilgios processuais da Fazenda Pblica, que acarretam a morosidade da Justia,

    o arcaico sistema recursal, e se ver que a sua deficincia estrutural era umresultado mais que previsvel, pois a criao destes mecanismos no foi

    acompanhada da necessria adequao dos organismos judicirios.

    De acordo com os nmeros divulgados pelo Conselho Nacional de Justia

    CNJ , em 14 de setembro de 2010, o Brasil tem hoje 86,6 milhes de processos

    judiciais em tramitao, dos quais 25,5 milhes chegaram Justia ano passado. A

    Justia do Trabalho, cujo congestionamento de 49%, ainda a considerada a mais

    clere, porque mais da metade dos processos trabalhistas so resolvidos no mesmoano em que so ajuizados. Por outro lado, olhando com critrio, observa-se uma

    situao medocre em termos de soluo, por tratar seu objeto de verba alimentar do

    trabalhador, a taxa deveria ter sido muito maior.

    Ainda de acordo com o CNJ, no quadro geral, apenas 29% tiveram deciso

    definitiva antes do final do ano de 2009, deixando uma taxa de resduo na ordem de

    71%. A Justia Estadual a mais demandada, com 18,7 milhes de casos novos s

    em 2009, o que corresponde a 74% dos novos processos que foram ajuizados nopas. Segundo ainda os dados do CNJ, na Justia do Trabalho e na Justia Federal

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    aportaram 3,4 milhes de novas aes. Nesse quadro, calcula-se que o prprio

    Poder Executivo e o INSS respondem por cerca de 80% das aes judiciais.

    Em contraponto, como mostra o CNJ, o Brasil tem 16.108 juzes, mdia de

    oito magistrados por 100 mil habitantes, nmero considerado insuficiente paraatender necessidade atual, contando com recursos e estrutura administrativa

    incompatvel com as tarefas que lhe so atribudas. Estes dados por si explicam a

    crise de demandas, que dever ser enfrentada no s pelo Judicirio

    isoladamente, mas pelo Estado e pela sociedade em conjunto. S assim sero

    obtidos os resultados desejados.

    1.3 Propostas crise do Poder Judicirio

    A inadequada estrutura organizacional do Poder Judicirio apontada como

    um obstculo ao seu bom funcionamento, uma vez que se mostra insuficiente para

    atender ao crescente ingresso de demandas, sendo ainda altamente burocrtica

    pesada e sem agilidade, alm de ser cara e inacessvel grande parcela da

    populao. Alm de todo o anacronismo estrutural, critica-se mais, no Judicirio, a

    manuteno de uma mentalidade reativa a mudanas, o que tem contribudo para

    uma imagem negativa da instituio junto populao.

    As propostas de reforma foram inmeras, divididas entre as judiciais

    propriamente ditas e as extrajudiciais, a englobando desde sistemas alternativos

    para a soluo de disputas at modificaes legislativas.

    As propostas de reforma, denominadas judiciais, procuraram dar maior

    eficincia ao Poder Judicirio, e no por acaso o captulo referente ao sistema de

    justia da Constituio foi o que recebeu o maior nmero de propostas de reviso,

    por ocasio da reforma constitucional de 1993, num total de 3.917 emendas,

    alteraes somente implantadas em parte com a Emenda Constitucional 45, de

    2004, inclusive com a criao de um rgo externo de controle o Conselho

    Nacional de Justia.1Entretanto, no que diz respeito ao tema deste trabalho, mais

    interessam as solues extrajudiciais, contemplando iniciativas que vo da esfera

    legislativa propriamente dita at a criao de novos espaos para negociao e

    1O processo de emendas Constituio deve respeitar a regra de votao em dois turnos, nas duas

    casas legislativas, por meio de maioria qualificada de 3/5, nas quatro votaes. Como consequncia,a proposta de Emenda Constitucional relativa ao Judicirio tramitou no Congresso Nacional por maisde uma dcada, a partir de um projeto apresentado por Hlio Bicudo, em 1992. Com diversasalteraes no ano de 2004, foi promulgada a Emenda Constitucional 45.

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    soluo de disputas, com uma reduo da intermediao judicial, da livre

    negociao e da auto-resoluo dos conflitos.

    Um passo importante neste sentido foi a institucionalizao do juzo arbitral

    que, desde a Constituio de 1824, j era prevista como forma de solucionarconflitos e que, no Cdigo Comercial de 1850, foi instituda para assuntos mercantis.

    Somente em 1988, com a atual Constituio Federal, a arbitragem voltou a ser

    prevista, em inmeros artigos, dentre os quais os art. 114, 1, e 217, 1 e 2, e

    tambm no art. 12, 2, do ato das Disposies Constitucionais Transitrias.

    Somente em 23 de setembro de 1996, foi sancionada a Lei n 9.307, que disciplinou

    por completo a arbitragem no Brasil, dando novo alento sua utilizao.

    No mbito do Direito do Trabalho, alm da previso constitucional do art. 114, 1, fez-se tambm presente a arbitragem na Lei de Greve (Lei n 7.383/89), em

    seu art. 7, e, tambm, na Medida Provisria n 1.982/69, de 2000, e suas inmeras

    reedies, que trata da participao dos trabalhadores nos lucros ou resultados da

    empresa, em seu art. 4.

    A conciliao, por sua vez, j era utilizada em diversos procedimentos2 e

    passou a ser obrigatria nos processos cveis, atravs dos artigos 277, 331 e 448 do

    Cdigo de Processo Civil, que determinaram que o juiz tentasse conciliar as partesantes de iniciar a instruo do processo, alm do art. 125, IV, que colocou dentre os

    poderes/deveres do juiz na direo do processo o de tentar, a qualquer tempo,

    conciliar as partes.

    Do mesmo modo, a criao dos denominados Juizados, iniciada com os

    "Juizados de Pequenas Causas", adotados no Brasil a partir da Lei n. 7.244/84 e

    recepcionados na Constituio de 1988, que ampliou o sistema no seu art. 98, inciso

    I, passando a trat-los como juizados especiais, consagrando a conciliao como

    instrumento indispensvel para a aplicao da justia, em especial na seara cvel.

    Nos juizados, a pacificao foi valorizada, na busca da simplicidade,

    informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possvel,

    a conciliao das partes, embora atualmente os juizados se vejam na mesma crise

    de demandas do Judicirio em geral, pois os juizados esto, cada vez mais,

    assoberbados com a grande quantidade de processos, o que causa atrasos e faz

    com que a principal finalidade para que foram criados a celeridade processual

    2A conciliao j se achava prevista na Constituio do Imprio, de 1824, no seu art. 161.

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    seja muitas vezes deixada de lado.

    O certo que o potencial das solues no-tradicionais para a gesto de

    conflitos no aproveitado a contento no Brasil, onde a participao da comunidade,

    a adoo de mtodos meios alternativos e as tendncias de menor formalismo sedeparam com o conservadorismo reinante, sendo necessrio que uma nova viso

    no-adversarial se implante para que se substitua a imposio das decises por

    propostas de solues mais pacficas nas composies dos conflitos intersubjetivos.

    Dentre essas propostas, o uso da mediao apontado como uma alternativa

    vivel e adequada, embora sua aplicao somente esteja prevista legalmente no

    Decreto n 1.572, de 28 de julho de 1995, sobre as negociaes coletivas

    trabalhistas, prevendo a reviso e o reajuste dos salrios com base na variao doIPC-r, nos arts. 9 a 13 da Lei n 10.101 de 2000, sobre a participao dos

    trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, e tambm na Lei 9.870/99, que

    dispe sobre o valor total das anuidades escolares.

    No entanto, observa-se que falta uma lei regulamentando a mediao,

    estipulando regras para seu funcionamento de uma maneira geral e sistemtica,

    embora j se registrem diversas experincias de sua aplicao prtica dentro e fora

    do Poder Judicirio. Por outro lado, talvez por inexistir regulamentao, a suaaplicao sistemtica pelo Judicirio tem suscitado diversos debates, sendo o

    principal deles a inadequao da mediao ao uso no mbito judicial.

    2 A MEDIAO COMO INSTRUMENTO DE GESTO DE CONFLITOS

    2.1 Mediao: o que ?

    Antes de analisar a adequao do seu uso no mbito do Poder Judicirio,

    necessrio traar um perfil do que se tem por mediao como mtodo negocialalternativo a ser utilizado na gesto de conflitos intersubjetivos.

    O que se define contemporaneamente como mediao pode ser coincidente

    com as intervenes usuais, espontneas, praticadas desde muito tempo, e cuja

    eficcia tambm no difere do que atualmente se prope e, por isso, a mediao

    no se apresenta como uma ideia indita, seno como uma atualizao, mais

    sistemtica e com focos particularizados, de antigas tratativas que visavam a

    acolher, minimizar, encaminhar e contribuir para a soluo dos impasses sociais,mostrando-se como uma tendncia mundial de oportuna via de acesso

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    transdisciplinaridade no Direito. (SOUZA, 2005).

    Segundo Aulete (1974), o termo mediao tem provavelmente a sua origem

    etimolgica no latim mediatio (medium, medius, mediator), que significa ao ou

    efeito de ser medianeiro em algum negcio; interveno; intercesso. Tambm apontado como derivao da raiz medi e deste modo teria aparecido na

    enciclopdia francesa em 1694, cujo registro do sculo XIII, para designar a

    interveno humana entre duas partes, sendo assim utilizada pelos Romanos, por

    associao de ideias, com um suposto pas desaparecido, a Media, vizinho s terras

    da antiga Prsia que se tornou o Ir.

    Existem, contudo, concepes e aplicaes muito diversas da mediao.

    Estas decorrem da simples interveno pedaggica na transmisso de saberes at aaplicao em todos os domnios de dificuldade e de bloqueios relacionais.

    Sociedades e culturas primitivas e antigas j buscavam formas para

    solucionar os conflitos e controvrsias surgidos entre seus membros, como

    alternativa ao uso da fora fsica, quando o mais forte fazia valer seus interesses,

    vencendo o mais fraco, prevalecendo a lei da selva, a autotutela ou autodefesa.

    Por isso, as formas de composio de conflitos por via pacfica mostram-se

    como resultado do prprio processo civilizatrio, que determinou a organizao dos

    grupos humanos e, assim sendo, em quase todas as formas de sociedade

    registradas historicamente se verificam o uso de prticas com o objetivo de pacificar

    os conflitos sem o uso da fora.

    Segundo Serpa (2002), os chineses, na Antiguidade, j praticavam a

    mediao como forma de solucionar os conflitos, baseados nos ensinamentos de

    Confcio, que pregava a existncia de uma harmonia natural nas questes

    humanas, e acreditava ser possvel construir-se o paraso na terra, desde que os

    homens pudessem se entender e resolver pacificamente seus conflitos. Tambm no

    Cdigo de Hamurabie na Bblia j havia preceitos que incentivavam a intermediao

    das disputas, atravs da interveno dos membros mais antigos da comunidade ou

    de lderes religiosos.

    Como tcnica sistematizada, a mediao passou a ser utilizada nos Estados

    Unidos da Amrica na dcada de 70, nomeadamente nos conflitos familiares,

    inserida como uma das solues alternativas para soluo de disputas ADR, ou

    alternative dispute resolution ao lado da arbitragem e da conciliao,

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    desenvolvendo-se igualmente na Frana, a partir dos anos 80, sendo introduzida no

    Brasil como forma de dirimir conflitos trabalhistas. (DANTAS, 2001).

    Independente da sua origem, ou mesmo do modelo eleito para coloc-la em

    prtica, o termo mediao chegou contemporaneidade significando a atuao deum terceiro interveniente, que desempenha uma funo de intermedirio nas

    relaes ou nos conflitos.

    Desse modo, implica que se mostre o terceiro interveniente neutro, imparcial

    e independente, a fim de que possa desempenhar a funo de intermedirio nas

    relaes, operacionalizando a qualidade da relao e da comunicao.

    Os conceitos mais difundidos da mediao pelos doutrinadores coincidem

    com a seguinte conceituao de Haynes e Marodin (1996, p. 11):

    A mediao um processo no qual uma terceira pessoa- omediador- auxilia os participantes na resoluo de uma disputa [...] oprocesso de mediao a conduo das negociaes de outraspessoas e o mediador o administrador das negociaes, quemorganiza a discusso das questes a serem resolvidas. Quanto maiscoerente e organizado o processo, mais fcil para os participanteschegar a solues que sejam adequadas e aceitveis para eles.

    Firma-se, portanto, conceitualmente, a mediao como uma ideia pacificadora

    e ao mesmo tempo uma tcnica de interveno nos conflitos entre pessoas, que seope soluo litigiosa e adversarial, justamente por fortalecer suas relaes,

    possibilitando o mnimo desgaste possvel, preservando os laos de confiana e os

    compromissos recprocos que as vinculam. (BACELLAR, 2003).

    A extenso das reas de utilizao da mediao no se limita, podendo ser

    aplicada a numerosos campos, a exemplo da mediao familiar, nos conflitos

    trabalhistas, escolar, de vizinhana, mediao comercial, de consumo, ou seja, de

    forma geral, a mediao aplicvel por toda a parte em que a transmisso de saberpor uma terceira parte neutra e independente possa contribuir para gerir um conflito.

    2.2 Mediao e negociao

    Embora a mediao seja considerada uma tcnica negocial, alguns autores

    fazem uma distino entre a mediao e a negociao. Para Miranda (2010, p. 5), A

    negociao um processo social bsico, utilizado para resolver conflitos, toda vez

    que no existem regras, tradies, frmulas mtodos tradicionais ou o poder de uma

    autoridade superior [...].

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    Ferreira (apud CARNEIRO, 2010, p. 6) conceitua a negociao como [...] um

    processo atravs do qual as partes envolvidas se deslocam de suas posies

    originais, inicialmente divergentes, para um ponto no qual o acordo possa ser

    realizado.

    Os conceitos destacam a principal caracterstica da negociao, que a

    distingue da mediao: o negociador uma parte envolvida, ou representa os

    interesses de uma das partes. Isto implica o negociador procurar alcanar uma

    soluo que satisfaa a parte que representa.

    Quanto ao mediador, este no se encontra envolvido, pois, caso contrrio, o

    processo seria invalidado. Ele acompanha a reflexo das duas partes, permitindo-

    lhes encontrar um acordo. Tal acordo definido de vrias formas, ou seja,baseando-se das abordagens da negociao ou, como acima indicado, de forma

    que seja o mais satisfatrio possvel ou tambm o menos insatisfatrio possvel

    entre as duas partes.

    2.3 A mediao e outros mtodos alternativos de resoluo de conflitos

    2.3.1 Mediao e conciliao

    Nem sempre fcil distinguir a mediao das demais alternative dispute

    resolution: a conciliao e a arbitragem. A confuso tanto ocorre na prtica quanto

    na conceituao doutrinria, a ponto de Watanabe (2003, p. 58) assegurar que [...]

    leio alguns autores que tratam da mediao e da conciliao como meios

    alternativos e, s vezes, fico em dvida se, na prtica, ocorre realmente diferena

    entre uma modalidade e outra.

    A principal distino que se faz entre a mediao e conciliao consiste no

    grau de interveno, pois se na conciliao ela decisiva, na mediao ela inexisteou deve ser a mnima possvel, a ponto de se conceituar a mediao uma

    autocomposio e a conciliao uma heterocomposio. Por isso, na mediao a

    soluo do conflito dever ser buscada pelas partes, enquanto na conciliao a

    soluo ser proposta pelo conciliador.

    Andrade (2010) concorda na dificuldade conceitual, mas menciona que uma

    primeira diferena entre a mediao e a conciliao que o conciliador vai funcionar

    como um terceiro, que pode ser um rgo jurisdicional. Nela, segundo Barbosa(2004), o conciliador intervm com sugestes, inclusive acerca das perdas

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    recprocas, e h a negao do conflito, pois o objetivo que se prope s partes a

    celebrao do acordo. Na mediao o mediador funciona com neutralidade e, em

    lugar de sugerir solues, seu papel o de despertar nas partes recursos pessoais

    para que elas consigam transformar o conflito. No h tambm o compromisso com

    o sucesso da interveno, e a falta de acordo no significa o fracasso da mediao,

    se o conflito atenuado.

    Andrade diz ainda que a lgica da conciliao binria, pois os direitos das

    partes so polarizados e aos poucos vo sendo eliminados os pontos controversos.

    Quanto a este aspecto diferenciador, Barbosa concorda que na conciliao h a

    necessidade dessa reorganizao lgica, na qual o conciliador visa corrigir as

    percepes recprocas, aproximando as partes num espao concreto, salientandoque a lgica da mediao ternria, pois inclui um terceiro numa relao polarizada,

    permitindo a dinmica de fazer nascer uma soluo que no estava presente

    enquanto a linguagem era binria, viabilizando uma soluo antes impossvel.

    2.3.2 Mediao e arbitragem

    Para Andrade (2010), a arbitragem est mais perto da jurisdio do que a

    mediao, pois sua linguagem tambm binria (ganhador-perdedor). O rbitro, que

    ir decidir a causa por meio de uma sentena arbitral, embora seja livrementeescolhido entre as partes, e seja obrigatoriamente imparcial, decide o conflito em

    favor de um dos litigantes, e por isso uma forma de heterocomposio, pois a

    soluo do caso externa.

    De modo diverso, na mediao, as partes se responsabilizam por suas

    escolhas, pois no h um terceiro a decidir por elas e, do mesmo modo, nem

    sempre a soluo do conflito ser estabelecida nem sempre h uma sentena no

    final do processo, pois este no o principal objetivo da mediao. A inexistncia

    desse terceiro que decide o conflito o rbitro a principal diferena entre a

    mediao e a arbitragem, tornando os dois mtodos absolutamente diversos,

    embora coincidam no objetivo de gerir o conflito da forma mais rpida possvel.

    2.4 Modelos de mediao

    So diversas as classificaes aplicadas mediao. A classificao mais

    ampla feita a partir do grau de interveno do mediador no processo mediativo.

    Segundo Barbosa, Nazareth e Groening (2000), possvel apontar trs modelos de

    mediao, a partir do grau de interveno do mediador: o primeiro o da

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    interveno mnima, na qual o mediador uma presena neutra que estimula o

    duplo fluxo de informaes; o segundo o da interveno dirigida, que identifica e

    avalia com as partes as opes existentes, tentando persuadi-las a adotar aquela

    que considera a mais conveniente; e a interveno teraputica, que tem por objetivo

    proceder a uma interveno que corrija as disfuncionalidades detectadas,

    procurando uma deciso conjunta.

    Quanto formao tcnica do mediador, a mediao pode ser uni disciplinar

    ou interdisciplinar. Na mediao uni disciplinar, os mediadores possuem a mesma

    formao profissional, que pode ser da rea jurdica, psicologia, servio social, etc.

    Na mediao interdisciplinar, utilizada uma pluralidade de conhecimentos, com

    mediadores de diversas reas de formao, atuando conjuntamente.A cada uma desses modelos podem corresponder vrias espcies de

    interveno, da interveno teraputica at a utilizao de mediao-

    aconselhamento, sendo que o modelo adotado interfere tambm na qualificao dos

    tcnicos intervenientes.

    No campo terico, Farinha e Lavadinho exemplificam as principais espcies

    de mediao, segundo o mtodo adotado por seus autores:

    Coogler utiliza um modelo interdisciplinar (mediador e advogado), intervindo o

    mediador no sentido de conseguir o acordo que, posteriormente analisado e

    elaborado pelo advogado;

    Haynes utiliza um modelo uni disciplinar (preferencialmente terapeuta) no

    modelo da interveno teraputica, descodificando e reformulando a

    informao dada;

    Florence Kaslow investe a sua interveno, sobretudo, em vrios aspectosrelacionados com a regulamentao dos deveres parentais, defendendo a

    participao dos filhos no processo de mediao;

    Janet R. Johnston e Linda Campbel preconizam um modelo de

    mediao/aconselhamento, atribuindo ao mediador um papel pedaggico;

    H. Irving e Michel Benjamin defendem a interveno teraputica. (FARINHA,

    1997).

    Uma classificao de grande interesse para este trabalho aquela que toma

    por base o modelo de mediao de acordo com o sistema utilizado nos pases em

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    que teve origem e, neste caso, fala-se em mediao no modelo norte-americano

    (aplicado inicialmente nos Estados Unidos da Amrica) e no modelo europeu, ou

    francs, que sero mais bem analisados a seguir, no item 3.3 deste trabalho.

    2.5 Mediao e gesto de conflitosA existncia de conflitos na sociedade exige que o homem desenvolva

    mecanismos de geri-los e solucion-los e, por isso, segundo Chiavenato (1999), a

    gesto de conflitos, cada vez mais, tem grande importncia na atualidade.

    Carneiro (2010) salienta que a negociao faz parte da vida e que o ser

    humano est sempre negociando algo: em casa com os familiares, no trabalho com

    os colegas, na faculdade, com os professores, etc.

    Pode-se afirmar, portanto, que a negociao essencial na gesto de

    conflitos e, dentre as formas de negociao, a mediao vem sendo apontada como

    eficaz e adequada, por envolver a demanda em seus aspectos objetivos e

    subjetivos, fazendo com que os prprios interessados se sintam capazes de

    solucion-los, responsabilizando-se pela soluo, em lugar de atribuir a um terceiro

    a tarefa de cuidar dessa tarefa.

    Para Andrade (2010), a primeira diferena entre a mediao e as demaisformas de abordar a gesto de conflitos principiolgica, porque ela pode ser

    preventiva, enquanto que as demais pressupem a existncia do conflito e somente

    se aplicam diante do conflito instaurado.

    Contudo, esta caracterstica, aliada propalada falta de compromisso com o

    sucesso ou o alcance imediato de um ponto final ao conflito, com o fechamento de

    um acordo que ponha fim demanda, faz com que surjam diversos

    questionamentos acerca da sua aplicao como mtodo eficaz para gerir conflitosem srie, embora se reconhea sua eficcia, ainda que em longo prazo, no processo

    de conscientizao das partes acerca das suas adversidades.

    Nesse passo, cabe a distino que se faz entre o conflito objetivo, ou

    expresso, e o conflito subjetivo. O conflito objetivo aquele exposto na petio inicial

    e na contestao, que pode ser diferente do conflito subjetivo, que no expresso e

    nem sempre verbalizado no processo convencional, norteado pela produo de

    provas expressamente qualificadas dentro de um formato jurdico-legal. Por isso,nem sempre a soluo da demanda expressa encerra o conflito subjetivo, que

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    permanece latente e retorna logo em seguida, em forma de recursos ou de outra

    demanda judicial.

    A mediao, na medida em que provoca a discusso da questo pelas

    prprias partes envolvidas no conflito, faz vir tona o conflito submerso nalinguagem formal do processo, criando efetivas possibilidades de que possa ser

    solucionada a verdadeira demanda, cessando as hostilidades de uma forma mais

    perene.

    Se, como forma de gesto, pode parecer ineficaz nos casos concretos em

    que a soluo no aflora sob a forma de um acordo que pe fim a um processo, seu

    potencial pacificador se reflete na composio de litgios mais amplos do que os

    inicialmente expressos, prevenindo recidivas demandas entre as mesmas partes, oumesmo apaziguando as partes e amenizando as hostilidades, mesmo quando o

    processo litigioso toma seu rumo.

    Essas suas caractersticas, portanto, longe de desqualificar a mediao como

    mtodo de gesto de conflitos, recomenda sua aplicao como reflexo do processo

    civilizatrio a ser instaurado pelo Estado, e como um direito do cidado a no ver

    seus conflitos serem resumidos a nmeros estatsticos ou a horas-valores gastos

    com a soluo oferecida ou imposta como alternativa autodefesa.

    3 A MEDIAO NO MBITO DO PODER JUDICIRIO

    3.1 A mediao como um novo modelo de acesso Justia

    O acesso Justia um direito assegurado aos cidados dos Estados

    democrticos por diversos textos vinculativos do Direito Internacional, a exemplo da

    Declarao dos Direitos Humanos, de 1948, incorporados pela Constituio

    Brasileira.Capelletti (1989), em conferncia pronunciada em Londres em 1992,

    conclamou uma reao mundial contra o formalismo judicial e a excessiva demora

    na soluo dos conflitos, pugnando pelo emprego de medidas alternativas para um

    Movimento Universal de Ampliao do Acesso Justia, visando aplicao das

    solues utilizadas pelo homem comum na resoluo dos conflitos privados, sem

    necessidade de transpor formalidades tpicas dos processos judiciais.

    Embora seja visto como condio essencial para o estabelecimento de umEstado Democrtico de Direito, o acesso justia no Brasil dificultado por alguns

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    fatores que lhe so externos e outros que so da sua prpria estrutura.

    Dentre os fatores externos, pode ser mencionada a falta de acesso ao ensino

    formal, educao e cultura que, juntamente com a desigualdade econmico-

    social, excluem grande parte da populao ao acesso aos direitos sociais, fazendocom que no tenha conscincia de seus direitos e das possibilidades de sua

    reivindicao, sem que o Estado ponha, sua disposio, Defensorias Pblicas em

    quantidade necessria para atender aos pobres, no esclarecimento quanto aos seus

    direitos e forma de exerc-los. V-se, ainda, que o prprio Estado ocupa 80%

    (oitenta por cento) do papel ativo ou passivo nas demandas, sobrecarregando o

    Judicirio.

    Quanto aos fatores internos, na prpria estrutura do Poder Judicirio,encontram-se entraves j examinados anteriormente, como o excesso de

    burocracia, o alto custo do processo, a falta de estrutura para atendimento crise de

    demandas e a manuteno apegada a paradigmas tradicionais, pouco permeveis

    s mudanas necessrias sua adaptao s novas dinmicas sociais.

    De todas as solues propostas, o movimento pelo uso de meios alternativos

    de soluo de conflitos parece ser a forma mais vivel de se promover a ampliao

    do acesso Justia. No h, contudo, consenso acerca do que efetivamente oacesso Justia, posto que a expresso tenha significado peculiar e abrangente e,

    segundo Grinover (1991, p. 41),

    No se limita simples entrada, nos protocolos do judicirio, depeties e documentos, mas compreende a efetiva e justacomposio dos conflitos de interesse, seja pelo judicirio, seja porforma alternativa, como as opes pacficas: a mediao, aconciliao e a arbitragem.

    Nessa perspectiva, funcionando como soluo para as controvrsias, a

    mediao pode ser, efetivamente, um novo modelo de acesso justia, ainda que

    funcionando extrajudicialmente, ou mesmo por intermdio do Poder Judicirio, por

    ter a capacidade de promover a pacificao social e garantir uma possibilidade de

    acesso s partes na composio dos conflitos, possibilitando-lhes exercer a

    prerrogativa constitucional de cidadania que assegura esse direito.

    Assim considerando, no ser o fato de ser executada a mediao ou outra

    soluo alternativa de soluo de conflitos dentro ou fora do Judicirio que poder

    alterar essa efetiva possibilidade. Para Watanabe (2003), quando se fala em meios

    alternativos de soluo de conflitos, os americanos tm uma viso e ou europeus

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    outra, uma vez que, para os americanos, os meios alternativos so todos aqueles

    que no sejam o tratamento dos conflitos pela sociedade organizada sem a

    interveno do Estado organizado, enquanto que, para os europeus, o prprio

    Judicirio deve incorporar os mtodos alternativos, porque o Estado organizado

    passou a solucionar os conflitos, superando o perodo em que historicamente a

    sociedade resolvia sem interveno suas demandas, poca em que no se fazia

    presente a fora e a organizao estatal.

    Examinando os primrdios da experincia da mediao nos Estados Unidos

    da Amrica, Davis (2003) explica que as cortes se achavam abarrotadas de

    processos, fazendo com que os litigantes se mostrassem frustrados com a demora

    na soluo das disputas. A mediao nasceu no campo do Direito de Famlia, comouma ao conjunta de juzes e os advogados, encarada como um desafio e, embora

    inicialmente as reaes fossem as mais diversas, com o tempo, o seu emprego se

    mostrou eficaz, fazendo com que noventa por cento dos casos fossem resolvidos

    antes do julgamento e o tempo de resoluo passou de cinco anos em mdia para

    sete meses.

    Dentro de uma perspectiva mais ampla, pode-se afirmar que neste caso

    houve a ampliao do acesso justia, ou nas palavras de Davis (2003, p. 33):Passar de cinco anos para sete meses para resolver um caso um resultado

    excepcional. Isso sim justia.

    3.2 Mediao judicial e extrajudicial

    A mediao dita judicial ou processual quando se realiza no curso de um

    processo judicial, dentro das dependncias do Frum, sob a superviso ou por

    determinao judicial. J a mediao extrajudicial ou para processual geralmente

    voluntria, ou seja, as partes a procuram voluntariamente ou por recomendao

    judicial. Por isso, tambm realizada fora do processo e do ambiente do Frum,

    embora seus resultados possam ser trazidos para o processo.

    A mediao processual est geralmente sujeita a regras minuciosas, de

    carter processual, pois como ato oficial precisa obedecer a uma forma para que

    seja validada como parte de um processo judicial. A forma, o nmero de sesses e

    os prazos so pr-definidos, e os mediadores so designados pelo juiz, geralmente

    a partir de uma relao de mediadores previamente selecionados e cadastrados.

    Quanto mediao extraprocessual, geralmente no est sujeita a regras

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    ditadas pelo Judicirio, obedecendo regulamentao de entidades profissionais,

    atuando com mais liberdade quanto ao nmero de sesses e durao do processo,

    ficando sempre essas peculiaridades a critrio do mediador e dos mediados.

    A mediao judicial tambm difere na extraprocessual quanto remuneraodo mediador que, na primeira, obedece a uma tabela previamente estabelecida e

    pode ser gratuita para os carentes, a ser custeada pelo Estado. A mediao

    extraprocessual privada e paga pelos mediados e os honorrios variam de acordo

    com o profissional, sendo que pode ou no haver uma tabela que servir de

    referncia, mas que no obrigatoriamente observada.

    3.3 Questes relativas aplicao da mediao no Poder Judicirio

    Diversos aspectos do processo de mediao merecem ateno quando se

    fala na sua aplicao no mbito judicial. Barbosa (2010) pontifica que a mediao

    representar um desafogo do juzo estatal. Tambm so questionados quais seriam

    os modelos de mediao mais adequados ao Brasil e, em meio polmica, existem

    aqueles que refutam a possibilidade dela ser aplicada pelo Judicirio, a exemplo de

    Warat (2001).

    Inicialmente, diante dos princpios do juiz natural e da inafastabilidade da

    apreciao dos casos pelo Poder Judicirio, poder-se-ia alegar que, ao entregar o

    caso ao mediador, o Judicirio estaria fugindo ao seu papel de julgar, o que afetaria

    sua principal atividade-fim. Este argumento decorre de uma postura tradicional

    intervencionista do Judicirio, que pode ser alterada no sentido de se entender a

    funo pacificadora como mais ampla que julgar os casos, sendo esta a de gerir

    conflitos.

    Este novo enfoque pode conduzir aceitao dessa nova cultura pacificadora

    no seu seio, em procedimentos que, mesmo no executados diretamente por juzes,

    estejam sob sua superviso e orientao, a exemplo do que ocorre com as

    conciliaes. tambm a partir da experincia das conciliaes que se pode

    assegurar que o Judicirio se acha em condies de adotar outras vias de atuao

    que no exclusivamente a intervencionista, acatando os resultados das mediaes,

    assim como pode e deve buscar as demandas subjetivas, para alm dos

    procedimentos formais, em busca de uma soluo mais humana para os conflitos

    das partes.

    Outra importante questo a obrigatoriedade ou facultatividade da mediao

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    para as partes. Os defensores da obrigatoriedade sustentam que somente desse

    modo se fixar uma cultura no-adversarial, pois, quando em litgio, as pessoas nem

    sempre buscam uma soluo, pois vm nele a satisfao de um interesse subjetivo

    no expresso no processo formal, que constitui a demanda subjetiva ou lide

    sociolgica. Desse modo, a conscincia da obrigatoriedade da mediao j

    desestimularia a parte a levar adiante a litigiosidade, funcionando como um estmulo

    soluo da questo.

    Aqueles que no concordam com a obrigatoriedade alertam para a

    possibilidade de criar-se uma instncia obrigatria mesmo em casos j pacificados,

    sem falar na afronta autonomia das partes.

    Defende-se, neste trabalho, que no deveria ser obrigatria a mediao, salvoem casos determinados, como questes de guarda, alimentos e outras questes

    familiares, prevendo-se, contudo, a possibilidade de o juiz determinar s partes que

    se submetessem a ela, quando entender que seria importante para a soluo do

    caso, como hoje se procede em relao ao estudo do caso por psiquiatras,

    psiclogos e assistentes sociais.

    Outra crtica centra-se na obrigatria observncia, na mediao judicial, de

    trmites processuais, imprescindveis para validar seus procedimentos dentro doprincpio do devido processo legal. Embora pertinente tal questo, igualmente no

    suficiente para afastar a mediao do uso pelo Judicirio, porquanto este poder se

    adaptar a procedimentos menos complexos quando os atualmente em uso se

    mostrarem inadequados, a exemplo do que j fez com o sistema processual dos

    Juizados Especiais, que eliminou entraves burocrtico-processuais na busca por um

    processo mais simples e menos oneroso.

    Questiona-se tambm o papel do juiz frente mediao. Poucos pontos

    pacficos na questo da mediao o de que o juiz no pode ser o mediador, sob

    pena de estar impedido de julgar o caso. Na hiptese de se conceber um sistema no

    qual o juiz participasse da mediao, ele no poderia, evidentemente, participar do

    julgamento, na hiptese de no ser celebrado o acordo.

    O uso universalizado ou seletivo da mediao tambm polmico. Para

    muitos, em face da amplitude de possibilidades, a mediao pode ser utilizada em

    todos os campos do direito, salvo naqueles em que h a denominada

    indisponibilidade de direitos. Entende-se, neste trabalho, que no deveria haver

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    restries ao uso da mediao, porquanto, na ocorrncia de direitos ditos

    indisponveis, caberia ao juiz e ao promotor acompanhar, juntamente com os

    advogados, se o interesse jurdico a ter especial proteo foi preservado, antes de

    homologar a mediao.

    Este ponto de vista se ope indisponibilidade absoluta de alguns direitos, no

    entendimento de que no h direitos absolutos, mas ponderao de direitos e

    interesses que merecem especial ateno do Estado, mas que podem ser objeto de

    mediao, se preservados no que essencial.

    A utilizao da mediao em processos ou em procedimentos pr-

    processuais tambm objeto de discusses, mas na verdade se trata de uma falsa

    questo, pois o fato que, mesmo quando operada fora do mbito do Judicirio, amediao repercute intensamente na atividade deste Poder, com a possibilidade de

    resoluo de demandas antes dos julgamentos.

    O que se questiona se estes conflitos, ainda no judicializados, atravs de

    um processo formal, so atividades do interesse e da competncia do Poder

    Judicirio. Em outras palavras, se o Judicirio deveria ou no se ocupar

    preventivamente desses conflitos ou deixar que fossem levados a outras instncias

    do Poder Executivo, como as entidades voltadas defesa dos Direitos Humanos, dapaz, dos Direitos Sociais, etc.

    bvio que nem todos os litgios necessitam da interveno do Poder

    Judicirio para ser solucionados, o que absolutamente correto, mas que no

    invalida o uso da mediao por ele, justamente nos litgios em que a soluo privada

    no funcione, ou naqueles outros em que a lei torna obrigatria a sua interveno.

    De resto, este argumento tambm afasta outros, como o do custo do

    Judicirio e da sua morosidade, salientando que mesmo intervenes privadas no

    podem dispensar regras de execuo, porquanto na busca de procedimentos

    alternativos de solues de disputas, no sentido de sanar controvrsias particulares

    de modo pacfico e efetivo, no se poder abrir mo das garantias necessrias

    segurana e correo dos procedimentos, pena de sair no descrdito qualquer

    iniciativa neste sentido.

    Evidentemente que no interessa Sociedade ou ao Estado trazer para o

    Judicirio toda e qualquer situao de conflito que possa ser resolvida atravs de

    uma simples negociao extrajudicial, pondo fim ao litgio existente ou iminente.

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    3.4 A mediao no Direito Comparado

    Os modelos de mediao mais adotados atualmente so os desenvolvidos,

    respectivamente, nos Estados Unidos da Amrica (modelo norte-americano ou de

    Harvard), na Frana (modelo europeu) e no Canad (onde se desenvolveu ummodelo prprio, mas com caractersticas aproximadas do modelo europeu).

    As primeiras experincias do uso sistemtico da mediao surgiram nos

    Estados Unidos da Amrica, na dcada de 1960, atravs do movimento conhecido

    como ADR (Alternative Dispute Resolution), quando se iniciou a criao de

    processos alternativos ao tradicional litgio, passando a ser utilizada em rgos

    pblicos e empresas, consagrando-se como uma das alternativas prediletas, j que

    permitia s partes chegarem juntamente a um acordo.

    O modelo adotado foi desenvolvido na Universidade de Harvard, na segunda

    metade do Sculo XX, voltado para a diminuio dos processos que abarrotavam o

    Poder Judicirio e, embora se dirija a um conflito estabelecido, segundo Dantas

    (2005), visa evitar uma demanda judicial, situando-se preferencialmente sua prtica

    fora dos Tribunais.

    Ramos (s/d) esclarece que a mediao passou a ser mais conhecida e

    difundida inicialmente no meio empresarial norte-americano, influenciando

    naturalmente pases europeus, pois, dadas as diversas privatizaes ocorridas nos

    EUA e um movimento de constante crescimento no campo corporativo, a busca por

    eficincia era uma exigncia. A mediao teve, ento, grande aceitao,

    possibilitando a soluo de controvrsias de modo muito mais eficiente, rpido e

    menos destrutivo do ponto de vista das relaes negociais.

    O referido autor informa que grandes empresas, como as do ramo de

    seguros, passaram a adotar um processo de mediao destinado a atender

    reclamaes dos consumidores, assim como empresas do ramo da construo

    passaram a utilizar-se desta ADR como um estgio anterior arbitragem. Assim,

    cada vez mais, este mtodo passou a ser utilizado para dirimir divergncias tanto do

    mbito empresarial como jurdico.

    Segundo Farinha e Lavadinho (1997), a mediao passou a ser utilizada em

    processos de divrcio em 1974, objetivando encontrar solues para as sequelas

    decorrentes do processo de separao dos casais.

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    Davis (2003) esclarece que a mediao norte-americana feita dentro ou fora

    do processo formal, e quando se d na judicial h uma etapa anterior em que

    aplicada, e somente se no houver acordo o caso volta para a esfera judicial, e um

    dos resultados que d-se mais tempo aos juzes para se concentrarem nos casos

    que precisam de sua qualificao, inteligncia e habilidade para serem resolvidos.

    Segundo o autor, o juiz funciona como um gerenciador de casos,

    estabelecendo uma agenda rgida de quando as aes devem ser resolvidas, e

    exige dos litigantes que usem algum tipo de ADRantes de entrar na fase litigiosa da

    questo

    o resultado do gerenciamento de caso, quando o juiz assume ocontrole do caso e diz, geralmente no incio do caso: Litigantes,vocs tm de escolher um ADR. Eu no posso for-los a resolver ocaso, mas vocs devem empregar algum meio alternativo deresoluo de litgios. E o mecanismo escolhido pela grande maioriados litigantes nos Estados Unidos a mediao.

    Desse modo, embora a mediao seja extraprocessual e feita por voluntrios

    ou por profissionais remunerados pelas partes, ela estimulada pelo Poder

    Judicirio, e se realiza por deciso das partes ou por recomendao de um juiz, e

    segundo Davis (2003), o grau de sucesso de 90% dos casos, funcionando como

    mediadores juzes aposentados e advogados, sendo que, quando aplicada nostribunais, atuam profissionais da rea jurdica, que podem recorrer aos especialistas

    de outras reas quando entendem necessrio.

    O alto ndice de acordos faz com que a mediao norte-americana seja

    conhecida por seu pragmatismo em busca de resultados, no objetivo de fazer os

    processos serem resolvidos de forma mais rpida e barata, mas tambm leva a

    crticas acerca da nfase dada aos aspectos objetivos da demanda, sem que seja

    buscado um aprofundamento na denominada demanda subjetiva ou demandasociolgica.

    O modelo norte-americano foi adotado por diversos pases da Amrica, a

    exemplo da Argentina e da Colmbia, segundo Barbosa (2007, p. 141), com o claro

    objetivo de desafogar a mquina o Judicirio, mas no seu entendimento

    Este uso equivocado da mediao afasta o instituto de suapotencialidade de atuar na reduo das causas do imenso nmerode processos que esmagam os tribunais. Assim, a mediao tem

    sido apequenada, quando usada como anteparo cerceador doacesso justia, induzindo o cidado a celebrar acordos que nosatisfazem a dignidade da pessoa humana.

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    No obstante as crticas, este modelo vem sendo indicado como o mais

    adequado ao Brasil, certamente pelos mesmos motivos pelo qual vem sendo

    utilizado pelo Judicirio norte-americano.

    A Frana foi o primeiro pas europeu a utilizar-se sistematicamente damediao no Poder Judicirio e, de acordo com Andrade (2010, p. 494), enquanto

    nos Estados Unidos a mediao visa soluo da demanda atravs de um acordo,

    na Frana ela desenvolveu-se em torno da ideia de que [...] o acordo no um

    objetivo em si, mas um, a consequncia da transformao do conflito nas mos dos

    mediandos, sob o olhar atento e imparcial do mediador.

    Na Frana estabeleceram-se Servios de Mediao Familiar Pblicos, de

    carter interdisciplinar, funcionando na maioria dos casos com advogados epsiclogos, com cursos de formao em mediao. Em 1988 foi criada a

    Associationpour La Promotion de La MediationFamiliale, coordenada por uma

    comisso integrada por vrios pases europeus, com o objetivo de promover a

    mediao junto s autoridades competentes dos diversos Estados, formando

    mediadores e definindo critrios de habilitao profissional para os mediadores

    europeus.

    O modelo francs adotado na maioria dos pases da Europa, a exemplo daEspanha, Portugal, Itlia, Portugal, Inglaterra e tantos outros, existindo parmetros

    na comunidade europeia que so comuns aos seus membros, embora se registrem

    especificidades de adaptao do modelo s culturas locais.

    A mediao francesa preferencialmente interdisciplinar e pode ocorrer no

    mbito extrajudicial ou no judicial.

    Quando se trata da mediao judicial, a mediao regulamentada pelos

    artigos 131.-1 e seguintes do Novo Cdigo de Processo Civil e decorre sob o

    controle do juiz. Assim, qualquer juiz responsvel pela resoluo de um litgio pode,

    com o acordo das partes, recorrer mediao: designa para esse efeito um

    mediador, terceiro qualificado, imparcial e independente. A mediao no pode

    exceder trs meses e a sua confidencialidade assegurada. A remunerao do

    mediador fixada pelo juiz e a cargo das partes que devem pagar uma proviso no

    incio da mediao, com exceo das partes com falta de meios financeiros que

    podem beneficiar a assistncia judiciria.

    J a mediao extrajudicial no regulamentada globalmente, sendo o ofcio

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    de mediador disciplinado pela categoria profissional.

    A mediao bastante utilizada em matrias de famlia, seguros, direito do

    consumidor, questes entre trabalhadores e empregados, locaes e outros.

    Geralmente um mediador independente d um parecer sobre um litgio, sendocontatado por carta. No caso de insucesso da mediao, o processo pode ser

    introduzido em justia, num prazo que varia de acordo com a matria.

    A mediao familiar vista como um processo de construo ou reconstruo

    da relao familiar centrada na autonomia e na responsabilidade das pessoas

    referidas por situaes de ruptura ou separaes, e nestas causas o mediador

    familiar favorece, atravs da organizao de entrevistas confidenciais, a sua

    comunicao, a gesto do seu conflito no domnio familiar entendido na suadiversidade e na sua evoluo, existindo matrias acerca das quais no pode haver

    livre disponibilidade, a exemplo da filiao.

    O Canad um exemplo de sucesso da mediao, que desenvolveu um

    modelo prprio, embora tenha l chegado atravs dos Estados Unidos, a partir de

    1980, o modelo adotado assemelha-se mais mediao utilizada na Europa, em

    especial na Frana, desenvolvendo-se na Provncia de Quebec.

    O modelo francs recebeu adaptaes no Canad, onde a mediao se

    desenvolveu a ponto de falar-se num modelo canadense, em que obrigatria

    para alguns casos, de forma que o processo no recebido em uma Corte sem que

    antes as partes comprovem haver passado por um escritrio de mediao, havendo

    o Estado criado incentivos como a reduo das custas processuais (que so

    geralmente altas) para as partes que apresentarem a mediao para que o juiz a

    homologue.

    3.5 A mediao no Brasil

    O Brasil se ressente de uma legislao que regulamente a aplicao da

    mediao de uma forma geral, havendo normas direcionadas a determinados

    setores, existindo diversas discusses acerca do modelo a ser adotado, como j

    visto em outros momentos neste trabalho.

    A mediao foi formalmente introduzida no Brasil atravs do Decreto n 1.572,

    de 28 de julho de 1995, sobre as negociaes coletivas trabalhistas, prevendo areviso e o reajuste dos salrios com base na variao do IPC-r, nos arts. 9 a 13 da

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    Lei n 10.101 de 2000, sobre a participao dos trabalhadores nos lucros ou

    resultados da empresa, e tambm na Lei 9.870/99, que dispe sobre o valor total

    das anuidades escolares.

    Atualmente existem diversas propostas de regulamentao, que seroexaminadas mais adiante, mas como inexistem regras que regulem seu

    funcionamento,ela vem sendo praticada de diversas maneiras, registrando-se

    experincias institicionais e o funcionamento de diversos escritrios privados de

    mediao, em especial no campo da mediao familiar.

    A mediao j vem sendo empregada informalmente em vrios ramos do

    direito e os resultados tm sido levados para homologao judicial, transformando-

    se em ttulos judiciais, ou mesmo utilizados como ttulo extrajudicial.

    A Federao das Associaes Comerciais criaram nos Estados as Cmaras

    de Mediao e Arbitragem, que promovem cursos de formao de mediadores e

    realizam mediaes privadas ou mediante convnios institucionais.

    Registre-se que experincias com mediao so frequentes nos Tribunais

    brasileiros, a exemplo do Tribunal de Justia de Gois, Minas Gerais, Distrito

    Federal e Territrios, do Tribunal de Alada do Paran, So Paulo, Cear, Santa

    Catarina, Rio Grande do Sul e Alagoas, entre outros.

    Todas as experincias tm sido bem sucedidas, resultando num alto ndice de

    resolubilidade das demandas e, mesmo nos casos em que no houve o acordo, as

    partes reconheceram que a mediao facilitou a soluo posterior.3

    3.6 Experincias de mediao em Alagoas

    Em Alagoas foi criada, em 1998, a Cmara de Mediao e Arbitragem de

    Alagoas CAMEAL, como rgo da Federao das Associaes Comerciais doEstado de Alagoas.

    Juntamente com a Associao Comercial e o SEBRAE, entidades

    componentes do Conselho Diretor da CAMEAL, foram firmados convnios com a

    OAB Mulher e Defensoria Pblica do Estado de Alagoas para a administrao de

    procedimentos de mediao e arbitragem assistenciais com profissionais

    pertencentes aos seus quadros e passou a desenvolver um projeto piloto com a 1

    3Ver ndices Mediao em Gois; Mediao em So Paulo, etc . Disponvel em: Acesso em: 22 ago. 2010.

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    Vara de Famlia da Capital (atual 22 Vara Cvel), obtendo excelentes resultados.

    (DANTAS, 2001).

    Foi tambm criado, em 2005, o Ncleo de Mediao Familiar - NIMEFAM, de

    natureza interdisciplinar, numa integrao Psicologia e Servio Social, que atua noFrum Universitrio da Universidade Federal de Alagoas.

    O mais recente avano foi o Convnio celebrado em 2010 entre o Tribunal de

    Justia de Alagoas e a FEDERALAGOAS Federao das Associaes Comerciais

    do Estado de Alagoas para a criao de unidade denominada Posto Avanado de

    Conciliao Extrajudicial, que funcionar nas dependncias da Associao

    Comercial de Alagoas, realizando conciliaes e mediaes de questes cveis,

    ajuizadas ou no.

    4 PROPOSTAS LEGISLATIVAS PARA A APLICAO DA MEDIAO NO MBITODO PODER JUDICIRIO, NO BRASIL

    4.1 O Projeto de Lei n 94/2002

    Objetivando suprir a falta de regulamentao da mediao no Brasil, diversas

    propostas legislativas foram formuladas, sendo o anteprojeto da autoria da deputada

    Zulai Cobra Ribeiro, de 1998, o mais conhecido, que recebeu colaboraes do

    Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil, formulando num projeto que reuniuideias comuns. Este mesmo projeto foi reformulado pelo Senador Pedro Simon,

    responsvel por sua atual redao, aps a realizao de audincias pblicas.

    Em 21 de Junho de 2006, a Comisso de Constituio, Justia e Cidadania

    do Senado aprovou o Projeto de Lei da Cmara n 94 de 2002 (n 4827 de 1998, na

    Casa de origem), confirmado pelo Plenrio, que voltou Cmara dos Deputados em

    razo das alteraes sofridas.

    O Projeto pretende institucionalizar e disciplinar a mediao como mtodo de

    preveno e soluo consensual de conflitos, apontando a disciplina jurdica da

    mediao judicial ou extrajudicial , sendo definida como atividade tcnica

    exercida por terceira pessoa, que escolhida ou aceita pelas partes interessadas, as

    escuta e orienta com o propsito de lhes permitir que, de modo consensual,

    previnam ou solucionem conflitos.

    O projeto prevque a mediao poder incidir em toda matria que a lei civil

    ou penal admita conciliao, reconciliao ou transao. Podem ser mediadores

    tanto pessoas fsicas quanto pessoas jurdicas que, nos termos de seu objeto social,

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    se dediquem ao exerccio da mediao. O exerccio da mediao poder ser nas

    modalidades prvia ou incidental e judicial ou extrajudicial, assentando que ela ser

    sempre sigilosa, salvo conveno das partes, e que o termo de transao, lavrado

    pelo mediador e assinado por ele e pelos interessados, poder ser homologado pelo

    juiz e consistir em ttulo executivo judicial.

    Quanto qualificao dos mediadores, o projeto e o parecer discriminam

    quem pode ser mediador judicial, extrajudicial ou co-mediador, outorgando

    atribuies Ordem dos Advogados do Brasil, aos Tribunais de Justia dos Estados

    e s instituies especializadas previamente credenciadas pelos Tribunais de

    Justia o treinamento e seleo dos candidatos funo de mediador.

    Curioso notar que o Projeto equipara os mediadores, quando no exerccio desuas atribuies, aos funcionrios pblicos para fins penais, e aos auxiliares da

    justia, para todos os fins, impondo-lhes os deveres de imparcialidade,

    independncia, aptido, diligncia e confidencialidade.

    Oregistro dos mediadores ser mantido pelos Tribunais de Justia, a quem

    caber normatizar o processo de inscrio dos mediadores que atuaro no mbito

    de sua jurisdio.

    Est tambm descrita a forma de fiscalizao e controle da atividade de

    mediao. Constam as hipteses de impedimento dos mediadores e condutas

    passveis de censura, trazendo linhas gerais sobre o processo administrativo a que

    se submetero os mediadores.

    Foi disciplinada a atividade dos mediadores judiciais, que se submetero ao

    controle da Ordem dos Advogados do Brasil. Esto arroladas no Captulo III do

    referido projeto as hipteses de excluso do Registro de Mediadores e a clusula de

    vedao de recadastramento do mediador excludo por conduta inadequada, em

    qualquer local do territrio nacional.

    A mediao prvia est disciplinada no Captulo IV. O Captulo V pretende

    tornar obrigatria a tentativa de mediao incidental. Neste sentido, a

    obrigatoriedade da mediao incidental pode ter o condo de estimular a

    autocomposio e "desafogar" as varas de primeira instncia, em consonncia com

    o inciso LXXVIII do art. 5 da Constituio Federal, que estatui que "a todos, no

    mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e

    os meios que garantam a celeridade de sua tramitao."

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    Por fim, o Captulo VI traz disposies finais, de carter geral, estatuindo que

    a atividade do mediador ser sempre remunerada e estabelecendo o prazo de 180

    dias para os Tribunais de Justia expedirem as normas regulamentadoras que

    viabilizem o incio das atividades.

    Neste trabalho, j foi comentado brevemente o PL 94/2002, destacando a

    importncia de haver sido prestigiada a mediao prvia, sendo que o Projeto

    original lhe dava natureza facultativa, enquanto que a verso atual vem torna-la

    etapa obrigatria, o que pode criar uma nova instncia burocrtica, desnecessria

    quando as partesj esto de acordo com as condies da demanda. (DANTAS,

    2005).

    Embora possa efetivamente ser criada esta instncia que poderia serdescartada, evidente que, para o juiz, sempre ser mais fcil conduzir um

    processo quando as partes j foram atendidas por um profissional que ter levado

    as partes a dialogar, podendo ser abordada a denominada lide sociolgica ou

    subjetiva.

    Entende-se igualmente salutar que a parte possa optar por um mediador

    independente e que, no o fazendo, o juiz indique um mediador oficial, pois assim

    haver mais autonomia na conduo da questo e no uma imposio judicial.

    O fato de ser o mediador um advogado j indica que o projeto optou pelo

    modelo pragmtico norte-americano, pois ser dada nfase aos aspectos jurdicos

    da questo, e no sua funo teraputica, prpria do modelo europeu. Tambm

    a existncia de prazo (noventa dias) para que a mediao prvia se desenvolva

    demonstra esta opo.

    De qualquer modo, o mediador judicial ser sempre um profissional

    experiente, exigindo-se do advogado o exame prvio da Ordem dos Advogados, trs

    anos de experincia, ter registro nos tribunais, que podero controlar sua atividade

    de acordo com as regras de procedimento, sem esquecer a existncia das

    associaes profissionais que igualmente exercero controle sobre atividade.

    Quanto ao mediador extrajudicial, evidencia-se que, como ser escolhido

    pelas partes, os melhores profissionais certamente sero aqueles capazes de

    conduzir o conflito a um final, gerindo com competncia as fases da mediao.

    Embora haja a crtica pela opo pelo profissional do direito no papel de

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    mediador, necessrio admitir que os sistemas mais eficientes utilizam este

    profissional, que detm informaes acerca do essencial na soluo do problema

    jurdico. Por outro lado, o projeto prev a figura do co-mediador interprofissional, que

    dever ser da rea de conhecimento subjacente ao litgio, e ser obrigatria sua

    participao quando se tratar de matria do Direito de Famlia ou de estado da

    pessoa (psiquiatra, psiclogo ou assistente social, ou de outra rea afim).

    Ponto que parece criticvel a possibilidade participao do advogado da

    parte na mediao, pois, em alguns casos, o advogado dificulta o acordo,

    incentivando a beligerncia das partes, na inteno de obter mais vantagens no

    processo. Ser necessrio que os advogados se adaptem a uma nova mentalidade

    conciliatria, caso contrrio as vantagens da mediao podero ser mitigadas.Questo que no parece bem definida aquela acerca da remunerao dos

    mediadores, que poder se constituir em mais um nus para as partes, e quando

    pobres (que a maioria) para o contribuinte, num cenrio em que os defensores

    pblicos j so insuficientes.

    4.2 O Projeto do novo Cdigo de Processo Civil

    Com o objetivo de elaborar um novo Cdigo de Processo Civil, foi constituda

    uma comisso de juristas presidida pelo Ministro do Superior Tribunal de Justia

    Luiz Fux, que realizou audincias pblicas em diversas capitais, abrindo um amplo

    debate sobre o Anteprojeto, que se transformou no PLS 166/2010, tendo como

    relator o Sen. Valter Pereira.

    O anteprojeto contm uma Seo V Dos Conciliadores e mediadores

    judiciais que trata desses profissionais como auxiliares da justia, a exemplo dos

    peritos, dando liberdade para que cada tribunal crie seu setor de conciliao e

    mediao, evidentemente que dentro dos parmetros que ele estabelece.

    Os parmetros estabelecidos no projeto pareceram adequados, pois

    estabelece princpios como os da independncia, neutralidade, autonomia, vontade,

    confidencialidade, oralidade e informalidade (art. 134), sem os quais seria impossvel

    cobrar, dos mediadores, tica na funo.

    Ponto que parece controverso que o art. 134 diz que ser observada a

    autonomia das partes, e no art. 135 diz que a realizao de conciliao ou mediaodever ser estimulada por magistrados, advogados, defensores pblicos e

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    membros do Ministrio Pblico, inclusive no curso do processo judicial, o que

    aparentemente se choca com a obrigatoriedade da mediao prevista no PL

    92/2002.

    mantida a hiptese da escolha do mediador pelas partes, ou a indicaopelo juiz, mas mediante sorteio entre os cadastrados no tribunal.

    A proposta do mediador advogado parece ter prevalecido neste projeto, pois o

    art. 137 fala que [...] os tribunais mantero um registro de conciliadores e

    mediadores, que conter o cadastro atualizado de todos os habilitados por rea

    profissional, mantendo a exigncia da inscrio na Ordem dos Advogados do Brasil

    e a capacitao mnima, por meio de curso realizado por entidade credenciada pelo

    tribunal.

    O projeto prev a sano da excluso do registro para o mediador que tiver

    sua excluso solicitada por qualquer rgo julgador do tribunal, agir com dolo ou

    culpa na conduo da conciliao ou da mediao sob sua responsabilidade; violar

    os deveres de confidencialidade e neutralidade ou atuar em procedimento de

    mediao, apesar de impedido.

    A questo da remunerao foi tratada de modo semelhante atribuda ao

    advogado, pois prev uma em tabela fixada pelo tribunal, conforme parmetros

    estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justia.

    Importante destacar que a mediao judicial no exclui outras formas de

    conciliao e mediao extrajudiciais vinculadas a rgos institucionais ou

    realizadas por intermdio de profissionais independentes, mas o projeto no se

    referiu ao co-mediador, o que no inviabiliza sua atividade, pois funcionaria como

    perito ou sua participao no processo atenderia legislao especfica.

    4.3 O Projeto do Estatuto das Famlias

    O Projeto do Estatuto das Famlias (PL 2285/2007) que se acha na Cmara

    dos Deputados, na fase de audincias pblicas, foi elaborado pelo Instituto Brasileiro

    do Direito de Famlia IBDFAM, para promover uma reviso legislativa ao reunir

    disposies atualizadas que protejam as novas configuraes familiares brasileiras,

    e est apensado ao Projeto de Lei 674/2007, do deputado Cndido Vaccarezza, que

    trata da unio estvel.Alm de direito material, regulando as entidades familiares, o Projeto contm

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    disposies processuais, onde inclui, no artigo 128, no Captulo dedicado do

    processo relativo ao Direito de Famlia, que Em qualquer ao ou jurisdio, deve

    ser buscada a conciliao e sugerida prtica da mediao extrajudicial, podendo

    ser determinada a realizao de estudos sociais bem como o acompanhamento

    psicolgico das partes.

    Tambm no art. 1.436, consta que, no obtida a conciliao, as partes podem

    ser encaminhadas a estudo psicossocial ou a mediao extrajudicial.

    Destaque-se que, quando o Projeto fala em mediao extrajudicial, refere-se

    mediao realizada fora do Poder Judicirio, mas como uma medida que pode ser

    determinada no processo judicial, cujos resultados nele influiro, tanto que os

    acordos sero levados homologao judicial.

    O que se destaca no Projeto a posio do Instituto Brasileiro de Direito de

    Famlia favorvel mediao independente e extrajudicial, interdisciplinar e dentro

    do princpio da autonomia das partes, com regulamentao e controle fora do mbito

    do Judicirio, mas com resultados dirigidos para sua atividade.

    CONCLUSO

    A crescente demanda de processos nos tribunais exige dos gestoresjudicirios a adoo de diversas medidas com o objetivo de enfrentar a sobrecarga

    de aes. Uma delas, estabelecida como meta prioritria, tem sido a utilizao de

    mtodos alternativos de gesto de conflitos, com o intuito de resolv-los no menor

    espao de tempo e da forma menos onerosa possvel, sendo as tcnicas negociais

    mais destacadas: a conciliao, a mediao e a arbitragem, conhecidas

    internacionalmente por ADR - alternative dispute resolutionque, no Brasil, so

    denominadas MESCs (Mtodos Extrajudiciais de Soluo de Conflitos).

    A mediao, embora seja apontada como opo de tcnica alternativa de

    gesto de conflitos adequada pacificao social to eficiente quanto s demais,

    ainda no recebeu do legislador, ou mesmo dos gestores do Poder Judicirio

    Brasileiro, a devida ateno, tanto que sua previso legal restringe-se a poucas

    hipteses, embora j se tenha desenvolvido bastante em termos doutrinrios e seja

    aplicada em diversas reas, inclusive na judicial.

    No obstante, no pacfica a sua utilizao sistemtica pelo PoderJudicirio, sendo discutida a sua compatibilidade e adequao aos procedimentos

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    judiciais, marcados pelo cunho da adversidade e pela inafastabilidade da apreciao

    do caso concreto por um juiz, que deve decidir as questes que lhe so trazidas

    apreciao. Diante disso, frequentemente se questiona se a mediao um

    instrumento adequado para ser utilizado na gesto de conflitos, no mbito do Poder

    Judicirio, como mediao judicial ou processual, ou se deveria permanecer como

    um mtodo extrajudicial, ou paraprocessual de resoluo de demandas.

    Por outro lado, embora o Poder Judicirio no seja a nica via para a

    pacificao e para a aplicao do direito, que pode e deve ser realizado por toda a

    sociedade, , ainda, o meio mais utilizado, em especial nas comunidades que no

    detm o conhecimento necessrio para, conhecendo o direito, aplic-lo, de per si,

    em suas re