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7/30/2019 Revista Realizada Pelo Prof http://slidepdf.com/reader/full/revista-realizada-pelo-prof 1/133 Revista Realizada pelo Prof. Anivaldo João da Silva Cardoso - Professor de Direito, em 15 de junho de 2007 (com suporte na Doutrina de Silvio de Salvo Venosa e Carlos Roberto Gonçalves - 2006) 1. Evolução da Teoria Contratual. Conceito de Contrato. A matéria Contratos está inserida na Parte Especial do Novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/01/2002, que entrou em vigor em 11/01/2003 – sábado), no Livro I, destinado ao Direito das Obrigações, a partir do Art. 421, no Capítulo V destinado aos Contratos em Geral. Acusado de falho, indefinido, anacrônico, ultrapassado, omisso e desnecessário (levou 26 anos até ser aprovado), por alguns defensores da maior eficácia da edição de leis específicas e pontuais, o novo diploma legal tem virtudes que não podem ser negadas. O Código Civil de 1916, embora ainda eficiente, retrata a ideologia dominante no Século XIX, já tornara inadequado aos valores sociais, políticos, filosóficos e econômicos desenvolvidos desde meados do Século XX até o presente. Se o novo Código não é perfeito e completamente atual, é mais técnico e mais adequado ao nosso tempo. Se fossemos esperar a perfeição de um Código, com as dimensões do novo Código Civil, certamente teríamos uma eterna postergação de sua aprovação e a constantes e infindáveis debates sobre as mais variadas normas de regência da vida privada. A constatação da disparidade entre a realidade econômica e a jurídica serve de incentivo à criação de um novo direito que estreite a distância e concilie o ordenamento às necessidades da sociedade que o mesmo regula. É preciso, pois, repensar o direito privado, adequá-lo à nova realidade para proporcionar à sociedade relações ao mesmo tempo mais justas e suficientemente seguras, capazes de sustentar o progresso econômico e social. De fato, somente um sistema jurídico composto por Cláusulas Gerais, flexível e capaz de recepcionar a evolução do  pensamento e do comportamento social seria capaz de conferir ao mesmo tempo a ordem e a segurança jurídica reclamadas  pela sociedade frenética e multifacetada de nosso século. Mas, o que são cláusulas gerais? As Cláusulas Gerais importam em avançada técnica legislativa de enunciar, através de expressões semânticas relativamente vagas, princípios e máximas que compreendem e recepcionam a mas variada sorte de hipóteses concretas de condutas tipificáveis, já ocorrentes no presente ou ainda por se realizarem no futuro – são os chamados conceitos jurídicos indeterminados. Estes novos tipos de normas buscam a formulação de hipótese legal mediante o emprego de conceitos cujos termos têm intencionalmente significados abertos e vagos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados, tais como urgência, ordem  pública, justo preço, calamidade pública, medidas adequadas ou proporcionais, necessidade pública, utilidade pública e interesse público. O caminho da modernidade foi trilhado pelo novo Código Civil em matéria de contratos. Há conceitos vagos, há contratos novos, que surgiram após a sua idealização. Cabe a nós, estudantes de direito, operadores do direito, advogados, aos intérpretes, a jurisprudência e à doutrina, a sempre árdua tarefa de manter o texto legal sempre vivo e adequado aos valores nele inseridos, a despeito das mudanças ocorridas no mundo dos fatos e das relações sociais e individuais. Especificamente no que tange à Teoria Geral dos Contratos, a técnica legislativa de estipulação da cláusula geral foi manejada seguindo a tendência das modernas legislações ocidentais, justamente para limitar a autonomia das vontades na estipulação das obrigações contratuais, na produção do que se costumou conceituar como lei privada. Esta exposição visa acentuar o debate sobre tema de relevantíssima importância para a compreensão de toda e qualquer relação contratual e que servirá de norte para as mais numerosas lides e pendências contratuais, que é o Declínio da Autonomia da Vontade como fonte originária do direito contratual e os Limites da Ingerência do Estado no Âmbito da Lei Privada. Essa tendência do Estado Moderno teve reflexo no novo Código Civil. Note-se que a primeira e maior novidade desse novo compêndio foi a Limitações da Liberdade de Contratar pela chamada Função Social do Contrato, disposta no artigo 421, verbis: "Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato." Esse princípio tem o poder de impor condutas ou restringir a liberdade de auto-imposição de direitos e obrigações. Trata-se de nítida Norma Restritiva da Autonomia Contratual. A segunda norma deste mesmo capítulo das Disposições Gerais obriga os contratantes a agir com Probidade e Boa-Fé. Confira-se: "Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da  probidade e boa-fé." Sob o mesmo fundamento, encontra-se ainda o Art. 157, que introduziu o instituto da Lesão no direito codificado brasileiro, como Exceção do Princípio da Obrigatoriedade do Contratado: "Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga à prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta."  Nota-se, por isso, uma evidente Intenção do Sistema de abrandar a máxima Pacta Sunt Servanda (os contratos devem ser cumpridos), permitindo que permeiem o direito privado noções e valores tipicamente públicos: Dirigismo Estatal, Função Social, Publicização das Relações Privadas.

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Revista Realizada pelo Prof. Anivaldo João da Silva Cardoso - Professor de Direito, em 15 de junho de 2007(com suporte na Doutrina de Silvio de Salvo Venosa e Carlos Roberto Gonçalves - 2006)

1. Evolução da Teoria Contratual. Conceito de Contrato.A matéria Contratos está inserida na Parte Especial do Novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/01/2002, que entrou emvigor em 11/01/2003 – sábado), no Livro I, destinado ao Direito das Obrigações, a partir do Art. 421, no Capítulo V

destinado aos Contratos em Geral.Acusado de falho, indefinido, anacrônico, ultrapassado, omisso e desnecessário (levou 26 anos até ser aprovado), por algunsdefensores da maior eficácia da edição de leis específicas e pontuais, o novo diploma legal tem virtudes que não podem ser negadas.

O Código Civil de 1916, embora ainda eficiente, retrata a ideologia dominante no Século XIX, já tornara inadequado aosvalores sociais, políticos, filosóficos e econômicos desenvolvidos desde meados do Século XX até o presente.Se o novo Código não é perfeito e completamente atual, é mais técnico e mais adequado ao nosso tempo. Se fossemosesperar a perfeição de um Código, com as dimensões do novo Código Civil, certamente teríamos uma eterna postergação desua aprovação e a constantes e infindáveis debates sobre as mais variadas normas de regência da vida privada.A constatação da disparidade entre a realidade econômica e a jurídica serve de incentivo à criação de um novo direito queestreite a distância e concilie o ordenamento às necessidades da sociedade que o mesmo regula. É preciso, pois, repensar odireito privado, adequá-lo à nova realidade para proporcionar à sociedade relações ao mesmo tempo mais justas e

suficientemente seguras, capazes de sustentar o progresso econômico e social.De fato, somente um sistema jurídico composto por Cláusulas Gerais, flexível e capaz de recepcionar a evolução do pensamento e do comportamento social seria capaz de conferir ao mesmo tempo a ordem e a segurança jurídica reclamadas pela sociedade frenética e multifacetada de nosso século.Mas, o que são cláusulas gerais?As Cláusulas Gerais importam em avançada técnica legislativa de enunciar, através de expressões semânticas relativamentevagas, princípios e máximas que compreendem e recepcionam a mas variada sorte de hipóteses concretas de condutastipificáveis, já ocorrentes no presente ou ainda por se realizarem no futuro – são os chamados conceitos jurídicosindeterminados.Estes novos tipos de normas buscam a formulação de hipótese legal mediante o emprego de conceitos cujos termos têmintencionalmente significados abertos e vagos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados, tais como urgência, ordem

 pública, justo preço, calamidade pública, medidas adequadas ou proporcionais, necessidade pública, utilidade pública einteresse público.

O caminho da modernidade foi trilhado pelo novo Código Civil em matéria de contratos. Há conceitos vagos, há contratosnovos, que surgiram após a sua idealização. Cabe a nós, estudantes de direito, operadores do direito, advogados, aosintérpretes, a jurisprudência e à doutrina, a sempre árdua tarefa de manter o texto legal sempre vivo e adequado aos valoresnele inseridos, a despeito das mudanças ocorridas no mundo dos fatos e das relações sociais e individuais.Especificamente no que tange à Teoria Geral dos Contratos, a técnica legislativa de estipulação da cláusula geral foimanejada seguindo a tendência das modernas legislações ocidentais, justamente para limitar a autonomia das vontades naestipulação das obrigações contratuais, na produção do que se costumou conceituar como lei privada.Esta exposição visa acentuar o debate sobre tema de relevantíssima importância para a compreensão de toda e qualquer relação contratual e que servirá de norte para as mais numerosas lides e pendências contratuais, que é o Declínio daAutonomia da Vontade como fonte originária do direito contratual e os Limites da Ingerência do Estado no Âmbito da LeiPrivada.Essa tendência do Estado Moderno teve reflexo no novo Código Civil. Note-se que a primeira e maior novidade desse novocompêndio foi a Limitações da Liberdade de Contratar pela chamada Função Social do Contrato, disposta no artigo 421,

verbis:"Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."Esse princípio tem o poder de impor condutas ou restringir a liberdade de auto-imposição de direitos e obrigações. Trata-sede nítida Norma Restritiva da Autonomia Contratual.A segunda norma deste mesmo capítulo das Disposições Gerais obriga os contratantes a agir com Probidade e Boa-Fé.Confira-se:"Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da

 probidade e boa-fé."Sob o mesmo fundamento, encontra-se ainda o Art. 157, que introduziu o instituto da Lesão no direito codificado brasileiro,como Exceção do Princípio da Obrigatoriedade do Contratado: "Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob prementenecessidade, ou por inexperiência, se obriga à prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta."

 Nota-se, por isso, uma evidente Intenção do Sistema de abrandar a máxima Pacta Sunt Servanda (os contratos devem ser cumpridos), permitindo que permeiem o direito privado noções e valores tipicamente públicos: Dirigismo Estatal, FunçãoSocial, Publicização das Relações Privadas.

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E essas mudanças se fizeram através de Cláusulas Gerais, que à primeira vista podem gerar uma certa insegurança e perplexidade, mas que podem perfeitamente conviver no sistema jurídico se respeitados os pilares da organização política, jurídica e econômica da sociedade.A idéia de contrato vem sendo moldada, desde os romanos, tendo sempre como base as práticas sociais, a moral e o modeloeconômico da época. Por isso, o valor decisivo do contrato está em ser o instrumento jurídico que possibilita e regulamenta omovimento de riquezas dentro da sociedade.

O contrato remedia a desconfiança básica entre os homens e funciona como instrumento, antes individual, hoje social, deredução de riscos para a segurança dos envolvidos e a viabilização dos objetivos almejados pelas partes.Sem o Contrato, as partes interessadas ficariam sempre na dependência de confiaram na palavra, no Fio do Bigode, daquelecom quem desejam realizar um determinado negócio jurídico.Para a teoria jurídica, o contrato é um negócio jurídico por excelência, onde o consenso de vontades dirige-se para umdeterminado fim. É ato jurídico vinculante, no sentido de que criará ou modificará direitos e obrigações para as partescontratantes, sendo tanto o ato como os seus efeitos permitidos e protegidos pelo Direito.A concepção de contrato, a idéia de relação contratual sofreu, porém, nos últimos tempos uma evolução sensível, em face dacriação de um novo tipo de sociedade, sociedade industrializada, de consumo, massificada, em face também da revoluçãonatural do pensamento teórico-jurídico.O Contrato Evoluiu, então, de espaço reservado e protegido pelo direito para A Livre e Soberana Manifestação da Vontadedas Partes, para ser Um Instrumento Jurídico Mais Social, Controlado e Submetidoa Uma Série de Imposições Cobentes, masEqüitativas.

 2. Antecedentes HistóricosA palavra contractus significa Unir, Contrair.

 No Direito Romano não era o único termo utilizado para finalidades semelhantes. Convenção, de conventio, provém de cumvenire, vir junto. E pacto, provém de pacis si – estar de acordo.Como linguagem figurativa, podemos usar modernamente as expressões como sinônimos, embora somente o contrato tenhasentido técnico.Convenção é termo mais genérico, aplicável a toda espécie de ato ou negócio bilateral.O termo pacto fica reservado para cláusulas acessórias que aderem a uma convenção ou contrato, modificando seus efeitosnaturais, como o pacto de melhor comprador (na compra e venda) e o pacto antenupcial (no casamento).

 No Direito Romano primitivo, os contratos, como todos os atos jurídicos, tinham caráter rigoroso e sacramental. As formasdeviam ser obedecidas, ainda que não expressassem exatamente a vontade das partes. Na época da Lei das XII Tábuas, aintenção das partes estava materializada nas palavras corretamente pronunciadas à vista dos interessados (stipulatio).

Quando da queda do domínio romano, o Direito Germânico é um direito menos avançado que o Direito Romano, estandodominado pelo simbolismo. Para se obrigar, havia a necessidade de um ritual. Esse procedimento simbólico conservou-se atéa alta Idade Média.As práticas medievais evoluem para transformar a stipulatio romana no traditio cartae (carta de entrega), o que indica aentrega de um documento. A forma escrita passa, então, a ter predominância. A influência da igreja e o renascimento dosestudos romanos na Idade Média vieram enfatizar o sentido obrigatório do contrato. 3. A Concepção Tradicional do Contrato

 Na ciência jurídica do século XIX, a autonomia da vontade era a pedra angular do direito. A concepção do vínculo contratualdesse período está centrada na idéia De Valor de Vontade, como elemento principal, como fonte única e como legitimação

 para o nascimento de direitos e obrigações oriundas da relação jurídica contratual.É a época do liberalismo na economia e do chamado Voluntarismo do Direito. A função das leis em relação aos contratos erasomente a de proteger esta vontade criadora e de assegurar a realização dos efeitos queridos pelos contratantes.

A tutela jurídica limitava-se a possibilitar a estruturação pelos indivíduos destas relações jurídicas próprias assegurando umateórica autonomia, igualdade e liberdade no momento de contratar, desconsiderando por completo a situação econômica esocial dos contraentes.

 Na teoria do direito, a concepção clássica de contrato está diretamente ligada à doutrina da autonomia da vontade e ao seureflexo mais importante, o dogma da Liberdade Contratual.Para esta concepção, a vontade dos contraentes, declarada ou interna, é o elemento principal do contrato. A vontaderepresenta não só a gênesis (o princípio), como também a Legitimação do Contrato e de seu poder vinculante e obrigatório.Esta concepção clássica de contrato, individualista, liberal e centrada na idéia de valor da vontade, influenciará o pensamento

 jurídico brasileiro, sendo aceita pelo Código Civil de 1917.Todavia, foi a Revolução Francesa que basicamente determinou o conceito de autonomia da vontade. A Revolução Francesafoi gestada (idealizada) durante muitos séculos e planejada perto de um século, na realidade, ao influxo de uma burguesia ricae abastada, mas que se encontrava politicamente contida, uma vez que o poder político ainda residia em mãos da nobreza, por isso que aquela carecia de segurança jurídica e política.Quando essa burguesia assumiu o poder, tratou de modificar a sociedade e realizar idéias fundamentais de sua pregação,implementando, realmente, no plano histórico, o que foi a sua concepção de liberdade e a sua noção de direito de

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 propriedade. À concretização de sua noção extrema e radical de liberdade, era necessário um Estado que não interferisse, edaí, o chamado Estado de Polícia, ou L’Etát Gendarme.De acordo com o Prof. José Manoel de Arruda Alvim Netto (A função social dos contratos no Novo Código Civil), "todadisciplina do século XIX gravitou, fundamentalmente, em torno de duas realidades: a liberdade e, nesse espaço de liberdade,o exercício da atividade econômica através dos contratos e, paralelamente a garantia do direito de propriedade. Isto é, foi amaneira através da qual a burguesia assumiu o domínio da sociedade e a continuação desse domínio na sociedade se deu

 justamente através do domínio dos corpos legislativos e, mais ainda, em seqüência a isto, com o domínio da ordem jurídica,tal como ela resolveu moldar essa ordem jurídica para que ela viesse a assegurar, continuadamente, o prevalecimento de seusinteresses. (...)A mensagem emblemática, bonita, da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade) e que, na realidade, não serealizou inteiramente no plano histórico, teve efeitos negativos profundos.Como é que a burguesia dominou, ou, mais precisamente, manteve o seu domínio? A burguesia tinha profunda desconfiançados juízes, uma vez que os juízes eram egressos da antiga nobreza; teve ela, então, que conviver com uma magistraturaoriunda, em boa parte, da classe dominante.A forma através da qual a burguesia conseguiu dominar foi exatamente através do instrumento da lei, dentro do sistema

 jurídico, criando a noção de que a lei não podia sequer ser interpretada, num primeiro momento, ou, então, sucessivamente,que havia de comportar, apenas, interpretação literal. Não havia espaço para a liberdade de atuação maior para osmagistrados. (...)É preciso ter presente que a burguesia não deixou espaço maior para a magistratura e, paralelamente, predominou de forma

absoluta na feitura das leis. Este é um ponto muito importante para se entender bem as mutações que vieram a ocorrer nomundo, durante o século XIX, e, especialmente, tendo como momentos sucessivos de cristalização as referências à primeira eà segunda guerras mundiais, mercê de cujos impactos alteraram-se os valores do individualismo que, em largo espaço,resultou substituído pelo valor social.Este novo Código Civil bem revela e expressa normativamente essa evolução sofrida pelo direito privado.Até aproximadamente 1830, era proibida a interpretação da lei na França e em outros países. E, sucessivamente, de 1830 a1880, admitia-se exclusivamente a interpretação literal. Os tipos normativos era, geralmente, minuciosos, tipos normativos

 plenos de elementos definitórios, e no sentido normativo não havia conceitos vagos ou abertos, em setores importantes doDireito, como sucessiva e crescentemente veio a ocorrer. Poder-se-ia dizer que os burgueses influíam diretamente nosParlamentos e, indiretamente, na magistratura, através da aplicação rígida das regras jurídicas.Então, o domínio da burguesia através do Parlamento e a linguagem predominantemente utilizada nos Códigos acabaramlevando a este ambiente de Direito favorável aos interesses da burguesia. Somente no ano de 1880 é que se veio a falar, quaseque simultaneamente, através de três juristas alemães, em interpretação teleológica (voltada para a finalidade). Então isso

mudou profundamente o relacionamento dos poderes e acabou-se reconhecendo mais poderes ao juiz, e isto ocorreu de formacrescente, até nossos dias."Fica claro que, por trás da teoria da autonomia da vontade, está a idéia de superioridade da vontade sobre a lei, uma vez queas normas legais restringem-se apenas a fornecer parâmetros para a interpretação correta da vontade das partes e a oferecer regras supletivas para o caso dos contratantes não regularem, eles próprios, determinados pontos da obrigação assumida,como, por exemplo, as regras sobre o lugar e o tempo do pagamento.A idéia de força obrigatória dos contratos significa que uma vez manifestada a vontade das partes estão ligadas por umcontrato, têm direitos e obrigações e não poderão se desvincular, a não ser através de outro acordo de vontades ou pelasfiguras da força maior ou caso fortuito (acontecimentos fáticos incontroláveis pela vontade do homem).Esta força obrigatória vai ser reconhecida pelo direito e vai se impor frente à tutela jurisdicional. Ao juiz não cabe modificar e adequar à equidade a vontade das partes manifestada no contrato, ao contrário, na visão tradicional, cabe-lhe respeita-la eassegurar que as partes atinjam os efeitos queridos pelo seu ato. 

4. A Nova Teoria Contratual Nessa concepção tradicional do contrato, a relação contratual seria obra de dois parceiros em posição de igualdade perante odireito e a sociedade, os quais discutiriam individual e livremente as cláusulas de seu acordo de vontade. Seria o que hojedenominaríamos de contratos paritários ou individuais.Esses contratos paritários, discutidos individualmente cláusula a cláusula, em igualdade de condições e com tempo paratratativas preliminares, ainda hoje existem, mas em número reduzido e geralmente nas relações entre dois particulares(consumidores), mais raramente, entre dois profissionais e somente quando de um mesmo nível econômico.A atual dinâmica social relega a segundo plano esse contrato tradicional. Cada vez mais raramente contrata-se com uma

 pessoa física. A pessoa jurídica, a empresa, pequena, média ou grande, os grandes e pequenos detentores de capital, enfim, o próprio Estado, são os que fornecem os bens e serviços ao consumidor final. Os contratos são negócios de massa.A sociedade hoje, por outro lado, é fugaz e consumista. Os bens e serviços são adquiridos para serem prontamente utilizadose consumidos.Cumpre ao jurista analisar a posição do contratante individual, aquele que é tratado como "consumidor", o qual consegue, nasociedade capitalista, ser ao mesmo tempo a pessoa mais importante e, paradoxalmente, a mais desprotegida da relaçãonegocial.

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 Nesse passo, o contrato passou a ser o instrumento fundamental do mundo negocial, da geração de recursos e da propulsão daeconomia.Por uma questão de economia, de racionalização, de praticidade e mesmo de segurança, a empresa predispõeantecipadamente um esquema contratual, oferecido à simples adesão dos consumidores, isto é, pré-redigem um complexouniforme de cláusulas, que serão aplicáveis indistintamente a toda esta série de futuras relações contratuais.Estes contratos são homogêneos em seu conteúdo (por exemplo, vários contratos de seguro de vida, de planos de saúde, de

compra e venda a prazo de bem móvel), mas concluídos com uma série ainda indefinida de contratantes.Hoje, os fenômenos da predisposição de cláusulas ou condições gerais dos contratos e do fechamento de contratos de adesão predominam em quase todos os setores da vida privada, onde há superioridade econômica ou técnica entre os contratantes,seja nos contratos das empresas com seus clientes, sejam com seus fornecedores, seja com seus assalariados.De se notar, também, que estas novas técnicas contratuais, de pré-elaboração unilateral do conteúdo do contrato, também sãoutilizadas por empresas públicas ou concessionárias do serviço público (por exemplo, no fornecimento de água, luz, serviçosde transporte, correios, telefonia).Cabe lembrar, por fim, que nas relações de massa nem sempre os contratos são feitos por escrito, pois ao lado dos contratosde adesão, expressos em formulários, existem os contratos orais, a aceitação através das chamadas condutas sociais típicas, ossimples recibos, os tickets de caixas automáticas. Em matéria contratual, nenhum desses fenômenos pode ser desprezado.Hoje, estas novas técnicas contratuais são indispensáveis ao moderno sistema de produção e de distribuição em massa, nãohavendo como retroceder o processo e elimina-las da realidade social. Elas trazem vantagens evidentes para as empresas(rapidez, segurança, previsão de riscos, etc), mas ninguém duvida de seus perigos para os contratantes vulneráveis ou

consumidores.Estes aderem sem conhecer as cláusulas, confiando nas empresas que as pré-elaboram e na proteção que, esperam, lhes sejadada por um Direito mais social. Esta confiança nem sempre encontra correspondente no instrumento contratual elaboradounilateralmente, porque as empresas tendem a redigi-los da maneira que mais lhes convém, incluindo uma série de cláusulasabusivas e inequitativas. 5. A Concepção Social do Contrato e o Código de Defesa do Consumidor A nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento damanifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serãolevados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância.À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo moderna o direito destacou o papel da lei como limitadora ecomo verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passou a proteger determinados interesses sociais, valorizandoa confiança depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes contratantes.

Conceitos tradicionais como os do negócio jurídico e da autonomia da vontade permanecerão, mas o espaço reservado paraque os particulares auto-regulem suas relações será reduzido por normas imperativas, como as do próprio Código de Defesado Consumidor.É uma nova concepção de contrato no Estado Social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, principal,surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: O Interesse Social.O Estado Social, sob o ponto de vista do direito, deve ser entendido como aquele que acrescentou à dimensão política doEstado Liberal, a dimensão econômica e social, mediante a limitação e controle dos poderes econômicos e sociais privados ea tutela dos mais fracos.O Estado Social se revela pela intervenção legislativa, administrativa e judicial nas atividades privadas. As ConstituiçõesSociais são assim compreendidas quando regulam a ordem econômica e social, para além do que pretendia o Estado Liberal.A função exclusivamente individual do contrato é incompatível com o Estado Social, caracterizado pela tutela explícita daordem econômica e social na Constituição. O Art. 170 da Constituição Brasileira estabelece que toda a atividade econômica – e o contrato é instrumento dela – está submetida à primazia da justiça social.

Enquanto houver ordem econômica e social haverá Estado Social; enquanto houver Estado Social haverá função social docontrato. O princípio da função social é a mais importante inovação do direito contratual comum brasileiro e, talvez, a detodo o novo Código Civil.

 Nesse aspecto, os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor, devem ser interpretado no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão.Segundo o modelo do direito constitucional (art. 170), o contrato deve ser interpretado em conformidade com o princípio dafunção social.O princípio da função social do contrato determina que os interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos emconformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem. Não pode haver conflito entre eles, pois osinteresses sociais são prevalecentes. Qualquer contrato repercute no ambiente social, ao promover peculiar e determinadoordenamento de conduta e ao ampliar o tráfico jurídico. (Exemplo de uma média empresa, estabelecida num município dointerior – a problemática social da falência e do desemprego).Outro ponto que merece esclarecimento, diz respeito à identificação do campo de aplicação do novo Código Civil em relaçãoao Código de Defesa do Consumidor.

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Em nenhuma matéria, o novo Código Civil altera ou extingue as normas próprias de direito do consumidor, pois estas sãoespeciais em face daquele, entendido como norma geral (adoção do princípio da especialidade – critério clássico desuperação das antinomias jurídicas, segundo o qual a norma especial não é revogada pela norma geral, ficando esta comosupletiva).A relação contratual de consumo não se confunde com a relação contratual comum a que se destina o Código Civil. Portanto,o Código de Defesa do Consumidor não foi modificado pelo novo Código Civil, permanecendo aquele a regular os contratos

de consumo e este os contratos comuns civis e mercantis.Os princípios gerais adotados aproximam, no entanto, ainda mais os dois códigos. A tendência, pois, é o desaparecimento progressivo de distinção dos regimes jurídicos dos contratos comuns e dos contratos de consumo, ao menos no que concerneaos seus princípios e fundamentos básicos. Princípios Fundamentais do Direito Contratual:1. Princípio da Autonomia da Vontade

 Não se pode falar em contrato sem autonomia da vontade. Contrato sem vontade não é contrato.Tradicionalmente, desde o direito romano, as pessoas são livres para contratar. Essa liberdade abrange o direito de contratar se quiserem, com quem quiserem e sobre o que quiserem, ou seja, o direito de contratar e de não contratar, de escolher a

 pessoa com quem fazê-lo e de estabelecer o conteúdo do contrato.Esse princípio se alicerça justamente na ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seusinteresses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica.

Têm as partes a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer interferência do Estado. Esse princípio teve o seuapogeu após a Revolução Francesa, com a predominância do individualismo e a pregação de liberdade em todos os campos,inclusive no contratual.O princípio da autonomia da vontade serve de fundamento para a celebração dos contratos atípicos, de acordo com o artigo425 do CC. Contrato atípico é o que resulta de um acordo de vontades não regulado no ordenamento jurídico, mas gerado

 pelas necessidades e interesses das partes. (È válido, desde que estas sejam capazes e o objeto lícito, possível, determinado oudeterminável e suscetível de apreciação econômica).Tem aumentado consideravelmente as limitações à liberdade de contratar, em seus três aspectos. Assim, a faculdade decontratar e de não contratar (de contratar se quiser) mostra-se, atualmente, relativa, pois a vida em sociedade obriga as

 pessoas a realizar, freqüentemente, contratos de toda espécie, como o de transporte, de compra de alimentos, de aquisição de jornais, de fornecimento de bens e serviços públicos – água, luz, telefone, etc). O licenciamento de veículo, por exemplo, écondicionado à celebração do seguro obrigatório.Também a liberdade de escolha do outro contratante (de contratar com quem quiser) sofre, hoje, restrições, como nos casos

de serviços públicos concedidos sob regime de monopólio e nos contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor.E, em terceiro lugar, o poder de estabelecer o conteúdo do contrato (de contratar sobre o que quiser) sofre também,hodiernamente, limitações determinadas pelas cláusulas gerais especialmente as que tratam da função social do contrato, da

 boa-fé objetiva, e do Código de Defesa do Consumidor.2. Princípio da Supremacia da Ordem PúblicaA liberdade contratual encontrou sempre limitação na idéia de ordem pública, entendendo-se que o interesse da sociedadedeve prevalecer quando colide com o interesse individual.O princípio da autonomia da vontade, como vimos, não é absoluto. É limitado pelo princípio da supremacia da ordem

 pública, que resulta da constatação, feita no início do século passado e em face da crescente industrialização, de que a amplaliberdade de contratar provocava desequilíbrios e a exploração do economicamente mais fraco. Em alguns setores, fazia-semister a intervenção do Estado, para restabelecer e assegurar a igualdade dos contratantes.A intervenção do Estado na vida contratual é, hoje, tão intensa em determinados campos (telecomunicações, consórcios,seguros, sistema financeiro etc) que se configura um verdadeiro dirigismo contratual.

A ordem pública é também uma cláusula geral, que esta no nosso ordenamento por meio do Art. 17 da Lei de Introdução aoCódigo Civil, regra de direito internacional privado que retira eficácia de qualquer declaração de vontade ofensiva da ordem

 pública. Ademais, o novo Código Civil, proclama, no Parágrafo único do Art. 2.035, que "nenhuma convenção prevalecerá secontrariar preceitos de ordem pública."A doutrina considera de ordem pública, dentre outras, as normas que instituem a organização da família (casamento, filiação,adoção, alimentos); as que estabelecem a ordem de vocação hereditária e a sucessão testamentária; as que pautam aorganização política e administrativa do Estado, bem como as bases mínimas da organização econômica; os preceitosfundamentais do direito do trabalho, entre outras.

 Não admitindo derrogação, compõem leis que proíbem ou ordenam cerceando nos seus limites a liberdade de todos.Em suma, a noção de ordem pública e o respeito aos bons costumes constituem freios e limites à liberdade contratual.3. Princípio do ConsensualismoDe acordo com o princípio do consensualismo, basta, para o aperfeiçoamento do contrato, o acordo de vontades,contrapondo-se ao formalismo e ao simbolismo que vigoravam em termos primitivos.Decorre ele da moderna concepção de que o contrato resulta do consenso, de acordo de vontades, independentemente daentrega da coisa.

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A compra e venda, por exemplo, quando pura, torna-se perfeita e obrigatória, desde que as partes acordem no objeto e no preço (CC, Art. 482). O contrato já estará perfeito e acabado desde o momento em que o vendedor aceitar o preço oferecido pela coisa, independentemente da entrega desta. O pagamento e a entrega do objeto constituem outra fase, a do cumprimentodas obrigações assumidas pelos contratantes (CC, Art. 481).As partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos casos em que a lei, paradar maior segurança e seriedade ao negócio, exija a forma escrita, pública ou particular (CC, Art. 107). O consensualismo,

 portanto, é a regra, e o formalismo, a exceção.Os contratos, pois, em regra, são consensuais. Alguns poucos, no entanto, são reais (do latim: res = coisa), porque somente seaperfeiçoam com a entrega do objeto, subseqüente ao acordo de vontades. Este, por si só, não basta. (Enquadram-se nessaclassificação o depósito, comodato e mútuo, entre outros).4. Princípio da Relatividade dos Efeitos do ContratoFunda-se tal princípio na idéia de que os efeitos do contrato só se produzem em relação às partes, àqueles que manifestaram asua vontade, vinculando-os ao seu conteúdo, não afetando terceiros nem seu patrimônio.Mostra-se ele coerente com o modelo clássico de contrato, que objetivava exclusivamente a satisfação das necessidadesindividuais e que, portanto, só produzia efeitos entre aqueles que o haviam celebrado, mediante acordo de vontades. Emrazão desse perfil, não se poderia conceber que o ajuste estendesse os seus efeitos a terceiros, vinculando-os à convenção.Essa visão, no entanto, foi abalada pelo novo Código Civil, que não concebe mais o contrato apenas como instrumento desatisfação de interesses pessoais dos contraentes, mas lhe reconhece uma função social. O fato tem como conseqüência

 possibilitar que terceiros que não são propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem direta ou

indiretamente por ele atingidos. Nessa conformidade, a nova concepção da função social do contrato representa, se não ruptura, pelo menos abrandamento do princípio da relatividade dos efeitos do contrato, tendo em vista que este tem seu espectro público ressaltado, em detrimentodo exclusivamente privado das partes contratantes.5. Princípio da Obrigatoriedade dos ContratosO princípio acima também é chamado de Princípio da Intangibilidade dos contratos, representa a força vinculante dasconvenções. Intangível é aquilo que não se pode tocar, não se pode alterar.Daí porque também é denominado de Princípio da Força Vinculante dos Contratos. Esse princípio é denominadoclassicamente de pacta sunt servanda, traduz a natural cogência que deve emanar do contrato, a fim de que se lhe possareconhecer utilidade econômica e social. De nada valeria o negócio, se o acordo firmado entre os contratantes não tivesseforça obrigatória. Seria mero protocolo de intenções sem validade jurídica (apud Pablo Stolze).Pelo princípio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a contratar. A ordem jurídica concede a cada um a liberdade decontratar e definir os termos e objeto da avença. Os que o fizerem, porém, sendo o contrato válido e eficaz, devem cumpri-lo,

não podendo fugirem às suas conseqüências, a não ser com a anuência do outro contratante.O princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada, personificada

 pela máxima pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), não podendo ser alterado nem pelo juiz. Qualquer modificação ou alteração terá de ser, também, bilateral.

 No entanto, após a 1ª Grande Guerra Mundial, de 1914 a 1918, observaram-se situações contratuais que, por força desse fatoconsiderado extraordinário, se tornaram insustentáveis, em virtude de acarretarem onerosidade excessiva para um doscontratantes.Compreendeu-se, então, que não se podia falar mais em absoluta obrigatoriedade dos contratos se não havia, emcontrapartida, idêntica liberdade contratual entre as partes.Ocorreu, em conseqüência, uma mudança de orientação, passando-se a aceitar, em caráter excepcional, a possibilidade deintervenção judicial do conteúdo de certos contratos, para corrigir os rigores ante o desequilíbrio de prestações.Acabou surgindo, assim, no direito moderno, a convicção de que o Estado tem de intervir na vida do contrato, seja medianteaplicação de leis de ordem pública em benefício do interesse coletivo, seja com a adoção de uma intervenção judicial na

economia do contrato, modificando-o ou apenas liberando o contratante lesado, com o objetivo de evitar que, por meio daavença, se consumasse atentado contra a justiça.A suavização do princípio da obrigatoriedade, no entanto, não significa o seu desaparecimento.O que não se tolera mais é a obrigatoriedade quando as partes se encontram em patamares diversos e dessa disparidade ocorra

 proveito injustificado.6. Princípio da Revisão dos Contratos ou da Onerosidade ExcessivaOpõe-se tal princípio ao da obrigatoriedade, pois permite aos contraentes recorrerem ao Judiciário, para obterem alteração daconvenção e condições mais humanas, em determinadas situações.Originou-se na Idade Média, mediante a constatação, atribuída a Neratius (pensador romano), de que fatores externos podemgerar, quando da execução da avença, uma situação muito diverso da que existia no momento da celebração, onerandoexcessivamente o devedor.A teoria (da imprevisão) recebeu o nome de cláusula rebus sic stantibus e consiste basicamente em presumir, nos contratoscomutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, a existência implícita, não expressa, de uma cláusula, pela qual aobrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato. Se esta, no entanto, modificar-se em

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razão de acontecimento extraordinário (uma guerra, p.exemplo), que tornem excessivamente oneroso para o devedor o seuadimplemento, poderá este requerer ao juiz que o isente da obrigação, parcial ou totalmente.A teoria da imprevisão consiste, basicamente, portanto, na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contratoquando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes tornar-se exageradamente onerosa – oque, na prática, é viabilizado pela aplicação da cláusula Rebus Sic Stantibus, inicialmente referida. 

 Normas Relacionadas:Art. 17, Introdução ao Código Civil - LICC - DL-004.657-1942Art. 54, Contratos de Adesão - Proteção Contratual - Direitos do Consumidor - Código de Defesa do Consumidor - CDC - L-008.078-1990Art. 107, Disposições Gerais - Negócio Jurídico - Fatos Jurídicos - Código Civil - CC - L-010.406-2002Art. 157, Lesão - Defeitos do Negócio Jurídico - Negócio Jurídico - Fatos Jurídicos - Parte geral - Código Civil - L-010.406-2002Art. 170, Princípios Gerais da Atividade Econômica - Ordem Econômica e Financeira - Constituição Federal - CF - 1988Art. 421 a Art. 480, Contratos em Geral - Direito das Obrigações - Parte Especial - Código Civil - CC - L-010.406-2002Art. 2.035, Parágrafo único, Disposições Finais e Transitórias - Código Civil - CC - L-010.406-2002

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

DIREITO CIVIL

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS

Fonte imediata Lei

contratoFonte mediata declaração unilateral de vontadeAto ilícito

Embora nossos códigos possuam regras gerais de contratos, tais regras não se encontram restritas aos contratos, sendoaplicáveis a todo e qualquer negócio jurídico. Desta forma, para todo e qualquer negocio jurídico e não apenas para oscontratos aplicam-se as regras sobre capacidade do agente, forma e objeto.

Contrato no Código Francês – a máxima que diz: “o contrato faz lei entre as partes” (pacta sun servanda), explicita bem a  função do contrato no Código Francês, onde a liberdade e a propriedade estão ligadas indissoluvelmente. Sem propriedadenão pode haver liberdade.

Em verdade, o contrato representava uma garantia para os burgueses e para classes proprietárias de que seus bens não lhesseriam tolhidos, assim, os proprietários não poderiam mais ser privados de seus bens sem a sua manifestação de vontade.

É a forma extremista do contratualismo, onde à vontade das partes é lei, independentemente de qualquer outra limitação quenão seja aquela fundada no interesse público.

Contrato no Código Civil Alemão e a assimilação de seu conceito – o Código Alemão veio quase um século após o  Francês, e embora se constitua em um estatuto capitalista, trouxe inovações.O contrato passou a ser subespécie de uma espécie maior que é o negócio jurídico. O contrato não mais tem o condão de, de

 per si, transferir a propriedade. É o meio de transferência, mas não a opera. Este sistema, com adaptações, foi acolhido peloCódigo de 1916 e mantido pelo atual.

Assim, podemos definir contrato como: Declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos.

Embora o contrato seja a parte mais importante da vida negocial, há também negócios jurídicos que independem de duasvontades, como ocorre no testamento e na promessa de recompensa. Que são negócios jurídicos unilaterais.

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Breve histórico – Contrato vem do latim contractus que significa contrair. No direito romano utilizavam-se também as  expressões convenção, de conventio, e pacto, de pacis si, estar de acordo, mas hodiernamente, segundo a lei e osdoutrinadores tais expressões são sinônimas.

 No Direito Romano primitivo, os contratos e todos os atos jurídicos, tinham caráter sacramental, o seu descumprimentoconfigurava pecado. Aquilo que foi pactuado deveria ser rigorosamente obedecido, ainda que não representasse a realvontade das partes. Na lei das XII Tábuas, a intenção das partes estava manifesta nas palavras corretamente pronunciadas.

 No Direito Romano, convenção e pacto eram expressões equivalentes e significavam o acordo de duas ou mais pessoas arespeito de determinado objeto. Mas o simples acordo, convenção ou pacto não tinha o condão de formalizar o negócio

 jurídico, fazia-se necessário acatar certas formalidades para que se criasse uma obrigação. Estas solenidades davam força àsconvenções e, cada uma destas convenções, sob certas formalidades, acabava por construir uma forma de contractus. NoDireito Romano prevalecia o contrato entre particulares.

 Na época de Justiniano tivemos uma modificação: o elemento subjetivo, ou seja, à vontade dos contratantes, começa asobrepujar o formalismo excessivo que acompanhavam a formalização dos contratos até então. Assim, passou-se conferir uma ação para qualquer convenção entre as partes. Embora a vontade ainda fosse considerada em segundo plano, pois, a

 proteção dependia mais do interesse que da vontade, qualquer tipo de convenção poderia tornar-se obrigatória, desde querevestida de certas formalidades. Isto foi, inegavelmente, um grande avanço, pois, abriu caminho para que o acordo devontades ficasse acima do contrato, ou seja, para que a conventio sobrepujasse as formalidades.

Com a que do domínio romano houve um retrocesso, pois passou a predominar o Direito Germânico que era menos evoluídoque o Direito Romano, havendo necessidade, para a formalização de obrigações, a observância de um ritual. Tal

 procedimento conservou-se até a idade média.Houve então, uma evolução nas práticas contratuais na época medieval, passando a forma escrita a ter predominância naestipulação dos contratos.

A “crise do contrato” – o contrato privado e paritário é aquele avençado entre as partes, onde todas as cláusulas são  meticulosamente discutidas e mutuamente resolve-se sobre preço, prazo, condições, forma de pagamento, etc. e, acordandoas partes, tem-se a conclusão do contrato. Nesse tipo de contrato sobrepuja-se a autonomia da vontade, ou seja, a igualdadede condições entre os contratantes que podem condescender num ou noutro ponto da relação contratual com o intuito delograr um fim desejado a ambas as partes.

Este tipo de contrato tem-se tornado cada vez mais raro, embora não tenha desaparecido.

Hodiernamente, temos uma sociedade capitalista de consumo em massa (capitalista consumista sem capital para consumir),então, os contratos passaram a ser “negócios de massa”, não são mais paritários, mas sim, infundidos , com cláusulas pré-estabelecidas, sem margem para negociação, onde o contratante faz uma mera adesão, não lhe sendo possível discutir umacláusula sequer do contrato.Mas não há outra solução para a economia de massa, ser-nos-ia, simplesmente impossível, com a atual explosão demográfica,que se discutisse todos os contratos cláusula a cláusula.

Ciente destas mudanças o legislador, no novo Código Civil, operou um avanço na concepção da finalidade jurídicacontratual. O contrato passou a ser visto como um elemento de eficácia social, que não deve ser cumprido tendo em vistasomente o interesse do credor, mas também o beneficio para a sociedade.

Assim, passou-se a vislumbrar o contrato de forma temporal, mais de acordo com a realidade em que vivemos. Destarte,qualquer obrigação descumprida não prejudica somente a parte – credor ou contratante isoladamente – mas toda acomunidade.

Frente a este cenário, o legislador pátrio consigna expressamente no novo Código Civil, quando trata dos contratos, alimitação da liberdade contratual pelo:- respeito à função social do contrato;- o princípio da boa-fé objetiva;- caso fortuito;

Já se encontravam insertos no Código Civil de 1916- força maior.

Primeiramente devemos buscar o significado contemporâneo do princípio da boa-fé. Vale salientar que não se trata da boa-fésubjetiva, que demandava dolo na conduta do agente, onde:

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BOA FÉ MÁ-FÉ

 Nesse diapasão, a boa-fé é analisada apenas como ausência sobre o ilícito praticado, dentro do campo do subjetivo, onde aintenção de causar dano ao próximo é levada em conta na análise da culpabilidade do agente.O Código Civil /2002 dá nova acepção ao princípio da boa-fé, que vem sendo chamado pelos doutrinadores de boa-fé

objetiva, pois, tem por objetivo impelir aos contratantes uma conduta em concordância com os ideais de honestidade elealdade, independentemente de dolo ou culpa na conduta do agente. Assim, podemos concluir que:

BOA FÉ EXTERIOZAÇAO DE COMPORTAMENTO ÍMPROBO , EGOÍSTA, REPROVÁVEL.

Diante disto, verificamos que, se uma cláusula contratual que viole princípios baseados na honestidade, retidão, lealdade e, principalmente na consideração de que todos os membros da sociedade são juridicamente tutelados e não apenas partes noscontratos, pode-se buscar a tutela jurisdicional para que o Estado ingresse na relação contratual privada, proibindo ouimpondo cláusulas. E eis a grande novidade: mesmo que o agente não tenha tido a intenção de causar dano, ou seja,independe do subjetivismo do agente, não há mais lugar para a postura de querer levar vantagem em tudo (certo). Assim, deroupagem nova, o contrato constitui-se de:

- obrigações explícitas- deveres anexos CONTRATO- deveres conexos- ordem pública

Destarte, temos um dirigismo contratual do Estado, mostrando aos contratantes o norte orientador. Assim, sempre que naexecução do contrato forem violados os princípios de probidade e boa-fé, poderá o Estado intervir e, o julgador poderácorrigir a postura de qualquer das partes sempre que perceber um desvio de conduta ou de finalidade, ou ainda, se ocontratante estiver buscando (mesmo que “licitamente”) obtenção de vantagem maior que a inicialmente esperada. Deve,

 pois, o juiz basear sua decisão na análise do comportamento das partes quanto aos deveres anexos ou conexos ao vínculo jurídico.Desta forma, a força obrigatória de um contrato não se aprecia tanto à luz do dever de se manter a palavra empenhada de

forma estrita e precisa como pactuada no momento do contrato, mas sob o aspecto da realização do bem comum e de suafinalidade social.

Cumpre lembrar também a determinação do art. 421, in verbis:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.Primeiramente temos uma colocação vernacular infeliz por parte do legislador, quando este se refere à liberdade de contratar,

 pois esta deve ser ampla, adstrita somente pelas partes.

Entende-se por liberdade de contratar o ânimo da agente em realizar dado negócio, a conveniência das partes em concretizar ou não determinada relação comercial. Este ato não deve ser limitado pelo Estado. Apenas às partes cabe a decisão de realizar ou não um contrato, v.g., se João quer vender um imóvel de sua propriedade, desde que esteja livre de ônus, tal decisãosomente a ele compete, não tem cabimento, numa situação como esta à intervenção estatal, pois o Estado estaria violando

seus próprios princípios, pois o direito à propriedade é garantido constitucionalmente, desde que esta não esteja desatendendocom a sua função social, pode João livremente dispor dela como melhor lhe aprouver. Logo deduzimos que, a liberdade decontratar está vinculada somente ao interesse e a necessidade das partes.

Mais clara e concisa é a redação proposta pelo Projeto de Lei 6960/2002, que propõe a seguinte redação para o artigo 421 doCódigo Civil:

“A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.

Por liberdade contratual infere-se:O conteúdo do contrato, suas cláusulas, condições, regras, etc; esta sim deve observar os limites legais, a função social docontrato, os princípios, etc. Tais limitações visam coibir abusos, pois, como supracitado, hodiernamente os contratos sãomassificados, onde o contratante torna-se mero aderente, não dispondo de poder de negociação, restando-lhe apenasconcordar e quando se sentir lesado, buscar a tutela jurisdicional. A intervenção do Estado nestes casos deve ser cabal, desdeque tenha como objetivo coibir abusos ou a defesa do consumidor (hipossuficiente).

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O limite da função social e o princípio da boa-fé, agora consignados na teoria geral dos contratos, permite uma visão maishumanista desse instituto que deixará de ser apenas um mecanismo para dominação do mais fraco pelo mais forte, resgatandoe colocando em primeiro plano, não mais a proteção à propriedade, mas a dignidade da pessoa humana e o social.

Cumpre evidenciar que o termo autonomia da vontade, utilizado na vigência do Código Civil de 1916 para designar a amplaliberdade de contratar, adstrita somente pela supremacia da ordem pública; não pode com o advento de o novo Código cingir-

se do mesmo significado, visto que, no Código de 1916 não havia distinção entre liberdade de contratar e liberdadecontratual, não havia preocupação com a função social do contrato. No código de 2002 esta preocupação é explícita, destaforma, podemos até usar a expressão autonomia da vontade, desde que tenhamos em mente a distinção entre:

Liberdade de contratar – animus do agente, ilimitada.

Liberdade contratual – concernente à formulação do contrato, restrita pelos limites do artigo 421 CC/2002.

PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO CONTRATUALFORMAÇÃO DOS CONTRATOS

Direito real.

Poder que tem alguém sobre uma coisa específica, e que vincula esta coisa direta e imediatamente ao seu titular, o qual podeopor esse direito contra todos (propriedade, usufruto, hipoteca, anticrese, etc.).

Direito pessoal.Direito que tem uma pessoa de exigir de outra que dê, faça ou não faça alguma coisa.

Assim, podemos dizer que a obrigação real ou propter rem (ou ob rem) é uma mescla de direito real com direito pessoal e,estão a cargo de um sujeito, à medida que este é proprietário de uma coisa, ou titular de um direito real de uso ou gozo dela.

Pode então, a pessoa do devedor, nesse tipo de obrigação, variar em função da relação de propriedade ou de posse existenteentre o sujeito e determinada coisa.

Elementos de validade dos contratos:

a) Capacidade (art. 3º a 5º, 104 , 166, 167, 171 CC/2002).

 b) Possível (fisicamente, materialmente e juridicamente), assim, não se pode contratar uma pessoa muda para cantar oucontratar uma importação proibida por lei.

c) Objeto lícito, não pode contrair a lei e os bons costumes.

d) Suscetível de valor econômico (contrato sobre a prestação de um grão de café);

e) Determinado ou determinável. Às vezes o objeto não é determinado no momento do contrato, deixando tal tarefa para ser feita no futuro, p.ex., indivíduo que compra peixe antes do pescador jogar a rede (contrato aleatório), supondo que as partesacordaram em R$20,00. Se ao jogar a rede o pescador: - pescar vários peixes, pescar um peixe, não pescar nenhum peixe, ovalor a ser pago será o mesmo (acordado inicialmente).

 No negócio jurídico o elemento primordial é à vontade das partes. Assim o constituição, modificação ou extinção do direitodeve ser feito visando o acordo de vontades e a boa-fé objetiva.

Princípio da forma livre (art. 104 , 107 , 109 CC/2002).

O contrato pode ser verbal, por instrumento público ou particular. Não sendo livre somente quando a lei o determinar, v.g., para vender uma cada é necessário uma escritura pública. Já para um contrato de locação a forma é livre (pode ser verbal, público ou particular).

Segundo o art. 109 CC/2002 se as partes convencionarem que, para a eficácia do contrato é essencial o instrumento público(registro no cartório), este se faz necessário para que aquele tenha validade.Princípios

1. Autonomia privada da vontade

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Pode-se falar em autonomia privada da vontade, desde que estejamos atentos para o novo enforque dado pelo CC/2002 entreliberdade de contratar e liberdade contratual (vide anotações supra).

2. Obrigatoriedade das convenções (pacta sun servanda)Intangibilidade ou imutabilidade. A ninguém é permitido alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juizintervir nesse conteúdo. Essa é a regra geral. Exceções: função social do contrato; boa-fé objetiva; caso fortuito e força maior.

3. Relatividade das convenções (res enter alios)Os efeitos de um contrato atingem somente os contratantes, não podendo se estender a terceiros estranhos a ele. Exceções:estipulação em favor de terceiros. Quando o contratante firma um contrato em benefício de terceiro, v.g., seguro de vida,onde outrem (que não os contratantes) é beneficiado. Toda vez que o contrato extrapolar as partes teremos estipulação emfavor de terceiro.

4. Consensualismo (é a regra)É o consentimento, acordo de vontades. O acordo será celebrado mediante a manifestação de vontade dos contratantes. Nãoexige a tradição para concretização do contrato. Exceção: contratos reais – onde o acordo de vontades não tem o condão deaperfeiçoar o contrato, não sendo hábil para gerar efeitos no mundo jurídico.Faz-se necessário, para o seu aperfeiçoamento a tradição, a entrega da coisa e, a partir deste instante considerar-se-áaperfeiçoado o contrato, estando apto a gerar efeitos no mundo jurídico. Assim, temos:

Contrato Real com a entrega da coisa

Demais Contratos com celebração do contrato

Ex: Contrato de mútuoEmpréstimoComodato

Contrato de depósito

 No empréstimo a pessoa é dona daquilo que lhe foi emprestado, podendo dispor do bem como lhe convier, bastando restituir a coisa de mesma espécie e gênero.

Ex: João vai ao BB e faz um empréstimo em pecúnia, formalizado através de um contrato (perfeito). Mas para que ocorra oaperfeiçoamento do contrato é mister a entrega do dinheiro a João. Pergunta-se:Este contrato é unilateral ou bilateral? Para sabermos a resposta a esta pergunta, primeiramente temos que saber o momentode proferi-la. Fazemo-la no momento do aperfeiçoamento do contrato, no nosso exemplo, no momento da entrega do dinheiroa João. Assim, temos um contrato unilateral, pois há obrigação somente para um dos contratantes, ou seja, para João que deveefetuar o pagamento ao Banco.

5. Boa-fé nos contratos

Primeiramente devemos buscar o significado contemporâneo do princípio da boa-fé. Vale salientar que não se trata da boa-fésubjetiva, que demandava dolo na conduta do agente, onde:

BOA FÉ MÁ-FÉ

 Nesse diapasão, a boa-fé é analisada apenas como ausência sobre o ilícito praticado, dentro do campo do subjetivo, onde aintenção de causar dano ao próximo é levada em conta na análise da culpabilidade do agente.O Código Civil /2002 dá nova acepção ao princípio da boa-fé, que vem sendo chamado pelos doutrinadores de boa-féobjetiva, pois, tem por objetivo impelir aos contratantes uma conduta em concordância com os ideais de honestidade elealdade, independentemente de dolo ou culpa na conduta do agente. Assim, podemos concluir que:

BOA FÉ EXTERIOZAÇAO DE COMPORTAMENTO ÍMPROBO , EGOÍSTA, REPROVÁVEL.

Diante disto, verificamos que, se uma cláusula contratual que viole princípios baseados na honestidade, retidão, lealdade e, principalmente na consideração de que todos os membros da sociedade são juridicamente tutelados e não apenas partes noscontratos, pode-se buscar a tutela jurisdicional para que o Estado ingresse na relação contratual privada, proibindo ouimpondo cláusulas. E eis a grande novidade: mesmo que o agente não tenha tido a intenção de causar dano, ou seja,independe do subjetivismo do agente, não há mais lugar para a postura de querer levar vantagem em tudo (certo).

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Então podemos perceber que a boa-fé objetiva tem um enfoque na transindividualidade, nos direitos de terceira geração, nafunção social do contrato, v.g., se se pede a falência de determinada empresa, mesmo tendo esta motivado o processo, massendo a referida empresa de suma importância para a manutenção do equilíbrio do município – pois o seu fechamento, p.ex.,

 poderia gerar uma grande onda de desemprego – deve o juiz, na analise do caso concreto observar não só o lado econômico,mas também o social. Deve apreciar, se aceita o pedido de falência ou se há outra saída ou qualquer possibilidade de

saneamento, sendo sempre preferível esta, àquela.

Percebemos que a tarefa do magistrado é cada vez maior. É mister que este tenha uma boa interação com a sociedade, queesteja ‘antenado’ com as mudanças que estão ocorrendo na sociedade. Atualmente, ainda temos 8% dos magistrados batendona tecla da boa-fé subjetiva, desatualizados que estão com as mudanças sociais ocorridas nos últimos tempos. Claro que étarefa muito mais difícil a analise da boa-fé objetiva, pois é preciso observar as condições em que o contrato foi firmado, onível sócio cultural dos contratantes, o momento histórico e econômico e, creio que até as peculiaridades inerentes a cadaregião, pois em um país de dimensões continentais, com culturas e hábitos tão diversos, terão os magistrados, uma tarefahercúlea pela frente, qual seja: a interpretação da vontade contratual, tendo em vista os novos parâmetros que devem ser observados para tal interpretação expressamente previstos no artigo 187 do CC/2002, transcriptu:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Sob esse prisma, temos nítidas três funções no conceito da boa-fé objetiva:Função interpretativa – artigo 113Função de controle dos limites do exercício de um direito – art. 187

Função de integração do negócio jurídico – art. 421

 Não se quer com isto negar ao credor o direito de cobrar seu crédito, mas tão-somente coibir abusos nessa conduta, poiscomo pudemos vislumbrar em análise supracitada, a igualdade entre contratantes não é tão igual assim, temos umconsumidor hipossuficiente não capaz de fazer frente ao capitalismo esmagador.

Tendo em vista o novo paradigma social, onde a sociedade exige retidão, transparência, honestidade e probidade doscontratantes, a boa-fé objetiva passou a ser fator basilar na interpretação. Dessa forma avalia-se a boa-fé objetiva nasseguintes fases do contrato:

Responsabilidade pré-contratualResponsabilidade contratual

Responsabilidade pós-contratual

Em suma, devemos observar a boa-fé objetiva em todas as fases do contrato, para que, parafraseando Bobbio procuremos:“igualar os desiguais na medida em que se desigualam”.

Fases do contrato

Fase Fase FasePré-contratual Executória Pós-contrato

6. Revisão dos contratos (rebus sic stantibus, teoria da superveniência, teoria da onerosidade excessiva, teoria da imprevisão).

Há possibilidade de se revisar um contrato quanto este for, para uma das partes, extremamente oneroso.Quanto à execução, os contratos podem ser:

a) Execução imediata – o contrato surge, gera os efeitos que lhes são próprios, cumpre-se, extingue-se. Tudo no presentemomento (cumprimento à vista).

 b) Execução diferida – o negócio é celebrado atualmente, mas a execução ocorre no futuro, v.g., venda de imóvel com pagamento previsto para daqui a dois anos (cumprimento pré, mas em uma única parcela).

c) Execução continuada ou trato sucessivo – a execução do contrato ocorre mês a mês, de forma fracionada (cumprimento a prazo).

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 No momento da execução do contrato a realidade jurídica das partes deve ser a mesma. Por exemplo, se João celebra comMaria um contrato de prestação continuada de valor fixo. Se houver uma modificação na situação fático-juridica pode haver revisão. Mas se João perde o emprego, tal situação, de per si, não tem o condão de provocar uma revisão contratual. Para quese possa pretender alteração no contrato deve existir um fato superveniente grave e excepcional, p.ex., irrompe uma guerra edurante uma batalha uma bomba é jogada em uma fábrica comprometendo a produção.

O CC/1916 não acolhia expressamente a “rebus sic standibus”, ou seja, não havia nenhum artigo que versasse sobre revisãocontratual.

Mas em 1990, com o advento da Lei 8078 (Código de Defesa do Consumidor), o ordenamento jurídico pátrio passou aacolher expressamente a revisão contratual, vejamos o artigo 6º, V e VIII da referida lei, verbis:Art. 6º. São direitos do consumidor:

V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatossupervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil,quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias deexperiências;

Assim temos:

Gênero Revisão

1) ModificaçãoEspécies2) Revisão

E concluímos que:Modificação e Revisão são espécies do gênero REVISÃO.

1) Modificação – nesta espécie não é necessário provar fato superveniente, visto que, o contrato já nasceu oneroso, viciado, a

desproporcionalidade é inicial, p.ex., contrato que tem cláusula com multa abusiva. Ele está viciado desde o momento dacelebração. Mesmo tendo sido assinado pelas partes e revestido de todas as formalidades legais, poderá ser objeto de revisão.Ao juiz cabe equilatar a desproporcionalidade entre as partes.

2) Revisão – nesta modalidade há necessidade de provar que certo fato superveniente o torna demasiadamente dispendioso,visto que, este contrato não nasceu oneroso, pois, quando do momento da sua celebração estava perfeito; posteriormente veioa tornar-se desproporcional devido a um fato novo, superveniente, imprevisto.

Segundo o artigo 81 do CC/1916 o contrato tinha a faculdade de ARTME – adquirir, resguardar, transferir, modificar,extinguir direitos.

Então, já podemos buscar uma definição para contrato. Sabemos que contrato é um negocio jurídico; um acordo de vontades;que ele visa à criação, aquisição, modificação ou extinção de direitos; que as partes devem observar os limites de sua função

social e terem sua conduta pautada na boa-fé objetiva.

Diante disto, podemos idear diversas definições para contrato. Podemos dizer que contrato é:

Acordo de vontades que vise criar, modificar ou extinguir direitos.

Negocio jurídico visando à criação, aquisição, modificação ou extinção de direitos pautados na boa-fé objetiva e com  observância de sua finalidade social.São apenas alguns exemplos de definições dentre tantas outras que poderíamos criar.

OBJETO, CAUSA E MOTIVO

Objeto do contrato difere de objeto da obrigação. Enquanto aquele é idêntico em todas as estipulações de mesma natureza,este é isolado, concreto, individuado e especifico.

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O CC/2002 em seu art. 104 não prevê como elemento de validade do contrato a sua causa ou o seu motivo.Segundo Venosa, causa é aquele motivo que tem relevância jurídica. Confunde-se com o objeto do negócio. Não podemoselevar qualquer motivo como elemento essencial do negócio jurídico, e, conseqüentemente, do contrato. No CC/1916,acompanhado pelo estatuto civil contemporâneo, afastando-se da problemática sobre o tema da causa, que gera tantasdificuldades de ordem prática, entendeu que a noção de objeto substitui perfeitamente a noção de causa. Numa compra e

venda, p.ex., o comprador pode ter os mais variados motivos para realizar o negócio: especular no mercado, utilizar a coisa para seu uso, dar em locação, etc. Todos esses motivos, porem, não têm relevância jurídica. O motivo com relevância jurídicaserá receber a coisa mediante o pagamento, não resta dúvida, porem, de que, por vezes, unicamente a noção de objeto docontrato não será suficiente para o exame da licitude ou imoralidade do negócio. No entanto, nossa jurisprudência nunca tevedificuldade de examinar a questão sobre o prisma do objeto.

O objeto do contrato é o mesmo em todas as operações de mesma natureza, se confundido com sua causa; o motivo é deordem subjetiva, esta no animus do agente, não tendo relação com a validade do negócio jurídico.Via de regra, o motivo não importe para a validade do negócio jurídico, mas quando aquela foi à razão que determinou este,

 poderá o motivo passar a ter relevância, pe.ex., João salvou a vida de Maria. João, em agradecimento pelo ato de Maria lhefaz uma doação. Depois de efetuado o negócio João descobre que não foi Maria quem lhe salvou a vida, mas Marta. Nestecaso o motivo sendo falso vicia (contamina) o negócio jurídico.

Assim, sinteticamente temos:Causa: confunde-se com o próprio contrato (objeto);

Motivo: caráter subjetivo;Exceção; art. 140 CC/2002 (que corrigiu o CC/1916 que em seu art. 90 falava em causa, quando na verdade devia falar   

em motivo).

CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS

A classificação dos contratos, portanto, serve para posicionar corretamente o negócio jurídico no âmbito do exame de seuadimplemento e inadimplemento, questão crucial para o jurista. Assim à medida que são conhecidas as classificaçõesfundamentais, o estudioso, ao examinar um contrato, na prática, já terá em mente as conseqüências jurídicas das espécies.Mas, assim como um diagnostico errado de uma moléstia pelo médico pode levar o paciente à morte, a compreensão erradade um fenômeno jurídico pode acarretar conseqüências letais ao patrimônio das partes envolvidas.

 Na tradicional classificação do direito romano temos quatro categorias de contrato, quais sejam:Reais – implicam na entrega de uma coisa (res), de um contraente a outro.

Orais – formam-se com o pronunciamento de certas palavras.

Literais – são os que necessitam da escrita.

Consensuais – perfazem-se pelo simples consentimento das partes, independentemente de qualquer forma oral ou escrita  ou da entrega da coisa.

I. CONTRATOS CONSIDERADOS EM SI MESMOS

1. Quanto à natureza da obrigação1.1. Unilaterais

Obrigações1.2. Bilaterais

1.3. GratuitosPatrimônio1.4. Onerosos

1.5. Comutativos

1.6. Aleatórios

1.7. Paritários

1.8.Adesão

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Quanto às obrigações – Cumpre inicialmente lembrar que a distinção refere-se à carga de obrigações da parte e não aonúmero de contratantes que devem ser sempre dois, já que o contrato é um acordo de vontades.

1.1. Contrato Unilateral é aquele que, quando da sua feitura, gera obrigação somente a uma das partes. Os efeitos são ativosde um lado e passivos do outro. Só uma das partes se obriga, não havendo contraprestação. Exemplo é o contrato de doação

 pura e simples onde apenas o doador contrai obrigações ao passo que o donatário só aufere vantagens . Caso ainda do

depósito , do mútuo , do mandato e do comodato .

Como já vimos anteriormente o contrato aperfeiçoa-se, via de regra, pelo consenso das partes. Mas nos contratos unilaterais, para o seu aperfeiçoamento, faz-se necessário à tradição (entrega da coisa), v.g., em um empréstimo em dinheiro feito junto auma instituição financeira temos inicialmente uma promessa de mútuo, que é bilateral, pois o temos a de um lado, ainstituição financeira que se compromete a entregar o dinheiro e, de outro, o contraente que se compromete em restituir a

 pecúnia, com juros e prazos pré-acordados. Mas note-se bem, não temos um contrato aperfeiçoado, o que temos é uma promessa de mútuo. Para que tenhamos um contrato aperfeiçoado é necessária à tradição, então teremos um contrato demútuo feneratício, que é um contrato unilateral, visto que, após a tradição, resta obrigação à somente uma das partes, ou seja,ao contraente de restituir o valor à instituição bancária nas formas e prazos acordados.

1.2. Contrato bilateral pressupõe obrigação, no momento da feitura, para ambas as partes, ou para todas as partesintervenientes. Essas obrigações são recíprocas e simultâneas (sinalgma), por isso, também são chamados de contratos

sinalagmáticos. Cada uma das partes fica adstrita a uma prestação. Assim é a compra e venda (CC. Art. 481). O vendedor deve entregar a coisa e receber o preço; o vendedor deve receber a coisa e pagar o preço.

Quanto ao patrimônio – refere-se à alteração no patrimônio dos contratantes.1.3. Contratos gratuitos são aqueles que oneram apenas uma das partes, proporcionando à outra só vantagens, semcontraprestação, ou seja, toda a carga contratual fica por conta de um dos contratantes. Inserem-se nesta categoria a doaçãosem encargo, o comodato, o mútuo sem pagamento de juros, o depósito e o mandato gratuitos. Devemos observar que osimples reembolso de despesas realizado ao mandatário, pelo mandante, não retira do mandato o seu caráter gratuito, talsomente ocorreria caso as partes tivessem estipulado uma retribuição por seu desempenho. Neste caso o contrato não seriagratuito, mas oneroso.

1.4 Contratos onerosos são aqueles cujos ambos contratantes têm deveres e obrigações, direitos e vantagens, assim, sacrifica-se o patrimônio de um em proveito de ambos, visto que, enquanto uma parte dispõe de um bem o retirando-o de seu

 patrimônio e tendo este reduzido, mas recebendo por essa disponibilidade. A outra parte reduz sua capacidade financeira aoefetuar o pagamento do bem, mas sobrevém com a locupletamento do seu patrimônio com a aquisição do bem.Assim temos a carga contratual repartida entre eles, embora nem sempre de modo igualitário. Podemos citar como exemplosos contratos de permuta, compra e venda, locação, empreitada, etc. Os contratos onerosos são sempre bilaterais, pois trazemvantagens para ambos os contraentes, pois estes sofrem um sacrifício patrimonial correspondente a um proveito almejado,como por exemplo, na locação em que o locatário paga o aluguel para usar e gozar do bem e o locador entrega o que lhe

 pertence para receber o pagamento.

Subdivisão dos Contratos Onerosos1.5. Contrato comutativo é o tipo em que uma das partes, além de receber da outra prestação equivalente a sua, pode apreciar imediatamente essa equivalência. No momento da formação, ambas as prestações geradas pelo contrato estão definidas, comona compra e venda. Assim, no ato do contrato as partes já conhecem o sacrifício e proveito que haverá entre elas, tendo ototal conhecimento do que têm a dar e a receber.

1.6 Contrato aleatório (álea = sorte), portanto, neste tipo de contrato as prestações de uma ou ambas as partes são incertasquando da elaboração da avença, porque sua quantidade ou extensão está na dependência de um fato futuro e imprevisível. Oconhecimento do que deve conter a prestação ocorrerá no curso do contrato, ou quando do cumprimento da prestação

 podendo, inclusive, redundar numa perda ao invés de lucro.Destarte, o contrato aleatório funda-se na álea, sorte, ao menos para uma das partes. O contrato pode ser aleatório por sua

 própria natureza ou resultar de convenção das partes. Assim, são aleatórios por natureza os contratos de seguro (CC art. 1432ss), jogo e aposta (CC. Art. 814 a 817), incluindo-se nessa natureza as loterias, rifas, lotos e similares, e o contrato deconstituição de renda (CC art. 803 a 813).Mas temos também os contratos acidentalmente aleatórios, é o caso da compra da rede do pescador. Pode ocorrer de oarremesso da rede nada captar. Mesmo que peixe algum venha na rede, vale o contrato e é devido o preço, pois foi umaesperança que se adquiriu. Temos, pois, um contrato de compra e venda que normalmente é comutativo, transmutando emaleatório por convenção das partes.

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1.7 Contratos paritários são aqueles em que as partes estão em situação de igualdade no que pertine ao princípio daautonomia de vontade; discutem os termos do ato do negócio e livremente se vinculam fixando cláusulas e condições queregulam as relações contratuais. As cláusulas do contrato podem ser discutidas uma a uma para que se alcance um contratosatisfatório para ambas as partes. Atualmente, devido a grande explosão populacional que o mundo sofreu, ser-nos-iaimpossível ter esta forma de contrato como predominante. (p.s. vide comentários supra).

1.8. Contratos de adesão caracterizam-se pela inexistência da liberdade de convenção, porque excluem a possibilidade dedebate ou discussão sobre os seus termos; um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições previamenteredigidas pelo outro, aderindo a uma situação contratual que já está previamente definida. Ressalte-se se tratar de um clichêcontratual, segundo normas de rigorosas, que alguém adere, aceitando os termos como postos, não podendo fugir,

 posteriormente do respectivo cumprimento. Nos contratos de adesão, eventuais dúvidas oriundas das cláusulas se interpretamem favor de quem adere ao contrato (aderente). O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54, oferece o conceito edispõe sobre a admissão de cláusula resolutória. São espécies deste tipo de contrato, o seguro, o contrato de consórcio e o detransporte.São contratos prontos, preenchidos apenas os claros.Antes do advento do CDC a doutrina fazia distinção entre contrato de adesão – como sendo aquele firmado com entes

 públicos, p.ex., contrato de energia elétrica com a CEMIG – e, contrato por adesão que eram os firmados por particular, coma margem de, não concordando com o bloco de cláusulas não fazer aquele contrato, procurando o mesmo serviço comoutrem, p.ex., compra de automóvel. Mas com o advento do CDC, desnecessária se faz tal classificação, pois em ambos oscasos passaram a tratar-se de contrato de adesão (CDC art. 57).

A simples modificação de uma ou outra cláusula não transforma o contrato de adesão em paritário, para que isso ocorre àmudança contratual deve ser substancial (Lei 8078/90 art. 64 a 90; CC art. 220).

Quanto à forma2.1. Consensuais2.2. Reais2.3. Solenes2.4. Não-solenes

2.1. Contratos Consensuais são os que se consideram formados pela simples proposta e aceitação. A simples comunhão devontades aperfeiçoa o contrato (é a regra em nosso ordenamento jurídico), seja este formal ou não, ficando assim, hábil paragerar os efeitos jurídicos que lhes são próprios.

2.2. Contratos Reais são os que só se formam com a entrega efetiva da coisa, como no empréstimo (mútuo e comodato), nodepósito ou no penhor. A entrega, aí, não é cumprimento do contrato, mas detalhe anterior, da própria celebração do contrato.Observe-se que a doutrina moderna critica o conceito de contrato real, mas a espécie ainda é inafastável diante do nossodireito positivo vigente. Os contratos reais são comumente unilaterais posto que se limitam à obrigação de restituir a coisaentregue. Excepcionalmente, podem ser bilaterais, como acontece no contrato de depósito remunerado: a importância práticaestá em que, enquanto não entregue a coisa, não há obrigação gerada.

2.3. Contratos solenes, também chamados formais, são contratos que só se aperfeiçoam quando o consentimento das partesestá perfeitamente adequado pela forma prescrita na lei, objetivando conceder segurança a algumas relações jurídicas. Deregra, a solenidade se exige na lavratura de documentos ou instrumentos (contrato) público, lavrado nos serviços notariais(cartório de notas), como na escritura de venda e compra de imóvel que é, inclusive pressuposto para que o ato sejaconsiderado válido, ou seja, exige escritura pública. No contrato solene, a ausência de forma torna-o nulo.Há uma exceção: quando a lei não determina que o contrato seja solene, mas as partes, por sua vontade determinam que o

contrato seja formal. Não se converterá em contrato solene, mas neste caso o contrato só terá validade observadas asformalidades legais (por convenção entre as partes), já que se leva em conta a autonomia da vontade dos contratantes. Já umcontrato de tipo solene não poderá ter a validade com preteriçao das formalidades, ainda que as partes assim o queiram.

2.4. Contratos não solenes ou consensuais, são os que se perfazem pela simples anuência das partes. O ordenamento legal nãoexige forma especial para que seja celebrado, como no contrato de transporte aéreo. Vigora em nosso ordenamento jurídico o

 princípio da forma livre (art. 104, III, CC), a regra é a forma não-solene.

Forma dos contratos

VerbalGesto ou mímica

Particular – contrato escrito, formalizado entre as partes.Instrumento público

Público – contrato escrito, formalizado em cartório.

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Quanto à denominação

3.1. nominados / típicos3.2. inominados / atípicos

3.1. Contratos nominados ou típicos. Devemos sempre preferir esta expressão, àquela, atendendo a que não é a circunstanciade ter uma designação própria (nomem iuris) que preleva , mas a tipicidade legal. Assim, contratos típicos são espéciescontratuais que possuem denominação (nomem iuris), ou seja, têm nome e são regulamentados pela legislação. SegundoMaria Helena Diniz "o nosso Código Civil rege e esquematiza dezesseis tipos dessa espécie de contrato: compra e venda,troca, doação, locação, empréstimo, depósito, mandato, gestão, edição, representação dramática, sociedade, parceria rural,constituição de renda, seguro, jogo e aposta, e fiança". Já o professor André Ricardo B.F. Pinto cita 23 tipos de contrato,quais sejam: troca e venda; troca e permuta; contrato estimatório; contrato de doação; locação; empréstimo; prestação deserviços; de empreitada; de depósito; mandado; comissão; agencia; distribuição; corretagem; transporte; seguro; constituiçãode renda; jogo; aposta; fiança; transação; compromisso e sociedade.Podemos simplificar dizendo que contratos típicos são aqueles tipificados em lei.

3.2. Contratos inominados ou atípicos. Aqui, também, empregaremos a expressão atípica pelos mesmos motivos supracitados

(item 3.1). Assim, são atípicos os que resultam da consensualidade, não havendo requisitos definidos na lei, bastando parasua validade que as partes sejam capazes (livres), o objeto contrato seja lícito, possível e suscetível de apreciação econômica.Este tipo de contrato não tem previsão expressa, não tendo regramento especificado em lei e, sendo, portanto, um contratocomplexo.

Em verdade, o nome do contrato possui importância secundária. Importante mesmo é o objeto do contrato (pouco importandosua forma: se escrita ou verbal), pois, de posse desta informação (objeto do contrato) se é possível determinar com precisão onomem iuris do contrato.

Quanto ao fim4.1. Preliminar 4.2. Definitivo

4.1. Contrato preliminar (pré-contrato – pactum de contrahendo) é um contrato perfeito e acabado, que tem por objeto umcontrato definitivo. É um compromisso para celebração de um contrato definitivo. Portanto, não se encerra em si mesmo,

 p.ex., promessa de compra e venda de imóvel financiado por Instituição Financeira, para esta o promitente continua a ser aquele que originalmente fez o financiamento, a Instituição não reconhece este contrato. Mas entre as partes que o firmaram,este tem total validade.

Contrato preliminar não se confunde com negociação preliminar. Enquanto nesta não há vinculo entre as partes, ocorremapenas negociações, podendo um ou outro desistir do negócio a qualquer tempo, naquela há uma efetiva proposta, e o seudescumprimento poderá gerar sansões para a parte inadimplente do contrato. A fase de proposta e aceitação chama-se

 puntuaçao.

4.2. Contrato definitivo sucede o temporário, ou sem ele existe, sendo um contrato perfeito e acabado e tendo por objeto umfim em si mesmo, ou seja, encerra-se em si mesmo.

Quanto ao momento da execução5.1. De execução instantânea5.2. De execução diferida5.3. De trato sucessivo ou execução continuada

5.1. Contrata de execução instantânea é aquele que se encerra em um só ato, p.ex., compra e venda com pagamento à vista,onde, o vendedor entrega a coisa e recebe o valor correspondente do comprador que passa a ser o seu possuidor, tudo em umsó ato.VENDA À VISTA.

5.2. Contrato de execução diferida encerra-se num só ato, mas no futuro, p.ex., venda a prazo, com entrega imediata damercadoria e prazo de pagamento em 30 dias.VENDA PRÉ-DATADA

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5.3. Contrato de trato sucessivo ou execução continuada. Nesta modalidade de contrato a execução dar-se-á de formafracionada. Venda de determinado bem, com entrega imediata e pagamento em 10 prestações.VENDA À PRESTAÇÃO

Quanto às pessoas

6.1. Pessoais6.2. Impessoais

6.1. Contratos pessoais (intuitu personae) levam em conta a personalidade da pessoa, o serviço só poderá ser executado por ela. Há contratos que por sua natureza são pessoais, v.g., a contratação de um ator, escultor, renomado médico ou advogado,etc. geralmente nesses contratos há obrigação de fazer. No entanto, se a obrigação é de dar, não há, como regra geral, quetorná-la pessoal, já que qualquer pessoa poderá cumprir o que consta do objeto do contrato. Já nos contratos pessoais, éinadmissível a substituição da pessoa do devedor (são obrigações infungíveis) e a impossibilidade ou negativa documprimento de sua parte extinguirá a obrigação, substituindo-se por indenização por perdas e danos se houver culpa.

6.2. Contratos impessoais são aqueles onde qualquer pessoa com capacidade para executar o objeto do contrato, poderá fazê-lo. As partes não especificam, a pessoa que irá cumprir o contrato é irrelevante. Assim é o caso da reforma de um imóvel,feita por empresa de engenharia, onde havendo problema com um ou mais pedreiros, basta substituí-los por outros com iguais

habilidades.

II. CONTRATOS RECIPROCAMENTE CONSIDERADOS

1. Principais2. Acessórios

1. Contrato principal é aquele que existe por si, exercendo sua função e finalidade, não dependendo juridicamente daexistência de outro. Como exemplo cite-se: o contrato de compra e venda, aluguel, comodato, etc.

2. Contrato acessório (ou dependentes) é aquele que só existe porque subordinado ou dependente de outro, ou para garantir o

cumprimento de determinada obrigação dos contratos principais, como a caução e a fiança.Embora o contrato acessório seja depende do principal ele pode ser feito antes deste. É o caso de uma locação que não

 poderá, por qualquer motivo, ser firmado no presente momento, mas já dispondo dos fiadores o locatório firmou o contratode fiança antes do contrato de locação enunciando naquele que este passará a ter validade a partir do dia X, quando será feitoo contrato principal (contrato de locação).

TEORIA GERAL DASOBRIGAÇÕES E DOSCONTRATOSAUTOR: CARLOS AFFONSO PEREIRA DE SOUZAROTEIRO DE CURSO2009.1

4ª EDIÇÃO ________________________________________ Page 2SumárioTeoria Geral das Obrigações e dos ContratosMÉTODO DE AVALIAÇÃO.......................................................................................................................................03PROGRAMA DA DISCIPLINA ..................................................................................................................................05ROTEIRO DAS AULAS...........................................................................................................................................06Aula 1: Apresentação do curso ......................................................................................................06PARTE I: NEGóCIOS JURíDICOS...............................................................................................................................09Aula 2: Os planos do negócio jurídico ..........................................................................................09Aula 3: Classificação, interpretação e causa dos negócios jurídicos ................................................16Aula 4: Defeitos do negócio jurídico: erro e dolo ..........................................................................22Aula 5: Defeitos do negócio jurídico: coação, simulação e fraude contra credores .........................29Aula 6: Lesão e estado de perigo ...................................................................................................36

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Aula 7: Condição, termo e encargo ..............................................................................................41PARTE II: PRESCRIÇÃO E DECADêNCIA......................................................................................................................47Aula 8: Fundamentos para aplicação da prescrição e da decadência ..............................................47Aula 9: Suspensão, impedimento e interrupção dos prazos prescricionais / direito intertemporal ......61PARTE III: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES.......................................................................................................................68Aula 10: A relação obrigacional .................................................................................................... 68

Aula 11: As obrigações naturais e as obrigações propter rem ..........................................................73Aula 12: Classificação das obrigações: obrigações de dar, fazer e não-fazer ....................................77Aula 13: Classificação das obrigações: obrigações indivisíveis, solidárias e alternativas ..................83Aula 14: Pagamento: lugar, tempo e prova ...................................................................................95Aula 15: Formas especiais de pagamento .................................................................................... 102Aula 16: Enriquecimento sem causa e pagamento indevido ........................................................120Aula 17: Inadimplemento das obrigações ................................................................................... 126Aula 18: Cláusula penal e juros ..................................................................................................135Aula 19: Transmissão das obrigações .......................................................................................... 140PARTE IV: TEORIA GERAL DOS CONTRATOS ..............................................................................................................145Aula 20: Princípios da nova teoria contratual – autonomia da vontade e função social do contrato ...145Aula 21: Princípios da nova teoria contratual – contornos da boa-fé objetiva .............................150Aula 22: Princípios da nova teoria contratual – relatividade e sua flexibilização ..........................155

Aula 23: Responsabilidade pré-contratual e proibição do comportamento contraditório ............157 ________________________________________ Page 33FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsMÉTODO DE AVALIAÇÃOA avaliação de desempenho do aluno na disciplina Teoria Geral das Obrigações e dosContratos será realizada através do somatório de três notas, correspondentes às seguintesatividades: (i) uma prova escrita a ser realizada no meio do semestre; (ii) uma prova escrita aser realizada na última aula do curso; além de (iii) uma nota de participação.Á primeira prova escrita será conferida nota de 0 (zero) a 10 (dez). A segunda prova es-crita, por sua, vez, valerá 09 (nove) pontos. O último 01 (hum) ponto que completa a nota

da segunda prova corresponde à nota de participação.A nota de participação, por sua vez, é composta de duas avaliações. A primeira metadeda nota de participação (0,5 ponto) corresponde à efetiva participação do aluno duran-te o curso. A outra metade da nota de participação (0,5 ponto) se refere à(s) resposta(s)apresentada(s) pelo aluno à(s) pergunta(s) dirigida(s) ao mesmo em sala de aula sobre ostextos de leitura obrigatória das respectivas aulas e/ou a sua participação na WikiDireito,seja inserindo ou alterando o conteúdo da respectiva matéria lecionada.A média do aluno será obtida mediante a soma da nota obtida na primeira prova escritacom a nota obtida na segunda prova, adicionada a essa última a nota de participação, sendoo resultado posteriormente dividido por dois.Média Final =Primeira Prova (10,0) + Prova Escrita (9,0) + Participação (1,0)2

O aluno que obtiver nota inferior a 07 (sete) e superior ou igual a 04 (quatro) pontos,deverá fazer uma prova final. O aluno que obtiver nota inferior a 04 (quatro) pontos estaráautomaticamente reprovado na disciplina.Para os alunos que fizerem a Prova Final, a média de aprovação a ser alcançada é 06 (seis)

 pontos, a qual será obtida conforme fórmula constante no Manual do Aluno / Manual doProfessor.Prova EscritaO aluno deverá realizar duas provas escritas durante o semestre. As provas deverão ser marcadas previamente pelo professor, preferencialmente no horário de aula. A data e horá-rio da prova serão divulgados com antecedência para os alunos.A primeira prova escrita será realizada, em princípio, no período compreendido entreas aulas nº 09 a 10. A segunda prova escrita será realizada, de preferência, imediatamentedepois da última aula. Na segunda prova escrita versará sobre toda a matéria lecionada nadisciplina.Para ambas as provas o aluno poderá consultar a legislação pertinente para elaborar 

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as suas respostas. Salvo alguma necessidade especial, a Constituição Federal e o CódigoCivil, com sua legislação complementar, deverão ser suficientes para que o aluno possarealizar a prova. Salvo orientação distinta por parte do professor, não será permitida aconsulta à legislação comentada durante a prova. A mesma proibição vale para os códigosanotados cujas anotações transcendam a simples remissão a outros dispositivos legais,como ocorre na obra “Código Civil e Legislação em Vigor”, elaborado por Theotonio

 Negrão. ________________________________________ Page 44

FGV DIREITO RIO

TEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

As provas escritas serão compostas de pelo menos duas questões, sendo requerido ao aluno que demonstre domínio sobre osconceitos estruturais da disciplina e facilidade para aplicá-los a situações reais ou hipotéticas, quando confrontado com umcaso concreto.

Nota dE ParticiPação

A nota de participação se divide em duas avaliações distintas, conforme já mencionado.A primeira avaliação que compõe a nota total de 01 (hum) ponto é a efetiva participação do aluno na disciplina.

A “efetiva participação” aqui avaliada não corresponde à quantidade de intervenções feitas pelo aluno em sala de aula, massim à qualidade de eventuais intervenções, o interesse demonstrado pela matéria, o questionamento dos conhecimentosapresentados pelo profes-sor, e a presença constante em sala de aula. Esses são os principais fatores que determinam essa

 primeira metade da nota de participação.

O aluno que atender integralmente a esses requisitos terá 0,5 ponto na nota de partici-pação.

A segunda metade da nota de participação consiste na participação do aluno na WikiDi-reito e/ou na(s) resposta(s)apresentada(s) pelo aluno quando indagado pelo professor sobre o texto de leitura obrigatória para a aula. Toda aula terá pelomenos um texto de leitura obrigatória. É certo que os sentidos são traiçoeiros, já dizia Descartes, mas o texto de leituraobrigatória é exatamente tudo isso que o nome indica: a sua leitura é obrigatória. Dessa forma, o professor poderá perguntar 

 para o aluno durante a aula alguma questão relacionada ao texto. O professor deverá considerar que o aluno leu o texto, umavez que a sua leitura está indicada no material didático. Essa medida visa a solucionar o recurso por vezes utilizado de apenasler o texto correspondente à certa aula depois da mesma ser lecionada pelo professor. Pode parecer para o aluno que assim

 procedendo ele terá uma compreensão melhor do texto. Todavia, no método participativo, um aluno que não leu o texto pertinente à aula é um aluno que poderá ter dificuldades em participar efetivamente, seja perguntando, seja simplesmentecompreendendo o conteúdo da aula. Adicionalmente, é importante lembrar que a aula lecionada pelo professor representa aleitura feita pelo mesmo do texto recomendado. Ainda que a leitura do professor esteja apoiada em estudos maisaprofundados, nada impede que o aluno, ao tomar contato com o texto antes da aula, perceba outros pontos, tenha outrasdúvidas ou perplexidades que o próprio professor não teve quando tomou contato com o texto. O intercâmbio de experiên-cias de leitura é uma das características mais importantes dessa disciplina, pois auxilia o pro-fessor a identificar e suprimir aseventuais dificuldades de leitura encontradas pelos alunos. Sendo assim, o aluno que não lê o texto antes da realização daaula fica – voluntariamente – alijado dessa particularidade do estudo jurídico. E, em nota de teor mais prático, ainda corre orisco de perder meio ponto na avaliação.

Ao desempenho do aluno na(s) resposta(s) da(s) questão(ões) formuladas e/ou sua parti-cipação na WikiDireito, será conferido até 0,5 ponto, compondo assim até 01 (hum) pontona nota de participação. Essa nota de participação complementa o grau obtido na segunda

 prova, conforme visto no item anterior. O somatório das notas obtidas na segunda prova ena participação pode alcançar o total de 10 (dez) pontosPage 55FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsPROGRAMA DA DISCIPLINAaula 1: aPrEsENtação do cursoParte i: Negócios Jurídicos

Aula 2: Os Planos do Negócio JurídicoAula 3: Classificação, Interpretação e Causa dos Negócios Jurídicos

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Aula 4: Defeitos do Negócio Jurídico: Erro e DoloAula 5: Defeitos do Negócio Jurídico: Coação, Simulação e Fraude contra CredoresAula 6: Lesão e Estado de PerigoAula 7: Condição, Termo e EncargoParte ii: Prescrição e decadênciaAula 8: Fundamentos para Aplicação da Prescrição e da Decadência

Aula 9: Suspensão, Impedimento e Interrupção dos Prazos Prescricionais / Direito In-tertemporalParte iii: direito das obrigaçõesAula 10: A Relação ObrigacionalAula 11: As Obrigações Naturais e as Obrigações Propter RemAula 12: Classificação das Obrigações: Obrigações de Dar, Fazer e Não-Fazer Aula 13: Classificação das Obrigações: Obrigações Indivisíveis, Solidárias e AlternativasAula 14: Pagamento: Lugar, Tempo e ProvaAula 15: Formas Especiais de PagamentoAula 16: Enriquecimento sem Causa e Pagamento IndevidoAula 17: Inadimplemento das ObrigaçõesAula 18: Cláusula Penal e JurosAula 19: Transmissão das Obrigações

Parte iv: teoria Geral dos contratosAula 20: Princípios da nova Teoria Contratual – Autonomia da Vontade e Função So-cial do ContratoAula 21: Princípios da Nova Teoria Contratual – Contornos da Boa-fé ObjetivaAula 22: Princípios da Nova Teoria Contratual – Relatividade e sua FlexibilizaçãoAula 23: Responsabilidade Pré-Contratual e Proibição do Comportamento Contradi-tórioAula 24: Aspectos da Contratação Eletrônica (Documentos e contratos eletrônicos)

 ________________________________________ Page 66FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

ROTEIRO DAS AULASAULA 1: APRESENTAÇÃO DO CURSO1. rotEiro dE aulaO título da presente disciplina (“Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos”) requer algumas explicações introdutórias, pois ele pode vir a encerrar dois grandes equívocos. O

 primeiro se refere à ênfase dada à expressão “Teoria Geral”. Essa disciplina, antes de maisnada – antes mesmo de fazer referência aos contratos e às obrigações – se apresenta comouma teoria geral. Pode parecer paradoxal que uma disciplina inserida em curso de bacharela-do que prima pela permamente atualização, como é o curso oferecido pela Escola de Direitoda Fundação Getúlio Vargas, opte por oferecer aos seus alunos um curso sobre teoria geralde determinado assunto, e ainda mais sobre Direito Civil, campo do conhecimento jurídicoque cada vez mais se afasta das grandes “teorias gerais”.Pode-se dizer que o Direito Civil vivencia hoje o ocaso das teorias gerais justamente pela

velocidade com que os seus institutos têm se transformado para atender às mais diversas ecomplexas demandas sociais. O fenômeno do Direito Civil Constitucional, estudado nadisciplina anterior (“Direito das Pessoas e dos Bens”) ilustra com precisão esse cenário. Asconstantes exigências da vida prática tomaram de assalto a construção de teorias gerais paradiversos setores do Direito Civil. Mais notadamente, a dinâmica dos direitos da personali-dade repercute essa realidade, sendo hoje praticamente impossível, ou pelo menos bastanteartificial, criar-se uma teoria geral dos direitos da personalidade. Essa, se por um acaso exi-ste, apenas se faz presente para fins didáticos.Então, deve-se analisar com cautela a denominação da disciplina aqui apresentada:quando se fala em teoria geral o que se busca oferecer ao aluno é a oportunidade de conhe-cer as linhas mestras que guiaram a doutrina, a jurisprudência e o legislador na construçãoda matéria sob análise. Assim, o estudo do direito das obrigações deve enfrentar todo oarcabouço instrumental erigido desde o período de apogeu do Direito Romano para tute-lar as relações jurídicas entre credores e devedores; mas essa mesma disciplina não estariacompleta se ela não rompesse com a ahistoricidade que prepondera nos manuais sobre os

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temas e introduzisse diversos dilemas que a prática hoje coloca para a solução de relaçõesque envolvem créditos e débitos.Esse desprendimento do curso da história para a construção de um repositório de técni-cas é ainda mais afastado quando se trata do direito dos contratos. Nesse particular, a con-vivência entre princípios clássicos e aqueles princípios que compõem a faceta mais modernada “nova teoria contratual” representa o escopo das aulas destinadas ao estudo das relações

contratuais: buscar o domínio da teoria geral, para que se possa, então, aplicá-la aos casosconcretos, sabendo identificar os pontos em que a jurisprudência vem lidando com casosdifíceis, em que os princípios da teoria contratual são chamados a atuar.Mas não é apenas a expressão “Teoria Geral” que merece uma explicação mais detalhadano título da presente disciplina. A referência a obrigações e contratos no seu título tambémmerece uma menção.A disciplina aqui apresentada é composta por quatro módulos: (i) negócios jurídicos;(ii) prescrição e decadência; (iii) obrigações; e (iv) contratos. Sendo assim, a disciplina vaialém do estudo das obrigações e dos contratos para abranger também o estudo de matériasque, geralmente, são tratadas em cursos sobre a “Parte Geral” do Direito Civil. A opção

 ________________________________________ Page 77

FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs pela inserção de negócios jurídicos, além de prescrição e decadência, nessa disciplina derivade uma oportunidade de se estudar, em sequência, as regras e princípios aplicáveis a taismatérias.A disciplina dos negócios jurídicos vem gradativamente se afastando de um estudo volta-do exclusivamente para o escrutínio da vontade. A aplicação dos princípios constitucionais,e a formação de uma tutela voltada para a confiança e a boa-fé objetiva imprimiram ao estu-do da matéria uma série de complexidades que comandam ao intérprete que deixe de lado a“mística da vontade” e busque outras vias de realização da hermenêutica negocial.O estudo da prescrição e da decadência, por seu turno, ganha novas dimensões com aafirmação do conceito de pretensão, e sua dinâmica será de fundamental relevo para que secompreenda o efeito do tempo sobre as relações jurídicas. Embora alguns autores critiquem

a inserção do tema da prescrição no conjunto maior dedicado às obrigações e aos contratos(Canaris), é também certo que o seu estudo não pressupõe que apenas relações obrigacionaise contratuais estejam sujeitas à sua influência. Trata-se apenas de uma alocação de temas quecolocam em discussão a dinâmica da relação jurídica na mesma disciplina.Por fim, cumpre destacar que essa é a segunda disciplina na qual alunos tomarão contatocom o Direito Civil. Todo o conteúdo lecionado na disciplina anterior, Direito das Pessoase dos Bens, contudo, aplica-se de forma direta e imediata às mais diversas situações com asquais o estudante vai se deparar ao longo do semestre. A busca por uma definição do prin-cípio da dignidade da pessoa humana, o lugar dos chamados direitos da personalidade, adinâmica das pessoas jurídicas e a relevância das transformações sofridas na análise dos bens,sobretudo no que se refere ao “bem de família” e as controvérsias sobre a sua amplitude,estão presentes nesta disciplina.O caso gerador narrado abaixo, por exemplo, ilustra essa conexão necessária entre as

duas primeiras disciplinas de Direito Civil lecionadas no curso de graduação. A lide emquestão foi baseada em caso julgado recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça. Com

 base nas lições apreendidas no semestre passado, e com a intuição natural do bom profis-sional jurídico para descobrir onde estão os pontos controvertidos de um caso concreto e,

 principalmente, para buscar a sua solução, leia a seguinte questão:2. caso GErador Três famílias de baixa renda viviam juntas, há mais de dez anos, em uma casa de madeiraconstruída em terreno de sua propriedade na sua periferia de Porto Alegre. Com a expansãodos limites da cidade, uma empresa construtora procurou as três famílias com interesse deconstruir no local um edifício de apartamentos. Em troca pela cessão do terreno, as famíliasreceberiam dois apartamentos do edifício a ser construído. O contrato foi devidamentecelebrado entre as partes, formalizado em cartório, tendo ainda sido oferecida em garantiado cumprimento do acordo, por parte da construtora, o imóvel onde residia a família do

 proprietário da empresa.As três famílias passaram a residir, de forma precária, na casa de amigos e conhecidos.

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Os anos foram se passando e o edifício jamais foi construído. Após cinco anos de espera, astrês famílias ingressaram em juízo pleiteando que o imóvel dado em garantia fosse levadoa leilão para pagamento do valor relativo ao terreno, acrescido de eventuais atualizações eindenização por dano moral decorrente do inadimplemento da construtora.

 Nos autos do referido processo, o advogado da construtora alegou que o imóvel dado emgarantia não poderia ser objeto de execução, pois estaria protegido pelo regime do “bem de

família” (Lei n° 8.009/90). ________________________________________ Page 88FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsCom base no caso acima responda:(i) Quais princípios da teoria geral das obrigações e dos contratos estão envolvidos naquestão? Existe algum conflito entre os mesmos?(ii) No caso narrado, como você decidiria o processo? Justifique a sua decisão com argu-mentos jurídicos e com base na legislação pertinente.

 ________________________________________ Page 9

9FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsPARTE I: NEGÓCIOS JURÍDICOSAULA 2: OS PLANOS DO NEGÓCIO JURÍDICOEmENtário dE tEmasAto e Negócio Jurídico – Fato Jurídico – Negócio jurídico – Classificação dos NegóciosJurídicos – Existência, Validade e Eficácia do negócio jurídico – Considerações acerca dosrequisitos de validade do art. 104.lEitura obriGatóriaVENCESLAU, Rose Melo. “O negócio jurídico e as suas modalidades”, in GustavoTEPEDINO (org). A Parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar,2002; pp. 177/200.

lEituras comPlEmENtarEsTEPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBOZA, Helena.Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, v. I. Rio de Janeiro:Renovar, 2004; pp. 207/220.SILVA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2005;

 pp. 475/495.1. rotEiro dE aulaato e Negócio Jurídico

 No Código Civil de 1916, ato jurídico era considerado como todo ato voluntário, re-vestido das condições determinadas pela lei e que produzisse regularmente efeitos jurídicos.Fatores como a vontade humana careciam ainda de maiores estudos sobre a sua participação

 para a formação de um conceito, e ao contrário do que se observa atualmente, a diferencia-ção entre ato jurídico e negócio jurídico ainda não restava bem delineada.

A noção de negócio jurídico provém de trabalhos doutrinários alemães que passaram aconsiderar a importância das manifestações de vontade na produção de efeitos jurídicos.Dessa forma, a doutrina gradativamente se aproximou de um conceito contemporâneo deato jurídico, o qual, mais modernamente, é compreendido em um sentido amplo, passan-do a se desdobrar em dois outros significados: (i) o ato jurídico em sentido estrito; e (ii) onegócio jurídico.Antes de estudar os atos jurídicos em sentido amplo, algumas considerações acerca dacategoria mais ampla de fatos jurídicos se fazem necessárias.

 ________________________________________ Page 1010FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsFato JurídicoFato jurídico é um acontecimento, quer seja humano, quer seja natural, apto a produzir 

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efeitos jurídicos, provocando o nascimento, a continuação, a modificação ou a extinção derelações jurídicas e dos direitos que a ela se referem.Os fatos jurídicos podem ser subdivididos em espécies. Eles se bipartem tendo comocritério a sua natureza, podendo ser denominados fatos humanos voluntários ou eventos na-turais.Os fatos jurídicos naturais (que decorrem de eventos naturais) são independentes da

vontade do homem. Não se deve afirmar que os mesmos são completamente estranhos aohomem, visto que fulminam as relações jurídicas – que por sua vez são titularizadas por pes-soas físicas ou jurídicas (conjunção de vontades humanas para o atingimento de um fim).Esses fatos decorrem da manifestação da natureza, podendo ser ordinários ou extraordi-nários. Os ordinários são aqueles cuja verificação é comum, tal qual o nascimento e a morte;os extraordinários, por sua vez, são dotados de maior margem de imprevisibilidade, corres-

 pondendo aos denominados caso fortuito ou força maior.Além dos fatos jurídicos naturais, deve-se mencionar a existência de fatos humanos vo-luntários, que são aqueles que resultam da atuação humana, seja ela positiva ou negativa.Tais fatos influem nas relações jurídicas, variando em razão da tipologia do ato praticado.Dividem-se em fatos lícitos (atos jurídicos lícitos em sentido amplo) e fatos ilícitos.Os atos jurídicos latu sensu, são aqueles caracterizados pela atuação da vontade da parteem sua constituição e na produção de sus efeitos. A manifestação de vontade assume aqui

um papel muito mais relevante do que nas tipologias examinadas acima. Os atos jurídicosem sentido amplo subdividem-se em duas espécies:(i) Ato jurídico stricto sensu – a declaração de vontade é dirigida para a produção de efei-tos previamente determinados em lei, imodificáveis pela ação volitiva. Não competeà parte modificar, moldar os efeitos dessa declaração de vontade, mas apenas decidir 

 pela produção de um ato que possui os seus efeitos já previamente estipulados. Amanifestação de vontade se corporifica pela intenção ou não de sofrer em sua esfera

 jurídica os efeitos já determinados pela letra da lei;(ii) Negócio jurídico – Os efeitos que se produzem a partir dos negócios jurídicos sãoaqueles não proibidos pela lei. Não confrontando com a dicção legal, as partes pos-suem espaço para construir relações jurídicas de diversos moldes. O teor negocialaqui é flagrantemente maior, implicando na composição de interesses. Os efeitos são

 permitidos pela lei e são desejados pelos agentes.

Os fatos ilícitos, por sua vez, são aqueles que se processam contrariamente à ordem jurí-dica, provocando o dever de reparação. Produzem efeitos diversos ou não pretendidos pelosagentes que lhes dão causa.

 Negócio jurídico Negócio jurídico é a declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos vo-luntariamente perseguidos.1 Os sujeitos de direito, mediante o exercício de sua vontade emconformidade com a lei, dão origem a relações jurídicas.Certo é que ato e negócio jurídico são institutos onde a vontade se encontra presente.A distinção se processa quando se atenta ao conteúdo dessas figuras e aos efeitos que delasdecorrem.1 Gustavo Tepedino, Maria celi-na bodin de Moraes e HeloisaHelena barboza. Código Civil

Interpretado conforme a Consti-tuição da República, v. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; p. 210.

 ________________________________________ Page 1111FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

 No ato jurídico em sentido estrito, o conteúdo e efeitos são previamente determinados peloordenamento, competindo à vontade apenas decidir pela produção ou não desses efeitos.O negócio jurídico, por sua vez, difere desse tratamento ao possibilitar às partes mode-larem esse conteúdo, e conseqüentemente, os efeitos do ato. O negócio jurídico é campoonde há liberdade de construção para as partes, liberdade essa que se manifesta no livredesembaraço da vontade negocial.Essa vontade negocial se manifesta tendo em vista o princípio da autonomia da vontade

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(autonomia privada), que como o próprio nome já diz, trata da liberdade de negociação queos agentes privados são dotados.A própria autonomia privada, em certa análise, não deixa de ser uma permissão legal.Ela se manifesta nas hipóteses em que a lei não pré-estabelece todo o conteúdo e efeitos queuma determinada manifestação de vontade assume. Quando há campo para a livre mani-festação da autonomia privada, as partes podem determinar o conteúdo, forma e efeitos

dos seus atos jurídicos (aqui compreendidos em sentido amplo), atuando na criação de umnegócio jurídico.2Acerca do conceito moderno de autonomia privada, pertinente é observar que:“O conceito de autonomia privada vem, contudo, sendo reformulado pela doutrina contem-

 porânea. Hoje, não mais se deve entender que os valores constitucionais criam limites externos àautonomia privada, mas antes, informam seu núcleo funcional. A autonomia privada não consis-te, definitivamente, em um “espaço em branco” deixado à atuação da liberdade individual, masao contrário, apenas recebe tutela na medida em que se conforme aos valores constitucionais.”3A vontade dos indivíduos pode ser construída dentro desse campo da autonomia priva-da, sendo vedado que ela o extrapole, dispondo contrariamente ao Direito.Os efeitos dessa vontade somente serão perceptíveis no mundo jurídico através de umamanifestação. Deve o agente explicitar essa vontade, que é o elemento interno, por intermédiode uma declaração, elemento externo, para que os efeitos desejados possam ser alcançados.

Sob pena do negócio ser reputado inválido, essa manifestação de vontade deve se operar de forma livre, desembaraçada, e em consonância com valores jurídicos com diretrizes comoa boa-fé objetiva, a função social do contrato e a dignidade da pessoa humana.A declaração de vontade, instrumento de exteriorização dessa vontade, pode ser expressaou tácita. A manifestação expressa é a utilização de meios inequívocos que demonstrem oreal intento do agente. A manifestação tácita resulta de um comportamento do agente doqual pode se inferir o sentido de sua vontade.A forma do negócio jurídico constitui-se do tecnicismo que o direito impõe à manifesta-ção de vontade. Observa-se que o conceito de forma do negócio possui duas dimensões: (i)é a própria manifestação de vontade, isto é, a exteriorização da vontade (considerada aquieminentemente no plano psíquico); e (ii) é a roupagem, isto é, os requisitos que essa mani-festação deve conter para que seja considerada válida pelo Direito.classificação dos Negócios Jurídicos

Muitas são as classificações que os negócios jurídicos podem assumir. Um dos critériosde classificação mais relevantes é aquele relacionado ao número de declarações de vontadeexistentes em sua realização. Nesse sentido, o negócio pode ser unilateral, bilateral, e, maisrecentemente, são admitidos os negócios plurilaterais.Unilaterais são aqueles que se constituem com uma única declaração de vontade; bilate-rais são aqueles onde se observa, concomitantemente, duas manifestações de vontade, sendo2 Frise-se que negócio jurídico éuma espécie de ato jurídico emsentido amplo.3 Gustavo Tepedino, Maria celi-na bodin de Moraes e HeloisaHelena barboza. Código CivilInterpretado conforme a Consti-

tuição da República, v. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; p. 211.

 ________________________________________ Page 1212FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsambas necessárias para o aperfeiçoamento do negócio; negócios plurilaterais, por sua vez,seriam aqueles onde se percebe a manifestação simultânea da vontade contratual de váriosindivíduos.Mais adiante, o tema das classificações do negócio jurídico será novamente examinado.Relevante nesse momento é compreender que um negócio jurídico pode ser realizado me-diante a conjunção de vontades de um, dois ou de mais indivíduos.Existência, validade e Eficácia do negócio jurídicoPlano da Existência, plano da validade e plano da eficácia são os três planos nos quais o

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intérprete deve sucessivamente examinar o negócio jurídico, a fim de verificar se ele obtém plena realização.4Preliminarmente, vale destacar a importância do estudo dos planos do negócio jurídico.A sua relevância passa pela necessidade de que as relações jurídicas sejam aptas à produçãodos efeitos almejados, pelo livre desenvolvimento da vida negocial (circulação de riquezas),

 para alcançar uma idéia transposta a vários ramos do Direito. Isto é, seja no Direito Civil,

Direito Administrativo, Direito Processual, Direito Comercial, ou qualquer outro ramo dosestudos jurídicos, os atos serão revestidos de elementos, requisitos de validade e de fatoresque condicionam sua eficácia. Essa dinâmica se origina no campo civilista e é nele primei-ramente estudada, mas se espraia numa série de situações nem sempre ligadas diretamenteao Direito Civil.

 No estudo dos negócios jurídicos é necessário que estes sejam analisados sob o enfoquede três planos distintos, que são afetos à sua existência, validade e eficácia.

 No que concerne à existência, têm-se os elementos constitutivos (ou essenciais) do negócio jurídico; em relação à validade, têm-se os requisitos de validade e por fim, a eficácia remeteaos fatores de eficácia de um certo negócio.Plano da existência. Neste plano pode-se observar os elementos essenciais do negócio ju-rídico que são: (i) Declaração de vontade; (ii) Objeto; e (iii) Forma. A noção de essencialidadedeve-se ao fato de que caso esses elementos não se encontrem presentes, o negócio jurídico

nem mesmo chegará a existir.O plano subseqüente é o plano da validade, onde se encontram os requisitos de validade.São, na verdade, verdadeiros qualificadores, tais quais adjetivos, dos elementos acidentaisacima expostos. Não são numerus clausus, estritamente delimitados, visto que a lei podeestatuir novos requisitos. São os requisitos gerais, insertos no art. 104 CC: agente capaz;objeto lícito, possível e determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.5São qualificadores que ultrapassam a simples existência do negócio, a qual é aferida com asimples presença dos elementos.O negócio jurídico que padece de vícios no tocante aos seus requisitos de validade podeser reputado como nulo ou anulável. Essa noção será pormenorizada em aulas subseqüentes,

 porém vale, em breve síntese, destacar que a nulidade é decorrência da violação de normasde ordem pública (inderrogáveis), isto é, previsões decorrentes da própria lei. A anulabilida-de, por sua vez, decorre da violação ao regime jurídico definido pelos próprios particulares

(derrogáveis), e, justamente por conta disso, são vícios de importância mais restrita.A nulidade pode ser alegada de ofício pelo juiz ou por qualquer pessoa. O negócio nulo édesde sua constituição inválido. A anulabilidade, por sua vez, enseja uma situação diferente,

 pois o negócio é válido até que a parte interessada pleiteie a sua anulação em virtude dovício que o inquina.Abordar os efeitos de ambas as formas de invalidade é tarefa mais complexa. O negócionulo nunca produziu efeito, visto que é plenamente inválido. Quando a nulidade é decretada,4 antônio Junqueira de azeve-do. Negócio Jurídico. são Paulo:saraiva, 2003, 4ª ed.; p. 66.5 note que os requisitos sãoapenas os adjetivos ressaltadosem itálico.

 ________________________________________ Page 1313FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsos efeitos dessa decretação se operam ex tunc, isto é, retroativamente. O que tiver, por exemplo,sido pago em virtude de uma obrigação nula, deverá ser repetido. Em regra, o ordenamentonão admite que do ato nulo se produza efeitos.6O negócio anulável produz efeitos regularmente até que seja anulado. A parte que po-deria pleitear a anulação pode da mesma forma convalidar o ato, quando então se tornará

 perfeito. Contudo, quando anulado, os efeitos dessa invalidação se processarão ex nunc, istoé, da decretação em diante.Tanto os elementos como os requisitos do negócio jurídico são estabelecidos no art. 104do CC, que determina:Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

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I – agente capaz;II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;III – forma prescrita ou não defesa em lei.O caput do artigo alude apenas à validade. No entanto, quando da leitura dos incisos,são encontrados não só os requisitos, mas também a previsão dos elementos do negócio.Para que haja negócio, ou seja, para que tão somente exista, mister se faz a previsão de

agente, de objeto e de manifestação de vontade que se traduza numa certa forma. Presentesesses requisitos, é certo que o negócio existe.Imagine agora o seguinte negócio jurídico: menor de 15 anos se obriga a prestar, perio-dicamente, determinada quantidade de substância entorpecente proibida por lei. O menor o faz, inclusive, por intermédio de um contrato.Sendo o agente incapaz, é impossibilitado de transigir no mundo jurídico, mas, ao ar-repio da lei, pactua com outrem. Ainda, o objeto desse negócio é flagrantemente ilícito, namedida em que o tráfico de substâncias entorpecentes proibidas por lei é repudiado peloordenamento. O exemplo é caricatural, mas o negócio, sob a perspectiva civilista, é existen-te, embora inválido. A validade, como visto, é uma consideração que ocorre em momento

 posterior.A eficácia, por sua vez, é o terceiro dos planos do negócio jurídico, sendo condicionadaa fatores, que nem sempre são próprios do mundo jurídico. O negócio, agora já existente e

válido, mostra-se em tese apto à produção de efeitos jurídicos. Pode ocorrer, no entanto, queesses efeitos nem sempre sejam operados, como nos seguintes exemplos:(i) A subordinação de um pagamento à ocorrência de uma determinada condição,como a vitória de uma equipe esportiva numa determinada competição. O negócioexiste, é válido, mas sua eficácia está condicionada à vitória de umas das equipes.Caso essa não ocorra, o negócio será permanentemente ineficaz;(ii) A dotação testamentária de certos bens opera a transmissão causa mortis apenas apóso advento da morte do testador. A morte é uma certeza, embora indeterminada aépoca em que irá se processar. O negócio, apesar de existente e válido, carece doimplemento desse termo para que produza efeitos.(iii) A doação de um imóvel, negócio jurídico existente e validamente constituído, masque não se processa em virtude de um deslizamento de terra que soterrou e destruiuo imóvel (força maior).

Por fim, vale mais uma vez recorrer à lição de Antônio Junqueira de Azevedo, que des-taca:6 Por vezes essa regra é re-lativizada, seja por força do

 julgamento dos litígios nocaso concreto, seja em virtudede determinadas situações emque a lei prevê efeitos para oato nulo, como no casamento

 putativo. ________________________________________ Page 1414

FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs“O exame do negócio, sob o ângulo negativo, deve ser feito através do que batizamos como nome de técnica de eliminação progressiva. Essa técnica consiste no seguinte: primeiramen-te, há de se examinar o negócio jurídico no plano da existência, e aí, ou ele existe, ou ele nãoexiste. Se não existe, não é negócio jurídico, é aparência de negócio (dito “ato inexistente”)e, então, essa aparência não passa, como negócio, para o plano seguinte, morre no plano daexistência. No plano seguinte, o da validade, já não entram os negócios aparentes, mas simsomente os negócios existentes; nesse plano, os negócios existentes serão, ou válidos ou in-válidos; se forem inválidos, não passam para o plano da eficácia, ficam no plano da validade;somente os negócios válidos continuam e entram no plano da eficácia. Nesse último plano,

 por fim, esses negócios, existentes e válidos, serão ou eficazes ou ineficazes (ineficácia emsentido restrito).”7considerações acerca dos requisitos de validade do art. 104Capacidade do Agente – Trata-se aqui de uma condição subjetiva de validade do negó-

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cio jurídico. A falta de capacidade pode gerar a nulidade do negócio jurídico quando for uma incapacidade absoluta ou a sua anulabilidade quando se tratar de uma incapacidaderelativa.Essa capacidade deve ser aferida no momento do ato. Mesmo que após a prática do oagente se torne capaz, isso não será suficiente para sanar a nulidade, em se tratando de in-capacidade absoluta. Da mesma forma, a incapacidade superveniente ao ato não o macula,

 permanecendo o ato como válido.Destaque-se ainda que a idéia de capacidade deve ser conjugada com o sentido de legi-timidade. Pode haver situações em que um indivíduo seja plenamente capaz, e dessa forma,absolutamente apto para a prática de todos os atos da vida civil. Mas esse agente, para a

 prática de determinado negócio jurídico, pode não ser dotado de legitimidade.Essa legitimidade é uma espécie de permissão para a prática de um negócio jurídico emespecial. O exemplo mais eloqüente é a compra e venda que se opera entre ascendentes edescendentes. Quando um pai vende um imóvel ao filho, há a presunção de que este tentará

 beneficiar o seu ascendente, ocasionando prejuízo aos demais herdeiros. Até que sobrevenhaa anuência dos demais interessados, faltará legitimidade para essa alienação.Objeto lícito, possível, determinado ou determinável – Para que o negócio jurídico sejaválido há necessidade de adequação a esses requisitos legais, quais sejam: a possibilidade, aliceidade e a determinabilidade. A liceidade ou licitude é a conformidade do objeto com o

ordenamento jurídico, seja na esfera civil, penal, ou administrativa; a possibilidade é correlataa idéia de liceidade, pois possíveis são os objetos lícitos, não devendo-se aqui confundir coma noção de possibilidade material; a determinabilidade é a característica que fundamenta anecessidade do objeto ser determinado ou pelo menos, determinável, isto é, há necessidadede estabelecer com certa precisão no que corresponderá o objeto do negócio jurídico.Forma prescrita ou não defesa em lei – aqui se encontra um requisito de natureza formalque determina como a manifestação de vontade deve ser exteriorizada. A regra geral é ada liberdade de forma, mas pode ser excepcionada pela necessidade de observância formaespecial.2. caso GErador A Delta Participações S.A, sociedade anônima legalmente constituída, tem por objetoa aquisição de participações acionárias em outras sociedades. A percepção de lucro dessa7 antônio Junqueira de azeve-

do. Negócio Jurídico. são Paulo:saraiva, 2003, 4ª ed.; p. 64.

 ________________________________________ Page 1515FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

 pessoa jurídica advém da especulação que promove utilizando os valores mobiliários dediversas companhias.Ocorre que no último biênio, a Delta participações vem acumulando sucessivos prejuí-zos, fato que gerou sérios problemas em sua operação.A Companhia não é insolvente, na medida em que o valor das dívidas acumuladas nãoexcede o patrimônio da mesma. Contudo, uma situação foi observada: após diversos preju-

ízos sucessivos, a sociedade encontrou-se momentaneamente sem liquidez em seus recursos.Ou seja, não possuía capital em espécie (dinheiro) para o pagamento de débitos elementa-res, como direitos trabalhistas.Essa situação levou os administradores a tomar uma decisão: estabeleceriam um emprés-timo junto ao Banco Gama S.A no exato valor da dívida trabalhista vincenda. Em paralelo,negociariam a alienação de alguns imóveis pertencentes à Companhia para fazer caixa.O empréstimo foi aprovado pelo conselho de administração da companhia e acordadodiretamente entre o corpo diretivo da Delta Participações e a gerência do Banco Gama.Em seguida, foi remetida correspondência aos funcionários, informando-os da necessidadede se dirigirem à instituição financeira para o recebimento de seus créditos. Frisou-se, paratranqüilidade geral, que o débito seria responsabilidade da companhia e que os funcionáriosnão teriam nenhum outro transtorno senão o de dirigirem-se à agência bancária.Ocorre que o Banco Gama procedeu de forma diversa do acordado com a Companhia.Estabeleceu contratos nos quais os funcionários da Delta Participações figuravam direta-mente no pólo passivo da relação, ou seja, como obrigados. Seriam eles os reais devedores

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da dívida.Isso foi possível porque se tratavam de funcionários humildes, de pouca experiêncianegocial, além do contrato ser demasiadamente complexo para que, em rápida leitura, pu-dessem os funcionários questionar todo o procedimento.A alienação de bens da Delta fracassou e a mesma não realizou o pagamento do repu-tado empréstimo. Consequentemente, o banco reivindicou o adimplemento da dívida aos

funcionários da companhia. Correspondências, notificação de cobrança, negativização donome em instituições de proteção ao crédito foram alguns dos meios utilizados pela insti-tuição financeira para cobrar a dívida.Com base nesta primeira aula sobre os planos do negócio jurídico, dê um parecer fun-damentado sobre a situação acima descrita. Enfoque na exigibilidade (ou não) do negócioestabelecido entre o Banco e os Funcionários da Delta.

 ________________________________________ Page 1616FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 3: CLASSIFICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E CAUSA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOSEmENtário dE tEmas

Classificação dos negócios jurídicos – Interpretação dos negócios jurídicos – Causa dosnegócios jurídicos.lEitura obriGatóriaPEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Foren-se, 2005; pp. 495/509.lEituras comPlEmENtarEsTEPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBOZA, Helena.Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, v. I. Rio de Janeiro:Renovar, 2004; pp. 220/230.VENCESLAU, Rose Melo. “O negócio jurídico e as suas modalidades”, in GustavoTepedino (org). A Parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002;

 pp. 177/200.1. rotEiro dE aula

classificação dos negócios jurídicosExistem diversas formas de se classificar os negócios jurídicos e a doutrina se vale dos maisvariados critérios para esse fim. O esforço para classificação dos negócios surge como meio

 para facilitar a interpretação e a aplicação dos dispositivos que são pertinentes à matéria.Uma primeira classificação dos negócios jurídicos, com já visto, os divide em negócios

 bilaterais e unilaterais. Como destaca Caio Mário:“É negócio jurídico unilateral o que se perfaz com uma só declaração de vontade (testa-mento, codicilo), enquanto bilateral se diz aquele para cuja constituição é necessária a exis-tência de das declarações de vontade coincidentes.”9

 Negócios jurídicos unilaterais são aqueles em que uma parte, por intermédio de uma de-claração de vontade, realiza um determinado ato jurídico. Negócios Jurídicos bilaterais, por sua vez, são aqueles que implicam na existência de duas declarações de vontade coincidentessobre o objeto. Essas manifestações de vontade devem coincidir, surgindo nesse momento o

consentimento. Quando o mesmo não ocorre, ainda que haja manifestação volitiva de maisdos dois agentes, o negócio não se forma.Sendo assim, os negócios jurídicos bilaterais se formam quando uma pessoa emite umamanifestação de vontade em determinado sentido, e outra pessoa declara sua anuência a essamanifestação de vontade. É o consentimento entre esses agentes, o ajustamento entre seusdesígnios, que promove o surgimento dessa modalidade de negócio jurídico.8 caio Mário da silva Pereira.Instituições de Direito Civil, v. I.Rio de Janeiro: Forense, 2005;

 p. 496., p. 496. ________________________________________ Page 1717FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

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Os negócios jurídicos podem ainda ser classificados em onerosos ou gratuitos. O quese tem em vista aqui é o efeito do negócio. O negócio oneroso é aquele que proporcionaao agente a percepção de vantagem econômica, mediante o exercício de uma prestação. Aidéia presente aqui é a da correspectividade de prestações, isto é, da mútua transmissão de

 bens.10Gratuito, ao contrário, é aquele negócio onde uma pessoa proporciona à outra determi-

nado enriquecimento sem contraprestação por parte do beneficiado. A vantagem é exclusiva para uma das partes da relação, a qual não é obrigada a prestar, sendo apenas beneficiáriadireta da diminuição do patrimônio da outra. Como destaca Caio Mário:“O negócio a título oneroso configura a produção de conseqüências jurídicas concre-tizadas na criação de vantagens e encargos para ambos, como a compra e venda, em que a

 prestação de cada parte se contrapõe à da outra parte. O negócio jurídico a título gratuito traz benefício ou enriquecimento patrimonial para uma parte, à custa da diminuição do patrimô-nio da outra parte, sem que exista correspectivo dado ou prometido, como na doação pura,em que o doados transfere bens de seu patrimônio para o do donatário, que se enriquece semse sujeitar a nenhuma prestação.”11Os negócios jurídicos podem também ser classificados como inter vivos e causa mortis.O negócio jurídico inter vivos é aquele pactuado para produzir os seus efeitos durante o

 período de vida das partes. Ele produz efeitos desde logo. Contudo, isso não significa que

o negócio jurídico inter vivos tenha a sua natureza desnaturada quando ocorre a circunstân-cia de se estenderem os seus efeitos para depois da morte do agente. A idéia central que oclassifica dessa forma é que as conseqüências desse ato se processam com mais intensidadedurante a vida das partes que lhe deram causa, podendo se estender, naturalmente, paraalém de suas mortes.O negócio jurídico mortis causa produz os efeitos após o advento da morte do agente.Frise-se que o ato não produz nenhum efeito até que ocorra esse evento. O exemplo clássicodesse tipo de negócio jurídico é o do testamento.Os negócios jurídicos dividem-se ainda em principais e acessórios. Principal é aquele queexiste por si mesmo e independentemente de outro. Já o acessório é aquele cuja existência

 pressupõe a de outro que seja principal, não possuindo existência autônoma. O negócio jurídico acessório segue a sorte do principal: caso esse seja invalidado, extinto pela vontadedas partes ou inquinado de algum vício que impeça a produção de seus efeitos, seguirá o

negócio acessório a sua mesma sorte.Atentando ao critério da forma, os negócios Jurídicos podem ser classificados comosolenes e não solenes.Solenes (ou formais) são aqueles que se revestem de certa forma especial. Não solenes(ou consensuais) são aqueles que possuem forma livre, tendo validade qualquer que seja aforma assumida pela manifestação de vontade. Nesse sentido, cumpre mencionar o dispostonos arts. 107 e 108 do Código Civil:Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senãoquando a lei expressamente a exigir.Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dosnegócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de di-reitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente noPaís.

10 Gustavo Tepedino, Mariacelina bodin de Moraes e He-loisa Helena barboza. CódigoCivil Interpretado conforme aConstituição da República, v. I.Rio de Janeiro: Renovar, 2004;

 p. 213.11 caio Mário da silva Pereria.Instituições de Direito Civil, v. I.Rio de Janeiro: Forense, 2005;

 p. 497. ________________________________________ Page 1818FGV DIREITO RIO

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TEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsO art 107, como visto, enuncia a regra acima exposta, ao passo que o art. 108 é umexemplo de imposição legal de forma específica para o negócio jurídico.interpretação do negócio jurídico

 Na primeira aula sobre negócio jurídico foi constatado que esse instituto tem por escopofundamental a criação de relações jurídicas, que como tal, intentam a busca de efeitos de

natureza não só econômica, mas também social. Por intermédio dessas relações, as partesse vinculam mediante o estabelecimento concomitante de direitos subjetivos e deveres ju-rídicos.A existência de similitudes entre a lei e o negócio jurídico é patente. Dessa forma, não háque se desprezar a abordagem dessas características comuns (e também de suas diferenças)no estudo hermenêutico dessa espécie de ato jurídico.A primeira das características comuns, e também a mais elementar, é a de que tanto anorma legal quanto o negócio jurídico são expressões da vontade humana, pois definemcondutas, direitos, deveres jurídicos e toda sorte de efeitos jurídicos.

 No entanto, apesar de serem expressões da vontade e prescreverem direitos e deve-res, a lei e o negócio jurídico diferem quanto ao agente produtor dessas normas. A lei émanifestação da vontade do Estado. A lei, em sentido formal, promana de ato do poder legislativo, que através de ritos procedimentais estabelecidos em sede constitucional, edita

leis em caráter genérico e abstrato que balizam a conduta de todos os indivíduos. Já osnegócios jurídicos são constituídos por intermédio da manifestação de vontade de agentes particulares, que criam normas cujo campo de incidência se restringirá aos participantesdesse pacto. Somente aos contratantes serão impostas obrigações, mas é possível, como severá posteriormente, que os efeitos jurídicos do instrumento contratual alcancem a órbita

 jurídica de terceiros.Sendo o negócio jurídico exteriorização da vontade humana, é certo que a sua interpre-tação deve cogitar não só de elementos de ordem jurídica, mas também de ordem psíquica.Trata-se de problemática especialmente atinente à atividade interpretativa do julgador, poisé quando da instalação dos litígios, quando já se demandou a tutela do Estado, ou de umacorte arbitral, em sua solução, que o juiz ou árbitro vai inquirir sobre os desígnios que osagentes intentavam quando da construção do liame contratual.A interpretação do negócio jurídico se coloca umbilicalmente relacionada ao conteúdo

da declaração de vontade, e nesse sentido, muito mais do que atentar as regras de interpre-tação, os magistrados se atêm às particularidades do caso concreto.

 No art. 112 do nosso código civil encontra-se um princípio interpretativo de vital im- portância nessa seara. Ele estabelece a necessidade de atentar mais à intenção da declaraçãode vontade do que ao conteúdo literal que ela assume. Nesse sentido:Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadado que ao sentido literal da linguagem.Logicamente isso não significa que o intérprete desse negócio deva desprezar por comple-to o teor literal do mesmo. Todavia, os negócios jurídicos podem assumir grande variedadede formas e de objetos, de maneira que estabelecer um ritual interpretativo seria complexoe redundaria em imprecisão. Dessa forma, optou-se por alargar a margem de discricionarie-dade do intérprete que, no caso concreto, buscará a real vontade das partes.Essa abordagem no caso concreto é fruto da consideração de que a manifestação de

vontade, que redunda na criação do negócio jurídico, se encontra intimamente ligada ________________________________________ Page 1919FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsa elementos econômicos e sociais, bem como outros fatores de ordem jurídica, como os

 princípios jurídicos da boa-fé e da lealdade entre as partes no contrato.Outro ponto de destaque é o que alude à reserva mental, e nesse sentido o art. 110 doCódigo Civil acrescenta a previsão de tal instituto no ordenamento legal brasileiro, nãoobstante a sua previsão nos campos jurisprudencial e doutrinário já existir de longa data.

 No entendimento de Serpa Lopes, reserva mental é a manifestação de vontade disso-nante de seu real conteúdo, de modo que os efeitos decorrentes do ato praticado não sejamqueridos pelo declarante.12Se a outra parte que pactua o negócio desconhecia a dissonância entre declaração e von-

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tade, o ato deve ser conservado em prestígio à boa-fé dessa parte e à segurança das relações jurídicas. Caso contrário, se era do conhecimento da outra parte a divergência entre vontadee declaração, a conseqüência será a invalidação do negócio.Verifique-se que nesse campo da interpretação dos negócios jurídicos, a boa-fé objetivaassume uma posição de verdadeira proeminência, sendo um dos nortes interpretativos dosnegócios jurídicos. Esse princípio se traduz na necessidade de se observar ações pautadas na

ética e lealdade entre as partes, tutelando ainda a confiança depositada na parte contráriada relação.O art. 113 do Código, mais uma vez salienta a necessidade de interpretação em conso-nância com o princípio da boa-fé, aliando ainda o elemento costumeiro na interpretação donegócio (usos dos negócios).Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos dolugar de sua celebração.Os contratos benéficos, por seu turno, devem ser interpretados de forma restrita, noslimites pretendidos pelo agente. São aqueles mediante os quais se exerce alguma espécie deliberalidade, como na doação ou na renúncia. Se por acaso o doador transferiu mais bensdo que realmente tinha em mente, a transmissão no que toca ao excesso deve ser invalidada.

 Nesses negócios, é com especial atenção que a vontade do agente instituidor deve guiar aatividade do intérprete.

causa do Negócio JurídicoO negócio jurídico, conforme já examinado, é uma manifestação de vontade que, aten-tando aos requisitos da lei, produz determinados efeitos. O negócio jurídico visa a um fimdeterminado, e como tal, há certa motivação para a consecução desse fim.A noção de causa aqui mencionada constitui um motivo com relevância jurídica. Nessesentido, afirma Silvio Venosa que:“Numa Compra e venda, por exemplo, o comprador pode ter os mais variados motivos

 para realizar o negócio: pode querer especular no mercado; pode pretender utilizar-s da coisa para seu próprio uso; pode querer adquiri-la para revender. Todos esses motivos, porém,não têm relevância jurídica. O motivo com relevância jurídica será receber a coisa, mediante

 pagamento. Para o vendedor, por outro lado, o motivo juridicamente relevante é receber o preço. Pouco importa, para o Direito, se o vendedor aplicará o dinheiro recebido no mercadodecapitais ou pagará dívida.”13

Dessa forma, pode-se observar a clara distinção entre motivos, que podem ser muitos, ea causa, que efetivamente gera efeitos jurídicos.12 Miguel Maria de serpa lo-

 pes. Curso de Direito Civil, v.I.. são Paulo: Freitas bastos,1989; p. 402.13 silvio de salvo Venosa. DireitoCivil: Parte Geral. são Paulo:atlas, 2003; p. 409.

 ________________________________________ Page 2020FGV DIREITO RIO

TEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsO direito pátrio não encampa a causa como elemento do negócio jurídico, traçandoconsiderações somente no que tange ao objeto e sua liceidade. Assevera-se que objeto e cau-sa, embora sejam elementos em essência diversos, apresentam certa aproximação conceitual,versando ambos sobre a finalidade do negócio jurídico. E foi justamente nesse sentido queo Código Civil, seguindo a linha do seu antecessor (que por sua vez se filiava à corrente denatureza germânica), trata do objeto do negócio de forma mais ampla, incluindo assim anoção de causa.

 No entanto, apesar da previsão legal no sentido da não essencialidade da causa, há diver-sos doutrinadores que manifestam entendimento divergente. É interessante, para esses fins,destacar no atual Código Civil o art. 140, o qual está assim redigido:Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razãodeterminante.Aqui o código excepciona a idéia geral, destacando a importância da causa. Issoocorre porque, em regra, a causa que leva a prática do ato resta desconhecida. Nos casos

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em que ela é expressamente enunciada, especificando a motivação em que o negócio estáenvolto, abre-se espaço para a anulação do negócio tendo em vista um “defeito” nessemotivo.A partir dessa situação, pode-se mesmo criar um exemplo no qual poderia se pleitear a anulação do negócio tendo em vista erro no motivo. Imagine-se que uma determinada

 pessoa jurídica com fins especulativos adquire grupo de imóveis pelo preço de mercado. Re-

aliza tal aquisição tendo em vista a construção, amplamente divulgada, pelo Poder Público,de estação de metrô exatamente ao lado do local onde esses imóveis se encontram. Deixaessa motivação absolutamente clara ao alienante. Pouco tempo depois, já com as obras eminício, a municipalidade altera os planos estabelecidos e não realiza a obra. Os imóveis ad-quiridos conservam o valor original.Certo é que, no caso concreto, diversas considerações serão levantadas, desde o risco na-tural envolvido nesse negócio jurídico, até a questão da boa-fé do alienante e do adquirente.A idéia é que se abre espaço nessas situações onde o motivo determinante na realização donegócio jurídico se frustra para que se pleiteie a invalidação do ato.2. QuEstõEs dE coNcursoConcurso para o cargo de Advogado do BNDES (2004)39. Assinale a única afirmação ERRADA quanto aos negócios jurídicos.a) A validade da declaração de vontade dependerá sempre de forma especial.

 b) A validade do negócio jurídico requer, entre outros, objeto determinado ou determi-nável.c) Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.d) Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.e) Silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e nãofor necessária a declaração de vontade expressa.

 ________________________________________ Page 2121FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsConcurso para o cargo de Advogado da BR Distribuidora (2005) – prova azul:

29. No direito pátrio, como regra geral, o negócio jurídico inspira-se pelo princípioda forma:a) particular.

 b) livre.c) consensual.d) pública.e) especial.21º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase1 – No que se refere a contrato firmado entre duas partes é CORRETO afirmar:a) A vontade manifesta de uma das partes não subsiste se esta faz reserva mental de nãomais querer aquilo que manifestou;

 b) A reserva mental é indiferente à validade do negócio jurídico, exceto quando o desti-natário da manifestação de vontade efetuada com reserva mental tiver conhecimento

da mesma;c) A reserva mental de uma das partes importa em erro concernente ao objeto da de-claração de vontade;d) O negócio realizado com reserva mental de uma das partes é anulável por não im-

 portar em um querer definitivo.2 – Assinale a alternativa INCORRETA no que se refere ao silêncio nos contratos:a) O silêncio no sentido jurídico pode ser conceituado como aquela situação quandouma pessoa não manifestou sua vontade em relação a um negócio jurídico, nem por uma ação especial necessária a este efeito (vontade expressa) nem por uma ação daqual se possa deduzir sua vontade (vontade tácita);

 b) Se alguém me apresenta um contrato e manifesta que tomará meu silêncio comoaquiescência, eu não me obrigo, porque ninguém tem o direito, quando eu nãoconsinto, de forçar-me a uma contradição positiva;c) O silêncio só produz efeitos jurídicos quando, devido às circunstâncias ou condiçõesde fato que o cercam, a falta de resposta à interpelação, ato ou fatos alheios, ou seja,

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a abstenção, a atitude omissiva e voluntária de quem silencia induz a outra parte,como a qualquer pessoa normal induziria, à crença legítima de haver o silente reve-lado, desse modo, uma vontade seguramente identificada;d) O silêncio importará em anuência do contrato todas as vezes em que se estiver dian-te de contratos de adesão, houver prazo obrigatório assinalado para manifestação da

 parte, sob pena de não o fazendo considerar a contraparte que houve aquiescência e

a parte tiver tido ampla oportunidade de tome conhecimento de todos os termos ecláusulas do contrato. ________________________________________ Page 2222FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 4: DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO: ERRO E DOLOEmENtário dE tEmasManifestação de vontade defeituosa – Disciplina jurídica do erro – Erro de Fato e Errode Direito – Disciplina jurídica do dolo – Dolo essencial e dolo acidental – Dolus Bonus eDolus Malus – Dolo Positivo e Dolo Negativo – Dolo de Terceiro.lEitura obriGatória

 NEVARES, Ana Luiza Maia. “O erro, o dolo, a lesão e o estado de perigo no novo có-digo civil”, in Gustavo TEPEDINO (org). A Parte Geral do Novo Código Civil. Riode Janeiro: Renovar, 2002; pp. 251/271.lEituras comPlEmENtarEsPEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Foren-se, 2005; pp. 513/529.TEPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBOZA, Helena.Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, v. I. Rio de Janeiro:Renovar, 2004; pp. 268/284.1. rotEiro dE aulamanifestação de vontade defeituosaO negócio jurídico, como visto, se processa mediante uma declaração de vontade con-dizente com a lei e que tenciona a produção de efeitos jurídicos. Deriva, assim, da emissão

de vontade do agente. Essa manifestação de vontade é um dos elementos constitutivos donegócio, sem a qual o mesmo não chega nem mesmo a transpassar o plano da existência.

 No entanto, uma vez existente essa vontade, o direito se ocupa dos requisitos de validadeque ela deve demonstrar para que o negócio possa validamente se aperfeiçoar. Ainda queemanada diretamente do agente, essa declaração pode não traduzir o seu íntimo querer,a sua vontade real e dessa maneira, o intérprete termina por se deparar com um negóciodefeituoso. Quando a vontade manifestada não corresponder à vontade real, ao desejo doagente, esse negócio encontrar-se-á sujeito à nulidade ou anulabilidade.Destaque-se que à luz das teorias encampadas pelo nosso direito civil, existe a distinçãoentre ausência de vontade e emissão defeituosa operando em planos diversos. Sendo a vontadeelemento do negócio, e estando ela ausente, esse ato será inexistente. Por outro lado, sendoa manifestação volitiva defeituosa, o negócio é existente, embora inválido.Os defeitos que podem atingir o negócio jurídico podem ser de dois tipos. Os vícios de

consentimento e os vícios de vontade.Os vícios de consentimento afetam a manifestação de vontade em si, fazendo com quea sua elaboração ocorra de modo errôneo. A exteriorização dessa vontade ocorre de mododistorcido e produz efeitos diversos daqueles que o agente tinha em mente. Se os fatores que

 ________________________________________ Page 2323FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsmacularam a vontade não existissem, o declarante ou teria agido de forma diversa ou teriase abstido de celebrar esse negócio.Os vícios da vontade, também denominados vícios reais, são aqueles nos quais o ato semanifesta em consonância com a vontade anímica do agente, mas, no entanto, essa vontadeé repudiada pelo ordenamento. Não se observa oposição entre a vontade íntima do agentee a vontade por ele externada, porém há dissonância entre a vontade do agente e a ordem

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legal14. Aqui, o real querer do agente se encontra harmonizado com a forma pela qual essavontade se manifesta, existindo, entretanto, reprovação por parte da lei.disciplina jurídica do erroA noção clássica de erro o define como uma falsa representação da realidade que influen-cia de maneira determinante a manifestação de vontade.

 No erro, o agente procede contrariamente ao seu querer, pois atua ou por desconheci-

mento completo ou por conhecimento impreciso acerca de alguma circunstância. A idéiacentral desse conceito reside no fato de que o agente agiria de modo diverso ou mesmo nem praticaria o ato caso tivesse uma percepção correta da realidade.Erro e ignorância não se confundem embora venham tratados conjuntamente pelo Có-digo Civil. Ignorância é o desconhecimento do agente em relação aos efeitos que serão

 produzidos a partir da sua declaração de vontade. Do ponto de vista jurídico, não há dife-rença.

 Nesse sentido, a ignorância não pode ser observada quando o agente emite determinadoato de vontade tendo a noção de que os efeitos que serão perpetrados a partir dele são des-conhecidos. Se o agente não tem completo conhecimento do alcance do seu ato não há maisem que se falar em vício do negócio jurídico.Um dado relevante no erro é a noção de espontaneidade na manifestação da vontade.

 Não importa que o agente tenha querido resultado diverso, que não tivesse completa cons-

ciência dos efeitos próprios do ato que praticou. No erro, o agente pratica o ato de formaespontânea. Ninguém o coage à prática, nem o insta a praticá-lo por intermédio de artifíciosescusos, ou seja, dolosos.Os requisitos para a caracterização do erro, são, segundo Clovis Beviláqua: (i) a escusa-

 bilidade; (ii) recair sobre o objeto do ato (e não sobre suas designações); (iii) referir-se aosmotivos essenciais do negócio; e (iv) relevância do erro.Escusabilidade – O erro não pode ser grosseiro, de fácil visualização por um homem deinteligência mediana (homem comum) agindo com a diligência normal que o negócio re-quer. Se o erro assume essas características não há que se pleitear anulação do ato. É a regrado art. 138.Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emana-rem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em facedas circunstâncias do negócio.

Essa idéia visa precipuamente a garantir a segurança jurídica. Se qualquer erro facilmen-te verificável pudesse ensejar a anulação dos negócios jurídicos, haveria grande instabilida-de. Além disso, é necessário resguardar o outro contratante em virtude da sua boa-fé. Aferir a escusabilidade do erro é tarefa para o juiz ou árbitro no caso concreto.Segundo afirma Silvio Venosa, “foi correta a supressão do requisito escusabilidade por-que, na nova lei, o negócio só será anulado se o erro for passível de reconhecimento pelaoutra parte. A escusabilidade, nesse caso, torna-se secundária.” E complementa o autor: “O14 caio Mário da silva Pereira.Instituições de Direito Civil, v. I.Rio de Janeiro: Forense, 2005;

 p. 514. ________________________________________ Page 24

24FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsque se levará em conta é a diligência normal da pessoa para reconhecer o erro, em face dascircunstâncias que cercam o negócio. Sob tal prisma, há que se ver a posição de um técnicoespecializado e de um leigo no negócio que se trata. Avultam em importância as condiçõese a finalidade social do negócio que devem ser avaliadas pelo juiz.”15Erro Substancial ou Essencial – Para que o ato seja passível de anulação é necessário queo erro seja substancial (ou essencial). Como pode se perceber pela sua própria nomenclatu-ra, o erro essencial tem papel de suma importância na declaração de vontade realizada peloagente. Se tivesse consciência da falsa representação da realidade ensejada pelo erro, nãoteria concluído o negócio. Ele incide sobre a causa do negócio ou pelo menos, sobre umadas várias causas do mesmo.A definição legal sobre o que é erro substancial vem no art. 139, I. O inciso I do mesmoartigo fala do erro quanto à pessoa, dando-lhe tratamento ainda mais especificado:

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Art. 139. O erro é substancial quando:I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma dasqualidades a ele essenciais;II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaraçãode vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou

 principal do negócio jurídico.O erro acidental, contrariamente ao substancial, não é suficiente para anular o negócio.Ele incide sobre motivos ou qualidades não essenciais. Nesse caso, não se abre espaço parase pleitear anulação, pois o declarante realizaria o negócio, ainda que conhecendo do erro.Mais uma vez é o juiz, no caso concreto, que irá aferir a essencialidade ou não do erro. Nãohá que se pensar em critérios pré-definidos, visto que o erro que numa situação pode assu-mir a qualificação de secundário, pode noutro negócio revestir caráter de essencialidade.O art. 142 trata de hipóteses onde a incidência do erro não pode ser suficiente para ainvalidação do ato:Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vonta-de, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.Como já por nós examinado, a causa não foi encampada pelo nosso ordenamento como

elemento do negócio jurídico. Limita-se a lei, no art. 140 do Código Civil, a enunciar que ofalso motivo só enseja anulação quando expressamente enunciado como razão determinantedo negócio. No mais, quando não expressos os motivos que levaram o agente a negociar,residindo apenas no seu campo psíquico, não há que se falar em sua influência no mundo

 jurídico.Erro de Fato e Erro de direitoJá o erro de direito, por conta de alterações legislativas, implica em certa divergência.O erro pode não recair sobre circunstâncias de fato conforme examinado acima, mas aocontrário, estar diretamente ligado ao desconhecimento da norma jurídica ou das conseqü-ências jurídicas do acordo.Esse desconhecimento não deve ser compreendido aqui como a total ignorância da exis-tência. O próprio ordenamento é expresso nesse sentido, por força do art. 3º da LICC. O15 silvio de salvo Venosa. Direito

Civil: Parte Geral. são Paulo:atlas, 2003; p. 426.

 ________________________________________ Page 2525FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOserro, neste caso, consiste no falso conhecimento do direito aplicável, ou da interpretação domesmo, redundando na produção de efeitos jurídicos diversos do pretendido.Há ainda que destacar que o erro de direito somente pode dar margem à anulação quan-do se mostra como motivo determinante da declaração, ou seja, o agente somente resolveu

 proceder com esse ato na medida em que tinha uma noção equivocada da norma jurídica.disciplina jurídica do dolo

 Não há conceituação sobre dolo constante do Código Civil. O Código inicia o trata-mento da matéria no art. 145, elencando o dolo entre as causas de anulabilidade do negócio

 jurídico.O dolo é a o estratagema, o artifício utilizado no intento de viciar a vontade daquelea quem se destina. São manobras efetuadas com o propósito de obter uma declaração devontade que não ocorreria caso o declarante não fosse ludibriado. A definição de ClovisBevilaqua se mostra bem elucidativa:“Dolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática deum ato jurídico, que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro.”16A distinção entre dolo e erro se assenta no fato de que o primeiro há uma causaçãointencional do vício da vontade. No dolo há provocação. O erro, como já examinado, temorigem na própria vítima, da sua íntima convicção, sendo uma falsa representação da reali-dade espontaneamente provocada pela mesma.Essa distinção se mostra relevante pois, muitas vezes, é de mais fácil verificação o com-

 portamento doloso por parte de algum agente do que a prova da percepção errônea da

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Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quemaproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negó-cio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.O ato é anulável se o beneficiário tivesse conhecimento do dolo, ou ainda que estivesseobrigada a ter esse conhecimento.O dolo de terceiro pode se apresentar em três situações: (i) dolo de terceiro contando

com a cumplicidade (participação efetiva) da parte do negócio; (ii) dolo de terceiro commero conhecimento da parte beneficiária; e (iii) dolo exclusivo de terceiro, sem conheci-mento do favorecido.

 ________________________________________ Page 2727FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsQuando o comportamento doloso se processa com alguma forma de conhecimento da

 parte que ele se aproveita (situações i e ii) têm-se a anulabilidade do negócio. Na situaçãoem que a parte não faz a menor idéia do comportamento doloso do terceiro, o negóciodeverá subsistir, mesmo porque, deve-se ter em vista a boa-fé da parte a quem o dolo apro-veitou. Certo é que o prejudicado poderá pleitear direito a indenização por perdas e danos

face ao terceiro que agiu ilicitamente.Como se verá adiante, a coação, ao contrário do que determinava o regime do Códigode 1916, assume no atual Código tratamento semelhante ao dolo no que concerne à coaçãode terceiro sem o conhecimento de contratante beneficiado.Por fim, no dolo de ambas as partes, a lei pune ambas as condutas, evitando a anulaçãodo ato. Essa é a regra do art. 150 do Código Civil. Trata-se de uma derivação da regra deque a ninguém é dado alegar a própria torpeza.2. caso GErador 

 No dia 23 de abril de 2004, Bruno e Elizabeth, um casal de namorados que residia noapartamento 303, do prédio de nº 45, na Rua Manoel Gonçalves, no bairro de Laranjeiras,tiveram uma discussão acalorada. Não se sabe ao certo o motivo da discussão, mas o fato éque o casal foi encontrado morto, no dia seguinte, pelo porteiro do prédio. O caso aindahoje é um mistério para as autoridades policiais. Todos os jornais de circulação na cidade

divulgaram por alguns dias a notícia da tragédia e as suas eventuais repercussões.O fatídico apartamento 303 era alugado. O locador, Antônio Mathias, tomou o cuidadode reformar todo o apartamento depois da tragédia. “Foi uma medida mais espiritual doque estética” – chegou a declarar para os amigos. Depois de concluída a reforma, nada maisnaquele apartamento lembrava a existência do casal.Mas Antônio estava resolvido a vender o imóvel. Passado algum tempo, conseguiu com-

 prar uma outro imóvel e para lá se mudou, colocando o apartamento 303 para ser vendidoatravés dos classificados de um grande jornal.Dois dias depois, Francisco e Carolina, um casal de namorados, foi visitar o apartamen-to. Eles logo se encantaram com a vista e com as condições para a compra do imóvel. Depoisde providenciada toda a documentação, foi devidamente lavrada a escritura de compra evenda do imóvel, que agora passava a ser de legítima propriedade de Francisco.

 Numa manhã de domingo, ao retornar de uma caminhada na praia, Carolina encontra

no elevador com uma moradora do prédio. A senhora, sem muita cerimônia, ao perceber que Carolina nada sabia sobre a tragédia do 303, trata de prontamente relatar todo o eventoà nova moradora.Atordoada com a noticia, a jovem corre para contar ao namorado sobre os eventos trans-corridos em seu apartamento há menos de dois anos atrás. Francisco, indignado com a má-fé de Antônio, imediatamente contata o seu advogado. Na segunda-feira, após reunião comseu advogado, Francisco está certo de que o negócio será anulado através de decisão judiciale pretende ingressar com a medida na mesma semana.Se você fosse o juiz desse caso, como seria a sua decisão? A venda do apartamento 303

 pode ser anulada com fundamento na tragédia ocorrida com Bruno e Elizabeth? Justifi-que.

 ________________________________________ Page 2828FGV DIREITO RIO

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Se incidir sobre elemento acidental do negócio (coação acidental), a realização ocorreriaindistintamente, mas de forma diversa da que se processou. Surge aqui o dever de ressarci-mento do prejuízo, mas não a prerrogativa de anular o ato.O temor provocado pela coação deve ainda ser considerável (de natureza moral ou patri-monial). O temor de natureza moral é aquele que se dirige contra a vida, liberdade, honrada vítima, pessoas de seu círculo familiar ou ligadas àquela por fortes vínculos afetivos. A

coação patrimonial incide sobre o patrimônio da vítima. Dessa forma, esse temor deveapresentar certa gravidade, pois se ele derivar das pressões a que os indivíduos são corriquei-ramente submetidos, frustrar-se-á o intento de anula o negócio.Adicionalmente, o perigo de dano deve ser iminente. Se a ameaça for produzir efeitos emum futuro distante, não há como qualificar a coação, mesmo porque, abrir-se-ia a possibili-dade do coagido buscar a tutela do poder estatal, desembaraçando-se da injusta pressão.O temor deve ser fundado, ou seja, deve ser claro em sua manifestação. Não há que sedecretar invalidade se o coagido apenas supunha ser vítima de pressão de fato inexistente.Esses são as características descritas no art. 151:Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao pa-ciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus

 bens.Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz,

com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.Um outro dado também importante é a ilicitude do mal com que se processa a coação. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito. Essa é a prescrição doart. 153 do Código Civil:Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem osimples temor reverencial.

 No entanto, o exercício do direito não se confunde com abuso do direito (art. 187) queseria justamente o seu desvio de finalidade. O exercício do direito se orienta especificada-mente à consecução da vantagem a que ele alude. Não é possível que dele venha o agente sevaler para atingir finalidade diversa daquela para a qual foi criado.Como elencado na relação de requisitos para a configuração da coação, essa condutadeve provocar na vítima receio de dano ao menos igual ao que seria provocado pelo o atosobre o qual a coação versa. Deve-se verificar sempre a real dimensão dos danos. De um

lado, deve-se averiguar os danos provocados caso o coagido aja de acordo com os desígniosdo coator; de outro, deve-se também ter em mente as conseqüências que serão visualizadasna hipótese de se resistir à coação.Esse procedimento, entanto, sofre hoje certas objeções em virtude da possibilidade deocorrerem danos de natureza diversa, tais como os danos materiais e morais.Alguns autores entendem ainda ser possibilidade de coação quando a ameaça se dirige ao

 próprio coator. É o exemplo do filho, que para obter vantagem do pai, ameaça se matar.Ainda, a doutrina diferencia coação moral de coação física. A primeira vicia o consenti-mento, ao passo que a última liquida totalmente a possibilidade de escolha. Não há que sefalar, nessa situação em declaração de vontade.

 ________________________________________ Page 3131

FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsA coação física (igualmente tratada por vis absoluta) é um constrangimento de naturezacorporal que retira toda a capacidade do querer. Não há manifestação de vontade, ou seja,há ausência total de consentimento com o ato praticado. Não havendo consentimento,carece o negócio jurídico de um de seus elementos essenciais, quer seja, a declaração de von-tade, e portanto, deve ser tido como inexistente. A coação absoluta não é vício da vontade.A coação relativa (vis compulsiva ou coação moral) se opera de forma diversa, sendo vício davontade. A vítima tem maior campo para manifestar a sua vontade, podendo inclusive não ceder à coação, enfrentado o mal imposto. Com a coação relativa, o ato se torna apenas anulável.O temor reverencial é determinado pelo art. 153. Trata-se do receio de desgostar pessoasa quem o agente julga dever obediência e respeito, como no caso dos filhos em relação aos

 pais. Há, contudo, que se observar se esse suposto “temor” não configura de fato coação.coação por parte de terceirosQuando do estudo sobre o dolo de terceiro, foi observado que o mesmo não macularia

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o ato se fosse desconhecido pela parte beneficiada. Essa solução é manejada, dentre outrosmotivos, pela proteção à boa-fé do beneficiado.Sob os auspícios do Código de 1916, a dinâmica da coação determinava que mesmocom o desconhecimento da parte beneficiada pela coação, abrir-se-ia a possibilidade deanulação do ato. Essa era uma solução muito desfavorável, como visto, ao contratante de

 boa-fé.

Já o novo Código prevê solução diversa, semelhante àquela estudada em relação ao dolo.Se houver coação de terceiro e esta for desconhecida pelo contratante que dela se beneficiar,não se abre a possibilidade de anulação. O negócio subsiste, pleiteando-se indenização doterceiro coator.Ocorre que se o beneficiado tiver conhecimento da coação ou dela diretamente parti-cipar, ambos estarão solidariamente obrigados ao dever de indenizar, afora a conseqüente

 possibilidade de anular esse negócio (arts. 154 e 155 do Código Civil).disciplina jurídica da simulaçãoSimulação, como conceito jurídico, corresponde ao ato, ou negócio jurídico, que ocultaa real intenção do agente. Ao contrário do que dispunha o Código Civil de 1916, a simu-lação agora é causa de nulidade do ato e não mais de anulabilidade. A razão dessa alteraçãoreside no fato de que na simulação, não há vício da vontade. Há, sim, uma aparência delegalidade, mas o interior do ato esconde a intenção de burla à lei.

 Na simulação, o negócio que se apresenta à vista de todos não é o realmente desejado pelas partes, mas é aquele que confere aparência legal ao que a verdadeira manifestação vo-litiva persegue. Destaque-se ainda que essa disparidade entre o querido e o apresentado nãoé ocasional, mas proposital.A característica mais relevante do negócio simulado é a divergência intencional entre avontade e a declaração. Não há que se falar aqui em vício da vontade, pois essa se manifestade forma desembaraçada. A simulação é um vício social, na medida em que as partes, agin-do em conluio, criam a imagem de um negócio diferente do pretendido.

 Nesse sentido, na caracterização da simulação, destaca-se a (i) intencionalidade na diver-gência entre vontade e declaração, (ii) acordo simulatório entre os que declaram vontade,(iii) o intuito de enganar terceiros.Há intencionalidade na divergência entre vontade e declaração. O emitente sabe que adeclaração é errada, mas ainda assim procede com essa falsa representação da realidade.

 ________________________________________ Page 3232FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsO intuito de enganar não pode ser equiparado com o de prejudicar terceiros. Nãohá, na simulação, vinculação necessária de prejuízo a alguém. No entanto, quando essavontade de implicar prejuízo a outrem existe, diz-se que a simulação é maliciosa. Fácil,diante do exposto, é perceber que a declaração que não visa ao mal alheio reputa-se comoinocente.

 No que se refere a essa distinção entre inocente e maliciosa, erige-se uma celeuma dou-trinária. No Código anterior, o art. 103 determinava que somente a simulação maliciosaviciava o negócio. Tal regra não foi repetida pelo atual Código, o que levou grande parte

dos autores, na esteira da corrente jurisprudencial já majoritária, a acreditar que a simulaçãoinocente ensejaria a nulidade do negócio da mesma forma que a maliciosa.A simulação pode assumir a forma de simulação relativa e simulação absoluta. Há simu-lação absoluta quando a declaração falaciosa se faz objetivando a não produção de nenhumresultado. O interesse real dos agentes é não praticar ato algum. Na realidade, não há quefalar em ato ou negócio encoberto, pois nenhum ato existe.

 Na simulação relativa há de fato um negócio pretendido pelas partes, mas a intençãodelas é que esse negócio permaneça dissimulado (daí também ser chamada dissimulação).O negócio aparente tem por escopo encobrir outro de natureza diversa.Se esse ato não prejudicar terceiros e não atentar contra a lei, o ato que o dissimula podeser afastado, assumindo a vontade perante todos a sua face real. Esse é o sentido da lei, ma-nifestado pelo art. 167 do Código Civil:Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se váli-do for na substância e na forma.Apesar de inválido o negócio simulado (nulo), subsistirá o dissimulado se suas forma e

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substância. forem válidas.Em relação à simulação relativa, a construção doutrinária enfoca ainda 3 formas pelasquais ela pode se manifestar:(i) Sobre a natureza do negócio – ex. simulação de doação, quando na realidade proce-de-se com compra e venda. O objetivo é fugir da excessiva tributação que marca aalienação de imóveis.

(ii) Sobre o conteúdo do negócio – ex. numa alienação, o valor definido no instrumentocontratual é inferior o valor efetivo da transação;(iii) Sobre a pessoa que participa do negócio – trata-se de uma verdadeira construção fic-cional, onde outra pessoa é envolvida na transação a fim de mascarar o conhecimentodaqueles que realmente atuam no ato. É o caso dos chamados “laranjas” ou “testas deferro”.O art. 168 destaca os legitimados, que podem ser quaisquer interessados, bem como oMinistério Público, nos casos em que seja chamado a intervir.disciplina da fraude contra credoresConforme será observado no segmento sobre relações obrigacionais, a garantia dos cre-dores em relação à satisfação de seus créditos reside no patrimônio do devedor. Quando odevedor não paga a obrigação a que está vinculado, abre-se a prerrogativa ao credor de in-gressar no Poder Judiciário, pleiteando a retirada de bens do patrimônio jurídico do devedor 

com vistas a saldar esse débito. ________________________________________ Page 3333FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsA fraude contra credores, grosso modo, corresponde a toda sorte de atos que objetivemfrustrar a garantia que os credores encontram no patrimônio do devedor. Em regra, opera-secom a transferência de patrimônio.O estado de insolvência do devedor ocorre no momento em que suas dívidas superamos seus créditos, ou melhor, quando o passivo é maior do que o ativo. Dessa forma, todosos atos que ele pratique e que importem em transferência do seu patrimônio passam a ser vistos com ressalvas, justamente porque esses bens constituem a garantia de que os credores

terão os seus direitos satisfeitos.Ocorre fraude contra credores “quando o devedor insolvente, ou na iminência de tornar-se tal, pratica maliciosamente negócios que desfalcam seu patrimônio em detrimento dagarantia que este representa para os direitos creditórios alheios.”17A fraude contra credores, grosso modo, corresponde à transferência de patrimônio comvistas a evitar a sua utilização no pagamento aos credores. No seu conceito pode-se observar a existência de dois elementos, um de ordem objetiva e outro de ordem subjetiva. O elemen-to objetivo, como já examinado, consiste no ato prejudicial ao credor, na medida em que

 por intermédio dele, o devedor ou se torna insolvente ou torna mais grave a insolvência jáinstalada. O dado de ordem subjetiva é a intenção do devedor (muitas vezes aliado a tercei-ros) de prejudicar o credor.Aos credores que possuem garantias especiais em relação ao patrimônio do devedor nãoé dado alegar a invalidade do ato, afora os casos em que as garantias datas se mostrem insu-

ficientes. Esse, por exemplo, seria o caso do credor hipotecário que observa que o valor doimóvel dado em garantia não mais garante a totalidade do seu crédito.Por conta disso, a fraude contra credores é instituto que se presta precipuamente à tutelados credores quirografários, isto é, aqueles que não possuem garantias de qualquer naturezaem relação ao pagamento de seus créditos. Em regra, são eles que legitimariam o interesse deajuizar a ação pauliana, por intermédio da qual se pleiteia a anulação do negócio jurídico.Três são os requisitos apontados pela doutrina para a caracterização da fraude contracredores: (i) anterioridade do crédito; (ii) consilium fraudis; e (iii) eventus damni.A anterioridade do crédito é determinada pelo art. 158, §2º. Quem contrata com de-vedor já insolvente, abre mão de patrimônio que garanta o cumprimento dessa obrigação.Deve o credor, antes de pactuar, certificar-se da solvência do devedor.O eventus damni se liga à necessidade de se comprovar o prejuízo. Sem ele, não há inte-resse na propositura da ação pauliana.O terceiro e último elemento é o consilium fraudis, dado de ordem subjetiva. Não é ne-cessária a intenção em prejudicar o credor, mas apenas a consciência de que a prática do ato

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redundará no afastamento da garantia.Um outro dado relevante é a vedação à transmissão gratuita de bens, seja a doação ou aremissão de dívidas. Nesse caso, o legislador foi claro ao considerar desnecessária a compro-vação de fraude. Como as liberalidades, tal como a doação, são negócios celebrados a títulogratuito, sem que importe em contraprestação, a lei as proíbe em resguardo ao interesse doscredores (art. 158 do Código Civil).

A ação pauliana, por sua vez, é titularizada pelo credor lesado, que a ajuíza tutelando di-reito seu. Objetiva a invalidação do ato jurídico que afetou a garantia que o credor encontrano patrimônio do devedor. Essa ação deve ser movida contra todos os participantes do atofraudulento, ou seja, todos que integraram o pólo passivo da relação obrigacional. Essa regraderiva do art. 161, que na realidade assumiria redação mais apropriada aludisse à idéia deque todos os envolvidos na construção da fraude figurariam como réus.Em relação aos efeitos da ação pauliana, cumpre destacar que as vantagens oriundas daanulação do ato, nos termos do art. 165, remetem ao acervo de bens sobre o qual ocorrerá17 Gustavo Tepedino, Maria ce-lina bodin de Moraes e HeloisaHelena barboza. Código CivilInterpretado conforme a Consti-tuição da República, v. I. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004; p. 297 ________________________________________ Page 3434FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOso concurso de credores. A anulação beneficiará a todos os credores, sejam quirografários ouos dotados de algum privilégio.A fraude contra credores é apenas uma das espécies de fraude. A sofisticação da mentehumana é suficientemente capaz de criar novas situações onde o embuste se revestirá, apa-rentemente, dos requisitos de validade. Muitas vezes competirá ao juiz ou árbitro, no casoconcreto, aferir a intenção dos agentes determinando a anulação do ato.2. caso GErador 

Alfredo e Valdete são casados e dentre os bens do casal encontra-se um apartamentolocado no bairro de Laranjeiras. Com a aposentadoria de Alfredo, o casal, nos próximosmeses, finalmente colocará em prática o acalentado sonho de se mudarem para a cidade de

 Natal. Nesse sentido, Alfredo e Valdete resolvem doar o apartamento em questão aos filhos docasal, Lucas e Letícia. A razão de ser dessa transferência foi o fato de os referidos filhos jáse encontrarem formados, independentes economicamente, e, portanto, com condições dearcar com despesas próprias da manutenção de um imóvel.Deve-se destacar ainda que, afora o apartamento em questão, Alfredo e Valdete possuemoutros imóveis, um residencial e ainda uma sala comercial – a qual, no entanto, encontra-se

 penhorada.A penhora se deu em virtude do não adimplemento por parte do casal de um emprésti-mo levantado junto ao Banco Alfa S/A há alguns meses.

Confiante de que o valor do imóvel penhorado saldaria suas dívidas, o casal resolveu dar seguimento aos seus intentos. Com o imóvel já doado, Alfredo e Valdete planejavam a vidana nova cidade.Ficaram surpresos, contudo, quando receberam a citação judicial informando do ajui-zamento de ação pauliana visando a desconstituição da doação celebrada. O Banco Alfaafirmou que o valor do imóvel penhorado não cobria o valor da dívida e os custos com otrâmite judicial. Destacou a instituição financeira que o valor de mercado do bem sofreraum considerável decréscimo nos últimos meses e dessa forma, uma garantia suplementar seria necessária, daí a necessidade de igualmente penhorar o imóvel do casal.Alfredo e Valdete contestam essas alegações destacando que o valor do imóvel seria simsuficiente para saldar o débito. Ainda que não o fosse, há a impossibilidade de anular onegócio, visto que a intenção dos doadores não foi a de burlar a lei.Com base no exposto, responda:a) A ação pauliana foi ajuizada com fundamente em que instituto jurídico? Enumerequais são os elementos desse instituto e quem são os integrantes do pólo passivo da relação

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 processual. b) As alegações do casal na contestação são procedentes? Justifique. ________________________________________ Page 3535FGV DIREITO RIO

TEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs3. QuEstõEs dE coNcurso24º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase40 – Sobre simulação no novo Código Civil, é correto afirmar que:a) Não se trata de hipótese de anulação, como no Código anterior, mas sim de nulida-de do negócio jurídico;

 b) Decorre da prática de atos legais, mas com a finalidade de prejudicar terceiros, ou,ao menos, frustrar a aplicação de determinada regra jurídica;c) Foi excluída do novo Código Civil, não sendo causa de inexistência, nem nulidadee, tampouco, de anulação do negócio jurídico;d) É o artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática deum ato jurídico, que o prejudica.22º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase

3 – Em relação à simulação é CORRETO afirmar:a) tal como na coação, uma das partes é forçada, mediante grave ameaça, a praticar oato ou celebrar o negócio;

 b) na simulação relativa o negócio dissimulado não subsiste, mesmo que seja válido nasubstância e na forma;c) nunca é acordada com a outra parte ou com as pessoas a quem ela se destina;d) é uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso doefetivamente desejado.20º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase3 – No que se refere à coação, assinale a alternativa INCORRETA:a) A coação física, violência, vis absoluta, exclui o consentimento. Não há negócio ju-rídico porque falta o elemento principal – a vontade do agente – que foi privado demanifestá-la, o que acarreta a inexistência do negócio;

 b) A coação, como vício do consentimento, se aprecia objetivamente, sem consideraçãoà condição das partes;c) O caso do credor que ameaça levar o devedor a juízo, a fim de obrigá-lo ao pagamen-to da dívida, não constitui coação;d) A ameaça de um mal remoto ou evitável não constitui coação capaz de viciar o ne-gócio.

 ________________________________________ Page 3636FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 6: LESÃO E ESTADO DE PERIGOEmENtário dE tEmas

Estado de perigo – Conseqüências do estado de perigo – Disciplina jurídica da lesão – Conseqüências da lesão.lEitura obriGatória

 NEVARES, Ana Luiza Maia. “O erro, o dolo, a lesão e o estado de perigo no novo có-digo civil”, in Gustavo TEPEDINO (org). A Parte Geral do Novo Código Civil. Riode Janeiro: Renovar, 2002; pp. 271/290.lEituras comPlEmENtarEsPEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Foren-se, 2005; pp. 544/552.TEPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBOZA, Helena.Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, v. I. Rio de Janeiro:Renovar, 2004; pp. 291/297.1. rotEiro dE aulaEstado de PerigoO conceito de estado de perigo pode ser encontrado no art. 156 do Código Civil, ap

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dispor que o referido estado será configurado quando “alguém, premido da necessidadede salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assumeobrigação excessivamente onerosa.”O estado de perigo é um dos defeitos do negócio jurídico, e como tal, é passível deanulação. Sua natureza é similar a dos outros vícios estudados até aqui, qual seja, a de víciodo consentimento. Configura-se o estado de perigo quando o agente, premido por circuns-

tâncias de fato que exercem forte influência sobre a sua vontade, realiza negócio jurídico emcondições desvantajosas, assumindo obrigação excessivamente onerosa.O estado de perigo guarda certa similitude com a coação, uma vez que nessa modalidadede defeito do negócio jurídico, a ameaça ou violência temida pelo coagido provém de al-guém interessado na prática do ato. No estado de perigo, diferentemente, também há umaameaça, que decorre, entretanto, de uma circunstância fática.

 Na configuração do estado de perigo, configuram-se como elementos: (i) necessidade de preservação da vida humana; (ii) dolo de aproveitamento; e (iii) assunção de obrigação excessi-vamente onerosa. Nesse sentido, têm-se que:

 Necessidade de preservação da vida humana – Não é qualquer bem jurídico que se encon-tra em risco. Na configuração do estado de perigo, o declarante manifesta sua vontade emmomento específico, um momento verdadeiramente crítico, onde se observa a necessidadede preservação da vida humana, que pode ser do próprio emitente ou de outrem. Essa emis-

são dessa vontade ocorre em receio a um perigo iminente de dano. ________________________________________ Page 3737FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

 No que concerne ao indivíduo que se encontra submetido à situação de perigo, o art.156 estabelece como regra duas hipóteses: (i) pode o emitente agir em defesa própria, quan-do é quem corre perigo; (ii) pode ainda agir tendo em vista a defesa de um familiar, quandoassume a obrigação tencionando salvar do perigo um ascendente, um descendente ou ocônjuge.Destaque-se que o estado de perigo pode ser configurado ainda quando a obrigação assu-mida não for referente à proteção própria ou de um membro da família, sendo essa a regra

do art. art. 156, §. Compete ao juiz, casuisticamente, decidir pela aplicação dessa hipótese,atentando às circunstâncias em que se formou o negócio jurídico.Dolo de Aproveitamento – Na coação, conforme já examinado, o agente coator cons-trange o emitente à manifestação de vontade que lhe seja favorável. O perigo que aflige aocoagido é criado por aquele se aproveita da formação do negócio. O estado de perigo, por sua vez, configura-se pelo surgimento espontâneo da situação de perigo.A leitura do art. 156 permite afirmar que, embora o beneficiário da situação periclitantenão a tenha dado causa, ele certamente tinha conhecimento da necessidade de proteçãoà vida que a outra parte tinha, e se aproveitou desta circunstância para obter a vantagemindevida.Assunção de Obrigação Excessivamente Onerosa – De per se, o fato do indivíduo estar submetido a uma situação de perigo ao manifestar sua vontade não é suficiente para eivar de defeito o negócio jurídico. Em tese, poderia recusar-se a se submeter às condições abu-

sivas do beneficiário e tentar ultimar o negócio jurídico com outra pessoa. Têm-se, assim,que para se admitir o estado de perigo como defeito do negócio jurídico, a manifestaçãoda vontade negocial deverá resultar na assunção de uma obrigação excessivamente onerosa,em decorrência da urgência em se resguardar a vida humana do iminente perigo a que estásendo submetida.Vale ressaltar que o legislador não se ocupou em delimitar o que seria uma obrigaçãoexcessivamente onerosa. O silêncio da lei é benéfico, pois assim como uma determinadasituação pode ser mais gravosa para um indivíduo do que para outro, o excesso da prestaçãotambém é relativo, devendo ser analisado casuisticamente.conseqüências do estado de perigoVisando a igualar o estado das partes nesse tipo de situação, o Código Civil reputa comoanulável o negócio jurídico celebrado em estado de perigo (art. 171, II). A anulabilidade darelação jurídica está sujeita ao prazo decadencial de quatro anos (art. 178, II).Mesmo com a determinação legal, uma parte da doutrina sustenta que a anulabi-lidade não seria o efeito mais adequado para os casos em que o negócio jurídico for 

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celebrado em estado de perigo. Isso porque a anulação do negócio jurídico levaria àdevolução integral da quantia desembolsada pela “vítima”, porém, não se pode esquecer que, ainda que de má-fé, houve um serviço prestado pela outra parte, e que resultouem despesas.

 Nesse sentido, poder-se-ia cogitar que seria mais correto utilizar-se da revisão objetivado preço, como acontece nos casos de lesão (art. 157 § 2º, do Código Civil), evitando assim

tanto o enriquecimento sem causa do agente que recebeu a prestação do serviço, quanto o prejuízo do prestador de serviço, que poderia abater da restituição os gastos que teve paracumprir sua obrigação. Este é o entendimento do CJF, conforme se extrai do enunciado148 da III Jornada de Direito Civil: “Ao estado de perigo (art. 156) aplica-se, por analogia,o disposto no § 2º do art. 157”.

 ________________________________________ Page 3838FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsdisciplina jurídica da lesãoO conceito de lesão encontra-se no art. 157 do Código Civil, ao dispor que “ocorre alesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a pres-

tação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.”Pode-se afirmar que, de modo genérico, a lesão é “o prejuízo que uma pessoa sofre naconclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações dasduas partes”.18 Esse instituto surgiu primitivamente na compra e venda, evoluindo atravésdo tempo até abranger todo tipo de convenção negocial.Atualmente, o ordenamento jurídico nacional consagra o entendimento de que existelesão quando o agente, instado por uma necessidade, induzido pela inexperiência ou con-duzido pela leviandade, realiza um negócio jurídico que proporciona à outra parte um lucro

 patrimonial desarrazoado ou exorbitante da normalidade.19Em relação à sua natureza jurídica, a doutrina também apresenta controvérsias, sendoque a corrente majoritária entende que a lesão é defeito atípico do negócio jurídico.Como elementos qualificadores da lesão, podem ser elencados os seguintes: (i) Des-

 proporção evidente entre prestação e contra-prestação; (ii) Desigualdade Originária; (iii) Nexo

Causal.Desproporção evidente entre prestação e contra-prestação – Ocorre nas situações em queuma das partes angaria lucro desproporcionalmente maior do que a prestação que pagou ou

 prometeu pagar. Essa aferição do valor das prestações deve ocorrer ao tempo do contrato.Desigualdade Originária – O negócio jurídico já deve nascer desequilibrado. No mo-mento em que se manifesta a vontade e é celebrado o negócio jurídico, a vontade de umadas partes já estava viciada e a desproporção entre prestação e contra-prestação já existia, ouseja, a lesão nasce junto com o contrato.Esta característica permite diferenciar a lesão da figura da resolução contratual por one-rosidade excessiva (art. 478 C.Civil), pois a onerosidade ocorre após a formação do negócio

 jurídico e nada tem a ver com vício da vontade. Deriva do advento de fato imprevisível querompe o equilíbrio existente no seio do contrato.

 Nexo Causal – Para que se configure a lesão, é preciso estabelecer uma ligação entre a vul-

nerabilidade do agente lesado (dada pela necessidade ou pela inexperiência) e a desigualdadeentre a prestação e a contra-prestação.Cumpre, então, traçar alguns paralelos entre o instituto da lesão e os demais defeitos dosnegócios jurídicos:Lesão e Estado de Perigo: em ambos os casos há uma desproporção entre o valor cobra-do e o valor justo do que foi oferecido. Entretanto, o estado de perigo se caracteriza pelanecessidade de preservação da vida humana, enquanto a lesão se configura simplesmente

 por necessidade premente que não envolva risco de vida ou por inexperiência de um doscontratantes.Além disso, a leitura do art. 157 nos mostra que não é preciso que se comprove o dolo deaproveitamento para que se configure a lesão, pois a lei não se exige o conhecimento prévio

 pelo beneficiário da necessidade ou da inexperiência do contratante lesado.Lesão e Coação: na lesão não existe o processo de intimidação sobre o ânimo do agente

 para compeli-lo ao negócio jurídico, como acontece na Coação.conseqüências da lesão

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A exemplo do que ocorre com o Estado de Perigo, o Código Civil reputa como anu-lável negócio jurídico defeituoso por conta de uma lesão à vontade negocial (art. 171, II).18 caio Mário da silva Pereira.Instituições de direito civil, v. I.Rio de Janeiro: Forense, 2002.

 p. 347

19 caio Mário da silva Pereira.Ob cit.; p. 348. ________________________________________ Page 3939FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsA anulabilidade da relação jurídica também deverá observar o decadencial de quatro anos(art. 178, II).Conforme já salientado anteriormente, quando tratou-se das conseqüências do estadode perigo para o negócio jurídico, o art. 157 § 2º do Código Civil dispõe que será mantidoo negócio jurídico sempre que a parte favorecida concorde com a redução de seu proveito,restabelecendo o equilíbrio entre as partes que celebraram o negócio jurídico. Este enten-

dimento foi reforçado pelo enunciado 149 da III Jornada de Direito Civil do CJF: “Ematenção ao princípio da conservação dos contratos, a verificação da lesão deverá conduzir,sempre que possível, à revisão judicial do negócio jurídico e não à sua anulação, sendo de-ver do magistrado promover o incitamento dos contratantes a seguir as regras do art. 157,

 parágrafo segundo, do CC de 2002”.2. QuEstõEs dE coNcurso22º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase2 – Assinale a alternativa INCORRETA:a) A lesão destaca-se dos demais defeitos do negócio jurídico por acarretar uma rupturano equilíbrio contratual na fase de execução do negócio, posterior, portanto, à cele-

 bração do mesmo; b) O elemento objetivo da lesão consiste na manifesta desproporção entre as prestaçõesrecíprocas, geradoras de lucro exagerado;

c) A lesão é modalidade de defeito do negócio jurídico caracterizado pelo vício doconsentimento;d) O elemento subjetivo da lesão é caracterizado pela inexperiência ou premente neces-sidade do lesado.21º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase3 – No que se refere ao estado de perigo, assinale a alternativa INCORRETA:a) O perigo deve ser de natureza grave. Avalia-se a gravidade do perigo em função dascircunstâncias do caso concreto e das condições físicas e psíquicas da vítima;

 b) O perigo pode dizer respeito tanto à vida como à saúde, integridade física ou mesmoa honra do declarante ou membro de sua família;c) O estado de perigo futuro também é passível de levar, desde logo, à anulação donegócio jurídico pela vítima;d) Obrigação excessivamente onerosa no que concerne à configuração do estado de

 perigo é aquela que decorre de condições iníquas, com grande sacrifício econômico para uma das partes.4 – No que se refere à lesão é CORRETO afirmar:a) Lesão é a exagerada desproporção de valor entre as prestações de um contrato bila-teral, concomitante à sua formação, resultado do aproveitamento, por parte do con-tratante beneficiado, de uma situação de inferioridade em que então se encontrava o

 prejudicado; b) O negócio em que se aufere ganhos com a inexperiência ou a premente necessidadede contratar da contraparte, é necessariamente um negócio válido;

 ________________________________________ Page 4040FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsc) O momento em que a desproporção lesionária deve ser apreciada é o da extinção do

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contrato;d) A premente necessidade configuradora da lesão tem um significado psíquico, refere-se à necessidade psicológica de contratar, como na compulsão ao consumo.128º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase21. Sob premente necessidade, Fernando adquire à vista um bem móvel de Guilhermecom preço manifestamente superior ao seu real valor de mercado. Nesse caso, é correto

afirmar que esse negócio:a) pode ser anulado por conter vício do consentimento denominado dolo; b) não pode ser anulado apenas por este fato;c) pode ser anulado por conter vício do consentimento denominado lesão;d) pode ser anulado por conter vício do consentimento denominado erro.

 ________________________________________ Page 4141FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 7: CONDIÇÃO, TERMO E ENCARGOEmENtário dE tEmasElementos acidentais do negócio jurídico – Classificação das Condições – Condição

Resolutiva e Condição Suspensiva – Disciplina jurídica do termo – Exigibilidade do direitosujeito a termo – Disciplina jurídica do encargo.lEitura obriGatóriaCASTRO NEVES, José Roberto. Uma Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro:Letra Legal, 2005; pp. 113/129.lEituras comPlEmENtarEsTEPEDINO, Gustavo, BODIN DE MORAES, Maria Celina e BARBOZA, Helena.Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, v. I. Rio de Janeiro:Renovar, 2004; pp. 241/266.SILVA, Caio Mário da. Instituições de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2005;

 pp. 553/583.1. rotEiro dE aulaElementos acidentais do negócio jurídico

Conforme visto nas aulas anteriores, os negócios jurídicos são dotados de certos ele-mentos essenciais sem os quais sua existência não é configurada. Esses atos são puros (ousimples), quando a declaração de vontade se formula sem a interferência (leia-se sujeição) acircunstâncias modificativas.A sofisticação da vida social, entretanto, implicou na construção de elementos que ao se-rem fixados junto ao negócio jurídico, implicam na modificação de efeitos sobre o mesmo.Surgem, assim, os elementos acidentais do negócio jurídico, que podem assumir a for-ma de condição, termo ou encargo. São elementos que podem ou não ser agregados aosnegócios, mas uma vez opostos, assumem importância fundamental, não podendo ser se-

 parados.A definição da natureza desses elementos também encampa certas divergências: A maior 

 parte da doutrina os caracteriza como elementos de caráter acessório, pois, em tese, o negó-cio poderia perfeitamente se realizar sem que fossem colocados. No entanto, há autores que

entendem que os elementos acidentais não são declarações distintas, integrando o conteúdo propriamente dito do negócio.Esses elementos essenciais, em regra, operam limitações impostas pelos próprios decla-rantes. A condição sujeita o negócio a evento futuro e incerto; o termo o faz por conta deevento igualmente futuro, porém certo de sua verificação. O encargo, por fim, assume afeição de uma imposição ao titular de um direito.

 ________________________________________ Page 4242FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOscondiçãoA definição legal de condição é encontrada no art. 121 do Código Civil, ao dispor que:“Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes,subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.”

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Conforme pode ser observado, são elementos da condição a futuridade e a incerteza. A fu-turidade implica em que um fato ocorrido no passado não pode ser objeto de condição, apenasaqueles que ainda estão por ocorrer. Ainda, necessário que a condição se remeta a fato incerto,isto é, fato que pode ou não ocorrer, sendo essa mesma incerteza de ordem objetiva.A exigibilidade do ato só se opera com o implemento da condição. Se for estipulado,como já visto, uma obrigação de pagar determinada quantia mediante a vitória de deter-

minada equipe esportiva, essa obrigação só será dotada de exigibilidade após a vitória dessamesma equipe. A obrigação, antes do advento do fato, não terá exigibilidade e, na hipótesede derrota da aludida equipe, o pacto restará sem efeito.Deve-se mencionar ainda os chamados atos ou negócios puros, os quais não admitem aoposição de condição. São atos ligados aos direitos de família puros e direitos personalíssi-mos. Não, há, nesse sentido, que falar em condição ao reconhecimento de um filho.classificação das condiçõesA primeira das classificações das condições é aquela que as divide em lícitas e ilícitas. Oart. 122 CC traz entendimento sobre esse assunto, determinando que:Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem públicaou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito onegócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.Os autores tendem a qualificar como ilícitas as condições imorais e ilegais. As imorais são

as condições que atentam contra a moral e bons costumes. As ilegais, por sua vez, vinculamobrigações proibidas por lei.As condições perplexas (ou contraditórias) são as despidas de sentido, que derivam em dú-vida para o intérprete. Elas apresentam contradições de tal ordem que outro fim não podeser dado ao negócio que não a invalidação. Nesse sentido:Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:III – as condições incompreensíveis ou contraditórias.A condição potestativa é aquela que se liga à vontade de uma das partes do negócio, que

 pode determinar o seu implemento ou não. Nem todas as condições potestativas são ilíci-tas, mas certamente o são as potestativas puras que se vinculam ao arbítrio exclusivo de umadas partes. Contrapõe-se à condição causal, modalidade que não se vincula ao arbítrio denenhuma das partes.As condições impossíveis são aquelas que em virtude de algum fator, não são passíveis de

realização. Essa impossibilidade pode ser jurídica ou material. O tratamento dessa matériaassumia contornos mais nítidos no Código Civil de 1916, no qual as condições fisicamenteimpossíveis eram reputadas como não escritas, ao passo que quando era jurídica a impos-sibilidade, preferia-se a anulação do ato. A razão de ser dessa distinção, sustentam algunsautores, seria a impossibilidade de se transigir contrariamente à lei. Daí a maior severidadecom relação às condições juridicamente impossíveis.

 ________________________________________ Page 4343FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

 No atual Código Civil, o tratamento da matéria se perfaz no art. 123, da seguinte forma:Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:

I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;II – as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;III – as condições incompreensíveis ou contraditórias.Dotado de maior rigor técnico, a lei atual determina que as condições juridicamenteimpossíveis, quando suspensivas, invalidam os negócios que subordinam. Se a condiçãoimpossível for resolutiva, deverá ser considerada como não escrita, evitando tolher a eficáciado ato.condição resolutiva e condição suspensivaO art. 125 traz a noção de condição suspensiva determinando que: “Subordinando-sea eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não seterá adquirido o direito, a que ele visa.”

 Nas condições suspensivas, o nascimento do direito a que a obrigação se refere fica emsuspenso até que a condição se implemente, possuindo o titular mera expectativa de direito.As condições resolutivas, por sua vez, são aquelas nas quais a ocorrência do evento implicana cessação dos efeitos do negócio. A noção legal se remete aos artigos 127 e 128, ambos

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do Código Civil:Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio

 jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito aque ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua re-alização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde

que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.Enquanto existir pendência da condição suspensiva, o ato permanecerá sem eficácia. Nesse sentido, se o negócio versar sobre um direito de crédito, o mesmo será inexigível, nãohavendo início do prazo prescricional, e caso o devedor erroneamente realize o pagamento,o mesmo deverá ser repetido.De toda forma, atentando a condição de expectativa de direito a lei faculta ao credor executar atos de conservação. Essa é a regra do art. 130, do Código Civil:Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é

 permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.Quando deparado com o advento da condição, dá-se o aperfeiçoamento da obrigação eo direito, de meramente eventual, passa a adquirido. A eficácia do mesmo torna-se plena. Se

 por outro lado, há a frustração na implementação do evento (lembre-se que ele é incerto),a obrigação não produzirá efeitos.

Esse direito sujeito a condição é plenamente passível de transmissão, seja ela inter vivosou causa mortis, não devendo, em hipótese alguma, deixar de destacar que essa transmissãoabarca o caráter de incerteza na implementação do direito.A condição resolutiva, conforme observado, possui dinâmica oposta à condição suspen-siva. Nela, a aquisição do direito se dá logo na pactuação, na emissão de vontade, vindo

 ________________________________________ Page 4444FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsa extinguir-se quando do implemento da condição resolutiva. Os direitos serão extintosquando da ocorrência da mesma.A condição resolutiva pode se operar de forma expressa ou tacitamente, quando então

carecerá de notificação ou interpelação (Art. 474). Referente ao implemento da condição,o art. 129 menciona que:Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implementofor maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário,não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seuimplemento.Quem manipula o implemento de um evento de modo a favorecer-se, por óbvio, procedecontrariamente ao direito. O art. 129 consubstancia a proteção da lei à parte prejudicada emvirtude da má-fé de quem manipula a implementação da condição. Note-se que o dolo, istoé, a intenção deliberada de impedir ou provocar o advento da condição deve estar presente.retroatividade da condiçãoTrata-se de um assunto marcado pela controvérsia, tendo reminiscências no Direito Ro-mano. Aqueles que defendem a retroatividade dos efeitos da condição destacam que quando

ocorre o seu implemento é como se o negócio jurídico fosse puro e simples desde o seuinício, desde a data da manifestação da vontade. A idéia é central reside no fato de que, fic-cionalmente, o tempo de vacância até a implementação da condição nunca teria ocorrido,sendo o negócio, desde o seu início mais remoto, além de válido, produtor de efeitos.

 Não há dispositivo destacando entendimento algum sobre esse efeito no atual Código,nem na legislação extravagante. Diversos autores afirmam que esse efeito retroativo só severificará quando as partes o convencionarem, ou quando a lei expressamente o determinar.Em regra, os atos não encampam o efeito retroativo.disciplina jurídica do termo

 No termo, encontra-se um evento que subordina a eficácia do negócio jurídico a um even-to futuro e certo. O início ou final da eficácia do ato dependerá do implemento desse termo.A dinâmica do instituto em muito se aproxima da referente à condição. A distinção maisnotória aqui é o fato de que a subordinação se faz em relação a evento que, embora futuro,é certo.A futuridade e a certeza são os elementos do termo, que pode assumir a designação de

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termo inicial e termo final. O termo inicial (suspensivo, dilatório, ou dies a quo) é aquele a partir do qual o exercício de um direito se torna possível. Remete ao início da eficácia donegócio.Quando um negócio jurídico é submetido a termo inicial, desde o início se verifica aaquisição do direito. No entanto, a eficácia do mesmo, isto é, a possibilidade de produzir efeitos jurídicos se retarda até o advento desse termo.

Observe que o termo difere da condição, nesse ponto, pois opera desde a pactuação aaquisição do direito. O direito já é existente, somente o seu exercício carece da observânciado evento.A condição suspensiva, diferentemente, não suspende somente o exercício, mas tambéma própria aquisição do direito. Na condição há mera expectativa de direito, ao passo que notermo temos o direito propriamente dito.

 ________________________________________ Page 4545FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsO termo final (resolutivo, peremptório ou dies ad quem), ao contrário, é aquele queimplica na perda de eficácia do ato. Há a cessação dos efeitos do negócio. Este surge pleno,

implicando não só na existência e validade do direito, como também na plena eficácia dele.Produz efeitos jurídicos tal qual intentado na manifestação dos declarantes.Em relação ao momento de ocorrência, o termo pode ser certo (determinado) e incerto(ou indeterminado). Frise-se que a certeza aqui não versa sobre a convicção no implementodo termo, pois como visto, essa integra o seu próprio conceito. A nomenclatura certo/in-certo remete ao momento de implemento do evento. Dessa forma, termo certo é aqueleconhecido, ao passo que termo incerto é aquele em que se ignora o momento de imple-mentação.O termo pode ainda ser classificado em convencional, quando advir por vontade das

 partes ou legal, quando decorre da lei. Há quem sustente ainda o termo judicial – oriundade esfera jurisdicional.O termo pode ainda ser expresso, quando vem delineado no conteúdo do negócio, outácito, quando se infere no correr da relação jurídica.

A noção de prazo não pode ser confundida com a do termo em si, pois aquele é o lapsotemporal compreendido entre o momento de declaração da vontade e a data de implementodo termo. Da mesma forma que a modalidade de termo compreendido no ato, pode o prazoser certo (quando sujeito a termo certo) ou incerto. O art. 132 alude a regra legal sobre acontagem de prazos.Exigibilidade do direito sujeito a termoO termo é pactuado ante a anuência dos contratantes e dessa forma, em regra, não édado ao credor exigir o cumprimento da obrigação antes do advento do termo.O art. 133 corrobora essa idéia, destacando que:Art. 133. Nos testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em

 proveito do devedor, salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias,resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes.Quando o prazo aproveita ao devedor, este pode cumprir a obrigação antes do adven-

to do termo. Há situações, entretanto, onde o prazo aproveita ao credor, e nesse caso, o pagamento antecipado é inconveniente a ele. Imagine, nesse sentido, o credor que enco-mendou determinada quantidade de mantimentos, mas que ainda não disponibiliza delocal apropriado para estocá-los. O cumprimento da obrigação antes do prazo teria efeitosdesastrosos.disciplina jurídica do encargoO encargo tem previsão no Código Civil nos artigos 136 e 137, sendo uma restriçãoimposta àquele que se beneficia de uma liberalidade. Sua natureza é de ônus imposto ao

 beneficiário.Trata-se de cláusula inserida em negócios jurídicos gratuitos que vincula obrigação dedar, fazer ou não fazer, mas sem que se configure um caráter contraprestacional. O en-cargo não tem o condão de impedir a aquisição ou exercício do direito objeto do negócio

 jurídico.O encargo tem por escopo dar executividade a certos desígnios daquele que realiza a li-

 beralidade. Essa cláusula vincula o beneficiário na medida em que ele aceita a liberalidade.

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 ________________________________________ Page 4646FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsPonto que merece especial atenção é o dos efeitos decorrentes do não cumprimento do

encargo. Nesse sentido:“Observa-se que o dever jurídico criado pelo encargo gera um vínculo obrigacional parao beneficiário, de modo que seu descumprimento permite ao autor da liberalidade, titular dodireito subjetivo correspondente, exigir o cumprimento. A legitimidade para exigir o cumpri-mento do encargo dependerá da identificação dos interessados em cada negócio específico,

 pois a liberalidade pode ser instituída em favor do próprio autor, de terceiro, ou de interessegeral, em negócios inter vivos ou causa mortis.”20Quando ocorre a inexecução do encargo abre-se a perspectiva ao interessados de pro-mover a execução forçada da mesma sem implicar no perecimento do negócio. O doador eos terceiros beneficiados (ou seus herdeiros) poderão pleitear judicialmente a execução doencargo. Se o doador já tiver falecido, poderá o Ministério Público titularizar a referida ação.Essa possibilidade encontra previsão no art. 553 do Código Civil:Art. 553. O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício

do doador, de terceiro, ou do interesse geral.Parágrafo único. Se desta última espécie for o encargo, o Ministério Público poderá exigir sua execução, depois da morte do doador, se este não tiver feito.Pode ainda o instituidor decidir pela resolução do negócio, sendo essa uma prerrogativaque só compete a ele. A previsão está assentada no art. 555 do Código Civil:Art. 555. A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução doencargo.Essas regras tratam da doação, mas há que se estender, analogicamente, suas regras aoutras modalidades de negócios.O encargo não produz reflexos nos campos da aquisição e exercício de direitos. As prer-rogativas que derivam do negócio são adquiridas e podem ser exercidas independentementede cumprido o encargo. Ele não é um elemento essencial ao negócio jurídico, mas uma vezque seja previsto, passa a integrar o contrato.

2. QuEstão dE coNcurso27º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase12 – Certo comerciante se obriga a fornecer determinados materiais de construção aum empreiteiro, quando as paredes do prédio que este edifica tiverem alcançado deter-minada altura. Denominamos esta cláusula:a) Condição resolutiva;

 b) Termo certo;c) Condição potestativa ilícita;d) N.R.A.20 Gustavo Tepedino, Maria ce-lina bodin de Moraes e HeloisaHelena barboza. Código CivilInterpretado conforme a Consti-

tuição da República, v. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; p. 265

 ________________________________________ Page 4747FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsPARTE II: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAAULA 8: FUNDAMENTOS PARA APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIAEmENtário dE tEmasConceito de prescrição – A teoria da pretensão e o art. 189 do Código Civil – Distinçãoentre prescrição e decadência – Fundamento da prescrição – Requisitos da prescrição – Arenúncia da prescrição – Alteração dos prazos prescricionais – Imprescritibilidade e autono-mia da vontade – Quando se alega a prescrição – Reconhecimento da prescrição de ofício

 – Relativamente incapazes e pessoas jurídicas – Alguns aspectos peculiares da decadência

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 – Conceito de decadência – Impedimentos, interrupções e suspensões – Renúncia à deca-dência – Questões processuais.lEitura obriGatória

 NEVES, Gustavo Kloh Muller, “Prescrição e decadência no novo Código Civil”, inGustavo TEPEDINO (org.), A Parte Geral do Código Civil, Rio de Janeiro, Renovar,2002, pp. 417/428.

lEituras comPlEmENtarEsTEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He-lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; pp. 347/366;PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Foren-se, 2005; pp. 677/702.1. rotEiro dE aula:21O estudo dos institutos da prescrição e da decadência evidencia a relação existente entreo decurso do tempo e a modificação no status das relações jurídicas.O Código Civil de 1916 não apresentou qualquer definição para o instituto da prescri-ção, iniciando já o seu capítulo respectivo com um artigo que tratava da renúncia à prescri-ção (art. 161). O Código atual procurou corrigir essa imperfeição com a redação do artigo189, o qual assim dispõe:

Art. 189 – “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”Contudo, é importante destacar que mesmo o art. 189 não soluciona de todo o proble-ma de conceituação do instituto da prescrição, uma vez que ele aponta com mais clareza osefeitos gerados pela prescrição na relação jurídica, mas também se mostra silente no que dizrespeito à natureza e ao fundamento do instituto.21 O presente roteiro de estudoé uma versão reduzida – esubstancialmente adaptada

 para os fins desse material di-dático – do trabalho realizadoconjuntamente com TatianaFlorence Magalhães e constan-

te do livro Código Civil Interpre-tado conforme a Constituição daRepública, vol. I, organizado

 por Gustavo Tepedino, Mariacelina bodin de Moraes e He-loisa Helena barboza (Rio deJaneiro: Renovar, 2004; pp.347/423).

 ________________________________________ Page 4848FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

Pode-se afirmar que a prescrição possui duas formas bastante distintas de atingir umarelação jurídica. A prescrição pode tanto conferir ao sujeito a possibilidade de adquirir umdireito através de sua atuação prolongada por determinado período de tempo, incorporan-do-o ao seu patrimônio (“prescrição aquisitiva”), como, ao reverso, pode, após o decursode um lapso temporal, impedir que o titular de uma pretensão venha a concretizá-la, namedida em que permaneceu inerte durante o prazo que lhe foi concedido para concretizar o seu poder de exigir (“prescrição extintiva ou liberatória”).A seguir será tratada apenas a prescrição de natureza extintiva, uma vez que a prescriçãoaquisitiva encontra previsão legislativa em outros campos do estudo do Direito Civil, comdestaque para o usucapião, tratado no Código Civil nos artigos 1238 e ss.conceito de prescriçãoA busca por uma conceituação do instituto da prescrição remonta a estudos antigos dadoutrina nacional, embora até hoje ainda exista controvérsia a seu respeito, principalmentecom relação às diferenças existentes entre os prazos prescricionais e decadenciais.Existe concordância entre os autores sobre o fato de que a prescrição decorre da con-

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sumação de um prazo extintivo. A partir dessa conclusão, cumpre esclarecer qual seria oobjeto da prescrição. O conceito apresentado pela doutrina sempre esteve vinculado maisa um reconhecimento dos efeitos causados pelo advento do prazo prescricional do que

 propriamente à natureza do instituto, o que contribui para a confusão entre as teorias que buscavam afirmar um conceito de prescrição com aquelas que delineavam as suas principaiscaracterísticas, sobretudo em contraste com o prazo decadencial.

De todos os entendimentos partilhados pela doutrina sobre o tema, pode-se identificar três linhas de exposição bem destacadas. Para alguns autores a prescrição seria forma deextinção do direito material. A maioria da doutrina nacional, todavia, adotou postura favo-rável ao reconhecimento de que a prescrição extinguiria a ação correspondente ao direito.Por fim, nas últimas décadas, o entendimento de que a prescrição atingiria a pretensãoencontrou substancial aceitação na doutrina e na jurisprudência.O entendimento segundo o qual a prescrição atingiria o direito material foi defendido

 por Caio Mário da Silva Pereira, segundo o qual o prazo prescricional “conduz à perda dodireito pelo seu titular negligente”. Assim, estando o direito extinto pelo decurso do lapsotemporal, ao seu antigo titular apenas restaria o interesse de ver a prestação cumprida por um ato de liberalidade da parte do antigo devedor. A causa para o pagamento de dívida já

 prescrita – completa o autor – residiria então em dever de natureza moral.22Todavia, obteve maior aceitação na doutrina nacional, a ponto de ser considerado como

entendimento majoritário, o posicionamento no sentido de que a prescrição extinguiria aação, e não o próprio direito. Nessa direção, afirma Clovis Bevilaqua que a prescrição “é a perda da ação atribuída a um direito, de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüênciado não uso dela, durante um determinado espaço de tempo.”23Dessa forma, o transcurso do prazo prescricional não fulminaria o direito, mas apenas aação, podendo o direito remanescente ser atendido, caso assim desejasse o titular do dever 

 jurídico correspondente.Por fim, um terceiro entendimento propugnava que o objeto da ação destruidora da

 prescrição seria a pretensão, restando tanto o direito de ação quanto o direito subjetivoilesos com relação ao transcurso do prazo prescricional. Essa teoria foi consagrada no dispo-sitivo do art. 189 do Código em vigor.22 caio Mário da silva Pereira.Instituições de Direito Civil, vol.

I, Rio de Janeiro, Forense, 1996,18ª ed, pp. 435/436.23 clovis bevilaqua, Código Civildos Estados Unidos do Brasil,vol. I, Rio de Janeiro, EditoraRio, 1951, 9ª ed.; p. 458.

 ________________________________________ Page 4949FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsa teoria da pretensão e o art. 189 do código civilO art. 189 incorpora ao direito pátrio a teoria de que a prescrição “extingue” a preten-

são, conforme disposto no par. 194 do BGB, preservando-se assim o direito, que poderá ser satisfeito mediante prestação espontânea pela parte beneficiada com a prescrição.Em que pese a inovação representada pela positivação da teoria, o regramento do insti-tuto no Código Civil acompanhou a mesma orientação metodológica presente em grande

 parte dos estudos doutrinários sobre a matéria, pois se conferiu grande importância aosefeitos, mas não se evidenciou quais são os requisitos e os fundamentos da prescrição.

 Nesse sentido, esclarece Gustavo Kloh que: “o texto legal fixou os efeitos da prescrição,mas não os requisitos para a sua configuração, quando deveria ter feito o contrário: é vitala estruturação de categoria legal prescricional, em vez de mera regulação de prazos (que de-vem ser aplicados sob quais circunstâncias?), e isto não é feito; noutro giro, o engessamentodos efeitos é nocivo, pois impede a gênese da solução adequada para cada caso.”24De qualquer sorte, o reconhecimento de que a prescrição atua sobre a pretensão consti-tui um avanço sensível na positivação da matéria. Pode-se conceituar a pretensão como sen-do “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa”.25Em outras palavras, a pretensão é o poder de exigir uma prestação, um comportamento de

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outrem.Sendo assim, a redação do art. 189 explicita que para a ocorrência da prescrição deveráexistir um direito e que, em sendo ele violado, surgirá uma pretensão para o seu titular, aqual não sendo exercida dentro de um prazo determinado, desencadeará o fenômeno da

 prescrição.Vale ressaltar o entendimento de José Carlos Barbosa Moreira, segundo o qual, existem

 pretensões que prescindem da violação do direito para o seu surgimento. Essa constataçãose faz de forma mais evidente no campo dos direitos reais, pois ao proprietário é concedidoo poder de exigir o respeito por parte de terceiros com relação à sua propriedade. Essa pre-tensão é anterior a qualquer ato lesivo, que pode mesmo nem vir a ocorrer. Segundo o autor,tanto as pretensões que prescindem da violação, como aquelas que nascem para o titular antes mesmo da violação, também estão incluídas na regra prescricional do art. 189.26Partindo da classificação dos direitos elaborada por Chiovenda, Agnelo Amorim deli-mita o campo de atuação da prescrição justamente àqueles direitos que têm por finalidadeum bem da vida, a ser alcançado através de uma prestação, positiva ou negativa, por partedo sujeito passivo de uma relação jurídica.27 Como regra geral, os direitos a uma prestação

 poderão ser violados, na medida em que o sujeito passivo não cumpre a ação ou omissãoque lhe era devida, surgindo, assim, nos termos do art. 189, a pretensão do titular do direitoviolado em face do mesmo.

Será então essa pretensão recém-surgida o objeto do prazo prescricional que se inaugura para o seu titular. Isso posto, pode-se afirmar que, se a prescrição tem por objeto a preten-são, os prazos prescricionais apenas poderão incidir sobre obrigações que contemplem uma

 prestação a ser realizada. Tanto é assim que os prazos constantes do art. 206 tem por objeto prestações, as quais disponibilizam ao titular do direito a possibilidade de exercer a respec-tiva pretensão em juízo.

 No caso das pretensões derivadas da violação de um direito cujo exercício envolvia uma prestação, as mesmas serão exigidas em juízo através de ações de natureza condenatória. Isso porque a decisão judicial condenará o sujeito passivo a adimplir a prestação frustrada.Ao ter o seu direito subjetivo violado, a pretensão contra o agente da violação poderá ser exercida no prazo previsto em lei. Caso a pretensão não seja exercida, o art. 189 pontificaque a mesma restaria extinta.24 Gustavo Kloh Muller neves,

“Prescrição e decadência nonovo código civil”, in GustavoTepedino (org.), A Parte Geraldo Código Civil, Rio de Janeiro,Renovar, 2002, p. 421.25 F. Pontes de Miranda. Tratadode Direito Privado, t. V, Rio deJaneiro, borsoi, 1955, 2ª ed;

 p. 451.26 José carlos barbosa Morei-ra, “notas sobre pretensão e

 prescrição no sistema do novocódigo civil brasileiro”, RTDC, n.

11, 2002, pp. 71/72.27 agnelo amorim Filho, “cri-tério científico para distinguir a prescrição da decadência e

 para identificar ações impres-critíveis”, Revista dos Tribunais,n. 744, 1997, p. 728.

 ________________________________________ Page 5050FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsContudo, deve-se utilizar a palavra “extinta” com certa parcimônia. Isso porque, aofim e ao cabo, a prescrição não extingue a pretensão: ela apenas concede ao devedor umadefesa para obstar, caso queira, a pretensão da qual se vale o credor após superado o lapso

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 prescricional.28Esse entendimento está fundado na concepção de que se a pretensão uma vez prescritarestasse extinta, não haveria como se conceber que o juiz proferisse decisão favoravelmenteao autor que exercita pretensão já vitimada pelo prazo prescricional, não tendo o réu argüi-do a respectiva exceção. Não perde o autor o poder de exigir com a prescrição da pretensão.

 Na verdade, o que se altera com o decurso do prazo prescricional é a possibilidade do réu

apresentar oposição à pretensão do autor, devendo o juiz, uma vez constatada a procedênciada manifestação do réu, extinguir o processo.29distinção entre prescrição e decadênciaEstabelecido o conceito de prescrição como sendo o decurso do lapso temporal que afetaa pretensão, cumpre mencionar as diversas teorias aventadas pela doutrina para distinguir a

 prescrição do instituto da decadência.O debate sobre a distinção entre os dois institutos tomou grandes proporções por con-ta de um tratamento irregular do assunto no CC1916, que apenas mencionou o termo“prescrição” em suas normas, cabendo à doutrina e à jurisprudência distinguir dentre oregramento do Código o que seria aplicável ao prazo prescricional e o que seria relativo àdecadência.Diversas teorias foram assim criadas para que se pudesse conferir ao CC1916 a mais am-

 pla eficácia, de modo a erigir uma dogmática do instituto da prescrição que disponibilizasse

ao aplicador do Direito um tratamento adequado às relações jurídicas pertinentes.Dessa forma, buscou a doutrina distinguir os dois institutos com base na origem dodireito. Segundo esse entendimento, quando a ação e o direito partilham da mesma origem,trata-se de prazo decadencial, ao passo que se o direito é preexistente à ação, que somente seapresenta quando da violação do direito, trata-se de prazo prescricional.Assim, a ação da minoria vencida para promover a impugnação de alterações do estatutode uma fundação deverá ser movida dentro de um prazo de natureza decadencial pois arespectiva ação surge conjuntamente com o direito. Por outro lado, a uma ação de respon-sabilidade civil por inexecução contratual corresponderá um prazo prescricional, surgindoo direito de ação contra a parte que infringir dispositivo do contrato apenas do momentodessa violação.Essa teoria encontrou críticas no fato de não oferecer orientação científica para se reco-nhecer quando coincidem na origem o direito de ação e o direito material.30

Uma das características mais citadas para o esclarecimento da distinção entre os doisinstitutos é a suscetibilidade a interrupções e suspensões. O entendimento no sentido danão aplicação das regras de interrupção e suspensão aos prazos decadenciais é bastante usual.Conforme ressalta Silvio Rodrigues:“[f]ácil estabelecer a diferença entre prescrição e decadência quanto aos efeitos, pois, en-quanto a prescrição é suscetível de ser interrompida e não corre contra determinadas pessoas,os prazos de decadência fluem inexoravelmente contra quem quer que seja, não se suspenden-do nem admitindo interrupção”.31Todavia, por força do art. 207, deve-se atentar para o fato de que a nova disciplina ins-taurada pelo CC para o instituto da decadência estabelece exceções à regra, não devendo28 F. Pontes de Miranda. Tratadode Direito Privado, t. VI, Rio deJaneiro, borsoi, 1955, 2ª ed.;

 pp. 104 e ss.29 José carlos barbosa Morei-ra, “notas sobre pretensão e

 prescrição no sistema do novocódigo civil brasileiro”, RTDC, n.11, 2002, pp. 104/105.30 Orlando Gomes, Introduçãoao Direito Civil, Rio de Janeiro,Forense, 1996, 12ª ed.; p. 507.31 silvio Rodrigues. Direito Civil,vol. I, são Paulo, saraiva, 2002,32ª ed.; p. 329.

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FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOso aplicador direito mais arrolar categoricamente essa particularidade como característicadistintiva entre os dois institutos.

 No que tange à suscetibilidade a interrupções e suspensões, a distinção entre prescriçãoe decadência deve agora ser afirmada da seguinte forma: os prazos prescricionais podem ser 

interrompidos ou suspensos, ao passo que, os prazos decadenciais fluem de modo contínuo,salvo disposição legal em contrário.Entende-se, por fim, que a distinção entre os dois institutos se mostra mais evidenteatravés da teoria exposta por Agnelo Amorim Filho, que busca distinguir prescrição e deca-dência com base no cotejo entre as ações condenatórias e as ações constitutivas.A prescrição, assim, diz respeito à pretensão de natureza condenatória, bem como à suarespectiva execução, que surge para o titular de um direito quando da sua violação (art.189). A pretensão, surgindo da violação do direito, deverá ser exercitada em um determi-nado prazo, sob pena de se concretizar a sua prescrição, que poderá ser oposta pelo sujeito

 passivo da relação jurídica.São assim prazos prescricionais, por exemplo, os relativos a ações condenatórias de in-denização, de perdas e danos (materiais e morais), ou ainda condenatórias de obrigação defazer ou de não fazer.

Já a decadência refere-se a um direito potestativo, isto é, um direito cujo exercício se dá pela própria conduta de seu titular, restando ao sujeito passivo apenas sujeitar-se ao mesmo.Aos direitos potestativos correspondem ações de natureza constitutiva, que não sendo ma-nejadas em tempo hábil, causam a extinção do próprio direito.32Fundamento da prescriçãoAo se tomar a prescrição sob um prisma estritamente individualista, poder-se-ia opor algumas considerações de ordem ética para a consagração do instituto na medida em que otitular de um direito, com o esgotamento do prazo prescricional, ficará impossibilitado defazer valer a sua pretensão por conta de exceção apresentada pelo devedor.Analisando-se o instituto apenas pelos olhos do credor, a prescrição é geradora de in-

 justiças, pois a pretensão que ontem poderia ser exercida, hoje está sujeita a ser legalmenteobstada por quem justamente provocou a sua violação.Todavia, a aceitação universal do instituto da prescrição demonstra que os seus fun-

damentos estão atrelados a outra perspectiva, que transcende as análises puramente indi-vidualistas, pautadas nos interesses do pólo ativo de uma relação jurídica, para encontrar 

 justificação no interesse social.A estabilidade das relações sociais e a segurança jurídica compõem portanto o fundamen-to da prescrição, uma vez que o instituto visa a impedir que o exercício de uma pretensãofique pendente de forma indefinida. Estabelece-se um lapso temporal para que a pretensãoseja exercida. Transcorrido esse prazo sem qualquer diligência por parte do seu titular, o

 próprio ordenamento jurídico que tutela a pretensão concede ao devedor a possibilidade deobstruir o seu exercício em nome da estabilidade das relações sociais.Conforme expõe Silvio Rodrigues, o fundamento do instituto reside “no anseio da so-ciedade em não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto; no interessesocial de estabelecer um clima de segurança e harmonia, pondo termo a situações litigiosase evitando que, passados anos e anos, venham a ser propostas ações reclamando direitos cuja

 prova de constituição se perdeu no tempo.”33Há também, de certa forma, uma punição ao titular de uma pretensão que se quedouinerte, não lhe dando efetividade. Assim, a prescrição é o instituto jurídico que melhor ilus-tra diversos brocardos que explicitam a idéia contida no princípio geral do Direito de repro-32 agnelo amorim Filho, “cri-tério científico para distinguir a prescrição da decadência e

 para identificar ações impres-critíveis”, Revista dos Tribunais,n. 744, 1997, p. 738.33 silvio Rodrigues. Direito Civil,vol. I, são Paulo, saraiva, 2002,32ª ed.; p. 327.

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52FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsvação à conduta negligente, como iura scripta vigilantibus (as leis foram escritas para os quenão são negligentes) e dormientibus non succurrit jus (o Direito não socorre os negligentes).Reconhecendo o confronto inevitável entre o interesse individual do titular de uma pre-

tensão em estender o lapso temporal dentro do qual a mesma possa ser exercitada para todoo sempre e o interesse social em resolver as situações conflituosas, aponta Clovis Bevilaqua aúnica solução possível: “[o] interesse do titular do direito, que ele foi o primeiro a desprezar,não pode prevalecer contra o interesse mais forte da paz social.”34Vinculando a prescrição à necessidade de segurança nas relações sociais, e apontandotambém para o atendimento de um imperativo de justiça, afirma San Tiago Dantas:“Como se passou muito tempo sem se modificar o estado das coisas, não é justo quecontinuemos a expor as pessoas à insegurança que o nosso direito de reclamar mantém sobretodos, como uma espada de Dâmocles. Então, a prescrição vem e diz: daqui em diante oinseguro é seguro, quem podia reclamar não o pode mais. De modo que, vêem os senhores, oinstituto da prescrição tem suas raízes numa das razões de ser da ordem jurídica: distribuir a

 justiça – dar a cada um o que é seu – e estabelecer a segurança nas relações sociais – fazer comque o homem possa saber com o quê conta e com o quê não conta.”35 (Programa, p. 343)

Por haver um interesse público no sentido de que as relações jurídicas em que interessessão contrapostos não perdurem indefinidamente, a regra da prescrição assume caráter deordem pública, não podendo assim ser derrogadas pela mera vontade das partes. Esse en-tendimento está plasmado em diversas normas que regulam a matéria, sendo especialmenterelevante para a discussão sobre a renúncia à prescrição e a alteração dos prazos prescricio-nais pelos particulares.requisitos da prescriçãoPara que exista a prescrição é necessária a reunião de três requisitos: (i) a existência deuma pretensão a ser exercida; (ii) a inércia continuada do seu titular pelo período fixado emlei; e (iii) a ausência de causas que impeçam o transcurso do lapso temporal.O primeiro requisito refere-se ao objeto da prescrição, ou seja, o que será afetado quandode sua concretização. O segundo requisito demanda a existência de um lapso temporal paraque a pretensão seja exercida e, adicionalmente, que o titular da pretensão não a exercite

dentro do respectivo prazo.Deve-se atentar ainda para que não existam determinadas circunstâncias que podemfazer com que o cômputo do lapso prescricional seja suspenso, interrompido, ou mesmonem se inicie contra algumas pessoas por expressa previsão legal. Dessa forma, pode-se ar-rolar como o terceiro requisito a inexistência de tais circunstâncias para o estabelecimentoda prescrição.Segundo decorre das considerações expendidas no item 3 acima, a reunião dos três re-quisitos faz nascer a prescrição, mas não causa de imediato a extinção da pretensão, uma vezque essa apenas será aniquilada com a oposição da prescrição pelo devedor. Ou seja, a somados três requisitos apenas confere ao devedor a possibilidade de se opor à pretensão de seucredor, tendo a sua prescrição por argumento de defesa.a renúncia da prescriçãoA renúncia é um ato unilateral, que independe do consentimento de terceiro, através do

qual se processa a extinção de um direito pelo particular. Mais especificamente, conforme34 clovis bevilaqua, Código Civildos Estados Unidos do Brasil,vol. I, Rio de Janeiro, EditoraRio, 1951, 9ª ed.; p. 459.35 san Tiago Dantas, Programade Direito Civil – Teoria Geral,Rio de Janeiro, Forense, 2001,3ª ed.; p. 343.

 ________________________________________ Page 5353FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOso ensinamento de Câmara Leal, a renúncia da prescrição é a desistência expressa, ou tácita,

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do direito de invocá-la, feita por quem dela se beneficia.36A prescrição apenas estará sujeita à renúncia após a consumação do prazo para o exer-cício da pretensão. Por ser matéria de ordem pública, é vedado às partes estipular a suarenúncia antes mesmo do seu implemento.Caso assim não o fosse, o instituto da prescrição estaria gravemente comprometido,uma vez que os credores passariam a exigir a renúncia do prazo prescricional no momento

em que o devedor contraísse qualquer obrigação. A renúncia à prescrição se tornaria umaverdadeira cláusula padrão, integrante de toda espécie de contratos.A renúncia à prescrição já consumada se justifica porque os benefícios dela decorrentes

 já foram incorporados ao patrimônio do devedor, que agora pode dispor dessa condição.Assim, percebe-se que “para a ocorrência da renúncia exige-se que o intervalo prescricionaltenha se consumado por inteiro.”37A renúncia da prescrição encontra-se prevista no Código Civil, no art. 191, da seguinteforma:Art. 191 – “A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita,sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se

 presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.”A renúncia poderá ser realizada de forma expressa ou tácita. Não existe nenhuma formarequerida por lei para que a renúncia da prescrição seja exteriorizada, e sendo assim, a re-

núncia expressa poderá ser feita por qualquer forma admitida em Direito.Quanto à renúncia tácita, essa poderá ser aferida a partir do comportamento daqueleque seria pela prescrição beneficiado, dando sinais de que, apesar de esgotado o prazo parao exercício do direito, continua vinculado à pretensão alheia. Diversos são os atos que de-notam a renúncia tácita à prescrição, como o pagamento efetuado após a sua consumação,o pedido de prorrogação de prazo e a oferta de garantia para que se efetue posteriormente o

 pagamento do que é devido.Deve-se acentuar, todavia, que a renúncia tácita dependerá sempre de um comporta-mento ostensivo do sujeito no sentido de demonstrar, ainda que não o declare, que do

 benefício da prescrição o mesmo se despojou. Havendo dúvida sobre a intenção do ato praticado, não se deve admitir a renúncia tácita por não ser ela a regra, mas a exceção.38Cabe mencionar ainda que o legislador manteve a salvaguarda de terceiros perante osefeitos da renúncia à prescrição. Assim sendo, a renúncia feita por devedor solidário ou co-

devedor de obrigação indivisível não pode ser oposta aos demais (art. 204). A prescrição,ressalta Clovis Bevilaqua, já fez romper o vínculo obrigacional, dissolvendo assim a situaçãode solidariedade entre os devedores ou a vinculação com a prestação relativa à coisa indivi-sível. Assim, não pode um devedor assumir liberalidades incidentes sobre aquilo que nãolhe pertence.39Especial atenção deve ser concedida ao caso do devedor insolvente, pois ao renunciar à prescrição que lhe favorecia, o prejuízo a terceiros será caracterizado como fraude contracredores. Isso ocorre, pois uma vez consolidada a prescrição, o patrimônio do devedor ob-teve um acréscimo, na medida em que poderá ele opor a prescrição a qualquer reclamaçãofeita pelo credor, restando assim exonerado dessa obrigação.A renúncia em tais circunstâncias se mostra mais grave, na medida em que os credoresdo devedor insolvente têm com ela a redução da possibilidade de verem seus créditos sa-tisfeitos. Nessa hipótese, poderão os credores promover a competente ação pauliana para

anular a renúncia (art. 158 e ss.).36 antônio luís câmara leal,Da Prescrição e da Decadência

 – Teoria Geral do Direito Civil,Rio de Janeiro, Forense, 1959,2ª ed.; p. 63.37 TRF-5ª Reg., Emb.Infr. emap.cív. 250.581, julg. 24.04.9238 silvio Rodrigues. Direito Civil,vol. I, são Paulo, saraiva, 2002,32ª ed.; p. 334.39 clovis bevilaqua, Código Civildos Estados Unidos do Brasil,vol. I, Rio de Janeiro, EditoraRio, 1951, 9ª ed.; p. 462.

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 ________________________________________ Page 5454FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsCumpre destacar que, além de poderem se opor à renúncia à prescrição já efetuada pelo

devedor insolvente, os seus credores poderão ainda alegar em juízo a existência de prescriçãoque o beneficie (art. 193).alteração dos prazos prescricionaisEm sendo a prescrição um instituto que reflete diretamente um dos mais significativosinteresses da ordem pública, ou seja, o apaziguamento das relações sociais, o art. 192 encerraos debates doutrinários que tiveram sede durante a vigência do CC1916: não é permitidoaos particulares alterarem os prazos de prescrição previstos em lei.Quanto à possibilidade de se aumentar os prazos prescricionais sempre houve consensona doutrina e jurisprudência no sentido de sua impossibilidade. Contudo, no que tange àsua redução, as opiniões foram divergentes.A favor da possibilidade de redução do prazo prescricional, argumenta Clovis Bevi-laqua que o fundamento para se garantir essa alternativa às partes residiria no própriointeresse social, não ofendendo assim os imperativos de ordem pública. O Direito, dessa

forma, não deseja que o prazo de prescrição se alongue de forma indefinida, portanto, en-curtar o prazo não seria uma forma de inutilizá-lo, como ocorre com a renúncia, mas simde fortalecê-lo. Arremata então o autor do CC1916 ao afirmar que “a lei apenas diz quea prescrição não se renuncia antes de consumada (art. 161). Não diz que os seus prazosse não encurtam.”40O entendimento pela alternativa de redução dos prazos não prevaleceu, estando a ce-leuma doutrinária encerrada, pois estabelece o CC em vigor a impossibilidade das partesalterarem os prazos prescricionais. Ainda que não esteja expresso no presente artigo, restaevidente que se as partes não podem alterar o prazo prescricional, ele não poderá ser nemaumentado, nem reduzido.imprescritibilidade e autonomia da vontadeOs imperativos da ordem pública também se fazem sentir na proibição de que os parti-culares venham a acordar que determinada pretensão será imprescritível. Da mesma forma

que a alteração para aumentar ou reduzir o prazo prescricional é vedada, a declaração deimprescritibilidade também se encontra excluída da esfera de autonomia das partes contra-tantes.A imprescritibilidade decorre da própria lei ou da natureza de um direito. Ao largo dotratamento concedido à prescrição e à decadência, identifica Agnelo Amorim a existência deações imprescritíveis, que seriam: (i) todas as ações meramente declaratórias; e (ii) algumasações constitutivas, as quais são excluídas do regramento da decadência por não lhes fixar a lei qualquer prazo para o seu exercício. No que tange às ações condenatórias, relativas aoconceito de prescrição, como já visto, não existem ações imprescritíveis,41 pois quando a leinão lhes fixar um prazo específico, incidirá o prazo genérico, previsto no Código em vigor no art. 205.Sobre a imprescritibilidade de pretensões que se relacionam com a natureza de deter-minados direitos, vale lembrar que os chamados direitos da personalidade ilustram essa

hipótese, estando contemplados nos arts. 11 e ss. do CC. Considerando que o titular dosdireitos da personalidade não pode dispor livremente dos mesmos, abandonando ou renun-ciando às pretensões que dos mesmos decorrem, é fácil perceber que tais pretensões não seenquadram ao instituto da prescrição. Conforme ressalta Gustavo Tepedino, a imprescriti-

 bilidade dos direitos da personalidade “impede que a lesão a um direito da personalidade,40 clovis bevilaqua, Código Civildos Estados Unidos do Brasil,vol. I, Rio de Janeiro, EditoraRio, 1951, 9ª ed.; p. 485.41 agnelo amorim Filho, “cri-tério científico para distinguir a prescrição da decadência e

 para identificar ações impres-critíveis”, Revista dos Tribunais,n. 744, 1997, pp. 747.

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 ________________________________________ Page 5555FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOscom o passar do tempo, pudesse convalescer, com o perecimento da pretensão ressarcitória

ou reparadora”.42Há quem entenda, todavia, que as pretensões ressarcitórias derivadas de ofensa aos direi-tos da personalidade poderiam ser objeto de prescrição. Nesse sentido, ressalta HumbertoTheodoro Júnior que embora o direito à honra seja inalienável e imprescritível, a pretensãode exigir dano moral por lesão à honra está sujeita aos efeitos da prescrição.43Quando se alega a prescriçãoO artigo 193 do Código Civil afirma que “a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita”.A prescrição pode ser alegada perante o juiz monocrático, em 1ª instância, ou poste-riormente em segundo grau de jurisdição. Não ocorre a preclusão se a parte não alegar a

 prescrição logo na contestação, podendo fazê-lo durante todo o processo de conhecimento,inclusive nas razões finais, orais ou escritas.44

 Na 2ª instância a parte poderá suscitar a prescrição na apelação ou nas contra-razões.

Já em sede de embargos de declaração existe controvérsia, uma vez que o STJ já entendeuque somente será possível suscitar a questão se já tivesse sido ventilada anteriormente e nãoapreciada pela decisão embargada.45 Contudo, o mesmo tribunal, em acórdão mais recente,

 já decidiu que “[a] prescrição extintiva pode ser alegada em qualquer fase do processo, nasinstâncias ordinárias, mesmo que não tenha sido deduzida na fase própria de defesa ou nainicial dos embargos à execução.”46Cumpre destacar que não se admite a alegação de prescrição, pela primeira vez, em sedede recurso especial e extraordinário, uma vez que ao STF e STJ cabem apenas reexaminar questão já decida pelos tribunais, quando violar norma constitucional e lei federal. A exi-gência de prequestionamento da matéria é óbice intransponível para o cabimento de recursocom esse objetivo. Sobre a questão, vide STF, Súmulas 282 (1963) e 356 (1963).reconhecimento da prescrição de ofício

 Não é dado ao juiz conhecer da prescrição de ofício. A prescrição, ainda que reflita impe-

rativos de ordem pública, visa também ao atendimento imediato de um interesse do sujeito passivo da relação jurídica. Assim sendo, não é permitido ao juiz, salvo se para favorecer oabsolutamente incapaz, declarar de ofício a ocorrência da prescrição. Essa é a redação doart. 194:Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer aabsolutamente incapaz.Sobre o absolutamente incapaz, o presente artigo estabelece uma exceção à regra geralque veda o conhecimento ex officio da matéria prescricional. A exceção está fundada na

 premissa de que, ainda que a prescrição deva sempre ser alegada pela parte, o absolutamenteincapaz não possui discernimento para os atos da vida civil, não havendo assim possibilida-de do mesmo vir a cumprir a exigência da regra geral.Adicionalmente, a proteção do absolutamente incapaz no presente artigo mostra-se emsintonia com a progressiva relevância que adquire a tutela da pessoa humana no Direito Ci-

vil, alterando-se as normas já consolidadas pela dogmática em consonância com a percepçãode que a pessoa deverá sempre ser protegida da forma mais ampla nas situações apresentadas

 pela dinâmica das relações jurídicas.42 Gustavo Tepedino, Temas deDireito Civil, Rio de Janeiro, Re-novar, 2001, 2ª ed; p. 34.43 Humberto Theodoro Júnior.Comentários ao Novo CódigoCivil, vol. III, tomo II, sálviode Figueiredo Teixeira (org.),Forense, Rio de Janeiro, 2003;

 p. 167.44 RsTJ 85/85 e sTJ, REsp.14.449, DJ 12.08.1996, p.27463.

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45 sTJ, REsp. 74.428, DJ18.08.97, p. 37813.46 sTJ, REsp 157840/sP, DJ07.08.00, p. 109.

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56FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

 Não há como se conceber que o absolutamente incapaz restasse incluído na norma quedemanda a motivação da parte para o reconhecimento da prescrição pelo juiz. Essa conclu-são apenas contribuiria para o desamparo do absolutamente incapaz, em tudo discrepanteda proteção da pessoa humana concretizada pelo art. 1º, III, da CF.Ressalte-se que a prescrição que favorece o absolutamente incapaz poderá ser declaradade ofício pelo juiz, ou requerida pelo Ministério Público, por força do disposto no art. 127da CF. Adicionalmente, cumpre lembrar que o prazo prescricional nem mesmo se iniciacontra o incapaz (art. 198, I, do CC), pelo que será sempre dado ao juiz reconhecer talsituação de ofício.Ao estabelecer de forma expressa que o absolutamente incapaz é a única exceção ao

impedimento de conhecer o juiz da prescrição de ofício, encerra-se o debate sobre a possi- bilidade da Fazenda Pública se beneficiar também dessa possibilidade.O CC apenas se refere aos absolutamente incapazes e não existe motivo para equiparar a Fazenda Pública aos primeiros, seja por uma regra de bom-senso e respeito para com os

 profissionais que defendem o Poder Público, seja pela total improcedência jurídica do ar-gumento.relativamente incapazes e pessoas jurídicasJá sobre os relativamente incapazes, o Código Civil dedica proteção diferente daquelaconferida aos absolutamente incapazes. Nesse sentido, a posição adotada pelo Código é a deresguardar ao relativamente incapaz o direito de ação regressiva contra seus assistentes quederem causa à prescrição ou não a alegarem oportunamente (art. 195). O mesmo tratamen-to é conferido no mencionado artigo às pessoas jurídicas em eventuais ações contra os seusrepresentantes legais por dar causa ou deixar de alegar o decurso do prazo prescricional.

É importante ressaltar que o artigo não cuida diretamente da prescrição, mas sim dodireito de ação, decorrente da não alegação da prescrição por parte de quem, ao assistir ourepresentar, deixa de suscitá-la, ou por dar causa à sua concretização quando desfavorável aoassistido ou representado.O CC1916, em seu art. 164, previu a hipótese de ação regressiva contra os assistentese representantes legais quando esses deixassem de alegar a prescrição. Apesar das aparentessemelhanças, o presente art. 195 apresenta distinções fundamentais, que impedem a asso-ciação direta com o dispositivo citado do código anterior.Assim, enquanto o preceito em vigor se aplica aos relativamente incapazes, o dispositivo

 pretérito tratava dos absolutamente incapazes (“pessoas que a lei priva de administrar os próprios bens”). Adicionalmente, a referência à “ação regressiva” foi suprimida, evitando-seuma limitação do alcance pretendido pelo artigo.A ação constante do art. 164 do CC1916 previa como seu fundamento a atuação dos

representantes legais que “por dolo, ou negligência derem causa à prescrição”. Na redaçãodo presente art. 195 a referência ao dolo e à negligência dos representantes foi retirada.Dessa forma, poder-se-ia entender que a responsabilidade dos assistentes ou represen-tantes é alcançada pelo disposto no art. 927, parágrafo único, o qual estabelece a respon-sabilidade sem culpa para os casos expressamente previstos em lei ou quando da própriaatividade desenvolvida pelo causador do dano, pode-se depreender que advém risco para osdireitos de terceiros.A aplicação do dispositivo que contempla a responsabilidade sem culpa para as figurasdo art. 195 deve levar em conta as particularidades do caso concreto, não devendo se es-tender de modo absoluto a responsabilidade do art. 927, parágrafo único, uma vez que,se o representante legal de pessoa jurídica, na maior parte das vezes, possui experiência na

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TEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsatividade que desempenha, podendo assim ser responsabilizado como um profissional quese encontra exposto aos riscos da atividade que desenvolve, o mesmo não ocorre com oassistente do relativamente incapaz.Com efeito, o assistente do relativamente incapaz poderá, em grande parte das vezes, não

 possuir conhecimentos jurídicos, e nem experiência na vida prática para auxiliar na gestão

de interesses de terceiros. O pai ou a mãe de um menor, relativamente incapaz, p. ex., quedeixar de alegar a prescrição benéfica ao assistido não poderá ser submetido à responsabili-dade sem culpa, tal qual o representante legal de uma pessoa jurídica, do qual normalmentese requer alguma expertise mínima para a vida negocial.alguns aspectos peculiares da decadênciaO CC não apresenta uma conceituação do instituto da decadência, prevendo apenasnormas gerais sobre o mesmo, como a contagem do prazo decadencial, a possibilidade derenúncia, o conhecimento ex-officio por parte do juiz, o momento em que pode ser alegadae etc.A previsão de normas expressas sobre o instituto inova com relação ao regramento cons-tante do CC1916, que apenas fazia referência ao termo “prescrição”, restando à doutrina e à

 jurisprudência promover uma distinção entre prescrição e decadência, bem como assinalar qual a real natureza de cada prazo previsto pelo CC1916.

Os prazos decadenciais no CC em vigor, conforme já salientado, encontram-se espalha-dos pelo texto do Código, acompanhando o direito que lhe é pertinente nos Livros da ParteGeral e Especial.conceito de decadênciaPara que se compreenda o conceito de decadência, faz-se necessário ter em mente doisoutros conceitos: o de direito potestativo e o de ação constitutiva. Isso porque a definição doinstituto da decadência está vinculada à extinção de um direito potestativo, que deveria ter sido concretizado, normalmente através de uma ação de natureza constitutiva, no decorrer de determinado prazo.Primeiramente, cumpre abordar a questão do direito potestativo e esclarecer a sua re-lação com a decadência. A vinculação entre os dois conceitos é realizada pela doutrina aoafirmar que a “decadência é a perda do direito potestativo pela inércia do seu titular no

 período determinado em lei”.47

Valendo-se da classificação dos direitos em “direitos a uma prestação” e “direitos potes-tativos”, proposta por Chiovenda, Agnelo Amorim Filho, explicita que a primeira categoriade direitos, uma vez violados, dará surgimento a uma ação condenatória, cujo prazo parao seu exercício será prescricional. Já os direitos potestativos, poderão ser exercidos em juízoatravés de ação constitutiva, sendo o seu prazo de natureza decadencial.48 Cumpre destacar que o manejo de ação constitutiva não é necessária para a concretização de todo e qualquer direito potestativo, pois tais direitos podem surgir por convenção entre as partes, comoocorre, por exemplo, na avença entre particulares sobre a prorrogação de contrato mediantenotificação prévia de uma parte a outra.Os direitos potestativos, distintamente do que ocorre com os “direitos a uma prestação”(direitos subjetivos propriamente ditos), não dependem de uma ação ou omissão alheia,

 pois os mesmos conferem ao seu titular o poder de intervir na esfera jurídica de outrem,sem que os mesmos possam impor a sua vontade. Nos direitos potestativos o sujeito passivo

encontra-se em situação de sujeição perante o exercício do direito por parte de seu titular.47 Francisco amaral. Direito Civil

 – Introdução, Rio de Janeiro,Renovar, 2002, 4ª ed; p. 561.48 agnelo amorim Filho, “cri-tério científico para distinguir a prescrição da decadência e

 para identificar ações impres-critíveis”, Revista dos Tribunais,n. 744, 1997, pp. 728.

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Dessa forma, compreende-se que os direitos potestativos são insuscetíveis de violação,não correspondendo aos mesmos uma prestação, o que vincula o seu exercício, quando ne-cessário o pronunciamento judicial, às ações de natureza constitutiva, uma vez que esse tipode ação: (i) não pressupõe a existência de violação a um direito, como ocorre com as açõesde natureza condenatória, próprias da prescrição; (ii) por meio delas não se exige uma pres-tação do réu; e, conseqüentemente (iii) não visam à satisfação de uma pretensão na medida

em que a mesma é definida como “o poder de exigir de outrem uma prestação”.49Prescindindo os direitos potestativos da noção de pretensão, por não estarem sujeitos à prestação a ser violada pelo sujeito passivo da relação jurídica, percebe-se que os tais direitosdeverão ser exercidos em juízo através de ações constitutivas, e não condenatórias.E as ações de natureza constitutiva, por seu turno, remetem aos prazos decadenciais parao seu exercício, já que a decadência não visa atuar sobre a pretensão, mas sobre o própriodireito, que resta fulminado com o transcurso do tempo sem que se mova a competenteação constitutiva. Conclui-se assim que o objeto da decadência será o próprio direito, casoo mesmo não venha a ser exercido dentro do prazo determinado. Adicionalmente, quandoo seu exercício demandar que se recorra ao Poder Judiciário, a ação correspondente será denatureza constitutiva.A concepção de que a decadência atua sobre o direito não é recente, podendo-se encon-trar na doutrina clássica de Câmara Leal o entendimento no sentido de que a decadência

é “o perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado para o seu exercício, sem que seutitular o tivesse exercido”.50O direito, por mandamento legal ou por acordo entre as partes contratantes, já apareceno universo jurídico subordinado a um lapso temporal para o seu exercício, que em não serealizando, termina por extingui-lo. Apenas são concedidas duas alternativas ao titular deum direito ao qual esteja atrelado um prazo decadencial: ou exerce o direito dentro do lapsotemporal concedido ou o perde para todo o sempre.impedimentos, interrupções e suspensõesOs prazos decadenciais não estão sujeitos a impedimentos, interrupção ou suspensão.O entendimento no sentido da não aplicação das regras de impedimento, interrupção oususpensão aos prazos decadenciais é bastante usual.A característica de fluir contra todos e de modo contínuo, sem a possibilidade de impe-dimentos, interrupções ou suspensões foi uma das principais características utilizadas pela

doutrina para distinguir os prazos prescricionais dos decadenciais na vigência do CC1916.Todavia, deve-se atentar para o fato de que a nova disciplina instaurada pelo CC para oinstituto da decadência estabelece exceções à regra, não devendo o aplicador do direito maisarrolar essa característica de forma absoluta como qualidade distintiva entre prescrição edecadência. Diversamente do que ocorre com a prescrição, os prazos decadenciais não estãosujeitos a impedimentos, interrupção ou suspensão, mas essa regra não é absoluta pois os

 prazos decadenciais poderão ser impedidos, interrompidos ou suspensos por força de dispo-sição legal específica nesse sentido, como ocorre com o art. 208, que impede o cômputo do

 prazo decadencial contra os absolutamente incapazes.Vale ainda ressaltar duas outras características própria dos prazos decadenciais: (i) quan-do forem os mesmos estabelecidos por lei, não poderão as partes contratantes promover oseu aumento ou redução, pois se tanto fosse permitido, frustrados seriam os interesses deordem pública que fundamentam o instituto; e (ii) aplicam-se aos mesmos o disposto nos

arts. 195 e 198, I, do Código Civil, ou seja, são também aplicáveis aos prazos prescricionaisas regras sobre a ação da qual dispõem os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas con-49 agnelo amorim Filho, “cri-tério científico para distinguir a prescrição da decadência e

 para identificar ações impres-critíveis”, Revista dos Tribunais,n. 744, 1997, pp. 733.50 antônio luís câmara leal,Da Prescrição e da Decadência

 – Teoria Geral do Direito Civil,Rio de Janeiro, Forense, 1959,2ª ed.; p. 113.

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59FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOstra os seus assistentes e representantes legais pela ocorrência da prescrição (art. 195), sendoainda afirmado que não correrá prazo decadencial contra os absolutamente incapazes (art.198, I).

renúncia à decadênciaO artigo 209 do Código Civil determina que “[é] nula a renúncia à decadência fixadaem lei”. Essa redação deixa claro que existem dois tipos de decadência: a prevista em lei e aconvencionada pelos particulares. No que se refere à decadência legal, os imperativos da or-dem pública fundamentam a regra do art. 209, impondo que os prazos legalmente previstosnão sejam passíveis de renúncia pelos particulares.A renúncia ao prazo decadencial legal será reputada ato nulo, por absoluta incompe-tência das partes para a prática de tal ato. Assim sendo, a renúncia ao prazo decadencial

 previsto em lei jamais produz qualquer efeito no mundo jurídico, independentemente daconsumação ou não da decadência.A contrario sensu, os prazos decadenciais convencionais poderão ser objeto de renúncia

 pelos particulares, não se cogitando, portanto, de sua nulidade pelo simples existência desseato. Outras causas poderão levar à nulidade da renúncia ao prazo decadencial convenciona-

do, mas não a elaboração do ato em si.Os prazos decadenciais estabelecidos por convenção operam na seara dos direitos dis- poníveis, admitindo-se que, se a autonomia da vontade pôde criar determinado prazo, seráigualmente possível promover a renúncia ao mesmo.Cumpre adicionar que a renúncia à decadência convencional também deverá ocorrer após a sua consumação51. Essa medida busca evitar que a decadência convencional sejaesvaziada a ponto de se tornar usual a imposição de cláusula renunciando aos seus efeitos jáquando da estipulação do prazo decadencial.Questões processuais

 Novamente separando os efeitos da decadência legalmente prevista daquela convencio-nada pelas partes, o Código Civil, no seu artigo 210, estabelece que deverá o juiz conhecer de ofício a decadência legal quando a mesma incidir sobre processo de sua competência.Trata-se de um dever imposto por lei, e não uma mera faculdade, que poderia ser exercida

ao talante do julgador.Todavia, não poderá a decadência ser alegada pela primeira vez em sede de recurso ex-traordinário e recurso especial, dado que a CF exige, por força dos arts. 102, III, e 105, III,respectivamente, que para a admissão dos dois recursos mencionados, a matéria objeto deimpugnação tenha sido decidida na instância inferior.Sobre a decadência convencional, explicita o artigo 211 que “[s]e a decadência for con-vencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiznão pode suprir a alegação.”Aqui, ao inverso do que ocorre com a decadência legal, o prazo decadencial contratu-almente estipulado não será objeto de conhecimento de ofício pelo julgador, na medidaem que sobre tais prazos não incidem diretamente os imperativos de ordem pública quefundamentam os prazos legais.A oposição da decadência contratual poderá ser realizada em qualquer grau ordinário de

 jurisdição, sendo válido para a mesma o entendimento exposto acima sobre a impossibili-dade de sua alegação em sede de recurso extraordinário e especial.51 Maria Helena Diniz, Cursode Direito Civil Brasileiro, vol. I,são Paulo, saraiva, 2002, 18ªed; p. 305.

 ________________________________________ Page 6060FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs3. QuEstõEs dE coNcursoConcurso para o cargo de Advogado da BR Distribuidora (2005) – prova azul34. Sobre a prescrição, é correto afirmar-se que:a) o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a abso-

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lutamente incapaz; b) aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durantetrês anos, independente de título ou boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade;c) a interrupção da prescrição só pode ocorrer duas vezes;d) a exceção prescreve no dobro do prazo que a pretensão;e) a renúncia da prescrição jamais pode ser tácita.

126º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase22. São imprescritíveis as pretensões que versam sobrea) os bens públicos, o estado da pessoa e a cobrança de prestações alimentares venci-das;

 b) a ação para anular inscrição do nome empresarial feita com violação de lei ou docontrato;c) o estado da pessoa, os direitos da personalidade e a cobrança de prestações vencidasde rendas vitalícias;d) o direito a alimentos e a ação de reparação civil em razão de contrafação.128º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase22. Sobre a prescrição e a decadência, é INCORRETO afirmar:a) quando houver prazo para o exercício de direito potestativo, o prazo será decaden-cial;

 b) quando consumada, a prescrição extingue a pretensão;c) a pretensão nasce a partir do momento em que o direito é violado;d) a prescrição nunca pode ser suscitada de ofício pelo juiz.

 ________________________________________ Page 6161FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 9: SUSPENSÃO, IMPEDIMENTO E INTERRUPÇÃO DOS PRAZOSPRESCRICIONAIS / DIREITO INTERTEMPORALEmENtário dE tEmasImpedimento e suspensão da prescrição – Interrupção da prescrição – Prazo geral de

 prescrição – Prazos prescricionais e prazos decadenciais – Direito Intertemporal

lEitura obriGatóriaTEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He-lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; pp. 367/392.lEituras comPlEmENtarEs

 NEVES, Gustavo Kloh Muller, “Prescrição e decadência no novo Código Civil”, inGustavo Tepedino (org.), A Parte Geral do Código Civil, Rio de Janeiro, Renovar,2002, pp. 417/428;PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. I. Rio de Janeiro: Foren-se, 2005; pp. 677/702.1. rotEiro dE aula52Os prazos prescricionais podem ser impedidos, suspensos ou interrompidos. O regra-mento dessas hipóteses encontra-se nos arts. 197 a 204 do Código Civil.

impedimento e suspensão da prescriçãoUsualmente, quando se menciona que os prazos prescricionais “não correm” por algummotivo, está-se fazendo referência às causas de impedimento ou suspensão desses prazos. Adiferença entre suspensão e impedimento reside no fato de que, no impedimento, a causaestabelecida em lei é pré-existente ao início da contagem do prazo prescricional, motivo

 pelo qual impede-se o próprio nascimento da prescrição.Já na suspensão, o prazo prescricional já iniciado deixa de correr em decorrência dealguma situação, voltando a correr quando de sua superação, contando-se todo o tempotranscorrido até a sua suspensão.O artigo 197 do Código Civil traz algumas hipóteses de impedimento e suspensão aodispor da seguinte forma:Art. 197. Não corre prescrição:I – entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal;II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou a

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curatela.52 O presente roteiro de estu-do é uma versão reduzida – esubstancialmente adaptada

 para os fins desse material di-dático – do trabalho realizado

conjuntamente com TatianaFlorence Magalhães e constan-te do livro Código Civil Interpre-tado conforme a Constituição daRepública, vol. I, organizado

 por Gustavo Tepedino, Mariacelina bodin de Moraes e He-loisa Helena barboza (Rio deJaneiro: Renovar, 2004; pp.347/423).

 ________________________________________ Page 6262

FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAs causas de suspensão ou impedimento de que tratam o artigo 197 estão baseadas emrazões de ordem moral, como a confiança ou a relação familiar existente entre os sujeitosdas relações jurídicas.Especialmente com respeito ao relacionamento dos cônjuges, previsto no artigo 197, I,na constância da sociedade conjugal, deve-se lembrar que esse tratamento também deve ser estendido à união estável, uma vez que a Constituição Federal a reconhece como entidadefamiliar no art. 226, §3º.Adicionalmente, prevê o art. 198 que “também não corre a prescrição”:I – contra os incapazes de que trata o art. 3°;II – contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Muni-cípios;

III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.Aqui, diferentemente do que ocorre no artigo 197, as causas de impedimento ou suspen-são da prescrição não de natureza moral, mas sim por conta de uma situação que impede osujeito da relação jurídica de agir, atuando sobre o decurso do prazo prescricional.Como já visto, não corre prazo prescricional contra os absolutamente incapazes. Essaregra independe de estar o absolutamente incapaz representado ou não.Também não corre a prescrição nas situações estabelecidas no art. 199, quais sejam: (i)

 pendendo condição suspensiva; (ii) não estando vencido o prazo; e (iii) pendendo ação deevicção. A doutrina critica severamente a inclusão desse artigo no Código Civil uma vezque, nessas hipóteses, não existe ainda ação para exigir o cumprimento de uma obrigação.Ou seja, ainda não há causa para a contagem do prazo prescricional.Relacionado ao direito das obrigações, dispõe o artigo 201 sobre a suspensão do prazo

 prescricional em obrigações solidárias da seguinte forma:

Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam osoutros se a obrigação for indivisível.Somente podem invocar a suspensão ou o impedimento da prescrição os sujeitos a quemo legislador se referiu nas hipóteses previstas em lei, não alcançando terceiros, nem mesmoos seus credores solidários. Excepciona o artigo, contudo, a hipótese da obrigação ser in-divisível, pois nessas circunstâncias não há como fracionar as relações que incidem sobre oobjeto da obrigação.interrupção da prescriçãoO Código Civil arrola uma série de hipóteses nas quais o prazo prescricional será inter-rompido, ou seja, após superado o motivo que impediu o seu decurso, o prazo será contadonovamente de forma integral. O fundamento das causas de interrupção reside no fato de queo credor não se encontrava inerte quanto ao manejo de sua pretensão e, sendo assim, essascausas passam a depender de uma manifestação da parte. Elas envolvem uma atitude delibe-rada do credor, que demonstra estar alerta e interessado na preservação de seu direito.Uma das mais destacadas características da interrupção dos prazos prescricionais na dou-

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trina e na jurisprudência consiste no debate sobre a sua impossibilidade de ser utilizada por mais de uma vez.Para alguns autores, o fundamento do instituto, consistente no interesse da sociedadeem que os direitos não permaneçam muito tempo sem exercício, seria incompatível com a

 ________________________________________ Page 63

63FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsinterrupção ilimitada da prescrição por parte do credor, que ao assim proceder acarretaria,em última análise, a imprescritibilidade da sua pretensão.O legislador pareceu resolver a questão, optando por estabelecer que a interrupção da

 prescrição só pode se dar por uma vez, dentre as hipóteses constantes dos incisos de I a VIdo artigo 202, assim redigido:Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a

 promover no prazo e na forma da lei processual;II – por protesto, nas condições do inciso antecedente;III – por protesto cambial;

IV – pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso decredores;V – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimentodo direito pelo devedor.Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a inter-rompeu, ou do último ato do processo para a interromper.Ocorre, porém, que, na prática, esse entendimento pela impossibilidade de se interrom-

 per a prescrição por mais de uma vez pode gerar situações de extrema iniqüidade. Veja-seo exemplo constante nos comentários ao Código Civil organizado por Gustavo Tepedino,Maria Celina Bodin e Heloisa Helena Barboza:“Tome-se como exemplo o credor de uma letra de câmbio vencida que procede ao protes-to, interrompendo, assim, o prazo prescricional, a teor do art. 202, II. Sem sucesso, posterior-

mente ingressa o credor com a ação de execução do título, a qual prescreve em 3 anos (contrao aceitante), a partir do dia do vencimento (art. 70 do D. 57.663/66). Esse prazo, entretanto,interrompido pelo protesto, voltou a correr integralmente a partir de então, conforme dispõeo parágrafo único do art. 202. Aplicando-se o que estabelece a lei, ter-se-ia que admitir que o

 prazo em questão não poderia ser interrompido, pela segunda vez, pelo despacho que deter-minou a citação na ação de execução proposta pelo credor (art. 202, I).”“Levando-se em consideração que a inércia é requisito essencial do instituto em foco,nada pode ser mais demonstrativo do interesse em receber o crédito – e, portando, da ausên-cia do elemento acima referido – do que a propositura da respectiva ação judicial, na qual otitular do direito, sem ter a quem mais recorrer, se socorre do Poder Judiciário para impor aodevedor o adimplemento de sua obrigação.”53Dessa forma, reconhecer que essa atuação do credor não poderá interromper a contagemdo prazo prescricional geraria uma situação de grande injustiça. Competirá, portanto, aos

magistrados, flexibilizar a norma do artigo 202, pois, conforme ressalta J.M. Carvalho San-tos, “a presunção é que a aplicação da lei não conduza ao absurdo, como é de trivial regrade hermenêutica.”54Prazo geral de prescriçãoOs prazos prescricionais sofreram sensível redução no Código Civil de 2002 em relaçãoao CC1916. Trata-se de medida salutar uma vez que as tecnologias modernas, empregadasnos meios de transporte e comunicação, aproximam as pessoas e facilitam o contato entre53 Gustavo Tepedino, Maria ce-lina bodin de Moraes e HeloisaHelena barboza (orgs). CódigoCivil Interpretado conforme aConstituição da República. Riode Janeiro: Renovar, 2004; p.379.54 J. M. de carvalho santos,

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Código Civil Brasileiro Interpre-tado, vol. VI, Rio de Janeiro,Freitas bastos, 1950, 4ª ed;

 p. 444. ________________________________________ Page 64

64FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOselas, não mais se justificando o estabelecimento de prazos tão longos como os fixados noCódigo anterior.Tenha-se em mente que quando o CC1916 foi aprovado fazia apenas dez anos que San-tos Dumont havia realizado o primeiro vôo mecânico do mundo, com o avião 14Bis, e trêsque Henry Ford havia inaugurado a primeira linha de montagem de automóveis.O artigo 205 do Código Civil dispõe que a prescrição “ocorre em dez anos, quando a leinão lhe haja fixado prazo menor”. Dessa forma, 10 (dez) anos é o prazo prescricional quevalerá para todas as relações jurídicas, quando a lei não dispuser de forma distinta. Comoregra geral, o estabelecimento de um prazo de 10 (dez) anos parece bastante razoável, redu-zindo a metade o prazo anteriormente previsto no CC1916, no seu art. 177.

Prazos prescricionais e prazos decadenciaisO Código Civil apresenta um regramento distinto daquele presente no CC1916 no quese refere aos prazos prescricionais e decadenciais. No CC1916, o art. 178 enunciava umasérie de prazos, sem qualquer indicação sobre a sua natureza, cabendo ao intérprete distin-guir as hipóteses de prescrição daquelas relativas à decadência.Os prazos constantes do presente art. 205 e 206, por seu turno, são todos de natureza

 prescricional, facilitando em muito a tarefa do intérprete na aplicação das regras correspon-dentes à natureza desses prazos. Por outro lado, os prazos decadenciais estão previstos deforma esparsa nos livros da Parte Geral e Especial do CC, acompanhando a positivação dodireito sobre o qual recai a decadência.

 Nesse sentido, vale transcrever trecho da Exposição de Motivos do CC, da lavra de Mi-guel Reale, na qual se afirma que:“Para por cobro a uma situação deveras desconcertante, optou a Comissão por uma fór-

mula que espanca quaisquer dúvidas. Prazos de prescrição, no sistema do Projeto, passam aser, apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na Parte Geral, Título IV, Capí-tulo I, sendo de decadência todos os demais, estabelecidos, em cada caso, isto é, como com-

 plemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte geral como na Parte Especial.”55Dessa forma, uma dos mais dramáticos e inglórios debates travados pela doutrina du-rante a vigência do Código anterior é encerrado com a definição clara de quais prazos são

 prescricionais e quais são de natureza decadencial no Código de 2002.direito intertemporalSe as disputas sobre a natureza dos prazos previstos no Código Civil foi encerrada com oadvento do novo Código, um novo debate surgiu em 2002 com a entrada em vigor no re-ferido código. Trata-se de uma questão de direito intertemporal trazida a lume pela redaçãodo artigo 2028, assim disposto:Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na

data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecidona lei revogada.A doutrina debateu as diversas possibilidades de interpretação desse artigo, chegando-semesmo a serem editados livros específicos sobre questões de direito intertemporal no Có-digo Civil de 2002.55 senado Federal. Novo CódigoCivil. Impressa nacional, brasí-lia, 2002, p. 40.

 ________________________________________ Page 6565FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsO debate gira em torno sobre a forma de contagem dos prazos prescricionais iniciadosantes da entrada em vigor do novo Código Civil. Os exemplos a seguir demonstram como

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deverá ser considerada a contagem dos prazos prescricionais de acordo com a redação doartigo 2028:56a) A prescrição já consumada não será afetada (Ex. 1);

 b) Se transcorreu mais da metade do prazo, aplica-se o CC/1916 (Ex. 2);c) Se transcorreu menos da metade (ou a exata metade) do prazo, aplica-se o CC/2002,contado o prazo a partir de sua entrada em vigor (Ex. 3);

d) Se, porém, a soma do período já transcorrido mais o período correspondente ao pra-zo novo (em princípio aplicável) resultar em prazo maior do que o do CC/1916, será esteúltimo o prazo aplicável (Ex. 4).EXEMPLO 1Código Civil de 2002Código Civil de 1916art. 206. Prescreve:§ 3.º em três anos:V – a pretensão de reparação civilart. 177. as ações pessoais prescrevem,ordinariamente, em 20 (vinte) anos (...) contadosda data em que poderiam ter sido propostas.Se o dano ocorreu em fevereiro de 1982, a prescrição se consumou em fevereiro de

2002. Não será afetada a prescrição pelo Código Civil de 2002.EXEMPLO 2Código Civil de 2002Código Civil de 1916art. 206. Prescreve:§ 3.º em três anos:V – a pretensão de reparação civilart. 177. as ações pessoais prescrevem,ordinariamente, em 20 (vinte) anos (...) contadosda data em que poderiam ter sido propostasSe o dano ocorreu em fevereiro de 1985, a prescrição só estará consumada em fevereirode 2005.

Aplica-se o prazo antigo, pois já havia transcorrido mais da metade quando da entradaem vigor do novo Código.EXEMPLO 3Código Civil de 2002Código Civil de 1916art. 206. Prescreve:§ 3.º em três anos:V – a pretensão de reparação civilart. 177. as ações pessoais prescrevem,ordinariamente, em 20 (vinte) anos (...) contadosda data em que poderiam ter sido propostasSe o dano ocorreu em fevereiro de 2001, a prescrição estará consumada em janeiro de2006.

Aplica-se o prazo novo, iniciada a contagem a partir da entrada em vigor do novo Có-digo.EXEMPLO 4Código Civil de 2002Código Civil de 1916art. 206. Prescreve:§ 3.º em três anos:i – a pretensão relativa a aluguéis de prédiosurbanos ou rústicosart. 178. Prescreve:§ 10. em cinco anos:iV – os alugueres de prédio rústico ou urbano56 Os exemplos utilizados nestaseção, bem como o caso gera-dor a seguir, foram extraídos

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da apostila “Prescrição e De-cadência”, elaborada por Teresanegreiros para os cursos deeducação continuada da Escolade Direito da Fundação GetúlioVargas, do Rio de Janeiro.

 ________________________________________ Page 6666FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsSe a dívida venceu em setembro de 2000, a prescrição estará consumada em setembrode 2005.Aplica-se o prazo antigo, pois o início da contagem do prazo novo, após a entrada emvigor do Código, resultaria na prescrição da pretensão em janeiro de 2006, perfazendo um

 prazo maior do que o estabelecido no Código revogado.2. caso GErador A Siderúrgica Mineira S/A (“Siderúrgica Mineira”) é uma companhia aberta, com con-siderável patrimônio imobiliário e atuação destacada nos setores de siderurgia e mineração.

Durante a década de 80, esteve engajada em grande projeto de expansão de seu parque in-dustrial, tendo recorrido a instituições financeiras dispostas a financiar o empreendimento.Buscando a captação dos recursos necessários, a companhia celebrou Contrato de Mú-tuo no valor de R$ 100 milhões com o Banco Carioca S/A (“Banco Carioca”), a ser pagoem 40 (quarenta) prestações anuais, constituindo gravame hipotecário sobre sua principalusina, por instrumento público levado a registro em março de 1985. Verifica-se, então, quea hipoteca oferecida teria eficácia até março de 2015, por força do prazo de 30 (trinta) anosditado pelo art. 817 do Código Civil de 1916.Posteriormente, já na fase de conclusão do projeto, a siderúrgica obteve novo financia-mento, desta vez no valor de R$ 200 milhões, junto ao Banco Paulista S/A (“Banco Pau-lista”), a ser pago em 50 (cinqüenta) prestações anuais e garantido por nova hipoteca sobrea usina. O ônus real, registrado em março de 1991, seria eficaz até março de 2021, pelasmesmas razões acima aludidas.

Dentro desse planejamento, a Siderúrgica Mineira vinha logrando êxito em manter o pagamento pontual de ambas as dívidas contraídas. Até que, em março de 2005, enquantoainda pendente o pagamento de razoável fração de ambos os financiamentos, a companhiase tornou inadimplente, causando o vencimento antecipado de todas as prestações vincen-das, nos termos dos contratos celebrados.Sendo assim, em abril de 2005, o Banco Carioca ingressa em juízo, requerendo a ex-cussão da hipoteca constituída em seu favor pela companhia siderúrgica. Esta, por sua vez,alega que a garantia concedida é ineficaz, já que a entrada em vigor do Código Civil fez comque o prazo peremptório da hipoteca, reduzido em 10 (dez) anos pelo artigo 1.485 e não

 prorrogado, se tivesse esgotado em março de 2005.Se você fosse o juiz desse caso, como seria a sua decisão? Justifique.3. QuEstõEs dE coNcurso24º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase

42 – À luz das normas legais que regem o instituto da prescrição, dispostas pelo CódigoCivil vigente, assinale a afirmativa correta:a) O protesto cambial não interrompe a prescrição;

 b) A prescrição consiste na extinção do direito subjetivo;c) Os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes;d) A prescrição corre entre os cônjuges na constância da sociedade conjugal.

 ________________________________________ Page 6767FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsConcurso para o cargo de Advogado do BNDES (2004)54. Prevê o artigo 189 do novo Código Civil que “violado o direito, nasce para o titu-lar a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts.205 e 206”. O Código prevê, de modo expresso, os prazos de prescrição, que fluem da

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violação do direito, e disciplina as regras para sua suspensão e sua interrupção. A esserespeito, assinale a única afirmação que está de acordo com o Código Civil em vigor:a) A prescrição só pode ser interrompida duas vezes;

 b) A prescrição só pode ser interrompida por quem esteja interessado na interrupção;c) A interrupção produzida contra o principal devedor não prejudica o fiador;d) Prescreve em 4 anos a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das

contas;e) Prescreve em 5 anos a pretensão de restituição de dividendos recebidos de má-fé, acontar da data em que foi deliberada a distribuição.

 ________________________________________ Page 6868FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsPARTE III: DIREITO DAS OBRIGAÇÕESAULA 10: A RELAÇÃO OBRIGACIONALEmENtário dE tEmas

 Noção geral de obrigação – Distinções entre direito das obrigações e direitos reais – Es-trutura da relação obrigacional – Fontes das obrigações

lEitura obriGatóriaCALIXTO, Marcelo Junqueira. “Reflexões em torno do conceito de obrigação, seuselementos e suas fontes”, in Gustavo TEPEDINO (org) Obrigações: Estudos na pers-

 pectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; pp. 1/15; 25/28.lEituras comPlEmENtarEsLÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005; pp.16/37.TEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He-lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; pp. 492/495.1. rotEiro dE aula

 Noção Geral de obrigação Numa lição clássica contida nas Institutas de Justiniano, pode-se encontrar a noção de

que obrigação é um vínculo jurídico que nos obriga a pagar alguma coisa. Apesar de aparen-temente simplória, essa antiga lição remete com bastante propriedade à idéia essencial quecircunda o direito das obrigações – a idéia de relação jurídica entre duas ou mais pessoas,sejam elas naturais ou jurídicas.Tendo em vista a natureza intuitiva do conceito, o legislador preferiu não defini-lo noatual Código Civil. Na doutrina, Caio Mário define obrigação como o vínculo jurídico emvirtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável.57Já Washington de Barros Monteiro, de forma menos sucinta, enuncia que obrigação é arelação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor, cujo objeto consistenuma prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, ga-rantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio”. Nessa segunda definição é interes-sante observar a presença do elemento responsabilidade, uma vez que a sua presença seráfundamental quando dos efeitos decorrentes do descumprimento da obrigação.

Outro elemento que merece destaque é o caráter de transitoriedade, inerente às obriga-ções. A obrigação é, em verdade, uma relação jurídica que nasce tendo por fim a sua própriaextinção, ou ainda melhor, a sua realização. É justamente a satisfação do credor, que ocorre57 caio Mario da silva Pereira.Instituições de Direito Civil, v. II.Rio de Janeiro, Editora Forense,2003; p. 7.

 ________________________________________ Page 6969FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOscom o regular adimplemento da obrigação, que enseja o fim desta e, por conseguinte, o fimdo vínculo jurídico que une credor e devedor.

 Na dinâmica obrigacional, os atores encontram-se subsumidos nas figuras do credor e do

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devedor. A idéia de vinculação, que traduz o ponto principal do instituto, une duas ou mais pessoas que se encontrem envoltas numa relação de crédito e débito. O credor e o devedor correspondem aos dois lados da obrigação, aos pólos ativo e passivo respectivamente.O vínculo aqui descrito é marcado pela pessoalidade. Essa característica remete ao fato deque numa relação obrigacional há um número determinado (ou ao menos determinável) de

 pessoas envolvidas. Os credores e devedores são conhecidos, ou ao menos conhecíveis. Ao

credor não é dado cobrar sua dívida de um estranho à relação obrigacional, e o devedor, por sua vez, não se verá desembaraçado de sua obrigação se pagar a outro que não àquele a quemdeve (ou que pelo menos tenha poder de receber representando o credor).Outro ponto crucial para entender as obrigações é a delimitação do seu objeto. Este nadamais é do que uma atividade do devedor, em prol do credor e essa atividade recebe a desig-nação de prestação. As formas que essa prestação pode assumir são bem diversas58 e ensejarãodiferentes classificações das obrigações.A própria experiência cotidiana mostra que as obrigações estão sujeitas ao inadimple-mento, sendo que este, em certos ramos da atividade econômica, é demasiadamente grande.

 Nesses casos, o direito resguarda o credor de ver a sua expectativa de satisfação inteiramentefrustrada definindo que deverá o patrimônio do devedor responder, em última análise, peloadimplemento.É justamente a possibilidade de procurar no patrimônio do devedor a satisfação do

crédito que faz com que essas vinculações jurídicas não sejam desacreditas. Contudo, nemsempre foi assim. Na Antiguidade Clássica, por exemplo, o devedor respondia com o próprio corpo emface das obrigações assumidas, podendo ser submetido inclusive à situação de escravidão.Contudo, o direito tal qual hoje é concebido, embasado dentre outros princípios pelo dadignidade da pessoa humana, repele o uso da força física no intuito de compelir alguém asatisfazer uma obrigação assumida.Embasando a idéia acima descrita, veja-se o exemplo acadêmico do pintor que assume aobrigação de pintar um quadro, mas depois se arrepende. Qual seria a solução para satisfazer quem o contratou? Não há como forçar o artista a pintar, pois é forte o embasamento cons-titucional no sentido de vedar o uso da força para consecução de tais intentos. No estudo daresponsabilidade civil será observado que, nesse caso, a legislação reserva à parte prejudicadaa possibilidade de recorrer ao judiciário demandando reparação por perdas e danos.

Outro elemento que deve ser destacado é o cunho pecuniário das obrigações, visto queo seu objeto sempre será um valor de natureza econômica. É certo que o direito pode atémesmo reservar, em certos momentos, uma especial consideração às obrigações de naturezaexclusivamente moral, mas não sendo as mesmas dotadas de juridicidade, não podem ser inseridas no estudo das obrigações.Igualmente não há que se pensar que as obrigações do direito de família – muitas vezesnão propriamente pecuniárias – constituem forma de excepcionar a idéia de caráter eco-nômico acima expressa. Cumpre apenas destacar que natureza jurídica dessa espécie deobrigações não convém ao tema ora abordado, devendo ser pormenorizadas no estudo dodireito de família.Contextualizando o direito das obrigações com a realidade das relações econômicasvivenciadas hoje, percebe-se que a sua pertinência se ressalta quando são analisadas asrelações de consumo. Pode-se destacar como os principais fatores para essa situação os

seguintes fatos: (i) a dinâmica do consumo é cada vez mais marcada pela publicidade,58 como será visto posterior-mente, essas prestações po-dem ser uma simples entregade um bem, uma conduta querepresente um agir (fazer), ouainda uma simples abstenção(não fazer).

 ________________________________________ Page 7070FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsinclusive reconhecendo para esse artifício inegável teor contratual; e (ii) o fenômeno damassificação dos contratos, tendência hoje já consolidada e que ocorre quando os consu-

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midores simplesmente aderem a contratos já previamente redigidos (como no caso doscontratos bancários).Certo é que em todas as atividades econômicas, da produção à distribuição de bens eserviços, imiscui-se o direito obrigacional.distinção entre direito das obrigações e direitos reaisOs direitos reais (ius in re) incidem diretamente sobre uma coisa ao passo que o direito

obrigacional (jus ad rem), tem por objeto uma determinada prestação. Ambos têm, como se pode antever, um caráter patrimonial inerente. No quadro esquemático a seguir pode-se visualizar algumas das principais distinções:DIREITOS REAISDIREITOS OBRIGACIONAISQuanto ao objetoos direitos reais recaem sobre umacoisa, geralmente um objeto corpóreo,apesar de serem admissíveis direitosreais em relação a bens imateriais.o direito obrigacional recaiessencialmente sobre relaçõeshumanas.

Quanto àoponibilidadeo direito real é um direito absolutosendo oponível perante todos (ergaomnes).o direito obrigacional é relativo namedida em que a prestação só podeser exigida do devedor da relação.no que consiste odireitodireito ao uso, gozo e fruição de bens.direito a uma ou mais prestaçõesefetuadas por uma pessoa.

extensão no tempoCaráter de permanência.Caráter essencialmente transitório,fadado à extinção.existência ou não dedireito de seqüelao direito real é absoluto, oponívelcontra todos e por conta disso, seutitular possui o direito de seqüela, istoé, de perseguir o exercício do direito

 perante qualquer um que esteja de posse da coisa.o direito de seqüela não existe no

direito obrigacional. o credor não podeindividualizar bens no patrimôniodo devedor para garantir o regular adimplemento da obrigação. a garantiarepresentada pelo patrimônio dodevedor se manifesta de forma abstrata.enumerabilidade dosdireitossão numerus clausus, isto é, sãosomente aqueles assim enunciados

 pela lei.apresentam-se como um númeroindeterminado. isso se deve ao fatode que as relações obrigacionaissão infinitas e dotadas de grande

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variabilidade.Estrutura da relação obrigacionalA noção geral de obrigação foi examinada no tópico anterior. Trata-se do expediente

 jurídico mediante o qual surge o vínculo entre dois sujeitos – um ativo e ou outro passivo.Ao sujeito passivo compete cumprir a prestação a que está adstrito e agindo nesse sentido

 propiciará: (i) a sua liberação face ao credor; (ii) a extinção da própria obrigação onde está

imerso.As relações obrigacionais não estão necessariamente fadadas ao sucesso, que se traduzcom o cumprimento obrigação. O desejo do credor é que o devedor (sujeito passivo), satis-faça, de modo voluntário ou coativo, a prestação. Quando isso não se verifica, surge a possi-

 bilidade de se valer da sujeição do patrimônio do devedor. Contudo, devemos destacar que ________________________________________ Page 7171FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsesta opção só vai aparecer em momento posterior, na execução coativa, com a intervençãodo poder do Estado. Aqui observamos de forma clara os dois elementos essenciais da obri-gação: o débito (debitum, Schuld, em alemão) e a responsabilidade (obligatio, Haftung).

 Na estrutura da obrigação, crucial é a existência de dois sujeitos. Um é o sujeito ativo, oucredor. É ativo no sentido de que titulariza o crédito. No pólo oposto está o sujeito passivo,ou devedor, obrigado ao exercício de uma determinada prestação – pela qual pode vir aresponder pelo seu patrimônio no caso de inadimplemento (haftung).A noção de determinabilidade também é outro traço das obrigações. Os sujeitos devemser determináveis, embora possam não ser, desde o início, determinados. Não é necessárioque desde a origem da obrigação haja individuação precisa do credor e do devedor, mas nãoobstante, no momento da realização da obrigação os sujeitos devem ser conhecidos.Um exemplo de indeterminação de sujeito na formação do vínculo obrigacional ocorrena promessa de recompensa. Na promessa, o devedor é certo (quem fez a oferta), mas ocredor é indeterminado, vindo a constitui-se aquele que adimplir com os requisitos especi-ficados.Outro exemplo, dessa vez de indeterminação no pólo passivo, é o caso do adquirente

de imóvel hipotecado que responde pelo pagamento da dívida – embora não tenha sido odevedor originário.O objeto da relação obrigacional é a prestação – que constitui uma atividade, uma con-duta do devedor. É fundamentalmente um dar, um fazer ou um não fazer algo. A prestaçãoé, portanto, a atividade do devedor em prol do credor, que se constitui no objeto imediatoda obrigação. Há também um objeto mediato, que nada mais é do que um objeto materialou imaterial sobre o qual incide a prestação. Dessa forma, quando se refere ao objeto da

 prestação, está sendo enfocado o objeto imediato; quando se menciona o objeto da obriga-ção, a referência será o objeto mediato.Por exemplo, na obrigação de pintar um quadro (obrigação de fazer), a prestação, ouobjeto imediato, é o ato de pintar. O objeto mediato nada mais será do que a própria telaque consubstancia a ação realizada.A prestação deve ser possível, lícita e determinável, sendo essas qualificações incidentes

seja em relação à prestação em si, objeto imediato, seja em relação ao objeto que corporificaa relação obrigacional, objeto mediato. A dinâmica segue a mesma observada por ocasião doestudo dos negócios jurídicos (art. 166, II, Código Civil).Tradicionalmente, sempre foi muito debatida a necessidade de que as obrigações mani-festassem conteúdo patrimonial, apesar da legislação civilista expressamente não determinar essa característica. Mais coerente parece manter o foco, não na patrimonialidade, mas simno real interesse do credor no cumprimento da obrigação, o qual pode não necessariamenteestar direcionado à obtenção de alguma vantagem econômica.Certas obrigações apresentam dificuldade de mensuração do caráter econômico das

 prestações. Nesse sentido pode ser destacada a seguinte hipótese de alguém que doa imóvel para a Municipalidade, mas estabelece que ali deverá ser instalado um parque público, como encargo de que o mesmo tome o nome do doador. Quem exerce tal liberalidade não auferevantagem pecuniária, mas não se pode dizer que o caráter de obrigação está desnaturado.Fontes das obrigaçõesFontes das obrigações são todos os atos jurídicos através dos quais nascem as obriga-

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ções. Essa matéria é essencialmente marcada pela construção da doutrina e dessa forma,há grande variação de entendimentos acerca de que elementos constituem fontes dasobrigações.

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FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs No Direito Romano, as fontes das obrigações eram identificadas como sendo compostas pelos seguintes elementos: os contratos, os quase contratos, os delitos e os quase-delitos. Ocódigo francês, por sua vez, reproduziu essa enumeração acrescentando o elemento lei. Essaclassificação não foi reproduzida na atual sistemática do direito das obrigações no ordena-mento jurídico pátrio.

 No atual Código Civil, são fontes das obrigações o contrato, os atos unilaterais e o atoilícito. O enriquecimento sem causa e o abuso de direito também são abordados, sendoequiparados aos atos ilícitos.Os contratos e as manifestações unilaterais de vontade são fontes das obrigações nasquais pode-se observar claramente a vontade humana como fonte direta.O ato ilícito provém de situações onde estão presentes ações ou omissões marcadas pela

culpa, seja culpa em sentido estrito, seja uma conduta dolosa. Deve-se observar a previsãono art. 186 do Código Civil ao dispor que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamen-te moral, comete ato ilícito.Por fim, destaque-se o grande dissenso acerca da consideração da lei como fonte dasobrigações. Em breve análise, pode-se dizer que todas as obrigações se balizam pela lei, não

 podendo confrontá-la, mas não necessariamente as obrigações surgiriam diretamente dela.A necessidade da prática de certos atos que surge por força da lei não é suficiente paraclassificá-la como fonte, mesmo porque, em regra, esses atos são deveres jurídicos e não

 propriamente obrigações. ________________________________________ Page 7373

FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 11: AS OBRIGAÇÕES NATURAIS E AS OBRIGAÇÕES PROPTER REMEmENtário dE tEmasObrigações civis – Obrigações naturais – Obrigações propter rem – ônus reais e obriga-ções propter rem.lEitura obriGatóriaLÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005; pp.105/111.lEituras comPlEmENtarEsARAÚJO, Bárbara Almeida de. “As obrigações propter rem”, in Gustavo TEPEDINO(org) Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar,2005; pp. 99/120.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, v. II. Rio de Janeiro: Fo-rense, 2004; p. 285/304.1. rotEiro dE aulaobrigações civisComo visto nas seções anteriores, a obrigação desdobra-se numa perspectiva dupla: por um lado o débito, caracterizado pela necessidade de realizar uma determinada prestação.Por outro, existe a garantia, que corresponde à prerrogativa do credor de se valer dos meioslegais no intuito de compelir o devedor a pagar. As obrigações dotadas desses elementosconstitutivos, são chamadas de perfeitas ou obrigações civis. Contrapõem-se às obrigaçõesnaturais – que, grosso modo, podem-se denominar de incompletas. Diferem ainda das obri-gações propter rem, que congregam elementos ora de direitos reais ora de obrigações civis.obrigações NaturaisO estudo das obrigações naturais é dotado de certos particularismos. Segundo a visãode alguns autores, elas se colocam num caminho intermediário entre o domínio moral eo campo jurídico. Não são de modo algum exclusivamente morais, pois fato inconteste é

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que o direito as confere não só efeitos, como também certa proteção jurídica – ainda queincompleta.De premente importância é verificar que a juridicidade da obrigação natural somentese manifesta no momento de seu cumprimento. Antes que esse ocorra, a obrigação natu-ral, não sendo dotada de coercibilidade, encontra-se em estado de latência. A exemplo dosdeveres morais, não pode ninguém demandar o seu cumprimento. Paradoxalmente, é no

adimplemento da obrigação – que corresponde concomitantemente ao momento de extin-ção – que surge a sua face jurídica. ________________________________________ Page 7474FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsComo já mencionado, as obrigações naturais são obrigações incompletas na medida emque apresentam como particularidade, o fato dos devedores não poderem ser judicialmentecompelidos a pagar. Não obstante, se forem cumpridas espontaneamente, será tido por váli-do o pagamento, que não poderá ser repetido (há retenção do pagamento, soluti retentio).

 Não há que se equiparar obrigação natural com obrigação moral, que sendo mero dever de consciência, não obtém tutela jurídica.

A distinção da obrigação natural em relação à obrigação civil está na não existência decoercibilidade por parte da primeira. Contudo, se o devedor, de forma livre e consciente,cumpre uma obrigação natural, o pagamento considera-se legal. O pagamento era devido,mas de cumprimento não coercível. Não há aqui que se falar em mover o Poder Judiciário

 para reaver o que houver sido pago porque esse pagamento era de fato devido.A legislação não aborda em profundidade o tema das obrigações naturais, competindo àdoutrina o estudo das suas características.

 No estudo do tema, surge de partida uma indagação: é repetível, isto é, pode o devedor  pedir de volta a quantia que tiver entregue, quando tal pagamento houver se operado comerro no que tange a coercibilidade dessa obrigação?Em outras palavras: o devedor, se soubesse da não coercibilidade característica das obri-gações naturais não teria pago; o fez por pensar que tratava-se de obrigação civil, que alémde ser juridicamente exigível, encontra no patrimônio do devedor a garantia do seu cumpri-

mento. Tendo cometido esse equívoco, pode repetir?A espontaneidade ou não do pagamento nesse caso é irrelevante. A obrigação naturalé exigível, embora não dotada de coatividade. Dessa forma, se o devedor a adimplir, esse

 pagamento é válido, não havendo o que se falar em repetição.A lei não minudencia os casos em que nos deparamos com obrigações naturais, estandoos mesmos esparsos na legislação. Grosso modo, podemos citar três casos onde se pode en-contrar obrigações naturais: dívida prescrita, dívida de jogo e juros não estipulados.Dívida Prescrita. Talvez seja a mais eloqüente das hipóteses de obrigação natural, sendocircunstância que se desenvolve desde os trabalhos do Direito Romano. Evitando dúvidas,o legislador manifesta expressamente o seu entendimento no art. 882 do CC, no qual operaequiparação entre dívida prescrita e obrigação natural:Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.

Dívida de Jogo. Segundo dispõe o art. 883 do Código Civil, não terá direito a repetir aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito ou não permitido pela legislação.Percebe-se aqui a expressa aplicação do princípio de que a ninguém é dado beneficiar-seda própria torpeza. Nesse sentido, a hipótese mais elucidativa é sem dúvida a de dívida de

 jogo. Não pode o devedor, nesse caso, ser obrigado ao pagamento, mas, uma vez o tendoefetuado, não pode o solvens recobrar o que voluntariamente foi pago, excepcionando-seno caso de dolo, ou se o prejudicado for menor ou interdito. Nesse sentido, o art. 814 doCódigo Civil:Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode re-cobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdenteé menor ou interdito.§ 1o Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconheci-mento, novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser opostaao terceiro de boa-fé.

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Page 7575FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs§ 2o O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibi-do, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos.

§ 3o Excetuam-se, igualmente, os prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor emcompetição de natureza esportiva, intelectual ou artística, desde que os interessados se sub-metam às prescrições legais e regulamentares.De acordo com a redação do caput do art. 814, pouco importa que o jogo seja lícitoou ilícito, pois em qualquer uma das hipóteses se estará diante de uma obrigação natural.Contudo, há que se ressalvar que a existência de jogos que são regulamentados ou autori-zados pelo próprio Estado. É o caso das loterias oficiais, o jogo semanal da loto e da loteriaesportiva, as apostas de turfe, entre outros. Assim, pode-se verificar a existência tanto de

 jogos proibidos, tolerados e autorizados.Os jogos autorizados são aqueles caracterizados pela regulamentação oficial, e não sãoabarcados pelo disposto no art. 814 caput. Se o próprio Estado regula a atividade, cria umaobrigação civil com toda a sua exigibilidade.Juros não estipulados. Sob a égide do antigo código, a obrigação de pagar juros não con-

vencionados era inexigível, e quando realizada, poderia ser retida. O atual código de 2002,em seu artigo 591, alterou a regra:Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, osquais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitidaa capitalização anual.Sendo assim, somente nos empréstimos sem fins econômicos o pagamento voluntário de

 juros não convencionados constituirá obrigação natural.obrigações propter remA distinção entre direitos reais e obrigacionais é um expediente que serve muito mais

 para fins teóricos do que para aplicação pratica dos profissionais jurídicos. Todavia, cumpreobservar que essas diferentes modalidades de direitos constantemente se relacionam. Nãosão universos de todo apartados e, nesse sentido, pode-se perceber situações onde o proprie-tário torna-se sujeito de obrigações somente por ser proprietário.

Um exemplo de obrigação propter rem é a necessidade de arcar com as despesas condo-miniais de imóveis, conforme dispositivo constante do artigo art. 1315 do Código Civil.59A obrigação se vincula àquele que detém a propriedade e não permanece com o mesmo nocaso, por exemplo, de alienação do bem. O novo proprietário é quem arcará com as cotasvincendas, inclusive com aquelas que mesmo vencidas ainda não foram pagas.Qualquer outro indivíduo que o suceda nessa posição de proprietário ou possuidor igualmente assumirá tal obrigação. Não obstante, o proprietário poderá liberar-se da obri-gação no momento em que abdicar da condição de proprietário.Analisando a etimologia da expressão propter rem percebe-se o conteúdo dessa obrigação:

 propter, como preposição significa “em razão de”, “em vista de”. Trata-se, pois, de uma obri-gação relacionada com a coisa (rem), uma obrigação que surge em vista dessa.A obrigação propter rem contraria a espécie regular de obrigações. Nas obrigações civis,os sucessores a título particular não substituem em regra o sucedido em seu passivo. Já nas

obrigações propter rem, o sucessor a título singular assume automaticamente as obrigaçõesdo sucedido, ainda que não saiba de sua existência. É o caso do adquirente de imóvel quedeve arcar com todas as taxas condominiais em mora.59 art. 1315 do código civil: Ocondômino é obrigado, na pro-

 porção de sua parte, a concorrer  para as despesas de conser-vação ou divisão da coisa, e asuportar os ônus a que estiver sujeita. Parágrafo único. Presu-mem-se iguais as partes ideaisdos condôminos.

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FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsÔnus reais e obrigações propter remDe forma sucinta, pode-se afirmar que o ônus real é um gravame que recai sobre deter-minada coisa, restringindo o direito de um titular de um direito real. Diferentemente dodever, no ônus não há a figura da coatividade, podendo a parte interessada praticar o ato ou

não, e nesse caso, sujeita-se a parte às suas conseqüências.Outras diferenças podem ser apontadas, dentre podem ser destacadas as seguintes:Ônus reaisObrigações propter rema responsabilidade pelo ônus real é limitadaao bem onerado, ao valor deste.na obrigação propter rem, o obrigadoresponde com seu patrimônio, sem limite.o ônus desaparece caso seja superado o seuobjeto.os efeitos da obrigação real podem

 permanecer, ainda que desaparecida a coisa.o ônus gera sempre uma prestação positiva.

Já a obrigação propter rem pode surgir comuma prestação negativa.2. QuEstão dE coNcursoConcurso para o cargo de Advogado do BNDES (2004)40. João Carlos, proprietário de um apartamento, não efetua o pagamento das presta-ções condominiais há pelo menos 3 (três) anos, o que já foi inclusive objeto de discus-são em algumas Assembléias. No entanto, antes que o condomínio praticasse qualquer ato relativo à cobrança das prestações em atraso, João alienou o imóvel a Maria Santos,sendo a escritura devidamente registrada no Registro Geral de Imóveis, para os devidosefeitos legais. Sabendo-se que, após um mês no apartamento, Maria foi citada em açãode cobrança proposta pelo condomínio, pode-se afirmar que:a) a cobrança em face de Maria não é legítima, apesar de se configurar obrigação prop-ter rem, pois todos os condôminos tinham ciência dos débitos antes da negociação

do imóvel; b) a inércia do condomínio enquanto João estava no imóvel operou a remissão da dívi-da;c) a prestação condominial é uma obrigação propter rem, sendo legítima a cobrançad) João pode efetuar o pagamento extrajudicial, e entrar com ação de regresso contraMaria;e) Maria não terá que pagar, pois o Código Civil de 2002 alterou a natureza da obriga-ção condominial, tornando-a obrigação intuitu personae.

 ________________________________________ Page 7777FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

AULA 12: CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES: OBRIGAÇÕES DE DAR,FAZER E NÃO-FAZER EmENtário dE tEmasClassificação das obrigações quanto ao objeto – Obrigação de dar e restituir coisa certa

 – Responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa na obrigação de dar coisa certa – Obrigações de fazer e não fazer lEitura obriGatóriaBIRENBAUM, Gustavo. “Classificação: Obrigações de dar, fazer e não fazer”, in Gus-tavo TEPEDINO (org) Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio deJaneiro: Renovar, 2005; pp. 121/146.lEituras comPlEmENtarEsLÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005; pp.112/133.TEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He-lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de

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Janeiro: Renovar, 2004; pp. 491/523.1. rotEiro dE aulaclassificação das obrigações quanto ao objetoTalvez a mais usual classificação das obrigações seja aquela que a divide em obrigaçõesde dar, fazer e não fazer. Trata-se de uma classificação que tem em foco o objeto da relaçãoobrigacional (prestação) para determinar o enquadramento de cada obrigação analisada.

 Na terminologia romana clássica, a prestação podia consistir num dare, num facere ouainda num praestare. O facere, que hoje equivaleria à obrigação de fazer, englobava em seuconceito o que atualmente se define como obrigação de não fazer.A obrigação de dar indica o dever de transferir ao credor alguma coisa ou alguma quantia. Aobrigação de fazer é aquela na qual o devedor se incumbe de praticar determinado ato, sendo essaação a prestação. O objeto da obrigação é a própria prestação, ou seja, a realização de uma ativi-dade. Por fim, na obrigação de não fazer, deve o devedor se abster da prática de um determinadoato. Essa é uma conduta omissiva, ou seja, uma abstenção de praticar determinado ato.As obrigações de dar e fazer são obrigações positivas, ao passo que as obrigações de nãofazer, marcadas pela necessidade de abstenção, são as obrigações negativas.obrigação de dar e restituir coisa certaA noção contida na obrigação de dar pode parecer bastante simples, pois consiste,em linhas gerais, na entrega de uma coisa. Contudo, há certos caracteres que devem ser 

 ________________________________________ Page 7878FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsressaltados, em especial, a distinção existente entre o nosso sistema jurídico e outrasopções legislativas estrangeiras.De acordo com a opção legislativa vigente, a obrigação de dar não importa na transfe-rência efetiva da coisa, mas apenas num comprometimento de sua entrega. Isso reflete umareminiscência do Direito Romano onde a obrigação de dar refletia apenas um crédito e nãoum direito real.É importante compreender que a obrigação de dar gera apenas um direito à coisa e nãoexatamente um direito real. No nosso sistema jurídico, para que se aperfeiçoe a proprieda-

de quando derivada de uma obrigação, mister se faz a transcrição do título no Registro deImóveis (quando se tratar de bem imóvel), ou a tradição60 da coisa (quando o bem objetoda prestação for móvel).

 No entanto, como lembra Silvio Venosa, as constantes reformas pelas quais passou osistema de direito processual pátrio constituíram um verdadeiro elenco de medidas constri-tivas para o adimplemento coercitivo de obrigações, como medidas cautelares, antecipaçõesde tutela, multas diárias ou periódicas, aproximando muito os efeitos de direito obrigacio-nal aos efeitos de direito real.61Em sistemas estrangeiros, como o italiano e o francês, a obrigação de dar cria por si sóum direito real, isto é, importa na transferência da propriedade.Como já pode ser constatado, o verbo “dar” deve ser entendido como o ato de entregar.Dar coisa certa é, portanto, entregar uma coisa determinada, perfeitamente caracterizada eindividuada, diferente de todas as demais da mesma espécie. Esse entendimento foi expres-

samente enunciado no art. 313 do atual Código Civil:Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, aindaque mais valiosa.Tendo em vista esse enunciado, verificamos que o credor não é obrigado a receber pres-tação outra que não a que lhe é devida. O fato dessa prestação, do bem oferecido ou do atoque se intenta realizar, ser ainda mais valioso, nada influi nessa faculdade do credor. Aindaque não estivesse expressamente previsto, esse princípio, segundo regras gerais do direito,seria plenamente aplicável.A obrigação de restituir se processa de forma semelhante, diferenciando-se pelo fato deque o credor receberá aquilo que já lhe pertence.O princípio da acessoriedade é plenamente aplicável às obrigações de dar coisa certa (art.233 CC) e deve ser entendido em conformidade com o artigo 237:Art. 233. A obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não menciona-dos, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso.Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos e acres-

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cidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.

 Nesse particular, a preocupação da lei abrange também os acessórios de natureza incor- pórea. Trata-se do exemplo no qual o alienante de uma determinada coisa responde pelaevicção da mesma.

60 O vocábulo tradição aqui éusado em sentido técnico-ju-rídico representando o ato deentregar a coisa, ato esse quesegundo nosso sistema jurídi-co, transfere a propriedade deum bem móvel.61 silvio Venosa. Direito Civil,v. 2. são Paulo: atlas, 2004;

 p. 83. ________________________________________ Page 7979

FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsresponsabilidade pela perda ou deterioração da coisa na obrigação de dar coisa certa

 No estudo da responsabilidade pelas hipóteses de perda ou deterioração da coisa, degrande relevância é precisar-se o momento da tradição da mesma.Perda é o desaparecimento completo da coisa para fins jurídicos. É o caso da destruição

 por incêndio ou a ocorrência de furto. Em suma, qualquer hipótese na qual se verifica aindisponibilidade completa do objeto na sua acepção patrimonial.O elemento mais importante no estudo da responsabilidade é a aferição da existência ounão de culpa por parte do devedor. Em todas as hipóteses em que o mesmo agir de algumaforma que implique em culpa de sua parte surgirá a necessidade de indenização por perdase danos.A perda da coisa antes da tradição está regulada no art. 234 do Código Civil, o qual

assim dispõe:Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, an-tes da tradição, ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as

 partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá este pelo equivalente e mais perdase danos.Se o bem se perde antes do momento aprazado para a entrega, como no exemplo do ca-valo que morre no pasto quando vitimado por um raio, há o fim da obrigação sem qualquer forma de ônus para as partes. Logicamente, se o bem destruído já tiver sido pago, ou tiver havido qualquer forma de adiantamento de valor, o mesmo deverá ser devolvido com a atu-alização monetária. Isso é corolário lógico do princípio que veda o enriquecimento ilícito.A parte final do art. 234 menciona que resultando a perda por culpa do devedor, respon-derá o mesmo pelo equivalente, mais perdas e danos. Nesse caso, deve-se ressaltar o dispostono art. 402 do CC.62

Voltando ao exemplo acima suscitado, se ao invés de vitimado por um raio o cavaloviesse a perecer por culpa do devedor, surgiria a necessidade do culpado pagar o valor doanimal acrescido de eventuais perdas e danos. Essas perdas e danos abarcariam o montantede prejuízo decorrente do não recebimento de bem por parte do credor. Esse prejuízo não

 pode enveredar pelo campo da abstração, mas, pelo contrário, deve ater-se ao prejuízo que pode efetivamente ser comprovado. Nesse sentido, poderia o credor alegar prejuízo pela im- possibilidade de utilizar o animal na função de reprodutor, na apresentação em exposições,ou na revenda do mesmo.obrigação de dar coisa incertaA obrigação de dar coisa incerta implica na entrega de quantidade de certo gênero, e nãona de uma coisa individualizada. O art. 243 do Código Civil, sobre o tema, esclarece que:Art. 243. A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela quantidade.Incerteza aqui não implica em indeterminação, mas sim, como alude o art. 243, numadeterminação feita de modo genérico. Como exemplo de entrega de coisa incerta, pode-secitar: a entrega de duzentos quilos de ouro, ou ainda de trezentos livros de direito civil, de

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mesmo título, do mesmo autor e da mesma edição.A obrigação de dar coisa incerta se caracteriza pela existência de um momento que ante-cede à entrega da coisa, momento esse denominado concentração. Ele corresponde à escolha62 O art. 402, que trata das per-das e danos, possui a seguinteredação: art. 402. salvo as

exceções expressamente pre-vistas em lei, as perdas e danosdevidas ao credor abrangem,além do que ele efetivamente

 perdeu, o que razoavelmentedeixou de lucrar.

 ________________________________________ Page 8080FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsda coisa que vai de ser entregue, e a partir dele a obrigação será regida pelas regras da obri-gação de dar coisa certa. Dessa forma podemos observar a transformação da obrigação de

dar coisa incerta, de caráter marcadamente genérico, em obrigação de dar coisa certa, que éuma obrigação específica.A obrigação de dar coisa incerta é, em tese, mais favorável ao devedor, uma vez que aobrigação corresponde a da entrega de uma coisa ou um conjunto delas tendo em vista o seugênero. O objeto das obrigações de dar coisa incerta é constituído por coisas fungíveis.Por outro lado, nas obrigações de dar coisa incerta, a responsabilidade quanto ao pere-cimento da coisa também será maior para o devedor: Enquanto na obrigação de dar coisacerta, a perda da coisa sem culpa do devedor deriva na resolução da obrigação, na obrigaçãode dar coisa incerta a prestação ainda será devida. A razão disso é a aplicação da regra genusnunquam perit (o gênero nunca perece antes da escolha). Essa regra é destacada no art. 246do Código Civil:Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa,ainda que por força maior ou caso fortuito.

Em relação à escolha, ou seja, o momento de concentração da obrigação, o art. 245dispõe que:Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.Em síntese: a obrigação de dar coisa incerta perdura até o momento de escolha. Até essemomento, a obrigação tinha em vista o gênero e a quantidade da coisa objeto da prestação.Depois da escolha, esse objeto é individuado, especificado. A obrigação transmuda-se parauma obrigação de dar coisa certa e, como tal, deve ser pautada pelas regras da seção ante-cedente.Ressalte-se que essa escolha da obrigação obedece a determinados critérios constantesdos artigos 244 e 245 do Código Civil. A faculdade de realizar a escolha deverá ser decidida

 pela convenção entre as partes, mas no silêncio destas, competirá ao devedor.As obrigações de dar coisa incerta têm por objeto coisas determinadas pelo gênero e pelaquantidade. Pode ocorrer, no entanto, que sendo essas coisas de existência restrita, toda a

espécie dentro da qual a obrigação esteja inserida venha a se extinguir. Nesse caso, não obs-tante a falta de previsão legal, a doutrina converge no sentido de dissolução da obrigaçãosem que o devedor seja responsabilizado por perdas e danos.obrigações de fazer e não fazer A obrigação de fazer importa numa atividade do devedor. O conteúdo dessa obrigaçãoé uma atividade, seja ela eminentemente física ou intelectual. Da mesma forma que a obri-gação de dar, trata-se de uma obrigação positiva.Essa obrigação de fazer pode ser contraída tendo em vista a figura do devedor, não seadmitindo que outro a realize. Isso se daria, por exemplo, quando o devedor fosse um artistafamoso e estivesse obrigado a pintar um quadro. Não prestaria o quadro de qualquer pessoa,mas sim o daquele artista que congrega características a ele inerentes.Essa regra redunda da dicção do art. 247 do Código Civil, que determina:Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a pres-tação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.

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Page 8181FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsEssas são as obrigações de fazer de natureza infungível, também conhecidas como intuitu

 personae. De acordo com elas, a obrigação é assumida tendo em vista a figura do devedor e

este não pode ser substituído. Essa impossibilidade deriva tanto da natureza da obrigação,como no exemplo do pintor do quadro, como da livre convenção das partes, quando mes-mo havendo outras pessoas que poderiam executar a mesma tarefa, acertam os contratantesno sentido da impossibilidade de substituição do devedor.

 Na ausência de convenção, compete analisar o caso concreto para se verificar a existênciaou não desse caráter intuitu personae.Em havendo impossibilidade da execução por terceiro de obrigação fungível, o art. 249enuncia a seguinte regra:Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização

 judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.A distinção entre as obrigações de dar e de fazer pode se mostrar, certas vezes, de difícil

apreciação. O critério mais usual é verificar se esse dar é ou não conseqüência direta daobrigação de fazer.Se o devedor deve previamente confeccionar o bem para então entregá-lo, está-se diantede uma obrigação de fazer. Se por outro lado, o ato de construção, anterior a entrega do

 bem, não fica a cargo do devedor, trata-se de uma obrigação de dar.A questão da coatividade no caso de inadimplemento não deixa de ser outro fator di-ferenciador. As obrigações de dar autorizam, em regra, a execução coativa, ao passo que omesmo não ocorre nas obrigações de fazer. Por conta de uma série de valores encampados

 pelo ordenamento, os indivíduos não podem ser compelidos a executar atividades contra-riamente a sua vontade. Não pode o Estado intervir diretamente compelindo o devedor a prestar, podendo valer-se somente de meios indiretos, como cominação de multa ou acondenação do devedor a arcar com perdas e danos.As obrigações de fazer podem então ser descumpridas atentando-se a três situações dis-

tintas:i) Quando a prestação se torna impossível, por culpa do devedor;ii) Quando a prestação se torna impossível, sem culpa do devedor; eiii) Quando o devedor se recusa ao cumprimento da obrigação.A dinâmica de cumprimento da obrigação assume novos contornos com as recentesalterações no código de processo civil, em especial as modificações que surgiram nos arts273 e 461 do CPC, e que colocam à disposição do juiz uma série de instrumentos voltadosà execução específica da obrigação assumida, como a cominação de multa diária em virtudedo descumprimento.As obrigações de não fazer são obrigações negativas. Segundo essas obrigações, o devedor se compromete a manter uma abstenção.O devedor se compromete a não praticar determinada atividade que, sob condiçõesnormais, não encontraria qualquer restrição. Vale destacar que a necessidade de licitude,

inerente a todos os negócios jurídicos, assume aqui uma dimensão particular: a obrigação denão fazer não pode atentar contra a liberdade individual. Dessa maneira, ilícita é a obriga-ção de não contrair matrimônio, de não gerar descendentes, de não professar determinadareligião.

 ________________________________________ Page 8282FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsComo exemplos de obrigações de não fazer podemos destacar a obrigação do vizinhoem não usar aparelhos sonoros em volume alto, de não bloquear servidão a imóvel, de nãosublocar, de não revelar segredo industrial, entre outros. Um exemplo bem interessante é acláusula de raio que consiste na estipulação entre vendedor e comprador, mediante a qual oalienante se compromete a não abrir negócio do mesmo ramo nas proximidades. Essa maté-ria será analisada na aula sobre o princípio da autonomia da vontade nos contratos.

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Vale ressaltar que é justamente a abstenção da prática de uma atividade, a qual de outraforma seria plenamente admissível, que representa o cumprimento dessa modalidade deobrigação. O devedor cumpre a obrigação a todo momento, sempre que pode executar aação especificada, mas não faz.O art. 250 determina uma hipótese de extinção desse tipo de obrigação, definindo que:Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe

torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar. Na hipótese aqui destacada o devedor dá ensejo à prática do ato pela impossibilidadede abster-se da conduta. Não há culpa na prática desse ato. Por outro lado, se a situação édiversa, e o devedor culposamente enseja a execução da ação a qual devia abster-se, deveráarcar com perdas e danos face ao credor.2. QuEstão dE coNcursoConcurso para o cargo de Advogado da BR Distribuidora (2005) – prova azul30. Quando se impossibilita a abstenção do fato, sem culpa do devedor, a obrigaçãoextingue-se. Tal hipótese ocorre nos casos de obrigação:a) de não fazer;

 b) de fazer;c) de dar coisa incerta;d) extintiva;

e) alternativa. ________________________________________ Page 8383FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 13: CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES: OBRIGAÇÕES INDIVISÍVEIS,SOLIDÁRIAS E ALTERNATIVASEmENtário dE tEmasObrigações Divisíveis e Indivisíveis – Pluralidade de Credores e Devedores – Indivisibi-lidade e Solidariedade – Solidariedade Ativa – Solidariedade Passiva – Obrigações Cumula-tivas e Alternativas – Concentração e cumprimento da obrigação alternativa – ObrigaçõesFacultativas – Obrigações Principais e Acessórias

lEitura obriGatóriaLÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005; pp.134/166.lEituras comPlEmENtarEsSAMPAIO DA CRUZ, Gisela. “Obrigações alternativas e com faculdade alternativa.Obrigações de meio e de resultado”, in Gustavo TEPEDINO (org) Obrigações: Estu-dos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; pp. 147/168.ZANGEROLAME, Flavia Maria. “Obrigações divisíveis e indivisíveis e obrigaçõessolidárias”, in Gustavo TEPEDINO (org) Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; pp. 181/210.1. rotEiro dE aulaobrigações divisíveis e indivisíveis

 Nem sempre as obrigações se apresentam de forma singularizada. Nas chamadas obriga-

ções complexas, por exemplo, pode-se identificar a pluralidade de credores ou de devedores,ou ainda a pluralidade de objetos da prestação.Ao qualificar as relações obrigacionais quanto à divisibilidade (divisíveis ou indivisíveis)deve-se ter em mente os seguintes critérios: (i) divisíveis são as obrigações passíveis de cum-

 primento fracionado; (ii) indivisíveis são as obrigações que só podem ser cumpridas em suaintegralidade.A noção de indivisibilidade se encontra na própria lei, expressa através do art. 258 doCódigo Civil:Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou umfato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada arazão determinante do negócio jurídico.Logicamente, considerado sob o aspecto material, tudo pode ser fracionado. Contu-do, na acepção jurídica, a obrigação é considerada divisível quando as partes fracionadasconservam as mesmas propriedades outrora encontradas no todo, notadamente o seu valor 

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Page 8484FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOseconômico. Em certa obrigação que foi dividida, o valor da soma de cada uma das fraçõesdeve ser semelhante ao valor do todo.

Imagine-se o seguinte exemplo: um cavalo é um bem indivisível e, portanto, a obrigaçãode entregar um determinado cavalo (obrigação de dar) também não pode ser fracionada; por outro lado, a obrigação de entregar duzentas sacas de arroz pode ser perfeitamente divi-dida. Nesse segundo exemplo, a entrega de cem sacas de cada vez não implicaria diminuiçãodo valor econômico atribuível ao todo.O exemplo do cavalo, suscitado acima, é um caso de indivisibilidade material. Decorreda própria natureza do objeto envolvido na prestação. Em outros casos, a indivisibilidade

 pode resultar de força da lei, sendo jurídica ou mesmo da convenção entre os contratantes,quando será convencional.A indivisibilidade jurídica pode se manifestar da seguinte forma: do ponto de vista fáti-co, todo imóvel é passível de fracionamento, mas a lei pode criar restrições de zoneamento

 proibindo que um imóvel seja dividido de forma a se alcançar metragem inferior a umdeterminado parâmetro.

Em outros casos, é a vontade das partes que pode tornar o objeto de uma prestação, quede início é perfeitamente divisível – como a obrigação de entregar uma tonelada de soja – em indivisível. Nesse caso, a vontade das partes se manifestou no sentido de que a obri-gação só poderá ser cumprida por inteiro. Essa possibilidade é enunciada, inclusive, atravésda redação do art. 314 do Código Civil, sendo decorrência lógica da noção de que o credor não é obrigado a receber de forma diversa do estipulado.Art. 314. Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou.A par das considerações aqui já traçadas, inclusive a da enunciação expressa da lei acercada noção de indivisibilidade, deve-se buscar auxílio nos artigos 87 e 88 do Código Civil

 para a definição precisa da idéia de indivisibilidade.Art. 87. Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância,diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam.

Art. 88. Os bens naturalmente divisíveis podem tornar-se indivisíveis por determinaçãoda lei ou por vontade das partes.O cerne do conceito de indivisibilidade reside na possibilidade ou impossibilidade defracionamento do objeto da prestação. Adicionalmente, não basta só essa consideraçãoquanto à viabilidade da divisão, mas se requer, igualmente, a visualização de uma pluralida-de de sujeitos, pois do contrário não haverá sentido em se realizar essa distinção.Pluralidade de credores e devedoresA pluralidade de devedores ou de credores é matéria tratada, inicialmente, no art. 257do Código Civil, da seguinte forma:Art. 257. Havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta

 presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores. Nesse dispositivo a lei opera a presunção de que a obrigação se divide quando se dá a pluralidade de agentes em um ou em ambos os pólos da relação. Quando, ao contrário,

 ________________________________________ Page 8585FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsverifica-se a existência de um só credor e um só devedor, tem-se a necessidade de que aobrigação se realize de uma só vez, excetuando-se os casos em que as partes acordaram o

 pagamento fracionado. Na pluralidade de devedores, quando a prestação for indivisível, isto é, quando não pu-der ser fracionada sob pena de se desnaturar o seu valor econômico, será manejada a solução

 prevista pelo art. 259, caput, do Código Civil:Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um seráobrigado pela dívida toda.Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em rela-ção aos outros coobrigados.

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O parágrafo único dispõe sobre situação que será pormenorizada mais adiante, no es-tudo dos efeitos da sub-rogação. Por ora, vale destacar que sub-rogação, nesse caso, é umexpediente jurídico mediante o qual o devedor que pagou assumirá a posição de credor emrelação aos demais devedores. Conforme será examinado mais adiante, a sub-rogação cons-titui uma das modalidades especiais de pagamento.

 Nesse caso de pluralidade no pólo passivo em obrigação cuja prestação é indivisível,

embora cada um dos devedores deva apenas fração da obrigação, a sua liberação está condi-cionada à entrega do todo. Na situação em que dois devedores comprometem-se a entregar um determinado veí-culo não é possível o fracionamento. Um deles entregará o veículo em sua totalidade, sub-rogando-se no direito de demandar do outro devedor o valor referente à parte desse devedor que não entregou diretamente o bem.Os devedores podem tanto ser responsáveis pela prestação em partes iguais ou em qualquer outra proporção fixada quando da pactuação do negócio jurídico. O negócio jurídico deve ser sempre examinado de modo a se identificar que parte compete a cada indivíduo na partição dadívida. Igual raciocínio deve ser empregado na abordagem do art. 261 do Código Civil.Adicionalmente, se ao contrário, a prestação indivisível for devida a uma pluralidade decredores, abrir-se-á a possibilidade de cada um deles demandar a integralidade da dívida.

 Nesse sentido, dispõem os arts. 260 e 261 do Código Civil:

Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira;mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando:I – a todos conjuntamente;II – a um, dando este caução de ratificação dos outros credores.Art. 261. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outrosassistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total.A obrigação é una e indivisível. O devedor paga por inteiro, dado que o fracionamentoimplicaria no perecimento da coisa. Pagará a um credor que igualmente se obriga a repassar aos outros o quinhão respectivo. Essa é a teleologia do art. 261. Aqui também deve se exa-minar o negócio jurídico para saber qual a parte que incumbe a cada credor, presumindo-sea partição eqüitativa no caso de omissão.Outra hipótese peculiar é o caso de remissão da dívida por parte de um dos credores. Elavem regulada pelo art. 262 CC:

Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com osoutros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente.

 ________________________________________ Page 8686FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsParágrafo único. O mesmo critério se observará no caso de transação, novação, compen-sação ou confusão.A remissão da dívida por parte de um credor significa que o mesmo abriu mão do seucumprimento. No entanto, quando a prestação é indivisível os demais credores não podemser prejudicados. Nesse caso, a dívida deve ser paga aos credores não remitentes, mas estes,ao exigi-la, devem descontar a quota remitida.

A conversão de uma obrigação em perdas e danos implica na perda do seu caráter deindivisível:Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos.§ 1o Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores, respon-derão todos por partes iguais.§ 2o Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas

 perdas e danos.Se a indenização tiver sido motivada por culpa imputável a todos os devedores, respon-derão eles por partes iguais (§1º). Por outro lado, se a culpa for de um só, apenas este res-

 ponderá por perdas e danos (§2º). Destaque-se, evidentemente, que pelo valor da prestaçãoresponderão todos.Outro ponto que merece destaque é a questão da prescrição. Ela aproveita a todos os de-vedores, mesmo que seja reconhecida a apenas um deles; da mesma forma, sua suspensão ouinterrupção aproveita ou prejudica a todos. Na mesma linha, certo é afirmar que qualquer ato defeituoso em relação a uma das partes danifica o ato com relação aos demais integrantes

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da relação obrigacional.indivisibilidade e solidariedadeHá necessidade de se esclarecer as principais distinções entre os institutos da indivisibi-lidade e da solidariedade, uma vez que existe, na prática, certa confusão sobre a sua identi-ficação e efeitos:OBRIGAÇÕES INDIVISÍVEIS

OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIASQuanto à causaa causa geralmente resulta da naturezada prestação. Pode, entretanto, resultar da convenção das partes.a causa reside no próprio título, no vínculo

 jurídico.Quanto à partedevidao demandado não é devedor do total,mas a natureza da prestação não admiteo cumprimento fracionado.o demandado é devedor do total.

derivações danaturezaa indivisibilidade geralmente é objetivana medida em que decorre na naturezada prestação.a regra é que a solidariedade seja subjetiva.É artifício jurídico para reforçar o vínculo efacilitar o adimplemento da obrigação.É de origem material.É de origem técnica. decorre da lei ou dotítulo constitutivo (art. 265).Conversão em

 perdas e danos

Quando se converte em perdas edanos, desaparece a característica deindivisibilidade (art. 263).Quando se converte em perdas e danos oatributo da solidariedade permanece.

 ________________________________________ Page 8787FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsobrigações solidáriasA solidariedade é um expediente de ordem técnica que tem por escopo reforçar o víncu-lo, facilitando o adimplemento da obrigação. Em linhas gerais implica na possibilidade de

reclamar a totalidade da prestação. Ela pode estar em qualquer um dos pólos da obrigaçãoe dessa forma, temos a solidariedade ativa – solidariedade de credores -, e a solidariedade

 passiva – solidariedade de devedores.A solidariedade não deriva da natureza das prestações, mas sim da vontade das partes ouda lei. Sendo assim, solidariedade não se presume. A sua caracterização deriva do dispostono art. 264 do Código Civil:Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, oumais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.

 Não se deve confundir solidariedade com certas situações em que dois ou mais agentesdevem arcar integralmente com a prestação. São exemplos disso: a responsabilidade con-comitante do condutor do veículo e de seu proprietário que respondem pela totalidade daindenização; os coobrigados nos títulos de crédito; a possibilidade de demandar tanto doautor do incêndio como da seguradora.Esses são exemplos das chamadas obrigações in solidum, que possuem como característi-cas gerais: (i) a independência dos liames que unem os devedores ao credor – o que implica

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independência no que toca à prescrição; (ii) o fato de interpelar um dos devedores nãoimplica na constituição em mora dos outros; (iii) a remissão de dívida feita não aproveitaaos outros devedores; (iv) nas obrigações in solidum, os valores devidos por cada devedor 

 podem ser diferentes (caso da seguradora que está obrigada a suportar apenas até o limitedo valor segurado).Inegavelmente, a idéia mais relevante é independência entre os motivos constitutivos do

vínculo (liames). Como corolário dessa constatação, pode-se identificar as outras caracte-rísticas.Conforme o observado, nas obrigações solidárias destacam-se duas características pre-

 ponderantes: (i) unidade de prestação; (ii) pluralidade e independência do vínculo.A prestação é uma só, é a mesma para todos os devedores. No caso da solidariedade

 passiva (de devedores), todos, por força de convenção ou da lei, podem ser demandados pelo todo. Como devem apenas uma cota-parte, ao arcarem com a totalidade do débito,sub-rogam-se na posição do credor.A mesma lógica segue a solidariedade ativa (de credores). Ela é também instituída le-galmente ou mediante acordo, podendo qualquer dos credores receber o todo, devendo,

 posteriormente, distribuir aos demais credores o quinhão respectivo.Essas são as linhas gerais da solidariedade. A prestação é única, é a mesma para todos,embora o quantum realmente devido represente apenas uma fração dessa prestação. A soli-

dariedade, que deriva da lei ou da anuência entre as partes, só é possível na medida em quehaja pluralidade de vínculos e independência entre os mesmos.A pluralidade de vínculos pode ter, como conseqüências, a oposição de elementos aci-dentais (condição, termo ou encargo) para apenas um ou alguns dos devedores (art. 266 doCódigo Civil).Ainda, outro efeito que se pode destacar é que se um dos vínculos for marcado pela in-validade, por conta da incapacidade de um dos credores, não há que se falar que os demaisvínculos estejam maculados.O art. 265 do Código Civil afirma que:

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TEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsArt. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.Esse enunciado proclama o caráter de exceção das obrigações solidárias ficando elas res-tritas às previsões da lei ou do pacto entre as partes. Não existindo essa previsão, manifestade forma expressa, há de prevalecer presunção de não existência da solidariedade.Havendo dúvidas, a interpretação deve se dar a favor dos devedores, implicando logica-mente na inexistência de solidariedade, visto que se trata de expediente benéfico ao credor,na medida em que maximiza as possibilidades de recebimento da prestação.A solidariedade não pode ser resultante da sentença. Não obstante a célebre frase, oriun-da de brocardo latino, de que a sentença faz lei entre as partes, a mesma se limita a declarar o direito das partes não podendo instituir solidariedade – que não esteja prevista em lei oucontrato. Nada obsta, entretanto, que surja uma obrigação in solidum.

 No que toca ao ônus probatório, compete a quem alega a solidariedade provar a sua

existência – excetuando-se os casos de solidariedade legal.solidariedade ativaÉ aquela em que se verifica a existência de mais de um credor, sendo facultado a cada umdeles cobrar a dívida por inteiro. Do pondo de vista prático, a sua importância é reduzida,limitando-se a servir de mandato para o recebimento de crédito comum. Os exemplos são(i) a abertura de conta corrente bancária em nome de duas ou mais pessoas, com a facul-dade de operarem separadamente, ou (ii) o aluguel de cofres de segurança, contanto que omesmo possa ser aberto por qualquer um dos titulares.Apesar de menos comum, essa modalidade de obrigação representa algumas vantagens,

 pois os credores solidários podem exigir, individualmente, a totalidade da dívida (art. 267);e cada um dos devedores – havendo pluralidade nesse pólo da relação jurídica – desincum-

 be-se ao pagar a qualquer dos credores.Há uma clara facilitação no pagamento nesse expediente (art. 269). Esse mesmo dado,sob outra perspectiva, pode representar um inconveniente, na medida em o credor querecebe a prestação libera o devedor, dando-lhe quitação. Os outros credores terão agora que

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se entender com esse devedor que recebeu o pagamento. Essa matéria encontra-se reguladanos arts 267 a 274 do Código Civil.Quando se está diante de uma situação de solidariedade ativa, a constituição em morafeita por um dos co-credores aproveita a todos os demais.Por outro lado, quando é o credor solidário constituído em mora, todos os demais cre-dores serão atingidos pelos efeitos dela resultantes. O devedor se apresenta portando o pa-

gamento, nas condições estabelecidas, e o oferece ao credor que se recusa a recebê-lo. Essecredor, ao ser constituído em mora, estenderá aos demais a necessidade de arcar com juros,riscos de deterioração da coisa, bem como quaisquer outros efeitos próprios da mora.De maneira semelhante ao que ocorre com a constituição em mora do devedor, a inter-rupção da prescrição feita por apenas um dos credores também beneficia os outros. Essa é aregra do art. 204, § 1º do Código Civil:Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; seme-lhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aosdemais coobrigados.§ 1o A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como ainterrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.

 ________________________________________ Page 89

89FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsA suspensão da prescrição, por sua vez, beneficiará os demais credores solidários apenasno caso da obrigação ser indivisível. Essa regra encontra-se definida no art. 201 CC. Ainda,se um dos devedores renunciar à prescrição da obrigação em face de um dos credores, essarenúncia aproveitará a todos os demais.

 No pagamento da obrigação solidária, pertinente é a regra do art. 268 CC, que defineque o devedor (ou devedores) no caso de solidariedade ativa, deve pagar àquele que primeirolhe demandar. A faculdade de escolher a quem realizar o pagamento perdura até que algumdos credores cobre a dívida.Art. 268. Enquanto alguns dos credores solidários não demandarem o devedor comum, aqualquer daqueles poderá este pagar.

O art. 271 do Código Civil trata da conversão da obrigação em perdas e danos. Deter-mina que a solidariedade subsista ainda que a obrigação seja convertida em perdas e danos,que é uma prestação essencialmente divisível.Art. 271. Convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os efeitos,a solidariedade.Logicamente, o credor que recebe o pagamento de modo integral torna-se obrigado a

 prestar contas aos demais, repassando-os o valor que compete a cada um deles (art. 272 doCódigo Civil).solidariedade PassivaComo visto, solidariedade passiva é aquela que obriga todos os devedores ao pagamentototal da dívida. Apresenta uma importância bem mais considerável do que a solidariedadeativa, em especial devido ao seu caráter de reforço ao vínculo jurídico.O risco de insatisfação do credor é reduzido de forma significativa, visto que o inadim-

 plemento ocorreria apenas na hipótese de todos os devedores tornarem-se insolventes.O art. 277 do Código Civil trata do pagamento parcial e da remissão de dívida:Art. 277. O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida nãoaproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga ou relevada.Se o credor já obteve satisfação parcial da dívida, não há razão para exigir dos demais ocumprimento integral da mesma. Esse pagamento parcial foi condicionado à concordânciado credor, que aceitou, definitiva ou momentaneamente, receber apenas parte do que teriadireito. Nesse caso, os demais devedores são apenas obrigados a pagar o saldo e não mais aobrigação em sua integralidade.A remissão de dívida se processa da mesma forma, pois o perdão concedido a um dosdevedores não desonera aos demais, que continuam vinculados pela obrigação. A diferençaé que o montante agora devido será referente à exclusão ao valor inicial menos o quantumremitido.Se um devedor solidário estabelece, sem a concordância dos demais, alguma nova obriga-ção desvantajosa, poderá apenas ele ficar por ela obrigado. O art. 278 dispõe expressamente

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acerca dessa vedação à oneração dos demais devedores sem o consentimento dos mesmos. No que concerne à extinção da obrigação solidária, pode-se observar as seguintes situa-ções: (i) na extinção da obrigação sem culpa dos devedores, a dívida será extinta para todos;

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FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs(ii) quando algum dos devedores incorre em culpa, a regra do art. 279 determina a perma-nência para os demais do encargo de pagar o equivalente, sendo que as perdas e danos serãoatribuição do culpado:Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, sub-siste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde oculpado.Da mesma forma, se a impossibilidade de realizar essa prestação foi verificada quando odevedor já era moroso, ele responderá pelo risco, sendo essa dicção encontrada também noart. 399 do Código Civil. Nesse sentido, pertinente ainda é examinar a regra do art. 280do CC:Art. 280. Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido

 proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação acrescida.Destaque-se ainda a questão das exceções. O art. 281 dispõe sobre a solução adotada:Art. 281. O devedor demandado pode opor ao credor as exceções que lhe forem pessoaise as comuns a todos; não lhe aproveitando as exceções pessoais a outro co-devedor.Tudo o que for referente à obrigação demandada poderá ser alegado por qualquer umdos devedores. Será possível que qualquer dos devedores levante, por exemplo, a questão dainexistência ou invalidade da obrigação, alguma vedação da lei a que ela se opere, ou mesmoa prescrição da mesma. Essas são defesas referentes a obrigação em si, e não relacionadascom algum devedor especificadamente considerado. Dessa maneira, as exceções gerais po-dem ser alegadas por qualquer dos devedores.As exceções que forem particulares, denominadas de pessoais, próprias a um só dos deve-dores, não poderão ser alegadas pelos demais.obrigações cumulativas e alternativas

 Nas obrigações conjuntivas ou cumulativas, como é fácil aferir pelo seu nome, mais deuma prestação é devida de forma cumulada. O credor tem o poder de exigir o cumprimentode todas elas, na medida em que todas são devidas.Deve-se destacar a inexistência de um regime legal particularizado às obrigações de ob-

 jeto conjunto. As mesmas devem ser regidas pelos princípios gerais que norteiam o direitodas obrigações.Para melhor compreender a dinâmica da obrigação em questão, cumpre ter em menteque o objeto composto que ela prevê vem destacado pela partícula aditiva e. Dessa forma,um exemplo de obrigação conjunta é a de entregar um carro e uma casa. A prestação é con-

 junta, congregando aqui a obrigação de dar duas coisas.Por outro lado, nas obrigações alternativas (ou disjuntivas) ao devedor compete a entregade uma das coisas objeto da obrigação. O objeto não é único, mas o devedor se desobrigaentregando um deles.

Diferentemente das obrigações cumulativas, essa modalidade de obrigação é dotada deum regime especial que corresponde aos arts. 252 a 256 do Código Civil. O objeto daobrigação aqui é ligado pela partícula ou: devemos um carro ou uma casa. Apenas uma dasobrigações é devida.

 ________________________________________ Page 9191FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsconcentração e cumprimento da obrigação alternativa

 No cumprimento das obrigações alternativas, é importante notar que o objeto, que é ini-cialmente é múltiplo, se torna individualizado num momento posterior. Após esse momen-to da individualização, a obrigação, outrora alternativa, se processa de forma semelhante auma obrigação simples.Adicionalmente, existe a outra dúvida: a quem compete a escolha da obrigação devida?

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Ordinariamente, a escolha compete ao devedor, estando esse entendimento consubstancia-do no art. 252, caput, mas nada obsta que o acordo de vontades entre as partes pode reservar essa faculdade para o credor. Aliás, o art. 252 do Código Civil baliza as regras referentes ao

 pagamento de obrigações alternativas.Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não seestipulou.

Caso se verifique dúvida na definição de a quem compete a escolha da obrigação, a mes-ma deve ser solucionada no sentido de favorecer o devedor. Essa é a regra geral, e ainda noscasos de dúvida, deve-se beneficiar o devedor.obrigações FacultativasO ordenamento pátrio, seguindo o exemplo da maioria das legislações estrangeiras, nãose ocupa das obrigações facultativas. A obrigação facultativa tem por objeto apenas uma

 prestação principal, no entanto possibilita a liberação do devedor uma vez que ele efetue o pagamento de outra prestação prevista em caráter subsidiário.Como exemplo pode-se ilustrar a seguinte situação: um comerciante acordou na entregade vinte caixas de laticínios, mas o contrato lhe possibilita liberar-se da obrigação mediantea entrega de cinquenta quilos de café. A obrigação principal é aquela inicialmente acordada,a primeira, qual seja, a entrega das caixas de laticínios. A prestação subsidiária tem, contudo,o condão de desincumbir o devedor.

obrigações Principais e acessóriasO artigo 92 do Código Civil enuncia a relação de acessoriedade entre os bens:Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquelecuja existência supõe a do principal.Para o direito obrigacional, transporta-se essa noção relativa aos bens, havendo assim,obrigações que nascem e existem de per se, mostrando absoluta independência em relação aoutras. Não obstante, há obrigações que se apresentam agregadas, em estado de vinculaçãoa essas obrigações principais, sendo taxadas por isso de obrigações acessórias. Sua existênciaestá ligada à própria existência das obrigações principais, ou seja, extinguindo-se uma obri-gação principal, perecem consequentemente aquelas que lhe gravitam.Em síntese, principal é aquela obrigação dotada de existência autônoma, independendode qualquer outra. Já as obrigações acessórias são aquelas que não tem existência em si, de-

 pendendo de outra a que adere ou cuja sorte depende.

A relação entre obrigações acessórias e principais pode tanto decorrer da vontadedas partes como da lei. Não há necessidade de nascimento concomitante, podendo as

 ________________________________________ Page 9292FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsobrigações acessórias serem constituídas supervenientemente e ainda em instrumentos

 jurídicos distintos. As obrigações acessórias podem ser referentes ao objeto ou decorren-tes de situações subjetivas, e ainda derivar da previsão legal ou da convenção entre as

 partes.Como exemplos de obrigações acessórias pode-se mencionar os direitos de garantiacomo a fiança, (garantia pessoal) e o penhor e a hipoteca (garantias reais). As obrigações

 principais subsistem com perfeição ainda que essas figuras sejam dissolvidas. Mas não existerazão numa fiança ou numa garantia de qualquer outra natureza, se não houver uma obri-gação principal que lhe dê sentido, portanto, as obrigações acessórias perecem quando daausência de uma obrigação principal.A relação de dependência estabelecida entre acessória e principal produz grande gama deefeitos jurídicos, sendo eles decorrência da regra geral acessorium sequitur principale.Por fim, temos que obrigações acessórias não se confundem com cláusula acessória. Nes-se sentido, cumpre transcrever a lição de Caio Mário:“Há, contudo, distinguir “cláusula acessória” de “obrigação acessória”, em que a primeira

 pressupõe um acréscimo, sem a criação de obrigação diversa. Assim, se num contrato prelimi-nar de compra e venda as partes estipulam a sua irretratabilidade, inserem uma cláusula queé acessória, por não fazer parte da natureza da promessa aquela qualidade, mas não constituiuma obrigação acessória, porque não implica uma obligatio a mais, aderente ao contrato, àqual o devedor esteja sujeito. Ocorre uma qualificação da mesma obrigação do promitente-vendedor e do promitente comprador. A distinção aqui feita não é meramente acadêmica,

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 pois que a toma, em outro sentido, Alfredo Colmo, para mostrar que as cláusulas acessóriasquando ilícitas carreiam a nulidade do direito principal, o que não é verdade quanto às obri-gações acessórias, cuja ineficácia deixa incólume a principal.”632. caso GErador Bernardo, Eduardo e Ricardo são três criadores de cavalos no interior de São Paulo. Em-

 bora trabalhem separadamente, o intercâmbio de cavalos entre as suas respectivas fazendas é

intenso, sendo comum que dois, ou até mesmo os três, façam negócios em conjunto. No início do ano, Luís, experiente investidor em leilões de bovinos e cavalos, procu-rou os três em busca de renovação do seu plantel de cavalos. Empolgado com a qualidadeapresentada pelos cavalos dos três criadores, e buscando se assegurar de que receberia um

 bom cavalo ao final do negócio, Luis resolve propor aos três criadores o seguinte contratode compra e venda: pelo preço de R$ 60.000,00, Bernardo, Eduardo e Ricardo deveriamentregar a Luis, até o final do ano, uma das crias do cavalo Itajara, campeão de diversos tor-neios, o qual era criado na fazenda de Bernardo, mas de propriedade dos três criadores.Com base no caso acima, responda:i) Tendo algumas das crias de Itajara nascido com doença que não inviabiliza a vidacotidiana, mas veda as suas participações em corridas e competições que exijam demais doanimal, podem os criadores entregar uma dessas crias como cumprimento do pactuado?Justifique com base na legislação pertinente.

ii) E se todas as crias de Itajara tivessem nascido com a referida doença? Poderia Luissimplesmente resolver a obrigação, desonerando assim os criadores?iii) E se apenas uma cria sobreviveu ao parto da égua reprodutora e justamente essa criavem também a falecer por culpa de um empregado de Bernardo, que alimentou o animalcom ração fortificadora cuja validade havia expirado? Pode Luis ingressar judicialmente 63 Idem. Pg. 122

 ________________________________________ Page 9393FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOscontra Ricardo para cobrar o equivalente ao valor do cavalo, pago no momento da contra-tação? E as eventuais perdas e danos?3. QuEstõEs dE coNcurso

25º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase5. Sabe-se que na solidariedade passiva, a relação interna rege-se pelo princípio de queo devedor que paga a integralidade do débito tem direito de regresso contra os demais

 para haver, de cada qual, a parte que pagou além do que pessoalmente devia. Diantedesta assertiva, explique o disposto no artigo 285 do Código Civil. Fundamente a res-

 posta e apresente um exemplo concreto.126º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase23. Antonio obrigou-se a entregar a Benedito, Carlos, Dario e Ernesto um touro re-

 produtor, avaliado em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Embora bem guardado e bemtratado em lugar apropriado, foi esse animal atingido por um raio, vindo a morrer.

 Nesse caso, a obrigação é:a) indivisível e tornou-se divisível, com o perecimento do objeto por culpa do devedor;

 b) tão somente indivisível, com ausência de culpa do devedor, ante o perecimento do

objeto;c) solidária, devendo o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) ser entregue a qual-quer dos credores, em lugar do objeto perecido;d) indivisível e tornou-se divisível com o perecimento do objeto, sem culpa do deve-dor.24. É correto afirmar quea) as dívidas de jogo ou de aposta obrigam a pagamento, quando cobradas pelo credor;

 b) o fiador, ainda que solidário, ficará desobrigado se o credor conceder moratória aodevedor, sem o consentimento do mesmo fiador;c) não é admissível, na transação, a pena convencional (ou multa);d) aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a reem-

 bolsar/restituir tão somente o que auferiu indevidamente.123º Exame da Ordem – OAB/Sp – 1ª fase22. “A” e “B” obrigaram-se a entregar a “C” e “D” um boi de raça, que fugiu por ter sido deixada aberta a porteira, por descuido de “X”, funcionário de “A” e “B”. Pode-se

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dizer que a obrigação é:a) indivisível, que se tornou divisível pela perda do objeto da prestação, com responsa-

 bilidade dos devedores “A” e “B”, pela culpa de “X”, seu funcionário; b) solidária, com responsabilidade dos devedores “A” e “B”, por culpa de seu funcioná-rio, ante a perda do objeto da obrigação;c) indivisível, tornando-se divisível com o perecimento do objeto, sem culpa dos deve-

dores “A” e “B” e sem responsabilidade destes;d) simplesmente, divisível com o perecimento do objeto da prestação, respondendoobjetivamente “A” e “B” pela culpa de seu empregado “X”.

 ________________________________________ Page 9494FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs121º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase28. “A”, “B” e “C” são devedores solidários de “D” pela quantia de R$ 60.000,00. “D”renuncia à solidariedade em favor de “A”. Com isso:a) “D” perde o direito de exigir de “A” prestação acima de sua parte no débito, isto é R$20.000,00. “B” e “C” responderão solidariamente por R$ 40.000,00, abatendo da

dívida inicial de R$ 60.000,00 a quota de “A”. Assim os R$ 20.000,00 restantes só poderão ser reclamados daquele que se beneficiou com a renúncia da solidariedade; b) “D” pode cobrar de “A” uma prestação acima de R$ 20.000,00; “B” e “C” respon-derão solidariamente pelos R$ 60.000,00;c) “D” perde o direito de exigir de “A” prestação acima de sua parte no débito e “B” e“C” continuarão respondendo solidariamente pelos R$ 60.000,00;d) “A”, “B” e “C” passarão a responder, ante a renúncia da solidariedade, apenas por sua parte no débito, ou seja, cada um deverá pagar a “D” R$ 20.000,00.120º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase29. É um dos efeitos jurídicos da solidariedade ativa, na relação entre co-credores e deve-dor:a) a interrupção da prescrição, requerida por um co-credor, estender-se-á a todos, pror-rogando-se, assim, a existência da ação correspondente ao direito creditório;

 b) o credor que remitir a dívida responderá aos outros pela parte que lhes caiba;c) o pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida nãoaproveitarão aos demais, senão até a concorrência da quantia paga ou relevada;d) o devedor culpado pelos juros de mora responderá aos outros pela obrigação acres-cida.

 ________________________________________ Page 9595FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 14: PAGAMENTO: LUGAR, TEMPO E PROVAEmENtário dE tEmasPagamento. Extinção Normal das Obrigações – Natureza Jurídica do Pagamento – O

solvens – O Accipiens – Credor putativo – Pagamento feito ao inibido de receber – Objetodo pagamento e sua prova.lEitura obriGatóriaALEIXO, Celso Quintella. “Pagamento”, in Gustavo TEPEDINO (org) Obriga-ções: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; pp.275/302.lEituras comPlEmENtarEsLÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005; pp.187/222.TEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He-lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; pp. 589/626.1. rotEiro dE aulaPagamento. Extinção Normal das obrigaçõesAs obrigações, como visto, têm caráter de efemeridade, pois são fadadas ao seu exauri-

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mento, ou melhor, à sua realização. Nesse sentido, o pagamento é o meio normal de suaextinção. O desfecho natural da obrigação é o seu cumprimento.A noção de pagamento pode se traduzir em mais de um conceito: em sentido estrito emais comum, a prestação de dinheiro; em senso preciso, a entrega da res debita, qualquer que seja esta; e numa acepção mais geral, qualquer forma de liberação do devedor, com ousem prestação.64

Observa-se que o termo pagamento, em sentido geral, representa toda a forma de cum- primento da obrigação. Isso remete à velha noção de solutio que era prevista no DireitoRomano. No Código Civil, essa é a noção enunciada nos arts. 304 e seguintes.Essa noção de pagamento deve ser transposta às obrigações de dar, fazer e não fazer.Paga-se na compra e venda, quando se entrega a coisa vendida. Paga-se na obrigaçãode fazer, quando se termina a obra ou atividade encomendada. Paga-se na obrigação denão fazer, quando o devedor se abstém de praticar o fato, por um tempo mais ou menoslongo.O pagamento pode assumir a forma de um negócio bilateral, e nesse sentido, verifica-sea existência de obrigações recíprocas, havendo o dever de pagar para ambas as partes. É oexaminado na compra e venda, onde simultaneamente cabe ao devedor pagar pelo bem aquantia estipulada e ao vendedor entregar a coisa.64 caio Mário da silva Pereira.

Instituições de Direito Civil, v. II.Rio de Janeiro: Forense: 2004; p. 167. ________________________________________ Page 9696FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsConforme se observará mais adiante, há formas especiais de cumprimento das obriga-ções, muitas delas enveredando pela tutela jurisdicional.Casos há, em que dada a impossibilidade de cumprir a obrigação, não existe por conse-guinte a possibilidade de cumprir o pagamento. Isso pode ou não resultar de culpa do de-vedor. Se ocorrer sem culpa do mesmo, a obrigação segue o caminho da extinção; por outro

lado, se o devedor concorre com culpa para a impossibilidade de pagar, deverá responder  por perdas e danos. Aqui vale destacar que essa indenização pela inexecução da prestaçãonão tem natureza de pagamento, embora o substitua.

 Natureza Jurídica do PagamentoPercebe-se que o pagamento pode assumir diversas feições sendo justamente por contadesse fato que surge a dificuldade na caracterização de sua natureza jurídica.É complexo tentar instituir uma natureza única para o pagamento. Divergem os autores,havendo quem o qualifique como fato jurídico, como outros que asseveram o seu teor negocial(negócio jurídico). Para essa última corrente, o fundamento principal reside no fato de que o

 pagamento não é um simples acontecimento, mas é também marcado por um forte elemento psíquico – o animus solvendi -, sem o qual, seria confundido com uma simples liberalidade.65Caio Mário da Silva Pereira se filia a corrente de que o pagamento seria negócio jurídicoquando o direito de crédito versasse sobre uma prestação que tenha caráter negocial. Quan-

do esse elemento fosse inexistente, estar-se-ia diante de mero fato jurídico.A importância da definição da natureza jurídica do pagamento não é em verdade meraelucubração teórica. Considerar o pagamento como sendo negócio jurídico, sob a perspec-tiva prática, significa considerá-lo sob o enfoque de seus elementos constitutivos e requisitosde validade e eficácia, isto é, o exame será mais rigoroso, podendo o mesmo ser qualificadocomo inexistente, nulo ou anulável. Corporifica-se no negócio jurídico um rigor muitomaior do que o observado caso o pagamento seja reputado como simples fato jurídico.o solvensEm regra, quem é obrigado a pagar é o devedor, mas isso não exclui a possibilidade deque terceiros o façam.

 No estudo do pagamento, este não deve ser visualizado somente sob a ótica de uma atua-ção por parte do devedor. Deve-se ter em mente que efetuar o pagamento em conformidadecom as condições acordadas pelas partes é também um direito do devedor, na medida emque se não o faz, torna sua obrigação em regra ainda mais onerosa. E nesse sentido a leiinclusive dota o devedor de instrumentos legais que garantam o seu direito de adimplir a

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obrigação.A previsão para que terceiros saldem a obrigação encontra-se no art. 304 do CódigoCivil. Excetuam-se, por força da lógica, as obrigações personalíssimas, isto é, aquelas obri-gações onde a figurado devedor é primordial para o próprio cumprimento da obrigação:Art. 304. Qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor seopuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor.

Parágrafo único. Igual direito cabe ao terceiro não interessado, se o fizer em nome e àconta do devedor, salvo oposição deste.Um exemplo de interessado é o fiador. Interessado poderia ser concebido aqui comoum termo genérico que abarca aqueles que seriam de alguma forma atingidos pelos efeitos65 caio Mário da silva Pereira.Instituições de Direito Civil, v. II.Rio de Janeiro: Forense: 2004;

 p. 168. ________________________________________ Page 9797FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

 jurídicos que se desdobram dessa relação jurídica em curso. Se o devedor não paga, compe-tirá ao fiador, por força de contrato, fazê-lo. Do inadimplemento perpetrado pelo devedor  podem sobrevir novos encargos, como juros, multas contratuais diversas, entre outros quetornariam mais gravosa a obrigação. No intuito de preservar o seu patrimônio, o fiador seantecipa e efetua o pagamento, minorando efeitos que se estenderiam sobre a sua própriaórbita.

 Nessa hipótese de terceiro interessado, não pode o credor recusar o recebimento da pres-tação. O parágrafo único do art. 304 acrescenta que o terceiro não interessado tem o mesmodireito de pagar, “se o fizer em nome e por cota do devedor”.O caso clássico levantado em obras doutrinárias é o do pai que paga dívida do filho. Ointeresse aqui extrapola o campo jurídico e enveredada pelo campo moral, altruístico. Nãohá necessidade de anuência nem do credor, nem do devedor.66Diferentemente dessa primeira hipótese, pode o terceiro não interessado pagar a obriga-

ção fazendo-o não em nome do devedor, mas em seu próprio nome. Nesse caso, terá o direi-to de reembolsar-se do valor pago, mas não haverá sub-rogação nos direitos do credor.67A vedação dessa sub-rogação decorre da proteção a que a lei confere ao devedor,quem inclusive pode ver a sua situação agravada pelo pagamento em tais condições. Esseadimplemento feito por terceiro não interessado pode ter fins especulativos, tornandomais onerosa a prestação do devedor, ou pode colocá-lo em situação de constrangimentomoral.Por outro lado, sendo o credor interessado quem paga o débito, haverá sub-rogação emtodos os direitos de crédito, conforme o disposto no art. 346 do Código Civil:Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:I – do credor que paga a dívida do devedor comum;II – do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como doterceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;

III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, notodo ou em parte.Surge ainda outra hipótese: o devedor possui justo motivo para não pagar a dívida, masnão obstante, o terceiro interessado não só a paga, como ainda o faz em adiantamento, istoé, antes do vencimento da mesma.Para exemplificar a existência desse justo motivo, pode-se destacar as seguintes situações:uma dívida prescrita; uma obrigação oriunda de negócio jurídico anulável; a possibilidadede alegar exceção do contrato não cumprido. O atual Código Civil prevê a solução dessaquestão no art. 306:Art. 306. O pagamento feito por terceiro, com desconhecimento ou oposição do devedor,não obriga a reembolsar aquele que pagou, se o devedor tinha meios para ilidir a ação.

 Nesse sentido, deve-se ressaltar que o motivo da oposição levantada pelo devedor deveser justa. O terceiro que paga a obrigação (terceiro solvens), deve ter conhecimento dessaoposição, e caso decida prosseguir com o pagamento, o fará assumindo o risco expressonesse dispositivo, qual seja, o de nada receber na hipótese do devedor possuir meios para

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elidir a ação contra o credor.Outra situação é quando o terceiro paga sem que o devedor tome conhecimento, sendoque este tinha motivo justo para não fazê-lo. Se o terceiro pagou mal, só poderá buscar oreembolso do devedor até o montante em que este pagamento o aproveitou.66 conforme será examinadomais adiante na figura da

consignação em Pagamento,modalidade especial de paga-mento, onde o devedor, dianteda recusa do credor em receber o pagamento, deposita o mes-mo em juízo, é possível ao ter-ceiro não interessado se valer dessa forma de pagamento.67 O termo sub-rogação já foiexaminado por ocasião dasobrigações solidárias e seránovamente abordado de for-ma mais completa adiante.

sub-rogar-se significa assumir a posição na relação jurídica, edessa forma, no caso em tela,a lei veda que o terceiro nãointeressado que salda a obriga-ção do devedor assuma junta-mente com a posição do credor todas as prerrogativas que sãoconferidas. Por exemplo, se ocredor original possuir algu-ma garantia real (p. ex. umahipoteca), não será a mesmaconferida ao terceiro que arca

com a dívida. ________________________________________ Page 9898FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsSeria o caso, por exemplo, do terceiro que salda dívida onde o devedor poderia alegar,sob parte da obrigação, exceção do contrato não cumprido. Nesse caso, o terceiro deve ser ressarcido com relação à parte que aproveitou ao devedor, ou seja, em razão da parte daobrigação que seria realmente devida. Já quanto ao montante que pagou mal, deverá repetir do credor que, em tese, recebeu mais do que lhe era realmente devido.O norte interpretativo nesses casos segue a idéia de que o pagamento feito por terceironão pode agravar a situação do devedor sob nenhuma circunstância.

A lei não se ocupa da hipótese em que tanto credor como devedor se opõem ao pagamen-to feito por terceiro não interessado. Certo é que se deve entender pela impossibilidade domesmo, visto que a ingerência desse terceiro na relação jurídica é plenamente indesejada.o accipiensA regra geral em matéria da pessoa que recebe é a aquela constante do art. 308 do Códi-go Civil. Ordinariamente, quem recebe o pagamento é o credor, mas situações podem ocor-rer onde este esteja inibido de receber, quando o devedor poderá desincumbir-se pagandoa quem não seja credor.Muitas são as modalidades de pagamento e as formas pelas quais ele pode ser exercido.Muitos também são os conceitos jurídicos a ele conexos, de sorte que é impossível umadefinição abstrata de quem pode receber (accipiens). Pode-se demonstrar essa dificuldade a

 partir dos seguintes exemplos:(i) Numa compra e venda, que é negócio jurídico bilateral onde há co-respectividadeno dever de prestar, ao comprador deve ser entregue o bem, e ao vendedor deve ser entregue o montante referente a essa transação;

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(ii) Numa obrigação qualquer, o credor originário pode, no momento do pagamento, já ter sido substituído, como no caso da cessão de crédito ou da sucessão a títulouniversal, quando o herdeiro assume a posição de accipiens;(iii) nas obrigações solidárias, assim como nas indivisíveis, qualquer um dos credores

 pode receber a prestação; e(iv) sendo a obrigação divisível e não solidária, o pagamento deve ser efetuado a cada

um dos credores no montante que compete a cada um.O art. 308 do Código Civil remete às hipóteses de representação, onde o representanteatua em nome do representando, tendo entre outros poderes, a faculdade de receber, emnome deste, créditos a que faça jus.Art. 308. O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob

 pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.Tratando-se de direito dispositivo, dois contraentes podem estabelecer ainda que o ac-cipiens de uma obrigação seja um terceiro que não tenha tomado parte na negociação, oumelhor, que nem mesmo saiba da existência da mesma.Segundo regra do art. 308, o pagamento feito à pessoa não designada para recebê-lo podeser posteriormente convalidado mediante ratificação do credor ou de seu representante.Outro dado relevante reside no fato de que para receber não é necessário que o indiví-duo se apresente munido de instrumentos formalmente instituídos, como o mandato. É a

situação de quem se apresenta munido do um instrumento de quitação emitido pelo credor (art. 311 do Código Civil). ________________________________________ Page 9999FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOscredor putativoPode ocorrer do devedor realizar pagamento à pessoa que tenha a aparência de credor oumesmo de pessoa autorizada. Esse é o caso do credor putativo, cujo exemplo mais proemi-nente reside na figura do credor aparente. Em suma, trata-se da situação em que se efetuaum pagamento a pessoa não legitimada a recebê-lo, mas que de acordo com o contexto

 parecia possuir tais poderes.

O Código Civil dispõe no art. 309 que:Art. 309. O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depoisque não era credor.Para que o pagamento seja reputado válido, não só se faz necessário que o accipiens tenhaa aparência de credor, como também que o solvens esteja de boa-fé. O verdadeiro credor deverá retomar o pagamento do falso accipiens.São três as situações em que o devedor pode se exonerar pagando a terceiro não intitu-lado:(i) Ratificação pelo credor do pagamento recebido por outrem. Isto é, pago equivoca-damente, mas ainda assim o credor, anuindo com o pagamento realizado, libera odevedor (art. 308);(ii) Quando o pagamento, mesmo realizado a pessoa diversa, reverte em benefício docredor. Aqui incumbe o ônus da prova ao solvens. Ex.: Pagamento efetuado ao irmão

do credor (R$1000,00) que somente lhe repassou 30% do valor (R$300,00). Deve osolvens provar o repasse dos R$300,00 reais ao credor, de modo a poder arcar apenascom os outros R$ 700,00 não recebidos por aquele. Logicamente, valendo-se dosmeios judiciais apropriados, repetirá o indevidamente pago ao irmão do credor (art.308);(iii) A questão acima examinada referente ao credor putativo (art. 309).Pagamento feito ao inibido de receber O pagamento efetuado a incapaz somente é válido se o mesmo não tinha conhecimentodesse estado de incapacidade. A incapacidade inibe a prática de atos jurídicos pelo agente,conforme reforçado pelo art. 310 do Código Civil:Art. 310. Não vale o pagamento cientemente feito ao credor incapaz de quitar, se o deve-dor não provar que em benefício dele efetivamente reverteu.O art. 312 reflete outra situação onde o credor é inibido a receber:Art. 312. Se o devedor pagar ao credor, apesar de intimado da penhora feita sobre o cré-dito, ou da impugnação a ele oposta por terceiros, o pagamento não valerá contra estes, que

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 poderão constranger o devedor a pagar de novo, ficando-lhe ressalvado o regresso contra ocredor.

 Nesse caso, deve o solvens ter conhecimento da penhora ou da oposição de terceiro. Seainda assim resolver pagar ao credor, estará assumindo o risco de que esse pagamento nãoseja reportado eficaz.

 ________________________________________ 

Page 100100FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsobjeto do pagamento e sua provaO objeto do pagamento é a prestação acordada pelas partes. Uma vez paga, extinguir-se-á a obrigação. Conforme já examinado, não pode o credor ser obrigado a receber coisadiversa da estabelecida no acordo de vontades, ainda que flagrantemente mais valiosa.As perdas e danos, no caso de inadimplemento, são substituição de pagamento e não

 pagamento. Da mesma fora, não são pagamento outras formas de extingui-la, tais como atransação, a dação, a sub-rogação, entre outras.O pagamento em dinheiro somente pode ser efetuado em moeda corrente no país, proi-

 bindo-se o uso de moeda estrangeira.

 Nas obrigações de fazer o pagamento se dá pela execução da atividade definida comoobjeto da prestação. O mesmo ocorre na obrigação de não fazer.Prova é a demonstração material, palpável de um fato, ato ou negócio jurídico. Ela cor-

 porifica a existência desses elementos. É a manifestação concreta de um acontecimento.A quitação é a prova desse pagamento e é direito daquele que paga dela se munir. Orecibo é o instrumento da quitação. De acordo com o art. 319, o devedor pode reter o

 pagamento enquanto não lhe for dada a quitação. Os requisitos do recibo, por sua vez,encontram-se no art. 320.Art. 319. O devedor que paga tem direito a quitação regular, e pode reter o pagamento,enquanto não lhe seja dada.Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará ovalor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e olugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.

Recibo é o documento idôneo para comprovar o pagamento das obrigações de dar efazer. Nas obrigações de não fazer, o ônus da prova é do credor, que deve evidenciar se foi

 praticado o ato ou os atos.2. QuEstõEs dE coNcurso128º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase24. Sobre o adimplemento das obrigações, é correto afirmar:a) o pagamento feito de boa-fé a quem aparentava ser credor, mas não o era, é conside-rado válido;

 b) pagamento reiteradamente aceito pelo credor em local diverso do combinado não presume renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato;c) a pessoa obrigada com o mesmo credor, por dois ou mais débitos líquidos e venci-dos, deve pagar primeiramente o mais antigo;d) ocorre a compensação quando se confundem na mesma pessoa as qualidades de

credor e devedor de uma obrigação. ________________________________________ Page 101101FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs126º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase25. Para que o pagamento possa ser um meio direto e eficaz de extinção da obrigaçãosão necessários os seguintes requisitos, além da existência de vínculo obrigacional:a) animus solvendi e pagamento somente ao credor em pessoa, sendo inválido o paga-mento feito a representante legitimado;

 b) animus solvendi e entrega exata do objeto devido ou de coisa mais valiosa;c) satisfação exata da prestação devida e presença obrigatória da pessoa que efetua o

 pagamento, que deverá obrigatoriamente ser o devedor;d) animus solvendi e satisfação exata da prestação que constitui o objeto da obrigação.

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 ________________________________________ Page 102102FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 15: FORMAS ESPECIAIS DE PAGAMENTO

EmENtário dE tEmasPagamento por consignação – Pagamento com sub-rogação – Imputação de pagamento – Dação em Pagamento (datio in solutum) – Novação – Compensação – Transação – Compro-misso – Confusão – RemissãolEitura obriGatóriaSOARES, Alice dos Santos. “Pagamento indireto ou especial”, in Gustavo TEPEDINO(org) Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar,2005; pp. 399/428.lEituras comPlEmENtarEsLÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005; pp.223/259.TEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He-lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004; pp. 627/688.1. rotEiro dE aulaPagamento por consignaçãoA primeira modalidade especial de pagamento que merece tratamento em apartado é aconsignação. Essa modalidade especial de extinção da obrigação centra-se no fato de que,não apenas o credor, mas também o devedor possui interesse em extinguir a obrigação. Casonão efetue o pagamento da forma devida, ou seja, no tempo, lugar e condições inicialmenteestabelecidas, observará o devedor uma maior oneração por conta da constituição em mora.Esse fator é decisivo no interesse do devedor em encerrar a relação obrigacional através doseu regular pagamento.Se a obrigação for de dar uma coisa, por exemplo, enquanto não se perfaz a tradição,com a regular entrega da coisa ao credor, o devedor é responsável pela guarda e conservaçãoda mesma.

A consignação extingue a obrigação com o depósito judicial da coisa devida, nos casos eformas legais. É a previsão do art. 334 do Código Civil:Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou emestabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais.A consignação em pagamento é um meio coativo de extinção da obrigação que pode ser utilizado pelo devedor nos casos em que o credor obsta de alguma forma o recebimento da

 prestação. Pode o devedor se valer dela, por exemplo, nas hipóteses de negativa do credor  ________________________________________ Page 103103FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsem receber, ou quando este estipula condições diversas das previstas no instrumento con-

tratual.A consignação em pagamento é uma faculdade à disposição do devedor. Não é impera-tivo que o devedor a realize, encontrando-se tão somente obrigado a realizar a prestação daforma acordada com o credor.O devedor está obrigado ao pagamento nas condições inicialmente previstas, pois foicom foco nelas que anuiu com a obrigação. Pode ocorrer, contudo, que razões de ordem

 prática e de absoluta conveniência instiguem o devedor se valer dessa espécie de ação.Um exemplo pode ser observado na consignação do valor de aluguel, quando o credor se nega a receber. Não recebendo o aluguel, em tese, o credor abre espaço para a propositurade ação de despejo. Consignando-se valor, o devedor afastaria essa possibilidade.A consignação não é um expediente jurídico que se presta somente ao depósito de di-nheiro. Qualquer coisa que seja objeto da obrigação pode ser consignada. Nesse sentido,vale recorrer ao art. 341 do Código Civil:Art. 341. Se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no mesmolugar onde está, poderá o devedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de

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ser depositada.Para as hipóteses de obrigações alternativas, é necessário, como visto, que a escolha seja

 procedida pelo credor. Se o credor retardar o cumprimento da obrigação, essa faculdadede escolha pode ser perdida, sendo a mesma feita pelo devedor e em seguida consignada,implicando na conseqüente extinção do vínculo. Trata-se do previsto no art. 342 do CódigoCivil:

Art. 342. Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele citado para essefim, sob cominação de perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher;feita a escolha pelo devedor, proceder-se-á como no artigo antecedente.A consignação é modalidade de pagamento, e dessa forma, o seu objeto deve ser certo.Obrigações ilíquidas, isto é, aquelas cujo valor ainda não foi apurado, não podem ser objetode consignação. Somente após tornarem-se líquidas poderá ser realizada a consignação.As obrigações que são puramente de fazer e de não fazer não admitem consignação. Aobrigação de não fazer, em qualquer situação, será sempre incompatível com a medida. Aobrigação de fazer, por sua vez, sempre que implicar na entrega da coisa, poderá haver aconsignação.Da mesma forma, o imóvel pode ser consignado na medida em que o depósito das cha-ves simboliza a consignação do todo.As cinco hipóteses de consignação estão enunciadas pelo art. 335 do Código Civil:

Art. 335. A consignação tem lugar:I – se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar qui-tação na devida forma;II – se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;III – se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir emlugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;IV – se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;V – se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

 ________________________________________ Page 104104FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

Ao analisar cada inciso em particular, pode-se constatar o seguinte: No caso do art. 335, I, tem-se o caso da dívida portable, quando o devedor é o portador do pagamento, devendo levá-lo até o credor. Aqui é necessário que se observe a existênciaou não de justa causa no não recebimento por parte do credor. Não haverá justa causa emsituações como aquela em que o credor tenta receber mais do que o que lhe é devido.

 No entanto, não constitui essa falta de justa causa em não receber, ou em não dar qui-tação, uma condição necessária para que se proceda com a consignação, na medida em queesse instrumento poderá ser utilizado também nos casos em que o credor está impossibili-tado de receber.

 No caso do art. 335, II, trata-se da chamada dívida quérable, isto é, quando compete aocredor ir receber a prestação. Nesse caso, o credor permanece inerte, não indo até o devedor e o mesmo, para por termo à obrigação, consigna o valor devido.

 Na hipótese do art. 335, III, vale destacar que inicialmente o credor nunca é desconhe-

cido, mas, em certas situações, no correr da relação obrigacional, a indeterminação podesurgir, como no caso do credor que falece, abrindo-se a sucessão e desconhecendo-se osherdeiros.

 No caso do art. 335, IV, o pagamento feito de forma incorreta, àquele ilegitimado pararecebê-lo, implicará na não desoneração do devedor. Um dos exemplos que poderiam ser aventados corresponde justamente ao credor que falece e cujo patrimônio é aberto a suces-são. Não se sabe quem assumirá a posição de credor e o pagamento, feito erroneamente, não

 propiciará a desoneração.Por fim, no art. 335, V, haverá espaço para consignação se existir um litígio entre ocredor e um terceiro, onde o terceiro reivindica o pagamento. O devedor não sabe a quem

 pagar e desonerar-se-á depositando a coisa em juízo. O art. 344 do Código Civil especificaessa situação:Art. 344. O devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante consignação, mas, se

 pagar a qualquer dos pretendidos credores, tendo conhecimento do litígio, assumirá o riscodo pagamento.

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A consignação congrega elementos tanto de direito material como também processual(arts. 890 a 900 do Código de Processo Civil), sendo um verdadeiro procedimento judicial.O artigo 890 do CPC admite a consignação nas hipóteses de previsão legal, qual seja,aqueles previstos no Código Civil e em toda a legislação extravagante.A possibilidade de consignação nasce com o vencimento da dívida, na medida em que ocredor não pode ser obrigado a receber antes do prazo. O valor consignado deve encampar 

as correções devidas, pois do contrário, ocorreria injusto enriquecimento do consignante.Informações referentes ao foro da consignação podem ser encontradas no art. 891 CPCe 337 do Código Civil:Art. 891. Requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor,tanto que se efetue o depósito, os juros e os riscos, salvo se for julgada improcedente.Parágrafo único. Quando a coisa devida for corpo que deva ser entregue no lugar em queestá, poderá o devedor requerer a consignação no foro em que ela se encontra.Art. 337. O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue,

 para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente.Uma vez que seja feito o depósito, a sentença que o tenha deferido apresentará efeitosretroativos (efeitos ex tunc). A responsabilidade do devedor termina nesse momento, mas

 ________________________________________ Page 105

105FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsa sua mora, no entanto, retroage à data de sua citação. Por outro lado, caso a decisão do

 julgamento tenha sido no sentido de improcedência do pedido ou extinção sem julgamentodo mérito, o depósito efetuado será ineficaz, como se nunca houvesse se processado.Com o depósito, cessam as obrigações de juros e riscos com a coisa. A correção mone-tária e juros, a partir daí, serão responsabilidade da instituição financeira depositária dosvalores. As despesas com a guarda e a conservação da coisa, uma vez que o pedido de con-signação seja deferido, estarão a cargo do credor.

 Nas hipóteses envolvendo prestações periódicas, vale conferir o disposto no art. 892 doCódigo de Processo Civil:Art. 892. Tratando-se de prestações periódicas, uma vez consignada a primeira, pode o

devedor continuar a consignar, no mesmo processo e sem mais formalidades, as que se foremvencendo, desde que os depósitos sejam efetuados até 5 (cinco) dias, contados da data dovencimento.O art. 896 do CPC, atentando aos elementos já enunciados pelo direito material, tratade alegações que podem ser apresentadas pelo réu na contestação à consignação.Art. 896. Na contestação, o réu poderá alegar que:I – não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida;II – foi justa a recusa;III – o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento;IV – o depósito não é integral.Parágrafo único. No caso do inciso IV, a alegação será admissível se o réu indicar o mon-tante que entende devido.Pagamento com sub-rogação

A sub-rogação, que pode ser entendida através do vocábulo substituição, não é verdadei-ramente uma forma de extinção da obrigação, mas sim de alteração da posição do credor darelação obrigacional. O instituto é tratado no Código Civil pelos arts. 346 e seguintes.

 Nessa modalidade especial de pagamento, um terceiro efetua o pagamento no lugar dodevedor original e, dessa forma, substitui o credor. O terceiro que paga torna-se credor emrelação ao devedor, passando a dispor de todos os direitos, ações e garantias que tinha ocredor substituído.Ao devedor não importará prejuízo visto que deverá pagar exatamente aquilo que seria devi-do ao credor original. A dívida toda é conservada, não existindo extinção em nenhuma parte.Uma das mais pertinentes considerações acerca da natureza da sub-rogação é a de que amesma não é, em verdade, um meio de extinção da obrigação. A obrigação subsiste, sendoapenas alterado o titular do crédito.Adicionalmente, a sub-rogação e a cessão de crédito são institutos que possuem certassimilitudes, não podendo ser confundidas.A sub-rogação centra-se no pagamento de uma dívida efetuada por terceiro ficando ne-

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cessariamente vinculada aos termos dessa dívida. O valor devido àquele que se sub-roga seránecessariamente coincidente com o valor inicialmente devido ao credor original.A cessão de crédito, por sua vez, pode ter efeito especulativo, e pode ocorrer mediante atransferência de numerário diversa do valor da dívida em si.

 Na cessão de crédito é necessário que o devedor seja notificado de tal negócio jurídico(art. 290 CC). Na sub-rogação, por seu turno, essa comunicação não se faz obrigatória.

 ________________________________________ Page 106106FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsA cessão de crédito possui a natureza de alienação de um direito, caráter esse inexistentena sub-rogação.A sub-rogação pode se processar ainda que sem a anuência do credor. O mesmo nãoocorre na cessão, onde mister se faz a manifestação de vontade do titular do crédito nosentido de negociá-lo.O art. 346 do Código Civil determina as hipóteses de sub-rogação legal:Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:I – do credor que paga a dívida do devedor comum;

II – do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como doterceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, notodo ou em parte.O art. 346, III, trata da situação mais comum e mais útil para utilização da sub-rogação.Como exemplos pode-se mencionar:i) O fiador que paga dívida do afiançado e sub-roga-se nos direitos do credor;ii) O devedor solidário que paga toda a dívida e sub-roga-se e assume a posição de cre-dor dos demais;

 No primeiro exemplo, o fiador, ao arcar com os valores referentes à dívida antes de ser acionado nesse sentido, preserva-se da necessidade de efetuar pagamento mais oneroso.As duas formas de sub-rogação convencional são delimitadas pelo art. 347 do CódigoCivil:

Art. 347. A sub-rogação é convencional:I – quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todosos seus direitos;II – quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, soba condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.Trata-se de mero acordo de vontade entre o credor e o terceiro que arca com a dívida,sem que, contudo, recorra-se a maiores formalidades.

 Na primeira hipótese, não há necessidade nem mesmo do conhecimento por parte dodevedor, quiçá de sua anuência em relação à sub-rogação.

 No segundo caso, o devedor passa a dever ao mutuante com todos os deveres origináriosdaquela obrigação.Como examinado, no pagamento com sub-rogação, o credor original é satisfeito semque isso importe em extinção da obrigação.

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios egarantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.A finalidade especulativa, conforme tratada na distinção em relação à cessão de crédito,não pode existir. O sub-rogado não pode receber nada além do que receberia o credor ori-ginário.

 Na sub-rogação convencional, as partes podem manifestar sua vontade no sentido dealteração dos valores, conforme se depreende do art. 350 do Código Civil:

 ________________________________________ Page 107107FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsArt. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações docredor, senão até à soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.

 No pagamento parcial, por sua vez, o credor originário tem preferência em face daquele

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que o sub-roga (art. 351 do Código Civil).imputação de pagamentoA imputação de pagamento pode ser observada quando da existência de vários débitosde um mesmo devedor em relação a um mesmo credor. Há pluralidade de dívidas, de formaque um pagamento efetuado pode vir a extinguir uma ou mais de uma delas. Dessa forma,a imputação de pagamento é um expediente jurídico que confere certa lógica na definição

de que relações obrigacionais devem ser reputadas como extintas. Nesse sentido, é preciso que essas dívidas sejam da mesma natureza, líquidas e já venci-das. É o que dispõe o art. 352 do Código Civil.Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor,tem o direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.A preferência na escolha da dívida a ser adimplida é do devedor. O art. 352 define quecompete ao obrigado fazer essa imputação. Na hipótese de silêncio por parte do devedor,não se manifestando este dentro do tempo certo, a escolha passa ao credor (art. 353). Quan-do nenhuma das partes se manifesta em tempo oportuno, a lei assume o papel de orientar asolução dos débitos, indicando qual deles deve ser tido como adimplido. Essa é a imputaçãolegal, prevista no art. 355 do Código Civil.Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento, se aceitar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra a

imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido violência ou dolo.Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa quanto àimputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas foremtodas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.Os requisitos da imputação de pagamento estão também no art. 352 do Código Civil.São eles: (i) pluralidade de débitos, sendo que os mesmos devem ser independentes entresi e não podendo o credor receber parcialmente68; (ii) a existência de um só credor e um sódevedor; (iii) os débitos devem ser da mesma natureza, isto é, deve haver compatibilidadeentre o objeto do pagamento; (iv) as dívidas devem ser líquidas69; (v) o pagamento ofertado

 pelo devedor deve ser suficiente para quitar ao menos uma das dívidas; e (vi) a dívida deveser vencida.Se o valor do pagamento exceder ao montante fixado para a de menor valor, e não for suficiente para extinguir a obrigação mais onerosa, deve-se reputar como paga a dívida de

menor valor, não sendo obrigado o credor a reter a diferença. Do contrário, seria ferido o princípio de que o credor não é obrigado a receber de forma diferente da estabelecida. Não havendo acordo em contrário, a escolha na imputação é do devedor, devendo o mes-mo ser tratado de forma mais benigna. Esse direito à realização da imputação não é absoluto,

 pois de acordo com o art. 354 do Código Civil, é necessário empregar o capital primeira-mente nos juros vencidos. Imputar o dinheiro diretamente no capital não é uma opção válida

 para o devedor, a menos que tenha havido acordo entre as partes nesse sentido.68 até mesmo por conta doartigo que veda ser o credor obrigado a receber de formadiversa da estipulada.69 Obrigação líquida, de acordocom ao art. 1533 do código

de 1916, é a obrigação certaquanto à sua existência, edeterminada, quanto ao seuobjeto.

 ________________________________________ Page 108108FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsArt. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros venci-dos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.Se o devedor pagar uma ou mais dívidas não destacando ao credor qual a imputação, ocredor terá liberdade para dar quitação na que quiser. A importância dessa determinação re-side no fato de que o credor, por força da lógica, dará quitação na dívida que lhe seja menos

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favorável. Estando, por exemplo, o devedor vinculado por duas dívidas – uma quirografáriae outra com garantia real – é certo que o credor dará quitação na primeira, em virtude daausência de garantia.Se as duas partes forem omissas, a imputação será legal, observando-se os princípios queresidem no código.A imputação legal, como visto, obedece aos ditames do art. 355 do Código Civil. Na

aferição da dívida mais onerosa, cabe a atuação do juiz no caso concreto, não obstante adoutrina apresente alguns indicativos. Por exemplo: a orientação geral da lei é a de privile-giar o devedor, e dessa forma, a preferência se manifesta na extinção de dívidas com garantiareal ou fiança, preterindo para outro momento as simplesmente quirografárias.dação em Pagamento (datio in solutum)Dação em pagamento é uma modalidade de extinção da obrigação em que a mesma

 poderá ser resolvida mediante a substituição de seu objeto. O devedor entrega prestação di-versa da inicialmente estabelecida, ou seja, dá-se algo distinto em pagamento. Logicamente,atentando à noção de que o credor não pode ser obrigado a receber prestação diversa daestabelecida, ainda que mais valiosa, a dação em pagamento só se opera com o consenti-mento do credor.Trata-se de um acordo de natureza liberatória que representa, em síntese, a substituiçãodo objeto inicial da obrigação. A dação em pagamento pode consistir na (i) substituição de

dinheiro por coisa; (ii) de uma coisa por outra; (iii) de uma coisa por uma obrigação de fazer.A dação em pagamento é negócio jurídico bilateral, oneroso e real. Real no sentido deque corrobora na entrega de uma coisa, excepcionando-se os casos em que a prestação sejade fazer ou não fazer, pura e simples.

 Não há a necessidade de que o valor da prestação substituta seja igual ao da substituída.Deve haver tão somente a anuência do credor com o recebimento da coisa e com a conse-qüente extinção da dívida.A dação pode também ser parcial, como por exemplo, quando o devedor não possuicapital suficiente para saldar a dívida e paga parte em dinheiro e parte em espécie.O pagamento parcial também é possível. Nesse caso, o credor salda parte da dívida me-diante dação em pagamento, e o restante da obrigação subsiste. Trata-se de campo amplo

 para o acordo de vontades entre as partes contratuais, imperando sempre a noção de que ocredor não pode ser compelido a receber de forma que lhe seja desfavorável.

Para a aceitação da dação em pagamento, isto é, o recebimento de prestação diversa dadevida, é necessário que o credor seja plenamente capaz. No caso deste ser incapaz, é neces-sária autorização judicial.A dação em pagamento é usualmente confundida com a compra e venda. Nesse sentido,o artigo 357 do Código Civil define o seguinte:Art. 357. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partesregular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.

 ________________________________________ Page 109109FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsDe acordo com a redação do artigo, para que se observe a equiparação à compra e ven-

da, importante é que tenha ocorrido a fixação do preço da coisa que substitui a prestaçãooriginal. Caso isso não seja verificável, não haverá, em consonância com a dicção legal, quese falar em equiparação à compra e venda.Equiparação aqui não traduz a idéia de identidade, de igualdade absoluta de regras apli-cáveis. Como observado, o artigo 337 tem incidência tanto quando o objeto da dação for coisa móvel quando for imóvel. Se houver perda coisa por conta da evicção, deve-se observar a repristinação da obrigação originária. É o que costa do art. 359 do Código Civil:Art. 359. Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obri-gação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros.A evicção é aplicável à dação em pagamento da mesma forma que se apresenta para acompra e venda. A situação seria equivalente à inexistência de quitação, mantendo-se aobrigação da mesma forma que foi contraída originalmente.

 NovaçãoA novação é uma modalidade de extinção das obrigações por meio da qual cria-se umaobrigação nova com o intento de extinguir uma obrigação antiga. O credor e o devedor, ou

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apenas o credor, extinguem a obrigação original e criam uma nova, que vinculará o deve-dor no lugar daquela. O surgimento da nova obrigação importa na necessária resolução daantiga.A novação pode ser objetiva, quando se refere ao objeto da prestação. Trata-se da hipóte-se do art. 360, I, do Código Civil. A novação subjetiva, por sua vez, é tratada nos incisos IIe III, havendo, em tais casos, a substituição do devedor ou do credor.

Art. 360. Dá-se a novação:I – quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;II – quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;III – quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficandoo devedor quite com este.O instituto hoje não tem mais a mesma importância de que manifestava no direitoromano, onde residem as suas raízes. Em grande parte se deve essa constatação ao adventode novas figuras como a cessão de crédito, a assunção de dívida e a sub-rogação, que ope-racionalizam de forma mais racional grande parte das situações em que a novação poderiaser aplicada.A novação não implica na satisfação do crédito, pois ele persiste, mas sob uma novaforma. A natureza extintiva é justificada, pois a obrigação primitiva desaparece, mas aindaassim não há que se falar em satisfação.

Outra consideração preliminar que se faz necessária é a anuência de ambas as partes, nãose operando jamais a novação por força de lei. No direito romano, a novação era um expediente técnico utilizado para solucionar o problema da intransmissibilidade das obrigações, fazendo com que a mesma obrigação, decerta forma, persistisse. No direito moderno, a novação tem o condão de criar uma obriga-ção inteiramente nova, inclusive admitindo-se a novação causal.

 Novação causal é aquela que se opera pela mudança na causa debendi. Causa debendi, por sua vez, é a razão pela qual existe um determinado débito, como por exemplo, a existência

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de um empréstimo, ou a realização de uma compra e venda. Dessa forma, as novações mo-dernas permitem o surgimento de uma obrigação plenamente nova.Um exemplo do acima referido seria a novação de uma dívida de R$ 3.000 (três milreais) por conta de uma compra e venda, a qual seria extinta mediante o surgimento de umempréstimo de igual valor.Como exemplo de uma novação meramente objetiva pode-se exemplificar com aquelaque se realiza na substituição da obrigação de dar 100 (cem) quilos de açúcar por uma obri-gação de entregar 300 (trezentos) quilos de feijão. Entregar o açúcar era a obrigação inicial,mas por conta do acordo entre as partes, o objeto da prestação foi alterado. O objeto, nocaso, não só é a espécie de bem, como também a quantidade a ele referente.Destaque-se que a alteração no prazo ou condição não implica em novação da obrigação.Ainda, não implicam em novação o recebimento de parcela em atraso, a mudança do localde pagamento, a modificação simples do valor da dívida, o aumento ou diminuição de ga-

rantias, ou mesmo a substituição de um título representativo da dívida.Apesar da lei não estabelecer maiores formalidades, a vontade de novar das partes devese manifestar de forma expressa, clara e indubitável.Como é perceptível, a novação se aproxima da dação em pagamento, estudada no tópi-co anterior. De todo modo, a distinção é clara: a dação em pagamento extingue a dívida,implicando na satisfação do credor, que por seu interesse, anuiu de forma desembaraçadaem receber prestação diversa. A novação não implica nessa satisfação, pois o credor nadarecebe.A novação subjetiva pode ocorrer com a alteração tanto da figura do credor como dodevedor. A novação subjetiva passiva pode ocorrer por delegação ou expromissão.i) Delegação – Aqui se verifica o consentimento do devedor originário. É a hipótesedefinida pelo art. 360, II, do Código Civil, cabendo ao devedor da obrigação inicial indicar o seu substituto. Dessa maneira, observa-se a novação por delegação quando um terceiro,que é o delegado, anui em tornar-se devedor perante o credor, que aqui é o delegatório,implicando assim na extinção da dívida primitiva. Destaque-se que na delegação (pura e

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simples) o credor aceita o novo devedor, mas sem renunciar às suas prerrogativas face aoantigo devedor. Trata-se da delegação imperfeita.ii) Expromissão – Da mesma forma que a delegação, também é novação subjetiva pas-siva. Trata-se, em verdade, de uma forma de expulsão do devedor originário, visto que umterceiro assume a dívida dele, com a concordância do credor, mas sem que seja necessária aanuência do devedor. É o que dispõe o art. 362 do Código Civil:

Art. 362. A novação por substituição do devedor pode ser efetuada independentementede consentimento deste.O art. 360, III trata da novação no pólo ativo. Trata-se da substituição da figura docredor.Os requisitos essenciais, conforme observado, são: (i) uma dívida anterior que se ex-tingue; (ii) a criação de uma obrigação nova. Outros requisitos, no entanto, podem ser inferidos da própria dinâmica da novação, como: (iii) a validade da obrigação que se quer extinguir; (iv) o aliquid novi, ou seja, a alteração em elementos substancias da obrigação; (v)o animus de novar; e (vi) legitimidade e capacidade para o ato de novar.A obrigação natural pode ser novada. O pagamento feito tendo em vista uma obrigaçãonatural não pode ser repetido, visto que ele é de fato devido e, por conta desse fato, chega-se a conclusão da possibilidade de sua novação. A nova obrigação, no entanto, será civil, e

 plena, contando com todos os elementos assecuratórios da sua exigibilidade.

 ________________________________________ Page 111111FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsDe forma oposta, as obrigações nulas ou extintas não podem ser novadas. É inclusiveentendimento expresso no art. 367 do Código Civil.Art. 367. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novaçãoobrigações nulas ou extintas.O ânimo de novar também é um elemento imprescindível. E a sua ausência importa emmera confirmação da primeira obrigação. Nesse sentido, menciona o art 361 do CódigoCivil:Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda

obrigação confirma simplesmente a primeira.Capacidade e legitimidade, como visto, também são requisitos daquele que procedecom a novação. No que toca a legitimação, um exemplo é a novação feita de ascendente adescendente que necessita de do consentimento dos demais descendentes.Caso essa nova obrigação seja inválida, continua em vigor a obrigação originária. É amesma regra aplicada na dação em pagamento (art. 359 do Código Civil).Afora a extinção da dívida primitiva, outros efeitos podem ser observados. Um deles éque com a criação de uma nova obrigação os acessórios e garantias insertos na dívida antigasão extintos.Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário. Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipote-ca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte nanovação.

 Na novação por delegação, isto é, onde há alteração no pólo passivo da obrigação, ocredor assume novo devedor por sua conta e risco, exonerando o primitivo devedor. Se onovo obrigado for insolvente, não há que tentar buscar a satisfação do crédito face ao antigo,excetuando-se os casos em que se observa a atuação com má-fé.compensaçãoCompensação, no direito obrigacional, significa um acerto de débito e crédito entre duas

 pessoas que detêm simultaneamente a condição recíproca de credor e devedor. A extinçãodos débitos se opera até o montante em que se contrabalançam.O conceito de compensação é fornecido pelo art. 368 do Código Civil:Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duasobrigações extinguem-se, até onde se compensarem.O principal benefício é evitar-se uma dupla ação, facilitando-se o adimplemento. Acompensação, vale ressaltar, possui natureza de meio extintivo das obrigações.

 No que toca à compensação, nosso sistema jurídico filia-se à tradição francesa, determi-nando que a compensação se opera por força de lei, de forma independente da iniciativa dos

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salário, que não pode ser compensado.A compensação, como visto, produz os mesmo efeitos do pagamento. As obrigaçõessão resolvidas e os credores (e devedores) recíprocos restam satisfeitos. A compensação legaldinamiza essa satisfação entre as partes.transaçãoA transação é uma forma de extinção da obrigação que tem por escopo impedir que as

 partes ingressem em juízo, ou uma vez já tendo recorrido ao judiciário, que coloquem fimà lide.O sentido da transação como forma de extinção das obrigações é determinado pelo art.840 do Código Civil. O artigo, cumpre destacar, está presente na seção do código dedicadaaos contratos:Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante conces-sões mútuas.Dessa forma, nesse instituto de natureza marcadamente contratual, cada uma das par-tes abre mão de parcela de seus interesses no intuito de impedir ou por fim uma demanda

 judicial. A ocorrência de transação não significa que alguma das partes abriu mão de seusdireitos na totalidade, mas sempre será necessário que parte de suas pretensões sejam afasta-das. A idéia de concessões mútuas deve prevalecer.Dessa forma, os requisitos essenciais da transação são: (i) acordo de vontades; (ii) con-

cessões mútuas; e (iii) extinção de obrigações litigiosas ou duvidosas.A transação, como observado, é um negócio jurídico bilateral e de caráter contratual.Um dos indicativos desse enquadramento, além de ser tratado o instituto no campo própriodos contratos, é a possibilidade de estabelecimento da pena convencional para a transação.Essa possibilidade decorre do art. 847 do Código Civil:Art. 847. É admissível, na transação, a pena convencional.A transação é indivisível, pois quando uma de suas cláusulas é nula, assim será todo onegócio (art. 848 CC). Em relação à interpretação da transação, a mesma deve ser restritiva(art. 843 CC).Existe certa celeuma sobre ter a transação um caráter declaratório ou constitutivo. Deacordo com o art. 843 do Código Civil, observa-se um caráter eminentemente declaratórioencampado pela lei. Na maior parte das vezes certamente será esse o perfil dominante. Con-tudo, por vezes, o caráter constitutivo se faz marcante, em especial quando a transação passa

a congregar novos direitos além daqueles que são litigiosos.Poder-se-ia afirmar então que, sendo a transação simples, seu efeito será declaratório.A transação pode ser ainda judicial ou extrajudicial, dependendo se ocorre dentro oufora do processo. O art. 842 destaca que:

 ________________________________________ Page 114114FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsArt. 842. A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige,ou por instrumento particular, nas em que ela o admite; se recair sobre direitos contestadosem juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentese homologado pelo juiz.

A transação extrajudicial não necessita de maiores formalidades, importando preponde-rantemente o seu conteúdo. Sendo extrajudicial, a homologação não é necessária, servindoessa apenas para suprimir certos trâmites processuais.Por conta de sua natureza contratual, a desistência unilateral da transação não é admitida.A transação não pode ter por objeto todos os direitos, somente aqueles patrimoniais decaráter privado. Essa é a regra do art. 841 do Código Civil. Direitos indisponíveis como osrelativos ao estado e capacidade das pessoas, os direitos puros de família e os direitos perso-nalíssimos não podem ser objeto desse contrato.Art. 841. Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação.A transação pressupõe plena capacidade. Para que os incapazes possam transigir, da mes-ma forma que a alienação, é necessário que haja complementação da vontade, providenciada

 pelo representante, bem como da autorização judicial para a prática do ato. A legitimação,como já examinado, também é elemento necessário para que a vontade de realizar transaçãoseja exercitada.Em relação ao mandato, o mandatário deve ter poderes específicos para transigir. A pro-

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curação do advogado deve prever isso.Conforme já destacado no art. 847 do Código Civil, a cláusula penal pode ser inseridanum contrato de transação. É uma cláusula de reforço ao cumprimento desse pacto entre as

 partes. O princípio da exceção do contrato não cumprido (art. 476 CC) tem plena aplica-ção, bem como as outras noções da teoria geral dos contratos.As convenções referentes à transação operam efeito somente entre as partes. Essa regra

da relatividade está no art. 844, caput, do Código Civil:Art. 844. A transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, aindaque diga respeito a coisa indivisível.Da mesma forma que a novação, anteriormente estudada, considerações especiais acercada evicção devem ser traçadas. A lei demonstra essa preocupação no art. 845 do CódigoCivil:Art. 845. Dada a evicção da coisa renunciada por um dos transigentes, ou por ele transfe-rida à outra parte, não revive a obrigação extinta pela transação; mas ao evicto cabe o direitode reclamar perdas e danos.Parágrafo único. Se um dos transigentes adquirir, depois da transação, novo direito sobrea coisa renunciada ou transferida, a transação feita não o inibirá de exercê-lo.A perda do objeto não tem o condão de repristinar a dívida, isto é, fazer com que elaressurja.

Deve-se, por fim, destacar a idéia de que a transação deve ser sempre interpretada demodo restritivo. Esse entendimento é decorrência lógica da natureza do instituto que im- porta sempre na renúncia de algum direito. As renúncias não podem ser interpretadas am- pliativamente. ________________________________________ Page 115115FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOscompromissoO compromisso é um instrumento jurídico mediante o qual atribui-se a decisão decertos conflitos a árbitros. Pessoas plenamente capazes escolhem árbitros para solucionar suas avenças. Antes mesmo do surgimento de qualquer conflito, as partes prevêem quem

o solucionará. Essa possibilidade encontra assento legal na lei nº 9.307/96, a qual, em seuartigo 1º, destaca que:Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígiosrelativos a direitos patrimoniais disponíveis.O Código Civil de 2002 trata da matéria em apenas três artigos, relegando à lei especiale ao código processual um tratamento mais pormenorizado do tema.O art. 851 do Código Civil se refere à cláusula compromissória nos contratos, permitin-do a solução dos litígios em juízo arbitral. Ele dispõe:Art. 851. É admitido compromisso, judicial ou extrajudicial, para resolver litígios entre

 pessoas que podem contratar.O art. 852 do Código Civil dispõe sobre os casos em que não é possível a utilização decompromisso:Art. 852. É vedado compromisso para solução de questões de estado, de direito pessoal de

família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial.De acordo com a lei nº 9307/96, a sentença arbitral é considerada título executivo

 judicial.70 O árbitro é juiz de fato e de direito do conflito que lhe é levado. Ainda, os atosexecutórios dessa decisão arbitral devem ser procedidos pelo poder público. Dessa forma,

 pode-se observar que mesmo no caso de compromisso, certos atos ainda carecerão da inter-venção do poder judiciário.A arbitragem é um instrumento negocial e tende a assumir papel cada vez mais re-levante nesse contexto especializado. Como motivos que incentivam o seu uso, pode-semencionar o sigilo e a celeridade. A celeridade é razão notória, visto que foge da demandasempre crescente do poder judiciário; o sigilo por sua vez, se dá na medida em que a regrageral dos processos tramitando no Poder Judiciário é a publicidade de seus respectivosatos.Um detalhe a destacar é o fato de que as partes podem pactuar a utilização de um juízotecnicamente mais especializado preparado para a solução desse litígio.A atual lei supera os principais entraves que a arbitragem enfrentava anteriormente: (i)

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não havia dispositivo legal possibilitando o uso da cláusula compromissória; e (ii) havianecessidade de homologação do laudo arbitral pelo poder judiciário.O compromisso tem um caráter contratual evidente. Através dele, não só conflitos sãoextintos, mas outras obrigações são criadas. Pode árbitro criar, modificar ou extinguir direi-tos das partes.Mas como entender essa natureza contratual? Através do pacto compromissório, as par-

tes comprometem-se, num eventual litígio, a submeterem-se ao árbitro e não ao Poder Judi-ciário. É uma contratação feita de modo preliminar. Alguns autores denominam essa relaçãosujeita à arbitragem de contrato base. O art. 4º da lei de arbitragem, nesse sentido, define:70 O art. 584, III do cPc defi-ne que: art. 584. são títulosexecutivos judiciais: (...) III

 – a sentença homologatóriade conciliação ou de transa-ção, ainda que verse matérianão posta em juízo; (Redaçãodada pela lei nº 10.358, de27.12.2001).

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Page 116116FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsArt. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contratocomprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamentea tal contrato.É interessante destacar que sob a égide do Código de 1916, a negativa de uma das partesem submeter-se à arbitragem implicava nos efeitos do inadimplemento contratual. A parte

 prejudicada poderia pleitear perdas e danos. A previsão de execução específica da avença nãoera ainda existente à época.confusãoExiste confusão quando se observa, numa determinada relação obrigacional, a junção

numa mesma pessoa das figuras de credor e devedor. Há impossibilidade lógica de que aobrigação persista. O artigo 381 do Código Civil prevê que:Art. 381. Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualida-des de credor e devedor.A confusão, segundo o art. 382, pode ser total ou parcial:Art. 382. A confusão pode verificar-se a respeito de toda a dívida, ou só de parte dela.Quando o estado de confusão acaba, a obrigação é restabelecida, congregando novamen-te todos os seus caracteres:Art. 384. Cessando a confusão, para logo se restabelece, com todos os seus acessórios, aobrigação anterior.A confusão pode se operar de diversas formas. Pode ocorrer por ato inter vivos ou causamortis, nesse caso, quando o herdeiro assume o patrimônio do credor e vê extinto o seudébito. Destaque-se que enquanto não houver partilha dos bens envolvidos na sucessão,

não há que se falar em confusão. Na confusão por ato inter vivos, o mesmo pode ainda ser gratuito ou oneroso; a título singular ou universal.O art. 383 do Código Civil trata da hipótese de confusão em obrigações solidárias. Deacordo com o dispositivo, os efeitos da confusão não se comunicam às demais figuras abar-cadas pela solidariedade.Art. 383. A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue aobrigação até a concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo quantoao mais a solidariedade.Em breve apanhado, são seus requisitos: (i) numa só pessoa devem ser congregadas asqualidades de credor e de devedor; (ii) essa reunião de qualidades deve ser atinente a umamesma relação obrigacional; e (iii) não deve haver patrimônios apartados.remissãoA remissão ocorre quando o credor libera do devedor do cumprimento da obrigação, notodo ou em parte, sem que tenha recebido o pagamento que lhe é devido.

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Page 117117FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsTrata-se de uma modalidade de renúncia, e como já observado, renunciáveis são os di-reitos disponíveis, reais, pessoais e intelectuais.

Sob uma perspectiva mais técnica, remissão e renúncia apresentam uma distinção: aremissão depende da anuência do devedor, que mesmo tendo sua dívida perdoada pelocredor, pode querer pagar, tendo em vista questões morais. A remissão é ato unilateral, massomente se implementa com a concordância do obrigado. Na renúncia, essa necessidade deanuência por parte do devedor não está presente.As partes podem livremente determinar parâmetros para essa remissão, dando-lhe umafeição contratual e, portanto, bilateral.Remissão e doação são institutos diversos. A remissão depende da anuência do devedor,apresentando um caráter sinalagmático. A doação, por sua vez, é uma liberalidade, quali-dade nem sempre atribuível à remissão; Para o direito pouco importa o intuito com que aremissão é feita, não ocorrendo o mesmo para a doação.É importante observar que a remissão pode ser expressa ou tácita. A sua forma tácita éespecificada nos arts. 386 e 387 do Código Civil, ao disporem que:

Art. 386. A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular, prova desoneração do devedor e seus co-obrigados, se o credor for capaz de alienar, e o deve-dor capaz de adquirir.Art. 387. A restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor àgarantia real, não a extinção da dívida.Esses artigos contemplam uma presunção de que foi feita a remissão. Essa presunção nãoé absoluta, pois qualquer um dos atos acima referidos pode ser inquinado de algum víciode vontade.Ao remir a dívida principal, o credor promove a conseqüente extinção das obrigaçõesacessórias. A recíproca, conforme já examinado, não é verdadeira, por é perfeitamente pos-sível a extinção da obrigação acessória sem que principal seja atingida.Quando houver pluralidade de devedores, deve-se ter em mente que:Art. 388. A remissão concedida a um dos co-devedores extingue a dívida na parte a ele

correspondente; de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros, jálhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida.

 No tocante à indivisibilidade, vale ainda destacar o art. 262 do Código Civil, o qualdispõe que “se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com osoutros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente.” O mesmocritério se observará no caso de transação, novação, compensação ou confusão, conformedeterminado pelo parágrafo único do mesmo artigo.2. QuEstõEs dE coNcurso24º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase46 – Alberto, na qualidade de credor, visando por fim a uma obrigação pactuada comRicardo, aceita receber do devedor (Ricardo) um objeto diverso daquele estabelecidono instrumento obrigacional e, assim procedendo, realizou uma:a) Compra e venda;

 b) Doação; ________________________________________ Page 118118FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsc) Novação subjetiva passiva;d) Dação em pagamento.Concurso para o cargo Advogado do BNDES (2004)45. As normas em vigor que disciplinam o instituto da novação, de acordo com aconcepção moderna e rejeitando a concepção romana, têm merecido encômios da dou-trina, que não dispensa elogios à sua excelência no ponto de vista técnico. Sobre esseinstituto da relação obrigacional, é certo afirmar-se que:a) a novação subjetiva se dá se as partes acordam na modificação da espécie obrigacio-nal;

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 b) a novação por substituição do devedor pode ser efetuada independente do consenti-mento deste;c) a novação, como o pagamento e a compensação, produz a imediata satisfação docrédito;d) se, nas obrigações indivisíveis, um dos credores novar a dívida, a obrigação se extin-gue para os outros;

e) se o novo devedor for insolvente, terá sempre o credor, que o aceitou, ação regressivacontra o primeiro.Concurso para o cargo de Advogado Júnior da BR Distribuidora (2004)39. As obrigações podem ser extintas por diversos meios. O mais usual é o pagamento,com o cumprimento voluntário. Há, todavia, outras formas de extinção, sem pagamento.Entre elas, a que deste se aproxima, ocorrendo, da mesma maneira, a liberação direta é a:a) novação;

 b) compensação;c) remissão;d) confusão;e) transação.120º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase27. “A” deve a “B”, R$ 8.000,00. “C”, amigo de “A”, sabendo do débito, pede ao credor 

que libere “A”, ficando “C” como devedor. No caso está configurada aa) novação subjetiva ativa; b) novação subjetiva passiva por delegação;c) novação objetiva;d) novação subjetiva passiva por expromissão.28. A operação de mútua quitação entre credores recíprocos é:a) confusão;

 b) compensação;c) imputação;d) transação.

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FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs125º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase26. A novação ocorre quando:a) o credor consente em receber prestação diversa da que lhe é devida, com o intuito deextinguir a obrigação;

 b) um novo devedor sucede ao antigo, ficando este último quite com o credor;c) se confundem em uma mesma pessoa as qualidades de credor e devedor;d) duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, de dívidaslíquidas, vencidas e de coisas fungíveis, extinguindo-se as obrigações, até onde pu-derem ser abatidas.

 ________________________________________ Page 120

120FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 16: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E PAGAMENTO INDEVIDOEmENtário dE tEmasEnriquecimento sem causa – Ação de in rem verso – Pagamento indevido – Delinea-mentos gerais da repetiçãolEitura obriGatóriaKONDER, Carlos Nelson. “Enriquecimento sem causa e pagamento indevido”, inGustavo TEPEDINO (org) Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional.Rio de Janeiro: Renovar, 2005; pp. 369/388.lEituras comPlEmENtarEsPEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. II. Rio de Janeiro:Forense, 2004; pp. 285/304.BEVILAQUA, Clovis. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1940; pp.

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111/120.1. rotEiro dE aulaEnriquecimento sem causaO Código Civil trata do pagamento indevido nos artigos 876 a 883 e o enriquecimentosem causa nos artigos 884 a 886. A partir do enquadramento conferido pelo Código aosdois institutos, pode-se classificá-los como fontes unilaterais de obrigações. Ao contrário do

que dispõe o Código, a doutrina tende a qualificar essas duas figuras como fonte autônomade obrigações. No direito obrigacional usualmente ocorre o enriquecimento de uma parte em detri-mento de outra, enriquecimento esse que deve ser fundado numa justa causa. É o queocorre, por exemplo, na doação.A idéia que norteia o enriquecimento ilícito é justamente a de que esse incremento

 patrimonial se opera não fundado em justa causa, ou pelo menos, sem causa jurídica. É oexemplo daquele que paga dívida inexistente.Dessa forma, o enriquecimento sem causa é o aumento patrimonial sem base jurídicaque o legitime. É fonte autônoma de obrigação da mesma forma que os atos unilaterais.Interpretando a legislação vigente, pode-se concluir que o enriquecimento sem causa eo pagamento indevido constituem verdadeiras fontes de obrigações. O ato de realizar um

 pagamento importa na extinção da dívida, contudo, o pagamento indevido opera de forma

inversa, pois o mesmo não extingue a dívida e ainda cria para aquele que o recebe a obri-gação de devolvê-lo. O solvens, isto é, aquele que efetuou o pagamento, torna-se titular deuma ação de repetição.O princípio que veda o enriquecimento sem causa não pode ser confundido com a conde-nação em perdas e danos, na medida em que não se trata aqui do manejo da responsabilidade

 ________________________________________ Page 121121FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOscivil para resolver a patologia de eventuais relações. No tratamento do enriquecimento semcausa a noção de culpa é irrelevante.

 Nesse sentido, pode-se notar a pluralidade de correntes sobre a natureza jurídica do pa-

gamento indevido. As legislações estrangeiras igualmente perfilham distintos entendimen-tos. Em apanhado sucinto, pode-se dizer que a doutrina nacional segue a tradição francesa,que entende o enriquecimento sem causa como fonte autônoma de obrigação, isto é, umato unilateral.A noção geral de enriquecimento sem causa é enunciada pelo art. 884 do Código Civil,da seguinte forma:Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado arestituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeué obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bemna época em que foi exigido.Cumpre observar a relação de imediatidade perceptível quanto ao enriquecimento deuma parte e o empobrecimento de outra. Há, inclusive, segmentos doutrinários que prefe-

rem a denominação empobrecimento ilícito.A positivação do enriquecimento ilícito (ou “sem causa”) foi uma das inovações trazidas

 pelo Código Civil de 2002 para o campo do direito das obrigações. Não que a doutrina doenriquecimento ilícito não estivesse amadurecida anteriormente, mas ela certamente ganhareforço com a atual previsão legal. Adicionalmente, esse tratamento expresso contribui paraque situações marcadas pelo enriquecimento ilícito sejam levadas aos tribunais e debatidasnão somente como aplicação de um princípio geral de Direito, enquadramento detido peloenriquecimento sem causa anteriormente à sua atual positivação.A restituição decorrente do enriquecimento sem causa obedece concomitantemente aosdois parâmetros acima referidos: por um lado, essa devolução não pode exceder o enrique-cimento do agente recebedor; da mesma forma, ela não pode ultrapassar o empobrecimentosofrido pelo outro agente.O valor da restituição será calculado na data em que a mesma ocorrer. Ainda que maisvaliosa a coisa, o valor da restituição deve versar apenas sobre o quantum relativo ao enri-quecimento do agente.

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Essa obrigação de restituir alcança da mesma forma os benefícios alcançados, como osfrutos. Se equivocadamente um apartamento foi dado em dação de forma a saldar umadívida, os aluguéis são igualmente devidos com a restituição do imóvel.ação de in rem versoA ação de in rem verso, ou seja, a ação de que se vale quem sofreu o empobrecimento semcausa jurídica, deve observar os seguintes requisitos: (i) a existência de um enriquecimento;

(ii) um empobrecimento correlativo; (iii) ausência de causa jurídica para sua ocorrência; e(iv) ausência de interesse pessoal do empobrecido.O enriquecimento é o elemento central. No momento de exercício da ação, ele deve es-tar ainda presente. Se já não mais subsiste, essa ação carecerá de interesse processual. Outrodado importante é a aferição das circunstâncias no caso concreto, que deve ser procedida

 pelo julgador, avaliando em que medida o enriquecimento efetivamente se processou.O enriquecimento é a transferência de porção do patrimônio de alguém para a esfera

 jurídica de outrem sem que tenha havido o desejo dessa transmissão, ou que esse mesmo ________________________________________ Page 122122FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

desejo tenha se manifestado de forma equivocada. Pode se operar por intermédio de diver-sos institutos jurídicos, como a remissão indesejada de uma dívida ou uma liberalidade feitaà pessoa equivocada.

 Nos casos de pagamento indevido, que é espécie de enriquecimento sem causa, além dealguém que enriqueça de forma indevida, é necessária a existência de alguém que concomi-tantemente empobreça. Observa-se um nexo de causalidade entre essas duas ações, isto é,um fato jurígeno que redunda em vantagem para um e desvantagem para outro. Ainda, avantagem aqui referida deve ser mensurável economicamente.Conexo á idéia de enriquecimento é igualmente importante a falta de causa. Causa é oato jurídico que justifica a inclusão de um direito no patrimônio jurídico de alguém. O art.885 do Código Civil define:Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique oenriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Como visto, o enriquecimento sem causa redunda no surgimento de obrigações sem que para isso concorra a vontade dos agentes. Uma vez efetuado, por exemplo, um pagamentoindevido, surge aquele que o recebe a necessidade de devolvê-lo. Para o surgimento dessaobrigação não é necessária emanação do empobrecido.A subsidiariedade da ação de in rem verso é determinada no art. 886 do Código Civil.Essa ação deve ser usada quando o cabimento de outras medidas não for possível, comoações fundadas em cláusulas contratuais ou ações que busquem a anulação ou reconheci-mento da nulidade de negócios jurídicos. Na ação que busca dirimir o enriquecimento semcausa, apenas o que foi indevidamente recebido pode ser pleiteado, não se podendo aduzir 

 pedidos como perdas e danos e pagamento de cláusula contratual.Pagamento indevidoPagamento indevido é modalidade peculiar de enriquecimento sem causa e, dessa forma,segue os mesmos princípios gerais aplicados àquele71. Da mesma forma, a idéia que norteia

o instituto é a de reequilíbrio patrimonial.Já se observou em aulas anteriores a relevância do pagamento como forma natural deextinção das obrigações. Através do cumprimento da obrigação, seja ela de dar, fazer ou nãofazer, ocorre a solução do vínculo que liga devedor e credor.

 Nesse sentido, o instituto do pagamento é inicialmente tratado pelo art. 876 do CódigoCivil, o qual determina que:Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obri-gação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.De forma simples, têm-se que, por erro, alguém realiza pagamento referente à dívidainexistente (indébito objetivo) ou o faz, tendo em vista dívida de fato existente, mas em

 benefício de pessoa equivocada (indébito subjetivo).Diante do equívoco surge a possibilidade de repetir, isto é, de reaver o que foi pago. Aidéia inerente ao pagamento indevido é o erro, a noção equivocada de vinculação a umaobrigação que na realidade não existe. Trata-se de um requisito, pois se o solvens, mesmosabendo da inexistência de débito, realiza o pagamento, não há que se pleitear repetição.

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Do pagamento indevido surge uma obrigação que vincula o accipiens à devolução do in-devidamente recebido. Essa obrigação tem causa na lei, notadamente no art. 876 do Código71 Destaque-se que embora

 próximo ao enriquecimentosem causa, o pagamento inde-vido, enquanto instituto, con-

serva especificidades próprias,como a ação de repetição, ex- pediente processual diverso daactio in rem verso, modalidadegenérica cabível nos casos deenriquecimento ilícito.

 ________________________________________ Page 123123FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsCivil, e não deixa de ser um fato curioso na medida em que um pagamento, meio natural deextinção de obrigações, é causa geradora de uma nova relação crédito/débito.

 No que concerne aos requisitos do pagamento indevido, pode-se elencar os seguintes:(i) pagamento (aqui concebido no sentido amplo); (ii) ausência de causa jurídica; e (iii) erro,sendo aqui irrelevante a espontaneidade do pagamento para tornar obrigatória a restituiçãodo mesmo.Em relação ao erro do solvens, é necessário atentar, preliminarmente, ao art. 877 doCódigo Civil, ao dispor que:Art. 877. Àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito

 por erro.Conforme enuncia o dispositivo transcrito, no caso de pagamento indevido, há a neces-sidade de provar o erro. No entanto, tal artigo deve ser interpretado de modo restrito, comose referindo apenas ao pagamento sem causa jurídica. Não há que estender a imposiçãodesse ônus probatório na configuração do enriquecimento ilícito.72Caio Mário destaca ainda, no tocante ao erro, que:

“A repetição do indébito comporta ainda o erro quantitativo quando o devedor paga maisdo que deve; ou quando paga por inteiro a um dos co-credores, no caso de a obrigação nãoser solidária e ser divisível, ou ainda quando por erro sobre a situação real, paga a dívida jáextinta”.73Da mesma forma, observa-se a existência de pagamento indevido quando se salda dívidacondicional antes do implemento da condição suspensiva. Conforme observado, antes doimplemento do evento futuro e incerto, não há direito propriamente dito, mas tão somenteexpectativa de direito. Não há obrigação a ser solvida e, portanto, o pagamento erronea-mente vinculado é repetível.

 No entanto, o mesmo não ocorre com as obrigações sujeitas a termo inicial (suspensivo). No termo, o evento que implica a eficácia da obrigação é futuro e certo. A obrigação já exis-te, apenas sua eficácia é que se condiciona ao implemento do termo. O direito do credor dereceber já existe e quando o prazo aproveitar ao devedor, este pode dele abrir mão, pagando

antecipadamente a obrigação. Não haverá, nesse caso, que se falar em repetição.74delineamentos gerais da repetiçãoOs efeitos do pagamento indevido, no que concerne à repetição, podem variar de acordocom a intenção do accipiens, na medida em que a conduta deste pode ser dar em consonân-cia com a boa ou má-fé.De modo sucinto, em havendo boa-fé, algumas peculiaridades da repetição deverão ser observadas: (i) o accipiens deve restituir o recebido e os frutos estantes; (ii) a devolução deveser dar, prioritariamente em espécie, mas na impossibilidade disso ocorrer, deve o accipiensrestituir o valor estimado em dinheiro; (iii) o accipiens tem direito aos frutos percebidos e nãoé obrigado a devolver a estimação pecuniária daqueles que já consumiu; (iv) tem ele direitoà restituição dos valores referentes às benfeitorias úteis e necessárias (e o conseqüente direitode retenção), bem como o de levantar as benfeitorias voluptuárias; e (v) o accipiens somenteresponde pela deterioração ou perecimento do objeto quando transigir com culpa.Por outro lado, a lei é bem mais severa com o accipiens de má-fé, determinando: (i) a res-tituição da coisa, bem como os frutos e acessões próprios a ela; (ii) o accipiens de má-fé pode

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72 O enriquecimento sem causa,como visto, é gênero que com-

 preende como espécie o paga-mento ilícito. a prova do erroé exigência apenas quando seintenta mostrar a ocorrência da

espécie em questão.73 caio Mário da silva Pereira.Instituições de Direito Civil, v. II.Rio de Janeiro: Forense, 2004;

 p. 297.74 Destaque-se que, se por ou-tro lado, o termo aprouver aocredor, esse poderá enjeitar orecebimento da prestação atéo momento fixado para o cum-

 primento da obrigação. ________________________________________ Page 124

124FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOssomente pleitear o valor das benfeitorias necessárias, sem nem mesmo o direito de retenção;(iii) quando do perecimento ou dano à coisa deve responder pela estimação pecuniária damesma, ainda que não tenha concorrido com culpa, excepcionando-se os casos em que odano ocorreria independentemente do pagamento indevido.Ainda na seara dos efeitos, aquele que recebe imóvel por conta de pagamento indevidoestá incumbido a auxiliar o solvens na retificação do registro.Se o accipiens, procedendo de boa-fé, alienar o imóvel antes da reivindicação, fica obriga-do a restituir ao solvens o valor auferido na transação. Estando, entretanto, de má-fé, certa éa possibilidade do solvens exigir quantum indenizatório referente a perdas e danos.Indistintamente, no caso de doação, aquele que pagou equivocadamente pode deman-

dar o imóvel do beneficiado.A primeira das hipóteses de impossibilidade de repetição está inserta no art. 881:Art. 881. Se o pagamento indevido tiver consistido no desempenho de obrigação de fazer ou para eximir-se da obrigação de não fazer, aquele que recebeu a prestação fica na obrigaçãode indenizar o que a cumpriu, na medida do lucro obtido.A prestação se esgota no ato de sua execução, no fazer, ou ainda numa omissão, nessecaso, não fazer. A regra aqui é que o accipiens fica obrigado a indenizar na medida do bene-fício auferido.Atentando aos artigos 882 e 883 do Código Civil, pode-se perceber três casos de ex-clusão do direito de repetição: (i) no pagamento de dívida já prescrita; (ii) no pagamentode obrigação natural; e (iii) quando o pagamento objetiva fim ilícito, imoral ou proibido

 por lei.A razão de ser dessa tripartição de causas é adotar a metodologia exposta pelo Código, no

entanto, como já foi destacado, as obrigações naturais comportam as obrigações prescritas.O art. 882 do Código Civil enuncia que a impossibilidade de repetição atinge tanto asdívidas prescritas como as obrigações juridicamente inexigíveis (leia-se, naturais):Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.A prescrição atinge a pretensão, mas não o direito em si, e tendo isso em vista, o paga-mento de dívida prescrita, bem como de qualquer outra obrigação natural (inexigível), nãoimporta para o accipiens a necessidade de repetição. São obrigações incompletas, uma vezque são caracterizadas apenas pela existência de débito, sem responsabilidade:Art. 883. Não terá direito à repetição aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito,imoral, ou proibido por lei.Parágrafo único. No caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimentolocal de beneficência, a critério do juiz.A associação dos contratantes almejando fim reprovado pela lei tem por efeito macular o direito de repetição. É uma aplicação do adágio de que a ninguém é dado se beneficiar da

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 própria torpeza. Se o solvens procede de modo torpe, dando algo e pretendo finalidade ilícitaou imoral, não tem ação de repetição.Por fim, outra hipótese de não repetição também é contemplada no art. 880 do CódigoCivil:

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125FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsArt. 880. Fica isento de restituir pagamento indevido aquele que, recebendo-o como

 parte de dívida verdadeira, inutilizou o título, deixou prescrever a pretensão ou abriu mão dasgarantias que asseguravam seu direito; mas aquele que pagou dispõe de ação regressiva contrao verdadeiro devedor e seu fiador.Aqui a lei traça especial consideração com aquele que recebe de boa-fé pagamento, cren-do ser este decorrente de dívida verdadeira, e por conta disso, deixa de manter o título egarantias referentes ao crédito que crê recebido. O art. 880 do Código determina uma pro-teção ao accipiens que procede nessas condições, sendo corolário da idéia de segurança dasrelações sociais e homenagem à boa-fé.2. caso GErador 

 Numa manhã de sábado, João, dirigindo de forma desatenta, acidentalmente colidiucom um caminhão da transportadora Cacique Transportes Ltda que retornava à garagem daempresa, onde sofreria reparos no correr da semana.

 Nenhum dos dois veículos envolvidos na colisão possuía seguro, ficando a cargo dos proprietários acordar a reparação dos prejuízos.João, assumindo prontamente a culpa, transferiu o montante de R$ 1.200 (hum mil eduzentos reais) para conta bancária de titularidade da transportadora, a fim de dar início, oquanto antes, à reparação dos prejuízos.

 Na tarde do mesmo sábado, o caminhão foi levado à assistência técnica, onde o valor doserviço foi fixado em 800 reais. Agindo de fora diligente, os funcionários da oficina repara-ram o veículo ainda no mesmo dia.Alguns dias depois, estranhando a não existência de nenhum contato por parte da di-reção da transportadora no que concerne à devolução do valor excedente, João decide ir 

até a sede da sociedade no intuito de reaver os R$ 400 (quatrocentos reais) não gastos nosreparos.Para sua surpresa, o diretor da empresa afirma que não devolveria esse valor, por contade lucros cessantes, transtornos, danos morais e toda sorte de inconvenientes que sofreu por conta da não utilização de seu veículo.Revoltado com a postura do diretor da empresa, João busca aconselhamento jurídicosobre como agir para reaver o valor não gasto pela empresa com os reparos. Como vocêaconselharia João no caso narrado acima?

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AULA 17: INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕESEmENtário dE tEmasMora do devedor – Mora do credor – Purgação de mora – Perdas e Danos – Culpa dodevedor – Caso fortuito e força maior – Considerações sobre a cláusula de não indenizar lEitura obriGatóriaSAVI, Sergio. “Inadimplemento das obrigações, Mora e Perdas e Danos”, in GustavoTEPEDINO (org) Obrigações: Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Ja-neiro: Renovar, 2005; pp. 457/488.lEituras comPlEmENtarEsLÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005; pp.267/302.TEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He-lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; pp. 689/724.1. rotEiro dE aula

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Quando uma dívida deixa de ser paga, ocorre atraso, ou o pagamento é feito de formaequivocada, a lei confere ao credor mecanismos para fazer com que essa obrigação sejacumprida, ou no caso de impossibilidade, que esse credor insatisfeito encontre formas deminorar a sua insatisfação.A crise no cumprimento da obrigação se manifesta juridicamente a partir do mo-mento em que o pagamento se torna exigível e atentando a isso, existem situações em

que a própria lei antecipa o cumprimento da obrigação, como figura, por exemplo, noart. 333 CC.75O inadimplemento da obrigação pode ser absoluto ou relativo. O critério que possibilitaessa diferenciação, reside no parágrafo único do art. 395 do Código Civil, qual seja, a utili-dade da prestação realizada fora das condições especificadas.Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atuali-zação dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários deadvogado.Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.

 No inadimplemento absoluto, a obrigação não foi cumprida em conformidade com ascondições definidas e não mais poderá sê-lo. Essa impossibilidade de cumprimento é tarefa

 para o julgador e varia de acordo com o caso concreto. Se o juiz considerar que ainda há

utilidade para a o credor no cumprimento da obrigação, estará o devedor em mora.75 art. 333. ao credor assistirá odireito de cobrar a dívida antesde vencido o prazo estipuladono contrato ou marcado nestecódigo:I – no caso de falência dodevedor, ou de concurso decredores;II – se os bens, hipotecados ouempenhados, forem penho-rados em execução por outrocredor;

III – se cessarem, ou se se tor-narem insuficientes, as garan-tias do débito, fidejussórias, oureais, e o devedor, intimado, senegar a reforçá-las.Parágrafo único. nos casos des-te artigo, se houver, no débito,solidariedade passiva, não sereputará vencido quanto aosoutros devedores solventes.

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 Não é a mera aferição da possibilidade do cumprimento da obrigação que distingue oinadimplemento relativo (mora) do inadimplemento absoluto. O enfoque correto é o as-

 pecto da utilidade para o credor, o qual somente pode ser determinado no caso concreto.O inadimplemento relativo, ou mora, pode ser imputada tanto ao devedor como aocredor. Quando se trata de mora do devedor (solvendi), têm-se o retardamento culposo nocumprimento da obrigação, sendo, por outro lado, a mora do credor (accipiendi) a ocor-rência de um fato jurídico que se aperfeiçoa independentemente do fato de ter o credor 

 procedido culposamente.A lei é expressa no sentido de que deve haver culpa no caso e mora solvendi, destacando-se os arts. 396 e 399 do Código Civil:Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este emmora.Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa

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impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atra-so; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosseoportunamente desempenhada.

 Não se trata somente de alusão ao critério temporal. A mora não se liga apenas ao re-tardamento, mas de forma geral, a irregularidades no adimplemento de uma obrigação.Vale lembrar que lugar do pagamento e formalidades definidas também são fatores a serem

considerados para a constituição em mora (art. 394 do Código Civil).mora do devedor Salvo exceções, é necessário para que haja mora do devedor que a dívida já esteja ven-cida. Nas obrigações líquidas e certas, com prazo previsto para o cumprimento, o simplesadvento dessa data importa na mora do devedor. Trata-se, nessa hipótese, de mora ex re, quedecorre da própria coisa. É a regra dies interpellat pro homine, a qual destaca, como visto,que apenas o fato do devedor se deparar com dia do pagamento já o constitui em mora. NoCódigo Civil, essa regra se encontra no art. 397, caput.Se, pelo contrário, a obrigação possuir prazo indeterminado, haverá a necessidade deinterpelação (ou notificação ou protesto) do devedor para que o mesmo seja constituídoem mora. Trata-se, então, da mora ex persona, e o seu assentamento legal está no parágrafoúnico do art. 397:Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de

 pleno direito em mora o devedor.Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicialou extrajudicial.

 No caso de uma obrigação negativa, a mora se verifica a partir do dia de prática do ato,conforme expõe o art. 390 do Código Civil:Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia emque executou o ato de que se devia abster.Como já destacado, a mora do devedor possui dois elementos: um objetivo, que é a exi-gibilidade da obrigação, e outro subjetivo, que é a culpa do devedor. Se este não concorreu

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TEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOscom culpa para o não cumprimento da obrigação, não podem lhe ser imputados os efeitosda mora. Tendo isso em vista, o devedor, provando caso fortuito ou força maior, afasta amora.Afora esses elementos, necessária ainda é a constituição em mora. A mora ex re se operacom o simples advento do termo; a mora ex persona, por outro lado, requer que o credor constitua o credor em mora, o interpelando.Em relação aos efeitos da mora, pode-se destacar os artigos 399 e 402 do CC:Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essaimpossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atra-so; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosseoportunamente desempenhada.Aqui o devedor moroso arca com o ônus probatório de demonstrar que a solução desfa-

vorável da obrigação independentemente da sua mora.Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao cre-dor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.As perdas e danos, conforme demonstra o artigo, abrangem tanto montante efetivamen-te perdido como aquilo que se deixou de perceber.mora do credor A mora do credor, como já destacado, independe de culpa. Estará, invariavelmente emmora o credor que não quiser ou não puder receber. A noção vem definida pelo art. 394 doCódigo Civil:Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor quenão quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.O devedor deverá se valer dos instrumentos legais no intuito de caracterizar mora docredor e de desobrigar-se, sendo o mais relevante desses institutos a consignação judicial. Aimportância de desobrigar-se reside sobretudo no fato de que enquanto não efetua o paga-mento, o devedor, em regra, assume os riscos pela guarda da coisa.

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A aplicabilidade da consignação estáexpressa no art. 335, III, do Código Civil:Art. 335. A consignação tem lugar:III – se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir emlugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;A recusa do credor no recebimento da prestação deve ser justificada para que ele nãoseja constituído em mora. Por exemplo, se a oferta for incompleta, se é ofertada antes do

 prazo para o recebimento, ou sob condições diversas das estabelecidas, haverá justa recusado credor.Destaque-se que a mora do credor e a mora do devedor não podem ser concomitantes.Apenas um dos dois será constituído em mora pelo juiz.

 No que toca aos efeitos da mora do credor, temos a delineação dos contornos gerais noart. 400 do Código Civil:

 ________________________________________ Page 129129FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsArt. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pelaconservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e

sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre odia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.Do acima exposto, pode-se depreender três efeitos:(i) A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação dacoisa – Como destacado, há a necessidade de que o devedor não proceda com dolo,de modo a gerar prejuízo para o credor. Deve conservar sua atuação em consonân-cia com os ditames da boa-fé, e nesse caso, se incorrer em gastos, devem estes ser 

 prontamente ressarcidos pelo credor. Dessa forma, temos que é certa a necessidadede atuar com zelo na conservação da coisa sob pena de ser tachado como doloso seucomportamento.(ii) Obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la; Decorre do fato deque o devedor não tem mais responsabilidade sobre a coisa, não sendo razoável queassuma gastos, por exemplo, por conta de um comportamento desidioso do credor.

(iii) Sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor. Essa hipótese ocorrenos casos de oscilação do valor da coisa, quando o devedor se aproveitará do valor que lhe for mais conveniente.Purgação de moraPurgação de mora é o ato mediante o qual quem incorreu em mora, seja o credor ou odevedor, dirime seus efeitos.A purgação de mora é possível nos inadimplementos relativos. Quando, de outra ma-neira, o inadimplemento for absoluto, ou seja, o pagamento não mais apresentar utilidade,a pendência se resolverá através de perdas e danos.A purgação apresenta efeitos ex nunc. A partir da data em que se efetivou, não fica maiso agente sujeito aos ônus da mora, mas ainda assim, a oneração referente ao período em quefora constituído em mora se conserva perfeita.A cessação da mora, por sua vez, extingue todos os seus efeitos, inclusive os pretéritos.

A purgação da mora ocorre nos termos do art. 401 do Código Civil, ou seja, quando odevedor oferece a prestação acrescida dos prejuízos até o momento decorrentes. Essa ofertadeve ainda obedecer às condições anteriormente acordadas pelas partes, como local do pa-gamento, bem como outros detalhes.Art. 401. Purga-se a mora:I – por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízosdecorrentes do dia da oferta;II – por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aosefeitos da mora até a mesma data.Pertinente é saber até quando pode a mora ser purgada. Nesse sentido, percebe-se plu-ralidade de linhas doutrinárias, como por exemplo, a possibilidade de purgação até o mo-mento de propositura da ação ou até a contestação. Há outras hipóteses, onde a lei cuidaexpressamente de determinar o momento limite para a purgação da mora, mas a doutrinaainda carece de um entendimento pacificado acerca desse tema.

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Page 130130FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsPerdas e danosConforme o examinado, quando o cumprimento da obrigação não é mais possível, ocor-

re o seu inadimplemento absoluto.A orientação que guia a reparação por perdas e danos começa a se delinear no art. 393do Código Civil, o qual destaca que é crucial a existência de culpa:Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou forçamaior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujosefeitos não era possível evitar ou impedir.Curioso notar que o novo diploma, no caput desse artigo 393, assume postura diferenteda existente no código anterior, onde não era prevista a possibilidade de responsabilização,ainda no caso das excludentes de caso fortuito e força maior.Arcar com perdas e danos implica, de forma sucinta, em indenizar prejuízos tanto denatureza material como moral, perpetrados mediante um comportamento ilícito.A questão das perdas e danos será pormenorizada no estudo da responsabilidade civil.

Por ora, cabe destacar os dispositivos no código civil referentes à responsabilidade contratuale extracontratual (ou aquiliana). A primeira, possui previsão geral no art. 389, ao passo quea segunda encontra-se no art. 186.Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais jurose atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários deadvogado.Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.A aferição do montante referente a perdas e danos é campo para atuação do magistrado, nocaso concreto. Sob o aspecto material, elas se estendem desde o prejuízo efetivamente causado,até o que deixou de ser ganho – lucros cessantes. Essa é a dicção dos arts. 402 e 403 CC:Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao cre-dor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluemos prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo dodisposto na lei processual.

 Na busca da apuração das perdas e danos deve-se ter em mente o efetivo prejuízo acar-retado pelo inadimplemento. Devem-se afastar especulações meramente hipotéticas sobreas possibilidades de ganho.

 Nem todos os danos redundam em prejuízo econômico claro e facilmente perceptível,afetando por vezes a integridade psíquica ou outros elementos abstratos, como a moral e ahonra.culpa do devedor A responsabilidade contratual funda-se na culpa. Culpa em sentido ampla, congregandotanto o deliberado propósito de não arcar com a obrigação, como a sua não realização em

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Page 131131FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsvirtude de imprudência, imperícia ou negligência. Esses três últimos elementos são os mes-mos destacados no campo do direito penal, por ocasião do art. 18 do Código Penal. O art.392 do Código Civil, por seu turno, destaca:Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem ocontrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, respondecada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.Da letra desse dispositivo pode-se observar a diferenciação operada pela lei. Dolo e culpasão elementos reconhecidos, mas a regra é que na teoria contratual, a culpa é examinadanuma perspectiva ampla, não pormenorizando-se o propósito do agente quando da práticado ato ilícito.Para os contratos benéficos – unilaterais, como a doação – a lei destaca a diferenciação

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entre dolo e culpa. Nesse mesmo exemplo, o doador somente pode responder por dolo, istoé, pelo consciente atuar no sentido de prejudicar ao donatário, ao passo que esse poderá res-

 ponder por culpa em sentido amplo (dolo ou culpa). Já em relação aos contratos bilaterais,segue-se a necessidade de examinar a culpa no seu sentido amplo.Mais uma vez, tem-se que afirmar que a verificação da culpa e dos efeitos do inadim-

 plemento é atribuição do julgador e são somente visualizáveis no julgamento da lide. Esse

 papel do juiz possui balizamentos encontrados na própria lei, mas essencialmente atende àavaliação pelo mesmo realizada às luz das circunstâncias do caso.Destaque-se, nesse sentido, a prerrogativa que o Código Civil confere ao magistradode diminuir eqüitativamente o valor da indenização no caso de desproporção entre culpa eextensão do dano:Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano,

 poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.Trata-se aqui de uma situação excepcional, na qual o juiz não é obrigado a se ater aomontante do prejuízo quando da fixação do valor indenizatório. No entanto, a situaçãooposta, qual seja, a majoração do valor da indenização por conta de culpa proeminente, nãoé admitida, devendo-se tão somente se ater ao valor do prejuízo.

 No que se refere ao inadimplemento do credor, a lei não traça considerações acerca da

necessidade de culpa. No entanto, a recusa por sua parte em receber também implica em prejuízos que devem ser indenizados. Aqui são aplicados os artigos 400 e 401 do CódigoCivil, já examinados.Em relação ao ônus probatório, o Código Civil define a seguinte partição: (i) ao credor compete provar tão somente o descumprimento do contrato, tratando-se, portanto, de pro-va objetiva; e (ii) ao devedor, por sua vez, para dirimir sua responsabilidade, incumbe provar que não agiu com culpa.O credor deve apresentar prova da existência do contrato, que o mesmo foi descumpridoe que esse descumprimento lhe implicou prejuízo.A questão do ônus probatório assume perspectivas distintas em relação às obrigações demeio e de resultado. As obrigações de meio, como visto, são aquelas em que o obrigado secompromete não a um resultado, mas a executar uma tarefa, empregando nela sua habilida-de, destreza e reputação. Dessa forma, a culpa desse executor eclodirá da aplicação de forma

indevida dos meios necessários à realização da obrigação. O advogado afamado contratado para patrocinar o cliente em determinada avença não está obrigado à vitória, mas se perde ________________________________________ Page 132132FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

 prazo processual e desse fato resulta prejuízo à parte que representa, não poderá alegar aimprevisibilidade do resultado como forma de excluir sua culpa. Essa é a linha de distinçãocom as obrigações de resultado, quando a obrigação é descumprida na não consecução doresultado previsto.caso Fortuito e Força maior A exclusão da responsabilidade nas hipóteses de caso fortuito e força maior tem previsão

no art. 393 do Código Civil:Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou forçamaior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujosefeitos não era possível evitar ou impedir.

 Na diferenciação desses dois institutos, não há entendimento pacificado entre os autores,mas, em termos gerais, pode-se afirmar o seguinte: força maior é um fato decorrente desituações que independem do agir humano, tendo como principais exemplos fenômenos danatureza como ciclones, terremotos, a queda de um raio, etc; caso fortuito, por sua vez, em-

 bora igualmente decorra de situação alheia à vontade da parte, decorre de fatos humanos,como uma greve ou um ato criminoso.O Código Civil dispõe acerca desses institutos como situações invencíveis, intransponí-veis, que impedem o cumprimento da obrigação, excluindo a responsabilização do devedor.O ônus de prová-los é do devedor faltoso e se opera concomitantemente sob duas pers-

 pectivas: (i) objetiva, que é a inevitabilidade do evento; (ii) subjetiva, que se manifesta na

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imprevisibilidade do evento. Essa perspectiva subjetiva redunda na idéia de culpa, pois seo devedor tinha condições de prever esse evento invencível ou mesmo de evitar que ele seaperfeiçoasse, deverá arcar com os prejuízos da outra parte.considerações sobre a cláusula de não indenizar A princípio, nada impede que os contratantes prevejam cláusula de não indenizar, con-tudo, essa cláusula não pode ser oposta indistintamente.

A cláusula de não indenizar, como a própria nomenclatura já define, é um artifício jurí-dico que pode aderir ao contrato prevendo que o dever de indenizar não exista. É a renúncia prévia ao direito de pedir reparação. A possibilidade dessa cláusula deriva do fato de estar-sediante de direito dispositivo das partes.

 Não obstante, o ordenamento prevê hipóteses onde a oposição dessas cláusulas é invá-lida, isto é, quando elas confrontam normas de ordem pública. Esse tema é amplamentediscutido no Direito do Consumidor, em especial no que toca aos contratos de adesão, quediferentemente dos contratos paritários, não possuem seus termos discutidos entre as partes.

 Nos contratos de adesão, a vontade contratual se manifesta simplesmente na adesão a umcontrato pré-constituído, como é o exemplo dos contratos bancários. Como visto, a possi-

 bilidade da cláusula de não indenizar vem determinada pelo art. 393 do Código Civil.Vale destacar que a existência dessa cláusula não autoriza o seu beneficiário a agir deacordo com a conduta prevista, justamente para causar o dano e depois aproveitar a dispo-

sição expressa no contrato. Se o contratante, tendo em mente a sua isenção de indenizar,deliberadamente ocasiona o dano, fere os princípios de boa-fé contratual e dá ensejo a perdas e danos. ________________________________________ Page 133133FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsA matéria encontra um tratamento especial no Código de Defesa do Consumidor. A Leinº 8.078/90 define como abusiva qualquer cláusula que implique em desvantagem exagera-da ou seja atentatória à boa-fé ou à equidade. Nesse sentido, o art. 51, IV, do CDC dispõeque “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao forneci-mento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas,

que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.”2. QuEstõEs dE coNcurso26º Exame da Ordem – OAB/RJ – 1ª fase44. Assinale a alternativa correta:a) A nossa sistemática jurídica admite, em se tratando de arras confirmatórias, o direitoexpresso de arrependimento;

 b) Realizada a pactuação de arras confirmatórias e, em não se concretizando o contratodefinitivo, a nossa legislação faculta à parte prejudicada pleitear eventuais perdas edanos excedentes ao valor das arras;c) Em se tratando de arras penitenciais, o exercício do direito de arrependimento pela

 parte que recebeu as arras, ocasionará apenas a devolução exata do valor recebido àtítulo de arras;

d) A nossa sistemática jurídica, seguindo Direito Romano e embasada no princípio da“pacta sunt servanda”, admite apenas as arras penitenciais.Concurso para o cargo de Advogado do BNDES (2004)52. Analisando-se os princípios inerentes à teoria geral das obrigações, na hipótese deinadimplemento parcial de uma obrigação com data certa, a constituição em mora dodevedor:a) depende de notificação publicada na Imprensa Oficial;

 b) independe de qualquer espécie de notificação;c) deve ser ultimada por notificação cartorária;d) será possível somente pela via judicial, através de citação ou intimação válida;e) não será possível, pois a inércia das partes gera a prorrogação do prazo por tempoindeterminado.Concurso para o cargo de Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas daUnião (2004)O prefeito de determinado município foi condenado pelo TCU ao pagamento da quan-

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TEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He-lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; pp. 734/755.1. rotEiro dE auladisciplina jurídica da cláusula PenalA cláusula penal é uma obrigação de natureza marcadamente acessória, e é por meio dela

que se vincula a parte inadimplente ao pagamento de uma multa. Existem portanto duasfinalidades principais do instituto: (i) a finalidade de indenização prévia de perdas e danos,e (ii) a de penalizar do devedor moroso.A legislação civilista não oferece conceituação do instituto. No Código de 2002, a previ-são inserta nos arts. 408 a 416 do Código Civil traça a dinâmica relativa ao tema:Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente,deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.Como pode se observar pela letra do art. 408, as finalidades da cláusula penal, conformeenunciado, são reprimir o descumprimento total da obrigação ou o atraso no mesmo me-diante a vinculação de uma multa.Ao conceituar a natureza jurídica da cláusula penal afirmou-se que a mesma tratava-sede uma obrigação acessória. De acordo com a regra geral, o acessório segue o principal, enesses casos, a nulidade da obrigação principal, por exemplo, implicaria na necessária e con-

seqüente nulidade da obrigação acessória. A cláusula penal constitui exceção a essa regra.O antigo Código de 1916, em seu art. 922, possuía uma regra que por conta da suaincorreção foi suprimida do atual diploma. O regramento anterior dizia que “a nulidade daobrigação importa a da cláusula penal.”

 ________________________________________ Page 136136FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsHá situações em que mesmo diante da nulidade do contrato, poderá ser verificada acontinuação da cláusula penal. A cláusula penal pode ter sido pactuada justamente para oscasos de ser tida como nula a obrigação principal. Aqui, na realidade, a cláusula penal deixade ser acessória, para torna-se obrigação autônoma.

cláusula Penal compensatória e cláusula penal moratóriaA cláusula penal pode abarcar: (i) a inexecução completa da obrigação (inadimplementoabsoluto), (ii) o descumprimento de uma ou mais cláusulas do contrato ou (iii) ou a simplesmora (inadimplemento parcial). O momento de estipulação pode coincidir com o da obri-gação, ou ser feito em momento posterior, conforme redação do art. 409 CC:Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato pos-terior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ousimplesmente à mora.Deve-se ter em mente que a cláusula penal compensatória constitui prefixação de perdase danos. Dessa forma, basta que o credor prove o inadimplemento imputável ao devedor 

 para que seja devida multa pactuada. Verificando-se os pressupostos de exigibilidade, devea multa ser adimplida.Por outro lado, na hipótese de não previsão de cláusula penal, compete ao credor a ne-

cessidade de provar a ocorrência de perdas e danos, bem como o valor a elas referente.De acordo com o art. 410 do Código Civil, “quando se estipular a cláusula penal parao caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefíciodo credor.”O credor pode pedir o valor da multa ou o cumprimento da obrigação. Jamais as duas

 prestações conjuntamente. O devedor, pagando a multa, se desincumbe por completo, vistoque a cláusula penal constitui fixação antecipada de indenização pelo descumprimento daobrigação.Hipótese diferente é a da multa moratória, que devido à sua natureza, sempre se mostraútil para o credor. A multa (cláusula penal moratória) funciona intimidando o devedor aocumprimento da obrigação devida dentro do prazo inicialmente fixado. A pena aqui é anecessidade de pagar de forma mais onerosa.A natureza compensatória, por outro lado, não está completamente dirimida, visto queo credor, por força do efeito de intimidação operacionalizado pela multa moratória, recebesua prestação tardiamente. Ainda assim, não é essa a natureza basilar dessa espécie de cláu-

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sula penal.Resta claro que na multa compensatória a opção será do credor. Suas opções, por via deconseqüência são:i) Entendendo que os prejuízos resultantes do inadimplemento são maiores que o va-lor da multa, demandará perdas e danos;ii) Considerando, contudo, que a multa estipulada lhe cobre os prejuízos, ou ainda,

não querendo enveredar pelas questões probatórias das perdas e danos, optará pelacobrança da multa.A questão da suplementação da indenização prevista na cláusula penal foi tratada peloartigo 416 do Código Civil:

 ________________________________________ Page 137137FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsArt. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode ocredor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a penavale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

Caso o credor conclua que o prejuízo é maior do que o valor previsto na multa, a possi- bilidade de cobrar o valor excedente deve vir prevista no contrato. Há que se observar, con-tudo, a existência ou não de limitação ao valor dessa suplementação. Essa análise, todavia,envereda pelo campo da autonomia contratual das partes. Em todo o caso, há de afirmar que a demanda por valor indenizatório maior segue a regra geral das perdas e danos, com-

 petindo ao credor a prova da sua existência.A cláusula penal moratória é instituída para o inadimplemento parcial da obrigação.Esse inadimplemento pode ser ou a simples mora (atraso no cumprimento), ou a violaçãode uma cláusula contratual. Deve-se destacar que não há óbice na cumulação da multa com-

 pensatória com a multa moratória. É o enunciado por força do art. 411 do CC:Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurançaespecial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da penacominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.

Ainda, no que toca ao Código de Defesa do Consumidor, é necessário atentar que o refe-rido diploma fixou o limite das multas de mora em 2% do valor da prestação nos contratosque envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento.76De todo o exposto, inferem-se basicamente duas funções para a cláusula penal: (i) cons-titui um reforço para o cumprimento da obrigação, ou seja, uma forma de tentar garantir o seu adimplemento; (ii) fixa antecipadamente as perdas e danos, evitando o complexo

 processo de apuração de prejuízos. Há, atentando-se à ambas as funções, maximização das possibilidades de cumprimento da obrigação.Exigibilidade da cláusula PenalA exigibilidade não está condicionada à demonstração do prejuízo. Tanto como função

 punitiva, como de perdas e danos prefixados, a exigibilidade está diretamente vinculada afato imputável ao devedor (culpa ou dolo).Seguindo a dinâmica estudada quando das obrigações indivisíveis, cumpre analisar o

art. 415 do Código Civil. O cerne do dispositivo consiste no fato de impedir que a multa,dotada de intrínseco caráter punitivo, alcance aqueles que não lhe deram causa.Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro dodevedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.Relevante também é saber o momento a partir do qual é devida a multa moratória.Quando não houver prazo, a multa será exigível apenas após a constituição em mora dodevedor. Nesse sentido, o art. 397 dispõe que:Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de

 pleno direito em mora o devedor.Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicialou extrajudicial.76 art. 52. no fornecimentode produtos ou serviços queenvolva outorga de crédito ouconcessão de financiamento

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ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos,informá-lo prévia e adequada-mente sobre:(...)§ 1° as multas de mora de-

correntes do inadimplementode obrigação no seu termonão poderão ser superioresa dois por cento do valor da

 prestação.§ 2º É assegurada ao consumi-dor a liquidação antecipada dodébito, total ou parcialmente,mediante redução proporcionaldos juros e demais acréscimos.§ 3º (Vetado).

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138FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsA lei define um limite à fixação do valor da cláusula penal que corresponde ao valor daobrigação principal. O excesso desse valor não é exigível, fora os casos de suplementação jáexaminados, e cuja possibilidade deve ser previamente acordada pelas partes. O art. 412 doCódigo Civil assevera que:Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obri-gação principal.Se houver cumprimento parcial da obrigação, atentando para as particularidades do casoconcreto, pode o juiz reduzir o valor devido a título de cláusula penal. O entendimentocorrente, contudo, segue a linha de que essa redução seria um direito do devedor, no sentidode que o mesmo já adimpliu parcialmente com o devido e não seria coerente onerá-lo em

 porção demasiadamente maior.O art. 413 dispõe sobre a possibilidade de redução eqüitativa da multa:Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação prin-cipal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamenteexcessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

 Nessa redução deve o juiz considerar as condições peculiares do negócio jurídico sobreo qual a lide versa. O campo aqui é o da equidade e deve o magistrado atentar a elementoscomo a função social do contrato e à boa-fé objetiva.cláusula Penal e institutos afinsDevido a certas similitudes, há certos institutos jurídicos que poderiam ser confundidoscom a cláusula penal. Nesse sentido:1. Arras (ou sinal). Trata-se de princípio de pagamento num negócio jurídico. Nas arrashá a entrega efetiva de alguma coisa, mas essa é decorrência do próprio cumpri-

mento da prestação. É facultado o arrependimento daquele que deu arras. Para quea cláusula penal tome efeito, não há a necessidade de nenhuma prestação, mas tãosomente da violação contratual, que pode ser total ou parcial;2. Cláusula de Arrependimento ou multa penitencial. Também é cláusula acessória, e por conta dela, o devedor tem a faculdade de não cumprir a obrigação, pagando a quan-tia estipulada. Há aqui a autorização do arrependimento do obrigado, divergindoassim da cláusula penal, que reforça o vínculo na medida em que pune o devedor que não solve com a sua prestação.3. Obrigação alternativa. O pagamento de perdas e danos não constitui alternativa parao devedor, que está obrigado a cumprir a obrigação pactuada junto ao credor. Nãohá aqui o direito de escolha tal qual visualizamos nas obrigações alternativas;4. Condição. Se, numa obrigação condicional, a prestação se tornar impossível por casofortuito ou força maior, desaparece a exigibilidade de multa. Ela não é objeto daobrigação e, portanto, não pode ser exigida.

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Page 139139FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs2. caso GErador Após muita insistência, Eduardo, 14 anos, ganhou recentemente, de presente dos pais,

um microcomputador. Da mesma forma, sondou junto a eles a possibilidade de contratar um serviço de internet rápida. Destacou o jovem a importância desse tipo de instrumentono mundo atual, os reflexos na sua educação, bem como o desfrute de toda a família das

 benesses da hiperconectividade gerava.Surpreendeu-se Eduardo quando ouviu a negativa dos pais. Frustrado, mas ainda assimdesejando usufruir de um serviço de internet rápida, dirigiu-se ao estande de uma famosaoperadora, a qual funcionava num shopping próximo à sua residência.Ignorando as vedações legais para que pudesse ele próprio, e sem representação, figurar como parte em um contrato, acordou a instalação e assinatura do referido serviço. Marcoua visita dos técnicos da operadora para dia em que os pais não estariam presentes, de modoque não viessem a descobrir.

 No contrato, entretanto, vinha prevista cláusula penal determinando, no caso de des-cumprimento da obrigação por parte do assinante do serviço, o pagamento do valor de

R$300,00.Pouco após um mês de vigência do contrato, chega à residência de Eduardo fatura co- brando o valor da cláusula penal ajustada.Qual a linha de defesa que pode ser deduzida pelos pais de Eduardo? Num eventuallitígio em âmbito jurisdicional, qual seria a linha de argumentação da operadora?

 ________________________________________ Page 140140FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsAULA 19: TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕESEmENtário dE tEmasCessão de Crédito – Assunção de dívida – Cessão de posição contratual

lEitura obriGatóriaLÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005; pp.167/186.lEituras comPlEmENtarEsBITTAR, Carlos Alberto. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2004; pp.87/93.TEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He-lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio deJaneiro: Renovar, 2004; pp. 566/589.1. rotEiro dE aulaO atual Código Civil positivou a disciplina da cessão de crédito nos arts. 286 a 298 e aassunção de dívida nos artigos 299 a 303. A cessão de posição contratual, de forma seme-lhante ao que ocorrera com o Código Civil de 1916, não foi disciplinada pelo Código em

vigor.cessão de créditoA cessão é um negócio jurídico de feição contratual, através do qual ocorre a alienaçãode bens imateriais, mais notadamente o crédito, que a par do seu valor nominal também

 possui valor de mercado. Não se considera o consentimento do devedor para a realização desse negócio jurídico,uma vez que ele é, em regra, estranho ao eventual instrumento de cessão. Caberá ao devedor responder apenas ao adquirente dos direitos de crédito.A cessão, vale lembrar, não é forma de extinção das obrigações, visto que a mesma seconserva, alterando-se apenas o pólo ativo. Nesse negócio jurídico, existem as seguintesfiguras: o cedente (quem aliena o direito); o cessionário (adquirente); e o cedido (o devedor,ou o obrigado).Através da cessão ocorre uma transferência do crédito, verificando-se, tão somente, umaalteração no pólo ativo da obrigação. O devedor da obrigação permanece o mesmo, encon-trando-se obrigado face ao cessionário.

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Veda-se a cessão de créditos que, por sua própria natureza, não podem ser alienados, ouquando a lei, ou mesmo a vontade das partes, se manifestou no sentido da intransmissibili-dade. Nesse sentido, o art. 286 do Código Civil:

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FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsArt. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obri-gação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.

 Na cessão de crédito pode-se observar também a idéia de que o acessório segue o prin-cipal, isto é, os créditos de natureza acessória são transferidos juntamente com o créditoem torno do qual gravitam. Como exemplos têm-se os direitos de garantia, juros, correçãomonetária, a cláusula penal, entre outros. Contudo, por ser campo de direito dispositivo, alivre convenção das partes pode afastar essa regra. O art. 287, nesse sentido, define:Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos osseus acessórios.O Código nada alude nesse sentido, mas não há oposição à cessão parcial do crédito,

encontrando essa possibilidade, inclusive, assentamento na legislação estrangeira. Apenas parte do crédito pode ser transferido, e nesse caso, o cedido torna-se obrigado em relação aduas pessoas distintas, mas pelo mesmo valor. Nessa bipartição de crédito não há nenhuma

 preferência de recebimento por um ou por outro credor.Destaque-se também a possibilidade da cessão ter fim especulativo, podendo ser trans-ferida por valor diverso daquele enunciado na relação creditícia, embora o obrigado fiquelogicamente vinculado apenas ao valor nominal da obrigação.O devedor deve ser notificado da cessão, caso contrário, ao pagar ao credor primitivo(cedente) estará se desobrigando. O art. 290 determina:Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando aeste notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, sedeclarou ciente da cessão feita.

 Não existe forma específica para notificação, mas é conveniente que seja por escrito, sobre-

tudo, pois o art. 288 exige essa formalidade para que se estabeleça validade perante terceiros.Regra importante de proteção ao devedor reside no art. 291 CC. Ao devedor não podeser imposto o ônus de descobrir quem é o último cessionário, e, portanto, a quem deve

 pagar. Deve simplesmente pagar àquele que se apresenta com o título.Ainda, a consideração da lei em relação ao devedor se manifesta de forma bem expressivano art. 294:Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem comoas que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.O crédito é transferido com todas as suas características e dessa maneira, as defesastambém são abarcadas nessa transferência. Se o negócio jurídico foi inquinado em suasconstituição por erro ou dolo, será anulável, e portanto, essa mesma anulabilidade poderáser oposta em face do cessionário. Logicamente, o cessionário, desde que de boa-fé, não éobrigado a conformar-se com o prejuízo, valendo-se dos instrumentos legais próprios na

 busca de ressarcimento perante o cessionário.Essas defesas do cedido face ao cessionário devem ser alegadas tão logo aquele tomeconhecimento da cessão.Os créditos, em geral, podem ser cedidos. Contudo, em certas ocasiões existem óbi-ces à cessão, que podem ser por conta da natureza do crédito, pela convenção das partes

 ________________________________________ Page 142142FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsou pela própria lei, que veda a sua alienação. Essas exceções, como já destacado, estãono art. 286.O cedente não é responsável pelo cumprimento da obrigação por parte do cedido, nem

 pela solvência do mesmo. Sua responsabilidade, contudo, não pode ser ilidida no que con-cerne à existência de crédito quando da realização da cessão – quando a mesma tiver se

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operado onerosamente (art. 295 do Código Civil).A solvência do devedor será responsabilidade do cedente apenas nos casos em que esteexpressamente se manifestar nesse sentido. A lei destaca somente a responsabilidade emrelação à existência do crédito ao tempo da cessão.A transmissibilidade de créditos é campo bem aberto à livre disposição entre as partes, ecertamente o cedente poderá, caso realmente deseje, conferir garantias extras ao cessionário,

como a da solvência do devedor.Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.Ainda, mesmo quando da concessão dessa modalidade de garantia, a lei determina limi-tações, não podendo elas, nos termos do art. 297, ultrapassar o valor recebido pelo cedentemais juros e despesas referentes ao negócio.Art. 297. O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde

 por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despe-sas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança.

 Na cessão feita a título gratuito, em regra, nem a responsabilidade quanto à existência docrédito é devida. A exceção existe, contudo, quando o cedente tiver procedido mediante dolo.A cessão pode se operar a título gratuito ou oneroso e pode ocorrer em qualquer instân-cia judicial. Destacam-se ainda as modalidades de cessão pro soluto e pro solvendo. Na cessão

 pro soluto o cedente se responsabiliza somente pela existência do crédito, mas não assume

 junto ao cessionário a responsabilidade pelo pagamento da obrigação. Diferentemente, naobrigação pro solvendo, essa garantia suplementar é ofertada, responsabilizando-se do ceden-te pelo adimplemento da obrigação.assunção de dívidaDa mesma forma que existe substituição da parte ativa, pode ocorrer substituição da

 parte passiva da obrigação. Nesse caso, verifica-se a figura do assuntor, isto é, um terceiroque se obriga pela dívida.A cessão de débito não pode ocorrer sem a anuência do devedor. Trata-se de coroláriológico da idéia já examinada de que o patrimônio do devedor é garantia do cumprimento daobrigação. No caso de inadimplemento, o credor pode movimentar o aparato jurisdicionalno sentido de satisfação dos seus débitos, mas irá fazê-lo, logicamente, quando souber quelá encontrará montante suficiente para satisfazer o seu crédito.O credor não está obrigado a aceitar outro devedor, ainda que ele possua melhores con-

dições de pagara dívida ou seja detentor de patrimônio maior. É o preceito contido no art.299 do atual código:Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimentoexpresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo daassunção, era insolvente e o credor o ignorava.

 ________________________________________ Page 143143FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsParágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta naassunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.A obrigação se mantém alterada, mas as garantias especiais, tais como a hipoteca e a

fiança, oferecidas pelo devedor original ao credor, em regra, não se estendem ao assuntor (art. 300 do Código Civil).Essas garantias não subsistirão com ao advento da assunção, salvo na existência de men-ção expressa nesse sentido.Semelhante à cessão, a assunção também tem natureza contratual, sendo também ne-gócio bilateral. A forma, não havendo previsão legal que a defina, é livre. Adicionalmente,tanto as dívidas presentes como as futuras admitem cessão, bem como aquelas sujeitas àcondição.A assunção de dívida pode se processar de duas formas diversas: (i) por acordo entre oterceiro e o credor (expromissão); e (ii) por acordo entre terceiro e o devedor (delegação).

 Na expromissão, o terceiro, de forma espontânea, assume em face do credor a obrigação pela liquidação do débito. Nessa modalidade de assunção o devedor original pode ser libera-do, mas pode também permanecer concomitante vinculado com o terceiro que assume a dí-vida. Verifica-se assim, dois obrigados pela mesma dívida (assunção de débito imperfeita).

 Na delegação, o primitivo devedor transfere a terceiro a sua posição, havendo a necessi-

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dade de concordância por parte do credor. Da mesma forma que ocorre com a modalidadeanterior (expromissão), pode o devedor inicial continuar obrigado de forma concomitantecom o terceiro que adere à relação obrigacional. Essa situação irá operar um reforço àobrigação.Os meios de defesa que seriam oponíveis ao credor pelo primitivo devedor são transmi-tidos ao assuntor. No entanto, por força do art. 302, excluem-se as exceções pessoais, como

a compensação, por exemplo. Ainda, sendo a transmissão anulada, a dívida se restabelece talqual existia anteriormente, excetuando-se, em regra, as garantias propiciadas por terceiros.cessão de posição contratualO contrato constitui um bem jurídico possuindo valor intrínseco. A elaboração de umcontrato geralmente é uma atividade complexa, trabalhosa e envolvente de número consi-derável de indivíduos.

 Na cessão de posição contratual, uma das partes, denominada cedente, contando com aanuência do outro contratante, o cedido, transmite sua posição no contrato a um terceiro,denominado cessionário.

 Na cessão de posição contratual, os direitos e deveres provenientes da posição de contra-tante são os objetos da cessão. Trata-se não da transferência de créditos ou débitos, mas detodo um complexo jurídico englobado pelo contrato, fora outros interesses que lhe sejamsubjacentes. Um direito de crédito, por exemplo, sempre engloba mais do que o crédito em

si, como outras eventuais vantagens, sejam elas patrimoniais ou morais.Conforme examinado, na cessão de posição contratual, há a transferência de um com- plexo de relações jurídicas: débitos, créditos, deveres de abstenção, entre outros. Nessa mo-dalidade de negócio jurídico verifica-se a possibilidade de se operarem cessões de crédito eassunções de dívida. Esses são efeitos incidentais da cessão daquele complexo jurídico, masnão constituem a essência do mesmo.

 Na dinâmica da cessão de posição contratual, a concordância do cedido, isto é, a parteque remanesce no contrato, é imprescindível para a formação desse negócio jurídico.

 ________________________________________ Page 144144FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs

2. caso GErador Giovanni e Michel trabalham juntos num conceituado escritório de advocacia no Rio de

 janeiro. Giovanni, apesar de possuir uma boa renda mensal, cultiva hábitos de vida muitocaros, o que invariavelmente o que deixa à volta com dívidas.Em setembro passado, Giovanni conseguiu vitória em expressivo caso judicial no qualatuava como advogado, rendendo-lhe a título de honorários, o montante de 60.000 reais.Ocorre que a exeqüibilidade desse crédito não é imediata, estando o mesmo sujeito a umtermo de 120 dias, prazo esse firmado a pedido do patrocinado, o Sr. Alcebíades.Vendo sua situação financeira agravar-se, Giovanni procura Michel e lhe propõe umacessão parcial de crédito. Afirma, de forma verbal, nessa ocasião, que o cliente é solvente.O negócio jurídico possui os seguintes contornos: Michel tornar-se-ia titular de umcrédito no montante de 30.000 reais. Para isso, desembolsaria a quantia de 25.000 reais.

 Nenhuma garantia acerca da solvabilidade do devedor é dada por Giovanni (cessão pro

soluto).Pouco tempo antes da data de pagamento do crédito, Giovanni recebe notificação in-formando que o Sr. Alcebíades ingressou em juízo, pleiteando a anulação do contrato de

 prestação de serviços advocatícios.Alcebíades alega que foi ludibriado por Giovanni, que não tinha idéia de que o litígioiria lhe custar tanto, e que caso o patrono da causa houvesse agido com boa-fé, informando-lhe dos custos envolvidos na demanda, jamais teria sequer litigado.O processo de invalidação do aludido negócio corre de forma célere e, surpreendente-mente, vem a dar ganho de causa a Alcebíades.De quais recursos pode se valer Michel para não ver completamente frustrada a sua ex-

 pectativa de crédito? Qual o valor poderia o mesmo pleitear?3. QuEstão dE coNcursoConcurso para o cargo de Advogado do BNDES (2004)58. Assinale a única afirmativa correta sobre a cessão de créditos, segundo o CódigoCivil.

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a) Na cessão de um crédito, abrangem-se todos os seus acessórios, não sendo possíveldispor-se em contrário;

 b) Desde que haja a anuência do cedente, será possível ao cessionário de crédito hipo-tecário fazer averbar a cessão à margem da inscrição principal;c) Somente com o conhecimento da cessão pelo devedor pode o cessionário exercer osatos conservatórios do direito cedido;

d) Com relação a terceiros, é eficaz a transmissão de um crédito, ainda que feita verbal-mente;e) O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como asque, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o ceden-te.

 ________________________________________ Page 145145FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOsPARTE IV: TEORIA GERAL DOS CONTRATOSAULA 20: PRINCÍPIOS DA NOVA TEORIA CONTRATUAL – AUTONOMIA DA VONTADE E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

EmENtário dE tEmasAutonomia da Vontade e Função Social do ContratolEitura obriGatóriaMARTINS-COSTA, Judith. “Reflexões sobre o princípio da função social dos contra-tos”, in Revista Direito GV nº 01 (maio/2005); pp. 41/66.lEituras comPlEmENtarEsSALOMÃO FILHO, Calixto. “Função social do contrato: primeiras anotações”, inRevista de Direito Mercantil nº 132; pp. 07/24.BUENO DE GODOY, Cláudio Luiz. Função Social do Contrato. São Paulo: Saraiva,2004; pp. 110/130.1. rotEiro dE aulaAo se iniciar o estudo da teoria e prática dos contratos, é fundamental ter-se em mente atransição pela qual atravessa esse específico e importante campo do Direito Civil. Tradicio-

nalmente vinculada à soberania da vontade individual (autonomia da vontade), insculpidanos preceitos que tutelam a liberdade contratual, a disciplina dos contratos atualmente vê-se

 permeada por uma série de interesses que ultrapassam a vontade do particular, gerando umdebate sobre os limites da intervenção de dispositivos de ordem pública na regulação dasrelações contratuais.Pode-se, em linhas gerais, dizer que os princípios tradicionais, que fundamentaram aconstrução clássica da teoria dos contratos são os seguintes: (i) autonomia da vontade; (ii)força obrigatória; e (iii) relatividade. Esses princípios encontram hoje diversas áreas de fle-xibilização geradas pela ascensão de novos princípios contratuais, como (iv) a função socialdo contrato; (v) a boa-fé objetiva; e (vi) o equilibrio econômico-financeiro da relação con-tratual.Todos os seis princípios acima mencionados serão trabalhados nas aulas a seguir. Na

 presente aula será conferida atenção especial aos princípios da autonomia da vontade e da

chamada função social do contrato.A autonomia privada pode ser entendida, segundo lição de Díez-Picaso e Gullón como“o poder de se auto-ditar a lei ou preceito, o poder de governar-se a si próprio.” Conformecomplementam os mesmos autores:

 ________________________________________ Page 146146FGV DIREITO RIOTEORIa GERal Das ObRIGaçõEs E DOs cOnTRaTOs“Poder-se-ia também defini-la como um poder de governo da própria esfera jurídica, ecomo essa é formada por relações jurídicas, que são a causa da realização de interesses, a au-tonomia privada pode igualmente conceituar-se como o poder da pessoa de desregulamentar e ordenar as relações jurídicas nas quais é, ou há de ser, parte.”77O estudo da autonomia privada assume, na seara contratual, a forma da tutela da li-

 berdade contratual. Nesse particular é importante não confundir “liberdade de contratar”

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com “liberdade contratual”. A primeira relaciona-se com o momento formativo da relaçãocontratual, isto