REVISTA MAPA XILOGRÁFICO BELA VISTA BIXIGA

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PROJETO MAPA BELA VISTA BIXIGA G FC XILO RÁ I O Dez - 2009 Xilogravura de Renato Aparecido Domingues - Escola Estadual Maria José

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Publicação final do Projeto Mapa Xilográfico Bela Vista Bixiga, dezembro de 2009

Transcript of REVISTA MAPA XILOGRÁFICO BELA VISTA BIXIGA

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    Dez - 2009

    Xilogravura de Renato Aparecido Domingues - Escola Estadual Maria Jos

  • AGRADECIMENTOSNatlia Obeid e Luciana Buitron pelo cuidadoso trabalho nas trilhas urbanas.

    Alan Livan por compartilhar conosco seu espao de atuao, suas aulas de artes e ainda permanecer ao lado, trabalhando junto.

    Escola Estadual Maria Jos e seu diretor Hennis Edilon- por ter aberto as portas para a realizao de todo o processo com os estudantes. E um agradecimento especial Clementino Maria, Sandra Regina Rodrigues e Lcia M. Merlin pela clareza, delicadeza e sorrisos.

    Estudantes da Escola Estadual Maria Jos por apostar no projeto e terem feito com tanta alegria, disposio, curiosidade e intensidade.

    Estudantes, Professores, coordenao e direo das Escolas Celso Leite, Maria Augusta Saraiva e Mova da igreja da Acheropita pela intensa visitao exposio do Mapa Xilogrfico em todos os espaos de sua itinerncia

    Ao Grupo (Em) Pulso coletivo pelas afinidades, pelo companheirismo nas diversas aes na Vila Itoror e pelas apresentaes nos espaos da exposio.

    Ponto de Cultura Bela Vista-Bixiga (Norma Rispoli e Genice Ap. Ferreira) por nos ceder o espao e os equipamentos utilizados nesse projeto. Grupo Redimunho pela amizade e aconchego em um encontro to cmplice. Ao Rogrio pelo apoio na desmontagem da exposio no casaro e pelo papo.

    Paulo Goya por vivenciar cada minuto da exposio conosco enquanto estivemos em seu espao no casaro do Belvedere.

    Escola Estadual Maria Jos, Casa da Cia. De Restauro, Grupo Redmunho, Casaro do Belvedere , Vila Itoror, Movimento Bela Vista Bela e Centro Cultural Latino Americano pela estadia de nossa exposio.

    Sindicato dos Advogados pelos inmeros emprstimos de equipamentos - de forma totalmente desburocratizada.

    Mrcio Sampaio pela imensa contribuio com a histria negra no bairro do Bixiga.

    Mximo Barro por trazer uma viso ampla de toda a histria do bairro.

    Aos mestres e contramestres de capoeira pelas conversas, pelas rodas de capoeira, pelas rodas de samba, pela abertura e pelo trabalho - lindo e silencioso que fazem todos os dias no bairro - com adultos e crianas na valorizao e vivncia da histria negra. Agradecemos em especial Minhoca, Cabeleira, Gugu e sua companheira Lu.

    Vila Itoror pela confiana e abertura ao projeto e pela persistncia e fora na difcil luta pela moradia digna. Em especial agradecemos Antnia, Jair, Mercs, Rener, Cidinha, Edvaldo, Isa, Luden, Henrique, ris, Madalena, Lurdes, Severino e Telma.

    Trovadores Urbanos pela participao na Vilada Cultural

    Integrantes do Saju pela boa luta que estamos travando. Em especial Bianca Tavolari pelas fotos, texto e sensibilidade.

    Participantes do Frum Centro Vivo, em especial ao ric Verhoeckx pela rara entrevista .

    Integrantes do Movimento Nacional de Moradores de Rua - Joel, Jacinto e Onicio, pela entrevista com as crianas da escola e pela resistncia.

    Adalberto Rios e Luciano Nakagawa pelos carretos camaradas da exposio.

    Vilma, Valter , Dina, Lcia, Carlita, Walter Taverna, Jlio e Claudio pela entrevista...

    Vilma da R. Jd. Fco Marcos por receber os estudante da E. E. Maria Jos com caixinhas de bombons.

    Agentes de Sade que cuidam da populao do bairro. Em especial Elizete Luz e Maria ngela da Silva.

    Dbora Maria Monerah - faz sempre um belo trabalho por onde passa... Pelo Bixiga foi companheira de nossas aventuras e quem sabe, muito mais...

    Pe. Antnio Sagrado Bogaz pelo livro emprestado, pela conversa e pelo profundo respeito comunidade do bairro.

    Equipe do Vai pela coerncia e pelo companheirismo incondicional. Em especial Dorotia pela afinidade e pelas longas e boas conversas de avaliao

    Grupo de teatro Parabelo pelos inmeros emprstimos do projetor e pela atuao na Vilada Cultural

  • Sem noo ainda de pra onde posso ser levado...

    Estou s quando adentro a discreta e pequena sala em que se encontra o Mapa Xilogrfico.

    Sem pressa, convites luminosos se espalham aos meus ps: caixas de luz emolduram gravuras, dispostas lado a lado no cho. So xilogravuras feitas a partir de tocos de rvores ainda espalhados pela cidade.

    Comeo a entrar naquele outro tempo que o tempo de imerso.

    Penso na disposio das gravuras. Geralmente expostas num quadro na parede, ali elas foram deixadas como podemos encontrar as suas matrizes pela cidade, no cho, baixas e encaixotadas (as molduras so como caixas).

    necessrio que se abaixe para ver os detalhes, como necessrio que olhemos para baixo para ver um toco de rvore.

    Primeiro, necessrio que se pare. Que se pare e que se olhe para baixo: necessrio perder tempo e quem que pode perder tempo na cidade, hoje?

    Ademais, o que que pode chamar tanto a ateno num toco de rvore para que algum pare e se abaixe para ver? Que histria essa? Que que pode ousar ser maior que a imponncia arquitetnica das unhas imobilirias que arranham o

    cu? Foras da natureza? Cultura popular? H que se diminuir tamanha ousadia. Esta de preservar... Preservar o que, se o progresso exclusivo?

    Parar para ver, refletir e agir sobre o que foi literalmente posto abaixo:As rvores, as gentes dos baixios do Bixiga ou o que que ter uma Bela Vista? Quais os valores em jogo e o que

    que se tenta diminuir para que o que aumente? O que que se tenta apagar e que preo quem vai pagar?

    Ento, enquanto pelos fones de ouvido me chegam as histrias de vida da gente da regio, pelos olhos se vo algumas lgrimas. Porque percebi: aquelas gravuras derivam de restos mortais... As faces impressas do que restou. Sudrios.

    Eram mais rvores assassinadas pelo progresso como pedacinhos da Amaznia que todos temos em casa. Eram gente desprezada e podada. Eram gente despejada, sob ameaa de esquartejamento pelo avano da cidade.

    Histrias contadas e gravadas. Registros. Memria.

    A luz reala o preto da tinta. Preto talvez luto, preto talvez asfalto. talvez meno da tipografia escura do medo, do esquecimento e da derrota que est venda por a.

    Mas aqui e de graa, eu pude ouvir histrias de luta, resistncia e superao.

    Que ramifique e Frutifique.

    ...Sensibilizao.

    Vincius Alcadipani

  • O MAPA XILOGRFICO

    O percurso segue indefinido, uma deriva que descondiciona o lugar e os corpos, promove encontros imprevisveis, reinterpreta a histria, religa sentidos esquecidos e prope um olhar autnomo sobre a prpria vida.

    Que cidade essa? Que projeto esse?

    O Mapa Xilogrfico segue trilhando sem mapas precisos, mas encontrando e integrando gente, memrias, histrias, sentidos, projetos, enfim, a cidade.

    Existe uma cidade oculta sob o funcionalismo das metrpoles? Quais olhares sobrevivem diante da velocidade cotidiana, verticalizao das

    construes, horizonte recortado e poludo e solo impermeabilizado? Existe algum mapa que nos guie nessa direo?

    Mapas instantneos que se agregam no entendimento do lugar, do percurso mais fresco, do caminho do encontro, de passos firmes que reconhecem o cho. Um cho blindado das grandes metrpoles, que oculta a fertilidade do solo e que transforma em tragdia o alimento do plantio, a chuva.

    Quais ps passaram por aqui antes? Cansados de uma topografia acidentada, hoje disfarada por arranha-cus. Relaxados banhando-se nos rios, hoje canalizados e vingativos em tempo de cheias de margens invadidas pela ideologia do progresso.

    Habituamo-nos a interpretar mapas frios, que tratam o beco, a esquina, o cruzamento como naturalizados, um utilitarismo de localizao. Mas a esquina tem cheiros, cores, texturas, idias, enfim, tem gente que diariamente constri seus mapas mentais, sem represent-los cartograficamente.

  • Localizado na regio central da cidade de So Paulo, o bairro do Bixiga percurso necessrio na compreenso do processo de urbanizao paulistano, uma vez que sua regio foi ocupada por comunidades quilombolas desde o sculo XVIII, por escravos libertos, imigrantes italianos (em sua maioria calabreses), portugueses e espanhis no final do sculo XIX, constituindo um lugar de marcante hibridismo cultural entre as tradies africanas e europias.

    No sculo XX, em decorrncia do desenvolvimento da cidade como plo industrial, o fluxo de imigrantes italianos que chegam ao Brasil aumenta e a regio se apresenta como um destino atraente, em decorrncia do baixo preo dos imveis na regio e a ausncia da disciplina e controle caractersticos das vilas operrias.

    Nascia um bairro repleto de alfaiates, marceneiros, padeiros, costureiras, amoladores de facas e capomastri (mestres de obra) que conceberam a maior parte das construes da regio at os dias atuais. Um Bixiga do Samba Italiano, cano de Adoniran Barbosa que apresenta o intercurso cultural que determina a cidade de So Paulo ao longo do sculo XX.

    Gradativamente, o lugar se transforma no esteio da industrializao da cidade, passando a ser destino de migrantes do nordeste do Brasil em busca de melhores oportunidades na metrpole, evento que promove um s ign i f i cat ivo aumento populac iona l e , conseqentemente, maior dificuldade em se conseguir moradia nos cortios do bairro. Surgia um Bixiga nordestino.

    Nos ltimos anos, a populao do Bixiga tem recebido tambm imigrantes oriundos da frica e Amrica Latina, em busca de sobrevivncia mediante relaes de trabalho sem nenhuma espcie de seguridade social.

    Neste cenrio de composio populacional de matrizes culturais diversas, a identidade negra de um lugar que foi repleto de Quilombos, bem como a cultura nordestina pulsante no bairro, tem sido negada pela hegemnica interpretao de que se trata de um Bairro Italiano. Investigar as contribuies africanas e nordestinas na constituio do Bixiga essencial para valorizar a participao destas comunidades na cidade.

    A populao da Bela Vista estimada em 2007, segundo o IBGE, era de 64.550 habitantes e a maioria tem sua moradia reduzida a um dos cmodos dos antigos casares. Nos dias atuais, uma importante parcela dos residentes vive de maneira quase itinerante nos diversos cortios remanescentes, mudando de residncia a cada aumento do valor do aluguel de seu cmodo, alm de enfrentar as presses da especulao imobiliria que, silenciosamente, aumenta o custo de vida do bairro, promovendo a expulso de parte de seus moradores, seja pelo aspecto socioeconmico, ou por medidas de revitalizao que significam o despejo sem nenhuma garantia de moradia digna.

    SOBRE O BAIRRO DA BELA VISTA,

    BIXIGA

  • PERCURSO

    O Reconhecimento

    Cada bairro, uma nova circunstncia. Novos atores, conflitos, contradies e encontros. Nenhum passo pode ser planejado sem antes mergulhar no bairro e respirar o seu cotidiano. Entregar-se deriva no Bixiga, atravessando e vivenciando as tenses relativas moradia, especulao imobiliria e aos choques ideolgicos entre os que querem revitalizar o bairro e os que defendem a vida pulsante do bairro, seus moradores. De porta em porta, fomos nos aventurando em cada pequena viela sem sada, repleta de caminhos e histrias de uma vertiginosa transformao, em busca de pistas de um antigo Bixiga que foi atropelado pelo crescimento da cidade, entrecortado por viadutos e abandonado no tocante s polticas pblicas que defendam o bem estar de seus moradores.

  • Alm dos moradores, contatamos movimentos sociais, centros de cultura, unidades de sade e escolas pblicas em busca de ampliar o leque de interpretaes acerca do Bixiga. Nascia uma teia de contatos capaz de alimentar as reflexes e de ampliar o dilogo entre os agentes do prprio bairro.

    Em busca de contemplar as diversas matrizes culturais, estreitamos laos com os grupos de capoeira que desenvolvem um importante trabalho de valorizao das tradies afro-brasileiras junto comunidade. Conversamos com o contramestre Gugu (Quilombolas de Luz), contramestre Minhoca (Casa do Mestre Ananias) e o contramestre Cabeleira (Espao Cultural Zungu Capoeira), abordando a contribuio da matriz africana no imaginrio cultural da Bela Vista e do Bixiga.

    Em nossa perambulao conhecemos moradores que nos presentearam com seus mapas mentais, contando sobre pessoas antigas da regio e espaos importantes para a comunidade. Em conversas fundadas na reflexo sobre as transformaes do entorno, as temticas significativas para o bairro foram abordadas, possibilitando um bate-papo que buscou uma relao afetiva com a memria.

    Encontro de moradores do bairro no Ponto de Cultura Bela Vista - Bixiga

    Quilombolas de Luz

    Casa do Mestre AnaniasEspao Zungu Capoeira

  • Conversamos com o Padre Antnio Sagrado Bogaz que atuou durante quase uma dcada como proco da Igreja Nossa Senhora Achiropita, acerca das atividades sociais desenvolvidas pela parquia e do sincretismo religioso caracterstico da regio, como, por exemplo, a existncia da missa afro e da missa sertaneja.

    Em busca de conhecer o universo dos cortios e penses, entrevistamos os agentes de sade da UBS Humait e a educadora ambiental Dborah Maria Monnerat Pinto, responsvel pelas atividades de educao ambiental na comunidade, que contriburam com seu conhecimento minucioso do lugar.

    Estivemos na Casa de Dona Yay e conversamos com a educadora Amanda Reis que apresentou as histrias de Yay e referncias de um bairro que no incio do sculo XX era uma chcara distante do centro, informao que apresentou uma vertente de pesquisa para o projeto.

    Reunio dos agentes de sade - Ubs Humait

    Mapa de 1810 - regio da c h c a r a d o B i x i g a , podemos observar o riacho do Bixiga, onde hoje Rua Humait e Japur, e Riacho do Saracura, onde hoje Rua 9 de Julho. E afluentes do Anhangaba, onde hoje Anhangaba e 23 de Maio.

  • Aos poucos, uma rede foi criada e, a cada novo encontro, outras possibilidades de ao e reflexo surgiam, como por exemplo, ao conhecermos a Vila Itoror.

    A Vila Itoror se apresentou como um microcosmo de diversas lutas que tem sido travadas pela populao da cidade de So Paulo, em especial na questo da moradia. Trata-se de uma vila construda na dcada de 20, que abriga nos dias atuais setenta e quatro famlias que esto ameaadas de despejo pela prefeitura, sob a justificativa da construo de um Centro Cultural no local. Em nome de um suposto interesse pblico, os moradores da vila, que tambm fazem parte do pblico, correm o risco de perderem suas casas e terem desrespeitadas sua histria e identidade, uma vez que muitos residem naquele local h dcadas. Em contato com a Amavila, Associao de Moradores e amigos da Vila Itoror, participamos de diversas atividades culturais, como a projeo de filmes para a comunidade, uma feijoada coletiva de apoio aos moradores e a Vilada Cultural, que promoveu uma srie de iniciativas educativas e artsticas no ptio da vila.

    Na vila, encontramos outros grupos que apiam a comunidade em sua luta por moradia. O (Em)Pulso Coletivo, grupo de teatro que ao longo do processo se tornou um grande parceiro de criao e interveno e o Saju, Servio de Assessoria Jurdica Universitria da Faculdade de Direito da USP, que h anos tem defendido no campo jurdico-poltico os moradores da vila.

    Ao todo, foram trs meses de uma longa deriva, atravessando e sendo atravessados pelo caldo de cultura do Bixiga, preparando o terreno para um prximo passo: as aes na escola.

    Preparando o terreno para o plantio de rvores no entorno da Vila - atividade de abertura da Vilada Cultural

    Para o plantio os moradores eram avisados casa a casa pelos Trovadores Urbanos - acompanhados pelas crianas da Vila.

    FOTO: BIANC TA AVOLARI

  • Fim do cortejo e incio do plantio das rvores

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  • O processo na Escola Estadual Maria Jos

  • Desenvolver uma atividade em um espao como o da escola no tarefa simples: grades por todos os lados, um contexto de violncia sistmica instaurado, professores e estudantes em rota de coliso, fruto de propostas poltico-pedaggicas fundadas no controle e na disciplinarizao dos corpos e mentes, ou seja, um ambiente carente de autonomia por parte de todos os atores envolvidos.

    Atuar neste contexto exige ateno e cuidado, uma vez que a estrutura escolar tem o poder de inviabilizar todo o frescor criativo da educao no-formal e os canais de comunicao com os estudantes j estarem desgastados em virtude de uma apatia gerada pela crena de que nada frutifica no espao escolar.

    Tnhamos uma parceria firmada com a Escola Estadual Maria Jos, uma das escolas mais antigas do bairro, fundada em 1895. Faltava o essencial: dialogar com a comunidade escolar e envolv-los com intensidade e autonomia no processo.

    O primeiro passo foi apresentar o projeto aos professores e coordenadores, buscando harmonizar nossas propostas de atividades s da escola. Neste dilogo, encontramos educadores sensveis que se tornaram grandes parceiros em nosso trajeto, como por exemplo: Alan, professor de artes, que nos acolheu em suas aulas integrando s atividades do Mapa Xilogrfico ao seu planejamento; Clementino, coordenador pedaggico, que cuidou com extremo carinho do encaixe de nossa proposta ao dia-a-dia escolar; e os demais professores que receberam nossas iniciativas em diversas reunies de HTPC e que cederam suas aulas para a experincia de trilhas urbanas com os estudantes.

    Faltavam os estudantes. De sala em sala, passamos com uma primeira mensagem: um convite. O simples fato de no ser obrigatrio chamou a ateno dos estudantes, o direito escolha entre participar e ficar alheio. Aos poucos a idia foi apresentada, incluindo a participao em um processo colaborativo onde todos produziriam juntos, lado a lado, a comear com a filmagem de entrevistas feitas pelos estudantes com moradores e agentes sociais e culturais do bairro; a vivncia de trilhas urbanas pelo Bixiga, reconhecendo sua histria, vegetao, topografia e enriquecendo os mapas mentais que cada um j construiu sobre o prprio bairro; a experincia com a linguagem da xilogravura, tanto nas intervenes urbanas de registros de rvores cortadas, quanto na criao de gravuras que retratassem o Bixiga em um ateli montado na prpria escola; e a produo de uma exposio itinerante que circularia pelo bairro divulgando olhares do Bixiga, produzidos pelos prprios moradores do lugar.

    A proposta pareceu aos estudantes muito nova, complexa e diferente de tudo que haviam vivenciado at ento. Muitos olhos brilharam, mas com uma certa dose de confuso: Vamos fazer sim, mas o que ser feito na prxima semana mesmo?. Pairava no ambiente uma descrena de que tudo aquilo aconteceria, como se fosse um convite sedutor, mas distante de se materializar. Com esse misto de envolvimento e suspeio, as turmas convidadas toparam o desafio.

    Na semana seguinte, preparamos um encontro para debatermos as temticas das entrevistas e para prepararmos o set de filmagem. Das seis turmas participantes, cada uma recebeu uma proposta de tema relativo ao bairro e ao entrevistado que nos visitaria na semana seguinte. Os temas levantados foram: a questo da moradia e a Vila Itoror, o racismo, a histria do Bixiga, a capoeira e a histria negra do bairro, o meio-ambiente no espao urbano e os moradores de rua no centro da cidade. Todas as temticas foram problematizadas a partir de recursos audiovisuais, com trechos de documentrios que abriram as discusses para que os estudantes desenvolvessem as prprias perguntas para os entrevistados.

    Aps este encontro, ao tomarem contato com os temas propostos e com as filmadoras, microfones, fones de ouvido, mesa de som e cmeras fotogrficas, a desconfiana inicial cedeu espao a concretude: vai acontecer mesmo, pra valer.

    Neste encontro, deparamo-nos com um grande desafio: como organizar e integrar em um set de filmagem turmas com quase quarenta estudantes, de forma que todos participem ativamente da experincia? Decidimos dividir as turmas em quatro grupos, bem como as entrevistas em quatro perodos de dez minutos. Propomos um rodzio: enquanto trs grupos faziam suas perguntas, um quarto operava as mquinas e, ao trmino do perodo, de forma organizada e harmnica, os grupos trocariam de papel sem que a entrevista perdesse seu ritmo. A dvida pairou: conseguiramos?

  • Na semana seguinte, comeamos a receber os convidados. A sala cheia, o silncio diante de microfones sensveis, o cuidado de olhares envolvidos e o exerccio de recorte do olhar. Sobre o rodzio, apesar de em alguns casos a entrevista ter perdido sua cadncia, tendo em vista a dificuldade da operao, o que parecia improvvel aconteceu: uma incrvel sintonia entre os estudantes, uns ensinando aos outros como operar as mquinas e um processo de desenvolvimento de autonomia diante da linguagem audiovisual.

    O resultado foram entrevistas que abordaram questes significativas para os estudantes, estabelecendo relaes diretas entre os conhecimentos apresentados e o dia-a-dia de cada um dos entrevistadores, ou seja, os saberes produzidos em um encontro dentro da escola em ntima relao com a rua, para alm dos muros escolares. Contudo, os olhares para as trilhas urbanas comearam a ser aguados.

    As entrevistas

    Coletivo Frente 3 de Fevereiro, grupo de interveno urbana que aborda o racismo em suas aes.

    estudantes da 7B

    A parte do projeto que eu mais gostei foi a da gravao, porque eu aprendi muito sobre os negros, tudo o que eu queria saber eu soube.

    Julyane Silva Souza - 7B

  • (Em) pulso coletivo , grupo de teatro que trabalha com o tema do desassossego urbano e da memria na Vila Itoror.

    estudantes da 5A

    Eu achei interessante a histria da Vila Itoror. Fiz desenho, filmei e aprendi como se faz xilogravura.Marcela Alessandra Perera da Silva - 5A

  • Antnia Souza Cndido e Jair Djair, moradores da Vila Itoror

    estudantes da 6B

    Muito legal, o mais legal foi quando a gente estava descobrindo mais sobre a Vila Itoror, foi muito legal.Hellen Patrcia do Nascimento Silva - 5A

  • Joel Porto, Jacinto Mateus de Oliveira e Onicio Almeida Pinto, integrantes d o M o v i m e n t o N a c i o n a l d e Moradores de Rua .

    estudantes da 5C

    Minha participao foi boa, porque eu aprendi coisas e aprendi tambm a mexer em cmeras (mveis e fixas), em microfone de filmagem. E me dei super bem com essa experincia

    Amanda Sales dos Santos - 5C

    Eu achei bastante importante, pois ns aprendemos histrias que eu no fazia idia e aprendemos muitas coisas sobre a vida dos moradores de rua e idosos.

  • Mximo Barro, cineasta e escritor, autor de um livro sobre a histria do Bixiga que nunca foi publicado.

    estudantes da 5C

    A parte do projeto que mais gostei foi a parte de aprender a mexer com a cmera, voc aprende muita coisa.Paulo Rafael Loureno da Rocha - 7B

  • Contra-mestres de capoeira Minhoca e Nen (Casa do Mestre Ananias), Cabeleira e Cac (Espao Zungu Capoeira), Pedrinho (Vai-vai) e Gugu (Quilombolas de Luz), alguns responsveis por manter viva a cultura negra no bairro.

    estudantes da 6C

    O que mais gostei foi a parte da entrevista das pessoas que contaram sobre a capoeira no bairro. E tambm porque cada um fez uma parte. Gostei muito.Kaio Machado Rocha de Sousa - 6C

    O que mais gostei foi a parte da entrevista das pessoas que contaram sobre a capoeira no bairro. E tambm porque cada um fez uma parte. Gostei muito.Kaio Machado Rocha de Sousa - 6C

  • Dborah Monerah ,coordenadora do programa sade da famlia na UBS Humait, Maria ngela da Silva e Elizete Luz, agentes de sade do bairro.

    estudantes da 6A

    Eu gostei de filmar com aquela cmera gigante, foi legal. Bruno Ferreira - 6C

    Maravilhoso. Porque a gente entrou em contato com a natureza e aprendemos vrias coisas novas.Ana Lvia da Rocha Brito - 5A

  • TRILHAS URBANAS

    As turmas participantes percorreram trajetos especficos em suas trilhas. Buscamos integrar as temticas das entrevistas com os percursos que, em todos os casos, se encerravam em um tronco de rvore cortada que seria registrada mediante a tcnica da xilogravura. Por exemplo, as turmas que abordaram a histria negra do bairro e a questo do racismo fizeram um trajeto que passou pela regio da Saracura, antigo reduto de quilombos e que, no por acaso, abriga nos dias atuais a Escola de Samba Vai Vai. Outra turma investigou a regio prxima Praa da Bandeira, local que concentrava o mercado de venda de escravos que, ao fugirem, se embrenhavam nas matas do Bixiga em busca de liberdade nos quilombos urbanos. Em outro caso, a trilha se encerrou na Vila Itoror, aprofundando a temtica da moradia abordada em uma das entrevistas. Contudo, buscvamos transpor os conhecimentos desenvolvidos na experincia das entrevistas para o desenvolvimento de um olhar aguado sobre o prprio bairro, desde a imaginao da paisagem do Bixiga no final do sculo XIX at as referncias de se caminhar pelas ruas da Abolio e 13 de maio. Nesta etapa do projeto, convidamos as bilogas Natlia Obeid e Luciana Buitron para participarem das trilhas, identificando as rvores de cada percurso e instigando olhares acostumados hegemonia do asfalto. Tocamos em folhas, sementes, troncos, frutos e plantamos mudas de cedro rosa em pequenas pracinhas espremidas no entorno.Alm disto, produzimos desenhos de paisagem que serviriam como inspirao para a oficina de xilogravura que aconteceria na semana seguinte. Sentidos aguados, a rua sob outro prisma, outro tempo, e outros mapas vo surgindo.

  • PRAA EMLIO MIGUEL ABELLA

    5 c

    Eu gostei mais da parte do projeto que a gente foi para uma praa, porque a gente desenhou a paisagem e imprimimos uma rvore. No 4 bimestre eu acho que deve ter mais passeios, porque a gente entende mais, participa das aulas e se diverte muito mais. Estefani Barbosa Pereira - 5C

    Eu achei muito legal porque foi a primeira vez que a gente saiu da escolaJean R. Padovan - 5C

    eu gostei mais da parte que eu plantei uma rvore, porque eu nunca tinha plantado uma rvoreJoo B. do N. Cruz - 5C

  • RUA JD. FRANCISCO MARCOS.6 A

    Eu achei um mximo, por que eu conheci ruas onde eu nunca fui e conheci rvores e vi algumas fotos de como eram as ruas antigamente um estudante da 5A

  • Vila Itoror 6B

    'Foi muito legal, pois aprendemos muito sobre o bairro do Bixiga.Amanda Flix da Silva - 6B

  • Vila Itoror 5A

    Foi muito legal, foi legal proque a gente saiu um pouco da escolaMaria Gabriela da S. Freitas - 5A

    Eu gostei de quando fomos na Vila Itoror, porque eu adoro andar pelo bairro e reconhecer novos lugaresRayane Silva Francisca - 5A

  • 6CRua Cardeal Leme

    Achei muito bonito, pois at eu aprendi a importncia da capoeira, das rvores, dos poucos mais velhos que nesses lugares viveram e puderam reviver todas as rvores de todas as espcies.Josiany Lima Barreto 6C

  • Rua Santo Antnio7B

    Eu achei muito bom, porque foi bem legal saber que tinha rios onde tem calada, etc.Felipe de S. Neves - 7B

  • Aps as trilhas, montamos um ateli de xilogravura na Escola Maria Jos com o intuito de aprofundar os conhecimentos da tcnica que j havia sido utilizada pelos estudantes durante as impresses dos troncos de rvores cortadas. Alm disto, resgatando os desenhos de paisagens feitos durante os percursos, propusemos a transposio dos registros para a linguagem da xilogravura, ampliando a reflexo acerca do olhar sobre o lugar em que se vive. Aps muitos exerccios e experimentaes, criamos uma proposta para a exposio: a impresso das matrizes criadas em roupas dos brechs da regio, integrando olhares de pertencimento ao bairro s pessoas atravs de vestimentas utilizadas cotidianamente no Bixiga.Vale ressaltar que toda a madeira utilizada nessas atividades foi doada pelo pai do Ivan - estudante da 7 srie da escola - seu pai marceneiro e tem seu local de trabalho a um quarteiro do Maria Jos.

    Oficina de Xilogravura

  • A parte que mais gostei foi aquela que ns fizemos desenhos na madeira e depois passamos para um papel ou tecidoLeonardo Batista Delgado 7B

    Minha participao no projeto foi tima. Vim at quando eles vieram aqui na escola pra fazer xilogravura, eu fiz e foi uma experincia muito legal e depois a gente colocou na roupa (imprimiu a xilogravura) pra quando for fazer a exposio.Avaliao annima feita por estudante da 7B

  • Os corredores frios, as trancas, as certezas pretensamente inabalveis, o cheiro de uma guerra surda (ou nem tanto), a falta de qualquer autonomia e, principalmente, o paradoxo cotidiano de um lugar que encerra no interior de suas paredes energia que poderia estar explodindo em criao, mas, ao contrrio, tem se tornado a anttese disso. A idia trabalhar no como professor, mas em algo que mistura um carcereiro com bab. Isso sistematicamente minando as nossas foras.

    Um dia chego escola e, coincidncia das coincidncias, encontro Milene e Diga, dois guerreiros, combatentes do bom combate. Estavam propondo para a direo do Maria Jos a realizao do Projeto Mapa Xilogrfico. Quando me viram fizeram uma brincadeira sobre minha presena salvar suas vidas que talvez resuma um pouco o que foi esta experincia, no a salvao de minha vida, mas de uma parte importante dela: minha funo como arte-educador. Eu estava prestes a queimar por dentro, usando o termo em voga. A quebrar. E na realizao do projeto, na perspectiva de uma ao coletiva junto com os estudantes, redescobri minha prpria perspectiva.

    Por que ser professor na escola pblica no est sendo nada fcil. Pelo contrrio. E o papel que nos cobrado o de represso de corpos e mentes. A escola se transformando em aparato auxiliar aos Hospcios, Presdios e afins. Resumindo, uma instituio que serve para controlar um setor da sociedade. A arquitetura, a estrutura, o funcionamento e a ideologia motriz desses lugares pouco ou nada diferindo entre si.

    E a a gente fica doente. Professores amigos meus, enlouquecendo. uma guerra entre estudantes, professores, dirigentes.

    E no meio desse furaco este projeto significou para mim, e sei que para muitos outros professores e coordenadores um religrio com o que nos move a sermos educadores. A possibilidade de juntos construirmos outra potica das nossas relaes. Um novo entendimento daquele espao, dos nossos corpos, do mundo.

    E no nos enganemos, as coisas no se deram sem rudo, sem conflito, sem choque. Choque entre idias e prticas dos que insistem pela manuteno de um sistema excludente e daqueles que propugnam por um processo educacional libertador. Conflito que se d em diversos nveis, nos corredores, na instituio, entre pessoas e mesmo no interior dos nossos nervos, das nossas convices. Por que o inimigo no est l fora como convenientemente quisemos crer, no est s no Estado, no monstro Sist, mas enraizado.

    Episdios que aconteceram na execuo do projeto so exemplos vivos desses choques. Como, por exemplo, o momento em que os representantes do Movimento Nacional dos Moradores de Rua estiveram na escola para serem entrevistados pelos estudantes. Mal estar de algumas pessoas, e o diretor da escola me chamando para explicar aquilo. Como assim trazer para dentro da escola moradores de rua? Expliquei do que se tratava e ouvi como resposta aliviada algo que vou guardar em minha memria, posto ser representativo de toda uma situao: Ah, ento no era qualquer morador de rua. Ah, ento tudo bem. Por que este mais um dos paradoxos em que a Escola insiste em ter seus alicerces firmados. Apesar de seus estudantes serem oriundos de um extrato social dos mais sacrificados, onde a realidade explode a cada segundo em violncia e excluso, insistem em construir um cotidiano edulcorado, tentativa de um mundo de conto de fadas onde no existem corpos, nem classes, nem parte da cultura elaborada fora de seus muros.

    E o projeto que esses dois trouxeram para dentro dos muros do castelo e que foi agarrado e trabalhado por ns, pelos coordenadores Sandra e Clementino, por muitos professores e pela maioria dos estudantes, possibilitou uma nova dinmica. Trouxe algo que deveria ser cotidiano na escola, mas no , que foi a possibilidade de refletirmos juntos. E assim paramos para pensar o bairro que estamos inseridos, sua mistificada composio italiana, que descobrimos africana e nordestina, sua histria, seus personagens. E tudo que estava ali to perto, mas no vamos: os problemas ambientais, os moradores de rua, a questo do racismo. Uma reflexo realmente interdisciplinar que resultou nos estudantes produzindo arte em diversas vertentes e linguagens. Percorrendo as trilhas urbanas, fazendo gravuras em xilo, vdeo, expondo seus trabalhos.

    E essa lufada de ar fresco se fez sentir nos corredores. Nas relaes entre os estudantes. Na viso ampliada de muitos em relao a fruir e fazer arte. Na maneira como muitos estudantes falam comigo.

    Corredores friosAlan Livan

    Professor de Artes da E. E. Maria Jos

    Os problemas permanecem, no foram resolvidos miraculosamente e nem o projeto em momento algum se props a faz-lo. Mas uma nova perspectiva para ns, que trabalhamos na escola ou que estudamos nela, foi apresentada.

    Sem dvida o caminho longo e o nosso mapa ter que ser reelaborado a cada instante. Mas muito bom saber que estamos juntos nessa trilha. E que ainda caminharemos muito mais.

    Droga, vamos ter que voltar... Voc sabe como se chama a escola?

    Priso Temporria de MenoresAlex Soares de Paiva - 6A

    Evelyn CristinaPereira7B

  • Quando o projeto MAPA XILOGRFICO me foi apresentado, logo entendi que se tratava de um trabalho srio e importante para os alunos. J conhecia o Diogo e a Milene de outro projeto realizado com os alunos da escola no Ponto de Cultura Bela Vista-Bixiga, isso facilitou o desenvolvimento do trabalho.O que eu posso dizer sobre esse projeto enquanto coordenador Pedaggico do Ciclo II que foi um trabalho desenvolvido com alunos das 5s, 6s e 7s sries, alunos do prof. Alan, de Arte, que esteve presente acompanhando todas as fases, bem como o desenvolvimento das aes do projeto em tela. O interessante era que o citado em questo no contemplava somente os contedos de Arte, mas tambm grande parte do currculo.

    Houve um envolvimento muito grande por parte dos alunos, que motivados por estarem desenvolvendo algo diferente, estiveram presentes e animados em todas as atividades. Isso mostra que quando o aluno agente do processo, ele se transforma num grande criador. E foi isso que aconteceu, quando alguns deles filmavam ou realizavam uma entrevista, ou ainda faziam a trilha pelo bairro conhecendo novos lugares e participando da oficina de xilogravura estavam, sem perceber, aplicando e ampliando os conhecimentos adquiridos nos contedos trabalhados em sala de aula. Esta vivncia que tiveram nesta grande oportunidade foi enriquecedora para todos. Experincias que iro fazer parte da histria de vida de cada um.

    Agradeo a Direo da escola na pessoa do prof. Hennis, a vice diretora profa. Teresa, coordenadoras Lcia e Sandra, professores e funcionrios, que direta ou indiretamente colaboraram para o sucesso deste projeto. Dificuldades surgiram, mas como todos estavam envolvidos foram mais fceis de serem sanadas. O que no podemos esquecer que o aprendizado no acontece somente dentro da sala de aula, ele vai alm dela e dos muros da escola, pois educar preparar o aluno para a vida e a educao s tem sentido quando transformadora.

    Educao s tem sentido quando transformadora

    Clementino MariaProf. Coordenador do Ciclo II

    Foi super legal, eu gostei muito, eu achei legal porque ns samos da sala de aula, porque quase nunca a gente sai a foi legal

    gata Hellen Garcia Almeida - 5A

    Jos Amauri Jr6C

  • O (Em)Pulso Coletivo um grupo de artistas que realiza uma pesquisa teatral h dois anos sobre a memria e contemporaneidade da metrpole de So Paulo. Durante este tempo, temos pesquisado a criao de um espetculo que possa refletir sobre as transformaes ocorridas na cidade e a influncia destas na histria de vida dos seus habitantes, buscando friccionar a relao do passado com o presente. Sentimos a necessidade de ir ao encontro dos depoimentos e histrias de vida dos habitantes da cidade para redimensionar nossa atitude perante as situaes que vivemos hoje, compreendendo o processo dinmico de construo da histria entre a metrpole e seus moradores.

    Foi nesse movimento que encontramos a Vila Itoror, situada no bairro da Bela Vista, atrados por sua arquitetura inusitada, por seu espao constitudo de diversas camadas de memrias e, principalmente, pela vida de seus moradores. Foi tambm a que encontramos os meninos do Mapa Xilogrfico.

    Desde o incio percebemos que nossos projetos conversavam muito: falar de memria, identidade e transformaes no projeto urbano; estar em contato com a comunidade; construir nosso processo artstico no dilogo com a realidade scio-cultural das pessoas e queramos uma participao poltica nos problemas (que no so poucos) daquele lugar to rico e pulsante que a Vila Itoror.

    Atuamos juntos em muitas aes dentro da Vila Itoror foram inmeras reunies, a realizao de uma Vilada Cultural e a reforma da sede da Associao dos Moradores e Amigos da Vila a AMAVILA. Ento o Mapa Xilogrfico fez o convite para o (Em)Pulso realizar alguma parte do nosso processo artstico na exposio que fariam e que englobava todo o trabalho deles nas comunidades do bairro do Bexiga.

    Nossa proposta foi ento fazer uma interveno pelo espao da exposio com dois personagens do nosso espetculo em criao os velhos Joo e Jos, que circulavam por entre as pessoas buscando o reencontro com o lugar que passaram sua infncia, a vilinha. Joo tinha Alzheimer e apresentava diversos lapsos de memria, encontrando-se perdido e solicitando a ajuda dos visitantes da exposio para encontrar sua casa. Jos ficou um longo perodo de sua vida distante desta cidade e naquele momento, recm-chegado a esta metrpole transformada, catica e mltipla, queria reencontrar a vilinha que deixou para trs. Depois de um perodo de relao com os visitantes, os dois velhos se encontravam no meio da exposio, interagindo com as janelas e portas ali presentes, reconstruindo e atualizando suas memrias da vilinha.

    Fizemos esta interveno em trs lugares: O Casaro da Cia de Restauro, A Vila Itoror e o Casaro do Belvedere. Para ns foi uma experincia muito potente, pois ao nos colocarmos em contato direto com o pblico, coisa que no tnhamos feito at ento, pudemos ampliar o campo de ao dos nossos personagens.

    Mesmo quando as pessoas no entendiam ao certo o que estava acontecendo, o desafio maior era o jogo com estas pessoas sem sair do contexto dos personagens, improvisar e se relacionar com elas por diversos caminhos, memrias e percursos, redimensionando a todo instante o contedo que carregvamos como mote para o dilogo.

    Nesta experimentao que fizemos na exposio, o teatro entrou devagarinho e de surpresa, construindo momentos fugazes de uma relao diferente da que estabelecemos no cotidiano; gerou pontos de interrogao na cabea de muitos, reconhecimentos e

    Intervenes do (Em) Pulso Coletivo na Exposio do Mapa Xilogrfico

    Jorge Peloso e Marlia Amorim, (Em)Pulso Coletivo.

    Para ns, alimentou e promoveu a abertura de novos pontos de vista para a criao dos personagens e do nosso espetculo, detonando novas reflexes e desdobrando em novas prticas que certamente influenciaram e vo influenciar nosso processo. Foi muito rico materializar as afinidades que (Em)Pulso Coletivo possui com o Mapa Xilogrfico nesta interveno, pois pudemos nos unir um pouco para questionar e potencializar a reflexo sobre os processos pelos quais a cidade vem passando, o descaso com seus habitantes e suas memrias vivas. Uma ao que enredou os dois grupos, seus materiais artsticos e o pblico em um campo de mltiplas afetividades.

    Eu achei que foi um projeto muito bom, por a gente ter sado, ter ido para a Vila Itoror, ter interrogado os moradores da Vila, ter feito uma gravao com as duas

    pessoas do teatro (Em) Pulso coletivo. Esse projeto foi muito melhor do que todos que eu j fiz.

    Eu achei que a melhor parte foi quando a gente foi para a Vila Itoror. Porque a gente nunca saiu sem a polcia e aquele dia a gente saiu e foi muito bom.

    Ariele Loureno do Carmo - 5A

    A Vila Itoror Renato Aparecido Domingues 6B

  • Caminhando pela grande So Paulo questionvel o porqu de ela ser to fascinante. Quando analisada pela minha perspectiva (biloga, educadora, pesquisadora e ambientalista), enxergava uma cidade extremamente poluda e cheia de gente mal educada. Felizmente, ao ser convidada para desenvolver as trilhas urbanas do projeto Mapa Xilogrfico do Bixiga, alm dessa reflexo ficar ainda mais instigante, certas mudanas de pensamento e atitude ocorreram.

    Ao iniciarmos o mapeamento da trilha foi perceptvel que alguns sentidos meus estavam atrofiados e dois sentimentos foram despertados: indignao e encantamento. Indignao por contemplar muito pouco a beleza natural da nossa cidade, no perceber a individualidade de cada rvore, ouvir raramente os cantos dos pssaros e observar as rvores sendo utilizadas como lixeiras. Encantamento por encontrar uma amoreira e um p de caf no viaduto D. Paulina, uma nascente do rio Itoror no bairro e por sua origem euro-afro-brasileira (e de todos ns brasileiros).

    Ento foi essa a metodologia utilizada, despertar os sentidos dos alunos da escola Maria Jos para a beleza natural do bairro e assim os encantar e provocar reflexes nas mentes e coraes. Mtodo este que procurou dar aos alunos a oportunidade de redescobrir-se, de admirar, de discutir, de conscientizar, de sensibilizar, de permitir o encontro de cada um consigo mesmo e com os demais, promovendo um novo sentido de interdependncia global e responsabilidade universal.

    A audio foi escolhida como o primeiro sentido a ser acordado. Para isso, seria necessria uma sada quieta e tranquila, porm em todas as salas o oposto ocorreu. Inicialmente pareceu ser falta de interesse, mas depois ficou claro o anseio de libertao e a necessidade de serem ouvidos.

    Ao exercitar a escutatria eu, particularmente, fiquei maravilhada com a relao intrnseca de alguns alunos com a natureza, o conhecimento fluido sobre o meio ambiente e de como identificaram certas plantas utilizando seus sentidos, principalmente o olfato. Dialogando, descobriu-se que essa relao se deu pelo fato de suas origens estarem ligadas a

    Despertando os sentidos para a diversidade cultural e ambiental do Bixiga

    Natlia ObeidBiloga

    O mais fascinante foi que alm do processo de educao ter sido realizado no contato dos alunos com o mundo vivenciado por eles, a questo da identidade cultural foi essencial prtica pedaggica. No apenas eduquei, mas enquanto eduquei tambm fui educada.

    Agradeo a todos por esta troca e pelo grande aprendizado.

    A parte do projeto que mais gostei foi quando a gente foi fazer uma visita s rvores, os frutos das rvores, a raiz, o caule e descobrimos um pouco mais da importncia das rvores.

    Josiany Lima Barreto - 6C

    Ivan Luiz de Souza Silva7B

  • No mesmo instante em que o Diogo e a Milene nos propuseram de reunir ao projeto Mapa Xilogrfico uma trilha urbana, surgiram inmeras idias e a certeza de como iria ser fantstico mostrar para a meninada que, alm do concreto, h muita vida e cor nas cidades.

    As crianas possuem uma essncia extremamente curiosa. Observam tudo com olhos intrigados, analisam cada movimento e questionam a razo de tudo o que uma novidade para elas. E caso a pessoa no d a resposta esperada, iniciam uma seqncia sem fim de porqus.

    Talvez pela comodidade aparente, nos acostumamos a responder superfluamente, at como uma maneira de no abrir espaos para mais questionamentos. S no percebemos que com essa atitude, muitas vezes, no s no estamos ensinando como tambm no estamos aprendendo com a vida.

    A experincia vivenciada com as trilhas urbanas nos revelou exatamente isso. O trabalho realizado envolveu crianas essencialmente urbanas, na grande maioria, e foi surpreendente a forma como elas adoraram descobrir a natureza que tm sua volta. Nas trilhas percorridas, nada passava despercebido: as rvores, as flores, os pssaros. Mas nossa proposta no era apenas que observassem a natureza. Exploramos ao mximo a utilizao dos demais sentidos: tato, olfato e audio. O resultado foi o despertar em todas elas de uma nova viso e sentimento do seu prprio espao, das ruas e praas rotineiramente percorridas.

    Uma resposta significativa do projeto foi o aumento da percepo do lugar ao qual pertencemos e a observao das mais variadas formas existentes na natureza (cores, formatos, tamanhos). verdade que na cidade, diante de tanto caos, nos sentimos limitados, afastados da natureza e da nossa prpria essncia. Mas pode e deve existir um novo olhar sobre tudo o que nos rodeia, conforme comprovaram as trilhas urbanas. A partir dessa nova viso, inclusive, alm de uma maior valorizao do lugar, surge tambm a semente da preservao, porque quando sabemos, conhecemos e nos identificamos, passamos a cuidar desse espao, cuidar da nossa casa.

    E observar a natureza, suas relaes e inter-relaes nada mais que despertar o 'cientista' que existe dentro de cada um de ns, independente da faixa etria. Cada vez que, durante o trabalho, via aqueles olhinhos, aquelas pequenas mos curiosas, e ouvia suas mais incrveis perguntas, me sentia realizada, por que o importante no so as respostas, mas as perguntas, que so fruto de uma observao curiosa. Alm disso, uma gerao promissora aquela que no se acomoda com respostas dadas, mas questiona. E assim , com certeza, o futuro cidado que ns queremos formar.

    Descobrindo a natureza no meio da grande metrpole

    Luciana Moreira BuitronBiloga

    Portanto, acredito que os objetivos esperados foram alcanados. Talvez eles nem lembrem mais os nomes das rvores e das frutas, mas isso irrelevante perto do objetivo maior que era, particularmente falando, abrir um novo mundo e uma nova percepo de tudo que os rodeia, e os colocar como parte disso tudo, da vida, do vizinho, da praa. Ou seja: no h como nos acomodar diante de tantas aes a serem ainda realizadas. Leonardo Batista Delgado

    Eu achei uma maravilha, foi muito legal, eu aprendi como se decifra as folhas das rvores.

    Jaqueline de Oliveira - 5A

  • TEXTOS COMPLEMENTARES

  • So quase 9 horas da manh, em mais um caloroso dia. Onde o sol reina majestosamente sobrepondo-se s msticas e desgastadas edificaes da Vila Itoror. Contrastando-se ntida claridade predominante, d pra ver aqui das escadas, s escuras sombras que se formam advindas do castelo. Figura principal, deste amontoado de casas antigas. Atravs do meu olhar leigo, que pouco se difere dos demais moradores, consigo sentir a vivacidade presente na inrcia deste lugar. Na msica dos guetos, que afora de dentro de suas casas, e na gritaria destas crianas, que mesmo de ps descalos, correm euforicamente na disputa por uma bola. Talvez para eles, se no o mais caro, com certeza o mais belo brinquedo de que dispem. Para assim passarem horas e horas, tendo nestes momentos eternos, o pice de suas lembranas desta poca de travessuras. Estes com pouco se divertem, e com sua inocncia permanecem alheios ao futuro que lhes bate porta.

    Neste cenrio de vila viva, com gritaria e cu anil, da pra ver nos telhados algumas pombas, que coincidentemente, tambm escolheram este lugar para sua moradia. Hoje aqui ainda h vida, talvez como previsse Francisco de Castro, ao materializar os esboos de sua viso futurista. Passados todos estes anos, aqui estamos, moradores e tambm parte desta histria. Muitos presentes de longas datas, alguns talvez nem tanto. Mas, algo comum entre todos daqui: os vnculos familiares e sociais adquiridos e a incerteza quanto ao seu futuro. Diga-se da bisav quase centenria, a maior parte da vida vivida aqui, ou do recm-nascido que acabou de chegar. Pois muito se ouvia de promessas de melhorias, que das falcias no saiam. Mas, essa gente de fibra e o descaso no os venceu. Do contrrio, os fez mais fortes! Para adaptarem-se a esta excluso. Passadas uma sucesso de gestes, eis que se anunciam as boas novas. (As melhorias agora chegaro, e o lugar ficar como novo). Porm infelizmente, os moradores, estes no mais ficaro! Pois como antes, no so dignos destas benfeitorias. Desta forma, talvez apenas seus pedidos por justia, ecoaro pelo vo deste ptio. Tais quais os gritos das crianas, que inocentemente corriam e brincavam, pelos espaos largos e ngremes onde viveu gente um dia. Este indito e repentino desejo de interveno da administrao pblica na Vila Itoror, equipara-se ao futuro dizimando o presente. Que incontestavelmente se faz com gente. Mas, o que gente? Se comparada aos anseios e empreendimentos dos que detm o poder. Pois deles o todo certo! Assim sendo, h mais glamour em grandes feitos. Que embora no eternos, tambm resistem ao tempo. Gente apenas gente, meras vidas que se ceifam, que hora ou outra tambm cessam. No eternas como ideais ou diamantes.

    Com a dvida na frente e a incerteza nas mos, esperamos hora apreensivos, pelas decises dos senhores dos destinos. Pois no temos armas nem estratgias, temos apenas nossa dignidade que legalmente eles esto tentando nos tirar.

    VILA ITOROR ESPERA DA SENTENA

    viso de um morador

    Rener Reges Dantas

  • Um edifcio em obras na regio central de So Paulo instalou gotejadores de gua em sua marquise para gerar uma chuva artificial e espantar usurios de drogas que freqentavam a fachada.A administrao municipal, consultada em reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, disse que molhar os pedestres era inaceitvel e que medidas seriam tomadas. Vizinhos do prdio pinga-pinga afirmaram terem gostado da idia e pensam em copi-la para garantir mais higiene e segurana.

    J escrevi aqui que So Paulo est se aprimorando na arquitetura da excluso. Retomo o que havia dito antes.O tema no exatamente novo e ocupou espao na mdia quando o ento prefeito Jos Serra resolveu implantar no complexo virio da avenida Paulista, a mais conhecida e importante da cidade, as chamadas rampas antimendigo grandes blocos de concreto que impedem o povo de rua de montar sua casinha imaginria para se proteger do tempo e do mundo. E proteger, dessa forma, a gente de bem que estaria sendo assaltada durante as longas pausas dos congestionamentos.H muitos anos, o vo formado pela rua Teodoro Sampaio sobre a rua Mateus Grou, no bairro de Pinheiros, era residncia de sem-teto. A associao de amigos da rua construiu rampas para enxot-los de l. Tempos atrs, vi que o mesmo aconteceu na rua Joo Moura, no trecho sob a avenida Paulo VI/Sumar. Implantaram canteiros de flores para mandar as pessoas para longe de l. Se as flores plantadas l soubessem o que custou sua chegada murchariam de vergonha. O interessante que algum, que provavelmente morava ali ou se indignou com isso, pixou o muro em frente com um lembrete incmodo: Aqui morava gente.

    Reformas j foram feitas no Centro de So Paulo para tirar ou vazar a marquise de prdios. Ganha um doce se algum adivinhar para qu

    J que no se encontra soluo para um problema, encobre-se. mais fcil que implantar polticas de moradia eficazes como uma reforma urbana que pegue as centenas de milhares de imveis fechados para especulao e destine a quem no tem nada. Ou repensar a poltica pblica para usurios de drogas, hoje baseada em um trip de punio, preconceito e excluso e, portanto, ineficaz. Muitos vem os dependentes qumicos como lixo da sociedade e estorvo ao invs de entender que l h um problema de sade pblica.

    As obras que esto revitalizando (sic) a regio chamada de Cracolndia, tm expulsado os moradores da regio. Para onde vo? E isso importa?! Contanto que fiquem longe dos concertos da Sala So Paulo, do acervo do Museu da Lngua Portuguesa e das exposies Estao Pinacoteca timo. No caso do prdio-que-chove os usurios de drogas no foram muito longe: mudaram-se para o outro lado da rua.

    Melhor tirar da vista do que aceitar que, se h pessoas que querem viver no espao pblico por algum motivo, elas tm direito a isso. A cidade tambm deles, por mais que doa ao senso esttico ou moral de algum. Ou crie pnico para quem acha que isso uma afronta segurana pblica e aos bons costumes. Em vez disso, so enxotados ou mortos a pauladas para limpar a urbe para os cidados de bem.

    Logo aps a fundao da vila de So Paulo de Piratininga, Jos de Anchieta, com a ajuda de ndios catequizados, ergueu um muro de taipa e estacas para ajudar a mant-la segura de todo o embate, como descreveu o prprio jesuta. Os indesejados eram ndios carijs e tupis, entre outros, que no haviam se convertido f crist e, por diversas vezes, tentaram tomar o arraial, como na fracassada invaso de 10 de julho de 1562. Ao longo dos anos, a vila se expandiu para alm da cerca de barro, que caiu de velha. Vieram os bandeirantes hoje considerados heris paulistas -, que caaram, mataram e escravizaram milhares de ndios serto adentro. Da frica foram trazidos negros, que tiveram de suportar rduos trabalhos nas fazendas do interior ou o aoite de comerciantes e artesos na capital. No incio do sculo 19, a cidade tornou-se reduto de estudantes de direito, que fizeram poemas sobre a morte e discursos pela liberdade. Depois cheirou a caf torrado e a fumaa de chamin, odores misturados ao suor de imigrantes, camponeses e operrios. Mas, apesar da frentica transformao do pequeno burgo quinhentista em uma das maiores e mais populosas metrpoles do mundo, centro financeiro e comercial da Amrica do Sul, o muro ainda existe, agora invisvel. E, 455 anos aps a fundao de So Paulo, esse muro impede o acesso dos excludos cidadania.

    Ou, s vezes, nem to invisvel assim.

    http://colunistas.ig.com.br/sakamoto/?s=como+expulsar+os+mendigos

    Como expulsar drogados, mendigos e outros estorvos

    Leonardo Sakamoto

  • Era o ano de 1880. Pelas acanhadas ruas de So Paulo, um negro descalo e vestindo cala de algodo carrega um pedao de pau com quatro galinhas amarradas nas extremidades. Ao dobrar a esquina, ele se depara com uma patrulha policial. Sua trajetria , ento, bruscamente interrompida. Os oficiais querem saber a quem o homem pertence e o que faz por ali. Com duas ou trs respostas muito bem decoradas, o escravo disfarado se livra da patrulha e segue seu caminho. Deixa a mercadoria no Largo do Rosrio com uma quituteira, tambm negra, e rapidamente desaparece no meio da multido que transita por ali, encaminhando-se para as bandas do riacho Saracura.

    Nas metrpoles emergentes no final do sculo 19, como So Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, j era quase impossvel diferenciar quem era escravo, ex-escravo ou fugitivo. A porturia Santos, por exemplo, contava com cerca de 10 mil negros fugitivos que conviviam com uma populao oficial de 13 mil pessoas. A presena de tantos fujes nas cidades produziu o fenmeno menos conhecido da histria da escravido no Brasil: os quilombos urbanos. O Saracura, para onde nosso personagem escapou no incio dessa reportagem, hoje o bairro da Bela Vista (tambm chamado de Bexiga), era um desses recantos em que os escravos que escapavam da servido se aproveitavam da vasta vegetao de mata atlntica para montar abrigos e esconderijos. Ali, estavam livres para cultuar seus deuses, fazer msica, pequenas roas e criar animais, que depois eram vendidos ou trocados nos mercados locais. Um ato de rebelio que se renovava todo santo dia.

    Ao contrrio dos chamados quilombos de rompimento, como o de Palmares, que se caracterizavam por se assentarem em locais distantes, com o objetivo de evitar caadores de recompensa e, ao mesmo tempo, romper com o modelo de civilizao europia, tentando recriar o mundo africano, os quilombos urbanos pareciam pequenos povoados. Localizados bem prximos das cidades, tinham casas de pau-a-pique, construdas com barro e pequenos troncos de rvores. Plantados em clareiras na mata, os casebres eram rodeados pelas criaes de cabras, galinhas, porcos e animais de estimao. Com o tempo, os quilombolas fizeram pequenas roas de milho e mandioca, sem dvida, um trao da influncia indgena. No modelo tradicional de resistncia escravido, o quilombo de rompimento, a tendncia dominante era a poltica do esconderijo e do segredo de guerra. Por isso, os quilombolas esforavam-se para proteger o seu dia-a-dia, sua organizao interna de todo tipo de forasteiro, diz o pesquisador da Fundao Casa de Ruy Barbosa do Rio de Janeiro, Eduardo Silva. J os quilombos urbanos eram dormitrios dos negros fugitivos que tentavam a sobrevivncia nos mercados e portos das cidades, completa.

    Os esconderijos urbanos proliferam com a vinda da famlia real portuguesa para o Brasil, em 1808. O boom aconteceu principalmente nas cidades porturias como Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Pelotas. Por qu? Ora, porque agora era preciso mais mo de obra. A economia local havia ganhado impulso com a chegada da corte, e, com o empurro financeiro, crescia tambm o nmero de negros importados da frica. Bastava um passeio pelas ruas do Rio de Janeiro, por exemplo, para perceber o frenesi. No porto, os escravos perambulavam de um lado para o outro carregando sacas dos navios para o cais. J no centro da cidade encontravam-se os chamados escravos de ganho, que trabalhavam como marceneiros, sapateiros, prostitutas, quitandeiras ou carregadores. No final do dia, eles levavam o dinheiro arrecadado para os seus senhores. No meio dessa massa misturavam-se os negros libertos e fugitivos das fazendas ou seja, os habitantes dos quilombos urbanos.

    Esses agrupamentos de negros fujes tirou o sono dos poderosos. Preocupados com as concentraes clandestinas de negros, as autoridades espalhavam capites-do-mato (caadores de escravos fugidos), patrulhas policiais e at o Exrcito pelos subrbios com a misso de descobrir e destruir os esconderijos. As aglomeraes ficavam a quatro, cinco quilmetros da cidade, encravadas no alto dos morros ou nos vales, diz o professor Wilson do Nascimento Barbosa, do Departamento de Histria da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo USP.

    Dois bons exemplos que demonstram o pnico causado pelos quilombos urbanos esto em correspondncias expedidas por autoridades coloniais. Em 1791, o governador de So Paulo, Bernardo Jos Maria Lorena, ordenou ao seu capito-mor que transmitisse instrues aos capites de suas ordenanas. Sua exigncia: espalhar soldados com armas de fogo a fim de prender ou matar os negros dos quilombos, que tanta desordem andavam fazendo na cidade. Em 1807, o governador da Bahia, Joo de Saldanha da Gama Mello e Torres Guedes de Brito escreveu de Salvador para o Conselho Ultramarino em Portugal: Sendo muito freqentes as deseres de escravos do poder de seus senhores, entrei na

    Quilombos urbanosMrcio Sampaio de Castro

  • curiosidade de saber que destino seguiam, e sem dificuldade, conheci que os subrbios desta capital, onde so inumerveis os ajuntamentos desta qualidade de gente.

    Com tanto burburinho, os quilombos urbanos tornaram-se, ao mesmo tempo, mais atraentes e mais perigosos para os negros que ali se refugiavam, j que caar negros virou um negcio lucrativo para os cidados livres. Tanto que o que mais rendia anncios para as sees de classificados dos jornais eram exatamente os valores oferecidos pela captura de um fugitivo. Para uma pessoa pobre, fosse branca ou mulata, prender um cativo fujo era uma tima forma de ganhar uns trocados, o que unia a populao livre contra o escravo fugitivo, afirma o pesquisador Mrio Jos Maestri Filho, da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul.

    No meio de tantos delatores, os negros fugitivos podiam contar com os escravos de ganho e com os africanos que j tinham conquistado a liberdade. Eles davam um jeitinho de camuflar os companheiros. A estratgia era bastante simples: misturavam-se uns aos outros nos mercados para que o trabalho de represso ficasse difcil. Na baguna, tornava-se quase impossvel saber quem era quem. Alguns comerciantes tambm colaboravam com os fujes. Para eles, era vantajoso manter os fujes por perto. Em troca do silncio, exploravam a mo de obra, alm de comprar produtos baratos dos quilombos.

    Enquanto as aglomeraes de negros tomavam conta dos subrbios das cidades, a abolio da escravatura passava a fazer parte das rodas de conversas dos intelectuais, dos polticos, de integrantes da classe mdia urbana e at da elite econmica, que, timidamente, comeava a criar estratgias para pressionar pelo fim do regime servil. A primeira vitria dos defensores da liberdade dos negros foi uma nova legislao que entrou em vigor em setembro de 1850, graas presso da coroa britnica. Por motivos econmicos, os ingleses vinham perseguindo e dificultando a vida dos traficantes de escravos desde o incio do sculo.

    A nova lei, denominada Eusbio de Queiroz, previa penas para o trfico negreiro que iam da apreenso dos navios e suas cargas at a priso de todas as pessoas que fossem flagradas participando desse tipo de negcio. Um golpe dramtico para os fazendeiros e demais escravocratas. Por outro lado, a Guerra do Paraguai (1865-1870), onde milhares de combatentes negros lutaram pelo Brasil, fez com que muitos militares se tornassem tambm simpticos causa. O resultado disso tudo que as aes abolicionistas encontravam cada vez menos resistncia e represso. Estavam criadas as condies para que surgisse um novo tipo de quilombo urbano, o quilombo abolicionista.

    Essa forma de organizao dos escravos apresentava diferenas marcantes dos quilombos de rompimento, localizados no interior do pas. Eram comandados por lderes que mostravam a cara e brandiam a bandeira da abolio sem medo. Os lderes eram cidados livres, com documentao civil em dia e muito bem articulados politicamente. No se tratava mais dos guerreiros do modelo anterior. Agora a liderana representava uma espcie de ponte entre a comunidade de fugitivos e a sociedade, diz o historiador Eduardo Silva. Integrantes do movimento abolicionista, como Andr Rebouas e Antonio Bento, por exemplo, incentivavam a formao dos quilombos abolicionistas. E, entidades como a Confederao Abolicionista, localizada no Rio de Janeiro, e os Caifazes, da cidade de So Paulo, promoviam e apoiavam as fugas em massa das fazendas. Depois de viajar de trem, amontoados em charretes ou mesmo a p, os negros desembarcavam nos principais quilombos abolicionistas: Petrpolis, na serra Fluminense; Leblon, no Rio de Janeiro; Cupim, em Recife, e Jabaquara, em Santos. Esse ltimo chegou a ter cerca de 10 mil escravos.

    Nos anos que se seguiram, muitos quilombos abolicionistas pipocaram pas afora. E, a presena crescente desses quilombolas nas paisagens urbanas somada intensificao dos movimentos de libertao, facilidade cada vez maior para os deslocamentos dos negros e diminuio das perseguies resultaram no fim, de fato, da escravido no Brasil. Quando, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a famosa Lei urea, a liberdade j fazia parte da vida da populao negra. A lei s oficializou uma realidade conquistada a duras penas. O Brasil foi o ltimo pas do Ocidente a acabar com o regime servil.

    Http://historia.abril.com.br/gente/quilombos-urbanos-434120.shtml

  • Cresce cada vez mais a presena de pessoas adultas que utilizam os espaos pblicos como moradia nas grandes e mdias cidades brasileiras. Esta no uma questo isolada dos graves problemas sociais que ocorrem, nas ltimas dcadas, no plano nacional e internacional, referentes s mudanas intensas no mundo do trabalho e no mbito do Estado.

    no final da dcada de 1970 e comeo da de 1980 que se verifica, pela primeira vez, a associao entre rua e desemprego, isto , parcela de trabalhadores que, devido crise social desse perodo, no encontra mais oportunidades de empregos industriais e regulares e passa a trabalhar em atividades do setor de servios, com ocupaes irregulares na economia informal.

    Nos anos mais recentes, o desenvolvimento capitalista e as transformaes sociais, na perspectiva da globalizao, tm gerado igualmente segmentos de trabalhadores que, no conseguindo acompanhar as mudanas do perfil de emprego, sofrem os efeitos de forte alijamento do mercado de trabalho que se verifica pelas altas taxas de desemprego ou pela precarizao das condies de trabalho e pela ausncia de alternativas de trabalho.

    Alm desses processos de natureza econmica, h outros ligados fragilizao e/ou ruptura de vnculos afetivos familiares por diversos motivos: deslocamentos em busca de trabalho, sadas do circuito restrito da famlia, perdas drsticas por morte ou abandono, rupturas por conflitos e brigas, responsveis pela permanncia temporria ou duradoura de pessoas nas ruas ou em albergues. Outro fator a ausncia de polticas pblicas consistentes, com perspectiva de continuidade e de recursos financeiros para projetos de apoio de sada das ruas, com gerao de renda e autonomia financeira. Embora seja conhecida a relao que a populao da rua estabelece com o lcool, a gravidade da presena do crack, agora muito mais prximo do dia-a-dia da populao adulta de rua, compromete a sade fsica e mental em curto prazo. Alm da violncia sofrida cotidianamente por parte das polcias civil e militar no conhecido processo de higienizao.

    Assim, a populao em situao de rua um segmento heterogneo de trabalhadores, que esto desempregados ou exercem atividades profissionais de carter informal, temporrio, intermitente e instvel, de baixa remunerao; no possuem residncia fixa, vivem a alternncia da moradia em penses, albergues e espaos pblicos da cidade, de forma provisria para alguns e duradoura para outros, e, para se alimentar, valem-se de pontos de distribuio de comida ou de centros de assistncia social. Essa heterogeneidade um elemento importante quando se deseja conhecer a realidade das pessoas que se utilizam das ruas e albergues de forma circunstancial ou como um modo de vida.

    No Brasil a populao em situao de rua nunca foi includa em censos oficiais brasileiros. As estimativas nas dcadas de 70 a 80 variavam de oito mil a 100 mil pessoas. Apenas em maio de 1991, deu-se a primeira contagem realizada pela Prefeitura de So Paulo com 3.392 pessoas vivendo ao relento na rea central da cidade e a ltima em outubro de 2003, realizado pela FIPE, com 10.399 pessoas vivendo nas ruas e albergues na cidade de So Paulo.

    Desde meados da dcada de 60 e, de forma mais intensa, a partir da dcada de 80, observam-se diversificadas iniciativas de organizao da populao em situao de rua. Uma delas o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Reciclveis que, hoje, articula seu trabalho com inmeros outros pases. E o Movimento Nacional da Populao de Rua (MNPR) que a partir de 2004, de forma organizada realiza e participa de fruns, encontros, atos e manifestaes em So Paulo e em outras cidades brasileiras e, mais recentemente, com destaque na discusso da Poltica Nacional para a Populao em Situao de Rua. Esta dever ser referendada pelo Presidente Lula no final deste ano em So Paulo. Assim, o MNPR tem provado uma realidade contrria viso corrente na sociedade que concebe as pessoas em situao de rua sem capacidade de pensar, de refletir e de se organizar.

    Cleisa Moreno Maffei Rosa iniciou estudos e trabalhos com a populao de rua quando coordenadora da Superviso Regional de Bem-Estar Social S-Lapa da Prefeitura de So Paulo (1989-1992). Hoje colabora com o jornal O Trecheiro como

    Tomo como referncia os estudos dos quais participei: Populao de Rua: quem , como vive e como vista (Editora Hucitec, 1992, co-autora com Maria Antonieta da Costa Vieira e Eneida Maria Ramos Bezerra), Populao de rua: Brasil e Canad (Editora Hucitec, 1995, organizadora) e Vidas de Rua (Editora Hucitec/Rede Rua, 2005, autora) e Pesquisa documental (CD-ROM, 1999, reportagens publicadas em jornais da imprensa escrita sobre populao de rua na cidade de So Paulo de 1970 a 1998, autora).

    Quem so e por que esto nas ruas e albergues?

    Cleisa Rosa

  • Ausncia de vida no centro de So Paulo?Uma crtica ao discurso de revitalizao urbana

    Bianca Tavolari

    A compreenso da reproduo do espao urbano na cidade de So Paulo perpassa a anlise das diferentes estratgias de revitalizao urbana, inseridas em contextos de criao e recuperao de centralidades.

    Partimos do pressuposto que para construir um conhecimento sobre a cidade, numa perspectiva crtica, necessrio articular os fragmentos estudados em um processo maior inseridos, portanto, em uma totalidade.

    Os termos revitalizao e degradao so construdos historicamente e denotam uma percepo esttica do espao essencialmente ideolgica. Cabe-nos perguntar: quem produz o discurso de espao degradado? Revitalizar significa insuflar vida, tornar a vitalizar, o que pressupe a ausncia de vida, abrindo caminho expulso de pessoas consideradas, desse ponto de vista, invisveis. importante notar que essa crtica foi incorporada nos anos 90 por organizaes higienistas, tais como a Associao Viva o Centro, que passam a falar em requalificao urbana. O que faltaria no Centro de So Paulo no seria vida (afinal, muitos empresrios trabalham ali), mas qualidade do espao. O uso de metforas que tratam da cidade enquanto organismo vivo identifica doenas, patologias, impondo o saneamento por meio de mudanas do uso, onde os conflitos sociais so mascarados por meio do consenso forjado da cultura.

    Os discursos que acompanham as realizaes do poder pblico no espao urbano encobrem o processo desigual que se materializa no urbano, em que a cultura aparece como reconciliadora e pacificadora dessas transformaes essencialmente violentas.

    O termo revitalizao forjado em contraposio degradao. A idia de degradao do Centro de So Paulo surge, com maior nfase, no final da dcada de 30, com a construo do Viaduto do Ch, que ocasiona na migrao das classes de mais alta renda a bairros exclusivos, como Campos Elseos, Vila Buarque e Santa Ceclia. A partir da dcada de 50, com o desenvolvimento da indstria automobilstica, So Paulo passa a ser produtora e consumidora de carros, passando por uma destruio massiva de edifcios para dar lugar abertura de grandes vias de circulao. Para alm do abandono dos antigos moradores, fatores como poluio ambiental e dificuldade de acesso passaram a construir a imagem negativa do Centro.

    A consolidao de bairros residenciais sudoeste da Capital atraiu investimentos estatais e privados nessa direo, intensificando o processo de desvalorizao dos imveis da regio central.

    A partir da dcada de 70, comeam iniciativas estatais pontuais de revitalizao, inspiradas por processos anlogos desencadeados nos pases centrais. Nessa poca, a preservao do patrimnio histrico ser a mediao das intervenes no espao central patrimnio aqui entendido enquanto monumentalidade arquitetnica (exemplos: a Pinacoteca, o Jardim da Luz e o Edifcio da Escola de Farmcia).

    A perspectiva de valorizao da rea j se encontrava nos horizontes do planejamento estatal, quando em 1975 mesmo ano em que foi lanado o Plano de Revitalizao do Centro foi inaugurada a Estao do Metr da Luz e que, naquele momento, no obteve os investimentos privados esperados, dando continuidade desvalorizao.

    Nos anos 80, tem incio o processo de tombamento do bairro do Bixiga como um todo, em razo de seu valor cultural. Para alm do tombamento, ao conjunto de casas da Vila Itoror seria destinada a transformao em centro cultural, com bares e restaurantes.

    Esses processos de instrumentalizao da cultura se aprofundam com o movimento de passagem da cidade como palco dos negcios cidade como negcio ela mesma, a passagem da produo de bens e coisas no espao para a produo do espao ele mesmo.

    Os projetos de revitalizao passam a priorizar, tendencialmente, o valor de troca em detrimento do valor de uso,

  • produzindo a cidade enquanto produto e no enquanto obra. As intervenes em parcerias pblico-privadas se inserem agora num contexto de financeirizao, em que a desvalorizao imobiliria pode ser entendida enquanto parte de uma estratgia de rentabilidade do capital empregado no espao, dada a necessidade de uma reserva territorial de acumulao primitiva do espao.

    Elas passam a ser o principal motor de atrao de capital excedente nacional e estrangeiro, que se realiza com a produo de vantagens espaciais comparativas. Assim, as revitalizaes, apoiadas em elementos culturais ou no, tm em vista a criao de lugares abstratos, que no fazem referncia vida dos habitantes, mas implantam edificaes-simulacro. A mudana no apenas de cenrio, mas tambm de valor econmico e de populao as intervenes tm como objetivo, quase declarado, a expulso dos habitantes e freqentadores, seja por desapropriaes ou pela valorizao dos terrenos.

    Dentro desse contexto que podemos entender o projeto de construo de um centro Cultural na Vila Itoror, adquirindo novas funes, em uma competio internacional de supostas cidades globais. Esse discurso encobre a substncia dessa proposta de interveno planejada. A construo de um plo cultural se insere num ciclo mais abrangente de acumulao de capital, em que h uma mudana de uso do espao. A moradia passaria a dar lugar ao comrcio cultural, as reformas materializam trabalho no espao, aumentando seu valor. Para alm disso, o centro cultural aproveitaria a rede de infra-estrutura urbana j consolidada no bairro da Bela Vista, um bairro central. Dessa forma, a substituio de populaes se d pela expulso dos atuais moradores, que no poderiam desfrutar desse plo cultural aberto para toda a populao. Mais alm, o discurso esconde a forja de um lugar singular, capaz de gerar vantagens comparativas com os demais, atraindo pesados investimentos pblicos e privados:

    Rentabilidade e patrimnio arquitetnico-cultural do as mos, nesse processo de revalorizao urbana sempre, evidentemente, em nome de um alegado civismo (como contestar?). E para entrar nesse universo dos negcios, a senha mais prestigiosa a que ponto chegamos! (de sofisticao?) a Cultura. Essa a nova grife do mundo fashion, da sociedade afluente dos altos servios a que todos aspiram.

    Pode-se perceber a transformao progressiva da produo do espao enquanto obra sua produo enquanto produto, legitimado pelo discurso cultural.

    Em 2006, a prefeitura decretou a utilidade pblica da Vila Itoror e iniciou um processo de desapropriao dos imveis, colocando novamente em questo um antigo projeto de revitalizao da Vila datado da dcada de 70. Os moradores so apenas possuidores de suas casas, no tm o ttulo formal de propriedade. Desde ento, os moradores se organizam em associao, com apoio de universidades, de grupos culturais e polticos, a fim de garantir seu direito moradia. Em 2009, aumentou o risco de despejo dos moradores, sem qualquer alternativa habitacional eficaz, em razo de medida judicial autorizando a imisso na posse.

    1 ARANTES, Otlia. Uma estratgia fatal. In: A cidade do pensamento nico. Ed. Vozes. Pgina 31. 2 A Associao dos Moradores e Amigos da Vila Itoror tem apoio do SAJU-USP, da Faculdade de Direito da USP, do Escritrio Modelo de Arquitetura (Mosaico) da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie, do coletivo Frum Centro Vivo, dos grupos artsticos (Em)Pulso Coletivo e Mapa Xilogrfico.

  • n o s e i e x a t a m e n t e o q u e e s c r e v e r . . .

    Dizer que quando vocs estavam aqui expondo o trabalho que diz respeito ao bairro da gente, a nossa gente e acho que bem mais do que isso...seu trabalho diz respeito as gentes de todo o lugar cabvel...aquelas janelas "colhidas" nas ruas do velho Bixiga...aquelas pessoas falando, se pronunciando...se fazendo valer gente...tudo isso foi grata experincia trazida ao nosso espao de modo intuitivo, sem memorando algum para dar trabalho ao trabalho...tudo ali era essncia...tudo ali era humano e isso que me faz agora escrever minhas recordaes sobre o Mapa Xilogrfico, nada que eu diga nesse momento pode ou deve ter a repercusso tamanha que me acompanhou a exposio do trabalho to intenso que vocs executam...e compartilham com seu mundo...nosso mundo...e olha que no dia de nossa viagem tudo aquilo era uma mistura de ansiedade e satisfao de termos caminhado juntos ainda que aos trancos para receb-los de forma a que mereciam...um to grande bonito trabalho de gente humana...assim me despeo dizendo que seu trabalho foi importante para essa gente esperanosa que somos ns atores e moradores desse imenso bela vista...

    Abraos,

    Rudifran Pompeu Grupo Redimunho de Investigao Teatral

  • EXPOSIOITINERANTE

    Aps meses de imerso no universo da Bela Vista - Bixiga, encontros sensveis de troca de conhecimentos, relaes estreitadas com a comunidade, vivncias de conflitos e angstias dos moradores, experincias em um caldeiro cultural efervescente e multitnico, buscamos devolver a acolhida que recebemos em forma de exposio itinerante, percorrendo seis espaos culturais diferentes e propagando a interpretao do bairro desenvolvida pelos prprios moradores, como um mapa psicogeogrfico dinmico, aberto constante reflexo e reinterpretao.

    A itinerncia buscou alcanar os moradores e, em especial, os estudantes de outras escolas e centros culturais da regio. Ao longo de uma exposio que, assim como o projeto, tambm fez um percurso prprio, recebemos a visita de estudantes da Escola Municipal Celso Leite Ribeiro Filho, da Escola Estadual Maria Augusta Saraiva, da Educao de jovens e adultos da Igreja Nossa Senhora Achiropita, alm dos estudantes de diversos segmentos e perodos da Escola Estadual Maria Jos.

  • ESCOLA ESTADUALMARIA JOS

    A exposio na Escola Maria Jos foi um passo importante na valorizao das atividades desenvolvidas pelos estudantes, superando a postura de imobilismo e promovendo a criatividade.

    Visando receber o mximo de estudantes que a instalao comportava, agendamos as visitas por turmas, em atividades de 40 minutos. As turmas foram recebidas com um jogo de tabuleiro de palavras, onde cada um construa o prprio trajeto para entrar na exposio.

    Recebemos a visita de todo o ensino fundamental e mdio, de todos os perodos da escola, afinal de contas, era uma produo dos estudantes para a prpria comunidade escolar. Conhecimento produzido e compartilhado entre eles.

  • CASARO DA ESCOLA PAULISTA DE RESTAURO

    O Casaro da Escola Paulista de Restauro acolheu a exposio com sua arquitetura do incio do sculo XX, integrando os elementos expostos aos seus cmodos e nos remetendo a outro tempo, bairro e cidade. A temperatura, o silncio, a luminosidade, o pomar e o galo no quintal so resqucios de um universo que desapareceu.

    Vivenciamos neste cenrio a abertura da exposio para a visitao dos moradores do bairro e um experimento cnico do Grupo (EM)Pulso Coletivo acerca da memria foi apresentado.

    Ao longo da exposio, recebemos estudantes da Escola Estadual Maria Augusta Saraiva.

  • VILA ITOROR

    Durante a itinerncia da exposio, percebemos a importncia de transform-la de acordo com as circunstncias de cada lugar.

    Na Vila Itoror, optamos por transformar a exposio em uma interveno urbana, uma vez que instalamos seus elementos no ptio central, a cu aberto, com as projees feitas nas paredes das casas, uma maneira vivel de receber toda a comunidade. Nos outros dias, ocupamos a sede da associao de moradores que est em fase de reforma em regime de mutiro.

  • CASARO DOBELVEDERE

    Ao desembarcarmos no Casaro do Belvedere, repetimos a idia j empregada no Casaro da Escola Paulista de Restauro, de incorporar os elementos arquitetnicos presentes, optando pelo conceito de instalao.

    Desta forma, os visitantes eram convidados a se aventurar pelos cmodos de uma construo do comeo do sculo XX, construindo um percurso prprio em sua relao com os elementos expostos.

    Dentre as visitas, recebemos muitos estudantes do MOVA da Igreja Nossa Senhora Achiropita e do EJA da Escola Municipal Celso Leite.

  • PONTO DE CULTURABELA VISTA BIXIGA

    No espao do Ponto de Cultura Bela Vista Bixiga, desenvolvemos uma proposta especial para as escolas da regio. Contatamos a Escola Estadual Maria Augusta Saraiva e a Escola Municipal Celso Leite e agendamos as visitas com as turmas.

    Dividimos as atividades em receber os estudantes com um jogo de palavras geradoras sobre o prprio bairro, a apresentao da tcnica da xilogravura e a visitao da instalao. Durante a exibio do documentrio o reconhecimento: eu moro ali, naquela casa, o bairro se enxergando na tela.

  • ESPAO CULTURALLATINO-AMERICANO

    Alm do planejamento inicial, recebemos o convite de expor no Espao Cultural Latino Americano, um novo centro de cultura recm inaugurado no bairro. Seguindo as pistas e as possibilidades de uma longa deriva e ampliando o acesso aos moradores sobre o percurso trilhado pelo Mapa Xilogrfico, aceitamos o convite. At o instante, o nosso ltimo endereo visitado, entretanto, os mapas sempre esto abertos.

  • Aps esse longo percurso, de mapas imprecisos e em constante construo, o desejo que as reflexes levantadas em nosso trajeto reverberem e promovam encontros, redes de colaborao e iniciativas capazes de decidir autonomamente que projeto de urbanizao queremos e que, consigamos, mediante a descoberta de uma oculta cidade possvel, exercitar o direito cidade que tem sido atropelado por interesses alheios aos habitantes desta metrpole, aqui representada pelo universo do Bixiga.

    Que frutifique...

  • FICHA TCNICA

    Criao, Produo e Execuo do Projeto Milene Valentir e Diogo Rios.

    Criao, Produo e Execuo das entrevistas Estudantes da E.E. Maria Jos, Alan Livan, Milene Valentir e Diogo Rios.

    Criao, Produo e Execuo das trilhas urbanas Estudantes da E.E. Maria Jos, Alan Livan, Natlia Obeid, Luciana Buitron, Milene Valentir e Diogo Rios.

    Criao, Produo e Execuo das oficinas Estudantes da E.E. Maria Jos, Milene Valentir e Diogo Rios.

    Criao da Exposio Estudantes da E.E. Maria Jos, Milene Valentir e Diogo Rios.

    Produo e Execuo da Exposio Milene Valentir e Diogo Rios.

    Produo e Criao da revista Milene Valentir e Diogo Rios.

    Fotografia Estudantes da E.E. Maria Jos, Alicia Peres, Bianca Tavolari, Milene Valentir e Diogo Rios.

    Filmagens Estudantes da E.E. Maria Jos, Milene Valentir e Diogo Rios.

    Edio dos documentrios e DVD Milene Valentir e Diogo Rios.

    Participantes

    Escola Estadual Maria JosAlan Livan, Clementino Maria,

    Sandra Regina Rodrigues, Lucia Matos Merlin,Hennis Edilon, Prof. Marco,Profa. Eliane, Profa.Thereza,

    Profa. Cleide, Prof. Rgis,Profa. Juliana, Profa. Isilda,

    Profa. Romilda, Prof. Marcelino,Profa. Sandra, Profa. Valdeni,Profa. Solange, Profa. Regina,Profa. Deise, Profa. Glaucia,Profa. Eleniza, Prof. Carlos,

    Profa. Irlan

    e demais educadores funcionrios da E. E. Maria Jos.

  • 5Agata Hellen Garcia AlmeidaAllan Almeida DutraAmanda Santod BandeiraAna Lvia da Rocha Brito do CarmoBianca Pereira dos SantosCarlos Alberto Batista de OliveiraCris Gabriel CavalcanteElizabete Cristina DomingosElo Cristina Pereira de SouzaGraziele Karine Moura de OliveiraHellen Patrcia do Nascimento SilvaHumberto Ramone Borges BarbosaIgor Emerencio de LimaIsaias Barnab dos Santos JuniorJaqueline de Oliveira VicenteJessica Martins da SilvaJessica Rodrigues SantosJonatas de Assis PachecoLars Ulsikch Gunnter Ferreira LimaLuiz Ricardo Silva SouzaMarcela Alessandra Pereira da SilvaMaria Gabriela da Silva FreitasNajara Cristina Freitas FerreiraRayane Silva FranciscoRenato da Rocha NoronhaSara Maria NascimentoVictor Santiago Vilela RodriguesYgor Bezerra da Nbrega SantosYnarae Luana Batista de FreitasValria Conceio da SilvaRafael Bastos de OliveiraMaria Ap. Cabral MachadoWellington B. de FreitasVictria Goold Meyer Alves Jaykosz

    6AAlex Soares de PaivaAline Correa SantosAna Maria Silva SantosBianca Ferreira GomesBruno Santos AndradeCarla Alexandra Santos VeigaFelipe Carvalho de AndradeFelipe Giadas Kill SilvaGabriel Ferreira UmburanasGabrielle Rodrigues da SilvaGiovanni Honotato de SouzaIngrid Silva de JesusJoo Paulo Magalhes SantosJoo Pedro MirandaJosenildo Souza SantanaLeonardo SouzaLuan Henrique Alves SerroLucas Amaro de AlmeidaMaria Cristina Rother da CruzMarisabel Mayta QuispeMicherlaine da Silva limaPaulo Arthur Duwe CarrerPaulo Henrique Oliveira SilvaPriscila Sepulvera de ArajoRafaella Djanira Coelho VasconcelosRayk Rocha dos SantosSara Luiza dos SantosSheila Macedo de Quadro da SilvaWagner da Silva PereiraWeida YangYasmin Nascimento da SilvaJonahtan S. SenaCaio Vieira MiguelUlisses Pereira dos SantosJos Lucas da CostaAdriana Nascimento dos SantosAyrton Duarte dos SantosPaulo Ricardo Rodrigues Arajo

    6CBruno Ferreira de LimaCsar MeloDanilo Dias LourenoEvandro Almeida Ferreira BarbosaFabrcio Alves da SilvaFernanda Paula de Carvalho SilvaGabriel Mendes Andrade CorreiaGeiza Felix MonteiroGeovani dealmeida Rosa

    Estudantes da Escola Estadual Maria Jos

    5 CAmanda Sales dos SantosAndria Soares da SilvaAntnio Ronaldo NascimentoClayton de Sousa RodriguesEry Jhonson Alves BrandoEstefani Barbosa FerreiraFrancisco Brener Macedo GomesGabryell Batista TeixeiraIvan de Oliveira VicenteJanaina Matias de LimaJaqueline Pereira LopesJean Silva LimaJoo Batista do Nascimento CruzKaique Augusto Batista dos SantosLais Oliveira BravoLeonardo Gonalves dos Santos

    6 BAlexia Santos da SilvaAllana Santos da SilvaAna Micarla Matias GuedesBarbarah de Ftima GonalvesBeatriz da Silva CostaCaio Gomes FreitasCamila Cistina da Silva PaduanDaniele BatistaGuilherme Vieira da SilvaHenrique Clemente CaetanoIgor Taveira dos SantosIsabella Olimpio da CostaJssica da Silva LimaJoo Cludio de Oliveira BispoJonathan Santos FrancaLayse Oliveira PereiraLuiz Paulo Santos Pessoa da CostaMarcelo Lucena SilvaMatheus Francelino GomesRafael Ferreira e SilvaRaquel Maclaine Feitas da SilvaRenato Aparecido Domingues JuniorRodrigo Jesus SilvaThais da Silva MarianoThiago Octvio Collaco ArajoTiago Mendona RochaVando de lima SoaresVanessa Cerqueira dos SantosVictor de OliveiraVitria FreireYuri Ricardo da SilvaAline Almeida de CastroAna Karoline de Souza NascimentoCaio Henrique da SilvaCristian ScottVictria Vaz Ribeiro e SilvaMateus LimaVitor da SilvaAlexandre Silva SantosAlan Jonne Lopes de SouzaDanieli Pedrosa Caetano da Silva

    Lucas Rocha de SouzaMaria Eduarda Guilhermina da SilvaMatheus Barbosa de OliveiraMichael Abrao do Prado OliveiraNicolas Amorim FerreiraPamela Vieira da SilvaVitoria de Souza ClarindoNatlia Almeida VasconcelosTalita de Souza SantosVitria ferreira da SilvaAlan Richard Galeano de MeloJean RicardoJoo Gabriel F. C. Rodrigues Simes

  • Gibson Michael Silva CostaGuilherme Rickson Mendes CostaHenrique Santos de SousaJanaina de Souza TeixeiraJssica Andrade GuimaresJos Amauri Alves de Sousa JuniorJuliana Rios PiresKaio Machado Rocha de SousaKarina Nascimento SilvaKevin Takashi TamasiroLuana Coelho AlvesLucas de Sousa NunesLuis Henrique Bezerra de SouzaLuiz Henrique Lima da SilvaPedro Henrique Gis LimaPriscila Stefani de MouraRayane Lucindo Gomes da SilvaVictor Hugo da Silva QueirozVladimir Lnin Batista de FreitasWender dos Santos FernandezAmanda dos SantosFrancisco Lima Barreto

    7 BCaroline Marcelina MartinsClayton Gonalves FirminoEmily Cristina FreitasEraldo Cassiano dos Santos FilhoEvelyn Cristina Barbosa PereiraFelipe de Souza NevesGabriela Costa da SilvaGiovanna Gabriela Farias PieroniGirleni Cavalcante MorgadoIsabelle Pinheiro Sousa RibeiroIvan Luiz de Souza SilvaJoo Vitor Ciro ChaparroJos Willians Pereira de LimaJulyane Silva SouzaKeliany Pinheiro GomesLailson Oliveira SilvaLarissa Paixo LeandroLeonardo Batista Delgado JuaniLeonardo da Silva BuonafiniLeonardo Santana dos SantosPaloma Salileam da Silva Rodrigues

    Paulo Rafael Loureno da RochaRamon Ribeiro dos SantosThais Rocha de SousaVictor Hugo de JesusBreno Valena PortoFelipe MagalhesGustavo Braga Rodrigues de CamposEdvaldo Bezerra da Costa NetoAngelina Batista TeixeiraLucio Freitas MarcondesFelipe da SilvaEliane Sampaio da SilvaTalita O. Silva

    Instituto Bela Vista BelaNorma Rispoli

    Genice Aparecida Ferreira

    Movimento Nacional de Moradores de RuaJoel Porto

    Jacinto Mateus de OliveiraOncio Almeida Pinto

    Frente 3 de FevereiroSato

    Felipe BraitSibele Lucena

    Fernando Alab

    Agentes de Sade UBS HumaitDbora

    Maria ngela da SilvaElizete Luz

    Rosinalda FranciscoVanessa dos Santos

    Michelle CobelloCreusa de BarrosNara RaymundoCamila Santana

    Rita BrandoAna Aparecida Pereira

    Maria Monnerat Pinto

    PesquisadoresMximo Barro

    Mrcio Sampaio de Castro

  • (Em) Pulso ColetivoJorge Peloso

    Marlia Amorim

    Mestre de capoeiraMestre Ananias

    Contra mestres de capoeiraMinhoca Rodrigo Bruno Lima

    Gugu e LucianaCabeleira