Revista Literatas
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Literatas Director: Nelson Lineu | Maputo, 17 de Fevereiro de 2012 | Ano II | N°18 | E-mail: [email protected]
PROPRIEDADE DO
9 anos de silêncio profundo José Craveirinha (2003-2012)
«Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto. Isto por parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai, fiquei José. Aonde? Na Av. Do Zihlahla, entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres. Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato… A seguir, fui nascendo à medida das cir-cunstâncias impostas pelos outros. Quando o meu pai foi de vez, tive outro pai: seu irmão. E a partir de cada nascimento, eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique. A opção por causa do meu pai branco e da minha mãe preta. Nasci ainda outra vez no jornal O Brado Af-ricano. No mesmo em que também nasce-ram Rui de Noronha e Noémia de Sousa. Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço, competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temper-ado por tudo isso. Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por causa do meu pai, encontrando no Amor a sublima-ção de tudo. Mesmo da Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por parte de minha mãe, só resignação. Uma luta incessante comigo próprio. Autodidacta. Minha grande aventura: ser pai. Depois, eu casado. Mas casado quando quis. E como quis. Escrever poemas, o meu refúgio, o meu País também. Uma necessidade angus-tiosa e urgente de ser cidadão desse País, muitas vezes, altas horas a noite.»
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Editorial
E porquê parar um projecto elogiado!?
N os finais de Dezembro de 2010, iniciamos o projecto da revista Literatas, antes
difundindo a mesma através de um blogue. A princípio a meta era divulgar entu-
siastas da literatura moçambicana, principalmente, os membros do Movimento
Literário Kuphaluxa, agremiação a que pertence esta revista.
No entanto, verificado o vazio a que se vivia no País, sob ponto de vista de divulgação da Literatu-
ra Moçambicana (com os medias se cingindo apenas no anunciar lançamentos de livros vida ou
morte de escritores) decidimos ser mais abrangentes. Sermos mais abrangentes, significa manter a
linha que já tínhamos definido e acrescentar, a componente divulgação do já existente na nossa
literatura e, porque o blogue era também visitado por pessoas doutros países, principalmente os
falantes do português, decidimos que também publicaríamos algo sobre esses países.
Assim, edificamos a Literatas que hoje somos. De um simples blogue de jovens que ―brincavam‖
informando, passamos a ser uma fonte segura de difusão de acontecimentos literários moçambicanos para além fronteira, e os de além
fronteira para dentro do País. Somos finalmente uma revista literária.
Contudo, essa concepção ―revista‖ é reflectido principalmente no produto final, os conteúdos já prontos e distribuídos para os leitores. Mas
por dentro, institucionalmente, ainda estamos distantes, em termos de recursos para que se efective esse anseio. Isso é que propicia as para-
gens que vamos tendo, porque, sendo o Movimento Literário Kuphaluxa, uma agremiação sem fins lucrativos e que, os seus trabalhos,
consequentemente, não gerem lucros, o mal de falta de condições financeiras e materiais para a execução de alguns projectos, tal é o caso
da revista Literatas, ainda nos perseguem.
Dentre vários, o caos maior, é a falta de equipamento informático para a efectivação dos trabalhos editoriais. Assim, sem o computador,
que é o principal meio que nos possibilita editar a revista, não é possível que a mesma funcione.
Decidimos acabar com silêncio e ―denunciar‖ este embaraço que passamos para trazer a informação sobre as literaturas que envo lvem esse
mosaico que é a Língua Portuguesa disperso entre os continentes, a fim que os leitores não só compreendam as nossas ausências, em
algum momento, até em situações em que se obriga a nossa presença, mas que, principalmente, seja possível, o envolvimento de todos na
solução desses problemas.
Entretanto, hoje dia 17 de Fevereiro de 2012, de onde paramos, queremos voltar a contar os passos para o horizonte e voltarmos a trazer
semanalmente (agora às sextas-feiras), aos amantes da literatura, estudantes, professores e as respectivas instituições de ensino, em fim,
público em geral, os assuntos que vão marcando o mundo das letras em Moçambique e em outras partes.
E começamos com esta edição com a Homenagem ao Mestre Zé. José Craveirinha. O considerado maior poeta de Moçambique de dimen-
são mundial. Uma lenda na história da Literatura Moçambicana.
Nesta e nas próximas páginas, queremos dizer Bayete (invocação) ao Madala (velho) Zé. Assim mandam as normas tradicionais do nosso
áfrico país. Em África, quando o Homem morre, torna-se um deus - Com direito a que se santifique o seu dia de nascimento, dia de morte
e suas obras. E assim procede com o Poeta-mor que não só os políticos o nomearam herói nacional. Mas os seus leitores assim também o
nomeiam mestre entre os artistas. Monstro Sagrado. Que a sua obra se imortalize e se propague em todas gerações. Este é o contributo do
Movimento Literário Kuphaluxa e da revista Literatas, em particular.
Óptima leitura.
Eduardo Quive
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Ensaio S E X T A - F E I R A , 1 7 D E F E V E R E I R O D E 2 0 1 2 | L I T E R A T A S | L I T E R A T A S . B L O G S . S A P O . M Z | 3
Fonte: União dos Escritores Angolanos
José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade
A poiadas na convicção de que a vida do autor e a obra não se
confundem, muitas das teorias da literatura defendem que a
análise literária não se pode fundar sobre a biografia do autor.
No entanto, mesmo condenando o biografismo, alguns estu-
dos literários de grande qualidade vêm recuperando a noção de experiên-
cia como eixo de certas escritas. Sem se fazer uma leitura directa da pro-
jecção das circunstâncias históricas sobre a criação literária, é possível
buscar a relação entre as vivências e a invenção que se examina. E, se a
força da História não deve ser minimizada na abordagem da literatura, em
se tratando da produção dos países africanos de língua portuguesa a com-
preensão desse peso merece atenção especial. Em Angola, Cabo Verde,
Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, o contacto com os
dilemas que a História arma é tão vivo que a sua dimensão surge visivel-
mente concreta no quotidiano das pessoas que escrevem e sobre as quais
se escreve.
Ao reflectir sobre o processo de sistematização de nossa literatura, o Prof.
António Cândido refere-se a sua inserção na vida nacional como uma
característica cultural de países novos, em contraste com o que apresen-
tam os do Velho Mundo (1). No caso dessas terras acima citadas, a ques-
tão dos símbolos nacionais, da bandeira, do hino, a eleição e/ou demissão
dos heróis nacionais permanecem na ordem do dia, indicando que a
nacionalidade é ainda uma fonte de discussão na qual intervêm elementos
de ordem vária. A cor da pele, a participação na luta, a permanência ou
não em cada um desses países durante os largos e complicados anos de
carência são frequentemente evocados para distinguir as pessoas. As con-
versas sobre os que ficaram e os que partiram, motivados pela discordân-
cia política, pela incapacidade de suportar as dificuldades, ou mesmo por
circunstâncias da vida pessoal, traduzem a inesgotabilidade de um tema
que se reacende agora com a volta dos que partiram ou chegada dos des-
cendentes em busca de um lugar no panorama que se abre. Em Moçambi-
que, por exemplo, a expressão ―os que fizeram a travessia do deserto’’ é
frequentemente utilizada para designar aqueles que permaneceram no
país, resistindo a tantas pressões, apostando de algum modo no projecto
da independência. Desse debate não se excluem as remissões ao repertó-
rio literário e surgem, com alta frequência, os termos angolanidade, coba-
verdianidade e moçambicanidade, revelando a preocupação quanto à liga-
ção com aquilo que seria considerado uma prática literária voltada para
dentro dos países. A dialéctica entre o que é próprio e o que vem, ou veio
de fora ocupa ainda um importante terreno. Mesmo se nos depoimentos
dos escritores ou nos estudos críticos esses conceitos vêm ganhando ou
perdendo sentido em função da própria discussão sobre os processos his-
tóricos seguidos por esses sociedades, com reflexos nas construções cul-
turais que se vão formando, a questão permanece acesa.
Vale ressaltar que no presente já não se proteja, com tanta ansiedade, no
reconhecimento da ligação com a terra o critério de valor literário. Em
outras palavras, a identificação de referentes nacionais não é por si
garantia de qualidade. Há obras boas e obras más às quais o epíteto de
genuína caberia. Em tom de blague, poderíamos até dizer que já se pode
falar em textos angolanamente, caboverdianamente ou moçambicanamen-
te ruins. Ou seja, com razão, ou não, o fato é que o debate existe,
demonstrando que a construção nacional é, em verdade, um corpo em
manifesto movimento. Tentando simplificar, eu diria que entre a socieda-
de moçambicana persiste a crença de que a nacionalidade é uma espécie
de atestado que se conquista, no plano colectivo e no individual. Como
uma espécie de rito de passagem, cujos passos variam em função de mui-
tos dados.
Indicados alguns pontos centrais na discussão que envolve a literatura em
Moçambique, volto-me, então, para a obra de José Craveirinha. Diante do
quadro histórico - cultural em que está inserida sua produção, para per-
correr um pouco de sua poesia- aceitei a orientação da sua própria histó-
Rita Chaves — Brasil
O texto reconhece a relação entre poesia e experiência como um elemento central na produção de José Craveirinha e partindo
desse ponto examina o percurso dessa escrita que, ao colocar-se ao lado dos excluídos da ordem, empenha-se numa luta contra
a exclusão enquanto principio. Processo utilizados pelo poeta moçambicano para fazer de sua poesia um exercício de resistên-
cia ao canto da dominação (do tempo colonial às trapaças do presente) constituem o objecto do artigo.
Sem qualquer dúvida, pelo nascimento e pelo itinerário trilhado, estamos diante de um cidadão e de um escritor cuja moçambicanidade não foi jamais contestada
por nenhum sector. José Craveirinha é filho de pai português e mãe africana, um
fato mais comum na cena colonial brasileira do que no quadro moçambicano.
Não sendo trivial, a situação também não está nos limites do insólito, consideran-do os traços associados ao colonialismo lusitano. Mas o fundamental é que o fato
não foi por ele banalizado: merecendo um grande espaço em sua produção poéti-
ca, é, tratado como uma questão vital na montagem do olhar com que fita a socie-dade em que nasceu e que ajudou a transformar.
Com um ―pé em cada lado’’ ele, não é difícil deduzir, poderia ter escolhi-
do o lado do privilégio, até porque, após alguns poucos anos com a mãe, ainda
muito menino foi levado para a cidade de cimento, onde viveria com o pai e
sua nova mulher, uma senhora portuguesa branca que, sem filhos, resolve
criar os filhos do marido. Com a mudança, abre-se um outro universo, povoado
de referências interditadas aos moradores dos subúrbios: outra língua, outros
hábitos, outros valores, outra forma de estar no mundo. Nos moldes da constru-
ção colonial, o dilema deveria ser fatal: ou uma coisa ou outra. E ele escolheria a África. Como cidadão e como escritor. Porém o que mais surpreende é que a
decisão, se faz numa atmosfera de serenidade, pautada pela consciência de quem
se sabe resultado de um par que pode ou não ser inconciliável. Ao ler o mundo
que lhe é dado conhecer, reconhece que é provável mas não imperiosa a
ruptura total. Remexendo terrenos que apenas pareciam assentados, o poe-
ta procura refazer o rumo das coisas. Num poema bastante famoso ele ofe-
rece uma das chaves para a compreensão de sua trajectória:
― E na minha rude e grata sinceridade filial não esqueço meu antigo portu-
guês puro que me geraste no ventre de uma tombasana eu mais um novo
moçambicano semiclaro para não ser igual a um branco qualquer e semi-
negro para jamais renegar um glóbulo que seja dos Zambezes de meu san-
gue’’.(2)
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Ensaio Nos versos exprime-se sua versão ao colonialismo, sentimento com-
binado, entretanto, com a sensibilidade de quem compreende a com-
plexidade das situações engendradas pelo sistema. Recusando os
colonialistas, o poeta revela a compreensão, às vezes até a sua solida-
riedade para com os portugueses pobres que vinham de longe e ali
viviam e morriam como tal. O lugar de origem não bastava, portanto,
para definir a imagem acabada do homem que para a África se deslo-
cava em busca, certamente, de melhores condições. Nesse compasso,
o ―outro ’’ganhava dimensões, liberto daquela visão reificadora que
acaba por empobrecer não só o objecto mas também o sujeito que
olha. No diálogo que seus poemas estabelece com o pai, representan-
te dessa estirpe de homens trabalhadores, embora portador de outras
marcas culturais, projecta-se a capacidade de ler para além da super-
fície, alcançando sentidos novos e maiores. Na disponibilidade para
reconhecer o outro, todavia, não se nota qualquer indício de adesão,
visto que a opção se faz clara:
― Ah, Mãe África no meu rosto escuro de diamante de belas e largas
narinas másculas frementes haurindo o odor florestal e as tatuadas
bailarinas macondes nuas na bárbara maravilha eurítmica das sen-
suais ancas puras e no bater uníssono dos mil pés descalços‖. (3)
Abrigadas pela Terra que fez ―moçambicano o sangue do Pai, ―as
ibéricas heranças de fados e broas’’ (4) barram a incompreensão e o
ressentimento que a divisão entre esses dois mundos que a obra
registra (e a vida comprova) poderia ter gerado. Principalmente se
considerarmos que, talvez mais do que qualquer outra cidade colo-
nial portuguesa, a capital de Moçambique estava assentada sobre a
segregação. As expressões ―cidade de cimento’’ e ―cidade do cani-
ço’’ frequentemente utilizadas na literatura traduziam uma sepação
de espaços sócioculturais ainda muito mais rígida que o par
―musseque / cidade do asfalto’’ tantas e tantas vezes presente na lite-
ratura angolana.
Ao optar pelo universo dos excluídos, Craveirinha recusou ao mes-
mo tempo a exclusão como procedimento. Sem diluir a força da con-
tradição que é, seguramente, o princípio ordenador do mundo colo-
nial, a sua poesia reflecte a coexistência de contrários que não preci-
sam se agredir. Na relação com as línguas que habitam o seu univer-
so cultural podemos localizar um exemplo. Em inúmeras entrevistas,
aí incluindo a que me foi concedida em fevereiro de 1998, ele afirma
que gostaria que as sociedades moçambicanas fossem bilingues.
Apaixonado pela Língua Portuguesa, Craveirinha, desde o tempo
colonial, insurgia-se contra a penetração do inglês no dia a dia de
Moçambique. Em crónicas publicadas nos anos 60, ele já reclamava
do uso da língua dos territórios vizinhos na denominação de casas
comerciais e tabuletas indicativas na capital moçambicana. A esse
apreço o escritor mesclava o amor pelas línguas africanas. Por isso,
não se cansa de reiterar a sensação de mutilação experimentada
quando, na fase da mudança para a cidade de cimente, foi proibido
de falar o ronga, a língua primeira, língua da mãe, língua da afectivi-
dade. E é a ela que recorre em muitos poemas. Não para ―enfeitar’’ o
texto, mas porque acredita que dela depende a expressão de certos
sentidos. Para falar da natureza, de práticas culturais, das marcas que
lhe chegam da ligação com a terra, são os nomes das línguas bantu
que lhe vêm em socorro: ― E outros nomes da minha terra Afluem doces e altivos na memória filial
E na exacta pronúncia desnudo-lhe a beleza Chulamáti! Manhoca! Chi-nhambanine! Morrumbala! Namaponda e Namarroi E o vento a agitar sen-
sualmente as folhas dos canhoneiros Eu grito Angoche, Marrupa, Michafu-
tene e Zôbuê E apanho as sementes do cutiho e a raiz de Zitundo. Oh, as belas pernas do meu áfrico País (6)
Evitando o perigo da folclorização a poesia parece mergulhada de modo
intenso nesse universo cultural de onde vêm as palavras e os objectos que
os poemas resgatam. Nesse movimento intervem o próprio ritmo, como a confirma sua integração no lugar de origem. Os tambores, as marimbas, o
xigubo não são peças de adorno, são elementos que sugerindo a cadência
dos versos integram a estrutura textual. Recorrendo uma vez mais a Antó-nio Cândido, pode-se dizer que, assim incorporados, elementos externos
convertem-se em traços estruturais dos textos literários, transformando-se
desse modo em matrizes de significado a requerer interpretações mais aten-
tas. (7) Dessa imersão na terra resulta a elaboração das imagens que se multiplicam pelas páginas de seus livros. E, a tornar distante o risco da
exotização, ergue-se o apego às gentes que habitam essa terra.
A obra poética de José Craveirinha é povoada por homens e mulheres que,
guardando a dimensão existencial que os humaniza, apresentam-se numa rela-
ção concreta com a vida: têm corpo, tem doenças, têm tradições têm definidas
as marcas sociais que os particularizam no conjunto um tanto amorfo a que se
poderia chamar de moçambicano, africano ou mesmo negro. Sendo importan-
tes, essas denominações não se mostram suficientes. O peso da História é senti-
do e estabelece delimitações que permitem identificar os seres apanhados pelos
olhos atentos de quem cruza as ruas da cidade e nelas capta a ordem do mundo.
Ao recolher a Historia, Craveirinha também definiria a geografia de sua poéti-
ca: são os bairros periféricos, os subúrbios de caniço, que cresciam à volta da
senhorial Lourenço Marques. O Xipamanine, as Lagoas, a Mafalala, onde viveu
muito tempo e da qual não se afastou muito, mantendo sua casa a poucas centenas de
metros, serão privilegiados em sua travessia poética. Por esses espaços, onde faltam
condições básicas de saneamento e sobram doses de humanidade, o poeta circula e dali parece extrair a energia para sua indignação. Na comovida comunhão do poeta com
esses deserdados enraíza-se uma poesia de ―partisan’’. Vista na clave da injustiça, a
pobreza não é cultivada ou justificada segundo os modelos do conformismo cristão. Os pobres não são os humildes, são os humilhados, os excluídos, os penalizados pela desi-
gualdade – o grande signo da dominação colonial. Ao tematizar a vida difícil da prosti-
tuta, o poema não procura idealiza-la. Com cores firmes, busca enquadrá-la na moldu-ra das iniquidade que a sociedade alimenta:
―Eu tenho uma lírica poesia nos cinquenta escudos, do meu ordenado que me dão
quinze minutos de sinceridade na cama da mulata que abortou e pagou à parteira com
o relógio suíço do marinheiro inglês. (...) E eu sei poesia Quando levo comigo a pureza Da mulata Margarida Na sua décima
quinta blenorragia.’’ (8)
No mesmo processo, a terra que então aparece é mais do que uma entidade mítica. Ela é concreta na presença mediada também pelos produtos nela cultivados. O algodão, o
sisal, o chá, o tabaco, elementos de revelo na economia da então colónia, participam
na economia textual, gerando as imagens, constituindo as metáforas, compondo as
metonímias que vão surgerir a idéia de nação que a obra prenuncia. Desse mundo rural, onde não por acaso iniciou-se a luta de libertação, provinham os grandes contin-
gentes de moradores dos subúrbios crescendo à volta das cidades construídas sobre os
pilares do colonialismo. Não seria arriscado afirmar que alguns dos elementos fundadores da poética de Cra-
veirinha são extraídos desse universo rural directamente associado ao trabalho. E entre
eles destaca-se o carvão, cuja força se manifesta num de seus poemas mais conheci-dos: ― Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
E fazes-me tua mina
Patrão! Eu sou carvão
E tu acendes-me, patrão
Para te servir eternamente como força motriz Mas eternamente não
Patrão!
Eu sou carvão Tenho que arder
E queimar tudo com o fogo da minha
combustão
Sim Eu serei o teu carvão
Patrão!’’ (9)
O próprio título do poema ―Grito negro’’ dirige nossa atenção ao problema
racial, não há dúvida. No entanto, a questão racial é desnaturalizada e deve ser
encarada igualmente como uma das faces da exploração. E foi por essa via que
Craveirinha, como o angolano Agostinho Neto e a também moçambicana Noé-
mia de Sousa, se relacionou com a Negritude. Ultrapassando as fronteiras de
uma proposta centrada na valorização estética, os escritores de Angola e
Moçambique preferiram dar ao problema contornos que permitissem considerá-
lo na sua dinâmica social. Ou seja, o essencial para o negro seria investir na
conquista de um lugar nas sociedades de que ele era parte: tornar-se sujeito de
sua História e fazer-se protagonista de seu espaço seriam modos de efectiva-
mente libertar-se do processo de reificação a que parecia condenado. Nesse
sentido, Craveirinha, como Neto e Noémia, afasta-se do matiz estetizante das
teorias de Leopoldo Senghor e aproxima-se da postura de Aimé Césaire e
Frantz Fanon, encarando o racismo no centro da engrenagem colonial. À pro-
posta de recuperação das manifestações culturais estava vinculada a necessida-
de de alterar a correlação de forças que balizava a ordem social. Por isso, não
se mantinha alheio ao sofrimento efectivo dos explorados, como demonstra o
poema que tematiza o massacre de trabalhadores sulafricanos em Sharpevilhe.
Para Craveirinha à questão racial articulava-se o sentido de classe, deixando
clara a ligação com as camadas populares.
Continuação — José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade
Rita Chaves — Brasil
![Page 5: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/5.jpg)
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Invocação
Oh! Velho Zé, Cá estamos nós
A mendigar o nada
Nada que é seu espólio Nada que és tu entre os homens e outros homo
Nada de poeta que te exaltas ser Nada no além que favorece estes dias.
Zé,
Velho homem que seria de 90 Tão 9 é o seu desaparecimento, rapaz.
Mergulhado no silêncio que o além apadrinha
Cúmplices do nada que te exaltas ser.
Velho Zé,
E mesmo nada não és
E mesmo nada tens E mesmo nem poeta és
E mesmo, apenas de Mafalala és.
Ntsilana Varinha de porrada a moda Joe Louis
Na boina preta em que teus versos militam.
E disse tu Porque tu és tu
Um tu e um nada
Apenas descendente do não Irmãos Rubi E esses tu não conheces
Tu Zé, és do Zilhalha,
Ao estilo das línguas do seu áfrico país.
Poeta?
Oh! Zé,
Nem se quer te acuses Tão dura missão entre doutores
Tu, Zé, deste um K.O a todos eles
Ah! Golpe baixo velhote,
Tão autodidata tu és. E tão autodidáctico é o seu Nkaringana wa Nka-
ringana
Tchaiaste a todos e encheste de Babalaze, as Hie-nas desta farta savana
Foste ao encontro dos tigres e deste-os as Saboro-
sas Tangerinas de Inhambane. Tão boa é gente dessa cidade
E tão bom foi o gostinho de ver às tsotsonhas a
língua desses felinos
Zé
E nem para medo és nada
Mesmo ai onde a 9 anos te encontras Se em versos e crónicas o desconsegues
Dá-lhos um soco igual a do Joe Lous
Dá-lhos com ntsilana da Mafalala Se esses crespos fios de cabelos seus minguarem
por culpa deles
…
Tchaia-os Zé
Tchaia-os
Tchaia-os com os seus versos que será o melhor K.O
Esse sou eu velho Zé
Desconhecido amigo seu. Reconheces-me?
Velho Zé
Eduardo Quive
![Page 6: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/6.jpg)
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Ensaio Do ponto de vista da construção poética, essa ligação se adensa na evocação da
tradição oral. Sem hesitação, muitos dos poemas de Craveirinha assumem uma
tonalidade narrativa que parece reflectir o quadro da interlocução que é própria
da comunicação oral. É verdade que no mundo já tocado pela fragmentação
não há lugar para a sabedoria épica do narrador tradicional, como nos ensina
Walter Benjamim em seus brilhantes ensaios sobre o romance (10), mas o poe-
ta não se quer desligar de suas matrizes e cultiva a cumplicidade da conversa,
como a deixar que se perceba a origem de sua experiência. Em «Maria», cujo
móvel é a morte de sua mulher, a situação de um hipotético diálogo se reproduz
em quase todas as páginas. Numa espécie de ―vida passada a limpo,’’ os poe-
mas vão recolhendo, recompondo, avaliando e reavaliando, no penoso contacto
com a solidão, as experiências abertas pela vida.
Mas o que é enfatizado em «Maria», já surgia noutros livros. Em «Karingana
ua Karingana», um dos primeiros, essa atmosfera aparece expressivamente em
―Dó sustenido para Daico’’(11), poema alusivo à morte de um famoso músico
e companheiro do poeta. Como o escritor, Daíco integra um grupo de mestiços
e negros que, graças a um talento particular, conseguia romper a barreira e pro-
jectar o seu nome para além das fronteiras do asfalto que dividiam a cidade.
Entre esses vamos encontrar alguns que tiveram projecção internacional como
Eusébio e Hilário (jogadores de futebol) e outros que, embora famosos, não
ascenderam socialmente como o próprio músico. De qualquer modo, seu suces-
so conferia uma mística ao bairro onde viveram todos: a Mafalala, que graças
ainda a outras particularidades, ocupa um lugar especial no mapa cultural da
capital da país e no repertório literário de José Craveirinha. Movido pelo silen-
ciamento do músico, o poeta escreve: ―Carol:
acredita que lá fomos todos o sentimento aumentado à branco nas gravatas pretas
aborrecidos levar à derradeira casa um poeta
que excedia o universo
certo à música do seu mundo é que até os fatos largos que vestia, vê lá tu
coincidiam sempre com a pequenez das pessoas
que lhos davam em segundos mão.
estas a ver Carol o Daíco chateado foi-se embora mas ficou no ―long-plaing’’ da Mafalala
mulato cafuzo a vibrar as cordas para sempre
e agora ele já não pensa mais em repetir o clássico
gesto indicador na minuta suburbana de explicar as consequências dermotrágicas da vida
na contrapalma das próprias mãos.‖ (12)
Além da ligação com a matriz oral que está na base da tradição cultural
moçambicana, em poemas como esse podemos perceber outra fonte de inspira-
ção, também confirmada pelo próprio poeta em diversas ocasiões. Trata-se da
presença da literatura brasileira na formação da literatura nacionalista dos paí-
ses africanos de língua portuguesa. A cultura brasileira constitui para gerações
de angolanos, cabo-verdianos e moçambicanos um terreno fértil de leituras e
reflexões. A distensão linguística, o desejo de aproximação com os sectores
populares, os movimentos de procura do referente nacional foram pontos apa-
nhados pelos escritores africanos empenhados na constituição de sua identidade
cultural. A valorização da coloquialidade como instrumento de resgate do universo à
margem dos padrões lusitanos revelava-se como um dado positivo a ser incorporado
pelo projecto literário em formação. Valorizar a língua falada dessa maneira era uma
forma de valorizar as pessoas que assim falavam, tal como defendiam os protagonistas do Modernismo no Brasil.
É bom esclarecer que embora tivessem adotado algumas das propostas veiculas
pelos nossos modernistas de primeira hora, não foram esses os autores mais
lidos e Moçambique, excepção aberta para Manuel Bandeira. De Carlos Drum-
mond de Andrade, por exemplo, um outro poeta bastante prestigiado entre os
moçambicanos, a produção mais acolhida seria a de livros como Sentimento do
mundo e A rosa do povo, publicados muitos anos após a famosa semana de
Arte Moderna. O encantamento maior viria com o romance dos anos 30, ou
seja, com os chamados regionalistas da prosa de ficção. Graciliano Ramos,
José Lins do Rego, Rachel de Queirós e, principalmente, Jorge Amado são
referências obrigatórias na memória desses escritores. E é bom ouvir aqui as
palavras do próprio Craveirinha sobre o tema: ―Eu devia ter nascido no Brasil, porque o Brasil teve uma influência muito grande na população suburbana daqui, uma influência desde o futebol. Eu joguei a bola com os
jogadores brasileiros, como, por exemplo, o Fausto, o Leônidas da Silva, inventor da
bicicleta. Nós recebíamos aqui as revistas (...) E também na área da literatura.
Nós, na escola, éramos obrigados a passar por um João de Deus, um
Dinis, os clássicos de lá. Mas, chegados a uma certa altura, nós liber-
távamos. E, então, enveredávamos por uma literatura errada: Graci-
liano Ramos... Então vinha a nossa escolha, pendíamos desde o
Alencar. Toda a nossa literatura passou a ser um reflexo da Literatura
Brasileira. Então, quando chegou o Jorge Amado, estávamos em
casa. Jorge Amado marcou-nos muito por causa daquela maneira de
expôr as histórias. E muitas situações existiam aqui. Ele tinha aqui
um publico. Havia aqui a policia política, a PIDE. Quando eles fize-
ram uma invasão à casa, puseram-se a revistar tudo e levaram o que
quiseram levar. Ainda me lembro: levaram uma mala e carregaram
os livros, meus livros. Levaram os livros e as malas até hoje como
reféns políticos. Depois de eles irem embora, é que minha mulher
disse: - E o Jorge Amado? Onde estava o Jorge Amado? Nessa altu-
ra, já estavam atrás do Jorge Amado...’’ (13)
Pela pista do escritor, evidencia-se que o tratamento das situações,
em certa medida comuns às duas realidades, estava no centro da
aproximação. Isso significa que a denúncia das desigualdades sociais
– essa injustiça quase estrutural na sociedade brasileira – tornou-se
uma espécie de senha para a comunhão. Mas não estaria aí a única
ponte entre os dois espaços. Como se pode notar na passagem trans-
crita, ao mesmo tempo vigorava uma vontade de pertencer a esse
espaço, ou melhor dizendo, a um espaço como esse. O universo cul-
tural fortemente preenchido por manifestações da chamada cultura
popular como a música e o futebol fazia com que aos olhos dos afri-
canos predominasse a imagem da ex-colónia que havia dado certo. A
lenda da convivência racial e da cordialidade entre as classes era
consumida como real e dinamizava-se um modelo que, mesmo sem
corresponder à verdade, alimentava o desejo de transformação do
inferno em que se constituía a vida no interior da sociedade colonial.
O que é surpreendente, e para mim fascinante, é que sendo um país
marcado pela crueldade das relações sociais, pela prática terrível do
racismo, pela manutenção de estruturas coloniais em nossa forma de
estar no mundo, o Brasil acabaria por ofercer uma imagem modulada
pelas da utopia. O fato ganha ainda maior interesse se nos lembramos
que a imagem do brasil como um espaço harmónico era usada pelo
discurso metropolitano para propagandear a sua vocação colonizado-
ra. Não é demais recordar a viagem de Gilberto Freyre às colónias
portuguesas na África, nos anos 50 e a utilização feita pelo salazaris-
mo de sua declaração sobre a especificidade da colonização portu-
guesa. Para azar da metrópole, o Brasil foi apanhado numa outra cha-
ve, catalisando a indignação progressista dos africanos. A poesia de
Craveirinha não se limita aos contactos com a literatura brasileira. Seu olhar salta sobre as fronteiras e procura o encontro com outras formas
de cantar a desagregação vivenciada pelos excluídos. Daí resulta a aproxi-mação com a música negra norte-americana. O jazz e o blue assomam com
frequência como a estabelecerem o diálogo que a História tentou cortar.
Um diálogo que se torna mais forte e fecundo após a independência do país
em 1975, a despeito das frustrações que também se fazem sentir no quoti-diano do cidadão e estão sinalizadas no trabalho do poeta. Do jazz e do blue, Craveirinha incorpora o legado do ritmo apoiado no vir-
tuosismo poderoso dos contrastes expressos na força das imagens inespera-das, das antíteses espelhando a riqueza desgovernada do canto que procura
reinventar a vida onde ela parece interditada. Os volteios, as repetições, os
jogos sonoros são trazidos para o texto, confirmando a adesão a um univer-so de valores que, localizado num solo definido, não se exime de buscar
correspondência com outros sistemas culturais. Dessa maneira, ao lado
de Daíco e Fani Fumo, dois dos grandes nomes da música popular
moçambicana, aparecerão Dizzie Gizlepie e Bessie Smith, numa
indicação de que a noção de pureza cultural é nota sem sentido na
dinâmica que as trocas culturais podem instaurar desde que impulsio-
nadas pela força das identidades. Desse modo, o fenómeno da apro-
priação ganha legitimidade, porque abre espaço para a revitalização
de formas e sentidos.
A ampliação do universo de José Craveirinha, esse escritor tão identificado
com sua terra e suas gentes, se revela ainda mais intensamente em Maria,
quando os textos traduzem a densidade de um exercício poético no qual
interfere o processo fino da maturação de tantas vivências. No construído
diálogo com a mulher recordada em cada poema montam-se as cenas que o passado é também resgatado para dar conta da explicação do presente, fra-
gilização pelo vazio que a solidão multiplica.
Rita Chaves — Brasil Continuação — José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade
![Page 7: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/7.jpg)
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Revista Culturas & Afectos Lusofonos
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FICHA TÉCNICA
Poesia
Antes da moeda do corpo Ao capital da alma Antes da luz no mar da memória E da pedra & vento na erosão do rosto Éramos no verão da terra A semente sem primavera Éramos a exclamação Do lon na lonjura Dando Pernas aos montes E braços às montanhas Dando face & sentido
Às dunas do mar alto Que respiram as coxas os seios o sexo de Sahel
A Cesariana dos Três
Continentes
No cimo do tambor continuar brincando, queria, mas não, Cantar o belo, mas as mãos, os olhos, a carne? (quanto sofre a carne inconfor-mada) ter olhos passando tempo pelo imediato, eu passo por aqui, sempre (como não encontro o infinito) a angústia no caso que não há. Como romper, rasgar para essa lua entrar, que luz? Aonde o sol e o tempo para soltar a voz, a fórmula do amar à força de estar, quem entende? Oh, discreto riso, suave tristeza, olho molhado, olhando-se, amor fardado (falhado?) o que será dessa música sanguínea?
Ana de Santana- Angola
Música Sanguínea O Eco do Pranto Agnelo Regalla -Guiné-Bissau
Não me digas Que essa é a voz de uma crian-ça Não... A voz da criança É suave e mansa É uma voz que dança... Não me digas Que essa é a voz de uma crian-ça Parece mais Um grito sem esperança Um eco Partindo de fundo de um beco Não me digas Que essa é a voz de uma crian-ça, Essa é doce e mansa É uma voz que dança... Esta parece mais Um grito sufocado sob um manto - O Eco do Pranto.
Corsino Fortes- Cabo Verde
A pedra brutamente cortada brutamente transportada brutamente transformada brutamente assentada brutamente cinzelada brutamente esculpida brutalmente polida na pedra bruta remanesce. (Inédito)
Bruta
Pedro Du Bois -Brasil
(ao José Craveirinha) Escreveste e toda a tua vida se tornou um livro. As páginas das nossas mãos são o rio de tuas palavras.
Choveu, tu não pediste protecção. A tua boca encheu-se de raízes e nós fomos camponeses lavrando entre sonhos e parágrafos.
Sangraste mas escondeste a ferida, recolheste a dor e cantaste.
Agora ninguém mais encerra os poços onde bebeste.
Eterna e a água. Breves são os lábios que nela humedecem.
22.10.1983
Poeta
Mia Couto - Moçambique
“ Mesmo exibindo artes de calemburismo lexical ou hábeis enxertias de sintaxe, não rejeitamos ser herdeiros por direito de usufruto da língua portuguesa. Politica de politicastros à parte, a verdade é que nos custou maningue caro e está bem caro o direito de falarmos e escrevermos em português, mas… com uma expressão moçambicana, ou angolana, ou guineense, ou cabo- -verdiana, ou são-tomense, ou timorense”.
José Craveirinha-Moçambique
Outras Margens
![Page 8: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/8.jpg)
Ambição
Minha e da Maria
foi termos uma casa nossa
onde nos contarmos os cabelos brancos.
Sonho realizado
Casa definitiva já temos.
Lote 42.
Talhão 71 883.
Fachada pintada a cal.
Clássica arquitectura rectangular.
Uma via asfaltada com um único sentido.
Tudo sito no derradeiro bairrismo
que é morar no bairro de Lhanguene.
Pelo menos envelhecer já não é problema.
O resto na altura mais propícia
Surgirá por si.
Parece que está por pouco.
Na lista onde eu consto
É justo que tarde
Estarmos juntos.
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Invocação
Calane da Silva vai palestrar na Universidade de Dar-es-Salam
A nossa casa
José Craveirinha e sua esposa, Maria
Ausência
Mais feliz do que eu
nossa mútua ausência
a ti minha esposa
já não te dói.
Enquanto é meu quotidiano
mentir a mim próprio
…
Que me faço
artefacto vivo
ainda.
Ambos
juntos na mesma memória
Eu
o Zé que não te esquece
Tu
a Maria sempre lembrada.
Memória dos dois
Extenso dia taciturno de nuvens.
nas ramadas passarinhos de mágoa
lacrimejando chilros. Um abraço
policromo de flores
perfumando
de profundis
de coroas.
Tão duro assim lacónico
nosso adeus de rosas, Maria.
De Profundis
Nostalgias de Maria
são já o posfácio
de um Zé Póstumo
em única
edição.
Capa: Anónimo.
Tiragem: Este exemplar.
Posfácio
Poemas dedicados a Maria
![Page 9: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/9.jpg)
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Exaltação Japone Arijuane
![Page 10: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/10.jpg)
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Exaltação Amosse Mucavele
Ao Madala José Craveirinha
M adala Craveirinha
(As luzes dos ditos heróis nacionais murcham na cripta das
lágrimas do teu povo
(O espelho que reflecte os percursos e as cores da cidade pulu-
lam nas mãos de um suburbano
(Madala)
(As acácias já não florescem na alegre torcida dos karingana ua karingana dos tsongas.
mas morrem num infalível tiroteio a seu aberto da urina destes estrangeiros de nós
mesmo. de vozes nauseabundas que transportam o lixo doméstico para a banda sonora
das avenidas que não nos conhecem
(o lixo virou luxo nacional)
Madalouuuuuuuuuuuu
Quem escuta e quem entende a música do Kim Il Sung, Ahmed Sekou Touré, e Karl
Marx? E o Maguiguana, o Ngungunhane, o Zilhalha quando é que irão passar a sua
classe que ainda anda desclassificada nas avenidas desta cidade?
(Chora o povo a cada rufar do batuque musicado no vazio dos discursos vazios, nas margens da cidade.
ONDE
(O rio de lágrimas flameja nos telhados de madeira e zinco dos nossos Lhamankulo,Tlhavane e Mafalala bêbedos do alcatrão que derrete
nos partos á cesariana das universidades isentas de universalidade em constante crescimento no atraso,
sentido - para baixo e para trás
(onde chupa-se livros como caixas de ressonância e não se amamenta do leite da vida) quantos pensadores formados? Apenas licencia-
dos! Que continuam a pastar o seu mestrado na rua, a espera da boleia, chegará? O desemprego é o primeiro autocarro que segue a frente
da carroça cheia de maçaroca.
Madala
Aqui nada mudou desde o ano em que a mudança foi feita a força. Tudo piorou para o pior.
Agora o povo já não tira partido na neocolonialização hasteada nas ideias (não no ideal) do partido.
A estrada que separa o norte do sul continua a mesma a N1.a única. Assim que choveu a água uniu o fio que nos separava a catanada
E agora o País ficou amputado pela força da água das chuvas, sem moletas, tal como o arrozal do Chokwé, o ananazal do Muchungué
condenados a morte lenta, atenta ao olhar nú da epopeia 50 vezes menor as suas promessas.
Madala
Em Quelimane eles foram lá todos, invadiram a cidade, mas não conseguiram engravidar o povo, pois o povo já não dorme completa-
mente, e esqueceram-se que toda a mulher atinge a menopausa aos 50 anos.
Madala
Agora tudo mudou, tudo é cantado até Auto estima, a polícia já não exige o B.I a pergunta que se faz a seguinte:
Você faz parte de que geração?
QUEIXA TÓRIO INFALÍVEL A UMA ALMA VISÍVEL
![Page 11: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/11.jpg)
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Maputo é capital política e económica de Moçambique
Em Agosto de 2012
Será a capital da Literatura
Festival Literário de Maputo
Saiba como participar em:
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Homenageando a mãe dos poetas moçambicanos,
Noémia de Sousa
![Page 12: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/12.jpg)
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Ensaio Rita Chaves — Brasil
A dor da perda pessoal compõe com as notas do descanto colectivo uma melodia
dilacerada, totalizada pela insolubilidade da ausência da parceira. Quando, anos
antes, o adversário ameaçador era o regime colonial que o manteve preso, impondo
o risco da desagregação à vida familiar, os versos deixavam transparecer, com a
revolta, a convicção de que era possível e preciso resistir:
―Havia uma formiga
compartilhando comigo o isolamento
e comendo juntos. Estávamos iguais
Com duas diferenças;
Não era interrogada
e por descuido podiam pisá-la.
Mas aos dois intencionalmente
Podiam pôr-nos de rastos
Mas não podiam ajoelhar-nos.’’ (14)
Agora o inimigo maior é a ―Grande Maldita’’(15) que levou Maria, condenando-o
a um canário caracterizado pelo pó cobrindo as coisas e pela ausência de qualquer
hipótese de luz. Diante do inevitável, todas as noções se desfazem: o ser perde-se
na incapacidade de lidar com o tempo e o espaço por onde se movia.
No confronto com esse inimigo odiado, essa ―fera sem forma’’, o poeta encerra-se
na solidão e o distanciamento que permitiria ver melhor também lhe sequestra a
intimidade com o familiar. A banalidade do quotidiano fabrica o estranhamento:
―Fio de linha branca.
Na mesinha-de-cabeceira
Teu compassivo olhar.
Vou passajando abstracto.
Pica-me o dedo a agulha.
Nas minhas pretas peúgas rotas
São reais as sarcásticas
Gargalhadas de linhas brancas‖.(17)
Nas coisas triviais, nos actos repetitivos do dia-a-dia, o trabalho
poético insiste em recolher os pedaços para refazer os mundos
que a poesia quer espelhar: ―Em meus livros
cinzentos buços denunciam
desditoso abandono.
(...)
Paciência, Zé,
me insinua este sudário
de poalha nos livros.’’(18)
Nessa espécie de roteiro retrospectivo que os poemas compõem,
vive algo que vai além da dor individual. A experiência do sofri-
mento, captada pela capacidade criativa da linguagem lírica,
supera as margens da pena pessoal e incursiona pelo terreno dos
limites do homem diante da morte. Na enumeração dos objectos
desorganizados pela falta de quem lhes assegurava ordem e senti-
do, na montagem das imagens recortadas pelo moldes do desâni-
mo e da angústia, na descrente procura de um significado para os
dias que, implacáveis, se sucedem, espelha-se, mais que o sofri-
mento pessoal, o drama da condição humana, a pena do homem
em confronto com o irreversível, com inexorável da finitude da
vida. O poeta sente-se só com a consciência de que nem mesmo a
capacidade fabuladora da linguagem pode remediar o absurdo da
situação que tem que enfrentar.
Desconfortável na perdida intimidade com as coisas, o corpo
transfere para a memória a faculdade de recompor o mundo. E
ela vai buscar a companhia de seres que povoando o imaginário
do poeta enriqueceram o seu universo tão seguramente calcado
nas matrizes africanas. Convicto de que ―o poeta é sempre os
outros’’, como afirmou numa entrevista ao escritor e jornalista
Nelson Saúte, Craveirinha aceita a companhia de representação
da música, do cinema, da literatura, de todas aquelas formas de
vida que respondem à necessidade de fantasia do homem. E, nes-
se momento, as muitas possibilidades de encontro seduzem-no
como um movimento compensatório, a driblar o isolamento
imposto pelas circunstancias do presente. Se a escrita converteu-se
em forma de resistência, nesse momento de tormento pessoal, também
a leitura transforma-se em fonte de energia e saltam nas páginas as referências aos que vêm acompanhá-lo na duríssima lida do quotidiano: ―No verão
ou no inverno
fiel espera-me um jantar irrefutavelmente frio.
Vou ter com Dostoiewski
e janto quente.’’ (19)
Ao escritor russo, virão juntar-se muitos e muitos nomes, emer-
gindo de matrizes variadíssimas ratificando a certeza de que o
mundo da arte se pode abrir a fecundos contactos. Com Jorge
Amado, Soeiro Gomes, Hemingway, Steinbeck, convive no palco
que sua memória recupera a luminosidade dos astros do cinema,
essa imbatível usina de fantasia. E ele convoca Ava Gardner, Liz
Taylor, Buster Keaton, Richard Burton, todos intervindo nas his-
tórias de que se alimenta a sua própria. O fundamental, no entan-
to, é que tal evocação nem de longe se confunde com qualquer
cedência à alienação. Rejeitando com altivez o lixo que o merca-
do globalizado insiste em servir, a poesia revitaliza-se no contac-
to com os valores que se tornaram património dos que apostam
na beleza como forma de superar o desânimo e o conformismo.
Mesmo que os tempos também no plano colectivo sejam de mui-
ta aspereza, como traduzem os poemas reunidos em «Babalaze
das hienas», publicados em 1997. Na linguagem crua que a hora
exige, o poeta mergulha no mundo instituído pela guerra que
arrasou seu país.
Nesse novo tempo de ―homens partidos’’, para criar citar o belo
verso de Carlos Drummond de Andrade, Craveirinha empenha
seu talento e sua sensibilidade no desvendamento de um mundo
de horror, não hesitando em descrever a crueldade dos sinais que
evidenciam a pungente desagregação. Segundo Fernando Marti-
nho, o poeta retoma o caminho do jornalista, assumindo-se como
um narrador a quem cabe o ofício de noticiar a desgraça reinante.
(20)
Continuação — José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade
![Page 13: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/13.jpg)
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Ensaio Rita Chaves — Brasil
―Uivam
as suas maldições
as insidiosas hienas
própria sanha
Rituais
de tão escabrosa gulodice
que até nos esfomeados
aldeões da tragédia
a gula das quizumbas
se baba nas beiças
das catanas
dos machados.’’ (21)
Incansável na luta contra o colonialismo, Craveirinha ergue seu canto
agora contra a nova escuridão que insiste em vitimar os que não podem
escolher os caminhos. As catanas, os machados, as balas, as rajadas, as
explosões, as minas compõem o menu dessa orgia de destruição que
segue asfixiando a vida. Secos e ásperos, seus versos guardam, contudo,
o frescor do compromisso que nem mesmo o cansaço e uma boa dose do
desencanto fizeram desbotar.
Ao abraçar o mundo dos mitos e símbolos, como vimos nos muitos poe-
mas de Maria, Craveirinha não foge ao universo do concreto, mantendo-
se atento ao que se passa ao lado das paredes de sua biblioteca, transfor-
mada em sala de convívio com os nomes que a memória retém. A vitória
contra o colonialismo parece lhe conferir serenidade para recuperar
alguns dos signos utilizados sem cerimónia pelo sistema que discrimina-
va e excluía. Assim é que o mitificado Camões se dissocia da ―estátua
do Sr António Enes’’ e do tal dia da raça, a que o poeta alude em
―Incladestinidade’’(22), para se tornar ―o dos Lusíadas‖, inserido então
na linhagem dos que merecem a sua imensa admiração. Ainda que a
―próspera colónia, ’’onde nasceu o poeta, tenha passado a ser vista como
o ―país pobre’’ onde ele agora vive, a libertação, pela qual empenhou-se,
libertou-o também para escolher os heróis a quem deseja saudar, permi-
tindo-lhe ainda libertar paixões às vezes esmagadas pela força da opres-
são externa. Nesse contexto, a própria lembrança de Maria se mistura ao
elenco dos nomes sacralizados por outras formas de amor:
É quando se me incrustaram nirvana E a evocação dos sagrados nomes
Em nossas almas inesquecem Como por exemplo quando digo:
Olá, mestre Cervantes o do Quixote de la Mancha Olá, Miguel Angelo, o
da Pietá. Olá, Luís de Camões o dos Lusíadas Olá, Drummond, olá,
Manuel Bandeira e ola, Graciliano Ramos o trio avançado no time do
tiradentes E Olá, Pablos: o do Chile, outro da Guernica e outro do vio-
loncelo. Olá, ilustre Charles Gounod O da Ave-Maria. Ou ... Olá, insig-
ne Duke Ellington o de uma Cabana no Céu. E também Olá, mano
Gabriel García Marques O dos Cem Anos de Solidão. E neste meu desa-
bafo Ergo minha mais justa confissão: - Olá, querida Maria Imerecida
esposa toda a vida De um tal Zé Craveirinha.’’(23)
Pela diversidade dos signos culturais pode-se reconhecer a disponibilidade
para a comunhão que caracteriza a visão de um homem que os apertados
limites da sociedade colonial não conseguiram turvar. Revigorado na sua
incansável batalha contra as hienas que se embebedam ―na pândega das
metralhadoras’’(24) José Craveirinha no extraordinário exercício da escrita
capta com vigor a intensa multiplicidade dos matizes de que a vida se
reveste, a despeito de tanta ―renúncia de homens quase vivos’’(25). No
pacto estabelecido, contra a ―afiada gramática das facas’’(26) o escritor
impõe a graça do seu verbo, sempre alimentado no diálogo com outros
verbos, com outros formas de vida. A cada passo. A cada página. E a mun-
dividência adquirida na força da experiência invulgar vai abrindo ao poeta
a possibilidade de transitar por incontáveis caminhos sem que se perca a
direcção do país que ajudou a fundar e do universo que sua poesia veio
enriquecer.
Notas
1-Cf. Formação da literatura brasileira. 2-“Ao meu belo pai ex-imigrante’’,
In. Karingana ua Karingana,p.107-10 3-―Manifesto. In: Xigubo. p. p 29-
31. 4-“Ao meu belo pai ex. - imigrante’’ 5-“Barber’ s shop, boarding hou-
se, ice cream today e outras barbaridades’’, In: Contacto e outras Crónicas.
6-“Hino à minha terra’’, In: Xigudo, pp. 16-9) 7-Cf. Literatura de dois
gumes’’, In: A educação pela noite & outros ensaios. 8-―Mulata Margari-
da’’, In: Xigubo, p.37. 9-―Grito negro’’, In: Xigudo, p.9. 10- Cf. Obras
escolhidas. 11- In: Karingana ua Karingana, p.111-3 12- ―Do sustenido
para Daíco’’, In: Karingana ua Karingana, PP.111-3 13-Passagem extraída
da entrevista por mim realizada em Fevereiro de 98 na casa do poeta em
Maputo. 14-―Aforismo’’ In: Cela1, pp 16.. 15-―A Grande Maldita’’, In
Maria, p. 103. 16-―Tempo‖, In: Maria,p.236 17-―A linha’’, In: Maria,
p.151. 18-―A poalha’’, In: Maria, p. 190. 19-―Dostoiewski’’, In: Maria
(1988).p.62 20-“Prefácio’’, In: Babalaze das hienas, pp. I- V. 21-“Gula’’,
Idem.p.22. 22-In: Cela 1,p.85. 23-―Olá, Maria’’, In: Maria.p.115-6 24-
―Babalaze na linha de caminho de ferro’’, In Babalaze das hienas. p 39. 25
-―Porta’’, In: Babalaze das hienas. P. 41. 26-―Abecedário’’, In: Babalaze
das hienas. P.41.
Referências Bibliográficas:
1-Benjamin, Walter.Obras escolhidas.3ed. São Paulo, Brasiliense, 1987. 2-
Cándido, António. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo, Áti-
ca,1987. 3-Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 ed.
Belo Horizonte, Itatiaia,1981. 4-Craveirinha José. Babalaze das hienas.
Maputo, Associação dos escritores Moçambicanos,1997. 5-Cela1. Lisboa /
Maputo, Edições 70 / Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1980. 6-
Contacto e outros crónicas . Maputo, Centro Cultural Português, 1999. 7-
Karingana ua Karingana. Lisboa / Maputo, Edições70 / Instituto do livro e
do Disco,1982. 8- Maria. Maputo, Ndjira,1998 9-Xigubo. Maputo, Asso-
ciação dos escritores Moçambicanos, 1995.
Continuação — José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade
![Page 14: Revista Literatas](https://reader034.fdocumentos.tips/reader034/viewer/2022052219/568bd6f51a28ab20349df866/html5/thumbnails/14.jpg)
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Voz Activa
O número de utentes das bibliote-
cas municipais de Chibuto e
Chókwè, em Moçambique,
aumentou mais do dobro, entre
os anos 2009 e 2011, período ao longo do
qual a AIDGLOBAL tem vindo a colaborar
com os respectivos municípios e outros par-
ceiros locais, no que se refere ao equipamen-
to e reforço dos fundos das bibliotecas. No
âmbito do programa ―Passaporte para a Lei-
tura‖, a AIDGLOBAL renovou, em 2011, a
sua determinação em trabalhar na área das
bibliotecas, de forma a reduzir os níveis de
iliteracia e aumentar o acesso ao livro. Para-
lelamente, a 2ª edição do projecto
―Infoinclusão na Província de Gaza‖ permi-
tiu, ao longo de 2011, a oferta de material
informático às bibliotecas escolares.
AIDGLOBAL aumenta níveis de literacia em Chibuto e Chókwè
nos últimos dois anos, conseguindo-se,
assim, cumprir com o seu objectivo pri-
mordial. Agosto e Novembro de 2011
foram os meses, nos quais mais utentes
solicitaram livros emprestados à biblio-
teca do Chibuto, num total de 379 títu-
los. Nos mesmos meses de 2010, o
número de requisições era de 208 e 256,
respectivamente, e, em 2009, de 142 e
117. O aumento foi ainda maior na
biblioteca municipal de Chókwè, onde o
número de empréstimos passou de 32,
em Novembro de 2010, para 1422, no
mesmo mês de 2011. A AIDGLOBAL
congratula-se por estar a contribuir para
o incremento do acesso à informação e
cultura, por parte das populações de
Chókwè e Chibuto.
De acordo com os dados disponibilizados pelo responsável
do projecto em Moçambique, Hugo Jorge, o número de
requisições de livros em ambas as bibliotecas tem duplicado,
Aumento Exponencial de Utentes nas Bibliotecas de Chibuto e Chókwè entre 2009 e 2011, o número de
requisições nestas bibliotecas aumentou mais do dobro, indica a AIDGLOBAL.
Conto A insatisfação dos antepassados
Dany Wambire — Beira
Q uando o dirigente máximo visitou a comunidade do Regulado, para se
inteirar dos seus inúmeros problemas, também foi informado de um
quase secular. O assunto já se tinha discorrido nos pensamentos de
quase todos os administradores do Regulado.
Ao administrador o assunto soou-lhe como um exclusivo segredo proferido com
uma voz ardente, carimbada de mágoa, por causa do cenário sistemático, o velho e cróni-
co problema do conflito homem-boi e boi-machamba.
O dirigente máximo, que quase ficou assarapantado com a preocupação, prome-
teu estudar e responder, a breve espaço temporal, à apoquentação da população. Mas,
enquanto muitos partilhavam e assopravam a revelação do assunto ao senhor administra-
dor, alguns replicavam, em voz baixa, com palavras nefandas para os molestados.
― Mas de que estão a falar estes pobres! O mambo é que tem bois!
Na verdade, o senhor administrador não precisou de adiar a solução, pois tam-
bém se informou com os populares de que os animais se desforravam dos homens e das
machambas, porque os seus proprietários se mantinham renitentes à construção de cur-
rais para bois.
Então, o representante do Presidente da República no distrito ordenou, no dia
seguinte, o corte de estacas, a compra do arame farpado e a construção dum curral
comum, tão longe das machambas como das casas. O dinheiro, para tudo isso, disseram-
me que se ia arrancar dos famigerados sete milhões. O dinheiro que se tinha confiado aos
distritos, para produção de comida, criação de emprego e incremento da renda.
Nos dias seguintes, portanto, o administrador, através dos seus subalternos servi-
dores, mandou fazer o curral.
No primeiro dia, os muleques do mambo, armados de catanas, machados e ala-
vancas, abriram covas, para espetarem algumas estacas, para suporte dos arames. Espe-
ravam espetar as outras estacas, nos dias seguintes.
No segundo dia, voltaram ao local e ficaram assombrados, com o cenário: as
estacas, que tinham fixado nas covas, estavam fora delas, e as covas estavam tapadas,
como se não tivessem sido feitas. E nem sequer havia indícios de vandalização. Acha-
ram por bem abrir novas covas, e logo depositar nelas todas as estacas. Assim fizeram,
esperançados no fim do problema.
Ao terceiro dia, regressaram os obreiros, para levar por diante os trabalhos
do majestoso curral separatista. Mas, também desta vez, encontraram as estacas fora,
e as covas novamente encerradas. Presumiu-se que algo de anormal ali sucedia. Mes-
mo assim, teimosamente, insistiram, mais uma vez: abriram as covas, recolocaram
nelas as estacas e, por meio de pregos, entrelaçaram os arames. Labutaram, azafama-
dos, para acabarem o trabalho, no mesmo dia, e evitarem a precoce vandalização.
Terminada a espinhosa construção, os pastores foram evacuando os bois e as
vacas, para o recém-edificado curral. E foram levando os animais a pastar, sem qual-
quer pormenor negativo.
Mas, dias depois, os pequenos pastores voltavam, atabalhoados, com o medo
a subir-lhes pelos cabelos. Fugiam das assustadoras pegadas dos mbondoros, que já
tinham devorado dois bois.
O susto instalou-se nos pastores e nos proprietários dos animais. E
logo se recordaram do crasso erro, que se tinha cometido: ninguém devia, em
qualquer mata, edificar qualquer empreendimento, sem a devida anuência dos
antepassados.
Então, para atenuar a situação, prepararam dhoro, vinho e utchema, e
dirigiram-se, para a mata, para o local das súplicas de remissão dos pecados.
Finda a cerimónia, os pastores voltaram ao curral, e nunca mais houve nenhu-
ma outra ameaça.
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Concursos PRÉMIO LITERÁRIO KARINGANA WA KARINGANA UNIVERSIDADE DO MINHO
O "Prémio Literário Karingana Wa Karingana - Univer-
sidade do Minho" tem por objectivo incentivar a escrita
criativa em língua portuguesa em Moçambique e destina-
se a galardoar uma obra inédita sob a forma de conto, de
novela ou de um conjunto de contos.
Podem candidatar-se ao Prémio os estudantes nacionais
finalistas da 12ª Classe do Ensino Pré Universitário nos
anos 2010 e 2011, e que comprovadamente tenham fre-
quentado este ciclo de estudos em Moçambique.
Regulamento:
Artigo 1º (Promotores)
A KARINGANA WA KARINGANA Associação, com sede em Lisboa, e a UNIVERSIDADE DO MINHO, com sede em Braga, com o apoio do Ministério da Educação de Moçambique e da Fundação Carlos Lloyd Braga, promovem o ―Prémio Literário Karingana Wa Karingana - Uni-versidade do Minho‖.
Artigo 2º (Objectivo)
O ―Prémio Literário Karingana Wa Karingana - Universidade do Minho‖, tem por objectivo incentivar a escrita criativa em língua portuguesa em Moçambique e destina-se a galardoar uma obra inédita sob a forma de conto, de novela ou de um conjunto de contos.
Artigo 3º (Candidatos)
Podem candidatar-se ao Prémio os estudantes nacionais finalistas da 12ª Classe do Ensino Pré Universitário nos anos 2010 e 2011, e que comprovadamente tenham frequentado este ciclo de
estudos em Moçambique.
Artigo 4º (Publicitação)
O Prémio será publicitado e divulgado pelo Ministério da Educação de Moçambique, junto de todas as Escolas Secundárias de Moçambique, pelos meios que tiver por convenientes, até final de Novembro de 2011.
Artigo 5º
(Valor do prémio)
O prémio a atribuir será constituído por: a) Uma bolsa de estudos para a realização de estudos de licenciatura em Portugal, na Univer-sidade do Minho, por um período de 3 (três) anos; b) A edição conjunta das 3 (três) melhores obras a concurso e de um conto escrito por Mia
Couto.
Artigo 6º (Objecto)
1) Cada concorrente elaborará o seu texto tendo como linhas iniciais as escritas por Mia Couto tal como transcrito no ponto 3) deste artigo; 2) A obra terá de ser individual, original e redigida em português, podendo conter expressões
em outras línguas (devidamente explicadas em glossário); 3) Texto de Mia Couto em itálico e entre aspas: ―O livro que fechou a menina Marília fechou o livro escolar como quem encerra as duas partes do mundo. As mãos pequenas alisaram a capa com tristeza de despedida. A menina sabia que, junto com o livro, se cerravam as portas do tempo. - Mas, pai, não dá para prosseguir mais um ano? - Está a ver o que dá a escola? Agora, já pensa que tem escolha… - Mas o professor pediu…
O pai ergueu a mão como se as palavras não bastassem para exprimir a sua indignação. O que mão dele dizia era simples: Marília que ficasse calada, no lugar de silêncio que lhe competia. Depois, ainda azedou: - Esse professor pediu para falar comigo? Que abusos são esses, o que quer este homem da minha filha? - Ele não quer de mim, ele quer de si, pai. O professor acha que eu devia continuar os estudos. Quer pedir que o senhor não me mande interromper a escola. - Pois esse professor vai ver. Vou denunciá-lo na administração. E você é muito burra, não vê
as intenções que este homem tem consigo? Marília contemplou o livro pousada na mesa. E de repente, lhe pareceu que as mãos do livro é que a tinham fechado a ela. Para sempre.‖
Artigo 7º (Características da obra)
a) Os textos deverão ser apresentados por escrito, sob pseudónimo, deverão ter um mínimo
de 30 folhas e um máximo de 60 folhas formato A4 (210 x 297mm), apenas frente, espaço 1 ½ entrelinhas e letra Times New Roman, tamanho 12; b) Deverão ser enviados 6 (seis) exemplares em papel, assim como uma cópia em suporte electrónico (que poderá ser enviada via correio electrónico, protegida contra alteração.
Artigo 8º
(Processo de envio)
Forma de apresentação:
a) As obras a concurso – trabalho dactilografado – devem ser encerradas em envelope
opaco e fechado, no rosto do qual deve ser escrita a palavra «Obra»;
b) Em envelope com as características indicadas na alínea anterior, no rosto do qual
deve constar a identificação, morada e pseudónimo do concorrente, devem ser incluídos
documentos que contenham os seguintes elementos:
1. Fotocópia do Bilhete de Identidade;
2. Indicação de morada, nº. de telefone e e-mail;
3. Indicação do Estabelecimento de Ensino e número de aluno;
4. Declaração de renúncia a qualquer pagamento a título de direitos de autor, no caso de
a obra vir a ser publicada pela ―Karingana Wa Karingana‖ ou por a quem esta ceda os
direitos de publicação;
c) No caso de se tratar de concorrente menor é obrigatória a apresentação de uma
declaração assinada pelos pais ou por quem detenha a tutela do participante, autorizando a
sua participação no concurso e expressando o seu acordo com o presente regulamento.
Esta declaração deverá ser acompanhada por cópia bem legível dos pais ou tutor(es) do participante;
d) Os envelopes a que se referem as alíneas anteriores são encerrados num terceiro,
igualmente opaco e fechado, que se denominará «Invólucro exterior», para ser remetido
sob registo ou entregue pessoalmente, contra recibo.
e) Os trabalhos deverão ser enviados, até 31 de Maio de 2012 (inclusive) – a compro-
var pela data no carimbo do correio e/ou do correio electrónico – para:
1. ‖Prémio Literário Karingana Wa Karingana – Universidade do Minho‖ Rua Patrice
Lumbumba nº 899, Maputo, Moçambique
2. e em suporte digital, para: [email protected]
f) Os exemplares dos trabalhos apresentados não serão devolvidos aos concorrentes.
g) Serão excluídos todos os trabalhos que não respeitem as disposições deste regula-
mento.
Artigo 9º (Composição do Júri)
A atribuição do Prémio será decidida por um Júri composto por:
a) Presidente do Júri – Mia Couto.
b) Representante da Karingana Wa Karingana Associação.
c) Representante da Universidade do Minho.
d) Representante da Sociedade de Língua Portuguesa.
e) Três personalidades Moçambicanas a designar pelos promotores.
Existirá um Júri de Selecção, caso o número de trabalhos apresentados o justifique, que
será indicado pelos promotores do prémio referidos no artigo 1º.
Artigo 10º
(Deliberação do Júri)
O Prémio será atribuído por unanimidade ou, em caso de impossibilidade, por maioria de
votos; O Júri poderá não atribuir o Prémio, caso entenda que nenhuma das obras a con-
curso o justifica. A decisão do Júri é definitiva e, da mesma, não haverá recurso.
Artigo 11º
(Divulgação do premiado)
O resultado do concurso será anunciado pelo Júri na primeira quinzena de Setembro de 2012. A entrega solene do “Prémio Literário Karingana Wa Karingana – Universidade do
Minho‖ ocorrerá na Universidade do Minho no dia 17 de Novembro de 2012 (dia mundial
do estudante).
Artigo 12º
(Direitos de Autor)
a) Os participantes no concurso cedem os direitos de autor das obras a concurso, para
todo o Mundo, à ―Karingana Wa Karingana Associação‖ ou a quem esta os ceda, compro-
metendo-se o autor, ou os seus representantes legais, a assinar contratos de edição, de
acordo com legislação de propriedade intelectual, bem como os demais documentos que se revelem necessários para esse fim. No caso de publicação, a obra deve indicar ―Prémio
Literário Karingana Wa Karingana - Universidade do Minho‖.
b) Os vencedores autorizam expressamente a utilização do seu nome e da sua imagem,
com fins publicitários, em quaisquer actos de apresentação e/ou material de promoção,
que os promotores considerem pertinentes com vista à difusão do Prémio.
Artigo 13º
(Disposições Finais)
A participação neste concurso implica, de forma automática, a aceitação plena dos pre-
sentes termos deste regulamento.