Revista Literatas

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Literatas Director: Nelson Lineu | Maputo, 17 de Fevereiro de 2012 | Ano II | N°18 | E-mail: [email protected] PROPRIEDADE DO 9 anos de silêncio profundo José Craveirinha (2003-2012) «Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto. Isto por parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai, fiquei José. Aonde? Na Av. Do Zihlahla, entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres. Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato… A seguir, fui nascendo à medida das cir- cunstâncias impostas pelos outros. Quando o meu pai foi de vez, tive outro pai: seu irmão. E a partir de cada nascimento, eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique. A opção por causa do meu pai branco e da minha mãe preta. Nasci ainda outra vez no jornal O Brado Af- ricano. No mesmo em que também nasce- ram Rui de Noronha e Noémia de Sousa. Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço, competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temper- ado por tudo isso. Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por causa do meu pai, encontrando no Amor a sublima- ção de tudo. Mesmo da Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por parte de minha mãe, só resignação. Uma luta incessante comigo próprio. Autodidacta. Minha grande aventura: ser pai. Depois, eu casado. Mas casado quando quis. E como quis. Escrever poemas, o meu refúgio, o meu País também. Uma necessidade angus- tiosa e urgente de ser cidadão desse País, muitas vezes, altas horas a noite.»

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Revista de Literatura Mocambicana e Lusofona

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Literatas Director: Nelson Lineu | Maputo, 17 de Fevereiro de 2012 | Ano II | N°18 | E-mail: [email protected]

PROPRIEDADE DO

9 anos de silêncio profundo José Craveirinha (2003-2012)

«Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto. Isto por parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai, fiquei José. Aonde? Na Av. Do Zihlahla, entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres. Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato… A seguir, fui nascendo à medida das cir-cunstâncias impostas pelos outros. Quando o meu pai foi de vez, tive outro pai: seu irmão. E a partir de cada nascimento, eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique. A opção por causa do meu pai branco e da minha mãe preta. Nasci ainda outra vez no jornal O Brado Af-ricano. No mesmo em que também nasce-ram Rui de Noronha e Noémia de Sousa. Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço, competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temper-ado por tudo isso. Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por causa do meu pai, encontrando no Amor a sublima-ção de tudo. Mesmo da Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por parte de minha mãe, só resignação. Uma luta incessante comigo próprio. Autodidacta. Minha grande aventura: ser pai. Depois, eu casado. Mas casado quando quis. E como quis. Escrever poemas, o meu refúgio, o meu País também. Uma necessidade angus-tiosa e urgente de ser cidadão desse País, muitas vezes, altas horas a noite.»

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Editorial

E porquê parar um projecto elogiado!?

N os finais de Dezembro de 2010, iniciamos o projecto da revista Literatas, antes

difundindo a mesma através de um blogue. A princípio a meta era divulgar entu-

siastas da literatura moçambicana, principalmente, os membros do Movimento

Literário Kuphaluxa, agremiação a que pertence esta revista.

No entanto, verificado o vazio a que se vivia no País, sob ponto de vista de divulgação da Literatu-

ra Moçambicana (com os medias se cingindo apenas no anunciar lançamentos de livros vida ou

morte de escritores) decidimos ser mais abrangentes. Sermos mais abrangentes, significa manter a

linha que já tínhamos definido e acrescentar, a componente divulgação do já existente na nossa

literatura e, porque o blogue era também visitado por pessoas doutros países, principalmente os

falantes do português, decidimos que também publicaríamos algo sobre esses países.

Assim, edificamos a Literatas que hoje somos. De um simples blogue de jovens que ―brincavam‖

informando, passamos a ser uma fonte segura de difusão de acontecimentos literários moçambicanos para além fronteira, e os de além

fronteira para dentro do País. Somos finalmente uma revista literária.

Contudo, essa concepção ―revista‖ é reflectido principalmente no produto final, os conteúdos já prontos e distribuídos para os leitores. Mas

por dentro, institucionalmente, ainda estamos distantes, em termos de recursos para que se efective esse anseio. Isso é que propicia as para-

gens que vamos tendo, porque, sendo o Movimento Literário Kuphaluxa, uma agremiação sem fins lucrativos e que, os seus trabalhos,

consequentemente, não gerem lucros, o mal de falta de condições financeiras e materiais para a execução de alguns projectos, tal é o caso

da revista Literatas, ainda nos perseguem.

Dentre vários, o caos maior, é a falta de equipamento informático para a efectivação dos trabalhos editoriais. Assim, sem o computador,

que é o principal meio que nos possibilita editar a revista, não é possível que a mesma funcione.

Decidimos acabar com silêncio e ―denunciar‖ este embaraço que passamos para trazer a informação sobre as literaturas que envo lvem esse

mosaico que é a Língua Portuguesa disperso entre os continentes, a fim que os leitores não só compreendam as nossas ausências, em

algum momento, até em situações em que se obriga a nossa presença, mas que, principalmente, seja possível, o envolvimento de todos na

solução desses problemas.

Entretanto, hoje dia 17 de Fevereiro de 2012, de onde paramos, queremos voltar a contar os passos para o horizonte e voltarmos a trazer

semanalmente (agora às sextas-feiras), aos amantes da literatura, estudantes, professores e as respectivas instituições de ensino, em fim,

público em geral, os assuntos que vão marcando o mundo das letras em Moçambique e em outras partes.

E começamos com esta edição com a Homenagem ao Mestre Zé. José Craveirinha. O considerado maior poeta de Moçambique de dimen-

são mundial. Uma lenda na história da Literatura Moçambicana.

Nesta e nas próximas páginas, queremos dizer Bayete (invocação) ao Madala (velho) Zé. Assim mandam as normas tradicionais do nosso

áfrico país. Em África, quando o Homem morre, torna-se um deus - Com direito a que se santifique o seu dia de nascimento, dia de morte

e suas obras. E assim procede com o Poeta-mor que não só os políticos o nomearam herói nacional. Mas os seus leitores assim também o

nomeiam mestre entre os artistas. Monstro Sagrado. Que a sua obra se imortalize e se propague em todas gerações. Este é o contributo do

Movimento Literário Kuphaluxa e da revista Literatas, em particular.

Óptima leitura.

Eduardo Quive

[email protected]

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Ensaio S E X T A - F E I R A , 1 7 D E F E V E R E I R O D E 2 0 1 2 | L I T E R A T A S | L I T E R A T A S . B L O G S . S A P O . M Z | 3

Fonte: União dos Escritores Angolanos

José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade

A poiadas na convicção de que a vida do autor e a obra não se

confundem, muitas das teorias da literatura defendem que a

análise literária não se pode fundar sobre a biografia do autor.

No entanto, mesmo condenando o biografismo, alguns estu-

dos literários de grande qualidade vêm recuperando a noção de experiên-

cia como eixo de certas escritas. Sem se fazer uma leitura directa da pro-

jecção das circunstâncias históricas sobre a criação literária, é possível

buscar a relação entre as vivências e a invenção que se examina. E, se a

força da História não deve ser minimizada na abordagem da literatura, em

se tratando da produção dos países africanos de língua portuguesa a com-

preensão desse peso merece atenção especial. Em Angola, Cabo Verde,

Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, o contacto com os

dilemas que a História arma é tão vivo que a sua dimensão surge visivel-

mente concreta no quotidiano das pessoas que escrevem e sobre as quais

se escreve.

Ao reflectir sobre o processo de sistematização de nossa literatura, o Prof.

António Cândido refere-se a sua inserção na vida nacional como uma

característica cultural de países novos, em contraste com o que apresen-

tam os do Velho Mundo (1). No caso dessas terras acima citadas, a ques-

tão dos símbolos nacionais, da bandeira, do hino, a eleição e/ou demissão

dos heróis nacionais permanecem na ordem do dia, indicando que a

nacionalidade é ainda uma fonte de discussão na qual intervêm elementos

de ordem vária. A cor da pele, a participação na luta, a permanência ou

não em cada um desses países durante os largos e complicados anos de

carência são frequentemente evocados para distinguir as pessoas. As con-

versas sobre os que ficaram e os que partiram, motivados pela discordân-

cia política, pela incapacidade de suportar as dificuldades, ou mesmo por

circunstâncias da vida pessoal, traduzem a inesgotabilidade de um tema

que se reacende agora com a volta dos que partiram ou chegada dos des-

cendentes em busca de um lugar no panorama que se abre. Em Moçambi-

que, por exemplo, a expressão ―os que fizeram a travessia do deserto’’ é

frequentemente utilizada para designar aqueles que permaneceram no

país, resistindo a tantas pressões, apostando de algum modo no projecto

da independência. Desse debate não se excluem as remissões ao repertó-

rio literário e surgem, com alta frequência, os termos angolanidade, coba-

verdianidade e moçambicanidade, revelando a preocupação quanto à liga-

ção com aquilo que seria considerado uma prática literária voltada para

dentro dos países. A dialéctica entre o que é próprio e o que vem, ou veio

de fora ocupa ainda um importante terreno. Mesmo se nos depoimentos

dos escritores ou nos estudos críticos esses conceitos vêm ganhando ou

perdendo sentido em função da própria discussão sobre os processos his-

tóricos seguidos por esses sociedades, com reflexos nas construções cul-

turais que se vão formando, a questão permanece acesa.

Vale ressaltar que no presente já não se proteja, com tanta ansiedade, no

reconhecimento da ligação com a terra o critério de valor literário. Em

outras palavras, a identificação de referentes nacionais não é por si

garantia de qualidade. Há obras boas e obras más às quais o epíteto de

genuína caberia. Em tom de blague, poderíamos até dizer que já se pode

falar em textos angolanamente, caboverdianamente ou moçambicanamen-

te ruins. Ou seja, com razão, ou não, o fato é que o debate existe,

demonstrando que a construção nacional é, em verdade, um corpo em

manifesto movimento. Tentando simplificar, eu diria que entre a socieda-

de moçambicana persiste a crença de que a nacionalidade é uma espécie

de atestado que se conquista, no plano colectivo e no individual. Como

uma espécie de rito de passagem, cujos passos variam em função de mui-

tos dados.

Indicados alguns pontos centrais na discussão que envolve a literatura em

Moçambique, volto-me, então, para a obra de José Craveirinha. Diante do

quadro histórico - cultural em que está inserida sua produção, para per-

correr um pouco de sua poesia- aceitei a orientação da sua própria histó-

Rita Chaves — Brasil

O texto reconhece a relação entre poesia e experiência como um elemento central na produção de José Craveirinha e partindo

desse ponto examina o percurso dessa escrita que, ao colocar-se ao lado dos excluídos da ordem, empenha-se numa luta contra

a exclusão enquanto principio. Processo utilizados pelo poeta moçambicano para fazer de sua poesia um exercício de resistên-

cia ao canto da dominação (do tempo colonial às trapaças do presente) constituem o objecto do artigo.

Sem qualquer dúvida, pelo nascimento e pelo itinerário trilhado, estamos diante de um cidadão e de um escritor cuja moçambicanidade não foi jamais contestada

por nenhum sector. José Craveirinha é filho de pai português e mãe africana, um

fato mais comum na cena colonial brasileira do que no quadro moçambicano.

Não sendo trivial, a situação também não está nos limites do insólito, consideran-do os traços associados ao colonialismo lusitano. Mas o fundamental é que o fato

não foi por ele banalizado: merecendo um grande espaço em sua produção poéti-

ca, é, tratado como uma questão vital na montagem do olhar com que fita a socie-dade em que nasceu e que ajudou a transformar.

Com um ―pé em cada lado’’ ele, não é difícil deduzir, poderia ter escolhi-

do o lado do privilégio, até porque, após alguns poucos anos com a mãe, ainda

muito menino foi levado para a cidade de cimento, onde viveria com o pai e

sua nova mulher, uma senhora portuguesa branca que, sem filhos, resolve

criar os filhos do marido. Com a mudança, abre-se um outro universo, povoado

de referências interditadas aos moradores dos subúrbios: outra língua, outros

hábitos, outros valores, outra forma de estar no mundo. Nos moldes da constru-

ção colonial, o dilema deveria ser fatal: ou uma coisa ou outra. E ele escolheria a África. Como cidadão e como escritor. Porém o que mais surpreende é que a

decisão, se faz numa atmosfera de serenidade, pautada pela consciência de quem

se sabe resultado de um par que pode ou não ser inconciliável. Ao ler o mundo

que lhe é dado conhecer, reconhece que é provável mas não imperiosa a

ruptura total. Remexendo terrenos que apenas pareciam assentados, o poe-

ta procura refazer o rumo das coisas. Num poema bastante famoso ele ofe-

rece uma das chaves para a compreensão de sua trajectória:

― E na minha rude e grata sinceridade filial não esqueço meu antigo portu-

guês puro que me geraste no ventre de uma tombasana eu mais um novo

moçambicano semiclaro para não ser igual a um branco qualquer e semi-

negro para jamais renegar um glóbulo que seja dos Zambezes de meu san-

gue’’.(2)

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Ensaio Nos versos exprime-se sua versão ao colonialismo, sentimento com-

binado, entretanto, com a sensibilidade de quem compreende a com-

plexidade das situações engendradas pelo sistema. Recusando os

colonialistas, o poeta revela a compreensão, às vezes até a sua solida-

riedade para com os portugueses pobres que vinham de longe e ali

viviam e morriam como tal. O lugar de origem não bastava, portanto,

para definir a imagem acabada do homem que para a África se deslo-

cava em busca, certamente, de melhores condições. Nesse compasso,

o ―outro ’’ganhava dimensões, liberto daquela visão reificadora que

acaba por empobrecer não só o objecto mas também o sujeito que

olha. No diálogo que seus poemas estabelece com o pai, representan-

te dessa estirpe de homens trabalhadores, embora portador de outras

marcas culturais, projecta-se a capacidade de ler para além da super-

fície, alcançando sentidos novos e maiores. Na disponibilidade para

reconhecer o outro, todavia, não se nota qualquer indício de adesão,

visto que a opção se faz clara:

― Ah, Mãe África no meu rosto escuro de diamante de belas e largas

narinas másculas frementes haurindo o odor florestal e as tatuadas

bailarinas macondes nuas na bárbara maravilha eurítmica das sen-

suais ancas puras e no bater uníssono dos mil pés descalços‖. (3)

Abrigadas pela Terra que fez ―moçambicano o sangue do Pai, ―as

ibéricas heranças de fados e broas’’ (4) barram a incompreensão e o

ressentimento que a divisão entre esses dois mundos que a obra

registra (e a vida comprova) poderia ter gerado. Principalmente se

considerarmos que, talvez mais do que qualquer outra cidade colo-

nial portuguesa, a capital de Moçambique estava assentada sobre a

segregação. As expressões ―cidade de cimento’’ e ―cidade do cani-

ço’’ frequentemente utilizadas na literatura traduziam uma sepação

de espaços sócioculturais ainda muito mais rígida que o par

―musseque / cidade do asfalto’’ tantas e tantas vezes presente na lite-

ratura angolana.

Ao optar pelo universo dos excluídos, Craveirinha recusou ao mes-

mo tempo a exclusão como procedimento. Sem diluir a força da con-

tradição que é, seguramente, o princípio ordenador do mundo colo-

nial, a sua poesia reflecte a coexistência de contrários que não preci-

sam se agredir. Na relação com as línguas que habitam o seu univer-

so cultural podemos localizar um exemplo. Em inúmeras entrevistas,

aí incluindo a que me foi concedida em fevereiro de 1998, ele afirma

que gostaria que as sociedades moçambicanas fossem bilingues.

Apaixonado pela Língua Portuguesa, Craveirinha, desde o tempo

colonial, insurgia-se contra a penetração do inglês no dia a dia de

Moçambique. Em crónicas publicadas nos anos 60, ele já reclamava

do uso da língua dos territórios vizinhos na denominação de casas

comerciais e tabuletas indicativas na capital moçambicana. A esse

apreço o escritor mesclava o amor pelas línguas africanas. Por isso,

não se cansa de reiterar a sensação de mutilação experimentada

quando, na fase da mudança para a cidade de cimente, foi proibido

de falar o ronga, a língua primeira, língua da mãe, língua da afectivi-

dade. E é a ela que recorre em muitos poemas. Não para ―enfeitar’’ o

texto, mas porque acredita que dela depende a expressão de certos

sentidos. Para falar da natureza, de práticas culturais, das marcas que

lhe chegam da ligação com a terra, são os nomes das línguas bantu

que lhe vêm em socorro: ― E outros nomes da minha terra Afluem doces e altivos na memória filial

E na exacta pronúncia desnudo-lhe a beleza Chulamáti! Manhoca! Chi-nhambanine! Morrumbala! Namaponda e Namarroi E o vento a agitar sen-

sualmente as folhas dos canhoneiros Eu grito Angoche, Marrupa, Michafu-

tene e Zôbuê E apanho as sementes do cutiho e a raiz de Zitundo. Oh, as belas pernas do meu áfrico País (6)

Evitando o perigo da folclorização a poesia parece mergulhada de modo

intenso nesse universo cultural de onde vêm as palavras e os objectos que

os poemas resgatam. Nesse movimento intervem o próprio ritmo, como a confirma sua integração no lugar de origem. Os tambores, as marimbas, o

xigubo não são peças de adorno, são elementos que sugerindo a cadência

dos versos integram a estrutura textual. Recorrendo uma vez mais a Antó-nio Cândido, pode-se dizer que, assim incorporados, elementos externos

convertem-se em traços estruturais dos textos literários, transformando-se

desse modo em matrizes de significado a requerer interpretações mais aten-

tas. (7) Dessa imersão na terra resulta a elaboração das imagens que se multiplicam pelas páginas de seus livros. E, a tornar distante o risco da

exotização, ergue-se o apego às gentes que habitam essa terra.

A obra poética de José Craveirinha é povoada por homens e mulheres que,

guardando a dimensão existencial que os humaniza, apresentam-se numa rela-

ção concreta com a vida: têm corpo, tem doenças, têm tradições têm definidas

as marcas sociais que os particularizam no conjunto um tanto amorfo a que se

poderia chamar de moçambicano, africano ou mesmo negro. Sendo importan-

tes, essas denominações não se mostram suficientes. O peso da História é senti-

do e estabelece delimitações que permitem identificar os seres apanhados pelos

olhos atentos de quem cruza as ruas da cidade e nelas capta a ordem do mundo.

Ao recolher a Historia, Craveirinha também definiria a geografia de sua poéti-

ca: são os bairros periféricos, os subúrbios de caniço, que cresciam à volta da

senhorial Lourenço Marques. O Xipamanine, as Lagoas, a Mafalala, onde viveu

muito tempo e da qual não se afastou muito, mantendo sua casa a poucas centenas de

metros, serão privilegiados em sua travessia poética. Por esses espaços, onde faltam

condições básicas de saneamento e sobram doses de humanidade, o poeta circula e dali parece extrair a energia para sua indignação. Na comovida comunhão do poeta com

esses deserdados enraíza-se uma poesia de ―partisan’’. Vista na clave da injustiça, a

pobreza não é cultivada ou justificada segundo os modelos do conformismo cristão. Os pobres não são os humildes, são os humilhados, os excluídos, os penalizados pela desi-

gualdade – o grande signo da dominação colonial. Ao tematizar a vida difícil da prosti-

tuta, o poema não procura idealiza-la. Com cores firmes, busca enquadrá-la na moldu-ra das iniquidade que a sociedade alimenta:

―Eu tenho uma lírica poesia nos cinquenta escudos, do meu ordenado que me dão

quinze minutos de sinceridade na cama da mulata que abortou e pagou à parteira com

o relógio suíço do marinheiro inglês. (...) E eu sei poesia Quando levo comigo a pureza Da mulata Margarida Na sua décima

quinta blenorragia.’’ (8)

No mesmo processo, a terra que então aparece é mais do que uma entidade mítica. Ela é concreta na presença mediada também pelos produtos nela cultivados. O algodão, o

sisal, o chá, o tabaco, elementos de revelo na economia da então colónia, participam

na economia textual, gerando as imagens, constituindo as metáforas, compondo as

metonímias que vão surgerir a idéia de nação que a obra prenuncia. Desse mundo rural, onde não por acaso iniciou-se a luta de libertação, provinham os grandes contin-

gentes de moradores dos subúrbios crescendo à volta das cidades construídas sobre os

pilares do colonialismo. Não seria arriscado afirmar que alguns dos elementos fundadores da poética de Cra-

veirinha são extraídos desse universo rural directamente associado ao trabalho. E entre

eles destaca-se o carvão, cuja força se manifesta num de seus poemas mais conheci-dos: ― Eu sou carvão!

E tu arrancas-me brutalmente do chão

E fazes-me tua mina

Patrão! Eu sou carvão

E tu acendes-me, patrão

Para te servir eternamente como força motriz Mas eternamente não

Patrão!

Eu sou carvão Tenho que arder

E queimar tudo com o fogo da minha

combustão

Sim Eu serei o teu carvão

Patrão!’’ (9)

O próprio título do poema ―Grito negro’’ dirige nossa atenção ao problema

racial, não há dúvida. No entanto, a questão racial é desnaturalizada e deve ser

encarada igualmente como uma das faces da exploração. E foi por essa via que

Craveirinha, como o angolano Agostinho Neto e a também moçambicana Noé-

mia de Sousa, se relacionou com a Negritude. Ultrapassando as fronteiras de

uma proposta centrada na valorização estética, os escritores de Angola e

Moçambique preferiram dar ao problema contornos que permitissem considerá-

lo na sua dinâmica social. Ou seja, o essencial para o negro seria investir na

conquista de um lugar nas sociedades de que ele era parte: tornar-se sujeito de

sua História e fazer-se protagonista de seu espaço seriam modos de efectiva-

mente libertar-se do processo de reificação a que parecia condenado. Nesse

sentido, Craveirinha, como Neto e Noémia, afasta-se do matiz estetizante das

teorias de Leopoldo Senghor e aproxima-se da postura de Aimé Césaire e

Frantz Fanon, encarando o racismo no centro da engrenagem colonial. À pro-

posta de recuperação das manifestações culturais estava vinculada a necessida-

de de alterar a correlação de forças que balizava a ordem social. Por isso, não

se mantinha alheio ao sofrimento efectivo dos explorados, como demonstra o

poema que tematiza o massacre de trabalhadores sulafricanos em Sharpevilhe.

Para Craveirinha à questão racial articulava-se o sentido de classe, deixando

clara a ligação com as camadas populares.

Continuação — José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade

Rita Chaves — Brasil

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Invocação

Oh! Velho Zé, Cá estamos nós

A mendigar o nada

Nada que é seu espólio Nada que és tu entre os homens e outros homo

Nada de poeta que te exaltas ser Nada no além que favorece estes dias.

Zé,

Velho homem que seria de 90 Tão 9 é o seu desaparecimento, rapaz.

Mergulhado no silêncio que o além apadrinha

Cúmplices do nada que te exaltas ser.

Velho Zé,

E mesmo nada não és

E mesmo nada tens E mesmo nem poeta és

E mesmo, apenas de Mafalala és.

Ntsilana Varinha de porrada a moda Joe Louis

Na boina preta em que teus versos militam.

E disse tu Porque tu és tu

Um tu e um nada

Apenas descendente do não Irmãos Rubi E esses tu não conheces

Tu Zé, és do Zilhalha,

Ao estilo das línguas do seu áfrico país.

Poeta?

Oh! Zé,

Nem se quer te acuses Tão dura missão entre doutores

Tu, Zé, deste um K.O a todos eles

Ah! Golpe baixo velhote,

Tão autodidata tu és. E tão autodidáctico é o seu Nkaringana wa Nka-

ringana

Tchaiaste a todos e encheste de Babalaze, as Hie-nas desta farta savana

Foste ao encontro dos tigres e deste-os as Saboro-

sas Tangerinas de Inhambane. Tão boa é gente dessa cidade

E tão bom foi o gostinho de ver às tsotsonhas a

língua desses felinos

E nem para medo és nada

Mesmo ai onde a 9 anos te encontras Se em versos e crónicas o desconsegues

Dá-lhos um soco igual a do Joe Lous

Dá-lhos com ntsilana da Mafalala Se esses crespos fios de cabelos seus minguarem

por culpa deles

Tchaia-os Zé

Tchaia-os

Tchaia-os com os seus versos que será o melhor K.O

Esse sou eu velho Zé

Desconhecido amigo seu. Reconheces-me?

Velho Zé

Eduardo Quive

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Ensaio Do ponto de vista da construção poética, essa ligação se adensa na evocação da

tradição oral. Sem hesitação, muitos dos poemas de Craveirinha assumem uma

tonalidade narrativa que parece reflectir o quadro da interlocução que é própria

da comunicação oral. É verdade que no mundo já tocado pela fragmentação

não há lugar para a sabedoria épica do narrador tradicional, como nos ensina

Walter Benjamim em seus brilhantes ensaios sobre o romance (10), mas o poe-

ta não se quer desligar de suas matrizes e cultiva a cumplicidade da conversa,

como a deixar que se perceba a origem de sua experiência. Em «Maria», cujo

móvel é a morte de sua mulher, a situação de um hipotético diálogo se reproduz

em quase todas as páginas. Numa espécie de ―vida passada a limpo,’’ os poe-

mas vão recolhendo, recompondo, avaliando e reavaliando, no penoso contacto

com a solidão, as experiências abertas pela vida.

Mas o que é enfatizado em «Maria», já surgia noutros livros. Em «Karingana

ua Karingana», um dos primeiros, essa atmosfera aparece expressivamente em

―Dó sustenido para Daico’’(11), poema alusivo à morte de um famoso músico

e companheiro do poeta. Como o escritor, Daíco integra um grupo de mestiços

e negros que, graças a um talento particular, conseguia romper a barreira e pro-

jectar o seu nome para além das fronteiras do asfalto que dividiam a cidade.

Entre esses vamos encontrar alguns que tiveram projecção internacional como

Eusébio e Hilário (jogadores de futebol) e outros que, embora famosos, não

ascenderam socialmente como o próprio músico. De qualquer modo, seu suces-

so conferia uma mística ao bairro onde viveram todos: a Mafalala, que graças

ainda a outras particularidades, ocupa um lugar especial no mapa cultural da

capital da país e no repertório literário de José Craveirinha. Movido pelo silen-

ciamento do músico, o poeta escreve: ―Carol:

acredita que lá fomos todos o sentimento aumentado à branco nas gravatas pretas

aborrecidos levar à derradeira casa um poeta

que excedia o universo

certo à música do seu mundo é que até os fatos largos que vestia, vê lá tu

coincidiam sempre com a pequenez das pessoas

que lhos davam em segundos mão.

estas a ver Carol o Daíco chateado foi-se embora mas ficou no ―long-plaing’’ da Mafalala

mulato cafuzo a vibrar as cordas para sempre

e agora ele já não pensa mais em repetir o clássico

gesto indicador na minuta suburbana de explicar as consequências dermotrágicas da vida

na contrapalma das próprias mãos.‖ (12)

Além da ligação com a matriz oral que está na base da tradição cultural

moçambicana, em poemas como esse podemos perceber outra fonte de inspira-

ção, também confirmada pelo próprio poeta em diversas ocasiões. Trata-se da

presença da literatura brasileira na formação da literatura nacionalista dos paí-

ses africanos de língua portuguesa. A cultura brasileira constitui para gerações

de angolanos, cabo-verdianos e moçambicanos um terreno fértil de leituras e

reflexões. A distensão linguística, o desejo de aproximação com os sectores

populares, os movimentos de procura do referente nacional foram pontos apa-

nhados pelos escritores africanos empenhados na constituição de sua identidade

cultural. A valorização da coloquialidade como instrumento de resgate do universo à

margem dos padrões lusitanos revelava-se como um dado positivo a ser incorporado

pelo projecto literário em formação. Valorizar a língua falada dessa maneira era uma

forma de valorizar as pessoas que assim falavam, tal como defendiam os protagonistas do Modernismo no Brasil.

É bom esclarecer que embora tivessem adotado algumas das propostas veiculas

pelos nossos modernistas de primeira hora, não foram esses os autores mais

lidos e Moçambique, excepção aberta para Manuel Bandeira. De Carlos Drum-

mond de Andrade, por exemplo, um outro poeta bastante prestigiado entre os

moçambicanos, a produção mais acolhida seria a de livros como Sentimento do

mundo e A rosa do povo, publicados muitos anos após a famosa semana de

Arte Moderna. O encantamento maior viria com o romance dos anos 30, ou

seja, com os chamados regionalistas da prosa de ficção. Graciliano Ramos,

José Lins do Rego, Rachel de Queirós e, principalmente, Jorge Amado são

referências obrigatórias na memória desses escritores. E é bom ouvir aqui as

palavras do próprio Craveirinha sobre o tema: ―Eu devia ter nascido no Brasil, porque o Brasil teve uma influência muito grande na população suburbana daqui, uma influência desde o futebol. Eu joguei a bola com os

jogadores brasileiros, como, por exemplo, o Fausto, o Leônidas da Silva, inventor da

bicicleta. Nós recebíamos aqui as revistas (...) E também na área da literatura.

Nós, na escola, éramos obrigados a passar por um João de Deus, um

Dinis, os clássicos de lá. Mas, chegados a uma certa altura, nós liber-

távamos. E, então, enveredávamos por uma literatura errada: Graci-

liano Ramos... Então vinha a nossa escolha, pendíamos desde o

Alencar. Toda a nossa literatura passou a ser um reflexo da Literatura

Brasileira. Então, quando chegou o Jorge Amado, estávamos em

casa. Jorge Amado marcou-nos muito por causa daquela maneira de

expôr as histórias. E muitas situações existiam aqui. Ele tinha aqui

um publico. Havia aqui a policia política, a PIDE. Quando eles fize-

ram uma invasão à casa, puseram-se a revistar tudo e levaram o que

quiseram levar. Ainda me lembro: levaram uma mala e carregaram

os livros, meus livros. Levaram os livros e as malas até hoje como

reféns políticos. Depois de eles irem embora, é que minha mulher

disse: - E o Jorge Amado? Onde estava o Jorge Amado? Nessa altu-

ra, já estavam atrás do Jorge Amado...’’ (13)

Pela pista do escritor, evidencia-se que o tratamento das situações,

em certa medida comuns às duas realidades, estava no centro da

aproximação. Isso significa que a denúncia das desigualdades sociais

– essa injustiça quase estrutural na sociedade brasileira – tornou-se

uma espécie de senha para a comunhão. Mas não estaria aí a única

ponte entre os dois espaços. Como se pode notar na passagem trans-

crita, ao mesmo tempo vigorava uma vontade de pertencer a esse

espaço, ou melhor dizendo, a um espaço como esse. O universo cul-

tural fortemente preenchido por manifestações da chamada cultura

popular como a música e o futebol fazia com que aos olhos dos afri-

canos predominasse a imagem da ex-colónia que havia dado certo. A

lenda da convivência racial e da cordialidade entre as classes era

consumida como real e dinamizava-se um modelo que, mesmo sem

corresponder à verdade, alimentava o desejo de transformação do

inferno em que se constituía a vida no interior da sociedade colonial.

O que é surpreendente, e para mim fascinante, é que sendo um país

marcado pela crueldade das relações sociais, pela prática terrível do

racismo, pela manutenção de estruturas coloniais em nossa forma de

estar no mundo, o Brasil acabaria por ofercer uma imagem modulada

pelas da utopia. O fato ganha ainda maior interesse se nos lembramos

que a imagem do brasil como um espaço harmónico era usada pelo

discurso metropolitano para propagandear a sua vocação colonizado-

ra. Não é demais recordar a viagem de Gilberto Freyre às colónias

portuguesas na África, nos anos 50 e a utilização feita pelo salazaris-

mo de sua declaração sobre a especificidade da colonização portu-

guesa. Para azar da metrópole, o Brasil foi apanhado numa outra cha-

ve, catalisando a indignação progressista dos africanos. A poesia de

Craveirinha não se limita aos contactos com a literatura brasileira. Seu olhar salta sobre as fronteiras e procura o encontro com outras formas

de cantar a desagregação vivenciada pelos excluídos. Daí resulta a aproxi-mação com a música negra norte-americana. O jazz e o blue assomam com

frequência como a estabelecerem o diálogo que a História tentou cortar.

Um diálogo que se torna mais forte e fecundo após a independência do país

em 1975, a despeito das frustrações que também se fazem sentir no quoti-diano do cidadão e estão sinalizadas no trabalho do poeta. Do jazz e do blue, Craveirinha incorpora o legado do ritmo apoiado no vir-

tuosismo poderoso dos contrastes expressos na força das imagens inespera-das, das antíteses espelhando a riqueza desgovernada do canto que procura

reinventar a vida onde ela parece interditada. Os volteios, as repetições, os

jogos sonoros são trazidos para o texto, confirmando a adesão a um univer-so de valores que, localizado num solo definido, não se exime de buscar

correspondência com outros sistemas culturais. Dessa maneira, ao lado

de Daíco e Fani Fumo, dois dos grandes nomes da música popular

moçambicana, aparecerão Dizzie Gizlepie e Bessie Smith, numa

indicação de que a noção de pureza cultural é nota sem sentido na

dinâmica que as trocas culturais podem instaurar desde que impulsio-

nadas pela força das identidades. Desse modo, o fenómeno da apro-

priação ganha legitimidade, porque abre espaço para a revitalização

de formas e sentidos.

A ampliação do universo de José Craveirinha, esse escritor tão identificado

com sua terra e suas gentes, se revela ainda mais intensamente em Maria,

quando os textos traduzem a densidade de um exercício poético no qual

interfere o processo fino da maturação de tantas vivências. No construído

diálogo com a mulher recordada em cada poema montam-se as cenas que o passado é também resgatado para dar conta da explicação do presente, fra-

gilização pelo vazio que a solidão multiplica.

Rita Chaves — Brasil Continuação — José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade

Page 7: Revista Literatas

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FICHA TÉCNICA

Poesia

Antes da moeda do corpo Ao capital da alma Antes da luz no mar da memória E da pedra & vento na erosão do rosto Éramos no verão da terra A semente sem primavera Éramos a exclamação Do lon na lonjura Dando Pernas aos montes E braços às montanhas Dando face & sentido

Às dunas do mar alto Que respiram as coxas os seios o sexo de Sahel

A Cesariana dos Três

Continentes

No cimo do tambor continuar brincando, queria, mas não, Cantar o belo, mas as mãos, os olhos, a carne? (quanto sofre a carne inconfor-mada) ter olhos passando tempo pelo imediato, eu passo por aqui, sempre (como não encontro o infinito) a angústia no caso que não há. Como romper, rasgar para essa lua entrar, que luz? Aonde o sol e o tempo para soltar a voz, a fórmula do amar à força de estar, quem entende? Oh, discreto riso, suave tristeza, olho molhado, olhando-se, amor fardado (falhado?) o que será dessa música sanguínea?

Ana de Santana- Angola

Música Sanguínea O Eco do Pranto Agnelo Regalla -Guiné-Bissau

Não me digas Que essa é a voz de uma crian-ça Não... A voz da criança É suave e mansa É uma voz que dança... Não me digas Que essa é a voz de uma crian-ça Parece mais Um grito sem esperança Um eco Partindo de fundo de um beco Não me digas Que essa é a voz de uma crian-ça, Essa é doce e mansa É uma voz que dança... Esta parece mais Um grito sufocado sob um manto - O Eco do Pranto.

Corsino Fortes- Cabo Verde

A pedra brutamente cortada brutamente transportada brutamente transformada brutamente assentada brutamente cinzelada brutamente esculpida brutalmente polida na pedra bruta remanesce. (Inédito)

Bruta

Pedro Du Bois -Brasil

(ao José Craveirinha) Escreveste e toda a tua vida se tornou um livro. As páginas das nossas mãos são o rio de tuas palavras.

Choveu, tu não pediste protecção. A tua boca encheu-se de raízes e nós fomos camponeses lavrando entre sonhos e parágrafos.

Sangraste mas escondeste a ferida, recolheste a dor e cantaste.

Agora ninguém mais encerra os poços onde bebeste.

Eterna e a água. Breves são os lábios que nela humedecem.

22.10.1983

Poeta

Mia Couto - Moçambique

“ Mesmo exibindo artes de calemburismo lexical ou hábeis enxertias de sintaxe, não rejeitamos ser herdeiros por direito de usufruto da língua portuguesa. Politica de politicastros à parte, a verdade é que nos custou maningue caro e está bem caro o direito de falarmos e escrevermos em português, mas… com uma expressão moçambicana, ou angolana, ou guineense, ou cabo- -verdiana, ou são-tomense, ou timorense”.

José Craveirinha-Moçambique

Outras Margens

Page 8: Revista Literatas

Ambição

Minha e da Maria

foi termos uma casa nossa

onde nos contarmos os cabelos brancos.

Sonho realizado

Casa definitiva já temos.

Lote 42.

Talhão 71 883.

Fachada pintada a cal.

Clássica arquitectura rectangular.

Uma via asfaltada com um único sentido.

Tudo sito no derradeiro bairrismo

que é morar no bairro de Lhanguene.

Pelo menos envelhecer já não é problema.

O resto na altura mais propícia

Surgirá por si.

Parece que está por pouco.

Na lista onde eu consto

É justo que tarde

Estarmos juntos.

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Invocação

Calane da Silva vai palestrar na Universidade de Dar-es-Salam

A nossa casa

José Craveirinha e sua esposa, Maria

Ausência

Mais feliz do que eu

nossa mútua ausência

a ti minha esposa

já não te dói.

Enquanto é meu quotidiano

mentir a mim próprio

Que me faço

artefacto vivo

ainda.

Ambos

juntos na mesma memória

Eu

o Zé que não te esquece

Tu

a Maria sempre lembrada.

Memória dos dois

Extenso dia taciturno de nuvens.

nas ramadas passarinhos de mágoa

lacrimejando chilros. Um abraço

policromo de flores

perfumando

de profundis

de coroas.

Tão duro assim lacónico

nosso adeus de rosas, Maria.

De Profundis

Nostalgias de Maria

são já o posfácio

de um Zé Póstumo

em única

edição.

Capa: Anónimo.

Tiragem: Este exemplar.

Posfácio

Poemas dedicados a Maria

Page 9: Revista Literatas

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Exaltação Japone Arijuane

Page 10: Revista Literatas

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Exaltação Amosse Mucavele

Ao Madala José Craveirinha

M adala Craveirinha

(As luzes dos ditos heróis nacionais murcham na cripta das

lágrimas do teu povo

(O espelho que reflecte os percursos e as cores da cidade pulu-

lam nas mãos de um suburbano

(Madala)

(As acácias já não florescem na alegre torcida dos karingana ua karingana dos tsongas.

mas morrem num infalível tiroteio a seu aberto da urina destes estrangeiros de nós

mesmo. de vozes nauseabundas que transportam o lixo doméstico para a banda sonora

das avenidas que não nos conhecem

(o lixo virou luxo nacional)

Madalouuuuuuuuuuuu

Quem escuta e quem entende a música do Kim Il Sung, Ahmed Sekou Touré, e Karl

Marx? E o Maguiguana, o Ngungunhane, o Zilhalha quando é que irão passar a sua

classe que ainda anda desclassificada nas avenidas desta cidade?

(Chora o povo a cada rufar do batuque musicado no vazio dos discursos vazios, nas margens da cidade.

ONDE

(O rio de lágrimas flameja nos telhados de madeira e zinco dos nossos Lhamankulo,Tlhavane e Mafalala bêbedos do alcatrão que derrete

nos partos á cesariana das universidades isentas de universalidade em constante crescimento no atraso,

sentido - para baixo e para trás

(onde chupa-se livros como caixas de ressonância e não se amamenta do leite da vida) quantos pensadores formados? Apenas licencia-

dos! Que continuam a pastar o seu mestrado na rua, a espera da boleia, chegará? O desemprego é o primeiro autocarro que segue a frente

da carroça cheia de maçaroca.

Madala

Aqui nada mudou desde o ano em que a mudança foi feita a força. Tudo piorou para o pior.

Agora o povo já não tira partido na neocolonialização hasteada nas ideias (não no ideal) do partido.

A estrada que separa o norte do sul continua a mesma a N1.a única. Assim que choveu a água uniu o fio que nos separava a catanada

E agora o País ficou amputado pela força da água das chuvas, sem moletas, tal como o arrozal do Chokwé, o ananazal do Muchungué

condenados a morte lenta, atenta ao olhar nú da epopeia 50 vezes menor as suas promessas.

Madala

Em Quelimane eles foram lá todos, invadiram a cidade, mas não conseguiram engravidar o povo, pois o povo já não dorme completa-

mente, e esqueceram-se que toda a mulher atinge a menopausa aos 50 anos.

Madala

Agora tudo mudou, tudo é cantado até Auto estima, a polícia já não exige o B.I a pergunta que se faz a seguinte:

Você faz parte de que geração?

QUEIXA TÓRIO INFALÍVEL A UMA ALMA VISÍVEL

Page 11: Revista Literatas

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Homenageando a mãe dos poetas moçambicanos,

Noémia de Sousa

Page 12: Revista Literatas

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Ensaio Rita Chaves — Brasil

A dor da perda pessoal compõe com as notas do descanto colectivo uma melodia

dilacerada, totalizada pela insolubilidade da ausência da parceira. Quando, anos

antes, o adversário ameaçador era o regime colonial que o manteve preso, impondo

o risco da desagregação à vida familiar, os versos deixavam transparecer, com a

revolta, a convicção de que era possível e preciso resistir:

―Havia uma formiga

compartilhando comigo o isolamento

e comendo juntos. Estávamos iguais

Com duas diferenças;

Não era interrogada

e por descuido podiam pisá-la.

Mas aos dois intencionalmente

Podiam pôr-nos de rastos

Mas não podiam ajoelhar-nos.’’ (14)

Agora o inimigo maior é a ―Grande Maldita’’(15) que levou Maria, condenando-o

a um canário caracterizado pelo pó cobrindo as coisas e pela ausência de qualquer

hipótese de luz. Diante do inevitável, todas as noções se desfazem: o ser perde-se

na incapacidade de lidar com o tempo e o espaço por onde se movia.

No confronto com esse inimigo odiado, essa ―fera sem forma’’, o poeta encerra-se

na solidão e o distanciamento que permitiria ver melhor também lhe sequestra a

intimidade com o familiar. A banalidade do quotidiano fabrica o estranhamento:

―Fio de linha branca.

Na mesinha-de-cabeceira

Teu compassivo olhar.

Vou passajando abstracto.

Pica-me o dedo a agulha.

Nas minhas pretas peúgas rotas

São reais as sarcásticas

Gargalhadas de linhas brancas‖.(17)

Nas coisas triviais, nos actos repetitivos do dia-a-dia, o trabalho

poético insiste em recolher os pedaços para refazer os mundos

que a poesia quer espelhar: ―Em meus livros

cinzentos buços denunciam

desditoso abandono.

(...)

Paciência, Zé,

me insinua este sudário

de poalha nos livros.’’(18)

Nessa espécie de roteiro retrospectivo que os poemas compõem,

vive algo que vai além da dor individual. A experiência do sofri-

mento, captada pela capacidade criativa da linguagem lírica,

supera as margens da pena pessoal e incursiona pelo terreno dos

limites do homem diante da morte. Na enumeração dos objectos

desorganizados pela falta de quem lhes assegurava ordem e senti-

do, na montagem das imagens recortadas pelo moldes do desâni-

mo e da angústia, na descrente procura de um significado para os

dias que, implacáveis, se sucedem, espelha-se, mais que o sofri-

mento pessoal, o drama da condição humana, a pena do homem

em confronto com o irreversível, com inexorável da finitude da

vida. O poeta sente-se só com a consciência de que nem mesmo a

capacidade fabuladora da linguagem pode remediar o absurdo da

situação que tem que enfrentar.

Desconfortável na perdida intimidade com as coisas, o corpo

transfere para a memória a faculdade de recompor o mundo. E

ela vai buscar a companhia de seres que povoando o imaginário

do poeta enriqueceram o seu universo tão seguramente calcado

nas matrizes africanas. Convicto de que ―o poeta é sempre os

outros’’, como afirmou numa entrevista ao escritor e jornalista

Nelson Saúte, Craveirinha aceita a companhia de representação

da música, do cinema, da literatura, de todas aquelas formas de

vida que respondem à necessidade de fantasia do homem. E, nes-

se momento, as muitas possibilidades de encontro seduzem-no

como um movimento compensatório, a driblar o isolamento

imposto pelas circunstancias do presente. Se a escrita converteu-se

em forma de resistência, nesse momento de tormento pessoal, também

a leitura transforma-se em fonte de energia e saltam nas páginas as referências aos que vêm acompanhá-lo na duríssima lida do quotidiano: ―No verão

ou no inverno

fiel espera-me um jantar irrefutavelmente frio.

Vou ter com Dostoiewski

e janto quente.’’ (19)

Ao escritor russo, virão juntar-se muitos e muitos nomes, emer-

gindo de matrizes variadíssimas ratificando a certeza de que o

mundo da arte se pode abrir a fecundos contactos. Com Jorge

Amado, Soeiro Gomes, Hemingway, Steinbeck, convive no palco

que sua memória recupera a luminosidade dos astros do cinema,

essa imbatível usina de fantasia. E ele convoca Ava Gardner, Liz

Taylor, Buster Keaton, Richard Burton, todos intervindo nas his-

tórias de que se alimenta a sua própria. O fundamental, no entan-

to, é que tal evocação nem de longe se confunde com qualquer

cedência à alienação. Rejeitando com altivez o lixo que o merca-

do globalizado insiste em servir, a poesia revitaliza-se no contac-

to com os valores que se tornaram património dos que apostam

na beleza como forma de superar o desânimo e o conformismo.

Mesmo que os tempos também no plano colectivo sejam de mui-

ta aspereza, como traduzem os poemas reunidos em «Babalaze

das hienas», publicados em 1997. Na linguagem crua que a hora

exige, o poeta mergulha no mundo instituído pela guerra que

arrasou seu país.

Nesse novo tempo de ―homens partidos’’, para criar citar o belo

verso de Carlos Drummond de Andrade, Craveirinha empenha

seu talento e sua sensibilidade no desvendamento de um mundo

de horror, não hesitando em descrever a crueldade dos sinais que

evidenciam a pungente desagregação. Segundo Fernando Marti-

nho, o poeta retoma o caminho do jornalista, assumindo-se como

um narrador a quem cabe o ofício de noticiar a desgraça reinante.

(20)

Continuação — José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade

Page 13: Revista Literatas

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Ensaio Rita Chaves — Brasil

―Uivam

as suas maldições

as insidiosas hienas

própria sanha

Rituais

de tão escabrosa gulodice

que até nos esfomeados

aldeões da tragédia

a gula das quizumbas

se baba nas beiças

das catanas

dos machados.’’ (21)

Incansável na luta contra o colonialismo, Craveirinha ergue seu canto

agora contra a nova escuridão que insiste em vitimar os que não podem

escolher os caminhos. As catanas, os machados, as balas, as rajadas, as

explosões, as minas compõem o menu dessa orgia de destruição que

segue asfixiando a vida. Secos e ásperos, seus versos guardam, contudo,

o frescor do compromisso que nem mesmo o cansaço e uma boa dose do

desencanto fizeram desbotar.

Ao abraçar o mundo dos mitos e símbolos, como vimos nos muitos poe-

mas de Maria, Craveirinha não foge ao universo do concreto, mantendo-

se atento ao que se passa ao lado das paredes de sua biblioteca, transfor-

mada em sala de convívio com os nomes que a memória retém. A vitória

contra o colonialismo parece lhe conferir serenidade para recuperar

alguns dos signos utilizados sem cerimónia pelo sistema que discrimina-

va e excluía. Assim é que o mitificado Camões se dissocia da ―estátua

do Sr António Enes’’ e do tal dia da raça, a que o poeta alude em

―Incladestinidade’’(22), para se tornar ―o dos Lusíadas‖, inserido então

na linhagem dos que merecem a sua imensa admiração. Ainda que a

―próspera colónia, ’’onde nasceu o poeta, tenha passado a ser vista como

o ―país pobre’’ onde ele agora vive, a libertação, pela qual empenhou-se,

libertou-o também para escolher os heróis a quem deseja saudar, permi-

tindo-lhe ainda libertar paixões às vezes esmagadas pela força da opres-

são externa. Nesse contexto, a própria lembrança de Maria se mistura ao

elenco dos nomes sacralizados por outras formas de amor:

É quando se me incrustaram nirvana E a evocação dos sagrados nomes

Em nossas almas inesquecem Como por exemplo quando digo:

Olá, mestre Cervantes o do Quixote de la Mancha Olá, Miguel Angelo, o

da Pietá. Olá, Luís de Camões o dos Lusíadas Olá, Drummond, olá,

Manuel Bandeira e ola, Graciliano Ramos o trio avançado no time do

tiradentes E Olá, Pablos: o do Chile, outro da Guernica e outro do vio-

loncelo. Olá, ilustre Charles Gounod O da Ave-Maria. Ou ... Olá, insig-

ne Duke Ellington o de uma Cabana no Céu. E também Olá, mano

Gabriel García Marques O dos Cem Anos de Solidão. E neste meu desa-

bafo Ergo minha mais justa confissão: - Olá, querida Maria Imerecida

esposa toda a vida De um tal Zé Craveirinha.’’(23)

Pela diversidade dos signos culturais pode-se reconhecer a disponibilidade

para a comunhão que caracteriza a visão de um homem que os apertados

limites da sociedade colonial não conseguiram turvar. Revigorado na sua

incansável batalha contra as hienas que se embebedam ―na pândega das

metralhadoras’’(24) José Craveirinha no extraordinário exercício da escrita

capta com vigor a intensa multiplicidade dos matizes de que a vida se

reveste, a despeito de tanta ―renúncia de homens quase vivos’’(25). No

pacto estabelecido, contra a ―afiada gramática das facas’’(26) o escritor

impõe a graça do seu verbo, sempre alimentado no diálogo com outros

verbos, com outros formas de vida. A cada passo. A cada página. E a mun-

dividência adquirida na força da experiência invulgar vai abrindo ao poeta

a possibilidade de transitar por incontáveis caminhos sem que se perca a

direcção do país que ajudou a fundar e do universo que sua poesia veio

enriquecer.

Notas

1-Cf. Formação da literatura brasileira. 2-“Ao meu belo pai ex-imigrante’’,

In. Karingana ua Karingana,p.107-10 3-―Manifesto. In: Xigubo. p. p 29-

31. 4-“Ao meu belo pai ex. - imigrante’’ 5-“Barber’ s shop, boarding hou-

se, ice cream today e outras barbaridades’’, In: Contacto e outras Crónicas.

6-“Hino à minha terra’’, In: Xigudo, pp. 16-9) 7-Cf. Literatura de dois

gumes’’, In: A educação pela noite & outros ensaios. 8-―Mulata Margari-

da’’, In: Xigubo, p.37. 9-―Grito negro’’, In: Xigudo, p.9. 10- Cf. Obras

escolhidas. 11- In: Karingana ua Karingana, p.111-3 12- ―Do sustenido

para Daíco’’, In: Karingana ua Karingana, PP.111-3 13-Passagem extraída

da entrevista por mim realizada em Fevereiro de 98 na casa do poeta em

Maputo. 14-―Aforismo’’ In: Cela1, pp 16.. 15-―A Grande Maldita’’, In

Maria, p. 103. 16-―Tempo‖, In: Maria,p.236 17-―A linha’’, In: Maria,

p.151. 18-―A poalha’’, In: Maria, p. 190. 19-―Dostoiewski’’, In: Maria

(1988).p.62 20-“Prefácio’’, In: Babalaze das hienas, pp. I- V. 21-“Gula’’,

Idem.p.22. 22-In: Cela 1,p.85. 23-―Olá, Maria’’, In: Maria.p.115-6 24-

―Babalaze na linha de caminho de ferro’’, In Babalaze das hienas. p 39. 25

-―Porta’’, In: Babalaze das hienas. P. 41. 26-―Abecedário’’, In: Babalaze

das hienas. P.41.

Referências Bibliográficas:

1-Benjamin, Walter.Obras escolhidas.3ed. São Paulo, Brasiliense, 1987. 2-

Cándido, António. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo, Áti-

ca,1987. 3-Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 ed.

Belo Horizonte, Itatiaia,1981. 4-Craveirinha José. Babalaze das hienas.

Maputo, Associação dos escritores Moçambicanos,1997. 5-Cela1. Lisboa /

Maputo, Edições 70 / Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1980. 6-

Contacto e outros crónicas . Maputo, Centro Cultural Português, 1999. 7-

Karingana ua Karingana. Lisboa / Maputo, Edições70 / Instituto do livro e

do Disco,1982. 8- Maria. Maputo, Ndjira,1998 9-Xigubo. Maputo, Asso-

ciação dos escritores Moçambicanos, 1995.

Continuação — José Craveirinha: A Poesia Em Liberdade

Page 14: Revista Literatas

S E X T A - F E I R A , 1 7 D E F E V E R E I R O D E 2 0 1 2 | L I T E R A T A S | L I T E R A T A S . B L O G S . S A P O . M Z | 1 4

Voz Activa

O número de utentes das bibliote-

cas municipais de Chibuto e

Chókwè, em Moçambique,

aumentou mais do dobro, entre

os anos 2009 e 2011, período ao longo do

qual a AIDGLOBAL tem vindo a colaborar

com os respectivos municípios e outros par-

ceiros locais, no que se refere ao equipamen-

to e reforço dos fundos das bibliotecas. No

âmbito do programa ―Passaporte para a Lei-

tura‖, a AIDGLOBAL renovou, em 2011, a

sua determinação em trabalhar na área das

bibliotecas, de forma a reduzir os níveis de

iliteracia e aumentar o acesso ao livro. Para-

lelamente, a 2ª edição do projecto

―Infoinclusão na Província de Gaza‖ permi-

tiu, ao longo de 2011, a oferta de material

informático às bibliotecas escolares.

AIDGLOBAL aumenta níveis de literacia em Chibuto e Chókwè

nos últimos dois anos, conseguindo-se,

assim, cumprir com o seu objectivo pri-

mordial. Agosto e Novembro de 2011

foram os meses, nos quais mais utentes

solicitaram livros emprestados à biblio-

teca do Chibuto, num total de 379 títu-

los. Nos mesmos meses de 2010, o

número de requisições era de 208 e 256,

respectivamente, e, em 2009, de 142 e

117. O aumento foi ainda maior na

biblioteca municipal de Chókwè, onde o

número de empréstimos passou de 32,

em Novembro de 2010, para 1422, no

mesmo mês de 2011. A AIDGLOBAL

congratula-se por estar a contribuir para

o incremento do acesso à informação e

cultura, por parte das populações de

Chókwè e Chibuto.

De acordo com os dados disponibilizados pelo responsável

do projecto em Moçambique, Hugo Jorge, o número de

requisições de livros em ambas as bibliotecas tem duplicado,

Aumento Exponencial de Utentes nas Bibliotecas de Chibuto e Chókwè entre 2009 e 2011, o número de

requisições nestas bibliotecas aumentou mais do dobro, indica a AIDGLOBAL.

Conto A insatisfação dos antepassados

Dany Wambire — Beira

Q uando o dirigente máximo visitou a comunidade do Regulado, para se

inteirar dos seus inúmeros problemas, também foi informado de um

quase secular. O assunto já se tinha discorrido nos pensamentos de

quase todos os administradores do Regulado.

Ao administrador o assunto soou-lhe como um exclusivo segredo proferido com

uma voz ardente, carimbada de mágoa, por causa do cenário sistemático, o velho e cróni-

co problema do conflito homem-boi e boi-machamba.

O dirigente máximo, que quase ficou assarapantado com a preocupação, prome-

teu estudar e responder, a breve espaço temporal, à apoquentação da população. Mas,

enquanto muitos partilhavam e assopravam a revelação do assunto ao senhor administra-

dor, alguns replicavam, em voz baixa, com palavras nefandas para os molestados.

― Mas de que estão a falar estes pobres! O mambo é que tem bois!

Na verdade, o senhor administrador não precisou de adiar a solução, pois tam-

bém se informou com os populares de que os animais se desforravam dos homens e das

machambas, porque os seus proprietários se mantinham renitentes à construção de cur-

rais para bois.

Então, o representante do Presidente da República no distrito ordenou, no dia

seguinte, o corte de estacas, a compra do arame farpado e a construção dum curral

comum, tão longe das machambas como das casas. O dinheiro, para tudo isso, disseram-

me que se ia arrancar dos famigerados sete milhões. O dinheiro que se tinha confiado aos

distritos, para produção de comida, criação de emprego e incremento da renda.

Nos dias seguintes, portanto, o administrador, através dos seus subalternos servi-

dores, mandou fazer o curral.

No primeiro dia, os muleques do mambo, armados de catanas, machados e ala-

vancas, abriram covas, para espetarem algumas estacas, para suporte dos arames. Espe-

ravam espetar as outras estacas, nos dias seguintes.

No segundo dia, voltaram ao local e ficaram assombrados, com o cenário: as

estacas, que tinham fixado nas covas, estavam fora delas, e as covas estavam tapadas,

como se não tivessem sido feitas. E nem sequer havia indícios de vandalização. Acha-

ram por bem abrir novas covas, e logo depositar nelas todas as estacas. Assim fizeram,

esperançados no fim do problema.

Ao terceiro dia, regressaram os obreiros, para levar por diante os trabalhos

do majestoso curral separatista. Mas, também desta vez, encontraram as estacas fora,

e as covas novamente encerradas. Presumiu-se que algo de anormal ali sucedia. Mes-

mo assim, teimosamente, insistiram, mais uma vez: abriram as covas, recolocaram

nelas as estacas e, por meio de pregos, entrelaçaram os arames. Labutaram, azafama-

dos, para acabarem o trabalho, no mesmo dia, e evitarem a precoce vandalização.

Terminada a espinhosa construção, os pastores foram evacuando os bois e as

vacas, para o recém-edificado curral. E foram levando os animais a pastar, sem qual-

quer pormenor negativo.

Mas, dias depois, os pequenos pastores voltavam, atabalhoados, com o medo

a subir-lhes pelos cabelos. Fugiam das assustadoras pegadas dos mbondoros, que já

tinham devorado dois bois.

O susto instalou-se nos pastores e nos proprietários dos animais. E

logo se recordaram do crasso erro, que se tinha cometido: ninguém devia, em

qualquer mata, edificar qualquer empreendimento, sem a devida anuência dos

antepassados.

Então, para atenuar a situação, prepararam dhoro, vinho e utchema, e

dirigiram-se, para a mata, para o local das súplicas de remissão dos pecados.

Finda a cerimónia, os pastores voltaram ao curral, e nunca mais houve nenhu-

ma outra ameaça.

Page 15: Revista Literatas

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Concursos PRÉMIO LITERÁRIO KARINGANA WA KARINGANA UNIVERSIDADE DO MINHO

O "Prémio Literário Karingana Wa Karingana - Univer-

sidade do Minho" tem por objectivo incentivar a escrita

criativa em língua portuguesa em Moçambique e destina-

se a galardoar uma obra inédita sob a forma de conto, de

novela ou de um conjunto de contos.

Podem candidatar-se ao Prémio os estudantes nacionais

finalistas da 12ª Classe do Ensino Pré Universitário nos

anos 2010 e 2011, e que comprovadamente tenham fre-

quentado este ciclo de estudos em Moçambique.

Regulamento:

Artigo 1º (Promotores)

A KARINGANA WA KARINGANA Associação, com sede em Lisboa, e a UNIVERSIDADE DO MINHO, com sede em Braga, com o apoio do Ministério da Educação de Moçambique e da Fundação Carlos Lloyd Braga, promovem o ―Prémio Literário Karingana Wa Karingana - Uni-versidade do Minho‖.

Artigo 2º (Objectivo)

O ―Prémio Literário Karingana Wa Karingana - Universidade do Minho‖, tem por objectivo incentivar a escrita criativa em língua portuguesa em Moçambique e destina-se a galardoar uma obra inédita sob a forma de conto, de novela ou de um conjunto de contos.

Artigo 3º (Candidatos)

Podem candidatar-se ao Prémio os estudantes nacionais finalistas da 12ª Classe do Ensino Pré Universitário nos anos 2010 e 2011, e que comprovadamente tenham frequentado este ciclo de

estudos em Moçambique.

Artigo 4º (Publicitação)

O Prémio será publicitado e divulgado pelo Ministério da Educação de Moçambique, junto de todas as Escolas Secundárias de Moçambique, pelos meios que tiver por convenientes, até final de Novembro de 2011.

Artigo 5º

(Valor do prémio)

O prémio a atribuir será constituído por: a) Uma bolsa de estudos para a realização de estudos de licenciatura em Portugal, na Univer-sidade do Minho, por um período de 3 (três) anos; b) A edição conjunta das 3 (três) melhores obras a concurso e de um conto escrito por Mia

Couto.

Artigo 6º (Objecto)

1) Cada concorrente elaborará o seu texto tendo como linhas iniciais as escritas por Mia Couto tal como transcrito no ponto 3) deste artigo; 2) A obra terá de ser individual, original e redigida em português, podendo conter expressões

em outras línguas (devidamente explicadas em glossário); 3) Texto de Mia Couto em itálico e entre aspas: ―O livro que fechou a menina Marília fechou o livro escolar como quem encerra as duas partes do mundo. As mãos pequenas alisaram a capa com tristeza de despedida. A menina sabia que, junto com o livro, se cerravam as portas do tempo. - Mas, pai, não dá para prosseguir mais um ano? - Está a ver o que dá a escola? Agora, já pensa que tem escolha… - Mas o professor pediu…

O pai ergueu a mão como se as palavras não bastassem para exprimir a sua indignação. O que mão dele dizia era simples: Marília que ficasse calada, no lugar de silêncio que lhe competia. Depois, ainda azedou: - Esse professor pediu para falar comigo? Que abusos são esses, o que quer este homem da minha filha? - Ele não quer de mim, ele quer de si, pai. O professor acha que eu devia continuar os estudos. Quer pedir que o senhor não me mande interromper a escola. - Pois esse professor vai ver. Vou denunciá-lo na administração. E você é muito burra, não vê

as intenções que este homem tem consigo? Marília contemplou o livro pousada na mesa. E de repente, lhe pareceu que as mãos do livro é que a tinham fechado a ela. Para sempre.‖

Artigo 7º (Características da obra)

a) Os textos deverão ser apresentados por escrito, sob pseudónimo, deverão ter um mínimo

de 30 folhas e um máximo de 60 folhas formato A4 (210 x 297mm), apenas frente, espaço 1 ½ entrelinhas e letra Times New Roman, tamanho 12; b) Deverão ser enviados 6 (seis) exemplares em papel, assim como uma cópia em suporte electrónico (que poderá ser enviada via correio electrónico, protegida contra alteração.

Artigo 8º

(Processo de envio)

Forma de apresentação:

a) As obras a concurso – trabalho dactilografado – devem ser encerradas em envelope

opaco e fechado, no rosto do qual deve ser escrita a palavra «Obra»;

b) Em envelope com as características indicadas na alínea anterior, no rosto do qual

deve constar a identificação, morada e pseudónimo do concorrente, devem ser incluídos

documentos que contenham os seguintes elementos:

1. Fotocópia do Bilhete de Identidade;

2. Indicação de morada, nº. de telefone e e-mail;

3. Indicação do Estabelecimento de Ensino e número de aluno;

4. Declaração de renúncia a qualquer pagamento a título de direitos de autor, no caso de

a obra vir a ser publicada pela ―Karingana Wa Karingana‖ ou por a quem esta ceda os

direitos de publicação;

c) No caso de se tratar de concorrente menor é obrigatória a apresentação de uma

declaração assinada pelos pais ou por quem detenha a tutela do participante, autorizando a

sua participação no concurso e expressando o seu acordo com o presente regulamento.

Esta declaração deverá ser acompanhada por cópia bem legível dos pais ou tutor(es) do participante;

d) Os envelopes a que se referem as alíneas anteriores são encerrados num terceiro,

igualmente opaco e fechado, que se denominará «Invólucro exterior», para ser remetido

sob registo ou entregue pessoalmente, contra recibo.

e) Os trabalhos deverão ser enviados, até 31 de Maio de 2012 (inclusive) – a compro-

var pela data no carimbo do correio e/ou do correio electrónico – para:

1. ‖Prémio Literário Karingana Wa Karingana – Universidade do Minho‖ Rua Patrice

Lumbumba nº 899, Maputo, Moçambique

2. e em suporte digital, para: [email protected]

f) Os exemplares dos trabalhos apresentados não serão devolvidos aos concorrentes.

g) Serão excluídos todos os trabalhos que não respeitem as disposições deste regula-

mento.

Artigo 9º (Composição do Júri)

A atribuição do Prémio será decidida por um Júri composto por:

a) Presidente do Júri – Mia Couto.

b) Representante da Karingana Wa Karingana Associação.

c) Representante da Universidade do Minho.

d) Representante da Sociedade de Língua Portuguesa.

e) Três personalidades Moçambicanas a designar pelos promotores.

Existirá um Júri de Selecção, caso o número de trabalhos apresentados o justifique, que

será indicado pelos promotores do prémio referidos no artigo 1º.

Artigo 10º

(Deliberação do Júri)

O Prémio será atribuído por unanimidade ou, em caso de impossibilidade, por maioria de

votos; O Júri poderá não atribuir o Prémio, caso entenda que nenhuma das obras a con-

curso o justifica. A decisão do Júri é definitiva e, da mesma, não haverá recurso.

Artigo 11º

(Divulgação do premiado)

O resultado do concurso será anunciado pelo Júri na primeira quinzena de Setembro de 2012. A entrega solene do “Prémio Literário Karingana Wa Karingana – Universidade do

Minho‖ ocorrerá na Universidade do Minho no dia 17 de Novembro de 2012 (dia mundial

do estudante).

Artigo 12º

(Direitos de Autor)

a) Os participantes no concurso cedem os direitos de autor das obras a concurso, para

todo o Mundo, à ―Karingana Wa Karingana Associação‖ ou a quem esta os ceda, compro-

metendo-se o autor, ou os seus representantes legais, a assinar contratos de edição, de

acordo com legislação de propriedade intelectual, bem como os demais documentos que se revelem necessários para esse fim. No caso de publicação, a obra deve indicar ―Prémio

Literário Karingana Wa Karingana - Universidade do Minho‖.

b) Os vencedores autorizam expressamente a utilização do seu nome e da sua imagem,

com fins publicitários, em quaisquer actos de apresentação e/ou material de promoção,

que os promotores considerem pertinentes com vista à difusão do Prémio.

Artigo 13º

(Disposições Finais)

A participação neste concurso implica, de forma automática, a aceitação plena dos pre-

sentes termos deste regulamento.