Revista Linguistica v8 n1

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150 Volume 8 Número 1 Junho 2012 Análises Linguísticas Segundo Modelos Baseados no Uso DECAT, Maria Beatriz Nascimento. Uma abordagem funcionalista para o estudo de processos linguisticos em gêneros textuais do português em uso. Revista LinguíStica / Revista do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume 8, número 1, junho de 2012. ISSN 1808-835X 1. [http://www.letras.ufrj.br/poslinguistica/revistalinguistica] UMA ABORDAGEM FUNCIONALISTA PARA O ESTUDO DE PROCESSOS LINGUÍSTICOS EM GÊNEROS TEXTUAIS DO PORTUGUÊS EM USO Maria Beatriz Nascimento Decat (UFMG) 1 RESUMO Neste trabalho procuro mostrar que os aspectos que distinguem um gênero de outro não são só formais, mas também funcionais. Considerando a forma como efeito da função, proponho uma forte correlação entre fatos gramaticais e aspectos pragmáticos da situação em que os gêneros se materializam. Assumindo a importância da função sociocomunicativa das escolhas linguísticas pelo usuário da língua, defendo que o estudo conjunto das propriedades sintáticas e textuais colabora para o entendimento e a caracterização do gênero. PALAVRAS-CHAVE: gênero textual; funcionalismo; propriedades sintáticas e textuais; forma/ função; figura/fundo. INTRODUÇÃO Já há algum tempo percebe-se, nos estudos linguísticos que trabalham com a interface Funcionalismo/ Linguística Textual, um consenso quanto a considerar-se o gênero textual como determinante das estruturas linguísticas materializadas num texto. As diferentes práticas sociais a que estamos sujeitos em nossas atividades de interação proporcionam a variabilidade língua, o que acaba por levar a uma variedade de gêneros textuais, cuja identificação apresenta-se, às vezes, difusa e aberta. A distinção entre um gênero e outro não é predominantemente linguística, mas calca-se em aspectos funcionais e pragmáticos. Isso não significa desprezar os aspectos de natureza linguística nos estudos sobre os gêneros. Ao contrário, a reflexão sobre o comportamento de alguns processos e mecanismos linguísticos em diferentes gêneros ─ e isso é o que o presente trabalho objetiva mostrar ─ poderá levar à descoberta de uma possível correlação entre os fatos linguísticos (gramaticais) e os aspectos pragmáticos da situação em que se realiza determinada atividade verbal, o que está, de certa forma, de conformidade com a postulação de Hopper (1988), dentre outros, segundo a qual o gênero determina a forma do discurso. Para tanto, ressalte-se a importância de uma abordagem funcionalista para o estudo dos mecanismos/processos da língua em uso, considerando, como já dito acima, a variabilidade da língua (na dimensão do sistema) e a variabilidade dos textos, no contínuo dos gêneros textuais. 1. Doutora em Linguística pela PUC/SP; Professora Adjunta, docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguís- ticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais; [email protected]; (31) 3296-4125; 3344-3367.

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Abordagem Funcionalista Para o Estudo da linguagem

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  • 150Volume 8 Nmero 1 Junho 2012Anlises Lingusticas Segundo Modelos Baseados no Uso

    DECAT, Maria Beatriz Nascimento. Uma abordagem funcionalista para o estudo de processos linguisticos em gneros textuais do portugus em uso. Revista LinguStica / Revista do Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume 8, nmero 1, junho de 2012. ISSN 1808-835X 1. [http://www.letras.ufrj.br/poslinguistica/revistalinguistica]

    Uma abordagem fUncionalista para o estUdo de processos lingUsticos em gneros textUais do

    portUgUs em Uso

    Maria Beatriz Nascimento Decat (UFMG)1

    resUmoNeste trabalho procuro mostrar que os aspectos que distinguem um gnero de outro no so s formais, mas tambm funcionais. Considerando a forma como efeito da funo, proponho uma forte correlao entre fatos gramaticais e aspectos pragmticos da situao em que os gneros se materializam. Assumindo a importncia da funo sociocomunicativa das escolhas lingusticas pelo usurio da lngua, defendo que o estudo conjunto das propriedades sintticas e textuais colabora para o entendimento e a caracterizao do gnero.

    palavras-chave: gnero textual; funcionalismo; propriedades sintticas e textuais; forma/funo; figura/fundo.

    introdUoJ h algum tempo percebe-se, nos estudos lingusticos que trabalham com a interface Funcionalismo/Lingustica Textual, um consenso quanto a considerar-se o gnero textual como determinante das estruturas lingusticas materializadas num texto. As diferentes prticas sociais a que estamos sujeitos em nossas atividades de interao proporcionam a variabilidade lngua, o que acaba por levar a uma variedade de gneros textuais, cuja identificao apresenta-se, s vezes, difusa e aberta. A distino entre um gnero e outro no predominantemente lingustica, mas calca-se em aspectos funcionais e pragmticos. Isso no significa desprezar os aspectos de natureza lingustica nos estudos sobre os gneros. Ao contrrio, a reflexo sobre o comportamento de alguns processos e mecanismos lingusticos em diferentes gneros e isso o que o presente trabalho objetiva mostrar poder levar descoberta de uma possvel correlao entre os fatos lingusticos (gramaticais) e os aspectos pragmticos da situao em que se realiza determinada atividade verbal, o que est, de certa forma, de conformidade com a postulao de Hopper (1988), dentre outros, segundo a qual o gnero determina a forma do discurso. Para tanto, ressalte-se a importncia de uma abordagem funcionalista para o estudo dos mecanismos/processos da lngua em uso, considerando, como j dito acima, a variabilidade da lngua (na dimenso do sistema) e a variabilidade dos textos, no contnuo dos gneros textuais.

    1. Doutora em Lingustica pela PUC/SP; Professora Adjunta, docente permanente do Programa de Ps-Graduao em Estudos Lingus-ticos da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais; [email protected]; (31) 3296-4125; 3344-3367.

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    Variadas e recentes, as discusses em torno da categoria gnero textual, levadas a efeito em diferentes campos da lingustica e em documentos que parametrizam o ensino da Lngua Portuguesa, costumam questionar o peso da dimenso formal/estrutural na descrio dos gneros, considerando as observaes gramaticais irrelevantes para o tratamento dessa categoria e voltando o foco de ateno para a funo comunicativa do gnero. Ora, embora as consideraes que aqui fao estejam centradas na forma mas no exclusivamente , meu interesse recai na relao forma/funo, partindo do princpio de que a forma efeito da funo. Assim que reivindico, como feito acima, a relevncia dos estudos funcionalistas para a caracterizao dos gneros. Tal abordagem terica permitir detectar que as formas recorrentes num determinado gnero, ou em um grupo de gneros, servem caracterizao do gnero, na medida em que elas so uma decorrncia dos objetivos sociocomunicativos do prprio gnero. Fundamentam, pois, a discusso aqui apresentada, as noes preconizadas pelos funcionalistas, de modo geral, no sentido de que o discurso real que mantm a chave para a gramtica (HOPPER, 1988). Dessa maneira, perpassa por todo o trabalho a ideia de que a forma assumida por uma palavra ou expresso reflexo de sua funo num contexto de uso particular (DECAT, 1999c, p. 213). Tambm Halliday (1985) j apontava que os usos que do forma ao sistema. E nessa viso funcionalista a gramtica , ainda segundo Hopper (op.cit.), sempre provisria e incompleta, por emergir do discurso.

    Interessa, portanto, neste trabalho, abordar algumas contribuies do funcionalismo para o exame dessa categoria gnero (e dessa para aquele), atravs de uma reflexo sobre aspectos gramaticais e textual-discursivos em diferentes gneros. O objetivo mostrar que importa mais a funo sociocomunicativa do gnero, o que se revela nas escolhas lingusticas levadas a efeito pelo usurio da lngua. No entanto, ressalto, seguindo Marcuschi (2002, p.21), que preciso ter cautela quanto a considerar o predomnio de formas ou funes para a determinao e identificao de um gnero. Por outro lado, argumenta aquele autor que no se pode deixar de reconhecer o alto poder organizador das formas (MARCUSCHI, 2002, p.32), o que justifica a anlise aqui empreendida. Como afirmou Givn (1984), as propriedades sintticas nascem das propriedades do discurso. Reafirmo, portanto, a necessidade de se considerar a relao forma/funo, tendo em vista que em muitos casos so as formas que determinam o gnero e, em outros tantos sero as funes (MARCUSCHI, 2002, p. 21).

    1. Um passeio terico

    Algumas definies e postulados fazem-se necessrios neste momento. Primeiramente, esclareo que, para os objetivos aqui perseguidos, adoto, resumidas, as postulaes de Marcuschi (2002): a) gnero textual: so formas textuais concretas, textos que encontramos em nossa vida diria como por exemplo, receita culinria, telefonema, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, notcia jornalstica, horscopo, bula de remdio, , resumo, piada, lista de compras etc; b) tipo textual: construo terica cuja composio de natureza lingustica (aspectos lexicais, sintticos, tempos verbais, relaes lgicas). Essa noo abrange cinco categorias: narrao, argumentao, exposio, descrio, injuno, categorias essas que so designaes para sequncias tpicas2, mais do que textos concretos e completos (cf. MARCUSCHI, 2000; 2008); c) domnio discursivo: uma esfera social ou institucional (jurdica, jornalstica, poltica, cientfica, publicitria, instrucional, militar, familiar, ldica, etc.) na qual se do prticas que organizam formas de comunicao e respectivas estratgias de compreenso; uma instncia de produo discursiva ou de atividade humana (p.23);

    2. Segundo Marcuschi (2002), dentre os autores que defendem essa distino entre gneros e tipos textuais esto Douglas Biber (1988), John Swales (1990), Jean-Michel Adam (1990) e Jean-Paul Bronckart (1999).

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    d) constelao: relao de eventos (ou subgneros, conforme sugere Marcuschi, 2002) aos quais se atribuem nomes especficos que agrupam mais de uma forma desses eventos; classes ou agrupamentos mais gerais de gneros; conjunto das formas de realizao de um mesmo gnero. Marcuschi exemplifica com o caso da ENTREVISTA, que pode ter formas diversificadas de realizao conforme as intenes ou os propsitos sociocomunicativos: entrevista mdica = consulta; entrevista policial = inqurito; entrevista judicial = depoimento; entrevista para emprego = entrevista.

    Alm dessas definies, importa considerar, numa anlise sobre gneros textuais, alguns postulados, tais como: a) a comunicao verbal s possvel atravs de algum gnero, e atravs de algum texto, dentro de um domnio discursivo posio assumida, segundo Marcuschi, por Bakhtin (1997) e Bronckart (1999); b) os gneros textuais abrigam os tipos textuais; c) os gneros textuais so tipologicamente heterogneos por exemplo, dentro de um artigo de opinio, em que predomina a argumentao, podem ocorrer outras sequncias tipolgicas como descrio, ou at mesmo narrao, desde que essas estejam a servio da argumentao que sustenta esse gnero; d) gnero uma designao de uso, e tipo uma designao terica; e) a definio de gnero de natureza no lingustica, mas sociocomunicativa, porque vincula o gnero s prticas sociais; f) gneros e tipos textuais, na fala ou na escrita so uma consequncia do uso interativo da lngua, portanto prticas sociais.

    Feitas essas breves consideraes tericas, passo anlise de alguns textos de diferentes gneros, examinando-os em funo das escolhas lingusticas de que o usurio lana mo para atender s funes pragmticas em que o gnero emerge. No pretendo fazer uma caracterizao de gnero, mas mostrar como o estudo de aspectos formais/estruturais pode contribuir para evidenciar a relao que se estabelece entre a forma de materializao do gnero e a funo a que ele se presta.

    Assim, nas sees que se seguem vou tratar, numa abordagem funcionalista, dos elementos lingusticos, portanto, das formas. A seo 2 traz um estudo sobre iconicidade da articulao de oraes no gnero receita culinria, procurando mostrar que essa iconicidade reflexo do prprio gnero. Essa questo ser retomada na seo 3, onde trato da sequenciao tpica dos elementos constitutivos do gnero resumo e do gnero horscopo, procurando verificar, no caso do primeiro, como a organizao tpica reflete a cena ou o episdio no gnero resumo de novela; e, no segundo, como se d a materializao da nfase, do destaque, ou do relevo para fins de convencimento do leitor/interlocutor, para cuja discusso retomada a questo da articulao de oraes a servio dos propsitos comunicativos do gnero. discutida, tambm, a relao da sequenciao tpica com o mecanismo figura/fundo. Atravs do exame de textos do gnero horscopo, procuro apontar o comportamento topicalizador de sequncias nominais soltas, funcionando como fundo para a ocorrncia de oraes como figura. Finalmente, na seo 4, volto discusso da articulao de oraes a servio dos propsitos comunicativos, desta vez analisando os gneros Notas de Jornal e Anncio Publicitrio; nesta seo examinada a ocorrncia de oraes soltas, como enunciado independente, bem como sintagmas nominais soltos, recurso esse que se pode considerar um reflexo das funes comunicativas desses dois gneros.

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    2. articUlao de oraes e iconicidade no gnero receita cUlinria

    O foco de interesse, aqui, ser o da articulao de oraes, ou seja, da maneira como elas se combinam para formar, como j apontado em Decat (2001b e 2006)3 um discurso coeso e coerente.

    Observem-se os exemplos abaixo:

    (1) Musse de Chocolate de FrutasFerva leite. Junte 2 xcaras da menta. Tampe. Esfrie. Coe. Reserve. Ferva xcara de gua. Junte a menta restante. Tampe.Esfrie. Coe. Reserve. Bata gemas at clarearem. Incorpore acar de confeiteiro. Reserve. Em banho-maria, derreta chocolate na manteiga. Junte leite aromatizado e gelatina hidratada em xcara de gua. Mexa. Junte gema e clara. Mexa. Ponha nas taas. Gele. Ferva gua aromatizada com acar cristal (10 min). Esfrie. Sirva musse, frutas e calda. Para 4 pores: xcara de leite, 3 xcaras de folhas de menta, 1 e xcaras de gua, 6 gemas, 2 colheres (sopa) de acar de confeiteiro, 180 g de chocolate meio amargo, 100 g de manteiga, 5 colheres (ch) de gelatina em p sem sabor, 2 claras em neve, xcara de acar cristal, 100 g de cerejas frescas, 1 xcara de uvas sem sementes, 12 morangos, todos fatiados, 12 bolinhas de melo orange, 4 ramos de menta para enfeitar.

    (2) Frango com LaranjaIngredientes: 1 laranja, 1 dente de alho amassado, 1 colher (ch) de tomilho picado, 1 kg de frango em pedaos (peito e sobrecoxa), sal e pimenta do reino a gosto, 2 colheres (sopa) de azeite, xcara (ch) de vinho branco, xcara (ch) de caldo de galinha. Modo de preparoDescasque e corte a laranja em fatias e ponha em uma tigela. Junte o alho e tomilho e misture bem. Reserve. Tempere o frango com o sal e a pimenta e coloque-o na tigela com os temperos. Regue com o azeite, cubra com filme plstico e deixe descansar na geladeira at o dia seguinte. Transfira o frango para uma assadeira e leve para assar em forno mdio pr-aquecido at dourar. Quando o frango ficar macio, retire e reserve-o aquecido. Com uma colher, desengordure o molho que se formou na assadeira e adicione o vinho branco. Leve a assadeira ao bico de gs e deixe ferver. Junte o caldo de galinha, mexa e sirva com o frango.

    Dica: Se desejar um molho um pouco mais espesso, polvilhe farinha de trigo sobre ele e deixe-o ferver sem parar de mexer.

    No texto de (1) predominam os perodos simples (25 ocorrncias) materializados pelas chamadas oraes absolutas. Por se tratar de manifestaes do tipo textual injuntivo, prprio ao estabelecimento de orientaes, normas ou ordens, ocorrem formas verbais com valor imperativo.

    Outra faceta desse gnero a iconicidade na organizao das oraes: so aes que se sucedem no tempo e no espao, correspondendo a cada passo da receita e apontando, assim, a ordem de elaborao da iguaria.

    3. Para maiores detalhes, consulte-se Decat (1993, 1999a, 1999b, 2002a e 2005)

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    Quase todos os perodos se iniciam com o verbo, que o comando, a instruo. s vezes o perodo constitudo s do verbo (Exemplo: Reserve, Tampe, Esfrie, Coe, Mexa, etc.).No texto, somente um perodo no comeou com o verbo, mas com um adjunto adverbial (Em banho-maria), o que, de certa forma, permitiu uma espcie de descanso, de ralentamento no ritmo do fluxo informacional instrucional.

    J em (2), ocorrem perodos simples e perodos compostos (oraes complexas, nos termos de Halliday, 1985). Tambm aqui os perodos se iniciam com o verbo, exceo de Quando o frango ficar macio, retire e reserve-o aquecido, em que uma orao hipottica de realce (isto , adverbial) promove, como j apontado para (1), uma mudana de orientao no fluxo de informao. Da mesma forma, o perodo Com uma colher, desengordure o molho....branco apresenta esse recurso, sendo iniciado por um sintagma adverbial (com uma colher) que, de alguma maneira, serve de guia (guidepost, nos termos de Chafe, 1988) para o que vem a seguir, servindo, assim, ao carter injuntivo, instrucional do gnero receita culinria.

    A receita (como quase todo texto desse gnero) tem uma parte de ingredientes, constituda por uma lista, que funciona como um catlogo (gnero catlogo, ou lista). Trata-se no de uma lista qualquer, mas de uma que funciona como a base para a elaborao do prato. Em termos de relaes retricas, pode-se dizer que a lista mantm, com o modo de fazer da receita, uma relao de habilitao, nos termos de Mann & Thompson (1983) e Matthiessen & Thompson (1988). Por ser do domnio instrucional, o gnero receita culinria permite, assim, o uso de uma listagem com funo de habilitar o leitor a executar o que est proposto na receita.4

    de se ressaltar, ainda, a importncia que a repetio tem no texto dado em (1), onde se encontra a repetio exata de uma sequncia de aes, materializadas por Tampe. Esfrie. Coe. Reserve, logo aps a orao absoluta Junte a menta restante. Mais adiante, outras repeties se fazem presentes, como Reserve (por duas vezes) e Mexa (tambm por duas vezes) nesse ltimo caso separadas unicamente pela orao absoluta Junte gema e clara. Por fora da funo instrucional a que se presta o gnero receita culinria, o valor injuntivo das repeties assegura que o leitor execute de maneira adequada as aes que esto sendo propostas.

    3. a seqUenciao tpica e o mecanismo figUra/fUndo nos gneros resUmo e horscopo Muito se tem discutido sobre a considerao de um nico gnero resumo, ou de vrios gneros que materializam vrios resumos com propsitos diferenciados. Assim, tem-se, por exemplo, o gnero resumo escolar (feito para o professor), o resumo sinptico (elaborado, muitas vezes, para fins de nortear o estudo de determinado assunto), dentre muitos outros.

    Aqui vou me ocupar do gnero resumo de novela e do resumo introdutor de artigo cientfico/acadmico (como os de publicaes em revistas cientficas). Sero tratados, nesse momento, aspectos relacionados sequenciao tpica.

    3. Em Decat (2010) discutida a articulao de oraes nesse e em outros gneros, com base na Teoria da Estrutura Retrica (RST), teoria funcionalista desenvolvida por linguistas da costa oeste norteamericana.

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    Para a discusso do gnero resumo de novela so apresentados, abaixo, resumos de captulos de duas novelas da rede televisiva brasileira, retirados de jornal.

    (3) NOVELA: FINA ESTAMPA Beatriz nega ter sido influenciada por Danielle a fazer a doao de vulos. Paulo canta para fazer Vitria dormir. Danielle se assusta ao ver seu consultrio depredado. Tereza Cristina cobra de Ferdinand notcias sobre o atentado contra Quinzinho. Todos que assistiram coletiva de Danielle e Beatriz comentam o caso. Ester resolve buscar Vitria na casa de campo e avisa Guaracy que voltar para se defender das acusaes contra ela.(4) NOVELA: AMRICANick diz a Sol que far qualquer coisa para que ela o perdoe, mas Sol se mantm fria com ele. Lurdinha visita Glauco no hospital, que fica perturbado e pede que Hayde no saia de perto dele. Tony compra passagens para ele e Hayde viajarem a Miami. Mariano operado e passa bem.[...]Simone e Kerry ficam indignadas ao descobrirem que Laerte e Geninho enganaram Maz. Sol escolhe um vestido de noiva. Tio parte para o rodeio, mas sente uma angstia inexplicvel. Maz e Z Higino recebem um aviso de que precisam deixar as terras porque elas foram vendidas.

    bom lembrar que o resumo de captulos de novela televisiva pertence ao domnio discursivo jornalstico, tendo na funo informativa seu objetivo principal, o que leva ao uso de sequncias tipolgicas tanto narrativas quanto descritivas, com predominncia do tipo textual narrativo.

    O exame de sua estrutura organizacional mostra os tpicos (discursivos) organizados iconicamente, mas sem uma sequncia visvel dos eventos, assemelhando-se a flashes.

    Quanto estruturao oracional dos resumos acima, cada perodo , de modo geral, a descrio da temtica que se desenvolve em toda uma cena, ou episdio, do captulo da novela que est sendo resumido. A iconicidade est, ento, entre o enunciado e a cena a que ele corresponde, que ele descreve (ou narra). Situa-se numa dimenso pragmtica, revelando a organizao temporal dos episdios/cenas.

    Nesse gnero, no esperada a ocorrncia de oraes com valor argumentativo, avaliativo, explicativo, pois a funo simplesmente a de informar. Mesmo assim, no exemplo (4), da novela Amrica, ocorreram algumas oraes adverbiais, dentre elas a de causa que ocorre no perodo Maz e Z Higino recebem um aviso de que precisam deixar as terras porque elas foram vendidas (grifo meu). No entanto, a relao de causa explicitada nessa orao est a servio da descrio do episdio, no tendo, portanto, qualquer valor avaliativo, opinativo, ou similar.

    Observe-se, agora, o exemplo (5):

    (5) Este trabalho consiste em uma anlise da ordenao que caracteriza os advrbios qualitativos em mente, em cartas escritas no Brasil nos sculos XVIII e XIX. O objetivo demonstrar o gradual desaparecimento, que se d do sculo SVIII para o sculo XIX, da tendncia que esses advrbios possuem de se colocar antes do verbo, j detectada em fases anteriores da evoluo do portugus. Palavras-chave: advrbio, ordenao, gramaticalizao, mudana lingustica. (MARTELOTTA, 2006, p.11)

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    O texto dado em (5) uma materializao do gnero resumo cientfico, caracterstica que o diferencia de (4). Pertence no ao domnio jornalstico, mas ao domnio cientfico, com a funo de divulgar, predominando, portanto, a, o tipo textual expositivo. Nele no h sequenciao de eventos, de episdios, como nos resumos de captulos de novela, mas informaes sobre a temtica a ser discutida e divulgada. E as palavras-chave servem exatamente descrio, de forma resumida, esquemtica, dos tpicos do artigo, de sua temtica.

    Diante do que apresentaram esses resumos, e face grande diversidade de resumos com funes e propsitos diferenciados, poder-se-ia indagar se essas ocorrncias no constituiriam subgneros de um gnero comum RESUMO; ou, ainda, se seriam elementos de uma constelao, uma vez que poderiam estar materializando, de formas diferentes, um mesmo gnero. Essa uma discusso que no ser aqui empreendida, por fora de limitao de espao. No entanto, deixo claro que, neste trabalho, eles so tratados como dois gneros diferentes, e no de subgneros, tendo em vista a funo sociocomunicativa de cada um, a qual vai ser determinante da configurao formal do gnero.

    Esta seo inclui tambm reflexes sobre o gnero horscopo que, a exemplo do gnero receita culinria, pertence ao domnio instrucional e caracteriza-se como do tipo textual injuntivo, prestando-se mais a aconselhamentos, fornecendo ao leitor uma espcie de receita de vida.

    Abaixo esto transcritos textos de dois signos, escolhidos aleatoriamente dentre os doze signos que compem o horscopo:

    (6) LEOBaguna e impreciso na comunicao geral. E voc ter de se desdobrar para manter a ordem no seu entorno. Mas uma boa poca para iniciar uma atividade criativa e inspiradora. Algo que apele ao sentimento universal. Curta o Carnaval. (FOLHA DE SO PAULO, 20/02/2012 Caderno ILUSTRADA)

    (7) PEIXESPreocupao com pessoas prximas. O dia poder ser um tanto estafante, cansativo. Repare se voc no est escolhendo os caminhos mais difceis e penosos para se sentir merecedor do que tem ou do que deseja. Susceptibilidade muito alta opinio das outras pessoas. (ESTADO DE MINAS, 12/06/2004 Caderno CULTURA)

    Nos exemplos (6) e (7) ocorrem sequncias nominais (conforme destacado) no incio ou no incio e fim, na forma de SNs soltos, funcionando como tpicos que descrevem situaes do momento e previses para o futuro. Essa funo topicalizadora uma das que Ono & Thompson (1994) atribuem aos SNs soltos (unattached NPs). As estruturas oracionais que se seguem aos SNs de abertura constituem claramente um aconselhamento. Por outro lado, pode-se dizer que h uma dinmica na organizao do horscopo (ou, mais exatamente, do texto de cada signo), manifestando o mecanismo figura/fundo: os SNs iniciais so o fundo; as oraes de aconselhamento so a figura, em que se estabelecem os contrastes, as advertncias, etc. Em (6) ocorre, tambm servindo ao aconselhamento e nfase, uma estrutura (sublinhada no texto) oracional desgarrada5. Embora a receita culinria e o

    5. Para maiores detalhes, consulte-se Decat (2011).

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    horscopo sejam gneros diferentes (porque as funes so diferentes) pertencem ao mesmo domnio discursivo, o instrucional, que vai permitir a ocorrncia de sequncias injuntivas, materializadas, algumas vezes, atravs de formas imperativas mais atenuadas, funcionando como aconselhamento, ou guia, conforme pode ser visto no exemplo (6); e, outras vezes com formas imperativas mais fortes, como acontece nas receitas culinrias (nessas, como guia).

    Observe-se, agora, o exemplo abaixo:

    (8) CAPRICRNIOSe sua determinao estiver elevada, possvel que sinta uma incontrolvel necessidade de realizar algo diferente o mais rpido possvel. tempo de medir o excesso de entusiasmo para evitar acidentes de percurso. (ESTADO DE MINAS, 21/02/2012 Caderno CULTURA)

    Em (8) no se encontram SNs soltos, muito comuns no gnero em questo. A sua organizao apresenta-se com estruturas oracionais, tanto na parte que funciona como fundo (o primeiro perodo), quanto na que geralmente costuma manifestar o aconselhamento, que representa a figura (o segundo perodo). Entre as oraes que compem a primeira parte manifesta-se a relao retrica de condio. J na segunda parte, observa-se uma orao de finalidade, servindo, ela mesma, como um aconselhamento para o que expresso na primeira orao ( tempo.....entusiasmo). Horscopos como (8), estruturados somente com sintagmas oracionais, no parecem ter a mesma fora argumentativa que os que apresentam SNs soltos, como se pode verificar pela comparao com (6) e (7). Compare-se, tambm, o exemplo (8) com (9), abaixo transcrito, descrevendo o mesmo signo dado em (8):

    (9) CAPRICRNIOSentimentos intensos e profundos. Otimismo e autoconfiana, de um modo geral. Entretanto, as tentativas que fizer hoje para chegar onde deseja s tero sucesso se voc tiver muita pacincia e persistncia. Vale a pena fazer um esforo para se concentrar. Concentrao poder. (ESTADO DE MINAS, 12/06/2004 Caderno CULTURA)

    Em (9), mas no em (7), ocorre uma espcie de coda que se faz presente igualmente em outros gneros textuais. No caso de (9), a coda se materializa em uma estrutura oracional (no desgarrada); e em (7) tem-se uma coda descritiva, expressa por um SN solto Susceptibilidade muito alta opinio das outras pessoas. Em ambos os casos, a coda uma espcie de moral da estria.

    Mesmo diante de diferenas sutis entre os exemplos discutidos acima, neles est sempre presente o mecanismo figura/fundo, servindo aos objetivos comunicativos prprios desse gnero, que o aconselhamento, ou mesmo o convencimento. Isso permite evidenciar que, na caracterizao de um gnero textual, no basta atentar para a forma, mas preciso levar-se em considerao o propsito, a funo sociocomunicativa a que ele se presta.

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    4. novamente a articUlao de oraes: a estratgia do convencimento nas notas de

    Jornal e no Anncio Publicitrio

    Conforme j mostrado at aqui, os gneros realizam propsitos sociais, ainda que, como postula Swales (1990), tais propsitos sejam de difcil identificao.

    As Notas de Jornal constituem um gnero cujo propsito costuma ser bastante definido: o de informar, de notificar. A designao desse gnero advm do suporte em que ele se materializa, ou seja, o jornal.

    A funo informativa vai, muitas vezes, levar ao uso da nfase, estratgia textual que resulta, frequentemente, do envolvimento do produtor do texto com o assunto veiculado na notcia.

    O exemplo a seguir ilustra o uso dessa estratgia.

    (10) A Alemanha ainda pressionava quando, aos 21 minutos, Ronaldo lutou contra Hamann na intermediria. Roubou a bola. Ela ficou com o Rivaldo. Que chutou com fora e efeito, meia altura. Kahn errou. Defendeu parcialmente, mas a bola voltou para o meio da rea e l estava Ronaldo, o grande Ronaldo. Que empurrou para o gol; 1 a 0. (David Coimbra Brasil Cinco ZERO HORA, Ano 39 N 13.465 1/07/2002, 2 Edio Porto Alegre p. 2 do encarte Jornal da Copa)

    Alm de informar, a necessidade de enfatizar leva o produtor de (10) a fazer uso de uma estrutura que tem sido muito recorrente em portugus, j mencionada aqui. Trata-se de oraes desgarradas que, conforme j exposto em Decat (1999b, 2001a, 2005 e 2011), so oraes subordinadas (adverbiais ou adjetivas explicativas) que ocorrem soltas, como se fossem enunciados independentes. Esse tipo de desgarramento ocorre em (10), materializado pelas oraes relativas apositivas (tradicionalmente, orao adjetiva explicativa) Que chutou com fora e efeito, a meia altura e Que empurrou para o gol; 1 a 0. O foco dado a essas partes da informao revela o envolvimento do autor da notcia com o assunto veiculado. A ocorrncia desse tipo de orao chamada, por Ono & Thompson (1994), de unattached, ou seja, no anexada assemelha-se a um adendo, ou afterthougt, que constitui um mecanismo de acrscimo, de explicao por realce, nfase. Desse modo, as oraes relativas apositivas em discusso no tm somente a funo de informar, mas a de interagir, na medida em que a nfase favorece a interao. Tem-se a, portanto, um relevo, uma proeminncia dada a uma determinada estrutura, que acaba por servir tambm argumentao que perpassa a notcia. Trata-se, ento, de um recurso sinttico (desgarramento da orao relativa apositiva) resultante de uma funo textual e pragmtica.

    Outro gnero em que est presente a estratgia de nfase, visando ao convencimento, o Anncio Publicitrio. Em decorrncia da necessidade argumentativa em relao ao produto que est sendo oferecido, comum o destaque de certas estruturas, pelo menos nos anncios que foram pesquisados para a elaborao deste trabalho. Como exemplo disso, seguem-se os anncios abaixo:

    6. Esse exemplo encontra-se aqui somente para mostrar o uso da estratgia tambm no portugus europeu. Para maiores detalhes, consulte-se Decat (2001).

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    (11) Qual o peso que o telemvel tem na sua vida? So exatamente 88 gramas.O que faz com que o Mimo Ultra Leve seja o mais leve telemvel dos que j vm com carto recarregvel. (Revista VISO n. 342, 30/09/90, p. 133 Portugus europeu)6

    (12) Chegou Fiat Lnea.Conectado com voc. (Propaganda da Fiat. Revista ISTO, Ano 31, n 2030, 1/01/2008)

    (13) Que bom que voc confia.Porque seu co adora! (Propaganda da Pedigree)

    (14) Uma competio para escolher o melhor petisco. At porque a cerveja voc j escolheu. (ESTADO DE MINAS, encarte Divirta-se, 20/04/2007, p. 16-17)7

    Nos quatro exemplos acima, tem-se a ocorrncia desgarrada da relativa apositiva no caso da estrutura grifada em (11) ; oraes subordinadas adverbiais tanto em (13) quanto em (14); e uma ocorrncia, no exemplo (12), de orao desgarrada com o verbo no particpio, equivalendo ao que a gramtica normativa chama de orao reduzida de particpio. Esse uso de outros tipos de oraes, que no somente a relativa apositiva, como estruturas desgarradas tem sido recorrente, desde que tais oraes estejam servindo, no texto, a alguma funo discursivo-pragmtica. Nos anncios publicitrios dados acima observa-se que a estratgia de destaque refora a argumentao com vistas ao convencimento do leitor sobre as vantagens do produto oferecido.No somente oraes ocorrendo desgarradas vo servir argumentao, ao convencimento nos anncios publicitrios. Mais comum at que tais oraes a ocorrncia de sintagmas nominais soltos (floating noun phrases THOMPSON, 1989). Tais sintagmas ocorrem isoladamente, sem vincular-se a nenhum predicado, como ilustra o exemplo abaixo:

    (15) Imagine viver sem fronteiras. Poder estar sempre perto de quem voc gosta. Mesmo daqueles amigos mais distantes. Imagine poder ir a qualquer lugar. E at estar em dois lugares ao mesmo tempo. No ter limites. No ver distncias. Esse jeito de viver existe. Basta usar o seu celular. [...]GSM TIM. Muito alm da voz. (Revista VEJA, n 18, 05/05/2004 Propaganda da TIM)

    Em (15) o sintagma nominal Mesmo daqueles amigos mais distantes ocorre de maneira solta, sem nenhum vnculo formal com nenhum predicado, e com valor concessivo, valor esse reforado pelo prprio destaque, ou relevo, dado ao SN. Um outro SN solto ocorre tambm em (15); o sintagma Muito alm da voz, com alto valor argumentativo e funcionando, no final do anncio, como uma coda.

    7. Propaganda da cerveja Bohemia, a propsito do evento Comida di Buteco, que h algum tempo vem sendo realizadas em Belo Horizonte, Minas Gerais.

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    5. consideraes finais

    Creio ter propiciado, com as discusses aqui empreendidas, uma contribuio para um maior entendimento sobre a estrutura organizacional e, consequentemente, informacional dos gneros em geral e, de modo especial, dos gneros aqui tratados.

    Reforo que o meu objetivo principal foi o de mostrar a importncia da relao forma/funo na caracterizao dos gneros. Embora aqui tenham sido apontados e discutidos vrios elementos formais, gramaticais (mas no somente esses), defendo a ideia de que no so os elementos formais, tomados por si mesmos, que iro se constituir como determinantes na caracterizao do gnero; ao contrrio, postulo que a ocorrncia dos elementos formais est atrelada s funes discursivo-pragmticas exigidas pelo prprio gnero. As questes formais foram aqui discutidas por acreditar retomando Marcuschi (2002) no poder de organizao que tm as formas lingusticas. Mas, justamente por entender que o gnero no se estabelece sem levar em conta o sistema da lngua que eu no poderia deixar de lado as consideraes de ordem formal. Dessa forma, comungando da ideia de Givn (1984) de que as propriedades sintticas nascem do discurso, no vejo como empreender uma anlise separando a forma de sua funo. O tratamento dado aos aspectos aqui discutidos fundamentou-se na convico de que na relao forma/funo que ser possvel chegar-se a alguma caracterizao dos gneros como prticas sociais. Dessa forma, entendo que a anlise de qualquer gnero deve levar em considerao que se trata de uma materializao de formas (colocadas disposio do usurio pelo sistema da lngua) que esto a servio dos objetivos comunicativos do gnero, refletindo suas funes no processo de interao. nessa linha de raciocnio que se pode entender melhor o princpio, apontado por Du Bois (1993, p.11) de que a gramtica feita imagem do discurso (entendido como uso), mas esse discurso, ou esse uso, nunca observado sem a roupagem da gramtica.

    A FUNCTIONALIST APPROACh TO ThE STUdy OF LINgUISTIC PROCESSES IN ThE TExT gENRES OF PORTUgUESE IN USE

    abstractThis paper argues that differences between genres are characterized not only by the formal aspects of text, but also by the functional motivations inherently present in these linguistic choices. Using a functionalist approach, I propose a strong correlation between grammatical facts, and pragmatic aspects of the situation in which the genres occur. Consequently, this approach naturally assumes the importance of the socio-communicative function of the linguistic choices made by language users, leading to the claim that genre comprehension and characterization cannot be achieved without the joint study of syntactic and textual properties.

    KEy wORdS: genre; functionalism; syntactic and textual properties; form/function; foreground/background.

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