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Revista jul - ago - set | 2009 Olho nos Oceanos greenpeace.org.br No front 10 anos na Amazônia Entrevista Paulo Nogueira Neto abre seu diário

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revista do greenpeace, terceiro trimestre de 2009

Transcript of Revista GP 0309

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EntrevistaPaulo Nogueira Neto abre seu diário

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Caros colaboradores,

O Brasil deu passos importantes para sair do passado, mas em certos aspectos ainda tropeça quando é hora de entrar no futuro. Marfrig e Bertin, dois grandes frigoríficos bra-sileiros, assumiram publicamente que não processarão mais gado criado em áreas des-matadas na Amazônia.

Já a política brasileira se movimenta de maneira errática. Lula, chefe de Estado do 4º maior emissor de gases do efeito estufa na atmosfera não deixa claro se, na questão do clima, vai tirar o olho do retrovisor. Para platéias estrangeiras, nosso presidente fala em queda do desmatamento na Amazônia e desenvolvimento susten-tável. Aqui, prega a redenção pelo petróleo do pré-sal, apóia rasgar a Amazônia com estradas e propõem ancorar portos em regiões onde, neste momento, talvez fosse de bom alvitre criar áreas mari-nhas protegidas.

As questões ambientais também estão ausentes dos discursos dos pré-candidatos à Presidência. Mas, talvez, não por muito tempo. A súbita entrada de Marina Silva na campanha já obriga os candidatos a exibir, e debater, as suas visões sobre o futuro do nosso ambiente.

E aí, quem sabe, dessa discussão emerja um lider como José Bonifácio de Andrada e Silva, personagem de um curto texto dessa edição da Revista do Greenpeace que, à época de nossa indepen-dência, defendia temas impopulares, como o fim do desmatamento e do desperdício de nossos recursos naturais. A reportagem de capa é sobre a dificuldade de se criar áreas de conservação marinhas, fundamentais para a reposição de estoques pesqueiros e o combate ao aquecimento global. A revista também celebra dez anos de atu-ação do Greenpeace na Amazônia, que tem papel relevante para frear o desmatamento na região. E, na entrevista, outro histórico ambientalista brasileiro, Paulo Nogueira Neto, recomenda muito cuidado na revisão do Código Florestal.

Boa leitura.

O paru vive em recifes de corais, como os de Abrolhos.© Greenpeace/Alcides Falangue

4 10 anos de Amazônia

6 Floresta de fogo

7 Conservação de papel

10 Green na web

11 Entrevista: Paulo Nogueira Neto

12 Armadilha do desenvolvimento

14 Informação dos sonhos

15 Lei renovada

15 Em ação

16 Calor no Norte

17 Encruzilhada climática

18 Perfil:JoséBonifácio

19 Foto-oportunidade

O Greenpeace é uma organização global e independente que promove cam-panhas para defender o meio ambiente e a paz, inspirando as pessoas a mu-darem atitudes e comportamentos. Nós investigamos, expomos e confronta-mos os responsáveis por danos ambientais.Também defendemos soluções ambientalmente seguras e socialmente justas, que ofereçam esperança para esta e para as futuras gerações e inspiramos pessoas a se tornarem responsáveis pelo planeta.Por não aceitar doações de governos, empresas ou partidos políticos, o Gre-enpeace existe graças à contribuição de milhões de colaboradores em todo o mundo, que garantem nossa independência e o nosso compromisso exclusivo com os indivíduos e com a sociedade civil.

Marcelo FurtadoDiretor Executivo

Greenpeace Brasil

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sumário

capa

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10 anos na AmazôniaCaroline Donatti

Em julho, o diretor da campa-nha da Amazônia do Greenpeace, Paulo Adario, recebeu um te-lefonema ilustre. A embaixada britânica pedia que a organização guiasse o ministro de Energia e Mudanças Climáticas do Reino Unido, Ed Miliband, na Amazônia. Para os britânicos, como os brasi-leiros já sabem há muito tempo, o Greenpeace é uma referência de informações precisas sobre a região. Essa credibilidade foi con-quistada com muito suor, lágrimas e sorrisos durante os dez anos que a organização atua na Amazônia.

Desde 1999, o Greenpeace investiga e denuncia as ameaças à floresta e confronta os principais responsáveis pela destruição de 17% da Amazônia. Com o fim das árvores com valor comercial no Sudeste Asiático e na África Central, a floresta amazônica tornou-se a principal fonte de madeira do mundo. “Pela carac-terística internacional da organi-

zação, tínhamos um grande poder de fogo no mercado global, que importava essas madeiras”, conta Adario. A estratégia serviu para demarcar a terra indígena Deni, depois da descoberta que a madei-reira malásia WTK grilou uma parte do território dos índios. Ao mesmo tempo em que auxiliava os índios, o Greenpeace pressio-nava os consumidores. As ações resultaram no fechamento do mercado inglês e em uma declara-ção formal da empresa de que não entraria na terra Deni.

O mercado internacional é a principal ferramenta de pressão para que a indústria mude seu comportamento. Com esse foco, o Greenpeace se voltou ao des-matamento provocado pela soja, setor que movimentou mais de US$ 9,5 bilhões em 2005 conver-tendo mata nativa em plantação. Quem não se lembra dos ativistas fantasiados de frangos invadindo o McDonald’s? Com a pressão, as comercializadoras de soja se

comprometeram em não comprar grão produzido em áreas desmata-das após 2006. A moratória freou o aumento da derrubada impulsio-nada pela soja no norte do Mato Grosso e na região de Santarém (PA) e é visto pelo governo brasileiro como um modelo para resolver problemas parecidos em outros setores produtivos.

Desde o início da atuação do Greenpeace na Amazônia e graças à exposição sobre a fragilidade da floresta, cerca de 14 milhões de hectares de áreas protegidas foram criados, forman-do uma barreira verde para amor-tecer a pressão sobre a floresta no Mato Grosso e no Pará. “Também trabalhamos para o desenvolvi-mento sustentável das comunida-des”, diz Adario, referindo-se aos 22 milhões de pessoas que mo-ram na região. “É preciso ganhar tempo com essas áreas protegidas para que a sociedade brasileira decida o que fazer no futuro.”

O Greenpeace também con-tribui decisivamente na formula-ção de políticas públicas para a Amazônia. A idéia de desmata-mento zero, hoje debatida pe-los principais líderes mundiais, saiu da organização. O Fundo Amazônia, que ambiciona mais de US$ 1 bilhão para proteger a floresta, estava no plano para zerar

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Fotos: © Greenpeace/Isabelle Rouvillois, Flávio Cannalonga e Alberto César Araújo

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satélite monitora e identifica o local das agressões, e investiga-ções de campo e sobrevôos são frequentes para validar os dados. O Greenpeace na Amazônia se tornou referência também dentro da organização e hoje serve de modelo para os outros escritórios em fronteiras de pressão, como o da Indonésia e o da África.

Saiba mais em www.greenpeace.org.br/10anosamazonia

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Os frigoríficos Bertin e Marfrig anun-ciaram que não vão mais comprar bois de fazendas com desmatamentos ocor-ridos a partir de 22 de junho de 2009. Já o maior frigorífico do mundo, o JBS-Friboi, detentor das marcas Montana e Swift, está expandindo seus negócios ainda sem apresentar uma política am-biental, que garanta o fornecimento de produtos livres de desmatamento aos seus clientes.

Com o anúncio, Bertin e Marfrig, frigoríficos concorrentes do gigante JBS, agora correm contra o tempo para ca-dastrar fazendas, mapear fornecedores e excluir aqueles envolvidos com trabalho escravo, violência agrária, grilagem de terras e invasão de áreas protegidas.

A mudança de postura aconteceu depois que as empresas de calçados

Nike, Geox e Timberland, consumi-doras do couro do Brasil, anunciaram que não comprariam a matéria-prima proveniente da Amazônia até que os frigoríficos rastreassem os animais e não usassem mais animais provenientes de áreas desmatadas.

“A pecuária é o maior vetor de des-truição da Amazônia e esse compro-misso representa um passo importante para contribuir com o fim do desma-tamento até 2015. Vamos acompanhar de perto a execução do acordo”, diz André Muggiati, do Greenpeace.

SOJAEnquanto o setor de pecuária co-

meça a se mover, a indústria da soja renovou a moratória por mais um ano. O acordo foi estendido até 2010, após

A hora e a vez da JBS

Da esquerda para a direita, protesto contra o corte ilegal de madeira no Xingu em 2000; demarcação da terra Deni em 2003; entrega da motosserra de ouro para Blairo Maggi em 2005; denúncia do corte ilegal de 1,6 mil hectares no Pará em 2006; invasão do McDonald’s por ativistas em Londres para expor a soja como vetor de destruição da floresta em 2006; ação em fazenda ilegal em 2009.

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Fotos: © Greenpeace/Daniel Beltrá, Jiri Rezac e Rodrigo Baleia

dois anos de experiência bem-sucedida, em que ele foi cumprido sem prejuízos para o setor.

Segundo a moratória, a indústria da soja, representada pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), não compra grão produzido em áreas desmatadas após julho de 2006. A busca pela legalidade teve um impacto social importante: o número de casos de conflito na região de Santarém (PA), área de produção de soja, reduziu des-de o início da moratória.

O compromisso é um modelo de sucesso que pode ser replicado no setor pecuário. Ao mesmo tempo, há a expectativa de que os frigoríficos ajudem o setor da soja a cumprir um requisito do acordo ainda em aberto, por falta de governança: só comprar de quem tiver li-cenciamento ambiental e cadastro rural, impulsionando a regularização fundiária e ambiental das propriedades. C.D.

o desmatamento até 2015. “As propostas de solução para zerar o desmatamento posicionaram a organização em outro estágio de influência no cenário político. O trabalho respeitado e os resultados positivos fizeram com que credibi-lidade da mídia também cresces-se”, afirma Adario.

O escritório com sede em Manaus (AM) abriga 25 pessoas. Uma equipe de mapeamento por

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A temporada de fogo na Amazônia, que começou em julho e vai até novembro, pode ser mais intensa do que a do ano anterior. Isso porque, em anos de El Niño, como 2009, quando as águas do Pacífico aquecem de forma anormal, a estiagem pode ser mais intensa no Centro-Oeste do Brasil e no sul da Amazônia.

Apesar de a cheia na Amazônia esse ano ter sido a maior da história, as projeções mostram que mais de 60% da Amazônia Legal apresenta risco crítico ou alto de pegar fogo neste ano. A floresta, densa e úmida, dificilmente queima sozinha, mas, se alguém iniciar o fogo em áreas críticas, a possibilidade de propagação para áreas vizinhas é muito grande.

“Pela experiência de anos ante-riores parecidos, existe uma con-figuração preocupante em termos da ocorrência antrópica do fogo

e de sua propagação descontro-lada”, diz o pesquisador Alberto Setzer, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora os focos de incêndios por meio de imagens de satélites.

“Mais preocupante que o risco de fogo alto na Amazônia são as centenas de focos de queima que detectamos diariamente, inclusive em áreas de preservação”, afirma Setzer. Entre agosto de 2008 e agosto de 2009, mais de 36 mil focos de calor foram detectados em áreas protegidas. “Uma vez que já tenham sofrido a ação do fogo, as florestas tornam-se mais vulneráveis à ocorrência de novos incêndios”, afirma a ecóloga Raquel Carvalho, do Greenpeace.

A prática do fogo está associa-da ao atual modelo de desenvol-vimento na Amazônia, baseado na expansão da agropecuária. Os incêndios servem para limpar o pasto e a área recém-desmatada a

um custo baixo. No Brasil, a quei-mada é proibida nesta época, sob multa de R$ 1.500 por hectare.

Desde 15 de agosto as quei-madas estão proibidas no Mato Grosso, um dos Estados amazôni-cos que mais ardem nessa época. “A prioridade é trabalhar em parceria com os municípios, limi-tando o dano e evitando que os incêndios atinjam a mata nativa que restou”, explica o tenente-co-ronel Alessandro Borges Ferreira, coordenador de gestão do fogo do Mato Grosso.

Em artigo publicado na revista “Science” no ano passado, o pes-quisador Gordon Bonan afirma que há um ciclo vicioso entre o aumento da temperatura e uma maior quantidade de incêndios nas florestas. Quanto mais a floresta queima, mais gases-estufa são liberados, agravando o aque-cimento global que, por sua vez, provoca ainda mais incêndios.

Floresta de fogoCaroline Donatti

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Prática de queimada é comum em estados amazônicos como o Pará e se intensifica nessa época do ano.

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Conservação de papelVânia Alves

Nas gavetas dos órgãos go-vernamentais, pelo menos 16 processos de criação de áreas ma-rinhas protegidas aguardam para serem efetivados. Se depender da velocidade com que tramitam, o Brasil dificilmente cumprirá o tratado da CBD (Convenção de Diversidade Biológica, na sigla em inglês), segundo o qual seus signatários transformarão 20% de seus mares em áreas protegidas.

Até o final deste ano, deve-riam ser criadas no mínimo nove unidades, de acordo com informa-ção dada pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, em audiên-cia com organizações não-governa-mentais ambientais em outubro de 2008. No ritmo atual, a palavra não será posta em prática.

Para que as unidades de con-servação saiam do papel falta, ba-sicamente, vontade política. “Se houver uma mobilização política forte ainda dá tempo para cum-prir o previsto para este ano, mas isso não é uma garantia porque não dá para saber de antemão o tempo das negociações necessá-rias”, disse Fábio França, diretor de áreas protegidas do Ministério do Meio Ambiente. O que está em jogo é a restrição de ativida-

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des econômicas e até de moradia nas áreas em questão.

A criação do Refúgio de Vida Silvestre Peixe-boi Marinho, que teve início em 2005, é um dos processos que deveriam ser finalizados ainda este ano, mas há etapas pendentes. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – órgão ambiental do governo que admi-nistra unidades de conservação – ainda precisa fazer consultas públicas e estudos complemen-tares. A região é de alto interesse para o setor imobiliário e o de turismo de luxo.

Localizada na divisa do Ceará com o Piauí, a área onde será criado o refúgio abriga o segundo maior manguezal do Nordeste, com mais de 10 mil hectares, e é o mais importante santuário de peixe-boi marinho do Hemisfério Sul. “O peixe-boi é o símbolo dos problemas ambientais da zona costeira do Nordeste, mas não é a única espécie que será benefi-ciada”, diz Alberto Alves Campos, presidente da ONG Aquasis, que atua na região. Tartarugas mari-nhas também ameaçadas de ex-tinção vivem ali. O local é parte da rota de aves migratórias.

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Governo federal segura criação de áreas marinhas protegidas em locais de interesse econômico

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No CearáRefúgio de Vida Silvestre Peixe-Boi »Marinho Área Marinha Protegida do Litoral »Leste do Ceará

Refúgio de Vida Silvestre ou PARNA »Soldadinho de Guararipe

NaBahiaRefúgio de Vida Silvestre »Praia do Forte

Refúgio de Vida Silvestre de Arembepe »Parque Nacional de Abrolhos – Zona

»de Amortecimento

No Espírito SantoÁrea de Proteção Ambiental »Costa das Algas

Refúgio de Vida Silvestre Santa Cruz »Unidade de Conservação Marinha Ilha

»do Francês e Ilhas do Sul Capixaba

Unidade de Conservação Trindade – »Martin VazReserva de Desenvolvimento »Sustentável da Foz do Rio Doce

NoRiodeJaneiroMonumento Natural das Ilhas Cagarras

»

Em São PauloUnidade de Proteção Integral na »Restinga de Bertioga

Em Santa CatarinaReserva de Fauna na Baía »da Babitonga

Reserva Extrativista Farol »de Santa Marta

No Rio Grande do SulConsolidação dos limites »da EE do Taim

Áreas marinhas protegidas em processo de criação ou ampliação paradas

Mapa das Áreas Marinhas Protegidas por grau de prioridade e importância biológica

Fonte: Ministério do Meio Ambiente

ALTA EXTREMAMENTE ALTA

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Enquanto o ritmo de criação das unidades de conservação marinha anda em passos lentos, o governo federal corre para colocar a exploração do petróleo pré-sal em pé. A reserva está espalhada por 800 quilômetros da costa e seu uso trará impactos diretos para o clima e para a saúde dos oceanos.

A Petrobras promete fazer a cap-tura e a armazenagem do carbono – tecnologia chamada CCS, na sigla em inglês, ainda não viável técnica e comercialmente. Se o CCS não funcionar, e o Brasil usar todas as reservas estimadas do pré-sal, emitiremos ao longo dos próximos 40 anos em torno de 1,3 bilhão de toneladas de CO2 por ano.

O presidente Lula sequer pensou em destinar recursos do pré-sal para a criação e manuten-ção de reservas marinhas. Isso pode ter consequências graves. Se a concentração de emissões não for reduzida, os oceanos podem passar de mocinhos a bandidos na luta contra o aquecimento global.

“Mares mais quentes têm menos capacidade de absor-ção de CO2”, explica Leandra Gonçalves, do Greenpeace. Além disso, concentrações excessivas de CO2 provocam acidificação nos oceanos, comprometendo a saúde dos corais, berços importantes da biodiversidade marinha.

A recategorização das Ilhas das Cagarras, no Rio, também consta na lista dos processos com previ-são de término para este ano. O arquipélago de sete ilhas, próximo à praia de Ipanema, está submerso em uma polêmica quanto à ca-tegoria na qual será enquadrado, que se arrasta desde 2003.

Há grupos que defendem uma unidade de conservação integral, o que significa impedir qualquer atividade no local. Outros lutam para que as ilhas sejam conside-radas unidades de uso sustentável com limitação, mas permitindo a pesca, passeios de barco e outras interferências humanas.

Esse nó só pode ser desatado pelo ICMBio, por meio de consul-tas públicas. A classificação das Ilhas Cagarras como uma unidade de conservação é importante do ponto de vista político e ambien-tal, já que o local seria um símbo-lo de conservação urbana.

QUEDA-DE-BRAÇO“Muitas vezes, as discussões so-

bre a criação de áreas protegidas se reduzem a uma queda-de-braço entre os interesses econômicos e a conservação da biodiversidade, mas o problema é muito mais abrangente”, avalia a coordena-dora da campanha de oceanos do Greenpeace, Leandra Gonçalves. “É um desafio que envolve toda a população, sendo a pessoa moradora da zona costeira ou de

cidades distantes do mar, empre-sários do setor de pesca e turismo ou não.”

A criação da Zona de Amortecimento envolvendo o Parque Nacional de Abrolhos, no sul da Bahia, está ainda mais enroscada: não há nem prazo pre-visto. A região é uma importante área de acasalamento e reprodu-ção de baleias-jubarte, espécie em recuperação que continua na lista de animais ameaçados de extin-ção. Além das baleias, Abrolhos abriga várias outras espécies sob risco de extinção como tartarugas, peixes e aves marinhas.

O processo começou em 2006 e esbarra nos interesses da indústria petrolífera. Mais de 240 blocos de exploração de gás e óleo já foram identificados e sele-cionados pela Agência Nacional de Petróleo na região.

A criação dessas áreas e de outras – 30% do território cos-teiro-marinho do Brasil até 2020 – é fundamental para a proteção dos mares, que têm papel funda-mental no combate às mudanças do clima, explica Leandra. Os oceanos são importantes regula-dores do clima porque absorvem boa parte do calor gerado no planeta. Cerca de 90% de todas as emissões de gás carbônico, o principal gás do efeito estufa, são absorvidas pelos mares. Essa ca-pacidade faz dos oceanos o maior sumidouro de carbono da Terra.

Pré-salénosso eapoluiçãotambém

Áreas marinhas protegidas em processo de criação ou ampliação paradas

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Lula faz festa com petróleo do pré-sal, mas se cala sobre proteção ambiental.

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Um espaço para chamar de seuOs colaboradores do Greenpeace ganharam uma área exclusiva dentro

do site da organização. A partir de agora, eles encontram informações sobre as campanhas, inserem opiniões e comentários (como os exemplos ao lado), assistem a vídeos e baixam wallpapers em um único lugar. A ferramenta também fornece acesso rápido aos relatórios e documentos publicados e a todas as edições da revista e dos boletins.

Uma das novidades é a interatividade dos doadores com o Greenpeace por meio de um fórum de discussão, que permite a postagem de textos e comentários. “A próxima etapa é ampliar a rede social entre os colaborado-res, que poderão trocar idéias e informações entre si”, diz Luciano Marques, responsável pelo relacionamento com os colaboradores. Cada internauta cria uma senha de acesso e pode montar seu próprio perfil, acompanhar o histórico de suas contribuições e atualizar seus dados online.

Para participar, basta entrar no site

www.greenpeace.org.br/areacolaboradores

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GreenTV O Greenpeace Brasil tem agora o seu próprio canal de vídeos no portal UOL. Não é necessário ser assinan-te para entrar e o internauta poderá conferir as últimas novidades em ví-deo produzidas pela organização. Para aquecer os motores, confira as incríveis imagens captadas no Ártico: “Geleira Petermann Time Lapse” mos-tra o acelerado derretimento das calo-tas de uma forma diferente. Essa visua-lização é possível com uma técnica chamada time lapse, que consiste na união de fotos tiradas durante interva-los regulares de tempo, formando um único vídeo. Para conferir acesse:

www.mais.uol.com.br/ greenpeacebrasil

De olho no blog Em www.greenblog.org.br é pos-sível saber quais são as principais ações do Greenpeace pelo mundo, notícias relevantes sobre meio am-biente, comentários de especialistas e fofocas dos bastidores das nego-ciações políticas. As informações, atuais e de qualidade, são voltadas para quem quer acompanhar de perto tudo o que a organização faz e pensa.

COP o quê?

A COP 15, ou Conferência do Clima 15, é uma das mais importantes de todas as reuniões sobre o clima já realizadas e acontecerá em dezembro em Copenhague, na Dinamarca. Desde o início do ano, o Greenpeace trabalha em todo o mundo – inclusive no Brasil – para pressionar os gover-nantes a agirem no combate ao aquecimento global. Mas o que vem a ser essa reunião? Por que ela é tão importante? O que está em jogo? Em www.greenpeace.org.br, você pode tirar todas essas dúvidas e ficar por dentro das atividades que o Greenpeace planeja para mobilizar o pre-sidente Lula a fazer mais pelo futuro.

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“Em João Pessoa, o clima é bem tropical.

Mas o verão daqui está bem mais

quente. Embora seja ainda uma cidade

muito arborizada, já podemos sentir as

mudanças climáticas.”AYLLA MILANEZ PEREIRA

“Sempre que vou à praia

levo sacos plásticos para

recolher o lixo e divulgo a

importância de proteger

os oceanos.” MARIANA MARTINS

“Aqui, em Itu, é bem quente, mas é evidente o calor excessivo que está fazendo, e quando não está calor há chuvas intensas, que alguns anos atrás não havia.”

GIOVANA MAURI LUPO

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Livro abertoCristina Amorim

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Revista do Greenpeace Por que o sr. resolveu publicar seus diários?Paulo Nogueira Neto Eles fazem parte da história – pelo meu ponto de vista, claro. Escrevo desde o primeiro dia em que assumi como secretário (especial do Meio Ambiente, antes da criação do ministério), em 1974, e escrevo até hoje. Quando come-cei, todos os ambientalistas do Brasil cabiam em um microônibus. Eu sobrevoava a Amazônia em avião teco-teco de garimpeiro, que no vôo fazia “tectectec”.

Estamos falando de quantos diários?São mais de 70 cadernos. Originalmente são 1.200 páginas. Mas não entrou tudo, senão não tem quem aguente ler. Por exemplo, são poucos os detalhes sobre as áreas que protegi.

O sr. destaca a criação de alguma área protegida em particular? A história da Estação Ecológica de Uruçuí-Una. Em uma reportagem, li que o governo entregaria aos Estados todas as terras que tinham sido confiscadas dos jesuítas no século 18. Uma delas era no Piauí. Imediatamente tomei um avião e convenci o governador a proteger aquela área, sem nem a ter visto. Depois fui conhecê-la e, de fato, havia uma vegetação importante a ser mantida.

Em relação à legislação ambiental, o que o sr. citaria?Há casos bastante curiosos no diário. Por exemplo, a norma da reserva legal para a mata atlântica: em vez de escrever que é preciso preservar 20% da propriedade como vegeta-ção nativa, escrevemos que é permi-tido derrubar 80%.

O que o sr. acha da disputa atual entre ambientalistas e ruralistas?A coisa está ficando difícil porque entram fatores pessoais na discussão, como quando o (ministro do Meio Ambiente, Carlos) Minc chamou os ruralistas de vigaristas. Não pode, né? Todo mundo tem o direito de ser bem tratado, senão o diálogo é interrompido.

O Código Florestal sofre atualmente um intenso ataque pela bancada rura-lista. Como o sr. vê esse movimento?Algumas coisas do Código Florestal talvez precisem ser revistas, mas com muito cuidado. Em São Paulo, por exemplo, ninguém o respeita. O re-sultado é que as pessoas concordam com a manutenção das áreas de pro-teção permanente (APP), mas poucas reservas legais foram efetivadas.

O que deveria ser revisto?A forma de compensação do passi-vo, por exemplo. O Código Florestal

permite compensar a falta de reserva legal em outras áreas da mesma bacia hidrográfica. Mas, em São Paulo, mais de 90% do passivo está na bacia do Rio Paraná e o que sobrou de mata atlântica está concentrada na bacia do Atlântico, na Serra do Mar. Fica difícil seguir essa diretriz no Estado.

Qual é a solução?A solução seria que parte da APP pudesse integrar a reserva legal. Isso pode ser discutido e é possível chegar a uma redação possível. Em São Paulo, as florestas nativas estão crescendo, devido a uma lei econô-mica não-escrita, da mecanização na agricultura feita em larga e média escalas. Claro que sem a mesma bio-diversidade, então é preciso reintro-duzir espécies.

E fora de São Paulo? A mecanização não traz mais floresta para o cerra-do, por exemplo.No cerrado, o solo é diferente, é muito especial. Tem alumínio e um baixo teor de fosfato e, depois que se converte (que retira-se a vegetação nativa para introduzir uma monocul-tura), não tem mais volta. Se você tenta reintroduzir a espécie nativa, ela não cresce. Um dos maiores desafios hoje é preservar o cerrado e seu solo. Na Amazônia, a taxa de destruição é muito alta.

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O ambientalismo brasileiro, tal qual temos hoje, não existiria sem Paulo Nogueira Neto. Primeiro secretário especial de Meio Ambiente, cargo que exerceu por 12 anos, seu nome consta nos alicerces sobre os quais o debate ambiental se equilibra. Dele surgiram a compensação ambiental, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), unidades de conservação em todo o país. Ele foi o único brasileiro a compor a Comissão Brundtland, grupo que cunhou o termo desenvolvimento sustentável. Mais do que tudo, ele foi uma voz pública – e muitas vezes dissonante – na defesa da natureza.Agora, com 87 anos, ele vai contar a sua versão da história. Em novembro, Nogueira Neto lança um resumo de 35 anos de diários, com detalhes, nomes e bastidores.

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Embalada por promessas de desenvolvimento econômico, a pequena Santa Quitéria (CE), cida-de de 44 mil habitantes do sertão do Ceará, comemorou em junho a parceria entre a estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a indústria de fertilizantes Galvani. As duas empresas querem explo-rar urânio e fosfato da jazida de Itataia, localizada no município. Uma rápida análise dessa emprei-tada, no entanto, é suficiente para se perceber que não há motivos para comemorações.

O projeto Santa Quitéria promete gerar 3.000 empregos diretos e indiretos, de acordo com a Galvani. A empresa não especifica quanto é mão-de-obra

local. “Quando estivemos em Caetité (BA), percebemos que os funcionários de alto escalão eram de fora. Para a comunidade local restaram os postos mais perigo-sos, principalmente aqueles que exigem contato com o mate-rial radioativo”, afirmou André Amaral, coordenador da campa-nha de nuclear do Greenpeace. O mesmo é esperado para a peque-na cidade cearense.

Itataia é um antigo sonho da INB. Em 2004, a estatal tentou driblar a legislação que deter-mina ser o Ibama o órgão res-ponsável pelo licenciamento de qualquer empreendimento nuclear e conseguiu uma au-torização da Superintendência

Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace) para operar em Santa Quitéria.

A estratégia foi barrada por uma ação do Ministério Público Federal, que suspendeu o docu-mento estadual no ano seguinte. “O meio ambiente e a legisla-ção não podem ser postergados em defesa do desenvolvimento econômico”, diz o procurador Ricardo Magalhães, que acompa-nha a ação.

Aquela não foi a primeira vez que a INB tentou encontrar bre-chas na legislação para não cum-prir suas obrigações. Após nove anos de exploração, a mina de Caetité ainda não tem uma au-torização definitiva de operação

Armadilha do desenvolvimento Vânia Alves

Cidade no Ceará comemora exploração de urânio sem levar em conta os problemas ambientais e à saúde

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Angra 3: superfaturada e aprovadaO Tribunal de Contas da União (TCU) liberou em 23 de julho a continuidade das obras da usina nuclear Angra 3. Apesar do superfaturamento de R$ 469,3 milhões em seu orçamento, o tribunal fez apenas uma exigência à Eletronuclear – que fosse apresentado um novo contrato de construção com um corte de R$ 120 milhões sobre o valor inicial, em um prazo de 30 dias.

Se os valores apresentados pela construtora Andrade Gutierrez durante a sessão plenária não fossem satisfatórios, uma nova licitação seria aberta. Mas não foi o que aconteceu. Mais uma vez o governo brasileiro se mostrou insensível aos abusos no bolso do contribuinte e permitiu que uma obra comprovadamente superfaturada continuasse.

Em novembro de 2007, o Greenpeace e o Partido Verde entraram com uma representação ao TCU que levou à revisão dos contratos apresentados pela Eletronuclear. Os valores irregulares continham superestimativas de até 810%, como nos serviços de pintura. Além disso, os atrasos constantes provocam um aumento adicional no valor da obra. A projeção é que Angra 3 leve 31 anos para ser construída.Danielle Bambace

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porque não apresentou pesquisas sobre a saúde dos trabalhadores e da população local. Nisso, a INB conta com a cumplicida-de da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). O órgão que autoriza e fiscaliza ativida-des nucleares renova regular-mente a autorização de operação inicial, que deveria ser utilizada apenas para testes.

A população de Santa Quitéria será colocada em risco provavel-mente para abastecer o mercado internacional. A produção atual da mina de Caetité é suficiente para abastecer as usinas Angra 1 e 2 e com a duplicação anunciada para o próximo ano poderá suprir também Angra 3.

DiNhEiRO PúBLiCOAlém das questões ambientais

e de saúde, a associação da INB com a Galvani coloca foco em outro problema. A maior parte do empreendimento, orçado em R$ 800 milhões, deverá ser financiada com dinheiro público. Um pedido de empréstimo de 80% desse valor está sendo estudado pelo Banco do Nordeste. A previsão de fatu-ramento do projeto Santa Quitéria não foi revelada pela Galvani.

A reportagem tentou entrevis-tar a Cnen, a IBN e o Banco do Nordeste por duas semanas, sem resposta. Em www.greenpeace.org.br/santaquiteria, é possível ler a íntegra das respostas envia-das pela Galvani.

Santa Quitéria

Mina de extração de urânio em Caetité é exemplo dos problemas que Santa Quitéria soferá.

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14 | jul - ago - set 2009

Saber o que se come é o primeiro passo para uma alimentação mais saudável e responsável. Porém, a infor-mação na embalagem não ajuda: os rótulos, que deve-riam funcionar como aliados, estão longe do ideal.

Faltam informações sobre sustentabilidade. Se a referên-cia para a rotulagem fosse a pegada ecológica, ou seja, a quantidade de recursos natu-rais utilizados para viabilizar seu consumo, muitas adapta-ções seriam necessárias.

A origem do produto que consta na embalagem se limita à zona industrial em que ele foi produzido. Nem sempre o local onde a indústria está instalada é de onde vem a matéria-prima. Além dis-so, alguns produtos são uma miscelânea de ingredientes, com origens variadas e um histórico de danos ao meio ambiente. E o consumidor não consegue ter acesso à informação.

Nas embalagens de carnes, é impossível saber em qual fazenda o gado foi criado e, se o nome é dado, é virtualmente impossível saber se ela é livre de desmatamento. O mesmo vale para os cereais matinais: não é possível saber a procedência do milho e da soja, se o seu cultivo envolveu

o uso de agrotóxicos, que distância os grãos percorreram para chegar até a prateleira e qual foi a emissão de gases do efeito estufa.

A União Européia saiu na frente e criou o “EcoLabel”, em 1992, um selo que informa quanto gás carbônico (CO2) é emitido por produto. A moda pegou e redes inteiras de supermer-cados convidam o consumidor a se preocupar com o aquecimento global na hora de escolher a próxima refeição.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exige informações como ingredientes, peso, validade, informações nutricionais, se contém ou não glúten, se é destinado a fins espe-ciais (diet e light, por exemplo) e se traz mais de 1% de matéria-prima transgêni-ca – vitória do Greenpeace em 2007.

Além da ausência de dados ambien-tais, esse rótulo é indecifrável para o consumidor. Os problemas começam nos termos técnicos utilizados na com-posição e na informação nutricional. Dizer que biscoitos contêm niacina não explica muito. O importante é sa-ber que esse composto nada mais é do

que a vitamina B3, que funciona como co-rante alimentício e é encontrado em carne,

leite, ovos e legumes. “As empresas poderiam fornecer

uma versão mais didática do rótulo, garantindo o direito à informação que é dado ao consumidor”, afirma Rafael Cruz, coordenador da campanha de transgênicos do Greenpeace Brasil. “Nossos hábitos alimentares têm consequências não só para nós, mas também para todo o planeta. Cabe ao consumidor cobrar e fazer escolhas de forma consciente.”

Informação dos sonhosDanielle Bambace

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Informações nutricionais

Quantidade por porção %VD*

Valor calórico 110kcal 4

Carboidratos 12g 3

Proteínas 0g 0

Gorduras totais 7g 9

Gorduras saturadas 2,5g 10

Colesterol 0mg 0

Fibra alimentar 0g 0

Cálcio ** 0

Ferro ** 0

Sódio 110mg 5

* Valores Diários de Referência com base em uma dieta de 2.500 calorias.

** Quantidade não significativa.

IngredientesBatata Fazenda Santa Clara (Montes Claros,

MG), cultivo orgânico com certificação, livre

de agrotóxicos

Óleo vegetal extraído de milho não-transgênico

– plantio orgânico livre de agrotóxicos e

processamento na Fazenda Milho Verde

(Ribeirão Preto, SP)

Sal iodado produzido por Salsaude (Cabo Frio, RJ)

Não contém glúten.

Alimento livre de transgênicos.

Produto final obtido em BatataBoa LTDA.Rodovia dos Bandeirantes, km 15

São Paulo-SP

Distribuído por Verde Frota.

Esse produto emitiu 10g de CO2 eq.

Embalagemreciclável

Rótulo ideal traria informações sobre o impacto ambiental envolvido em sua produção. Saiba quais itens fariam parte dele.

uso ou não de agrotóxicos

volume de gases-estufa

emitidos

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O Brasil está mais perto de ter uma legislação de energias reno-váveis. O relator da Comissão de Energias Renováveis da Câmara Federal, o deputado Fernando Ferro (PT-PE), entregou em julho a primeira versão do texto que será transformado em projeto de lei.

“O ideal é que a lei esteja pronta para ser levada à reu-nião de Copenhague. Essa seria uma grande contribuição e uma demonstração da responsabili-dade do Brasil com o clima do planeta”, afirma Ferro. Na cidade, em dezembro, uma nova política climática precisa ser definida.

A principal proposta apresen-tada por Ferro é a adoção de um mecanismo que oferece aos investidores garantias de acesso à rede de distribuição de energia com preços justos e contratos de longo prazo. O sistema, conhe-cido como feed-in, é utilizado na Alemanha e na Espanha, países com tradição em renováveis, e reduz os riscos para os empreen-dedores, atraindo capital para o setor. Essa proposta foi retirada do projeto de lei do deputado Edson Duarte (PV-BA), escrito com a colaboração do Greenpeace.

O chuveiro elétrico também entrou na mira. Para incentivar o abandono de um dos maiores

vilões do consumo residencial de eletricidade, Ferro propõe redução de 20% na tarifa de quem usa coletores solares para aquecer a água.

Outras melhorias aparecem no texto, como renúncia fiscal para a importação de equipamentos e criação de programas para a geração de energia renovável, de pequeno e médio porte, tanto em sistemas conectados à rede quanto em sistemas isolados. Isso facilita a geração local de ener-gia, o que beneficia pequenas comunidades.

Para incentivar novas tecnolo-gias, o relator quer parte dos lu-cros que serão obtidos do pré-sal e das termelétricas em um fundo voltado para a pesquisa. “O texto é um avanço em relação à atual legislação sobre energias reno-váveis”, avalia Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de energias renováveis.

Depois de receber emen-das, o texto será encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, para então ser votado no Senado. Para o deputado, a pres-são da sociedade pode acelerar esse trâmite. “Se não houver uma grande mobilização, (o projeto de lei) pode levar muito tempo para ser votado”, diz.

Lei renovada Vânia Alves

Seleção recordeA seleção de voluntários realizada em São Paulo, em

julho, reuniu 226 interessados. O escritório foi pequeno para tanta gente e as atividades foram

transferidas para a Universidade Aberta do Meio Ambiente e da Cultura de Paz. Foi uma verdadeira força-tarefa: voluntários mais antigos e funcionários da organização passaram o dia conversando com os candidatos e realizando entrevistas. No final, 48 novos voluntários foram selecionados. Eles se juntam aos outros 22 que já fazem parte do grupo da capital paulista.

Os processos de seleção de novos voluntários são abertos periodicamente. Todos os colaboradores são convidados a participar.

Verde nos pampasQuem visitou o Shopping Iguatemi Caxias, em Caxias do Sul (RS), em julho, conferiu a exposição fotográfica “Salvar o Planeta. É Agora ou Agora”, uma seleção de imagens de algumas ações do Greenpeace e da expedição do navio Arctic Sunrise no Brasil. Nossa equipe de Diálogo Direto esteve todos os dias no evento, falando do nosso trabalho de defesa do meio ambiente, explicando a necessidade de se tomar medidas urgentes contra o aquecimento global e convidando os visitantes a se tornarem colaboradores do Greenpeace.

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Primeira versão da lei brasileira de renováveis traz boas novas para o setor

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Uma das expedições mais desafiadoras do Greenpeace está em curso neste momento. Até setembro, o Ártico é o local de trabalho de um grupo de ativistas e pesquisadores. A viagem, que começou em junho, tem o objeti-vo de reunir dados que ajudem a medir os impactos das mudanças climáticas nos pólos – e as con-clusões iniciais são assustadoras. As áreas derretidas por conta do aumento médio das temperaturas e correntes marítimas mais quen-tes do que o comum na região é muito maior do que o previsto inicialmente.

O maior impacto registrado foi o derretimento de parte da geleira Petermann. Um grande rio forma-do por água de degelo corre em cima da geleira – são 50 metros cúbicos por segundo. Para se ter uma idéia do que isso significa, esse volume de água é suficiente para encher uma piscina olímpica em menos de um minuto.

O Ártico é uma das regiões mais sensíveis do planeta ao aquecimento global. O gelo que cobre a região reduz a cada ano: em março desse ano, por exem-plo, fim do inverno no Hemisfério Norte, foram registrados 15,2

milhões de quilômetros quadra-dos de gelo, 590 mil km2 a menos do que a média registrada entre 1979 e 2000. À medida que a co-bertura branca diminui, o oceano absorve mais radiação solar – o que aumenta a temperatura da água e, por consequência, pro-move ainda mais derretimento.

A documentação fotográfica da expedição é histórica. Nossos fotógrafos registraram ursos po-lares, narvais e focas – uma rica fauna que, assim como toda a biodiversidade local, está fatal-mente ameaçada pelos impactos do aquecimento global.

Equipe do Arctic Sunrise passa entre Groenlândia e Canadá, em junho, durante sua viagem à geleira Petermann; a expedição, que termina em setembro, registrou os impactos negativos do aquecimento global no Ártico.

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Calor no norteDanielle Bambace e Vânia Alves

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Arctic Sunrise encontra cenário desolador no Ártico. Nível de derretimento da geleira Petermann, o ponto mais ao norte do planeta, é muito mais alto do que o esperado.

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Começou a contagem regressi-va para a Conferência do Clima, que acontece em dezembro, em Copenhague. Nosso futuro será decidido nessa reunião. Os 192 países que participam da Convenção do Clima das Nações Unidas precisam definir como será o regime político que vai reger o mundo a partir desse sé-culo, com muito menos gases do efeito estufa no ar.

Desde o começo do ano, o Greenpeace se mobiliza para que o governo brasileiro faça sua parte: atinja o desmatamento zero

até 2015, garanta que pelo menos 25% da eletricidade no país seja gerada a partir de fontes renová-veis até 2020 e transforme pelo menos 30% da costa marinha em áreas protegidas.

No segundo semestre, a pressão ficará mais intensa. Contadores foram distribuídos em quatro capitais – São Paulo, Rio, Salvador e Porto Alegre. O de São Paulo começou a funcio-nar no dia 29 de agosto, quando faltavam 100 dias para o início da conferência. O mesmo contador está em nosso site, à disposição

Encruzilhada climática Cristina Amorim

O coordenador da campanha de cli-ma do Greenpeace, João Talocchi, foi detido em julho durante uma ação na sede da Unesco, em Paris, durante a entrega de um prêmio para o presidente Lula. Talocchi e dois ativistas franceses cobraram uma atuação mais ativa do governo brasileiro para salvar a floresta amazônica. Ele conta como foi:

“A ação devia acontecer quando o Lula começasse a falar, mas a cerimô-nia não seguiu como a gente pensava. Por isso, quando o Lula foi receber o

prêmio, os dois ativistas franceses pu-laram no palco e abriram as faixas onde se lia ‘Salve a Amazônia, salve o clima’. Eu saí correndo, tentando encher um globo inflável o mais rápido possível. No palco, um dos seguranças tentou me barrar, mas me soltou e partiu para cima dos dois ativistas. Aproveitei para entregar o globo para o Lula.

Os franceses foram detidos. Saí da sala e acompanhei o restante da cerimônia pela televisão. De repente, o Lula saiu de uma porta do meu lado,

cercado de jornalistas, e caminhou na direção de um carro. Como tinha uma faixa pequena no bolso, me posicionei no caminho e a abri, de maneira que os jornalistas vissem.

Bom, aí fui detido e, depois, nós três fomos levados para uma delega-cia. No interrogatório, o policial quis entender a ação, porque achava que o Lula defendia a floresta. Explicamos que no exterior o Lula diz uma coisa, mas internamente ele age diferente. No final, convencemos o policial.”

para os internautas replicarem à vontade.

Nossos voluntários irão às esco-las, para levar informações sobre o aquecimento global a quem mais será afetado pelas mudanças cli-máticas: os jovens. Outras grandes ações estão em curso. O site do Greenpeace trará informações atu-ais sobre nossas atividades, além de explicações sobre o problema ambiental, como funcionam as negociações e dicas sobre como cada um pode ajudar a controlar o aquecimento global.

“Estamos num momento crucial das negociações de clima e só o trabalho político não será suficiente para viabilizar as mu-danças que precisam ser feitas pra salvar nosso futuro”, diz Gabriela Vuolo, coordenadora de mobili-zação da campanha de clima do Greenpeace. “A pressão pública é fundamental, mas também preci-samos ir para as ruas.” O trabalho está apenas no começo. Fique de olho e participe!

> DEPOIMENTO

“Convencemos o policial”

Iceberg inflável que tomou o rio Sena, em Paris, marcou em julho o pedido do Greenpeace para que o governo francês faça mais pelo clima.

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O país que diz que o verde na sua bandeira homenageia suas florestas mal se lembra da natureza no dia de sua independência. E não é por falta de motivo. No grupo que comandou a separação do Brasil de Portugal, estava um homem que desde jovem se preocupou com a maneira como os brasileiros cuidavam do meio ambiente. Mas José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da independência, olhava com justificada amargura para o país que ele via nascer.

Tentou, em vão, extirpar seus piores hábitos. Como a prática de caçar baleias arpoando filhotes para atrair as mães. Matar duas gerações para consumir uma, alertava, faria as baleias sumirem da nossa costa. Bonifácio também combatia a escravidão. E não só por questões morais. Via na mão-de-obra barata a origem de um ciclo vicioso, onde a degradação do solo para a agricultura era resolvida com a abertura, a machado e fogo, de novas áreas agrícolas em cima de solo ocupado por florestas.

“A Natureza fez tudo a nosso favor, nós porém pouco ou nada temos feito a favor da Natureza... Se os senhores de engenho não tivessem uma multidão demasiada de escravos, eles mesmos aproveitariam terras já abertas e livres de mato, que hoje jazem abandonadas”, escreveu ele na sua Representação à Assembléia Constituinte do jovem império tropical, em 1823.

Nascido em Santos em 1763, José Bonifácio deixou o Brasil aos 20 anos para estudar mineralogia em Portugal. Em Coimbra, ligou-se ao grupo do naturalista italiano Domenico Vandelli, defensor dos recursos naturais como fonte de riqueza a ser preserva-da. Para cá, voltou em 1819. Imaginava reencontrar em São Paulo a mesma na-tureza que guardara na sua memó-ria de juventude. Teve um choque ao ver o “miserável estado em que se acham os rios Tietê e Tamanduateí, sem margens nem leitos fixos, sangrados por toda a parte por sarjetas”. Previu que se vingariam, produzindo inundações.

Bonifácio morreu em 1838 sem nunca ter re-nunciado a seus pontos de vista. O Brasil não quis lhe dar ouvidos. Se tivesse, o país teria gerido melhor seus recursos na-turais e hoje, além de mais rico, seria também mais bonito.

Tópico O que você achou da nova área de colaboradores?

“Está muito bacana!Super fácil de acessar, informativo – ainda mais com a colaboração dos usuários – muito bom! Fora que a interatividade e esses debates dão mais ânimo na luta a favor do ambiente!Parabéns pelo trabalho!”

Taís Sonetti González, no fórum da nova área de colaboradores

do site do Greenpeace

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REVISTA DO GREENPEACERua Alvarenga, 2331

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Conselho diretor Marcelo Sodré Eduardo M. Ehlers Marcelo Takaoka Pedro Leitão Raquel Biderman Furriela

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REVISTA DO GREENPEACEÉ uma publicação trimestral do Greenpeace

Cristina Amorim (MTb 29391) Danielle Bambace Caroline Donatti Vânia Alves Danielle Bambace

Gabi Juns D’lippi

Este periódico foi impresso em papel reciclado em processo livre de cloro. Tiragem: 26 mil exemplares.

www.greenpeace.org.br

fórum

O patriarca do ambientalismoKiko Brito

O selo FSC garante que este produto foi impresso em papel FSC.

perfil

JoséBonifáciodeAndradaeSilva

© Gabi Juns

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ApoluiçãoénossaNo dia 31 de agosto, ativistas do Greenpeace penetraram na co-memoração armada pelo governo, em Brasília, para celebrar o pré-sal e lembraram que o Brasil precisa levar em consideração as emissões de carbono e a poluição que serão geradas pela exploração de suas novas reservas petrolíferas. Assim que o pre-sidente iniciou seu discurso, três ativistas subiram ao palco e abriram uma faixa com a frase: “Pré-sal e poluição: não dá para falar de um sem falar no outro”. Depois, três deles ficaram perto do palco segurando banners com os mesmos dizeres enquanto Lula terminava sua fala. A repercussão na imprensa foi enorme.

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© Giulio Di Sturco/Greenpeace

Os navios são plataformas fundam

entais para o trabalho do Greenpeace. Essa frota

viaja pelos quatro cantos do mundo e

funciona como um

verdadeiro escritório m

óvel – para expor e confrontar os responsáveis pelos crim

es ambientais

ou documentar as agressões em

áreas rem

otas do planeta.