Revista Eletronica Fupac Revisada
-
Upload
thiago-araujo-teles-do-vale -
Category
Documents
-
view
143 -
download
1
Transcript of Revista Eletronica Fupac Revisada
Fundação Presidente Antônio Carlos – FUPACFaculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni
Revista Eletrônica Jurídica da FUPACTO
Revista Jurídica de Teófilo Otoni
Teófilo Otoni
v.2
n.2
p. 1-227
jul./dezembro 2011
Revista Eletrônica Jurídica da FUPACTO
Fundação Presidente Antônio Carlos - FUPACFaculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo OtoniCurso de Direito
Os direitos autorais são reservados.
Fundação Presidente Antônio CarlosFaculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo OtoniMagnífico Reitor : Prof. Bonifácio José Tann de AndradaGestor: Prof. Neilando Alves PimentaDiretor Acadêmico - Pedagógico: Marcio Schuber Ferreira FigueiredoDiretor Administrativo: Marcos Cezar Magalhães GanemCoordenador do NICE: Adriano Stanley da Rocha SouzaCoordenadora Adjunta do NICE: Adriana Andrade Ruas
Revista Jurídica de Teófilo Otoni
Revista Eletrônica Jurídica da FUPACTO - Revista da Fundação Presidente Antônio Carlos e Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni. Curso de Direito. - v.1, n1( ago. - dez. 2010)Teófilo Otoni, Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, 2010.Quadrimestral ISSN 2179-4316 Virtual
1. Ciências sociais aplicadas - PeriódicosI. Fundação Presidente Antônio Carlos de Teófilo OtoniII. Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni
Editores Científicos:Prof. Dr Adriano Stanley Rocha Souza e Prof Me Adriana Andrade RuasConselho Editorial: - Dr Mario Lucio Quintão Soares- Dr Rosangelo Rodrigues de Miranda- Dr.Cezar FiúzaRevisores principais:
- Msc Adirson Antonio Glorio de Ramos- Me Hazel Hena do Socorro Santos- Dr Rosangelo Rodrigues de Miranda- Dr Mario Lucio Quintão Soares- Dr Cimon Hendrigo Burmam- Me Apolinário de Castro- Esp Ana Lucia Tomich Ottoni - Esp Marcos César Magalhães Ganem- Dr Adriano Stanley Rocha Souza - Me Adriana Andrade Ruas - Esp. Cibele Maria Diniz Figueiredo Gazzinelle- Dr.Daniel Rodrigues Silva
Os conceitos estabelecidos nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores.
Endereço: Rua: Engenheiro Celso Murta n. 600Bairro: Olga CorreiaTeófilo Otoni- MG - CEP 39. 803.087
SUMÁRIO
CONTORNOS NORMATIVOS E DOGMÁTICOS DA LESÃO E DO ESTADO DE PERIGO NO DIREITO BRASILEIROCésar Fiuza............................................................................................................................7
O FUNDAMENTO JURÍDICO DO DANO MORAL: PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA OU PUNITIVE DAMAGES?Adriano Stanley Rocha Souza.............................................................................................39
O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E LIMITAÇÕES AO SEU EXERCÍCIO: UM DIÁLOGO ENTRE DIREITO E SAÚDE MENTALMaria de Fátima Freire de Sá e Diogo Luna Moureira........................................................50
ADPF nº 54: ANENCEFALIA, UMA ESCOLHA DIFÍCILAdriana Andrade Ruas........................................................................................................60
ENSAIOS SOBRE O PROJETO DO NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL: MUDANÇAS NAS REGRAS DA “ASTREINTES”André Luiz Peruhype Magalhães........................................................................................80
DESCONCENTRAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Eder Marques de Azevedo e Marcorélio Rodrigues dos Reis............................................90
O TESTAMENTO VITAL E A POSSÍVEL VALIDADE NO DIREITO BRASILEIROCaroline Amorim Costa e Isabela Maria Marques Thebaldi.............................................108
O INQUÉRITO POLICIAL E O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENALCaroline Amorim Costa e Gabriela Nogueira Matias.......................................................120
OS DOENTES MENTAIS E O REGIME DAS INCAPACIDADES: por uma hermenêutica que transcenda o mero exercício de subsunção.Maíla Mello Campolina Pontes.........................................................................................126
O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO E DA FUNDAMENTAÇÃO NA TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA DA FILOSOFIA DO DIREITO O SÉCULO XXCaroline Amorim Costa, Cláudio Victor Carneiro de Mendonça e Orlando Casagrande Neto...................................................................................................................................142
REFLEXÃO SOBRE A CULPABILIDADE SEGUNDO A DOGMÁTICA ATUAL: A IMPOSSIBILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS DELINQUIREMIsac Melquíades e Luciana Ferreira de Oliveira................................................................150
UMA ANÁLISE SOBRE EDUCAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIASIsac Melquíades e Mácia de Fátima Marques da Silva.....................................................164
O DIREITO DOS POVOS SEM ESCRITAAldany Gomes Brito e outros ….......................................................................................184
PARCERIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONVÊNIOS E CONSÓRCIOSEdmar Pereira da Silva, Luma Teixeira de Oliveira e Patrícia Nunes Farias....................192
A DISTÂNCIA ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NA FORMAÇÃO DO ADVOGADO EM TEÓFILO OTONI / M.G.Ana Madalena Mendes de Souza e Alcilene Lopes de Amorim Andrade.......................210
Prefácio
O meio eletrônico é o instrumento eficiente que utilizamos para que o discurso presente nesta obra seja disseminado no meio acadêmico levando nossa contribuição para o Direito. Sabemos que é a oportunidade de democratizarmos com os alunos do Curso de Direito da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni a doutrina construída por docentes e discentes desta Instituição e outras instituições brasileiras. Com este trabalho temos a pretensão de contribuir para o crescimento científico jurídico e oportunizar o conhecimento. A produção científico-acadêmica é importante vetor de aproximação do discurso jurídico com a comunidade intelectual. Os avanços tecnológicos servem exatamente a este justo propósito, levar ao maior numero possível de pessoas o conhecimento de forma célere .
Caminhamos por uma temática livre abrindo o debate acadêmico por vários caminhos e várias interpretações. Os artigos aqui apresentados compõem a construção científica de grandes doutrinadores, como os professores César Fiuza, Adriano Stanley e Maria de Fátima Freire de Sá que nos agracia com uma fatia do direito. Assim como professores desta instituição e também discentes que vem construindo um trabalho de iniciação científica da faculdade. E claro, não podia faltar convidados de outras instituições que com certeza contribuem para a edificação do saber. Portanto espero que possamos apreciar e aproveitar esta primeira edição como uma de muitas que se seguirão.
Adriana Andrade Ruas
CONTORNOS NORMATIVOS E DOGMÁTICOS DA LESÃO E DO ESTADO DE PERIGO NO DIREITO BRASILEIRO
LEGAL AND DOGMATIC FEATURES OF LESION AND IMMINENT DANGER IN BRAZILIAN LAW
César FiuzaAdvogado e consultor jurídico.Doutor em Direito pela UFMG.
Professor de Direito Civil nos Cursos de Graduação e de Pós-graduação da PUCMG,
da UFMG e da FUMEC.
RESUMO
O presente artigo faz um estudo da lesão e do estado de perigo, desde sua origem histórica
até seus contornos teóricos e práticos no Direito Brasileiro, tanto do ponto de vista do
Direito Comum e Empresarial, quanto do ponto de vista do Direito do Consumidor.
ABSTRACT
The present paper studies lesion and imminent danger, from their historical origin to their
doctrine and practice in Brazilian Law, from a Civil Law, a Business Law and a
Consumer’s Law point of view.
SUMÁRIO: Introdução – Lesão – Evolução histórica – Natureza jurídica da lesão –
Requisitos de configuração da lesão – Efeitos da lesão – Estado de perigo – Evolução
histórica – Definição e natureza jurídica – Requisitos de configuração do estado de perigo
– Efeitos do estado de perigo – Conclusão.
SUMMARY: Introduction – Lesion – Historical evolution – Lesion’s juridical nature –
Lesion’s configuration requisites – Lesion’s effects – Imminent danger – Historical
evolution – Definition and juridical nature – Imminent danger’s configuration requisites
– Imminent danger’s effects – Conclusion.
PALAVRAS-CHAVE
Lesão – estado de perigo – código civil – código do consumidor
KEY WORDS
Lesion – imminent danger – civil code – consumer’s code
I. INTRODUÇÃO
A lesão e o estado de perigo foram introduzidos na legislação brasileira com o
Código de 2002. Apesar disso doutrina e jurisprudência ainda não se afinaram a respeito
de seus contornos teóricos e práticos. Tanto para o Direito Privado, quanto para o Direito
do Consumidor, são institutos importantes, dada sua incidência prática.
Ao Direito Empresarial interessa o estudo do estado de perigo, para saber como
evitá-lo. É prática comum, por exemplo, dos hospitais, a exigência de depósitos
despropositados como requisito para a internação de pacientes. A prática deve ser evitada
e, muitas vezes, é levada a cabo por ignorância de seus efeitos.
Os contratos em geral e, principalmente, os empresariais estão sujeitos à lesão. É
fundamental, assim, que se a conheça em seus pormenores, para se contorná-la.
II. LESÃO
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O instituto da lesão não é novo. Caio Mário, em sua célebre obra, Lesão nos
contratos, dá notícia do instituto em preceitos hindus, coligidos por Madura-Kandasvami-
Pulavar, muito mais antigos que o Direito Romano. Assim dispunha a norma: “a venda
não aproveitará ao comprador se foi feita por um homem exaltado, por um louco etc., ou a
preço vil”. De fato, encontram-se aqui os elementos subjetivos e objetivos da lesão,
embora separados. Em outras palavras, a inferioridade do lesado (homem exaltado, louco
etc.) e a desproporção entre as prestações (preço vil) são tratadas como hipóteses distintas
e não como elementos de uma mesma hipótese, a lesão.
Entretanto, é no Direito Romano que iremos buscar as fontes mais próximas e
diretas da lesão.1
No Direito Romano, surgem vários institutos, a partir do trabalho pretoriano baseado
na aequitas, sobre o ius strictum. Dentre esses institutos acha-se a in integrum restitutio,
com a qual a lesão guarda muita semelhança.
Consistia a restituição in integrum numa reposição das partes ao status quo ante,
tendo em vista uma mudança no estado de direito em prejuízo do titular, contrária à
eqüidade, reclamando, pois, o restabelecimento do estado anterior. A restitutio era um ato
de império, praticado pelo magistrado fora da iurisdictio, tendo como pressuposto o
prejuízo do titular do direito. Ressalte-se que o magistrado não era obrigado a conceder a
restituição, a não ser que estivesse convencido, e que estivessem reunidas no problema as
condições de causa e de prazo, além do prejuízo advindo da aplicação estrita do ius civile. 1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 2/3.
A afinidade existente entre a in integrum restitutio primitiva e a rescisão por lesão é
indubitável: numa e noutra ataca-se a validade de um ato perfeito iure civili, por amor à
eqüidade; uma e outra decorrem de uma lesão sofrida por uma das partes.
Fundamentalmente, porém, diversificam-se. Enquanto a rescisão por lesão é
concedida com fundamento direto na própria lesão, a restituição integral se prendia a
outras circunstâncias, que tinham de ser apresentadas ao magistrado, para que ele, com
base nelas, fundamentasse a fórmula.2
É no final do Alto Império que se pode apontar no Direito Romano o monumento
fundamental do instituto da lesão. É nesta legislação imperial que se indica geralmente a
fonte de que decorre toda a construção doutrinária, que tem dividido os melhores juristas,
respeito ao difícil problema da rescisão dos contratos lesivos.
O instituto da lesão decorre de dois fragmentos do Código de Justiniano, quais
sejam, duas Constituições, uma de Diocleciano e outra de Maximiliano, que teriam sido
baixadas no terceiro século da era cristã. Certo é, contudo, que a mais importante é a
primeira, de 285, denominada Lei Segunda, uma vez que a outra, de 294, além de se
resumir a uma ressalva ou exceção, inserida no final do rescrito, faz referência à primeira,
dando como pressuposto assentado a doutrina já anteriormente firmada.
Eis o texto:
"Se você ou seu pai houver vendido por preço menor uma coisa de preço maior, é humano (eqüitativo) que, por intermédio da autoridade do juiz, você restitua o preço aos compradores e receba de volta o fundo vendido. Por outro lado, se o comprador preferir, poderá aditar o que falta para o justo preço. O preço se presumirá a menor, se não for paga nem a metade do que seria o verdadeiro valor".3
Esta era a lesão enorme. Há quem entenda, porém, que esse texto não é o original,
tendo sido modificado por Justiniano, no século VI, a fim de introduzir o instituto da
lesão. O original seria contrário à admissão da lesão.4
Alegada a laesio enormis, atribuía-se ao adquirente uma solução facultativa: ver
decretado o desfazimento da venda, ou oferecer o complemento do preço. Cumpre notar
que não se tratava de obrigação alternativa. Não era o comprador obrigado a restituir a
2 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 6/7.
3 Tradução livre do original: “Rem maioris pretii, si tu vel pater tuus minoris distraxerit: humanum est, vel ut pretium te restituente emptoribus, fundum venundatum recipias, auctoritate iudicis intercedente: vel si emptor elegerit, quod deest iusto pretio, recipias. Minus autem pretium esse videtur, si nec dimidia pars [veri] pretii soluta sit.” (Cod., Lib. IV, Tit., XLIV, 2)4 BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 4.
coisa ou completar o preço, nem podia o vendedor demandar o complemento. Cabia ao
alienante pedir a coisa, restituindo o preço. A outra forma de se restabelecer o equilíbrio
das prestações e satisfazer o princípio da eqüidade foi instituída como faculdade
outorgada ao comprador: si emptor elegerit (se o comprador preferir).
Se o comprador não fizesse uso da prerrogativa de que dispunha, a solução seria a
rescisão da venda, e o conseqüente restabelecimento do estado anterior.
Estariam afastados da órbita da rescisão lesionária os contratos aleatórios, as vendas
graciosas, as vendas em leilão.5
Antes de criar a rescisão do contrato lesivo, o Direito Romano conheceu a doutrina
dos vícios do consentimento. O Direito pretoriano, ao criar a restituição in integrum, teve
em vista circunstâncias nitidamente subjetivas. No entanto, para a rescisão lesionária foi
instituído um critério objetivo de apuração, que se refletia na validade do contrato. Foi
conceituada a lesão como um vício de apuração objetiva do próprio contrato,
inconfundível com os defeitos subjetivos, preexistentes no Direito Comum.
A análise do instituto evidencia que não havia, em verdade, dolo ou erro presumido,
porém defeito objetivo do contrato. Não há falar em dolo presumido do comprador nem
em erro presumido do vendedor, porque a rescisão decorria de um fenômeno puramente
material, e não anímico: se o preço ficasse abaixo da metade do valor, seria inválida a
compra e venda, sem cogitar da pureza das intenções nem do conhecimento do preço
justo.
A conseqüência prática é a mesma. Quer se diga que há erro presumido, ou dolo
presumido, quer se afirme que o defeito é puramente objetivo, o efeito é um só: a rescisão
da venda, quando se apura a desproporção tarifada, entre o preço e o valor. Mas é preciso
que se conceitue o fenômeno. Se na hora de decretar a rescisão do negócio, o julgador se
deve ater apenas ao aspecto objetivo da diferença de preço, é ilógico que o comentador, na
hora de explicar a rescisão, venha pesquisar subjetivamente um defeito que justifica o
desfazimento do negócio no só fato de sua verificação objetiva.
O que se observa com a laesio enormis no Direito Romano é isto: foi criada como
um vício objetivo do próprio contrato, e como tal aplicada.6
A divisão do império romano, realizada por Teodósio, no ano de 395, representou
não só uma dualidade geográfica (Império do Oriente e Império do Ocidente), mas dois
conceitos de civilização, dois aspectos espirituais, um verdadeiro antagonismo ideológico.
5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 28/29.6 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 33-35.
Enquanto Constantinopla ostentava uma civilização construída sobre os alicerces
romanos, rejuvenescida pela moral do cristianismo e pela filosofia helênica, Roma
assimilou o fundo barbárico, mais rude, mais elementar.
O Ocidente ignorou, por muito tempo, a reforma justinianéia. Além disso, o Código de
Teodósio omitiu as duas Constituições de Diocleciano e Maximiliano, de 285 e 294.
Não podia, pois, o Ocidente conhecer a rescisão por lesão.
Por outro lado, razões de ordem econômica influíram poderosamente no sentido de
não ser difundido no alto medievo o instituto da lesão. O homem medieval repugnava o
vender sua terra. Essa amor à terra, a repulsa a sua alienação, a transformação do regime
político-econômico propendendo para o feudalismo, o desconhecimento dos textos do
Código, tudo levou a que o Ocidente, a princípio, desconhecesse o instituto da lesão, e,
posteriormente, lhe desse sentido diverso.7
No fim do século XI e começo do XII, renasce do Direito Romano, com a famosa
Escola de Bolonha. Verifica-se, então, o aparecimento da lesão enorme no mundo
Ocidental, recebendo os juristas os textos quase puros, despidos da reestruturação que se
verifica no Oriente com o Direito Bizantino.
Os glosadores, estudando os textos do Código de Justiniano, logo sentiram
dificuldade em configurar a lesão como instituto autônomo, destacado dos vícios do
consentimento, e, por uma argumentação muito à sua feição, raciocinaram, suprindo com
sua contribuição, o que lhes parecia faltar no monumento original. Parece que não
conseguiam deixar de se ater ao elemento anímico.8
Coube ao Direito Canônico efetuar a maior ampliação do campo de incidência da
lesão enorme, fornecendo os elementos para o desenvolvimento geral da doutrina. Coube
a Santo Tomás de Aquino assentar o alicerce desse desenvolvimento, com a teoria da
justiça comutativa, que tomou de Aristóteles.
Do ponto de vista da troca, quando alguém dá a outrem alguma coisa, tem em vista
o que dele receberá. Troca aqui no sentido de comutatividade (prestação e
contraprestação). A forma geral da justiça é a igualdade em que convêm a justiça
distributiva e a justiça comutativa; a primeira conforme uma proporcionalidade
geométrica, e a segunda, aritmética.
7 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 37/38.8 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 40/41.
Essa igualdade de prestações deve ser observada em todas as trocas, compreendida
esta expressão em sentido amplo. Todo contrato deve ser considerado do ponto de vista de
seu conteúdo e não de sua formação, e em todos eles é preciso que se observe aquela
igualdade preconizada pela justiça comutativa.
Da mesma forma que se estendera a rescisão a outros contratos, afirmou-se sua
invocação pelo comprador, vez que o vendedor também estaria sujeito às regras da justiça
comutativa.9
Foi devido aos canonistas que se criou a chamada laesio enormissima, sem
fundamento na Lei romana. Quando o vendedor era enganado além de dois terços do valor
da coisa, considerava-se que os princípios que regiam a lesão enorme eram insuficientes
para atender a essa situação, engendrando-se novos: a lesão enormíssima não apenas
viciava o contrato, tornando-o resolúvel, mas ia além, importando sua inexistência como
ato jurídico.
Corolário disto era negar-se ao comprador a faculdade de completar o justo preço,
por ser insanável o vício.10
O Direito costumeiro e o Direito escrito, no início da Idade Moderna, amalgamaram
todos esses conceitos, uma vez que herdaram os princípios canônicos, sua ampliação aos
contratos comutativos em geral, a invocação pelo vendedor como pelo comprador e a
extensão às vendas mobiliárias.11
Não obstante todas as oscilações e divergências, o instituto da lesão recebeu enorme
desenvolvimento na Idade Média. Os textos romanos serviram de base a um edifício de
proporções avantajadas, que estendeu sua sombra sobre todo o Direito obrigacional.
Na origem, a rescisão decorria da desproporção entre o preço e o valor. No início do
ressurgimento medieval, introduziu-se o fator dolo de natureza especial, que se encontrava
na própria diferença entre o preço e o valor, dolo re ipsa. Depois, surgiu o elemento
conhecimento, introduzindo num instituto que dele não cogitara a princípio. Exigiu-se,
para que se desse a rescisão, a ignorância do justo preço, por parte do alienante, que se
traduzia no erro quanto ao valor.
É notório o contraste entre a ampliação de sua incidência e as restrições a sua
aplicação. Neste contraste, porém, não se desenha uma antítese. Ao contrário, o que se
assinala é uma relação de causalidade, expressa nesta marcha de avanços e recuos:
surgindo o elemento subjetivo no conceito da lesão, a tendência ordinária seria no sentido 9 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 43/44.10 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 45.11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 48.
de restringi-la, relativamente à verificação objetiva que se acentuava na origem romana.
Mas, num grande avanço, o fator anímico se alarga, desenhando-se intrínseco na própria
diferença entre o valor e a quantia paga. Instituiu-se a noção do justo preço, e a rescisão
passou a abranger todos os contratos comutativos.
Mas no fim da Idade Moderna, a idéia da autonomia da vontade começa a ganhar
uma dimensão exagerada. E é de ver que esta idéia é oposta ao instituto da lesão. Se a
vontade é lei entre as partes, se os contratantes de vontade livre prescindem de toda
intervenção estatal para realizar seus negócios, o princípio protetor contido na rescisão do
ato lesivo aparece surdamente abalado, à vista da incompatibilidade flagrante com a
definição da liberdade contratual.
Arraigado que se achava, entretanto, o princípio protetor contido no instituto da
lesão, haveria de perdurar na elaboração jurídica da Idade Moderna.12
Os escritores dos séculos XV a XVII tinham a preocupação de ressuscitar o espírito
da Antigüidade, expurgando as instituições romanas, o mais possível, da contribuição
teológica. Quanto à rescisão dos atos lesivos, a diretriz genérica era a de reconstruir a
doutrina da lesão, tanto quanto possível, analogamente a seu perfil no Código Justinianeu.
Não interessava a boa ou a má-fe do adquirente para se resolver um contrato lesivo.
A aplicação da lesão restringia-se, nessa época, às vendas imobiliárias, ao mesmo
tempo em que se alargava a tolerância quanto aos empréstimos com juros. Dificultava-se a
prova da lesão sofrida pelo contratante que a invoca. A extensão do benefício ao
comprador permanecia contraditória: alguns arestos recusavam a ação do comprador,
outros a acolhiam.
A concepção do justo preço esbate-se, deforma-se a partir do século XVI, numa
tricotomia - ummum, médium, infimum, - dos quais só o último servia de base à rescisão.
Este fato reduzia seu campo de aplicação apenas às vendas por menos de metade do
menor valor da coisa.
Outro fenômeno que se observa nesse período é a inexistência de qualquer escola. O
estudo do instituto só se pode fazer na obra, geralmente dispersiva, dos principais juristas
do tempo: Dumoulin, Bertrand D'Argentré, Cujacio, Noodt, Thomasius, Pothier, Domat.13
Observando a lesão num olhar de conjunto, e realizando uma comparação sumária
da doutrina romana com o desenvolvimento medieval, e sua projeção na era moderna,
12 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 50/51.13 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 51/52.
devemos lamentar a ausência de uma sistematização do instituto, disperso nas teorias
várias, diversamente defendidas.
O ideal de justiça comutativa, que a lesão se propôs realizar, depois de ter ganhado
toda a plenitude, animada pela moral cristã, que a levou muito além das fronteiras traçadas
pelo Código de Justiniano, perde, pouco a pouco, a intensidade, abalada por várias ordens
de ataques.
De um lado, fruto da evolução social, a autonomia da vontade é defendida cada dia
com mais ardor. Entendiam os juristas dispensável qualquer proteção ao indivíduo que
contrata, fundados no pressuposto da igualdade formal e na liberdade, também formal, de
que goza todo aquele que realiza um negócio. Amalgamava-se a liberdade civil à
econômica, confundindo-as.
No final do século XVIII e no século XIX, o liberalismo congregava a sociedade
(economistas, juristas e políticos) em torno do laissez-faire. O liberalismo não era só
doutrina econômica. Abrigava fundamentos religiosos (a idéia cristã do homem como
valor supremo, dotado de direitos naturais) e fundamentos políticos (oposição ao ancien
régime, por demais opressivo).
A teoria jurídica se assentava sobre alguns dogmas:
1º) oposição entre o indivíduo e o Estado, que era um mal necessário, devendo ser
reduzido;
2º) princípio moral da autonomia da vontade: a vontade é o elemento essencial na
organização do Estado, na assunção de obrigações etc.;
3º) princípio da liberdade econômica;
4º) concepção formalista de liberdade e igualdade, ou seja, a preocupação era a de
que a liberdade e a igualdade estivessem, genericamente, garantidas em lei. Não
importava muito garantir que elas se efetivassem na prática.
Este estado de coisas vem até o final do século XIX, início do século XX.
A exaltação kantiana da vontade criadora do homem fez o Código Civil Francês
abolir a transcrição e a tradição, passando o simples consenso a ser o meio de transmissão
da propriedade. Foi também por influência de Kant, segundo Fernando Noronha (1994: 63
et seq.), que os pandectistas alemães engendraram a idéia de negócio jurídico, enquanto
manifestação de vontade produtora de efeitos.
Planiol, em 1899, proclamava que a vontade das partes forma obrigação nos
contratos; a Lei apenas sanciona essa vontade criadora. (1906: 319/320)
No final do século XIX e no século XX, nasce o chamado Estado Social. Há muito,
políticos e economistas haviam abandonado a idéia do liberalismo. Os juristas
continuavam, contudo, apegados à idéia da autonomia da vontade. Não por puro
conservadorismo, mas por força do modelo tradicional de contrato, que continuava
imperando na prática. Quando a massificação chegou ao campo jurídico-contratual é que
se começou a rever esses conceitos.
Assim, temos que o liberalismo e o individualismo resultaram do capitalismo
mercantilista. Com a Revolução Industrial, que começa na Inglaterra, já no século XVIII,
a sociedade se transforma. Dois fenômenos importantes ocorrem: a urbanização e a
concentração capitalista, esta conseqüência da concorrência, da racionalização etc.
Esses dois fenômenos resultaram na massificação das cidades, das fábricas
(produção em série), das comunicações; das relações de trabalho e de consumo; da própria
responsabilidade civil (do grupo pelo ato de um indivíduo) etc.
A massificação dos contratos é, portanto, conseqüência da concentração industrial e
comercial, que reduziu o número de empresas, aumentando-as em tamanho. Apesar disso,
a massificação das comunicações e a crescente globalização acirraram a concorrência e o
consumo, o que obrigou as empresas a racionalizar para reduzir custos e acelerar os
negócios: daí as cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão.
Tais inovações levaram os juristas a um estado de perplexidade. O modelo
tradicional de contrato estava morrendo, para ceder lugar às novas formas: contratos de
adesão; contratos regulados, cujo conteúdo é dado pelo legislador; contratos necessários
etc.
Em outras palavras, as pessoas já não contratam como antes. Não há mais lugar para
negociações e discussões acerca de cláusulas contratuais. Os contratos são celebrados em
massa, já vindo escritos em formulários impressos.
Toda essa revolução mexe com a principiologia do Direito Contratual. Os
fundamentos da vinculatividade dos contratos não podem mais se centrar exclusivamente
na vontade, segundo o paradigma liberal individualista. Os contratos passam a ser
concebidos em termos econômicos e sociais. Nasce a Teoria Preceptiva. Segundo esta
teoria, as obrigações oriundas dos contratos valem não apenas porque as partes as
assumiram, mas porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada,
por suas conseqüências econômicas e sociais. É como se a situação se desvinculasse dos
sujeitos, nos dizeres de Gino Gorla.14
Dois outros princípios que buscam fundamentar a obrigatoriedade contratual são o
princípio da confiança e o da auto-responsabilidade.
O negócio obrigacional só vincula por ser fenômeno social, realidade objetiva
tutelada pelo Direito. Os interesses particulares devem estar em harmonia com os gerais,
como explica a teoria preceptiva.
O contrato realiza um valor de utilidade social.
Valores são verdades básicas, premissas. Segundo Stein e Shand, os valores
fundamentais da sociedade ocidental seriam três: ordem (segurança), justiça e liberdade.15
A eles acrescentamos a dignidade humana. É com base nesses valores que o contrato
intenta promover o bem comum, o progresso econômico e o bem-estar social. À liberdade,
corresponde o princípio da autonomia privada. À ordem (segurança), o princípio da boa-
fé. À justiça, o princípio da justiça contratual. À dignidade do homem, correspondem
todos eles e os princípios da dignidade humana e da função social dos contratos. Vejamos
cada um destes princípios, lembrando, porém, que, na verdade, alguns são princípios
clássicos, que receberam nova roupagem. Exemplo é o princípio da autonomia privada,
que, ao ser relido, adaptado aos tempos modernos, recebe o nome de princípio da
autonomia privada. Muitos, porém, continuam denominando-o de autonomia da vontade,
apesar de seu novo perfil.
Vejamos alguns desses princípios informadores do Direito contratual, especialmente
os que nos interessam para o aprofundamento do estudo da lesão.
O primeiro e mais importante princípio é o da dignidade humana. A dignidade
humana, como vimos, é um valor a ser realizado pelo ordenamento jurídico. Foi
consagrada no art. 1º, III da Constituição, como fundamento da República brasileira. É
com base nessa dignidade que todas as normas jurídicas constitucionais e infra-
constitucionais, bem como todas as situações e relações jurídicas deverão ser
interpretadas, inclusive os contratos.
Os contratos, enquanto meio de geração e de circulação de riquezas, de
movimentação da cadeia de produção, devem ser instrumento de promoção do ser humano
e de sua dignidade. Em outras palavras, os contratos não podem ser vistos apenas como
14 GORLA, Gino. Il potere della volontà nella promessa come negozio giuridico. In: RODOTÀ, Stefano (a cura di). Il diritto privato nella società moderna. Bologna: Il Mulino, 1971, passim.15 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 100/101.
meio de enriquecimento das partes contratantes.
O segundo é o princípio da função social. Os contratos são instrumento de
movimentação da cadeia econômica, de geração e de circulação de riquezas. É por seu
intermédio que a economia se movimenta. Eles geram empregos, criam oportunidades
para a promoção do ser humano. Nisto reside sua função social.
É com base no princípio da função social dos contratos que muitos problemas
contratuais serão solucionados. Neste sentido, é com fulcro nele que, por exemplo, o juiz
poderá evitar a falência de uma empresa, ao preservar a existência de contratos que
poderiam ser resolvidos , dentre outras causas por serem lesivos. A revisão será
sempre preferível à rescisão, salvo se não for possível a preservação do contrato.
O terceiro princípio que nos interessa é o da boa-fé. A boa-fé pode ser subjetiva ou
objetiva.
A boa-fé subjetiva consiste em crenças internas, conhecimentos e
desconhecimentos, convicções internas. Consiste, basicamente, no desconhecimento de
situação adversa.
A boa-fé objetiva baseia-se em fatos de ordem objetiva. Baseia-se na conduta das
partes, que devem agir com correção e honestidade, correspondendo à confiança
reciprocamente depositada. As partes devem ter motivos objetivos para confiar uma na
outra.
O princípio da boa-fé contratual diz respeito à boa-fé objetiva. É dever imposto às
partes agir de acordo com certos padrões de correção e lealdade. Este o sentido do art. 422
do Código Civil.
O princípio tem funções interpretativa, integrativa e de controle.
Em sua função interpretativa, o princípio manda que os contratos devam ser
interpretados de acordo com seu sentido objetivo aparente, salvo quando o destinatário
conheça a vontade real do declarante. Quando o próprio sentido objetivo suscite dúvidas,
deve ser preferido o significado que a boa-fé aponte como o mais razoável.
Segundo a função integrativa, percebe-se que o contrato contém deveres, poderes,
direitos e faculdades primários e secundários. São eles integrados pelo princípio da boa-fé.
Em sua função de controle, o princípio diz que o credor, no exercício de seu direito,
não pode exceder os limites impostos pela boa-fé, sob pena de proceder ilicitamente. A
função de controle tem a ver com as limitações da liberdade contratual, da autonomia da
vontade em geral e com o abuso de direito.
Em algumas hipóteses, como se houver lesão, o contrato pode ser extinto por violar
o princípio da boa-fé.
Um subprincípio da boa-fé é o princípio da confiança, que, aqui, tem uma conotação
diferente daquela que vimos acima, ao tratarmos da obrigatoriedade contratual. As partes
confiam uma na outra, devendo a atuação de ambas corresponder a essa confiança.
Por fim, o último dos princípios que nos interessam é o da justiça contratual. Tem
a ver com a relação de paridade que se estabelece nas relações comutativas, de sorte a que
nenhuma das partes dê mais ou menos do que o que recebeu.
É modalidade de justiça comutativa ou corretiva, que procura equilibrar pessoas em
relação que deve ser de paridade.
A eqüidade é fundamental ao princípio da justiça contratual. É a eqüidade que
impede que a regra jurídica, se entendida à letra, conduza a injustiças. Eqüidade é
sinônimo de justiça ou, mais especificamente, é a justiça do caso concreto.
A justiça pode ser formal ou substancial/material.
A justiça formal preocupa-se com a igualdade de oportunidades no momento da
contratação.
A substancial ou material preocupa-se com o efetivo equilíbrio do contrato.
As duas são importantes. Não basta apenas a formal.
A justiça substancial se baseia em dois princípios: o princípio objetivo da
equivalência (entre prestação e contraprestação) e o princípio da distribuição eqüitativa de
ônus e riscos.
Pode-se dizer, contudo, que, salvo em casos excepcionais, presente a justiça formal,
presume-se presente a substancial. Sem esta presunção seria difícil traçar o alcance da
justiça substancial.
Presumida a justiça substancial, presumida estará a justiça contratual, cumprindo ao
prejudicado provar a violação ao princípio da justiça contratual.
Há casos, porém, em que esta presunção não prevalece. São casos de desequilíbrio
manifesto, em que incumbe, não ao prejudicado, mas à outra parte, provar que o princípio
da justiça contratual não foi violado. São exemplos:
– vícios do consentimento (falta a justiça formal, não se podendo presumir a
substancial);
– incapacidade (falta a justiça formal, não se podendo presumir a substancial);
– lesão e estado de perigo (falta a justiça formal. Na lesão, uma das partes se
aproveita da ingenuidade, estado de necessidade ou mesmo da leviandade da
outra. No estado de perigo, uma das partes contrata para evitar mal maior e a
outra disso se aproveita);
– desequilíbrio contratual futuro (falta a justiça substancial);
– contratos padronizados e de adesão (pode faltar a justiça formal, por isso não se
pode neles presumir presente a substancial).
Poderíamos dizer que é subprincípio da justiça contratual o princípio de proteção ao
hipossuficiente e ao vulnerável, à parte mais fraca e menos informada. Na dúvida, a
interpretação será sempre mais favorável ao hipossuficiente ou ao vulnerável.
Como resta claro, foi com a evolução do Estado Liberal para o Estado Social que se
ressuscitou a lesão, que hoje se baseia em todos esses princípios supra mencionados.
No Direito Brasileiro, a lesão evoluiu até ser abandonada pelo Código Civil de 1916.
Posteriormente, já com a Constituição de 1937, o instituto volta a vigorar, recebendo
tratamento doutrinário, legal e jurisprudencial, condizente com a realidade do Estado
Social, instalado no País no século XX.
Por toda parte onde ocorre, o instituto apresenta-se como filho da eqüidade,
afirmando a regra moral. Da mesma forma ocorreu no Direito Português, que vigorou no
Brasil até o surgimento de nossos códigos.
A doutrina portuguesa soube bem distinguir a ação de lesão da de nulidade,
presumindo nesta um contrato inválido, inábil a transferir o domínio, e naquela uma
avença útil, sujeita a desfazimento posterior, evitável com o complemento do justo preço.
A construção portuguesa é mais segura, mais próxima da fonte romana, porque não
vai buscar em razões laterais, ou na presunção de vício do consentimento, ou em ficção, o
fundamento da rescisão que institui para todo contrato lesivo. A lesão está na injustiça do
contrato em si, e não no defeito das partes ao contratar.
No Direito das Ordenações, além da laesio enormis havia ainda a lesão
enormíssima, que se caracterizava quando alguém recebesse somente a terça parte do justo
valor da coisa.
O Direito Português conferia ação de lesão tanto ao vendedor quanto ao comprador.
Proclamada a Independência do Brasil, foi decretado que toda a legislação
portuguesa continuaria em vigor, nas partes em que não tivessem sido revogadas por
nossa Lei.
Assim e em conseqüência deste Decreto, o instituto da lesão passou à legislação
brasileira, tal qual era no Direito Português. Estando os monumentos doutrinários
brasileiros assentados nos mesmos moldes da teoria construída sobre o Código Filipino,
não tivemos, pois, uma doutrina brasileira sobre a lesão, nem trouxemos para a evolução
do instituto uma contribuição que se possa dizer nossa, ou original.
O maior trabalho brasileiro do século passado, não só pela autoridade excelente de
seu autor, como pela envergadura especial da própria obra, foi a Consolidação das Leis
Civis de Teixeira de Freitas. Compulsando-a, vamos encontrar o instituto da lesão
definido no art. 359, em disposição genérica, que envolve, da mesma forma que na
Ordenação, todos os contratos comutativos, e ao mesmo tempo estipula a taxa
caracterizadora da lesão, ou seja, a que "exceder metade do justo valor da cousa".
Quem melhor expôs a doutrina em nosso Direito foi Lacerda de Almeida, cuja teoria
se resume em poucas palavras.16
O dolo vicia o ato. Mas há um caso em que, sem a ocorrência deste vício, ele pode
ser resolvido, e é quando falta equivalência das prestações nos contratos comutativos,
excedendo o que se dá de mais da metade do que se recebe. O fundamento da rescisão do
ato não é o vício do consentimento, mas a eqüidade. A desproporção entre o dado e o
recebido, "destruindo a própria razão fundamental do contrato, ofende a eqüidade natural,
e exige a proteção da lei em favor do contratante prejudicado". Daí ser desnecessário ao
que invoca o benefício provar o engano em que incidiu ou a manobra da outra parte, pois
a rescisão decorrerá da simples existência da desproporção dos valores. Esta deve ser
contemporânea ao contrato. Mas, mesmo nessa época, concebe-se que a coisa tinha um
valor máximo, médio e ínfimo. É preciso, então, eleger um para a base de configuração da
lesão. Lacerda de Almeida prefere o ínfimo. E como nas coisas e direitos controvertidos e
litigiosos é impossível conhecer precisamente o verdadeiro valor, o benefício da rescisão
não alcança os contratos em que o objeto seja duvidoso ou dependente de eventualidades.
As vendas em hasta pública não podem ser desfeitas em razão das solenidades e
publicidades que as cercam.
Nega o benefício aos comerciantes pelo mesmo motivo da aptidão, que alcança os
contratos de empreitadas com mestres de ofício, a que acresce ainda a liberdade
comercial.
Quanto à lesão enormíssima, repete os conceitos vindos dos tratadistas clássicos.
16 ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. Obrigações. Rio de Janeiro: RT, 1916, p. 224 et seq.
Caio Mário salienta que Lacerda de Almeida se deixou influenciar por três
categorias de idéias: a doutrina romana, tal como se extrai dos textos originais do Código
Justinianeu; a construção medieval e os princípios contidos nas Ordenações, em torno dos
quais, evidentemente, firmou sua apresentação. Assimilando todas as idéias e de umas e
outras, tirando um pouco, oferece uma teoria eclética, com características didáticas, mas
que padece do vício de não distinguir as contribuições das diversas épocas e escolas. Não
quer isto dizer, porém, que se lhe negue o valor de haver abrangido o instituto numa
síntese que bem demonstra a profundeza de seus estudos.17
O primeiro passo para abolir o instituto no Direito brasileiro foi dado pelo Código
Comercial de 1850, que, no art. 220, dispôs não ter lugar a rescisão por lesão nas compras
e vendas celebradas entre pessoas todas comerciantes.
Como acentua J.X. Carvalho de Mendonça, o preço, representando a compensação
da coisa e o objeto da prestação do comprador, "deve ser real, efetivo, ou, conforme se
diz, sério". Mas isto não significa que ele deva ser justo, isto é, "o equivalente exato da
coisa vendida".18 Caio Mário lembra passagem de Paulo, no Digesto em que se considera
natural vender por mais o que vale menos e vice-versa.19
Esta malícia normal do comerciante, que faz da venda sua fonte de rendimentos, não
se coaduna em verdade com o benefício da rescisão por lesão, pois que, se é da essência
do ato comercial a especulação com fito de lucro, a segurança da vida mercantil
desapareceria se fosse possível reabrir discussão em torno de qualquer venda perfeita, e
indagar da proporcionalidade das prestações.20
A doutrina, laborando sobre o dispositivo que aboliu a lesão nas vendas celebradas
"entre pessoas todas comerciantes", ampliou-o a quaisquer vendas mercantis, ainda que
um dos contratantes não seja mercador.
Uma vista rápida sobre as tentativas de codificação do Direito Civil brasileiro
recolhe uma vez mais a controvérsia de que padece o instituto e que vimos encontrando ao
longo desta peregrinação, desde sua discutida origem, e através de sua atormentada
história.
Clóvis Beviláqua, auxiliando nos trabalhos da codificação, sustenta, com base no
Direito comparado, que os códigos mais modernos aboliram o benefício da lesão. Com
17 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 96. 18 MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 4. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1947, v. VI, 2ª parte, p. 42/43.19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 8.20 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 108/109.
outro fundamento, de caráter sociológico, argumenta ser admissível a rescisão dos
contratos lesivos, sempre que o Estado necessitar exercer uma tutela mais direta e
contínua sobre a vida privada, por não se sentirem os indivíduos assaz fortes contra a
prepotência e contra a cobiça, e porque entre as classes sociais há um verdadeiro
contraste.21
Partindo de que a igualdade civil está assegurada definitivamente, e ponderando que
as facilidades da comunicação e o desenvolvimento da indústria colocam o vendedor na
posição de escolher o momento da venda, defende Clóvis a segurança e a estabilidade das
transações que devem se submeter à lei da oferta e da procura.22
Na sessão de 31/12/1901, votada esta parte do Projeto, foram suprimidos os arts.
1.311 a 1.319, referentes à lesão.23
Em 1934, a Constituição da República deu um primeiro passo na direção de
ressuscitar o instituto da lesão, ao proibir a usura, em seu art. 117, parágrafo único. Para
alguns, no Brasil, a lesão, por isso mesmo, só deixou de existir entre 1917 e 1934.24
No entanto, foi somente em 1951, com a Lei dos Crimes contra a Economia Popular
que a lesão tomou novamente assento em nossa legislação, com todos os seus contornos
bem delineados. Trata-se da lesão usurária ou, simplesmente, usura, em que é apurado o
dolo de aproveitamento, nos termos do art. 4º da Lei dos Crimes contra a Economia
Popular (Lei 1.521/51):
“Obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade,
inexperiência ou leviandade da outra parte, lucro patrimonial que exceda o
quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.”
A doutrina, a partir daí retoma o assunto, dando-lhe maior relevo também a
jurisprudência. De crucial importância foi a obra do Prof. Caio Mário, que, podemos
dizer, aprofunda definitivamente os estudos da lesão.
De todo modo, outra lei a cuidar da rescisão lesionaria, só foi editada em 1990.
Trata-se da Lei 8.078, também chamada de Código de Proteção e Defesa do Consumidor.21 BEVILAQUA, Clovis. Theoria geral do direito civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929, p. 294.22 BEVILAQUA, Clovis. Theoria geral do direito civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929, p. 294.23 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 97.24 BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 2.
Em poucas palavras, o legislador consumeirista resumiu a lesão, em dois artigos. No
primeiro deles, art. 6º, IV, o CDC garante ao consumidor a modificação das cláusulas
contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais. No segundo, art. 51, IV, o
Código considera nulas de pleno Direito, as cláusulas que estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.
Como se vê, não há no Código do Consumidor nenhum intento de regulamentar a
lesão em seção específica, como faz com a desconsideração da personalidade jurídica, por
exemplo, nem tampouco de traçar-lhe os contornos teóricos, como fez a Lei 8.078/51.
Pelo contrário, o CDC foi econômico nas palavras e disperso no tratamento do tema,
deixando à doutrina e à jurisprudência o resto do trabalho, diante de cada caso concreto,
como, aliás, é a moda da hermenêutica moderna.
Finalmente, o Código Civil de 2002 reentronizou a matéria dentre os defeitos dos
negócios jurídicos, no art. 157 e parágrafos. Neste ponto, teve o legislador a preocupação
de reservar-lhe uma seção específica, desenhando seu perfil e seus elementos.
2 NATUREZA JURÍDICA DA LESÃO
Vista, em poucas linhas, a evolução histórica da lesão no Direito Europeu e no
Brasileiro, passemos a enfrentar a questão da natureza jurídica da lesão. Na geografia dos
defeitos dos negócios jurídicos, seria ela vício do consentimento ou vício social?
A primeira tendência da doutrina foi no sentido de considerá-la vício do
consentimento, uma vez que a vontade do lesado estaria prejudicada pela necessidade,
pela inexperiência ou pela leviandade. Assim, o posicionamento da lesão seria ao lado do
erro, do dolo e da coação.
A tese, contudo, não convence e não se justifica. A vontade do lesado embora, sem
dúvida prejudicada, não nasce viciada por engano quanto às circunstâncias, nem por
violência ou esperteza de terceiro. Não se pode equiparar a lesão aos vícios do
consentimento, mesmo porque, o fundamento da invalidade do negócio não é a
dissonância entre a vontade real e a vontade declarada.
Muito menos se equipara a lesão aos vícios sociais, quais sejam, à fraude contra
credores e à simulação. Como diz Caio Mário, a distância entre os institutos é tão grande,
que nem há mister salientar a diferença.25 25 PEREIRA B, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, v. I, p. 349.
É inquestionável, todavia, que a lesão se assemelha aos vícios da vontade, uma vez
que o beneficiário tira proveito da distorção anímica do lesado, que se deixa influenciar
pela necessidade, se deixa enganar pela inexperiência, ou se abandona à leviandade. Mas,
como visto, não chega a se inserir no grupo desses vícios pelas diferenças já apontadas.
Por isso mesmo, alguns a chamam de vício excepcional.26
Anelise Becker qualifica a lesão como causa invalidante do negócio, relativamente a
seu objeto, uma vez que a rescisão lesionária tem por principal causa a desproporção das
prestações. Seguramente não tem por base a incapacidade dos sujeitos, nem a inadequação
de forma.27
De todo modo, seja vício excepcional, seja causa invalidante referente ao objeto,
seja qual for a natureza da lesão, os pilares em que se assenta a rescisão iremos buscar nos
princípios da equidade, da boa-fé objetiva e, em última instância, ou primeira, dependendo
do ponto de vista, no princípio da dignidade humana, fundamento constitucional da
República.
Todo contrato exprime uma luta de vontades canalizadas para uma finalidade
interesseira, e é a resultante inevitável das desigualdades iniciais, visto ser impossível
pela própria contingência humana a concretização de um pressuposto absoluto de
igualdade das partes contratantes. Desta disparidade pessoal, resulta quase sempre a
obtenção de uma vantagem que se afirma às vezes com prejuízo de outrem.
Nisto não vai qualquer procedimento moralmente reprovável, que reclame do direito
sanção ou permita ao aparelho repressor do Estado interferir para restabelecer uma
igualdade, sacrificada sem quebra do dever de lealdade contratual. Mas, onde e quando se
faz mister a intervenção estatal é no caso de um dos contratantes abusar de sua
superioridade, porque então é mister estender o direito a sua proteção ao mais fraco, quer
esta inferioridade se manifeste por "um estado permanentemente físico ou moral", quer
sua debilidade revista a forma de "uma vontade mal assegurada", caso em que se terá de
proceder a uma "análise sutil do valor do consentimento".28
26 PEREIRA B, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, v. I, p. 349.27 BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 135.28 RIPERT, Georges. La règle morale dans les obligations civiles. 4. éd., Paris: L.G.D.J., 1949, p. 81.
No terreno moral e na órbita da justiça comutativa nada existe de mais simples: se
um contrato exprime o aproveitamento de uma das partes sobre a outra, ele é condenável,
e não deve prevalecer, porque contraria a regra de que a Lei deve ter em vista o bem
comum, e não pode tolerar que um indivíduo se enriqueça na percepção do ganho, em
contraste com o empobrecimento do outro, a que se liga pelas cláusulas ajustadas.
3 REQUISITOS DE CONFIGURAÇÃO DA LESÃO
Para que se configure o negócio lesionário, é mister reúnam-se alguns requisitos
essenciais. São cinco, que estudaremos a seguir.29
Primeiramente, a lesão deve ocorrer no momento da celebração do contrato,
devendo ser apreciada segundo as circunstâncias deste momento. Se a desproporção
ocorrer em momento superveniente, estaremos diante de onerosidade excessiva, devida a
fatores imprevisíveis, podendo o contrato ser resolvido ou revisto.
Em segundo lugar, o negócio há de ser do tipo que pressuponha equivalência entre
as prestações, o que ocorre nos contratos bilaterais e onerosos (comutativos).
A lesão é mais comum nos contratos pré-estimados. Nos contratos aleatórios
também poderá haver lesão, desde que os riscos e chances de cada parte estejam
equilibrados no momento da celebração. “A certeza da inequivalência entre os riscos
assumidos por cada parte, que vem à luz ao primeiro exame, impede ao adquirente invocar
o caráter aleatório do contrato para escapar à invalidade por lesão”.30
O terceiro requisito é a falta de equivalência entre as prestações. O Direito
Brasileiro segue duas linhas. A Lei dos Crimes contra a Economia Popular tarifa a lesão
em um quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida. Já o Código do
Consumidor e o Código Civil optaram por não tarifar a lesão, elaborando conceito aberto
para a desproporção, que deverá ser aquilatada pelo juiz no caso concreto, dentro dos
limites do princípio da razoabilidade.
Em relação à tarifação da lesão, Caio Mário é de opinião que em todo negócio as
partes devam contar com uma qualquer margem de lucro, sob pena de se paralisar todo o
comércio e cessarem as transações. Compreendido no justo preço o lucro razoável,
29 BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 88 et seq.30 BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 97.
haveria lesão desde que se configurasse qualquer diferença, por mínima que fosse, em
relação a ele.31
Como a Lei Segunda do Código Justinianeu definiu como "menor", e portanto,
lesivo, o preço inferior à metade do justo, tal percentagem conservou-se até a Idade
Moderna.
Se a tarifação ou estabelecimento de um limite tem inconvenientes, por outro lado a
instituição do benefício subordinado apenas à existência de uma desproporcionalidade
entre o pago e o recebido, entre o valor da prestação obtida e o contra-valor da concedida,
conduzirá fatalmente a instabilidade muito maior.
Todo e qualquer negócio depende de inúmeros fatores, quer de ordem pessoal, quer
de ordem geral, a que acresce um elemento aleatório normal, que se não deve desprezar.
Quando o contrato é desses que se perfazem e executam num só ato, por exemplo, a
compra e venda em que, concluído o ajuste, receba logo o vendedor sua prestação e o
comprador a outra, a apuração do iustum contrapassum se reduz a uma simples avaliação.
Mas, se a execução é deferida para época ulterior à conclusão do ato, já a questão assume
outros aspectos, porque fatores estranhos á vontade das partes poderão influir,
aparentando lesivo um negócio que na origem não o era.
Deixar ao arbítrio judicial a verificação do dano e a nulidade do ato em decorrência
da lesão objetiva, sem um fator normativo essencial, é instituir como norma a insegurança
das transações. Cada indivíduo tem os seus princípios, os seus critérios, as suas opiniões.
O mesmo negócio, encarado por um homem que se mostre rigoroso na apreciação dos
fatos pode ser reputado ilícito, e visto por um espírito menos rigorista é capaz de ser
considerado moral e justo.
O quarto requisito é o dolo de aproveitamento, que consiste no fato de o
beneficiário se aproveitar da inexperiência, necessidade ou leviandade da outra parte.
Segundo Orlando Gomes, o dolo de aproveitamento só será necessário na apuração
da lesão qualificada, como está posta na Lei dos Crimes contra a Economia Popular. Na
lesão pura, interessa apenas a desproporção entre as prestações.32
A lesão de que trata nossa legislação é, sem dúvida, a qualificada. O dolo de
aproveitamento é essencial, sob pena de se cometerem injustiças, uma vez que pode haver
desproporção sem que haja o aproveitamento por parte do beneficiário. O negócio,
31 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 101 et seq.32 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed., São Paulo: RT, 1980, p. 33.
aparentemente lesivo, pode resultar da vontade realmente livre e consciente da parte
aparentemente lesada.
Num primeiro momento, a opinião comum da doutrina moderna era a de que, para
se configurar o aproveitamento, bastaria o estado subjetivo de conhecimento da situação
inferior do prejudicado. Essa idéia evoluiu para que o aproveitamento praticamente
deixasse de ser elemento subjetivo, passando a elemento objetivo, presumido na
desproporção entre as prestações. Havendo a desproporção e a inferioridade, o dolo de
aproveitamento se presume. A presunção é, obviamente, iuris tantum.33
A jurisprudência pátria vem acolhendo esta tese, não exigindo, em regra, prova
inequívoca do aproveitamento, que deve ser deduzido das circunstâncias em que se
celebrou o negócio.
De fato, se uma das partes encontra-se em estado de necessidade, ou se pode ser
inserida na categoria dos inexperientes (vulneráveis), e se a outra parte sabendo disso e
celebrando negócio com exagerada vantagem para si, pode se presumir que houve
aproveitamento, ainda que o lesado tenha tido consciência disso, agindo com leviandade.
Por fim, o quinto requisito é a situação de inferioridade do lesado, que consiste em
qualquer circunstância que reduza consideravelmente a autonomia negocial do lesado.34
A inferioridade identifica-se com a necessidade, com a inexperiência ou com a
leviandade do contratante lesado.
A necessidade não é necessariamente o estado de pobreza ou miséria, mas a
impossibilidade econômica de evitar o contrato, dadas as circunstâncias.
A inexperiência tem a ver com vulnerabilidade. É a inexperiência contratual, é a
falta de conhecimentos específicos de certa área, na qual se insere o objeto do contrato.
4 EFEITOS DA LESÃO
O principal efeito da lesão é a rescisão lesionária. Não se deve usar o termo
resolução, uma vez que esta pressupõe um ato nascido válido, que depois é inadimplido.
(MAZEUAD & MAZEAUD, 1996: 485)
A rescisão pode significar tanto nulidade quanto anulabilidade. No Código Civil, é
causa de anulabilidade, já no Código do Consumidor é causa de anulabilidade. De toda
33 BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 116 et seq.34 BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 120.
forma, se o interessado não se manifestar em juízo, o negócio não será anulado,
produzindo seus naturais efeitos.
Antes, porém, da anulação do contrato, deve-se pensar em sua revisão, sempre que
possível, até por respeito ao princípio da função social dos contratos. Eventualmente, a
anulação em massa de uma série de contratos lesivos celebrados por certa empresa, pode
levá-la à falência, o que, em princípio, não interessa à sociedade, dadas as consequências
nefastas da quebra. Mas, cada caso é um caso, devendo ser analisado individualmente, de
acordo com as circunstâncias da época da celebração e da época da execução.
III. ESTADO DE PERIGO
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Historicamente, a evolução jurídica do estado de perigo é recente e restrita a
alguns países. Fala-se nele já no Direito Romano,35 mas sem nenhuma indicação clara e
segura das fontes, uma vez que os jurisconsultos romanos não traçaram os limites teóricos
e práticos do instituto, longe disso. O Editum quod metus causa referia-se ao medo em
geral, falando mais na coação, na violência (vis), que no perigo (Ait praetor: quod metus
causa gestum erit, ratum non habebo – diz o pretor: o que for gerido por medo, não darei
por ratificado – Ulpiano, D. IV, II, 1). De fato, porém, Ulpiano (D. IV, II, 7) menciona
situações de risco de vida ou de escravidão (timuit vel mortem, vel vincula). Paulo também
faz referência ao medo da escravidão (Ego puto etiam servitutis timorem, similiumque
admittendum – eu reputo também o medo da servidão como algo semelhante – Paulo, D.
IV, II, 4). Pode inferir dessas passagens do Edito que situações de perigo de morte ou de
servidão, bem como outras semelhantes, a seguir a analogia de Paulo, poderiam levar à
anulação do ato, ou à sua não ratificação pelo pretor (ratum non habebo). Ainda que se
possa apontar o Editum quod metus causa como fonte primeira do estado de perigo, é
fonte remota e nublada, para se ter como segura. Seguramente é fonte melhor que a Lex
Rhodia de Iactu, que tratava dos casos de alijamento marítimo, oriundo de caso fortuito ou
de força maior.
Foram mesmo doutrina e jurisprudência modernas que criaram a teoria do estado
35 LOPEZ, Teresa Ancona. O estado de perigo como defeito do negócio jurídico. Disponível em: www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/ Teresa_Ancona_Lopez/EstadodePerigo.pdf. Acesso em: 30 nov. 2010, p. 6/7.
de perigo, sendo a Itália um dos primeiros países a insculpi-la na lei escrita.
“Art. 1447. (Contrato concluído em estado de perigo). – O contrato no qual uma parte assuma obrigação iníqua, pela necessidade, conhecida da outra parte, de salvar-se a si ou a outrem de perigo atual de dano grave à pessoa, pode ser resolvido, por requisição da parte que se tenha obrigado.O juiz, ao pronunciar a resolução, pode, segundo as circunstâncias, assegurar uma justa compensação à outra parte pelo serviço prestado.”36
No Brasil, o estado de perigo já constava de forma não muito clara das leis
portuguesas e das leis marítimas. Digo de forma não muito clara, pois em todos os casos, a
ideia mais se assemelha à força maior do que ao estado de perigo propriamente dito. Bem,
propriamente dito, aparece no Projeto de Código Civil de Coelho Rodrigues e no Projeto
Beviláqua. Aquele não vingou, neste, foi suprimido. Assim, coube mesmo ao Código de
2002 instalar o estado de perigo em nossa legislação.
2 DEFINIÇÃO E NATUREZA JURÍDICA
O estado de perigo é bastante semelhante à lesão e à usura. Na verdade, o que
diferencia os três institutos é que naquele o perigo é mais pujante, quase sempre imediato.
Uma pessoa, para ser salva de naufrágio, paga soma absurda exigida por embarcação que
passava pelo local. Um indivíduo, para não ser difamado, paga preço absurdo a um jornal,
para a publicação de matéria esclarecedora. Na lesão e na usura, a necessidade é
econômica.
Em todos eles, a vítima age em estado de necessidade. No estado de perigo, o estado
de necessidade se configura pela iminência de dano moral ou físico. Na lesão e na usura, o
estado de necessidade é econômico. Por fim, no estado de perigo é a vítima que assume
obrigações, seja no sentido de propor o negócio abusivo, seja no sentido de aceitá-lo para
se socorrer.
O estado de perigo se caracteriza, pois, pelo temor que leva a vítima a praticar um
ato que, em outras condições, não praticaria.37
36 Tradução livre do art.1447 do Código Civil Italiano: “(Contratto concluso in istato di pericolo). – Il contratto con cui una parte ha assunto obbligazioni a condizioni inique, per la necessità, nota alla controparte, di salvare sè o altri dal pericolo atuale di un danno grave alla persona, può essere rescisso sulla domanda della parte che si è obligate.
Il giudice nel pronunciare la rescissione, può secondo le circonstanze, assegnare un equo compenso all’altra parte per la opera prestata.” 37 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 510.
De qualquer modo, o negócio praticado em estado de perigo é anulável, contendo
vício leve. Decretada a nulidade, a parte que se beneficiar poderá pleitear o preço justo em
ação de regresso. No caso da embarcação que salva o náufrago por preço absurdo, anulada
obrigação, o credor do preço poderá exigir o pagamento em ação de locupletamento, uma
vez que, afinal, o serviço foi prestado.38
Uma questão: estado de perigo e estado de necessidade seriam a mesma coisa?
Para muitos, parece haver uma sinonímia, mas, na verdade, são institutos totalmente
distintos.
A necessidade, de fato, pode constituir direitos, o que ocorre em diversas
situações, tanto no Direito Público, quanto no Direito Privado. A hipótese de a
necessidade ensejar direitos não é novidade; sob o influxo de princípios éticos e,
principalmente, religiosos direitos houve em prol daqueles em grave necessidade
econômica. O juiz eclesiástico podia obrigar os ricos a ajudar os pobres. Era já admitido
em Direito Romano o princípio, segundo o qual necessitas legem non habet, ou seja, a
necessidade não tem lei. Pode ser, ainda hoje, invocada como excludente de ilicitude.
Não só no Direito Penal se pode falar em estado de necessidade. Teresa Ancona
Lopes aponta no Direito Civil
“inúmeras situações em que a necessidade aparece como título jurídico. Por exemplo, na gestão de negócios, na qual a intervenção de terceiro nos negócios e propriedade alheia se justifica pela necessidade. Também a necessidade é fundamento do direito de passagem, em caso de prédio encravado, ou do direito do prédio superior despejar suas águas no inferior. É também a necessidade que legitima o casamento nuncupativo, o testamento marítimo, o depósito necessário. Importante também a sua aplicação no instituto dos alimentos, onde a demonstração das necessidades do alimentado é fundamental, criando, inclusive, o próprio direito”.39
O estado de necessidade é mais amplo que o estado de perigo. De Plácido e Silva
define-o, ora como estado de penúria, de precisão, ora como “estado de constrangimento,
em que se vê a pessoa, de modo a levá-la a fazer o que não era para fazer ou não fazer o
que era de seu dever”.40 Neste segundo sentido interessa-nos mais, uma vez que se
assemelha ao estado de perigo. Muito embora se pareçam, no estado de perigo não se trata 38 Mais sobre o tema, ver DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18. ed., São Paulo: Sarai-va, 2002, v. I. RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 32. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, v. I. GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed., São Paulo: RT, 1980. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, cit.39 LOPEZ, Teresa Ancona. O estado de perigo como defeito do negócio jurídico. Disponível em: www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/ Teresa_Ancona_Lopez/EstadodePerigo.pdf. Acesso em: 30 nov. 2010, p. 2.40 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 27. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 556/557.
de fazer o que não era para fazer, ou deixar de fazer o que era para fazer. Nele cuida-se de
assumir obrigação excessivamente onerosa, dada situação de emergência, de
constrangimento, sem dúvida, mas consistente em perigo à vida ou à saúde. São institutos
distintos, como fica claro.
Outra questão: seriam a mesma coisa estado de perigo e força maior/caso fortuito?
O estado de perigo, como vimos, é a situação de emergência, consistente em
perigo à vida ou à saúde, que leva o indivíduo a assumir obrigação excessivamente
onerosa. Na verdade, o estado de perigo em si pode não levar à assunção de obrigação
excessivamente onerosa, mas daí não produzirá efeitos jurídicos. Bem, o caso fortuito e a
força maior, assim como o estado de necessidade, são excludentes de ilicitude.
A doutrina tende a não fazer distinção prática entre força maior e caso fortuito.
Legalmente são tratados como equivalentes. Mas há diferença ontológica entre eles.
Como bem define De Plácido e Silva, em seu Vocabulário jurídico,
“caso fortuito é, no sentido exato de sua derivação (acaso, imprevisão, acidente), o caso que não se poderia prever e se mostra superior às forças ou vontade do homem, quando vem, para que seja evitado.O caso de força maior é o fato que se prevê ou é previsível, mas que não se pode, igualmente, evitar, visto que é mais forte que a vontade ou ação do homem.”
Assim, ambos se caracterizam pela irresistibilidade. E se distinguem pela
previsibilidade ou imprevisibilidade.41 Há autores que invertem a definição. Tanto faz, o
que importa é que não se confundem com o estado de perigo.
Quanto a sua natureza, pode-se dizer o mesmo que se disse da lesão.
A tendência da doutrina, principalmente paulista, é no sentido de considerá-lo
vício do consentimento, uma vez que a vontade da vítima estaria prejudicada pelo perigo
de grave dano. Assim, o posicionamento do estado de perigo seria ao lado do erro, do dolo
e da coação.
A tese, contudo, não convence e não se justifica. A vontade do paciente embora,
sem dúvida prejudicada, não nasce viciada por engano quanto às circunstâncias, nem por
violência ou esperteza de terceiro. Não se pode equiparar o estado de perigo aos vícios do
consentimento, mesmo porque, o fundamento da invalidade do negócio não é a
dissonância entre a vontade real e a vontade declarada.
Muito menos se equipara o estado de perigo aos vícios sociais, quais sejam, à fraude
41 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 27. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 401/402.
contra credores e à simulação. Como diz Caio Mário, com referência à lesão, a distância
entre os institutos é tão grande, que nem há mister salientar a diferença.42
É inquestionável, todavia, que o estado de perigo se assemelha aos vícios da
vontade, uma vez que o beneficiário tira proveito da distorção anímica da vítima, que se
deixa influenciar pelo perigo de dano iminente. Mas, como visto, não chega a se inserir
no grupo desses vícios pelas diferenças já apontadas.
Por isso mesmo, devemos chamá-lo de vício excepcional, assim como a lesão.43
Anelise Becker qualifica a lesão como causa invalidante do negócio, relativamente a
seu objeto, uma vez que a rescisão lesionária tem por principal causa a desproporção das
prestações. Seguramente não tem por base a incapacidade dos sujeitos, nem a inadequação
de forma.44 O mesmo se poderia dizer em relação ao estado de perigo. É causa invalidante
do negócio relativamente a seu objeto. A causa da invalidação é exatamente a
desproporção entre as prestações.
Repetindo o que dissemos a respeito da lesão, seja o estado de perigo vício
excepcional, seja causa invalidante referente ao objeto, seja qual for sua natureza, os
pilares em que se assenta a rescisão iremos buscar nos princípios da eqüidade, da boa-fé
objetiva e, em última instância, ou primeira, dependendo do ponto de vista, no princípio
da dignidade humana, fundamento constitucional da República.
Todo contrato exprime uma luta de vontades canalizadas para uma finalidade
interesseira, e é a resultante inevitável das desigualdades iniciais, visto ser impossível
pela própria contingência humana a concretização de um pressuposto absoluto de
igualdade das partes contratantes. Desta disparidade pessoal, resulta quase sempre a
obtenção de uma vantagem que se afirma às vezes com prejuízo de outrem.
Nisto não vai qualquer procedimento moralmente reprovável, que reclame sanção do
direito ou permita ao aparelho repressor do Estado interferir para restabelecer uma
igualdade, sacrificada sem quebra do dever de lealdade contratual. Mas, onde e quando se
faz mister a intervenção estatal é no caso de um dos contratantes abusar de sua
superioridade, porque então é mister estender o direito a sua proteção ao mais fraco, quer
42 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, v. I, p. 349.43 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, v. I, p. 349.44 BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 135.
esta inferioridade se manifeste por "um estado permanentemente físico ou moral", quer
sua debilidade revista a forma de "uma vontade mal assegurada", caso em que se terá de
proceder a uma "análise sutil do valor do consentimento".45
No terreno moral e na órbita da justiça comutativa nada existe de mais simples: se
um contrato exprime o aproveitamento de uma das partes sobre a outra, ele é condenável,
e não deve prevalecer, porque contraria a regra de que a Lei deve ter em vista o bem
comum, e não pode tolerar que um indivíduo se enriqueça na percepção do ganho, em
contraste com o empobrecimento do outro, a que se liga pelas cláusulas ajustadas.
3 REQUISITOS DE CONFIGURAÇÃO DO ESTADO DE PERIGO
Para se configurar, o estado de perigo pressupõe a conjunção de quatro elementos:
o primeiro deles é o perigo, que gera a necessidade de salvar-se ou a terceiro de grave
dano; o segundo, o objeto da ameaça, ou seja, o paciente, terceiro, animal, objeto de valor;
o terceiro, o dolo de aproveitamento e o quarto, a assunção de obrigação excessivamente
onerosa.
O perigo é a ameaça de grave dano. Ele gera o estado de necessidade (em sentido
amplo), e deve ser grave e atual.46
A atualidade do perigo significa que o fato danoso já existe e, caso não seja
interrompido, conseqüências lesivas advirão.
A gravidade do dano deve ser medida de acordo com as circunstâncias, levando-se
em conta o constans homo, o homem médio, avaliado tanto em relação às condições
físicas, quanto em relação às condições psíquicas. Deverá haver uma avaliação in
concreto do dano.
É interessante observar que o estado de perigo putativo é relevante para o Direito
Civil. Basta que o paciente pense estar em verdadeiro estado de perigo, para que o negócio
possa ser anulado. É óbvio que o suposto estado de perigo tem que ser do conhecimento 45 RIPERT, Georges. La règle morale dans les obligations civiles. 4. éd., Paris: L.G.D.J., 1949, p. 81.
46 On peut se poser la question de savoir ce que veut dire le terme “péril”. Il n'existe pas de définition légale. L'état de péril serait un état dangereux, une situation critique qui fait craindre de graves conséquences pour la personne qui y est exposée: elle risque soit de perdre la vie, soit des blessures, soit une altération grave de sa santé...Bref une menace sérieuse pèse sur la personne physique. – Pode-se indagar sobre o que quereria dizer o termo “perigo”. Não há definição legal. O estado de perigo seria um estado perigoso, uma situação crítica, que faz temer graves conseqüências para a pessoa que lhe esteja exposta: ela arrisca seja perder a vida, seja sofrer ferimentos, seja sofrer uma alteração grave de saúde... Em suma, uma ameaça séria pesa sobre a pessoa física. Disponível em: http://www.aapel.org/textesdeloi.html . Acesso em: 10 dez. 2010.
da outra parte, pouco importando que tenha ela convicção do perigo ou saiba de sua
inexistência. O que interessa é que aja com dolo de aproveitamento.
É também interessante observar que a recíproca é verdadeira. Se houver um perigo
real, mas o paciente o ignorar, o negócio não será anulável.
Por outro lado, o dano não necessita ser totalmente inevitável, insuperável. Basta
que, diante das circunstâncias, seja muito difícil, para aquela pessoa, contorná-lo. Não
necessita tampouco ser injusto, como, por exemplo, o perigo gerado por uma tempestade.
O dano, ou seja, o perigo pode originar-se de um evento natural, de atuação humana,
voluntária ou involuntária, comissiva ou omissiva, pode, inclusive, ter sido oriundo de ato
da própria pessoa exposta ao perigo.
O objeto da ameaça (do perigo) é o segundo elemento. Segundo nosso Código
civil, deverá ser o próprio declarante, ou pessoa da família, podendo o juiz avaliar,
segundo as circunstâncias, caso não seja pessoa da família.
A ameaça de dano diz respeito à integridade física, à honra e à liberdade, em
outras palavras, à personalidade. O dano possível pode ser, assim, físico e/ou moral.
Nosso Código Civil, diferentemente do Italiano, do qual é cópia, foi extremamente
infeliz em sua redação, ao limitar a necessidade de salvamento ao próprio agente ou a
pessoa de sua família.
“Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da
necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido
pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.”
A restrição às pessoas da família não tem o menor fundamento. Parte o legislador
do pressuposto de que, tratando-se de estranhos, o declarante não se importaria. Na
verdade, correto estaria o parágrafo único do art. 156, se não fosse restrito a pessoas
estranhas.
“Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do
declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.”
Muito melhor teria sido a técnica do legislador se, em vez de fazer restrições a
pessoas estranhas à família, tivesse copiado “veramente” o Codice, que sabiamente não
faz essa restrição:
Art.1447. “O contrato no qual uma parte assuma obrigação iníqua, pela necessidade, conhecida da outra parte, de salvar-se a si ou a outrem de perigo atual de dano grave à pessoa, pode ser resolvido, por requisição da parte que se tenha obrigado”.
Cabe ainda uma questão: e se o perigo recair sobre animal ou objeto de valor,
como uma obra de arte?
Em meu entendimento, com base no princípio da boa-fé, seria possível se pleitear a
anulação do negócio, ou sua revisão, até porque o terceiro elemento nos permite esse
entendimento: o dolo de aproveitamento.
O dolo de aproveitamento é o terceiro elemento caracterizador do estado de perigo.
O perigo pode nem ser objetivamente tão grave. O que interessa, porém, é o estado
psicológico da vítima, do qual se aproveita a contraparte. Haverá sempre um nexo de
causa e efeito entre o temor da vítima e a má-fé do outro contratante.
Com base nisso é que se pode afirmar ser o princípio da boa-fé o fundamento do
estado de perigo.
A boa-fé pode ser subjetiva ou objetiva.
A boa-fé subjetiva consiste em crenças internas, conhecimentos e desconhe-
cimentos, convicções internas. Consiste, basicamente, no desconhecimento de situação
adversa. Quem compra de quem não é dono, sem saber, age de boa-fé, no sentido
subjetivo.
A boa-fé objetiva baseia-se em fatos de ordem objetiva. Baseia-se na conduta das
partes, que devem agir com correção e honestidade, correspondendo à confiança
reciprocamente depositada. As partes devem ter motivos objetivos para confiar uma na
outra.
O princípio da boa-fé contratual diz respeito à boa-fé objetiva. É dever imposto às
partes agir de acordo com certos padrões de correção e lealdade. Este o sentido dos arts.
113, 187 e 422 do Código Civil.
Em síntese, segundo o princípio da boa-fé objetiva é direito de cada uma das partes
confiar na outra. O dolo de aproveitamento atenta frontalmente contra este princípio.
Por fim, o quarto elemento configurador do estado de perigo é a assunção de
obrigação excessivamente onerosa.
A onerosidade excessiva será aquilatada diante das circunstâncias objetivas do
caso concreto. O fundamento é que não seria aceitável que uma pessoa suportasse um
ônus econômico, objetivamente desproporcional à contraprestação obtida.
4 EFEITOS DO ESTADO DE PERIGO
O efeito explicitado no Código Civil é a possibilidade de anular o negócio
realizado em estado de perigo. A pergunta é: seria este o único efeito possível?
A meu ver, não. Tendo como base o princípio da conservação/preservação dos
contratos (dos negócios, em geral), sub-princípio da função social dos negócios jurídicos,
é possível a manutenção do negócio, com o devido reequilíbrio das prestações, desde que
requerido por uma das partes.
O Código Civil Italiano, com base no princípio do enriquecimento sem causa,
contém regra, segundo a qual o juiz poderá fixar uma justa compensação à outra parte
pelo serviço prestado. Em nosso ordenamento, caso não seja pedida a compensação, não
poderá ser objeto da decisão, sob pena de sentença ultra petita. Havendo pedido, mesmo
sem previsão expressa no art.156, é possível, com base no mesmo princípio do
enriquecimento sem causa, a fixação de uma justa compensação. Assim, se, por um lado,
o hospital exigiu um depósito absurdo, para internar o paciente, não significa, por outro
lado, que não deva ser remunerado por seus serviços.
IV. CONCLUSÃO
De tudo o que se viu, pode-se concluir estarem a lesão e o estado de perigo, aquela
menos, este mais, meio que mal delineados no Código Civil. Mas, com todas as suas
imperfeições, ele é um sistema que dá suporte a uma série de soluções, mesmo que não
explícitas. Assim, é possível, com base no princípio da boa-fé e do enriquecimento sem
causa, estender os efeitos do estado de perigo até aos animais ou aos objetos de valor. É
possível fazer a leitura mais adequada, para se reajustar o contrato lesionário, respeitando
o princípio da preservação do vínculo, da função social dos contratos. Além disso, pode-se
sempre recorrer à Constituição, estrela maior de nosso ordenamento, para colmatar
aparentes lacunas.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. Obrigações. Rio de Janeiro: RT, 1916.
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000.
BEVILAQUA, Clovis. Theoria geral do direito civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1929.
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 27. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006.
GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. 2. ed., São Paulo:
RT, 1980.
GORLA, Gino. Il potere della volontà nella promessa come negozio giuridico. In:
RODOTÀ, Stefano (a cura di). Il diritto privato nella società moderna. Bologna: Il
Mulino, 1971.
http://www.aapel.org/textesdeloi.html
LOPEZ, Teresa Ancona. O estado de perigo como defeito do negócio jurídico. Disponível
em: www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/
Teresa_Ancona_Lopez/EstadodePerigo.pdf. Acesso em: 30 nov. 2010.
MAZEAUD & MAZEAUD. Leçons de droit civil. 11. ed., Paris: Monchrestien, 1996, t. I,
v. I.
MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 4. ed., Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1947, v. VI, 2ª parte.
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São
Paulo: Saraiva, 1994.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 1993, v. I.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
PLANIOL, Marcel. Traité élémentaire de droit civil. 3. éd., Paris: LGDJ, 1906, v. II.
RIPERT, Georges. La règle morale dans les obligations civiles. 4. éd., Paris: L.G.D.J.,
1949.
ULPIANO. Digestum, L. IV, T. II.
O FUNDAMENTO JURÍDICO DO DANO MORAL: PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA OU PUNITIVE DAMAGES?
Adriano Stanley Rocha Souza
Mestre e Doutor em Direito Processual pela PUC MINASProfessor de graduação e pós-graduação stricto sensu da PUC MINAS
Coordenador do Núcleo de Investigação Científica e Extensão da FUPAC Teófilo Otoni
RESUMO
A Constituição da República de 1988 reconheceu a existência do dano moral,
determinando, em seu artigo 5º, V, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional
ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”. Esta tutela
acaba por prestigiar a proteção efetiva ao princípio constitucional da dignidade de pessoa
humana, consagrada no artigo 1º desta mesma constituição.
Portanto, as indenizações por dano moral em nosso país, deveriam se pautar pela proteção
a este princípio. Entretanto, o que se percebe é uma vergonhosa situação: os nossos
tribunais têm copiado o sistema anglo-saxão de responsabilidade por dano moral, baseado
na técnica dos punitive damages. Técnica esta em que, o que se busca, é a punição para o
ofensor, e não a reparação de um direito de personalidade ofendido. Além de não guardar
qualquer relação com a escola romano - germânica de onde se origina o nosso direito.
O presente trabalho tem, portanto, a finalidade de apontar as consequências funestas em
adotarmos aquela técnica em nossa realidade jurídica.
ABSTRACT
The 1988’s Constitution of the Republic recognized the existenceof moral damage, which
determined on its article #5 that the right of response is assured, proportional to the
offense, beyond the indemnification by moral, property or image damages. This tutelage
ends up in giving prestige to the effective protection in contrast to the constitutional
principle of the dignity of the human being, which is consecrated in the article#1 of the
same constitution.
Hence, the indemnification by moral damages, in our country, should be supported by the
protection of this principle. However, what is seen is a shameful situation: our courts have
copied the Anglo-Saxon system of responsibility for moral damage based on the technique
of punitive damages. The so-called technique does not maintain any relation with the
Anglo-Saxon School of Law where the law itself is originated.The present paper aims to
point some disastrous consequences when this technique is adopted in our juridical reality.
Palavras chave: dano moral, dignidade da pessoa humana, punitive
damages
Key words: moral damages, dignity of the human being, punitive damages
INTRODUÇÃO
Antes, o assunto era restrito a uma pequena parte da doutrina que defendia o seu
cabimento. Após a promulgação da Constituição da República de 1988 (que reconheceu a
sua procedência, pacificando o assunto em nossos tribunais superiores), as indenizações
por danos morais se tornaram corriqueiras em nosso país, levantando, inclusive,
sustentações veementes (e não menos corretas) de que a sociedade brasileira alimenta uma
verdadeira “indústria do dano moral”.
De fato, passamos de um extremo ao outro: saímos de uma situação de negação
absoluta de reparação do dano moral, que tinha como seu principal argumento, o fato de
que a moral não tem valor pecuniário (sendo absolutamente estéril, portanto, buscar
qualquer tipo de reparação econômica), até chegarmos ao reconhecimento de que a moral
pode ser objeto, sim, de reparação, uma vez que se trata de um bem jurídico e, como tal,
merece ser reparado toda vez que agredido.
Ao se eleger o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como um dos
fundamentos da República, o constituinte não poderia deixar de reconhecer o cabimento à
reparação pelo dano moral. E assim o fez expressamente, conforme disposto no artigo 5º,
V, em que se lê:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; O presente trabalho tem por finalidade discutir o fundamento jurídico para a
reparação do dano moral no Brasil. Demonstraremos que, no que tange à reparação do
dano moral, o judiciário brasileiro vem negando as suas raízes históricas. Abandonou o
sistema romano-germânico (que constitui a nossa história na construção de nosso direito) e
sem qualquer embasamento jurídico ou filosófico, mas simplesmente guiado, talvez, pelo
american way of life, vem utilizando-se do sistema anglo-saxão denominado punitive
damages para fundamentar as reparações por danos morais. Demonstraremos que, tal
opção judicante, é que vem fomentando a chamada “indústria do dano moral”, além de
trazer um malefício ainda maior: ao se adotar técnica totalmente desconhecida de nossa
tradição jurídica, as sentenças que fundamentam as reparações por danos morais são, em
sua esmagadora maioria, desprovidas de critérios lógicos. O que tem levado o nosso Poder
Judiciário a situações verdadeiramente constrangedoras, vexatórias e paradoxais, com
condenações completamente díspares para situações praticamente idênticas.
Começaremos nosso estudo conceituando o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana e o instituto dos Punitive Damages, que constituem o cerne de toda a questão que
será aqui abordada, para posteriormente demonstrarmos o erro em se adotar este último
nas reparações por danos morais.
1 DO PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
1.1 O conceito filosófico de dignidade
Conforme já destacado por nós na introdução deste trabalho, o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana constitui um dos fundamentos da República brasileira,
conforme expressamente disposto no artigo 1º, III de nossa Constituição. Mas enfim: o
que é dignidade? A professora MARIA CELINA BODIN DE MORAES, em sua obra
Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais1, apresenta-
nos um profundo estudo sobre o conceito filosófico do que seja dignidade. Como esta obra
não tem por fim o estudo do que seja dignidade, não nos deteremos por muito tempo neste
ponto.
Trataremos apenas de conceituá-la, já que não poderíamos tratar sobre a
dignidade da pessoa humana como fundamento do dano moral sem conceituar o que seja
dignidade.
Informa-nos MORAES2 que “a raiz etimológica da palavra ‘dignidade’ provém do latim
dignus – ‘aquele que merece estima e honra, aquele que é importante”. Palavra que, no
decorrer da Antiguidade, conta-nos a autora, era referida apenas à espécie humana como
um todo, sem que tenha havido qualquer personificação.
“Foi o cristianismo que, pela primeira vez, concebeu a ideia de uma dignidade pessoal,
atribuída a cada indivíduo” (MORAES, p. 77)
E é em KANT que encontramos uma passagem, realmente, bastante interessante
que ora abordamos. Da obra de MORAES:3
“De acordo com KANT, no mundo social existem duas categorias de valores: o preço e a dignidade.Enquanto o preço representa um valor exterior (demercado) e manifesta interesses particulares, a dignidade representa um valor interior (moral) e de interesse geral. As coisas têm preço; as pessoas, dignidade. O valor moral se encontra infinitamente acima do valor de mercadoria, porque, ao contrário deste, não admite ser substituído por equivalente. (…) consequência, a legislação elaborada pela razão prática, a vigorar no mundo social, deve levar em conta, como sua finalidade suprema, a realização do valor intrínseco da dignidade humana” 1 MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
1.2. A expressão jurídica da dignidade humana
A conceituação do que seja dignidade, necessariamente se dá com o recurso à
filosofia. “O respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento do imperativo
categórico kantiano, de ordem moral, tornou-se um comando jurídico no Brasil com o
advento da Constituição Federal de 1988, do mesmo modo que já havia ocorrido em
outras partes”. (MORAES, p. 82). Portanto, a dignidade da pessoa humana não é criação
da ordem constitucional, embora seja por ela protegida. “A Constituição consagrou o
princípio e, considerando a sua eminência, proclamou-o entre os princípios
fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica
democrática” (MORAES, p. 83).
Assim, trata-se a dignidade da pessoa humana de um conceito filosófico,
importado pelo nosso ordenamento constitucional, tendo por fim alicerçar a defesa do
indivíduo, centro das atenções do nosso Estado democrático de direito.
2 DOS PUNITIVE DAMAGES. CONCEITOS E OBJETIVOS
__________________2 Op. cit. p. 773 Op. cit. p. 81(grifos nossos).
Punitive damages, ou danos punitivos, são as punições que o anglo-saxão impõe ao
causador de um dano. Não precisa ser este, necessariamente, moral. O seu fundamento não
é outro senão, como diz o próprio nome, servir de punição ao ofensor.
“Danos punitivos, algumas vezes chamados de exemplares ou vingativos, ou ainda, de
‘dinheiro esperto’, consiste em uma soma adicional, além da compensação ao réu pelo
mal sofrido, que lhe é concedida com o propósito de punir o acusado, de admoestá-lo a
não repetir o ato danoso e para evitar que outros sigam o seu exemplo” (W. PROSSER;
J. WADE; V. SCHWARTZ, apud MORAES, p. 7)
E qual o objeto dos punitive damages?
Como todos sabemos, o comom law possui inúmeros pontos que o distinguem
de nosso sistema (civil law). Entre eles, a possibilidade da transação penal. Por aquele
instituto, é possível a transação penal entre o Estado, a vítima do dano e o seu ofensor.
Portanto, naquele sistema, a tutela penal não se encontra de maneira tão exclusiva nas
mãos do Estado, como ocorre em nosso sistema.
Outra diferença, é que a vítima de um dano pode buscar a punição do seu
ofensor na própria esfera civil, ao invés de recorrer, necessariamente, à via penal. Neste
caso, o Estado fixará uma pena para a reparação do dano (restitutio in integro) e uma outra
de cunho punitivo.
Estes são os punitive damages. Várias razões podem levar a vítima de um dano a
fazer esta escolha. Senão vejamos: 1) um processo penal pode terminar por lançar o nome
do réu no rol dos culpados, o que acarretaria para este, a perda da primariedade, por
exemplo. O que por qualquer razão pode não ser o desejo da vítima de um dano; 2) no
processo penal, o animus puniendi é do Estado, não restando à vítima do dano qualquer
tipo de vantagem pessoal.
Os punitive damages ocorrem no direito norte-americano. Um sistema jurídico
bem diferente do nosso. Diferentemente dos países de tradição romano-germânica, este
sistema jurídico não se desenvolveu sobre as mesmas bases que o nosso. O sistema
jurídico norte-americano admite algo absolutamente impensável para o nosso sistema:
conjugar em uma mesma sentença, uma condenação de caráter civil (reparação) e uma
condenação de caráter penal (punição).
Portanto, os valores estratosféricos que atingem os danos morais nos Estados
Unidos guardam todo o sentido com as bases jurídicas do direito daquele país.
Por lá, os altos valores a que são condenados a pagar aqueles que praticam o
dano moral a suas vítimas servirão como, além de indenização do ofendido, punição ao
ofensor (daí o nome punitive damages) e para que funcione como desestímulo para que
outras pessoas pratiquem o mesmo ato. Esta condenação poderia ser, portanto, dividida
em: 1) reparação do dano sofrido pela vítima; 2) punição do ofensor; 3) caráter
pedagógico.
Assim, aquele que obtivesse a reparação na esfera cível, não teria mais o interesse em
propor outra ação no âmbito penal, uma vez que o seu ofensor já seria condenado,
civilmente, ao pagamento de uma indenização de tal monta que, de uma só vez, além de
lhe servir de punição (objetivo do direito penal) serviria também à vítima, com uma gorda
quantia que eventualmente lhe seria mais útil do que uma ação penal contra o seu ofensor.
Os punitive damages, portanto, não se pautam em nenhuma construção filosófica, como o
nosso princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Pelo contrário, são bastante pragmáticos.
O fundamento de sua existência é pura e simplesmente a ocorrência de um dano. Reparar
este dano, punir o seu autor e passar para a sociedade o desistímulo à sua repetição. Eis aí
a tripla função dos punitive damages.
3 DO DESCABIMENTO DOS PUNITIVE DAMAGES NO BRASIL
Sabemos que o Brasil adota o sistema dualista, em que, aquele que pratica um ilícito,
poderá ser condenado civil e penalmente. Corolário do Princípio da Inconfundibilidade
dos Juízos Cível e Criminal.
A sentença cível é de caráter eminentemente individual. O seu objetivo é reparar
o dano sofrido pela vítima do ilícito, devolvendo-a o seu status quo ante.
Por outro lado, a sentença criminal tem por fim a tutela de toda a sociedade. De
caráter eminentemente estatal, o seu objetivo é restabelecer a paz social afetada pelo ilícito
praticado. Em outras palavras: a esfera cível cuida do interesse do particular que foi
lesado, e busca restabelecer o seu status quo ante patrimonial; a esfera penal cuida do
interesse do Estado, em manter a paz social e fazer com que o agressor, pelo cumprimento
da pena, seja readaptado ao convívio social. Esta última, diferentemente da sentença cível,
também tem o caráter pedagógico, já que se espera que a sociedade se sinta desestimulada
a praticar aquele ato, frente à pena sofrida pelo seu autor. Portanto, diferentemente do que
ocorre no sistema anglosaxão, a nossa sentença cível não pode cumular a função punitiva.
Caso isto ocorresse, haveria um verdadeiro bis in idem, já que o causador do dano estaria
sendo condenado a pagar duas vezes por um mesmo fato.
Imaginemos, por exemplo, alguém que tendo difamado outrem, é condenado, na
esfera penal, a três meses de prisão.
Posteriormente, a vítima comparece em juízo e pede, ainda, a reparação pelo dano
moral, face ao constrangimento por ela sofrido. Pois bem. A sentença cível deverá buscar,
tão somente, a devolução do status quo ante do ofendido. Nada mais. Esta reparação,
como já dizia Carnelutti em sua obra “Diritto e Processo nella Teoria delle Obligacioni,
in studi in onore di Giuseppe Chiovenda”, deverá buscar precisamente aquilo que obteria
o autor se a obrigação fosse cumprida pessoalmente pelo réu, convertendo-se a prestação
em pecúnia (perdas e danos), somente no caso em que a prestação se fizesse impossível na
sua
forma específica.
Caso ocorra de maneira diferente, ou seja, o julgador cível condene o ofensor ao
pagamento de uma quantia, fundamentando a sua decisão no sentido de que aquela
condenação sirva de punição ao agressor por sua prática e sirva de exemplo para a
sociedade, desestimulando tal ato, então, este agressor terá sido apenado duas vezes pelo
mesmo fato: prisão de 3 meses (condenação do juízo penal) e pagamento de alto valor
(condenação do juízo cível). E esta sentença estará usurpando as funções do juízo penal.
Consistiria, ainda, em atentado ao princípio da tipicidade penal, haja vista que uma
sentença cível, com efeitos penais, poderia impor penas por práticas de atos não tipificados
como crime, o que resultaria em séria agressão às mais profundas bases de nosso
ordenamento jurídico.
Imaginemos um segundo exemplo para ilustrar a hipótese do parágrafo acima:
uma sentença cível que condenasse o réu a pagar danos morais ao autor por aquele ter
passado com o seu carro sobre uma poça de lama e despejando-a, intencionalmente, sobre
o autor.
Ora. Ainda que se possa dizer que tal ato constitua ofensa à pessoa, pois a expôs a
uma situação constrangedora, este ato não chega a constituir crime. Assim, a sentença a
ser prolatada no juízo cível, se tivesse também o caráter punitivo, estaria punindo o réu por
um fato que não é tipificado como crime no ordenamento penal brasileiro: sujar alguém.
Sob o ponto de vista econômico, concordamos com o posicionamento da professora Maria
Celina Bodin de Moraes:“Sob o ponto de vista econômico, a vítima sairá, nesses casos,
‘enriquecida’, na medida em que estará recebendo necessariamente mais do que a
compensação demandaria” (MORAES, P. 33). E continua aquela autora:
“Nos Estados Unidos, de onde os chamados ‘danos punitivos’ foram importados, não há qualquer preocupação com o enriquecimento da vítima, o qual, antes, é pressuposto. Isto ocorre porque lá se tem o dano punitivo como justificado para que cumpra alguns objetivos de pacificação social, próprios da cultura daquela sociedade. Ele serve para: i) punir o ofensor por seu mau comportamento; ii) evitar possíveis atos de vingança por parte da vítima; iii) desestimular, preventivamente, o ofensor e a coletividade de comportamentos social-mente danosos, quando o risco de ser obrigado a compensar o dano não constituir remédio persuasivo suficiente; iv) remunerar a vítima por seu empenho na afirmação do próprio direito, através do qual se consegue um reforço geral da ordem jurídica”.
Mais uma vez, chamamos a atenção para o fato de que no Brasil, vige o princípio
da inconfudibilidade dos juízos, ou seja: não se pode confundir o juízo cível com o juízo
criminal; a reparação com a punição:
“(...) na doutrina é corrente minoritária a que está a negar o caráter punitivo da reparação do dano moral, baseando-se, essencialmente, em princípios gerais trais como o da vedação ao enriquecimento sem causa e o da inconfundibilidade dos juízos”. Além disso, em sistemas como o nosso, reconhecer a existência de um caráter punitivo representaria uma importante exceção ao princípio da equivalência entre dano e reparação. Cumpre, pois, examinar essa questão à luz dos fenômenos jurídicos atuais. Especialmente, cumpre examiná-la à luz da definitiva mudança ocorrida no núcleo do sistema de Direito Civil, em que a codificação civil perdeu a centralidade de outrora como sede dos princípios gerais – enfraquecendo-se, em consequência, a ótica predominantemente patrimonialista que presidia o código Civil. Com o advento da Constituição de 1988, fixou-se a prioridade à proteção da dignidade da pessoa humana e, em matéria de responsabilidade civil, tornou-se plenamente justificada a mudança de foco, que, em lugar da conduta (culposa ou dolosa) do agente, passou a enfatizar a proteção à vítima de dano injusto – daí o alargamento das hipóteses de responsabilidade civil objetiva (...)” (MORAES, p. 29).
Note que, como já dito acima, as funções pedagógica e punitiva são exclusivas
(em nosso sistema jurídico) do juízo penal. Não cabe ao juízo cível cumular tais funções.
Outra diferença entre o sistema anglo-saxão e o nosso: o nosso sistema não admite a
transação penal, o que é muito comum no sistema anglo-saxão. Note-se, portanto, que
nosso sistema dualista separa de maneira bastante clara a tutela penal (de interesse do
Estado), da tutela cível (de interesse do indivíduo), o que não ocorre no sistema anglo-
saxão. Daí porque os punitive damages estão em absoluta sintonia com aquele sistema,
mas não têm o menor cabimento por aqui.
Chama-nos, portanto, a atenção a prática corriqueira de nossos tribunais em
adotar os punitive damages como se estes tivessem sido criados idealmente para o nosso
país. Nossos julgadores de primeira instância e nossos tribunais superiores têm ignorado
os pontos acima destacados. E o que vemos, são decisões absolutamente díspares, para
casos praticamente iguais. Situações paradoxais e, não raro, constrangedoras. Citando
MORAES4:“A função punitiva na reparação do dano moral, todavia, insere-se numa problemática mais específica e tortuosa: a da avaliação e liquidação do dano moral. Ensejando perplexidades entre os operadores do Direito e, mais do que isto, gerando graves distorções e contradições teleológicas devidas à disparidade de tratamento entre acontecimentos homólogos ou semelhantes, a fixação de uma parcela punitiva no quantum debeatur da indenização pelo dano moral tem representado um importante obstáculo à ‘certeza do direito’, por causar grave insegurança, dada a completa imprevisibilidade das decisões judiciais em matéria.”4 Op. cit. p. 31
4 SUGESTÕES PARA AS CONDENAÇÕES EM PEDIDO DE DANO MORAL
Como vimos, o dano moral, no Brasil, tem por função a tutela dos direitos de
personalidade. Este é o fundamento constitucional para a existência da reparação do dano
moral.
Ora. Partindo-se do princípio da especificidade que norteia o nosso ordenamento
jurídico, em que, em um processo judicial, o autor deve obter especificamente aquilo que
obteria se a obrigação fosse cumprida pessoalmente pelo réu; e onde a conversão desta
prestação em pecúnia (perdas e danos), somente seria desejável no caso em que a
prestação se fizesse impossível na sua forma específica, então há uma grande anomalia na
maioria das sentenças que condenam por danos morais.
Dano moral, no Brasil, está intimamente ligado à ideia de pagamento de um
determinado valor. Daí porque dissemos, na introdução do presente trabalho, que
sustentações veementes (e não menos corretas) vêm ocorrendo no sentido de que a
sociedade brasileira alimenta uma verdadeira “indústria do dano moral”.
Com efeito, qual é o argumento lógico para defender que, alguém que tendo sido
lesado em sua honra, terá o seu status quo ante devolvido com o recebimento de um valor
pecuniário?5 Afinal, a cultura jurídica nacional não tem em Kant um de seus ícones?
Então devemo-nos lembrar de que, “o respeito à dignidade da pessoa humana, constitui
do imperativo categórico kantiano”, segundo o qual, “nomundo social existem duas
categorias de valores: o preço e a dignidade.
Enquanto o preço representa um valor exterior (de mercado) e manifesta interesses
particulares, a dignidade representa um valor interior (moral) e de interesse geral. As
coisas têm preço; as pessoas, dignidade. O valor moral se encontra infinitamente acima
do valor de mercadoria, porque, ao contrário deste, não admite ser substituído por
equivalente” (op. cit. p.81)5
A menos que tal lesão não possa ser anulada, ou ao menos atenuada por uma
obrigação de fazer.
Se é verdade que em algumas situações envolvendo danos morais a devolução
à situação anterior se faz impossível (e aí sim, se justificaria a condenação do autor do
dano ao pagamento de uma importância pecuniária), na maior parte dos casos a vítima
poderia sim, por meio de uma obrigação de fazer, por parte de seu ofensor, ter devolvida a
sua paz interior, perdida naquela agressão perpetrada contra a sua honra. Aliás, tal
obrigação de fazer, seria muito mais útil à vítima do dano moral, do que uma eventual
importância pecuniária. Aquela primeira, certamente, traria de volta o conforto perdido.
A título de exemplo, trataremos de uma das causas que poderia ser citada como
uma das que mais tem sido apresentada em nossos tribunais como ensejadora de danos
morais: o protesto indevido do nome junto aos serviços de proteção ao crédito. Por acaso,
não existiria nenhuma obrigação de fazer que pudesse ser imposta ao causador do dano
moral, que fosse capaz de devolver a paz interior e/ou retratar a honra maculada da
vítima daquele ato?
É claro que existe! E se, ao invés de se condenar o causador do dano ao
pagamento de um valor pecuniário, condenasse-o, por exemplo, a comparecer à imprensa,
escrita e falada, e a publicar uma nota de desagravo ao ofendido, retratando-se, e
assumindo o erro daquele ato? Tal medida não seria muito mais eficaz na recuperação da
imagem da vítima,
do que o recebimento por parte desta de um dado valor pecuniário qualquer? Não
estaríamos, assim, efetivamente, protegendo os Direitos da Personalidade?
Tal solução seria a mais adequada até mesmo para aqueles que, diferentemente
de nós, acreditam que a sentença que reconhece o dano moral deve ter a função punitiva.
Ora. Todos sabemos que as empresas gastam verdadeiras fábulas em marketing, a fim de
que a sua imagem seja sempre bem recebida no mercado. A publicação de tal nota de
desagravo, em que uma empresa reconhece o seu erro, reconhecendo o prejuízo moral que
causou a alguém, implicaria em jogar por terra todo o investimento em marketing até
então realizado. E, repita-se: seria muito mais útil e satisfatório à vítima do dano moral, na
defesa de seus direitos da personalidade.
Enfim: os julgadores brasileiros devem se atentar para a regra de que, a
condenação pecuniária é o último meio a se recorrer na solução de um processo. Só deverá
ocorrer quando já não for mais possível a reparação do dano na sua forma específica.
Devemos banir do sistema brasileiro a utilização dos punitive damages, como
referencial para o arbitramento do dano moral. Devemos resgatar a condenação in natura.
Somente assim, deixaremos de ficar expostos a este sem número de decisões que desafiam
a nossa inteligência e a credulidade no Poder Judiciário, ao julgar casos praticamente
idênticos com condenações tão díspares.
A partir do momento em que nossos julgadores proferirem suas decisões
centrados na tutela dos direitos da personalidade, na defesa do princípio da dignidade da
pessoa humana, e não mais tomando por base os punitive damages, em que se busca
valores pretensamente ideais para esta ou aquela situação, poderemos dizer que teremos
superado a tormentosa missão de se adivinhar “qual o valor ideal a se pagar para a
honra de alguém”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 7. ed. /atualizada por Eduardo Carlos Bianca Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
BRASIL, Avio. O Dano Moral no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro:Jacinto, 1944
CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade; tradutor, Afonso Celso Furtado Rezende. Campinas: Romana, 2004.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
SILVA, José Afonso da. A Dignidade da Pessoa Humana como Valor Supremo da Democracia. Revista de Direito Administrativo, n. 212, p. 89- 94, 1998.
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua tutela. 2. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2005.
W. PROSSER; J. WADE; V. SCHWARTZ. Torts. Cases and materials – seventh edition, New York: Fundation Press, 1982
O DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E LIMITAÇÕES AO SEU EXERCÍCIO:
UM DIÁLOGO ENTRE DIREITO E SAÚDE MENTAL
Maria de Fátima Freire de Sá∗
Diogo Luna Moureira∗
1 INTRODUÇÃO
A leitura do título principal do presente trabalho nos leva a compreender, de início,
que o objeto do estudo proposto se refere a limitações externas impostas ao titular de uma
prerrogativa jurídica incidente sobre o próprio corpo. Entretanto, não são tais limitações
externas o que nos interessa no momento, mas limitações que partem do próprio titular de
prerrogativa jurídica, isto é, limitações internas. O que estamos a propor é um diálogo
entre o Direito e a Saúde Mental, na medida em que se reconhece que um indivíduo
humano portador de transtornos mentais e do comportamento tem direito ao próprio
corpo, mas as limitações ao seu exercício são não apenas externas, mas também internas.
E por assim ser, é preciso discutir em qual medida se pode dizer interna uma
limitação ao exercício do direito ao próprio corpo de um indivíduo que acredita estar em
“conexão nervosa” com Deus (corpo homem x sagrado) ou mesmo acreditar passar por
processos de “emasculação” (metamorfose corporal). Referimos às memórias de Daniel
Paul Schreber, Juiz Presidente da Corte de Apelação na cidade de Dresden, que diante do
diagnóstico de dementia paranoides, foi interditado no ano de 1894.
Schreber escreveu o livro “Memórias de um Doente de Nervos” com o propósito
de denunciar como irregular sua curatela. Seu objetivo, a partir de então, era o
levantamento da interdição e a conseqüente retomada de sua capacidade civil. E, para
Mestre em Direito pela PUC Minas e Doutora em Direito Constitucional pela UFMG. Professora nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da PUC Minas. Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Civil da PUC Minas. Pesquisadora do CEBID – Centro de Estudos em Biodireito. Mestre e Doutorando em Direito Privado pela PUC Minas. Graduando em Filosofia pela UFMG. Professor nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da FDCL. Professor no curso de graduação em Direito da FUNCESI. Pesquisador do CEBID – Centro de Estudos em Biodireito.
tanto, resolveu relatar o que se passou com ele desde sua primeira internação.
Inicialmente, queria apenas a anulação da sentença que o declarou incapaz.
Em uma das crises enfrentadas por Schreber, ele relata que passou a ter contato
com o sobrenatural, afirmando ligação estreita com Deus. Em razão desse liame, passou a
conhecer a “língua dos nervos” – que era uma língua falada por Deus e suas instâncias
intermediárias, chamadas vozes, e, a todo momento, em seu corpo eram operados
milagres.
De acordo com Schreber, Deus fazia milagres em seu corpo sem lhe avisar, razão
pela qual ele não podia ter controle sobre tudo o que se passava. O milagre dos urros era
um exemplo claro, que consistia na emissão de ruídos, chamados também vociferações,
que se verificavam de modo compulsivo e automático. O Juiz, portanto, encontrava-se em
contínua “conexão nervosa” com Deus.47
Outro milagre era o da “emasculação”48, chamada a transformação do homem em
mulher. Assim:
Os milagres que mais de perto evocavam uma situação ainda em acordo com a Ordem do Mundo pareciam ser aqueles que tinham alguma relação com uma emasculação a ser efetuada no meu corpo. A esse contexto pertence em particular todo tipo de modificações nas minhas partes sexuais, que algumas vezes (particularmente na cama) surgiam como fortes indícios de uma efetiva retração do membro viril, mas frequentemente, quando prevaleciam os raios impuros, como um amolecimento do membro, que se aproximava da quase completa dissolução; além disso, a extração, por milagre, dos pelos da barba, em particular do bigode, e, finalmente, uma modificação de toda a estatura (diminuição do tamanho do corpo) – provavelmente baseada numa contração da espinha dorsal e talvez também da substância óssea das coxas.49
Na esteira do milagre da emasculação, Schreber afirmava que outros tantos eram
47 “Forma de comunicação à distância entre Deus (almas) e o homem. É um contato que se dá através dos nervos, sem necessidade da presença da outra parte. É pelo abuso da conexão nervosa que um homem pode reter os raios divinos, ameaçando a existência destes. Schreber se declara em contato ininterrupto (via conexão nervosa) com o conjunto de todas as almas e com a onipotência divina” CARONE, Marilene. Glossário. In: SCHREBER, Daniel Paul. Memórias de um doente de nervos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 364.48 “A emasculação não é propriamente a ablação do genital masculino, mas sua retração para o interior do corpo e ulterior transformação em órgãos sexuais femininos (externos e internos), implicando também modificação da estrutura óssea, da textura da pele, crescimento dos seios etc. A emasculação pode estar em conformidade com a Ordem do Mundo ou contra ela. No primeiro caso, recairia sobre o homem moralmente mais virtuoso, que, uma vez emasculado e fecundado diretamente por Deus, teria a missão de gerar uma nova humanidade. No segundo caso, a emasculação seria a mera transformação num corpo feminino, que seria abandonado (“deixado largado”) e transformado em puro objeto passivo de abusos sexuais (“como uma prostituta”)”. CARONE, Marilene. Glossário. In: SCHREBER, Daniel Paul. Memórias de um doente de nervos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 365. É o primeiro tipo de emasculação que ocorre com Schreber. 49 SCHREBER, Daniel Paul. Memórias de um doente de nervos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 127-128.
operados em vários órgãos do seu corpo, como abdome, tórax e coração. Em um
determinado momento afirma, inclusive, que já teve outro coração. Sua impressão é no
sentido de que todo o seu corpo, de alguma maneira, já fora “prejudicado” por milagres.
E, sobre isso, Schreber diz que, se quisesse relatar tudo o que lhe havia acontecido, um
livro seria pouco. O capítulo XI do livro Memórias de um doente de nervos traz o título
Danos à integridade física por meio de milagres. A certa altura desabafa:
Até hoje os milagres que experimento a toda hora são de tal natureza que deixariam qualquer pessoa em estado de pavor mortal; só que eu, devido ao hábito adquirido em muitos anos, consegui encarar como coisas sem importância a maior parte do que ainda acontece. Mas, nos primeiros anos da minha vida estada no Sonnenstein, os milagres eram de uma natureza tão ameaçadora que eu acreditava poder temer quase continuamente por minha vida, por minha saúde ou pelo meu entendimento.50
Contudo, a despeito de todas as transformações que acreditava acontecer na sua
mente e no seu corpo, Schreber não se reconhecia um “doente mental” porque, segundo
ele, sua razão estava intacta.
Ainda que possa parecer fora dos padrões daquilo que seria moralmente adequado
ou aceitável, é certo que as experiências de conexão nervosa com Deus e os milagres de
emasculação representavam a expressão do próprio indivíduo Schreber, que tinha a
certeza de não ser incapaz para os atos da vida civil, tanto que buscou e obteve a
suspensão da sua interdição. Desta forma, poderia ele exercer seu direito ao próprio corpo
sem qualquer tipo de limitação que adviesse da sua taxação de incapaz. Se capaz, poderia
fazer com o corpo qualquer tipo de intervenção cirúrgica que lhe atribuísse, por exemplo,
aparência real do feminino, a fim de tornar física a emasculação? Até que ponto estaria o
corpo à disposição da vontade do indivíduo para dele dispor, sobretudo quando se
reconhece ou se pensa ser alguém incapaz? Haveria limitação da autonomia privada do
incapaz ou a limitação estaria naquilo que entenderíamos moralmente adequado ou
aceitável?
2. DIREITO AO PRÓPRIO CORPO, UMA BREVE EXPLANAÇÃO
O tratamento dado ao corpo humano no decorrer da história da humanidade é
reflexo da forma com que enfrentamos a problemática em torno do reconhecimento da
50 SCHREBER, Daniel Paul. Memórias de um doente de nervos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 127.
pessoa humana em uma esfera de relacionalidade. A existência de “conceitos de pessoa
normativamente saturados” e “concepções da natureza metafisicamente carregados”51
retiraram da base sensível da pessoa humana, isto é, o corpo humano, toda a
representatividade efetivamente merecida.
O corpo humano não deve ser visto como prisão da alma ou espectro de uma
perfeição intangível, nem tampouco reduzir em si todo processo que é ser pessoa humana.
Ao contrário, o corpo deve ser tratado como elemento imprescindível para o
reconhecimento da base sensível de uma pessoa que se manifesta através dele. Ser pessoa
não é ser um corpo, mas ter um corpo. Conforme salienta Georg Wilhelm Friedrich Hegel:
O princípio segundo o qual eu, como pessoa, sou também uma individualidade imediata, significa, numa definição mais rigorosa: sou vivente neste corpo orgânico que é a minha existência extrínseca, indivisa, universal em seu conteúdo e possibilidade real de qualquer posterior determinação. Como pessoa, também eu, entretanto, possuo a minha vida e o meu corpo como coisas estranhas e independentes da minha vontade.52
Assumir a existência do corpo como algo pessoal implica, necessariamente, no
reconhecimento e na legitimação da autonomia privada como forma de autodeterminação
da pessoa humana, e evidentemente da sua identidade, em uma rede de interlocução. O
corpo humano é, pois, a expressão da própria pessoa neste processo de autodeterminação,
seja para atribuir conteúdo à sua integridade física, seja para delimitar as coordenadas da
sua orientação psíquica. Retomando a Hegel: “enquanto durar a minha vida, a minha alma
(que é conceito e, maiormente, liberdade) e o meu corpo não estão separados; este é a
existência da liberdade e é nele que eu sinto.”53
Não sendo o corpo humano espectro de uma perfeição intangível, ele é assumido
pela própria pessoa na medida em que esta é livre para construir a sua própria
pessoalidade. Porém, como estas pessoalidades não são construídas em um contexto
isolado, mas sim dentro de uma rede de interlocução democrática, o corpo humano é
tutelado por instrumentos normativos que impõem limites à assunção da corporeidade.
Portanto, o corpo humano é merecedor de uma tutela jurídica que confere ao seu titular
uma esfera de direitos, ou seja, liberdades para dele dispor (doação de partes separadas do
corpo, doação do corpo morto, exposição do próprio corpo, procriação artificial e outros)
51 HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 104.52 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1997, p. 76.53 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1997, p. 76.
ou liberdades para reivindicar algo que se refira ao próprio corpo (direito à saúde,
reparação por danos e outros); bem como de deveres que implicam em não liberdades
atribuídas ao seu titular (a Lei brasileira n. 9.434/1997 proíbe a comercialização de órgãos
humanos); e aos outros que com ele se interagem (respeito, dever de proteção ao cadáver
– a ponto de sofrer sanção penal).
O corpo humano é tratado como Direito de Personalidade pelo fato de ser um
elemento constitutivo da pessoa humana. Como exposto anteriormente, é por meio do
corpo que a pessoa se faz presente nas relações sociais por ela estabelecidas. Trata-se do
elemento físico que a identifica (imagem), assemelhando-a ou diferenciado-a daqueles
com quem convive (elemento definidor da identidade).
Se o corpo está tão intimamente relacionado à pessoa humana, todo e qualquer ato
que implique em disponibilização, modificação, exposição ou até mesmo comercialização
do corpo exige a manifestação da pessoa humana a qual ele identifica. Saliente-se que a
relação corpo x pessoa é uma co-relação autoconstitutiva, de modo que o corpo não pode
ser negado em prol de um aspecto espiritual da pessoa humana, nem ser matéria para
redução da pessoa humana.
3. DIREITO E SAÚDE MENTAL, EM BUSCA DO PLENO
DESENVOLVIMENTO DO INDIVÍDUO HUMANO
Para o Direito, qualquer que seja a definição utilizada (deficiência mental ou
enfermidade psiquiátrica), o reconhecimento jurídico das incapacidades e as consequentes
limitações a estas, independem da causa que reduz a possibilidade do exercício da
autonomia individual, pelo menos em princípio. Capacidade implica ter direitos
(capacidade de gozo) e exercê-los por si só. A capacidade de gozo não é negada a nenhum
ser humano; a de exercício é reconhecida aos seres humanos que têm discernimento para
tomar decisões e suportar as conseqüências dessas. Os transtornos mentais e do
comportamento podem determinar uma redução da capacidade de exercício (incapacidade
relativa) ou em situações extremas, a negação dela (incapacidade absoluta).
É inconteste que o Direito Civil, ao instituir o regime das incapacidades, pretendeu
proteger os indivíduos que padecessem de qualquer limitação ao exercício da sua
autonomia. A clássica teoria das incapacidades foi construída sob a égide do
individualismo e do patrimonialismo, cujo propósito, inegável, era a proteção do
patrimônio do incapaz. O escopo normativo de se garantir a segurança das relações
jurídicas reclamava pela formulação de conceitos estáticos, imutáveis, cuja aplicabilidade
decorria de um processo hermenêutico de pura subsunção.
Esse modo de pensar o Direito foi mantido até o momento em que os próprios
incapazes começaram a reclamar pelo reconhecimento da sua autonomia, ainda que
limitada. Foi assim o que ocorreu com o juiz Daniel Paul Schreber, que buscou
demonstrar ser capaz, a ponto de obter a suspensão da sua interdição.
A suspensão da interdição de Schreber se deu em 14 de julho de 1902 e, no
entanto, é curiosa a atualidade da decisão proferida pela Corte de Apelação, que assim
decidiu pelas seguintes razões: i) o reconhecimento do estado de perturbação mental não
era suficiente para a interdição de Schreber. Além do transtorno, seria necessário saber se,
em conseqüência do estado de saúde, o paciente não estaria apto a cuidar dos seus
negócios; ii) a interdição tem lugar somente quando a doença mental é de natureza
gravíssima, culminando com a total incapacidade do doente em gerir seus negócios; iii) a
expressão “gerir negócios” não diz respeito apenas às questões de natureza patrimonial,
sendo certo que seu alcance vai além dos contornos financeiros para abarcar as
circunstâncias existenciais, tais como cuidados para com a vida e a saúde da pessoa e da
sua família.
As razões decisórias que levaram à suspensão da interdição de Schreber podem ser
assumidas em um discurso jurídico da atualidade, na medida em que potencializa e
reconhece as possibilidades da autonomia privada e permite maior participação do
indivíduo no processo democrático de construção de uma decisão judicial que diz respeito
à sua própria vida. O Direito é produto de um fluxo comunicativo em que conceitos
jurídicos não se tratam de realidades consolidadas, imutáveis e indiscutíveis, mas são
reconstruídos através de uma prática argumentativa em constante processo de construção.
Outro aspecto da decisão em análise que merece ser destacado diz respeito à
formulação dos direitos de personalidade. Ao afirmar que a expressão “gerir negócios”
possui espectro mais abrangente, a Corte assumiu que circunstâncias existenciais são
fatores que devem ser levados a sério no caso de uma interdição. Também, ao questionar
os limites da incapacidade de Schreber, ponderou ser necessário averiguar se, em
conseqüência de transtorno mental e do comportamento, o indivíduo não estaria,
efetivamente, apto a cuidar dos seus negócios.
O Direito começa, aos poucos, a ser oxigenado e a necessidade de se romper com
conceitos naturalizantes e com exercícios hermenêuticos de subsunção do fato à norma
passa a efervescer no lado agônico das reflexões. São trazidas para o campo ensolarado
das atenções as situações jurídicas existenciais que, ao lado das patrimoniais, também,
compõem o universo particular de cada ser humano.
Destarte, diante de um contexto de reconstrução do Direito Civil que se coadune
com a principiologia constitucional, a reprodução do regime das incapacidades com a
carga patrimonialista que ele possui em todo o seu fundamento e reflexo se torna uma
prática agressiva e medieval.
É nessa notória incongruência e desajuste entre aspirações teóricas e
operacionalização caduca que Pietro Perlingieri semeia seu posicionamento acerca do
tema. Para o referido autor, a falta de aptidão de uma pessoa para compreender as
questões que a cercam nem sempre é generalizada, podendo se circunscrever a setores
específicos. Essa construção de uma ausência total de discernimento, geral e abstrata,
construída sob uma ótica jurídica, é fictícia e, exatamente, por isso, dependendo do caso,
irreal:
Dessa situação deriva, por um lado, a necessidade de recusar preconceitos jurídicos nos quais pretender armazenar a variedade do fenômeno do déficit psíquico; por outro, a oportunidade que o próprio legislador evite regulamentar a situação do deficiente de maneira abstrata e, portanto, rígida, propondo-se estabelecer taxativamente o que lhe é proibido e o que lhe é permitido fazer.54
Ao dissertar sobre a justificação constitucional dos institutos de proteção, o
referido autor alerta sobre a possibilidade que uma série estereotipada de limitações,
proibições e exclusões – que não traduzam um estado patológico correspondente ao do
interditado –, tem de representar um engessamento desproporcionado à realização de seu
pleno desenvolvimento.55 A maneira viável de não incorrer em tal erro seria avaliar a
extensão das limitações de cada pessoa sujeita à constrição de seus direitos civis:
É preciso [...] privilegiar sempre que for possível as escolhas de vida que o deficiente psíquico é capaz, concretamente, de exprimir, ou em relação às quais manifesta notável propensão. A disciplina da interdição não pode ser traduzida em uma incapacidade legal absoluta, em uma ‘morte civil’. Quando concretas, possíveis, mesmo se residuais, faculdades intelectivas e afetivas podem ser realizadas de maneira a contribuir para o desenvolvimento da personalidade [...].56
54 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 163.55 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 164.56 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 164.
4. DIREITO AO CORPO E SAÚDE MENTAL: UMA QUESTÃO DE
CAPACIDADE OU COMPETÊNCIA?
Um indivíduo incapaz poderia sofrer restrições ao exercício do direito ao seu
próprio corpo e dele dispor, nos limites do que é a todos permitido, tão somente pelo fato
de ser incapaz? Até que ponto o incapaz perde a possibilidade de deliberar sobre
circunstâncias existenciais que dizem respeito à sua própria pessoalidade?
Antes de enfrentar tais questões é preciso salientar que, na atualidade, mesmo os
indivíduos que tenham capacidade jurídica plena para decidir podem, em razão de um
determinado transtorno do comportamento qualquer, não ter condições de elaborar uma
vontade livre e consciente. Imaginemos a situação em que uma pessoa que tenha vida
produtiva, trabalhando, estudando, firmando compromissos e honrando-os, apresente
quadro de anorexia nervosa. Essa pessoa, em princípio, está apta a exercer todos os atos
da vida civil e, mesmo assim, não possuir condições mentais para tomar decisões
acertadas a respeito do tratamento. Essa pessoa, a despeito de desejar a cura, rejeita o
tratamento em razão da crença de que este a deixaria ainda “mais gorda”. Em um quadro
como esse, pessoas com peso abaixo do normal, recusam receber alimentação, colocando
em risco a própria vida. Ora, seria esta pessoa capaz? Sim. Mas, é certo que ela não teria
competência para elaborar uma vontade livre e consciente sobre o tratamento ao qual
deveria ser submetida.
Para o Direito, a substituição da vontade da pessoa pela vontade de outrem que o
representa ou assiste se dá pelo processo de interdição com a nomeação de curador/tutor.
Todavia, se para as demais questões da vida, a pessoa tem discernimento, essa interdição
afigura-se uma injustificada violação da autonomia privada. Nessa esfera, então, o
conceito de capacidade e incapacidade do mundo do Direito não resolverá o problema
sugerido, razão pela qual, é possível lançar mão do conceito de competência utilizado
pelos profissionais da área de saúde. Isto é:
O conceito de competência utilizado pelos profissionais de saúde, não é tão explícito em sua definição e inclui fatores adicionais de extrema importância no julgamento clínico, como consistência na expressão das decisões durante o tempo, consistência nas decisões expressas e razões subliminares por trás dessas, como desejos expressos anteriormente e a personalidade antes da doença, o estado emocional atual (especialmente se o indivíduo está sob estresse ou agitado) e seu impacto no processo da tomada de decisões, o
impacto psicopatológico da doença mental nos sistemas de crenças assim como nos sistemas de valores e desejos.57
Deste modo, é possível haver pessoas capazes, mas incompetentes, como é o caso
do indivíduo que apresenta quadro de anorexia nervosa. E o inverso, poderia haver
pessoas incapazes, mas competentes?
A princípio, não há restrições argumentativas que nos permita dar uma resposta
negativa, uma vez que uma pessoa incapaz, dependendo do grau do transtorno que padece,
pode manifestar uma vontade livre e consciente sobre algo, inclusive no que diz respeito
ao exercício do direito ao próprio corpo.
É evidente que nestes casos a responsabilidade na verificação da vontade livre e
consciente demanda tarefa interdisciplinar, mas não descartada.
Há uma dignidade que se manifesta no corpo humano que não está a pairar sobre
as pessoas impondo-lhes as coordenadas de uma “vida boa” ou de um “corpo santo”, mas
sim uma dignidade que é construída argumentativamente no caso concreto cuja
participação do titular é imprescindível, qualquer seja a sua condição.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1997.
LIMA, Taisa Maria Macena; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Autonomia privada e internação não consentida. In CASABONA, Carlos Maria Romeo; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito biomédico: Espanha – Brasil. Belo Horizonte: PUC Minas, 2011.
MOREIRA, Luiza Amélia Cabus; OLIVEIRA, Irismar Reis de. Algumas questões éticas no tratamento da anorexia nervosa. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 57, n. 3, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0047-20852008000300001&script=sci_arttext. Acesso em: 4 ago. 2009.
MOUREIRA, Diogo Luna. Pessoas: a co-relação entre as coordenadas da pessoalidade e as coordenadas da personalidade jurídica. 198p. Dissertação (Mestrado em Direito Privado). Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Belo Horizonte, 2009.57 MOREIRA, Luiza Amélia Cabus; OLIVEIRA, Irismar Reis de. Algumas questões éticas no tratamento da anorexia nervosa. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, v. 57, n. 3, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0047-20852008000300001&script=sci_arttext>. Acesso em: 4 ago. 2009.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
SÁ, Maria de Fátima Freire de; PONTES, Maila Mello Campolina. Da Ficção para a Realidade: em Busca da Capacidade dos Incapazes. In: LIMA, Taisa Maria Macena de; SÁ, Maria de Fátima Freire de; MOUREIRA, Diogo Luna. Direitos e fundamentos entre vida e arte. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
SCHREBER, Daniel Paul. Memórias de um doente de nervos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
STANCIOLI, Brunello. Renúncia ao exercício de direitos da personalidade: ou como alguém se torna o que quiser. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
ADPF nº 54: ANENCEFALIA, UMA ESCOLHA DIFÍCIL
Adriana Andrade Ruas
Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Coordenadora de Pesquisa e Extensão da Faculdade Presidente Antônio Carlos FUPAC-TO
Professora da Fundação Educacional Nordeste Mineiro- FENORD
RESUMO
A Arguição Descumprimento de Preceito Fundamental n° 54 descreve uma escolha difícil
que envolve questões morais sobre a interrupção de gravidez de feto com a deficiência da
anencefalia. O Supremo Tribunal Federal como órgão constitucional tem que decidir
sobre questões sem definição normativa instalando-se um vácuo de decisões legislativas e
dificultando mais ainda o discurso de aplicação. Pretende-se analisar as posições médicas
e jurídicas de tema tão controvertido entre os que defendem o direito à vida e os que
defendem a liberdade e autonomia da mulher. Para tanto buscar-se-á a análise
jurisprudencial, doutrinária percorrendo o caminho metodológico indutivo e empírico.
Promovendo-se o debate público aproximado das audiências públicas no judiciário.
PALAVRAS –CHAVE: Interrupção, escolha difícil, audiências publicas
ABSTRACT
A Plea Breach of Fundamental Precept No. 54 describes a difficult choice involving moral
issues about termination of pregnancy a fetus with anencephaly deficiency. The Supreme
Court as a constitutional body has to decide on issues without setting rules by installing a
vacuum of legislative decisions and further complicating the discourse of application. It is
intended to analyze the positions of medical and legal issue as controversial among those
who defend the right to life and those who defend the freedom and autonomy of women.
For this look will be the analysis of case law, doctrine covering the methodological and
empirical induction. Promoting public debate is approximate public hearings in the
judiciary.
KEYWORDS: Interrupt, tough choice, public hearings
1 INTRODUÇÃO
A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 levantou no
Supremo Tribunal Federal um difícil debate em torno da anencefalia. Exaltando dois
posicionamentos contrários; os que defendem a vida e os que defendem a liberdade e
autonomia da mulher em fazer suas escolhas.
Pela primeira vez o STF decidiu ouvir em audiência pública, as implicações desse
caso concreto.
Objetiva-se neste trabalho, desvendar o discurso de aplicação concentrado e sua
condição de legitimidade, que diante de questões morais encontra dificuldades de decisão.
Descrever-se-á a anencefalia e suas implicações médicas, pois a ciência deve ser sempre
companheira do discurso jurídico. Depois falar-se-á do discurso jurídico com suas
vertentes de legitimidade, quando descreveremos a aplicação dos princípios ao caso
concreto, bem como a posição de vários doutrinadores sobre o tema e sobre os direitos
envolvidos, numa perspectiva construtivista do direito nos moldes dworkianos.
Este caso de difícil decisão vem sendo amplamente discutido porque
encontramos nele uma fonte de direitos éticos e morais, de conflitos principiológicos, o
que vem aumentando os questionamentos em torno do caso concreto.
O principio da dignidade da pessoa humana esse vetor incomparável comporá o
discurso de adequabilidade ao caso concreto, bem como os princípios conflitantes de
proteção à vida e da autonomia da mulher.
Este trabalho não pretende esgotar o tema, mas abordar suas peculiaridades e
enaltecer as condições do discurso ao ponto de levantar a questão no caminho jurídico.
2 ADPF 54: UMA ESCOLHA DIFICIL
A anencefalia é uma deficiência que o feto apresenta, sendo resultado
principalmente da ausência de ácido fólico, ou vitamina B. Os maiores cometimentos dos
casos são em mulheres de baixa renda proveniente de uma alimentação deficiente.
(ANDALAFAT, 2007)
A grande discussão tem centralizado o debate em torno de duas correntes: a que
defende a liberdade e autonomia da mulher, e da outra que defende a proteção à vida,
sendo que existem dicções em favor da dignidade da pessoa humana para ambos os lados.
Esta deficiência poderia ser diminuída caso os programas sociais busquem o
melhoramento de condições físicas das mulheres de baixa renda e em idade fértil, com
campanhas de esclarecimento, e políticas públicas nutricionais que sejam eficazes.
O caso deve ser discutido com todas as suas nuances. Percebemos que esta
análise nos leva à freqüente discussão do envolvimento do Judiciário com o controle das
políticas públicas e o esclarecimento da possibilidade do controle e efetivação por este
órgão.
As questões ligadas ao cumprimento das tarefas sociais como a formulação das respectivas políticas, no Estado Social de Direito não estão relegadas somente ao Governo e à Administração Pública, mas tem o seu fundamento nas próprias normas constitucionais sobre direitos sociais; a sua observação pode e deve ser controlada pelos tribunais. (KRELL, 2002, p.100).
O debate em torno da interferência do judiciário em políticas públicas está cada
vez mais presente quando o Executivo não consegue cumprir com sua função e conclua os
interesses públicos de forma ineficiente.
O Judiciário até o presente momento e a doutrina que discutem as questões da
anencefalia ainda não se deteve com a preocupação que envolve a saúde da mulher
especificamente. Estão tentando resolver os debates que afloram as questões normativas
sem nos preocuparem com a prevenção dos problemas sociais que neste caso também
envolvem um universo maior de políticas publicas.
Na realidade, não se trata de uma decisão que envolve a simples autorização ou
não de aborto de pessoa anencéfala e suas questões éticas; além dessa decisão enquadram-
se problemas sociais que o Estado tem de enfrentar.
Sem contar evidentemente que os hospitais públicos não contam com um
atendimento adequado à gestante, com aparelhamento de última geração que traduza o
diagnóstico em 12 semanas. Na maioria dos casos nem aparelhos de ultra-sonografia
existem nos hospitais públicos.
Uma gestante que tem seu atendimento de pré-natal pela previdência pública, não
consegue com a aparelhagem em disposição definir o quadro de anencefalia com certeza
de diagnóstico e acaba terminando a gestação sem saber do desenvolvimento da doença.
Essas mulheres, ou o casal, também precisam da proteção da psicologia, pois se
encontram frente a um problema que leva à preparação precoce para um funeral, porque
sabemos que esta deficiência não prolonga a vida extra uterina por tempo superior a
quarenta e oito horas; sendo esta a média da vida na maioria dos casos. E não existe uma
preocupação neste sentido no meio jurídico.
Estamos nos esquecendo realmente da mulher e de suas reais necessidades e
principalmente da proteção à família também garantida pela constituição brasileira.
Não existe a proteção à maternidade apenas com a autorização do aborto do
deficiente anencéfalo, a mãe tem de se encontrar amparada psicologicamente quando
decidir pelo aborto de seu filho, caso venha a ocorrer a liberação e descriminação atendida
pelo STF em mais uma atuação ativista, pois o discurso de fundamentação ainda não se
construiu.
Mesmo nos casos em que a deficiência é constatada nas 12 primeiras semanas de
gestação, tem que haver a confirmação duas semanas após. Esse período deveria servir
para um acompanhamento psicológico do casal. A situação do pai e da mãe que têm de
decidir pelo aborto do deficiente anencéfalo é muito dramática e muitas das vezes levada
por uma vontade de buscarem a qualquer custo se verem livres desse problema o mais
rápido possível. Mas eles precisam de um tempo para decidir o que seria melhor para a
família, pois estão diante de uma decisão propensa a arrependimentos.
A ADPF nº 54 trouxe para a realidade do discurso jurídico um tema que envolve
uma escolha bastante difícil, pois de um lado se encontra o feto deficiente anencéfalo que
tem a defesa do seu direito à vida e de outro a CNTS(Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde) que busca os direitos a autonomia da mulher para decidir pela
da interrupção da gravidez.
Para Dworkin (2002) as decisões judiciais em casos difíceis devem ser geradas por
princípios. Mesmo quando nenhuma regra regule o caso, uma das partes pode, ainda
assim, ter o direito de ganhar a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos
difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de inventar novos direitos
retroativamente. E mais adiante Dworkin vem afirmar: “Os juízes devem aplicar o direito
criado por outras instituições; não devem criar um novo direito. Isso é o ideal, mas por
diversas razões não pode ser plenamente concretizado na prática”. (2002, p. 127).
Dworkin na verdade estabelece críticas ao positivismo na sua interpretação aberta
dos princípios. Para esse jurista as regras são aplicadas ao modo do tudo ou nada, ou seja,
uma regra é válida e sua aplicabilidade é aceita ou não é válida, nesse caso não há
aplicabilidade. Havendo colisão, uma delas é valida e a outra não. Os princípios como têm
uma dimensão de peso com menor definição, acabam não determinando uma decisão, e
seus fundamentos devem ser conjugados com os fundamentos de outros princípios. Em
caso de colisão de princípios, aquele de maior peso se sobrepõe aos outros interpretados
como de menor peso. Classifica os princípios e as regras como espécies do gênero norma.
Assim como as regras os princípios são normas dotadas de imperatividade.
Os juízes ao se confrontarem com os casos difíceis devem, segundo Dworkin,
legislar para o caso concreto. Os casos difíceis são aqueles em que os legisladores não
conseguiram apreender uma norma que estipulasse uma solução para determinado caso.
Para Dworkin, assim como os legisladores sopesam os princípios para chegar às leis, os
juízes devem fazê-la para legislar no caso concreto. É verdade que o legislador trabalha
permeando uma situação futura, enquanto o juiz deve legislar para uma situação que já
ocorreu, mas que inexistia possibilidade legal. Dworkin ainda afirma que até o presente
momento não se tem chegado a uma definição completa por parte da doutrina que não seja
passível de controvérsias. Se a decisão baseia-se em princípios, não há contradição com a
democracia.
No entanto, estamos diante de um caso difícil que exige escolha dramática. O
pedido da CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde) versando sobre a
possibilidade de interrupção de feto deficiente anencéfalo coloca o Supremo Tribunal
Federal diante de um caso difícil, ou seja, exige uma escolha dramática entre a proteção da
vida do feto ou a autonomia e liberdade da mulher gestante.
A interrupção voluntária é crime no Brasil que o Código Penal 14, prevê nos arts.
124 e 126, caput, e duas excludentes da antijuridicidade previstas no art. 128, incs. I e II.
Essas excludentes ocorrem em caso de aborto necessário para salvar a vida da gestante e
quando resultado de estupro. Se a gestação de anencéfalo faz a mãe correr risco de morte,
com certeza a discussão não seria necessária e o caso incorreria no art.128, inc. I do
Código Penal.
O pedido da CNTS que estimula a excludente de ilicitude por aborto de deficiente
anencéfalo na inicial, defende que tem de existir uma nova interpretação em relação à
aplicação dos preceitos do Código Penal, alegando a inviabilidade daquela patologia para
a vida extra-uterina. Completando o pedido da parte autora, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na saúde pede que seja feita uma interpretação conforme a Constituição de
tais normas do Código Penal, com a pronúncia de inconstitucionalidade na hipótese
descrita, reconhecendo o direto de aborto de feto anencefálico.
Estabelecendo esta análise podemos perceber que a parte autora diz tratar-se de
impossibilidade absoluta de vida extra-uterina, o que encerra uma completa falta perante o
feto anencéfalo, uma vez que pela ocorrência dessa deficiência ele sobrevive em média
48 horas.
Mas caso haja a confirmação do nascimento com “normalidade”, qual a certeza tem
uma mãe que esta criança ao nascer vá sobreviver por 80 anos? Ou por 48 horas
Quando se trata de vida e de tempo não se sabe como obter uma informação exata.
Nem mesmo a ciência e a tecnologia não conseguiram vislumbrar essa empreitada. A
mesma petição da CTNS define a anencefalia como má-formação fetal congênita por
defeito do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios
14
“ Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento.Artigo 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:Pena – Detenção, de1(um) a 3(três) anos.”“Aborto provocado por terceiroArtigo 126 – Provocar aborto como consentimento da gestante:Pena – reclusão, de 1(um) a 4(quatro) anos”“ Artigo 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:Aborto necessárioI – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;Aborto no caso de gravidez resultante de estuproII – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal.” (BRASIL, 2005)
cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico. E continua trazendo um
conceito vulgar de “ausência de cérebro” que é definição de acefalia e não anencefalia,
completando sem o devido fundamento científico, que inexistem quaisquer funções
superiores do sistema nervoso central, responsável pela consciência, cognição, vida
relacional, comunicação, afetividade e emotividade. No mais, restariam apenas algumas
funções inferiores que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e a
medula espinhal. O que não descaracteriza o nascimento com vida.
Devemos perceber uma relação muito estreita de uma atitude preconceituosa e
discriminatória ao conceito estabelecido pela parte autora que não reconhece a forma vital
em uma pessoa que tem o seu tempo de vida na terra abreviado. Deveríamos então liberar
a eutanásia ou ortotanásia nos casos onde ocorre diagnósticos morte de doente enfermo?
Quaisquer sejam as enfermidades? Não seria tão importante a morte digna com o direito a
uma despedida familiar? Não seria este também um direito fundamental?
Para Habermas (2004), os pais já se comunicam com o filho in útero não apenas
criando uma visualização humana do feto, mas antecipando uma socialização que
considera a ela deveres jurídicos e morais. A vida pré-pessoal ou vida do feto, como
denomina Habermas, diferentemente da segunda vida extra-uterina a quem se pode dirigir
a palavra, também compreende um valor integral para a totalidade de uma forma de vida
“eticamente” constituída.
Para esse autor supracitado, “dá-se a distinção entre a dignidade da vida humana
e a dignidade humana garantida juridicamente a toda pessoa – uma distinção que de resto,
reflete-se na fenomenologia da nossa maneira sentimentalizada de tratar os mortos”
(HABERMAS, 2004, p. 51).
A vida tem uma estreita relação com a morte. É também inevitável a morte para
todas as pessoas, não apenas para os anencéfalos. Parece óbvio, mas a parte autora da
ADPF 54 insiste nesse aspecto, vem afirmando que os anencéfalos possuem 100% de
probabilidade de morrerem após seu nascimento.
A CNTS nega que seja aborto eugênico, cujo principal fundamento da sua
acusação consiste na eventual deficiência grave do feto em aborto voluntário e ainda que
não tem este feto nenhuma perspectiva de vida extra-uterina, entendendo como
perspectiva de vida uma criança que nasça saudável, perfeita e que tenha condições de
viver, caso não ocorra nada a partir do momento do nascimento, pelo menos cem anos. E
pede ao Supremo Tribunal Federal que seja dada interpretação conforme a constituição
dos artigos 124,126 e 128, I e II, do Código Penal excluindo a ilicitude no caso de aborto
de anencéfalo por se tratar de inumano. Pedindo que seja declarado inconstitucional, com
efeito erga omnes e feito vinculante, a interpretação de tais dispositivos como impeditivos
do aborto eugênico de feto deficiente anencéfalo, que havia sido diagnosticado por médico
habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de se submeter a tal
procedimento sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou de
qualquer outra forma de permissão especifica do Estado.
Esse pedido se acerta conceitualmente com um utilitarismo total que não poderia
ser imaginado pelo utilitarismo clássico que vê a possibilidade da interpretação apenas
quando voltada para o bem.
Na interpretação total do utilitarismo imaginemos uma mulher poder planejar ter
dois filhos; se um morrer quando ela ainda estiver em idade de engravidar, pode ter outro.
Suponhamos que uma mulher que pretende ter dois filhos dá a luz a uma criança normal e
que, depois, nasça uma criança hemofílica. As dificuldades para cuidar dessa última
podem impedir que ela cuide de um terceiro filho, mas, se a criança doente morresse, ela
poderia dar à luz novamente. Outro filho compensaria a infelicidade com a felicidade de
ter um filho saudável. Nesse caso, deve-se matar o bebê hemofílico. (SINGER, 2006)
Essa então passa a ser uma decisão baseada em um utilitarismo total, onde os
pais podem se ver livres do problema o mais rápido e procurar constituir a família com
uma nova gestação e uma vez que se tome todos os cuidados, pode ser uma gestação
perfeita de um feto perfeito. Se novamente a anencefalia se confirmar, é só passar
novamente pelo procedimento.
Afinal o utilitarismo insiste que é justo um arranjo social que produza maior
felicidade a longo prazo para o maior número de pessoas.
A questão que hora se estabelece pode incorrer em abertura para novos
entendimentos com relação às deficiências, o que agora podemos admitir como
possibilidade de aborto de deficiente anencéfalo pode ser num futuro próximo
estabelecida para outras deficiências alargando as possibilidades.
Nas folhas 13 e 14 da petição da ADPF 54, a parte autora define que:
“a discussão jurídica envolve uma ponderação de bens, supostamente em tensão: em que de um lado, está a potencialidade da vida do nascituro, e de outro, a liberdade e autonomia individuais da gestante. E completa afirmando que na
inexistência de potencialidade da vida extra-uterina no caso de feto anencefálico, toda a atenção há de se voltar para o estado da gestante. E afirma que é até possível colocar a questão em termos de ponderação de bens ou de valores, mas a rigor técnico não há necessidade. A hipótese segundo a autora, é de não subsunção fática relevante aos dispositivos do Código Penal e que a gestante portadora de feto anencefálico que opte pela antecipação terapêutica do parto está protegida por direitos constitucionais que imunizam a sua conduta da incidência da legislação ordinária repressiva.“ (BRASIL, 2006)
Sendo esta a realidade, como então estamos com um debate tão amplo?
Como não existe nem mesmo o nascituro com interesse a proteger?
A lei não discrimina o aborto de fetos com deficiência anencefálica. O que lhe são
garantidos os direitos em igualdade com os fetos que não são apresentadas deficiências,
ou que tenham deficiências impossíveis de ser determinadas pela ciência. Ou agora iremos
escolher apenas os fetos com melhores condições de sobrevivência para nascer?
A Constituição no seu artigo 5º caput, da CR/88, garante a todos, inviolabilidade
do direito à vida (grifo nosso). E no Código penal no capitulo dos crimes contra vida, os
artigos 124,126 e 128, I e II fazem referência a excludente aos tipos específicos de aborto
e não cita o tipo excludente no caso de feto deficiente anencefálico.
O Pacto de São José de Costa Rica, em seu artigo 4º, estabelece que “toda pessoa
tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral,
desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.
O Código Civil dispõe no seu artigo 2º de que a personalidade civil da pessoa
começa do nascimento com vida sendo que a lei Poe a salvo, desde a concepção os
direitos do nascituro.
Quando começa a personalidade? Esta questão tão debatida não é essencial para o reconhecimento do direito do nascituro uma vez que o Código (e não pretendemos ser literais, mas não podemos desprezar o texto) dispõe expressamente no artigo 2º que a personalidade civil da pessoa começa no nascimento mas a lei protege o direito do nascituro. Podemos afirmar primeiramente que o nascituro tem direitos protegidos mesmo que não seja pessoa para o direito ou para a sociedade. (MAGALHÃES, 2006)
Segundo Dworkin (2003), um feto é pessoa humana, este é um consenso
universal.
Portanto se é nascituro e a lei não põe a salvo as possibilidades de descriminação
de deficiente anencéfalo, este é um crime contra a vida humana que tem potencialidade.
A anencefalia até o presente momento não tem sido mostrada como risco de
morte para a mulher grávida de anecéfalos, pelo menos com uma certeza científica.
Acaso realmente este debate devesse ser incisivo, não caberia a discussão com relação à
própria imputação de crime e mesmo a discussão levantada pela ADPF 54 de
interpretação conforme se levando em conta a autonomia da mulher pediria a aplicação
do Código Penal simplesmente. Mas considerar uma possível conclusão de risco de morte
da grávida de anencéfalo com base apenas em alguns relatos médicos não é o coerente
cientificamente.
Thomaz Rafael Gollop contempla que uma gestação de feto com anencefalia gera riscos de morte à mulher
“ em primeiro lugar, há pelo menos 50% de possibilidade de polidrâmnio, ou seja, excesso de líquido amniótico que causa maior distensão do útero, possibilidade de atonia no pós-parto, hemorragia e, no esvaziamento do excesso de líquido, a possibilidade de deslocamento prematuro de placenta, que é um acidente obstétrico de relativa gravidade. Além disso, os fetos anencefálicos por não terem o polo cefálico, podem iniciar a expulsão antes da dilatação completa do colo do útero e ter o que nós chamamos de distorcida do ombro, porque nesses fetos, com frequência, o ombro é grande ou maior que a média e pode haver um acidente obstétrico na expulsão no parto do ombro, o que pode acarretar dificuldades muito grades no ponto de vista obstétrico”. (In: ANIS)
Pela própria observação feita pelo médico professor da USP ( Universidade de
São Paulo) não cabe generalizar os casos de riscos na gravidez de anencéfalo, pois esses
mesmos riscos podem ser notados em gravidez de fetos sem esta deficiência.
Andalaft Neto também provoca um debate afirmando complicações nos partos de
anencéfalos pela formação craniana, e em alguns casos a ocorrência de eclampsia, mas
não oferece uma certeza clara e científica a enfrentar o tema, não tendo nenhuma
comunidade médica embasando sua afirmação.
Maria Costa Fernandes(2007) expõe o pensamento destacando os merecidos
cuidados que devem receber as gestantes de feto anencefálico, mas sem defender a
interrupção por risco de morte da gestante.
Se forem verificados os riscos de morte à gestante de anencéfalo, o Código Penal
já trata desta possibilidade sem fazer a distinção de deficiência. Afirmar que
possivelmente a anencefalia pode causar risco de morte não pode ser a via correta para
defender um aborto terapêutico.
Não se pode proferir que o deficiente anencéfalo seja um natimorto, uma vez que
a definição de morte pela legislação brasileira e pela medicina ocorre quando cessa toda a
função do cérebro. Inclusive quando levantamos o debate sobre a doação de órgãos do
anencéfalo, deparamos com a discussão de que não pode numa criança anencefálica ser
obstruída da vida para que se retirem os seus órgãos e que no transplante os seus órgãos
necessitam estar em movimento. Seria nestes casos ceifar a vida de uma pessoa para salvar
outra. Uma escolha salomônica.
As mães gestantes de feto com deficiência anencefálica ao optar pelo aborto
lutam pelo seu direito à autonomia e liberdade, mas toda liberdade deve ser atribuída com
responsabilidade e limite para que um direito também fundamental como o direito à vida
não seja ofendido e neutralizado.
A sobrevivência do anencéfalo com os atuais tratamentos é muito reduzida. São
relatadas percentagens de nascidos vivos entre 40 – 60% enquanto depois do nascimento
somente 8% sobrevive mais de uma semana e 1% entre 1 a 3 meses. Foi relatado um caso
único de sobrevivência até 14 meses e dois casos de sobrevivência de 7 a 10 meses, sem
recorrer a respiração mecânica. (BARTH, 2006)
Com a definição de que o feto deficiente anencefálico é pessoa humana e que não
detém as características de um natimorto; devemos o respeito a sua dignidade e reconhecer
a proteção constitucional primordial à vida, pois estamos diante de um conflito de
interesses e concordamos com a autora da ADPF 54, que não se trata de uma interpretação
dada com relação à ponderação de valores, mas a uma interpretação conforme à
constituição. O que coloca o STF diante de uma escolha difícil é o interesse protegido da
vida e autonomia do feto com deficiência em contradição com o interesse que a mãe tem
com relação à sua autonomia e liberdade.
Daniel Sarmento(2006) informa que o caso envolve ponderação de valores
constitucionais, primando pela busca de um ponto de equilíbrio e em caso de sacrifício de
um dos bens jurídicos que seja o menor possível tendendo a implicações éticas do
problema equacionado, e para resultados pragmáticos das soluções levantadas.
Dois princípios fundamentais que se contrapõem pedem então uma interpretação
correta do STF.
O Direito que pode responder aos desafios desta nova realidade que se afirma rapidamente também não pode ser um Direito construído apenas no parlamento, composto por regras que tudo pretendem prever. O Direito que pode responder
aos desafios contemporâneos deve ser um Direito principiológico, construído no caso concreto, e logo com forte participação do Judiciário na construção da norma para o caso, o que nos remete à preocupação com o acesso à justiça, à igualdade real entre as partes no processo e à formação dos membros do Judiciário (MAGALHÃES , 2006)
Esta construção com a possibilidade viável da audiência pública vem ajudar a
encontrar uma decisão mais democrática, com o fundamental respeito à igualdade real
entre as partes.
Segundo Dworkin “um juiz que segue a concepção do Estado de Direito
centrada nos direitos tentará, num caso controverso, estruturar algum principio que, para
ele, capta, no nível adequado de abstração, os direitos morais das partes que são
pertinentes às questões levantadas pelo caso” (2005, p. 15)
E mais adiante afirma ser o juiz o seguidor de uma concepção centrada nos
direitos, este mesmo o juiz não deve decidir um caso controverso recorrendo a principio
incompatível com o repertório de sua jurisdição. Deve decidir muitos casos com
fundamentos políticos, sendo nesses casos os princípios morais compatíveis com a
legislação.
Afinal reconhecemos a Constituição como força normativa, a possibilidade
efetiva de seus princípios e o fortalecimento da jurisdição constitucional são os
fundamentos de uma ordem jurídico-institucional que impulsiona o fenômeno da
constitucionalização do Direito.
Para Daniel Sarmento (2007) o fenômeno da constitucionalização do direito
envolve a idéia de que todos os institutos jurídicos devem ser relidos a partir de valores
constitucionais; pois todos os ramos do direito devem se sujeitar a uma filtragem
constitucional para que se convirjam à tabua axiológica subtendida à lei maior.
Estamos falando de uma supremacia da Constituição, tanto formal quanto
material sobre o direito infraconstitucional.
Mediante a utilização da técnica de interpretação conforme a Constituição, deve o intérprete resguardar a normatividade superior dos valores constitucionais na medida em que impõe a opção pela interpretação que mais atribua eficácia ao Pacto Fundamental. Assim, a técnica caminha no sentido de afirmação da normatividade integral da constituição, impondo um compromisso com seus princípios reitores. (SCHIER, 1999, p. 131-137)
A interpretação conforme assinala para uma adequada manipulação técnica que
permite a atualização da ordem ordinária em face dos valores constitucionais. O Juiz terá
a oportunidade diante do caso concreto de realizar a adequação do conteúdo normativo de
leis infraconstitucionais através da confirmação atual dos princípios da Constituição.
Esta é a interpretação que assinala o STF, na construção do Direito que não cabe
apenas ao Poder Legislativo.
É deveras proeminente que a discussão que rodeia o caso do aborto de deficiente
anencéfalo, deve ser buscada a sua interpretação na Constituição, nos direitos
fundamentais e garantias individuais que a permeiam indo ao encontro da resposta
adequada ao caso concreto.
Com o aprimoramento deste debate à abertura com a audiência pública que dará
um rumo democrático à decisão não deixando Hércules na solidão do Olimpo,
passaremos a analise dos princípios que demandam a escolha adequada do aplicador na
decisão da ADPF 54 que envolve uma decisão difícil de controle de constitucionalidade.
2.1 A vida humana
A vida humana é sagrada. Essa frase para algumas pessoas pode parecer apenas
coloquial e detentora de uma carga religiosa. No entanto, tem um significado muito maior
em nosso agir, afinal proteger e defender a vida não enseja apenas critérios religiosos é
além de tudo um discurso moral. Por que a vida humana tem um valor especial para as
pessoas, ou um valor acima dos outros?
A proibição para se tirar, a vida de outra pessoa, tem reforçado a sobrevivência
da sociedade que não poderia entender de outra forma senão levando-se o devido respeito
à vida. É de imaginar o caos se a todos fosse permitido tirar a vida de outra pessoa.
A autonomia é a capacidade de escolher ou tomar decisões e agir em consenso
com essas decisões anteriormente definidas. Optar autonomamente pela vida é
característica de um ser que pode optar por viver e distinguir a diferença entre viver
continuamente e morrer. Matar uma pessoa que não optou por morrer constituiu
desrespeito grave à autonomia da pessoa, a decisão de morrer ou viver diz respeito à mais
fundamental das escolhas que alguém pode fazer, a escolha da qual dependem todas as
outras. (SINGER, 2006)
Essa perspectiva sedimenta o suporte à defesa da vida e todas as possibilidades
que essa narração possa trazer, afinal depois de tantas constatações que percebemos
durante vários percursos no tempo defender a vida é dever, não como autoridade, mas
como solidariedade.
A conclusão é de que a vida tem o seu valor fundamental e inviolável. Este já se
tornou um consenso amplo e universal. A defesa da vida promove a possibilidade de
racionalidade do homem, que a defende para sua própria preservação.
La consideración de la vida humana como bien jurídico fundamental em toda su evolución y desarrollo fundamenta la legitimidad de su protección como un bien politico, como ya se ha dicho, y no porque las acciones lesivas contra ella sean moralmente negativas. Esto justifica que, junto con la importancia del bien que está en juego, la protección de la vida esté en función del límite a partir del cual una lesión se considera nociva para la sociedade (PINTO, 2004, p. 613)
Mesmo que essa proteção seja de reivindicação religiosa, não podemos na
bandeira da laicização do Estado nos apegar para promover uma campanha contrária à
proteção da vida. Um agnóstico pode defender a vida e sua proteção tanto quanto uma
pessoa extremamente religiosa. E no podemos deixar de reconhecer que as bases do
humanismo no cristianismo.
O aborto é uma opção pela morte do embrião humano em formação.
Para Ives Gandra (2005) a diferença entre o nascituro e o nascido não é de
natureza, pois ambos são seres humanos, mas de grau, que define os diferentes estágios de
desenvolvimento, com melhores ou piores condições de existência.
Amplas discussões sobre ao assunto têm tomado a esfera pública com lutas entre
os contrários e os favoráveis ao aborto, o que revela um confronto a todo o tempo.
Não podemos aceitar o argumento da dependência do feto em relação à mãe e
que esse argumento lhe deixa escolha sobre a interrupção da vida do feto.
Ao se pronunciar sobre o assunto, o professor José Luiz Quadros de Magalhães
(2006) reconhece o nascituro como pessoa que sofre os efeitos das relações sociais, pois
detém características da coletividade, advindas dos genes de seus antepassados e também
como produto do meio em que vive dependente de sua mãe e que também é dependente
de suas relações sociais e naturais. O nascituro para este jurista é a exemplo de qualquer
outra pessoa humana um ser social coletivo e único.
Nenhum ser humano vive sozinho, portanto a mãe também é pessoa dependente
de outras para sobreviver. Segundo Hannah Arendt(2004) quando trabalha com esfera
pública e privada em sua obra: “nenhuma vida humana, nem mesmo a vida de eremita em
meio à natureza selvagem, é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente,
testemunhe a presença de outros seres humanos”. A gestante também precisa de outras
pessoas para sobreviver, precisa do grupo para se relacionar, ninguém consegue se
estabelecer no mundo sozinho.
O potencial de vida do feto humano é importante não por criar um direito de
reivindicação à vida, mas para deter quem queira matar um feto, pois estará privando a
humanidade desse ser e configura um erro. (SINGER, 2006)
O feto e o seu potencial de construção no mundo com toda a carga cultural de
seus antepassados, a usurpação dessa possível construção com o aborto pode significar a
interrupção de uma construção racional e valiosa para a nossa realidade.
O nosso século tem sido protagonista de muitas mudanças revolucionarias das
atitudes morais. Nem sempre essas atitudes têm favorecido as relações sociais. A maior
parte continua travando imensas polêmicas. O aborto, tema que tratamos com maior
análise em nosso trabalho, antes era proibido em quase todos os países, hoje é legal em
muitos deles, ainda que se tenha travado uma constante luta entre os segmentos a favor e
contrários. No Brasil o aborto é proibido aberta a possibilidade de excludente pelos
fundamentos do Código Penal e pela proteção que a Constituição estabelece com relação à
vida. A Constituição não determinou o inicio da vida e quando começava a proteção
porque o legislador previu a proteção da vida no geral.
Se essa questão está longe de atingir um consenso, voltamos a referir que ainda
assim a possibilidade do debate traria a proximidade do consenso.
2.2 A liberdade humana
No art.4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 conceitua
liberdade da seguinte forma: “A liberdade consiste em fazer tudo o que não prejudica a
um outro. O exercício dos direitos naturais de um homem só tem como limites os que
asseguram aos outros membros da sociedade o gozo de iguais direitos. Esses limites só
podem ser estabelecidos através de leis”.
A Declaração estabelece limites à promoção da liberdade, onde se inicia o direito
de outrem. O principio da liberdade não pode ser absolutizado retornando ao ponto de
partida, ou seja; ”o homem lobo do homem” iniciais do liberalismo moderno. “Passa-se,
assim, do estado de liberdade, no sentido filosófico de livre arbítrio, à existência de
liberdades cercadas por regras, ou seja, pelo direito”.(ISRAEL, 2005, p. 17)
Para Habermas(1997) “ o conceito de lei explicita a ideia do igual tratamento, já
contida no conceito do direito: na forma de leis gerais e abstratas, todos os sujeitos tem os
mesmos direitos”(P.114)
Não podemos deixar de frisar que o direito à liberdade está umbilicalmente
ligado ao direito à igualdade e que não podemos estabelecer critérios de diferenciação
entre os indivíduos para atribuir-lhes mais liberdade que a outros, estaríamos incorrendo
em discriminação, escolhendo os indivíduos mais fortes para sobreviver.
Pois segundo a concepção dworkiana (2003),” respeitar a igualdade é tratar a
todos com o mesmo respeito e consideração”. Respeitar o direito à igualdade não seria
tornar a sociedade homogênea, mas limitar os desejos desiguais, que interferem no
tratamento à igual condição de vida digna, as ações livres devem se portar dentro de
limites de uma presumível viabilidade.
Pela informação trazida em sua obra Philip Pettit (2007) “uma ação é livre se,
somente se, ela tem um caráter que é consistente com o fato de o agente ser
consideravelmente responsável por ela. A ação é responsabilidade compatível”. (p.55)
A ação do agente que age com liberdade deve se materializar de maneira
responsável.
Um agente é considerado responsável, não apenas por suas crenças e desejos,
mas por crenças avaliativas sobre os efeitos resultantes de seus atos, dentro de uma
racionalidade, prudência e moralidade. Somente os agentes que têm condições para
reconhecer os padrões e responder a eles podem ser responsáveis pelos seus atos de
liberdade. (PETTIT, 2007)
Uma pessoa é livre quando se relaciona com outras pessoas, e nesse
relacionamento consiga controlar racionalmente suas ações. O que nos leva a elaborar a
seguinte questão: que tipo de capacidade pode definir que o agente responsável seja livre?
Para Pettit (2007) ser livre envolve estar adequado para ser responsável por
aquilo que se faz. Não podemos falar é verdade em apenas coletividades livres, mas em
indivíduos livres. O Estado não deve coagir a liberdade individual, mas estabelecer limites
a esta liberdade no âmbito de um posicionamento adquirido como válido por toda a
sociedade.
A liberdade reprodutiva consiste em se estar livre para constituir uma família e a
responsabilidade com a liberdade sexual, quando da probabilidade de exercer este direito
as possibilidades que podem ocorrer com a gestação. Seria vista como uma adequação da
liberdade.
Somente os dementes são absolutamente livres, pois lhes falta a consciência de
pertencimento ao grupo.
2.3 A dignidade humana
A dignidade da pessoa humana encontra-se configurada nos fundamentos do
Estado Democrático de Direito brasileiro (CF,1988, art.1º III). A dignidade da pessoa
humana não é um principio absoluto, mas um vetor a ser protegido diante da adequação
ao caso concreto.
A dignidade da pessoa humana configura os estabelecimentos da vida digna e da
morte digna.
A dignidade da pessoa humana, estabelecida como principio fundador da ordem
jurídica e como principio fundamental com relação à interpretação constitucional não
pode ignorar os outros princípios.
A dimensão da dignidade toma uma proporção inerente à pessoa em sua
existência universal. Não podemos afirmar que a gestante tenha mais direito à dignidade
que o feto, existe neste caso um tratamento equânime.
O direito à existência digna amplia a consideração constitucional do ser, por
existir um ser desde a concepção. “As tessituras de vidas que se entrelaçam, até mesmo
fisicamente devem ser vistas, cuidadas, garantidas e respeitadas em sua condição de plena
dignidade quando as circunstancias determinarem a dignidade da outra”. (ROCHA, 2004,
p.26)
__________________
15 Para maiores aportes veja a obra “Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais”,
de Ronald Dworkin, 2003, e neste viés Peter Singer, “ Ética Pratica”, 2006.
Toda pessoa humana tem direito a uma existência digna e até mesmo a uma
morte digna, com todas as despedidas dos seus familiares. Toda grávida passa por
transformações em seu corpo, está mais sensível psicologicamente o corpo passa por
mudanças, não existe outra forma de gerar um filho ainda conhecida que não traga
essas mudanças à mulher.
A tolerância deve ser observada para que não ocorra o preconceito e a
descriminação com relação ao feto anecéfalo.
A tolerância também nos aduz em favor de uma razão moral; o respeito á
pessoa alheia. E como a intolerância segundo Bobbio (1996) pode ser positiva diante
da indignação não devemos ser tolerantes com uma pratica discriminatória da vida
humana e os que não devem ser tolerados são os intolerantes.
“Dignidade é o pressuposto da idéia de justiça humana, porque ela é que dita a
condição superior do homem como ser de razão e conhecimento” (ROCHA,2004,p.30)
Quando contrariamos a dignidade humana nos perdemos em nossos sentidos, é
um direito inerente à vida humana e a nossa percepção desse direito perfaz a nossa
racionalidade. Toda pessoa humana é digna.
Para Carmen Lúcia (2004), “o direito será mais justo e mais humanitário
quando mais reflita a ética a se impor em todos os comportamentos humanos e a
adequação e efetividade de todos os ordenamentos aos princípios magnos do
constitucionalismo contemporâneo, em especial, ao da dignidade humana. (p.173)
O homem há de ser respeitado em sua dignidade, sendo manifestada em cada
um ou em todos os homens, é condição de dignidade ser membro da espécie humana o
que implica numa visão de todos e de cada um dos que a compõem.
O embrião ou o morto, não tendo condições para titularizar a personalidade em
direito, acabam compondo a humanidade a são protegidos pelo direito, mesmo
mantendo outra situação na humanidade e pelo que cada qual representa de forma
autônoma um ser humano. (ROCHA,2004)
A autonomia da vontade não pode ser totalizada em sua plenitude, que pode ser
relativizada em face da dignidade em sua dimensão assistencial, pois segundo Dworkin
(2005) o tratamento dispensado à aqueles que em dadas circunstâncias, como os que
apresentam estado de demência, não percebendo sua capacidade de autodeterminação,
ainda assim devem receber tratamento digno. Dworkin defende tanto a voz ativa quanto
a voz passiva da dignidade humana sendo ambas conectadas, de tal investidura que a
vida humana de todo e qualquer ser humano, e mesmo quem já perdeu a consciência da
dignidade deve tê-la respeitada, as pessoas nunca poderão ser tratadas de tal forma que
se venha a negar a importância distintiva de suas próprias vidas.
REFERENCIAS
ANDALAFT NETO, José. Anencefalia: posição da FEBRASCO. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, São Paulo, 04 jan. 2007. Disponível em: http://www.fefebrasgo.org.br/htm Acesso em 30 jan. 2007.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução: Roberto Raposo. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade – por uma teoria geral do direito. Trad.:Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro:Editora Paz e Terra, 1996.
DWORKIN, Ronald. Domínio da vida – aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FERNANDES, Maíra Costa. Interrupção de gravidez de feto anencéfalo: uma análise constitucional. 2007 in SARMENTO, Daniel e PIOVESAN, Flávia. Nos limites da vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Editora Lumem Júris,2007.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constitucional. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. A caminho de uma eugenia liberal? Tradução: Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
ISRAEL,Jean-Jacques.Direito das liberdades fundamentais. Barueri,SP:
Manole,2005.
KRELL, Andréas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Os (dês) caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Direito do nascituro: vida e pessoa. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por < [email protected]> em 26 fev. 2006
MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org). Direito fundamental à vida. São Paulo:
Quartier Latin, 1ª Edição,2005.
OMMATI, José Emilio. Paradigmas constitucionais e a inconstitucionalidade das leis. Porto Alegre: Antonio Sergio Fabris, 2003.
PETTIT, Philip. Teoria da liberdade. Tradução de Renato Sérgio Pubo Maciel. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
PINTOS, Guillermo Díaz. El derecho fundamental a la vida. In: BETEGÓN, Jerônimo (et. al) (Coord.) Constitución y derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y constitucionales, 2004.
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. A Reforma do Poder Judiciário. Revista de Informação Legislativa 240, Brasília, a. 35, n. 137, jan/mar. 1998. Disponível em: http://www.senado.gov.br/cegraf/ril/pdf/pdf_137/r137-23.pdf//htm Acesso em 23 out. 2006.
SARMENTO, Daniel; PIOVESAN, Flávia (Coord.). Nos limites da vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.
SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: Construindo uma nova dogmática jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.
SINGER, Peter. Ética Prática. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
ENSAIOS SOBRE O PROJETO DO NOVO CODIGO DE PROCESSO CIVIL: MUDANÇAS NAS REGRAS DA “ASTREINTES”
André Luiz Peruhype Magalhães Mestre em Direito e as Instituições Políticas - FUMEC Professor da Faculdade Presidente Antonio Carlos de Teófilo Otoni
RESUMO: Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 166/2010 que tem como
objeto insculpir novo Código de Processo Civil. Referido Projeto de Lei busca harmonizar
a norma processual infraconstitucional à Constituição Federal, dando maior eficácia aos
direitos e garantias processuais constitucionais atribuídos aos cidadãos. Neste diapasão o
presente trabalho analisa os principais objetivos deste projeto de lei, bem como as
mudanças sugeridas nas regras das multas coercitivas – “astreintes”.
PALAVRAS-CHAVES: Constituição; processo civil; mudanças; projeto de lei;
astreintes.
ABSTRACT:
Through the National Congress Bill n. 166/2010 which has as its object inscribe new Code
of Civil Procedure. Said Bill seeks to harmonize the procedural rule infra the Federal
Constitution, giving more effective the constitutional rights and procedural guarantees
granted to citizens. In this pitch this work analyzes the main goals of this bill, and
suggested changes in the rules of coercive fines - "astreintes."
KEYWORDS: constitution, civil procedure; changes; bill; “astreintes”.
1 INTRODUÇÃO:
As atuais sociedades complexas, fruto da globalização, reclamam da organização
estatal maior celeridade e efetividade nos provimentos jurisdicionais, haja vista que os
problemas do cotidiano aumentam no mesmo ritmo frenético das comunicações
eletrônicas pela internet.
Neste contexto, o processo (Devido Processo Legal), garantia fundamental
individual insculpida no art. 5º, inciso LIV da CF/88, assume papel de destaque nesta
reivindicação social e para que tal ocorra é necessário haver mudanças na legislação
reitora de seu procedimento.
Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e
a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que tem cada um dos jurisdicionados,
não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de
Direito.58
Assim, é por referida razão que diversos juristas estão engajados em estudos
aprofundados sobre o projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro, ora em
tramitação no Congresso Nacional sob, o número PL – 166/2010.
Vale destacar que, diferente das mudanças anteriores, o presente PL – 166/2010
propõe uma alteração geral do Código de Processo Civil, sendo inovador em vários
aspectos jurídicos, tal como na regulamentação dos processos coletivos. Além do mais,
pode-se deduzir da Exposição de Motivos da Comissão de Juristas encarregada da
elaboração do Anteprojeto deste novo Código que, em muitos casos, buscou-se afastar
pequenas controvérsias ainda não solucionadas pela jurisprudência dos Tribunais pátrios.
Com efeito, a maior preocupação que se tem com a apresentação deste novo
Código de Processo Civil é a adequação das normas processuais infraconstitucionais com
o ordenamento constitucional democrático. Afinal, é na lei ordinária e em outras normas
de escalão inferior que se explicita a promessa de realização dos valores encampados
pelos princípios constitucionais.
Por tudo isso, a expectativa é muito grande sobre este Projeto de Lei que discute o
novo Código de Processo Civil. Fato é que as discussões devem ser, realmente, intensas,
para que não haja retrocessos e que os anseios sociais sejam alcançados a medida que a
justiça possa, cada vez mais, ser mais célere e mais eficiente.
Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo tecer comentários a cerca
do projeto do Novo Código de Processo Civil, especialmente no que tange as alterações
sugeridas às “astreintes”.
2 OBJETIVOS PRECÍPUOS DO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL.
58 BRASIL. Código de Processo Civil : anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília : Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em:< http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>
Antes de adentrarmos ao tema especificamente sugerido para análise, cumpre
ressaltar alguns pontos que a comissão integrante da elaboração do novo CPC identificou
como sendo os objetivos precípuos que se espera alcançar com o novo estatuto processual.
O ponto de partida que a comissão adotou para sugerir as alterações é a
simplificação do procedimento processualizado, garantido maior celeridade e maior
eficiência na prestação jurisdicional; neste sentido, vejamos passagem do texto da
Exposição de Motivos do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, verbis:
“Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.”59
Da citação acima expendida, chega-se a conclusão de que os resultados esperados
pelas alterações sugeridas pelo projeto do Novo CPC são: sintonia constitucional
(conectar o CPC à Constituição), conversão do processo em instrumento incluído no
contexto social (aproximar mais o processo da realidade social – celeridade),
simplificação do procedimento; maior rendimento possível a cada processo (neste ponto
chama-se a atenção que a possibilidade jurídica do pedido deixa de ser condição da ação e
passa a ser questão de mérito) e, finalmente, organização das regras processuais (dar
maior coesão ao código).
Por tudo isso, observa-se claramente que a Comissão de Juristas autores do
Anteprojeto do Novo CPC tem grande caminho a percorrer, mas chama-nos a atenção a
preocupação em adequar a norma processual ao contexto social e, sobretudo, ao contexto
constitucional experimentado hodiernamente, o que seria salutar para a nossa democracia
e para o exercício da cidadania – pelo direito de ação.
3 ORIGEM E SIGNIFICADO DE “ASTREINTES”: multa coercitiva.
59BRASIL. Código de Processo Civil : anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília : Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em:< http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>
Oriunda do direito francês, as “astreintes” é a multa pecuniária aplicada a
requerimento da parte ou de ofício, ao devedor, no intuito de se fazer cumprir a decisão
jurisdicional proferida nos autos de um determinado processo. Sobre a origem das
astreintes, Deilton Ribeiro Brasil conta a seguinte história:
“François Chabas e Louis Boyer registram que a primeira utilização das astreintes deu-se em decisão de 25.03.1811, pelo Tribunal Civil de Cray e o seu reconhecimento pela Cour de Cassation, sendo que a denominação de astreintes somente veio a se consolidar no final do século XIX.”60
Assim, originada inicialmente da jurisprudência francesa, as astreintes assumem
grande importância no sistema processual brasileiro, já que elas são uma medida
coercitiva de caráter pecuniário e tem como escopo facilitar o cumprimento das decisões
jurisdicionais.
Neste sentido esclarece o e. Professor Luiz Guilherme Marinoni, in Código de
Processo Civil: comentado artigo por artigo, vejamos:
“Para que a sentença mandamental tenha força persuasiva suficiente para coagir alguém a fazer ou não-fazer, realizando assim a tutela prometida pelo direito material, permite-se ao juiz, de oficio ou a requerimento da parte, a imposição de multa coercitiva – astreintes (Art. 461, §§ 4º e 6º, CPC). A finalidade da multa é coagir o demandado ao cumprimento do fazer ou não-fazer, não tendo caráter punitivo. Constitui forma de pressão sobre a vontade do réu, destinada a convencê-lo a cumprir a ordem jurisdicional.”61
No mesmo sentido esclarece o professor Fredie Didier Jr., sobre as “astreintes”:
“A multa é uma medida coercitiva que pode ser imposta no intuito de compelir alguém ao cumprimento de uma prestação. Trata-se de técnica de coerção indireta em tudo semelhante às astreintes do direito francês. Por ser uma medida coercitiva indireta, a multa está relacionada com as decisões mandamentais. Ela é, talvez, a principal, porque mais difundida, medida de coerção indireta, mas não é a única. A multa tem caráter coercitivo. Nem é indenizatória, nem punitiva. Isso significa que o seu valor reverterá à parte adversária, mas não a título de perdas e danos. O seu valor pode, por isso mesmo, cumular-se às perdas e danos (art. 461, §2º, CPC).”62
E ainda no mesmo sentido, o Professor e Desembargador do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, Elpídio Donizete, assim leciona sobre o tema:
60 BRASIL, Deilton Ribeiro. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Belo Horizonte: Del Rey. 2003. p. 177.61 MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008. p. 429.62 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V.2. Salvador: Jus Podivm.2007. p. 349.
“Com intuito de desestimular o réu a descumprir a determinação judicial, tanto na decisão que concede a tutela antecipada, quanto na sentença, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, impor multa (astreintes) diária ao devedor da obrigação, fixando-lhe prazo razoável para cumprimento do preceito (art. 461, §4º, CPC).”63
Diante dos fragmentos doutrinários colacionados, pode-se perceber que as
astreintes exercem papel importante na consecução da atividade jurisdicional, já que evita
que as decisões antecipatórias ou sentenças caiam como letra morta, sem eficácia no
provimento determinado.
Portanto, em decorrência desta importância as astreintes foram novamente
previstas no projeto do novo Código de Processo Civil, entretanto, sofreram algumas
inovações e transformações, que passaremos analisar no próximo item.
4 PARALELO LEGAL ENTRE O TEXTO EM VIGOR E A PROPOSTA DO NOVO CPC.
Para facilitar o entendimento, far-se-á um paralelo entre a norma que prevê as
astreintes no atual Código de Processo Civil (art. 461) e a norma proposta no anteprojeto
do novo CPC (art. 502/503).
ATUAL CPC PROJETO NOVO CPC
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)§ 1o A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)§ 2o A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287). (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a
Art. 502. Para cumprimento da sentença que reconheça obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do credor, podendo requisitar o auxílio de força policial, quando indispensável.Parágrafo único. Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa por tempo de atraso, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras, a intervenção judicial em atividade empresarial ou similar e o impedimento de atividade nociva.Art. 503. A multa periódica imposta ao devedor independe de pedido do credor e poderá se dar em liminar, na sentença ou na execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para o cumprimento do preceito.§ 1º A multa fixada liminarmente ou na sentença
63 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14.ed. São Paulo: Atlas. 2010. p. 581/582.
qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)§ 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)64
se aplica na execução provisória, devendo ser depositada em juízo, permitido o seu levantamento após o trânsito em julgado ou na pendência de agravo contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial ou extraordinário.§ 2º O requerimento de execução da multa abrange aquelas que se vencerem ao longo do processo, enquanto não cumprida pelo réu a decisão que a cominou.§ 3º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:I – se tornou insuficiente ou excessiva;II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.§ 4º A multa periódica incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.§ 5º O valor da multa será devido ao autor até o montante equivalente ao valor da obrigação, destinando-se o excedente à unidade da Federação onde se situa o juízo no qual tramita o processo ou à União, sendo inscrito como dívida ativa.§ 6º Sendo o valor da obrigação inestimável, deverá o juiz estabelecer o montante que será devido ao autor, incidindo a regra do § 5º no que diz respeito à parte excedente.§ 7º O disposto no § 5º é inaplicável quando o devedor for a Fazenda Pública, hipótese em que a multa será integralmente devida ao credor.§ 8º Sempre que o descumprimento da obrigação pelo réu puder prejudicar diretamente a saúde, a liberdade ou a vida, poderá o juiz conceder, em decisão fundamentada, providência de caráter mandamental, cujo descumprimento será considerado crime de desobediência.65
Deste paralelo, percebe-se claramente que o anteprojeto propõe várias alterações quanto às regras das astreintes, chamando-se a atenção para a reversibilidade do valor da multa, não mais para o credor e sim para o Poder Público. Fato que será, no próximo item, analisado pormenorizadamente.
5 ANÁLISE CRÍTICA DA PROPOSTA DE ALTERAÇÃO NAS REGRAS DAS ASTREINTES:
64 BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5869.htm>65 BRASIL. Anteprojeto de Lei n. 166/2010. Altera o Código de Processo Civil brasileiro. Disponível em:< http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>
O texto do anteprojeto do novo CPC deixa claro no caput do art. 503, que a multa de coerção (astreintes) independe de requerimento do credor e pode ser cominada em liminar, na sentença ou na execução. Começaremos pelas grandes novidades sugeridas nos parágrafos 1º e 8º do citado art. 503 do anteprojeto do CPC, vale destacar que elas acabam por colocar uma pá de cal nas discussões jurisprudenciais sobre os temas previstos. No parágrafo primeiro do art. 503, tem-se a possibilidade de execução provisória da multa, entretanto, ela ficará depositada em juízo, só podendo ser levantada quando do trânsito em julgado da decisão ou na tramitação de agravo contra decisão denegatória de seguimento do recurso especial ou extraordinário. Já, no parágrafo oitavo do mesmo artigo 503, poderá o juiz conceder, em decisão fundamentada, providência de caráter mandamental, cujo descumprimento será considerado crime de desobediência, sempre que o descumprimento da obrigação pelo réu puder prejudicar diretamente a saúde, a liberdade ou a vida do credor. Entretanto, é a alteração proposta para o destino do valor arrecadado na multa o que mais chama atenção no anteprojeto do novo CPC, conforme se observa nos dizeres do art. 503, § 4º “atingido o valor da obrigação exequenda, o excedente não reverterá mais em favor do credor e será destinado ao Estado ou à União”.66 Em que pese a opinião dos i. juristas integrantes da comissão de elaboração do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, tem-se que a alteração sugerida é um tanto quanto contraditória. É que, a nosso ver, mesmo que as astreintes não tenham eminentemente caráter indenizatório, não se pode perder de vista que, indiretamente, o maior prejudicado com a não efetivação da medida jurisdicional é o autor/credor. Na verdade, é ele (autor) que, mesmo tendo tido a seu favor um provimento jurisdicional, continua sofrendo graves prejuízos em decorrência do descumprimento da obrigação pelo devedor, sendo este prejuízo, muitas vezes, de ordem financeira. Ora, ao permitirem a limitação da reversibilidade da multa coercitiva ao autor no limite da obrigação exeqüenda, esquecem os notáveis juristas da comissão de elaboração do anteprojeto do novo CPC, que os prejuízos experimentados por ele (autor), na demora no cumprimento da obrigação jurisdicionalmente decidida pelo devedor pode ir muito além do valor cobrado processualmente. A exemplo disso, o lucro cessante, que continua perdurar.
Neste diapasão, não se pode perder de vista a famosa expressão de Bülow em que o processo não é um fim em si mesmo. O papel da atividade jurisdicional, prestada monopolizadamente pelo Estado, é a pacificação dos interesses sociais. Daí, pergunta-se: por que o Estado deveria obter lucro com uma demanda em que sequer é parte? Por qual razão obter lucro se o serviço público jurisdicional já fora paga pelas taxas judiciárias; assim, o Estado, com a sugestão do anteprojeto do CPC passaria a obter 66 THEODORO JR. Humberto. Notas sobre o projeto do novo Código de Processo Civil no Brasil. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. v.40. jan./fev. 2011. p. 86.
ganhos com as demandas (lides) dos seus jurisdicionados – o que seria um grande absurdo e, porque não dizer, um grande retrocesso. É bom que se frise que tal fato pode depor contra o princípio da imparcialidade do juízo. Lado outro, a proposta sugerida vai de encontro com um dos objetivos precípuos do anteprojeto do CPC, tal como citado neste artigo no item 2, qual seja a simplificação do procedimento, tornar o processo menos complexo. Tal mudança propõe inserir na demanda o Estado, que passaria a ser também credor de uma multa, que por sua vez, se não paga, necessitaria de execução e assim por diante, uma burocratização que tende a dificultar o fim do processo. Por fim, a confusão fica ainda mais evidente quando analisamos o parágrafo 7º do art. 503 do anteprojeto, pois nele os juristas sugerem que a multa do §5º seria integralmente revertida ao credor no caso de ser à Fazenda Pública a devedora. Observe como é contraditória a sugestão: se for particular, reverte-se até o limite do valor exequendo e se for a Fazenda Pública, reverte-se integralmente. Por que não reverter integralmente nas duas hipóteses? Pois bem, referido dispositivo revela com muita precisão que a intenção do Estado com alteração proposta no §5º do art. 503 é ter lucro com as astreintes. É mais uma forma de custear o serviço jurisdicional já pago – bis in idem. Com tudo isso, tem-se que o projeto apresenta alguns avanços nas astreintes, especialmente nos parágrafos 1º e 8º do art. 503, entretanto, no que diz respeito a reversibilidade da multa, prevista no parágrafo 4º, acreditamos que houve um grande retrocesso, pois aumenta a complexidade no iter do processo, dificultando, até mesmo, sua solução final.
6 CONCLUSÕES
No atual paradigma do Estado Democrático de Direito, a participação popular como fiscalizadores e concretizadores dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos no texto constitucional vigente, tem como medium o processo. Tanto que o mesmo ganhou status de norma assecuratória constitucional dos direitos fundamentais.
Nesta perspectiva, não se pode esquecer a importância do PROCESSO como o mecanismo instrumental de aplicação e (re)construção dos direitos atribuídos aos cidadãos brasileiros. Ele é o meio pelo qual deve se valer os cidadãos em defesa dos seus direitos. A par disso, as normas processuais também ocupam posição de grande destaque no cenário jurídico pátrio, pois elas é que, na prática, possibilitarão a devida procedimentalização processual nos casos concretos. Todavia, “a tutela do processo efetiva-se pelo reconhecimento do princípio da supremacia da Constituição sobre as normas processuais.”67 Em outras palavras, as normas infraconstitucionais devem ser o 67 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional: Aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Editora Fórum. 2006. p. 11.
reflexo das normas constitucionais, especialmente, dos direitos e garantias fundamentais pré-estabelecidos e edificadores da verdadeira e legítima democracia. Portanto, quando se vê uma proposta de alteração do Código de Processo Civil a expectativa é pela adequação do processo e da prestação jurisdicional aos proclames constitucionais. No entanto, a preocupação é que, a pretexto de celeridade processual, venha a proposta invadir os direitos fundamentais dos cidadãos a um devido processo legal, diminuindo, desta maneira, suas garantias. O presente trabalho buscou, de forma singela, trazer a baila algumas discussões, neste momento tão importante, sobre a elaboração de um novo Código de Processo Civil. Não tentamos esgotar o tema e tampouco as críticas são tentativas desestimuladoras. Ao contrário, o que procuramos foi apimentar o debate, para que a Constituição e os direitos fundamentais não sejam esquecidos e que o projeto possa, cada vez mais, representar o anseio legítimo da sociedade brasileira.
REFÊNCIAS
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional: Aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Editora Fórum. 2006.
BRASIL, Deilton Ribeiro. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Belo
Horizonte: Del Rey. 2003. p. 177.
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5869.htm>.
BRASIL. Código de Processo Civil : anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília : Senado Federal, Presidência, 2010. Disponível em:< http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>
DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 14.ed. São Paulo: Atlas. 2010.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V.2. Salvador: Jus Podivm.2007. p. 349.
MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo.
São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008. p. 429.
THEODORO JR. Humberto. Notas sobre o projeto do novo Código de Processo Civil
no Brasil. Revista Magis. 2010.
DESCONCENTRAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVAS68
DECONCENTRATION AND ADMINISTRATIVE DECENTRALIZATION
Eder Marques de Azevedo
Advogado e consultor jurídicoMestre em Direito Público pela PUC MINAS
Pós-graduado em Direito Processual Constitucional pelo Unicentro Izabela Hendrix e em Docência do Ensino Superior pelo Instituto Doctum Professor de graduação e pós-graduação lato sensu da rede Doctum
Coordenador do Núcleo de TCC e Pesquisa da FIC
Marcorélio Rodrigues dos Reis
Graduando do 10º período do curso de Direito das Faculdades Doctum, unidade Manhuaçu
Professor da rede pública de ensino de Minas Gerais.
RESUMO
O presente artigo objetiva tratar da questão da desconcentração e da descentralização administrativas no Brasil. Pretende-se abordar os princípios que informam as atividades da Administração, bem como as entidades que compõem a Administração Direta e a Administração Indireta. A seguir, analisa a questão da desconcentração administrativa no cenário brasileiro, e posteriormente aduz sobre a descentralização administrativa por outorga e por delegação, fazendo uma abordagem de seus aspectos mais relevantes.
Palavras-chave: Administração Pública; desconcentração; descentralização.
ABSTRACT
This article aims to address the issue of devolution and administrative decentralization in Brazil. It is intended to address the principles that inform the activities of the Administration, as well as entities that make up the Direct and Indirect Administration. It also analyzes the issue of administrative decentralization in the Brazilian scene, and then adds on the granting of administrative decentralization and delegation, making an approach to its most relevant aspects.
Keywords: Public Administration; deconcentration; decentralization.
1 INTRODUÇÃO
68 Artigo desenvolvido como conclusão dos trabalhos elaborados pelo grupo de Pesquisa e Iniciação Científica das Faculdades Doctum, unidade Manhuaçu, intitulado “Desconcentração e descentralização administrativas”, sob a coordenação e orientação do professor Msc. Eder Marques de Azevedo. Esse mesmo trabalho foi defendido no I Congresso Jurídico da Doctum, ocorrido entre os dias 22 e 23 de outubro de 2010.
O presente artigo aborda a temática da desconcentração e descentralização
administrativas como instrumentos capazes de assegurar melhor governabilidade do
aparelho estatal e melhoria na prestação dos serviços públicos aos administrados.
A Administração Pública, diante das constantes mudanças sociais procura sempre
técnicas capazes de satisfazer da melhor maneira possível a finalidade estatal, qual seja, a
prestação dos serviços públicos em atendimento ao interesse da coletividade, procurando
assegurar a melhoria de vida dos administrados. Entre as técnicas desenvolvidas,
encontram-se a desconcentração e a descentralização como formas de distribuição de
poderes e competências entre os atores administrativos, seja interna ou externamente.
Assim, utiliza-se das pessoas jurídicas que integram a Administração Indireta, criadas ou
autorizadas para tanto, e das pessoas físicas ou jurídicas estranhas à Administração
Pública. Transfere-se ora a titularidade e execução, ora apenas a execução do serviço
público. Desse modo, o que se busca é o cumprimento da função administrativa de forma
mais eficiente e que assegure participação e proximidade dos administrados com a
Administração, garantindo maior qualidade na prestação do serviço público.
2 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “princípios administrativos são os
postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública”.
Assim, os princípios oferecem as diretrizes determinantes da atividade administrativa. A
Constituição Federal de 1988 em seu art. 37, caput, trás de forma explícita alguns dos
principais princípios informadores da atividade administrativa, a saber: legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Outros princípios encontram-se
implicitamente esculpidos no texto constitucional, sendo reconhecidos pela doutrina e pela
jurisprudência que a eles atribui valor. São eles: supremacia do interesse público,
autotutela, indisponibilidade, continuidade dos serviços públicos, razoabilidade,
proporcionalidade, segurança jurídica.
Passa-se a abordar alguns dos principais princípios informadores do Direito
Administrativo.
2.1 Princípio da legalidade
Este princípio é típico do Estado Democrático de Direito, sendo “certamente a
diretriz básica da conduta dos agentes da administração”. 69 Enquanto na esfera particular
se pode fazer tudo que a lei não proíbe, na administrativa só é possível fazer aquilo que a
lei autoriza, ou seja, entre os particulares vigora a autonomia da vontade, enquanto no
âmbito público a vontade da administração é aquela expressa pela lei. De maneira que
“toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a
atividade é ilícita”.70 Ao discorrer sobre o princípio, Celso Antônio Bandeira de Mello
aduz:O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos países subdesenvolvidos. O princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exultação da cidadania.71
Portanto, fica evidente que os agentes da Administração Pública não podem utilizar
de seu encargo público para a satisfação de suas próprias vontades, mas devem, em
observância ao princípio da legalidade, submeterem-se inteiramente à vontade da lei.
2.2 Princípio da impessoalidade
Impessoal na definição do dicionário Aurélio “é o que não se refere ou não se
dirige a uma pessoa em particular, mas às pessoas em geral”.72 Ou seja, a conduta pautada
na impessoalidade visa atender aos anseios da coletividade. Nas lições de Celso Antônio
Bandeira de Mello, no princípio da impessoalidade “se traduz a idéia de que a
Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou
detrimentosas.73 Significa que a Administração deve dispensar tratamento isonômico aos
administrados. A conduta dos agentes administrativos deve ser inteiramente isenta de
gostos ou preferências pessoais, favorecimentos a seus interesses próprios ou de terceiros.
A impessoalidade, para José dos Santos Carvalho Filho, guarda relação direta com
o princípio da finalidade, pelo qual a administração busca unicamente o interesse público,
alvo que não se alcança quando se busca a satisfação de interesses particulares.74 Agindo
69 CARVALHO FILHO, 2009, p.19.70 IDEM. 71 MELLO, 2007, p. 97.72 FERREIRA, 2001, p. 405.73 MELLO, 2007, p. 110.74 CARVALHO FILHO, 2009, p. 19.
dessa forma, configurado estará o desvio de finalidade, que afronta direta e
concomitantemente os princípios da impessoalidade e da finalidade.
Outro lado do princípio abordado pela professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro
diz respeito à impessoalidade na prática dos atos públicos, em que se afirma que os atos e
provimentos administrativos praticados por um agente não são imputáveis a ele, mas ao
órgão ou entidade da administração pública, de sorte que o agente é apenas um
representante da vontade da Administração. Daí decorre a vedação legal à promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos.75
2.3 Princípio da moralidade
Por este princípio exige-se da administração conduta pautada nos padrões éticos. A
sua observação implica saber decidir “não somente entre o legal e o ilegal, o justo e o
injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente
entre o honesto e o desonesto”.76 Sobre a ofensa a tal princípio, vale a lição de Di Pietro:
sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa.77
Verifica-se que apesar de legal a conduta administrativa poderá desviar-se dos
padrões éticos, configurando ofensa à moralidade. Para Bandeira de Mello, o princípio da
moralidade compreende os princípios da boa-fé e lealdade, levando a Administração a
proceder com lisura e sinceridade, afastando comportamentos astuciosos e maliciosos que
comprometem o exercício de direitos pelos cidadãos.78
2.4 Princípio da publicidade
Este princípio vem garantir a transparência quanto aos comportamentos da
Administração, a fim de conceder aos administrados não só o conhecimento, mas a 75 Art. 37, § 1º, CR/1988: A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos
públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.(BRASIL, 2008, p. 51).
76 ALEXANDRINO ; PAULO, 2007, p.140.77 DI PIETRO, 2007, p. 70.78 MELLO, 2007, p. 115.
possibilidade do controle de legitimidade das condutas dos agentes. Controle que pode ser
exercido através de instrumentos legais como a ação popular (art. 5º, LXXIII, CR/88), o
direito de petição (art. 5º, XXXIV, CR/88), o mandado de segurança (art. 5º, LXIX,
CR/88) e o habeas data (art. 5º, LXXII, CR/88). No Estado Democrático de Direito não
pode haver atos sigilosos ou confidenciais capazes de prejudicar direitos assegurados aos
administrados, salvo, as exceções legalmente previstas. Por isso, a publicação constitui
pressuposto de eficácia dos atos administrativos. Segundo José dos Santos Carvalho filho
é importante lembrar que, “ao princípio da publicidade devem submeter-se todas as
pessoas administrativas, quer as que constituem as próprias pessoas estatais, quer aquelas
outras que, mesmo sendo privadas, integram o quadro da Administração Pública.”79
2.5 Princípio da eficiência
Segundo definição de Hely Lopes Meirelles, o princípio da eficiência é “[...] o que
se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e
rendimento funcional.”80 Como se vê, espera-se do agente público o melhor desempenho
buscando-se os melhores resultados possíveis em suas atividades administrativas. Não é
suficiente executar determinada atribuição, mas sim, executá-la da melhor maneira,
procurando alcançar os mais satisfatórios resultados na prestação do serviço público. No
mesmo sentido preleciona José dos Santos Carvalho Filho, o qual entende que o núcleo do
princípio “é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a
exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução de
serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional”.81
Conclui-se que princípio da eficiência não é absoluto e não pode ser aplicado
desvinculado do princípio da legalidade. Por mais eficiente que possa ser considerada a
Administração, ela não pode extrapolar os limites impostos pelo Direito.
2.6 Princípio da supremacia do interesse público
O princípio da supremacia do interesse público não se encontra expresso na
Constituição de 1988, mas se arrola entre os princípios implícitos. Para Bandeira de Mello
é o princípio geral do Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua
79 CARVALHO FILHO, 2009, p. 25.80 MEIRELLES, 2003, p.102.81 CARVALHO FILHO, 2009, p. 28.
existência.82 Também conhecido como princípio da finalidade pública, ele está presente
em todos os ramos do Direito, determinando que nas relações jurídicas onde se faz
presente o Estado, os seus interesses se sobrepõem aos interesses dos particulares, já que o
interesse defendido pelo Estado é o da coletividade, ou seja, o interesse público.
Neste sentido é oportuna a lição de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo: “O
Estado atua em benefício da coletividade; toda sua atuação deve estar voltada para o
interesse público, sob pena de restar maculada pelo vício do desvio de finalidade.”83 Logo,
diante dos conflitos de interesses prevalece aquele que atinge um número maior de
beneficiados, ou seja, a sociedade.
Di Pietro atribui a esse princípio duas funções: a de inspirar o legislador na edição
da norma e a de vincular a Administração Pública no momento da aplicação da norma.84
Em razão do princípio algumas prerrogativas são atribuídas à Administração,
através das quais gera unilateralmente obrigações para os particulares, implicando
algumas vezes em afronta a direitos individuais, aceitáveis no plano social, já que se trata
de abrir mão do que é individual em nome do coletivo. Vale ressaltar que sempre deverá
ser observado o limite imposto legalmente. Dentre as prerrogativas cita-se: a
desapropriação, a requisição administrativa, o tombamento, as cláusulas exorbitantes nos
contratos e o exercício do poder de polícia.
3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA
A Administração Pública Direta é o conjunto de órgãos que integram as pessoas
jurídicas públicas políticas e possuem competência para o exercício, de forma
centralizada, das funções administrativas. No Brasil, ela é composta pela União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios. “Essas pessoas legislam e administram,
‘dizem o direito’ e ‘executam serviços públicos’”.85 Enquanto as pessoas jurídicas que
compõem a Administração Direta possuem capacidade genérica – legislar e administrar –
as pessoas que integram a Administração Indireta só possuem capacidade administrativa,
faltando-lhe capacidade para legislar. Sendo assim, a autonomia é uma característica
82 IBIDEM, p. 93.83 ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p. 148.84 DI PIETRO, 2007, p. 64.85 CRETELLA JÚNIOR, 2005, p. 71.
presente apenas na Administração Pública Direta. Carvalho Filho, discorrendo acerca dos
órgãos e agentes necessários à execução direta das funções públicas, conclui que:
[...] a Administração Direta do Estado abrange todos os órgãos dos Poderes políticos das pessoas federativas, e isso porque, embora sejam estruturas autônomas, os poderes se incluem nessas pessoas e estão imbuídos da necessidade de atuarem centralizadamente por meio de seus órgãos e agentes.86
Observa-se que a execução de forma centralizada significa que a Administração
Pública Direta é ao mesmo tempo titular e executora dos serviços públicos. Assim, as
diversas funções administrativas atribuídas ao Poder Público, em geral, são exercidas
diretamente pelo Estado através das pessoas políticas que o integram, tendo como
instrumentos de ação os órgãos e agentes que as compõem.
Com respeito à composição da Administração Pública Direta em cada esfera da
federação, os autores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2007) entendem que a
mesma organização conferida à esfera federal, pelo Decreto-Lei nº 200/67, deve
obrigatoriamente ser aplicada aos Estados, Distrito Federal e Municípios. No âmbito
federal a Administração é composta pela Presidência da República e os Ministérios; nos
Estados pela Governadoria do Estado e pelas Secretarias Estaduais; e nos Municípios pela
Prefeitura Municipal e pelas Secretarias Municipais; incluindo-se em cada esfera os
órgãos criados para o assessoramento das atividades executivas.87
4 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA
A Administração Pública Indireta é formada pelas pessoas públicas administrativas
que desempenham de forma descentralizada a execução de serviços públicos ou a
exploração de atividade econômica. Como já salientado anteriormente, a elas incubem
apenas administrar, não dispondo de autonomia legislativa.
São pessoas jurídicas criadas para desempenhar funções do Estado, quando este,
por delegação ou por outorga, atribui a tais pessoas essa incumbência. Logo, as pessoas da
Administração Indireta não estão soltas no universo administrativo, mas encontram-se
vinculadas à Administração Direta.
86 CARVALHO FILHO, 2009, p. 432.87 Embora os autores não tenham feito referência ao Distrito federal, sua composição não difere dos demais
entes federativos. Sendo formada pela Governadoria, pelos órgãos de assessoramento e pelas Secretarias Distritais.
O Decreto-Lei nº 200/67 trás o rol88 das pessoas jurídicas que compõem
Administração Pública Indireta, sendo: autarquias; empresas públicas; sociedades de
economia mista, fundações públicas.89 Passa-se a abordar, sucintamente, as principais
características de cada uma delas.
4.1 Autarquias
Di Pietro conceitua a autarquia como “a pessoa jurídica de direito público, criada
por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público
descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei”.90 Observa-
se a completude do conceito capaz de externar as principais características das autarquias.
Sendo pessoa jurídica de direito público possuem direitos e obrigações próprios e
submetem-se inteiramente a regime jurídico de direito público. Só podem ser criadas e
extintas por lei específica conforme disposto no art. 37, XIX, da Constituição de 1988. A
lei é de autoria do chefe do Poder Executivo91, por força do art. 61, § 1º, II, “e”, da
Constituição, aplicável por simetria aos Estados, Distrito Federal e Municípios.
No que se refere à organização, José dos Santos Carvalho Filho estabelece que será
delineada através de ato administrativo, normalmente decreto, onde serão estabelecidas
“as regras atinentes ao funcionamento da autarquia, aos órgãos componentes e à sua
competência administrativa, ao procedimento interno e a outros aspectos ligados
efetivamente à atuação da entidade autárquica”.92
Possuem capacidade de auto-administração, ou seja, têm liberdade, dentro dos
limites estabelecidos pela lei de criação, para conduzir sem interferências a própria gestão.
Para a efetivação da auto-administração às autarquias é outorgado patrimônio próprio e
também verbas próprias, que normalmente advêm do orçamento da pessoa política que as
criou, todavia, nada impede que existam verbas provenientes da prestação de serviços.
Desempenham serviço público descentralizado. Significa que são pessoas jurídicas
administrativas criadas para desempenham funções típicas das pessoas jurídicas políticas
88 Segundo a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p.392) além das pessoas citadas, ainda se incluem os consórcios públicos e que, uma análise técnica, levaria à inclusão das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, constituídas ou não com participação acionária do Estado. Justifica-se tal entendimento, já que essas pessoas jurídicas executam de forma descentralizada a prestação de serviços públicos, sob a fiscalização do ente integrante da Administração Direta.
89 As fundações públicas foram inseridas pela Lei nº 7.596/87.90 DI PIETRO, 2007, p. 400.91 Podem existir autarquias vinculadas ao Poder Legislativo ou Judiciário que, neste caso, a iniciativa da lei
será do próprio Poder e não do Chefe do Poder Executivo.92 CARVALHO FILHO, 2009, p. 448.
(União, Estados, DF e Municípios), mas que a elas foram atribuídas por outorga (como se
verá adiante) com a transferência da titularidade e execução do serviço público.
Atuam mediante controle administrativo nos limites da lei, ou seja, o ente criador
das autarquias tem “o poder de influir sobre elas com o propósito de conformá-las ao
cumprimento dos objetivos públicos em vista dos quais foram criadas, harmonizando-as
com a atuação administrativa global”.93 Por não poder influir no mérito de seus atos, o que
constituiria flagrante desrespeito à “autonomia”94 concedida legalmente. Assim, o controle
deverá se restringir à legalidade dos atos praticados. Para os particulares as autarquias
aparecem com todas as prerrogativas e restrições comuns ao regime jurídico-
administrativo da Administração Pública. Ou seja, gozam dos privilégios e são
pessoalmente responsáveis pelos prejuízos causados a terceiros.95
Paralelamente as autarquias comuns existem as chamadas autarquias de regime
especial, em que a doutrina conceitua como “aquelas que receberam da lei privilégios
específicos, a fim de aumentar sua autonomia”.96 São exemplos as agências reguladoras
federais a ANATEL, a ANEEL e a ANP.
4.2 Fundações Públicas
A fundação pública é aquela instituída pelo poder público, e não se confunde com a
fundação privada, que é instituída pelo particular. Possui um patrimônio próprio podendo
ser inteira ou parcialmente público. Este patrimônio é afetado para cumprir finalidade
especifica do Estado, qual seja, a prestação de serviço público. 97
Pode ser pessoa jurídica de direito público ou privado. Ambas as hipóteses passam
pela edição de lei. “No caso das fundações públicas de direito privado, a lei apenas
autoriza a criação da entidade”98, sendo a sua personalidade “adquirida com a inscrição da
escritura pública de sua constituição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas”.99
Outrossim, no caso das fundações públicas de direito público, também conhecidas como
fundações autárquicas - já que se submetem as mesmas regras estabelecidas para as
autarquias - é “a própria lei que dá nascimento à entidade, porque esta é a regra adotada
93 MELLO, 2007, p.158.94 Para alguns autores (como Di Pietro), o termo autonomia não seria corretamente empregado quando se
tratar de pessoas da Administração Indireta, já que significa ‘o poder de criar o direito’, atributo presente apenas na Administração Direta.
95 DI PIETRO, 2007, p. 430.96 ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p. 32.97 DI PIETRO, 2007, p. 404.98 CARVALHO FILHO, 2009, p. 50199 IDEM
par o nascimento das pessoas jurídicas de direito público.” 100 A fundação é criada para o
desempenho de atividades do Estado na ordem social. Por tal razão, percebe-se que o
objeto das fundações é sempre de caráter social e suas atividades se caracterizam como
serviços públicos, prestados sem nenhum interesse econômico.
Assim como as autarquias, as fundações também possuem capacidade de auto-
administração, sujeitando-se, todavia, ao controle administrativo da Administração Direta,
exercido nos limites legais. O controle é apenas de legalidade, já que não pode a
Administração Direta influir no mérito dos atos praticados pela entidade.
Como salientado, as autarquias e fundações públicas submetem-se às mesmas
regras de direito público. Portanto, aplica-se às fundações o estabelecido para as
autarquias no que concerne à extinção, auto-administração, descentralização
administrativa, controle estatal, prerrogativas e restrições impostas ao Poder Público;
responsabilidade e autonomia financeira. Ressalva-se, todavia, que a fundações quando
pessoas jurídicas de direito privado submetem-se à fiscalização do Ministério Público
enquanto as de direito público são fiscalizadas pelo Ministério ao qual estejam
subordinadas, e também não gozam dos privilégios processuais, já que esses se aplicam à
Fazenda Pública – expressão que só abrange as pessoas jurídicas de direito público.
4.3 Empresas Públicas
As empresas públicas são dotadas de personalidade jurídica de direito privado,
sendo instituídas pelo poder público mediante autorização de lei específica, e seu capital é
exclusivamente público. São destinadas ou para a prestação de serviço público ou para a
realização de atividade econômica de relevante interesse coletivo, nos moldes da iniciativa
particular, podendo revestir de qualquer forma e organização empresarial.101
Verifica-se que as empresas públicas são criadas sob quaisquer das formas
admitidas em Direito, a partir de autorização em lei específica, e submetem-se às regras
comuns de direito comercial já que são pessoas jurídicas de direito privado. São
constituídas, organizadas e controladas pelo Poder Público, sendo seu capital inteiramente
público. Destinam-se à prestação de serviços públicos ou exploração de atividades
econômicas em que o Estado tenha interesses. Assim, elas valem-se “tão-somente dos
meios da iniciativa privada para atingir seus fins de interesse público”. 102
100 IDEM101 MEIRELLES, 2005, p. 359.102 IBIDEM, p. 361.
Di Pietro reforça que este tipo de entidade foi idealizada para fornecer ao poder
público instrumento adequado para o desempenho de atividade comercial e industrial, por
isso tem personalidade jurídica de direito privado. Observa ainda que, “embora tenha
personalidade dessa natureza, o regime jurídico é hibrido, porque o direito privado é
parcialmente derrogado pelo direito público”.103 Isto, quando houver determinação legal
expressa, como é o caso da submissão ao processo licitatório previsto na Lei n° 8.666/93.
Vale ressaltar, que em respeito ao princípio da especialização e ao próprio princípio da
legalidade, a empresa pública submete-se inteiramente aos fins estabelecidos na lei
instituidora.
Por derradeiro, no que se refere ao controle, Helly Lopes Meirelles observa que “as
empresas estatais tem autonomia financeira e administrativa, sendo apenas
supervisionadas pelo Ministério a que estiverem vinculadas”.104 Elas têm verbas próprias e
verbas provenientes do orçamento, além de terem liberdade para a gestão de suas próprias
atividades. Tais empresas não possuem, por natureza, qualquer privilégio administrativo,
tributário ou processual, só auferindo aqueles que a lei autoriza ou norma especial
expressamente lhe conceder.
4.4 Sociedade de Economia Mista
Entre empresas públicas e sociedades de economia mista subsistem alguns
aspectos de semelhança: (a) criação e extinção autorizadas por lei específica; (b) sujeição
ao controle estatal; (c) integram a Administração Indireta; (d) personalidade jurídica de
direito privado; (e) vinculação aos fins definidos na lei instituidora; (f) realização de
atividades econômicas ou prestação de serviço público; (g) derrogação parcial do regime
de direito privado por normas de direito público; (i) autonomia financeira, administrativa;
(j) patrimônio próprio; (k) não têm privilégio administrativo, tributário ou processual.
Todavia, Hely Lopes Meirelles destaca suas peculiaridades:
[...] são pessoas jurídicas de Direito Privado, com participação do Poder Público e de particulares no seu capital e na sua administração, para a realização de atividade econômica ou de serviço público outorgado pelo Estado. Revestem a forma das empresas particulares, admitem lucro e regem-se pelas normas das sociedades mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizam sua criação e funcionamento São entidades que integram a Administração Indireta, como instrumentos de descentralização de seus serviços (em sentido amplo: serviços, obras, atividades).105
103 DI PIETRO, 2007, p. 417104 MEIRELLES, 2005, p. 358.105 MEIRELLES, 2005 p. 363.
Quanto à forma de organização estabelece o art. 5º do Decreto-Lei n.º 200/67 que
a Sociedade de Economia Mista deverá se constituir sob a forma de sociedade anônima. Já
no que se refere à composição do capital, “é formado da conjugação de recursos oriundos
das pessoas de direito público ou de outras pessoas administrativas, de um lado, e de
recursos da iniciativa privada, de outro”.106 Ou, seja o capital é misto, representado por
ações, e dividido entre a entidade governamental e os particulares.
4.5 Consórcios Públicos
O consórcio ganhou personalidade jurídica com a promulgação da Lei nº
11.107/05. Até então, era concebido como acordo de vontades para a consecução de fins
comuns.107 Não tendo capacidade para assumir obrigações e direitos em nome próprio, não
passava de uma entidade civil ou comercial paralela, organizada para administrar os
interesses e realizar os objetivos desejados pelos consorciados 108.
O artigo 6º da Lei nº 11.107/05 estabelece que o consórcio público terá
personalidade jurídica de direito público, quando constituir associação pública, mediante a
vigência da lei de ratificação do protocolo de intenções, ou, personalidade jurídica de
direito privado, quando atender aos requisitos da legislação civil. Estabelece, ainda, que o
consórcio público integrará a administração pública indireta de todos os entes
consorciados.
Di Pietro elucida a condição jurídica a que se submetem os consórcios:O consórcio público é pessoa jurídica de direito público ou privado criada por dois ou mais entes federativos (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) para a gestão associada de serviços públicos prevista no artigo 241 da Constituição; se tiver personalidade de direito público, é denominado de associação pública, inserindo-se na categoria de autarquia; se tiver personalidade de direito privado, rege-se pela lei civil, em tudo o que não for derrogado pelo direito público, em especial a Lei nº 11.107/05.109
Desse modo, as pessoas jurídicas políticas se associam, constituindo uma nova
entidade, mediante autorização legislativa, à qual transferem a gestão de serviços
públicos.
106 CARVALHO FILHO, 2009, p. 483107 DI PIETRO, 2007, p. 440108 MEIRELLES, 2005, p. 388.109 DI PIETRO, 2007, p. 396.
Oportuno ressaltar, que é necessário a celebração do protocolo de intenções pelos
consorciados, em que se definem as condições em que o consórcio será instituído.
Posteriormente, será promulgada por cada partícipe a lei ratificando total ou parcialmente
o protocolo de intenções ou disciplinando a matéria. Contudo, “o fato de ter subscrito o
protocolo de intenções não obriga o ente da Federação a participar do consórcio.” 110
Conforme se infere do artigo 12 da Lei nº 11.107/05, a alteração ou extinção do
consórcio se dá através da aprovação da assembléia geral, ratificada mediante lei.
Estabelece ainda, no artigo 11, a possibilidade da retirada do ente da Federação do
consórcio mediante ato formal de seu representante. Com a citada lei, surge uma nova
entidade da Administração Pública Indireta, contribuindo para a consecução dos fins
estatais através da descentralização administrativa.
5 A DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA NA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA BRASILEIRA
Conforme abordado anteriormente111, quando a Administração Pública Direta é ao
mesmo tempo titular e executora dos serviços públicos, está atuando de forma
centralizada. Para a execução centralizada das diversas funções administrativas atribuídas
ao Poder Público em geral, as pessoas políticas administrativas se valem da chamada
desconcentração administrativa, tendo como instrumentos de ação os órgãos que criam
para tal finalidade.
Nas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro a desconcentração constitui:
[...] uma distribuição interna de competências, ou seja, uma distribuição de competências dentro da mesma pessoa jurídica; sabe-se que a Administração Pública é organizada hierarquicamente, como se fosse uma pirâmide em cujo ápice se encontra o Chefe do Poder Executivo. As atribuições administrativas são outorgadas aos vários órgãos que compõem a hierarquia, criando-se uma relação de coordenação e subordinação entre uns e outros. Isso é feito para descongestionar, desconcentrar, tirar do centro um volume grande de atribuições, para permitir seu mais adequado e racional desempenho.112
É através da desconcentração que se distribui os serviços entre os vários órgãos da
mesma entidade, para facilitar sua realização e obtenção pelos usuários. É por isso que “a
110 IBIDEM, p. 445.111 Titulo referente à Administração Direta. 112 DI PIETRO, 2007, p. 380.
desconcentração é uma técnica administrativa de simplificação e aceleração do serviço
dentro de uma mesma entidade”.113 Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “a
desconcentração está sempre referida a uma só pessoa, pois cogita-se da distribuição de
competências na intimidade dela, mantendo-se o liame unificador da hierarquia”.114 Ou
seja, não se cria uma pessoa jurídica para a execução de atividades estatais, como ocorre
na descentralização administrativa, mas apenas se transfere a execução a órgãos
pertencentes à própria estrutura da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, tais como: Ministérios, Secretarias Estaduais e Municipais, Coordenadorias,
Delegacias, etc.
José dos Santos Carvalho Filho, comentando sobre o fato de os órgãos apenas
integrarem a pessoa jurídica a que pertencem, sendo, portanto, despersonalizados, observa
que apesar de não possuírem capacidade processual, de certo tempo para cá, tem se
atribuído a certos órgãos, mais elevados, a chamada capacidade judiciária. Ou seja, a
capacidade processual em certos litígios.115 Como exemplo, cita-se o mandado de
segurança por certos órgãos públicos, quando em defesa de suas prerrogativas e
competências; e também o estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, que são
legitimados para promover a liquidação e execução de indenização “as entidades e órgãos
da administração pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,
especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código”.116 Todavia, constitui-se exceção, só admitida por expressa previsão legal.
Cumpre ressaltar que desconcentração não se confunde com descentralização, e
que por suas características ambas existem simultaneamente, quer seja no âmbito da
União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.
6 A DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Em primeiro momento cabe diferenciar descentralização de desconcentração.
Enquanto esta é uma forma de transferência da execução de um serviço público de um
órgão para outro dentro da própria Administração Direta; aquela é uma forma de
“transferência da execução da atividade estatal a determinada pessoa, integrante ou não da
113 MEIRELLES, 2005, p. 335.114 MELLO, 2007, p. 147.115 CARVALHO FILHO, 2009, p. 16.116 Lei nº 8.078 de 11/09/1990: Código de Defesa do Consumidor. Art. 82, III.
administração”.117 Enquanto a desconcentração é um processo eminentemente interno a
descentralização implica transferência do serviço para outra pessoa.
Segundo Hely Lopes Meirelles, enquanto a desconcentração é técnica de
simplificação e aceleração na mesma entidade, a descentralização “é técnica de
especialização, consistente na retirada do serviço dentro de uma entidade e transferência a
outra para que o execute com mais perfeição e autonomia”.118
Em segundo momento cabe diferenciar descentralização política e descentralização
administrativa. Nas lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro a descentralização política,
[...] ocorre quando o ente descentralizado exerce atribuições próprias que não decorrem do ente central, é a situação dos Estados-membros e também dos Municípios. Cada um deles detém de competência legislativa própria que não decorre da União nem a ela se subordina, mas encontra seu fundamento na própria Constituição Federal. As atividades jurídicas que exercem não constituem delegação ou concessão do governo central, pois delas são titulares de maneira originária.119
Já a descentralização administrativa, ocorre quando as atribuições que os entes
descentralizados exercem só têm o valor jurídico que lhes empresta o ente central; suas
atribuições não decorrem com força própria, da Constituição, mas do poder central.
Na primeira está presente a autonomia, enquanto na segunda, a auto-administração.
Abordando sobre o serviço descentralizado, Hely Lopes Meirelles considera que é
todo serviço que o Poder Público transfere a outros a sua titularidade, ou somente sua
execução, podendo ocorrer por outorga ou delegação.120
6.1 Descentralização por outorga
A prestação descentralizada dos serviços públicos ocorrerá “mediante outorga ou
delegação, por uma pessoa jurídica diferente daquela que represente a Administração
Direta competente para a prestação (União, Estado-membro, DF e Município)”.121
Segundo Hely Lopes Meirelles “há outorga quando o Estado cria uma entidade e a
ela transfere, por lei, determinado serviço público ou de utilidade pública.” 122
117 CARVALHO FILHO, 2009, p. 328.118 MEIRELLES, 2005, p. 335.119 DI PIETRO, 2007, p 380.120 MEIRELLES, 2005, p. 334.121 ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p. 498.122 MEIRELLES, 2005, p. 334.
Logo, por outorga é transferida a titularidade e, por conseguinte, execução do
serviço público. Só podendo ocorrer através de lei, e somente por lei poderá ser tirada ou
modificada.
Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo observam que:
A outorga normalmente é conferida por prazo indeterminado. É o que ocorre relativamente em relação às entidades da Administração Indireta: o Estado descentraliza a prestação do serviço, outorgando-os a outras entidades (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas).123
Como se vê, a outorga só é concedida a pessoas jurídicas que estão dentro da
Administração Indireta.
6.2 Descentralização por delegação
No entendimento de Hely Lopes de Meirelles a delegação é inferior à outorga
porque esta é presumidamente definitiva, enquanto aquela é transitória, assim, vencido o
prazo estabelecido, o serviço retorna ao seu delegante. Desse modo aduz sobre a
delegação:
Há delegação quando o Estado transfere por contrato (concessão) ou ato unilateral (permissão ou autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado o preste ao público em seu nome e por sua conta e risco, nas condições regulamentares e sobre controle estatal.124
Como se observa a delegação não transfere a titularidade do serviço como
acontece com a outorga, mas apenas se transfere a execução do serviço, para que o
particular o preste em nome do Estado. O particular irá prestar temporariamente o serviço
público mediante remuneração.
O titular permanece sendo a pessoa da Administração Direta, a qual tem o dever de
fiscalizar a correta prestação do serviço, “podendo, sempre que verificar alguma falta, nele
intervir de diversas formas, inclusive decretando a caducidade da delegação, o que
acarreta a reversão do serviço a ele, Poder Público”. 125
123 ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p. 17.124 MEIRELLES, 2005, p. 334.125 ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p. 499.
As modalidades de delegação previstas constitucionalmente são a concessão e a
permissão previstas no art. 175 e a autorização no art. 21, XI e XII da Constituição da
República de 1988. Através destas modalidades, podem a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios delegarem aos terceiros que estão fora da Administração a
prestação de serviços, sempre com observação integral a regulamentação legal para tanto.
7 CONCLUSÃO
O Estado, imprescindível à organização da vida em sociedade, busca estruturar-se
da melhor maneira possível para atender aos fins para o quais foi criado. Sem dúvida as
figuras da desconcentração e descentralização administrativas contribuem para o melhor
atendimento dos fins estatais à medida que aumentam o número de responsáveis pela
execução das atividades estatais.
Quando se divide competências e responsabilidades, tirando o poder de um único
centro e transferindo-o aos diversos atores administrativos, torna-se maior a possibilidade
de satisfação no atendimento aos fins desejados. Isto ocorre quando se transfere a
prestação de serviços a outras pessoas, que a exercem em nome e sob controle do próprio
Estado, atendendo-se aos princípios que regem a Administração Pública.
O Estado descentraliza-se politicamente através da União, dos Estados-membros,
do Distrito Federal e dos Municípios, aos quais cabe diretamente a prestação das
atividades essenciais e exclusivas previstas constitucionalmente. São tais atividades
dinamizadas através do processo de desconcentração para se prestar melhor e de forma
mais adequada os serviços e tarefas sob sua competência, utilizando-se de seus órgãos
criados especificamente para tais fins. Com o mesmo intuito, o Estado, nas diversas
esferas administrativas, utiliza-se também de pessoas jurídicas da Administração Indireta,
que dotadas de autonomia administrativa, fazem as vezes do próprio Estado, quando lhes
são outorgadas a prestação de determinado serviço, propiciando liberdade de gestão, o que
conduz à melhor prestação e a uma maior proximidade dos administrados com a
Administração. Sem olvidar que pode também a prestação se estender a particulares
através da delegação, completando assim, o conjunto de órgãos e pessoas que colaboram
para a consecução de forma satisfatória da função social do Estado, bem como da
melhoria de vida da sociedade em geral.
8 REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo: PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 11. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2007.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009.
CRETELLA JÚNIOR, José. Manual de Direito Administrativo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário de Língua Portuguesa. 5. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007.
O TESTAMENTO VITAL E A POSSIVEL VALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
Caroline Amorim Costa126
Isabela Maria Marques Thebaldi127
Resumo
O presente artigo deriva de uma pesquisa documental sobre o testamento vital, instituto
que permite que a vontade do paciente terminal seja respeitada mesmo quando ele estiver
impossibilitado de manifestá-la. Buscou-se demonstrar que no atual ordenamento jurídico
brasileiro é possível a utilização desse mecanismo, mesmo que sem previsão legal
expressa, com base no princípio da dignidade humana e da autonomia privada. Utilizou-se
para a confecção do presente artigo uma análise das literaturas sobre o morrer com
dignidade e autonomia privada, além de estudar o instituto do testamento vital no direito
comparado. Dessa forma, defende-se que o testamento vital é válido no atual ordenamento
jurídico, porém deverá ser elaborada legislação específica que defina as formalidades e
garanta sua eficácia.
Palavras chaves: Testamento Vital, Autonomia Privada, Dignidade da Pessoa Humana,
Direito de Morrer.
1 INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios vividos pelo Direito e por outras áreas do conhecimento
está relacionado ao “morrer com dignidade”. Questionamentos nessa seara preocupam-se
com o respeito da vontade daquele que se encontra já sem qualidade de vida, bem como
pela tensão entre o desejo dos familiares e do ente agonizante.
126 Professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas e da Universidade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, UNIPAC TO, Mestranda em Direito Privado pela PUC Minas – [email protected] Graduanda do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas – Bolsista FAPEMIG - [email protected]
Na análise do direito comparado, observa-se a previsão legal de institutos jurídicos
que buscam solucionar a questão destacada, prevendo instrumentos que permitem a
prevalência da vontade do paciente em contextos em que não existe a possibilidade da
manifestação da sua vontade – o testamento vital.
No direito brasileiro, a temática não é regulamentada pela legislação
infraconstitucional. Porém a ausência de uma normatização específica sobre o instituto do
testamento vital não significa que, na sociedade brasileira, inexistem conflitos jurídicos
envolvendo a garantia da autonomia da vontade do paciente.
Assim, torna-se relevante o debate proposto a seguir: a validade do testamento
vital no ordenamento jurídico brasileiro pode ser fundada a partir dos princípios
constitucionais da autonomia da vontade e da dignidade da pessoa humana, bem como dos
direitos constitucionais da liberdade, da honra e da inviolabilidade da intimidade?
2 O TESTAMENTO VITAL E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRAISILEIRO
Em um passado não muito distante, as decisões sobre os tratamentos médicos eram
tomadas exclusivamente pela equipe de saúde. Rohë (2002) afirma que o relacionamento
daquele que cura e daquele que é curado restringia-se a uma postura passiva da parte mais
fraca; a vulnerabilidade, natural à sua condição de paciente, impedia qualquer
autodeterminação. Atualmente, existe uma tendência que visa estimular que as decisões
relacionadas à existência humana, como o início e o fim da vida, tenham a participação
dos usuários do sistema de saúde.
No entendimento de Rohë (2002), cabe ao paciente se informar para não ser
subjugado, dominado e explorado pela parte mais forte; ao profissional da saúde resta
aplicar a sua técnica, sem superproteger o paciente ou banalizar a sua atuação. Para Diniz
e Costa (2007), os profissionais da saúde possuem grande dificuldade para aceitar essa
nova possibilidade de interação do paciente no tratamento, pois tradicionalmente foram
treinados para enfrentar a vida e resistir à morte, sob a alegação de que a missão
biomédica é a de salvar vidas.
Dentro desse contexto, torna-se relevante a compreensão da morte digna,
observando-a em toda a sua complexidade cognitiva, ou seja, a partir da dimensão
jurídica, social e ética.
Ao longo dos anos, o momento técnico da morte sofreu várias alterações: em um
primeiro momento, o critério adotado eram os batimentos cardíacos; após, adotou-se a
cessação da respiração e, posteriormente, pela constatação de que o pulso desapareceu. Há
pouco tempo, adotava-se a morte cerebral como critério. Atualmente, o modelo definidor
do óbito é a morte encefálica, critério questionado devido a sua imprecisão nos pacientes
com menos de dois anos (ROHË, 2002).
A reflexão sobre o morrer com dignidade exige a tematização do princípio da
autonomia da vontade, já que a recusa a instrumentos que manifestam a vontade do
paciente colocariam em risco tal princípio.
Souza (2008) define que a autonomia privada, tradicionalmente conhecida como
autonomia da vontade, é um dos princípios basilares do Direito Privado, sobretudo do
Direito Obrigacional. Historicamente, mesmo sendo conhecida desde a época medieval, a
autonomia da vontade teve seu sentido plenamente firmado apenas nos séculos XVI e
XVII.
Isso se deve à reação ao despotismo do Poder Público, o que culminou nas revoluções liberais-burguesas, assentando uma nova forma de Estado, baseada nos princípios da legalidade, liberdade e igualdade de todos perante a Lei. [...] Ao se falar em liberdade, bem como legalidade , tinha-se como pressuposto, o fato de que ninguém pode ser constrangido a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de Lei. Sendo assim, na ausência de um dispositivo legal, somente pela exteriorização da vontade é que poderia surgir uma relação obrigacional capaz de criar direitos e deveres para seu emitente. ( Souza, 2008, p. 17. Grifo Nosso)
Segundo Luciana Penalva (2009), a autonomia da vontade é o corolário de uma
época na qual o Estado deveria interferir o mínimo possível na esfera individual, sendo
que não tinha o verdadeiro objetivo de proteger os indivíduos; partia-se do pressuposto de
que todos eram autônomos e tinham condições de se auto-regularem.
Uma das bases teóricas utilizadas para o princípio da autonomia é o pensamento de
John Stuart Mill (1909). Este autor propôs que “sobre si mesmo, sobre o seu corpo e sua
mente, o indivíduo é soberano” (apud GODIM, 2000, p.1). Seguindo a mesma linha de
raciocínio Godim escreveu que:
Uma pessoa autônoma é um individuo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação. Respeitar a autonomia é valorizar a consideração sobre opiniões e escolhas, evitando, da mesma forma , a obstrução de suas ações (...) demonstrar falta de respeito para com o agente autônomo é desconsiderar seus julgamentos, negar ao individuo a liberdade de agir com base em seus julgamentos, ou omitir informações necessárias para que
possa ser feito um julgamento, quando não há razões convincentes para fazer isto. (2000, p.2).
Esse princípio, não pode ser analisado em separado do princípio da dignidade da
pessoa humana, alçado à condição de princípio fundamental da Constituição da República
do Brasil.
Em uma evolução histórica, foi agregado ao conceito de pessoa uma concepção
espiritual e subjetiva. Para José Afonso da Silva (2008), agora a pessoa é possuidora de
direitos subjetivos fundamentais, direitos da personalidade, onde se destaca o direito à
dignidade e à uma vida digna. “Só o homem não existe em função do outro e por isso
pode levantar a pretensão de ser respeitado como algo que tem sentido em si mesmo”
(KANT, 1993, p.62).
Cimon Hendrigo Burman Souza (2008) afirma que a necessidade de interpretação
dos textos normativos à luz da Constituição impôs ao interprete a obrigação de se ater à
tabua axiológica e a princípios nela reconhecidos. “Nesse contexto, a proteção à dignidade
da pessoa humana vai assumir relevo especial. Mesmo porque foi expressamente
reconhecida pelo Constituinte, como princípio fundamental de todo o ordenamento.”
(SOUZA. 2008. P.59)
O principio da dignidade da pessoa humana está disposto logo no art.1º, inciso III,
do texto constitucional, como fundamento do Estado Democrático de Direito. Nota-se a
importância desse princípio que é conferida pelo texto constitucional, lei maior do
ordenamento jurídico brasileiro; tal norma é considerada de aplicação imediata, por
traduzir direito fundamental, não sendo apenas uma norma de conteúdo meramente
progmático. Dessa maneira, importa esclarecer que o Estado existe em função de todas as
pessoas e não estas em função do Estado (BRAUNER, 2003).
Para Pithan, Bernardes e Pires (2005), a dignidade é um valor íntimo e autônomo,
é algo que faz com que a pessoa só dependa de si mesma, sendo que nenhum homem seja
mais digno do que o outro, uma vez que a dignidade decorre do absoluto. Concluem,
ainda, que a dignidade vai muito além do livre arbítrio, entendido como mera capacidade
de optar. Tal princípio atua como base dos demais direitos fundamentais, auxiliando na
resolução direta de conflitos nessa seara jurídica.
Maria de Fátima Freire de Sá (2001) questiona se é possível considerar que uma
pessoa, em um leito de UTI, inspirando cuidados diários, sem controle sobre as suas
necessidades básicas, vive de fato uma vida digna. Diante da inevitabilidade da morte e do
esgotamento dos métodos terapêuticos e paliativos, o fato de poder intervir no momento
de sua morte assume um papel moral em respeito a sua autonomia e dignidade. “O
prolongamento da vida somente pode ser justificado se oferecer às pessoas algum
benefício, ainda assim, se esse benefício não ferir a dignidade do viver e do morrer.” (SÁ,
2001, p.60)
Para Freire de Sá (2001), a morte digna do homem é um problema que se impõe à
reflexão de muitos. Assim, a primeira coisa que um doente terminal pede á sociedade é
que respeite, dentro do possível, o seu modelo de enfocar e viver a morte, embora médicos
e familiares tenham em mente um tipo de morte que não correspondem aos legítimos
interesses daquele.
Em síntese, morrer com dignidade seria ter a possibilidade de viver seus últimos
momentos decidindo sobre quais os meios e métodos serão aplicados em seu tratamento,
pois na decisão de qual procedimento deve ser aplicado existe uma linha que pode ser
conflituosa entre o conhecimento técnico do médico e o respeito da autonomia do
paciente. Os profissionais da saúde possuem por um lado o conhecimento sobre quando
aplicar determinados tratamentos, mas o doente, por outro lado, tem a autonomia de
escolher sobre qual procedimento quer se submeter (BAÚ, 2005), pois para o paciente,
meios que apenas prolongam a vida, no entanto sem qualidade, podem não ser de seu
interesse. O conceito de morte digna pode ser realmente subjetivo; no entanto, morrer
sendo submetido à um tratamento contra a sua vontade pode significar ofensa a princípios
jurídicos que representam conquistas históricas na atualidade.
Nesse cenário, apresenta-se o testamento vital como uma declaração de vontades
antecipadas, feita por pessoa maior e capaz, em pleno uso de suas capacidades cognitivas
e ciente das conseqüências de suas decisões, que deseja estabelecer as condições de
tratamento que pretende receber ou recusar. O documento é elaborado para caso a pessoa
seja acometida de alguma doença que a impossibilite de manifestar sua vontade. No
direito comparado, pode ser observada a aplicação desse dispositivo no ordenamento
jurídico norte-americano, suíço, holandês e espanhol.
A primeira Lei norte americana que concedeu o direito à pessoa de recusar
tratamentos médicos para prorrogação da vida através de métodos tecnológicos ocorreu na
Califórnia, em 1976, através do Natural Death Act. Os Estados Unidos da América possui
uma regulamentação federal, o Patient Self-Determination Act (PSDA), norma que
regulamenta o testamento vital e que obriga os hospitais e organizações de saúde a
informar o paciente de seus direitos, esclarecendo-o sobre a possibilidade de tomar as
decisões sobre o fim da vida. No entanto, como, geralmente, essas decisões são tomadas
quando o paciente não está mais está apto a tomá-las, o PSDA determina que se o paciente
deixar um testamento vital, esse deve ser fixado em seu prontuário e obrigatoriamente
seguido. Com sentenças pioneiras, os EUA afirmaram que o interesse do individuo deve
vir primeiro que o do Estado (ROHË, 2002).
Recentemente, o atual presidente norte-americano, Barack Obama, declarou ter um
testamento vital e aconselha que as pessoas o façam:
Na verdade, eu penso que é uma boa idéia ter um testamento vital. Eu encorajaria a todos a ter um. Eu tenho um; A Michelle tem um. E nós esperamos não ter que usá-lo por um longo período, mas eu penso que isso é um assunto muito delicado128 (OBAMA, 2009, The Seattle Times, tradução livre).
Podemos encontrar, na Suíça, organizações especializadas em guardar as
declarações de últimas vontades dos pacientes, que são assinadas por eles para alguma
situação em que não possam se expressar ou sofrerem algum dano permanente, tudo para
que a vida prolongada por aparelhos seja evitada. Entretanto, em 2008, essa determinação
não foi respeitada, por ter sido considerada sem efeitos legais. O Código Civil suíço está
sendo revisado e há uma previsão para a inclusão do testamento vital como um documento
legalmente válido, sendo sujeito a sanções aqueles que o contrariarem.
Atualmente, a Holanda é o país com a regulamentação mais avançada sobre o
testamento vital. Nesse ordenamento, todos podem especificar as situações em que não
desejam se submeter aos tratamentos médicos, inclusive podem optar pela eutanásia.
Essas decisões são realizadas através de um documento que deve ser aplicado mesmo
quando o paciente estiver inconsciente.
128 So I actually think it's a good idea to have a living will. I'd encourage everybody to get one. I have one; Michelle has one. And we hope we don't have to use it for a long time, but I think it's something that is sensible.
Na Espanha, o debate a respeito da autonomia do paciente em relação a morte
começou com o que Arthur Kaufmann (apud SÁ, 2001) definiu como quebra do princípio
da proteção absoluta da vida. Tal modificação surge da necessidade do paciente se
manifestar acerca das possíveis intervenções médicas sobre o seu corpo, diante de
métodos artificiais de prolongamento da vida.
A primeira legislação espanhola a dissertar sobre o consentimento do paciente foi a
Ley General de Sanidad, de 24/04/1986, que estabeleceu quais são as situações em que a
intervenção médica não necessita esperar o consentimento escrito do paciente. Em
novembro de 2002, a Lei nº 2041 foi publicada e tinha como objeto regular o direitos e
obrigações dos usuários e profissionais da saúde em relação a autonomia do paciente e
sobre as informações deixadas em documentações clínicas. Em outubro de 2007, a Lei nº
2823 regulamentou o testamento vital, disponibilizando modelos e estabelecendo regras
para efetivar a sua validade.
Atualmente, no Brasil, inexiste legislação direta que vede ou afirme o testamento
vital.
Dentro desse contexto, deve-se discutir a problemática existente entre duas
concepções: a proteção da vida, como bem maior, e o direito do indivíduo a uma morte
digna e tranqüila. Haveria um antagonismo entre esses direitos ou uma possibilidade de
coexistência?
Sabe-se que através da obstinação terapêutica pode o médico prolongar ao máximo
o funcionamento do organismo debilitado, negligenciado a vontade do paciente e o fator
“qualidade de vida”, sobre o tema Dworkin disseta que:
Os médicos dispõem de um aparato tecnológico capaz de manter vivas - às vezes por semanas e em outros casos por anos – pessoas que já estão à beira da morte ou terrivelmente incapacitadas (...), ligadas a dúzias de aparelhos sem os quais perderiam a maior parte de suas funções vitais, exploradas por dezenas de médicos que não são capazes de reconhecer e para os quais já deixaram de ser pacientes e se tornaram verdadeiros campos de batalha. (DWORKIN, 2003, p.252).
Para Dworkin (2003), muitos se opõem às opções do paciente por uma razão
paternalista. Em sua opinião, mesmo quando as pessoas decidam de forma clara e
consciente que preferem morrer à determinados tratamentos, as demais pessoas da
sociedade tendem a acreditar que esse que optou pela morte desconhece seus próprios
interesses e que a sociedade é que sabe o que é melhor para ele. A partir de uma visão
oriunda do senso comum, sabe-se que existem pessoas que pensam que morrer seria
totalmente contrário aos seus interesses, mesmo quando sua situação fosse tão terrível que
se tornasse insolúvel; por maior que fosse o seu sofrimento, muitos desejariam continuar
vivos pelo maior tempo possível, pouco importando em que condições se dê tal
continuidade.
Rohë (2002) afirma que o médico tem o dever de tudo informar. O consentimento
do paciente exige a informação sobre a sua real situação, pois ele é o verdadeiro
interessado. Ressalta-se que o direito a informação está presente em todas as relações de
direitos do doente constantes dos pactos e tratados. No entanto, Penalva (2009) observa
que, na impossibilidade de manifestar sua vontade por estar inconsciente, o paciente, no
Brasil, atualmente, não tem nenhum meio legal de expressar o seu desejo a respeito dos
procedimentos médicos a serem aplicados.
O consentimento Informado consiste em uma
decisão voluntária, realizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo e deliberativo, visando à aceitação de um tratamento específico, sabendo da natureza dos mesmos, suas conseqüências e dos seus riscos. (Francisconi apud PITHAN;FERNANDEZ, 2007, p.80)
Pithan e Fernandez (2007) afirmam que o dever de informar, previsto no Código
de Defesa do Consumidor, constitui a primeira etapa do consentimento informado, onde o
paciente, após ampla informação quanto ao diagnóstico e ao prognóstico, decide sobre a
aceitação ou rejeição ao tratamento disponibilizado.
Dentro desse contexto, surge o questionamento quanto à aplicabilidade do
testamento vital que não se assemelha a eutanásia, pois neste não se trata de antecipar a
morte de alguém a seu pedido, mas sim a pessoa poder decidir de forma livre e
responsável sobre os cuidados médicos que deseja receber quando não mais gozar de
capacidade física ou intelectual para se expressar. Com a implementação desse
mecanismo, o individuo possuiria um dispositivo legal que garantiria que sua vontade
seria respeitada. Felipi Monteiro (2009) define a necessidade do testamento vital:
A razão de ser do testamento vital tem que ver essencialmente com dois intuitos: dar à pessoa o controle sobre a sua própria saúde numa situação de fim de vida, e retirar dos ombros da família o peso e a angústia de decisões difíceis e dolorosas (...). Além disso, o testamento vital evita conflitos que poderiam
surgir entre os membros da família em relação à prescrição e suspensão de certos testamentos. (MONTEIRO, 2009, p.38)
Há críticas, expostas pela teoria, quanto ao instituto em análise. Pedro
Nunes (2008), da Ordem dos Médicos de Portugal, discorre que "os médicos têm o bom
senso de avaliar a situação e de não ultrapassar o que é normal", o que quer dizer, "não
causar sofrimento ilimitado ao doente", sendo desnecessário tal instituto.
O novo Código de Ética Médica determina, em seu art. 31, que é vedado ao
médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir
livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo as situações de
risco eminente de morte. O novo código mantém a proibição ao profissional em abreviar a
vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal, mas acrescenta
que, nos casos de doença incurável ou terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados
paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou
obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua
impossibilidade, do seu representante legal.
Como exposto anteriormente, a legislação brasileira permite o mecanismo do
consentimento informado (PITHAN, 2007), que é validado devido ao princípio da
autonomia (GODIM, 2000). Há, ainda, o princípio da dignidade da pessoa humana,
esboçado no art.1º da Lei Maior, que para Rohë:
Representa o valor que dá unidade e coerência ao conjunto de direitos fundamentais. Funciona como uma “cláusula aberta”, respaldando o surgimento de novos direitos não expressos no texto constitucional. Assim o foi, desde a primeira vez que apareceu, na constituição Alemã de Weimar. (ROHË, 2002, p.28).
Nota-se que mesmo com todos esses princípios, não há nenhuma legislação
específica sobre o testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto através
de uma interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais pode-se
fundamentar a validade desse instituto no ordenamento jurídico brasileiro.
Os princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III) e da Autonomia (princípio implícito no art. 5º), bem como a proibição de tratamento desumano (art. 5º, III) são arcabouços suficientes para a defesa da declaração prévia de vontade do paciente terminal, vez que o objetivo deste instrumento é possibilitar ao indivíduo dispor sobre a aceitação ou recusa de tratamentos em caso de terminalidade da vida. (PENALVA, 2009, p.103)
O testamento vital é a expressão da autonomia do sujeito, e como exposto
anteriormente ao exercer sua autonomia contempla-se a sua dignidade. Portanto, à luz do
constitucionalismo democrático, pode-se fundamentar a validade do testamento vital no
ordenamento jurídico brasileiro, fundamentando-o na previsão expressa dos princípios
constitucionais destacados, bem como dos direitos constitucionais de liberdade, honra e da
proteção da inviolabilidade da intimidade.
Ao utilizar o testamento vital, com base em uma compreensão contemporânea da
Constituição, se permitiria defender a tese da coexistência dos direitos de proteção da vida
e o direito do indivíduo a uma morte digna e tranqüila.
3 CONCLUSÃO
Ao analisar o testamento vital no direito comparado a primeira conclusão a que se
chega é que primeiro surge o clamor da população, sua utilização “informal” para em um
segundo momento ser regulamentado por uma lei específica. Nota-se que o Brasil ainda
não vivenciou nenhuma situação onde a população se mobilizasse para que a vontade do
paciente fosse respeitada até o fim, mas caso essa situação venha a ocorrer a declaração
prévia do paciente terminal deverá ser respeitada, pois o testamento vital é válido no atual
ordenamento jurídico por ser legitimado por princípios constitucionais. Porém, em que
pese ser válido, tal instituto deve ser regulamentado por legislação específica para que
sejam estipulados seus requisitos formais e para que se estabeleça uma maneira clara e
eficiente de se fazer valer. Pois de nada adianta se o sujeito prepara sua declaração de
vontade antecipada e a mesma não chega ao conhecimento da equipe médica em momento
apropriado.
Abstract
This article comes from a research on the living will, which is a legal instrument that
assures that the will of the terminal patient will be respected even when he is unable to
manifest it. We sought to demonstrate that in the brazilian current legal system the use of
this instrument is possible even though it has not been enacted into law yet â on the
grounds of the principles of human dignity and of the private autonomy. In the
construction of the article it was conducted an analysis of theories on dyeing with dignity
and of the private autonomy, and also of the living will legislation in the foreign legal
systems. In this sense, we sustain that the living will is valid in our current legal system,
but we still need further regulation on this matter to define the necessary formalities for
the document and to assure its effectiveness.
Key Words: Living will; Private Autonomy ; Human Dignity; Right to Die
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAÚ, Marilise Kostenalki. Relevância Jurídica do Consentimento Informado Prestados por Representação Legal e Convencional. In: G AUER, Gabriel José Chittó (Org.). Bioética. Rio de Janeiro: Lumem Juris , 2005. V. 1, p.111-121.
BRAUNER, Maria Claudia. Clonagem humana: algumas premissas para o debate jurídico. Disponível em:<http://www.ufrgs.br/bioetica/clobrau.htm>. Último acesso em 01 de outubro de 2010.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.931, de 24 de Setembro de 2009. Aprova o Novo Código De Ética Médica.
DINIZ, Debora; COSTA Sérgio. Morrer com Dignidade: um Direito fundamental. In: DINIZ, Debora (Org.). Ética em Pesquisa: temas globais. Brasília: Letras Livres, Ed: UNB. 2008
DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
FERNANDES, Carolina Fernández; PITHAN, Lívia Haygert. O Consentimento Informado na Assistência Médica e o Contrato de Adesão: Uma Perspectiva Jurídica e Bioética. In: Revista Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Vol. 27. N.2. 2007. P. 78-82. FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito civil: atualidades II : da autonomia privada nas situações jurídicas patrimoniais e existenciais. Belo Horizonte: Del Rey, 2007
GOLDIM, José Roberto. Princípio do Respeito à Pessoa ou da Autonomia. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/autonomi.htm>. Último acesso em 01 de outubro de 2010.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Crítica da Razão Pura. Trad. Paulo Quintela. São Paulo: Abril. 1993.
MONTEIRO, Felipe. Novo Código de ética médica. In: Revista da Ordem dos Médicos. V. 38. Julho/Agosto 2009.
NUNES, Pedro. Testamento Vital. 2007. Disponível em:<<http://www.inverbis.net/actualidade/testamento-vital.html>>. Ultimo acesso em 10 de novembro de 2009.
PENALVA, Luciana Dadalto. Declaração Prévia de Vontade do Paciente Terminal. 181 f. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito.
RÖHE, Anderson. O paciente terminal e o direito de morrer. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004.
SÁ, Maria de Fátima Freire. Direito de Morrer: Eutanásia, suicídio assistido. Belo Horizonte: Del Rey. 2001
SÁ, Maria de Fátima Freire. Aplicação dos Princípios no Biodireito. Belo Horizonte: Puc Minas Virtual. 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 32ª edição. 2009.
SOUZA, Cimon Hendrigo Burmann de. A Autonomia Privado no Âmbito das relações Contratuais: do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito. 2009. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós Graduação em Direito.
The Seattle Times. Obama takes personal approach in AARP speech. 29 de julho de 2009. Disponível em: <http://seattletimes.nwsource.com/html/health/2009555297_health29.html>. Último acesso em 01 de outubro de 2010.
O INQUÉRITO POLICIAL E O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
PENALCaroline Amorim Costa129
Gabriela Nogueira Matias130
RESUMO
A finalidade deste artigo é demonstrar a necessidade de se atualizar o
Código de Processo Penal Brasileiro, em especial no que tange ao Inquérito Policial. Esta
pesquisa se deu por meio de livros Jurídicos e sites complementares. Seu desenvolvimento
se deu, primeiro passando pela parte histórica, onde foi analisada a origem dos Códigos de
Processo Penal e quais foram suas bases teóricas. Segue, chegando à atualidade, momento
em que o aplicador do direito se depara com uma enorme dificuldade em utilizar uma
norma tão defasada em uma sociedade muito diferente. Finaliza apresentando as
inovações trazidas pelo anteprojeto do novo Código de Processo Penal, que tenta adequar
a legislação processual à sociedade atual, que vive no paradigma do Estado Democrático
de Direito, e que tem por essência a garantia dos direitos individuais.
Palavras Chaves: Anteprojeto Novo Código de Processo Penal – Inquérito Policial –
Garantias Processuais – Juiz de Garantia – Contraditório no Inquérito Policial – Suspeição
e Impedimento Autoridades Policiais – Papel do Ministério Público no Novo Inquérito
Policial
ABSTRAT
The Purpose of this text is to demonstrate the need to update the Brazilian
Code of Criminal Procedure, regarding the police investigation. This article was
developed, first through a historical part, where it examined the origin of the procedure
penal law and what were its theoretical underpinnings. It developed, first passing through
the historical part, where was analyzed the origin of the Code of Criminal Procedure and
what were its theoretical underpinnings. Next, this lead us to today, momentum when the
129 Professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas e da Universidade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, UNIPAC TO, Mestranda em Direito Privado pela PUC Minas. [email protected] Graduanda do 7º período, do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas. [email protected].
enforcer of law is facing a huge difficulty in using a much outdated law in a very different
society. It ends with the innovations introduced by the draft of the new Criminal
Procedure Code, which attempts to match the current procedural legislation to the present
society, who lives in the paradigm of the democratic rule of law, and that essence is the
guarantee of individual rights.
Keywords: New Draft Code of Criminal Procedure - Police Inquiry - Procedural
guarantees - Judge Guarantee - Contradiction in police inquiry - Suspected Police
Authorities and Prevention - the role of prosecutors in the New Police Inquiry
A legislação processual penal brasileira está passando por um período de
transição. O Código de Processo Penal vigente data de 03 de outubro de 1941, e foi criado
durante o advento da Constiuição da República de 1937, texto este marcado pelo flagrante
aspecto do Estado Unitário (Estado Novo de Getúlio Vargas) e antidemocrático.
A Constituição de 1937, criada no período ditatorial do Governo Vargas,
possuía fortes características autoritárias. Atendendo aos interesses de grupos políticos
influentes, a Carta Magna consolidava uma enorme concentração dos poderes da
República nas mãos do Chefe do Executivo, retrocedendo numa série de conquistas
democráticas estabelecidas pela Constituição anterior (Constituição de 1934).
A legislação processual penal brasileira tem como marco inicial as
Ordenações do Reino de Portugal que vigiram no país do século XVI ao início do Século
XIX.
Contudo, a primeira codificação nacional sobre a matéria data de 1832, e
foi o Código de Processo Criminal de Primeira Instância. Esta reforma do processo
criminal brasileiro se deu pelo trabalho do Padre Diogo Feijó, e pretendia descentralizar a
aplicação das leis, dando mais autonomia aos proprietários rurais das províncias, que
passaram a escolher os seus representantes políticos, os juízes de paz, que eram a
autoridade judiciária do município.
Posteriormente, apenas em 1941, surgiu o que se pode chamar de um
código de processo penal brasileiro. Esta codificação, ainda vigente, foi fruto de um
projeto do então Ministro Francisco Campos (jurista e político mineiro), sendo
eminentemente inspirada na legislação processual italiana da década de 30.
Criada durante a vigência do Regime Facista Italiano, esta legislação possuí
fortes influências autoritárias, tratando o acusado como um mero objeto da ação penal, e
não como parte desta relação.
Na redação original do referido código não eram garantidos ao acusado
direitos básicos. Durante a fase investigatória o réu poderia ser facilmente privado de sua
liberdade sem qualquer justificativa, sendo que nem mesmo a prolação de uma sentença
absolutória muitas vezes era suficiente para restituir-lhe a liberdade, quando da existência
de algum recurso.
Prevalecia então na legislação processual penal o Princípio da Presunção da
Culpabilidade, segundo o qual a simples existência de uma acusação formal era suficiente
para se estabelecer um juízo de antecipação de culpa.
Vigia também a ideia de que entre a Segurança Pública e a Liberdade
Individual, deveria prevalecer a primeira, com a finalidade de se manter a pacificação
social.
Com o advento da Constituição da República de 1988, uma carta
constitucional de caráter flagrantemente democrático e principiológico, recepcionou-se o
Código Processual Penal Brasileiro.
Esta recepção, entretanto, não poderia se dar de forma simples, foi
necessária uma mudança radical na legislação processual penal. Duas legislações de
caráter tão divergente, para se ajustarem, precisavam de significativas mudanças.
A sociedade brasileira pós Constituição de 1988 se transformou. A mulher
passou a exercer um papel mais atuante na vida pública, a tecnologia mudou a forma
como nos comunicamos, e o próprio Estado passou a ver o indivíduo como um membro
ativo do grupo social.
Para continuar em vigor, o CPP (Código de Processo Penal) precisou se
adaptar aos novos tempos, perdendo algumas de suas características mais autoritárias, e
reconhecendo alguns direitos ao acusado.
Esta adaptação se deu com a alteração pontual de trechos do texto original
do CPP, e principalmente com a interpretação principiológica deste à luz da nova
cosntituição.
Deste modo, institutos que anteriormente possuíam caráter eminentemente
acusativo, como por exemplo, o interrogatório do réu na fase processual passou a ser
interpretado como meio de defesa, sendo-lhe atribuídas várias garantias como o direito ao
silêncio e da não produção de provas contra si mesmo.
Deixaram de vigorar princípios antes básicos do processo penal, como o
Princípio da Presunção de Culpabilidade, e da prevalência da Segurança Pública em face
da Liberdade Individual. Em seu lugar surgiram o Princípio da Presunção de Inocência e
da Dignidade da Pessoa Humana.
Contudo, esta mudança não foi plena. As raízes autoritárias do CPP são
muito profundas, não permitindo que alguns de seus institutos sejam atingidos pela luz da
democracia.
Ao aplicador do Direito apresenta-se uma difícil tarefa. Aplicar uma lei que
apresenta graves aspectos autoritários em uma sociedade que caminha rumo a plena
democracia, como base nas relações humanas.
Isto posto, depara-se com o Inquérito Policial, instituto ainda muito
influênciado pela antiga mentalidade do CPP. O inquérito policial, forma como
normalmente se inicia a persecução penal, é dirigido por autoridades estatais, em especial
a Polícia Judiciária, e tem a função precípua de colher provas suficientes para
comprovação da autoria e materialidade de fatos tidos como típicos.
O Inquérito Policial Brasileiro segue o sistema processual inquisitório, no
qual, a autoridade policial exerce ao mesmo tempo as funções de acusação e defesa. Este
sistema inquisitório traz consigo marcas autoritárias da ditadura, vez que impossibilita o
contraditório e a ampla defesa, institutos inseridos no ordenamento jurídico pela CR/88, e
acabam por acarretar um maior índice de condenações ao final do processo.
Diante da dificuldade de adaptação de diversos dispositivos do CPP à nova
realidade da sociedade pós CR/88, chegou-se à necessidade de reformas mais profundas.
Entretanto, o texto da legislação processual penal, apesar de extremamente remendado,
continua não alcançando seus objetivos.
Neste contexto, o Senado Federal, determinou a formação de uma comissão
de juristas para a elaboração de um Novo Código de Processo Penal. Este anteprojeto, que
prevê significativas mudanças na legislação, foi entregue ao Senado em 22 de abril de
2009, tendo passado por uma votação simbólica na mesma casa em 07 de dezembro de
2010, oportunidade em que foi aprovado. O projeto agora deve ser encaminhado à Câmara
dos Deputados para ser votado, e caso não sofra alterações deverá seguir para sanção
presidencial.
Dentre as diversas modificações introduzidas pelo projeto do Novo CPP,
destacam-se, relativamente ao Inquérito Policial, a criação da figura do Juiz de Garantia, a
possibilidade da Oposição de Suspeição e Impedimento em relação às autoridades
policiais, e o direcionamento do inquérito policial imediatamente ao Ministério Público,
sem a necessidade de mediação pela autoridade judiciária.
De acordo com este projeto, o denominado Juiz de Garantia atuará
diretamente no Inquérito Policial a fim de assegurar a legalidade dos procedimentos
durante a fase de investigação policial, bem como o direito de contraditório e ampla
defesa do investigado. Atualmente esta garantia não socorre o acusado, que muitas vezes
se vê ao arbítrio das autoridades policiais que somente almejam alcançar a autoria e
materialidade dos fatos, sem se preocuparem, entretanto, com os direitos deste.
Outra inovação trazida por este projeto é a possibilidade de Oposição de
Suspeição e Impedimento em relação às autoridades policiais. A legislação atual prevê
apenas a possibilidade de oposição de suspeição e impedimento em relação ao
Magistrado, Membros do Ministério Público, e Auxiliares da Justiça, não abrangendo as
autoridades policiais. Esta omissão dá margem à ocorrência de investigações tendenciosas
e oportunistas, vez que atualmente somente é possível a retirada de autoridade policial
diretamente interessada na causa, por declaração de ofício desta, sem permitir às partes
apresentação de oposição.
E finalmente, na nova sistematização, o direcionamento do inquérito
policial será feito diretamente da autoridade policial para o membro do Ministério
Público, sem a necessidade de atuação do Juiz. Atualmente faz-se necessária a passagem
deste inquérito pelas mãos do magistrado, sem que este faça qualquer análise de mérito
sobre o mesmo, servindo o juiz apenas de mero mediador entre a autoridade policial e o
“parquet”, o que acaba por prejudicar a celeridade dos feitos.
Estas alterações propostas para a legislação processual penal são muito bem
vindas, e acontecem em momento bem oportuno. Um Estado que se diz democrático e que
preza pela liberdade individual não pode se acomodar com leis que desrespeitam de modo
tão flagrante os direitos e garantias individuais.
A legislação processual penal brasileira, em consonância com a
Constituição da República deve salvaguardar o indivíduo, garantindo-lhe o direito a um
processo justo, com acesso ao contraditório e ampla defesa em todas as fases da
persecusão penal. Não é o indivíduo que deve servir ao Estado, e sim este que deve servir
àquele.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15ª Edição. São Paulo, SP: Jurídico
Atlas, 2004.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 5ª Edição. Belo Horizonte,
MG: DelRey, 2005.
BRASIL. Constituição, 1988.
BRASIL, Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941.
CAMPANERUT, Camila. Senado aprova reforma do Código de Processo Penal; entenda
as mudanças. UOL - O melhor conteúdo, Brasília, 07 de dezembro de 2010. Disponível
em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2010/12/07/senado-aprova-reforma-do-codigo-
de-processo-penal-entenda-as-mudancas.jhtm>. Acesso em 06 de maio de 2011.
OS DOENTES MENTAIS E O REGIME DAS INCAPACIDADES: POR UMA
HERMENEUTICA QUE TRANSCEDA O MERO EXERCÍCIO DE SUBSUNÇÃO.
THE MENTAL PATIENTS AND THE CIVIL INCAPACITY INSTITUTE: FOR A
HERMENEUTIC THAT TRANSCENDS THE MERE SUBSUMPTION
EXERCISE.
Maíla Mello Campolina Pontes∗
RESUMO: O objetivo do presente trabalho foi propor uma releitura da Teoria das
Incapacidades, no tocante aos doentes mentais, tal como ainda é estudada no direito
brasileiro. Para tanto, após um breve relato acerca da interpretação que foi dada aos casos
de transtorno mental ao logo da história – muitas vezes, fundamentados em razões
metafísicas ou morais –, a doença mental é enfocada como causa de constrição da
capacidade de fato no direito romano, analisando-se, nesse contexto histórico, o objetivo
do instituto da interdição. Posteriormente, é feita uma abordagem de como a incapacidade
figurou no ordenamento jurídico pátrio antes e depois do advento do Código Civil de
2002. O presente artigo visa a criticar o arcaico exercício de etiquetagem que busca definir
em qual categoria prevista na lei se adéqua a incapacidade de alguém. Para tanto, utiliza-
se da crítica que Pietro Perlingieri (2007) faz à temática das incapacidades como marco
teórico, para propor, assim, uma releitura do instituto congruente a uma Teoria Geral do
Direito Moderno.
Advogada, Especialista em Direito Civil pelo IEC - PUC Minas, Mestranda em Direito Privado pela PUC Minas.
Endereço: Av. Assis Chateaubriand, nº 421, apto 902. Floresta. Belo Horizonte. Minas Gerais. Cep: 30.150-101.
e-mail: [email protected]
PALAVRAS-CHAVE: incapacidade; capacidade; taxatividade; discurso; releitura;
ABSTRACT: The aim of this study was to propose a rereading of the Civil Incapacity Institute, in relation to the mentally ill, as it is still studied in Brazilian law. So, after a brief narrative about the interpretation that was given to cases of mental disorder throughout history – often based on metaphysical or moral reasons – mental illness is focused as a cause of constriction of the civil capacity in Roman law, being analyzed, in this historical context, the aim of the interdiction institute. Later, it is studied how the civil incapacity figured in Brazilian law before and after the advent of the Civil Code of 2002. This article aims to criticize the archaic hermeneutic exercise of subsumption that intends to define, in which category provided by law, fits the incapacity of someone. For this purpose, Pietro Perlingieri´s thought (2007) about the theme of civil incapacity is used as a theoretical framework, to propose, therefore, a rereading of the institute, congruent to a General Theory of Modern Law.
KEYWORDS: disability; capacity; strictness; speech; rereading.
1. OS TRANSTORNOS MENTAIS E SUA INTERPRETAÇÃO NO TEMPO
A forma pela qual os transtornos mentais são, hoje, compreendidos é produto de
uma longa série de acontecimentos históricos que possibilitaram o refinamento das
acepções de “normal” e “patológico”.
Na Idade Antiga, que corresponde ao período que vai desde o surgimento da
escrita – cerca de 4000 a.C. – até a queda do Império Romano em 476 d.C., verifica-se
que as primeiras grandes civilizações humanas – o Egito, a Mesopotâmia, a China e a
Índia – interpretavam tudo aquilo que lhes era incompreensível como sendo manifestações
metafísicas de deuses ou demônios. Os transtornos mentais eram, portanto, reações
decorrentes de feitiços ou possessões por espíritos malignos, tratados por intermédio de
encantamentos e invocação de entidades divinas para a expurgação desses males.
(LANDEIRA-FERNANDEZ; CHENIAUX, 2010).
Com a filosofia na Grécia Antiga, surgiram os primeiros modelos explicativos de
natureza racional que retiraram o adoecimento mental de um locus místico para associá-lo
a causas naturais. Hipócrates (460-377 a.C.) formulou uma teoria na qual os quatro tipos
de temperamentos humanos – melancólico, colérico, sanguíneo e fleumático – estariam
relacionados à existência de quatro humores corporais respectivamente: a bile negra, a bile
amarela, o sangue e a fleuma. (LANDEIRA-FERNANDEZ; CHENIAUX, 2010). Séculos
mais tarde, na Roma Antiga (séculos I e II d.C.), Galeno aproveitou-se da teoria de
Hipócrates para formular a sua.
J. Landeira-Fernandez e Elie Cheniaux ensinam que:
Para eles, havia basicamente três espécies de doenças mentais: melancolia (afecção mental crônica, sem excitação), mania (excitação mental crônica, sem febre) e frenite (excitação mental aguda, com febre). Alterações no equilíbrio desses humores seriam responsáveis pelas três formas de adoecimento mental. Consequentemente, qualquer tipo de intervenção terapêutica tinha como finalidade resgatar o equilíbrio dos humores corporais. Nesse sentido, dentre as formas de tratamento adotadas naquela época, incluíam-se sangrias, purgações, massagens corporais e dietas alimentares. (LANDEIRA-FERNANDEZ; CHENIAUX, 2010, p. 26)
O período da Idade Média, por sua vez, representa um afastamento das teorias
que buscavam explicar a participação do cérebro nos distúrbios do comportamento. As
idéias de Santo Agostinho (354-430 a.C.) associadas aos dogmas da Igreja Católica
influenciaram para que a doença mental fosse vista como produto de um pecado e os
indivíduos por ela acometidos, endemoniados, possuídos.
Na Idade Moderna, é retomado o pensamento racional da Grécia Antiga. Há o
desenvolvimento do método científico e, conseguintemente, formulam-se críticas às
explicações religiosas do adoecimento mental131. Todavia, pelo fato de Descartes, ao
sistematizar o método científico, ter considerado a mente impassível de ser por ele
estudada, face à sua natureza imaterial, a abordagem científica das doenças mentais só
viria a ser desenvolvida um século mais tarde. (LANDEIRA-FERNANDEZ;
CHENIAUX, 2010).
A Idade Moderna é, também, o momento histórico que se caracteriza por uma
nova organização econômica, política e social. O sistema de produção feudal,
eminentemente agrário, foi sendo substituído pela produção capitalista que se alicerçava
no comércio. Ao longo das principais rotas comerciais, surgiram várias cidades que
131 J. Landeira-Fernandez e Elie Cheniaux explicam que, nesse período, o médico e astrônomo suíço Paracelso (1493-1541) relacionou as doenças mentais à influência das diferentes fases da Lua. Dessa associação, resultou o termo “lunático” e, provavelmente, a expressão “no mundo da lua”, utilizada para designar uma pessoa que se encontra distraída. No mesmo momento histórico, Teresa D´Ávila (1515-1582), uma madre espanhola canonizada em 1622, contesta a fundamentação metafísica da doença mental, argumentando, no decorrer de um processo do tribunal da Inquisição, que algumas madres de seu convento apresentavam transtornos mentais que se relacionavam a doenças físicas, não havendo que se falar em influência de demônios.
sofreram uma urbanização acelerada, em muito, pela massa de camponeses que
abandonavam as zonas rurais à procura de melhores condições de vida.
Com o excesso de pessoas que migraram para os centros urbanos, surgiu,
também, um grande número de mendigos, idosos, inválidos e doentes que passaram a
viver à margem do funcionamento da engrenagem mercantil, habitando as ruas e
contaminando o cenário da efervescente circulação de bens. Nesse contexto, surgiram
instituições denominadas asilos ou hospitais gerais, inicialmente, mantidas pela Igreja, que
intencionavam recolher esses indivíduos. No mesmo período, são construídos pelo Estado
grandes hospitais em diferentes cidades européias, como, por exemplo, o Hospital
Bethlehem, criado em Londres em 1547, por ordem do rei Henrique VIII, e o Hospital La
Salpêtrière, criado em Paris em 1656, por decreto do rei Luís XIV. (LANDEIRA-
FERNANDEZ; CHENIAUX, 2010).
Contudo, ao serem retirados das ruas, os indivíduos recolhidos eram confinados
nessas instituições e não recebiam qualquer tratamento médico ou ação terapêutica. Com o
decorrer do tempo, a finalidade inicial desses locais foi completamente desvirtuada e eles
passaram a albergar, igualmente, inúmeros infratores e prostitutas.
Nessa época, os doentes mentais eram tratados com descaso e o tratamento
dirigido aos quadros de transtorno mental ainda estava atrelado àquele vigente na Idade
Antiga, buscando combater os excessos dos humores corporais – conforme teoria de
Hipócrates e Galeno –, por meio de sangrias, ventosas e purgações. (LANDEIRA-
FERNANDEZ; CHENIAUX, 2010).
Somente no século XVIII que as teorias da Idade Antiga começam a ser
abandonadas e a loucura passa a ser justificada como reflexo de uma perturbação da razão
e da moral. É por uma incapacidade lógica e intelectual que o doente é visto como um ser
impossibilitado de assimilar as regras e costumes sociais. Com base nessa concepção, o
tratamento ministrado passa a ser cruel e o paciente é submetido a castigos físicos que
visavam a retirá-lo de sua condição selvagem para possibilitá-lo desenvolver sentimentos
nobres.
De acordo com J. Landeira-Fernandez e Elie Cheniaux:
Diversas técnicas de punição física foram desenvolvidas, algumas delas lembrando procedimentos de tortura, com o objetivo de reeducar o doente mental. Métodos de restrição, como a cadeira tranquilizante, eram empregados para acalmar o enfermo. Aqueles que não respondiam adequadamente a essas rigorosas e, muitas vezes, cruéis técnicas educacionais eram acorrentados em
pequenas celas, como se fossem animais selvagens. (LANDEIRA-FERNANDEZ; CHENIAUX, 2010, p. 30).
A Revolução Francesa em 1789, no início da Idade Contemporânea, foi o
acontecimento histórico responsável por trazer modificações na interpretação conferida ao
“humano”. O ideário de defesa dos direitos humanos reverberou até o tratamento dirigido
aos loucos nos hospitais franceses, propiciando o desenvolvimento de uma terapêutica
mais adequada.
Nesse cenário, em 1792, Philippe Pinel, defensor dos ideais revolucionários,
recebeu o cargo de direção do hospital Bicêtre em Paris e se aclimatou com uma série de
tratamentos de cunho humanitário que o antigo diretor, Jean-Baptiste Pussin, colocara em
prática. Sob o novo enfoque, então, o louco deixou de ser visto como um selvagem para
ser considerado um indivíduo acometido por uma doença mental. Em 1795, quando se
tornou diretor do Hospital La Salpêtrière, Pinel difundiu ainda mais essa nova forma de
intervenção que se tornou conhecida como “tratamento moral”.
A sistemática do tratamento moral consistia em enfatizar os aspectos saudáveis
do paciente, desenvolver sua capacidade de autocontrole e de hábitos de socialização,
propiciar um contato próximo com o médico, com a discussão de dificuldades pessoais,
bem como desenvolver e disponibilizar atividades que o mantivessem ocupado ao longo
do dia.
Além de ser o responsável por difundir o tratamento moral, Pinel se destacou por
ter dado relevo ao diagnóstico das doenças mentais, salientando a importância de se
conhecer a história prévia do indivíduo, assim como a descrição detalhada de seus
sintomas. (LANDEIRA-FERNANDEZ; CHENIAUX, 2010).
Em meados do século XX, a chamada revolução psicofarmacológica, composta
por uma série de acontecimentos fortuitos que viabilizaram a descoberta/síntese de
medicamentos realmente eficazes no tratamento de diversas doenças mentais, será a
responsável por dar novos rumos à abordagem dos quadros psiquiátricos.
O marco dessa mudança ocorreu na França em 1951, com a síntese da
clorpromazina – o primeiro antipsicótico – por dois químicos que trabalhavam em um
laboratório farmacêutico. Posteriormente, essa mesma substância continuou sendo
estudada e foram observados seus efeitos pré-anestésico, sedativo – em pacientes
psiquiátricos agitados – e de melhora dos sintomas psicóticos, em pacientes com
esquizofrenia não agitados. (LANDEIRA-FERNANDEZ; CHENIAUX, 2010).
Ainda, nesse rol de acontecimentos que marcam a revolução psicofarmacológica,
podem ser citados a descoberta do efeito antidepressivo da imipramina – substância
derivada da clorpromazina –, o emprego da iproniazida – antes usada no tratamento de
turbeculose – para estimular e elevar o humor em diagnósticos de depressão, a descoberta
da ação terapêutica do lítio na fase maníaca do transtorno bipolar, à época, conhecido
como psicose maníaco-depressiva, e a síntese do clordiazepóxido, um medicamento com
propriedades sedativas e de relaxamento muscular. (LANDEIRA-FERNANDEZ;
CHENIAUX, 2010).
A revolução psicofarmacológica foi, portanto, um conjunto de acontecimentos
que, ao serem organizados e vertidos para o tratamento dos quadros de doença mental,
possibilitou uma nova abordagem terapêutica, promovendo a mitigação dos sintomas e a
diminuição do número e do tempo de internação desses pacientes.
Essas novas drogas que passaram a ser ministradas, bem como a criação da
cátedra de psiquiatria nas faculdades de medicina132 e o estudo cada vez mais técnico que
foi voltado à doença mental foram responsáveis por um tratamento mais adequado que,
objetivando atenuar os reflexos da patologia no comportamento do paciente, permitiram
que ele fosse assistido sem ser extirpado do seio social.
A apropriação da doença por uma medicina cada vez mais qualificada fez com
que, em muitos casos, a incapacidade do individuo deixasse de ser genérica – como
outrora interpretada – para estar circunscrita a determinadas ações. A limitação causada
pela patologia passa a figurar ao lado de potencialidades que – se desejado – podem ser
aproveitadas para uma construção biográfica mais legítima, traduzindo uma
materialização junto à realidade que, de fato, reflita a volição do portador de uma doença
mental.
No direito brasileiro, hoje, após o processo de interdição, ao portador de
transtorno/doença mental maior de idade, é nomeado um curador que o representará ou
assistirá – dependendo se absolutamente ou relativamente incapaz – nos atos de sua vida
civil.
Todavia, se perquirido quais os objetivos estiveram a amparar o instituto da
interdição e a curatela do incapaz no direito romano, é possível verificar que, em primeiro
plano, a preocupação sempre se cingiu à administração do patrimônio daquele que estava
132 No Brasil, a criação da cátedra de psiquiatria ocorreu após 1884, pelas faculdades de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro primeiramente.
impossibilitado de fazê-lo por si mesmo. A mecânica de se declarar a incapacidade de
alguém estava atrelada à existência de um pecúlio carecedor de administração.
Cotejando, portanto, a doutrina romanista e o regime das incapacidades no
ordenamento jurídico brasileiro – desde o projeto de Clóvis Beviláqua para o código de
1916 até o Código Civil de 2002 –, considerando a releitura pela qual passa o direito civil
após a promulgação da Constituição Federal de 1988, será que existiu alguma mudança
nos fundamentos sobre os quais está alicerçado o instituto da interdição? Na atualidade, a
teoria das incapacidades e a procedimentalidade da interdição privilegiam, de algum
modo, a capacidade do incapaz?
Diante de tantas perguntas que eclodem com o revolver da temática proposta,
imperioso analisar mais detidamente o regime das incapacidades no direito romano e a
maneira pela qual foi e tem sido trabalhado no direito brasileiro. Estendendo o raciocínio
sobre a história é que o ecoar de tantas interrogações poderá encontrar um pouso sereno
como resposta.
2. A HISTÓRIA POR DETRÁS DOS LOUCOS DE TODO GÊNERO
A alienação mental representava, ao lado da idade, do sexo e da prodigalidade,
uma das causas de constrição da capacidade de fato (ALVES, 2008). A começar pelas
nomenclaturas que gravitam em torno desse universo, a doutrina romanista não é pacífica.
Na lição de José Cretella Júnior (2004), os romanos empregavam as palavras furiosus para
se referirem ao louco que alternava períodos de lucidez com crises de loucura e utilizavam
mente captus, demens ou insanus para fazerem alusão ao louco sem intervalos de lucidez.
Todavia, o mesmo autor ventila dúvidas no tocante à citada subdivisão, mencionando que
parte da doutrina acredita que a diferença entre furiosus e mente captus estaria no fato de
o acesso de demência dos primeiros ser caracterizado por fúria, tendo, ou não, intervalos
lúcidos, ao passo que o segundo seria “o idiota, indivíduo de inteligência pouco
desenvolvida”. (CRETELLA JÚNIOR, 2004, p. 102).
Independente de qual o posicionamento seja o mais correto, não se pode deixar
de mencionar que, desde o direito romano, os rótulos empregados na menção à loucura já
traziam consigo uma enorme carga de preconceito.
Passando à análise do instituto da curatela, ainda no mesmo período, percebe-se
que o seu surgimento se deu por quaisquer razões que não a preocupação com o incapaz.
José Carlos Moreira Alves, ao demonstrar a evolução do que deveria ser um instrumento
de proteção, explica:
[...] no direito clássico, surgida a curatela, sem interdição judicial do louco (ao contrário do que ocorre com o direito moderno), mas em conseqüência da simples manifestação de loucura, o alienado mental ficava sob curatela até que se curasse ou morresse, não se levando em consideração os intervalos de lucidez. [...] Por outro lado, no direito pré-clássico, a curatela se exerce em favor não do louco, mas do curador, que, sendo em geral o parente agnado mais próximo deste, será seu herdeiro depois de sua morte, e, portanto, tem interesses em bem conservar-lhe o patrimônio. No direito clássico, a curatela se transforma em instituto de proteção ao próprio louco, razão por que – como sucedeu com a tutela – ela passa a ser um encargo público [...]. (ALVES, 2008, p. 695).
Ainda com o pensamento de Moreira Alves, afere-se que:
[...] no direito romano pré-clássico, [...] tanto a tutela quanto a curatela eram institutos – segundo parece – de proteção, não ao incapaz, mas a seus futuros herdeiros, que, como tutores ou curadores, velavam pelo patrimônio que viria a ser deles, e exerciam, em vez de um dever, um verdadeiro poder (potestas). (ALVES, 2008, p. 676).
Dessa maneira, percebe-se que o objetivo que alicerçou a evolução da curatela foi
sempre o de proteger o patrimônio do incapaz. Tanto que, quando o absolutamente ou
relativamente incapaz era alieni iuris, sua incapacidade não traduzia maiores
complicações quanto à administração dos bens, pois essa pessoa não o possuía, não tinha
pecúlio; estava subordinada ao pater familias que provinha suas necessidades. A mesma
despreocupação não se refletia quando se tratava de um sui iuris. Nesse caso, já não mais
havia vinculação ao pater familias e seria preciso existir a gestão do patrimônio (ALVES,
2008).
Os anos se passaram. No caso do Direito brasileiro, o regime das incapacidades
figurou tanto no Projeto Beviláqua para o código de 1916 como no código de 2002.
Variou-se uma nomenclatura ou outra nesse transcurso temporal entre as duas
codificações sem que a essência do instituto ou o objetivo por detrás dele fosse alterado.
A carga preconceituosa se manteve. As definições dadas àqueles acometidos por
doença mental ou qualquer outro tipo de deficiência que lhes tolhesse o pleno
discernimento sempre foram as mais infelizes possíveis. O Projeto de Clóvis Beviláqua
empregou a expressão “alienados de qualquer espécie” e o Código Civil de 1916 a
transformou em “loucos de todos os gêneros” (PEREIRA, 2004, p. 277). Percebe-se,
portanto, o perigo dos rótulos outrora utilizados e como, do próprio ponto de vista lexical,
eles eram completamente indefiníveis e subjetivos. É sabido que todo conceito é inclusivo
para as categorias que abarca e excludente para as demais. Generalizar excessivamente as
fronteiras de uma classificação a torna capaz de conglobar um rol imensurável de
interpretações acerca do que poderia jazer dentro de seus limites. Na história do direito,
esses rótulos que serviram para graduar a incapacidade acabaram sendo manuseados com
pouca cautela. No afã de se proteger o patrimônio de possíveis transações irresponsáveis,
sempre foi preferível deixar os incapazes à margem de quaisquer decisões atinentes aos
atos de sua vida civil, ainda, que, muitas delas, pudessem ser produzidas como reflexo de
uma vontade consciente.
Ao continuar o caminho pela doutrina, o que se percebe é que, com a Codificação
de 2002, melhorou-se a terminologia aplicada, sem, contudo, existir qualquer tipo de
reflexão no que tange à procedimentalidade do instituto da interdição. Não há menção no
pensamento jurídico clássico que sugira uma releitura do regime das incapacidades. O
trabalho continua sendo o de subsumir a figura do deficiente mental a algum patamar
presente no escalonamento de debilidades traçado pelo ordenamento. No horizonte dos
absoluta ou relativamente incapazes, há de se buscar a latitude exata que o posicione num
lugar “de direito”, protegido dos outros e, acima de tudo, de si mesmo.
Todo o estudo da temática se cinge à salvaguarda do patrimônio. Os termos
ventilados – anulação, nulidade, efeitos, repetição – visam a promover a maior
estabilidade possível às conjugações do “ter”, transformando os sujeitos dessas orações
em ocultos tanto para a sintaxe, como para a realidade fenomênica.
Dessa forma, já não é mais possível endossar as palavras de Caio Mário quando
menciona:
O instituto das incapacidades foi imaginado e construído sobre uma razão moralmente elevada, que é a proteção dos que são portadores de uma deficiência juridicamente apreciável. Esta é a idéia fundamental que o inspira, e acentuá-lo é de suma importância para a sua projeção na vida civil [...]. (PEREIRA, 2004, p. 272).
Com o passar dos anos e com o surgimento de novos nomes do Direito foi que se
começou a ver, ainda que timidamente – como se pode notar na obra de Cristiano Chaves
e Nelson Rosenvald (2007), alguma menção crítica ao regime das incapacidades tal como
ainda é estudado. O Direito começa, aos poucos, a ser oxigenado e a necessidade de se
romper com conceitos naturalizantes e com exercícios hermenêuticos de subsunção do
fato à norma passa a efervescer no lado agônico das reflexões. São trazidas para o campo
ensolarado das atenções as situações jurídicas existenciais que, ao lado das patrimoniais,
também, compõem o universo particular de cada ser humano.
Dessarte, diante de um contexto de reconstrução do Direito Civil que se coadune
à principiologia constitucional, a reprodução e aplicação de um regime das incapacidades
imbuído única e exclusivamente no escopo patrimonialista que o regeu até então se
apresenta como uma prática agressiva e medieval.
É nessa notória incongruência e desajuste entre aspirações teóricas e
operacionalização caduca que Pietro Perlingieri (2007) semeia seu posicionamento acerca
do tema. Para o referido autor, a falta de aptidão de uma pessoa para compreender as
questões que a cercam nem sempre é generalizada, podendo se circunscrever a setores
específicos. Essa construção de uma ausência total de discernimento, geral e abstrata,
confeccionada sob uma ótica jurídica, é fictícia e, exatamente, por isso, dependendo do
caso, inaplicável, posto não corresponder à efetiva inidoneidade psíquica para realizar
determinados atos e não outros. Conforme elucida Perlingieri:
Dessa situação deriva, por um lado, a necessidade de recusar preconceitos jurídicos nos quais pretender armazenar a variedade do fenômeno do déficit psíquico; por outro, a oportunidade que o próprio legislador evite regulamentar a situação do deficiente de maneira abstrata e, portanto, rígida, propondo-se estabelecer taxativamente o que lhe é proibido e o que lhe é permitido fazer. (PERLINGIERI, 2007, p. 163).
Ao dissertar sobre a justificação constitucional dos institutos de proteção, o
mencionado autor alerta sobre a possibilidade que uma série estereotipada de limitações,
proibições e exclusões – que não traduzam o verdadeiro grau de comprometimento do
discernimento do interditado –, tem de representar um engessamento desproporcionado à
realização de seu pleno desenvolvimento (PERLINGIERI, 2007). A maneira viável de não
incorrer em tal erro seria avaliar, no caso concreto, a extensão das limitações de cada
pessoa sujeita à constrição de seus direitos civis. Para Perlingieri:
É preciso [...] privilegiar sempre que for possível as escolhas de vida que o deficiente psíquico é capaz, concretamente, de exprimir, ou em relação às quais manifesta notável propensão. A disciplina da interdição não pode ser traduzida em uma incapacidade legal absoluta, em uma ‘morte civil’. Quando concretas, possíveis, mesmo se residuais, faculdades intelectivas e afetivas podem ser realizadas de maneira a contribuir para o desenvolvimento da personalidade [...]. (PERLINGIERI, 2007, p. 164).
Diante das deficiências apresentadas pela teoria das incapacidades no contexto do
Direito Civil atual, por que não pensarmos na capacidade de cada um projetar sua
subjetividade nos comportamentos que traduzem as necessidades do mundo da vida? Não
seria, talvez, essa a forma de manusear o referido instituto como meio de promoção da
dignidade daquele que é por ele atingido?
Não se está, com o presente artigo, a defender a abolição das categorias legais de
definição de incapacidade. O que se intenciona é indagar se esses rótulos traduzem as
particularidades que permeiam cada quadro de transtorno/doença mental que, tão logo
subsumido a uma dentre as classificações, perde sua identidade e passa a representar uma
generalidade.
Há, sim, casos em que o absolutamente incapaz se encontra totalmente
impossibilitado de manifestar sua volição. Mas, será que a totalidade dos indivíduos que
foram assim taxados é, realmente, inapta para todo e qualquer tipo de ato? Por que não se
pensar em limitação à sentença de curatela, inclusive, para alguns casos de incapacidade
absoluta, no que tange à decisão de algumas situações existenciais?
Todas essas possibilidades só poderão ser acolhidas ou refutadas de maneira
refletida, se o regime das incapacidades for pensado por um direito civil que ambicione
ser na prática meio de efetivação do sentido normativo do princípio da dignidade da
pessoa humana.
3. POR UMA RELEITURA NECESSÁRIA
Ao se falar em “loucura” o imaginário humano é tomado por um misto de temor
e curiosidade. O medo, talvez, resida, exatamente, na impossibilidade, por vezes, existente
de se delinear a fronteira ente a sanidade e a insanidade. A segurança das pessoas se
estrutura no olhar alheio. Finca-se em terreno movediço: no juízo do que se afigura um
pretenso norte de “normalidade” e no que seria tarjado como “diferente”, causador do
apontar dos dedos e do rótulo de “louco”. De repente, a certeza de si passou a velejar fora
dos limites conhecidos; varia conforme o sabor do vento da construção alheia para ser o
seu padrão comportamental.
Em História da Loucura, ao traçar o caminho da materialização da loucura como
preocupação concreta no receio do ser humano, Foucault (2005) inicia demonstrando que,
na Idade Média, coube à lepra o fator de segregação da humanidade, tanto na Europa
quanto no Oriente. Durante o supracitado período, os leprosos eram recolhidos em
leprosários que se espalhavam muito rapidamente. O internamento, naquela época, não
visava a tratar os doentes, mas a expurgá-los dos centros urbanos, encarcerando-os entre
muros que os mantivessem longe das retinas das pessoas sãs. Após a erradicação da lepra,
coube às doenças venéreas o papel legitimador da exclusão. Contudo, para Foucault, foi a
própria loucura quem sucedeu à lepra, vindo a figurar como verdadeiro pavor às mentes
medievas:
A lepra foi substituída inicialmente pelas doenças venéreas. De repente, ao final do século XV, elas sucedem a lepra como por direito de herança. Esses doentes são recebidos em diversos hospitais de leprosos [...] Eles logo se tornam tão numerosos que é necessário pensar na construção de outros edifícios ‘em certos lugares espaçosos de nossa cidade e arredores, sem vizinhança’. Nasceu uma nova lepra, que toma o lugar da primeira. Aliás, não sem dificuldades, ou mesmo conflitos. Pois os próprios leprosos sentem medo. [...] E, no entanto, não são as doenças venéreas que segurarão, no mundo clássico, o papel que cabia à lepra no interior da cultura medieval. Apesar dessas primeiras medidas de exclusão, elas logo assumem seu lugar entre as outras doenças. [...] De fato, a verdadeira herança da lepra não é aí que deve ser buscada, mas sim num fenômeno bastante complexo, do qual a medicina demorará para se apropriar. Esse fenômeno é a loucura. (FOUCAULT, 2005, p. 7-8).
Os relatos de Foucault demonstram uma visão social da loucura, evidenciando a
forma com esta atormenta o imaginário humano e o estigma que atinge aquele que não
reflete o exato desenho de uma normalidade vigente. Ocorre que, se, em tempos pretéritos,
a medicina demorou a se apropriar do tema, retirando-o de loci dominados ora pela
metafísica, ora pela criatividade irrefletida, hoje, o tratamento dispensado já não é mais o
mesmo. A evolução da Psicologia, da psicofarmacologia e da Psiquiatria possibilitou uma
abordagem particularizada da real limitação de cada pessoa a fim de ampliar seu rol de
possibilidades e de estender as fronteiras de seu “viver”. Se, outrora, a “política de
segurança” junto a um indivíduo com limitações era segregá-lo de toda e qualquer
atividade, nas conjugações do presente, o objetivo é o contrário. Busca-se privilegiar não
somente a atual capacidade, como, também, as potencialidades de um deficiente, de
maneira a inseri-lo numa visão de coletividade e, assim, torná-lo, na prática, o que, na
teoria, ele é: membro de uma esfera social.
Essa idéia de inclusão que surge para soçobrar as ruínas de uma prática
segregacionista permeia – como não poderia deixar de ser! – o Direito e cobra a realização
de uma releitura do regime das incapacidades e do instituto da curatela que se apresente
mais coerente não, apenas, junto à aspiração de se incluir o deficiente na sociedade, mas, à
principiologia constitucional estruturante do atual ordenamento jurídico que possibilitou
toda essa evolução de pensamento.
Não há como continuar a aplicar o regime das incapacidades partindo, única e
exclusivamente, de categorias abstratas formuladas ex ante por um legislador que, se não
beira a onisciência, finge assim o fazer quando cria blocos de incapacidade amplos que
abarcam as mais variadas “anormalidades” psíquicas. O Direito, na busca da idílica
segurança jurídica, regozija-se em trabalhar com essas “rotulações multifuncionais” de
gradação de discernimento, pois assim, na impossibilidade de se individualizar a extensão
da real limitação do deficiente, diante da elasticidade das subdivisões que a lei traz, em
alguma delas, há de jazer o “alienado”. Nesse pensamento, criam-se camisas-de-força que
são distribuídas sob o manto da legalidade em proteção ao interditado.
Não se pode esquecer que há uma série de situações existenciais que compõem o
universo de um indivíduo. A interdição, tal como ainda é trabalhada, desconsidera todo o
cenário de decisões que, dependendo do caso, o deficiente mental pode ser capaz de trazer
para si. Sob o escopo de proteger seu próprio patrimônio e, também, de não deixá-lo atuar
sobre o alheio, proporciona-se a mais ampla morte civil ao interditado. O questionamento
que tem deixado de ser objeto de reflexão, ao longo do tempo, afigura-se em perquirir a
importância de uma aptidão para ser titular de direitos e deveres diante de um
ordenamento que deixa de reafirmar o próprio objetivo da atribuição de personalidade.
“De nada adianta possuir a aptidão para estar sujeito a direitos e deveres, se não é
possível, ao menos, poder titularizá-los de fato e exercer pessoalmente uma certa parcela
deles” (RODRIGUES, 2007, p. 64).
Dessa forma, o presente artigo traz como proposta a ventilação de reflexões que
não mais poderiam continuar agrilhoadas em face de uma procedimentalidade que segue,
por inércia, atuando na restrição de direitos sem se perguntar, sequer, qual a extensão de
tal constrição e o real motivo que a justifica.
Hoje, qualquer definição de incapacidade, que se esboce fora da argumentação,
sem considerar a deficiência que se reflete naquele caso concreto e quais obstáculos ela
traz consigo, padece de constitucionalidade.
Sob pena de nossos manuais de Direito continuarem a traduzir, na atualidade,
verdadeiras doutrinas romanistas, torna-se mais que urgente refletir sobre tantas
interrogações acerca de um tema que parece ter caído na habitualidade da repetição de um
exercício exegético de etiquetagem de pessoas. O levantamento de tantas questões e das
dúvidas que elas fomentam se não nos possibilita as respostas, certamente, aproxima-nos
de um horizonte mais receptivo às mudanças. É esse o objetivo que faz qualquer atividade
intelectiva valer à pena.
4. CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que, somente, por intermédio de uma hermenêutica
que transcenda o arcaico exercício de subsunção, é possível – a partir de uma prática
discursiva, levando-se em conta os elementos dados pelo caso concreto – proceder a uma
aplicação adequada do instituto da incapacidade.
Sem a verificação da real extensão da (in)capacidade de um indivíduo, torna-se
impossível aproveitar suas potencialidades e, assim, propiciar sua atuação, da maneira
mais ampla possível, junto a situações existenciais que lhe atinem.
Para tanto, ao invés de se focar na limitação, deveriam a doutrina e a
procedimentalidade jurídicas buscar a avaliação da potencialidade e a melhor forma de
promover seu desdobramento nas situações fáticas do incapaz.
Dessarte, poderia o referido instituto desvencilhar-se do caráter meramente
patrimonial que lhe conspurcou a origem desde o Direito Romano, para atuar de modo que
realmente vise à promoção da dignidade daquele que não goza de sua liberdade plena para
exercer os próprios direitos.
REFERÊNCIAS
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução: 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil: comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1921.
CHAMON JÚNIOR, Lúcio Antônio. Estudo Prévio – Dignidade e diferença: há futuro para os direitos da personalidade? In: FIUZA, Cesar; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direito civil atualidades IV: Teoria e Prática no Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 1-45.
CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria geral do direito moderno: por uma reconstrução crítico-discursiva na Alta Modernidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: teoria Geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 14. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura: na Idade clássica. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
LANDEIRA-FERNANDEZ, J; CHENIAUX, Elie. Cinema e Loucura: conhecendo os transtornos mentais através dos filmes. Porto Alegre: Artmed, 2010.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 20. ed. v.1. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: parte geral. 2. ed. vol. I. Campinas: Bookseller, 2000.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: parte geral. 2. ed. vol. IV. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954.
RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite. Contornos contemporâneos do direito civil. 2004. 188f. Dissertação (Mestrado em Direito Privado) – Faculdade Mineira de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.
RODRIGUES, Renata de Lima. Incapacidade, curatela e autonomia privada: estudos no marco do Estado democrático de direito. 2007. 201f. Dissertação (Mestrado em Direito Privado) – Faculdade Mineira de Direito, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.
SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Manual de Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
SÁ, Maria de Fátima Freire de; PONTES, Maíla Mello Campolina. Da Ficção para a Realidade: em Busca da Capacidade dos Incapazes. In: LIMA, Taisa Maria Macena de; SÁ, Maria de Fátima Freire de; MOUREIRA, Diogo Luna. Direitos e fundamentos entre vida e arte. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
STANCIOLI, Brunello. Renúncia ao exercício de direitos da personalidade: ou como alguém se torna o que quiser. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Deficiência psíquica e curatela: reflexões sob o viés da autonomia privada. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre, v.10, n.7, p.64-79, dez. 2008/jan.2009.
O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO E DA FUNDAMENTAÇÃO NA
TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA DA FILOSOFIA DO DIREITO O SÉCULO XX
Caroline Amorim Costa133
Cláudio Victor Carneiro de Mendonça134*
Orlando Casagrande Neto135*
RESUMO
Breve análise da transição entre positivismo e pós-positivismo jurídico, após a
discussão paradigmática gerada pelos tribunal de Nüremberg, perpassando pelos
problemas da interpretação e da fundamentação do Direito, além da reflexão sobre
questões paralelas na Filosofia do Direito, como o problema da indução e o paradoxo da
confirmação, e a questão do princípio do contraditório relacionada com os futuros
contingentes.
Palavras-chave: Tribunal de Nüremberg; positivismo jurídico; pós-positivismo
jurídico; interpretação; fundamentação; problema da indução; paradoxo da confirmação;
futuro contingente.
THE PROBLEM OF INTERPRETATION AND THE FUNDAMENTATION IN
THE PARADIGMATICAL TRANSITION OF THE PHIPHILOSOPHY OF LAW
INTO THE 20TH CENTURY
ABSTRATIC
Brief analysis of the transition between legal positivism and postpositivism, after
the paradigmatical discussion bring forthed on Nüremberg Trials, run throughing by the
problems of the interpretation and the fundamentation of the Law, beyond the reflection
about parallel questions in the Philosophy of Law, like the problem of induction and the
raven paradox, and the question about principle of contradiction associated with the future
contingents.
133 Professora da Pontifícia Universidade CAtólica de Minas Gerais, PUC Minas e da Universidade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, UNIPAC TO, Mestranda em Direito Privado pela PUC Minas – [email protected] [email protected] [email protected]
*Estudantes do 5° período da graduação do curso de Direito da PUC-MG, campus Praça da Liberdade, Belo Horizonte.
Keywords: Nüremberg Trials, legal positivism, postpositivism, interpretation,
fundamentation, problem of induction, raven paradox, future contingents.
1. INTRODUÇÃO
A partir da discussão paradigmática gerada no tribunal de Nüremberg, com o
julgamento e a condenação de integrantes da estrutura estatal nazista em razão de atos
praticados em observância à norma jurídica durante o Terceiro Reich, posteriormente
interpretados como crimes pela comunidade internacional, evidenciou-se a necessidade de
trabalhar a interpretação e a legitimação do direito de forma mais ampla que a exposta
pelo positivismo jurídico. Este, em sua práxis, buscava uma matematização do direito
através da lógica formal, em nome de uma pretensa segurança jurídica, através de uma
aplicação das normas que fosse automática, ou seja, independente da participação da
vontade do julgador no momento da decisão.
Assim, teorias da argumentação jurídica foram formuladas por juristas, como
Viehweg, Perelman, Toulmin, MacCormick e Alexy (Atienza, 2006, p 211), com o intuito
de trabalhar a ampliação da interpretação jurídica e legitimação do direito, trazendo para a
esfera deontológica os princípios de direito, assim como um estudo sobre o raciocínio
argumentativo-jurídico e inserindo como ferramenta para o raciocínio do direito outros
instrumentos, como a tópica, a nova retórica, a lógica informal etc.
O objetivo deste artigo é discorrer brevemente sobre a problemática evidenciada na
filosofia do direito, diante das questões referentes à legitimação e às interpretações mais
amplas, das quais se absteve o positivismo jurídico, e que se tornaram fundamentais no
contexto pós-positivista, na busca pelas razões do direito.
2. LIMITES DA FUNDAMENTAÇÃO NO POSITIVISMO JURÍDICO
Para elucidação dos problemas da legitimação e das interpretações mais amplas,
necessária se faz a exposição de alguns pontos centrais do que pode ser chamado, de um
modo geral, de positivismo jurídico.
No contexto positivista, a fundamentação das decisões se baseia na lógica formal,
ou seja, no fato das decisões que determinam a aplicação do direito resultarem de um
silogismo no qual há, a partir do fato abstraído, a subsunção deste à norma (método
indutivo). O objetivo seria de fazer desse processo uma operação automática,
independente da vontade do aplicador da norma, ou com o menor grau possível de
discricionariedade, que resultasse em uma decisão juridicamente válida e determinada que
respeitasse o princípio da segurança jurídica.
A possibilidade de interpretações múltiplas, portanto, representa um grande perigo
para o método positivista, que tem necessidade de limitar a interpretação, operando com
conceitos totalmente unívocos que permitissem tal exatidão matemática, e insistindo na
finitude, sem a qual a dogmática jurídica torna-se impraticável. Daí a impossibilidade do
positivismo jurídico permitir uma maior amplitude interpretativa, já que busca restringir
ao máximo as hipóteses de interpretação do texto normativo.
Quanto ao problema da legitimação, está relacionado ao fato da decisão advir de
um cálculo que tem por base a lógica formal. Para que tal “jogo algorítimo” funcione, os
elementos do cálculo, no caso os relacionados à premissa normativa do silogismo jurídico,
precisam ser previamente determinados de maneira unívoca e racional, para que a decisão
dele advinda possa realmente ser confiável, o que é impossível. (Viehweg, 1991, p 60).
Una análisis del contexto de legitimácion que vuelva a los orígenes termina por poner al descubierto uma ignorancia humana que, finalmente, tiene que ser llenada con uma convicción, es decir, em última instancia, con un acto de fe. (Viehweg, 1991, p 62).
Ainda segundo Viehweg, é perceptível que, de acordo com o curso dos
acontecimentos, a necessidade de legitimação varia consideravelmente (1991, p 61).
Tornou-se muito forte depois de 1945, no período pós-guerra, quando houve um declínio
na aceitação das teorias positivistas e o surgimento das teorias argumentativas que,
justamente, preocupavam-se com a questão da legitimação do direito. Na década de 1960,
por outro lado, tal necessidade já havia se abrandado consideravelmente, o que se
evidencia pelo retorno da utilização do positivismo jurídico pelos regimes ditatoriais,
principalmente na América Latina.
3. O PROBLEMA DA INDUÇÃO E O PARADOXO DA CONFIRMAÇÃO
A possibilidade do paradoxo da confirmação existe devido à Lógica Indutiva,
fundamentada na generalização, onde há a inferência de enunciados universais a partir de
enunciados particulares, como no exemplo em que inferimos, ao ver um corvo preto, que
todos os corvos são pretos.
No positivismo jurídico, existe um problema relacionado à subsunção, já que esta
ocorre através do método indutivo, onde a partir da abstração do fato, há a subsunção
deste à norma, ou seja, partindo de um enunciado particular, alcança-se um enunciado
universal.
Em sua obra A lógica da pesquisa científica, Karl Popper trabalha com o problema
da indução, e define o método indutivo da seguinte forma:
É comum dizer-se “indutiva” uma inferência, caso ela conduza de enunciados singulares (por vezes chamados também de enunciados “particulares”), tais como descrições dos resultados de observações ou experimentos, para enunciados universais, tais como hipóteses ou teorias. (Popper, 2007, p 27)
Do ponto de vista lógico, segundo o próprio Popper, é óbvio que uma conclusão
advinda do método indutivo sempre pode revelar-se falsa: “independentemente de quantos
casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os
cisnes são brancos” (2007, p 28). A conclusão será, portanto, falaciosa (ou seja, duvidosa).
O paradoxo da confirmação apresenta ainda outro desdobramento. Admitindo que
Todos os corvos são pretos, sempre que encontrarmos algo que não seja preto e que não
seja corvo (como o fusca amarelo), estaremos confirmando que Todos os corvos são
pretos, devido à generalização Todas as coisas não-pretas são não-corvos, que é
logicamente equivalente à primeira.
Estamos, portanto, diante do problema da verdade ou da validade das conclusões
geradas através da lógica indutiva, devido ao paradoxo da confirmação. Em outro
contexto, Popper traz uma citação de Hume que traduz bem essa complicação.
Argumenta Hume, com efeito, “mesmo após observar frequentemente a constante conjunção de objetos, não temos razão para tirar qualquer inferência concernente a qualquer outro objeto que não aqueles de que tivemos experiência.” (Popper, 2007, p 420-421).
Como solução do impasse gerado pelo problema da indução, Popper propõe a
substituição do “indutivismo” pelo método dedutivo de prova, ou “dedutivismo”, no qual
“uma hipótese só admite prova empírica – e tão-somente após ter sido formulada.” (pág.
30) Daí a substituição do critério de demarcação, que na Lógica Indutiva era a
verificabilidade dos enunciados, pela falseabilidade, no método dedutivo de prova. “Deve
ser possível refutar, pela experiência, um sistema científico empírico” (Popper, 2007, p
42) Um enunciado impossível de ser refutado será metafísico, dogmático, e nunca um
enunciado científico ou empírico.
A subsunção no pós-positivismo jurídico soluciona o problema da indução
demonstrado por Popper, por se basear no método dedutivo, ou seja, por trazer a norma
até o fato, conduzindo, portanto, de enunciados universais (premissa normativa) para
enunciados particulares (premissa fática). Persiste, porém, no pós-positivismo, o problema
da interpretação e legitimação do direito, devido ao número muito amplo de interpretações
que possibilita. Para que tal problema seja resolvido, faz-se necessária a adoção de novos
critérios de racionalidade que orientem o decidir e permitam uma delimitação das
hipóteses de resolução dos casos.
4. FUTURO CONTINGENTE E CONTRADITÓRIO
A possibilidade de duas proposições universais, dentro do quadrado lógico – na
lógica formal aristotélica – serem simultaneamente verdadeiras, considerando que a
verdade no âmbito universal tem caráter absoluto, só acontece se tais proposições se
referirem ao futuro, ou seja, a acontecimentos futuros, pois a partir do momento que o fato
que elas enunciarem tornar-se presente, apenas uma delas poderá ser verdadeira. O mesmo
ocorre em relação à uma proposição universal e seu contraditório, que só podem ser
verdadeiros ao mesmo tempo na hipótese de indicarem fatos futuros. Tal questão já havia
sido constatada por Aristóteles, e recebe o nome de futuro contingente (em oposição ao
que poderia ser chamado de futuro necessário). Exemplifica Aristóteles em sua obra De
interpretatione:
“Necessariamente haverá amanhã uma batalha naval ou não haverá, mas não é necessário que haja amanhã uma batalha naval e tampouco é necessário que não haja amanhã uma batalha naval. Mas que haja ou que não haja amanhã uma batalha naval, isto é necessário”(Mora, 2001, p 1166)
São os futuros contingentes que fundamentam o princípio do contraditório dentro
da lógica jurídica. Só é possível admitir a verdade de uma proposição universal afirmativa,
ou seja, da norma jurídica geral e abstrata, e de seu contraditório, uma proposição
particular negativa, que representa a defesa e se baseia no caso concreto, ao mesmo tempo
se considerarmos que ambas se referem ao futuro e, portanto, tem caráter contingencial.
No contexto de uma dogmática jurídica baseada no imperativo categórico de Kant,
que por isso mesmo não distingue moral e direito, não é possível fundamentar o princípio
do contraditório, já que este tem como base os futuros contingentes. Contudo, no
positivismo jurídico de Hans Kelsen tal possibilidade já existe, pois este se fundamenta no
imperativo hipotético, ainda que com bases epistemológicas não-empíricas (daí, também,
a pureza de sua teoria do direito). Mantém-se essa lógica no pós-positivismo jurídico,
contudo as teorias pós-positivistas, por sua vez, tem um caráter epistemológico empírico,
ao contrário do positivismo jurídico, levando em consideração, portanto, a experiência, o
exemplo etc.
5. O PROBLEMA DA LEGITIMAÇÃO E DA INTERPRETAÇÃO NO PÓS-
POSITIVISMO
As teorias argumentativas, partindo da insuficiência da lógica formal dedutiva na
justificação dos argumentos e decisões no âmbito jurídico, buscam razões do direito, ou
seja, uma legitimação que não se resuma a uma validade dedutiva, na qual a conclusão é
verdadeira se as premissas forem verdadeiras (Atienza, 2006, p. 22,23). Em tal contexto,
partindo de uma mera justificação interna (em que se tem a validade de uma inferência a
partir de premissas dadas), busca-se alcançar uma justificação externa, onde a
fundamentação das próprias premissas é colocada à prova (Atienza, 2006, p. 40) − e é a
partir deste ponto que as teorias da argumentação jurídica desenvolvem-se.
O problema da validade dedutiva é que ela permite somente uma correção formal
dos argumentos, não alcançando uma correção material, ou seja, ainda que consiga excluir
os argumentos manifestamente inválidos, impossibilita a distinção entre os argumentos
que parecem válidos (falácias) dos argumentos realmente válidos (Atienza, 2006, p.23-
29). Há ainda a questão dos argumentos não-dedutivos, onde a passagem das premissas à
conclusão é apenas possível ou plausível, escapando portanto da esfera da lógica formal
dedutiva, na qual não haveria como validá-los (Atienza, 2006, p.31-34).
As teorias argumentativas tentam escapar de tal determinismo metodológico, no
qual a decisão jurídica é a simples aplicação de normas gerais, isto é, um silogismo (ou
onde a decisão advém da tradição ou autoridade), permitindo portanto um círculo mais
amplo de hipóteses de interpretação, mas sem cair em um decisionismo metodológico, no
qual a decisão não passa de um ato de vontade. Para isso, se faz necessária a justificação,
o que significa que as decisões precisam ser justificadas (justificação externa) (Atienza,
2006, p.20-23).
No contexto pós-positivista, além do caráter epistemológico da aplicação do
direito, que já existia no positivismo jurídico, há ainda o caráter empírico, que não pode
ser negligenciado no momento de aplicação da norma. A subsunção ocorre, portanto,
trazendo a norma até o fato, considerando portanto todo o contexto fático, e não
descaracterizando e abstraindo o fato para inserí-lo na norma.
O problema da interpretação se apresenta, no pós-positivismo, de maneira inversa.
Devido ao caráter muito amplo atribuído à interpretação do texto normativo,
principalmente com a normatização dos princípios, surge a necessidade de delimitação, a
partir de um método fundamentado racionalmente, das hipóteses que de fato possibilitam
uma decisão legítima e justa. Portanto, o problema da interpretação encontra-se
diretamente relacionado com o problema da legitimação, enquanto a questão da
legitimação está ligada à aplicação justa, democrática e não violenta do direito.
6. CONCLUSÃO
Vê-se, portanto, que apesar da mudança no contexto da epistemologia jurídica
atual, os mesmos problemas não foram resolvidos. A legitimação e a interpretação, antes
pouco trabalhadas no positivismo jurídico, agora, apesar de maior empenho na questão,
pecam por não utilizarem de critérios racionais de demarcação conceitual que impeçam
uma prática de direito que permita um autoritarismo jurídico, que se traduz numa
violência àqueles que provam experimentalmente sua subjugação pela autoridade, esta,
porém, velada por uma falsa pretensão de situação no contexto de justificação.
O ensino no Curso de Direito ainda é formalista, legalista e essencialmente
fundado em uma lógica binária que separa o lícito do ilícito (o certo do errado) e que, em
razão disso, impõe o sobrestamento de uma conjunção como (quomodo) ou porque ao
substantivo porquê (causa, razão, motivo), ou seja, na transposição da lógica instrumental
para a lógica jurídica a jurisprudência, a ciência do direito e a educação propriamente dita
são inteligidas como um espaço de subjetividade dissociado do substantivo porquê, do
dever de apresentar razões capazes de encontrar assentimento racional nos demais
membros da comunidade acadêmica.
Assim, cabe ressaltar que este artigo não tem uma pretensão de resolução das
questões apresentadas, mas sim a de levantar as questões a partir da prática da filosofia
jurídica. Esta, como alude Atienza, que não concebe
(…) a filosofia do Direito como uma disciplina fechada em si mesma e elaborada não apenas por, mas também para filósofos do Direito. (...) A filosofia do Direito deve cumprir uma função de intermediação entre os saberes e as práticas jurídicas, por um lado, e o resto das práticas e saberes sociais, por outro. Isso significa também que os destinatários dos textos de filosofia do Direito não deveriam ser apenas outros filósofos do Direito, mas também – e até fundamentalmente – os cultivadores de outras disciplinas, jurídicas ou não, assim como os juristas com a atuação prática e os estudantes de Direito. (Atienza, 2006, p.13).
BIBLIOGRAFIA
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3ªed. São
Paulo: Landy, 2006.
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo:
Ícone, 1995.
GALUPPO, Marcelo Campos. Metodologia da Pesquisa. Belo Horizonte: PUC Minas
Virtual, 2007.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiros estudos. 9ª ed. rev. e aum.
São Paulo: Forense, 2010.
MORA, J. Ferrater. Dicionário de filosofia, tomo II. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica: nova retórica. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. 1ª ed. 13ª reimp. São Paulo, Cultrix, 2007.
VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Brasília: Imprensa Nacional, 1979.
REFLEXÃO SOBRE A CULPABILIDADE SEGUNDO A DOGMÁTICA ATUAL: A IMPOSSIBILIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS DELINQUIREM
REFLECTION ABOUT THE CULPABILIDADE SEGUNDO THE DOGMATIC CURRENT: THE IMPOSSIBILITY OF THE LEGAL ENTITIES OFFEND
Isac Melquíades 136
Luciana Ferreira de Oliveira 137
ResumoA prática de um crime, segundo a teoria majoritária adotada no Brasil, pelo aspecto analítico, pressupõe a incidência de três elementos, quais sejam: um fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável. Sem quaisquer desses elementos não existe crime, conforme a teoria analítica do crime tripartidada, que é a majoritária. O fato típico é composto de uma conduta (ação ou omissão), um resultado, um nexo de causalidade e pela tipicidade, essa última por sua fez consiste em tipicidade formal (previsão legal da conduta) e tipicidade conglobante (tipicidade material e antinormatividade). A ilicitude versa sobre previsão legal, de modo que, o que esta previsto não deve ser praticada. Por fim, a culpabilidade, tem como pressuposto a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude do fato e a exigibilidade de conduta diversa. As pessoas jurídicas por serem entes fictícios, conforme a teoria da ficção, não podem incidir em um delito, pois a mesma não é hábil a praticar uma conduta, uma vez que para a prática dessa se faz necessária a manifestação de vontade e um ente fictício não possui vontade. De outro aspecto, a pessoa jurídica também não pode ser considerada culpada, vez que não possui imputabilidade e potencial consciência da ilicitude. Porém, uma conjectura denominada teoria da realidade, reconhece que a pessoa jurídica possui vontade, e essa se perfaz pela soma das vontades dos sócios, aduzindo que a pessoa jurídica pode praticar delito, porém a culpabilidade deve ser amoldada a modalidade desse ente fictício, de modo que seria analisada apenas a exigibilidade de conduta diversa. Numa tentativa de conciliar as duas posições antagônicas surge um terceiro posicionamento que nascera na Alemanha e que, trata-se da imposição de sanções quase penais às empresas, o juiz ao presenciar o caso concreto, aplica medidas quase penais. Este posicionamento não desconsidera a incapacidade da pessoa jurídica praticar conduta e a falta de culpabilidade, mas a aplicação destas sanções é uma forma de combater a criminalidade moderna cometida por meio de uma pessoa coletiva. É inegável a hegemonia dos argumentos da teoria da ficção todavia, a Constituição Federal de 1988 consagrou expressamente a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes praticados contra o meio ambiente, a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. A Lei 9605/98, regulamentou, a responsabilidade penal da pessoa jurídica e cominou lhe penas nos crimes praticados contra o meio ambiente. Ao que se nota diante das teorias penais tradicionais, não é admissível responsabilização de pessoas jurídicas, mas como já é sabido o sistema jurídico é dinâmico, mutável por excelência, de modo que nos tempos atuais, corporações fictícias são criadas e a cada esporadicamente cometem delitos, quando não criadas especificamente para este fim, resta emergir uma teoria que se amolde a conduta delituosa praticada pela pessoa jurídica ao invés de tentar-se amoldar tais condutas as teoria existentes, pois não há como se refugiar na teoria tradicional. A evolução da ciência penal deve-se adaptar aos novos conceitos, afastando-se aqueles criados no século passado. A solução mais plausível seria a criação de uma teoria do crime exclusivamente para a pessoa jurídica, dada a impossibilidade da aplicação das teorias existentes, tendo em vista que esta foi elaborada tão somente baseada em comportamentos humanos. Neste diapasão, pode ser objeto de um futuro trabalho a criação de teoria do crime aplicável a conduta delitiva praticada pela pessoa jurídica, obviamente baseada em critérios diversos das teorias existentes.
136 Bacharelando do 8º período do Curso de Direito da FUNPAC – Fundação Universidade Presidente Antônio Carlos – Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni/MG. 137 Bacharelanda do 8º período do Curso de Direito da FUNPAC – Fundação Universidade Presidente Antônio Carlos - Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni/MG.
Palavras Chaves: culpa; crime; pessoa jurídica; responsabilidade penal. AbstractThe practice of a crime, according to the majority theory adopted in Brazil, for the analytic aspect, he/she presupposes the incidence of three elements, which you/they are: a fact typical, illicit and guilty. Without any of those elements crime doesn't exist, according to the analytic theory of the crime three parts that is the majority. The typical fact is composed of a conduct (action or omission), a result, a cause connection and for the typical fact that last one for yours did it consists of formal typical fact (legal forecast of the conduct) and accumulated typical fact (material typical fact and conduct against the norm). the illicitness turns about legal forecast, so that, which this foreseen it should not be practiced. Finally, the blame, has as presupposition to impute to potential conscience of the illicitness of the fact and the demand of several conduct. The legal entities for they be fictitious beings, according to the theory of the fiction, they cannot happen in a crime, because the same is not skilled to practice a conduct, once for the practice of that it is done necessary the manifestation of will and a fictitious being doesn't possess will. Of another aspect, the legal entity cannot also be considered criminal, time that doesn't possess imputable and potential conscience of the illicitness. However, one conjectures denominated theory of the reality, it recognizes that the legal entity possesses will, and that you/he/she is happened by the sum of the partners' wills, adducing that the legal entity can practice crime, however the blame should be shaped that fictitious being's modality, so that it would just be analyzed the demand of several conduct. In an attempt of reconciling the two antagonistic positions a third positioning that had been born in Germany appears and that, it is treated from the imposition of almost penal sanctions to the companies, the judge when witnessing the concrete case, applies almost penal measures. This positioning doesn't disrespect the incapacity of the legal entity to practice conduct and the guilt lack, but the application of these sanctions is a form of combatting the modern criminality made through a collective person. It is undeniable the hegemony of the arguments of the theory of the fiction though, the Federal Constitution of 1988 consecrated the penal responsibility of the legal entities expressly in the crimes practiced against the environment, the economical and financial order and against the popular economy. The Law 9605/98, regulated, the penal responsibility of the legal entity and it comminated him/her featherses in the crimes practiced against the environment. To the that it is noticed before the traditional penal theories, it is not acceptable responsibility of legal entities, but as the juridical system is already known it is par excellence dynamic, changeable, so that in the current times, fictitious corporations are created and to every time and another makes crimes, when not specifically created for this end, it remains a theory that gets used to the criminal conduct to emerge practiced by the legal entity instead of trying to shape such conducts them existent theory, because there is not as he/she takes refuge in the traditional theory. The evolution of the penal science should adapt to the new concepts, standing back those servants last century. The most plausible solution would be exclusively the creation of a theory of the crime for the legal entity, given the impossibility of the application of the existent theories, tends in view that this was elaborated so only based on human behaviors. In this pitch, it can be object of a future work the creation of theory of the applicable crime the criminal conduct practiced by the legal entity, obviously based on several criteria of the existent theories.Key words: Key words: blame; crime; legal entity; penal responsibility.
1 Introdução
Da união de dois ou mais indivíduos, no intuito de satisfazer as suas finalidades, emerge uma terceira pessoa, uma nova categoria de sujeito de direitos e deveres, não por possuir uma qualidade inerente à pessoa, mas por reconhecimento do ordenamento jurídico vigente. A denominação dada a este terceiro ente é de pessoa jurídica.
No intuito de buscar os seus objetivos, a sociedade, representada pela pessoa jurídica, acaba por muitas vezes extrapolando os limites da legalidade, vindo a cometer
injustos contra um particular ou contra toda a coletividade. Faz-se necessário punir estes entes para que eles deixem de maltratar os direitos pertencentes a outrem ou até mesmo fiquem inibidos de praticarem ato lesivo a direitos alheios.
O Código Penal tem o escopo de punir os indivíduos que praticam crime, todavia a pessoa jurídica não parece objeto do Direito Penal, pois não se pode afirmar com toda certeza que a pessoa jurídica comete crime, entretanto é sabido que Constituição Federal expressamente previu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, porém não se sabe em que consiste esta responsabilidade, sendo a análise destes questionamentos os objetivos do presente trabalho.
A presente pesquisa trabalhará, de início, analisando a possível hipótese de a pessoa jurídica ser sujeito ativo do crime.
As divergências doutrinárias elencadas sobre a possibilidade de a pessoa jurídica delinquir, bem como a nova consagração Constitucional a respeito da responsabilização penal das mesmas, é que justificam a presente pesquisa.
Este trabalho se destina a todos aqueles que querem aplicar seus conhecimentos no âmbito jurídico, pois o mesmo é dotado de cientificidade, uma vez que teve como fonte de pesquisa material bibliográfico disponível a respeito do tema, sendo que os dados expostos são meramente exploratórios e as induções exposta são fieis aos textos.
2 A culpabilidade segundo a dogmática atual
Culpabilidade, pela perspectiva do conceito analítico de crime tripartidada, é o terceiro elemento do crime e se baseia em um “juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.” 138 A culpabilidade tem como origem o vocábulo culpa, neste sentido, o significado é negativo, pois “quando se diz que alguém é culpado de alguma coisa isso significa que algo foi feito de modo reprovável (é algo valorativamente negativo). Coligando-se com a idéia de culpa a de reprovação, de censura.”139, discorre Fernando Capez:
Quando se diz que “Fulano” foi o grande culpado pelo fracasso de sua equipe ou de sua empresa, está atribuindo-se-lhe um conceito negativo de reprovação. A culpabilidade é exatamente isso, ou seja, a possibilidade de se considerar alguém culpado pela prática de uma infração e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito (CAPEZ, 2009, p.302). (grifo)
Conclui Luíz Flávio Gomes que culpabilidade, atualmente, “é um juízo de reprovação que recai sobre o agente do fato delituoso que podia se motivar de acordo com a norma e agir de modo diverso, conforme o Direito” (GOMES, 2007, p.543).
Segundo o professor Adirson Antônio Glorio Ramos, em artigo publicado pela revista jurídica do Ministério Público de Minas Gerais, cujo tema versava sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e a capacidade destes delinquirem, baseia-se o direito penal, na culpabilidade que, por sua vez, é centralizada “na imputabilidade, na consciência da ilicitude do fato e inexigibilidade de conduta diversa”140. Cabe ressaltar que estes são os elementos empregados tradicionalmente na culpabilidade, com uma singela
138 GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal – 9.ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 381. 139 GOMES, Luíz Flávio, MOLINA, Antônio García – Pablos, Direito Penal: parte geral, vol. 2. Tir. São Paulo: Revista dos Tribuinais, 2007, p. 543.140 RAMOS, Adirson Antônio, De Jure Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica – A Pessoa Jurídica Pode Delinquir? 13. ed. Disponível em: < http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/10179> Acesso em: 13 de abril de 2009, p. 178.
observação ao último, pois este deve ser analisado inversamente ao proposto pelo professor, uma vez que a inexigibilidade de conduta diversa excluiria a culpabilidade do agente. Neste compasso o que se tem como elemento integrante da culpabilidade será a exigibilidade de conduta diversa.
Por sua vez, reforça-se o entendimento dos elementos da culpabilidade com as palavras do exímio doutrinador Guilherme Souza Nucci (2009). Neste diapasão, culpabilidade “trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo direito” (NUCCI, 2009, p.227).
2.1 Imputabilidade
O conceito de culpabilidade é descrito com muita propriedade pelo egrégio doutrinador Guilherme Souza Nucci (2009), como sendo um “conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível”141. A imputabilidade, constitui um dos elementos necessários à composição da culpabilidade.
O indivíduo que tem a capacidade de querer e determinar-se de acordo com sua conduta, também tem capacidade de receber pena, caso esta conduta seja ilícita e típica. É neste compasso que se aduz ter tal indivíduo imputabilidade. O conceito de imputabilidade pode ser extraído de forma contrária ao disposto no artigo 26 do Código Penal, sendo neste raciocínio, imputabilidade como a aplicação de pena ao agente, que por não ter uma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto era, ao tempo da ação ou da omissão inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com este entendimento. Para tanto, é necessário que o agente não tenha atingido a maioridade penal, qual seja, 18 anos (art. 27 Código Penal).142 Da ilação feita segundo o ensinamento do mestre Luíz Flávio Gomes (2007), pode-se extrair ainda que trata a lei penal da imputabilidade de forma negativa, vez que descreve as causas de inimputabilidade, sem mencionar seu conceito.
No que tange à faixa etária mínima transcrita no artigo 27 do Código penal, a imputabilidade é tratada por um critério biológico. Já no que concerne às ações criminosas praticadas pelo agente após completos 18 anos, considerando eventuais perturbações psíquicas, que se mostram presentes no momento da conduta, correlacionando sua higidez mental, tem-se a adoção de um critério psicológico. Resta concluir que o Código Penal Brasileiro adota duas teorias distintas na composição da imputabilidade. Logo, a teoria da imputabilidade adota no Brasil é a teoria biopsicológica.
Segundo o eminente Guilherme Souza Nucci (2009), há três critérios para se aferir a imputabilidade e são eles: critério cronológico, que se encontra inserido no critério biológico, biológico e psicológico.
No que se refere ao critério cronológico presente no artigo 27 do Código Penal, não há muitas discussões, pois preferiu o legislador consagrar expressamente que os menores de 18 anos não têm a maturidade exigida para que lhe seja imputável um crime. “Trata-se da adoção, nesse contexto, do critério puramente biológico, isto é, a lei penal criou uma presunção absoluta de que o menor de 18 anos, em face do desenvolvimento
141 NUCCI, Guilherme Souza, Código Penal Comentado, 9º. ed. rev., atual. e ampl. –São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 275. 142 GOMES, op. cit., p. 573.
mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com este entendimento” (NUCCI, 2009, p. 281)
Pelo critério biológico preceitua o artigo 26 do Código Penal que é isento de pena o agente que, ao tempo da conduta (típica e ilícita), possuía uma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, ou ainda, era considerado como sendo retardado mental, pois nestes casos a doença mental afetaria a vontade do agente.
Por fim, o critério psicológico configura-se com a impossibilitadade, por parte do indivíduo, de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com este entendimento. Estando o indivíduo inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato não lhe será imputada a pena, por ausência de culpabilidade.
O Código Penal brasileiro, como se pôde notar, consagrou a análise da imputabilidade segundo os dois critérios (biológico e psicológico), consagrando um critério biopsicológico, tendo como objetivo analisar a higidez mental e psíquica do agente no momento da prática delituosa. A este respeito, destaca Guilherme Souza Nucci:
Logo, não é suficiente que haja algum tipo de enfermidade mental, mas que exista prova de que esse transtorno afetou, realmente, a capacidade de compreensão do ilícito, ou de determinação segundo esse entendimento, à época do fato. (...). Na jurisprudência: STJ: “Em sede de inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), vigora, entre nós, o critério biopsicológico normativo. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (...perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i. e., no momento da ação criminosa (NUCCI, 2009, p.276).
Da mesma forma, se o agente no momento da conduta possuir menos de 18 anos, mesmo que seja um dia antes de completar tal idade, ele será considerado inimputável.
Das palavras supracitadas de Nucci (2009), para a averiguação da higidez mental, a perícia se faz imprescindível. Já a análise da incapacidade psicológica do agente no momento da conduta, ao que parece, fica a mercê da interpretação do magistrado.
Constatada a inimputabilidade pelo critério biológico correlacionado à saúde mental, dada a periculosidade do agente, uma medida de segurança lhe é infligida, se o fato delituoso estiver prevista com pena de reclusão. Já se do mesmo, a pena cominada for de detenção, o agente será submetido a tratamento ambulatorial.143
As doenças psicológicas podem afetar, esporadicamente, parcialmente a mente do agente, e, se assim for, ele será considerado semi-imputável, podendo tanto ser objeto de medida de segurança quanto de pena. Entretanto, se aplicada a pena, a mesma será reduzida de um terço, pois o agente não era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito da conduta.144
Como causa excludente de imputabilidade preceitua o artigo 28 do Código Penal-CP-145, precisamente no inciso II, parágrafo primeiro, que a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, capaz de deixar o agente, no momento da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com tal entendimento, exclui a imputabilidade. Caso a embriaguez, nas mesmas circunstâncias diminua a possibilidade de entender e querer o 143 LOPES, Jair Leonardo, Curso de Direito Penal, Parte Geral, 4º ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 144. 144 NUCCI, op. cit., p.275.145 ANGHER, Anne Joyce (org.), Vade Mecum Acadêmico de Direito, 6ª ed. – São Paulo: Rideel, 2008, p. 366.
caráter ilícito da conduta ou determinar-se de acordo com este entendimento, dispõe o parágrafo segundo que será diminuída a pena de um a dois terços. No mesmo artigo se encontra presente, desta vez no caput cominado como o inciso I, que a emoção ou a paixão não exclui a imputabilidade.
Descreve Guilherme Souza Nucci (2009), as possíveis causas que possam excluir a imputabilidade: doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, CP), embriaguez decorrente de vício - considerada doença mental (art. 26, caput, do CP) e menoridade (art.27, CP).
2.2 Potencial consciência da ilicitude
Em se tratando de potencial conhecimento da ilicitude do fato, o indivíduo que pratica uma conduta tipificada no código penal, sendo que a mesma é ilícita, não é facultado alegar desconhecimento da lei penal, pois a lei é abstrata e ampla, e por isso, aplicável à coletividade. O indivíduo não precisa conhecer a lei tal como ela é, pois nem mesmo os operadores do Direito conhecem detalhadamente os preceitos legais sem uma consulta ao código, mas o agente deverá conhecer potencialmente que sua conduta é ilícita, pois “o conhecimento da ilicitude, que se exige não é técnico-jurídico, mas um conhecimento leigo, que não supõe saber qual a figura típica e a pena prevista para a conduta nela proibida.”146 O que importa realmente é saber se o sujeito, ao praticar o crime, tinha a possibilidade de entender que o que esta a fazer é desonesto e injusto, de acordo com a sociedade que o rodeia, tendo como base as tradições, costumes, formação cultural, entre outros tantos atributos. 147
A consciência da ilicitude excluirá a culpabilidade se o sujeito desconhecer a atitude injusta do fato, não tendo qualquer maneira de conhecê-la.
Segundo Guilherme Souza Nucci (2009), o erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato exclui o potencial conhecimento da ilicitude se for inevitável.
2.3 Exigibilidade de conduta diversa
A possibilidade que tem a pessoa, no momento da prática de um fato típico e ilícito, de agir de acordo com o direito é que pode designar uma exigibilidade de comportamento diverso. Nestas circunstâncias, o juiz irá analisar se no caso concreto era exigido do agente agir de outra maneira, se poderia o sujeito decidir agir de modo diverso, e assim não o fez. 148
A culpabilidade, que é o juízo de reprovação que recai sobre o individuo que pratica um fato típico e ilícito, não resulta apenas da consciência da ilicitude. Sem a exigibilidade de conduta diversa não poderá haver culpabilidade, pois o agente não há de merecer censura. 149
As duas possíveis causas que podem excluir a imputabilidade seriam, conforme relata Nucci (2009): “a coação moral irresistível (art.22, CP) e obediência hierárquica (art.22 CP), pois em ambos os casos é inexigível comportamento diverso, e nesta perspectiva excluída estar-se-ia a exigibilidade de comportamento diverso, e consequentemente a culpabilidade” 150.
146 LOPES, op. cit., p. 153. 147 CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, vol. 1: parte geral – 13ª ed., – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 330. 148 GRECO, op. cit., p. 416. 149 LOPES, op. cit., p. 158. 150 NUCCI, op. cit., p. 290.
Cabe ressaltar, como prescreve Jair Lopes (2005), que a coação passível de excluir a exigibilidade de conduta diversa seria apenas a moral, pois em se tratando de coação física, não existirá vontade e finalidade, elementos que compõem a conduta e, neste contexto, o que deixaria de existir seria fato típico. Vale dizer que a coação física retira a tipicidade e não a exigibilidade de conduta diversa. Nelson Hungria assim dispôs ao tratar da coação física: “não é autor do crime quem o pratica sob coação física irresistível respondendo tão somente o coator” 151.
3 As pessoas jurídicas podem delinquir?
Uma entidade nascida com o intuito de realizar um fim e que haja sido reconhecida pelo ordenamento jurídico como pessoa, sujeito de direitos e deveres, é o que se denomina pessoa jurídica.152 Esta entidade, investida de direitos pela ordem jurídica, está incumbida de realizar fins humanos, que, segundo Clóvis Beiviláqua153, não precisam ser necessariamente econômicos.
A partir da análise do conceito analítico de crime, no tópico que antecede, cabe relatar o posicionamento de alguns doutrinadores penalistas a respeito do perfeito amoldamento da responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
Concernente à possibilidade das pessoas jurídicas delinquirem ou não, há alguns posicionamentos doutrinários divergentes. É mister relatar que a possibilidade das pessoas jurídicas delinquirem penalmente é, evidentemente, pautada na análise sobre a possível colocação da pessoa jurídica no pólo ativo da conduta delituosa.
A dificuldade de se considerar a pessoa jurídica como agente ativo da conduta criminosa esta assentada no brocardo latino “societas delinquere non potest” (a sociedade não pode delinquir)154, pois o Direito Penal e suas teorias foram criadas tendo como base o homem (pessoa física) e é para ele que a lei penal dirige seus comandos, é ele que a lei penal manda ou proíbe que se faça algo, dada a sua exclusividade de praticar ações dotadas de consciência e finalidade.155
Parece que a máxima “societas delinquere non potest” prevalece soberana e é adotada majoritariamente, apesar de surgirem novos posicionamentos consagrando a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, vide:
Atualmente, o entendimento de que à sociedade era inaceitável a sua punibilidade a título penal está ganhando novos contornos e juristas consagrados passam a admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica, antes reservada às searas do direito administrativo e do direito civil fazendo surgir um forte movimento com vistas à responsabilização penal da pessoa jurídica. 156
A responsabilidade jurídica está consagrada, como bem anotou o Major Adirson Antônio Glório Ramos, em seu artigo científico publicado pela Revista Jurídica do Ministério Público de Minas Gerais, todavia, nada relatou a respeito da possibilidade da pessoa jurídica vir a delinquir, em se tratando do fragmento supracitado.
151 LOPES, op. cit., p.158. 152 FIÚZA, César, Direito Civil: Curso Completo, 13. º ed. revista, atualizada e ampliada, 2ª tir. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 145.153apud, SIRVINSKAS, Luíiz Paulo: Tutela Penal do Meio Ambiente, 3.º ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2004, p. 58.154 RAMOS, op. cit., p. 162.155 CAPEZ, op. cit., p. 146. 156 RAMOS, op. cit., p. 162.
A responsabilidade penal da pessoa jurídica será tratada mais adiante. Neste momento, a busca será plena na solução da questão aqui proposta, qual seja, a possibilidade da pessoa jurídica praticar ilícitos penais, para tanto se faz necessário retomar os ensinamentos do mestre Fernando Capez (2009), sendo que o mesmo apresenta três teorias distintas, para a solução do problema proposto, as quais passam a ser analisadas doravante.
3.1 Teoria da ficção
Savigny, pioneiro no implemento da teoria da ficção, defende a impossibilidade das pessoas jurídicas serem agentes ativos do crime. Segundo tal teoria, a pessoa jurídica é desprovida de vontade e finalidades, sendo estes atributos necessários a composição da conduta, ante a falta destes, tem-se a falta de fato típico, por consequente não há crime. Para que haja um crime é necessário um fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável. O fato típico necessita de uma conduta voluntária e consciente e não havendo esta conduta não há fato típico, e por fim não há crime. 157
No compasso da teoria da ficção é faltosa, também, a pessoa jurídica, a imputabilidade e a possibilidade de conhecimento do injusto, elementos necessários a composição da culpabilidade segundo a dogmática atual, além é claro, da exigibilidade de comportamento diverso.
Segundo Fernando (2009, p.147), a teoria da ficção reza que a responsabilidade penal da pessoa jurídica deve recair sobre o sócio, pois os crimes atribuídos à sociedade são perpetrados pelos “funcionários ou diretores”, não importando se o interesse do ente fictício tenha servido de motivo ou fim para a prática do delito, pois estes sócios (pessoas naturais), funcionários ou diretores, podem ser responsabilizados por ações e omissões, já que possuem razão e livre-arbítrio.
Relata Fernando Capez (2009) que além da ausência de consciência, vontade e finalidade, bem como de culpabilidade, a pessoa jurídica também apresenta segundo a teoria da ficção, a incapacidade de sofrer pena e a falta de aplicabilidade da mesma, senão veja:
a) ausência de consciência, vontade e finalidade: se a vontade conscien-te e finalística é a mola propulsora, isto é, a força que movimenta a con-duta, sem aquela não existirá esta, de modo que a pessoa jurídica é inca-paz de praticar ações penalmente relevantes; b) ausência de culpabilida-de: somente o homem pode adquirir capacidade de entender e querer (imputabilidade), de conhecer o caráter injusto do fato, ou seja, se o mesmo é ou não anti-social, inadequado, anormal, errado (potencial consciência da ilicitude), e de escolher a conduta mais adequada, dentro de uma gama de possibilidades, segundo critérios normais de evitabili-dade (exigibilidade de conduta diversa). A pessoa jurídica é incapaz de culpabilidade, na medida em que esta se funda em juízo de censura pes-soal, de acordo com o que podia e devia ser feito no caso concreto; c) ausência de capacidade de pena (princípio da personalidade da pena): torna-se inconcebível a penalização da pessoa jurídica, tendo-se em vis-ta, em primeiro lugar, que, em face do princípio da personalidade da pena, esta deve recair exclusivamente sobre o autor do delito e não sobre todos os membros da corporação. (...) d) ausência de justificativa para a imposição de pena: a sanção penal tem por escopo a idéia de retribuição, intimidação e reeducação, ao passo que as sociedades, por ser desprovi-das de vontade própria, de inteligência e de liberdade de entender e que-rer, jamais poderão sentir-se intimidadas (CAPEZ, 2009, p.148-149)
157 SIRVINSKAS, op. cit., p. 59.
Reforçando a posição anterior, bastaria refutar a falta de conduta por parte da pessoa jurídica para sustentar sua incapacidade delitiva, no entanto, preferiu a teoria da ficção reforçar seus argumentos elencando causas posteriores ao primeiro elemento do crime, de modo que também analisou a culpabilidade. É possível a ilação de que consagrada esta impossibilidade da pessoa jurídica cometer crime do ponto de vista da teoria da ficção, mesmo que se adote uma teoria do crime bipartida, pois como demonstrado à pessoa jurídica sequer pode praticar conduta, se não existe conduta não há porque se falar em crime.
3.2 Teoria da realidade
Pela teoria da realidade tem-se que a pessoa jurídica pode sim delinquir, pois é plenamente capaz de praticar um crime, tendo em vista que sua conduta se constrói com a vontade exteriorizada pela soma das vontades de seus sócios ou representantes. 158
Justificada a possibilidade de conduta, na perspectiva da teoria da realidade, para aqueles que adotam a teoria bipartida do crime, configurado já está o delito.
Para a teoria da realidade, a pessoa jurídica é um ser real e por isso pode incidir na prática de delitos. 159
A Constituição Federal, aparentemente, adotou este segundo posicionamento, uma vez que esculpiu, no artigo 225, §3º, que as atividades que se mostrarem danosas ao meio ambiente sujeitarão os violadores, tanto pessoas físicas como jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da compulsão de repara os danos acarretados. 160
Segundo Shecaria, citado por Capez (2009, p. 150), em defesa da possibilidade das pessoas jurídicas cometerem delitos, elenca os três principais argumentos contra a teoria da realidade: 1) não há fato típico uma vez que a pessoa jurídica não promove conduta, culposa ou dolosa. 2) não há culpabilidade existente em se tratando de pessoa jurídica. 3) efeitos da pena podem atingir pessoas inocentes, após levantar os argumentos passa Shecaria a refutá-los.
Contra o primeiro argumento Shecaria, apóia-se no Direito Comparado, utilizando a doutrina francesa, pois a mesma aduz que: “a pessoa coletiva é perfeitamente capaz de vontade, porquanto nasce e vive de encontro das vontades individuais de seus membros” (apud, CAPEZ, 2009, p. 151).
O segundo argumento é o que não se mostra tão convincente, e é devido a ele que se teve origem o presente trabalho, pois a culpabilidade na dogmática atual, constituída tal como é, centrada em preceitos aplicáveis as pessoas humanas, não se poderia infligi-la a entes fictícios, mesmo assim, Shecaria, reza que, a pessoa jurídica pode ser responsável pelos seus atos, todavia, o juízo de culpabilidade deve ser adaptado às suas peculiaridades. Nota-se que o autor, não nega a inimputabilidade das empresas, bem como a falta de potencial consciência da ilicitude, mas preceitua fundamentar a culpabilidade da pessoa jurídica apenas na exigibilidade de conduta diversa, comparando a conduta típica de uma empresa à conduta habitualmente lícita desenvolvida por outra que possua características análogas. Exemplifica o autor:
A doutrina alemã, de certa forma, também começa a admitir essa idéia. Tiedemann, por exemplo, observa que ‘a tendência mais recente a nível comunitário é a do reconhecimento da culpabilidade da empresa, comparado-a com outras empresas do mesmo tamanho em situações
158 SIRVINSKAS, op. cit., p. 60. 159 CAPEZ, op. cit., p. 150. 160CAPEZ, op. cit., p. 150.
paralelas. Este pensamento corresponde às doutrinas penais que baseiam o conceito de culpa comparativamente ao de deveres por pessoas qualificadas como razoáveis. Em resumo, pode-se dizer que o conceito de culpabilidade em sentido estrito tem em direito penal um fundamento mais de tipo geral que individual (apud, CAPEZ, 2009, p.151).
Diante de tal fundamentação, resta clamar uma teoria da culpabilidade compatível com a pessoa jurídica, mas é óbvio que enquanto esta não surgir, não se pode aceitar uma culpabilidade centrada apenas em um elemento, do modo como prega esta teoria, sob pena de também se aceitar a configuração da culpabilidade em delitos praticados por pessoas comuns (físicas), fundada apenas na configuração de um de seus elementos.
Na refutação do último argumento dos três elencados, aduz Shecaira (2009) que a pena não ultrapassa da pessoa da empresa, pois há uma diferenciação da pena e suas consequências indiretas incidentes sobre terceiros. “Os sócios que não tiveram culpa não estão recebendo pena pela infração cometida pela empresa, mas apenas suportando efeitos que decorrem daquela condenação, do mesmo modo que a família do preso padece maiores dificuldades econômicas enquanto este, arrimo do lar, cumpre sua pena” (apud, CAPEZ, 2009, p. 152).
Apesar da teoria, ora comentada, aparentar ter sido acolhida pela Constituição Federal de 1988, a mesma não convence, pois não há como admitir crime sem culpabilidade, e para a culpabilidade é imprescindível a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude do fato delituoso e a exigibilidade de conduta diversa. Mesmo que se aceite a vontade da pessoa jurídica, preconizado pela teoria realista, a mesma carece de dois elementos necessários à culpabilidade, e sendo a teoria tripartida adotada no desenvolver desta pesquisa, não há como admitir crime perante a falta de culpabilidade.
De outro aspecto, mesmo que na atual pesquisa se adotasse a teoria bipartida do crime, não se poderia acolher tal argumento falacioso de que a vontade da pessoa jurídica se exterioriza da soma da vontade dos indivíduos que a compõem, pois se estaria admitir que a vontade de cada pessoa física individual, não fosse completa o suficiente, para por si só incidir à prática de um delito já que necessita da soma das demais.
Num caso hipotético, de ser a pessoa jurídica composta por quatro representantes, estar-se-ia admitido que cada indivíduo solitário representa-se um quarto da vontade exteriorizada e, se três indivíduos corroborassem para a prática do delito, a vontade da pessoa jurídica se mostraria incompleta, vez que, ausente estaria um quarto da vontade necessária, certo que o delito seria praticado, mesmo diante da vontade exteriorizada de forma incompleta, a impunidade restaria configurada, ou havendo pena, também, seria punido o indivíduo que faz parte daquela corporação, mesmo que não tenha participado da conduta delituosa. Sofrer efeitos penais sem corraborra para a prática de um crime, sobre a argumentação de ser equiparado à família que sofre com condenação do preso arrimo do lar! Tais argumentos, sinceramente não parecem ser convincentes, uma vez que a pena recai sobre a pessoa jurídica, atingindo o patrimônio investido pelo sócio, o efeito da pena atinge diretamente os sócios e não há que se falar em efeitos reflexos. 3.3 Teoria que busca conciliar as duas posições doutrinárias antagônicas161
Após as divergências doutrinárias, não há como negar a superioridade dos argumentos da teoria da ficção, todavia inaceitável seria desconsiderar o disposto na Constituição que preceitua responsabilidade penal da pessoa jurídica. Dispõe Fernando Capez (2009), que surgiu um terceiro posicionamento que visa conciliar as duas primeiras
161 Esta teoria se encontra presente na doutrina de Fernando Capez (2009). O doutrinador não prescreve o nome da teoria. Sendo assim, ela está disposta como está presente na doutrina, CAPEZ, op. cit., p.152.
posições divergentes, relata Carlos Ernani Constantino que este posicionamento nascera na Alemanha e que, “trata-se da imposição de sanções quase penais às empresas” expõe o autor que o juiz ao presenciar o caso concreto, aplica medidas quase penais. Este posicionamento não desconsidera a incapacidade da pessoa jurídica praticar conduta e a falta de culpabilidade, mas a aplicação destas sanções é uma forma de combater a criminalidade moderna cometida por meio de uma pessoa coletiva.
Carlos Ernani Constantino enumera os seguintes seguidores desta teoria:
Entre os alemães, podemos citar como defensores deste ponto de vista os Profs. Bernad Schunemann e Gunther Stratenwerth (que propugnam pela aplicação de medidas de segurança às empresas, por atos criminosos de seus sócios ou direitores), Winferied Hassemer (que defende a imposição de sanções híbridas, situadas entre o Direito Penal e o Direito Administrativo, às corporações) e Hans-Heinrich Jescheck, de certo modo (pois este doutrinador entende que, na hipótese de os órgãos das pessoas jurídicas praticarem infrações penais, utilizando-se delas, devem-se impor às respectivas entidades não penas, mas confisco, extinção, sequestro dos lucros adicionais, como efeitos secundários da condenação das pessoas atualmente uma tendência dos Estados – Membros, de adotarem sanções administrativas, quase-penais, contra as pessoas jurídicas (e não penas propriamente ditas), o que indica uma inclinação, em nível de Europa, no sentido de se respeitarem os postulados tradicionais da Dogmática Penal (de que as pessoas morais não podem, elas mesmas, delinquir) (CONSTANTINO, 2005, p.37/38)162.
O posicionamento já trás em seu bojo um número considerado de adeptos, não se pode afirmar que são doutrinadores renomados, mas não se pode negar que defendem uma posição emergente que pode solucionar toda a divergência entre a teoria da realidade e a teoria da ficção. Tal tese se mostra ainda incipiente, mas há anseios perante a nova teoria.
4 A responsabilidade penal das pessoas jurídicas
A responsabilidade penal das pessoas jurídicas está expressamente consagrada na Constituição Federal de 1988, tendo como intuito a defesa do meio ambiente e a ordem econômica e financeira, pois tal como esculpiu o legislador: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-la para as presentes e futuras gerações” (art. 225, da CF/88) 163, vale dizer, que o meio ambiente pertence a todos, e sendo um bem de todos, ninguém poderá atentar contra ele, ou caso prefira, nas palavras mais cortantes do constituinte de 88: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (art. 225, §3º, da CF/88) 164.
Não se sabe a fundamentação para justificar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, aparentemente nota-se que o que se tem é uma responsabilidade objetiva, pois como exposto, no decorrer desta pesquisa, não há como sustentar a prática de um crime por parte de um ente fictício.
É consagrada também a responsabilidade da pessoa jurídica em se tratando de injustos praticados contra a ordem econômica e financeira do país, senão veja: 162 apud, CAPEZ, op. cit., p.152-153.163 ANGHER, Anne Joyce (org.), Vade Mecum Acadêmico de Direito, 6ª ed. – São Paulo: Rideel, 2008, p.86. 164 ANGHER, op. cit., p.87.
Art. 172, da CF/88. (...) §5º a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigente da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. (ANGHER, 2007, p. 77)
A partir da análise do artigo, supracitado, deduziu o exímio major Adirson Antônio Gomes de Ramos, apoiado pelo louvável doutrinador Bitencourt (1988) que, a responsabilidade penal da pessoa jurídica não se confunde com a responsabilidade penal de seus dirigentes, todavia a constituição condicionou a aplicação das sanções aos entes coletivos desde que haja compatibilidade entre a pena e a natureza do apenado (Pessoa Jurídica), conclui o major: “Assim, à responsabilidade penal continua a ser pessoal, nos termos do art. 5º, inciso XLV, da CF/88”165.
Retornando a responsabilidade penal dos entes fictícios, em se tratando ofensa praticada contra o meio ambiente, é mister, o relato de que a Lei n. 9605/98, regulamentou, a responsabilidade penal da pessoa jurídica:
Art. 3º, da Lei 9.605/98. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato (ANGHER, 2008, p.1.564).
Como se pode notar do artigo supracitado, as pessoas jurídicas serão
responsabilizadas nas três esferas possíveis, para tanto a infração deve ser cometida por decisão dos representantes, sendo que a responsabilidade da pessoa jurídica não anula a responsabilidade da pessoa física.
Consagrada a responsabilidade da pessoa jurídica é possível identificar as possíveis penas que lhes são aplicadas: multa, restritiva de direitos, prestação de serviços à comunidade (art. 21, da Lei n. 9605/98), desconsideração da personalidade jurídica (art. 4º, da Lei n. 9605/98), liquidação forçada da pessoa jurídica (art. 24, da Lei n. 9605/98).166
Ao que se nota diante das teorias penais tradicionais, não é admissível responsabilização de pessoas jurídicas, mas como já é sabido o sistema jurídico é dinâmico, mutável por excelência, de modo que nos tempos atuais, corporações fictícias são criadas e a cada esporadicamente cometem delitos, quando não criadas especificamente para este fim, resta emergir uma teoria que se amolde a conduta delituosa praticada pela pessoa jurídica ao invés de tentar-se amoldar tais condutas as teoria existentes, pois “não há como se refugiar na teoria tradicional. A evolução da ciência penal deve-se adaptar aos novos conceitos, afastando-se aqueles criados no século passado” (SIRVINSKAS, 2004, p.60).
4 Considerações finais
Mesmo havendo divergência no âmbito doutrinário sobre a culpabilidade, isto é, se mesma faz parte dos elementos constitutivos do crime ou representa apenas um
165 RAMOS, op. cit., p.163. 166 ANGHER, op. cit., passim.
pressuposto para a aplicação da pena, não há óbice em não admitir a possibilidade de a pessoa jurídica cometer crime, pois fundamenta a teoria da ficção, que a pessoa jurídica, não é capaz praticar um fato típico, por ausência de conduta, como já é sabido, sem fato típico não há crime.
Para aqueles que adotam a teoria bipartida do crime, composta por um fato típico e ilícito (antijurídico), e aceitam os argumentos da teoria da realidade, onde a pessoa jurídica possui vontade que se perfaz da soma das vontades dos sócios, a pessoa jurídica pode sim cometer crime, malgrado toda refutação da aceitabilidade de tal argumentação fundada na soma das vontades individuais para que se forme outra vontade individual.
Culpabilidade, segundo a dogmática atual, possui seus elementos bem definidos que são: imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude do fato e exigibilidade de conduta diversa. Neste contexto, não comete crime, de maneira alguma, a pessoa jurídica, para aqueles que adotam a teoria tripartida do crime, (onde o crime é composto de fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável), pois há na pessoa jurídica ausência de imputabilidade e potencial conhecimento da ilicitude do fato.
Certo é que a Constituição Federal de 1988, perante a criminalidade moderna, previu expressamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica em danos causados contra o meio ambiente e a ordem econômica e financeira. A previsão foi consagrada posteriormente pela lei. 9.605/98, que dispõem sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividade lesivas ao meio ambiente.
Após a consagração da responsabilidade penal da pessoa jurídica no ordenamento jurídico vigente, procura-se entender o caráter de tal punição. De imediato diga-se que não é amoldável ao modelo penal vigente, pois a pessoa jurídica não é capaz de fato típico e culpabilidade, deste modo, não pratica crime, no que tange as teorias até o dado momento elaboradas.
Aplicar pena a alguém que não comete criem, trata-se de nada mais nada menos, da adoção de uma responsabilidade penal objetiva. Dada a dificuldade de se explicar uma responsabilidade objetiva em direito penal, permanece a incógnita a fundamentação da responsabilização penal atribuída pela Constituição Federal de 1988, bem como da Lei nº. 9.605/98.
A solução mais plausível seria a criação de uma teoria do crime exclusivamente para a pessoa jurídica, dada a impossibilidade da aplicação das teorias existentes, tendo em vista que esta foi elaborada tão somente baseada em comportamentos humanos. Neste diapasão, pode ser objeto de um futuro trabalho a criação de teoria do crime aplicável a conduta delitiva praticada pela pessoa jurídica, obviamente baseada em critérios diversos das teorias existentes.
Referências bibliográficas
ANGHER, Anne Joyce (org.), Vade Mecum Acadêmico de Direito, 6ª ed. – São Paulo: Rideel, 2008.
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, vol. 1: parte geral – 13ª. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.
FIÚZA, César, Direito Civil: Curso Completo, 13. º ed. revista, atual. e ampl., 2ª tir. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
GOMES, Luíz Flávio, MOLINA, Antônio García – Pablos, Direito Penal: parte geral, vol. 2. Tir. São Paulo: Revista dos Tribuinais, 2007.
GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal – 9.ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.
LOPES, Jair Leonardo, Curso de Direito Penal, Parte Geral, 4º ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
NUCCI, Guilherme Souza, Código Penal Comentado, 9º. ed. rev., atual e ampl. –São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
RAMOS, Adirson Antônio, De Jure Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica – A Pessoa Jurídica Pode Delinquir? 13. ed. Disponível em: < http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/10179> Acesso em: 13 de abril de 2009.
SIRVINSKAS, Luíz Paulo: Tutela Penal do Meio Ambiente, 3.º ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2004.
UMA ANÁLISE SOBRE EDUCAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS
AN ANALYSIS ON EDUCATION AND NEW TECHNOLOGIES
Isac Melquíades 167
Mácia de Fátima Marques da Silva168
Resumo
O presente trabalho tem como escopo analisar as novas tecnologias que se colocam à disposição da educação, seus benefícios e sua inserção no processo educativo, bem como discutir as possibilidades de aumentar a aprendizagem através da inclusão tecnológica. Para tal ato, a legislação deverá acariciar a necessidade da inserção dos novos equipamentos, além de, é claro, capacitar os docentes que irão utilizá-los, para que possam dominar o conteúdo a ser lecionado e o material tecnológico que empregam. Os inventos da humanidade geralmente não têm deparado com problemas quanto à incorporação na sociedade. As novas tecnologias, neste século, não encontram dificuldades para incorporar a educação das crianças em geral em suas vidas cotidianas. Já nas instituições de ensino, seja por uma questão ou outra, a realidade é completamente diferente. Os desafios encontrados quanto à inserção destes apetrechos tecnológicos ficam a mercê de questões políticas. No atual Estado Democrático de Direito, as oportunidades devem ser iguais e não resta dúvida que a legislação tende a permitir que as novas tecnológicas sejam inseridas no processo educativo, tendo em vista que a LDB, no art. 36, I, veio determinar expressamente que o currículo do ensino médio deverá destacar a educação tecnológica básica. Entretanto, o art. 32, I destaca que o ensino fundamental tem como objetivo a formação básica do cidadão, tendo como teleologia a formação básica do cidadão, bem como, entre outros, “a compreensão do ambiente natural e social do sistema político tecnológico das artes e dos valores em que se fundamenta sociedade”. O presente trabalho também considera que o professor poderá fazer cursos de aperfeiçoamento na modalidade de ensino à distância. Tal prescrição encontra-se prevista no art. 67, III e VI da LDB. Esse artigo exprime a possibilidade e a necessidade do aperfeiçoamento profissional continuado, estabelecendo, também, uma aptidão imperativa ao exercício de uma atividade, que a cada momento se mostra, devido aos progressos, que não apenas o indivíduo enquanto unidade, mas toda coletividade social, tende a aferir benefícios com os avanços tecnológicos, devido às exigências cotidianas. Discute-se a eficiência da educação e a sua melhora, ou em uma análise mais profunda, a sua imaginária melhora com a inserção das novas tecnologias. Aborda algumas dicas de como utilizar corretamente as novas tecnologias, longe de estabelecer um manual pronto e acabado. As eficiências das novas tecnologias no processo educativo são analisadas na perspectiva da legislação pertinente ao assunto. Um país evolui quando a educação é a excelência, o registro maior e fiel de uma nação.
Palavras chaves: Educação. Novas tecnologias. Legislação. Eficiência. Inserção.
Abstract
The present work analyzes the new technologies that the disposition of the education, your benefits and your insert are placed in the educational process, as well as to discuss the possibilities to
167 Bacharelando do 8º período do Curso de Direito da FUNPAC – Fundação Universidade Presidente Antônio Carlos – Faculdade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni/MG. 168 Pós-Graduada Lato-Sensu em Pedagogia do Ensino superior, pela UNIPAC - Universidade Presidente Antônio Carlos – Campus - Teófilo Otoni/MG.
increase the learning through the technological inclusion. For such an act, the legislation should caress the need of the insert of the new equipments, besides, of course, to qualify the teachers that will use them, so that they can dominate the content to be taught and the technological material that uses. The humanity's inventions, they have not usually been coming across problems with relationship to the incorporation in the society. The new technologies on this century, don't have difficulties to incorporate the children's education in general in your daily lives. Already in the teaching institutions, be for a subject or other, the reality is completely different, the challenges found with relationship to the insert of these technological equipments they are the thanks to political subjects. In the current Democratic State of Right the opportunities should be same and it doesn't remain doubt that the legislation tends to allow that the new ones technological they are inserted in the educational process, tends in view that the Law of Guidelines and Bases, in the article 36, I, came to determine expressly that the curriculum of the medium teaching, it should detach the basic technological education. However, the article 32, I detaches that the fundamental teaching has as objective the citizen's basic formation, tends as purpose the citizen's basic formation, as well as, among other, the understanding of the natural and social atmosphere of the technological political system of the arts and of the values in that society " is based. THE present works it also considers that the teacher can take improvement courses, in the teaching modality the distance, such prescription is foreseen in the article 67, III and I SAW of the Law of the Guidelines and Bases, that article expresses the possibility and the need of the continuous professional improvement, establishing, also, an imperative aptitude to the exercise of an activity, that to every moment to show, due to the progresses, that not just the individual while unit, but all social collectivity, tends to confront benefits with the progresses technological, due the daily demands. He/she/you discusses the efficiency of the education and your improvement, or in a deeper analysis, your imaginary one gets better, with the insert of the new technologies. It approaches some clues of how to use the new technologies correctly, far away from establishing a ready manual and finish. The efficiencies of the new technologies in the educational process are analyzed in the perspective of the pertinent legislation to the subject. A country develops when the education is the excellence, the larger registration and faithful of a nation.
Key-words: Education; new technologies; legislation; efficiency; insert.
1 Introdução
É na perspectiva de viver com menor dispêndio físico que o ser humano está
sempre a inventar apetrechos, tais como, a roda, fogo (isqueiro), ferro, carro, avião, a
escrita etc., instrumentos estes que facilitam consideravelmente o modelo de vida. 169
Surgem assim novas tecnologias que deverão, amplamente, fazer parte do plano de
aula, mas com a tendência de serem utilizadas pelos professores no processo de
transmissão de conhecimento. Para tanto, uma legislação precisa determinar a inserção dos
novos equipamentos, além de, é claro, capacitar os docentes que irão utilizá-los.
Justificam a realização do presente trabalho as novas Tecnologias de Comunicação
e Informação (TCIs) que se colocam à disposição do mundo atual e clamam uma inserção
mais abrangente no meio pedagógico em detrimento da resistência ou o despreparo
169 LARA, Sonia Doralice Neiva, Novas Tecnologias Na Educação: Exigências Na formação de Professores, 2007. 34 f. Monografia (Pós-Graduação em Docência do Ensino Superior) Universidade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, 2009, p.8.
docente para lidar com essas tecnologias e, ainda, o próprio tratamento dado a essas novas
tecnologias pela legislação brasileira.
Não se pode olvidar que com os avanços tecnológicos surgem dificuldades para os
novos recém formados ingressarem no mercado de trabalho. Diante disto, fica clara a
necessidade em inserir novas tecnologias ao processo educativo. Porém, como inseri-las
sem prejudicar o andamento das aulas? Os professores estão preparados para lidar com tais
inovações? E a legislação atual, permite essa abrangência educacional?
Este estudo se faz importante para os docentes em geral, na medida em que eles,
uma vez mediadores do conhecimento, poderão utilizar-se das novas tecnologias para
facilitar a aprendizagem do discente. Assim, a obra tem a pretensão de identificar quais são
as tecnologias utilizadas pelos docentes na prática pedagógica, verificando se há um
melhor rendimento com sua utilização. E ainda, tem escopo de descrever quais são os
novos equipamentos tecnológicos colocados à disposição do ensino atual, analisando a
capacitação dos docentes para lidar com a forma de ensino emergente e, assim, sugerir
métodos no ingresso da tecnologia à prática pedagógica. Busca-se, por fim, discorrer sobre
o tratamento dado à tecnologia no âmbito educacional pela Legislação brasileira, mais
precisamente pela lei das Diretrizes e Bases da Educação (LDB - Lei 9394/96) e papel da
tecnologia Educacional no processo educativo.
Para a realização do presente trabalho foi feita uma pesquisa exploratória
bibliográfica que busca identificar quais sãos tecnologias a disposição da aprendizagem. A
reflexão de alguns autores foi levada em consideração, bem como textos didáticos
veiculados em revistas acadêmicas.
2 O clamor pela inserção das novas tecnologias nas instituições de ensino
Os inventos da humanidade geralmente não têm deparado com problemas quanto à
incorporação na sociedade e na educação das crianças, em geral, em suas vidas cotidianas.
Já nas instituições de ensino, seja por uma questão ou outra, a realidade é completamente
diferente. Os desafios encontrados quanto à inserção destes apetrechos tecnológicos ficam
a mercê de questões políticas, no entender de Maria Luiza Belloni em um artigo científico
intitulado “A integração das Tecnologias de Informação e Comunicação aos Processos
Educacionais”. Vide:A educação, em sua acepção mais ampla de “iniciação social” das novas gerações, sempre integrou “naturalmente” os artefatos técnicos que o engenho e o trabalho humanos vão criando. Prova disto é que as crianças de hoje, que têm acesso às tecnologias de informação e comunicação (TIC) mais avançadas, já as integraram e as utilizam “naturalmente” como meios de lazer e de informação,
via videogames, tamagoshis e assemelhados. Os problemas de integração situam-se, pois na instituição escolar, com seus educadores e seus métodos, ou seja, no nível do processo educacional institucionalizado e sistematizado nas ações das instituições sociais. Trata-se, antes de mais nada, de uma questão política: os processos de socialização dependem das escolhas- políticas (...). A integração das inovações tecnológicas aos processos educacionais, vai depender então da concepção de educação das novas gerações que fundamenta as ações e políticas do setor (BARRETO (org.), PRETTO... [et. al.], 2003, p. 54 - 55). (grifo)
Com o vasto rol de tecnologias colocadas à disposição do professor, ele tem a
possibilidade de tornar suas aulas mais atraentes e próximas ao contexto que a vida
moderna apresenta, pois com todas as facilidades de comunicação criadas pelo homem, “a
sala de aula tradicional perde, a cada dia, o sentido, se não estiver contextualizada no
mundo dos bits, da computação gráfica dos ecossistemas on-line” 170.
Segundo Sonia Doralice Neiva Lara171, apoiada pela obra de Nelson de Luca Preto,
cujo título é “Uma escola sem/com futuro: Educação e multimídia”, datada de 1999, as
instituições escolares introduzem tecnologias no processo educativo, todavia de forma
mais lenta, não conseguindo acompanhar a evolução tecnológica mundial. É mister
ressaltar a prevalência das escolas quase que na inércia tecnológica. Desta forma, “o
educando chega às instituições educacionais e encontra o mesmo ambiente, salvo algumas
exceções, que seus pais ou avós encontravam quando chegavam às suas respectivas
instituições educacionais” (LARA, 2007, p. 11) e aí está o cerne da questão, “muitos
educadores não entendem porque a criança que chega à escola e logo se desgosta da
mesma”(MERCADO, 2002)172. “Muitas formas de ensinar hoje não se justificam mais (...).
Aprendemos muito pouco, desmotivamo-nos continuadamente. Tanto professores como
alunos temos a clara sensação de que muitas aulas estão ultrapassadas.”173
Segundo LARA (2007, p. 12), desta vez amparada por Lúcia Santaella, a criança
costuma chegar à adolescência após ter assistido mais de 15 mil horas de televisão e 350
mil comerciais contra apenas 11 mil horas de escola. Aduz que a esta fica em desvantagem
ante a linguagem “fácil, acessível e alucinante” dos programas transmitidos e, ainda, a
conveniência destes programas é que eles não exigem esforço do jovem espectador, sendo
que estes, ao chegar aos bancos escolares, almejam a mesma sedução e quando esta não se
170 FERREIRA, Hebertz, Extra Classe. Revista de Trabalho e Educação / Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais - Belo Horizonte, v. 3. n. 1, p. 154 – 176, ago. 2008.171 LARA, op. cit. p. 10. 172 apud LARA, op. cit., p. 11.173 Aduz José Manuel Moran apud GUIMARÃES, Gláucia Campos, presente em: BARRETO, Raquel Golart (org.), PRETTO, Nelson de Lucas...[et. al.], Tecnologias educacionais e educação a distância: Avaliação política e prática, 2ª ed. Rio de Janeiro RJ: Quartel, 2003. p.11.
dá, passam a julgar a instituição com base nos programas de televisão. Comunga de
semelhante pensamento, José Manoel Moran:
A criança também é educada pela mídia, principalmente pela televisão. Aprende a informar-se, a conhecer – os outros, o mundo, a sim mesma -, a sentir, a fantasiar, a relaxar, vendo, ouvindo, “tocando” as pessoas na tela, pessoas estas que lhe mostram como viver, ser feliz e infeliz, amar e odiar. A relação com a mídia eletrônica é prazerosa – ninguém obriga que ela ocorra; é uma relação feita através da sedução, da emoção da exploração sensorial, da narrativa – aprendemos vendo as histórias dos outros e as histórias que os outros nos contam. Mesmo durante o período escolar a mídia mostra o mundo de outra forma – mais fácil, agradável, compacta – sem precisar fazer esforço. Ela fala do cotidiano, dos sentimentos, das novidades. A mídia continua educando como contraponto à educação convencional, educa enquanto estamos entretidos (MORAN, MASETTO, BEHRENS, 2000, p. 33).
O professor ensina, mas o aluno, na maioria das vezes, não aprende, porque
“ensinar depende também de o aluno querer aprender e estar apto a apreender em
determinado nível (depende da maturidade, da motivação e da competência adquiridas)”
(MORAN, MASETTO, BEHRENS, 2000, p. 13) e se o televisor - tecnologia em geral –
desperta no aluno o anseio, a vontade, o glamour, porque não usar esta para prender a sua
atenção e ao mesmo tempo transmitir conhecimento? A linguagem audiovisual é dotada de
força e diz muito mais ao telespectador. “Mostrar é igual a demonstrar, a provar, a
comprovar. A força da imagem é tão evidente que se torna difícil não fazer essa associação
comprobatória (“se uma imagem me impressiona, é verdadeira”)” (MORAN, MASETTO,
BEHRENS, 2000, p. 35). Se o aluno vê, por exemplo, uma seca devastadora que está a
destruir determinada população no nordeste, provavelmente não irá esquecer que o clima
semiárido é quente e seco, pois isso mexeu com o seu sentimento, e ainda, aproveitando a
mesma imagem, se induzido pelo professor, terá um motivo para querer preservar o meio
ambiente, com medo de viver situação semelhante.
Os “alunos motivados aprendem mais, ajudam o professor a ajudá-los melhor, (...)
aprendem mais rapidamente, crescem mais confiantes e se tornam pessoas mais
produtivas” (MORAN, MASETTO, BEHRENS, 2000, p.17-18). No mais, tudo que se pôs
à televisão também pode ser aplicado aos vídeos. Segundo Pais (2002), “uma vez que a
cultura da imagem é uma característica das novas gerações, ela deve ser explorada na
escola” 174.
Como assinala Eco175, os estudos atuais não têm se aproximado da posição
apocalíptica. E a posição se mantém isolada, pois as pessoas estarão submetidas
174 LARA, op. cit., p. 13.175 Apud GUIMARÃES, Gláucia Campos, presente em: BARRETO, Raquel Goulart (org.), PRETTO, Nelson de Luca... [et. al.], op. cit., p.163.
constantemente, e pelo resto da vida, a este veiculo de comunicação. A escola poderia
ajudar os cidadãos futuros a desenvolverem um senso crítico para lidar com estas
tecnologias. Assim, mais uma vez o desenvolvimento desta criticidade vem a clamar a
inserção das novas tecnologias no processo educativo, vez que o cidadão deveria ser
educado de tal maneira que pudesse analisar as mensagens fornecidas pela tevê. Esta
criticidade tende a fornecer aos telespectadores “a influência do meio e de que forma estas
pessoas lidam com estas influências” 176.
Não se pode esquecer que a escola é uma instituição social, e nada mais precioso
que a inclusão de novas tecnologias no processo educativo. A educação, como meio de
ascensão que diminui as desigualdades, tem o dever de garantir o acesso democrático às
novas tecnologias e o professor, como agente mediador da aprendizagem, aduz Vânia
Moreira Kenski, tem o desafio de garantir, por meio do processo educativo, o acesso dos
alunos as novas tecnologias. “(...) cabe ao professor também a tarefa de lutar para que, pela
educação possa se dá o acesso pleno e democrático às novas tecnologias, sobre tudo às
redes, para oferecer melhores condições a todos os estudantes” (BARRETO (org.),
PRETTO... [et. al.], 2003, p.74).
A educação não deve visar apenas os fins capitalistas, quais sejam: preparar a
sociedade para o trabalho e consumismo exacerbado. Cabe ao professor capacitar os
alunos com a finalidade de estes exercerem posicionamento crítico diante do mundo atual,
com a capacidade de manipular informações.
(...) capacitá-los não apenas para lidar com as novas exigências do mundo do trabalho, mas, principalmente, para a produção e manipulação de informações e para um posicionamento crítico diante e desta nova realidade (...) por meio dos quais eles [alunos] aprendam a aprender, a respeitar a aceitar, a serem melhores pessoas e cidadãos participativos (BARRETO (org.) PRETTO... [et. Al.], 2003, p.74). (grifo)
Uma vez que a educação tende a ser voltada para a vida moderna, não resta outra
opção a não ser incorporar as inovações tecnológicas às aulas, sob pena da escola
permanecer alheia à evolução da sociedade. Roger Whittaker, citado por MATIS177,
argumenta que a pedagogia tradicional e a ignorância dos professores limitam a
aprendizagem de novas tecnologias na escola e os pais (tecnofobos) dos alunos não ajudam
em casa, restando apenas o computador e os videogames como acesso alternativo a estas
176GUIMARÃES, Gláucia Campos, ibidem, p. 164. 177 MARTINS, Buenos Aires, Trad. PONTES, Elício (UNB). Texto traduzido de "Educación y Nuevas Tecnologias", La Obra, Revista de Educación nº 898, abr. 1995. DISPONÍVEL EM: <http://www.fe.unb.br/catedra/bibliovirtual /ead/educacao_e_novas_tecnologias.htm>, Acesso: 3 de out. de 2009, 15 hs, p.2.
tecnologias. A escola deve deixar de ser uma barreira e abrir espaço às tecnologias para
garantir a liberdade e o equilíbrio das oportunidades. Vide:
As instituições de educação formal poderiam ser consideradas, desta perspectiva, mais como obstáculos do que como agentes facilitadores do desenvolvimento da criança e da sociedade em geral (...). O atraso na evolução da educação, comparativamente a outros setores da sociedade - como a indústria -- ainda que preocupante, não é tão grande como a distância que pode vir a existir entre a educação tecnológica - ou educação multimídia - nos países desenvolvidos, e a educação que recebem os habitantes dos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Poderíamos, portanto, argumentar que é urgente usar as novas tecnologias por sua função liberadora, colocando-as ao alcance de todos os povos, objetivando uma maior igualdade de oportunidades (MARTIS, 1995, p. 2). (grifo).
3 Novas tecnologias à disposição das instituições de ensino: breves comentários e seus benefícios
Posto alguns argumentos que clamam a inserção das novas tecnologias no processo
educativo, passa-se a análise de possíveis inovações que se colocam à disposição das
instituições de ensino, mencionando os benefícios delas oriundos.
Neste sentido, é bastante preciso o entendimento de Marcos T. Masetto, doutor em
Psicologia Educacional, que concluiu, com muita propriedade, que o professor, após
identificar e exemplificar o que são essas novas tecnologias, podem tornar o processo
educativo mais “eficiente e eficaz”. Vide:
Por novas tecnologias em educação, estamos entendendo o uso da informática, do computador, da Internet, do CD-ROM, da hipermídia, da multimídia, de ferramentas para educação a distância – como chats, grupos ou listas de discussão, correio eletrônico etc. – e de outros recursos e linguagens digitais de que atualmente dispomos e que podem colaborar significativamente para tornar o processo de educação mais eficiente e mais eficaz (MORAN, MASETTO, BEHRENS, 2000, p. 152).
É notável que Masetto não incorporou nos seus exemplos alguns apetrechos
tecnológicos que já são usados consideravelmente a certo lapso tempo, como o aparelho
televisor, vídeo cassete, etc., vez que deu relevância ao desconhecimento, caracterizado
pelo uso não frequente destas tecnologias. Cabe destacar que a citação retrotranscrita é de
uma obra cuja data de publicação remete ao ano de 2000 e que estas tecnologias citadas em
pleno ano de 2009 também já não se apresentam de forma hodierna. Entretanto, não
apresenta equívoco terminológico o emprego da palavra nova (novas) aglomerado a
tecnologias na citação do professor, que está adequada ao tempo do mesmo. Todavia,
contemporaneamente, não se pode dizer que as mesmas são tão novas assim, mas e
importante analisá-las, pois representam uma evolução histórica e se apresentam como
fonte de todo processo tecnológico que desencadeado nas instituições de ensino. E ainda,
fica evidente que tudo que não remete à simples transmissão de conhecimento verbal
(oratória), ou ainda, um quadro negro esculpido por um giz, pode ser considerado, na
atualidade, como nova tecnologia no processo educativo.
Logo, conclui-se que as novas tecnologias que se colocam à disposição das
instituições de ensino não devem ser consideradas a partir da sua invenção, mas de sua
utilização na educação, como: Tevê, Videocassete (DVD), Retroprojetor, Data Show,
Webcam, Computador (notebook), CD-ROM, Pen Drive, internet, e por fim, com a junção
do computar e internet ou o sistema de televisão tem-se a Educação à distância.178
3.1 Televisão, videocassete e DVD.
A televisão, como sistema eletrônico para transmitir imagens fixas ou animadas,
dotado de som, através de um fio ou do espaço por aparelhos (televisores) que os
convertem em ondas elétricas e os transformam em raios de luz visíveis e sons audíveis, se
apresenta como um sistema de telecomunicação179 e pode ser, como já é, utilizado na
educação. A título de exemplo, cita-se o Telecurso, programa exibido pela Rede Globo.
O DVD e/ou Videocassete são aparelhos dotados de informações armazenadas em
dispositivos próprios (fitas/CDs), cuja utilização se dá mescladas ao aparelho televisor.
Tanto a televisão quanto o vídeo Cassete e o DVD constituem linguagem
audiovisual que pode chegar ao consciente do indivíduo por vários caminhos: letras
expressas na tela, paisagens ou imagens arquitetônicas, sons, etc. É plausível a fala de José
Manuel Moram a respeito do poder probatório da imagem: “se uma imagem me
impressiona é verdadeira”180. Assim, o professor tem a opção de falar horas sobre a flora
ou demonstrá-la na televisão, o que tornará sua aula mais produtiva, pois o aluno já
conhecerá determinada planta quando encontrá-la na natureza, por já a ter visto,
aumentando, assim, seu poder de memorização, pois a aula foi assistida de forma
descontraída. “A televisão é agradável, não requer esforço e seu ritmo é alucinante”181 e a
Tevê “modifica a forma como vemos o mundo.”182 Não resta dúvida que “o aparecimento
178 As tecnologias aqui citadas são exemplificativas, não é escopo, do presente trabalho, exaurir toda a matéria, até porque tecnologias são inventadas e modificadas dia - após- dia o que poderia tornar impossível à citação de todos os meios tecnológicos disponíveis no mercado para as instituições educativas.179 AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira: coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Margarida Baird Ferreira; Lexicografia, Margarida dos Anjos... etl al. mini Aurélio Século XXI: o minidicionário da Língua portuguesa, 5 ª ed. Rio de Janeiro RJ: Nova fronteira, 2001, p. 703.180 MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos T., BEHRENS, Marilda Aparecida, Novas Tecnologias e mediação pedagógica, 12ª ed. Campinas SP: Papirus, 2000.p. 33.181 LARA, op. cit., p.12. 182 Ibidem, p.12.
da televisão educativa e o uso dos gravadores magnéticos de imagem e som
(videocassetes) produziram um grande avanço na utilização de representações audiovisuais
e verbo-icônicas nas instituições escolares” (MARTIN, 1995, p.1).
3.2 Retroprojetor, Data Show e Webcam
O retroprojetor, como um dispositivo capaz de projetar e ampliar imagens (textos
ou fotos) sobre uma parede ou tela se oferece como um recurso capaz de substituir o
quadro-negro, por serem utilizadas lâminas que, por apresentar tamanho similar a uma
folha de papel comum, facilita o transporte, além de ter um operação simples, o que tem
proporcionado uma boa aceitação deste recurso pelas instituições escolares.183
O Data Show, que também consiste em um projetor, lança imagens (textos, fotos e
vídeos) em uma tela ou parede, e pelo seu potencial de conectar-se aos computadores, vêm
substituindo o retroprojetor, já que este não projeta vídeos, restringindo-se a imagens
estáticas. O data show vem sendo usado em apresentações diversas, como conferências,
treinamentos. Em sala de aula, visa, também, substituir o quadro-negro.184
Webcam é uma câmera de vídeo de baixo custo que capta imagens, transferindo-as
de modo quase instantâneo para o computador, podendo ser utilizada em uma grande gama
de aplicações, tais como videoconferência. É justamente na videoconferência que está sua
potencialidade, pois um professor pode utilizá-la para dar aulas em tempo real, estando em
lugar distinto dos alunos. Cabe destacar que a Webcam vem possibilitando a Educação à
distância (EAD), porém não vem sendo explorada intensamente.185
3.3 Computador (notebook), CD-ROM e Internet.
O que justifica o fascínio destas “novas tecnologias” é que através de
microcomputares pode-se ter acesso a informações diversas, possibilitando que o indivíduo
tenha uma biblioteca em sua própria casa, escritórios e/ou locais de trabalho ou uma
biblioteca ambulante (notebook). Ainda, fazem surgir novas formas de trabalho científico,
proporcionando outros meios de se transmitir o conhecimento, que não a leitura (livros) e
oralidade (professor), além de equipamentos eletrônicos dotados de luz, som, imagens. Os
resultados de trabalhos podem ser enviados pelo professor ao educado através de e-mail ou
183 Biblioteca virtual: WIKIPÉDIA, DISPONÍVEL: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Retroprojetor>: Acesso em: 13 de Outubro de 2009, 15 hs.184 Biblioteca virtual: WIKIPÉDIA, DISPONÍVEL: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Retroprojetor>: Acesso em: 13 de Outubro de 2009, 15 hs. 185GUIMARÃES, Gláucia Campos, presente em: BARRETO, Raquel Goulart (org.), PRETTO, Nelson de Luca... [et. al.], op. cit., p. 59.
colocados à sua disposição em sites (internet), proporcionando o desenvolvimento da sua
criticidade na escolha de sites que o conduza ao discernimento de quais informações são
úteis para o trabalho que desenvolve.186
Como já ressaltado, o computador não é um tecnologia nova, porém o mesmo
revolucionou a educação e tende a ser invocado sempre que estiver em pauta certo assunto,
pois a partir do computar surgem novas tecnologias, como os editores de textos
(ex.:Microsoft Office Word), editor de planilha (ex.: Microsoft Office Excel), CD-ROM,
Pen Drive, Hipertextos e a própria Internet. O editor de texto é sedutor, pois o aluno
poderá apagar ou acrescentar frases sempre que quiser ao seu texto, sem rasuras e sem ter
que recomeçá-lo para isso, podendo, ainda, corrigi-lo ortograficamente. O editor de
planilha possibilita ao aluno desenvolver fórmulas, gráficos, tabelas.
O CD-ROM se apresenta como meio interativo e promissor. Por meio do conteúdo
presente na mídia do CD, o aluno pode aprender variadas coisas, já que nele pode ter desde
um simples texto até uma aula em vídeo. A internet é um “meio poderoso de transporte da
informação e de conteúdo em crescente expansão, e, aos poucos, está se tornando o meio
de comunicação entre as pessoas, por excelência” (Gadotti e cols. 2000, p. 253 apud
Marilda Aparecida Behrens, 2006, p. 115). A respeito da internet e educação se pronuncia
Gadotti (2000, p.6): O grande diferencial da internet num futuro próximo estará no uso intensivo do hipertexto e da hipermídia. O hipertexto introduziu uma nova linguagem na educação. O texto é linear, isto é, construído, organizado, tecido a partir de uma sequência de “linhas” que permitem “saída” ou “links”, elos de ligação com outros textos, imagens, sons, etc. a internet é essencialmente uma aplicação destas linguagem do hipertexto e principalmente do uso de diversas mídias (hipermídia). Com essa nova linguagem podemos navegar pelo assunto tratado, nos detendo no que mais nos interessa, aprofundando o que mais nos convém (apud, MORAN, MASETTO, BEHRENS, 2006, p. 115/116)
Previu o ilustre professor José Manuel Moran que “o objetivo é ter cada classe
conectada à Internet e cada aluno com um notebook” (MORAN, MASETTO, BEHRENS,
2006, p. 12). Sua previsão parecia ser a longo prazo, tendo em vista que foi dada em 2006,
mas já em junho de 2007 a Revista Nova Escola confirmou o previsto com a notícia: “cada
Criança (e professor) com seu Laptop”187. Trata-se de um projeto (Um Computador Para
Cada Aluno – UCA) que analisa a possibilidade do governo distribuir um computador
(notebook) para cada estudante. Vide parte da matéria:
186 MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos T., BEHRENS, Marilda Aparecida, Novas Tecnologias e mediação pedagógica, 12ª ed., Campinas SP: Papirus, 2000, p.137. 187 NOVA ESCOLA, A tecnologia que ajuda a ensinar. São Paulo: Abril, jun./jul. 2007, p. 29.
A EE Luciana de Abreu, em Porto Alegre, está passando por uma revolução. No dia 9 de abril, ela se tornou a primeira escola do país a receber laptops para serem usados, individualmente, pelos estudantes. A experiência gaúcha, que em breve deve ser repetir em outras quatro escolas brasileiras, servirá de base para o governo federal planejar a viabilidade de distribuir um laptop para cada estudante. (...) cem máquinas foram distribuídas para duas turmas de 4º série e duas de 6º e também aos dez professores que atendem a essas quatro salas na Luciana de Abreu. Outros 300 alunos esperam ganhar suas máquinas até o fim de junho e, num acordo informal, elas só serão levadas para casa quando a escola toda for contemplada. (p. 29)188
Com se percebe a tendência educacional é realmente a inserção da tecnologia, e esse procedimento se inicia a partir do computador.
4 A educação e novas tecnologias e a eficiência utópica
Muitas vezes a tecnologia se apresenta como a solução pronta e acabada para que
educação se torne eficiente. Entretanto, a tecnologia é o instrumento pelo qual a educação
chegará ao educado. Sendo assim, se apresenta como meio e não fim, pois uma tecnologia
eficiente não implica em uma educação também eficiente, já que o indivíduo ter
ferramentas apropriadas e eficientes, pois se ele não souber utilizá-las de forma adequada,
de nada adiantará tê-las. Os problemas educacionais não serão resolvidos apenas pelas
tecnologias, mas sim pela utilização adequada destas.
Bem alerta Hebertz Ferreira em seu artigo Processos interativos em ambientes
virtuais de educação: desafios e superação na Educação Superior on-line que os meios
tecnológicos não garantem por si só a excelência do ensino. Tal observação, feita à
educação à distância, pode ser estendida ao processo educativo em geral. Alias, mister
transcrever sua citação publicada na Associação Brasileira de Educação a Distância:É claro que os avanços tecnológicos contribuem para a utilização dos mais variados recursos didáticos. Mas, estes recursos didáticos, sozinhos, não podem transformar a educação em uma sociedade em transição, é necessário que os professores assumam novos papéis e redimensionem suas prática. (grifo do autor). 189
Segundo Cortella (1995, p.34)190, a tecnologia, especificamente o computador, se
não for bem utilizada não irá garantir a qualidade do ensino. Seu pensamento pode ser
desdobrado aos demais equipamentos tecnológicos. O mestre faz até uma comparação de
instituições de saúdes dotadas de equipamentos modernos e que, nem por isso, são
excelentes, vide:
188 Ferreira Hebertz, op. cit., p.29.189 Vieira (2006, p.10) Associação Brasileira de Educação a Distância - ABED, apud Hebertz Ferreira, op. cit., p. 164. 190 apud, LARA, op. cit., p. 19.
(...) a presença isolada e desarticulada dos computadores na escola nãob é, jamais, sinal de qualidade de ensino; mal comparando, a existência de alguns aparelhos ultramodernos de tomografia e ressonância magnética em determinado hospital ou rede de saúde não expressa, por si só, a qualidade geral do serviço prestado à população. È necessário estarmos muito alertas para o risco da transformação dos computadores no bezerro de outro a ser adorado em educação.
5 A utilização correta das novas tecnologias na educação
Traçar um manual com objetivo de indicar a forma correta de se utilizar as novas
tecnologias nas instituições de ensino está longe de ser uma tarefa fácil e não é objetivo
deste humilde trabalho, pois aquele seria o ápice, já que, pronto, e colocado em prática o
manual, presume-se que a educação atingiria um nível elevado em qualidade e alcançaria a
tão buscada excelência. No entanto, pode-se traçar “algumas pistas dos caminhos a
percorrer para que a integração dos novos meios técnicos aos processos educacionais
aconteça no sentido da construção da cidadania e da emancipação e não do simples
consumo”191, incentivado pelos fornecedores destas tecnologias.
Neste sentido, vale repetir uma regra primordial esculpida na revista Nova Escola:
“só vale levar a tecnologia para a classe se ela estiver a serviço dos conteúdos.”192. Isso
significa dizer que não é recomendado utilizar tecnologias para cobrir um planejamento
mal feito ou simplesmente para entreter os alunos.
As novas tecnologias podem ser utilizadas de diversas formas, porém algumas,
como se nota, são mais proveitosas. Cita-se, como exemplo, uma pesquisa feita pela
internet por um grupo de alunos da sétima série, na tentativa de explicar a condução de
energia elétrica. O conteúdo, que era considerado “chato”, pôde ser compreendido pelos
alunos, após uma leitura atenta de um texto e um experimento das ideias ali expostas: Ao esquentar uma panela com água e colocar duas colheres — uma de madeira e outra de alumínio —, o grupo notou que a de metal esquenta mais rapidamente e queima a mão. “Isso ocorre porque o alumínio é melhor condutor do que a madeira”, explica Matheus. Os estudantes também descobriram uma animação que mostra de onde vem a energia elétrica e a baixaram para ser exibida aos visitantes. 193
A experiência dos alunos pode ser repetida por outros a pedido dos professores para
que o conteúdo se mostre mais atrativo. A tecnologia ajuda a matéria a perder seu caráter
“chato”, pois “é importante conectar sempre o ensino com a vida do aluno. Chegar ao
aluno (...) pela experiência” (MORAN, MASETTO, BEHRENS, 2006, p.61).
191 GUIMARÃES, Gláucia Campos, presente em: BARRETO, Raquel Goulart (org.), PRETTO, Nelson de Luca... [et. al.], op. cit., p.56.192 NOVA ESCOLA, A tecnologia que ajuda a ensinar. São Paulo:abril, jun./jul. 2009, p. 51. 193 Site do Ministério da Educação DISPONÍVEL EM: < http://www.mec.gov.br> Acesso:22 jul.2009.15 hs.
A tecnologia pode ser utilizada no contexto escolar como um projeto abrangente
correlacionando várias matérias, como notou a professora Tânia, ao propor que os alunos
desenvolvessem um projeto do sistema solar com base na descoberta de um novo planeta.
A matéria fora exibida em um site na internet e lida pelos alunos da classe. Os alunos desenharam o sistema e o novo astro utilizando conhecimentos de Arte e Geometria, pesquisaram a composição de gases do Sol, da Lua e de alguns planetas em Ciências, simularam quanto seria gasto para levar alguns equipamentos básicos de sobrevivência para lá, o que envolveu conceitos de Matemática, e, claro, apresentaram o resultado da pesquisa por escrito, desenvolvendo conhecimentos em Língua Portuguesa, tudo com ajuda do laptop. 194
A internet pode ser utilizada para representar paisagem e cartografia em Geografia.
A revista Nova Escola dispõe uma sequência didática para sua utilização: Objetivos: Desenvolver a noção espacial e a representação cartográfica; comparar diferentes tipos de representação da superfície terrestre: mapas, fotos de satélite e imagens aéreas e tridimensionais. Conteúdo: Cartografia; localização espacial. Anos: 6º ao 9º. Tempo estimado. Oito aulas. Material necessário: papel, régua, lápis, computador com acesso à internet e o programa Google Earth (disponível para download em earth.google.com/itl/pt/). Desenvolvimento: 1º etapa: Oriente os alunos a observar o trajeto dede a casa até a escola, identificando pontos para a localização. Peça que transformem a observação num croqui, cuidando para representar as referências. 2º etapa: Diante do computador, divida a turma em grupos e solicite que explorem o site www.guiageomapas.com. Explique que o desafio é encontrar, entre os mapas disponíveis, um que mostre a localização da escola. Oriente-os a comparar os croquis com os mapas: os pontos de referência são os mesmos? Como são idênticos? Explique que os desenhos disponíveis são representações bidimensionais de espaços tridimensionais, com símbolos, legendas e escala específicos. 3º etapa: Hora de visualizar a localização em imagem real. Abra o programa Google Earth e convide a turma a buscar uma imagem da escola. Siga o seguinte procedimento: clique no botão “mostrar a barra lateral”, e espere a imagem “voar” até o país. Introduza o nome da cidade e oriente os estudantes a aproximar a imagem até o objetivo. Pergunte aos alunos se o que estão vendo. É a mesma visão que temos ao caminhar pelas ruas? Leve-os a perceber que imagens aéreas e de satélite são a real visualização da superfície no plano vertical. 4º etapa: peça que comparem a imagem do Google Earth com o croqui que haviam elaborado e observem o que querem acrescentar ou modificar. Avaliação: verifique se os alunos compreendem as diferentes formas de representação da superfície terrestre e se sabem se localizar em um mapa virtual. Para reforçar o entendimento, repita a sequência de atividades com outros pontos significativos, possibilitando que explorem os recursos de aproximação e distanciamento da visão no Google Earth para desenvolver a noção de pertencimento espacial desde o nível do bairro até o planeta.195
6 Educação sobre a perspectiva da legislação brasileira
A legislação brasileira obedece a uma posição hierárquica que, colocada em ordem
vertical, traz a Constituição ocupando posição privilegiada com relação às demais leis,
sendo que as normas inferiores não poderão ser incompatíveis com as normas superiores,
194 NOVA ESCOLA, A tecnologia que ajuda a ensinar. São Paulo: Abril, jun./jul. 2007, p. 29. 195 NOVA ESCOLA, A tecnologia que ajuda a ensinar. São Paulo: Abril, jun./jul. 2009. p. 54.
ou seja, aquelas que se encontram no topo do vértice.196 Deste raciocino, se faz necessária
uma análise prévia da Constituição Federal de 1988 (CF/88), para posterior observação de
leis infraconstitucionais.
6.1 A Educação e a Tecnologia Face à Constituição Federal de 1988.
A perspectiva política e a natureza pública da educação são realçadas na CF/88 não
só pela expressa definição de seus objetivos, mas também pela própria estruturação de todo
o sistema educacional. 197 O indivíduo bem instruído garante não apenas o seu avanço, mas
de toda a sociedade. Sob este ponto de vista, a CF/88 garante que a educação é um direito
social (art.6º)198 e mais adiante, em capítulo reservado à educação, cultura e desporto,
assegura que é direito de todos e dever do estado e da família garantir a educação (art.205).
Na classificação em dimensões ou gerações, a educação está esculpida nos direitos
de segunda geração dado o seu relevante valor social, pois tem capacidade de igualar os
cidadãos, tirando-os de um plano vertical e inserindo-os em um plano horizontal, ou seja,
posicionando-os num mesmo nível. Já os direitos à cibernética (informática, computação,
robótica) não são classificados em gerações pelo constitucionalista Pedro Lenza (2009,
p.670), consequentemente, podem ser considerados direitos de quinta geração. Por isso,
não há que se falar em sua regulamentação pela Constituição Federal de 1988, ou seja, os
direitos relacionados às novas tecnologias carecem de uma regulação pela norma maior do
Estado Brasileiro.199
A atual Constituição Brasileira regula a educação em seus artigos 205 a 214:
Coloca-a como um direito de todos e dever do estado, como princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, o pluralismo de idéias e o concepções, coexistências de instituições públicas e privadas, gratuidade do ensino público, valorização dos profissionais de ensino, gestão democrática do ensino público e garantia de qualidade. As universidades gozam de autonomia e devem obedecer a associação entre ensino/pesquisa/extensão. (ANGHER (org.), 2008, p. 83/84)
196LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, 12ª ed., rev. atual e ampl. São Paulo SP: Saraiva, 2009, p.149.197 RAPOSO, Gustavo de Resende: A Educação frente à Constituição, p. 03. Fonte: http://jus2.uol.com Acesso 26 de agosto de 2009, 2: 55 hs., p. 3.198 Os artigos que forem citados no decorrer desta obra foram retirados diretamente da fonte (lei) e a abreviação CF/88 faz alusão a Constituição da República Federativa do Brasil vigente a partir de 5 de outubro de 1988. A CF/88 pode ser encontrada em; ANGHER, Anne Joyce, organização, 6ª ed., São Paulo SP: Rideel, 2008.199 O presente trabalho trata de tecnologias no processo educativo, é mister ressaltar que a constituição regula, de forma abrangente, em capítulo próprio a CIENÊNCIA E TECNOLOGIA (artigos 218 a 219), e ainda A COMUNICAÇÃO SOCIAL (artigos 220 a 224) esses capítulos não foram analisados neste trabalho por não serem considerados essenciais ao tema.
Sobre a natureza da regulamentação da educação, a Constituição apresenta tanto
regras quanto princípios e define os mesmos com apoio do ilustre mestre doutrinador
Dworkin, citado por Gustavo de Resende Raposo: "(...) princípios são normas que exigem
a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com possibilidades fáticas e
jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou
nada”. Já as regras “são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem,
proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer exceção (direito
definitivo)". As normas são dotadas de coercitividade e tem aplicação imediata já os
princípios dependem de um juízo de ponderação de valores. 200
Quanto às leis infraconstitucionais, ou seja, as que estão abaixo da constituição,
compete privativamente à União, nos termos do artigo 22, XXIV da CF/88, legislar sobre
“as diretrizes e bases da educação nacional” e concorrentemente com o Distrito Federal e
os Estados sobre educação e ensino, como preceitua o artigo 24, IX, CF/88.
Desta competência atribuída à União, nasceu a Lei das Diretrizes e Bases da
Educação (Lei - 9.394/96), que passará a ser analisada frente às novas tecnologias.
6.2 A Educação e novas tecnologias na Lei das Diretrizes e Bases – LDB
No dia 20 de dezembro de 1996 foi sancionada a Lei das Diretrizes e Bases – LDB,
disposta em 92 artigos, cuja publicação no Diário Oficial da União se procedeu três dias
após a exposição201, com o escopo orientar a educação brasileira.
A essa lei várias críticas são feitas, a começar de sua terminologia, que deveria ser
menos econômica na definição, cujo título poderia ser: Lei das Diretrizes e Bases da
Educação (LDBE) e, não apenas Lei das Diretrizes e Bases.
Segundo o autor Demo (2004), as críticas levantadas à LDB relacionam-se também
às expressões nela contida, pois se sabe que sendo uma lei dotada de coercitividade, a
eficácia é esperada, porém o mesmo se impressiona com a má elaboração dos dispositivos
e conjuga que a mesma é dotada de vícios graças aos representantes políticos que são
responsáveis pelas votações. Vide: Não teria qualquer condição de passar com um texto “avançado”, no sentido de ser a “lei dos sonhos do educador brasileiro”. Como o Congresso Nacional é sobretudo um “pesadelo”, as leis importantes não podem deixar de sair com sua cara, e são, pelo menos em parte, também uma pesadelo. Lei realmente “boa” só
200 RAPOSO, Gustavo de Resende, op. cit., passim. 201 GOMES, Sandra Augusta dos Santos Dantas, Concurso Público Municipal, p. 11.
pode provir de um Congresso “bom”. Não é, obviamente, nosso caso, pelo menos por enquanto (DEMO, 2004, p. 10) .
“Devemos considerar lacuna deplorável na lei a falta de direcionamento no campo
da informática educativa” (DEMO, 2004, p. 87), ou seja, as tecnologias relacionadas à
cibernética, atuando nas instituições educativas, não são previstas na LDB. Mas é
necessária uma análise em alguns dispositivos da legislação na tentativa de explanar algo
correlacionado ao uso das novas tecnologias. Alerta-se que a busca é inovadora, podendo
incorrer em erros, mas a tendência é seguir fielmente o texto legal.
A esplendida obra de Pedro Demo (2004, p.25) tece duras críticas à LDB pelo fato
de ser bastante flexível. Nas palavras do autor ou título da obra, a flexibilização da LDB
demonstra “ranços e avanços”, que, se apresenta nas más interpretações ou interpretações
a favor do interesse de classes política ou professores desinteressados.
A flexibilidade da LDB, não querendo questionar o posicionamento do mestre,
possibilita uma prática pedagógica autônoma e propicia uma administração e gestão
financeira à escola202, que condiciona a execução de um projeto pedagógico livre, abrindo
espaço para que as instituições insiram novos projetos educacionais, não só em relação às
novas tecnologias, mas todos os demais meios que possam garantir uma melhor qualidade
da educação, o que é a exigência do artigo “3º, IX, da LDB”203.
Se a LDB não permitiu expressamente as inovações tecnológicas, também não as
proibiu. Para o Senador Darcy Ribeiro, uma figura importante da nova LDB, “sempre
esteve a idéia de uma Lei que não atrapalhe, já que uma lei assim é, de um lado, garante
espaço; de outro, fechando-se para outros espaços, começa a atrapalhar. Feita em si para
inovar, cai a trabalha de imaginar-se inovador sem inovar-se” (DEMO, 2004, p.15). Em
relação à utilização das novas tecnologias pelas instituições, “é praxe em todos os países
avançados; como se costuma dizer, educação é coisa tão importante que só pode ser bem
feita sob a vista dos interessados diretamente”. Assim, cabe às escolas implantarem tais
tecnologias da forma que acharem mais proveitosa, podendo os docentes auxiliar neste
trabalho, já que, como prevê o art. 13, inciso I da LDB, eles “deverão se incumbir de
participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”, e como
202 Sobre a autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira das instituições de ensino dispõe o art. 15 da LDB: “Os sistemas de ensino assegurarão à unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.” DEMO, Pedro, A NOVA LDB: Ranços e Avanços 17ª ed., Capinas SP: Papirus, 2004, p. 15. 203 GOMES, Sandra Augusta dos Santos Dantas, Concurso Público Municipal, p. 13.
ressalta Willian Felipe (2006), os docentes podem aproveitar para incorporar as que já
estão inseridas no dia a dia do aluno. Vide:
Na elaboração desta proposta pedagógica, é importante que os docentes, pensem em uma proposta que contextualize a realidade dos alunos, inclusive com a adequação das novas tecnologias sempre que for possível, para tanto é necessário que o docente também esteja acompanhando e se especializando em novas tecnologias. Nesta teia de relações, o docente com uma boa proposta pedagógica estará contribuindo para eficácia do artigo 22, onde o desenvolvimento do educando deverá ser assegurado, fornecendo-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores, ou seja, um futuro com sucesso (FELIPE, 2006, p.2) 204
O art. 32, I destaca que o ensino fundamental tem como objetivo a formação básica
do cidadão, mediante, entre outros, “a compreensão do ambiente natural e social, do
sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”.
Nesse sentido, é necessário que os educadores compreendam e saibam lidar com a
importância da tecnologia, competindo ao Poder Público oferecer-lhes cursos
profissionalizantes em matéria de tecnologia.
Já em decorrência do ensino médio, que almeja preparar o aluno para o trabalho e a
cidadania, de modo que ele continue aprendendo e seja capaz de se adaptar às novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento (art. 35, II), implicitamente está, mais uma
vez, a afirmação de que as tecnologias devem ser adaptadas às aulas, pois estão presentes
no cotidiano da sociedade e, a partir delas, o aluno continuará aprendendo.
Se pairava dúvida quanto à incorporação ou não de tecnologia nas escolas ser ou
não exigência legal, o art. 36, I, da LDB veio determinar expressamente que o currículo do
ensino médio deverá destacar a educação tecnológica básica.
O mesmo dispositivo prescreve, em seu parágrafo 1º, que “os conteúdos, as
metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do
ensino médio o educando demonstre: (...) domínio dos princípios tecnológicos que
presidem a produção moderna”. Não resta dúvida que o aluno, além de ter em seu
currículo tecnologias básicas, também passará por uma avaliação sobre o conhecimento
adquirido a respeito destas. Pode-se dizer que as tecnologias devem ser integradas apenas
aos currículos do ensino médio, mas pela discussão feita acima, nota-se que as mesmas
podem também ser ingressas no ensino fundamental.
Por corolário da influência do sistema capitalista, onde os educados sempre estão
em busca de preparação para o mercado de trabalho, aduz o art. 39 que a educação 204 FELIPE, Wiliam, LDB – Artigos relacionados com a tecnologia da comunicação e da informação, p. 2. DISPONÍVEL EM: <http://felipeguianemarcia.blogspot.com/2006/06/ldb-artigos-relacinados-com-tecnologia.html> Acesso: 14 out., 2009, 15 hs.
profissional deve “integrar as diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à
tecnologia”, como forma de desenvolver no aluno aptidões necessárias à vida produtiva.
Quanto à educação profissional, as suas finalidades são diversas e estão previstas
nos incisos do art. 43, mas cabe destacar o inciso III, que reza: “incentivar o trabalho de
pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia
e da criação e difusão da cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e
do meio em que vive” (grifo). É primordial que o ensino superior vise desenvolver a
tecnologia, pois dessa também desenvolve a sociedade.
É relevante também considerar que o professor pode fazer cursos de
aperfeiçoamento na modalidade de ensino a distância, já que preceitua o art. 67, III, VI, da
LDB, se faz necessário o aperfeiçoamento profissional continuado, pois considera-se que
“o professor que não estuda sempre não é profissional”(DEMO, 2004, p.49) e, não sendo
profissional, não estará apto a exercer uma atividade que, como já visto, se mostra como
avanço não apenas do individuo enquanto unidade, mas da coletividade.
7 Considerações finais
A educação realmente tem muito a ganhar com as novas tecnologias e estas devem
ser incorporadas ao processo educativo não só pela potencialidade, mas também porque a
sociedade em si já as utilizam em seu cotidiano, seja para o lazer ou trabalho.
As tecnologias utilizadas de forma correta podem trazer melhorias significativas na
educação, porém o modo correto de utilizá-las vária de instituição para instituição e
professor para professor, de modo que não se pode taxar um modelo único nem apresentar
uma receita pronta e acabada, vez que não existe um manual específico. Todavia, vale a
regra que se aplica a todos, atuando como um princípio de que “só vale levar a tecnologia
para a classe se ela estiver a serviço dos conteúdos.”
As novas tecnologias devem ser utilizadas na aprendizagem colaborativa, seja de
alunos e professores e/ou professores e professores, e a divulgação dos resultados,
positivos ou negativos, é extremamente importante para o progresso educativo.
Tanto se tem falado na implantação das novas tecnologias na educação, mas escapa
aos olhos o despreparo do docente para lidar com estas tecnologias. Ante esta questão é
necessário um treinamento específico, da maneira que o professor se adeque à realidade
social, se tornando um profissional apto e versátil, pois as tecnologias evoluem
constantemente e as dificuldades quanto a sua utilização também. O mestre docente não
necessita apenas saber utilizar o aparelho, mas também incorporá-lo ao conteúdo. É mister
ressaltar que junto a cada aparelho se encontra um manual a partir do qual pode se iniciar
uma aprendizagem tecnológica.
A legislação brasileira é bastante flexível, o que permite uma inserção tecnológica
no processo educativo. Entretanto sua utilização deve sempre se dar em busca de
melhorias. Quanto ao projeto pedagógico, cabe ao professor, interessado e comprometido
com sua profissão, interferir na elaboração do projeto pedagógico e advogar em favor da
inserção de novas tecnologias nos planos de aula, como prevê a lei.
Abre-se espaço para dar ênfase à Lei das Diretrizes e Bases, precisamente em seu
artigo 3º inciso VII, que aduz que o ensino será ministrado com base no princípio da
“valorização do profissional da educação escolar”. É lastimável a não observância de tal
princípio, não só as condições de trabalho em que se encontra o profissional da educação,
mas também os baixos salários ao qual estão submetidos. Tudo isso gera desmotivação e
leva a crer que é mais fácil para o professor desistir de sua profissão a ter que encarar
tantas evoluções sociais, tecnológicas, entre outras. Não há estimulo, ao contrário, há
decepções. É preciso relembrar que sem o professor não haveria médicos, advogados,
juízes, etc. Sem a base não existe prédio, e sem educação não existe progresso, e o “nosso
maior atraso histórico não está na economia, reconhecida como já importante no mundo,
mas na educação” (DEMO, 2004, p. 95).
Referências Bibliográficas
ANGHER, Anne Joyce, organização, Vade Mecum: Acadêmico de Direito, 6ª ed., São Paulo SP: Rideel, 2008.
AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira: coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Margarida Baird Ferreira; Lexicografia, Margarida dos Anjos... et. al., mini Aurélio Século XXI: o minidicionário da Língua portuguesa, 5 ª ed., Rio de Janeiro RJ: Nova fronteira, 2001.
BARRETO, Raquel Golart (org.), PRETTO, Nelson de Lucas... [et. al.], Tecnologias educacionais e educação a distância: Avaliação política e prática, 2ª ed., Rio de Janeiro RJ: Quartel, 2003.
DEMO, Pedro, A NOVA LDB: Ranços e Avanços 17ª ed., Capinas SP: Papirus, 2004.
FELIPE, Wiliam, LDB – Artigos relacionados com a tecnologia da comunicação e da informação, p. 2. DISPONÍVEL EM: <http://felipeguianemarcia.blogspot.com /2006/06/ldb-artigos-relacinados-com tecnologia.html> Acesso: 14 out., 2009, 15 h.
FERREIRA, Hebertz, Extra Classe. Revista de Trabalho e Educação/Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais-Belo Horizonte, v.3, p. 54 - 176, ago., 2008.
GOMES, Sandra Augusta dos Santos Dantas, Concurso Público Municipal.
LARA, Sonia Doralice Neiva, Novas Tecnologias Na Educação: Exigências Na formação de Professores, 2007. 34 f. Monografia (Pós-Graduação em Docência do Ensino Superior) Universidade Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni, 2009.
LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, 12ª ed., rev. atual e ampl. São Paulo SP: Saraiva, 2009.
MARTINS, Buenos Aires, Trad. PONTES, Elício (UNB). Texto traduzido de "Educación y Nuevas Tecnologias", La Obra, Revista de Educación nº 898, abr. 1995. DISPONÍVEL EM: <http://www.fe.unb.br/catedra/bibliovirtual/ead/educacao_e_novas _tecnologias.htm>, Acesso: 3 de out., de 2009, 15 h. MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos T., BEHRENS, Marilda Aparecida, Novas Tecnologias e mediação pedagógica, 12ª ed., Campinas SP: Papirus, 2000.
NOVA ESCOLA, A tecnologia que ajuda a ensinar. São Paulo: Abril, jun./jul. 2007.
_______________, A tecnologia que ajuda a ensinar. São Paulo: abril, jun./jul. 2009.
RAPOSO, Gustavo de Resende: A Educação frente à Constituição, p. 03. Fonte: http://jus2.uol.com. Acesso 26 de Agosto de 2009, 2 hs.
Sites Internet: http://www.mec.gov.br> Acesso: 22 jul. 2009. 15 hs. http://pt.wikipedia.org/wiki/Retroprojetor>: Acesso em: 13 de Outubro de 2009, 15 hs.
DIREITO DOS POVOS SEM ESCRITA
1 Aldany Gomes Brito*, Carlos André Brito de oliveira , Cássia Fernandes Amaral, Celma Regina Cardoso de Souza , Daiane Kelly De Santana Soares, Fabyana Rodrigues de Oliveira, Juliana Gomes da Cruz, Karina Chaves Rodrigues , Ronigleison Ribeiro Costa, Victor Antunes Barbosa Chaves
2 Alcilene Lopes de Amorim Andrade e Adriana Andrade RuasRESUMONo momento em que o homem evolui sem a escrita em que só havia definição do direito voltado pela religião e mitos, aonde os poderes sobrenaturais vinha através deles. Não conseguia distinguir o que vem a ser regras religiosas e judiciárias. A religião se confundia com a moral e o direito. Os povos viviam em comunidades isoladas, com seus próprios costumes e regras e através deles vinham às regras de comportamento impostas tradicionalmente pelo sistema matrilinear e patrilinear, passadas de pais para filhos, considerando como uma forma de se viver em comunidade. Muitas dessas regras de comportamento eram impostas pela pena de morte, penas corporais e banimento. Os clãs possuíam costumes próprios, suas religiões, e viviam isolados. Este é um trabalho, que tem como fonte uma pesquisa bibliográfica visando a compreensão de como era utilizado o direito dos povos que até então não faziam o uso da escrita. Palavras chave: Religião, regras, comunidade, banimento, costumes.
ABSTRACT
At the moment where the man evolves without the writing where he only had definition of the right directed for the religion and myths, where them to be able supernatural vine through them. It did not obtain to distinguish what it comes to be religious rules e judiciary. The religion if confused with the moral and the right. The peoples lived in isolated communities, with its proper customs and rules and through them they came to the rules of behavior traditionally imposed for the related to the female line in succession system and to patrilinear, last of parents for children, considering as a form of if living in community. Many of these rules of behavior were imposed by the penalty of death, corporal penalties and banishment. The clans possuíam proper customs, its religions, and lived isolated. This work, that has as source a bibliographical research aims at the understanding of as he was used the right of the peoples who until then did not make the use of the writing. Words keys: Religion, rules, community, banishment, customs.
INTRODUÇÃO
Não obstante, não terem desenvolvido a escrita, povos como incas na América do Sul e os
maias na América Central, atingiram patamares elogiáveis de desenvolvimento. Há um
axioma jurídico que diz, “Onde está o homem, está o direito” (KLABIN. Historia Geral
* Acadêmicos do primeiro período de Direito UNIPAC - TO
do Direito. São Paulo. 2004) Assim sendo, tais povos, ainda que de forma rudimentar,
tiveram esboços de ordenamento jurídico.
As regras destes povos eram ligadas à religião, ou seja, com as superstições que
por sua vez,comunicavam os direitos e deveres através dos fenômenos naturais. Daí nasce
a história do direito. Eram desses costumes,que podiam ser conceituados como sendo
forma tradicional de se viver em comunidade. Nesta época, quem desobedecia as regras,
sofria com a pena de morte,castigos corporais e até mesmo o banimento,alguns integrantes
de certa comunidade,optavam que mesmo fora da sociedade, temido aos castigos divinos.
Essas comunidades tiveram o nome de “clã” ,que devido aos laços consangüíneos
que surgiu a aproximação formando então a etnia. Se algum dos membros sofresse
agressões, todo o clã se sentia ofendido.
Para os operadores do direito esse estudo é fundamental, sendo que ainda hoje há
leis que não estão escritas, porém são usadas mediante a necessidade. O objetivo desse
artigo passa a ser estimular todos os estudantes de direto para que si interessem ainda mais
pela historia do direito e principalmente pelo direito dos povos sem escrita.
METODOLOGIA
Quanto aos meios considera-se uma pesquisa bibliográfica, pois parte de leituras,
pesquisas e analise de livros, revistas e artigos científicos. Quanto aos fins, trata-se de uma
pesquisa descritiva uma vez que a intenção é evidenciar e caracterizar os conhecimentos
entre os Incas e os maias, considerados “povos sem escrita”.
1 A ORIGEM DO DIRETO DOS POVOS SEM ESCRITA
Não se pode estudar a história do direito sem documentos escritos e conservados,
então se faz necessário distinguir dois momentos. A pré- história do direito tem como base
o conhecimento e não a escrita do direito era ágrafa. Por não serem direitos escritos os esforços de formulação de regras jurídicas abstratos são bastante limitados, observe-se que mesmo os escritos como o código de Hammurabi, praticamente não possuíam regras abstratas, sendo praticamente uma complicação de casos concretos. ( FABIO e RENAN, 2007p. 28)
A origem do direito situa-se na época da Pré-história, que significa que dela quase
nada sabe. Os caracteres gerais dos povos sem escritas eram que cada comunidade tinha o
seu próprio costume, vivendo isoladamente. Cada uma provia seus próprios recursos, seu
sistema de economia era fechado, orvtárquico.
Havia, contudo, alguns principais considerados fundamentais. A solidariedade
familiar, a ausência de propriedade imobiliária, responsabilidade individual. O direito era
fortemente impregnado pela religião, nessa época eram comum a moral, a religião e o
direito se confundirem. Era justo tudo aquilo que interessava para manutenção da união do
grupo social e não o que tendia ao respeito dos direitos individuais. As fontes do direito,
eram exclusivamente os costumes, ou seja, a maneira tradicional de viver na comunidade.
A religião e o direito se misturavam já vinha do costume o respeito e o medo das
sanções impostas àqueles que detinham o poder. Os provérbios e os brocardos eram modos
freqüentemente de expressão dos costumes. O clã e os seus membros tinham tendência de
unir a outro clã para fazer frente aos inimigos comuns, os clãs eram reforçados por ter um
antepassado comum, o desenvolvimento e mesmo a sobrevivência, do clã dependia da
união de seus membros. O individuo não tinha qualquer direito. O clã formava uma
comunidade de pessoas e também de bens. Deixaram para o direito, o casamento, a
sucessão, a doação, a emancipação, a etnia. (ALTAVILA. 1989).
A etnologia; é a ciência das etnias ou do povo, na organização dos povos sem
escrita, etnia constitui a estrutura sociopolítica. Há uma língua comum um território,
costumes próprios.Uma justiça unificada limita a solidariedade ativa e passiva das famílias e dos clãs, gradualmente as vinganças privadas prejudiciais ás etnias, que significam o seu enfraquecimento ou mesmo a sua destruição são substituídas por novas regras, como a lei de talião, que visava reparar o dano impondo o mesmo prejuízo ao agressor. (FABIO e RENAN, 2007, p. 31).
A etnia indentifica- se a uma tribo modo dos bens de detenção, o laço que unia o
individuo aos membros de seu clã era religioso. Da mesma forma, tudo o que faz parte do
seu corpo e que dele foi separado fisicamente continua a identificá-lo. Os bens eram a
principio, inalienáveis, o solo era sagrado, divinizado.
2 POVOS SEM ESCRITA
Eram povos que não utilizavam à escrita, mesmo assim chegaram ao máximo do
desenvolvimento. Uma dificuldade gritante é a reconstituição do direito destes povos.
Neste sentido, urge citar o seguinte:Quando falamos no direito dos povos sem escrita, temos enorme dificuldade em conceituá-los, já que com base em estudos orqueológicos é possível reconstituir os vestígios deixados pelos povos pré-históricos,como moradias, armas, cerâmicas , rituais etc.; ( HISTORIA GERAL DO DIREITO apud FABIO e RENAN, 2007, p. 28).
Assim é possível determinar a evolução social e econômica. Mas o direito requer,
além de seus itens, o conhecimento de como funcionam as instituições na época em
questão, o que é deveras difícil de constituir. Pode-se dizer que essa pré-história do direito
escapar quase inteiramente ao conhecimento. Tendo em vista que, no momento em que os
povos entram na história, a maior parte das instituições jurídicas já existem, mesmo que
ainda misturados com a moral e com a religião, como o casamento, a propriedade, a
sucessão, o banimento. Assim traçamos como características gerais do direito nesses povos
o seguinte:
Raras regras abstratas delimitadas; muito valor a compilação de casos concretos; o
costume como o a principal fonte do direito; pluralismo jurídico exarcebado ; cada
comunidade tinha seu próprio costume,grande junção entre direito e religião, grande temor
em relação aos poderes sobrenaturais; inexistência de distinção entre direito , religião e
moral; inexistência de padrões razoáveis sobre o termo justiça, penas muito rígidas. A pena
de morte, e as penas corporais eram muito comuns; tolerância a poligamia, mas sendo
comum apenas união de um homem com mais de uma mulher, não o inverso, utilização
subsidiária de provérbios, poemas e lendas religiosas ou culturais como fontes do direito.
(GILISSEN, 2001).
A idéia do costume como fonte do direito em povos primitivos pode ser reforçada
pela seguinte passagem:A obediência ao costume era assegurada pelo temor dos poderes sobrenaturais e pelo medo da opinião pública, especialmente o medo de ser desprezado pelo grupo em que se vivia. Naquela época, um homem fora do seu grupo, vivendo isoladamente, podia considerar-se fadado á morte. (GILISSEN. Introdução histórica ao direito. 2001)
3 CARACTERISTICAS DOS POVOS SEM ESCRITA
De acordo com KLABIN, 2004, as principais características dos povos sem escrita
podem assim ser definidas:
Direito sem escrita
Caracterizado pela ausência de textos escritos, um direito que era transmitido
oralmente, inexistindo códigos ou leis escritas, respeitadas religiosamente.
Economia
Como tinham pouco contato com os outros grupos, tratava-se de uma economia
fechada. O sustento era por meio da pesca, da caça, alimentavam-se do que apanhavam nas
águas, nas árvores não havia o sistema de troca com outros grupos.
O direito e a religião
A base de todo o direito era a religião, o homem vivia temente aos poderes
sobrenaturais, e ao que poderia acontecer caso transgredisse. Temia o castigo do poder
divino, podendo desencadear sobre o individuo ou por ter todo o grupo uma série de
calamidades. Assim eram ditadas as regras de conduta.
Direito em nascimento
Não há ainda uma consciência do jurídico, sendo a religião a base das regras de
conduta do individuo na sociedade. Os costumes ditam as regras, que são voltadas para os
interesses do grupo e não para os indivíduos.
Fontes do direito
O costume é a principal fonte do direito nessas comunidades, o precedente
judiciário, os provérbios e adágios.
Casamento
Realizado por membros de famílias diferentes; existia a tolerância da poligamia,
mas sendo mais comum a união de um homem com mais de uma mulher, ocorrendo muito
raramente a poliandria.
Família matrilinear
Nesta sociedade a família está concentrada sobre a linhagem pai-filho-neto. As
filhas e as netas fazem parte também, enquanto não são casadas; pelo seu casamento
deixam o grupo familiar do seu pai para entrarem no de seu Marido.
O chefe é o pai. Neste sistema normalmente, a habitação do pai é o centro de vida
familiar.
Clã
A mais rudimentar das formas sociais de convivência. A responsabilidade é do
grupo e não do individuo. O grupo responde pela ofensa ou pela vingança.
O culto aos antepassados
O clã é constituído por certo parentesco místico, pois se consideram descendentes
de um totem, antepassado comum sagrado – animal ou planta.
A etnia
Conforme os clãs vão evoluindo, crescendo, formam-se as etnias. A comunidade
que tem um nome comum, uma consciência de grupo, uma língua, costumes próprios.
Podemos dizer que a etnia é a origem da formação de um estado, quando sua
estrutura começa a tomar forma de uma organização mais estruturada e desenvolvida.
Modo de detenção de dos bens
O místico assume uma proporção tão grande na vida da comunidade que, o
individuo sente-se ligado a certos objetos e tudo o que fazia parte de seu corpo e foi
separado dele, continua a identificar- se com ele.
Com a morte do chefe do clã, o que lhe pertence a muitas vezes enterrado ou
incinerado com ele. Com exceção das necessidades da comunidade, aparecendo assim às
primeiras formas de sucessão de bens.
Etnias nômades
Grupos que não se fixavam num lugar, aproveitando os recursos naturais até que
estes se esgotassem, abandonando a terra.
Etnias sedentárias
Com a sedentarização, os clãs aprenderam a produzir e cultivar a terra, ficando
moradia. Começa a aparecer à noção de propriedade familiar, depois individual no solo, e
ao mesmo tempo de sucessão imobiliária e de alienabilidade dos imóveis, em torno das
atividades agrícolas surgiram às aldeias.
Classes Sociais
A apropriação do solo, diferenças de produção de um clã para outro, aparecem
ricos e pobres, classes sociais, rompe-se ai o que era um regime igualitário, fazendo surgir
a hierarquização da sociedade.
“Alguns autores defendem que nesse estágio não podemos falar em regras jurídicas, em
direito propriamente dito” (FABIO e RENAN, 2007, p. 29).
4 DIREITO DOS POVOS SEM ESCRITA
Direitos característicos dos povos sem escrita são importantes e relativamente
diversificados. ”São direitos ainda em formação, em gestação, longe das instituições que
conhecemos e que são definidas nos sistemas romanistas ou do commom Law” (FABIO e
RENAN, 2007, p. 28). Regras jurídicas abstratas são direitos não escritos. Esses direitos
são numerosos nas comunidades estão impregnados de religião nas sociedades arcaicas.
Têm um sistema jurídico ligado ao estado; os direitos em nascimentos reafirmam seus
grupos de organização estatal .
Dos etnólogos juristas distinguem uma fase: O pré direito corresponde á passagem
ao consciente senão inteligente, do comportamento inconsciente. Pode- se dizer que as
fontes do direito são: Os costumes, as leis, e o precedente histórico; vale à pena acrescentar
os provérbios e os adágios. (klabin, 2004)
O clã tem muitos mitos e rituais próprios, sempre tem interdições alimentares.
Sobrevivência do clã depende da coesão entre os membros ligados pela solidariedade.
Muitos clãs têm instituições de direito privado.
Etnia identifica a tribo na federação de clãs; seus direitos atendem à comunidade de
pessoas e bens. Com a dádiva pública surgiu o “Potlatch”, revista a sedentarização, o solo
não é mais sagrado. No interior das etnias aparece a propriedade familiar... Trocas e
desigualdades econômicas criam classes sociais, aparecem às cidades e os direitos urbanos
serão escritos.
5 CONCLUSÃO
Entende-se que os povos sem escrita foram pessoas que, apesar de pouca “mão de
obra” pode se desenvolver através da necessidade de vivenciar em grupo um conhecimento
primitivo da arte que hoje e conhecido como ciência jurídica ou direito
Nessa época existia uma ideologia voltada ao teocentrismo surgindo então regras e
normas. Aquele que não cumprisse sofreria castigos , pena de morte ou ate mesmo
banimento do grupo. Dessa forma não poderia assimilar normas teocêntricas com normas
jurídicas.
Através da revisão bibliográfica foi possível uma compreensão mais profunda do
direito dos povos sem escrita, porém não se pode resumir esse imenso campo histórico em
apenas dois povos, que foram os incas e os maias. É necessário abranger o estudo
conhecendo outros estados ,que também são de fundamental importância para o estudo do
direito.
Poder-se-ia incluir no texto, os egípcios, hebreus, os povos da mesopotâmia,
romanos, gregos, entre outros. Sabe-se, que estes foram fundamentais para o
desenvolvimento dessa ciência jurídica. O direito consuetudinário era usado nessa época,
pois eram baseados em costumes. Costumes esses que ao passar do tempo passariam a ser
normas.
REFERÊNCIAS
KLABIN, Aracy Augusto Leme. Historia Geral do Direito. São Paulo: Editora revista dos tribunais. 2004.
ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos dos Povos 6.Ed. São Paulo: ícone . 1989.
COULANGES, numa Denis Fustel de. A cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2001.
GILISSEN, Jonh. Introdução histórica ao direito. 3. Ed Lisboa: Fundação calouste Gulbenkian, 2001.
MACIEL, José Fabio Rogrigues, AGUIAR Renan. História do Direito. Editora Saraiva 2007.i
PARCERIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CONVENIOS E CONSÓRCIOS
Edmar Pereira da Silva
Graduando em Direito – 7 Período – Faculdade
Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni
Luma Teixeira de Oliveira
Graduando em Direito – 7 Período – Faculdade
Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni
Patrícia Nunes Farias
Graduando em Direito – 7 Período – Faculdade
Presidente Antônio Carlos de Teófilo Otoni
RESUMO
Convênios e Consórcios são instrumentos utilizados pelo Poder Público ao
associar-se, respectivamente, com entidades públicas de mesmo ou diferentes níveis, e
entidades públicas ou privadas, para realizar as atividades de interesse comum. Tratam-se
de acordos de vontade, sem finalidade lucrativa para a execução de programas ou projetos
de governo, atividades, serviços e gestão associada na realização do interesse público.
Com adesão livre, os convênios e consórcios estão subordinados aos princípios gerais que
disciplinam as atividades da Administração Pública.
Palavras chave: convênios, consórcios públicos, contratos, gestão associada.
ABSTRACT
Covenants and Consortia are instruments used by Government to join, respectively,
with public entities of the same or different levels, and public or private entities, to
perform the activities of common interest. These agreements will, without lucrative
purpose for running programs or Government projects, activities, services and associated
management in the public interest. With free membership, the Covenants and consortia are
subordinate to the General principles that govern the activities of public administration.
Keywords: agreements, public consortia, contracts, management associated with.
Intróito
Ao se organizar, a sociedade transferiu ao Estado poderes para geri-la e administrá-
la, entretanto impôs ao mesmo Estado os deveres de defender seus interesses e promover o
bem estar de todos.
O Estado, por sua vez, percebeu que não conseguiria atender as necessidades
sociais sem o uso de mecanismos de parceria, seja entre o próprio Estado em suas
diferentes esferas, seja com o particular. Assim, instituiu instrumentos que possibilitassem
essas associações, de maneira que atendesse demandas da sociedade respeitando os limites
impostos à Administração Pública. Nesta finalidade surgem os institutos dos Convênios e
Consórcios Públicos.
Os convênios e consórcios públicos, suas especificidades e objetivos, bem como a
aplicação dos consórcios públicos na área da saúde nos Vales do Mucuri e Jequitinhonha
constituem o objeto do presente estudo.
1. Convênios
1.1 Definição
Conceitua-se convênio de conformidade com o Decreto 6.170, editado em 2007,
em seu artigo 1º, §1º, assim como outros conceitos, in verbis:
§ 1º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:I - convênio - acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando a execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação;II - contrato de repasse - instrumento administrativo por meio do qual a transferência dos recursos financeiros se processa por intermédio de instituição ou agente financeiro público federal, atuando como mandatário da União;III - termo de cooperação - instrumento por meio do qual é ajustada a transferência de crédito de órgão da administração pública federal direta, autarquia, fundação pública, ou empresa estatal dependente, para outro órgão ou entidade federal da mesma natureza; (Redação dada pelo Decreto nº 6.619, de 2008)IV - concedente - órgão da administração pública federal direta ou indireta, responsável pela transferência dos recursos financeiros ou pela descentralização dos créditos orçamentários destinados à execução do objeto do convênio;V - contratante - órgão ou entidade da administração pública direta e indireta da União que pactua a execução de programa, projeto, atividade ou evento, por intermédio de instituição financeira federal (mandatária) mediante a celebração de contrato de repasse; (Redação dada pelo Decreto nº 6.428, de 2008.)
VI - convenente - órgão ou entidade da administração pública direta e indireta, de qualquer esfera de governo, bem como entidade privada sem fins lucrativos, com o qual a administração federal pactua a execução de programa, projeto/atividade ou evento mediante a celebração de convênio;VII - contratado - órgão ou entidade da administração pública direta e indireta, de qualquer esfera de governo, bem como entidade privada sem fins lucrativos, com a qual a administração federal pactua a execução de contrato de repasse;(Redação dada pelo Decreto nº 6.619, de 2008)VIII - interveniente - órgão da administração pública direta e indireta de qualquer esfera de governo, ou entidade privada que participa do convênio para manifestar consentimento ou assumir obrigações em nome próprio;IX - termo aditivo - instrumento que tenha por objetivo a modificação do convênio já celebrado, vedada a alteração do objeto aprovado;X - objeto - o produto do convênio ou contrato de repasse, observados o programa de trabalho e as suas finalidades; eXI - padronização - estabelecimento de critérios a serem seguidos nos convênios ou contratos de repasse com o mesmo objeto, definidos pelo concedente ou contratante, especialmente quanto às características do objeto e ao seu custo.(Redação dada pelo Decreto nº 6.428, de 2008.)
Destarte, visualiza-e o convenio como um instituto jurídico que autoriza à União,
Estados, Municípios e entes da administração indireta a atender o interesse publico a partir
do trabalho integrado, podendo este ocorrer nas áreas de competência concorrente ou ainda
quando “a realização material da finalidade pública está diretamente relacionada com o
interesse geral e, portanto, também assiste aos demais cooperarem no que for possível”205.
A criação dos convênios se deu a partir da necessidade de efetivação de programas
locais pelas administrações públicas para sanar algumas deficiências. Quando este for
instituido, ocorrerá a descentralização da Administração Federal, que delegará, completa
ou parcialmente, o implemento de programas, com características locais, as entidades ou
órgãos estaduais ou municipais, encarregados de serviços semelhantes, desde que estejam
devidamente aparelhados. Excepcionalmente, poderá ocorrer o inverso.
1.2 Previsão Legal e Limite Constitucional
A Constituição Federal de 1967, já previa expressamente acerca dos convênios, em
seu art. 13, parágrafo 3º, que dispunha assim:
Art 13 - Os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e pelas leis que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes:(....)§ 3º - Para a execução, por funcionários federais ou municipais, de suas leis, serviços ou decisões, os Estados poderão celebrar convênios com a União ou os Municípios.(BRASIL, 1967)
205 BRUCH, 2008. p.6.
Entretanto, na Constituição de 1988 não há esta especificação, constando apenas no
parágrafo único do art. 23 que trata da competência comum nas áreas de saúde, assistência
social dentre outros, que cabe à Lei complementar disciplinar a cooperação entre os entes
federados.
Desta sorte, fundamentava-se legalmente o convênio pelo Decreto-Lei nº 200/67,
que norteava a reforma administrativa e determinou que os trabalhos da administração
federal fossem caracterizados pela descentralização.
O objetivo da instituição dos convênios está disposto no art. 10, parágrafos 1º, 5º e
6º da referida instrução, que tem a seguinte redação:
Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.§ 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais:a) dentro dos quadros da Administração Federal, distinguindo-se claramente o nível de direção do de execução;b) da Administração Federal para a das unidades federadas, quando estejam devidamente aparelhadas e mediante convênio;c) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões.(...)§ 5º Ressalvados os casos de manifesta impraticabilidade ou inconveniência, a execução de programas federais de caráter nitidamente local deverá ser delegada, no todo ou em parte, mediante convênio, aos órgãos estaduais ou municipais incumbidos de serviços correspondentes.§ 6º Os órgãos federais responsáveis pelos programas conservarão a autoridade normativa e exercerão controle e fiscalização indispensáveis sobre a execução local, condicionando-se a liberação dos recursos ao fiel cumprimento dos programas e convênios.(BRASIL, 1967)
Esta cooperação assume novo impulso com a Emenda Constitucional n. 19/98 e
posteriormente com a emenda nº 53, de 19 de dezembro de 2006. A partir da "Reforma
Administrativa" em nível constitucional, introduziu-se a declaração clara relacionada aos
convênios na Constituição Federal de 1988, atribuindo nova redação ao art. 241 CF, in
legis:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
É de competência legislativa da União o edito de normas gerais, conforme previsão
do artigo 22 da Constituição Federal no inciso XXVII, a saber:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:(...)XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
Uma vez já citado quem é competente para legislar sobre esta matéria resta dizer
que referente à aplicação das normas esparsas, deve ser considerado o tipo de convenio e
sua esfera de atuação.
Como podem ser realizados pelas esferas Federal, Estadual e Municipal, cada uma
destas pode desenvolver um arcabouço legislativo especifico e exclusivo.
Os convênios são citados, ainda, na Lei complementar nº 101/2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal), que enumera os “convênios como meio legítimo de repasse de
verba entre municípios, e como modo legítimo de formação de dívida”206.
1.3 Personalidade Jurídica
A lei admite a possibilidade dos entes federativos se associarem através de dois
institutos contratuais: os convênios de cooperação ou consórcios públicos, como observado
no art. 241 da Constituição Federal, sendo permitida a gestão associada, que é a associação
voluntária de entes federados.
Para os convênios não há formação de personalidade jurídica, uma vez que buscam
a satisfação de objetivos comuns e dependem da vontade dos associados. Não existem
vínculos contratuais entre as partes, sejam elas órgãos ou entidades da Administração ou
ainda os particulares. Trata-se de uma cooperação associativa207.
Quanto aos convênios de cooperação na gestão associada, visualizam-se algumas
particularidades que são peculiares aos convênios administrativos, como a impossibilidade
de praticar qualquer ato jurídico por conta própria devido a ausência de personalidade
jurídica, devendo este ser praticado por um dos entes conveniados.
1.4 Fases do Convênio
206 ZANELLA, 2009. 207 SZKLAROWSKY, 1997.
São quatro as fases que envolvem a celebração de um convênio: proposição,
celebração/formalização, execução e prestação de contas. Cada uma delas abrange diversas
especificidades.
A Lei de Licitações e Contratos nº 8.666/91, artigo 116 e seus parágrafos, dispõem
sobre alguns dos procedimentos a serem adotados aos convênios, assim exposto:§ 1º A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da Administração Pública depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:I - identificação do objeto a ser executado;II - metas a serem atingidas;III - etapas ou fases de execução;IV - plano de aplicação dos recursos financeiros;V - cronograma de desembolso;VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas;VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estãodevidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recairsobre a entidade ou órgão descentralizador.(BRASIL, 1991)
O parágrafo em comento descreve os requisitos essenciais para a celebração dos
convênios, afirmando que dependem de prévia aprovação dos formulários necessários, que
deverão conter um mínimo das informações exigíveis.
Inicialmente, o proponente deve analisar e identificar as carências e prioridades
locais e descrever com clareza e sucintamente as razões que fundamentam a solicitação de
apoio financeiro ao programa, projeto ou evento, evidenciando os benefícios sociais a
serem alcançados.
De tal modo, a proposta elaborada deverá ser encaminhada pelo Portal de
Convênios do Governo Federal e Siconv, mediante a apresentação do Plano de Trabalho
contendo no mínimo as razões que justifiquem a celebração do convênio, a descrição
meticulosa do objeto a ser executado e a exposição das metas a serem atingidas, qualitativa
e quantitativamente; a licença ambiental prévia, caso o convênio for relativo a obras,
instalações ou serviços que dependam de estudos ambientais; os módulos ou fases da
execução do objeto, com previsão de início e término; o plano de aplicação dos recursos a
serem desembolsados pelo concedente e a contrapartida financeira do proponente, caso
necessário, para cada projeto ou evento; o cronograma de desembolso; dentre outros
requisitos.
A celebração do Convênio dar-se-á pela assinatura e publicação dos extratos no
Diário Oficial da União de modo a dar eficácia ao ato e permitir a transferência de recursos
financeiros e os atos referentes à operacionalização dos convênios serão publicados no
Portal de Convênios do Governo Federal.
O convênio deve vigorar enquanto se executam as metas propostas, de acordo com
o estabelecido, devendo as partes realizar com fidelidade suas atribuições, harmonizando
os aspectos físicos e econômicos, respondendo por suas respectivas omissões e os efeitos
destas, conforme o disposto em lei.
Os recursos disponibilizados devem ser usados para o fim a que se destinam; o
desvio das verbas implica em falta grave. De todo recurso disponibilizado para satisfação
dos convênios é requerida a prestação das contas, bem como a demonstração de sua
regular aplicação através de documentos e relatórios de cumprimento do objeto. O uso
irregular dos recursos permitirá providencias a serem tomadas pela autoridade
administrativa competente do órgão repassador, no interesse de regularizar as diferenças.
Apenas em último caso instaura-se a Tomada de Contas Especial, julgada pelo Tribunal de
Contas a fim de apurar a culpa por danos causados e obter o respectivo ressarcimento.
2. Consórcios Públicos
2.1 Conceito
A partir da Lei n° 11.107/2005, regulamentada pelo Decreto n° 6.017/2007, busca-
se definir e comentar a respeito das normas gerais de contratação dos Consórcios Públicos.
Entende-se por consórcios públicos os acordos celebrados entre entidades estatais
da mesma espécie ou nível, bem como entre diferentes entidades federativas, criadas
mediante autorização legislativas, visando à realização de interesses e objetivos comuns na
gestão de serviços públicos, sendo resultado da livre associação das entidades federativas.
Há entre os doutrinadores expressivo descontentamento com a promulgação da Lei,
conforme citação de Maria Sylvia de Di Pietro: “A lei é, sob todos os aspectos, lamentável
e não deveria ter sido promulgada nos termos em que foi. Mais do que resolver
problemas, ela os criou, seja sob o ponto de vista jurídico, seja sob o ponto de vista de sua
aplicação prática.”208. Segundo a autora, vários são os absurdos observados na legislação,
desde seu preâmbulo.
2.2 Fundamentação e Limites Constitucionais
208 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria publico-privada e outras formas. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2009. Pag. 238.
A previsão constitucional para a celebração de consórcios públicos encontra-se no
art. 241 da Carta Magna do qual se entende que cada ente federativo editará lei para
disciplinar a matéria. Assim, a lei 11.107/05 não se amolda a este artigo, visto que esta não
disciplina normas da União para a União e sim normas gerais de contratação de consórcios
públicos.
Todavia, merece atenção o art. 22, XXVII, que dá competência legislativa a União
sobre normas gerais de licitação e contratação para as administrações publicas diretas,
autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Destarte, é
valido o entendimento de que a Lei 11.107/05 tem suas bases neste artigo, já que a lei em
referencia prevê a formalização dos consórcios públicos por um contrato.
Não se pode esquecer que a Constituição impõe limites que devem ser observados
em todas as fases da celebração dos consórcios públicos, bem como na fixação de seus
objetivos, sendo estes a autonomia dos entes federativos e a repartição de competências.
A autonomia dos entes federativos se verifica nos termos do art. 18, caput, da
norma constitucional e abarca os conceitos de auto organização, auto legislação, auto
administração, obedecidos os modelos determinados pela própria Constituição. Na
construção do consórcio público não se poderá excluir ou mitigar a autonomia dos entes
federativos, especialmente no âmbito das decisões precipuamente políticas.
Quanto à repartição de competências, é importante lembrar que os consórcios
públicos não podem extrapolar as competências constitucionais dos entes federativos que
os integram, visto que todos os entes da administração direta possuem atribuições
especificas e um ente não pode exercer as funções que são constitucionalmente atribuídas a
outro. Os consórcios públicos possuem objetivos restritos à atividades essencialmente
administrativas e operacionais, de modo que não se pode deduzir a renuncia de
competências de um ente consorciado em favor de outro ou mesmo em favor do próprio
consorcio, embora na formação destes se deleguem atividades decorrentes das
competências constitucionais. Não há transferência total e definitiva destas atribuições
2.3 Natureza jurídica
Em seu art. 1°, §1° a Lei em epigrafe afirma: “O consórcio público constituirá
associação pública ou pessoa jurídica de direito privado”. Tal afirmação de imediato
favorece o entendimento de que em qualquer modalidade de formação de consórcio
público implicará a constituição de uma pessoa jurídica. Até a edição da Lei 11.107/2005
os consórcios públicos não assumiam personalidade jurídica, e, portanto não seriam
capazes de assumir direitos e obrigações sendo apenas um acordo de vontades para
consecução de fins comuns. Com esta inovação, os consórcios adquirem uma incontestável
característica legal, sendo sujeitos de direitos e obrigações, acelerando suas atividades e
conferindo segurança para os consorciados e aos terceiros envolvidos nas relações
jurídicas estabelecidas.
O art. 6° define as espécies de personalidades jurídicas a serem adquiridas
conforme a constituição do consórcio, sendo estas de direito público e de direito privado.
Em se tratando de pessoa jurídica de direito público, a lei prevê a constituição de uma
associação pública, que integrará a administração indireta de todos os entes da Federação
consorciados (visto §1° do art. 6°). A definição de associação pública é trazida por Odete
Medauar e Gustavo de Oliveira na citação do português Vital Moreira, que afirma ser a
associação pública “o ente público corporacional cujo substrato é constituído por uma
colectividade ou conjunto de particulares portadores de determinada posição ou interesse
especifico comum”209. Estas associações em especial, gozarão de todos os privilégios e
atribuições específicos das pessoas jurídicas de direito público como prazos estendidos,
duplo grau de jurisdição, etc. Insta observar que a personificação da associação pública é
imediatamente posterior à vigência das leis de ratificação no protocolo de intenções, que
dispensam quaisquer tramites notarias210. No que tange a personalidade jurídica de direito
privado, o consórcio atenderá os requisitos da legislação civil (art. 6°, caput), entretanto
observará “as normas de direito público no que concerne à realização de licitação,
celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regido pela
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT” (art. 6°, § 2°).
Destacam-se algumas considerações referentes à formação da pessoa jurídica de
direito privado quando da constituição do consórcio público. A leitura do artigo 15 da Lei
em estudo nos informa que nos casos que não contrariem a mesma, nos consórcios
públicos, independentemente de sua personalidade jurídica, serão aplicados os dispositivos
referentes às associações civis, o que faz concluir que o consorcio público de natureza
privada se trata desta espécie de pessoa jurídica. Há preocupação doutrinaria relativa a esta
209 MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios públicos: Comentários à Lei 11.107/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 26. Citação extraída de Vital Moreira, Administração autônoma e associações públicas, p. 382.210 Idibid. P. 74. Os autores ainda estabelecem uma discussão a respeito do momento em que se adquire a personalidade jurídica, considerando que o dispositivo legal menciona mais de uma lei de ratificação. Neste caso são cabíveis os questionamentos se a norma se refere a todas as leis de ratificação ou apenas uma parcela das leis de ratificação. Por fim, entendem que mais sensato é o entendimento de que se fixa a personalidade jurídica a partir da vigência de parcela das leis de ratificação, em número suficiente para caracterizar um consórcio. (p. 74-75).
classificação, considerando que todos os interesses defendidos nos consórcios públicos são
de natureza pública, devendo sua personalidade jurídica ser desta mesma natureza. Sendo
privados, os consórcios públicos devem inscrever seu ato constitutivo no respectivo
registro para adquirir personalidade jurídica.
Há ainda a inclusão dos consórcios dotados de personalidade pública na
administração indireta de todos os entes consorciados como fator de controvérsia. Com
esta normatização, entende-se o consórcio como uma espécie de autarquia, e autarquia
temporária, já que no art.4° da Lei 11.107/05, inciso I fica estabelecido que no protocolo
de intenções deva se determinar o prazo de duração do consórcio. Ficam então os
entendimentos divergentes. Para Maria Sylvia de Di Pietro:
Embora o art. 6° só faça essa previsão com relação aos consórcios constituídos como pessoas jurídicas de direito público, é evidente que o mesmo ocorrerá com os que tenham personalidade de direito privado. Não há como uma pessoa jurídica política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) instituir pessoa jurídica para desempenhar atividades próprias do ente instituidor e deixá-la fora do âmbito de atuação do Estado, como se tivesse sido instituída pela iniciativa privada. Todos os entes criados pelo Poder Público para o desenvolvimento de funções administrativas do Estado têm que integrar a Administração Pública Direta (se o ente for instituído como órgão sem personalidade jurídica própria) ou Indireta (se for instituído com personalidade juridica própria). Até porque o desempenho dessas atividades dar-se-á por meio de descentralização de atividades administrativas, inserida na modalidade descentralização por serviços.DI PIETRO, 2009. p 241.
Contrariando este entendimento, Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira,
afirmam que é “desnecessária a inserção do consórcio público na Administração indireta
dos integrantes para seu adequado funcionamento. De igual modo, sem justificativa se
apresenta sua inclusão entre as autarquias.”211 Segundo eles, é suficiente a imputação de
personalidade jurídica pública, considerando que os consórcios públicos de personalidade
privada funcionam fora da Administração indireta.
2.4 Celebração
A constituição de consórcio público envolve a observância de procedimento que
compreende as fases de subscrição do protocolo de intenções (art. 3°), publicação do
protocolo de intenções na imprensa oficial (art. 4°, §5°); lei promulgada por cada um dos
partícipes, ratificando, total ou parcialmente, o protocolo de intenções ou disciplinando a
211 Idibid. pág. 78.
matéria (art.5°); celebração de contrato (art.3°); atendimento das disposições da legislação
civil, quando se tratar de consórcio com personalidade de direito privado (art. 6°, II).212
O protocolo de intenções, instrumento que dá inicio ao procedimento de
constituição do consórcio público, é uma espécie de acordo inicial, em que serão
planejadas e especificadas as ações e intenções dos entes que pretendem associar-se. Não
há sanções para o seu descumprimento, já que nele, não são assumidos compromissos
como direitos e obrigações, apenas se definem as condições que serão estabelecidas coso o
contrato venha a ser celebrado. Coloca-se em relevo que o ente federativo, embora
subscrito no protocolo de intenções, não fica obrigado a participar do consórcio e sua
eventual desistência não lhe impõe qualquer penalidade.
Conformando-se com o principio da publicidade na Administração Publica,
estabelecido no art. 37, caput, da Constituição Federal, a publicação do protocolo de
intenções na imprensa oficial tem por objetivo dar conhecimento dos termos do documento
a todos que possam se interessar, garantindo a transparência dos assuntos públicos
referentes às parcerias firmadas pela administração. É fácil concluir que a publicação deve
ocorrer na imprensa oficial de todos os entes que se envolverão no consorciamento.
A ratificação do protocolo de intenções deve ser feita em cada Legislativo dos entes
subscritos mediante lei. Ocorre a dispensa desta apenas nos casos em que o ente,
anteriormente à subscrição ao protocolo de intenções, tenha em seu bojo legal a previsão
para participação no consórcio público. Cabe ainda salientar que, conforme o a previsão do
§3° do art.5°, caso a ratificação seja realizada após 2 (dois) anos da subscrição do
protocolo de intenções, dependerá de homologação da assembléia geral do consórcio
público.
Após a prévia subscrição de protocolo de intenções e a ratificação por lei deste
protocolo, resta a celebração do consorcio público que se formaliza por um contrato.
Conforme já exposto, quando o consórcio se tratar de pessoa jurídica de direito
público, a simples ratificação já constitui a personalidade, dispensado as funções notariais,
o que não ocorre quando esse se estabelece como pessoa jurídica de direito privado, em
que deverá ser observado o disposto na legislação civil quanto ao necessário para aquisição
de personalidade jurídica, incluindo a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro.
Prevê a Lei 11.107/05 em seu art. 11 a retirada do ente da Federação do consórcio
público, sendo esta através de ato formal de seu representante na assembléia geral, 212 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria publico-privada e outras formas. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2009. Pag. 244.
entendendo-se esta por manifestação escrita, na forma prevista em lei, a saber, a lei editada
pelo ente que pretende se retirar, considerando que esta matéria é de âmbito restrito ao
consorciado. Esta é a retirada voluntaria. Há também a retirada compulsória, prevista no
art. 8°, §5°, que penaliza com a exclusão do consorcio o ente que “não consignar, em sua
lei orçamentária ou créditos adicionais, as dotações suficientes para suportar as despesas
assumidas por meio de contrato de rateio”.
Quanto à extinção ou modificação do contrato de consórcio, faz-se necessário
“instrumento aprovado pela assembléia geral, ratificado mediante lei por todos os entes
consorciados”, de acordo com o art. 12 da lei em comento.
2.5 Prestação de contas
Conforme disposto no parágrafo único do art. 9° da lei em comento, a fiscalização
contábil, operacional e patrimonial do consórcio público estará a cargo do Tribunal de
Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante
legal do consórcio, até mesmo no que se refere à legalidade, legitimidade e economicidade
das despesas, atos, contratos e renuncia de receitas. Isso não prejudica o controle externo a
ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio.
Conclui-se com a leitura do preceito legal que a mudança do representante legal do
consórcio também implica na alteração do tribunal de contar competente para apreciar a
prestação de contas, observando que dentre as medidas atribuídas a este estarão a
fiscalização direta de atos consorciais que resultem receita ou despesa.
É cabível um breve comentário a respeito das duas modalidades de contratos a
serem firmados pelos entes consorciados, a saber, o contrato de rateio e o contrato de
programa.
Com previsão no art. 8°, o contrato de rateio tem por objetivo disciplinar a entrega
dos recursos financeiros de cada ente para ao consórcio público, devendo esses recursos
estar dispostos em lei orçamentária anual de cada consorciado. Em regra, o contrato de
rateio tem duração de um ano, salvo quando se tratar de objetos contemplados em plano
plurianual ou gestão associada de serviços públicos, desde que custeados por tarifas ou
outros preços públicos. Nestes contratos exige-se que o consórcio público disponibilize
todas as informações das despesas realizadas com os recursos viabilizados, sendo
contabilizadas nas contas de cada ente de acordo com os elementos econômicos e as
atividades ou projetos desenvolvidos.
O contrato de programa inserido no consórcio público será celebrado entre o
consorcio e um de seus consorciados, sendo que o último assume a obrigação de prestar
serviços por meio de seus próprios órgãos ou por entidades da administração indireta,
vedadas as atribuições relacionadas ao planejamento, regulação e fiscalização dos serviços
por ele próprio prestados; podendo vigorar mesmo na extinção do consórcio. Não há
formalidades legisladas a respeito destes contratos, porém sua previsão deve constar no
protocolo de intenções ratificado por lei, constando, portanto, do contrato constitutivo do
consórcio.
Destarte, a fiscalização por parte dos demais órgãos deverá ser praticada tendo em
vista os contratos de rateio firmados entre os entes federativos no contexto do consórcio
público.
3. Consorcio Intermunicipal de Saúde sediado em Teófilo Otoni
3.1 Noções Introdutórias
Os Consórcios Intermunicipais de Saúde foram criados durante o Governo de
Eduardo Azeredo no intuito de descentralizar, dar qualidade e promover a participação
direta dos municípios no atendimento médico aos seus munícipes.
Os Consórcios destinam-se à organização do sistema micro-regional de saúde,
dentro da área de jurisdição dos municípios consorciados, segundo as diretrizes do Sistema
Único de Saúde – SUS e no intuito de resolver problemas comuns aos consorciados,
celebram convênios com entes públicos, seja para construção de unidades médicas,
aquisição de equipamentos ou para pagamento de execução de mão de obra. A proposta de
convênio engloba um plano de trabalho que é feito pelo proponente que, se aprovado,
concretiza a celebração do ajuste e o consórcio, após concluir o objeto pactuado, presta
contas diretamente ao órgão concedente.
Por terem sido criados antes da Lei 11.107/05, que normatiza os consórcios
públicos, a maioria dos consórcios existentes são entes administrativos de Natureza
Privada, não sendo obrigados a cumprir o que dita a Lei citada, mas tendo a opção de
migrarem ou não para a nova lei.
A Lei 11.107/05, no seu artigo 6º, assim explicita: “in verbis”
Art. 6º - O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:I – de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções;
II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.
Portanto, para melhor explicar, os consórcios públicos de natureza pública, são
criados por Lei, enquanto os consórcios públicos de natureza privada são instituídos por
Lei autorizativa e só após a efetivação do registro no cartório passam a ter vigência plena.
Estes consórcios funcionam como autarquias, e é o que deixa claro o artigo 41, inciso IV
da Lei 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro), que dispõe as autarquias, incluindo as
associações públicas, no rol de pessoas jurídicas de direito público interno.
3.2 Do Consórcio Intermunicipal de Saúde213
O Consórcio Intermunicipal de Saúde entre os Vales Mucuri e Jequitinhonha foi
criado em 12/12/95 pelos municípios de Novo Cruzeiro, Caraí, Catují, Padre Paraíso e
Itaipé, tendo como sede a cidade de Novo Cruzeiro com personalidade jurídica de direito
privado sendo regido pelo Código Civil, e seus funcionários são contratados de acordo
com a CLT. Atualmente o CIS-EVMJ está sediado na cidade de Teófilo Otoni com 24
municípios consorciados e as principais diretrizes, são:
I – Representar o conjunto dos municípios que o integram, em assuntos de interesse
comum, perante quaisquer outras entidades especialmente perante as demais esferas
constitucionais de governo;
II – Planejar, adotar e executar programas e medidas destinadas a promover,
acelerar o desenvolvimento sócio-econômico da região compreendida no território
dos municípios consorciados;
III – Planejar, adotar e executar programas e medidas destinadas a promover a
saúde dos habitantes da região e implantar os serviços afins;
IV – Prestar assistência técnica e administrativa aos municípios consorciados;
V – Assegurar a participação das comunidades envolvidas em processos decisórios;
Entre outros
O CIS-EVMJ tem a seguinte estrutura:
I – Assembléia Geral
II – Diretoria
III – Conselho Técnico
IV – Comissão Fiscal
V – Secretaria Executiva
213 Dados disponibilizados pela própria Instituição.
A Assembléia Geral, constituída pelo conselho de Prefeitos dos municípios
consorciados, é o órgão máximo de deliberação.
A diretoria é composta por um Presidente, vice-presidente e secretário, escolhidos
entre seus membros, pelo voto secreto, para mandato de 01 ano, permitida uma única
recondução.
O Conselho Técnico é constituído pelos Secretários municipais de Saúde e do
Secretário Executivo.
A comissão fiscal é constituída por seis representantes do Conselho Técnico.
A Secretaria Executiva é constituída por um Secretário Executivo e pelo apoio
técnico e administrativo prestado pela SES, suas regionais de Saúde, universidades e
órgãos afins.
3.3 Dos consorciados
Hodiernamente, os municípios consorciados são em número de 24 (vinte e quatro)
sendo eles: Angelândia, Ataléia, Campanário, Caraí, Carlos Chagas, Catují, Franciscópolis,
Frei Gaspar, Itaipé, Itambacuri, Ladainha, Malacacheta, Monte Formoso, Nova Módica,
Novo Cruzeiro, Novo Oriente de Minas, Ouro Verde de Minas, Padre Paraíso, Pescador,
Poté, Setubinha, São José do Divino, Serra dos Aimorés e Teófilo Otoni.
3.4 Dos recursos
Os municípios consorciados contribuem com 1 a 1,5% do seu Fundo de
Participação para o CIS-EVMJ.
Parte deste recurso é destinada à manutenção administrativa da entidade e parte é
destinada à realização de exames, consultas e procedimentos especializados. O CIS-EVMJ
possui alguns serviços próprios ofertados diretamente aos consorciados e outros que são
contratados através de clínicas e profissionais credenciados de acordo com a tabela traçada
pelos órgãos deliberativos da entidade.
O consórcio ainda presta serviço de remoção de pacientes em estado grave para
outros centros de maior complexidade e mantém serviço de tratamento a soropositivos e
prevenção as DST/Aids.
No ano de 2003, tendo em vista a grande dificuldade encontrada pelos municípios
na aquisição de medicamentos a baixo custo, o CIS-EVMJ implantou uma farmácia de
manipulação, atualmente, sediada no município de Itambacuri, para fornecer aos
consorciados medicamentos a preço de custo, otimizando assim os recursos da saúde
destinados a esta área específica.
Como o CIS-EVMJ se transformou em um agente de promoção a saúde nos vales,
o governo de Minas, através da Secretaria de Estado de Saúde, vem confiando a esta
entidade a gestão de alguns programas estruturadores daquele ente, como o SETS (Sistema
Estadual de Transporte em Saúde – onde foram doados 15 microônibus de 26 lugares,
equipados com ar condicionado, TV e DVD, para o transporte dos pacientes dos
municípios de origem até a cidade que possa ofertar os procedimentos especializados que
aquela população necessita) e o Centro Viva Vida (denominado ZILDA ARNS, em
homenagem a médica pediatra que marcou a história do Brasil, através de seu trabalho
focado no combate a mortalidade infantil) que cuida essencialmente do combate à
mortalidade materno-infantil visto ofertar atenção especial a este público alvo. No Centro
são realizadas mamografias, consultas de pediatria, mastologia, ginecologia, entre outras,
com atendimento multidisciplinar (enfermeiro, psicólogo, assistente social, fisioterapeuta e
nutricionista), sem ônus para usuárias ou municípios que encaminhem seus pacientes.
3.5 Da prestação de contas
Por não está sujeito às normas da Lei 11.107 de 06 de abril de 2005, o Consórcio
Intermunicipal de Saúde entre os Vales Mucuri e Jequitinhonha, presta contas aos
municípios consorciados em Assembléia Geral, e a outros órgãos concedentes, no caso dos
convênios.
Considerações Finais
A atuação isolada de uma determinada entidade em alguns casos, não se faz
suficiente para levá-la a êxito. Portanto o Estado, guiado pela descentralização na
constante busca da satisfação do interesse social, utilizou-se de dois instrumentos jurídicos
para a melhor execução de suas atividades públicas: os Convênios e Consórcios.
Com subsidio constitucional no art. 241, com redação estabelecida pela EC
n°19/98, ambos os institutos são referidos como necessários à transmissão de encargos,
serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos, sem, contudo
ferir os princípios inerentes à Administração Pública, promovendo a gestão associada de
serviços respeitando a autonomia e as competências de cada ente federado.
Deste modo, os Convênios e os Consórcios são importantes e eficientes
instrumentos para que o poder público possa associar-se com outras entidades públicas, ou
mesmo com entidades privadas (no caso dos convênios) para executar serviços ou
atividades decorrentes de objetivos institucionais comuns.
Indubitável que se faz necessário esse tipo de gestão associada entre os entes
públicos para o bom desempenho de suas atribuições de modo correto e eficiente, norteada
pela satisfação do interesse público.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil (2002). Código Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 2002.
BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1967.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.BRASIL. Decreto 6.170, de 25 de julho de 2007. Dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul. 2007. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6170.htm>. Acesso em 21/03/11.BRASIL. Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providencias. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 fev. 1967. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/CCivil/Decreto-Lei/Del0200.htm>. Acesso em 21/03/11.
BRASIL. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 juh. 1993. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/CCivil/Decreto-Lei/Del0200.htm>. Acesso em 21/03/11.
BRASIL. Lei 11.107, de 6 de abril de 2005. Dispõe sobre a contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 06 abr. 2005. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm>. Acesso em 21/03/11.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Convênios e outros repasses. 2 ed. Brasília: Secretaria Geral de Controle Externo, 2008. 74p.
BRUCH, Kelly Lissandra. Convênios Administrativos. Rev. Disc. Jur. Campo Mourão, v. 4, n. 2, p.91-121, ago./dez. 2008. Disponivel em: < http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/discursojuridico/article/viewFile/284/135> Acessado aos 27 de março de 2011.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria publico-privada e outras formas. 7ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MEDAUAR, Odete; OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios públicos: Comentários à Lei 11.107/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Convênios, consórcios administrativos, ajustes e outros instrumentos congêneres. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 20, 12 out. 1997. Disponível em: < http://jus.com.br/revista/texto/456>. Acesso em 27 de março de 2011.
ZANELLA, José Eduardo. Convênios Administrativos. 2009. Disponível em: < http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:r3C80-sMKAkJ:www.webartigos.com/articles/25939/1/Convenios-Administrativos/pagina1.%20html+personalidade+jur%C3%ADdica+dos+Conv%C3%AAnios+administrativos&cd=1&hl=ptBR&ct=clnk&gl=br&source=www.google.com.br#ixzz1Ho3wJvyl>. Acesso em 27 de março de 2011.
A DISTÂNCIA ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA NA FORMAÇÃO DO ADVOGADO EM TEÓFILO OTONI / M.G.
Ana Madalena Mendes de Souza214,
Alcilene Lopes de Amorim Andrade215
RESUMO
A pesquisa aborda a distância entre a teoria e a prática nas faculdades/universidades de Direito com ênfase nos cursos oferecidos na cidade de Teófilo Otoni/MG, tendo como objetivo analisar a lacuna existente entre o conteúdo teórico e a prática profissional oferecida pelas Instituições de Ensino Superior, em especial na formação dos Advogados. Através de uma pesquisa sistemática às universidades de Direito, escritórios de advocacia e entrevista a diversos órgãos que oferecem estágio obrigatório como requisito parcial para a formação do bacharel em Direito, vê-se que os novos profissionais encontram-se muito distante dos anseios da sociedade. Assim, para que os novos profissionais do Direito possam efetivamente atuar com competência na sociedade desempenhando bem a função que o Estado lhe compete é imprescindível uma alteração no ensino/aprendizagem nos Institutos de Ensino Superior, voltado para a interdisciplinaridade associada ao estágio nos escritórios de advocacia, onde o aluno do curso de graduação coloque verdadeiramente em prática a teoria aprendida em sala de aula.
Palavras-chave: Teoria- Prática, Direito, Estágio, Interdisciplinaridade
ABSTRACT
The research in the distance approaches between the theory and practical in the facultieses/the University of Right, with emphasis in the courses offered in the city of Teófilo Otoni/MG, having as objective to analyze the existing gap between the theoretical content and the practical professional offered for the Institutions of Superior Education, in special in the formation of the lawyer.Through one it searches systematics to the Universities of Right, offices of law and interview the diverse agencies that offer partial obligator period of training as requisite for the formation of the bachelor in law, is seen that the new professionals meet distant very of the yearnings of the society, as: unsatisfied, professional pupils frustrate and a devoid society of qualified lawyers. Thus, so that the new professionals of the right can effectively act with ability in the society playing well the function that the State competes to it, either, the Administration of Justice, essential an alteration in education/learning in the Justinian codes of Superior Education, as an alteration come back toward the interdisciplinarie associated with the period of training in the law offices, where the pupil of the graduation course places truily in practical the theory learned in classroom.
Key-words: Theory- Practical, Period of Training, Interdisciplinarie
INTRODUÇÃO
214 Publicitária , Advogada, pós-graduada em Docência do Ensino Superior pela UNIPAC-TO.215 Professora dos cursos de graduação e pós-graduação UNIPAC-TO, Mestre em Educação
A Constituição Federal de 1988, em seu TÍTULO VIII – Da Ordem Social, CAPÍTULO III
– Da Educação, da Cultura e do Desporto, art. 207, caput, estabelece um tema de grande
discussão jurídica paralela à educação, que proporciona um intercâmbio permanente entre
a universidade e a sociedade, tornando o processo educativo um misto indissociável entre
ensino, pesquisa e prática. “As universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio de
indissociabilidade e extensão.” (C.F./88, art .207)
Entretanto, resta saber até que ponto o profissional do Direito - em especial aos que
pretendem exercer a Advocacia - encontra-se apto a atender as demandas da sociedade
moderna, exercendo seus direitos e executando seus deveres junto à sociedade de que
fazem parte.
O objetivo deste trabalho é analisar a lacuna existente entre o conteúdo teórico e a prática
profissional - estágio - oferecida pelas Instituições de Ensino Superior, em especial na
formação dos Advogados em Teófilo Otoni/Minas Gerais.
Este trabalho é de grande importância acadêmica, pois um incentivo ao desenvolvimento
do estágio jurídico em Escritórios de Advocacia na Cidade de Teófilo Otoni / MG faz-se
necessária para que os novos profissionais do Direito possam efetivamente atuar com
competência na sociedade, desempenhando bem a função que o Estado lhe compete, seja, a
Administração da Justiça conforme reza o Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei 8.906 de
julho de 1994, em seu art. 2º, e também sua qualificação para o trabalho, prevista
Constitucionalmente, em seu art. 207.
REVISÃO DE LITERATURA
Surgimento e Evolução Histórica Dos Advogados
O termo advogado origina-se etimologicamente do latim advocatus,
formado de ad (para perto) e vocatus (chamado). Em outras palavras, aquele que é
chamado pelas partes para auxiliar em suas alegações.
O Digesto, livro de codificação romana publicado entre 529 e 534 d.C, definia advogado
como “aquele que expõe ante o juiz competente a sua intenção ou demanda de um amigo,
ou para bem combater a pretensão de outro.” (OAB/ Conselho Federal/2008)
Modernamente, o termo advogado pode ser conceituado como “toda pessoa que,
patrocinando os interesses de outrem, aconselha, responde e lhe defende os mesmos
interesses, quando discutidos judicial ou extrajudicialmente”, (Plácido e Silva, 1991, p.98)
mas historicamente não se pode precisar em que momento surgiu a profissão de
ADVOGADO.
Na Grécia Antiga, os cidadãos compareciam diante dos magistrados,
pessoalmente, para expor seus direitos. Os Juízes eram conhecidos por arcontes, que
dentre várias funções interrogavam as testemunhas, colhiam provas e ouviam as
pretensões. Os oratores auxiliavam as partes do litígio perante o Juiz. Esses podem ser
considerados os primeiros advogados. Dentre grandes advogados e oradores da Grécia,
quem recebeu o título de primeiro advogado foi o grande orador Demóstenes, pelo fato de
se dedicar ao estudo das leis, com vocação extraordinária para interpretação e comparação
de textos de leis da época. (OAB/Conselho Federal/2008)
Os romanos foram os primeiros a serem chamados formalmente de
advogados e a ser uma classe de profissionais especialistas em defesa e demais assuntos
jurídicos, e assim ganharam autonomia.
Marco Túlio Cícero216 dizia que os jurisconsultos eram os oráculos da
cidade. Eram homens ricos e amantes do Direito. Dedicavam-se a estudar as leis como um
hobby intelectual. Os jurisconsultos não entendiam a atividade como uma profissão ou
sequer retiravam dali o sustento, apenas davam suas opiniões jurídicas quando eram
solicitados.
Na Idade das Trevas e a queda do Império Romano, a profissão de
advogado entrou em colapso. Na alta idade média, os litígios eram resolvidos por
arbitrariedade dos nobres feudais e com a tutela da Igreja. Como não havia noção de
Estado, as leis não estavam completamente solidificadas na sociedade.
Por volta de 1150 poucos homens se especializaram em Leis Canônicas na
qualidade de servos da Igreja Católica Apostólica Romana. Em sua maioria padres.
Entre 1190 e 1230 houve significativa mudança entre os estudiosos da Lei
Canônica, que passaram a exercê-la como profissão, surgindo aqui, as primeiras
universidades da Europa, o que desaguou na profissionalização da atividade jurídica.
(OAB/Conselho Federal/2008)
Com o crescimento da população européia, as demandas ao Poder Judiciário
aumentaram consideravelmente. Os Estados Nacionais começaram a surgir e os reis
absolutos impunham suas forças através da edição de Leis. Assim, a classe dos advogados
216 Marco Túlio Cícero (Antönio Houaiss, 1980) que viveu entre 106 e 42 a.C. foi um filósofo, grande orador, advogado e político romano. Escreveu dez tratados filosóficos, entre os quais Re Publica, quase 1000 cartas, dezenas de orações, tratados de retórica e as célebres Catilinárias.
ressurgiu fortalecida nessa época, como mediadora entre o Estado Absoluto, editor de
normas, e o povo comum, a ele submisso. (OAB/Conselho Federal/2008)
Contudo, desde o século XV, os advogados estavam presentes na maioria
dos fatos notórios de lutas sociais, pela igualdade e pelos direitos humanos.
(OAB/Conselho Federal/2008).
Mais tarde foi criado pelo Decreto n. 11.715, em 12 de junho de 1926 a
Ordem dos Advogados de Portugal, que remonta à primeira metade do século XIX, tendo
origem na Associação dos Advogados de Lisboa, cujos estatutos foram aprovados em
1838. (OAB/Conselho Federal/2008)
No Brasil, durante o Período Colonial, o advogado era o bacharel em
Direito de Coimbra que se apresentava na Colônia, segundo as Ordenações Filipinas. O
ponto histórico de concretização dos advogados como uma classe organizada foi o
surgimento do Instituto dos Advogados Brasileiros em 18 de abril de 1843 por ato do
Governo Imperial. Tal instituto previa em seu estatuto organizar a Ordem dos Advogados
em proveito da jurisprudência.
O então presidente do Instituto propôs um projeto de Lei ao Poder
Legislativo de criação da Ordem dos Advogados do Brasil; mas somente em 18 de
novembro de 1930 com o Decreto n. 19.408 foi criado a OAB. (OAB/Conselho
Federal/2011)
Por muitos anos existiu a figura do solicitador-acadêmico, que teve início
em 1935 pela Lei 161 de 31 de dezembro. Esses, eram acolhidos pelo Regulamento da
Ordem que “por mais de 15 anos contínuos contados até o início da vigência desse
Regulamento, hajam exercido permanentemente a advocacia, por lhe haverem permitido as
leis locais” – Lei 161, parágrafo 3º, art. 22.
Nesse diploma encontrava-se diferença entre duas categorias de
solicitadores, sendo os comuns, sujeitos a um exame de habilitação perante uma comissão
especial e os acadêmicos, para os quais bastava a comprovação de sua inscrição no 4º ano
da Faculdade de Direito, apresentada ao Presidente do Tribunal de Justiça juntamente com
a prova de nacionalidade e quitação com o serviço militar. Mais tarde, o Estatuto da
Ordem dos Advogados do Brasil eliminou a figura do solicitador-acadêmico, substituindo-
a pela do Estagiário.
Do mesmo modo havia distinção entre a figura do solicitador-acadêmico e
do estagiário, uma vez que a inscrição no quadro dos solicitadores era facultativa, ao passo
que somente comprovada a atividade do estagiário o candidato poderia ingressar na Ordem
dos Advogados, dispensado do Exame de Ordem. Em ambos os casos, a área de atuação
não ia além da “assistência da causa em juízo”, sendo certo que o Estagiário poderia
praticar todos os atos que não fossem privativos do advogado.
A partir de 1945 iniciou-se uma luta pela adoção do estágio que desse a
necessária prática forense aos futuros advogados e, de outro lado, atuava como medida
selecionadora; assim filtrava o ingresso na profissão aos que realmente tivessem
capacidade para exercê-la. Só deveriam submeter-se ao estágio - dentro da sistemática do
Estatuto - os que realmente se dispusessem a advogar. Esse era o pressuposto de que, com
a conclusão do curso jurídico, o estudante conquistava o título de bacharel em direito e não
o de advogado. Este só seria outorgado aos que se submetessem ao estágio ou, na falta
deste, ao Exame de Ordem. (SODRÉ, 1975)
A experiência, no entanto, demonstrou que não foi compreendida a missão
do Estágio pois, na verdade, todo aquele que se matriculava na faculdade de Direito,
embora não pretendesse exercer a advocacia, queria ter a carteira profissional de advogado,
inscrevendo-se, para esse fim, na OAB.
Nas palavras do jurista Rui de Azevedo217 (1975, p.293): Para alcançar um
“status social, só o diploma e o anel não bastam; ou para melhorar sua remuneração, como
funcionário público, ingressando na categoria de nível universitário, ou de emprego,
“biscatear” na profissão”.
Assim tornou-se uma praxe a inscrição obrigatória na OAB, de todo
bacharel em Direito, no quadro de advogados, sem a necessária comprovação de
aprendizado profissional. Por todo país discutiam-se os Princípios Gerais que deveriam
nortear a futura ação da OAB. O órgão do Estado de São Paulo optou pela exigência do
Estágio para o exercício da advocacia.
Ao ser elaborado o Regulamento da OAB, O Consultor Geral da República,
Levy Carneiro218, impressionado com o exemplo italiano onde o Estágio era feito nos
Escritórios de Advocacia sanou a falta de unanimidade que se tratava o assunto, e optou
pelo Estágio realizado na faculdade ou nos escritórios nos dois últimos anos de curso
jurídico. O Estágio, como condição para o exercício da advocacia, além de dar aos
217Professor de Direito – Secretário Perpétuo do Instituto de Direito Social – Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo – Conselheiro Emérito da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, Vice-presidente da Academia Paulista de Direito, Conselheiro da Société Internationale Du Travail ET de La Sécurité Sociale.218 L. Fernandes Carneiro, advogado, jurista, político e ensaísta, nasceu em Niterói, RJ, em 8 de agosto de 1882, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 5 de setembro de 1971. Era membro correspondente da Academia das ciências de Lisboa, membro benemérito do Instituto dos Advogados Brasileiro, da Associação Brasileira de Educação e membro de várias academias internacionais e estaduais.
jovens recém-formados elementos e conhecimentos da profissão que não lhes foram
ministrados nas Faculdades, amenizava os problemas do excesso de bacharéis e defendia o
advogado militante. Foi assim a tese apresentada na I Convenção Nacional dos
Advogados, realizada em São Paulo de 8 a 11 de janeiro de 1955.
Ihering219 (1975, p.293) descreveu “o amargor que sentiu em verificar que
os sentimentos recebidos no curso jurídico não lhe serviam para solucionar os primeiros
casos profissionais. Os casos que mais exasperavam eram precisamente os mais simples,
sobre os quais os livros guardavam um completo silêncio.”
Neste sentido, afirma Ruy Sodré (1975, p.294): “tudo é abstrato e geral; os
princípios; as regras; as definições são revistas sob o aspecto doutrinário. Já na profissão,
tudo é particular e concreto.” Assim já se demonstrava que o direito vivido nos escritórios
e as demandas forenses assumidas, para o recém-formado advogado, apresentavam um
aspecto muito diferente do que se ouvia e do que se aprendia nas salas de aula.
No anteprojeto do Estatuto da Ordem dos Advogados, elaborado pelo
Conselho Federal, com a colaboração dos Conselhos Seccionais, inscreveu-se a exigência
do Estágio, como condição necessária para inscrição na Ordem. O projeto foi então
encaminhado à Câmara Federal, por intermédio do Poder Executivo, em 1º de maio de
1956, quando ficou esclarecido a posição da Ordem quanto à exigência do Estágio.
Assim, os alunos que não quisessem fazer o curso de orientação do estágio
na Faculdade, ou na falta desta, na Ordem, concomitantemente com o bacharelado,
poderiam cumprir o preceito como auxiliar de escritório de advocacia, existente há mais de
5 anos, de serviço de Assistência Judiciária e de departamentos jurídicos oficiais ou de
empresas idôneas.
Foi dada ainda ao estudante mais uma opção. Caso o mesmo não optasse
pelo curso de orientação de Estágio na Faculdade ou não atuasse no Escritório de
Advocacia, restava-lhe o recurso de submeter-se ao Exame de Ordem, que consistia em
provas de habilitação profissional feita perante uma comissão composta de advogados.
(SODRÉ, 1975)
Por tudo, conclui-se que o estágio não era obrigatório e ao estudante ficava
aberta a larga porta por onde poderia ingressar na profissão. Com o excesso de bacharéis,
em grande parte mal preparados, jurídica e moralmente, em Faculdades que não possuíam
estrutura suficiente, tanto nas faixas do corpo docente como no discente, encontrava-se – 219 Jurista e romancista alemão nascido em Aurich, Hanover, pioneiro na defesa da concepção do direito como produto social e fundador do método teleológico no campo jurídico. Estabeleceu seu pensamento jurídico baseado no estudo das relações entre o direito e as mudanças sociais.
no Estágio ou no Exame de Ordem – um óbice ao ingresso nos quadros da Ordem dos
Advogados.
A partir do ano de 1972, o Conselho Federal de Educação disciplinou o
Estágio, este, pelo Parecer 225/73, relatado pela Cons. Esther de Figueiredo Ferraz220,
analisando o novo diploma. Deste parecer e da Resolução n. 15 surgiram dois tipos de
Estágio: - o criado pela Lei 5.842 e o supervisionado pela OAB (aqueles realizados em
Escritórios de Advocacia).
Art. 1. Da Lei 5.842 de 06/12/1972: “Para fins de inscrição no quadro de advogados da
OAB, ficam dispensados do Exame de Ordem e de comprovação do exercício e resultado
do estágio de que trata a Lei n. 4.215 de 27/4/63, os bacharéis em direito houverem
realizado, junto às respectivas Faculdades, Estágio de Prática Forense e Organização
judiciária”.
Ainda por muito tempo alguns acadêmicos eram, preenchidos certos requisitos,
dispensados do Exame de Ordem. No Estágio de Prática Jurídica correspondente ao
período em que o acadêmico de Direito dedica-se às atividades práticas e reais, destinadas
ao exercício da profissão, esclarece o advogado Teófilotonense 221, que uma das questões
de maior ênfase nos Estágios obrigatórios se deve ao fato de que os alunos “não aprendem
a diagnosticar os problemas que lhes são apresentados na prática advocatícia.” Para ele, as
dificuldades não são apenas em interpretar as normas jurídicas que aprendem nas
Faculdades, mas em saber qual é a que se aplica ao fato, à espécie trazida pelo cliente, o
que só a prática ensina.
Assim, a Instituição do Estágio se faz imperiosa e necessária, a única talvez, que possa
estancar a corrida para a proletarização da advocacia. Até a edição da Lei 8.906, de 4 de
julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB), estavam em vigor as Leis n. 4.215 de 27
de abril de 1963 (Estatuto da OAB) e a Lei 5.842 de 6 de dezembro de 1972, que
dispunham sobre o Estágio de Prática Forense e Organização Judiciária, ambas
expressamente revogadas por aquela.
220 Nasceu em 6 de fevereiro de 1915 e faleceu em 23 de setembro de 2008. Foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Ordem dos Advogados do Brasil, em 1949, e foi também a primeira ministra de Estado brasileira., ocupando a pasta da Educação no governo do presidente da República general João Figueiredo (1982/1985). Ao comemorar seus 90 anos, recebeu do Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro o Título de Doutor Honoris Causa.221 Mauro Mendes de Souza, Advogado militante em Teófilo Otoni, formado pela Universidade Federal de Minas Gerais em 1964. Foi professor na Faculdade de Direito (1973/1994) e diretor da Fundação Educacional Nordeste Mineiro (1984/1992). Foi também jornalista no Estado Rio Janeiro, Belo Horizonte e New York. Atualmente é escritor. Publica em 2008 o Livro “Macuco, Perdiz e Zabelê: Contos da Mata Atlântica”, 1. Volume.
No entanto, a Lei n. 8.906/94, em seu artigo 84 assegurou ao Estagiário inscrito o direito
de dar continuidade ao estágio de prática forense e organização judiciária nos moldes da
Lei n. 5.842/72, com dispensa do Exame de Ordem, pelo prazo de 2 anos, de tal forma que
a partir do final do ano letivo de 1996, não mais surtiriam efeitos as disposições da Lei n.
5.842/72, que permitia o conseqüente ingresso aos quadros da OAB.
O Estágio regido pela referida Lei era optativo, extracurricular e reservado aos estagiários
inscritos no quadro respectivo da OAB, órgão que tinha a obrigação de supervisionar o
curso e integrar a banca examinadora, sendo certo que somente os interessados eram
onerados com os custos correspondentes. (Rui de A. Sodré, 1975)
Diante da lacuna existente, a União Federal, pelo então Ministério da Educação e do
Desporto, no uso de suas atribuições legais, editou a Portaria MEC n. 1886, de 30 de
dezembro de 1994, estabelecendo diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso
jurídico, além de estabelecer os parâmetros do Estágio de Prática Jurídica, com a
conseqüente criação de novo núcleo específico (Núcleo de Prática Jurídica – NPJ). Esses
fornecem até os dias de hoje os seguintes serviços: Atendimento ao público, prestação de
serviços jurídicos, técnicas de negociações coletivas, arbitragens e conciliação.
(ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB, 1994).
Por outro lado, a mesma Portaria MEC n. 1.886/94 ampliou a carga horária do curso de
Direito de 2.700 h/atividade para 3.300 h/atividade, importando em sensível aumento
diante da necessidade de capacitação obrigatória aos futuros advogados.
O Decreto 87.497/82 versa sobre o estágio realizado por estudantes “na comunidade em
geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado” sob a responsabilidade e
coordenação da instituição jurídica de ensino.
Já o estágio estabelecido pela Portaria MEC n. 1886/94 visa ministrar aulas de prática
jurídica, num mínimo de 300h (trezentas horas), distribuídas entre as atividades reais e
simuladas na própria universidade, sob orientação do núcleo correspondente.
Sancionada a Lei 11.788/2008 – Lei do Estágio – que regulamenta os Estágios no País,
podendo dificultar ou beneficiar - mas ainda nada se pode afirmar - o Convênio dos
Escritórios de Advocacia tanto de Teófilo Otoni quanto de várias outras cidades
brasileiras, pois os escritórios deverão se adequar à nova Legislação, já que a referida Lei
também alcança o setor jurídico.
A Lei estabelece que as empresas devem conceder auxílio-transporte e seguro contra
acidentes pessoais e dispõe que o custo desses benefícios não caracteriza vínculo
empregatício – entendimento já consolidado na Justiça do Trabalho. Além disso, as
jornadas de trabalho dos estudantes ficam limitadas a seis horas diárias – ou 30 semanais –
e a duração do Estágio não pode ultrapassar dois anos.
Uma questão é: Os Estágios na área jurídica podem também estar submetidos à Lei 8.906
de 1994 – Estatuto da Advocacia – que prevê outras normas para os contratos do tipo. Ao
contrário da Lei do Estágio, o Estatuto não prevê nenhum limite para a jornada de trabalho
nem para a duração do Estágio.
Apesar do Conselho Federal da OAB ainda não ter se manifestado, cogita-se a
possibilidade das regras do Estatuto da Ordem para o Estágio na área prevalecerem sobre
aquelas da Lei do Estágio, pois regras do Estatuto são uma Lei Específica e a Lei do
Estágio é uma Lei Geral.
Por algum tempo muitos Órgãos que ofereciam estágio jurídico, como o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, declararam suspenso qualquer tipo de contratação ou renovação
dos contratos tanto os voluntários quanto os remunerado222.
Abordagem Sob o Ponto de Vista Educacional
Após a segunda metade do século XX a abordagem positivista foi questionada, o que
possibilitou uma maior crítica e estimulou a construção de novos paradigmas capazes de
responder aos desafios da educação no mundo moderno. Esse novo paradigma foi definido
como aquele que concebe o conhecimento como espaço conceitual, no qual os alunos e
professores constroem um novo saber, produto sempre contraditório de processos sociais,
históricos, culturais e psicológicos. Na educação não mais se admite um ensino dissociado
da realidade e, especialmente em relação à metodologia do ensino jurídico, não mais se
aceita que a aprendizagem se afaste da realidade. (VYGOTSKY, 2001)
A questão central da teoria vygotskyana é a aquisição de conhecimentos pela interação do
sujeito com o meio. Esse objetivo teórico implica numa abordagem qualitativa,
interdisciplinar e orientada para o processo de desenvolvimento humano.
Na visão Vygotskyana o aprendizado movimenta o processo de desenvolvimento, que é
identificado em 02 níveis, sendo um de desenvolvimento real ou efetivo, e outro, o nível
de desenvolvimento potencial. No nível de desenvolvimento real estão as capacidades
consolidadas no aluno, aquilo que ele já aprendeu, domina e consegue utilizar sozinho,
sem assistência de alguém mais experiente, como um professor ou um colega. Já no nível
de desenvolvimento potencial, está aquilo que o aluno é capaz de fazer, só que mediante a
ajuda de outra pessoa (professor ou colega mais experiente).
222 Glícia Thomaz Queiroz, Oficial Judiciário, Servidora do Tribunal de Justiça de Teófilo Otoni.
A distância entre o nível de desenvolvimento real (que é capaz de ser feito de forma
autônoma) e o nível de desenvolvimento potencial (aquilo que se realiza em colaboração
com outros) caracteriza o que Vygotsky chama de Zona de Desenvolvimento Proximal
(ZDP), que pode ser definido como aquelas funções que estão em processo de
amadurecimento. De acordo com seu pensamento, a Escola/Universidade desempenha bem
seu papel, na medida em que partindo daquilo que o aluno já sabe, é capaz de ampliar a
construção de novos conhecimentos.( VYGOTSKY, 2001)
Vygotsky também aponta dois tipos de conceitos; os conceitos cotidianos ou espontâneos
e aqueles elaborados na sala de aula. O primeiro, o autor utiliza para explicar o papel da
escola no desenvolvimento do aluno; o segundo, o autor os chamou também de conceitos
científicos, que são adquiridos por meio do ensino sistemático. Segundo ele, para aprender
um conceito é necessário somar as informações recebidas do exterior e uma intensa
atividade mental.
Assim, a escola possibilita ao indivíduo um conhecimento científico construído e
acumulado pela humanidade (TEORIA); esses necessitam ser confrontados aos conceitos
espontâneos dos alunos (PRATICA), para que fiquem inteiramente contextualizados. Os
docentes do curso de graduação em Direito já associam teoria e prática, na certeza de que
isso traz benefícios aos alunos e à sociedade, mas muito ainda se tem a fazer.
Paulo Freire223 através de sua pedagogia problematizadora, ensina que
educandos e educadores como colocar em prática algo que já vivenciam, fazendo uma
abordagem sobre a necessidade de união entre teoria e prática enquanto metodologia e
analisando conteúdos interdisciplinares. Sua preocupação foi buscar alternativas e
apresentar propostas no sentido de resgatar o homem da alienação de seu “ser”. Essa
alienação que teve origem a partir da venda da força de trabalho pelo trabalhador e por
muito tempo considerado mercadoria. O homem foi “coisificado” na relação de produção e
“apropriado” pelo capital.
Nas palavras do mestre Freire (1996,p.87): “o discurso teórico, necessário à reflexão
crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se funda com a prática. O seu
“distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela
“aproximá-lo” ao máximo”.
223 Paulo Reglus Neves Freire, nasceu em 19 de setembro de 1921 em Recife e faleceu em 2 de maio de 1997 em São Paulo. Destacou-se por seu trabalho na área da Educação Popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação da consciência. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica.
Seguindo esse entendimento, Freire (1987) define Teoria como um princípio de inserção
do homem na realidade, como ser que existe nela, e existindo promove a sua própria
concepção da vida social. Fica claro que Teoria é sempre uma reflexão que se faz do
contexto concreto. Deve-se então partir sempre da experiência do homem com a realidade
na qual está inserido; analisar e refletir sobre a realidade, só assim se poderá fazer um
julgamento crítico sobre ela. É apropriar-se da prática para dar sentido à teoria, é a
coerência entre pensamento e ação, que se dá o nome de práxis; caso contrário, a ação sem
pensamento é ativismo e o pensamento sem ação é verbalismo. A relação entre Teoria e
Prática faz-se necessária. É uma relação que se faz pela contradição, são interdependentes
e uma não se faz sem a outra; é um processo de coordenação contínuo. Diante disse,
evidencia-se que é indispensável trabalhar a Teoria associada à Prática, que este vínculo
forma o todo que transforma o homem em sujeito de sua própria história, elevando o nível
de consciência e consequentemente novas formas de agir.
Cumpre ressaltar ainda, no que se refere ás demandas relacionadas ao
ensino do Direito, o movimento da Interdisciplinaridade que surgiu na Europa, em meados
da década de 1960, época em que insurgiam os movimentos estudantis reivindicando um
novo estatuto de universidade e escola. Iniciou-se assim uma tentativa de elucidação e de
classificação temática das propostas educacionais que começavam a aparecer na época.
( FAZENDA, 2004)
O destino da ciência multipartida seria a falência do conhecimento, pois na
medida em se distanciasse de um conhecimento em sua totalidade, estaria decretado a
falência do humano. Toda a discussão teórica da década de 1970, a respeito do papel
humanista do conhecimento e da ciência, acabou por encaminhar as primeiras discussões
sobre a interdisciplinaridade que se tem notícia.
Apenas algum tempo mais tarde que se instalou uma tentativa de convergir
para a organização de uma nova forma de conceber a universidade, na qual as barreiras
entre as disciplinas poderiam ser minimizadas e nela seriam estimuladas as atividades de
pesquisa coletiva e inovação no ensino. No ensino universitário exigiria-se uma atitude
interdisciplinar que se caracterizasse pelo respeito ao ensino organizado por disciplinas e
por uma revisão das relações existentes entre as disciplinas e entre os problemas da
sociedade. A interdisciplinaridade não seria apenas uma panacéia para assegurar a
evolução das universidades, mas, um ponto de vista capaz de exercer uma reflexão
aprofundada, crítica e salutar sobre o funcionamento da instituição universitária. Exercer a
interdisciplinaridade nas universidades iria requerer profundas mudanças na vida
acadêmica, abrindo espaços para a prática da iniciação científica, da pesquisa e da
extensão. Essas mudanças passariam pela revisão dos currículos e pela sua formulação,
modificando o papel do professor no contexto educativo. (FAZENDA, 2004)
No Ensino Superior a falta de contato do conhecimento com a realidade
parece ser uma característica bastante acentuada. Os professores, no esforço de levar seus
alunos a aprender, o fazem de maneira a dar importância ao conteúdo em si, e não a
interligação com a situação da qual emerge, gerando assim, a clássica dissociação entre
teoria e prática. A educação, portanto, deve ser entendida e trabalhada de forma
interdisciplinar, na qual o aluno é agente ativo, comprometido, responsável, capaz de
planejar suas ações, assumir responsabilidades, tomar atitudes diante dos fatos e interagir
no meio em que vive.
METODOLOGIA
O presente trabalho foi realizado tendo contando com a colaboração de diversos setores da
comunidade Teofilotonese, em especial advogados militantes, bacharéis em direito,
estudantes, dentre outros.
O instrumento de coleta utilizado foi entrevista não estruturada aos Órgãos Públicos
conveniados com a 28ª Subseção da OAB e as Instituições de Ensino Superior, receptores
de estagiários que necessitam cumprir o Estágio Obrigatório como pré-requisito ao curso
de graduação.
Alguns Escritórios de Advocacia receberam visita sistemática ao longo da elaboração deste
trabalho, sendo entrevistados diretamente jovens advogados e advogados militantes na
sociedade Teófilotonese. Esses puderam apresentar suas insatisfações quanto ao Estágio
Obrigatório, problemas enfrentados em salas de aula, suas dificuldades ao se depararem
com questões reais inimagináveis ou até então nunca suscitadas ao longo dos 5 (cinco)
anos no curso de graduação. As informações e demais opiniões colhidas foram
confrontadas com idéias de grandes e renomados autores como Lev S. Vygotsky, Paulo
Reglus Neves Freire e Ivani Catarina Arantes Fazenda.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Profissional do Direito
Atualmente, seja pelo excesso de Faculdades de Direito que gera uma dificuldade para sua
fiscalização pelos órgãos competentes e a saturação do mercado de trabalho; seja pela falta
de celeridade e eficácia do Poder Judiciário, os contornos da profissão de advogado
mudaram. Mesmo assim, tomando a classe como um todo, o exercício da advocacia é
profissão respeitável em nossa Sociedade.
Um ponto que merece destaque é que o exercício da advocacia, principalmente
quem adentra no mercado de trabalho, é extremamente difícil, sendo muito comum o
abandono da profissão ou o direcionamento a concursos públicos.
Os novos profissionais inseridos no mercado que se pretendem fazer conhecidos
como Advogados, enfrentam não só profissionais com vasta gama de conhecimento e
experiência prática e muitos anos de exercício, como também enfrentam um mercado
saturado. Soma-se a isso outra nuança pertinente ao novo profissional, o paradigma de que
o jovem advogado, como tal, não tem experiência e, portanto, se não está fadado à derrota,
está mais distante do sucesso.
A experiência, portanto, se torna peça chave para a escolha de um profissional, pois
a experiência se conquista através da repetição, e apenas quem repetiu determinado
trabalho muitas vezes aprendeu com seus erros e acertos e teve chances de mudar. Por
outro lado, quem não possui razoável bagagem de experiência tem que suprir suas falhas
com qualidades como, nas palavras do advogado Luiz Felipe Mendes de Souza Neto224:
A ânsia pelo aprendizado e a vontade de ter seu nome respeitado no meio jurídico se depara com a eficiência dos experientes advogados; mas essa experiência pode ser vencida pela eficácia dos jovens advogados.
Foi a partir deste pensamento que nasceu a preocupação em interagir, de forma
definitivamente eficaz a habilitar os novos profissionais advogados à altura, se não tanto,
dos profissionais já militantes e interagir a Prática e a Teoria já ministrados nos cursos de
Direito.
Verificou-se através de entrevista não estruturada e visitas sistemáticas como os
jovens advogados se deparam com inúmeras dificuldades ao enfrentarem o mercado de
trabalho, e que a relação entre o ensino e o mercado se distanciam, evidenciando que os
conteúdos não encontram correspondência prática.
Constata-se uma defasagem entre o que se ensina na graduação e a incorporação de novas
tecnologias, práticas e saberes, sendoportanto, necessário e imprescindível a retomada das
224 Luiz Felipe Mendes de Souza Neto, Advogado militante em Teófilo Otoni, sócio do Escritório Mendes de Souza Advogados Associados.
reflexões sobre o ensino jurídico, em especial para a formação de advogados, a fim de
aproximar o ensino às exigências do mercado.
Há uma exigência no cumprimento do saber técnico, de forma até rígida durante a
graduação, e que nem sempre é possível segui-lo na vida profissional. Não se postula aqui
que se abandone as leituras de artigos e códigos em excesso, pois estes são elementos
essenciais que farão parte da cultura jurídica dos advogados, mas que prepare o
profissional-advogado adequadamente para inserção imediata na sociedade, como
profissional habilitado e qualificado para exercer a advocacia, dando ao profissional
instrumentos que o façam sentir-se parte do trabalho, com capacidade para lutar pelos seus
direitos e pelos direitos de quem os outorgou.
O modelo de ensino/aprendizagem aplicado nas Faculdades, em especial
as da cidade de Teófilo Otoni, apresenta-se em parte dissociado da realidade e, em especial
à metodologia, “pois cada disciplina é concebida como um espaço próprio e não interage
com outras disciplinas”. (Mauro Mendes de Souza, advogado em Teófilo Otoni, 2011)
A sociedade atual passa por uma série de transformações que provocam o
repensar sobre o processo ensino/aprendizagem. Essas transformações refletem-se no
interior dos estabelecimentos de ensino jurídico dos cursos de graduação em Direito.
O mundo evoluiu, as normas jurídicas evoluíram, mas o ensino jurídico –
TEORIA/PRÁTICA - permanece estático no tempo. É necessário portanto uma alteração
na carga horária dos estágios oferecidos pelos Núcleos de Prática Jurídica e uma
participação mais eficaz dos Escritórios de Advocacia de Teófilo Otoni, no intuito de
formar futuros profissionais e estabelecer uma maior interação entre a Teoria e Prática,
com conseqüente melhor prestação de serviços para esta Comunidade.
Estágios em Teófilo Otoni
O estágio curricular é um dos momentos mais importantes da vida acadêmica do aluno,
pois é ele que contribui de forma prática para sua formação profissional. Considera-se
Estágio as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural proporcionadas ao
estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho em seu meio, sendo
realizadas na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou
privado, sob responsabilidade e coordenação da Instituição de Ensino.
Em Teófilo Otoni, os estudantes de Direito encontram os seguintes locais - e mais
procurados - para colocarem em prática seus ensinamentos e preencherem os requisitos
básicos à conclusão dos cursos de graduação: Núcleos de Prática Jurídica, Casa do
Cidadão ,Juizado de Conciliação do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais, Fórum
Desembargador Eustáquio Peixoto (Justiça Comum e Juizado Especial); Defensoria
Pública do Estado de Minas Gerais; Ministério Público de Minas Gerais; Justiça do
Trabalho.
Muito se tem discutido sobre o processo profissionalizante dos futuros e jovens advogados
e sua capacitação profissional. A criação dos cursos de Direito por todo país, a busca por
uma vaga no mercado de trabalho e o reconhecimento profissional, fazem com que os
estudantes de Direito busquem desenvolver atividades cada vez mais próximas da
realidade que irão enfrentar logo após a graduação e aprovação no Exame de Ordem.
Diante disso, o acadêmico não mais se sujeita a serviços antes a ele impostos, mas deseja
aprimorar e aplicar os conhecimentos adquiridos nas Faculdades/Universidades. Os
estágios desenvolvidos junto aos Escritórios de Advocacia apresentam-se como um
riquíssimo complemento ao curso de Direito, onde os fundamentos teóricos são externados
em discussões e peças jurídicas desenvolvidas.
Muitos escritórios de advocacia são compostos por advogados, que em tempos de estudos
acadêmicos passaram pelos percalços dos estágios antigos e hoje, como advogados, não
implementaram em seu escritório as inovações trazidas pela valorização e acesso aos
cursos de doutorado, mestrado, especialização e pós-graduação.
Em parceria com os acadêmicos, os profissionais podem dividir incremento da produção
dos trabalhos; os estagiários podem vivenciar a prática da profissão escolhida com maior
habitualidade possibilitando o surgimento de aperfeiçoamento de expediente. Além disso,
grande parte do trabalho de administração interna e parte de labor jurídico pode ser
realizado pelo estagiário.
Assim, para os acadêmicos que pretendam seguir a profissão de Advogados, nada mais
completo que o Estágio oferecido pelos Escritórios da Advocacia, cuja prestação de
serviço exige confiança, carisma, competência; qualidades essas obtidas através de atos
diários da profissão, podendo ser traduzidos pela palavra Experiência225. Experiência
aprendida pelo contato que é tido com a exteriorização do que é ministrado nas Instituições
de Ensino Superior.
Em Teófilo Otoni (OAB/MG - 28ª Subseção - Unidade Teófilo Otoni) são atualmente 596
advogados inscritos e foi localizado apenas 01 (um) Escritório de Advocacia conveniado
com as Instituições de Ensino Jurídico de forma a complementar e suprir a atividade
225 Prática da vida; usos; ensaio; prova; tentativa.
curricular oferecidos pelas Faculdades/Universidades. Em pesquisa realizada nos
Escritórios de Advocacia da Cidade constatou-se que as vantagens oferecidas aos
escritórios conveniados são quase que inexistentes.
Dos advogados entrevistados, muitos contratam “Estagiários”, mas o trabalho
desenvolvido pelos acadêmicos não servem como pré-requisito para a conclusão do curso
de graduação, o que gera insatisfação para os acadêmicos levando-os a optar pelo Estágio
nos Núcleos de Prática Jurídica, onde o tempo/carga horária é visivelmente reduzida.
Em análise à Resolução 15/98 que regulamenta o credenciamento dos escritórios de
Advocacia perante as Seccionais, vê-se que as exigências para credenciamento trazem
conseqüências negativas à Sociedade, vez que os Diretores/Sócios dos escritórios de
Teófilo Otoni as consideram altamente desnecessárias. Assim como a maioria dos
Escritórios de Advocacia entrevistados, pode-se concluir que “A OAB poderia incentivar o
credenciamento dos Escritórios, assim nossa Comunidade tem a ganhar”.226
CONCLUSÃO
O Curso de Direito oferecido por instituições Públicas e Privadas no Brasil, em especial na
cidade de Teófilo Otoni/MG, apresenta atualmente uma grande distância entre a teoria
ministrada em salas de aula (TEORIA) e o estágio de formação profissional obrigatória
(PRÁTICA). Em sua maioria com carga horária defasada e distante das inusitadas
surpresas cotidianas da profissão, dificultando um êxito maior de seus acadêmicos no
mercado de trabalho logo após a graduação.
Como todo futuro profissional que precisa de experiência, bacharéis têm expectativas
frustradas, sonhos adormecidos. Muitas vezes ao iniciarem a carreira se sentem impotentes
diante dos conflitos e das misérias humanas que atuam como o principal material de
trabalho.
Soma-se a este incentivo a aplicação de Teorias trazidas por renomados Educadores
através da reflexão sobre o atual modelo curricular, levando-se em conta o contexto social,
dentro e fora das Faculdades/Universidades. Hoje não mais se admite mais um modelo de
ensino dissociado da realidade no que diz respeito à metodologia.
Será a partir da reflexão dos problemas enfrentados pelos acadêmicos, jovens advogados e
as consequências da prestação de serviços à Sociedade Brasileira, em especial à Sociedade
Teófilo-otonense, que conseguiremos mudar o rumo da nossa Cidade e da nossa História.226 Waldemar Rodrigues Filho, Advogado militante em Teófilo Otoni há 40 anos.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Vivian Sandoval. Estágio: Uma “obrigação” do futuro advogado. Revista Prática Jurídica – Ano I – N. 1 – 30 de abril de 2002.
BUENO, Francisco da Silveira. Dicionário escolar da língua portuguesa. 11 ed. atual. Rio de Janeiro, FENAME, 1976. 1263 p.
BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil: Senado, 1998.
CONSELHO FEDERAL DA OAB: Disponível em << http://www.oab.org.br/hist_oab/index.html>> Acesso: mar.2008.
FAVARÃO, N.R.L.; ARAÚJO.C.S.A. Importância da Interdisciplinaridade no Ensino Superior. EDUCERE. Umuarama, v.4, n.2, p.103-115, jul./dez., 2004.
FAZENDA, Ivani C. Arantes. Interdisciplinaridade: História, teoria e pesquisa. 5ed. Campinas,SP: Papirus, 1994.p.143.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 30 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p.146.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. p.184.
HOUAISS, Antônio. Pequeno Dicionário Enciclopédia Koogan Larousse.Rio de Janeiro: Editora Larousse do Brasil, 1980, p.1635.
LOBO, José Antônio. A comunicação como elemento de interação entre a teoria e a prática na formação do advogado. Revista OAB Goiás, Ano XII, n. 36.
MANGIERI, Fabíola Pitan. A remuneração do estágio Revista Prática Jurídica – Ano II – N. 17 – 31 de agosto de 2003.” pg.18.
MELHORANÇA, Sílvia Regina Lomberti. Multidisciplinaridade só não basta. Revista Prática Jurídica – Ano I – N. 6 – 30 de setembro de 2002.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed.–São Paulo: Atlas, 2004. 836 p.
OLIVEIRA, Marta Kohl de, Vygotsky: Aprendizagem e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 4 ed. - São Paulo: Scipione, 2003. p.111.
OLIVEIRA, Rosy Mara (Org.). Manual para apresentação de trabalhos científicos. Barbacena, 2007. Disponível em: <www.unipacto.com.br>. Acesso: jul/2008.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as Ciências. Porto: Edições Afrontamento, 2003. p.124 .
SANTOS, Gustavo Botelho Horta dos. O Advogado e o mercado de trabalho. Revista Prática Jurídica – Ano II – N.11 – 28 de fevereiro de 2003. p. 66.
SODRÉ, Ruy de Azevedo. A ética profissional e o estatuto do advogado. São Paulo: LTr., 1975. 663 p.
SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 11. Ed. – Rio de Janeiro: Editora Forense,1991.
VYGOTSKI, Lev Semenovich. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Alexandre Romanovich Luria, Alex n. Leontiev; tradução Maria da Penha Villalobos.- 8 ed. - São Paulo: Ícone, 2001. p.228.