Revista Eletricidade Do Aperto

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  • Eletricidade doaperto

  • PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 73

    Pesquisadores desenvolvem material que gera energia eltrica quando pressionado

    o de um material capaz de aproveitar a fora mecnica gerada pelo trfego de veculos em uma rua, por exem-plo, para obter eletricidade. Trata-se de um filme, chamado tecnicamente de compsito, feito da mistura de um polmero com partculas nanomtricas medidas equivalentes a um milho de vezes menores que um milmetro de cermica, que pode ser colocado sob o asfalto e, ao sofrer uma presso, se deforma gerando corrente eltrica.

    O desenvolvimento da cermica nanomtrica, que faz parte da pelcu-la, est a cargo de Maria Aparecida. Ela lana mo de recursos nanotecnolgi-cos, em escala de tomos e molculas, para fazer o p cermico que compe o filme, o xido cermico titanato zirconato de chumbo, mais conheci-do pela sigla PZT o P vem do nome do chumbo em latim, plumbum. Para desenvolver a nanocermica, Maria Aparecida utilizou um novo mtodo de produo. Ela explica que a forma mais comum de obter o PZT era por meio do processo Pechini. Nesse caso, utiliza-se a propriedade que os cidos orgnicos, como o ctrico, possuem de formar complexos do tipo metal-cido orgnico, diz. Esse complexo, quando associado a um lcool, se polimeriza

    Evanildo da Silveira

    [ NaNotecNologia ]

    s irmos Pierre e Jacques Cur-rie, fsicos franceses, desco-briram em 1880 a proprieda-de que alguns materiais mi-nerais tm de gerar corrente eltrica quando deformados por uma presso mecnica,

    fenmeno que ganhou o nome de pie-zoeletricidade. Essa descoberta origi-nou vrias aplicaes comerciais, desde o luminoso da sola de tnis infantil at aplicaes em equipamentos de ul-trassonografia e de litotripsia, proce-dimento mdico para quebrar pedras de rins ou vescula. Mas em tempos de preocupaes ambientais e energticas um uso baseado na piezoeletricidade ganha corpo entre pesquisadores: o de produzir energia eltrica por meio de uma fonte inesgotvel que no polui. o que vm fazendo, por exemplo, dois professores da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O fsico Walter Kat-sumi Sakamoto, do Departamento de Fsica e Qumica da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira (Feis), e a qumica Maria Aparecida Zaghete Bertochi, do Departamento de Bio-qumica e Tecnologia Qumica, do Instituto de Qumica (IQ) do campus de Araraquara, com apoio financeiro da FAPESP, esto trabalhando na cria-

    Produzir energia eltrica sob o asfalto uma possibilidade dos materiaispiezoeltricos

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    formando polister, um polmero com alta viscosidade, que decomposto em xido por combusto, com tempera-turas em torno de 500 a 800oC. Nessa temperatura conseguimos cermica nanomtrica. No caso do PZT, usa-mos para sntese da cermica citratos de zircnio, titnio e chumbo.

    Presso e volume - A novidade utiliza a chamada sntese hidrotrmica, que teve parmetros otimizados no estu-do de Maria Aparecida, com sais ou xidos de zircnio, titnio e chumbo que so misturados em meio aquoso, ao qual adicionada uma base mine-ralizadora (hidrxido de sdio ou po-tssio). A seguir a mistura submetida a aquecimento por micro-ondas num recipiente de teflon fechado por 30 minutos a 180oC. A vantagem desse processo que, usando temperatura baixa e tempo curto, se obtm part-culas cermicas com timo arranjo cristalino, o que importante, porque a propriedade piezoeltrica depende disso, explica a pesquisadora. Alm disso, no libera chumbo por evapo-rao. Essa cermica nanomtrica produz energia porque apresenta uma assimetria no seu centro de cargas, gerando uma polaridade espontnea dentro da estrutura do material. Para ser piezoeltrico, o material deve ter a estrutura cristalina na forma de um cubo um pouco deformado. Quando se aplica uma presso sobre o material, como um carro passando por cima ou a pisada de uma pessoa, o seu volu-me instantaneamente reduzido, diz. Isso aumenta a densidade de carga dentro dele, provocando a sada de eltrons por fios, que so conectados cermica. Esses eltrons podem ser usados para acender uma lmpada, por exemplo.

    A cermica nanomtrica isolada-mente capaz de gerar energia, mas h alguns inconvenientes. Ela frgil, cara e tem pouca flexibilidade. Vencer esses obstculos justamente o trabalho do professor Sakamoto. Estamos buscan-do um material mais flexvel e barato, diz ele. No momento desenvolvemos

    um compsito polmero-cermica, que um material composto de polmeros e PZT. Para isso, Sakamoto mistura o p cermico com o polmero, tambm na forma de p. Essa mistura prensada na temperatura de fuso do polmero utilizado para se obter o filme. Os dois pesquisadores tm testado compsitos com 30%, 40% e 50% de cermica e o restante de polmeros. Os mais usados nas pesquisas so o polifluoreto de vi-nilideno (PVDF), que se funde a cerca 180oC, e o politer-ter-cetona (PEEK), cuja temperatura de fuso por volta de 360oC. Assim, ao se utilizar uma matriz polimrica, qual se mistura a cermica, ganha-se em resistncia ao choque mecnico, em flexibilidade e formabilidade (pode se dar a forma que se quiser ao compsito), explica Sakamoto. Tambm h uma vantagem econmica. Ao se optar pelo compsito,

    usa-se uma menor quantidade de cer-mica e torna-se possvel estudar dife-rentes matrizes de forma a melhorar a atividade piezoeltrica do filme.

    O primeiro filme desenvolvido por Sakamoto e Maria Aparecida era pe-queno, medindo 2 centmetros (cm) por 1 cm, e a sua capacidade de gerar energia foi comprovada em laboratrio. Sakamoto colocou o novo compsito, conectado a um LED (diodo emissor de luz, na sigla em ingls), entre duas placas de acrlico. Ao pression-las, o LED acendia. Mas, dependendo do ta-manho do filme, a energia gerada pode ser muito maior. Sabe-se pela litera-tura cientfica que uma pessoa de 60 quilos produz em mdia 0,1 watt a ca-da passo, diz Sakamoto. Outros dados vm de Israel, pas que tem investido muito nessa linha de pesquisa. L foram feitas experincias que mostram que um quilmetro de pista rodoviria de movimento intenso com material pie-zoeltrico pode gerar 200 quilowatts (kW), energia suficiente para abastecer uma casa por um ms. Maria Apare-cida e Sakamoto esto testando agora filmes com dimenses um pouco maio-res, de 7 por 7 cm, para saber qual a tenso eltrica que se consegue obter. Queremos saber se possvel carre-gar com esse material uma bateria tipo AAA, conhecidas como pilhas palito, usadas em dispositivos como controles remoto, e se preciso colocar alguns filmes em srie ou em paralelo para se obter mais tenso ou mais corrente, revela Sakamoto. Dependendo do re-sultado, a utilizao comercial uma simples consequncia.

    Em alguns pases o emprego dessa tecnologia j est mais avanado. Em 2008, duas casas noturnas, uma em Londres, o Club Surya, e outra, o Club Watt, em Roterd, na Holanda, instala-ram em suas pistas de dana pisos pie-zoeltricos. Os clientes danando pres-sionam os pisos, que geram energia para iluminar as pistas. No Japo, a empresa Soundpower instalou sistemas piezoe-ltricos no piso de duas estaes de trem de Tquio, por onde passam cerca de 2,4 milhes de pessoas por semana.

    ao caminhar

    em uma estao

    de trem ou

    danar numa

    casa noturna,

    as pessoas

    podem gerar

    energia eltrica

    Sensores piezo e piroeltricos inteligentes - 01/13187-4

    modAlIdAdEauxlio Regular a Projeto de Pesquisa

    Co or dE nA dorWalter Katsumi Sakamoto Unesp

    InvEStImEntoR$ 52.862,13 (FaPESP)

    OPrOjetO

  • PESQUISA FAPESP 171 n maio DE 2010 n 75

    Em Israel foi desenvolvido entre 2008 e 2009 um projeto piloto, feito em ro-dovias e aeroportos. No Brasil, Maria Aparecida e Sakamoto imaginam vrias aplicaes para o filme piezoeltrico que esto desenvolvendo. Essa tec-nologia poder gerar energia em reas movimentadas, e no somente a partir da passagem de carros mas tambm de pessoas a p, diz Sakamoto. Shopping centers, por exemplo, poderiam utilizar pisos especiais que transformam os pas-sos dos frequentadores em energia para iluminar os corredores. Ou ento os filmes poderiam ser aplicados em solas de sapato, o que os tornaria capazes de gerar energia, enquanto seus usurios caminham, para alimentar pequenos aparelhos eletrnicos, como celulares e tocadores de msica. O compsito ser-viria tambm para gerar energia dentro de um automvel. Poderamos insta-lar materiais piezoeltricos em peas mveis, como amortecedores e pneus, diz Sakamoto. Essa fonte alternativa substituiria o motor do carro na ali-mentao de seu sistema eltrico.

    Un

    ESP

    Partculas de cermicananomtrica que compem o material piezoeltrico

    artigo cientfico

    MALMONGE, J.A.; MALMONGE, L.F.; FUZARI, G.C.; MALMONGE, S.M.; SAKAMOTO, W. K.. Piezo and dielectric properties of PHB-PZT composite. Polymer Composites. v. 30, n. 9, p. 1.333-37. 2008.

    A gerao de energia apenas uma das aplicaes desses materiais piezoe ltricos. Na rea mdica, eles poderiam ser utilizados, por exemplo, como sensores para detectar vazamen-tos de raios X em clnicas e hospitais ou para a produo de implantes ca-pazes de estimular o crescimento s-seo guiado, o que seria muito til em tratamentos ortopdicos e implantes dentrios. A tecnologia piezoeltrica pode ser empregada para inspeo es-trutural de materiais como os usados na fuselagem de aeronaves, acrescenta Sakamoto. Constatamos em testes que o compsito eficiente na deteco de microtrincas em placas de fibra de car-bono presentes nos avies.

    desafio de armazenar - Apesar do otimismo, os pesquisadores ressalvam que para usar essa tecnologia em larga escala ainda necessrio superar um obstculo: o do armazenamento da energia. Us-la medida que gerada no tem mistrio. O problema arma-zen-la para usos futuros. Atualmente o armazenamento s possvel com grandes capacitores (equipamentos que armazenam energia), que ainda so ca-ros e ocupam muito espao. Para Saka-moto, a soluo pode estar mais uma vez na nanotecnologia. O ideal seria

    desenvolver outro nanomaterial com a propriedade primordial de acumular grande quantidade de energia em um tamanho pequeno, diz.

    Sakamoto e Maria Aparecida, que fazem parte do Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia de Materiais em Nanotecnologia (INCTMN), com sede em Araraquara, financiado pe-la FAPESP e Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecno-lgico (CNPq), esto satisfeitos com os resultados que obtiveram at agora. Temos dois artigos submetidos a re-vistas cientficas e um captulo de livro que dever ser publicado nos Estados Unidos no prximo ms, pela edito-ra Novapublishers, revela Sakamoto. Maria Aparecida ressalta outro aspecto positivo do trabalho. Estamos usando material nacional, adaptando um sis-tema que aproveita uma energia que totalmente desperdiada, a um custo ambiental muito pequeno, diz. n