Revista do MPT-RS nº 2

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Revista do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul editada sob responsabilidade dos procuradores do Trabalho lotados no Estado.

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Rev. MPT RS, Porto Alegre, n. 2, p. 11-13, 2010 . 1

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHOPROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

DO RIO GRANDE DO SUL

Número 2, 2010

Porto Alegre, RS

Rev. MPT RS Porto Alegre nº 2 p. 1-380 2010

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Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidos não exprimem, necessariamente, o ponto de vista do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta revista, desde que citada a fonte e respeitados os direitos autorais.

Revista do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul / Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região - N.1 (2006). -- Porto Alegre : Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região, 2006-

v.

1. Ministério Público do Trabalho – Atuação. 2. Ministério Público do Trabalho – Periódico. 3. Direito do Trabalho. I. Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Sachi Brasileira Makino CRB-10/1133

Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª RegiãoRua Ramiro Barcelos, 10490035-000 – PORTO ALEGRE – RSFone: (51) 32843000www.prt4.mpt.gov.br

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................... 07

EDITORIAL ................................................................... 09

HOMENAGEM AO PROF. JOAQUÍN HERRERA FLORES Dulce Martini Torzecki .................................................... 11

ARTIGOS DE DOUTRINABREVES APONTAMENTOS SOBRE AS OPRESSÕES PATRIARCAIS E A OBRA DE JOAQUÍN HERRERA FLORES Denise Maria Schellenberger ......................... 17

A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ADOLESCENTE SOB UMA NOVA ÓTICA DOS DIREITOS HUMANOS Dul-ce Martini Torzecki .......................................................... 37

O ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: proposta de uma nova abordagem sobre o mesmo mal Márcia Medeiros de Farias.............................................................................. 73

AGEÍSMO: a discriminação dos idosos nas relações de emprego no Brasil Maria Cristina Sanchez Ferreira ...... 97

O CONTROLE DO EMPREGADO PELO EMPREGADOR – meios de trabalho, dados pessoais e vigilância do local de trabalho Viktor Byruchko Junior ................................130

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PARECERESParecer do Procurador do Trabalho Itaboray Bocchi da Silva (Defesa de mero interesse. Inconstitucionalidade de norma abstrata e genérica. Contestabilidade dos fatos. Controle da jornada de trabalho. Equipamento de ponto eletrônico) MS 681-58.2010.5.04.0009 ...................................................155

Sentença do Mandado de Segurança em que é impetrante a empresa Lojas Colombo S/A e impetrado o Superintenden-te Regional do Trabalho do Estado do Rio Grande do Sul, referente à inconstitucionalidade da Portaria MTE nº 1.510, de 21 agosto de 2009, que disciplina o registro eletrônico de ponto. MS 681-58.2010.5.04.0009 ..................................178

AÇÕES CIVIS PÚBLICASTerceirização ilegal na prestação de serviços à saúde no Município de Carazinho. Juliana Hörlle Pereira ..............185

Desigualdade de tratamento entre trabalhadores manuais, técnicos e intelectuais, quanto à garantia de convivência fa-miliar. Construtora Andrade Gutierrez S. A. Mendes Júnior Trading e Engenharia S. A. e Consórcio Andrade Gutierrez – Mendes Júnior Lourenço Andrade e Márcia Medeiros de Farias...............................................................................229

MANDADO DE SEGURANÇARisco à integridade física dos empregados da empresa Irtha Engenharia S. A. em canteiro de obras. Termo de Embargo da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego. MS 01054-2008-001-04-00-2 Márcia de Freitas Medeiros, Aline Zerwes Bottari Brasil e Paula Rousseff Araujo ................259

TERMOS DE AJUSTE DE CONDUTAAssédio moral. Atestado médico. Concessão e pagamento de férias. Pagamento integral de salário mensal. Companhia Minuano de Alimentos. Bernardo Mata Schuch ..............293

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Terceirização. Atividade-meio. Tele-atendimento. Cadastro de cliente. Faturamento. Acompanhamento, Análise, Confe-rências de pedido, notas fiscais e entregas. Dell Computa-dores do Brasil Ltda. Marcelo Goulart .............................298

Assédio moral e/ou sexual. Campanha interna e externa de prevenção e orientação. Anúncios em jornais sobre assédio moral e/ou sexual. Ofício de Registro de Imóveis de São Le-opoldo. Márcia Medeiros de Farias .................................301

CAMPANHAS

Discriminação Mulheres Negras......................................307

Assédio Moral no Trabalho ..............................................312

Segurança do Trabalho na Construção Civil NR 18 – PTM de Caxias do Sul ..................................................................314

Medidas de Proteção contra Quedas de Altura – PTM de Caxias do Sul ..................................................................337

Relatório Responsabilidade Trabalhista dos Shoppings Cen-ters – PTM de Caxias do Sul ...........................................338

Relatório Responsabilidade Trabalhista dos Shoppings Cen-ters – PTM de Caxias do Sul – Ata de Audiência ............339

Relatório Responsabilidade Trabalhista dos Shoppings Cen-ters – PTM de Caxias do Sul – Fotos ..............................376

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APRESENTAÇÃO

A Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região tem o prazer de lançar a segunda edição da Revista do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma atividade idealizada e executada por uma desprendida equipe, onde todos ofereceram o melhor de si. Trabalho em grupo que revela o espíri-to de contribuição e comprometimento, na medida em que a constante atualização contribui para a efetivida-de da atuação institucional.

Destina-se ao aprofundamento dos estudos dos operadores do Direito, em especial para aqueles que militam na área laboral, além de fomentar a interação com a sociedade - imperativo de legitimação para qual-quer instituição pública.

Esta Revista de atualizado conteúdo doutrinário e didático apresenta, nesta edição, um diferencial: refe-re-se ao capítulo nominado “Campanhas”, que revela e exemplifica o desempenho da atividade pró-ativa dos Membros da Regional, da adotada postura de anteci-pação e enfrentamento das causas dos problemas e, do cultivo da prática da inovação e criatividade, carac-terísticas notáveis que matizam os Procuradores da Regional gaúcha.

Agradeço o esforço de toda a equipe administra-tiva que, de sua parte, contribuiu para a concretização de mais um sonho da Administração, que é a continui-

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dade, na edição da Revista do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul.

Rendo minhas sinceras homenagens à Comissão Editorial nas pessoas das Procuradoras do Trabalho Denise Maria Schellenberger, Dulce Martini Torzecki, Maria Cristina Sanchez Gomes Ferreira, Márcia Medei-ros de Farias e Patrícia de Mello Sanfelice que estimu-laram os Colegas para alcançar o objetivo almejado e atuaram de forma participativa e democrática, eficiente e célere, sem prejuízo de suas atividades cotidianas.

Por fim, agradeço ao Procurador-Geral do Traba-lho Otávio Brito Lopes e ao Vice-Procurador Geral do Trabalho Jeferson Luiz Pereira Coelho pela disponibili-zação dos recursos orçamentários correspondentes os quais viabilizaram esta atividade essencial para o cum-primento da Missão e alcance da Visão do MPT.

A todos, oferecemos esta Revista e almejamos uma franca leitura!

Silvana Ribeiro MartinsProcuradora-Chefe

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EDITORIAL

Com grande alegria, apresentamos a segunda Revista do Ministério Público do Trabalho da 4ª Re-gião.

Dando seguimento à primeira revista, lançada em 2006, e buscando mapear os trabalhos realiza-dos pelos Membros do Ministério Público do Trabalho da 4ª Região, a atual administração, nas pessoas da Procuradora-Chefe Silvana Ribeiro Martins e do Pro-curador-Chefe Substituto Ivan Sérgio Camargo dos Santos, apoiou e obteve as condições necessárias para sua realização. Diversos procuradores e servi-dores colaboraram de forma desprendida para que a revista fosse realizada.

A revista contém artigos de doutrinas, realizados por procuradores com pendores acadêmicos, metade dos quais traduz homenagem necessária ao saudoso sevilhano Joaquín Herrera Flores, professor de influ-ência marcante aos que tiveram o prazer e a oportuni-dade de estudar nos cursos da Universidad Pablo de Olavide em Sevilha, seja de forma presencial, seja de forma virtual, em convênio com a Escola Superior do Ministério Público da União.

Traz pareceres, ações civis públicas, mandados de segurança, termos de ajuste de conduta e relató-rios realizados por procuradores combativos e dedi-cados à implementação prática do Direito Social na

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sede e nas Procuradorias do Trabalho nos Municípios, trazendo um panorama geral do trabalho realizado pelo Ministério Público do Trabalho na busca da implemen-tação prática do Direito Social e dos ideais de Justiça.

Apresenta, também, importantes campanhas rea-lizadas, que tiveram muita repercussão na sociedade, com ênfase no combate à discriminação das mulheres negras e no combate ao assédio moral.

Esperamos que o trabalho ora apresentado seja do agrado de todos e, principalmente, seja útil para os operadores do Direito do Trabalho, e que adquira perio-dicidade, já que estamos preparando a próxima revista.

A Comissão EditorialDenise Maria SchellenbergerDulce Martini TorzeckiMaria Cristina Sanchez Gomes FerreiraMárcia Medeiros de FariasPatrícia de Mello Sanfelice

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HOMENAGEM AO

PROF. JOAQUÍN HERRERA FLORES

Dulce Martini Torzecki1

Estudar os direitos humanos sob uma outra ótica, contra-hegemônica, e construir uma teoria crítica, afir-mativa e contextualizada, ressaltando sua natureza im-pura, sempre contaminada do contexto, sempre foi a preocupação do professor Joaquín Herrera Flores. Sua longa trajetória dando aulas e coordenando cursos de pós-graduação em direitos humanos, primeiramente na Universidade Rábida, em Huelva, e, depois, na Univer-sidade Pablo Olavide, de Sevilha, ambas na Espanha, acabou por influenciar centenas de acadêmicos das vá-rias edições de seus cursos de mestrado e doutorado, desejosos por encontrar apoio teórico às suas práticas sociais, pedagógicas e jurídicas.

Quem teve o privilégio de estudar pessoalmente com Herrera Flores, como no meu caso, pôde conhe-cer, além do professor brilhante, uma pessoa alegre e sempre provocativa, que demonstrava um carinho re-almente especial aos que de uma forma ou de outra faziam parte de seu entorno.

Joaquín nasceu em Sevilha, mais precisamente no Bairro de Triana, em 26 de setembro de 1956. Faleceu

1 Procuradora do Trabalho do MPT - RS

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em 02 de outubro de 2009, no mesmo bairro e na mes-ma rua em que nasceu, calle San Jacinto.

Durante toda sua vida acadêmica buscou ir além dos muros universitários e, em contato permanente com os movimentos sociais, levar adiante a luta pela construção de um mundo mais justo e solidário. Sua teoria pregava visibilizar os contextos, desestabilizar o hegemônico para depois transformar o mundo em um lugar onde a dignidade do ser humano seja o valor mais importante. Defendia que os direitos humanos são um processo, um resultado de lutas sociais pela busca de espaços que possibilitem a todos e a todas lutar por sua dignidade, a partir de uma igualdade material, que permita colocar em prática uma liberdade positiva e uma fraternidade emancipadora.

De acordo com sua teoria, por intermédio das lutas travadas pelas pessoas, individual ou coletivamente, é que se possibilita o acesso aos bens, materiais e ima-teriais, necessários para viver dignamente, tais como moradia, alimentação, trabalho, lazer, liberdade de expressão e liberdade religiosa. Ao considerarmos os direitos humanos como um produto cultural, frente ao qual se pode reacionar política, social ou juridicamente, deixamos entrar a realidade no conceito, abandonando os fenômenos naturais, metafísicos e transcendentais.

E, ao escrever sobre a importância do riso para impulsionar essa luta pela dignidade humana, disse que a alegria, o sentido do humor são antídotos efi-cazes contra o totalitarismo e o autoritarismo, pois o riso carrega em si esse caráter subversivo. Na obra “O nome do riso” nos incita a lutar por nossa capacidade genérica de fazer e por generalizar a possibilidade de fazer valer nossas plurais e diferenciadas formas de lu-tar pela dignidade. Disso, segundo ele, gerará a alegria

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que produz a rebeldia e o bom humor que gera o com-promisso com os demais.

Joaquín dedicou grande parte de sua vida à leitu-ra, construindo uma biblioteca com milhares de obras, das mais diversas línguas e origens. Era muito grande sua admiração pela América Latina, em especial pelo Brasil. Joaquín era fã incondicional das obras de Má-rio de Andrade, como Macunaíma, e de autores como Darcy Ribeiro, Machado de Assis e Guimarães Rosa. Também gostava muito de ouvir a música brasileira, desde Adoniram Barbosa a Caetano Veloso, passando por Chico César e Zeca Baleiro, de quem citou versos em suas obras.

Outra paixão sua era a motocicleta. Gostava de sentir o perigo de andar em duas rodas, de sentir a adrenalina das curvas, de experimentar o vento, o frio e o calor. Escreveu um livro de uma de suas tantas via-gens, ainda inédito, com o título “Rutas Interiores, un viaje en moto por la Península Ibérica”.

Algumas de suas principais obras estão traduzi-das para o português: O Nome do Riso, Teoria Críti-ca dos Direitos Humanos e A Reinvenção dos Direitos Humanos. Esperamos que os artigos publicados nessa revista, construídos a partir da teoria crítica dos direitos humanos de Joaquín Herrera Flores, instiguem o leitor a buscar suas obras e, assim, encontrar outros argu-mentos para ampliar as condições objetivas de cons-trução de um mundo com mais igualdade.

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ARTIGOS DE DOUTRINA

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BREVES APONTAMENTOS SOBRE AS OPRESSÕES PATRIARCAIS E A OBRA DE

JOAQUÍN HERRERA FLORES

Denise Maria Schellenberger1

Dentre a obra de Joaquín Herrera Flores, inesque-

cível ser humano, “trianero” e saudoso mestre dedicado ao tema dos direitos humanos, encontramos o livro “De habitaciones propias y otros espacios negados (uma teoria crítica de las opressiones patriarcales)”, dedica-do em especial ao estudo das opressões patriarcais a que são submetidas as mulheres. Deste denso e inte-ressante texto pinçamos aqui, relembrando os ensina-mentos expostos em conversas e também em sala de aula, alguns aspectos que consideramos relevantes, sem detrimento de outros e com a singela intenção de homenagem e leitura/releitura, sem pretensão de es-gotar o tema e sim de debater e repercutir as idéias e o pensamento crítico do mestre.

Entre os diversos aspectos abordados, enfatiza-mos a análise do mestre sobre o patriarcalismo e o que denomina “depredador patriarcal” bem como a visão sobre as teorias feministas, perpassando os temas da liberdade e da igualdade (Que igualdade? Igualdade de que?); constatando o lineamento de uma teoria da jus-tiça, na esteira de Iris Marion Young, chegando no con-ceito de espaço analisado dentro da separação entre o público e o privado e a necessidade de reinterpretar o espaço como um espaço social ampliado, desde uma visão crítica e igualmente ampliada da atividade políti-ca.

1 Procuradora do Trabalho do MPT-RS, Mestra em Direito pela PUCRS e Doutoranda em Direitos Humanos pela Universidad Pablo de Olavide-Sevilla

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Na obra “De habitaciones propias y otros espacios negados (uma teoria crítica de las opressiones patriar-cales)”, o saudoso mestre identifica primeiramente o que denomina, na esteira de Clarisse Pinkola Estés, o chamado depredador natural que existe toda a cultura, entendida como a forma de entender e avaliar a reali-dade vivida, depredador este que simboliza os aspec-tos devastadores da sociedade, instalado nas mentes, nas atitudes e nos sonhos das pessoas.

O depredador manifesta-se em outras vertentes, de classe, de raça ou etnia e de sexo, mas o objetivo aqui é analisar a questão da (des) igualdade material entre homens e mulheres, que se manifesta no proces-so de divisão social do trabalho com a conseqüente ex-clusão das mulheres do âmbito do político, em razão do patriarcalismo, definido como uma tradição política, axiológica e sociológica, na qual um poder aumenta, no caso o poder do homem branco, ocidental e proprie-tário, em relação ao poder dos ou das demais, emba-sados em princípios de dominação, de complementari-dade, de necessidade e de vitimização. O depredador se apresenta aqui como homem branco e ocidental instaurando-se uma verdade abstrata que rechaça as demais não correspondentes a tal imagem, com valo-res naturalizados.

Entende-se aqui o patriarcalismo como a base e sustentáculo de toda dominação autoritária ou totalitária, que encontra formulações históricas na Grécia antiga, na separação entre o conhecimento abstrato e o saber concreto, distinguindo entre o pensamento e a prática.

Entre as muitas teóricas referidas na obra em co-mento merece lugar de destaque a escritora inglesa Virginia Woolf, autora de importantes obras literárias dentre as quais destacamos sua obra mais conheci-da e tida como mais importante: Orlando, que narra a

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transformação, a experiência e os sentimentos de um cavalheiro inglês que se transforma de forma gradual e imperceptível em mulher descobrindo ai seus pró-prios preconceitos e a limitação social imposta. O li-vro de Woolf que merece referencia mais aprofundada do mestre é denominado “Um cuarto próprio” na qual a escritora, percebendo a carência de obras escritas por mulheres analisa as razões da situação das mu-lheres de sua época, ilustrando as ocultações e invi-sibilizações trazidas pelas diferenças sociais calcadas em desigualdade de gênero e coloca em evidencia a exclusão das mulheres não só do espaço público como também dentro do espaço privado, em termos de ex-pressão criativa.

Woolf ressente-se de ler, com raras e honrosas exceções, obras interessantes escritas por mulheres e afirma que pouco se pode criar sem a conquista de uma consciência livre e autônoma que não se dá em termos vazios e sim dentro de condições materiais mí-nimas, como independência econômica e um espaço próprio para pensar e escrever.

As mulheres, entendidas aqui como as mulheres brancas, com alguma educação e acesso aos bens, são teoricamente donas de sua casa “de bonecas” (lembrando que casa de bonecas é obra famosa da escritora citada), “rainhas dos lares” mas mesmo ali suas atividades são restritas e controladas e avançan-do mais aqui, para que não saiam do espaço privado que lhes foi destinado. E o que é percebido por Woolf é que as mulheres não possuem, no âmbito do privado os meios disponíveis ( no caso um quarto próprio) para desenvolver seus talentos criativos, para que daquele espaço privado saiam, indo para o espaço público, pois escrever e publicar significaria exatamente sair do es-paço privado para o público.

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Na lição do mestre em outra de suas obras (O nome do riso), não há arte privada, pois a arte requer sair à praça pública, percorrer as ruas, deixar-se admi-rar pelos olhos de todas e todos que se interessam por ela e, em última forma, nos dar motivação para a tra-vessia, para a viagem, para o autoconhecimento, sem renunciar à presença dos olhares dos demais. A arte necessita e exige, pois, um espaço publico.

Para o mestre, desde Virginia Woolf, a luta femi-nista contra o sistema de valores dominante e contra a exclusão das mulheres dos privilégios da divisão capi-talista do trabalho encontra apoio para a conquista de um espaço e tempo próprios, diversos dos permitidos pelo denominado depredador patriarcal, embora com-plemente a metáfora do quarto próprio com a metáfo-ra mais antagônica da consciência “ciborg” entendida como caminho único para enfrentar realidades com fa-ces múltiplas de opressão e exploração.

De modo geral, todas as teorias feministas con-temporâneas, apesar das diferenças entre si, compar-tilham o objeto a ser enfrentado: o patriarcalismo como sistema de relações dominante, visto sob a ótica mas-culina, entendida aqui como a ótica masculina branca, proprietária e cidadã.

Das teorias feministas que tentam superar os mi-nimalismos políticos e essencialismos da diferença sexual, destacam-se, primeiramente, quatro teorias: a primeira teoria seria a do feminismo radical, centrado no problema da violência da relação entre os homens e mulheres na maioria dos espaços públicos e privados; a segunda teoria seria a do feminismo denominado libe-ral ou progressista, centrado nas políticas de discrimi-nação positiva e preocupado em estabelecer políticas promocionais e sistemas de cotas; a terceira teoria se-ria o feminismo denominado materialista ou “marxista”,

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interessado na integração da luta das mulheres no âm-bito mais geral da luta de classes; a quarta teoria seria o feminismo denominado socialista ou pós-materialista, interessado na ampliação da ação e na integração das mulheres no enfrentamento aos formalismos e dualis-mos teóricos autoritários.

Para nosso mestre, não pode haver feminismo sem materialismo e ainda, dentro do entendimento de que o pessoal é político, tais teorias ainda que critiquem as posições sobre justiça política, não questionam as implicações produzidas no âmbito do privado, deixando de lado a luta pelos lugares relegados à mão invisí-vel do mercado, olvidando que o âmbito público não está separado do privado, lembrando que a perspecti-va temporal deve ser substituída e/ou complementada com a perspectiva espacial.

De outra parte, as quatro vertentes teóricas, de forma geral, buscam o abandono do pensamento neu-tro e dualista, chegando o mestre a apontar a existên-cia de uma quinta vertente teórica, entendida como o feminismo denominado pós colonial, com raízes em etnias diversas e autoras empenhadas na constru-ção de uma nova subjetividade superando os valores da perspectiva patriarcalista, para concluir que as te-óricas feministas de forma plural e diferenciada entre si, buscam uma nova forma de pensamento, colocando em questão teorias e práticas dominantes que invisi-bilizam a diferença e absolutizam a identidade, objeti-vando uma ética e uma política democrática, radical e interativa; uma filosofia desconstrutiva e reconstrutiva das relações de dominação e ainda, uma política de reconhecimento da diferença entendida de forma mul-ticultural e critica. Para tanto colocam em questão as dualidades e as lógicas colonialistas que ocultam as temporalidades disjuntivas e impõe um único código

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normativo; a crença na neutralidade do signo, ou seja, da norma moral e jurídica e da separação entre sujeito e objeto do conhecimento e também colocam em ques-tão o dogma da livre eleição das condições de vida. A pessoa escolhe onde nasce e onde cresce? Escolhe suas condições de vida e de luta?

A naturalização dos valores do patriarcalismo induz a duas situações: a visível, entendida como esfera dos iguais e a invisível, a dos diferentes. Muitos porém mas-caram a situação sob o manto da igualdade formal. Mas a realidade é diferente e se sobrepõe ao direito posto pelo poder dominante, os fatos se sobrepõem ao direito. Homens e mulheres são iguais perante a lei. Mas se-gundo dados da avaliação mais recente do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), embora exista maior participação das mulheres brasileiras no cotidiano profissional no momento atual (os dados são de 2008) esta participação não se reflete nas decisões efetivas.

Exemplificativamente, nos maiores tribunais bra-sileiros, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Supe-rior do Trabalho (TST), a proporção de mulheres em cargos de direção é pequena. De forma comparativa o STF tem onze ministros entre os quais duas minis-tras; o STJ, atualmente tem 28 ministros, entre os quais cinco ministras e o Tribunal Superior do Trabalho tem 27 ministros, entre os quais cinco ministras, nenhu-ma, contudo, atuando nos quatro cargos de direção ali existentes. A diretoria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), importante órgão da classe empresarial tem trinta membros em sua direto-ria e nenhuma mulher. No Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, órgão que congrega cerca de 421 mil advogados e dos quais 44,5% são mulheres, há apenas uma mulher na diretoria.

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O quadro acima exposto demonstra em parte a existência da desigualdade em relação às mulheres, que também sofrem e é importante destacar, as “over-lapping opressions”, discriminações sobrepostas, que não são universais e homogêneas, mas se manifestam como variáveis contínuas, de categoria quantitativa e transversais, sendo insuficientes as concepções clás-sicas de desigualdade de gênero, para explicar a rea-lidade.

Das brasileiras citadas acima, além de poucas, são todas brancas, valendo dizer por demasia, que se uma mulher branca já sofre o peso da discriminação, o que se dirá das mulheres negras, objeto aliás de cam-panha recente do MPT-RS. Autoras feministas de cor-te mais radical já apontavam, na década de setenta, a discriminação racial e de classe à condição feminina, acrescendo e muitas vezes contrapondo à situação das mulheres burguesas, a situação das mulheres pobres, negras ou mexicanas.

O mestre segue apontando o que considera os três mecanismos mais importantes do funcionamento do patriarcalismo nos planos do jurídico e do político: a dicotomia jurídica entre liberdade e igualdade; a sepa-ração entre igualdade e diferença e a dicotomia entre o público e o privado, problemáticas entendidas como imbricadas entre si, colocando-se no debate sobre a igualdade e a necessidade de recuperação do conceito de liberdade como construção de um âmbito público apto a superar a oposição entre os espaços públicos e privados. Para o mestre os planos filosóficos, sociais e políticos são indissociáveis.

No plano filosófico, avulta a questão do contratua-lismo como fundamental à relação social, baseado no principio universal de igualdade formal. A modernidade centra, desde os revolucionários burgueses, a igualda-

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de, a liberdade e a fraternidade como princípios funda-mentais. Todos são iguais perante as leis. Mas todos são iguais? Como apontado por Ana Rubio, o princípio da igualdade mudou sua forma, seu conteúdo semân-tico, seus horizontes de expectativas, reduzido por ve-zes a um termo vazio, mas que nenhuma das mudan-ças reduziu a força utópica e a consideração de valor social.

No plano social, para além das tendências homo-geneizadoras, devem ser contrapostos os conceitos de igualdade e desigualdade, para que se visibilizem as diferentes condições sociais, econômicas e culturais que fazem com que uns sejam mais que outros por di-ferentes razoes, clareando-se que o que distingue as posições diferentes diante dos direitos é o acesso aos recursos, aos bens da vida.

O direito não reconhece necessidades, mas for-mas de satisfação das necessidades em função do conjunto de valores predominantes na sociedade e ao formalizar uma norma, necessariamente realiza uma abstração que pode ser emancipadora ou regulatória, se a formalização da forma de satisfazer uma necessi-dade levar em conta as diferentes posições sociais no acesso aos recursos que permitem por em pratica os direitos, criando condições para que as pessoas gozem de liberdade e riqueza sem a contrapartida da desigual-dade de muitos em detrimento de poucos.

No plano político, devem ser compreendidas as relações entre os conceitos de igualdade e liberdade entendendo-se que a luta pela liberdade sempre irá mais adiante da igualdade e mais do que autonomia e independência. Falar de liberdade significa falar de po-lítica entendida como a construção de espaços sociais que possibilitem aos indivíduos e aos grupos poderem levar adiante suas lutas pela sua própria concepção de

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dignidade e o exercício da liberdade pressupõe ir mais adiante da luta pela mera igualdade formal.

Neste ponto, prescruta-se qual igualdade quere-mos? Homens e mulheres são iguais perante a lei. Mas homens e mulheres são iguais? Há no plano dos fatos esta igualdade, abstratamente tão bela? Ou há diferen-ças que devem ser reconhecidas? E como devem ser reconhecidas?

Quando são obtidos alguns avanços legais como, por exemplo, o sistema de cotas no Brasil, são dura-mente questionados cabendo admitir-se, porém como importante o reconhecimento da luta jurídica pela posi-tivação legal das reivindicações dos grupos excluídos. Voltando à luta das mulheres, se a lei não tem sexo, quem fez a lei? Houve representação paritária ou a lei foi feita por um grupo dominante, formado preponde-rantemente por homens, brancos e proprietários e tal-vez por algumas mulheres?

Avulta aqui a questão da exclusão da mulher do contrato social originário, feito por homens e relegando a mulher ao espaço privado e dentro deste dualismo público-privado, nosso mestre remarca como catego-rias do masculino o público, o fora, o trabalho, a produ-ção, a independência e o poder, contrapostos ao femi-nino que teria como categorias contrapostas o privado, o dentro, a casa, o recreio e a diversão, o consumo, a dependência e a falta de poder.

Abre-se um parêntese que a discussão a respei-to da validade das lutas jurídicas como instrumento de luta nos parece hoje superada, reconhecendo-se as leis como um dos lugares possíveis e necessários para a luta das mulheres. Como afirma o mestre, se a lei supõe uma redução necessária na historia pessoal, serve assim mesmo como meio e instrumento de luta pela dignidade, sempre e quanto se abandonem os sub-

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jetivismos e os particularismos, exigindo o uso do legal pelo feminismo que se amplie o conceito de direito como instrumento de luta, aqui contra o sexismo.

Não há como negar o direito como espaço de luta necessário, devendo o direito ser analisado a partir de uma perspectiva de gênero relacional, tratando-se aqui o gênero como categoria social, construída historica-mente, permitindo a transformação e a mudança. Se a exclusão e a dominação de grupos sobre outros não é levada em conta, o que chamamos jurídico (normas, doutrina, julgados) age como catalisador e reprodutor da exploração e da subordinação embora sob a apa-rência formal de neutralidade, universalismo e abstra-ção.

Deve ser apontada a divisão entre as teóricas fe-ministas acerca da diferença e da igualdade. As que defendem a diferença negam o papel do direito como espaço de luta social. Já as que defendem a igualdade centravam toda a estratégia na consecução da igual-dade de oportunidades, estabelecendo uma dicotomia entre igualdade-diferença.

O professor italiano Ferrajoli, artífice do garantismo jurídico, citado pelo mestre e também pela professora Ana Rubio (que aposta em uma igualdade complexa), aponta que é possível estabelecer ao menos quatro re-lações possíveis entre a igualdade e a diferença, vistas no âmbito do jurídico: 1) a indiferença jurídica para as diferenças; 2) a diferença jurídica das diferenças, pois umas são levadas em conta pelo sistema jurídico e ou-tras não; 3) a homogeneização jurídica das diferenças e 4) a valoração jurídica das diferenças.

No primeiro modelo, as diferenças são ignora-das numa opção situada entre as teses hobbesianas, confiando ao Estado a defesa ou derrota das diversas identidades. Há aqui necessidade de vitoria de uma

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concepção de identidade sobre as demais, reduzindo o direito a um mínimo e potencializando a desregulamen-tação dos poderes privados.

No segundo modelo, há diferença jurídica entre as diferenças resultando que umas são levadas em conta e outras não, sendo próprio de sociedades aristocráti-cas e oligárquicas, remanescendo, contudo, em muitos países no mundo atual, estando aqui ligado o reconhe-cimento de direitos universais ao modelo de homem, branco e proprietário. As diferenças são vistas como desigualdades.

No terceiro modelo, representativo da situação ju-rídica atual, há a homogeneização jurídica das diferen-ças, que são ignoradas defendendo-se abstratamente a igualdade, sem levar em consideração o abismo en-tre a idéia de igualdade formal e o contexto fático das desigualdades materiais existentes. A diferença seria a exceção que confirmaria a regra geral. Este modelo se diferencia do anterior quando opõe à aceitação de um status privilegiado ou discriminatório ao estabelecer um marco jurídico geral e abstrato para todos; mas o modelo também se assemelha ao anterior quando assume uma identidade tida como normal e normativa.

No quarto modelo, há a valoração jurídica das diferenças. Aqui a diferença não aparece como exce-ção, mas como fato, que deve ser tratado pelo direito através de políticas de igualdade. Há a igualdade como norma e a diferença como um fato, valendo dizer que a igualdade não mais aparece como um fato e pode ser assim definida: todos os homens e mulheres devem ser iguais em direitos.

Para o mestre é necessário criticar a distinção en-tre diferenças consideradas naturais e aquelas de ori-gem e conseqüências sociais ou culturais. A seguir, é preciso situar o debate sobre as diferenças dentro de

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um esforço para delimitar e reconhecer as condições e possibilidades dos direitos individuais, iniciando a construção de uma concepção holística de direitos que incluiriam os direitos sociais, econômicos e culturais. Por ultimo, é preciso deter-se nas causas e conseqüên-cias da conversão das diferenças em desigualdades, de fato e de direito.

As discriminações podem aparecer em marcos jurídico-formais igualitários e o direito é apenas o ponto de partida formal, cabendo em verdade, observar os contextos fáticos, entendendo a igualdade de direitos não como um fato, mas como norma a se chegar par-tindo da consideração dos contextos.

O direito não é algo dado nem uma construção fixa e sim um processo contaminado de política e de interesses contrapostos devendo haver consciência da relação entre política, direito e realidade social sem a qual não se avançará no debate ao direito à igualdade, cuja luta necessita de atores sociais que façam uso de sua liberdade.

E aqui cabe a pergunta: que igualdade queremos? A luta jurídica deve estar situada nos espaços concre-tos de dessemelhança, que são as diferentes discrimi-nações embasadas em fatores diversos, pois a maior parte da população mundial não tem a “sorte” de nas-cer e crescer homem, branco e proprietário, sendo de-sigual, diante do poder dominante.

Perscrutar o direito desde o princípio da igualdade supõe perquirir acerca das relações entre o labor do in-terprete jurídico com o conhecimento e a denuncia dos muitos obstáculos sociais que impedem o desenvolvi-mento do princípio, pois um sistema de dominação e/ou subordinação de um grupo sobre outro que é o que ocorre entre homens e mulheres exige como susten-táculo intrincadas relações entre as condições sociais,

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políticas e econômicas, reproduzidas em diferentes ní-veis, necessitando-se de uma ética de cuidado, como alternativa as éticas formalistas e descontextualizadas, complementar a uma teoria de justiça que tenha por base o conceito de responsabilidade, eliminando o se-xismo existente nas normas.

Para o mestre, não há oposição absoluta entre igualdade e diferenças, faces da mesma moeda, sujei-tas a tensões difíceis e que repercutem na construção do espaço de luta pela dignidade humana, tido como o supremo bem social a ser perseguido, lembrando-se aqui que desde o feminismo materialista a igualdade não é um fato, residindo a realidade mais nas diferen-ças e nas diferenciações impostas pelo contexto e que o combate pela lei, ou melhor, pelas conquistas jurídi-cas trazidas pelas lutas coletivas pela igualdade e pela liberdade não é produto de uma ação vazia, mas de praticas contextualizadas de todas e todos a partir das diferenças e contra as diferenciações, construindo a muralha que consiste ou deve consistir a democracia entendida como espaço comum de luta pela dignida-de, dignidade esta que tenha como base a igualdade e também as diferenças.

Outro aspecto importante apontado diz com a se-paração entre os espaços públicos e os espaços pri-vados, remarcando-se a necessidade de reinterpretar o espaço a partir de uma visão critica de ampliada da política.

Como dito muitas vezes nas classes de Doutora-do, o pessoal é político.

O avanço de modo emancipador e não regulatório, de molde a abrir possibilidades de crescimento para to-das e todos significa ressignificar a liberdade de for-ma conectada à criação de condições materiais, pois liberdade e igualdade são faces da mesma moeda, e, ainda, buscar novas modalidades de intervenção na

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realidade eliminando os óbices de forma a permitir o acesso de todas e todos aos bens necessárias a uma vida digna, inadmitindo a relegitimação das situação de marginação e opressão que atingem de forma especial as mulheres.

O espaço político é importante e deve ser ressig-nificado supondo sempre a visibilização dos conflitos entre as diferentes interpretações da realidade.

Falar de política, entendida como campo de ação que afeta o público e o privado a partir do feminismo materialista significa ampliar o espaço social para que seja compartido, unindo os âmbitos público e privado com o objetivo de buscar novas modalidades de inter-venção. E a política no espaço social ampliado exige cidadãs e cidadãos organizados política e socialmente e empenhados em criar condições para todos tenham a palavra, que reivindiquem um novo direito no qual se reconheça a existência de pontos de vista plurais e que proporcione recursos para uma situação comunicativa e de vida plural e conectado.

O ator social somente existe através de um pro-cesso de subjetivação no qual o público e o privado são convertidos em um processo de intersecção de vo-zes e propostas, valendo dizer que o sujeito somente existe enquanto se movimenta de forma interativa com as relações sociais em que vive e aqui devemos tratar da política, que não deve ser entendida, como querem muitos, apenas como a atividade que regula as percep-ções sociais acerca da tão aclamada desregulamenta-ção dos mercados, numa concepção que traduz a exci-são entre quem decide e quem obedece - a do Senhor Mercado, como se fora uma entidade independente e autônoma da sociedade.

Conforme Iris Marion Young, um grupo somente existe em relação a outro grupo, agrupados mediante

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identificação entendida como interação entre coletivi-dades sociais que diferem em suas formas de vida, as-sociação e hierarquia em relação ao acesso ao poder e seus instrumentos. Um grupo pode ser considerado como subordinado a outro quando sofre uma ou algu-mas ou mesmo todas as seguintes condições: explora-ção, marginação, carência de poder, imperialismo cul-tural e violência.

De forma sintética, a exploração aqui é entendida como a transferência dos resultados e conseqüências da ação de um grupo social em beneficio de outro.

A marginação ocorre quando um grupo é expulso dos âmbitos de decisão e tem bloqueadas as oportuni-dades de exercício de suas capacidades.

A carência de poder ocorre a partir da não parti-cipação nas decisões que afetam suas condições de vida e suas ações, incluindo o processo de divisão do trabalho, os processos criativos e a comunicação acer-ca das expectativas e critérios de justiça.

O imperialismo cultural decorre da imposição da cultura do grupo dominante sobre o outro, invisibilizan-do as características próprias do outro.

A violência, por fim, é aceita dentro do contexto social, que pode inclusive, justificá-la. Este conjunto de facetas evidencia a opressão de um grupo sobre outro.

Uma teoria de justiça que se proponha a enfrentar o quadro de opressão deve levar em conta a necessi-dade de reorganização das instituições e da pratica de tomada de decisões, modificando a divisão de traba-lho e dando condições para a transformação nos âmbi-tos institucional, estrutural e cultural, entendidos como complexos e imbricados, criando um ambiente que pro-picie a denuncia e a alternativa.

A política deve ser entendida como relação social imbricada com a construção simbólica da realidade, ao

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contrário do que dizem muitos e aqui o simbólico e o social se cruzam, cabendo destacar as reações cul-turais que levam aos processos culturais, entendidos como a complexa e constantes construção de signos, símbolos, representações e significados.

O circuito de reações dos seres humanos intera-gindo consigo mesmo, entre si e com a natureza per-mite a construção dos processos culturais que mantém estreita relação com a atividade política, entendendo-se aqui o político como contínuo processo de critica do predomínio do processo de racionalização formal sobre o de subjetivação social.

E neste ponto, voltamos à questão do espaço, ou melhor, da necessidade de um espaço social amplia-do, definindo, primeiramente o espaço patriarcal como não-lugar para todos os que não sejam homens, bran-cos e proprietários, para todos aqueles que não estão no centro, dentro da dicotomia centro-periferia.

Para o mestre o espaço patriarcal é definido pelos processos ideológicos de inclusão/exclusão, ocultando as relações de poder, com naturalização da divisão so-cial econômica e cultural do trabalho de forma a invisi-bilizam as hierarquias e impedir as transformações e, acima de tudo, estabelece dualismos aparentemente intransponíveis, repetindo-se aqui o já dito acima acer-ca do dualismo de gênero e suas categorias (masculi-no - feminino com as oposições público-privado, fora - dentro, trabalho - casa, diversão, produção - consumo, independência - dependência e poder - falta de poder), traduzindo a idéia de vértices à qual, como resistência, é contraposta a idéia dos vórtices.

Nos vórtices são importantes a rede; a interpela-ção entre deveres e responsabilidades mútuas; a prio-rização da pluralidade e da diversidade de formas de reação cultural diante do entorno de relações também

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plurais e diversas. E se os vértices estabelecidos pelo poder dominante são tentativas de conceituação fecha-da, de subordinação, os vórtices, de outro lado, são uma zona de turbulência, de conflito, de interação e de choque onde cabe não a ação institucional, porém a ação política, consistindo a política e nunca é demais repetir, na produção e reprodução de interações huma-nas em contextos espaciais concretos.

Para a construção de um espaço alternativo ao pa-triarcal e que seja marcado pelos vórtices e não pelos vértices, há que se reordenar e reconfigurar a atividade política de forma comprometida com a pluralidade, a diferença e a luta contra as desigualdade e há aqui três conjuntos de princípios éticos que imbricados entre si, guardam diferenças conceituais claras: o princípio da moralização/absolutização; o princípio da integração/assimilação e o princípio da subjetivação/política da di-ferença.

Destes princípios, amplamente analisados pelo mestre, salientamos o da subjetivação/política da dife-rença, que realiza uma critica aos anteriores, o primeiro por rechaçar a relação social, descabendo alternativas à ordem considerada “natural”; o segundo por identifi-car as propostas sob uma visão única do político e do institucional.

Adota-se aqui uma posição de não redução do po-lítico a identificações simplificadoras e redutoras dos complexos problemas por abordar. Existentes diferen-ças em capacidades, possibilidades e estilos, tais dife-renças devem ser atendidas para que se alcance a in-clusão e a participação de todos os grupos integrantes da sociedade nas instituições econômicas e políticas.

Diferenças e desigualdades, para o mestre, devem ser levadas em conta como características, devendo a diferença ser entendida como passível de interação de

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tipos particulares de pessoas com estruturas grupais e institucionais especificas e conseqüência da historia, da cultura e das diferentes configurações de poder e funcionamento das ideologias, exigindo, portanto, co-nhecimento e metodologia relacionais, apresentando-se a diferença como uma função das relações entre os grupos e da interação dos grupos com as instituições.

Das teóricas feministas que se dedicam ao estu-do da teoria política de corte antipatriarcal extraímos três mecanismos para a efetividade de práticas institu-cionais que reinterpretem a instituição política desde o âmbito das diferenças e no contexto do enfrentamento, do conflito de capacidades e direitos frente ao poder instituído.

Em primeiro lugar as instituições devem apoiar, no âmbito da política, as atividades de auto-organizarão dos grupos, proporcionando o empoderamento coletivo; de-vem possibilitar a veiculação expressada pelos grupos acerca dos efeitos das políticas sociais e por fim deve ser outorgado poder de veto às políticas que afetem direta-mente ao grupo, evitando-se assim o estabelecimento de normas de forma vertical (o direito dado).

Em segundo lugar viria a construção de um mul-ticulturalismo critico, que absorva as políticas de dis-criminação positiva, sem absolutiza-las, evidenciando que ao privilegio de alguns corresponde a marginaliza-ção e a opressão de outros.

Em terceiro lugar estaria a introdução de uma te-oria da justiça, nova, preocupada com a potencializa-ção das condições reais da vida e tendente a provocar resultados efetivamente justos nos processos de deci-são institucional e nos âmbitos sociais tradicionalmente considerados privados, mas como vimos antes, estrei-tamente relacionados aos públicos.

Chegamos aqui ao entendimento de justiça como

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aquele que tem a ver com a criação de condições que permitam e impulsionem a reprodução digna da vida natural e humana.

O espaço social ampliado avulta como conquista a ser conseguida através de luta, superando a dicotomia público-privado dentre outras de modo a, lembrando Virginia Woolf a possibilitar que as mulheres tenham espaços para o exercício de seus dons, incluindo a es-crita criativa.

E aqui fazemos uma reflexão: cabe às mulheres como educadoras de homens e mulheres, dentro do que se convencionou chamar espaço privado, cada vez mais imbricado ao público, ampliar o sentido da educa-ção para preparar as cidadãs e os cidadãos do amanhã para o respeito e inclusão das diferenças em um mun-do plural e complexo.

Como conclusão e exortação, cerramos aqui com as palavras do mestre em “La reinvención de los De-rechos Humanos”, sua ultima obra jurídica publicada:” Abramos pues las puertas a nuestra capacidad gené-rica de hacer. Fundemos espacios de encuentro entre las diferenças. Conspiremos por la implantacion real da igualdad entre todas y todos. Organicémonos para re-forzar la fraternidad. Inventemos caminos políticos ha-cia la libertad. Como escribió o poeta “todo está por ha-cer, cuando luchamos creamos, somos pura actividad. Todo está por inventar, por levantar, por nombrar, com su nombre, más sencillo, más imprevisto, más justo, más fieramente real.” Referências BibliográficasHerrera, Joaquin Flores. De habitaciones próprias y otros espacios negados, Uma teoria crítica de las opres-siones patriarcales: Bilbao: Universidad de Deusto, 2005.

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_____. La reinvención de los Derechos Humanos: An-dalucia; Atrapasuenos, 2008

_____. O nome do riso. Florianópolis: Bernúncia, 2007.

Rubio, Ana Castro. Feminismo y Cidadania. Sevilla- Málaga; Instituto Andaluz de la Mujer, 1997.

Young, Iris Marion. La Justicia y la política de la diferen-cia. Valencia. Madri: Editora Catedra, 2000.

Woolf, Virginia. Um cuarto próprio. Madri: horas e Horas, la editorial, 2003.

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A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOS ADOLESCENTES SOB UMA NOVA ÓTICA

DOS DIREITOS HUMANOS1

Dulce Martini Torzecki2

Resumo: O presente trabalho analisa o tema da formação profissional como uma garantia de acesso de todos os adolescen-tes, indistintamente, ao bem “trabalho”. A partir da teoria crítica dos direitos huma-nos, pela qual os direitos são processos de luta pelo acesso aos bens, materiais e imateriais, estuda-se a formação profissio-nal, mais precisamente aquela realizada pelo contrato de aprendizagem, como uma possibilidade de proporcionar uma vida com dignidade a milhões de adolescentes brasileiros, atualmente marginalizados da sociedade. A formação profissional deve tomar por base a realização do ser huma-no, sendo um instrumento de emancipação que converta o adolescente em um agente social de mudança. Em razão das trans-formações das relações sociais de produ-ção, há de ser propiciada uma qualificação mais social do que profissional, pois não deve se destinar a um só trabalho. Como o sistema tradicional de aprendizagem atin-ge um número reduzido de adolescentes,

1 O presente artigo foi produzido a partir da tese de Master defen-dida no curso Máster Oficial/Doctorado en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo da Universidade Pablo de Olavide de Sevilha (Espanha), em 2008.

2 Procuradora do Trabalho do MPT - RS. Especialista em Direito da Criança e do Adolescente pela Escola do Ministério Público Estadual-RS. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olavide (UPO) em Sevilha, na Espanha.

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é necessário ampliar a possibilidade de re-alização de aprendizagem pelas Escolas Técnicas de Educação e entidades sem fins lucrativos que, no entanto, precisam de recursos financeiros, cuja fonte poderia ser as contribuições parafiscais destina-dos atualmente ao Sistema “S”.

Palavras-chaves: adolescente, forma-ção profissional, trabalho, aprendiza-gem, direitos humanos, teoria crítica, Sistema S

1. DEFINIÇÃO DE DIREITOS HUMANOS A PARTIR DE UMA TEORIA CRÍTICA

O projeto de lei que resultou na Lei de Aprendi-zagem – Lei 10.097, de 19 de dezembro de 2000 - foi justificado com o argumento de que “a alteração pro-posta se traduzirá em benefício para cerca de sete mi-lhões de jovens entre 14 e 16 anos, que necessitam de renda, de educação e de formação para ingresso no mercado de trabalho, cada vez mais exigente quanto à qualificação profissional e pessoal. A profissionalização é um direito primordial do adolescente e é a alternativa possível a esses jovens”3.

Pois esse argumento é o ponto de partida para o presente trabalho, que tratará do tema da formação profissional como alternativa aos jovens de baixa ren-da, com pouca - ou quase nenhuma - possibilidade de obter um trabalho, situação que acaba por ampliar a desigualdade e exclusão social tão intensas no Brasil contemporâneo. Propomo-nos a abandonar o negati-vismo, rompendo com a ideia de que “não se pode fa-

3 Projeto de Lei da Câmara 74, de 2000. Diário do Senado Fede-ral, Brasília, DF, p. 21739-21751, 02 nov. 2000.

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zer nada”, e afirmar nossas diferenças políticas, sociais e culturais para construir uma alternativa. O foco é o adolescente, que tem o direito de não trabalhar até os quatorze anos, tem direito a estudar, tem direito à uma formação profissional e, por que não, tem o direito de passar uma parte do dia na rua, se assim o preferir, pois o lazer também é uma garantia constitucional do adolescente.

Ao estudarmos os direitos humanos sob a nova ótica proposta, a primeira coisa que devemos ter cons-ciência é de que estamos falando de um produto cultu-ral, que surge em um determinado contexto e momento histórico. E, todo e qualquer conceito que criamos pode ser modificado no decorrer da história, justamente por-que surge de um contexto, e não o contrário. Há que se levar em conta também, que o surgimento dos direi-tos humanos ocorreu no ocidente, onde se prega uma hipotética universalização dos direitos humanos, rela-cionada com a cultura dominante e com o poder. São, pois, uma expressão cultural ocidental hegemônica de luta pela dignidade humana, já que cada sociedade constrói, cultural e historicamente, seus caminhos para a dignidade.

E, ao propor uma “reinvenção” dos direitos huma-nos, Herrera Flores4 escreve sobre a complexidade em definir estes que são em verdade produtos culturais, e não naturais. Por isso resultam de um conjunto de pautas (toda formação social contém pautas culturais próprias), regras e propostas de ações humanas e mo-dos ou formas de articulação destas ações. E convi-ver com outras vias ou caminhos de dignidade implica,

4 Joaquín Herrera Flores é Diretor e professor do Programa de Máster Oficial/Doctorado en Derechos Humanos, Interculturali-dad y Desarrollo, da Universidade Pablo de Olavide de Sevilha (Espanha).

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necessariamente, em um forte grau de compromisso ante a multiplicidade e diversidade de sofrimentos e in-dignações que os seres humanos padecem em suas vidas cotidianas5. A complexidade da definição dos di-reitos humanos deve estar clarificada para que possa-mos compreender de onde partimos, e criar uma nova cultura dos direitos humanos. Segundo o autor, deve-mos construir critérios emancipadores que nos permi-tam abordar as situações de crise, tendo consciência de que estamos em posições desiguais em relação ao acesso aos bens.

E um critério que parte de uma concepção íntegra do ser humano é o chamado “critério da riqueza huma-na”. Por este critério, todos os pontos de vista são vá-lidos, permitindo-nos estabelecer um diálogo entre to-das as culturas. Ele se demonstra do seguinte modo: a) desenvolvimento das capacidades, e b) construção de condições que permitam a real apropriação e desenvol-vimento de ditas capacidades por parte dos indivíduos, grupos, culturas e qualquer forma de vida que conviva em nosso mundo6. Utilizar esse critério nos adverte que os direitos são algo prévio à construção de condições sociais, econômicas, políticas e culturais. Ou seja, em vez de universalizar uma concepção dos direitos, o uni-versalismo que se defende por meio desse critério não é um universalismo de partida, mas um universalismo de chegada, onde todas as culturas podem oferecer suas opções, discutindo num plano de igualdade.

Estar abertos a uma proposta crítica dentro do Direito significa romper o discurso e o conhecimento

5 HERRERA FLORES, Joaquín. Los derechos humanos como productos culturales. Madrid: Catarata, 2005, p. 32. Tradução nossa.

6 HERRERA FLORES, Joaquín. O nome do riso; tradução Nilo Kaway Junior. Porto Alegre: Movimento; Florianópolis: CESUSC; Florianópolis: Bernúncia, 2007, p. 121.

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jurídico tradicionais, refletir e questionar a “legalidade tradicional mitificada”, nas palavras de Wolkmer7. Isso se torna imperioso se considerarmos que a evolução constante do mundo faz com que cada período ou mo-mento histórico possua um conjunto de verdades que se edificam, se estruturam e se extinguem. Buscar um pensamento crítico, segundo o autor, representa “bus-car outra direção ou outro referencial epistemológico que atenda à modernidade presente, pois os para-digmas da fundamentação não acompanham as pro-fundas transformações sociais e econômicas por que passam as modernas sociedades políticas industriais e pós-industriais”8.

A construção de uma teoria crítica exige grande esforço e necessita de novos marcos teóricos. Como condições básicas, temos que adotar um critério de valor, fazer uma análise do contexto e atuar de forma interativa em nosso entorno, que é representado pelos outros, por nós mesmos e pela natureza. Após tomar-mos consciência dos paradoxos e das contradições da teoria tradicional, e para construir uma teoria crítica, afirmativa e contextualizada dos direitos humanos, su-gere Herrera Flores que tomemos um conjunto de deci-sões iniciais, que irão empoderar-nos9 nesse processo de luta pela dignidade.

7 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurí-dico crítico. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.79.

8 WOLKMER, Antonio Carlos. Op. cit., p. 78.9 A constante utilização do neologismo “empoderamento” neste

trabalho decorre da força que representa a palavra “empower-ment”, originária da língua inglesa, cuja definição, dentre outras, é a de conferir poder às pessoas. E esse poder significa, den-tro da teoria crítica de Joaquín Herrera Flores, ter força para lutar por uma vida com dignidade. O conceito de “empowerment” pode ser encontrado no dicionário eletrônico Merriam-Webster On line <http://www.merriam-webster.com/dictionary/empower-ment> acesso em 26-06-2010.

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A partir de uma nova teoria - crítica - dos direitos humanos, construída a partir de decisões como “pen-sar de outro modo”, “sair da negatividade dialética para a afirmação ontológica e axiológica”, “problematizar a realidade”, é que poderemos construir um espaço de luta para buscar a dignidade de todos os adolescen-tes10 no processo de preparação para o trabalho. A for-mação profissional pelas vias tradicionais do “Sistema “S” (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SE-NAI, Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio – SENAC, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR, Serviço Nacional de Aprendizagem dos Trans-portes - SENAT e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – SESCOOP) ainda está restrita a um número reduzido de jovens11, sendo dela excluídos os jovens de baixa escolaridade, em geral oriundo de famílias de precárias condições financeiras. Trabalhar com uma consciência crítica emancipatória implica em visibilizar, em desestruturar e em transformar essa re-alidade. E, sendo o adolescente pobre o protagonista nesse processo, devemos abrir-nos a ele, escutando suas histórias, suas necessidades, seus interesses, suas expectativas e suas narrações, dentro dos con-textos em que estão inseridos. Devemos considerá-los não como sub-cidadãos, mas como seres dotados de capacidade e potência para atuarem por si mesmos.

10 A Declaração Universal dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 24-09-1990, menciona tão-somente o termo “crian-ças” para abranger as pessoas com idade até 18 anos. Utili-zamos o termo “adolescente”, entretanto, seguindo a concei-tuação definida no Estatuto da Criança e do Adolescente, que considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente os que estão na faixa etária entre 12 e 18 anos (artigo 2º da Lei 8.069/90).

11 O termo “jovem” é utilizado neste trabalho como sinônimo de “adolescente”.

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O acesso a um bem, material ou imaterial, não é um processo neutral, está condicionado a um conjunto de valores, de posições, de um processo de divisão de trabalho. Se a lei diz que todos somos iguais perante a lei, é porque não somos. Não basta estar garantido o direito. É necessário ter consciência crítica para evoluir na efetividade dos direitos.

Para uma nova cultura de direitos humanos é fun-damental, pois, que abandonemos a ideia de natura-lização dos conceitos e dos valores. Os valores sur-gem de um consenso, são preferências sociais que se generalizam. Valorizamos algo a partir do entorno de relações que vivemos. Nessa linha de raciocínio, os principais inimigos dos direitos humanos são os jusna-turalistas (não os positivistas), pois sustentam que tudo está mais além, é abstrato, é “natural”. Se um fenôme-no é “natural” como, por exemplo, o patriarcalismo, não se pode fazer nada, a não ser aceitar, pois “é assim”. Nesse caso, onde fica a capacidade que o ser humano tem de transformar constantemente as coisas? Como ignorar a influência política e ideológica na construção desses fenômenos? Tenhamos cuidado, pois, com o que a teoria tradicional chama de fenômeno natural. Tratemos de superar a “cultura da impotência”12, exces-sivamente conformista, que adota a atitude de deixar as coisas como estão.

Outro aspecto importante para compreendermos a teoria crítica dos direitos humanos é estarmos aten-tos à diferença que existe entre “bens” e “direitos”. Os direitos são os meios pelos quais se busca garantir o acesso aos bens, materiais e imateriais, necessários para uma vida digna. Os bens, portanto, que satisfa-zem as necessidades, vem antes dos direitos. Do que

12 S�NCHEZ RUBIO, David. S�NCHEZ RUBIO, David. Repensar derechos humanos: de la anestesia a la sinestesia, p. 12. Tradução nossa.

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se extrai que os bens (saúde, educação, moradia, liber-dade religiosa etc) estão num patamar de importância mais elevado que os direitos. Ou seja, os direitos virão depois das lutas para aceder a todos estes bens.

Temos que superar os sistemas de garantias jurí-dicas que por si só não solucionam as situações de de-sigualdades e injustiças, e assumirmos compromissos e deveres, perante os demais, perante nós mesmos e perante a natureza, para conseguir o tão almejado acesso igualitário aos bens.

A partir de uma visão crítica, os direitos humanos são um processo, um resultado - sempre provisório -, de lutas sociais pela busca de espaços que possibilitem a todos e a todas lutar por sua dignidade, a partir de uma igualdade material, que permita colocar em prá-tica uma liberdade positiva e uma fraternidade eman-cipadora. Ou seja, por intermédio das lutas travadas pelas pessoas, individual ou coletivamente, é que se possibilita o acesso aos bens, materiais e imateriais, necessários para viver dignamente, tais como moradia, alimentação, trabalho, lazer, liberdade de expressão e liberdade religiosa. Ao considerarmos os direitos huma-nos como um produto cultural, frente ao qual se pode reacionar política, social ou juridicamente, deixamos entrar a realidade no conceito, abandonando os fenô-menos naturais, metafísicos e transcendentais.

A partir da capacidade humana que todos e todas temos de transformar o mundo, devemos buscar um universalismo de dignidade onde cada um e cada uma tenha poder suficiente para colocar em prática a capa-cidade humana de lutar. No caso específico de nosso estudo, a proposta é criar condições para que o ado-lescente seja empoderado nesse processo de luta pelo acesso a um bem imaterial – formação para o trabalho – e, assim, poder buscar uma vida com dignidade.

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2. METODOLOGIA RELACIONAL. DIAMANTE ÉTICO.

A compreensão dos direitos humanos a partir da uma teoria crítica não é uma tarefa fácil, pois nos con-duz a uma inversão do modo de pensar, a partir de um questionamento propositivo e de uma profunda análise dos textos (legislativos, para o nosso caso) e dos con-textos. Então, para facilitar o processo educativo e a compreensão por parte dos atores sociais, propõe Her-rera Flores uma imagem com os elementos que com-põem a realidade dos direitos, bem como a interdepen-dência entre esses elementos13.

Ao criar uma figura, que definiu “diamante ético”, pretendeu, com uma imagem multidimensional, mos-trar a interdependência entre os diversos componentes dos direitos humanos no mundo contemporâneo, ou seja, vê-los em sua real complexidade. A imagem pos-sui um fim metodológico que auxiliará na construção de uma ética para colocar em prática a sua concepção de “dignidade humana”, aqui compreendida como “as tra-dições críticas e antagonistas que hão sido marginadas e ocultadas pela generalização da ‘Ideologia-Mundo’ que aqui questionamos”14.

Para tratar de um tema tão plural, híbrido e impuro15 como os direitos humanos, o diamante tem três cama-

13 HERRERA FLORE HERRERA FLORES, Joaquín. La reinvención de los derechos humanos. Sevilla: Atrapasueños, 2008. Ver capítulo 5, p. 107 a 138: “Situar” los derechos humanos. El “diamante ético” como marco pedagógico y de acción. Tradução nossa no texto.

14 H HERRERA FLORES, Joaquín. Los derechos humanos..., p. 247. Tradução nossa.

15 HERRERA F HERRERA FLORES, Joaquín. La reinvención..., p. 42. A par-A par-tir de uma concepção dos direitos humanos como produtos culturais, necessariamente afastamos todo tipo de metafísica ou ontologias transcendentes; abandonamos toda pretensão de pureza conceitual e contaminamos os direitos humanos de contextos. Tradução nossa.

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das, é uma imagem em três dimensões e está sempre em movimento. É necessário que tentemos visualizar a figura em movimento e em toda a sua profundidade.

A partir dessa imagem16, busca-se a compreensão de uma situação social analisando-se a satisfação das necessidades humanas desde uma concepção mate-rialista e relacional dos direitos humanos. Os elemen-tos constantes na linha horizontal constituiriam o eixo material dos direitos humanos (forças produtivas, dis-posição, desenvolvimento, práticas sociais, historicida-de e relações sociais de produção), enquanto os da li-nha vertical, o eixo conceitual (ideias, posição, espaço, valores, narrações e instituições). A ideia do diamante é mostrar que nem a dignidade humana nem os direitos são elementos apartados, soltos. Há uma vinculação entre os diversos pontos do diamante, que centraliza a

16 Imagem extraída de: GARCIA, Carlos Roberto Diogo. Saúde e Ministério Público: em busca de uma prática impura dos direitos humanos. 2008. 218f. Tesina (Doutorado em “Dere-2008. 218f. Tesina (Doutorado em “Dere-Tesina (Doutorado em “Dere-chos Humanos y Desarrollo”). Universidade Pablo de Olavide, Sevilha, 2008, p. 20.

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dignidade humana como meta a ser alcançada a partir da luta levada a efeito desde a compreensão de todos os elementos.

Para visualizar o adolescente e o direito à formação profissional sob uma nova ótica dos direitos humanos, que o reconheça como um agente social e protagonista de sua própria cidadania, e não um sub-cidadão, estu-demos o diamante em sua integralidade, aplicando os elementos que entendemos mais relevantes para auxi-liar na compreensão deste tema.

PRIMEIRA CATEGORIA. Comecemos pelos ele-mentos que estão na primeira camada do diamante, que abrange as categorias mais genéricas, que são: teorias, instituições, forças produtivas e relações sociais de produção.

2.1 Teorias. Para entender o que é um direito e, principalmente, para colocá-lo em prática, precisamos conhecer as “teorias” existentes nesse processo de luta pela dignidade. Segundo Herrera Flores, é impor-tante estarmos conscientes de que 1) não existe so-mente uma teoria sobre os direitos; 2) é necessário analisar como tais teorias se articulam com as práticas dos agentes sociais; 3) estas teorias representam e re-produzem práticas e formas concretas de produção e reprodução cultural e social. A partir disso, saber que falamos de ideias e teorias não platônicas, mas que compõem o processo de construção humana e social da realidade, consolidando, de forma cognitiva, funções e processos sociais. Quanto ao tema do adolescente e sua formação profissional, que ideias preponderam em nossa sociedade? Em geral, predomina o pensamento de que o adolescente pobre deve ingressar em uma instituição e aprender um ofício. É melhor que esteja ocupado do que na rua. E o jovem oriundo da classe média e alta vai estudar, freqüentar a Universidade, ser

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“doutor”. Existe um famoso ditado que diz: “o trabalho dignifica o homem”. Mas, que trabalho? Para que “ho-mem”?

2.2 Instituições. As “instituições” são as que forne-cem suporte à estrutura cognitiva acima tratada, pois uma teoria posta em prática institucionalmente terá mais capacidade de “durar”, de ser “transmitida” e de “resistir” a possíveis transformações. Enfim, são espa-ços de mediação em que se solidificam os resultados, ainda que provisórios, das lutas sociais em busca da dignidade, razão pela qual têm enorme importância para que seja levado a efeito um pensamento crítico sobre os direitos. E, especificamente quanto à forma-ção profissional do adolescente, as instituições que atuam na defesa dos direitos da criança e do adoles-cente, entre elas o Ministério Público do Trabalho17, es-tão conscientes dessa problemática? Conhecem o que ocorre além das paredes de seus edifícios? Escutam ou dialogam com os interessados? Estão assumindo seu papel transformador, por exemplo, intervindo nas políticas públicas dessa área?

2.3 “Forças produtivas” e “relações sociais de pro-dução”. A partir do contexto econômico atualmente vi-gente, analisar um direito humano fundamental como o direito ao trabalho passa pelo conhecimento dos novos modos de produzir bens e os novos produtos, de alta carga tecnológica, que se disponibilizam a cada dia na nova fase de acumulação capitalista. Nesse contex-to, predominam a desregulamentação normativa e o deslocamento espacial dos trabalhadores, fatores que produzem graves conseqüências nas relações de tra-

17 O Ministério Público do Trabalho tem como uma de suas metas prioritárias de atuação o combate à exploração do trabalho da criança e do adolescente: <http://www.pgt.mpt.gov.br/atuacao/trabalho-infantil/> acesso em 26-06-2010

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balho, como a perda de históricas conquistas sociais, que ocorrem em nome da competitividade e da flexi-bilidade. As “forças produtivas” representam, pois, as novas técnicas e instrumentos de produção de bens, de tecnologias de informação e de equipamentos tidos como necessários para a manutenção de um merca-do competitivo e sem regras. Já as “relações sociais de produção” caracterizam-se pelos diferentes modos com que nos relacionamos, social e politicamente, den-tro de um mundo comandado por essas novas formas de produzir os bens necessários para viver. A forma de relacionar abrange os outros e a natureza, como ocor-re, por exemplo, em uma cooperativa ou uma empresa. Essa relação será vivenciada de forma diferente se vi-vemos em um sistema produtivo em que são reconhe-cidos os direitos básicos dos trabalhadores e das tra-balhadoras ou, ao contrário, se estes são considerados apenas uma cifra – preocupante - dentro do chamado “custo empresarial”.

Sob esse aspecto, a quem atendem as novas téc-nicas e instrumentos de produção de bens, aos inte-resses dos adolescentes ou das empresas? E, dentro do sistema produtivo atual, observam-se as limitações impostas pela Constituição e por leis infraconstitucio-nais quanto ao trabalho de um adolescente, que en-volvem, por exemplo, questões de saúde (insalubrida-de, periculosidade, limite de jornada) ou morais (locais adequados)?

SEGUNDA CATEGORIA. Entramos agora na se-gunda camada do diamante, que guarda relação com o caráter impuro dos direitos humanos, abrangendo os elementos posição, disposição, narração e histori-cidade.

2.4 Posição. O elemento “posição” representa o lu-gar material que cada um ocupa no processo de divisão

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social, sexual, étnica e territorial do fazer humano. Esta “posição” determinará a forma a partir da qual teremos acesso aos bens – materiais e imateriais - necessários para viver com dignidade. E essa capacidade que te-mos de estar constantemente transformando o mundo e ampliando nossa criatividade cultural também está sendo absorvida pelo sistema, dentro de um processo chamado “capitalismo cognitivo”. Ou seja, as capacida-des são aproveitadas ao máximo, mas os salários pas-sam por um processo descendente, ao mesmo tempo em que os contratos de trabalho tendem a serem cada vez mais precários e flexíveis.

Para o objeto de nosso estudo, que posição ocu-pam os adolescentes dentro desse processo de divi-são social, sexual, étnica e territorial do fazer humano? Está sendo reconhecida sua capacidade de atuarem e transformarem o mundo?

2.5 Disposição. Definida a “posição” que cada um ocupa, partimos para a compreensão do elemento “dis-posição”, que nada mais é do que a tomada de consci-ência do agir a partir, por exemplo, da constatação de que se está inserido numa posição de exploração ou de exclusão dos benefícios produzidos com o trabalho. As “disposições” são um conjunto de atitudes sociais, que vão permitir uma prática emancipadora ou conservado-ra, de aceitar ou resistir às condições de exploração, assumindo uma posição passiva ou buscando alterna-tivas a essa situação.

Visto isso, é fundamental dar-nos conta da real “posição” que ocupamos e ter “disposição” para tomar consciência da ideologia que se apresenta como “na-tural”, de forma hegemônica e globalizada. Essa ideo-logia pode reduzir a ideia de direitos humanos a certas liberdades que se nos colocam de forma totalmente abstrata e, também, que os direitos existem pelo mero

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fato de sermos seres humanos, sem necessidade de lutarmos por eles.

2.6 Narrações. Seguindo com a metodologia pro-posta, passamos para outro elemento da segunda capa do diamante, as “narrações”. A partir da ideia de que os direitos representam uma gama de experiências discre-pantes, que fazem com que eles não sejam algo estáti-co, precisamos estar atentos às plurais e diferenciadas “narrações” que sobre eles se dão em distintas culturas, momentos históricos e formas de vida. E nesse elemen-to, particularmente, sentimos intensamente os impactos gerados pelo colonialismo, que nega as raízes e tradi-ções dos povos, com o objetivo de manter o poder polí-tico e econômico18. Tal fenômeno não impediu somente um desenvolvimento econômico dos países atingidos, mas também subtraiu de seus povos a possibilidade de que contassem suas narrações, suas histórias. E esse conjunto de narrações deve ser incorporado ao entendi-mento, ao ensino e à prática dos direitos humanos.

Um exemplo de como não escutamos as narra-ções dos adolescentes, de como não valorizamos suas ideias, é encontrado, ironicamente, na página web do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF Brasil. Ao tratar dos adolescentes em “Nossas priori-dades”, a Instituição menciona a importância de visu-alizarmos o adolescente como sujeitos de sua própria história, mas ressalva, todavia, que eles sozinhos não teriam capacidade de trazer as soluções... Vejamos:

Pensar a adolescência como uma oportunida-de implica tratar os adolescentes como sujei-tos de sua própria história e não como objeto das expectativas dos adultos. Essa mudança

18 Leitura recomendada sobre o tema é o artigo Colonialismo y vio-lência. Bases para una reflexión pos-colonial desde los derechos humanos, de Joaquín Herrera Flores, encontrado na Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 75, Outubro/2006, p. 21-40.

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de olhar que supera a visão de adolescente como objeto ou problema e se firma na visão de adolescente como sujeito e oportunidade é uma perspectiva importante para a ação do UNICEF no País. Não se trata de iludir-se com a idéia de que a voz do adolescente trará as soluções, mas sem dúvida o diálogo com a nova geração vai enriquecer o debate, diferen-ciar os olhares e produzir novas possibilidades de pensar a sociedade.19 (grifo nosso)

A surpresa é maior por tratar-se justamente de uma instituição de âmbito internacional que atua em defesa das crianças e dos adolescentes. Esta situação demonstra que estamos aquém do que seria desejável para garantir a dignidade dos adolescentes desde a óti-ca do elemento “narrações” do diamante ético.

2.7 Historicidade. Como último elemento da se-gunda capa do diamante, temos a “historicidade”. E sua análise ocorre depois de estudados os demais ele-mentos, pois somente pode ter história quem tem uma “posição”, uma “disposição” e é objeto de uma “narra-ção”. Historiar é humanizar. E a ideologia hegemônica tende sempre a ocultar as origens e as causas dos fe-nômenos, com o objetivo, entre outros, de ocultar prá-ticas políticas de dominação. São necessárias quatro perspectivas para a compreensão desse elemento: 1) a partir da ideia de que todo fenômeno social tem uma “causa”, a importância do conhecimento e investigação das “causas históricas” dos fenômenos sociais, sejam individuais ou de grupo; 2) conhecimento da evolução temporal dos fenômenos, inclusive para subverter a concepção linear do tempo; 3) a história como elemen-to fundamental para perceber e assimilar o caráter “di-nâmico” dos processos sociais; 4) influência do tempo/

19 Disponível em: <http://www.unicef.org.br/> Acesso em 26-06-2010.

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história, social e culturalmente falando, pois não exis-tem entidades estáticas, e sim, processos e tendên-cias. Estas perspectivas revelam, pois, a importância do processo histórico na compreensão e definição dos direitos existentes, e bem assim a inexistência destes.

E, sobre a formação profissional dos adolescen-tes, como tem sido realizada historicamente? Em que momento histórico foram criadas as entidades do Sis-tema “S” (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem do Co-mércio – SENAC, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR, Serviço Nacional de Aprendizagem dos Transportes - SENAT e Serviço Nacional de Apren-dizagem do Cooperativismo – SESCOOP)? E por que se permitiu, com a Lei 10.097, em 2000, que outras entidades realizassem programas de aprendizagem?

TERCEIRA CATEGORIA. Com os elementos da terceira capa do diamante - valores, desenvolvimen-to e práticas sociais – propõe o autor desenvolver o conceito de direitos humanos como resultado dos pro-cessos de luta pela dignidade.

2.8 Valores. Os “valores” representam um conjunto de preferências sociais que ocorrem num determinado momento histórico e num contexto. Orientam nossas escolhas e nosso comportamento, influindo no modo de acesso aos bens necessários para viver dignamen-te. Podem estar próximos ou distantes de uma visão ampla e contextualizada da dignidade humana. As leis, por exemplo, são instrumentos de um sistema de va-lores. Daí resulta a necessidade de comprometimento das pessoas implicadas com os direitos humanos de modificar o sistema de valores atual, contaminado pelo neoliberalismo, que gera um acesso desigual aos bens.

E, no que diz com o processo de preparação do adolescente para o ingresso no mercado de trabalho,

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quais os valores hoje preponderantes? Como são defi-nidos os cursos de aprendizagem? Como são constru-ídos seus programas curriculares?

“É melhor estar trabalhando do que estar na rua”. Essa frase, muito repetida quando o tema é adolescente e trabalho, reflete os valores de nossa sociedade a respeito dos jovens e da ociosidade. Esse mesmo pensamento, ou seja, o trabalho como única ocupação do corpo e da mente, já era defendido por Adam Smith no século XVI:

Quando o rapaz se torna adulto, não tem idéias de como possa se divertir. Portanto, quando estiver fora de seu trabalho é provável que se entregue à embriaguez e à intemperança. Conseqüentemente, concluímos, nos locais de comércio da Inglaterra os comerciantes geral-mente se encontram nesse estado desprezí-vel; o que recebem do trabalho de metade de semana é suficiente para seu sustento, e devi-do à ignorância eles não se divertem senão na intemperança e na libertinagem.20

Não se estranha o pensamento do ilustre ilumi-nista, que era, em verdade, um representante da elite, comprometido com o modo capitalista de organização econômica e social. O que surpreende é que, passados quase cinco séculos, ainda não foi superada a visão de que “só o trabalho enobrece o homem”. Se é certo que o trabalho faz parte de nossa existência e nosso de-senvolvimento como seres humanos, também é certo que a ausência de trabalho – o ócio – é considerado fundamental para a nossa saúde física e mental.

2.9 Desenvolvimento. O segundo elemento da ter-ceira camada do diamante nos situa diante da pers-

20 Citação da obra de Adam Smith, Lectures on justice, Police, re-venue, and arms (1763), encontrada no livro A educação para além do capital, tradução de Isa Tavares, de István Mészáros, São Paulo: Boitempo, 2005, p. 29.

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pectiva de “desenvolvimento”. A definição de “desen-volvimento” deve se compatibilizar com a concepção de direitos defendida por Joaquin Herrera. O conceito de “desenvolvimento” deve estar relacionado com o conceito de democracia, como base necessária para a reflexão sobre condições econômicas, sociais, cul-turais e políticas que permitam o desenvolvimento de uma forma completa, igualitária. Ou seja, somente ha-verá “desenvolvimento” e, portanto, direitos humanos, se houver uma distribuição igualitária dos recursos, das técnicas e dos meios de aprendizagem.

2.10 Práticas sociais. As práticas sociais são for-mas de articulação e organização social que ocorrem nos diferentes contextos, favoráveis ou contrárias à situação de acesso aos bens que se pretende. São realizadas por meio de movimentos, associações, or-ganizações não-governamentais etc e são relaciona-das com as políticas de reconhecimento dos direitos ou com ações comprometidas com a emancipação e a libertação humanas.

Quanto à formação profissional do adolescente, são fornecidos os meios técnicos e econômicos às Es-colas Técnicas de Educação e entidades sem fins lu-crativos que realizam cursos de aprendizagem fora do sistema tradicional, que é o Sistema “S”? E como tem sido a distribuição do poder político se compararmos o Sistema “S” com as demais entidades que realizam cursos de aprendizagem?

A partir dessa metodologia relacional proposta por Herrera Flores, entrecruzando diferentes capas e categorias do diamante ético, tomamos como desafio aplicá-lo no estudo e na prática do direito dos adoles-centes à formação profissional. Adotando como base a teoria crítica dos direitos humanos, que busca recupe-rar o valor da riqueza humana para superar o sentimen-

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to de vazio e da falta de critérios sólidos para viver, nos propomos a estudar o tema da formação profissional do adolescente sob uma nova ótica, qual seja, do exer-cício pleno da cidadania para gozar de uma vida com dignidade.

3. O CONHECIMENTO COMO INSTRUMENTO DE EMANCIPAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

A trajetória da educação como processo de aper-feiçoamento da existência humana em seus diferen-tes graus de desenvolvimento e formações sociais já passou por diferentes concepções, variando de acordo com as necessidades e os valores prevalentes naque-le contexto histórico. Já foi considerada um privilégio da “classe ociosa”, depois, por necessidade de mão-de-obra especializada, foi estendida às classes menos favorecidas, sendo atualmente um investimento eco-nômico, maior ou menor conforme sua retribuição ao sistema capitalista que a sustenta21. Assim, como con-seguir realizar uma educação para a cidadania dentro desse pensamento dominante, com forte tendência ao individualismo? Como enfrentar o conjunto de forças políticas e econômicas que atuam em todos os níveis para manter esse sistema, inclusive mercantilizando a educação?

Repensar os valores da educação na sociedade moderna, onde os interesses estão claramente defi-nidos no sentido de perpetuar e reproduzir o sistema, com múltiplos desafios em novas demandas econômi-cas e sociais, é pensar em construir uma educação am-pla, que respeite as diversas formas de conhecimento

21 BARREIRO, Júlio. Educação popular e conscientização. Porto Alegre: Sulina, 2000, p. 24-25.

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e recupere a humanidade dos homens ou povos22. Den-tro dessa visão, o seu caráter utilitário e instrumental perde espaço para que seu objetivo central seja a rea-lização do ser humano.

A ideia de educação permanente, proposta pela UNESCO23, que acontece ao longo da vida, decorre do fato de que a pessoa precisa estar em constante cons-trução para adaptar-se aos progressos da ciência e da técnica. É difícil imaginar que alguém possa abastecer-se indefinidamente com os conhecimentos que adquiriu no começo de sua vida. Assim, deve aproveitar e ex-plorar, do começo ao fim da existência, todas as ocasi-ões de aprofundar, atualizar e enriquecer os primeiros conhecimentos. A preparação para acompanhar a inova-ção e se adaptar a um mundo em constante mudança, tanto na vida pessoal como na profissional, decorre des-sa educação permanente, em que cada um pode ser, alternadamente, professor e aluno. O descobrimento e o fortalecimento do potencial criativo, superando-se a vi-são puramente instrumental da educação, acabam por revelar um tesouro escondido em cada um.

O novo conceito de educação proposto para o sé-culo XXI envolve quatro aprendizagens fundamentais, que constituem os chamados quatro pilares de conhe-cimento: aprender a conhecer, aprender a viver juntos, aprender a fazer e aprender a ser. Essas quatro vias do saber estão interligadas, conectadas e, ao final, cons-tituem apenas uma, cujo objetivo é proporcionar uma vida melhor, dentro de um mundo mais justo. Previa-

22 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, p. 34.

23 A proposta consta do relatório apresentado à UNESCO pela Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, que resultou na obra coordenada por Jacques Delors, Educa-ção: um tesouro a descobrir, 9ª ed. São Paulo: Cortez; Bra-sília, DF: MEC: UNESCO, 2004.

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mente, tem-se que o indivíduo deve conhecer-se a si mesmo e também aos meios para manter sua saúde física e psicológica e então poderá desenvolver seus talentos e potencialidades criativas. A aquisição, a atu-alização e a utilização dos conhecimentos exigem uma participação ativa dos alunos e um trabalho de equipe dos professores.

As propostas da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, representadas pelos cha-mados quatro pilares da educação, guardam profunda relação com a proposta de formação profissional que idealizamos para os adolescentes. “Aprender a conhe-cer”, a partir do domínio de uma cultura geral para daí então trabalhar especificamente em uma determinada área. “Aprender a fazer”, dentro do contexto específico brasileiro, em que é ampla a economia informal, razão pela qual a qualificação deverá ser mais social do que para uma área profissional restrita. “Aprender a viver juntos”, superando o clima de competitividade e de indi-vidualismo instaurado; desenvolver a compreensão do outro, depois de descobrir-se a si mesmo, para poder respeitá-lo e tornar harmônica a convivência. “Apren-der a ser” desde o desenvolvimento de todas as poten-cialidades do indivíduo, de forma integral, abrangendo corpo e mente, utilizando todas as possibilidades de descoberta e experimentação da imaginação e criativi-dade, especialmente por meio da arte.

Educar é fazer pensar, pensar de outro modo24 e buscar alternativas para as situações de desigualdade que hoje presenciamos em todas as partes do mundo. Uma proposta de educação transformadora e emanci-padora é ousada, mas o resultado pode (e deve) ser

24 HERRERA FLORES, Joaquín. Los derechos humanos..., p. 43: “Primeira decisão inicial: pensar é pensar de outro modo”. Tradução nossa.

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positivo. As ações educacionais precisam estar volta-das para questões como, por exemplo, os desequilí-brios sociais trazidos pelo sistema de acumulação de capital, que tem conduzido a uma situação de pobreza 4/5 da população mundial.

Na evolução do processo de aprendizagem pre-cisamos superar, ainda, a tendência hoje existente de especialização, que impede de ver o global, de pensar os problemas em seus contextos, de posicionar esses problemas em âmbito universal. Segundo Morin, “os problemas essenciais nunca são parceláveis, e os pro-blemas globais são cada vez mais essenciais”25. Assim, necessário revisar o ensino da escola primária, que se-para as disciplinas em vez de reconhecer suas correla-ções, fazendo com que as mentes dos jovens percam suas aptidões naturais para contextualizar os saberes e integrá-los em seus conjuntos. O problema do ensino deve ser pensado, segundo o autor, considerando, de um lado, a gravidade dos efeitos da partição dos sabe-res e, de outro, que a mente humana tem plena aptidão para contextualizar, desde que desenvolvida.

O “desafio dos desafios” para Morin é, pois, a re-forma do pensamento, pela qual a inteligência deve ser plenamente utilizada para responder a esses desafios, permitindo a ligação de culturas dissociadas. Trata-se de uma reforma não programática, mas paradigmática, concernente a nossa aptidão para organizar o conheci-mento. Precisa haver, de acordo com o filósofo francês, a superação da profunda carência de nossas mentes e, por conseqüência, de nossa sociedade: “A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a refor-ma do pensamento deve levar à reforma do ensino”26.

25 MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 14.

26 MORIN, Edgar. Op. cit., p. 20. MORIN, Edgar. Op. cit., p. 20.

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Também dentro de uma concepção humana da educação, as ideias pedagógicas de Paulo Freire, para o qual a desumanização do oprimido é atualmente o problema central, cujo enfrentamento se dará com a recuperação de sua “humanidade roubada”27. Segun-do ele, a tarefa humanista e histórica dos oprimidos é libertar-se a si e aos opressores, pois a classe domi-nante procura manter a situação de desigualdade e a manutenção de seus privilégios por meio da inferiorida-de intelectual. A proposta do pedagogo pernambucano é de que os oprimidos, reconhecendo sua condição e identificando seu opressor, lutem por sua libertação, em primeiro lugar a partir da alfabetização, pois por ela começa um caminho de conhecimento crítico da reali-dade e de assumir posturas frente ao mundo. É a partir da reflexão que ocorrerá a ação, com a conseqüente inserção crítica do oprimido na realidade opressora, possibilitando a transformação dessa realidade, ou seja, a superação da contradição opressor-oprimido. Não cabe ao opressor apenas reconhecer seu papel e solidarizar-se com o oprimido, pois assim acaba reali-zando mero assistencialismo, mantendo a submissão dos oprimidos, impedindo-os de organizarem-se de forma autônoma. Essa dependência, essa prática de dominação, que serve somente para minimizar a culpa do opressor, deve ser rompida com a transformação que ocorre pela inserção crítica do oprimido28.

Não se deve perder de vista, ainda, que no pro-cesso de aprendizado devem ser admitidos os diferen-tes modos de conhecimento, a pluralidade de saberes. Nas aulas em que tratava sobre a “função social do conhecimento”, o professor Arriscado Nunes29 ensina-

27 FREIRE, Paulo. Op. cit., p. 32. 28 FREIRE, Paulo. Op. cit., p. 42-3.29 João Arriscado Nunes é professor do Programa de Máster Ofi-

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va que existe o conhecimento local, circunscrito a uma determinada região, e o conhecimento tradicional, re-velado pelas experiências de um determinado grupo social, que pode renovar-se constantemente, conforme as experiências vividas. Em oposição ao saber local/tradicional teríamos o saber moderno/global, represen-tado pelo saber científico. E, para preservar todas as culturas que estão por detrás desses conhecimentos, “importa construir um modo verdadeiramente dialógico de compromisso permanente, articulando as estruturas do saber moderno/científico/ocidental com as forma-ções nativas/locais/tradicionais de conhecimento. As-sim, pois, o desafio é a luta contra uma monocultura do saber, e não somente em teoria senão como uma prática constante do processo de estudo, de investiga-ção-ação”.30

A partir do questionamento dos modos de conhe-cimento hegemônico que se colocam diante de um mundo tão complexo, Boaventura Santos sugere que superemos a “epistemologia da cegueira” com a de-nominada “epistemologia da visão”31. A primeira é uma doutrina que exclui e ignora tudo o que não se insere dentro de seus limites de conhecimento, enquanto que, pela segunda, o real não deve reduzir-se ao existen-te, buscando reconhecer as ausências e emergências,

cial/Doctorado en Derechos Humanos, Interculturalidad y De-sarrollo, da Universidade Pablo de Olavide de Sevilha (Espa-nha), cujas aulas foram ministradas em outubro/2007.

30 SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado; ME-NESES, Maria Paula (en prensa), Para ampliar el canon de la ciencia: la diversidad epistemológica del mundo, in Boaventura de Sousa Santos (org.), Sembrar otras soluciones. Los ca-Los ca-minos de la biodiversidad y de los conocimientos rivales. Caracas: Ministerio de Ciencia y Tecnología. 2006, 1ª Parte, p. 18.

31 SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado; ME- SANTOS, Boaventura de Sousa; NUNES, João Arriscado; ME-NESES, Maria Paula. Op. cit., 3ª Parte, p. 5.

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com presentes e futuros que apontam para a emancipa-ção. Pela “epistemologia da visão”, dá-se a participação comunitária na produção do conhecimento, converten-do-se essa incorporação dos cidadãos no debate um im-perativo democrático. A partir da ideia de que não existe um conhecimento puro, há que se recuperar a história, retomando o diálogo entre ciência e democracia.

Nas sociedades modernas não se pode ignorar esse amplo processo de aprendizado, em que se acumu-lam “saberes” que vêm da escola ou de fora dela32, saber acadêmico e popular, saberes baseados em tradições de tantos e tão distintos povos que ocupam este planeta, com suas profundas culturas populares. Por essa razão, torna-se imprescindível que a criança ou adolescente conheça-se a si mesmo e a sua origem, pois nenhuma cultura ou experiência deve ser desprezada.

Defendemos, com base também no pensamento documentado em Porto Alegre por ocasião do 1º Fó-rum Mundial de Educação (2001) - que busca garantir o acesso de todos a uma educação profissional33 -, novas propostas educacionais na formação profissional, que rompam o paradigma do individualismo e privilegiem os diversos saberes. Assim, essa nova formação deverá estar fundamentada em um modelo de desenvolvimen-to humano - em detrimento do econômico -, superan-do-se uma formação puramente especialista, realizada dentro de um processo de robotização. Deverão ser

32 No prefácio do livro A educação para além do capital, Emir Sader refere-se a interessante comentário de Gabriel García Márquez de que “aos sete anos teve que parar sua educação para ir à escola”, p. 16.

33 Carta de Porto Alegre pela Educação Pública para todos. Ela-borada na 1ª Edição do Fórum Mundial de Educação, realizado em Porto Alegre (Brasil) em 27 de outubro de 2001. Disponível em <http://www.forummundialeducacao.org/article170.html> Acesso em 26-06-2010.

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superados os cursos profissionalizantes que preparam o jovem para exercer uma função “A” ou “B” dentro da empresa. Ao contrário, além de aprender o que se con-vencionou chamar “ofício”, devemos desenvolver uma pedagogia que valorize o trabalho como um bem a que todos, indistintamente, devem ter acesso.

Tal postura só se materializa sob a condição de um processo de mudanças de ordem política, social e cultural que se preocupe em contrapor ao monopólio do pensamento único sobre a economia uma maneira de estabelecer limites para a atuação do capital, tendo em vista uma maior responsabilidade social. É com esta visão que os jovens e adolescentes devem ser prepa-rados para serem protagonistas de ações, através de uma economia alternativa integrada a uma economia de trabalho, com o fim de minimizar desequilíbrios so-ciais que o sistema capitalista dominante não tem sido capaz de solucionar.34

Dentro do que propomos, há que ser repensada a formação profissional hoje realizada pelo chamado “Sistema “S”, um sistema que nasceu – e até hoje se mantém – como um sistema elitista e opressor, que ob-jetiva a satisfação dos interesses econômicos das em-presas. Por isso, a importância de que a formação pro-fissional também seja realizada por outras entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódi-ca, como as Escolas Técnicas de Educação e as en-tidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional35.

34 BRITO DE ARAÚJO, Tatiana. Educação profissionalizante – questões sociais e mercado de trabalho. 2004. 275f. Tese doutoral (Ciències Socials). Universidade Autônoma de Bar-celona, Barcelona, 2004, p. 98-99. Defendida em 10-02-2005. Disponível em <http://www.tesisenxarxa.net/TDX-0714105-163614/index_cs.html> Acesso em 26-06-2010.

35 Artigo 430 da Consolidação das Leis do Trabalho.

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Nossa proposta é fortalecer essa aprendizagem supletiva, realizada pelas Escolas Técnicas e demais entidades sem fins lucrativos, ampliando a formação profissional entre os jovens de baixa renda, os “sem di-ploma”, para reduzir a desigualdade de acesso ao mun-do do trabalho. Ou seja, queremos garantir uma forma-ção profissional alternativa para os que estão excluídos do Sistema “S”. A oferta de cursos profissionalizantes destinados a esses jovens menos favorecidos deve ser discutida com as comunidades locais, as associações de bairro e demais agentes sociais comprometidos com a luta pela dignidade humana. A força dessas ações poderá gerar políticas públicas destinadas à garantia de uma “profissionalização sustentável”, defendida no 1º Fórum Mundial da Educação em Porto Alegre.

O desenvolvimento de uma educação profissional - seja ela desenvolvida pelo Sistema “S”, pelas Escolas Técnicas de Educação ou pelas entidades sem fins lu-crativos (como, por exemplo, as ONGs) -, há de conce-ber, ainda, os princípios defendidos pela UNESCO, sem esquecer o critério da riqueza humana. Tais propostas devem integrar os programas curriculares dos cursos de formação profissional, que necessitam ser reformulados para abranger esses novos princípios educativos.

4. SERVIÇOS NACIONAIS DE APRENDIZAGEM E A APRENDIZAGEM “SUPLETIVA” CRIADA PELA LEI 10.097/2000.

Dentro do sistema jurídico brasileiro, todas as empresas de médio e grande porte, de todos os ramos de atividade econômica, são obrigadas a empregar e matricular aprendizes nos cursos dos Sistemas Nacio-nais de Aprendizagem36. A aprendizagem, em regra, é

36 Artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho

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realizada pelo chamado sistema “S” da formação pro-fissional, constituído atualmente pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Nacio-nal de Aprendizagem Rural (SENAR), Serviço Nacio-nal de Aprendizagem do Transporte (SENAT) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SES-COOP).

A grande inovação trazida pela Lei 10.097/00 foi, sem dúvida, possibilitar a realização de aprendizagem por entidades outras que não as vinculadas ao siste-ma “S”, nos casos em que estes não oferecerem cur-sos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabelecimentos. Criou-se, portanto, uma espécie de aprendizagem “supletiva”, a ser realizada pelas Esco-las Técnicas de Educação e pelas entidades sem fins lucrativos37.

Assim, não havendo cursos ou vagas suficientes nos Serviços Nacionais de Aprendizagem, poderão re-alizar a aprendizagem as Escolas Técnicas de Educa-ção, inclusive as agrotécnicas, e as entidades sem fins lucrativos38, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Ado-lescente. Essas entidades deverão ser qualificadas em formação técnico-profissional metódica e contar com estrutura adequada ao desenvolvimento dos progra-mas de aprendizagem, mantendo a qualidade do en-sino, conforme disposições previstas no artigo 430 da CLT. A avaliação da competência das entidades sem

37 Tais entidades constam expressamente no artigo 430 da Con-solidação das Leis do Trabalho.

38 O Decreto 5.598, de 1º de dezembro de 2005, que regulamenta a contratação de aprendizes, arrola todas essas entidades, de-finindo-os como entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica (artigo 8º).

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fins lucrativos que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, e que se propo-nham a desenvolver programas de aprendizagem é feita segundo normas do Ministério do Trabalho e Emprego39.

Os responsáveis pela fiscalização dos direitos tra-balhistas dos aprendizes são os Auditores-Fiscais do Trabalho40, que verificarão se as entidades sem fins lucrativos que contratam aprendizes efetuaram o de-vido registro e a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS e se estão assegurando os demais direitos trabalhistas e previdenciários oriundos da relação de emprego especial de aprendizagem41.

De acordo com as normas do Ministério do Tra-balho e Emprego, o programa de aprendizagem deve contemplar os objetivos do curso, o público alvo, os conteúdos a serem desenvolvidos, a carga horária, a infra-estrutura física, os recursos humanos, os meca-nismos de acompanhamento e de vivência prática do aprendizado e, por fim, os mecanismos para propiciar a permanência dos aprendizes no mercado de traba-lho após o término do contrato de aprendizagem42. Na

39 Referidas normas encontram-se na Portaria 615, de 13 de dezembro de 2007, do Ministério do Trabalho e Empre-go. Texto disponível em <http://www.mte.gov.br/legislacao/portarias/2007/p_20071213_615.pdf> Acesso em 26-06-2010.

40 Referidas normas encontram-se na Portaria 615, de 13 de dezembro de 2007, do Ministério do Trabalho e Empre-go. Texto disponível em <http://www.mte.gov.br/legislacao/portarias/2007/p_20071213_615.pdf> Acesso em 26-06-2010.

41 A fiscalização das condições de trabalho no âmbito dos pro-gramas de aprendizagem está regulamentada pela Instrução Normativa 26/01 da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Mi-nistério do Trabalho e Emprego. Texto disponível em <http://www.mte.gov.br/legislacao/instrucoes_normativas/2001/in_20011220_26.asp> Acesso em 26-06-2010.

42 Artigo 3º da Portaria 615/2007, com redação dada pela Portaria 1003, de 04-12-2008, do MTE.

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hipótese de não-atendimento de qualquer um dos re-quisitos legais, como, por exemplo, se a entidade não for registrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, não poderá realizar a cha-mada aprendizagem “supletiva”, prevista no artigo 430 da Consolidação das Leis do Trabalho. Nesse sentido também já decidiu o Tribunal Regional do Trabalho-RS em demanda ajuizada pela Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região-RS:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO DE APREN-DIZAGEM. Situação em que não resta demonstrado nos autos que o Projeto Pescar, enquadra-se na hipó-tese de contrato de aprendizagem, de conformidade com os artigos 428 e 429 da CLT. Provido o recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho, para con-denar a reclamada a empregar e matricular adolescen-tes aprendizes no percentual de até 15% do número de trabalhadores cujas funções demandem formação profissional, mantendo-os nas Unidades Operacionais do SENAI-RS.43

A Secretaria da Inspeção do Trabalho do Minis-tério do Trabalho e Emprego editou normas de fisca-lização das Escolas Técnicas de Educação e das en-tidades sem fins lucrativos que realizarem programas de aprendizagem44. Em caso de constatação de irre-gularidades nas entidades, cuja solução não ocorra pelas ações administrativas, deverá o Auditor-Fiscal do Trabalho comunicar ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público Estadual, ao Conselho Municipal dos Direitos

43 Acórdão do processo nº 00375-2003-761-04-00-6 (RO), Juiz-Relator João Alfredo Borges de Miranda, decisão unânime da 8ª Turma do TRT da 4ª Região, Porto Alegre, 16 de fevereiro de 2005. Disponível em <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/consultaProcessual> Acesso em 26-06-2010.

44 A regulamentação da matéria é encontrada na Instrução Nor-mativa SIT 26/2001 do Ministério do Trabalho e Emprego.

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da Criança e do Adolescente e ao Ministério Público do Trabalho45.

A Lei 10.097/00 garantiu ao adolescente aprendiz os direitos trabalhistas e previdenciários, devendo os órgãos responsáveis ficar atentos para que tais direitos sejam respeitados quando ocorrer a chamada aprendizagem “supletiva”. Instituições como o Ministério Público do Tra-balho e o Ministério do Trabalho e Emprego devem atuar no sentido de manter a profissionalização dentro dos pa-râmetros do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Consolidação das Leis do Trabalho, impedindo eventuais distorções à legislação, em prejuízo dos adolescentes.

O grande dilema quando tratamos da aprendiza-gem “supletiva” é, sem dúvida, a questão dos recursos financeiros. Vimos que o custeio dos Serviços Nacio-nais de Aprendizagem é feito por contribuições denomi-nadas parafiscais, pois são exigidas em decorrência de lei e são arrecadadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Para as Escolas Técnicas de Educação e as entidades sem fins lucrativos (ONGs), não há pre-visão de nenhum recurso para realizarem os programas de aprendizagem. Ficam na dependência da realização de algum convênio com o Sistema “S” para o ingresso de recursos, restando evidenciada sua fragilidade por serem a parte mais fraca nessa relação. Considerando que essas entidades são as que, em regra, acolhem os adolescentes oriundos da classe baixa, entendemos que parte dos recursos arrecadados pelas empresas deve ser destinada às entidades que preencham as normas editadas pelo Ministério do Trabalho e Empre-go para realizarem curso de aprendizagem46. Propos-

45 Essa obrigação está prevista no artigo 8º da Instrução Norma-tiva SIT 26/2001.

46 As normas são encontradas na Portaria 615, de 13 de dezem-bro de 2007.

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ta legislativa deverá ser realizada nesse sentido, cuja elaboração poderá partir de um trabalho conjunto entre as instituições envolvidas e os órgãos de fiscalização, como o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho e Emprego.

5. CONCLUSÕES5.1 - Há que ser rompida a idéia de que não se

pode fazer nada, de que é inútil esforçar-se, de que cada um segue sendo o que é, que no fundo nada muda... É necessário superar a tendência humana à estabilidade, que nos torna cegos perante às possibi-lidades de transformação do mundo, em razão da pre-ponderância da “vontade da verdade” (dogmas) sobre a “vontade de poder” (potência humana de mudança e transformação).

5.2 - Torna-se imperioso romper o discurso e o co-nhecimento jurídico tradicionais, afirmando nossa dife-rença e apropriando-nos criticamente da luta jurídica, utilizando o Direito como instrumento de positivação das lutas sociais, ampliadas a partir de articulações a serem feitas dentro dos contextos político, econômico e social.

5.3 - O adolescente tem plenas condições de transformar a si e a seu entorno, por isso deve ser empoderado para ser um agente social na luta pela emancipação e pela cidadania. Para tanto, a formação profissional deve estar fundamentada em um paradig-ma do desenvolvimento humano, ser transformadora e privilegiar os diversos saberes, superando-se a forma-ção técnica, puramente especialista, que “robotiza” o adolescente, visualizando tão-somente os interesses econômicos das empresas.

5.4 - Defendemos o desenvolvimento de uma edu-cação profissional construída em valores que tomem

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por base o critério da riqueza humana, que permita o desenvolvimento das capacidades e a apropriação de tais capacidades. O objetivo central deve ser a realiza-ção do ser humano, considerando-se os quatro pilares da educação, “aprender a conhecer”, “aprender a fa-zer”, “aprender a viver juntos” e “aprender a ser”.

Entendemos que as entidades que realizam for-mação profissional, que são os Serviços Nacionais de Aprendizagem, as Escolas Técnicas de Educação e as entidades sem fins lucrativos (como, por exemplo, as ONGs), devem rever os programas curriculares dos cursos de formação profissional para abranger esses novos princípios educativos.

5.5 - Nossa proposta para reduzir a desigualdade de acesso ao mundo do trabalho, ampliando a forma-ção profissional entre os jovens de baixa renda, é o for-talecimento da chamada aprendizagem “supletiva”, re-alizada pelas Escolas Técnicas de Educação e demais entidades sem fins lucrativos, pois são essas entidades que, em regra, acolhem os adolescentes oriundos da classe baixa.

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O ASSÉDIO MORAL NO TRABALHOUMA PROPOSTA DE NOVA ABORDAGEM

SOBRE O MESMO MAL1

Márcia Medeiros de Farias2

Muito falado de uns tempos para cá e, talvez na mesma medida, ainda, bastante desconhecido, o assédio moral é visto de maneiras diferentes, que, de regra, de-pendem do ponto de vista em que nos encontramos: se somos empresários, reclamamos que “temos que andar pisando em ovos para falar com qualquer empregado, sob pena de sermos acusados de assediadores”; se somos empregados, entendemos que qualquer ordem ou exi-gência vinda dos empregadores é uma forma de assédio”; se somos advogados de empresas, achamos que o as-sédio está superestimado, que “qualquer coisinha agora é assédio”; do outro lado, sendo advogados de trabalha-dores, achamos que “se o empregado nos narrou alguma ofensa sofrida no ambiente de trabalho, é assédio!”.

Em termos de legislação, pode-se dizer que no Bra-sil as normas que vedam o assédio moral no trabalho têm suas raízes, suas origens, no art. 483 da CLT, nossa compilação de leis trabalhistas, que data já do distante 1º de maio de 19433 e que já previa e autorizava a res-cisão indireta do contrato de trabalho, ou seja, permitia e permite até hoje, que o trabalhador ingresse com uma ação trabalhista para encerrar seu contrato de trabalho quando o empregador age de forma irregular com ele.

1 Excerto de palestras sobre assédio moral proferidas nos anos de 2009 e 2010.

2 Procuradora do Trabalho/RS - Mestre em Questões Contempo-râneas de Direitos Humanos pela Universidade Pablo de Olavi-de/Espanha

3 Decreto-Lei nº 5.452.

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Nos termos desse artigo, o “empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida in-denização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costu-mes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus supe-riores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do

contrato;e) praticar o empregador ou seus prepostos,

contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmen-te a importância dos salários”4.

No âmbito dos entes públicos já há legislações prevendo e punindo o assédio moral em alguns Esta-dos e Municípios5.

4 § 3º - Nas hipóteses das letras d e g, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das res-pectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. (Incluído pela Lei nº 4.825, de 5.11.1965)

5 Dentre outras: Lei nº 3921, de 23 de agosto de 2002, primei-ra lei estadual aprovada no Brasil, que “veda o assédio moral no trabalho, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, do poder legislativo, executivo ou judiciário do Estado do Rio de Janeiro, inclusive concessionárias e permissionárias de serviços estaduais de uti-lidade ou interesse público, e dá outras providências.Lei Complementar nº 12.561, de 12 de julho de 2006, que “dispõe sobre assédio moral na administração estadual do Rio Grande do Sul e Lei Nº 12.250, de 9 de fevereiro de 2006, de São Paulo, que “veda o assédio moral no âmbito da administração pública estadual direta, indireta e fundações públicas.

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Por outro lado, quanto às empresas privadas, não há legislação se referindo especificamente ao assédio moral6, fato que não impede, de forma alguma, o repú-dio e a punição do assédio moral praticado no ambien-te de trabalho.

Tem-se que, ao menos a partir de 1988, o centro do nosso sistema jurídico deixa de ser o código civil com suas concepções individualistas e suas determi-nações predominantemente negociais e passa a ser a Constituição Federal. E, no âmbito do texto consti-tucional, são os direitos fundamentais, que formam o seu eixo principal, que prevalecem e condicionam os demais direitos.

E, dentre os direitos fundamentais, o direito à digni-dade humana é o vetor a partir do qual os demais direitos devem ser significados, ou seja, devem ser valorados.

Pois a Constituição Federal7 e as normas inter-nacionais ratificadas pelo Brasil8 possuem dispositivos

Há, ainda, inúmeras legislações municipais que visam a coibir o assédio moral no âmbito de suas administrações. Para uma relação mais completa: www.assediomoral.org

6 Há projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.7 A Constituição Federal de 1988, afirma, em seu art. 1º, dentre os

fundamentos da República Federativa do Brasil: “III – a dignidade da pessoa humana IV – o valor social do trabalho”.8 A Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho,

ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº 62.150/68, nos fornece o conceito de discriminação:

“Art. 1º 1. Para os fins da presente Convenção o termo “discriminação”

compreende: a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor,

sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de opor-tunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser

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que são mais do que suficientes para, ao menos no pla-no legislativo, combater o assédio moral no trabalho.

No âmbito da Organização Internacional do Traba-lho, a Convenção nº 155, de 1981, que trata sobre se-gurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho e foi ratificada pelo Brasil em 1998, aplica-se a todas as áreas de atividade econômica9 e a todos os trabalhadores dessas atividades10.

Essa Convenção determina que “o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecção ou de doenças, mas também os elementos físi-cos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”11.

Dentre a legislação brasileira, há que fazer, ainda, referência à Lei nº 11.340, de 2006, que criou mecanis-mos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Essa Lei – Lei Maria da Penha – ao elencar algu-mas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, conceituou, ao lado da violência física, a violên-cia psicológica, como sendo:

“qualquer conduta que lhe cause dano emo-cional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvi-mento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilha-ção, manipulação, isolamento, vigilância cons-tante, perseguição contumaz, insulto, chanta-gem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que

especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalha-dores, quando estas existam e outros organismos adequados.

9 Art. 1º10 Art. 3º, b11 Art. 3º, e

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lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”12.

E, conceituou violência moral, como:“qualquer conduta que configure calúnia, difa-mação ou injúria”13.

Na esfera trabalhista, o trabalhador assediado tem direito a indenização pelo dano material ou moral decor-rente da violação de sua intimidade, vida privada, honra e imagem, assegurado pelo inciso X do art. 5º da Cons-tituição Federal, que determina que todos são iguais pe-rante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

E, pelo inciso V, do mesmo art. 5º que assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

Há que referir, também, a Lei nº 9.029/95, que de-termina em seu art. 1º que:

“Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de aces-so a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Consti-tuição Federal.”

E a legislação brasileira também prevê a respon-sabilidade do empregador pelo pagamento dessa inde-nização, seja para reparar danos morais ou materiais, ou, ainda, ambos os danos, se for o caso, sofridos pelo trabalhador assediado no trabalho:

“art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que ex-clusivamente moral, comete ato ilícito”.

12 Art. 7º, inciso II13 Art. 7º, inciso V

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E, em seu art. 932:“São também responsáveis pela reparação ci-vil:...

III - o empregador ou comitente, por seus em-pregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

E:“Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.”

Trata-se de responsabilidade objetiva, já que é do empregador o dever de manter um meio ambiente de trabalho sadio, que não adoeça os trabalhadores.14

14 Na esfera criminal (Código Penal de 1984), dependendo das circunstâncias do caso concreto, a prática de assédio moral no trabalho pode ser punida. A responsabilidade penal será sempre do assediador – pessoa física. Se o assédio atingir a honra do trabalhador, poderá ocorrer o crime de calúnia, de difamação ou de injúria. Se o assédio atingir a liberdade pes-soal do trabalhador, poderá ocorrer constrangimento ilegal – (art. 146 do CP) - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa; ou, crime de ameaça – (art. 147 do CP) - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação. Sônia Mascaro Nascimento. Assédio Moral, Saraiva, 2009, p.128.De acordo com Marcelo Rodrigues Prata, conforme as circuns-tâncias do caso concreto, se estar diante do crime de tortura, nos termos da Lei nº 9.455/97, art. 1º: “Constitui crime de tortura: in-ciso II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medi-da de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos. § 2º - Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha

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Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal reco-nheceu, na Súmula 341, que: “É presumida a culpa do patrão pelos atos culposos do empregado ou prepos-to.” Essa responsabilidade faz parte dos riscos da ativi-dade econômica, (teoria do risco-proveito).

Dentre os tantos conceitos, Marie-France Hiri-goyen afirma que assédio moral é “qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o cli-ma de trabalho.”15

O assédio moral no trabalho que pode se dar de maneira interpessoal ou de maneira organizacional, sempre se dará de uma forma sistemática, proposital, repetitiva e com o objetivo de humilhar o outro16.

Como se trata de um processo e não de um ato isolado, pode-se dizer que para caracterizar o assédio

o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. Anatomia do Assédio Moral no Trabalho: uma abordagem transdiciplinar, São Paulo, LTr, 2008, p. 557.Ou, ainda, podemos estar diante do crime de induzimento ao suicídio – (art. 122 do CP) - Induzir ou instigar alguém a suici-dar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corpo-ral de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Anatomia do Assédio Moral no Trabalho: uma abordagem transdiciplinar, São Paulo, LTr, 2008, p. 559.

15 Mal Estar no Trabalho: redefinindo o assédio moral, 4ª Ed., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2009, p. 17.

16 Thereza Cristina Gosdal, Lis Andrea Soboll, Mariana Schat-zmam e André Davi Eberle. Assédio Moral Organizacional: esclarecimentos conceituais e repercussões, In Lis Andrea P. Soboll e Thereza Cristina Gosdal, organizadoras. Assédio Mo-ral Interpessoal e Organizacional: um enfoque multidisciplinar, São Paulo, LTr, 2009, p. 39.

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moral no trabalho é necessário um filme e não uma foto apenas.

Nesse cenário, propõe-se uma abordagem dife-rente, apresentando o assédio moral sob uma nova perspectiva, na qual se parte da análise de três pontos para apresentar uma conclusão que visa à intersecção entre esses pontos.

I. Preconceito e discriminação;II. O contexto em que se inserem os trabalhadores

brasileiros;III. A necessidade de um novo olhar dos ditos pro-

fissionais do direito.

I. Preconceito e discriminaçãoPara falar de preconceito e de discriminação, há

que se partir das possibilidades dos seres humanos.O ser humano é múltiplo e múltiplas são as suas

formas de expressão. E é no conjunto dos seres huma-nos com suas múltiplas possibilidades e habilidades, com suas infinitas características e diferenças, que re-side a diversidade humana.

E talvez a tradução mais completa dessas possibi-lidades do ser humano seja a arte.

Eu quero lhes propor o nome de alguns artistas para que pensemos um pouco sobre suas obras:

A música de Bethoven, Elza Soares, Chiquinha Gonzaga, Clementina de Jesus e Steve Wonder;

A poesia de Cora Coralina e Cazuza; Os textos de Gertrude Stein, Caio Fernando Abreu,

Virgínia Wolf e Marcelo Rubens Paiva;As telas de Frida Kahlo, Rambeau, Artur Bispo do

Rosário, Caravaggio e Toulosse Loutrec;As interpretações de Marlene Dietrich, Leila Diniz,

Pagu e Sidney Poitier;As esculturas de Camille Claudel e Aleijadinho;

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Os filmes de Woody Allen e Steve Spielberg.E é a análise dessas diferenças e da forma como

lidamos com elas, que nos remete e nos faz refletir so-bre questões diretamente ligadas à saúde e ao adoeci-mento dos trabalhadores.

Cada um de nós é o somatório de infinitas influ-ências: questões genéticas, o local onde nascemos, a forma como fomos criados, a cultura a que tivemos acesso, as experiências que vivenciamos, as pessoas com as quais nos relacionamos, enfim, uma gama de fatores que nos tornam únicos, que nos diferenciam dos demais, que nos tornam “irrepetíveis”, como disse João Cabral de Melo Neto, em Morte e Vida Severina.

A par dessas diferenças e em função delas, nos expressamos de diversas e variadas formas: somos tí-midos ou extrovertidos, agimos instintivamente ou pen-samos bastante antes de agir, gostamos de praticar es-portes ou preferimos ler.

Se lemos, preferimos o suspense ao romance, so-mos técnicos, somos apaixonados, não gostamos de chuva, preferimos o vermelho ao amarelo, gostamos de dançar ...

Mas nem sempre essas diferenças, essa diversi-dade é aceita. Nem sempre lidamos bem com as di-ferenças que temos uns em relação aos outros, que nos distinguem uns dos outros. E essa não-aceitação decorre, quase sempre, de preconceitos.

Utilizado as palavras de Bobbio: “preconceito é uma opinião, um conjunto de opiniões ou toda uma dou-trina que se acolhe, de forma acrítica e passivamente.”17

São idéias que não questionamos, que não dis-cutimos, que não submetemos à nossa razão. Apenas aceitamos essas idéias irracionais e as repetimos, ve-zes e vezes, sem fim.

17 Norberto Bobbio. Elogio da Serenidade e Outros Escritos Mo-rais, São Paulo, Editora da UNESP, 1998, p. 103.

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E esses preconceitos são “adquiridos” em nossas casas, com as nossas famílias; em nossas escolas; em nossos locais de lazer; em nossos locais de trabalho.

Mas em que consistem esses preconceitos?Consistem em atribuir a um grupo de pessoas, a

um grupo social, determinadas características (que al-gumas vezes podem até ser positivas) baseadas em idéias preconcebidas, em generalizações, que são di-tas por alguns, repassadas por outros tantos e repeti-das por muitos, incontáveis vezes.

E, com base na repetição dessas idéias preconce-bidas, vão-se criando os estereótipos, ou seja, os “mo-delos” criados a partir daqueles preconceitos.

São exemplos de estereótipos: o alemão prepo-tente, o português estúpido, o judeu “louco” por dinhei-ro, o índio preguiçoso, a loira burra, o negro incapaz ...

O preconceito tem suas origens, suas raízes, na ignorância, na educação, no medo, na intolerância, no egoísmo.

Como todos nós somos também um pouco o re-sultado do meio em que vivemos, das relações que es-tabelecemos, todos acabamos introjetando preconcei-tos e os carregando vida afora, sem os questionar, sem os investigar.

Mas o grande problema, a grande conseqüência negativa dos preconceitos e dos estereótipos produzi-dos por esses preconceitos, é que, na maioria dos ca-sos, eles acabam gerando discriminação.

E o que é discriminar?Discriminar é excluir, é afastar, é separar, é segre-

gar. É como classificar os seres humanos em mais hu-manos e menos humanos.

E aí surge a pergunta: mas que são os discrimina-dos?

Genericamente podemos dizer que são discrimina-das aquelas pessoas que comparamos com um ou mais

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estereótipos e concluímos que essa pessoa está ou não de acordo com esse estereótipo, com esse modelo!

No Rio Grande do Sul, por exemplo, se não em ter-mos numéricos, mas em termos de “poder”, nós temos os seguintes estereótipos: homem, branco, jovem, em boas condições financeiras, ao menos afirmadamente heterossexual, saudável, não-deficiente, católico e, de preferência, casado e com filhos.

Os que não se enquadram em uma ou mais “con-dições” ou situações acima, são potencialmente víti-mas de discriminação.

Mas, para que haja discriminados tem de haver discriminadores. E, se é relativamente fácil encontrar alguém que sofreu discriminação, encontrar alguém que se veja como discriminador é muito difícil.

Cabe então uma pergunta: quantos de nós não fa-zem piadas sobre negros, mulheres, homossexuais, ju-deus, anões, deficientes, etc...? A resposta a essa per-gunta geralmente é: Mas é só uma piada!!!! Será? Será que quem faz ou que quem ouve18 a piada não acredita que a mulher tem menos capacidade do que o homem, que os homossexuais não devem ter os mesmos direi-tos do que os heterossexuais; ou, ainda, que as pesso-as com deficiência não têm condições de trabalhar???

Todos temos preconceitos! O que nos diferencia é a forma como lidamos com esses preconceitos!

II. O contexto em que se inserem os trabalhadores brasileiros

A segunda questão que é fundamental para uma proposta de uma nova abordagem sobre o assédio mo-ral no trabalho é sabermos quem é o trabalhador que recorre ao Ministério Púbico do Trabalho ou busca um

18 A discriminação pode se dar por ação ou omissão.

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advogado para acionar a Justiça do Trabalho requeren-do alguma reparação?

Para responder essa questão propõe-se a análi-se do contexto em que se insere a grande maioria dos trabalhadores brasileiros, pontuando alguns momen-tos da relação de trabalho, que eu chamo de “caminho do trabalho”, cujo conhecimento e entendimento são indispensáveis para que se saiba as reais condições enfrentadas pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores brasileiros, muitos dos quais nem chegam ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário com seus pleitos.

Os 5 momentos fundamentais nesse “caminho do trabalho” são:

1º momento: a busca do trabalhoO quê cada pessoa leva em conta quando procu-

ra, quando busca um emprego, um trabalho. Para responder essa pergunta, podemos dividir os

trabalhadores brasileiros e dois grupos:O primeiro grupo, representa uma pequena par-

cela da população, que busca no trabalho, além do re-torno financeiro, crescimento pessoal, evolução social, reconhecimento, relacionamentos, enfim, busca um trabalho que lhe permita uma melhora em sua vida.

Essa parcela de trabalhadores, fez o 1º e o 2º graus, fez vestibular para o curso que escolheu, se for-mou e buscou um trabalho, um emprego que tivesse a ver com seus sonhos, com seus objetivos, com seus desejos.

Impõe-se aqui, que se ressalte que o trabalho nun-ca é neutro, ou seja, o trabalho necessariamente é pro-dutor de saúde ou de adoecimento do trabalhador.

E esse primeiro momento do caminho, que é de-terminado pelo que se leva em conta quando se busca

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um trabalho, é fundamental para que esse trabalho seja produtor de saúde ou de adoecimento do trabalhador.

Porque ao lado desses trabalhadores referidos, há um outro grupo, o qual representa a imensa maioria dos trabalhadores brasileiros, que não pode escolher, que não pode optar por esse ou por aquele trabalho, ou, nem mesmo, muitas vezes, por esse ou por aquele “tipo” de trabalho.

Não há escolha, não há opção, pois o que esse trabalhador quer, deseja ou gostaria, não é considera-do na busca de um trabalho, eis que o que é levado em conta, é apenas a necessidade de ter um trabalho que garanta a sua subsistência e a de sua família.

Não há falar em sonhos, em desejos, em aptidão!As condições econômicas, sociais e de educação

formal falam mais alto!Essa situação costuma nos chocar quando nos

deparamos com engenheiros ou psicólogos dirigindo táxis, advogados, professores ou bancários trabalhan-do em lojas.

Mas nos é totalmente indiferente quando se trata da enorme massa de trabalhadores que acorda todos os dias muito cedo, passa horas em transportes públi-cos que quase sempre deixam muito a desejar, para então chegarem a um trabalho que não escolheram, com o qual não sonharam, mas que “era o que tinha”.

E é um trabalho não escolhido, não desejado, que, se esses trabalhadores e trabalhadoras “tiverem sorte”, irão fazer por dias, por meses e por anos a fio!

A “naturalização” dessa situação é alarmante quando se fala na saúde do trabalhador, pois é em ra-zão dessa naturalização que essa situação não é ob-jeto de análises, de pesquisas, de discussões e, muito menos, de tentativas de mudança.

E isso nos remete ao segundo momento do “cami-nho do trabalho”

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2º momento: o trabalho “que se conseguiu”Esse momento está diretamente relacionado ao

anterior, pois, apesar de algumas exceções, os traba-lhadores que puderam optar por um determinado tipo de trabalho tem uma chance muito maior de encontrar “reali-zação”; e, portanto, saúde, nesse trabalho, do que os de-mais, que estão trabalhando “no que deu para conseguir”.

Sem falar que os trabalhadores que “escolheram” o trabalho, ao contrário dos demais, certamente pelos mesmos motivos que permitiram a primeira escolha, poderão, caso o trabalho não seja o que esperavam, fazer uma nova opção e tentar novamente.

Os outros trabalhadores e trabalhadoras, não.Situação ainda mais cruel é a que ocorre com as

trabalhadoras e os trabalhadores que exercem aquelas funções consideradas mais humildes, aquelas funções que, de regra, não são escolhidas, mas são “as que tem”, como faxineiro, gari, lixeiro, ascensorista, pedrei-ro, vigilância, office boy, porteiro e tantas outras.

São aqueles trabalhos que só são valorizados quando não são feitos ou quando são feitos de forma deficiente: quando há greve dos lixeiros, ou quando os terceirizados da limpeza não comparecem ao trabalho, ou quando faltam alguns office boys, por exemplo.

Os trabalhadores e trabalhadoras que exercem es-sas funções podem ser denominados de “trabalhadores invisíveis”, na expressão cunhada pelo sociólogo José Moura Gonçalves Filho, e por ele definida como: “uma ex-pressão que resume diversas manifestações de um sofri-mento: “é a humilhação social, um sofrimento longamente aturado e ruminado por gente de classes pobres”19.

19 Humilhação social: um problema político em psicologia, In Jor-nal do Federal (informativo do Conselho Federal de Psicologia <www.psicologiaonline.org.br/jfcidadania2.html>), n° 62, março de 2000, consulta em outubro de 2008.

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E, prossegue, José Moura: “É uma espécie de cegueira psicossocial, que elimina do campo de visão da maioria da população aqueles que são obrigados a exercer uma atividade considerada subalterna, des-qualificada, desumanizante e degradante, o dia inteiro, às vezes, uma vida inteira”.

Em outras palavras, a invisibilidade pública é uma condição que algumas pessoas “adquirem” quando passam por ela inúmeras outras pessoas, sem que nin-guém as veja, como se elas fossem objetos!

São pessoas que ninguém cumprimenta, com as quais não se fala, a quem ninguém agradece, ou pede “por favor”, “com licença.”

São pessoas que podem estar na mesma sala e ouvir alguém “visível” falar, por telefone, com outra pes-soa, também “visível” e dizer: “não tem ninguém aqui, estou sozinho”. Essa situação também acontece quan-do alguém está em um carro, com um motorista, e fala com outra pessoa por telefone e diz: “eu posso falar porque estou sozinha”. Como se o carro estivesse se movendo sem que ninguém o dirigisse ...

Ou pessoas que, quando estão limpando ruas e calçadas tem de ficar muito atentas para não serem atropeladas, eis que não são vistas.

Da mesma forma, acontece no elevador, quando algumas pessoas entram e vêem alguém entrar e cum-primentar todos os demais, menos ela.

Ou, ainda, como na crônica de Fernando Sabino, que quando alguém ouve um barulho na porta e per-gunta: “Quem é?”, ouve como resposta apenas: “Não é ninguém, é o carteiro”.

Trata-se da “coisificação” das pessoas, dos traba-lhadores e das trabalhadoras, que tem sua própria hu-manidade ignorada!

A experiência vivenciada por Fernando Braga da Costa em 1994, quando estudante do segundo ano de

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sociologia da Universidade de São Paulo, é também esclarecedora.

Resolveu trabalhar como gari por um período, lim-pando o mesmo prédio da faculdade onde tinha aulas todos os dias: “vestiu o uniforme e trabalhou de ma-nhã – varreu calçadas e ruas, transportou lixo, capinou gramados e retirou o barro acumulado de canteiros. No meio da tarde, passou uniformizado pelo Instituto de Psicologia. Entrou no prédio e reparou o desapareci-mento dos acenos (algum gesto ou palavra breve) que, quando estudante, são comuns entre ele e quem cruza. Surpreendeu-se especialmente nas vezes em que pas-sou despercebido por pessoas que estudam com ele: não o viram, passaram ao largo, sem cumprimentos. Era um uniforme que perambulava: estava invisível. Desaparição do homem na tarefa serviçal”20.

3º momento: o trabalho “propriamente dito”O trabalho pode se traduzir na possibilidade de as-

censão social, nos relacionamentos inter-pessoais, no sentimento de pertencimento, na valorização do traba-lhador perante si próprio e perante os outros, no con-forto de sua vida e de seus familiares e em mais uma gama de fatores que contribuem para a realização de uma pessoa.

Entretanto, como ainda persiste a idéia de que o cidadão quando se torna um trabalhador deve se des-pir de uma série de direitos, os trabalhadores e as tra-balhadoras em nosso país ainda tem que conviver dia-riamente, em seus locais de trabalho, com situações que levam quase sempre ao adoecimento:

20 A experiência e as diversas histórias reunidas viraram tema de seu mestrado e chega aos leitores no livro Homens Invisíveis: Relatos de uma Humilhação Social, Editora Globo.

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1. violação a sua intimidade, sua privacidade e sua identidade:

a. revistas íntimas em seu corpo e em seus obje-tos pessoais;

b. trabalho sob a vigilância de câmeras de vídeo ou gravação de áudio;

c. realização de teste de gravidez e de HIV;d. questionários sobre sua vida pessoal, suas pre-

ferências, seus hábitos e seus relacionamentos;e. obrigação de trocar o próprio nome durante o

horário do trabalho.

2. situações de discriminaçãoCasos de discriminação ainda estão presentes no

ambiente de trabalho em um número bastante expres-sivo.

Todos os trabalhadores que não se enquadram no padrão, nos estereótipos vigentes21, são alvos poten-ciais de discriminação no ambiente de trabalho.

E é importante salientar, que a discriminação pode ocorrer de forma direta, quando uma empresa não con-trata negros ou mulheres; ou, de forma indireta, quan-do contrata negros e mulheres, mas lhes nega qual-quer opção de ascensão dentro da empresa; ou, ainda, quando paga, para funções iguais, exercidas nas mes-mas condições, salários diferentes22.

21 Ver título I. Preconceito e discriminação.22 Como ainda ocorre no Brasil, onde mulheres negras ganham

45% menos do que mulheres brancas; onde mulheres negras ganham 66% menos do que os homens brancos; onde 4 entre 10 mulheres negras não tem emprego, enquanto só 1 entre 10 mulheres brancas não têm emprego; e, apenas 0,3% dos cargos de gerencia são exercidos por mulheres negras. Fonte: Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras.

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4º momento: a saída do trabalhoMuitas vezes a despedida do trabalhador se dá

por questões de: 1. discriminação – é ainda muito grande o número

de trabalhadores que são despedidos quando é desco-berta a sua condição de portador de HIV ou a sua orien-tação sexual homossexual; ou, ainda, quando é desco-berta a gravidez de uma trabalhadora, por exemplo;

2. outras vezes o que leva à saída de um traba-lhador do emprego é o fato de ele questionar, reclamar, reivindicar, ou lutar por melhores condições de trabalho;

3. há também os trabalhadores que são despe-didos em razão de um senhor chamado “mercado de trabalho”, figura que está mais forte atualmente, por-que tem andado de braços dados com uma senhora chamada “crise”;

Esses trabalhadores são despedidos porque não são mais necessários na “engrenagem” daquela em-presa, daquela indústria, daquela fábrica.

Então são descartados! Muitas vezes como se descarta uma máquina que não serve mais!

E, por fim, a última etapa do caminho do trabalho, que nos remete à primeira etapa: a retomada da busca pelo trabalho.

O 5º momento do caminho do trabalho é, pois, a retomada da busca pelo trabalho

Alguns dos obstáculos que terão de ser enfrenta-dos pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras nessa retomada da busca pelo trabalho são:

1. o grande número de desempregados23;

23 “En definitiva, hemos entrado en un contexto en el que la extensión y la generalización del mercado ha provocado que los derechos humanos comiencen a considerarse como “costes sociales” de

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2. as listas discriminatórias, elaboradas e compar-tilhadas por empresas, que possuem, de regra, o mes-mo tipo de atividade;

São listas que relacionam trabalhadores que ajui-zaram ações contra a empresa, que são portadores de HIV, que “reclamam” muito, que são homossexuais, etc

Outros obstáculos a serem enfrentados na reto-mada da busca pelo emprego são:

3. as exigências de certidões negativas de débitos – consultas ao SPC, SERASA;

4. as informações, (chamadas por alguns de informa-ções desabonatórias) prestadas por ex-empregadores;

5. novamente a discriminação está presente (mes-mos estereótipos já referidos);

6. a ausência de qualificação.

Nesse ponto pode surgir a indagação: e o que tudo isso tem a ver com assédio moral? absolutamente tudo, pois é nesse contexto que vivem os trabalhadores brasileiros, é nesse contexto que vivem os trabalhado-res vítimas de assédio moral.

Portanto, é nesse contexto que devemos analisar as situações de assédio moral no trabalho!

É nesse contexto que devem ser propostas as ações de assédio moral, conduzidos os inquéritos ci-vis, firmados os termos de ajustamento de conduta e julgados os casos de assédio moral no trabalho!

É nesse contexto que toda a legislação existente deve ser aplicada!

E aí propõe-se a necessidade de um novo olhar de todos os profissionais que lidam com vítimas de assé-dio moral no trabalho; e, em especial, de os profissio-nais da área jurídica.

las empresas que hay que ir suprimiendo en nombre de la com-petitividad”. La Complejidad de los Derechos Humanos. Bases Teóricas para una Definición Crítica Joaquín Herrera Flores, p. 3.

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III: A necessidade de um novo olhar dos profissionais da área jurídica

E que novo olhar é esse? É um olhar que leve em conta tanto os preconceitos arraigados em cada pes-soa; e que leve em consideração, especialmente, as si-tuações de discriminação que podem decorrer desses preconceitos.

E um olhar que também considere o contexto em que vivem os trabalhadores brasileiros.

Ter um novo olhar em questões de assédio não significa sermos mais ou menos condescendente na hora de julgar uma ação, mas que, necessariamente, tenhamos esse “caminho do trabalho” percorrido pelos trabalhadores, em mente, quando ouvirmos; ou mes-mo, antes de dizermos, frases como: “mas por que não saiu do emprego?”; “mas por que ‘se deixou’ assediar desse jeito?”; “como só se deu conta do assédio tanto tempo depois de ter começado?”; “por que não denun-ciou o assédio?” E tantas outras que ouvimos por aí!

O que se propõe é uma “intersecção” entre a técni-ca (nesse momento técnica jurídica) e a realidade social.

E é fundamental, para falar nessa intersecção en-tre a técnica e a realidade social, saber que, se por um lado temos tecnologias que são superadas de forma cada vez mais rápida, o que obviamente tem reflexos no tra-balho, fazendo com que, talvez, fisicamente o trabalho, hoje, seja mais leve; de outro lado “psicologicamente o trabalho é cada vez mais áspero e pesado”, o que torna o mundo do trabalho cada vez mais penoso, sendo exigido das pessoas que trabalhem cada vez mais, em condições que são psicologicamente mais duras a cada dia24.

E, não só para reconhecer essas condições psico-lógicas cada vez mais duras, mas, principalmente para

24 Marie France Hirigoyen em http://www.assediomoral.org/spip.php?article214, consulta em maio de 2010.

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ter em mente essas condições quando do julgamento de uma ação, por exemplo, é fundamental um olhar que vá além do superficial, do aparente; a ponto de, ao lidar com trabalhadores vítimas ou testemunhas de assédio moral, tenha-se um agir que não desconsidere, que não ignore essas condições e as dores decorrentes delas, as quais não são mensuráveis (em graus, em números, em tabelas), enfim, as dores que não podem ser medidas.

Para isso é necessária uma atenção e uma dedi-cação diferenciadas, sob pena de não conseguirmos, sequer entender “o que é” o assédio moral no trabalho.

O principal momento em que essa compreensão diferenciada, tanto do contexto no qual estão inseridos os trabalhadores e as trabalhadoras, quanto das dores que esse contexto e o próprio assédio moral causam, diz respeito à produção das provas, nos inquéritos civis ou nas audiências judiciais, as quais são essencialmen-te testemunhais, pois poucas vezes há alguma grava-ção ou algo escrito que prove o assédio. Isso significa chamar para prestar depoimento o trabalhador vítima de assédio e seus colegas de trabalho.

O depoimento da vítima de assédio requer um tempo de audiência bem superior ao que é necessário em inquéritos ou em audiências que envolvam outros tipos de denúncia ou de pedidos, pois quase sempre, os trabalhadores assediados têm muita dificuldade de falar sobre os fatos ocorridos em seu trabalho, de revi-ver as situações pelas quais passou.

Essa situação é tão séria que os autores referem se tratar de um novo assédio pelo qual o trabalhador tem de passar para ver reconhecidos seus direitos.

Mas não basta um tempo maior, é necessário aquilo a que médica Margarida Barreto no preâmbulo de sua obra – Violência, saúde e trabalho – referindo-se ao “encontro médico-paciente”, definiu como “garan-

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tir a palavra ao excluído”, “garantir o espaço do colo-car-se sem pressa, sem censuras ou cerceamento às perguntas”25.

As audiências com trabalhadores vítimas de assé-dio duram, muitas vezes, mais de duas horas, tempo que é, muitas vezes imprescindível para a compreen-são da situação de assédio, ao contrário do que possa parecer a um olhar mais superficial.

Temos, portanto, todos os profissionais da área ju-rídica, como, de resto, todos os profissionais que lidam com vítimas de assédio moral, de fato ouvir o que ele tem para nos dizer, valorizando sempre todas as condi-ções em que esses fatos ocorreram.

Em relação aos colegas do trabalhador assedia-do, uma das principais dificuldades com as quais nos deparamos por ocasião da tomada dos depoimentos é a dificuldade de confirmação do que ocorreu, o que dificulta a atuação do Ministério Público do Trabalho e a caracterização do assédio.

Trata-se, utilizando outra expressão de Margarida Barreto, de um “pacto de tolerância e silêncio” entre os trabalhadores colegas do trabalhador vítima de assé-dio.

Porém, antes de tachar esse trabalhador de fraco ou de covarde temos que lembrar que, da mesma for-ma que o trabalhador assediado, o seu colega também se insere no mesmo contexto que ele.

E, antes de dispensá-lo de prestar depoimento, buscar alguma forma de fazê-lo entender que ajudar seu colega hoje, é uma forma de evitar que ele seja o próximo a ser assediado no trabalho.

O que não podemos esquecer é que se o assédio moral é um processo no qual o trabalhador vai sendo,

25 Margarida Barreto. Violência, Saúde e Trabalho: uma jornada de humilhações, 2ª reimpressão, São Paulo, EDUC, 2006, p. 25.

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aos poucos, moído, esmagado, separado de sua digni-dade, de sua humanidade; a única forma de ajudá-lo é lhe valorizando e valorizando sua história e seu sofri-mento; e lhe ajudando a reconhecer os valores que jul-ga ter perdido com o assédio; e, para isso, os profissio-nais envolvidos nesse processo têm que, de fato, estar envolvidos com esse trabalhador e com sua história.

Conclusão Visto isso, resta o direito à felicidade!E, por que falar em felicidade? Porque se o vetor

a partir do qual todo o sistema jurídico brasileiro deve ser entendido é a dignidade humana, isso tem de ser interpretado juntamente com o direito que todos têm de ser felizes.

O direito à dignidade e o direito à felicidade são os direitos que nos igualam e que nos traduzem como seres humanos.

E a proposta de uma nova abordagem sobre o as-sédio moral no trabalho, que parta da análise de nos-sos preconceito e da discriminação que daí possa ad-vir, passe pela consideração do contexto em que se inserem os trabalhadores brasileiros e conclua pela necessidade de um novo olhar dos ditos profissionais do direito em relação a essa forma de violência visa a garantir que todos tenham o direito de lutar por aquilo que os faz feliz!

Lutar contra o assédio moral no trabalho é lutar para que a dignidade da pessoa humana e o valor so-cial do trabalho deixem de apenas constar no art. 1º da Constituição Federal dentre os fundamentos da Repú-blica Federativa do Brasil, para se tornarem, de fato, uma realidade para todos os trabalhadores e as traba-lhadoras brasileiros.

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AGEÍSMO: A DISCRIMINAÇÃO DOS IDOSOS NAS RELAÇÕES DE EMPREGO NO BRASIL

Maria Cristina Sanchez Ferreira1

1 INTRODUÇÃONo mundo ocidental, vem surgindo a problemática

da discriminação do idoso, fenômeno também designa-do de “ageísmo”.

A discriminação por idade, dos mais velhos, cons-titui-se em um fenômeno relativamente recente na his-tória, tendo se destacado a partir do século XX.

O envelhecimento da população de forma maciça constitui-se em uma novidade na sociedade brasilei-ra, e decorre da melhoria das condições sanitárias, de saúde, de higiene pública, dos avanços da medicina e da popularização dos meios de prevenção e tratamento das doenças. Isso faz com que haja mais candidatos idosos concorrendo às vagas de emprego, o que au-menta a competição na busca do emprego, propician-do, entre outras mazelas, o surgimento de discrimina-ção contra os idosos.

A população idosa vem aumentando a cada déca-da, o que tende a agravar o problema. Nesses termos, seguem os dados publicados pelo IBGE:

Segundo o IBGE, nos próximos 20 anos, a população idosa do Brasil poderá ultrapassar os 30 milhões de pessoas e deverá represen-tar quase 13% da população ao final deste período. Em 2000, segundo o Censo, a po-pulação de 60 anos ou mais de idade era de 14.536.029 de pessoas, contra 10.722.705 em 1991. O peso relativo da população idosa no

1 Procuradora do Trabalho no MPT-RS

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início da década representava 7,3%, enquanto, em 2000, essa proporção atingia 8,6%. (INSTI-TUTO ..., 2002, documento eletrônico).

Além disso, a facilitação do acesso da população à informação, desde o advento da indústria gráfica, e com a internet e seu uso generalizado, fez com que os mais velhos perdessem, em grande parte, para o senso comum, seu valor social de seres com o domínio do conhecimento e de sabedoria acumulada pela experi-ência de vida.

FURTADO, analisando o fenômeno, relaciona vá-rias razões que contribuem para o decréscimo do res-peito relativamente aos mais velhos:

O êxodo rural, a urbanização da habitação, a extinção das famílias numerosas, o fim dos laços familiares, as dificuldades financeiras, o não-aproveitamento da mão-de-obra do traba-lhador de mais idade, o conflito de gerações, a transferência da responsabilidade, o avan-ço da tecnologia e alguns aspectos culturais. (FURTADO, 2006, p. 817).

O não-aproveitamento da mão-de-obra do tra-balhador de mais idade, a sua dificuldade para obter emprego, e também para se manter empregado, têm especial relevância nos dias de hoje, sobretudo ao se considerar que a sociedade está mais competitiva.

Não se trata de analisar a questão do trabalhador idoso que faz jus à aposentadoria. O problema surge quando o trabalhador se vê desempregado em idade que não lhe permite obter aposentadoria, e não logra ser admitido em outro emprego por não ser mais ser jovem, sendo discriminado em razão de sua idade.

Essa discriminação provoca consequências que transcendem o problema do idoso. O trabalhador de mais idade, não aposentado, quando não obtém em-prego formal, precisando trabalhar para o seu sustento,

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acaba por aceitar uma colocação em posto de trabalho não-formal, o que estimula a precarização do trabalho, com todos os efeitos nefastos que dela decorrem e que se projetam em toda a sociedade.

A precarização do trabalho, como consequência da discriminação do trabalhador idoso, vem sendo ob-servada, também, em outros países. O professor argen-tino VIVOT aborda a questão, ao analisar o problema do idoso que não obtém emprego em um posto formal:

Quando chega a hora de se aposentar, a persis-tência em tal situação, com escasso ou nenhum benefício do seguro desemprego, cria uma si-tuação social que leva a uma frustração real. E aqui aparece outro abuso freqüente , que é o de levá-los a trabalhos temporários, bicos, ou tarefas de difícil aceitação por outros, que acei-tam que não têm outra possibilidade de seguir adiante, especialmente quando eles têm obriga-ções familiares. (Vivot, 2000, p. 199)2

Ademais, o trabalho, além de se mostrar essencial para a obtenção do sustento do trabalhador se consti-tui, também, em importante instrumento de concretiza-ção da dignidade humana.

Impedir o acesso do trabalhador ao trabalho em razão de sua idade, estando ele apto ao exercício da atividade profissional, constitui-se em ato flagrantemen-te violador dos princípios da igualdade e da não-discri-minação. Como leciona DELGADO: “[ . . . ] o direito fundamental ao trabalho compõe o núcleo essencial da

2 Mientras llega el tiempo de jubilarse, la persistencia em tal si-tuación, com magros o inexistentes beneficios de seguro por desempleo, genera uma situación social que lleva a uma ver-dadera frustración. Y aqui aparece outro abuso frecuente, el de tomarlos para trabajos transitorios, changas os tareas de difícil aceptación por otros, que acéptan porque no tienen outra possi-bilidad para seguir adelante, más aún cuando tienen obligacio-nes familiares. (VIVOT, 2000, p. 199).

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dignidade, eis que capaz de garantir um padrão mínimo de existência para o ser humano.” (2008, p. 563).

A Constituição Federal de 1988 estabelece que a dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III), assim como os valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso IV), relacionando, a seguir, como objetivos fundamentais do país a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e mar-ginalização, bem como a redução das desigualdades sociais, e a promoção do bem de todos, sem precon-ceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer ou-tras formas de discriminação (art. 3º, incisos I, III e IV).

No art. 7º, inciso XXX, a Constituição Federal de 1988 veda expressamente o estabelecimento de dife-rença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de idade, entre outros motivos discriminatórios. Como se pode observar, a discrimi-nação dos idosos é fortemente vedada na Constituição brasileira. O que se faz necessário, portanto, é dar efe-tividade às previsões constitucionais. (BRASIL, 1988).

A questão da discriminação por idade, dos idosos, vem ocorrendo no mundo inteiro. Dessa preocupação, já presente em outros países, surgiu o termo “ageís-mo”, que é compreendido como um processo de es-tereotipar e discriminar os idosos pelo fato de serem idosos, assim como o racismo e o sexismo são expres-sões utilizadas para se referir à cor da pele e ao sexo.

Sobre a terminologia, esclarece COUTO:O termo ageísmo foi utilizado pela primeira vez em 1969 por Robert Butler (Minichiello, Brow-ne & Kendig, 2000), que o definiu como uma forma de intolerância relacionada com a idade, ou seja, qualquer pessoa poderia ser alvo de discriminação pela idade que tem, sendo crian-ças e idosos os grupos mais vulneráveis (Nus-

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sbaum, Pitts, Huber, Krieger & Ohs, 2005). Mais tarde, Palmore (2004) definiu o termo como forte pre conceito e discriminação contra pessoas idosas. Trata-se, para o autor, do ter-ceiro grande “ismo” identificado nas socieda-des ocidentais após o racismo e o sexismo. No entanto, o ageísmo difere dessas duas formas de preconceito e de discriminação porque teo-ricamente qualquer pessoa pode ser atingida por ele ao longo de sua vida e desde que viva o suficiente para envelhecer. (COUTO ... et al., 2006, p. 321-322).

Há, atualmente, na sociedade, e também no am-biente laboral do país, discriminação por idade, afe-tando não só os jovens, quando de seu ingresso no mercado de trabalho, como também e em especial as pessoas mais velhas e, quanto a estas, não só quando de sua admissão no emprego, como também na fase da extinção contratual – temáticas que serão particula-rizadas nesta pesquisa.

A questão afeta aos jovens, à dificuldade que en-contram no início de sua vida laboral, tem obtido maior atenção dos estudiosos, dos operadores do Direito e mesmo da legislação, por meio dos esforços de inú-meras ações afirmativas. Citem-se, a respeito, as Leis n.º 11.129/05 e n.º 11.692/08, que instituem o Progra-ma Nacional de Inclusão dos Jovens. (BRASIL, 2005 e 2008).

Também o indevido ingresso prematuro de crian-ças no mercado de trabalho vem merecendo atenção da sociedade, do Direito, e dos órgãos de fiscalização, sendo coibida de forma crescente.

As dificuldades que os mais velhos vêm enfrentan-do em um mundo em que cresce o desemprego, não tem sido, contudo, objeto de maior debate da socieda-de.

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No Brasil, é legalmente atribuída a condição de idoso àquele que possui idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, conforme o Estatuto do Idoso, Lei n.º 10.741/03. (BRASIL, 2003).

FURTADO constata que “[ . . . ] o fato de se beirar a casa dos 30 a 35 anos é suficiente para que o mercado rejeite trabalhador em tal faixa etária, sendo bem mais difícil que tal pessoa venha a conseguir emprego.”(2006, p. 817). E, prossegue, demonstrando que a discrimina-ção não se dá apenas na admissão ao emprego, mas também quando da extinção do contrato: “É comum, ou-trossim, acontecer de uma vez já empregado, na hora de reduzir quadros, os primeiros a serem descartados estarem exatamente entre os que giram por essa faixa de idade em diante.” (FURTADO, 2006, p. 817).

A discriminação, nestes casos, não é explícita, mas se manifesta em todos os segmentos laborais. E se dá, como visto, tanto na admissão de idosos, que são preteridos na contratação em detrimento de tra-balhadores mais jovens, como na extinção contratual, em que a perda do emprego recai sobre os trabalha-dores de maior idade, sendo mantidos os mais jovens em seus postos de trabalho. Há casos, ainda, em que os idosos são demitidos para a contratação de jovens para substituí-los nos postos de trabalho, o que tam-bém caracteriza o ageísmo.

2 A DISCRIMINAÇÃO POR IDADE COMO AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição Federal de 1988 objetiva instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a asse-gurar a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade sem preconceitos, assim como garante

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o direito à igualdade e à não-discriminação por idade na admissão de trabalhadores, dentre outras proteções anti-discriminatórias. (BRASIL, 1988).

Como bem leciona DELGADO: “A relevância no Direito atual, do combate antidiscriminatório erigiu ao status de princípio a idéia de não-discriminação.” (2004, p. 774).

Sob a luz destes pilares de sustentação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, o ageísmo se apresenta como uma modalidade de discriminação que, a despeito de vedada pelos superiores princípios constitucionais, é praticada de forma disseminada na sociedade brasileira, merecendo especial atenção para que seja dada efetividade ao que preceitua a Constitui-ção Federal de 1988.

No Brasil, a proteção legal aos idosos é recente e surgiu inicialmente na legislação previdenciária que, de início, caracterizou como idosa a pessoa com setenta ou mais anos de idade.

A Lei n.º 6.179/74 foi precursora ao instituir, pela primeira vez no país, amparo para os maiores de 70 (setenta) anos que não aufiram rendimentos, ou os aufiram em valor inferior a 60% do salário mínimo da região, e não tenham meios de prover o próprio sus-tento. (BRASIL, 1974).

A Lei n.º 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Previdência Social, institui benefícios de prestação continuada para maiores de 70 anos. (BRASIL, 1993).

A Lei n.º 8.842/94, que instituiu a política nacional do idoso, é a primeira que atribui a condição de idoso a aquele que tiver 60 ou mais anos de idade. (BRASIL, 1994).

Percebe-se que a idade adotada como marco para o início da fase de vida denominada velhice foi 70 anos, reduzindo-se, a seguir, para 60 anos.

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Atualmente, a proteção ao idoso é objeto do Esta-tuto do Idoso, Lei n.º 10.741/03, que estabelece a idade de 60 anos para caracterizar a pessoa objeto de sua proteção. (BRASIL, 2003).

O estatuto estabelece, em seu artigo 1º, que “É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.” (BRASIL, 2003).

Quanto à proibição de discriminação no emprego, além da previsão constitucional a respeito, art. 7º inciso XXX3, ela é objeto da Lei n.º 9.029, de 13 de abril de 19954.

Referida lei proíbe a exigência de atestados de gravidez e de esterilização, bem como de outras prá-ticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência na relação de emprego. Estabelece, ain-da, que o rompimento do vínculo por ato discrimina-tório assegura ao trabalhador a sua readmissão, com salários do afastamento ou a percepção dos salários do período em dobro. Registre-se que entre as causas de discriminação apontadas na lei, (que arrola algumas causas), está a idade. (BRASIL, 1995).

A jurisprudência, contudo, tem se inclinado a, por analogia, aplicar a Lei n.º 9.029/96 também aos casos de discriminação que não estejam nela expressamente relacionados, uma vez que a prática da discriminação viola vários princípios constitucionais. (BRASIL, 1996).

A Constituição Federal de 1988, além de vedar a discriminação no emprego, especificamente no seu art.

3 XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou es-tado civil.

4 Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóte-ses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

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7º inciso XXX, acima referido, consagra o princípio da não-discriminação em seus arts. 1º inciso III, 3º incisos I, III e IV, 4º inciso VIII, 5º, caput e incisos I, XLI e XLII, 7º incisos XXX, XXXI e XXXII5.

A violação aos princípios constitucionais permite que, embora determinadas causas de discriminação não obtenham referência na Lei n.º 9.029/95, e não é possível que a lei aponte todas as possibilidades a respeito, por analogia ela possa atingir outras situações. O importante, sempre, é que restem bem demonstradas a prática do ato discriminatório e a intenção de discriminar.

5 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união in-dissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, cons-titui-se em Estado Democrático de Direito e tem como funda-mentos:... III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federa-tiva do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; ... III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as de-sigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas rela-ções internacionais pelos seguintes princípios: ... VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-dentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; ... XLI - a lei punirá qualquer discrimi-nação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ... XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de de-ficiência; XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.

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Quanto aos jovens, tanto a Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, inciso XXXIII6, como a CLT, no art. 4037, proíbem a admissão de menores de 16 (de-zesseis) anos, a não ser na condição de aprendiz, bem como a admissão de menores de 18 (dezoito) anos para determinadas atividades, nos termos de seu art. 4048.

Há vários outros artigos na Consolidação das Leis do Trabalho regulando o trabalho de adolescentes. Não se trata, aí, de discriminação negativa. A discriminação é positiva e se constitui na adoção de critérios prévios e gerais, que atingem a todos, visando justamente à proteção e tutela dos menores.

Registre-se que a discriminação a ser combatida é a discriminação negativa, destituída de qualquer vin-culação a fundamento razoável e geralmente fundada em puro preconceito.

Tem-se, também, na legislação infraconstitucio-nal, as disposições antidiscriminatórias do art. 373-A da CLT9, com a redação dada pela Lei n.º 9.799/99. Este

6 Art. 7º, XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insa-lubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

7 Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos qua-torze anos.

8 Art. 404 - Ao menor de 18 (dezoito) anos é vedado o trabalho noturno, considerado este o que for executado no período com-preendido entre as 22 (vinte e duas) e as 5 (cinco) horas.

9 Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a cor-rigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e noto-riamente, assim o exigir; II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do traba-lho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de

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artigo está inserido no capítulo III da CLT, que trata da proteção da mulher, e na seção I, que versa sobre a duração, condições do trabalho e discriminação con-tra a mulher, mas veda expressamente também outras espécies de discriminação, desvinculadas do gênero, inclusive em razão da idade. (BRASIL, 1999).

3 PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃOPreconceito e discriminação são dois termos utili-

zados muitas vezes como se tivessem o mesmo senti-do. Há, contudo, diferenças entre eles.

O preconceito constitui-se em um conceito prévio, formado antes de a pessoa ter maiores conhecimentos a respeito da matéria, ou seja, um conceito que não tem fundamento, que não tem base fática nem científica.

HOUAISS conceitua o preconceito como: “Idéia, opinião, ou sentimento desfavorável, formado a prio-ri, sem maior conhecimento, ponderação ou razão.” (2001, p. 2.922).

gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação pro-fissional e oportunidades de ascensão profissional;IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para com-provação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou perma-nência no emprego; V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferi-mento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou es-tado de gravidez; VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. Parágrafo único. O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mu-lheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher.

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Observe-se, portanto, que o termo preconceito se vincula a um sentimento interno do indivíduo, nem sempre exteriorizado.

A discriminação, juridicamente apreciada, consis-te, em síntese, na prática de ato que viole o princípio da igualdade. Há, assim, por meio da discriminação, uma exteriorização do preconceito.

RIOS conceitua a discriminação como:[ . . . ] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha o propósito ou o efei-to de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em é de igualdade de direi-tos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômicos, social, cultural ou em qualquer campo da vida pública. (2008, p. 20).

Assim, enquanto o preconceito constitui-se em um sentimento interno, a discriminação ocorre quando, em razão de tal despropositado sentimento, é praticado ato que viole o princípio da igualdade.

Embora o preconceito e a discriminação não se confundam, o preconceito constitui-se, em grande par-te das vezes, na causa da discriminação, uma vez que em razão dele é que é praticado o ato discriminatório.

COUTINHO aponta outras causas de discrimi-nação, além do preconceito, como, por exemplo, o in-teresse de um grupo em manter seus privilégios e as razões econômicas. (2003).

A causa de discriminação das mulheres por razões econômicas seria, por hipótese, uma empresa evitar a contratação de trabalhadores do sexo feminino porque supostamente ensejariam aumento nos seus custos operacionais em razão da proteção à mulher estabe-lecida na lei.

A Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, promulgada no Brasil pelo Decreto

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n.º 62.150 de 19.01.1968, versa sobre discriminação em matéria de emprego e profissão e conceitua discri-minação em seu artigo 1º100. (BRASIL, 1968).

Estabelece tratar-se de toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opi-nião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de empre-go ou profissão e também de qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão.

A Convenção n.º 111 da OIT embora não relacio-ne, no item “1.a”, de seu artigo 1º, a idade, especifica-mente, como causa de discriminação, no seu item “1.b” estabelece tratar-se de rol aberto, meramente exem-plificativo dos critérios de diferenciação que não são admitidos. É expressamente permitida a inserção, no âmbito de caracterização de discriminação, de quais-quer outras distinções, exclusões ou tratamentos que alterem ou destruam a igualdade de oportunidades e tratamento em matéria de emprego ou profissão.

No Brasil, no que diz respeito à discriminação de idosos quando da admissão no emprego, a vedação expressa surge na Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, XXX, já referido, que veda expressamente a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de idade, entre outros critérios de diferenciação.

Observe-se, ainda, de acordo com o conceito que é fornecido pela Convenção n.º 111, que não é toda a distinção, exclusão ou preferência fundada em determi-

10 Art. 1º, item 2 – As distinções, exclusões ou preferências funda-das em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação.

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nadas características do indivíduo que se constitui em discriminação, mas tão somente aquelas que tenham por efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de emprego ou profissão. Ou seja, para que o ato seja tido como discriminatório ele deve, ne-cessariamente, violar o princípio da igualdade. Esse é o cerne da discriminação: a violação do princípio da igualdade.

Não constituem discriminação, portanto, e confor-me item 2, do art. 1º, da Convenção n.º 111, as distin-ções fundadas em qualificações exigidas para determi-nado emprego�11. (BRASIL, 1968).

Conforme lecionam ROBORTELLA E BOUCI-NHAS FILHO:

Há discriminação quando o empregador impe-de a contratação ou a continuidade de relação de trabalho por motivo arbitrário, entendido este como a utilização de critérios de raça, cor, etnia, sexo, deficiência física ou mental, orien-tação sexual, religião, sem correlação lógica com a diferença. (2008, p. 57).

Quando a contratação não se dá por outros moti-vos, em que não se verifica arbitrariedade, como nos casos de necessária qualificação para o exercício da função, por exemplo, não há discriminação.

3.1 Discriminação Direta, Indireta e OcultaDiscriminação direta é a discriminação declarada,

explícita, que muitas vezes, inclusive, consta das di-retrizes da empresa, embora raramente de forma es-crita. Isso porque é difícil, nos dias de hoje, cogitar que uma empresa declare, por exemplo, não contratar maiores de determinada idade. Pode haver a prática de tal discriminação, mas na quase totalidade das ve-

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zes, embora haja uma orientação discriminatória, ela não é expressa, não é declarada, manifestando-se de forma velada.

Discriminação indireta, por sua vez, é a discrimi-nação não intencional. É a discriminação que, embora não tenha o propósito de violar a igualdade relativa-mente a determinado grupo, tem o efeito de fazê-lo. O empregador adota determinado critério, aparentemen-te neutro, seja para a admissão, para a manutenção do emprego, como para a demissão, que recai de forma indevida e com maior impacto sobre determinado gru-po protegido pelo princípio da igualdade, tendo o efeito de prejudicá-lo, ainda que não de forma proposital.

A discriminação indireta distingue-se da direta, portanto, quanto à intenção, ao propósito. O critério adotado apresenta-se formalmente neutro, mas, quan-do aplicado, tem por consequência afastar determina-do grupo do acesso ao emprego (ou da manutenção do emprego, ou da demissão). É o caso, por exemplo, de exigência de determinada escolaridade para a contra-tação, escolaridade esta absolutamente desnecessária para o exercício da função, que acaba por afastar da possibilidade de contratação pessoas que integram de-terminado grupo, que tem menor acesso à educação.

O conceito é oriundo dos Estados Unidos (dispara-te impact). “A adoção e o desenvolvimento do conceito de discriminação indireta nos diversos ordenamentos jurídicos, nacionais e supranacionais, encontram sua origem precisamente no direito da antidiscriminação norte-americano.” (RIOS, 2008, p. 118).

Duas são, portanto, as características da discrimi-nação indireta em matéria de emprego: a exigência do preenchimento de determinado requisito para o acesso ao emprego (ou manutenção etc.), que não mostra per-tinência com a atividade a ser desenvolvida pelo traba-

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lhador e que tal exigência recaia de forma despropor-cional sobre determinado grupo de modo a violar em relação aos seus integrantes o princípio da igualdade.

Por fim, discriminação oculta é a que pressupõe a intenção de discriminar, embora seja a ela dada uma roupagem diversa, objetivando justamente disfarçar esta intenção. Na hipótese, e diversamente da discri-minação indireta, o motivo não declarado é especifica-mente o de discriminar. Trata-se de uma discriminação que formalmente não se apresenta como tal, porque decorre de exigências aparentemente neutras. O que há é que ao exigir para a contratação o preenchimento pelos candidatos de determinados requisitos, o objeti-vo é justamente o de alterar a igualdade, fazendo com que a contratação recaia sobre trabalhadores que não se enquadrem em determinada situação que é inde-sejada. Pode-se cogitar, por exemplo, de uma empre-sa que, não desejando contratar mulheres, exija dos candidatos que se mostrem disponíveis para viagens frequentes, na verdade inocorrentes. Com isso a em-presa faz com que muitas mulheres que tenham filhos pequenos não se candidatem ao emprego, alijando, as-sim, do processo de seleção, trabalhadoras que pode-riam muito bem exercer a função que na verdade não exige afastamento do lar.

A discriminação indireta caracteriza-se, portanto, pela exigência do preenchimento pelo candidato de determinados requisitos não vinculados à condição da prestação laboral, mas que por si afastam integrantes de determinado extrato social, por exemplo.

3.2 Discriminação Positiva e NegativaOutra distinção que merece ser apreciada é entre

a discriminação positiva e a discriminação negativa.

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Discriminação negativa é a discriminação que vio-la o princípio da igualdade, que decorre do preconcei-to, e que é repudiada pelo Direito. Em contrapartida, a discriminação positiva é como se denomina a discrimi-nação que visa a justamente suplantar a desigualdade. É o oferecimento de tratamento igual aos iguais e desi-gual aos desiguais, fazendo uso, assim, da concepção aristotélica de igualdade, com a finalidade de obter o desejado equilíbrio.

OLIVEIRA NETO bem diferencia estes dois tipos de discriminação, ao conceituar a discriminação positiva.

É aquela representada por políticas públicas destinadas a eliminar situações de desigualda-de maior. É o caso, por exemplo, do sistema de quotas estabelecido em algumas univer-sidades, fundado na utilização de um critério de diferenciação voltado a eliminar a situação histórica de desigualdade existente. A discrimi-nação positiva representa mecanismo próprio da tutela do princípio da igualdade. (2006, do-cumento eletrônico).

OLIVEIRA NETO conclui que não basta proibir a discriminação, ou mesmo instituir medidas de comba-te à prática de atos discriminatórios, sendo necessária uma atuação mais ampla em prol dos discriminados, que é o que vem inspirando as políticas de ações afir-mativas, que objetivam suplantar a desigualdade na re-alidade. (OLIVEIRA NETO, 2006).

Exemplo de ação afirmativa no Brasil se consti-tui na reserva de percentual de vagas aos portadores de deficiência, tanto no acesso aos cargos e empregos públicos, como na iniciativa privada, em que as empre-sas com mais de 100 empregados devem preencher parte das vagas com portadores de deficiência (Leis n.º 8213/91, n.º 7853/89 e Decreto Lei n.º 3298/99). (BRA-SIL, 1991, 1989 e 1999).

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Observe-se que a discriminação positiva é admi-tida pela Convenção n.º 111 da OIT, já referida, que restringe o conceito de discriminação ao ato que obje-tive anular ou alterar a igualdade de tratamento ou de oportunidades em matéria de emprego ou profissão. A discriminação positiva, visando a fomentar o emprego a pessoas desfavorecidas não resta, assim, incluída no conceito de discriminação a ser combatida.

A Constituição Federal de 1988 prevê a discrimi-nação positiva, objeto de política do Estado, em vários de seus artigos, convém ainda salientar (arts. 37 inci-so VIII, 203 incisos IV e V, 208 inciso III, 227 caput, § 1º e inciso II e 244)11. (BRASIL, 1988).

11 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoa-lidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao se-guinte: ...VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão; Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela neces-sitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:...IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de bene-fício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: ...III - atendimento educacional espe-cializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado asse-gurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber-dade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, explora-ção, violência, crueldade e opressão. § 1º - O Estado promove-rá programas de assistência integral à saúde da criança e do

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4 A DISCRIMINAÇÃO POR IDADE NAS RELAÇÕES DE EMPREGO

A proteção aos empregados em face de condutas discriminatórias se destina às duas extremidades da pirâmide etária, ou seja, aos jovens e aos velhos, uma vez que tanto um quanto o outro podem ser objeto de preconceito.

No caso particular desta pesquisa, será aprofun-dada a questão do preconceito em relação aos idosos e preteridos pelo empregador em razão da idade.

4.1 Discriminação dos Idosos Os idosos são discriminados especialmente nes-

tas oportunidades: na admissão ao emprego, na manu-tenção do emprego e na extinção contratual.

4.1.1 Na Admissão ao EmpregoA Constituição Federal de 1988, nos arts. 3º inciso

IV, e 7º inciso XXX já referidos, proíbe a adoção de cri-térios de admissão em razão da idade, nada referindo quanto aos critérios de manutenção no emprego e de demissão. (BRASIL, 1988).

adolescente, admitida a participação de entidades não gover-namentais e obedecendo os seguintes preceitos: ... II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de defici-ência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.

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A Lei n.º 9.029/95, também já invocada acima, é que vem proibir expressamente a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de idade (dentre outras causas de discriminação), bem como estabelecer o direito de o empregado escolher se quer ser readmitido ou perceber em dobro os salários relativos ao período de afastamento, caso o rompimen-to da relação de trabalho se dê por ato discriminatório. (BRASIL, 1995).

A legislação infraconstitucional é mais abrangen-te, portanto, visando a impedir não só a discriminação na admissão, como na manutenção do contrato, e na demissão.

O que corre, na prática, é que os trabalhadores de mais idade têm sido preteridos na admissão em favor dos mais jovens, em que pese não seja permitido pela lei.

A sociedade atual cultua a juventude e isso inter-fere, também, na seleção do trabalhador para o preen-chimento de uma vaga.

Quando a juventude é vista como uma qualidade ou uma virtude, a idade avançada dos mais velhos pas-sa a ser tida como um problema a ser evitado. Uma situação que merece registro é a constatação de que o Estatuto dos Idosos tenha provocado uma discrimi-nação positiva indireta para os idosos. Explica-se: a prioridade no atendimento em órgãos públicos e pri-vados12 e a gratuidade de transporte coletivo para os

12 Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à edu-cação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compre-ende: I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população.

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maiores de 65 (sessenta e cinco) anos13, estabelecidos pelo Estatuto dos Idosos, gerou um maior interesse na contratação de trabalhadores que se enquadram neste segmento de idade. (BRASIL, 2003).

A gratuidade de transporte coletivo criou a situa-ção de o empregador de trabalhador idoso não arcar com o custo da condução deste trabalhador, nem para ir e vir do trabalho, nem para os seus deslocamentos a serviço. A sua prioridade no atendimento em órgãos públicos e privados, por outro lado, agiliza o seu traba-lho, quando ao idoso é atribuído o exercício de funções que englobem atividades de tal ordem.

A coordenadora de pesquisa da área de popula-ções e cidadania do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ANA AMÉLIA CAMARANO é quem re-gistra este fato:

O office-idoso está ocupando o lugar do office-boy. Como ele possui benefícios como vale-transporte gratuito do governo e atendimento especial em bancos, a empresa possui um funcionário que não tem a agilidade do jovem mas representa menos gastos. (TARAPANO-FF, [2009], documento eletrônico).

Ou seja, a concessão de determinado benefícios aos idosos acabou por gerar outros efeitos (compará-veis a ações afirmativas indiretas), também em benefí-cio dos idosos, que não foram imaginados nem deseja-dos pelo legislador, embora sejam bem recebidos.

4.1.2 Na Manutenção do Emprego e na Extinção Contratual

Como já mencionada acima, embora a Constitui-ção Federal de 1988 declare, em seu art. 3º inciso IV,

13 Art. 39. Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegu-rada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quan-do prestados paralelamente aos serviços regulares.

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tratar-se de discriminação o tratamento diferenciado em razão de idade, proibindo expressamente a idade como critério de admissão, não há expressa vedação ao uso de tal critério para a demissão do empregado.

Na legislação infraconstitucional, como já visto, na Lei n.º 9.029/95 é que surge a vedação expressa a respeito. Ou seja, é proibida, no ordenamento jurídi-co brasileiro, a preterição de velhos por serem velhos, também quando da extinção contratual, seja porque há expressa vedação na legislação infraconstitucional, seja porque incompatível tal discriminação com os prin-cípios que regem a Constituição Federal brasileira.

O ordenamento jurídico brasileiro assegura ao em-pregador o direito potestativo de rescindir o contrato de trabalho de seu empregado de forma imotivada. Não há estabilidade no país, exceto em determinadas, específi-cas, e temporárias situações (hipóteses das estabilida-des provisórias ou garantias provisórias de emprego).. Mas este direito não é absoluto, devendo ser exercido em observância aos princípios da igualdade e da digni-dade humana. Se assim não for, o que se terá é o abuso de direito, repudiado pelo ordenamento jurídico.

O empregador, sob o pretexto de exercer o seu direito de despedir, não pode afrontar os princípios constitucionais da igualdade, da não-discriminação e da dignidade da pessoa humana, pilares do Estado De-mocrático de Direito.

Os direitos devem ser exercidos sem que os direi-tos dos demais sejam lesados. Quando o exercício de um direito importa em violação aos princípios constitu-cionais, e isso se dá quando da extinção contratual dis-criminatória, o que se tem é abuso do direito, repudiado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Embora o empregador possa livremente demitir, não pode fazê-lo em discriminação a integrante de de-

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terminado grupo que mereça proteção específica pelo preenchimento de determinadas características, nem em razão justamente de tais características. Inadmis-sível, assim, a adoção de critérios arbitrários para a de-missão, como, por exemplo, a idade (a não ser, é claro, que a idade avançada se constitua em empecilho ao exercício da própria atividade profissional).

Os artigos 26 e 27 do Estatuto do Idoso, Lei n.º 10.741/0314, já prevêem, ao assegurar ao idoso o exer-cício da atividade profissional, que sejam respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas, vedan-do, a seguir, a discriminação quando da admissão, a não ser que a natureza do cargo exija. (BRASIL, 2003).

Há, contudo, na lei, critérios de idade para a ruptu-ra do vínculo de emprego de idosos por aposentadoria. Não se trata, porém, de critérios discriminatórios, por-que são prévios e impessoais. Todos os que completam determinada idade, no serviço público, são aposenta-dos. E, na iniciativa privada, também podem sê-lo.

O art. 40, inciso II, da Constituição Federal de 198815 estabelece, para os servidores públicos, o limi-te máximo de idade para o exercício do cargo público, fixando-o em 70 (setenta) anos, data em que se dá a

14 Art. 26. O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.

Art. 27. Na admissão do idoso em qualquer trabalho ou empre-go, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir.

15 Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previ-dência de caráter contributivo e solidário, mediante contribui-ção do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equi-líbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo....

II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proven-tos proporcionais ao tempo de contribuição;

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aposentadoria compulsória. DI PIETRO justifica a exis-tência deste limite de idade no serviço público: “Justi-fica-se a norma uma vez que a idade de 70 anos cria uma presunção jure et de jure de incapacidade para o servidor público”. (BRASIL, 1988) (DI PIETRO, 1996).

Atualmente, há proposta de emenda constitucio-nal16 em tramitação, aumentando para 75 (setenta e cinco) anos a idade para a aposentadoria compulsória de servidores públicos.

Na iniciativa privada, é facultado ao empregador requerer a aposentadoria do empregado que tenha completado 70 (setenta) anos de idade, se do sexo masculino, ou 65 (sessenta e cinco), se do sexo femini-no, desde que cumprido o período de carência, confor-me art. 51 da Lei 8.213/9117. (BRASIL, 1991).

Registre-se que essas hipóteses de desligamen-to por aposentadoria não se constituem em demissões discriminatórias, porque partem de um critério legal, prévio e impessoal.

Como já dito anteriormente, a discriminação ca-racteriza-se quando há adoção de critérios arbitrários. Se há previsão legal estabelecendo aposentadoria ao se completar 70 (setenta) anos no serviço público, ou facultando ao empregador requerer a aposentadoria (caso cumprida a carência) de seu empregado que al-cance 65 (sessenta e cinco anos), se mulher, ou 70 (setenta), se homem, não há discriminação, porque o critério não é arbitrário, mas legal, prévio e impessoal.

16 PEC 457/05.17 Art. 51. A aposentadoria por idade pode ser requerida pela em-

presa, desde que o segurado empregado tenha cumprido o período de carência e completado 70 (setenta) anos de idade, se do sexo masculino, ou 65 (sessenta e cinco) anos, se do sexo feminino, sendo compulsória, caso em que será garantida ao empregado a indenização prevista na legislação trabalhista, considerada como data da rescisão do contrato de trabalho a imediatamente anterior à do início da aposentadoria.

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O que vem ocorrendo, contudo, e que caracteriza a discriminação no mundo do trabalho, é a preterição dos mais velhos em favor de jovens, mais velhos estes que sequer podem ser tidos como idosos e que muitas vezes estão na faixa dos 35 anos de idade apenas, ida-de objeto de preconceito e tida no mercado de trabalho muitas vezes como indesejada por elevada. E, em que pese não possam estes adultos ser tidos como velhos, consoante os critérios cronológicos adotados pela lei, eles fazem jus à proteção legal, porque violados em relação a eles, de igual modo, o princípio da igualdade.

Outra questão que merece ser comentada é a re-ferente aos planos de demissão voluntária, os conheci-dos PDVs, que têm sido oferecidos por muitas empre-sas aos trabalhadores mais velhos, muitas vezes aos que tem mais de 40 (quarenta) ou 45 (quarenta e cinco) anos de idade.

Ao aderir a tais planos, o trabalhador obtém algu-mas vantagens, na maioria das vezes muito precárias, como a manutenção do plano de saúde por mais 12 (doze) meses, alguma indenização além daquela legal-mente prevista, incidente sobre o FGTS (chamada de “multa” do FGTS), etc.

O objetivo de tais planos de demissão voluntária é fazer justamente com que os mais velhos se demitam da empresa, incentivando assim o seu desligamento voluntário. A prática pode, portanto, caracterizar discri-minação por idade. Em especial porque o que ocorre é que há, no bojo da proposta oferecida aos trabalha-dores mais velhos da empresa, uma ameaça velada de que, não aderindo à demissão voluntária, possa esse trabalhador vir a ser demitido, sem poder usufruir das vantagens ainda que precárias oferecidas. Daí que na maioria das vezes ocorre a adesão sem que o trabalha-dor deseje, efetivamente o desligamento. A opção se

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dá pelo receio do prejuízo, em uma fase da vida na qual a obtenção de emprego se fará mais difícil. O que o tra-balhador tem é o receio de logo adiante ser igualmen-te demitido, sem fazer jus aos benefícios oferecidos no PDV para um desligamento “voluntário”.

5 POSSÍVEIS SOLUÇÕESO ageísmo, como as demais práticas discriminató-

rias, necessita, para ser combatido, não só de leis. É certo que a existência de leis coibindo-o é importante e há leis que o coíbem, como visto. E faço, a respeito, es-pecial referência à Lei 9.029/95 que se volta fortemen-te contra a discriminação, gerando punição direta ao empregador que discrimina, punição esta que reverte em favor do empregado, como já apreciado em tópico anterior. Mas faz-se necessário, além das leis, de uma real conscientização da sociedade, dos empregadores, de seus prepostos e de todos aqueles responsáveis pela contratação de trabalhadores nas empresas, de que a prática é nefasta e deve ser combatida. E tam-bém dos empregados e de seus sindicatos , no sentido de que não devem tolerar a discriminação, e buscar no Judiciário a aplicação das leis que a vedam e o respeito à dignidade do trabalhador idoso. A fiscalização do Mi-nistério do Trabalho também tem deve envidar esfor-ços para averiguar a ocorrência de discriminação, em sua atividade fiscal ordinária, ou mesmo extraordinária, quando denunciada a adoção da prática. O Ministério Público do Trabalho também tem como atuar na defesa dos trabalhadores discriminados por idade, sendo im-portante que casos em que constatada a discriminação sejam levados ao seu conhecimento, pelos trabalhado-res, sindicatos ou aqueles que tenham conhecimento da prática do ageísmo na contratação, na manutenção do emprego ou na demissão de empregados no país.

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Em uma sociedade em que o envelhecimento da população se constitui em uma novidade, o momento é propício ao enfrentamento da questão, de forma a im-pedir que o ageísmo tome forma e corpo. Sugere-se, a respeito, que sejam adotadas medidas já praticadas re-lativamente às demais discriminações observadas nas relações de emprego.

Importante, assim, a adoção de políticas públicas de combate ao ageísmo, a realização de campanhas que mobilizem a população para o problema e do quão excludente se mostra a prática, do incremento da fisca-lização a respeito e de ações afirmativas no sentido de combater o ageísmo nas relações de emprego no país. É muito importante que haja uma forte atuação neste momento, em que observada a existência da prática do ageísmo, no sentido de combatê-lo de forma eficaz, impedindo que essa discriminação ganhe força e se instale no ambiente laboral

Além disso, no caso dos idosos empregados, é importante fornecer-lhes condições de reciclagem, em especial quando exercerem atividades cuja realização venha sendo informatizada, de forma a permitir-lhes a plena utilização de novas tecnologias.

6 CONCLUSÃOA discriminação de idosos quando da admissão

e da manutenção de empregos e quando da extin-ção contratual, constitui ato violador dos princípios da igualdade (art. 5º, caput, CF) e da dignidade da pessoa humana, nos termos da Constituição Federal de 1988 (arts. 1º incisos III e IV e 3º incisos I, III e IV).

Não é toda a distinção, exclusão ou preferência fundada na idade do indivíduo que se constitui em dis-criminação, mas tão somente aquela que tenha por

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efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de emprego ou profissão. Há discriminação quando violado o princípio da igualdade. Há atividades, por exemplo, que exigem para o seu exercício o uso de força. Nessa hipótese, é claro, é possível a preteri-ção de um idoso em favor de um jovem. Não se trata, aqui, de violação, portanto, do princípio da igualdade. Já para tarefas intelectuais, a preterição do trabalhador mais velho apenas pelo fato de ser mais velho, viola o princípio da igualdade e caracteriza a prática de discri-minação, devendo ser coibida.

No Brasil, é legalmente atribuída a condição de idoso àquele que possui idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, conforme o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03). Os trabalhadores, contudo, vem sendo discriminados, na admissão no emprego, durante o vínculo contratual e também na extinção do contrato de emprego, com muito menos idade.

A partir dos 35 (trinta e cinco) anos já é observada uma maior dificuldade de recolocação no mercado de trabalho. Tais trabalhadores, embora à luz da lei não se classifiquem como idosos, fazem jus à proteção contra a discriminação por idade.

A discriminação, ao alijar os trabalhadores de mais idade do mercado de trabalho formal, faz com que eles se voltem para o mercado informal, precarizando as relações de emprego no país, e incrementando a exis-tência de postos de trabalho irregulares, às margens da lei.

É, portanto, urgente a realização de campanhas que sensibilizem a sociedade para o problema do age-ísmo, para o quão excludente se mostra a sua prática, além do esclarecimento da população sobre o tema.

Importante, também, colocar ao alcance dos traba-lhadores de maior idade a possibilidade de reciclagem,

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em especial quanto à utilização da informática e dos novos meios de comunicação, permitindo-lhes exercer com maior produtividade suas atividades.

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O CONTROLE DO EMPREGADO PELO EMPREGADOR – MEIOS DE TRABALHO,

DADOS PESSOAIS E VIGILÂNCIA DO LOCAL DE TRABALHO1

Viktor Byruchko Junior2

INTRODUÇÃONão havendo no plano pátrio disposição legal ex-

pressa a regular a utilização e controle do local de tra-balho e dos meios que a empresa coloca à disposição dos trabalhadores, deve-se buscar compatibilizar os le-gítimos interesses e poderes da entidade empregadora com uma certa autonomia, iniciativa e prudente utiliza-ção dos meios da empresa por parte dos trabalhadores. Os que se debruçam e refletem a respeito do tema sa-lientam que a atividade do trabalhador no interior da empresa não deve implicar, sem adequada pondera-ção de princípios e valores, na perda do direito à inti-midade e do exercício dos direitos de personalidade3.

PANORAMA INTERNACIONAL – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Presente o princípio da proporcionalidade e a “mú-tua compreensão” dos direitos fundamentais conflitantes, de se destacar algumas posições adotadas por organiza-ções internacionais e autoridades de proteção de dados.

1 Estudo baseado na obra de Amadeu Guerra, a Privacidade no Local de Trabalho – As Novas Tecnologias e o Controlo dos Tra-balhadores Através de Sistemas Automatizados. Uma Aborda-gem ao Código do Trabalho, Ed. Almeida, Maio, 2004.

2 Procurador do Trabalho do MPT - RS3 A respeito, ver artigo 5º, X, CF/88, e os artigos 11 e 12 do Código Civil.

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Recomendação (R 89) adotada pelo Comitê de Ministros do Conselho da Europa estabelece que o res-peito pela vida privada e pela dignidade humana do empregado deve ser preservado no domínio da obten-ção e utilização dos dados de caráter pessoal para fins de emprego4, com o que, nos termos da legislação e práticas nacionais, inclusive convenções coletivas, os empregadores deveriam informar e consultar os empregados ou seus representantes a respeito da in-trodução ou modificação dos sistema automatiza-dos destinados à obtenção e utilização de dados de caráter pessoal relativos aos empregados. Do mesmo modo quando da introdução ou modificação de processos técnicos destinados a controlar os movimen-tos ou a produtividade dos empregados. Em qualquer caso, o acordo deve ser obtido antes da introdução ou modificação de tais sistemas. Também estabelece a referida recomendação que os dados pessoais de-vem, em princípio, ser recolhidos junto ao emprega-do, devendo ser pertinentes e não-excessivos, além de atentarem para o tipo de emprego, assegurando o direito de acesso, retificação e, quando aplicável, a sua eliminação.

Em uma reunião de Peritos da Organização Inter-nacional do Trabalho – OIT, realizada ente 01 e 07 de outubro de 1996, foram elaboradas diretivas práticas com o objetivo de fornecer orientação sobre a proteção de dados pessoais dos trabalhadores. Estabelecida a premissa de que a evolução tecnológica não é in-compatível com os direitos dos trabalhadores, foi salientada a necessidade de se assegurar um equilí-

4 A teor do artigo 932, II, do Código Civil, é também responsável pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus em-pregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

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brio entre o direito à privacidade do trabalhador e a imprescindibilidade de os empregadores coligirem informações sobre os trabalhadores e a atividade por eles desenvolvida5. Dentre as diretivas práticas, destaca Amadeu Guerra os seguintes princípios gerais:

– Os dados pessoais devem ser tratados de for-ma lícita e leal, e por razões diretamente liga-das aos emprego do trabalhador;

– Os dados pessoais obtidos por meio da tec-nologia não devem ser utilizados para con-trolar o comportamento dos trabalhadores (ponto 5.4);

– Os trabalhadores não podem renunciar aos seus direitos relativos à proteção da sua vida privada (ponto 5.13).

Merece realce o ponto 6.14, segundo o qual de-vem ser do conhecimento prévio dos trabalhadores a existência de sistemas de vigilância, as razões que levaram à sua adoção, os períodos, métodos e téc-nicas utilizados, bem como os dados coligidos6. Assim, toda a “vigilância permanente” não deverá ser autorizada a não ser por razões de saúde e se-gurança ou com o objetivo de proteger os bens da empresa.

Análise da jurisprudência relativa ao artigo 8º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, evidencia alguns prin-

5 Ver nota 4 a respeito da responsabilidade do empregador.6 Amadeu Guerra, op. cit., p. 302, nota 555, refere que a vigilância dos

trabalhadores foi objeto de profundas divergências. Para os peritos re-presentantes dos empresários, as disposições sobre vigilância constitu-íam ingerência inaceitável na atividade da empresa, em especial quanto aos meios para a melhora da produtividade e rendimento, e resultariam de procedimento de gestão, nada tendo com os dados pessoais dos trabalhadores. Para eles, os dados recolhidos pela vigilância estariam direcionados para a prestação do trabalho e não para os trabalhadores.

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cípios fundamentais7, dos quais dois merecem des-taque:

A) Os Trabalhadores têm uma expectativa legítima de privacidade no local de trabalho, a qual não é sobreposta pelo fato de usarem material de comunicação ou quaisquer outras infra-estru-turas comerciais do empregador;

B) O princípio geral da confidencialidade das co-municações abrange as comunicações no local de trabalho.

É importante mencionar que o conceito de con-fidencialidade da correspondência foi alargado, para se tornar - em conceito da nova geração – “confiden-cialidade das comunicações”, facultando às comuni-cações eletrônicas o mesmo grau de proteção que o correio tem recebido tradicionalmente.

Foram elencados princípios gerais relativos à monitoração do correio eletrônico e da internet, o quais devem ser aplicados a todos os meios de moni-toração.

1 - NECESSIDADE – o empregador deve verificar se qualquer forma de monitoração é absolu-tamente necessária para determinado fim. Métodos tradicionais de supervisão, menos intrusivos da privacidade dos indivíduos, de-vem ser cuidadosamente considerados an-tes da adoção de qualquer monitoração das comunicações eletrônicas.Apenas em circunstâncias excepcionais a mo-nitoração do correio do trabalhador ou do uso da internet deverá ser considerada necessária. Por exemplo, para confirmar ou provar certas ações de sua partes (objetivo específico e deli-

7 Grupo do artigo 29, da Diretiva 95/46/CE

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mitado no tempo e espaço). A abertura de cor-reio eletrônico, no entanto, pode ser necessária em outras circunstâncias, como manter acesso à correspondência em caso de ausência do es-critório (baixa ou férias) e a correspondência não puder ser garantida de outra forma;

2 - FINALIDADE – Os dados devem ser recolhi-dos para um fim específico, explícito e legíti-mo, e não devem ser tratados para qualquer outra finalidade, como monitoração do com-portamento do trabalhador;

3 - TRANSPARÊNCIA – O empregador deve abs-ter-se de fazer qualquer monitoração dissi-mulada do correio eletrônico, exceto em face de lei que permita.Mais uma vez se destaca que o trabalhador, como qualquer outro indivíduo, tem direito de acesso aos dados pessoais que lhe dizem respeito junto ao empregador, e, se for ade-quado, pode solicitar a retificação, elimina-ção ou bloqueio dos que não estiverem em conformidade com as disposições da direti-va, em especial se incompletos ou inexatos;

4 - LEGITIMIDADE – O uso dos dados de um tra-balhador pelo empregador deve ser feito para fins de interesses legítimos perseguidos por este e não pode violar os direitos funda-mentais dos trabalhadores;

5 - PROPORCIONALIDADE – Os dados pesso-ais abrangidos pela monitoração devem ser adequados, pertinentes e não-excessivos no que se refere ao fim especificado. Este princípio exclui a monitoração geral de cada mensagem de correio eletrônica e do uso da internet de todo o pessoal, para além do

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que for necessário para garantir a seguran-ça do sistema. Se o objetivo identificado pu-der ser atingido de forma menos intrusiva, o empregador deve considerar essa opção (por exemplo, evitando monitoração automática e contínua);

6 - RIGOR E RETENÇÃO DE DADOS – Quais-quer dados legitimamente guardados não devem ser mantidos para além do tempo que for necessário. Os empregadores devem especificar o período de retenção, não se ten-do como normalmente justificado prazo supe-rior a três meses;

7 - SEGURANÇA – O direito de o empregador proteger o sistema contra vírus faz com que a abertura automatizada do correio não seja considera uma violação do direito do traba-lhador à privacidade, desde que postas em prática salvaguardas apropriadas.

Na Bélgica, a Comissão de Proteção da Vida Privada defende a necessidade de assegurar um equilíbrio entre a legitimidade de um certo controle por parte do empregador e a proteção da vida pri-vada do trabalhador. Assim, o controle patronal deve respeitar princípios fundamentais, como transpa-rência, proporcionalidade e necessidade. Em fun-ção dos objetivos perseguidos, atentaria contra os princípios da proporcionalidade e da necessidade um controle geral e a priori de todos os dados de te-lecomunicações, tendo-se a vigilância constante dos trabalhadores como violadora da dignidade huma-na.

Considerando que a maioria dos empregadores leva a efeito verificações sobre a quantidade e quali-

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dade do trabalho produzido pelos empregados, e que a maioria dos empregado sabe disso, basicamente duas modalidades de controle se apresentam. A primeira, é o controle dirigido à quantidade do rendimento do trabalho, conhecido como “CONTROLE DE DESEM-PENHO”. A segunda, é o controle dirigido para a verifi-cação da conformidade dos padrões de conduta do empregado com as regras do empregador, chama-do de “CONTROLE COMPORTAMENTAL”.

Na utilização destes procedimentos deve ser res-peitado o direito do empregado de esperar do em-pregador um certo nível de confiança, e de lhe ser dada razoável liberdade para determinar suas ações sem estar constantemente vigiado ou ter de se ex-plicar. Assim, podem ser alinhadas algumas normas gerais de controle:

- estabelecer a finalidade comercial específica para a qual o controle é introduzido;

- avaliar o impacto do controle na privacidade, autonomia e outros direitos legítimos do pes-soal, não introduzindo controles que tenham impacto adverso e desproporcional aos be-nefícios;

- Ao fazer a avaliação antes referida, consultar os sindicatos e outros representantes dos empregados;

- Adotar método com menor impacto adverso, se assim for possível atingir os mesmos re-sultados;

- Direcionar o controle para as áreas onde é, de fato, necessário e proporcional para atingir a finalidade comercial. O controle de todo o pessoal não se justifica se a finalidade é di-rigida a um risco que é colocado apenas por alguns.

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O controle de �udio e Vídeo, por exemplo, pode ser considerado adequado quando direcionado para a vigilância em local de acesso público, mais do que para os empregadores controlarem o compor-tamento dos empregados. O controle continuado por equipamento de áudio e vídeo é particularmente intrusivo para os empregados, e seu uso rotineiro somente se justifica quando houver riscos de segu-rança específicos que não possam ser adequada-mente atendidos por outro modo menos intrusivo.

A EXPERIÊNCIA DE PORTUGAL Relevante é a lição relativa ao controle de cha-

madas, e-mails e acesso à internet e a respeito da videovigilância no ordenamento jurídico português.

O ordenamento anterior ao Código de Trabalho não regulava de modo específico a utilização destes meios pelos trabalhadores, e o novo Código de Tra-balho, segundo Amadeu Guerra, estabelece princípios gerais. Num campo em que o princípio da propor-cionalidade é determinante para ponderar os pode-res da entidade empregadora e a limitação dos direitos dos trabalhadores, desejável seria, para compensar a situação de inferioridade em que se encontram os trabalhadores, que a lei tivesse estabelecido princí-pios mínimos de proteção para prevenir intrusões indevidas e indesejáveis que afetem os direitos de personalidade dos trabalhadores.

O fato de o empregador ser o proprietário dos equipamentos e pagar as conexões não justifica que possa fazer o controle absoluto8. No entanto,

8 “O poder do proprietário não se exerce senão sobre as coi-sas; a propriedade não fundamental qualquer direito sobre as pessoas” – Jean Savatier, citado por Fabrice Fevrier, in Amadeu Guerra, cit. p. 333, nota 576.

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aspectos econômicos não podem ser negligenciados em um momento em que o custo das telecomunica-ções tem um peso considerável.

O DL 231/98 permitia a adoção dos sistemas de videovigilância no âmbito das atividades de segurança privada (art. 1º, nº 3 a1.a), ou de serviços de “autopro-teção com vistas à proteção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes” (art. 1º, nº 3 a1.b).

No entanto, por força de acórdão do Tribunal Constitucional de 12 de junho de 2002, em razão da declaração de inconstitucionalidade orgânica (do artigo 12º, nºs 1 e 2 do DL 231/98), deixou de haver funda-mento para a utilização do sistema de videovigilância por parte das entidades que prestavam serviços de se-gurança. O Tribunal considerou que a “permissão da utilização dos referidos equipamentos constitui uma limitação ou uma restrição do direito à reserva da inti-midade da vida privada, consignada no artigo 26º, nº 1 da CRP”9. Acrescentou a Corte que as tarefas de defi-nição das regras e a apreciação dos aspectos relativos

9 Segue o texto do artigo 26 da Constituição Portuguesa Artigo 26.º (Outros direitos pessoais) 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao

desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidada-nia, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal con-tra quaisquer formas de discriminação.

2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abu-siva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.

3. A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.

4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não po-dendo ter como fundamento motivos políticos.

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à videovigilância constituem “matéria atinente a direitos liberdades e garantias”.

O princípio fundamental a reter a partir da deci-são da Corte Constitucional de Portugal é de que, en-volvendo os sistemas de videovigilância restrição de direitos, liberdade e garantias, caberá a lei (cfe, artigo 18º nº 2 da CRP10) decidir em que medida es-tes sistemas poderão ser utilizados e, especialmen-te, assegurar, numa situação de conflito de direitos fundamentais, quais as restrições e limites “ao ne-cessário para salvaguardar outros direitos ou interesse fundamentais”11.

Se mostra viável, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica do disposto nos incisos II e X ao artigo 5º da CF/88, e nos artigos 11 e 12 do Código Civil Brasileiro, conclusão no mesmo senti-

10 Segue o texto do artigo 18 da Constituição Portuguesa:Artigo 18.º (Força jurídica)1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liber-dades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retro-activo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essen-cial dos preceitos constitucionais.

11 Importante a lição de Lucrecio Rebollo Delgado, in Derecho Fundamental a La Intimidad, Madrid, 2000, p. 166, referido por Amadeu Gerra, cit. p. 349, nota 601, para quem “a intimidade não se refere a um sujeito concreto num espaço físico de-terminado. Aquela representa um direito que acompanha a pessoa independentemente do lugar onde se encontra. Dessa forma, tanto a vida privada como a intimidade apre-sentam-se como direitos que merecem salvaguarda nos lugares públicos”

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do da adotada pela Corte Constitucional Portugue-sa. Qual seja, em se tratando de direitos e garantias fundamentais, partindo-se do princípio da legalidade e da proteção (inviolabilidade) da imagem e da intimida-de das pessoas, somente a lei poderá eventualmente decidir a medida da utilização dos sistemas de video-vigilância. Ainda que a tanto o intérprete e aplicador da lei não vá, inegável que a aplicação imediata e direta das normas definidoras dos diretos e garantias funda-mentais, com base no § 1º ao artigo 5º da CF/88, au-toriza conclusão no sentido de que os princípios acima elencados às inteiras são aplicáveis às relações de tra-balho travadas sob o manto do sistema legal brasileiro.

Como conseqüência da inconstitucionalidade antes referida e da subseqüente legislação editada, especial-mente a Lei 29/2003, de 22 de agosto, que autorizou o Governo a legislar sobre o regime jurídico do exercício da actividade de segurança privada, o quadro jurídico da videovigilância passou a ser encontrado, no que aqui in-teressa, no DL 35/2004, de 21 de fevereiro (que se ocupa da utilização destes meios por empresas que exercem atividades de segurança privada); na Lei 67/98, de 26 de outubro, e no artigo 20 do Código de Trabalho (que delimita algumas condições em que devem ser utilizados “meios de vigilância a distância no local de trabalho”).

Um olhar a partir da autorização conferida pela Lei 29/2003 evidencia preocupação no sentido de que se deve assegurar o respeito pela necessária salvaguar-da dos direitos e interesses constitucionalmente pro-tegidos (art. 2º al. g). Para além disso, deixou-se ao Governo definir as regras para a utilização dos equipa-mentos eletrônicos de vigilância, estabelecendo que o tratamento dos dados “visa exclusivamente a proteção de pessoas e bens”, e delimitando temporalmente a conservação dos dados recolhidos.

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De relevo, na regulamentação operada pelo DL 35/2004, a proibição, no exercício da atividade de se-gurança privada, de se “ameaçar, inibir ou restringir o exercício de direitos, liberdades e garantias ou outros direitos fundamentais “ (artigo 5º alínea b).

Pode ser igualmente legítima, à luz da Lei 67/98, a utilização de sistema de videovigilância fundada na necessidade de assegurar a prevenção de crimes ou documentar a prática de infrações penais, desde que não prevaleçam os direitos, liberdade e garan-tias do titular dos dados (artigo 8º, nº 2 da Lei 67/98).

À semelhança de outros sistemas jurídicos, a utilização da videovigilância deve observar o prin-cípio da proporcionalidade “numa dupla vertente de idoneidade e intervenção mínima”. É da ponderação dos meios que se pretende utilizar e da verificação da sua idoneidade e indispensabilidade para a obtenção da finalidade perseguida, notadamente por não existi-rem outros métodos de vigilância menos invasivos ou lesivos à intimidade, que se pode, no caso concreto, autorizar ou limitar a utilização de videovigilância.

O princípio da necessidade aponta no sentido de que o tratamento mediante videovigilância é permitido quando a finalidade não puder ser alcançada por qual-quer outro meio igualmente eficaz e menos intrusivo. O princípio da proporcionalidade define que a interesse legítimo do responsável deve prevalecer sobre os direitos e interesse do indivíduo, desde que seus direitos funda-mentais não sejam violados. Assim, os locais onde serão instaladas as câmeras fixas e a forma de gravação de-vem observar que não seja gravada mais informação do que a que for necessários para a finalidade12.

12 Estas são diretivas estabelecidas pela autoridade de controle Grega. Diverso, no que nuclear, não é o Parecer 34/1999, da autoridade de controle Belga.

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A partir da introdução do sistema de videovigi-lância, não podem deixar de ser analisados os efeitos potenciais sobre a liberdade de comportamento dos ci-dadãos mediante necessária reflexão sobre o grau de violação da vida privada, que tenha especial incidência nas vertentes liberdade de circulação e na análise de comportamentos. Em matéria de pertinência é funda-mental que os responsáveis pela obtenção do registro de imagens:

1 - definam a localização das câmeras e as moda-lidades de registro (registro e conservação de imagens, ângulos utilizados, escolha de “gran-des planos”);

2 - reduzam o campo visual em função da finalida-de perseguida ou das zonas em que a video-vigilância seja efetivamente necessária, com atenção particular ao fato de que o sistema não permita o registro de som e imagem em lugares privados situados na proximidade;

3 - Efetuem o registro apenas das imagens no estritamente necessário à finalidade perse-guida, sendo dispensáveis os grandes pla-nos ou detalhes dispensáveis em função dos objetivos legitimamente perseguidos.

É assim que pode ser formulado um princípio de intervenção mínima, que implica em ponderar entre a finalidade pretendida e a necessária violação dos di-reitos fundamentais, concretamente à privacidade e à imagem. Se deve pressupor, em concreto, que o risco a prevenir seja de todo razoável e proporcionado quando comparado com os direitos fundamentais de terceiros que são afetados com a utilização des-tes meios. Disto decorre que a entidade patronal está impedida de utilizar sistemas de videovigilância que

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objetivamente coloquem em causa os direitos funda-mentais dos trabalhadores. Em particular, deve ser incluída na inibição a obtenção de imagens em locais onde deve ser preservada a intimidade dos trabalha-dores (como vestiários, refeitórios, serviços de consul-ta médica ou de medicina do trabalho). Há duas realidade distintas quanto à videovigilância no local de trabalho:

1 - adoção do sistema para a proteção de pes-soas e bens em relação ao público em geral que freqüenta determinado estabelecimen-to, ou

2 - colocação específica para a prevenção e ob-tenção de prova de furtos praticados pelos trabalhadores.

Em “1”, tem-se que os sistemas vocacionados para a proteção dos freqüentadores do estabelecimen-to podem ser utilizados contra o trabalhador quando ocorre a captação de imagens envolvendo-o. É funda-mental que o trabalhador seja informado da existência dos meios de captação, e ele tem consciência de que as imagens podem ser utilizadas em caso de prática, nas instalações da empresa, por quem quer que seja, de atos lesivos a pessoas e bens.

Em “2”, entende-se necessária a existência de razões justificadas para a instalação dos meios de captação, fundamentadas em um perigo concreto ou risco determinado, em que se torna necessário um balanceamento - em termos de proporcionalidade – dos interesses e valores conflitantes.

O Tribunal Constitucional Português, em se tra-tando de cassinos, em locais como o caixa e a roleta francesa, onde se efetuam transações econômicas de certa importância, firmou entendimento no sentido de

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que a mera utilidade ou conveniência para a empre-sa não legitima, sem mais, a instalação dos apare-lhos de audição e gravação, tendo em conta que já dispunha o empreendimento de outros sistemas de segurança, que pretendia complementar. No caso, a instalação de microfone não foi efetuada como con-seqüência de uma quebra do sistema de segurança e controle. Ou seja, não se provou que o sistema de gravação de som fosse indispensável para a se-gurança e bom funcionamento do cassino, com o que ultrapassada a faculdade que o artigo 20.3 LET atribui ao empresário, e supondo-se intromissão ilegítima no direito à intimidade consagrado no artigo 18º, nº 1 da Constituição.

O Tribunal Constitucional decidiu que a implan-tação do sistema de audição e gravação não estava de acordo com os princípios da proporcionalidade e intervenção mínima que regem a modulação dos direitos fundamentais pelas exigências do interesse da organização empresarial, pois a finalidade prosse-guida (mais segurança, especialmente ante eventuais reclamações dos clientes) resulta desproporcionada para o sacrifício que implica o direito à intimidade dos trabalhadores (e incluindo os clientes do cassi-no).

Estabelece o artigo 20 do Código de Trabalho de Portugal:

1 - O empregador não pode utilizar meios de vi-gilância a distância no local de trabalho, me-diante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.

2 - A utilização do equipamento identificado no nú-mero anterior é lícita sempre que tenha por fi-nalidade a protecção e segurança de pessoas

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e bens ou quando particulares exigências ine-rentes à natureza da actividade o justifiquem.

3 - Nos casos previstos no número anterior o em-pregador deve informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados.

Do preceito citado evidencia-se princípio que, pela clareza, simplicidade e coerência, deve ser apontado:

- Os sistemas de videovigilância em hipótese alguma podem ser adotados para controlar o desempenho profissional do trabalhador. Sistemática obtenção de imagens e som e controle permanente com a finalidade de verificação da conduta do trabalhador confi-gura-se, ope lege, como excessiva e despro-porcionada, sendo violadora dos direitos de confiança mútua que o contrato pressupõe, a menos que excepcional e pontualmente o processo de produção (linha de montagem) esteja totalmente direcionado para um tipo de controle (supervisão à distância) com o objetivo exclusivo de permitir a interrupção do processo de produção quando se verificar anomalia ou haja perigo para a segurança do trabalhador.

A PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS E VALORES – EXAME DE DOIS CASOS CONCRETOS SUBMETIDOS AO JUDICIÁRIO TRABALHISTA BRASILEIRO

A controvérsia em torno do tema pode ser medida a partir de um exame de duas decisões proferidas pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região em ações

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civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Tra-balho. Em ambos os casos foi levada a efeito ponde-ração de valores, mas com com preponderância de de valores distintos em cada um.

No processo 00117700-05.2006.5.04.0372 (RO), assentou a Turma julgadora que o “empregador, como qualquer pessoa física ou jurídica, tem direito de zelar pelo seu patrimônio e, para tanto, pode se utilizar de métodos eficazes para afastar os riscos à integridade de seus bens, assim como de seus empregados, ob-servados os limites estabelecidos pelo ordenamento ju-rídico”. Assim, no caso concreto, a manutenção das câ-meras de vigilância não configuraria ato ilícito, vez que instaladas “...no interior das dependências da empresa evidenciam o objetivo por ela anunciado de resguardar a segurança pessoal e patrimonial, não havendo vio-lação do direito à intimidade ou à privacidade dos em-pregados”. Com base em laudo elaborado pela Polícia Federal, foi fixado o seguinte panorama fático relativo à instalação e localização das câmeras: “As câmeras estão instaladas no acesso ao interior da empresa e áreas de circulação, tanto nas áreas de produção como administrativas, sendo que o ângulo de filmagem de al-gumas câmeras compreende, também, equipamentos e área de estocagem de produtos e insumos. Não foi constatada a presença de câmeras no interior de ba-nheiros e vestiários, ou mesmo qualquer câmera cujo foco principal fosse a área de acesso a alguma destas dependências” (sublinhei). Observou o colégio julgador de segundo grau, ainda, a circunstância de o empre-endimento trabalhar como materiais controlados (pro-dutos químicos como cianeto de potássio, cianeto de sódio, ácido nitrílico PA-65%).

Não foi considerada relevante, no caso, declara-ção prestada por sócio da demandada, no sentido de

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que um dos objetivos do monitoramento era “o controle das relações de trabalho e produção”. Prevaleceu o ar-gumento de que a vigilância implementada visaria pre-cipuamente à proteção, não só dos empregados, mas do público em geral, tendo em vista o manuseio, no âmbito do empreendimento, de materiais controlados pelo Exército e pela Polícia Federal.

Levando a efeito ponderação de valores, mesmo diante do reconhecimento expresso por parte de só-cio do empreendimento de que uma das finalidades do monitoramento por vídeo era o controle das relações de trabalho e da produção, a Turma julgadora conside-rou que as câmeras prestigiavam a segurança patrimo-nial e pessoal, mesmo havendo a possibilidade de foco para áreas de acesso a banheiros e vestiários, o que se pode concluir de uma leitura do do laudo elaborado pela Polícia Federal: “Não foi constatada a presença de câmeras no interior de banheiros e vestiários, ou mes-mo qualquer câmera cujo foco principal fosse a área de acesso a alguma destas dependências.” (sublinhei).

Assim está redigida a ementa do acórdão em re-ferência: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÂMERAS DE VI-GILÂNCIA. Não é irregular a instalação de câmeras filmadoras com a finalidade de proteger, não só os em-pregados, mas o público em geral, tendo em vista o manuseio, no âmbito da empresa, de materiais contro-lados pelo Exército e pela Polícia Federal. Inexistên-cia de violação à regra do art. 5º, X, da Constituição Federal. Recurso (interposto pelo Ministério Público do Trabalho) não provido”.

No processo 0003700-24.2008.5.04.0371 (RO), a pon-deração de valores pendeu para outro lado. Observou a Turma julgadora que a Constituição Federal, em seu art. 1º, proclama como fundamentos da República, en-tre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores

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sociais do trabalho e da livre iniciativa”. Anotou, tam-bém, que o art. 170 da Carta Magna de 1988 preconiza textualmente que “a ordem econômica, fundada na va-lorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social...”, observado o princípio da função social da propriedade (inciso III) e o disposto nos art. 5º, incisos V (é assegurado o direito de res-posta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem) e X (são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação), a reve-lar, assim, proteção constitucional aos chamados direi-tos da personalidade.

Nesta linha, a solução se encontraria “no devido equilíbrio entre princípios conflitantes, de um lado re-presentados pelos direitos da personalidade, em es-pecial privacidade e imagem, e, de outro, o direito à propriedade, sua defesa e as conseqüências advindas do seu exercício”. Para o órgão julgador do caso em comento, os direitos da personalidade exercem fator de realização da dignidade da pessoa humana, a merecer total proteção. Inatos ao homem e absolutos, estes di-reitos traduziriam os valores básicos e fundamentais, sendo irrenunciáveis, razão pela qual não poderia o seu titular deles dispor livremente. De outro lado, não deixou o colegiado de atentar que, frente aos direitos da personalidade do trabalhador, o empresário, que detém a exploração da atividade econômica, teria, de certo modo e intensidade, também destinação constitu-cional à preservação da sua tarefa, sendo assegurado o direito de propriedade.

O choque entre princípios deveria ser resolvido proporcionalmente à importância dos valores coloca-

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dos em discussão, no caso assentados entre o direito à privacidade e imagem dos empregados, e o direito à propriedade e diretivo da atividade econômica con-duzida pelo empresário. O poder diretivo, traduzido na fiscalização, organização e disciplina da atividade econômica produtiva, não imporia ao trabalhador um regime de subordinação sem limites, imperando os fins legais e morais que regulam o contrato de trabalho, firmados na máxima de que o direito de determinado indivíduo persiste enquanto não ultrapassa o de outro, e nos princípios de proteção ao hipossuficiente e de tratamento jurídico desigual a compensar desigualda-de econômica entre os sujeitos participantes da relação alvo da tutela trabalhista.

Assim, sendo a real finalidade das câmeras a prote-ção patrimonial e a segurança, não haveria motivo para que, ainda que indiretamente, os funcionários fossem de qualquer forma monitorados no exercício de suas tare-fas. Admitidas à empresa providências para defesa de seu patrimônio, no momento que de alguma forma estas afetassem o direito de terceiro, haveria de se verificar, como condição necessária para a legalidade das câme-ras, que, de um lado, estas se mostram imprescindíveis para a consecução dos objetivos colimados (defesa de patrimônio empresarial) e, por outro, que a adoção de tais providências se faz pelo meio menos gravoso possí-vel para terceiros (proporcionalidade).

Desta forma, vinculando o objetivo da utilização das câmeras de vigilância à melhor conservação do patrimônio e aumento da segurança, não haveria como permitir que, de qualquer forma e sob qualquer pretexto ou intensidade, fosse o trabalhador invadido em sua privacidade. Por tais razões, em sede de segurança patrimonial, as câmeras deveriam atender e priorizar locais, essencialmente, com acesso do público exter-

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no, guardando, para os outros espaços, vigilância al-ternativa que não afrontasse direito da personalidade dos empregados. Foi considerada, então, aceitável a monitoração dos locais com acesso de pessoas estra-nhas ao ambiente de trabalho em que, justificadamen-te, existisse fundado e relevante receio da possibilida-de de ocorrência de roubos ou prejuízos ao patrimônio empresarial.

Entendendo a Turma julgadora que as câmeras de vigilância instaladas, ainda que objetivando a pro-teção patrimonial, se prestavam no caso também para o controle dos empregados, considerou razoável e em conformidade com o princípio da proporcionalidade o desligamento das elencadas pelo Ministério Público do Trabalho durante o expediente regular de trabalho, quando deveria o empreendimento adotar medidas al-ternativas para implantação da segurança patrimonial, sendo permitido o acionamento dos dispositivos nos horários em que não houvesse atividade típica produ-tiva.

É a seguinte a ementa deste segundo julgado: “EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÂMERAS DE VIGILÂNCIA. CONFLITO ENTRE SEGURANÇA PA-TRIMONIAL E DIREITOS DA PERSONALIDADE. PREVALÊNCIA DA TUTELA DA IMAGEM E PRIVA-CIDADE DOS TRABALHADORES. No caso concreto, deve ser avaliada qual a finalidade das câmeras e se estas se destinam, conforme afirma a Reclamada, ex-clusivamente para a proteção patrimonial e seguran-ça, não havendo motivo para, ainda que indiretamente, os seus funcionários sejam de qualquer forma moni-torados no exercício de suas tarefas. Com efeito, tal comportamento não seria compatível com os princípios basilares do direito do trabalho, sequer com a sua his-tória, ferindo direitos constitucionais elementares dos

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trabalhadores. Todavia, tem-se como aceitável a moni-toração dos locais com acesso de pessoas estranhas ao ambiente de trabalho em que, justificadamente, haja fundado e relevante receio da possibilidade de ocorrên-cia de roubos ou prejuízos ao patrimônio empresarial. Recurso parcialmente provido”.

CONCLUSÃONo plano pátrio, e ainda que se resista à aplica-

ção direta e imediata das normas constitucionais defini-doras de direitos e garantias fundamentais13, mediante aplicação e interpretação de regras de direito civil (en-tre particulares), ope lege, portanto, toda a constru-ção legal acima apresentada pode (e deve) ser ado-tada. E isso, além do disposto nos artigos 11 e 12, por estabelecer o artigo 187 do CCB que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede mani-festamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e bons costumes, e por definir o artigo 421 que a liberdade de contratar “será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Nesta linha, nos casos concretos, a melhor solução é que a prestigia o patrimônio empresarial até o ponto em que visa a proteção contra terceiros, sem, no entanto, ir ao ponto de afrontar princípios basilares existentes em nosso ordenamento jurídico, em especial do direito do trabalho. Exceções seriam aceitas apenas em situ-ações extremas e bem específicas, como quando em jogo a segurança e/ou a saúde do trabalhador, na hipó-tese, por exemplo, de laborar ele sozinho em linha de produção de risco, a viabilizar socorro para o caso de mal súbito ou acidente.

13 A respeito, A Nova Interpretação Constitucional – Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas, Ed. Renovar, 2003, organizador Luis Roberto Barroso.

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PARECERES

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PROCESSO n.º 681-58.2010.5.04.0009(MS)ORIGEM: MM. 9.ª VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE/RS

IMPETRANTE: LOJAS COLOMBO S/A – COMÉRCIO DE UTILIDADES DOMÉSTICAS

IMPETRADO: SUPERINTENDENTE REGIONAL DO TRABALHO DO RIO GRANDE DO SUL

PARECER1

EMENTA: DEFESA DE MERO INTERES-SE. INCONSTITUCIONALIDADE DE NOR-MA ABSTRATA E GENÉRICA. CONTES-TABILIDADE DOS FATOS. Descabimento do mandado de segurança. CARÊNCIA DE PROVA PRECONSTITUÍDA DOS FATOS ALEGADOS. Improcedência.

I - RELATÓRIO

Vistos, etc.Em tela mandado de segurança de caráter preven-

tivo com pedido de liminar, ajuizado para que o impe-trante obtenha ordem judicial de abstenção, impedin-do-se “o Superintendente Regional do Trabalho e seus agentes subordinados de autuar, multar e impor penali-dades às lojas e unidades da Impetrante no Estado do Rio Grande do Sul, pelo fato de não cumprir as exigên-cias contidas na Portaria n.º 1.510, de 21/08/2009, do Ministério do Trabalho e Emprego”. (fl. 22)

1 Parecer do Procurador do Trabalho Itaboray Bocchi da Silva

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Medida liminar indeferida (fl. 58).Informações prestadas pelo impetrado (fl. 65-108). Vêm os autos para manifestação do Ministério Pú-

blico do Trabalho em atenção ao r. despacho de fl. 109.Este o relatório, em apertada síntese.

II - FUNDAMENTAÇÃO

ADMISSIBILIDADEConsoante preconiza Júlio César Bebber2:

“Antes de adentrar o mérito do mandado de segurança, caberá ao juiz examinar a sua admissibilidade, mediante a verificação dos seguintes requisitos: presença de ato de au-toridade; existência de direito líquido e certo; prazo; pressupostos processuais; condições da ação e causas de exclusão.”

Em nível de direito infraconstitucional, suportam o escólio acima invocado as seguintes disposições da novel disciplina do writ:

“Art. 6o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os do-cumentos que instruírem a primeira reproduzi-dos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atri-buições. (...)

§ 5o Denega-se o mandado de segurança nos casos previstos pelo art. 267 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.” (...)

2 Mandado de segurança, habeas corpus, habeas data na Justiça do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2008. 2.ª ed. p. 31

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“Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração.”

Oportuno lembrar que a análise dos pressupostos processuais, genéricos e específicos, e das condições da ação, cinge-se a contrastar o exigido em lei com o quanto afirmado na petição inicial (in statu assertionis). O demais é matéria de mérito.

Pois bem. No que tange à expressão “direito líqui-do e certo”, é verdadeiro afirmar que seu conteúdo e alcance foram alvo de acaloradas discussões jurídicas. Hoje, porém, não há mais debate doutrinário e jurispru-dencial a respeito.

Teixeira Filho3, a propósito do tema, resgata o ma-gistério de Celso Agrícola Barbi:

“a circunstância de determinado direito sub-jetivo realmente existir não lhe dá caracteriza-ção de liquidez e certeza; esta só lhe é atri-buída se os fatos em que se fundar puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo. Isto normalmente só se dá quando a prova for documentada, pois esta é adequada a uma demonstração imediata e segura dos fa-tos.” (negrejou-se)

É também o escólio de Hely Lopes Meirelles4, quando preconiza que:

“Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconheci-mento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender

3 Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: Ltr, 2009. p. 2942.

4 Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37.

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de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de segurança. Evidentemente, o conceito de liquidez e certeza adotado pelo legislador do mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (...). É um conceito impróprio – e mal-expresso – alusivo a preci-são e comprovação dos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito”. (os gri-fos são do original)

Da própria sedimentação conceitual antes sinte-tizada conclui-se que se está efetivamente a tratar de direitos que, sobre exsurgirem de fatos demonstrados de plano, revestem natureza tipicamente subjetiva.

Quer isso significar que o mandado de segurança não constitui ferramenta processual apta a ser maneja-da para a tutela de interesses jurídicos em sentido es-trito, o que não implica dizer que esses não encontrem amparo processual no ordenamento vigente.

Trata-se de aspecto de consideração essencial para que não se desnature ou barateie a utilização desse remé-dio heróico constitucional, e que já fora desvelado a partir das lições do mestre Hely Lopes Meirelles5, escorado em firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 6/400, RDA 43/308) e do Superior Tribunal de Justiça (Resp n. 32.712-PR):

“O essencial é que o impetrante tenha direito subjetivo próprio (e não simples interesse) a defender em juízo. Não há confundir interes-se com direito subjetivo e, principalmente, com direito subjetivo líquido e certo, que é o único protegível por mandado de segurança.”

O leading case sobre o ponto em debate pare-ce ter sido o julgamento do recurso extraordinário n.º 103.299-5, de cuja decisão extraímos a ementa e ex-certo de voto, adiante reproduzidos:

5 Mandado de segurança. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 57.

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“Descabe o mandado de segurança quando o impetrante não tem em vista a defesa de direito subjetivo, mas a de mero interesse reflexo de normas objetivas”.

“A distinção entre direito e interesse nem sem-pre sempre se faz sem dificuldade. É válido, porém, o magistério de Mário Masagão, para quem ‘distingue-se o direito do interesse, como a espécie do gênero. Todo direito é interesse, mas nem todo interesse é direito. Só é direito o interesse protegido pela norma jurídica. O dano que a ação administrativa cause aos indivíduos, tanto lhes pode ferir um direi-to como um simples interesse. (...) Eduar-do Espínola, pai e filho, não desconheceram que estabelecer a exata fronteira entre os dois conceitos pode ser tarefa embaraçosa. Por isso dizem: ‘(...) a atividade da administração visa, sempre, à satisfação dos interesses ge-rais. Ora, se, muita vez, visa ela, igualmente, dar satisfação a certos interesses individuais, é frequente que se proponha apenas a satis-fazer interesses gerais. Nesse caso, é certo que pode a atividade administrativa, por vezes, aproveitar a certos interesses indivi-duais; mas, não é isto que a administração tem em vista; ela não se preocupa senão com os interesses gerais. Em tal caso, não há direito público subjetivo em proveito do administrado. Não pode ele exigir algo da ad-ministração, porque ela não age em vista do seu interesse individual. Quando a atividade da administração não está, assim, ligada senão com relação a interesses gerais, aproveitando, entretanto, numa certa medida, aos interesses particulares, há, para o administrado, simples reflexo do direito objetivo, que não constitui um direito subjetivo”. (excerto do voto vencedor, proferido pelo Ministro Francisco Resek, com grifos nossos).

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Escandidas tais considerações preambulares, cumpre debruçarmo-nos sobre os termos da inicial do mandamus. Em capítulo titulado “DO DIREITO LÍQUI-DO E CERTO” aponta o impetrante a inconstitucionali-dade formal e material da Portaria n.º 1.510/2009, seja por extravasamento de competência funcional (fl. 13), seja porque afrontaria os princípios do livre exercício da atividade econômica e da proteção do meio ambien-te (fl. 14). Invoca ambos fatores como violadores de direito líquido e certo seu, conquanto furte-se em indi-car, para torná-lo determinado, o direito subjetivo que entende especificamente violado pelo alegado desbor-damento de atribuições funcionais.

Só aqui já haveria razão suficiente para o inde-ferimento da inicial ou, superado o momento pró-prio, para extinção da ação sem resolução de mé-rito, quanto a essa causa de pedir, por ausência de pressuposto processual específico, uma vez que antes de ser líquido e certo, o direito subjetivo, ain-da que in statu assertionis considerado, há de ser determinado, no sentido de que seja apresentado com características suficientes que o distingam de outros.

Todavia, ainda que se supere este óbice proces-sual, imperioso é admitir que, das causas de pedir e do pedido, assim como afirmados na inicial, não se deduz a existência de direito subjetivo da Impetrante, ou, na hipótese em que isso ocorre, não se revela ele líquido e certo.

Ora, o pedido (definitivo ou liminar) da inicial visa a impedir a autoridade coatora e seus subordinados “de autuar, multar e impor penalidades às lojas e unidades da Impetrante no Estado do Rio Grande do Sul, pelo fato de não cumprir as exigências contidas na Portaria n.º 1.510, de 21/08/2009...” (fl. 22).

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O busílis da questão, pois, é verificar, em sede de juízo de admissibilidade, e naquilo que toca especifica-mente à afirmação do direito líquido e certo, se os fun-damentos fáticos e jurídicos selecionados pela impe-trante guardam referência com direitos subjetivos seus, antes mesmo de se verificar se estão comprovados de plano os fundamentos fáticos.

No que se vincula à competência funcional, a Im-petrante aponta o art. 74, §2.º, da CLT como sendo o dispositivo cujo âmbito de normatividade haveria sido desbordado pelo ato ilegal. Não ataca o art. 74 da CLT em si, mas a necessidade de cumpri-lo com a regula-mentação advinda da objurgada Portaria. Ou, em ou-tros termos, entende que “o mesmo dispositivo legal que disciplina a obrigatoriedade de controle de horário concede aos empregadores a possibilidade de manter registro manual, mecânico ou eletrônico” (fl. 9).

Já no excerto vislumbra-se, permissa venia, incon-sistência técnica relevante decorrente de uma omissão inescusável. Ora, a “possibilidade” “concedida” pela Lei, em análise técnica é, na verdade, mero complemento alternativo de uma obrigação de ordem pública. A nor-ma em comento, explicita ou implicitamente considera-da, em momento algum concede aos empregadores a “possibilidade” de manter registro manual, mecânico ou eletrônico. A única “concessão” da norma é a respeito da escolha do tipo de registro, MAS UM DELES será sempre exigível, por isso que OBRIGATÓRIO.

O caso é típico de obrigações alternativas cuja es-colha cabe ao devedor, se se quiser adotar modelação da teoria geral do direito.

Agora, o que não se pode é deturpar grotesca-mente a natureza jurídica do instituto sob exame.

É preciso que se reflita com precisão e acuidade jurídica sobre a ontologia e a teleologia da norma ins-

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culpida no art. 74, §2.º, da CLT. Trata-se de norma de ordem pública a amparar, portanto, interesse público primário.

A quantidade de trabalho efetiva ou potencialmen-te entregue pelo obreiro é um dos principais aspectos do contrato de emprego. A necessidade de medi-la com confiabilidade é mera decorrência da necessidade de remunerá-la e, SOBRETUDO, de assegurar sua con-tenção ao teto constitucional de 44 horas semanais, salvo jornada compensatória, limitado a 10 horas di-árias. O objetivo último e o mais nobre do controle de jornada é a proteção da saúde do trabalhador generi-camente considerado, e eis aí a razão pela qual trata a espécie de norma de ordem pública a tutelar interesse tipicamente público.

O poder-dever de expedir instruções a respeito do registro, cometido pelo legislador à autoridade do Minis-tério do Trabalho e Emprego, é mera decorrência lógica da afirmada natureza e titularidade do interesse em jogo.

Do prisma dos empregadores, não há aqui atribui-ção de direito, relativo ou erga omnes, mas mera sujei-ção, cuja contrapartida é a potestade estatal.

A crítica judicial ao âmbito de competência funcio-nal da autoridade, ao regulamentar a matéria, encon-tra, por certo e em tese, arrimo no ordenamento jurídico nacional. Todavia, o instrumento processual escolhido deverá estar adequado ao legitimado e ao interesse a ser tutelado.

In casu, a Impetrante, escolhe a via estreita da ação mandamental para amparar mero INTERESSE em que se lhe exija o cumprimento de obrigação legal de uma forma e não de outra, o que se revela inviável, como antes demonstrado.

Portanto, no tocante à afirmada inconstitucionali-dade formal da Portaria por usurpação de competên-cia, o opinativo é pelo não-conhecimento do mérito, vis-

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to que não cabe o mandado de segurança para defesa de meros interesses.

Focalizemos a demanda, agora, pelo ângulo do ato a ser praticado pela autoridade impetrada.

Aí, interessa constatar que o ato reputado como ile-gal e a ser, pois, preventivamente inibido, é a autuação e sancionamento em decorrência do descumprimento de exigências contidas na Portaria n.º 1.510/2009.

Já aqui se verifica que, por via transversa, visa o impetrante atacar norma de efeitos genéricos e abstratos, conduta processual que vem sendo sis-tematicamente repelida pelo Supremo Tribunal Fe-deral e pelo Superior Tribunal de Justiça ao apre-ciar recursos à luz da Súmula n.º 2666. Vale lembrar que, por exceção, parte da doutrina defende o mane-jo do mandado de segurança preventivo contra lei em tese, mas o admite em caráter excepcionalíssimo, nas hipóteses de ameaça real e de justo receio, o que não se configura no caso sub oculli, sobretudo pela clara existência de alternativas no cumprimento da obriga-ção legal de registro.

Note-se, ainda, que não se discute na exordial a legitimidade e o próprio dever de a autoridade coatora proceder à autuação quando constatadas situações fá-ticas que se subsumam à legislação em vigor generica-mente considerada.

Força de contingência lógica, para que reste aten-dido o pleito da ação mandamental ou, de outro ângulo, para que a autoridade coatora possa deixar de cumprir seu dever legal, imperioso que o juiz determine à essa autoridade que, não obstante o fato constatado viole norma primária, se abstenha de cumprir dever que lhe é imposto por força de lei, sob pena de prevaricação, qual seja: imputar a sanção decorrente da norma secundária.

6 Súmula n.º 266: Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.

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Ora, para que isso seja juridicamente possível só resta uma alternativa: a declaração de inconstituciona-lidade ou ilegalidade da Portaria sob exame, visto que não está em discussão a ocorrência do fato violador em si, pois praticá-lo sem ser punido é o próprio objetivo do impetrante; nem tampouco a competência legal da autoridade para autuar e sancionar, quando constatado o descumprimento da legislação, salvo a Portaria n.º 1.510/2009.

Desvela-se, então, novo óbice ao conhecimento do mérito do writ, uma vez que a jurisprudência su-perior assentou não ser o mandado de segurança a ação adequada à obtenção de declaração de incons-titucionalidade, caso em que atuaria como sucedâ-neo de ação direta de inconstitucionalidade7.

Avancemos no juízo de admissibilidade. Admita-mos, para efeitos argumentativos, superadas as ques-tões da abstração, generalidade e inconstitucionalida-de da norma hostilizada.

Consoante já aqui sinalado, o elemento que deve revestir a qualidade de liquidez e certeza é a afirmação sobre fatos feita pela Impetrante. Tal qualidade, pois, deveria emergir exatamente do caráter incontestável das afirmações fáticas, consoante preleciona a melhor doutrina, seguida por firme jurisprudência.

Com efeito, a par das lições de Celso Agrícola Bar-bi já antes rememoradas, colhe-se, a título de exemplo, o magistério de Teixeira Filho8 e Júlio César Bebber9:

“A certeza e a liquidez estão, portanto, jungi-das ao fato, por forma a configurarem incon-testabilidade deste.” (grifo do original)

7 STF-MS-25456 AgR/DF, Rel. Min. Cezar Peluso; STJ-AgRg no MS-10157/DF, 1.ª Seção, Rel Min. Luiz Fux)

8 Op. cit. p. 2942.9 Op. cit. pp. 41/42

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“Por incontestável entenda-se a afirmação ju-rídica que não pode ser séria e validamente impugnada, A insuscetibilidade de contestação decorre da demonstração do fato por prova preconstituída (prova documental), que deverá instruir a petição inicial, e sobre a qual não paira dúvida.” (grifo do original)

Ora, a Impetrante aponta fatos violadores de direi-tos que entende defluírem de princípios constitucionais. Assevera, de uma banda, que “o custo elevadíssimo para a implementação do registro eletrônico de horá-rio, nos moldes exigidos pela Portaria Ministerial, igual-mente fere o princípio do livre exercício da atividade econômica” (fl. 15). Alega, de outra, que a quantidade de impressões em recibos de papel decorrente de im-posição da Portaria, “impõe que a atividade econômica seja exercida em desarmonia com os princípios desti-nados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente, o que contraria o texto constitucional” (fl. 18).

Sem prejuízo da análise de mérito atinente a tais alegações, reservada a momento próprio, cumpre, por ora, que o ilustrado Juízo cure em analisar a incontes-tabilidade, em tese, dos fatos violadores eleitos pela Impetrante como causas de pedir.

Tal atividade demandará, contudo, hercúleo es-forço e pródiga criatividade e imaginação. Isso porque, expurgada das afirmações a linha retórica esposada, rica em adjetivos superlativos, que mais parecem que-rer subestimar o tirocínio da autoridade julgadora, veri-fica-se que os atributos fáticos CUSTO e POLUIÇÃO, eleitos pela Impetrante para justificar a periclitação dos direitos afirmados, revestem caráter intrinsecamente relativo, o que os torna geneticamente subjetivos e, por conseguinte, contestáveis.

Apenas em caráter exemplificativo, cita-se matéria publicada na edição de 31 de julho de 2010 do caderno

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de economia do Correio do Povo (fl. 8), intitulada “MTE esclarece dúvidas sobre ponto eletrônico”, na qual se apresentam argumentos frontalmente contrários às afirmações de que o ponto eletrônico acarretaria custo elevado para as empresas, bem como de que a im-pressão dos comprovantes redundaria em degradação ambiental.

É dizer, independentemente de qualquer juízo de mérito a respeito do assunto, é evidente que os fatos apontados pela Impetrante, por sua imanen-te contestabilidade, nem sequer aproximam-se dos pressupostos de liquidez e certeza exigidos para o manejo do writ constitucional.

Eis aí, pois, mais uma razão jurídica para fundamen-tar decisão de rejeição preliminar da ação, exatamente pelo emprego de ferramenta processual inadequada.

Em síntese, por mais de uma razão, não cabe o mandado de segurança à hipótese retratada na peça vestibular de modo que o opinativo é pela extinção do processo sem resolução de mérito, com espeque no §5.º do art. 6.º da Lei 12.016/2009.

MÉRITOComo é cediço a ação de mandado de segurança

comporta conhecimento horizontal limitado em relação a outros veículos processuais dado seu caráter sumário.

Em consequência, o impetrante deve demonstrar, mediante prova documental10, já com a inicial, que os-

10 A fim de ilustrar o afirmado, colhe-se a lição de Pontes de Mi-randa: “Na ação de mandado de segurança, não pode o juiz ou tribunal determinar que se tome depoimento, ou se proceda a perícia, nem admiti-los, porque estaria a fazer dependente de prova – portanto, de solução de ‘quaestio facti’– a decisão.” (MIRANDA. Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. t. V, p. 363)

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tenta o direito líquido e certo pranteado, o que equivale a dizer que o mandado de segurança “não pode estar fundamentado em simples conjecturas ou em alega-ções que dependam de dilação probatória11”.

Sob tal moldura processual é que deve ser apre-ciado o mérito da lide concreta retratada nos autos.

No que tange ao exorbitamento do poder regula-mentar, o argumento central do mandamus assenta-se na afirmação de que a Portaria “criou obrigações não previstas no art. 74, §2.º, da Consolidação das Leis do Trabalho”, bem como na assertiva de que a Portaria traz “no seu ventre complexas obrigações” (fl. 10).

Basta mera leitura do preceito legal referido para que se conclua existir, no caso, autorização expressa do legislador ao administrador para a expedição de instruções relativas ao registro manual, mecânico ou eletrônico. O destaque é importante, porque, de fato, o fundamento constitucional para o exercício do poder regulamentar não requer a autorização expressa do le-gislador ao editar o dispositivo legal a ser regulamen-tado. Quer isso significar que, quando essa autoriza-ção exsurge expressa, como na hipótese em exame, o exercício do poder regulamentar apresenta diferen-ciada densidade, pois o próprio criador da obrigação legal encerrada na norma já reconhece sua inerente insuficiência para assegurar o atingimento da finalida-de visada com o preceptivo. Eis aí, de fato, a diferença consagrada em doutrina12 entre o regulamento de exe-cução e o regulamento autorizado ou intra legem, que não se confundem com o regulamento praeter legem.

O caso sub examine é, pois, de exercício do poder de discricionariedade técnica reconhecido e cometido ao administrador pelo legislador na norma do art. 74,

11 BEBBER. Op. Cit., p. 88.12 VELLOSO. Carlos Mário da Silva. Do poder regulamentar. RDP

65, pp. 46-47.

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§2.º, da CLT. Assim, é não só juridicamente correto, como também intuitivo, concluir que de tal preceptivo legal nascerão obrigações derivadas da norma primá-ria, de fonte legal.

Os parâmetros de aferição, os limites dados ao administrador no exercício da discricionariedade técni-ca são, em essência, a observância da finalidade per-seguida pela norma sob regulamentação, a contenção de outras normas constitucionais13 e a proporcionalida-de entre o ato e o fato que o determinou14. Tais são, portanto, sem prejuízo de aspectos formais relativos ao ato administrativo, os únicos censuráveis pela autoridade judiciária15.

13 “O poder discricionário encontra limites na finalidade legal da norma que o instituiu, mas também, e primordialmente, nas nor-mas constitucionais”. (BARROSO, Luís Roberto. Temas de di-reito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, t. II, 2003. p. 367).

14 COUTO E SILVA. Almiro de. Poder discricionário no direito ad-ministrativo brasileiro. Boletim de direito administrativo, n.º 4, 1991. p. 237.

15 Discorrendo sobre os limites da discricionariedade técnica, afir-ma José Manuel Servulo Correia: “A jurisprudência portuguesa tem designado, ao longo dos anos, sob a ideia de discriciona-riedade técnica, duas realidades distintas (...) e, do outro, aque-les casos em que o legislador se limita a prever a emissão de juízos de acertamento de um facto verificável com base em conhecimentos e instrumentos científicos e técnicos de aplicação imediata. O Supremo Tribunal Administrativo re-cusa-se, em geral, a sindicar a aplicação da ‘discricionariedade técnica’ pela Administração com o fundamento de que ‘quando há lugar à qualificação técnica, não pode normalmente, o Tri-bunal, que só lida com a técnica jurídica, apreciar se as regras de uma ou outra arte foram bem aplicadas e por isso, em regra é definitiva a qualificação aplicada pelo agente, a quem a lei atribui então a qualidade de perito. (...) A razão assim adian-tada é a de que, muito embora a Administração não disponha da liberdade de apreciação que caracteriza a verdadeira dis-cricionariedade, o raciocínio em que se fundou a decisão administrativa não pode ser repetido pelo tribunal, por ca-rência dos conhecimentos de técnicas extra-jurídicas para tanto necessárias. “ (Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos. Coimbra: Livraria Almedina, 1987. p. 475-476).

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Ocorre que, no caso concreto, em momento algum a Impetrante sequer alega que as obrigações secundá-rias decorrentes da novel Portaria revelar-se-iam inap-tas a atingir o fim por elas colimados, nem tampouco desenvolve qualquer espécie de juízo de ponderação em relação a normas de alçada constitucional que po-deriam estar sendo abaladas por tais obrigações.

Note-se que a afirmação da elevada complexidade de tais obrigações, a par de representar questão extre-mamente relativa e contestável quanto ao seu grau, logo, só por isso incabível em sede de mandado de segurança, constitui arrematada obviedade. Isso porque, não fossem complexas tais obrigações aos olhos do leigo, certamente o próprio legislador as teria previsto quando anteviu sua necessidade. Ademais, se o que pretende a Impetrante é, realmente, elidir “complexidades” parece que a ela melhor se amoldaria a adoção do registro manual ou mecânico, cuja escolha lhe é igualmente facultada.

Oxalá o argumento em comento não prospere na Justiça do Trabalho, pois isso colocaria em cheque, por exemplo, toda a regulamentação advinda com a Portaria 3.214/78 (normas regulamentadoras de saúde e seguran-ça do trabalho), editada com base nos arts. 155, I, e 200, da Consolidação das Leis do Trabalho, em condições ba-sicamente análogas às da Portaria n.º 1.510/2009 em re-lação ao art. 74, §2.º, do mesmo Codex Laboral.

Em conclusão parcial, constata-se que, abstra-ídos os elementos de verborragia do estilo retórico adotado, nada resta na peça vestibular a sustentar a afirmação de extrapolação de competência fun-cional. Não há alegação, menos ainda prova, tecni-camente pertinentes ao aspecto.

De outra parte, a Impetrante alega que “é inviável, diante do alto custo na aquisição e manutenção destes equipamentos, exigir da Impetrante o cumprimento das

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exigências da Portaria Ministerial n.° 1.510/2009”, de modo que “o princípio do livre exercício da atividade eco-nômica está sendo estupidamente violentado” (fl. 15).

Aduna, ainda, a Impetrante que a “exigência con-tida no caput do artigo 11 da Portaria n.º 1.510, de 21/08/2009 por si só é suficiente para demonstrar o re-trocesso e desapego do Ministro de Estado aos princí-pios constitucionais que tutelam a defesa do meio am-biente” (fl. 16).

Abstenhamo-nos, por ora, de expender qualquer juízo crítico a respeito da necessidade técnica de pon-deração de valores, em face da invocação de princípios constitucionais colidentes com outros de igual alçada, o que será atendido em momento oportuno.

Fixemo-nos, então, em apreciar os fatos aponta-dos como violadores do direito ao livre exercício da ati-vidade econômica e ao meio ambiente: custo elevado de aquisição/manutenção do equipamento e impressão do comprovante de registro.

No que toca ao “custo elevado”, a Impetrante “traz aos autos três orçamentos (...) para aquisição, instalação e manutenção de 350 equipamentos de registro eletrôni-co de horário conforme a Portaria n.º 1.510/2009, onde se verifica o seu custo elevadíssimo” (fl. 15) (grifou-se).

Em primeiro lugar, importa frisar a imprecisão téc-nica em que incorre a Impetrante com a adoção do vo-cábulo “custo” para expressar o conceito pretendido, uma vez que os equipamentos de ponto eletrônico não são empregados na obtenção de seus resultados ope-racionais, constituindo, em verdade, “despesas”.

Note-se, ainda, que não é o “custo” de qualquer equipamento de ponto eletrônico que parece “ferir de morte” o direito ao livre exercício de atividade da Impe-trante, pois, certamente, ela hoje vem adotando o uso de outros equipamentos de ponto eletrônico. A violação

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a tal direito se dará quando lhe for exigida a aquisição e manutenção de equipamento de ponto que satisfaça as instruções albergadas na novel Portaria. Aqui o “custo” tornar-se-á elevado no entender da Impetrante.

Então, fica fácil concluir que a prova documental apresentada desserve ao fim colimado, ou seja, de-monstrar não que os “custos” existirão, mas que são, de fato, “elevadíssimos”. Isso porque os valores apre-sentados são absolutos. Não há qualquer base de refe-rência na inicial, apta a permitir a necessária compara-ção dos “custos” demonstrados com outros quaisquer.

Com efeito, custos ou despesas, de qualquer natu-reza, não são per se elevados ou reduzidos, aceitáveis ou inaceitáveis. Trata-se de atributos não só neutros, como destituídos de valor prático se analisados isola-damente de suas contrafaces: o resultado e o lucro. Assim, por sua própria definição técnica, só admitem juízo de valor acerca de sua intensidade quando cote-jados com o resultado final que propiciem (custos) ou que permitam (despesas).

Ou seja, para demonstrar que a intensidade da despesa seria alta o suficiente para violar o livre exercí-cio da atividade seria necessário que a Impetrante com-provasse que os lucros advindos do empreendimento estariam abalados a ponto de comprometer o sucesso do empreendimento, sem prejuízo da necessidade de ser ponderada a necessidade em si da despesa, como será adiante melhor escandido.

Na verdade, de todo modo, o critério que a Impe-trante esboçou não seria o adequado. A correta valora-ção da intensidade do montante incorrido com essa des-pesa só poderia ser alcançada a partir da quantificação dos fins a que ela se destina. In casu, o cotejo lógi-co e razoável da despesa deveria se dar em relação ao montante de remuneração que seria alcançado

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ao trabalhador com a supressão de erros (rectius: fraudes) no registro da jornada de trabalho, sem se desprezar o benefício maior advindo da proteção à saúde do trabalhador e, ainda, seus óbvios consec-tários nas despesas públicas da Previdência Social.

Caberia então figurarmos o seguinte exemplo sim-plificado. Supondo que de cada obreiro que se ative na Impetrante sejam exigidas 2 horas extraordinárias na semana, e que a remuneração média dos 3.226 em-pregados fique em torno de R$ 800,00, ter-se-ia um dispêndio de cerca de R$ 44,00 por empregado em ra-zão do elastecimento da jornada, sem se considerar re-flexos legais em outras parcelas trabalhistas. Ou seja, um desembolso mensal de cerca de R$ 140.000,00. É dizer, a Impetrante, certamente boa devedora e tão preocupada com a saúde e a justa remuneração dos seus colaboradores quanto se mostra em relação ao meio ambiente genérico, em apenas cerca de 7 meses verificaria o retorno obtido com a despesa, dado pela garantia de que os valores devidos seriam efetivamen-te alcançados aos credores trabalhistas.

Conclui-se que a Impetrante não prova serem “elevadíssimos” ou mesmo “elevados” os custos com o novo ponto eletrônico, menos ainda que ne-les incorrer implicaria violação ao livre exercício da atividade econômica.

Porque adotada a mesma técnica retórica incon-sistente, igual sorte se reserva à comprovação da de-gradação ambiental.

Isso porque a mera afirmação da quantidade de comprovantes produzidos segundo a disciplina do art. 11 da Portaria hostilizada, abstraída de sua necessi-dade e utilidade, nada autoriza concluir a respeito do conceito de poluição ambiental.

Ilustra-se. A Impetrante, no desenvolvimento de sua atividade comercial, introduz no ambiente, diaria-

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mente, milhares de eletrodomésticos, a seu turno en-caixotados e/ou ensacados para venda, tudo mediante, presume-se, a emissão de milhares de cupons ou no-tas fiscais de venda. Ora, se se abstrair aqui, também, de qualquer juízo acerca da utilidade de tais bens e do-cumentos, ou dos benefícios advindos à economia pelo exercício do empreendimento, certamente se concluirá que a atividade encetada pela Impetrante é francamen-te poluidora, razão pela qual poderia ser acoimada de materialmente inconstitucional.

É dizer, o fato apontado nos autos não demonstra, em si, a violação ao direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.

Ademais, ainda que se superasse tal óbice, o fato é que a Impetrante não prova, de fato nem sequer ale-ga, que o material empregado seria de inviável recicla-gem ou que sua produção careceria do uso de bens não-renováveis16, ou, ainda, que seria inapto à natural degradação e incorporação, quando em contato com o ambiente.

A alegada degradação ambiental, portanto, não se encontra minimamente comprovada, fazendo in-viável concluir que o correspectivo direito da Impe-trante esteja sendo violado.

Há, enfim, relevante insuficiência e inadequação na comprovação dos fatos alegados na inicial, que mais se avoluma quando se analisa a categoria de direitos apontados pela Impetrante como violados pelo ato da autoridade.

Nesse sentido, curial atentar-se que a Impetrante, sponte propria, elege, tirante o argumento vinculado ao

16 Em verdade, segundo consta na matéria jornalística publicada na edição de 31 de julho de 2010 do caderno de economia do Correio do Povo, “o papel usado no comprovante é 100% reciclável e, como todo papel fabricado em nosso país, terá suas fibras retiradas de madeira originada de reflorestamento de eucalipto ou pinus...”

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poder regulamentar, direitos decorrentes de princípios constitucionais como em tese atingidos pelo ato repu-tado ilegal.

Tange a irresponsabilidade técnica, todavia, recorrer à interpretação de princípios constitucionais sem que se renda obediência aos sobreprincípios de hermenêutica constitucional, notadamente os da unidade e da concor-dância prática ou harmonização. Isso porque a concre-tização de direitos decorrentes de princípios constitucio-nais jamais se realiza de modo absoluto, estanque.

No caso, infelizmente, não há sequer uma linha da inicial do writ tendente a pelo menos apontar os fins visados pela norma tão incisivamente atacada pela Im-petrante, menos, ainda, os interesses e direitos que se colima com ela tutelar.

A omissão é fatal, porque para que se pudesse concluir a respeito das violações aos direitos vindi-cados, seria imprescindível ponderá-los com os in-teresses mediata e imediatamente protegidos com a novel disciplina.

Nesse sentido, cabe rememorar que o regra-mento novo busca assegurar, em perspectiva ime-diata, o controle eficaz da jornada de trabalho, pe-los atores envolvidos: empregador, trabalhador e Estado. Eficaz aqui entendido como apto a coibir as fraudes que notoriamente, como admitido na peça inaugural, vêm ocorrendo.

Sob prisma de seus efeitos mediatos, o registro eficaz da jornada de trabalho colima garantir não só seu correto dimensionamento, para fins de justa re-muneração, como, sobretudo, o necessário contro-le de seus limites em patamares assecuratórios da saúde do trabalhador e de sua convivência familiar.

Trata-se, ultima ratio, de dar concretude a outros direitos e princípios de assento constitucional, cujo re-

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conhecimento passou ao largo da inicial: o direito à saúde, ao convívio familiar e o valor social do trabalho.

Assim, se a sistemática de controle de jornada via ponto eletrônico, antes do novo regramento, vinha se apresentado notoriamente vulnerável a fraudes, não há dúvida de que tais direitos estavam sendo lesados.

Por conseguinte, a adequada e suficiente de-monstração da violação aos direitos ao livre exercício da atividade econômica e ao meio ambiente sadio e equilibrado demandaria comprovação preconstituída dos fatores de ponderação concernentes a todos os di-reitos em aparente conflito.

Quer isso significar que, escolhida a via manda-mental, à Impetrante caberia demonstrar que: 1) o sis-tema de registro decorrente da Portaria n.º 1.510/2009 não seria capaz de atingir os fins a que se propõe; 2) haveria outro sistema de registro eletrônico igualmente idôneo a assegurar o eficaz controle de jornada e que não arranhasse seus direitos; 3) o benefício advindo com o uso do sistema decorrente da novel disciplina não seria compensado com as alegadas limitação ao livre exercício de sua atividade econômica e degrada-ção ambiental.

Como transparece hialino, nada disso foi feito, o que demonstra que, ainda que comprovados es-tivessem os fatos alegados - custo elevado e polui-ção ambiental - a prova preconstituída seria inapta, porque insuficiente, a demonstrar o comprometi-mento aos valores constitucionais invocados pela Impetrante em face daqueles resguardados pela Portaria do MTE.

Mutatis mutandis, cabe ilustrar as ponderações supra com os fundamentos adotados na decisão infra ementada:

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“É certo que a ordem econômica na Consti-tuição de 1.988 define opção por um siste-ma no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excep-cionais. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realiza-dos pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. A livre iniciativa é expressão de li-berdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Cons-tituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia, por-tanto, como bem pertinente apenas à empre-sa. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tenden-tes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de comple-mentar a formação dos estudantes.” (ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, DJ 02/06/06). No mesmo sentido: ADI 3.512, DJ 23/06/06.)

A Impetrante, em síntese, não comprova pos-suir os direitos afirmados, nem tampouco os fatos dos quais deduz a ilegalidade do ato da autoridade apontada como coatora. Como corolário, quanto ao mérito, o opinativo é pelo não provimento do quan-to postulado.

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III - CONCLUSÃOVis-à-vis do esquadrinhamento proposto, o Minis-

tério Público do Trabalho opina pelo NÃO CONHECI-MENTO do mandamus e, no mérito, pelo seu DESPRO-VIMENTO, nos moldes da fundamentação encimada.

IV - REQUERIMENTOSOutrossim, vem o Ministério Público do Trabalho

perante V. Ex.ª, com fulcro no art. 83, inc. XII, da Lei Complementar n.º 75/93, para requerer:

1. que se dê ciência do feito à Advocacia-Geral da União, por meio da Procuradoria Regional da União na 4.ª Região, órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito, na forma do inc. II do art. 7.º da Lei n.º 12.016/2009;

2. a intimação pessoal do Ministério Público do Trabalho, com remessa dos autos à Sede da Procuradoria Regional do Trabalho da 4.ª Região, conforme preceituam o art. 18, inciso II, alínea “h” e o art. 84, inciso IV, ambos da Lei Complementar n.º 75, de 20.05.93; o art. 236, § 2.º, do CPC, sobretudo para que eventualmente possa exercer a atribuição insculpida no inc. VI do art. 83 da Lei Complementar n.º 75/93.

Porto Alegre/RS, 9 de agosto de 2010.

ITABORAY BOCCHI DA SILVA

Procurador do Trabalho

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Poder Judiciário FederalJustiça do Trabalho da 4ª RegiãoRio Grande do Sul

9ª Vara do Trabalho de Porto Alegre

DECISÃO0000681-58.2010.5.04.0009 Mandado de Segurança

VISTOS, ETC.

Trata-se de Mandado de Segurança em que é im-petrante LOJAS COLOMBO S/A - COMÉRCIO DE UTI-LIDADES DOMÉSTICAS e impetrado o SUPERINTEN-DENTE REGIONAL DO TRABALHO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Sustenta o impetrante a inconsti-tucionalidade formal e material da Portaria nº 1.510, de 21 de agosto de 2009, do Ministério do Trabalho e Emprego. Aduz que a referida portaria foi instituída com o intuito de disciplinar e uniformizar a forma de registro da jornada de trabalho do empregado através do ponto eletrônico e, para tanto, criou um conjunto de regras a serem obede-cidas pelo empregador que se valer deste tipo de contro-le, denominando tal regramento de Sistema de Registro Eletrônico de Ponto - SREP. Discorre sobre as exigências constantes na portaria em questão para que seja adotado o registro de ponto eletrônico e acrescenta que as em-presas terão prazo até o dia 25 de agosto de 2010 para se adequar as novas regras. Alega o impetrante que a Portaria Ministerial ostenta excessos no exercício da sua competência funcional, maculando a norma com o vício da inconstitucionalidade formal pois cria obrigações não previstas no artigo 74, §2º da CLT, que permite a utiliza-ção de registro eletrônico de horário. Sustenta ainda que as exigência impostas pela referida portaria ofendem os princípios gerais da ordem econômica, insculpidos do ar-tigo 170 da Constituição Federal, em especial o livre exer-cício da atividade econômica e a defesa do meio ambien-

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te. No aspecto afirma que são por demais elevados os custos para aquisição e manutenção do sistema na forma como exigido pela portaria. Apresenta três orçamentos para instalação e manutenção dos 350 equipamentos que necessita. Diz ainda que a exigência de impressão de comprovante a cada registro do cartão fere os princípios constitucionais que tutelam a defesa do meio ambiente exemplificando que, nos eu caso, são 12.904 comprovan-tes por dia. Destaca o empenho do CNJ que não está medindo esforços para a formação e recuperação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, citando a Re-comendação nº 11 e a meta de redução do consumo de energia, telefone, água e combustível. Conclui afirmando que a portaria 1.510/09 violentou a Constituição Federal em seus mais fundamentais preceitos, restando, portanto, inconstitucional e demonstrando retrocesso social. Alega que está presente o direito líquido e certo e não cumprir com tais ilegais e inconstitucionais obrigações e requer, liminarmente, o acolhimento do Mandado de Segurança Preventivo para que seja determinado ao Superintenden-te Regional do Trabalho e aos agentes a ele subordinados que se abstenham de lavrar autos de infração e de impor multas às lojas da Impetrante no Estado do Rio Grande do Sul, pelo fato de não cumprirem as exigências contidas na Portaria nº 1.510, de 21/08/2009, do Ministério do Tra-balho e Emprego.

O pedido liminar foi indeferido nos termos da deci-são da fl. 58.

A autoridade impetrada manifesta-se às fls. 65/108 sustentando a legalidade da Portaria 1.510, de 21/08/2009. Aduz que o artigo 74, §2º da CLT estabele-ce que o modo de anotação dos horários, quando em re-gistro eletrônico, será feito conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho e nesse sentido a norma em questão não apenas delega ao poder regula-mentar a tarefa de instruir os particulares sobre o modo como isso deva ser feito como admite implicitamente

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que a normatização seja dinâmica. Acrescenta que o con-teúdo da portaria é estritamente técnico-instrumental que adaptam o registro eletrônico de ponto a parâmetros tec-nológicos mais confiáveis, aptos a reduzirem o grau de litigiosidade sobre o tema e instruem os empregadores sobre o modo de se adequar a tais parâmetros. Por fim, afirma que a eficácia de diversos direitos constitucionais de índole social, conforme previsto no artigo 7º tem sua eficácia condicionada aos meios materiais de controle de jornada e sua respectiva aptidão para comprovação e acrescenta que a portaria encontra fundamento, em últi-ma análise, não apenas nos artigos 74, §2º e 913 da CLT, mas na própria Carta Constitucional. Colaciona artigo so-bre a matéria e impressos de páginas da “internet” que denunciam a fragilidade dos registros de ponto eletrônico oferecidos no mercado a justificar a regulamentação.

O Ministério Público do Trabalho opina, às fls. 110/129, pelo indeferimento da inicial ou, superado o momento próprio, pela extinção da ação sem resolu-ção de mérito. Acrescenta que das causa de pedir e do pedido, assim como afirmados na inicial, não se deduz a existência de direito subjetivo do impetrante, ou, na hipótese em que isso ocorre, não se revela ela líquido e certo. No mérito opina pelo não provimento do pedido.

Vem os autos conclusos para decisão.É o relatório.

ISTO POSTO

Pretende a impetrante seja concedida a segurança para que a autoridade coatora e os agentes fiscais que lhe são subordinados se abstenham de autuar, multar e impor penalidades às lojas e unidades da impetrante no Estado do Rio Grande do Sul pelo fato de não cumpri-rem as exigências contidas na Portaria nº 1.510, de 21 de agosto de 2009, do Ministério do Trabalho e Emprego. Alega a inconstitucionalidade formal e material da portaria

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em questão seja porque extrapola a competência funcio-nal, seja porque afronta os princípios do livre exercício da atividade econômica e da proteção do meio ambiente.

Na esteira do que opina o Ministério Público do Trabalho, não declina o impetrante o direito subjetivo que entende especificamente violado.

Com efeito, o §2º do artigo 74 da CLT disciplina a obrigatoriedade da manutenção de registro de horário para aqueles estabelecimentos com mais de 10 trabalha-dores e faculta unicamente a escolha do tipo de registro, se manual, mecânico ou eletrônico. Não há, pois, a obri-gatoriedade de eleger-se o ponto eletrônico como meio de registro, possuindo o empregador discricionariedade para optar por uma outra das modalidades de controle disponíveis. Conforme assinalado pelo Ministério Público, não se pode confundir direito líquido e certo tutelado pelo mandado de segurança com mero interesse em dada configuração jurídica. O empregador pode ter interesse na manutenção do controle pelo ponto eletrônico nos ter-mos em que vinha sendo realizado, mas não tem direito líquido e certo ao regime anterior. Não se encontra, pois, em posição jurídica amparável pelo writ, mas em um es-tado de sujeição: caso opte pelo ponto eletrônico, a partir do dia 25.08 terá que sujeitar-se ao novo disciplinamen-to trazido pela portaria em questão, disciplinamento este que provém da própria potestade estatal.

Em outras palavras: a portaria disciplina apenas a adoção de um dos três tipos de controle previsto no artigo 74, §2º da CLT, visando justamente aumentar a confiabilidade e a segurança das informações. Assim, o impetrante pretende ver amparado mero interesse em que se lhe exija o cumprimento de obrigação legal de uma determinada forma e não de outra, finalidade para a qual não se presta o Mandado de Segurança.

De outra parte, mesmo no mandado de segurança preventivo não basta a simples ameaça de lesão a di-reito com base em apreciação subjetiva do impetrante,

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sendo requisito incontornável para a concessão da me-dida a demonstração de atos concretos ou preparatórios de parte da autoridade impetrada. No mínimo, é neces-sário ao menos indícios de que uma ação iminente irá atingir o patrimônio jurídico do impetrante, situação não caracterizada no presente feito, em que a portaria ata-cada só passará a deter potencialidade para embasar ações da fiscalização a partir do próximo dia 25. A ação mandamental, como bem acentuado pelo Ministério Pú-blico, não tem por objetivo a interpretação de ato norma-tivo em tese, nos termos da súmula 266 do STF.

De fato, a lei em tese não é atacável por mandado de segurança em função de não lesar, por si só, qual-quer direito individual. Necessária se torna a conversão da norma abstrata em ato concreto ( por exemplo, ter-mos de início de fiscalização lavrados pelos prepostos da autoridade fiscalizadora na praça de Porto Alegre), para que a posição jurídica da impetrante possa ser resguardada pelo mandamus. Neste caso, ainda que não iniciada efetiva fiscalização em quaisquer dos es-tabelecimentos da impetrada, existirão atos concretos em andamento na cidade em que a impetrante é do-miciliada, o que viabilizaria, em tese, a concessão de segurança preventiva, visando evitar a autuação e a aplicação de penalidades( tutela inibitória).

Assim, por não possuir a indigitada portaria efeitos concretos, carecendo de operatividade imediata na data em que proferida esta decisão, acolho o parecer do Par-quet pela extinção da ação sem resolução de mérito.

ANTE O EXPOSTO, extingo o feito sem julgamen-to de mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC.

Publique-se. Intime-se.

Adriana Moura FontouraJuíza do Trabalho

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AÇÕES CIVIS PÚBLICAS

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TERCEIRIZAÇÃO ILEGAL NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À SAÚDE NO MUNICÍPIO DE

CARAZINHO/RS

Juliana Hörlle Pereira1

EXMO. SR. DR. JUIZ DA VARA DO TRABALHO DE CARAZINHO/RS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - PRT DA 4ª REGIÃO - OFÍCIO DE PASSO FUNDO, sediado na Rua Coronel Chicuta, 575, 4º andar, Centro, CEP 99010-051, Passo Fundo/RS, no exercício de suas atri-buições legais e com fulcro nos arts. 127, caput, e 129, III, da Constituição da República, combinados com o art. 83, III, da Lei Complementar 75/93, vem, respeito-samente, perante V. Exa., propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE LIMI-NAR, em face de

MUNICÍPIO DE CARAZINHO, pessoa jurídi-ca de direito público inscrita no CNPJ sob o número 87.613.535/0001-16, com sede na Avenida Flores da Cunha, 1264, Carazinho/RS, CEP 99500-000;

CENTRO DE MEDICINA PREVENTIVA E PSI-COSSOCIAL - CMPP, pessoa jurídica de direito priva-do inscrita no CNPJ sob o número 73.789.232/0001-44, com sede na Avenida Pátria, 736, Carazinho/RS, CEP 99500-000; e

ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EX-CEPCIONAIS – APAE DE CARAZINHO, pessoa jurí-

1 Procuradora do Trabalho do MPT-RS – PTM de Passo Fundo.

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dica de direito privado inscrita no CNPJ sob o número 88.457.957/0001-02, com sede na Rua Paissandu, 140, Carazinho/RS, CEP 99500-000, pelos fundamentos de fato e de direito que passa a expor.

I. DA INVESTIGAÇÃO CONDUZIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Em 08.11.2006, instaurou-se, perante o Ministério Público do Trabalho, a partir de reportagem publicada na edição de 22.10.2006 do jornal Zero Hora (doc. 1), investigação destinada a apurar possíveis irregularida-des no provimento da mão-de-obra relacionada à pres-tação dos serviços de atenção à saúde no Município de Carazinho. A investigação foi formalizada na Peça de Informação 152/2006.

Em apreciação prévia dos fatos narrados na re-portagem, considerou-se cabível a atuação do Parquet, diante da caracterização, em tese, de terceirização ilíci-ta, com violação à legislação do trabalho e aos direitos e princípios insculpidos no art. 37 da Constituição da República (doc. 2).

Requisitaram-se informações ao Município denun-ciado, vindo aos autos o contrato de gestão firmado en-tre a Municipalidade e o CMPP (doc. 3) e relação de trabalhadores envolvidos na execução dos serviços de atenção à saúde (doc. 4).

Solicitou-se ao Tribunal de Contas do Estado do RS o envio do relatório da auditoria realizada no Muni-cípio, inclusive no contrato de gestão (doc. 5).

Notificou-se o CMPP para que juntasse aos au-tos cópia de seus atos constitutivos (doc. 6) e relação nominal de seus empregados, associados e demais prestadores de serviços, com indicação da natureza do vínculo entre o profissional e a entidade (doc. 7).

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Expediu-se ofício à Promotoria de Justiça de Ca-razinho/RS, com vistas à obtenção de informações sobre a existência de investigação em curso perante aquele órgão versando sobre a prestação dos serviços de saúde pelo Município. A resposta inicial foi negativa (doc. 8).

Notificou-se a APAE para trazer ao expediente có-pia dos contratos mantidos com o CMPP (doc. 9) e lis-tagem dos prestadores de serviços envolvidos na sua execução (doc. 10).

Encaminharam-se documentos ao Parquet Esta-dual (doc. 11).

O CMPP trouxe à PI cópias da primeira versão de seu estatuto social (doc. 12) e da ata de assembléia de constituição da entidade (doc. 13).

A Promotora de Justiça de Carazinho enviou ao Ministério Público do Trabalho cópia da inicial (doc. 14), da sentença (doc. 15) e do acórdão (doc. 16) referentes à ação civil pública 009/1.04.0001541-7, movida pelo Ministério Público Estadual contra o Município de Ca-razinho e o CMPP.

Realizou-se audiência com o Município, para ob-tenção de informações sobre os contratos com o CMPP (doc. 17).

Prestaram-se informações à Promotoria de Justi-ça de Carazinho (doc. 18).

Acostaram-se ao inquérito cópia de documentos extraídos da ação civil pública intentada pelo Parquet estadual, entre os quais (a) ofício do MPE ao CMPP, com a respectiva resposta (doc. 19); (b) termos de de-clarações produzidos no inquérito do MPE (doc. 20); (c) regimento interno do CMPP (doc. 21); (d) Lei Municipal 5.976/2003 (doc. 22); (d) convênio, termo aditivo e ter-mo de encerramento do convênio entre o Município e a APAE – Carazinho (doc. 23); (e) Decretos Executivos

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Municipais 049 e 050/2003, dispondo sobre a qualifi-cação de entidades como Organizações Sociais (doc. 24); (f) estatuto da APAE (doc. 25); (g) termos de de-poimentos colhidos perante o juízo estadual (doc. 26).

Foram ouvidos trabalhadores envolvidos na pres-tação dos serviços de saúde pelo Município (doc. 27).

Designou-se audiência com a APAE - Carazinho, na qual foi ofertada à entidade proposta de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (doc. 28).

Realizou-se audiência com o CMPP (doc. 29).O Município investigado prestou informações em

audiência (doc. 30).O Município trouxe ao inquérito o novo contrato de

gestão de serviços na área da saúde, celebrado após o trânsito em julgado da sentença da ação civil pública da Justiça Estadual (doc. 31).

O MPT ouviu outros trabalhadores da saúde (doc. 32).

A APAE pediu prorrogação do prazo para manifes-tação sobre a minuta de TCAC, sob alegação de que dependia de decisão de sua diretoria e de contato com o CMPP e o Município (doc. 33), findo o qual, em audi-ência, propôs a concessão de prazo até o final do ano de 2008 para o encerramento do convênio. O prazo foi considerado excessivo pela Procuradora oficiante, ra-zão pela qual não foi firmado o Compromisso (doc. 34).

Veio aos autos decisão prolatada pelo Pleno do Tribunal de Contas do Estado do RS, que se posiciona desfavoravelmente à aprovação das contas do exercí-cio de 2004 do Prefeito de Carazinho, em razão, entre outros apontes, de irregularidades detectadas no con-trato de gestão dos serviços de saúde (doc. 35).

O Município, em audiência perante o Parquet, igualmente refutou a celebração de TCAC, aduzindo que o Compromisso poderia acarretar o ajuizamento

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de reclamatórias em face do ente público, que “a maté-ria é complexa”, e que, por essa razão, “o melhor cami-nho” é o da discussão judicial (doc. 36).

Diante das provas coligidas ao longo da investiga-ção, convenceu-se o Ministério Público do Trabalho da absoluta ilicitude da forma de contratação da mão-de-obra envolvida na execução dos serviços de atenção básica à saúde no Município de Carazinho. E, tendo em vista a recusa dos investigados em firmar os Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta propostos, não restou ao Parquet alternativa que não o manejo da presente ação civil pública.2 É o que a seguir se passa a demonstrar.

II. DA SISTEMÁTICA DE PROVIMENTO DA MÃO-DE-OBRA PARA A EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO À SAÚDE BÁSICA NO MUNICÍPIO DE CARAZINHO

II.1. O contrato de gestão entre o Município e o CMPP

Questionado sobre a forma pela qual presta os serviços de atenção à saúde da população, o Municí-pio réu afirmou textualmente que “o referido é efetuado através de um Contrato de Gestão com a Sociedade Beneficente CMPP de Carazinho-RS”.

De fato, o exame do instrumento revela que, des-de 2003, a totalidade das ações relacionadas à pres-tação dos serviços de saúde, com exceção daqueles

2 A questão da contratação de mão-de-obra por intermédio de co-operativas, a despeito de ter sido objeto de investigação nos mesmos autos (PI 152/2006), será, por não guardar relação di-reta com os fatos ora trazidos à apreciação do juízo, objeto de ação específica.

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definidos como “de alta complexidade”, teve, pelo me-nos formalmente, sua execução delegada ao Centro de Medicina Preventiva e Psicossocial - CMPP.3

Os contratos foram sucessivamente aditados, para prorrogação de prazo e/ou reajuste de valores, conser-vando, em linhas gerais, a mesma estrutura.

O contrato assinado em 20.10.2005 tem por ob-jeto “a elaboração a assunção (sic) da prestação de serviços públicos de saúde à população, na área de assistência ambulatorial, em especial na atenção bási-ca, a formulação de um planejamento estratégico, ope-racional e um sistema de avaliação de resultados, por meio de estabelecimento de ações em parceria entre as partes” (cláusula primeira).

Nesse contexto, a entidade contratada “assume as atividades desenvolvidas nas Unidades de Saúde do Município, públicas, da Administração direta e con-veniada”, obrigando-se, ainda, a “I - cumprir as metas relacionadas em anexo, contribuindo para o alcance dos objetivos citados na cláusula primeira; II - observar, na execução de suas atividades e no atendimento da

3 Até o ano de 2003, os serviços estavam sob a responsabilidade formal do Município, que já contratava a mão-de-obra para a sua execução por intermédio da APAE. Com a celebração do contra-to de gestão com o CMPP, o Município foi substituído por essa entidade, no convênio com a APAE ― sem qualquer alteração no quadro de funcionários ou na realidade fática das contrata-ções. É o que patenteia o Termo de Encerramento de Convênio firmado em 30.07.2003: “Considerando ter o Município de Ca-razinho firmado Contrato de Gestão com a Organização Social / Sociedade Beneficente CMPP de Carazinho/RS, no dia 09 de junho de 2003, onde a mesma assumiu a totalidade das ativida-des desenvolvidas pelas Unidades de Atenção Básica de Saúde do Município, com o mesmo quadro de funcionários antes vincu-lado à APAE (...) o Município e a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais - APAE resolvem aceitar o encerramento do referido Convênio (...)”. (grifos não-originais)

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comunidade, as diretrizes da Secretaria Municipal da Saúde e os princípios do Sistema Único de Saúde, ex-pressos no art. 198 da Constituição Federal e no art. 70 da Lei Federal 8.080, de 19.09.1990; III - elaborar anu-almente o plano de trabalho a ser desenvolvido pela ENTIDADE, conforme diretrizes da política de saúde local, bem como a proposta orçamentária para cada exercício, submetendo à apreciação da Secretaria Mu-nicipal da Saúde; (...) V - elaborar, submeter à apro-vação do Conselho de Administração e encaminhar ao MUNICÍPIO os relatórios gerenciais de atividades; VI - aplicar os recursos financeiros que lhe forem repas-sados exclusivamente na consecução dos objetivos e metas previstos neste instrumento, assim como bem administrar os bens móveis e imóveis que lhe forem cedidos e os recurso humanos colocados à disposição” (cláusula segunda).

Salta aos olhos, numa primeira análise, a ampli-tude das atividades transferidas ao CMPP ― ao qual também foram cedidos bens e servidores públicos, por força do contrato de gestão.

A leitura do conjunto do instrumento permite con-cluir, porém, que o Município conserva amplos poderes, não apenas de fiscalização, mas também de definição dos planos de trabalho e de aprovação dos orçamentos e relatórios gerenciais.

Explica-se, aliás, a ativa participação do Municí-pio na execução dos serviços pelo fato, destacado pelo Tribunal de Contas do Estado no relatório de auditoria do exercício de 2004, de que o anexo do contrato, que deveria explicitar as metas, indicadores e critérios de avaliação, contém apenas a descrição das tarefas, de forma genérica e sem quantificação:

“O contrato de gestão firmado não contemplou a quantificação das metas, tampouco foram

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informados os indicadores de desempenho. Especificamente, no tocante às metas, verifi-cou-se que no Plano de Trabalho, apresentado pela OS, elas se encontram descritas, porém, não quantificadas, sem a definição do prazo de execução e sem a identificação dos respecti-vos indicadores de eficácia, eficiência e efeti-vidade. (...) esses indicadores não abrangem os insumos, processos, resultados, qualidade, satisfação do cliente/usuário, e, por fim, não fornecem elementos (informações) que possi-bilitem a verificação da eficiência, objeto fim do contrato de gestão.”

Inviabiliza-se, com isso, o efetivo controle pelo Mu-nicípio das atividades que, teoricamente, deveriam ser desempenhadas de forme independente pelo CMPP.

A conclusão que se impõe é que ou o contrato de gestão é uma autêntica “carta em branco” para que a contratada faça o que bem entender na prestação dos serviços de saúde municipais, ou que o ajuste é apenas um mecanismo engendrado para, mediante a transferência apenas formal desses serviços a entida-de privada, burlar a disciplina legal de contratação de pessoal pelo ente público, qual seja, a admissão direta, precedida de aprovação em concurso público.

Em função da sentença prolatada pela Justiça Es-tadual em ação civil pública manejada pelo MPE, o Mu-nicípio realizou concorrência pública para “a assunção da prestação dos serviços públicos de saúde à popula-ção”, da qual foi vencedor o CMPP, firmando-se contra-to em bases semelhantes aos anteriores.

A realidade da execução do contrato de gestão, tal como apurada pelo Ministério Público do Trabalho, per-mite afirmar com segurança que seu verdadeiro objeto é a colocação de mão-de-obra à disposição do Município, em cujas mãos permanece a prestação dos serviços de atenção básica à saúde. É o que adiante se verá.

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II.1.1. Do Centro de Medicina Preventiva e Psicos-social

O CMPP foi fundado em 1993, por representan-tes de diversos segmentos da comunidade (os direto-res provisórios eram o Secretário Municipal de Saúde, médicos, representantes da Comunidade Evangélica e da Câmara de Dirigentes Lojistas, sindicalista, empre-sário, entre outros), com os objetivos de dar assistên-cia a viciados em drogas, alcoolistas, doentes mentais, portadores do vírus HIV, idosos, pacientes com câncer, etc., abrigar recolhidos pela Brigada Militar, ao lado de outros fins filantrópicos. O patrimônio inicial da entida-de era de apenas uma unidade monetária da época (um cruzeiro real).

Desde a constituição, a entidade operou com total dependência do Poder Público. Segundo o relato de seu atual presidente, em audiência perante o MPT, “o CMPP era um ramo da Prefeitura [de Carazinho]”, a qual “fornecia toda a estrutura, inclusive de pessoal, para a prestação de serviços na área da saúde mental”, atendendo “cerca de sete Municípios da região”, sem contar, porém, com nenhum empregado, mas “apenas com pessoal cedido pelo Estado e pela Prefeitura”.

Permaneceu funcionando nesses moldes até o ano de 2003, quando, então, após providencial altera-ção estatutária, que ampliou sobremaneira o seu objeto social — para nele inserir, entre outros, os itens “XIII - atividades em saúde pública, no atendimento básico e nas áreas de maios complexidade como hospitalares” e “XV - administração e gestão em saúde pública”, e para autorizar, no art. 6º, I, a celebração de variada gama de ajustes, entre os quais contratos de gestão —, viu-se encarregada, por força de contrato de gestão com o Município de Carazinho, da prestação de todos os serviços de atendimento à saúde básica da população.

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A ampliação do escopo de atuação da entidade foi tão grande quanto rápida: na mesma reunião, de 11.02.2003, em que foi deliberada a alteração estatutá-ria, “ficou decidido que a Entidade está autorizada pela mesma [assembléia] a realizar um contrato de gestão com a Prefeitura Municipal de Carazinho, para imple-mentar ações de Atenção Básica de Saúde, Assistên-cia Profilática, Assistência à Saúde Mental, Assistência Ambulatorial nas áreas de Clínica Médica, Laboratorial e de Transporte, ações de Prevenção e Combate às Epidemias e Endemias, tão logo obtenha registro de organização social, junto à Municipalidade (...)”.

Em 05.06.2003, foi editado o Decreto Executivo Municipal 049/2003, que “regulamenta a Lei Municipal 5.708/02, de 25.07.02, que dispõe sobre a qualifica-ção de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações Sociais, disciplina Con-trato de Gestão e dá outras providências”; no mesmo dia 05.06.2003, invocando, entre seus “consideran-do”, o disposto no citado Decreto 049/2003, o Decreto 050/2003 qualificou o CMPP como Organização Social; e, em 18.06.2003, o Conselho de Administração, em reunião na Secretaria Municipal de Saúde, presidida pelo Secretário Municipal da Saúde e presidente do CMPP, aprovou a proposta de contrato de gestão, e, em seguida, a contratação da APAE para “o forneci-mento de mão-de-obra especializada”.

O histórico da entidade revela, de plano, que o CMPP jamais teria condições de assumir atividades de tamanho vulto e complexidade como são as rela-cionadas ao atendimento à saúde básica municipal, simplesmente porque não possuía patrimônio, equipa-mentos, pessoal, experiência ou conhecimento técni-co próprios, tendo operado, por aproximadamente 10 anos, como um (pequeno) departamento do Poder Pú-

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blico Municipal, ao qual esteve sempre completamente subordinado.

Não surpreende, por isso, que o contrato de ges-tão seja a única atividade a que se dedica a entidade desde 2003. Sobre as atividades do CMPP, refletidas na composição de suas receitas, veja-se o que anotou o Tribunal de Contas (auditoria do exercício de 2004):

“1.1.4 – DAS FONTES DE CUSTEIO DA EN-TIDADE

Analisados os demonstrativos contábeis da associação, constatou-se que a totalidade de suas receitas decorrem de repasses recebidos do Município, por força do contrato de gestão. Vejamos:

Receitas auferidas pela OS nos exercícios de 2003 e 2004

EspecificaçõesRepasse Prefeitura Municipal de Carazinho

Exercício de 2003 Exercício de 2004

Valor (R$) % Valor (R$) %

Repasse Prefeitura Municipal de Carazinho 2.711.795,64 100% 4.346.611,54 99,96

Receita Ordinária Total 2.711.795,64 100% 4.348.400,29 100%

* a receita de R$1.857,75 não foi considerada, eis que decorre de cancelamento de restos a pagar

Conforme pode ser visto, praticamente 100% das receitas auferidas pela Entidade tiveram origem nos repasses do Município de Carazi-nho. Esses dados revelam que, na prática, as atividades da OS estão direcionadas exclusi-vamente ao atendimento dos serviços contra-tados com o Município.”

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Do exposto, depreende-se que o CMPP apenas serviu, à perfeição, ao objetivo do Município de se va-ler de pessoa jurídica de direito privado para escapar das formalidades e dos ônus do regime de contratação de pessoal dos entes públicos ― mantendo-se, no en-tanto, tal qual no passado, como um anômalo departa-mento da Secretaria Municipal de Saúde.

II.1.2. Do CMPP como parte da Secretaria Munici-pal de Saúde

As provas coligidas pelo Parquet ao longo da in-vestigação permitem afirmar que, na realidade da exe-cução do contrato de gestão, era o Município, por sua Secretaria de Saúde, quem de fato comandava a pres-tação dos serviços.

Já na composição da direção do CMPP fica paten-te a estreita vinculação entre o Poder Público Municipal e a entidade. De acordo com o art. 19 do estatuto social, o Conselho de Administração tem em sua composição “04 membros natos, representantes do Poder Público Municipal, indicados pelo Chefe do Poder Executivo local” (inciso I), que “podem ser substituídos sempre a critério e de acordo com as determinações do Chefe do Poder Executivo” (inciso VII). E, a teor do art. 21, § 1º, “o Secretário da Saúde do Município em exercício será convidado a ser o Presidente”. O mandato dos conse-lheiros fiscais, por sua vez, está “vinculado ao término do mandato dos agentes políticos do Município” (art. 17).

Impossível imaginar maior confusão os papéis de fiscal e de fiscalizado, e de contratante e de contratado, do que a instituída pelo contrato de gestão, a patente-ar que sua execução obedecia a um único comando, emanado da Secretaria Municipal de Saúde.

Também os integrantes do Conselho Municipal de Saúde, entidade a quem a Lei 8.080/90 atribui as fun-

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ções de “formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde” (art. 19-H) e de fiscalização da movi-mentação dos recursos financeiros do Sistema Único de Saúde - SUS (art. 33), não poderiam integrar os quadros do CMPP, sob pena de serem, a um só tempo, aplica-dores e fiscais da aplicação dos recursos, executores e avaliadores da execução das políticas de saúde.

No entanto, apesar de ter representante na dire-ção do CMPP, o Conselho Municipal de Saúde, por exemplo, exarou parecer favorável à qualificação da entidade como Organização Social (considerando do Decreto Executivo 050/2003).

A confusão foi mencionada pelo Pleno do Tribunal de Contas, no acórdão que recusou a aprovação das contas do Prefeito do exercício de 2004:

“No tocante ao item 3.3, que tratou de infrin-gência ao princípio de segregação das fun-ções, fl. 506, ressalta-se que as medidas sa-neadoras anunciadas, fls. 568 e 1322/1323, surtem efeitos somente a partir de sua imple-mentação, mas não descaracterizam a grave situação ocorrida no exercício auditado, pois o acúmulo de funções no CMPP com atividades no Conselho Municipal de Saúde (Sr. Jonas Pi-than Carpes) e na Comissão de Fiscalização, Acompanhamento e Avaliação do Contrato de Gestão (Sr. Carlos Vicente Piva) infringe o prin-cípio da segregação das funções e interfere no trabalho daqueles responsáveis pelas funções de fiscalização, acompanhamento e avaliação dos serviços públicos de saúde prestados pela Organização Social. Assim, persiste a irregu-laridade.”

A realidade da prestação dos serviços reflete a documentada ausência de distinção entre a Secretaria Municipal de Saúde e o CMPP, segundo os depoimen-tos dos trabalhadores ouvidos pelo Parquet:

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“(...) que, em março de 2005, por indicação de sua mãe, que é servidora do Município de Carazinho, e de algumas colegas, foi até o gerente geral do CMPP, para se candidatar ao cargo de sua secretária; que fez uma en-trevista com o próprio gerente e foi seleciona-da; que trabalhou como secretária do gerente até janeiro de 2007; que, questionada sobre o papel do CMPP, informa que a entidade “admi-nistrava a Secretaria de Saúde do Município”; que foi informada, no ato da admissão, que se-ria contratada pela APAE; que achou estranho ser contratada pela APAE; que perguntou ao gerente e ele lhe explicou que a prefeitura ter-ceirizou a Secretaria da Saúde para o CMPP, e o CMPP, porque não podia contratar funcio-nários, terceirizou para a APAE; que as tercei-rizações foram precedidas de licitação; que o gerente lhe explicou que a questão estava relacionada à Lei de Responsabilidade Fiscal; que a depoente, o gerente, a responsável pe-las compras e o encarregado do financeiro e sua auxiliar trabalhavam em uma mesma sala, dentro da Secretaria de Saúde; que havia al-guns servidores concursados, tais como al-guns motoristas, uma pessoa que trabalhava na administração dos PSFs, uma servidora do Estado que cuidava dos exames; que a maio-ria das pessoa que trabalhavam no local era admitida pelo CMPP e contratada pela APAE; (...) que a pessoa responsável por verificar, por exemplo, se alguém havia faltado ao serviço, era a enfermeira-padrão que cuidava do PSF, que, por sua vez, reportava-se ao gerente do CMPP; que o pessoal que trabalhava no local reportava-se diretamente ao gerente; que o horário no ambulatório e nos PSFs havia sido fixado em momento anterior pela Secretaria de Saúde; que a depoente foi demitida pelo gerente; que o contato que mantinha com a APAE, durante o contrato, era quando ia bus-car os vales-transporte.”

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“(...) que é assistente social; que trabalhava por doze horas semanais junto à escola da APAE; que, nesse período, seu contato com a Secretaria de Saúde era apenas para even-tual encaminhamento de usuários ou solicita-ção de medicação; que, por indicação de uma amiga, soube da vaga de assistente social na Secretaria de Saúde; que, em março de 2006, fez uma entrevista com a secretária Lúcia, e foi admitida; que foi informada que seu regis-tro na carteira permaneceria o mesmo, apenas com aumento da carga horária e da remunera-ção; que, inicialmente, fazia 20 horas, e depois passou para 40; que, quando passou para 40, desligou-se da escola da APAE; que atendia as demandas oriundas dos doze postos de aten-dimento do PSF; que atendia também as de-mandas espontâneas, isto é, de pessoas que procuravam diretamente a Secretaria de Saú-de, e, ainda, os encaminhamentos de proces-sos judiciais; que trabalhava diretamente com a equipe de coordenação do PSF, formada por um médico, um dentista e uma enfermeira; que, caso tivesse algum problema ou neces-sitasse de orientação, recorria ao gerente do CMPP, quanto a questões burocráticas (entra-da de recursos, pagamentos), ou à secretária de saúde, que era “a gestora da política pública de saúde do Município”; que o contato com a APAE ocorria apenas em função de algum en-caminhamento, não havendo nenhuma espé-cie de subordinação; que o salário da depoente foi ajustado com o gerente do CMPP; que, em janeiro de 2007, a depoente foi dispensada, sendo comunicada pelo gerente do CMPP.”

“(...) que é médica ginecologista e obstetra; que trabalhou para o Município de Carazinho de abril de 2006 a outubro de 2007; que sou-be da oportunidade e entregou seu currículo na Secretaria da Saúde; que trabalhava em um centro de especialidade médica; que tra-

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balhava um dia por semana; que, questionada sobre a natureza de seu vínculo com o CMPP, declarou que desconhece a entidade e mesmo a sigla; que, em seguida, recordou-se de que, em uma ocasião, precisou entregar à Secreta-ria da Saúde um documento declarando que recolhia contribuição previdenciária por uma outra fonte de renda (hospital de Passo Fundo em que trabalhava); que no referido documen-to constava a sigla CMPP; que, de qualquer forma, a depoente não sabe o significado da sigla, nem conhece a entidade; que a depoente não possuía contrato escrito com o Município, mas mero ajuste verbal; que o horário de traba-lho foi combinado com a enfermeira chefe do CEM; que não tem os comprovantes dos pa-gamentos realizados; que acredita que quem realizava os pagamentos era a Prefeitura; (...)”

“(...) que é médico nefrologista; que trabalha no Centro de Especialidades Médicas; que no CEM há diversos médicos especialistas aten-dendo pelo SUS, para os quais são encami-nhados os casos não solucionados pelo PSF; que o depoente foi convidado para trabalhar pelo secretário de saúde da administração anterior, por ser o único nefrologista da cida-de; que começou a trabalhar no CEM, sendo remunerado por atendimento, mediante RPA; que o depoente não tem qualquer espécie de contrato escrito com a prefeitura ou com o CMPP; que consta o nome do CMPP na sua declaração anual de rendimentos; que o depo-ente atende no CEM nas terças e sextas-feiras de manhã; que o depoente não mantém ne-nhum contato com o pessoal do CMPP; que vai eventualmente até a Secretaria de Saúde para ver o valor da sua produção mensal; que não sabe exatamente se a pessoa com quem trata na Secretaria da Saúde é servidora pública ou funcionária do CMPP; que o depoente acredita

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que todos os médicos do CEM e dos PSFs são ligados ao CMPP.”

Confira-se o seguinte relato, indicativo de que, seja prestado diretamente pelo Município, seja “terceirizado” para a APAE, seja “terceirizado” para o CMPP, os ser-viços sempre foram prestados pelos trabalhadores em idênticas condições fáticas (subordinação ao Município):

“(...) que trabalhou como enfermeira desde o início da implementação do Programa de Saú-de da Família em Carazinho, em março de 2000; que deixou o currículo e em seguida foi chamada; que não houve nenhuma espécie de seleção; que, por cerca de 15 meses, foi contratada de forma emergencial, pela Secre-taria da Saúde; que, em julho de 2001, após reuniões em que foi explicado que não seria possível realizar concurso, em função do limite de gastos com folha imposto pela Lei de Res-ponsabilidade Fiscal, foi comunicado aos tra-balhadores que seriam contratados pela APAE; que o trabalho continuou exatamente igual; que a APAE apenas fazia os pagamentos; que a marcação de férias, por exemplo, continuava sendo feita junto à Secretaria de Saúde; que a chefe da depoente era a enfermeira responsá-vel pelo PSF; que, nessa época, o CMPP ainda não estava envolvido na prestação de serviços de saúde; que, numa data que a depoente não sabe precisar, foi informado que os recursos que até então a prefeitura repassava para a APAE seriam repassados antes para o CMPP, para resolver o problema dos constantes atra-sos no recebimento do salário; que, no entan-to, o problema não foi solucionado; que nada se alterou na prestação de serviços da depo-ente com a entrada do CMPP; que o horário e a chefia continuaram iguais; que a depoente foi demitida em abril de 2006.”

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Veja-se a confusão entre as variadas espécies de vínculos e linhas hierárquicas:

“(...) que trabalhou como motorista do setor de transportes do PSF, na Secretaria de Saúde, de 2003 a 2005; que ocupava cargo em comis-são; que transportava materiais e pacientes do PSF; que era subordinado ao chefe do setor de transportes, que era contratado pela APAE; que o chefe do setor era subordinado direta-mente ao secretário de saúde; que o depoente era subordinado também à enfermeira chefe do PSF; que havia motoristas concursados, ocupantes de cargo em comissão e contrata-dos pela APAE.”

E, demonstrando que as admissões e demissões dos trabalhadores da saúde ocorriam ao alvedrio dos gestores do dia, apenas variando a modalidade da in-termediação (cooperativa, entidade filantrópica, enti-dade qualificada como Organização Social), tem-se o seguinte relato:

“(...) que a depoente trabalhou como servido-ra concursada, na função de recepcionista do local em que hoje funciona o Centro de Espe-cialidades Médicas, até 1997; que, nessa data, começou os trâmites para obter sua aposen-tadoria; que trabalhou por dois anos em uma farmácia; que, deixando o emprego na farmá-cia, foi falar com o secretário da saúde e com o prefeito em busca de trabalho; que então foi indicada para trabalhar como recepcionista no mesmo local em que até então trabalha-va; que foi orientada a procurar a cooperativa COOTRAC, pois era pela cooperativa que a prefeitura estava admitindo o pessoal; que, em determinado momento, o secretário da saúde informou que estavam terceirizando o pessoal para a APAE; que o contrato da depoente foi transferido da cooperativa para a APAE; que, há quatro ou cinco anos, a depoente estava em

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férias, tendo viajado para São Paulo por mo-tivo de saúde e, quando retornou, foi avisada por seu esposo de que ele havia recebido um telefonema dizendo que a depoente estava de-mitida e deveria procurar a APAE.”

Não menos eloqüente é o depoimento do ex-ge-rente geral da entidade, tomado nos autos da ação civil pública que tramitou na Justiça Estadual:

“que trabalhou como gerente-geral do CMPP até dezembro do ano passado. (...) que o CMPP faz parte da Secretaria da Saúde; (...) que foi contratado através do CMPP (...); que sua nomeação foi feita pelo Prefeito. (...) os cargos do CMPP são preenchidos por comis-são ou indicados pelo Secretário de Saúde ou pelo Prefeito; (...) o gerente-geral agora é Aris-teu, que, acredita, foi indicado pela coligação vencedora; (...). Mais ou menos trabalhavam de 20 a 25 pessoas no CMPP. As pessoas que trabalhavam no CMPP eram indicadas pelo Prefeito ou através do Secretário Municipal da Saúde. Não sabe quais eram os critérios que o Prefeito e o Secretário da Saúde usavam para colocar pessoas para trabalhar no CMPP. Nun-ca foi feito concurso público. Esclarece que foi feito um concurso para agente comunitário, sendo que os aprovados foram chamados. (...)”

Por fim, destaca-se que até mesmo o endereço da sede do CMPP é o da Secretaria Municipal de Saúde.

II.1.3. Da intermediação de mão-de-obraSendo esse o quadro fático ― subordinação dos

trabalhadores à Secretaria de Saúde, que inclusive decide sobre seleções, admissões e afastamentos ―, imperioso concluir que não se está sequer diante de terceirização, mas de autêntica contratação de mão-de-obra por pessoa interposta pelo Município.

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A realidade confirma os termos dos instrumentos contratuais, evidenciando que não há limites claros en-tre CMPP e a Administração Municipal.

Portanto, o Município não contratou serviços es-pecíficos, em caráter complementar, com entidade es-pecializada, mas sim transferiu, via contrato de gestão, os meios materiais e humanos de atendimento à saúde para entidade privada, sobre a qual mantém comple-to domínio, com a finalidade de burlar os procedimen-tos impostos pelo regime jurídico administrativo para a admissão de pessoal, em atenção aos princípios que regem o trato da coisa pública (legalidade, impesso-alidade, moralidade, publicidade e eficiência). Busca também, com isso, reduzir as despesas com pessoal.

Quanto a esse último ponto, porém, como bem alertou o acórdão do Tribunal de Contas, pode estar sendo gerado vultoso passivo:

“Também é importante ressaltar que a crítica da Equipe de Auditoria no que tange aos fun-cionários contratados via APAE (subitem 1.1.3) é muito mais abrangente do que a abordagem feita pela defesa, que contemplou apenas a ne-cessidade ou não de se realizar concurso público para o PSF e PACS, fl. 547. Na verdade, trata-se de alerta ao Executivo Municipal de Carazinho, porque a forma como o contrato de gestão está sendo executado, pode, no futuro, causar reper-cussões financeiras nos cofres públicos.

É que em face dos funcionários da APAE es-tarem a serviço do CMPP, sob sua subordina-ção técnica e administrativa, e na execução de serviço público transferido pelo Município, poderão surgir discussões acerca da respon-sabilidade por encargos trabalhistas e pre-videnciários, como aliás, já surgiram, haja vista a notificação do INSS expedida contra o Executivo. Veja-se, por exemplo, a ques-

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tão das obrigações previdenciárias: o CMPP não é uma entidade filantrópica, assim sendo, encontra-se obrigada a recolher à Seguridade Social os encargos patronais incidentes sobre a remuneração do pessoal, enquanto a APAE, como informa a defesa, estaria isenta dessa contribuição, fl. 555.” 4

Até mesmo o procurador do Município, em audi-ência perante o MPT, após informar que “o Município cede servidores, imóvel e equipamentos para a execu-ção do contrato pelo CMPP”, atesta que “o CMPP for-nece essencialmente a mão-de-obra para a execução dos serviços de saúde”.

Por tudo isso, sendo quem comanda, de fato, a prestação dos serviços, quem detém a titularidade do empreendimento (imóveis, equipamentos, materiais, sistemas, etc., e, em especial, o encargo constitucional-mente atribuído de garantir o direito à saúde), e quem remunera a força de trabalho, ainda que com o uso de duas pessoas interpostas, não pode haver dúvida quan-to a ser o Município de Carazinho o verdadeiro emprega-dor dos profissionais da área de atenção à saúde.

II.2. O contrato de fornecimento de mão-de-obra entre o CMPP e a APAE

Não satisfeito em burlar a exigência constitucional de admissão direta, antecedida de concurso público, do pessoal necessário à prestação dos serviços de saúde, o Município engendrou manobra ainda mais artificiosa

4 A maciça e despudorada predominância de representantes do Po-der Público na direção da entidade, que põe às claras o caráter fraudulento da pretendida “terceirização”, deu ensejo, no perío-do inicial de celebração do contrato de gestão, a uma verdadeira “dança das cadeiras”, registrada nas atas de reuniões. Foram su-cessivas alterações na nominata, em função de incompatibilida-des entre outras funções públicas e a posição no CMPP.

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no intuito de reduzir as despesas com a mão-de-obra en-volvida na execução dos serviços de saúde: a celebração de convênio entre o CMPP e a APAE - Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais local, tendo por objeto, pura e simplesmente, a formalização dos registros dos empregados do primeiro pela segunda, com vistas à frui-ção dos benefícios previdenciários de que goza a APAE (nomeadamente, a isenção da cota patronal da contribui-ção previdenciária), por ser qualificada como entidade be-neficente de assistência social perante o INSS.

Em outras palavras: a APAE “empresta” ao CMPP a sua isenção, em troca de uma comissão sobre o va-lor do convênio e do fornecimento, pelo Município ― embora, ressalta-se, o Município sequer figure, formal-mente, como parte no ajuste, mas apenas seu “braço privado” na área da saúde, o CMPP ―, e de serviços como a cedência de professores e o transporte escolar, conforme o orçamento e as necessidades da APAE.

O primeiro convênio, firmado em 18.06.2003, com vigência retroativa a 1º.06.2003, tem seu objeto descrito como “a implementação de ações conjuntas e integradas visando o desenvolvimento de atenção básica e de mé-dia complexidade em saúde pública, mediante o geren-ciamento técnico, administrativo e pessoal, com a desti-nação de recursos financeiros destinados à cobertura do custeio com a eventual contratação de recursos humanos para a realização plena do presente termo, em especial os programas como de Saúde da Família, Agentes Comu-nitários e de atenção básica e de médica complexidade”.

Ora, a contratação de recursos humanos não era elemento “eventual” do ajuste, mas seu exclusivo objeto, conforme deixam claro a cláusula terceira do instrumento, que estabelece os compromissos da con-veniada (APAE), especificando e quantificando a mão-de-obra que deveria ser alocada para a prestação dos

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serviços, e a cláusula quarta, que fixa os valores repas-sados para a remuneração dessa mão-de-obra.

Assim, a APAE formaliza o vínculo do pessoal, e o CMPP (na verdade, o Município) “garante a infraes-trutura e os insumos necessários para a resolutividade das ações” (cláusula segunda, item f).

A ilicitude foi detectada e descrita com precisão no relatório de auditoria do exercício de 2004 do TCE/RS:

“(...)

Já a respeito do pessoal contratado do através da APAE, verificou-se que estes não se encon-tram a serviço da APAE, mas sim do CMPP, e, por conseguinte, do Município.

Corroboram tal assertiva os seguintes fatos:

a) o Município é o responsável pela seleção dos agentes comunitários de saúde;

(...)

c) não há subordinação técnica e administra-tiva do pessoal contratado à APAE, haja vista que os mesmos se encontram vinculados a de-terminadas Unidades Básicas de Saúde dispo-nibilizadas pelo Executivo Municipal ao CMPP mediante termo de permissão de uso (...). Logo, a APAE na prática apenas administra a folha de pagamento do pessoal contratado, ca-racterizado, ainda, ser uma intermediadora na contratação de mão-de-obra.

(...)

Também merece destaque o fato de o CMPP (...) haver se comprometido a ressarcir a APAE de todo e qualquer valor resultante de reclama-tória trabalhista ou multas em virtude de dire-tos trabalhistas, bem como custas processuais advindas de tais reclamatórias, reconhecendo assim ser o efetivo empregador.

(...)”

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Mas a fraude não é, evidentemente, apenas con-tra a Previdência Social.

Ignorando completamente o basilar princípio da primazia da realidade ― segundo a qual o contrato de trabalho se forma entre os sujeitos entre os quais se estabelece, de fato, a relação de emprego (prestador e beneficiário da força de trabalho) ―, a Municipalida-de e o CMPP inseriram novo intermediário, além do CMPP, entre os reais figurantes da relação de emprego (profissionais da saúde e ente estatal): a APAE.

Como é incontroverso, a APAE não está sequer formalmente encarregada da execução de qualquer serviço na área da saúde. Seu papel no ajuste é, exclusivamente, segundo o presidente do CMPP, “a assunção da responsabilidade pelas contratações de pessoal”, ou, nas palavras do presidente da As-sociação, “a contratação de empregados (médicos, enfermeiros, agentes comunitários de saúde) indica-dos pelo Município, que são colocados à disposição da Municipalidade, nos postos de saúde”. Não po-deria ser mais explícito, quanto ao tema, o registro da ata 01/2003 do CMPP, cuja deliberação do item 8 tem o seguinte teor: “8 - contratação da APAE, para o fornecimento de mão-de-obra especializada, para o desenvolvimento das atividades de atenção básica e de média complexidade, a nível ambulatorial. Após explanações do presidente, da necessidade dessa contratação, até que a entidade possa ter seus títulos de beneficência e filantropia reconhecidos pelas insti-tuições governamentais, a proposta foi colocada em votação e aprovada por unanimidade”.

Confiram-se, ainda, os depoimentos do então presidente da APAE, Flávio César Bordeghini, pres-tados nos autos do inquérito conduzido pela Promo-toria de Justiça de Carazinho e na ação civil pública 009/1.04.0001541-7, registrados na sentença da ACP:

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“(...) o dinheiro é repassado de foram exata para a APAE, a fim de pagar os funcionários contra-tados, celetistas, que são em torno de 160. O valor da folha está em torno de R$250.000,00, o qual é repassado pelo CMPP. Deste valor, 4,5% são destinados à APAE como comissão. Os funcionários pagos trabalham nos postos e na própria Secretaria da Saúde. (...) Antes do CMPP, o dinheiro vinha direto da Prefeitu-ra. Embora a APAE efetue o pagamento dos funcionários referidos, no setor da saúde, ela não tem qualquer gerência sobre eles, não co-ordena nada, sendo que as ordens aos servi-dores são dadas pela Secretaria de Saúde do Município Ressaltou que a própria contratação é indicação da Secretaria, sendo que a APAE apenas formaliza a documentação. Não sabe que forma de escolha é feita pela Secretaria para selecionar o pessoal indicado (...)”

“(...) A APAE é uma entidade voltada para dar assistência a pessoas com deficiência, desde o nascimento até a vida adulta. A APAE tinha uma parceria com a prefeitura e após foi passada essa mesma parceria para o CMPP. Isso exclu-sivamente no departamento pessoal, ou seja, na contratação de pessoas, médicos, enfermei-ros, assistentes sociais e psicólogos também. As contratações eram feitas através de uma en-tidade filantrópica como APAE com o objetivo de não onerar o município com as responsabilida-des patronais. Esclarece que a APAE não tinha nenhuma gerência com as pessoas escolhidas e sua contratação (...). a Secretaria da Saúde apresentava os profissionais a APAE e a mes-ma fazia a legalização (...) As pessoas que eram contratadas na forma acima referida não presta-vam serviço na APAE. Acredita que as pessoas contratadas prestavam serviço na Secretaria da Saúde ou nos postos de saúde (...)”

Ora, como é elementar, a formalização do vínculo deve ocorrer entre os partícipes, de fato, da relação de

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emprego, de modo a permitir a clara definição das res-ponsabilidades de cada qual.

No caso em tela, portanto, a APAE, além de le-sar a Previdência, presta-se a mascarar responsabili-dades decorrentes do contrato de trabalho, obrigando, por exemplo, o trabalhador, em eventual reclamatória, a provar que os requisitos da relação empregatícia es-tavam caracterizados em face da Municipalidade ou do CMPP, para que contra eles possa dirigir os pedidos. Como sói acontecer nessas situações, a pessoa inter-posta é mais frágil, em termos patrimoniais, que a real empregadora.5

Contribui a APAE, assim, tal como o CMPP, para que o provimento da mão-de-obra necessária ao desen-volvimento das ações de saúde básica ocorra de forma absolutamente anômala, ao arrepio das normas consti-tucionais que regem a admissão do pessoal necessário ao desenvolvimento das atividades finalísticas do Poder Público, em especial aquela que impõe a exigência de prévia aprovação em concurso público.6

5 O relatório de auditoria do TCE (2004) consigna que “o Execu-tivo Municipal foi notificado pelo Instituto Nacional de Segurida-de Social da existência de débito no valor de R$1.013.962,24, conforme NFLD – Notificação Fiscal de Lançamento de Débito nº 35619.603-8, decorrente do não-recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração paga aos servi-dores contratados pela APAE – Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Carazinho para cumprimento dos programas governamentais denominados PACS – Programa de Agentes Co-munitários de Saúde e PSF – Programa de Saúde da Família”.

6 A Lei Municipal 5.976, de 28.10.2003, reflete a convicção de que não há regra que não a da busca pelo menor preço na contrata-ção de mão-de-obra, ao autorizar, em seu art. 1º, “a Sociedade Beneficente CMPP de Carazinho a firmar parcerias com entida-des filantrópicas para execução do convênio de gestão visan-do à execução de prestação de serviços públicos de saúde à população na área de atenção básica, até que a mesma possa conseguir o registro de filantropia junto ao Conselho Nacional de Assistência Social do Ministério da Justiça”.

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III. DA IMPOSSIBILIDADE DE TRANS-FERÊNCIA A TERCEIROS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Para o deslinde da questão versada nestes autos, cumpre determinar em que medida e sob quais moda-lidades é lícita a participação de pessoas jurídicas de direito privado na prestação de serviços de saúde.

A Constituição da República, após inserir a saúde no rol dos direitos e garantias fundamentais (art. 6º, ca-put), afirma que “a saúde é direito de todos e dever do Estado (...)” (art. 196, caput).

Previu a Lei Fundamental, para efetiva garantia do direito, um sistema público de atendimento à saúde da população, designado Sistema Único de Saúde - SUS, de responsabilidade do Estado, cujas “ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada”, organizada de acordo com as diretrizes da “descentralização, com direção única em cada esfera de governo;”, do “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos ser-viços assistenciais” e da “participação da comunidade” (art. 198). A Lei 8.080/90 define-o nos seguintes termos:

Art. 4º. O conjunto de ações e serviços de saú-de, prestados por órgãos e instituições públi-cas federais, estaduais e municipais, da Ad-ministração Direita e Indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Siste-ma Único de Saúde – SUS.

Nesse contexto, o art. 197 estatui que “são de rele-vância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito pri-vado”.

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E, por fim, o art. 199 da Carta Magna dispõe que “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada” (caput), sendo que “as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades fi-lantrópicas e as sem fins lucrativos” (§ 1º).

Três são as modalidades, portanto, de prestação dos serviços relacionados à saúde: primeira, diretamen-te pelo Poder Público, no âmbito do Sistema Único de Saúde (CRFB, art. 198); segunda, por pessoas privadas, associadas ao Poder Público, em caráter complementar, ainda no âmbito do SUS (CRFB, art. 199, § 1º); terceira, por pessoas privadas, fora do âmbito do Sistema Único de Saúde, e apenas sob regulamentação e fiscalização do Poder Público (CRFB, art. 199, caput).

Especificamente quanto à segunda modalidade ― associação de pessoas privadas ao Poder Público, no âmbito do SUS, em caráter complementar ―, da inter-pretação conjunta dos dispositivos constitucionais e da Lei 8.080/90, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a orga-nização e o funcionamento dos serviços corresponden-tes”, resulta que (a) o Estado deve prestar serviços de saúde diretamente; (b) quando a capacidade do Estado for insuficiente, tais serviços podem ser prestados por terceiros, vale dizer, por entes privados, tendo prefe-rência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrati-vos; (c) não sendo possível ou suficiente o recurso às entidades filantrópicas e/ou sem fins lucrativos, é viável a contratação de serviços de saúde pelo Poder Público com pessoas privadas com fins lucrativos, desde que tais entidades aceitem submeter-se às regras do SUS.

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Sempre, porém, a participação da iniciativa privada no Sistema Único de Saúde revestir-se-á de caráter com-plementar, e não substitutivo, da ação do Poder Público.7

No caso em tela, não há cogitar, obviamente, de prestação de serviços de saúde por organismo privado, fora do Sistema Único de Saúde, já que figura como contratante o Poder Público, a as atividades contrata-das são custeadas pelo erário.

Cuidando-se, então, de atividades relacionadas à saúde no âmbito do SUS, somente de duas formas pode ser feita sua execução: diretamente pelo Poder Público ou por “instituições privadas”, “de forma com-plementar“, ”mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos” (CRFB, art. 199, § 1º).

Sobre a participação complementar (única admiti-da à iniciativa privada no âmbito do Sistema Único de Saúde), confira-se o regramento posto na Lei 8.080/90:

Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assisten-cial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada me-diante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.

7 Veja-se que a tentativa de fuga ao regime jurídico administrativo não ocorre apenas com respeito à contratação de mão-de-obra, mas, igualmente, com relação à aquisição de bens e de servi-ços, conforme revelou o gerente-geral do CMPP em depoimento aos Promotores de Justiça: “o repasse dos valores à APAE se dá em razão de que a Entidade precisava de uma outra, que deve-ria ser filantrópica. O objetivo da firmação do contrato de gestão foi o de agilizar o procedimento, uma vez que, na Prefeitura, havia demora, em razão da necessidade de licitação”.

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Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as en-tidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em outras palavras: sendo insuficiente o serviço prestado diretamente pelo Estado, a iniciativa privada é chamada a aumentar a capacidade de oferta esta-tal, mediante o emprego de suas próprias instalações, equipamentos, técnicas e pessoal.

Quando, porém, o que se verifica é a transferência das unidades de atendimento, dos prédios, dos móveis e equipamentos, dos recursos financeiros e do pessoal do ente público para entidade privada, que deles passa a dispor como se particulares fossem, ainda que sob o comando, de fato, do Poder Público, não há falar em complementariedade, vale dizer, de aumento da capaci-dade de atendimento, mas em mera substituição do Es-tado na execução do serviço público, o que colide com a Constituição e com a Lei 8.080/90, que impõem ao ente estatal a obrigação de prestar diretamente os serviços de saúde, por meio de estrutura e de pessoal próprios.

É a lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro: “A Lei nº 8080, de 19.09.90, que disciplina o Sis-tema Único de Saúde, prevê, nos arts. 24 a 26, a participação complementar, só admitindo-a quando as disponibilidades do SUS ‘forem insu-ficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área’, hipó-tese em que a participação complementar deve ‘ser formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público” (entenda-se, especialmente, a Lei n° 8.666, pertinente a licitações e contratos). Isto não significa que o Poder Público vai abrir mão da prestação do serviço que lhe incumbe para transferi-la a terceiros; ou que estes venham a administrar uma entidade pública prestadora do

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serviço de saúde; significa que a instituição pri-vada, em suas próprias instalações e com seus próprios recursos humanos e materiais, vai complementar as ações e serviços de saúde, mediante contrato ou convênio.” (Parcerias na Administração Pública. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 123) (grifos não-originais)

Assim, mesmo que o Município réu tivesse pro-movido autêntica delegação da execução dos serviços ao CMPP, e que a entidade os prestasse com indepen-dência, utilizando-se de instalações, know how e pes-soal próprios, sob fiscalização apenas do Poder Públi-co ― e não, como de fato ocorreu, a pura e simples utilização dessa pessoa de direito privado com o fito de obter mão-de-obra sem observância das regras de ad-missão da Administração Pública ―, tal delegação (ter-ceirização) seria ilícita, por recair sobre a totalidade do atendimento à saúde básica municipal, sem, portanto, o caráter de complementariedade à atuação do Poder Público exigido pela Constituição.

Na mesma linha, a circunstância de ser atividade-fim do Estado é exatamente o que impede, agora já sob o ponto de vista estritamente justrabalhista, a sua transferência a terceiros. É que a terceirização, nos moldes da orientação consolidada na Súmula 331/TST, somente pode ter por objeto atividades de apoio, ja-mais serviço público essencial, que consubstancia típi-ca atividade-fim do ente estatal. Veja-se:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo dire-tamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).II - A contratação irregular de trabalhador, me-diante empresa interposta, não gera vínculo

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de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o toma-dor a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializa-dos ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordina-ção direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhis-tas, por parte do empregador, implica a respon-sabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autar-quias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação pro-cessual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

Foi exatamente esse o entendimento firmado pelo TRT da 4ª Região, em recentíssimo acórdão, no qual negou provimento a recurso ordinário do Município de Sarandi, que atacava sentença de procedência em ação civil pública ajuizada pelo MPT com o fito de com-pelir o Município a admitir diretamente os profissionais vinculados às atividades essenciais do ente público, entre os quais os da área da saúde. Confira-se a emen-ta do precedente invocado:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENTE PÚBLICO QUE CONTRATA SERVIÇOS ESSENCIAIS POR MEIO DE COOPERATIVA. Irregular a con-tratação de serviços essenciais, passíveis de arregimentação, tão-só, por meio de concurso público. Desvirtuamento da finalidade das nor-mas que instituíram a constituição da coopera-tiva. Obrigação do Município de se abster de utilizar mão-de-obra por interposta pessoa que

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se ratifica.” (RO 00690-2006-541-04-00-5, 2ª Turma, Rel. Juiz João Pedro Silvestrin, DOE/RS de 28.05.2008) (grifos não-originais)

De outra parte, a própria Súmula 331 fornece pa-râmetros para distinguir terceirização de serviços de intermediação de mão-de-obra. Na primeira, o toma-dor compra, de fornecedores especializados, volume de serviços determinados e específicos. Na segunda, o que existe é o fornecimento da mão-de-obra para exe-cução da atividade pelo próprio contratante.

Por todas as razões expostas no item II, supra, não há como reconhecer no contrato de gestão firmado entre os dois primeiros réus, também por esse prisma, autênti-ca e regular terceirização, tendo em vista a subordinação dos trabalhadores ao Município contratante e a ausência de indicação do volume dos serviços contratados.

IV. DA BURLA À EXIGÊNCIA CONSTITU-CIONAL DE CONCURSO PÚBLICO

Conforme demonstrado no tópico anterior, a pres-tação dos serviços de atendimento à saúde da popula-ção é responsabilidade intransferível do Poder Público, para cuja realização pode valer-se da iniciativa privada apenas em caráter complementar

Por ser atividade-fim, que consubstancia serviço essencial do Estado, o atendimento de saúde deve ser executado, salvo situações excepcionais de insuficiên-cia de capacidade do ente estatal, sob a forma direta.

E, para obtenção da mão-de-obra necessária à execução direta de atividades pelo Poder Público, o meio natural e ordinário apontado pela Constituição da República é o concurso (art. 37, II). Presume o legisla-dor, ressalvando apenas os cargos em comissão e a contratação temporária para atender a situação de ex-cepcional interesse público (art. 37, IX), que o concurso

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é a modalidade de seleção que mais adequadamente atende aos princípios da impessoalidade, da moralida-de e da eficiência.

Portanto, a ilícita manobra engendrada pelos de-mandados ― utilização de um contrato de gestão para viabilizar admissão de pessoal sem concurso ― viola não apenas os valores sociais do trabalho, mas tam-bém atenta literalmente contra o princípio do concurso público, corolário da probidade administrativa.

V. DA PARTICULAR SITUAÇÃO DOS AGEN-TES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE

A ofensa ao ordenamento jurídico é ainda mais cristalina no caso da contratação dos agentes comuni-tários de saúde, tendo em vista a existência de minu-dente legislação dispondo sobre a obrigatoriedade de sua admissão direta pelo Poder Público.

A Emenda Constitucional 51, de 14.02.2006, regu-lamentou a contratação dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias, acres-centando os parágrafos 4º e 5º ao art. 198 da Lei Maior:

§ 4º. Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribui-ções e requisitos específicos para sua atuação.

§ 5º. Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias.

Mais adiante, considerando a relevância públi-ca de tais atividades, determinou o art. 2º, caput, da EC, que os agentes somente poderiam, a partir da sua

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edição, ser admitidos diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios. E, por fim, bus-cando contemplar as situações de fato consolidadas até o momento de sua promulgação, trouxe o parágrafo único do art. 2º regra de transição, permitindo a perma-nência no exercício da função daqueles profissionais que a desempenhavam, a qualquer título, desde que tenham participado de processo seletivo conduzido ou supervisionado pela Administração Direta.

Confira-se o teor das disposições em comento:Art. 2º. Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes comuni-tários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados di-retamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, observado o limi-te de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer tí-tulo, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de seleção pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efe-tiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação.

Incide, portanto, no caso, regramento específico, que (a) impõe como única modalidade de contratação dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias a admissão direta pelo ente pú-

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blico, precedida de processo seletivo público, e (b) de-termina o desligamento de todos aqueles que não se enquadrem nessa regra, (c) admitindo, contudo, excep-cionalmente, que permaneçam no serviço, sem neces-sidade de se submeter a novo processo seletivo, tão-somente aqueles agentes comunitários que, estando no exercício da função à data da promulgação, tenham sido admitidos por processo seletivo público realizado diretamente pelo Poder Público ou sob sua efetiva su-pervisão e autorização.

Nesse quadro, além da determinação da Lei Maior, há que considerar, também, os ditames da Lei Federal 11.350/06, que regulamenta a EC 51/2006. Dispõe a ci-tada Lei, no que pertine ao tema em exame, o seguinte:

Art. 2º. O exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Comba-te às Endemias, nos termos desta Lei, dar-se-á exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, na execução das atividades de responsabilidade dos entes federados, me-diante vínculo direto entre os referidos Agentes e órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional.

(...)

Art. 9º. A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Ende-mias deverá ser precedida de processo seleti-vo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos prin-cípios de legalidade, impessoalidade, morali-dade, publicidade e eficiência.

Parágrafo único. Caberá aos órgãos ou entes da administração direta dos Estados, do Dis-trito Federal ou dos Municípios certificar, em cada caso, a existência de anterior processo

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de seleção pública, para efeito da dispensa re-ferida no parágrafo único do art. 2º da Emen-da Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, considerando-se como tal aquele que te-nha sido realizado com observância dos princí-pios referidos no caput.

(...)

Art. 16. Fica vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmi-cos, na forma da lei aplicável.

Art. 17. Os profissionais que, na data de publi-cação desta Lei, exerçam atividades próprias de Agente Comunitário de Saúde e Agente de Combate às Endemias, vinculados diretamente aos gestores locais do SUS ou a entidades de administração indireta, não investidos em car-go ou emprego público, e não alcançados pelo disposto no parágrafo único do art. 9º, poderão permanecer no exercício destas atividades, até que seja concluída a realização de processo seletivo público pelo ente federativo, com vis-tas ao cumprimento do disposto nesta Lei.

A Lei 11.350/2006, como se vê, explicita a neces-sidade de que o processo seletivo dos ACSs observe os princípios constitucionais da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), e autoriza a permanência em exercício, para evitar a abrupta interrupção de serviço essencial, daqueles não abrangidos pela regra de transição do art. 2º, parágrafo único, da EC, apenas pelo prazo ne-cessário à realização do indispensável processo sele-tivo público.

No caso concreto, como se viu, as contratações vêm sendo realizadas por intermédio do CMPP, que, por sua vez, vale-se da pessoa interposta da APAE.

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Impõe-se, assim, a regularização das contrata-ções feitas ao arrepio do regramento constitucional e legal acima explicitado.

V. DOS PEDIDOS

V.1. Da antecipação de tutelaÉ possível que alguns anos se passem até a solu-

ção definitiva da presente ação. Contudo, a gravidade da situação nela versada está a exigir pronta resposta pelo Poder Judiciário, sob pena de total desprestígio à lei e às instituições encarregadas de zelar por sua observância.

A cada dia que passa sem que se estanque o ilíci-to proceder dos requeridos, fortalece-se a convicção de que o provimento de mão-de-obra por pessoa interposta, em substituição à contratação de servidores previamente aprovados em regular concurso público, é perfeitamente possível, além, é claro, de grandemente vantajosa.

Fornecedores e tomadores de mão-de-obra conti-nuarão se beneficiando de seu ardil, e, inclusive, aper-feiçoando seus mecanismos.

Por outro lado, todos aqueles que pretenderem ocupar um posto na prestação de serviços públicos de atenção à saúde, no Município de Carazinho, ao invés de investirem em sua preparação técnica, precisarão se submeter ao arbítrio dos governantes da ocasião.

E os passivos gerados pelas irregularidades traba-lhistas e previdenciárias recairão sobre toda a popula-ção contribuinte.

Enfim, é absolutamente urgente a concessão de provimento apto a fazer cessar a ilicitude continuamen-te perpetrada, e a garantir, dessa forma, a efetividade dos princípios constitucionais que informam o regime

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jurídico de admissão de pessoal pela Administração Pública, e o respeito à legislação do trabalho.

A medida liminar ora postulada tem amparo nos arts. 12 da Lei 7.347/85, 84, §3º, do CDC e 273 e 461, §3º, do CPC, revestindo-se de nítido caráter antecipató-rio, na medida em que visa a adiantar, no tempo, efeito que decorreria da sentença de procedência do pedido (no caso, a cessação da intermediação de mão-de-obra, e a regular contratação do pessoal necessário ao desen-volvimento das atividades de atendimento à saúde).

Nos termos do último dispositivo citado, abaixo re-produzido, são dois os requisitos exigidos simultanea-mente para o deferimento da antecipação da tutela: o fumus boni juris e o periculum in mora.

Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cum-primento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará pro-vidências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(...)

§ 3º. Sendo relevante o fundamento da deman-da e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tu-tela liminarmente ou mediante justificação pré-via, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

O primeiro refere-se à plausibilidade do direito, isto é, à robustez da tese jurídica esposada pelo reque-

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rente e dos elementos de convicção trazidos ao exame do julgador.

O segundo, por sua vez, diz respeito à existência de um risco relevante, decorrente do aguardo pelo re-gular trâmite do processo.

Na hipótese dos autos, está convencido o Parquet autor da perfeita caracterização de ambos.

Com efeito, a investigação revelou a infringência grave e reiterada pela ré de normas basilares do siste-ma jurídico destinado à tutela do trabalhador, atinentes ao próprio reconhecimento da relação de emprego com aquele que figura, de fato, como beneficiário da força de trabalho. Evidenciou ainda o total desprezo pelas normas que regem a contratação de mão-de-obra pelo Poder Público, como concreções dos princípios da legali-dade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, em especial a que impõe a realização de regular concurso público para seleção dos candidatos.

Encontra plena guarida na lei e na jurisprudência trabalhistas a noção segundo a qual é vedada, como regra, a intermediação de mão-de-obra, isto é, a inter-posição, meramente formal, de terceira pessoa entre os reais prestador e beneficiário da força de trabalho, com o intuito de mascarar a ocorrência de típico contrato de trabalho ou de alterar, no plano formal, a realidade do contrato. Maior repúdio merece a prática quando, como na hipótese, o intuito é o de escapar à indispensável formalidade de realização de concurso público. Ora, os elementos juntados não deixam dúvida quanto à carac-terização, in concreto, da aludida merchandage.

De outra parte, dúvida não pode haver quanto ao relevante, concreto e atual risco associado à ordinária demora na tramitação do processo. Enquanto não es-tancada a ilícita atuação dos réus, (a) inúmeros can-didatos aos postos de trabalho nos serviços de saúde

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de Carazinho continuarão a ser preteridos, com base em critérios que não o do mérito, (b) tais serviços se-rão prestados à população por pessoas não-abrigadas pelas garantias inerentes à condição de servidor públi-co regularmente investido na função, (c) recolhimen-tos deixarão de ser efetuados à Seguridade Social; (d) trabalhadores terão seu contrato fraudado, eis que for-malizado com entidade que não o real empregador... Enfim, toda a sociedade sofrerá sérios e irreparáveis prejuízos.

É com base nesses fundamentos que o Ministério Público do Trabalho pleiteia a concessão de tutela an-tecipada, consistente na determinação para que:

(a) imediatamente, o CENTRO DE MEDICINA PREVENTIVA E PSICOSSOCIAL - CMPP e a ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS - APAE CARAZINHO rescin-dam o contrato de fornecimento de mão-de-obra entre essas partes mantido;

(b) imediatamente e até o final julgamento da presente ação, a ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS - APAE DE CA-RAZINHO abstenha-se de celebrar contratos, convênios, termos de cooperação ou quaisquer acordos que tenham por objeto a intermediação de mão-de-obra, entendendo-se como tal a co-locação de trabalhadores formalmente vincula-dos à APAE à disposição de terceiros, que irão dirigir e remunerar a prestação do trabalho;

(c) imediatamente e até o final julgamento da presente ação, o CENTRO DE MEDICINA PREVENTIVA E PSICOSSOCIAL - CMPP abs-tenha-se de celebrar contratos, convênios, ter-mos de cooperação ou quaisquer acordos que tenham por objeto a intermediação de mão-de-obra, entendendo-se como tal a colocação de trabalhadores à disposição de pessoa que

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irá dirigir e remunerar a prestação do trabalho, sendo distinta, porém, daquela com quem se dá a formalização do vínculo;

(d) imediatamente e até o final julgamento da presente ação, o MUNICÍPIO DE CARAZINHO abstenha-se de celebrar contratos, convênios, termos de cooperação ou quaisquer acordos que tenham por objeto a arregimentação de trabalhadores para prestar serviços relaciona-dos ao atendimento da saúde pública (ativida-de-fim), admitindo-se a prorrogação de ajustes dessa natureza, nomeadamente o contrato de gestão mantido com o CENTRO DE MEDICI-NA PREVENTIVA E PSICOSSOCIAL - CMPP, apenas pelo tempo necessário à admissão di-reta dos profissionais, nos moldes do pedido de letra (e), infra;

(e) em prazo razoável, a ser fixado pelo pru-dente arbítrio de V. Exa., o MUNICÍPIO DE CA-RAZINHO promova a contratação direta dos trabalhadores necessários à execução dos ser-viços de atenção básica à saúde da população, precedida de aprovação em concurso público (CRFB, art. 37, I e II) ou em processo seletivo público que atenda aos princípios de le-galidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Lei 11.350/06), ressalvados, quanto à exigência de concurso ou processo seletivo público, os cargos ou em-pregos em comissão declarados por lei de livre nomeação e exoneração (CRFB, art. 37, V) e as contratações por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcio-nal interesse público (CRFB, art. 37, IX).

Postula, ainda, como forma de tornar eficazes tais provimentos, a cominação de multa no valor de R$3.000,00 (três mil reais) para o descumprimento de qualquer uma delas, por trabalhador admitido ou man-

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tido prestando serviços de forma irregular, sujeita a cor-reção pelos índices aplicados aos créditos trabalhistas em geral, a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Tra-balhador – FAT.

V.2. Dos pedidos definitivosDiante do exposto, requer o Ministério Público do

Trabalho sejam julgados integralmente procedentes os pedidos formulados, para o fim de:

(a) confirmando a antecipação de tutela, deter-minar, sob pena de pagamento de multa, na forma descrita no pedido liminar,

(a.1) ao CENTRO DE MEDICINA PREVENTI-VA E PSICOSSOCIAL - CMPP que se abste-nha de celebrar contratos, convênios, termos de cooperação ou quaisquer acordos que te-nham por objeto a intermediação de mão-de-obra, entendendo-se como tal a colocação de trabalhadores formalmente vinculados a uma pessoa a disposição de terceiro, que irá dirigir e remunerar a prestação do trabalho;

(a.2) à ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS - APAE DE CARAZINHO que se abstenha de celebrar contratos, convê-nios, termos de cooperação ou quaisquer acor-dos que tenham por objeto a intermediação de mão-de-obra, entendendo-se como tal a colo-cação de trabalhadores formalmente vinculados a uma pessoa à disposição de terceiro, que irá dirigir e remunerar a prestação do trabalho;

(a.3) ao MUNICÍPIO DE CARAZINHO que se abstenha de celebrar contratos, convênios, ter-mos de cooperação ou quaisquer acordos que tenham por objeto a arregimentação de traba-lhadores para prestar serviços relacionados ao atendimento da saúde pública (atividade-fim);

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(e) ao MUNICÍPIO DE CARAZINHO que admi-ta diretamente os trabalhadores necessários à execução dos serviços de atenção básica à saú-de da população, precedida de aprovação em concurso público (CRFB, art. 37, I e II) ou em processo seletivo público que atenda aos prin-cípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (Lei 11.350/06), ressalvados, quanto à exigência de concurso ou processo seletivo público, os cargos ou empregos em comissão declarados por lei de livre nomeação e exoneração (CRFB, art. 37, V) e as contratações por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público (CRFB, art. 37, IX).

Pede a citação dos demandados, para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia.

Pretende provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente documen-tos, testemunhas e depoimento pessoal.

Atribui à causa, para fins de alçada, o valor de R$3.000,00 (três mil reais).

Passo Fundo, 17 de junho de 2008.

Juliana Hörlle PereiraProcuradora do Trabalho

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DESIGUALDADE DE TRATAMENTO ENTRE TRABALHADORES MANUAIS, TÉCNICOS,

INTELECTUAIS, QUANTO À GARANTIA DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR - Construtora

Andrade Gutierrez – Mendes Júnior.

Lourenço Andrade1 e Márcia Medeiros de Farias2

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz da... Vara do Trabalho de Porto Alegre.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por intermédio de sua Procuradoria Regional do Trabalho sediada em Porto Alegre, na Rua Ramiro Barcelos, nº 104, CEP 90.035-000, vem perante V. Exa. propor, pe-los motivos adiante expostos e com base nos arts. 127, “caput”, e 129, inc. III, da CF; 6º, inc. VII, letra “d”, 83, incs. I e III, e 84, “caput”, da LC 75/93; 1º, inc. IV, 3º, 12, “caput”, e 21 da Lei 7.347/85; 81 e seguintes da Lei 8.078/90 e 273 e 461 do CPC,

AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE ÂMBITO NACIONALem face de (1º) CONSTRUTORA ANDRADE GUTIER-REZ S.A., com sede na Rua Dr. Geraldo Campos Mo-reira, nº 375, 8º andar, bairro Brooklin Novo, Município de São Paulo (SP), CEP 04.571-020, (2º) MENDES JÚNIOR TRADING E ENGENHARIA S.A., com sede na Rua Pedroso Alvarenga, nº 1.046, 11º andar, bairro Itaim, Município de São Paulo (SP), CEP 04.531-004 e

1 Procurador Regional do Trabalho do MPT-RS – Núcleo de com-bate à Discriminação

2 Procuradora do Trabalho do MTP-RS – Núcleo de combate à Discriminação

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(3º) CONSÓRCIO ANDRADE GUTIERREZ - MENDES JÚNIOR, com escritório na Av. Presidente Getúlio Var-gas, nº 10.465, bairro São José, Município de Canoas (RS), CEP 92.420-221.

1. DO DIREITO - ASPECTOS PROCESSUAIS

1.1 DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO CONSÓRCIO AG - MENDES

Relativamente ao 3º réu, cabe explicar, inicialmen-te, que embora os consórcios de empresas não possu-am, a rigor, personalidade jurídica, como está expresso no art. 278, § 1º, da Lei 6.404/1976 - Lei das Socie-dades Anônimas, pode-se classificá-los como quase pessoas jurídicas, pois são instituídos por ato formal (“contrato de consórcio”), que deve ser registrado, e possuem estrutura organizacional própria, inclusive com órgãos de direção e execução particulares (no caso, Conselho Diretivo e Gerência de Contrato, con-forme anexo “Instrumento Particular de Constituição de Consórcio”, em cópia). E, assim, agem, perante tercei-ros, como se fossem entes distintos das empresas que os compõem, inclusive com inscrição no Cadastro Na-cional de Pessoas Jurídicas (a do Consórcio réu é nº 17.262.213/0024-80).

Logo, entende-se que podem e devem também responder em juízo, como sói ocorrer nesta Justiça do Trabalho, o que não exclui os demais réus, pelas cir-cunstâncias expostas e também porque os fatos que motivaram a presente ação não dizem respeito apenas às condições de trabalho na obra específica realizada pelo Consórcio neste Estado, conforme será explicita-do no tópico “2 - Dos Fatos”, adiante.

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1.2 DA ABRANGÊNCIA DO PEDIDO E DA COMPETÊNCIA

A fim de evitar a ocorrência de incidentes proces-suais mais adiante, decidiu-se, desde logo, frisar bem a abrangência do pedido e, correlatamente, explicitar em detalhe o embasamento jurídico para a propositura desta ação no foro de Porto Alegre.

Com esse intuito, destaca-se, primeiramente, que esta ação civil pública é de “âmbito nacional”, no sen-tido de que o pedido não visa a tutelar apenas aque-les que trabalharam, trabalham ou venham a trabalhar para os réus nesta ou naquela obra específica, mas sim a todos os trabalhadores, em qualquer localidade do país; por isso o pedido refere amplamente: “No con-cernente a toda e qualquer obra ou empreendimento que, no território nacional, realizarem por si ou entre si ou ainda em consórcio com outras empresas”.

Dito de outro modo, a presente ação civil pública é contra empresas que atuam em todo o país, ajuiza-da em decorrência de um procedimento genérico que atinge ou pode atingir qualquer obreiro levado para tra-balhar em locais distantes do seu domicílio de origem [conforme exposto no tópico seguinte, “Dos Fatos”], pelo que se caracteriza um dano de “âmbito nacional”. Obviamente, seria absurdo, tanto do ponto de vista ló-gico quanto do jurídico, repetir a mesma ação em cada comarca do Brasil na qual os demandados, por si ou entre si, passassem a executar alguma obra. Logo, o Juízo ao qual venha a ser distribuído o feito deverá proferir decisão que (se procedente, como se espera), dirigida às pessoas jurídicas dos réus, seja capaz de impedir o dano descrito na petição inicial e, conseqüen-temente, proteja toda a coletividade de empregados, atuais e futuros. Nesse aspecto, o Exmo. Juiz do TRT

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Dr. Ricardo Gehling já teve a oportunidade de dizer, em apropriada síntese, que “Os efeitos da sentença profe-rida em face de ação civil pública devem ter abragência territorial equivalente à do dano que visa a coibir (...)” [v. acórdão proferido no RO 49662.012/96-6, na Revista de Jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, ano 33, nº 32, p. 132 e ss.]. Trata-se, aqui, dos efeitos da coisa julgada, que, nas ações coletivas, como se sabe, são “ultra partes” ou “erga omnes”.

Posto isso, cabe dizer, num segundo momento, que, de acordo com as leis 7.347/85, art. 2°, e 8.078/90, art. 93, a definição do foro aonde deva ser proposta a ação obedece ao critério geral do “local onde ocorra ou possa ocorrer o dano”, sendo que, se forem compe-tentes, concorrentemente, os juízos de diversos foros, dada a extensão do dano, aplicar-se-á então a regra da prevenção. Nesse sentido, Nelson Nery Junior é bem didático: “A competência é do foro onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Caso o dano se verifique em mais de uma comarca, é competente qualquer uma delas, resolvendo-se a questão pela prevenção. (...)” (“Cons-tituição Federal Comentada”. São Paulo: RT, 2006. p. 483, comentário 1 ao art. 2º da Lei 7.347/85.).

Cumpre referir, por oportuno, que, em se tratan-do de questões trabalhistas, o “local do dano” corres-ponde, geralmente, a área de atuação da empresa, isto é, se opera em um Município, em muitos, em todo um Estado da Federação, em vários etc.

Isso referido, e prosseguindo, cumpre transcre-ver os dispositivos de lei acima mencionados, os quais se complementam, em face das mútuas remissões contidas na Lei 7.347/85, art. 21, e 8.078/90, art. 90:

- da Lei da Ação Civil Pública:“Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer dano,

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cujo Juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.”;“Art. 21. Aplicamse à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.”;

- do Código de Defesa do Consumidor:“Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

“I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocor-rer o dano, quando de âmbito local;

“II - no foro da Capital do Estado ou no do Dis-trito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Códi-go de Processo Civil aos casos de compe-tência concorrente.”.

Vê-se, assim, a teor do disposto no art. 93, II, do CDC, subsidiariamente aplicável (v. art. 21 da LACP), que, quando se trata de dano de âmbito nacional, há uma restrição dos foros concorrentemente competentes: a ação res-pectiva poderá ser proposta apenas nas capi-tais ou no Distrito Federal. Desse modo, como ensina Hugo Nigro Mazzili, “(...) tratando-se de danos regionais ou nacionais, a ação civil pú-blica ou coletiva deverá ser proposta na Capital do Estado ou do Distrito Federal, à escolha do autor (CDC, 93)”, e, por conseqüência, o “(...) juiz da Capital do Estado ou do Distrito Fede-ral, o qual passa a ter jurisdição sobre todo o território da lesão.” (“Aspectos Polêmicos da

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Ação Civil Pública”. Revista Magister de Direito Imobiliário, nº 4, fev.-mar. 2006, p. 92, tópico 6, e p. 96, tópico 12, respectivamente; destacou-se.).

O Superior Tribunal de Justiça tem, em reiterados pronunciamentos, e dentro da lógica da ação civil pública, manifestado-se no mes-mo sentido da Doutrina mais abalizada, assen-tando que...

“Esta Corte vem adotando o entendimento no sentido de que não há exclusividade do foro do Distrito Federal para julgamento de ação civil pública de âmbito nacional, na aplica-ção do art. 93, II, do CDC, já que o referido preceito, ao nomear a capital do Estado e a do Distrito Federal, refere-se a competências terri-toriais concorrentes, ou seja, em planos iguais.

“Nesse sentido os precedentes: (...)” [Transcri-to do acórdão proferido quando do julgamento do Resp 218.492-ES, publicado na Revista RT, ano 91, nº 799, maio de 2002, p 192-195; re-produzido em anexo.].

Dessarte, tendo sido instaurados e conduzidos aqui os procedimentos investigatórios referidos no tó-pico a seguir, optou-se pelo ajuizamento da presente ação no foro desta Capital.

Inobstante, cabe referir, por dever de ofício, que a SDI2 do TST, por meio da OJ 130, expressou posi-cionamento diverso daquele do STJ, isto é, entendeu haver exclusividade do foro do Distrito Federal, o que se mostra, afirma-se respeitosamente, equivocado, por afronta à literalidade do art. 93, II, do CDC; por contra-riar a lógica da defesa coletiva de direitos e interesses; por desconsiderar a melhor Doutrina e a Jurisprudência do STJ e por atentar, em certas situações, contra os direitos de acesso à justiça e/ou de ampla defesa, pois

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autor (um sindicato, v. g.) e réu seriam sempre obriga-dos a deslocar-se até Brasília para o debate da causa.

Por esses motivos, em síntese extrema, e consi-derando ainda que as orientações não possuem efeito vinculativo e que a discordância quanto à OJ 130, no aspecto enfocado, é posicionamento institucional do MPT [a Procuradoria Geral formalizou perante o TST pedido de revisão do verbete, que aguarda apreciação], decidiu-se propor a presente ação, com amparo no art. 93, II, do CDC, no foro que se reputa mais adequado.

1.3 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS POSSIBILIDADES DE TUTELA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Para os fins aos quais é destinada a ação civil pública, as leis 7.347/85, 8.078/90 - CDC (subsidiaria-mente aplicável, conforme art. 21 da LACP), bem como o próprio CPC (também subsidiariamente aplicável, consoante art. 19 da LACP), oferecem amplas possibi-lidades de tutela, permitindo a condenação “em dinhei-ro” e em obrigações de fazer ou não fazer (v. art. 3º da LACP), bem como facultando ao magistrado adotar, amplamente e inclusive “de ofício”, “providências que assegurem o resultado prático equivalente” (v. art. 461, “caput” e § 5º, do CPC).

É importante destacar, e assim o faz a Doutrina, que além de uma tutela repressiva (indenização), o fim precípuo da ACP é prevenir, é obter, por meio de obrigações de fazer e não fazer, uma tutela preven-tiva.

Nesse aspecto, José dos Santos Carvalho Filho, bem refere que...

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“Quando a ação civil pública é voltada para a obtenção de providência jurisdicional em que se determina ao réu uma obrigação de fazer ou não fazer, a tutela perseguida terá nítido ca-ráter preventivo, no sentido que (...), com a decisão mandamental, previnem-se novos da-nos ou a continuação dos danos anteriores. Na verdade, esta é a tutela que maior efetividade protetiva traz aos interesses difusos e coletivos resguardados, podendo-se mesmo afirmar, com José Carlos BarBosa Moreira, que esta é que deve ser a tutela primária (...)” (“Ação Civil Pública: Comentário por artigo”. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.).

Cabe destacar, ademais, que a faculdade, conce-dida ao magistrado, de adotar “de ofício” “providências que assegurem o resultado prático equivalente”, como visto acima, dá a este boa dose de liberdade – sem que isso implique decisão fora dos limites do pedido – para ajustar as obrigações de fazer pleiteadas, desde que o fim visado pela ação seja preservado no que tem de essencial. Assim é que o pedido de nº 1 refere “(...) ou, sucessivamente, em outra medida a ser estabelecida por esse Juízo”.

2. DOS FATOSAs empresas Construtora Andrade Gutierrez S.A.

e Mendes Júnior Trading e Engenharia S.A., de origem mineira, atuam, como é notório, em obras de constru-ção pesada e, para consecução delas, valem-se ou podem-se valer de empregados contratados em todo o país.

Exemplo disso é a obra de ampliação da Refina-ria Alberto Pasqualini, na qual, atuando em consórcio, referidas empresas recrutaram empregados nos mais diversos Estados, como Santa Catarina, Paraná, São

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Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Rondônia. É o que se vê pelos endereços constantes das listagens de trabalha-dores (cópia anexa, correspondendo às fls. 14/23 do procedimento PI 1.0170/2004) fornecidas ao Ministé-rio Público pelos representantes do Consórcio Andrade Gutierrez - Mendes Júnior.

Alguns desses trabalhadores – mais especifica-mente três operários, que pediram sigilo quanto a suas identidades – protocolaram, no final de 2004 (a obra na REFAP iniciou em meados de 2003) denúncias no Mi-nistério Público a respeito da impossibilidade de, salvo pedindo demissão, irem rever seus familiares, ao con-trário do que ocorre com outros profissionais, aos quais é concedida licença remunerada para tanto.

Afirmaram, ainda, que, ao serem recrutados, lhes teria sido prometido que poderiam retornar, periodica-mente, para rever os familiares.

Essas denúncias deram origem aos procedimen-tos investigatórios PI 938/2004 e PI 1.070/2004 (sendo que aquele foi, posteriormente, apensado a este), no curso dos quais solicitou-se informações às empresas rés, ouviram-se representantes delas, inclusive um dos responsáveis pelo recrutamento de pessoal, e realizou-se inspeção em um dos alojamentos de trabalhadores, escolhido aleatoriamente.

Na inspeção mencionada, realizada em meados de 2005 pelos procuradores do trabalho Lourenço An-drade e Sheila Ferreira Delpino, entrevistou-se um ex-pressivo número de trabalhadores (todos aqueles que, estando no local, quiseram falar), sendo que dezesseis deles concordaram, inclusive, em preencher um ques-tionário a respeito, essencialmente, da questão das

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“folgas para visitar a família”, embora a visita ao alo-jamento tenha sido motivada também por outras pre-ocupações do Ministério Público, como se explicará a seguir.

Deve-se dizer, primeiramente, que não houve re-latos de restrição à liberdade de ir e vir, nem quanto ao descumprimento do compromisso firmado pelo Con-sórcio no procedimento PI 688/2004 (distinto dos acima referidos)-, de “(...) ao final do contrato, pagar todas as despesas de retorno (...) ”.

No tocante às supostas promessas falsas, quando do recrutamento dos obreiros, a respeito da possibili-dade de reverem os familiares durante a constância da relação laboral, não houve convencimento no sentido de que os recrutadores de pessoal tenham procurado iludir os trabalhadores, mas constatou-se, sim, a desin-formação, em graus variáveis, de parcela bastante sig-nificativa deles quanto às condições de trabalho com que iriam se deparar. Essa desinformação, por eviden-te, gera expectativas frustradas e reclamações.

Nesse aspecto – da desinformação dos traba-lhadores – acrescenta-se que o Sr. João José Pereira (funcionário da empresa Mendes Júnior S/A há quase trinta anos na área de recursos humanos, atuando es-pecialmente no recrutamento, e que foi o responsável por selecionar o pessoal que trabalhou nas obras da Re-finaria Alberto Pasqualini), ao depor perante o Ministério Público (v. a cópia do depoimento, acostada, fls. 52/53 do PI 1.070/2004), informou que, em época passada, na construtora Mendes Júnior S/A, era fornecido a cada trabalhador recrutado uma “carta de apresentação de candidato”, “onde estavam discriminados todos os seus direitos”. Esse importante documento foi abolido.

Importa ressaltar, ainda, que a carteira de trabalho e o contrato de emprego (onde constariam as condições

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básicas da relação empregatícia) não são preenchidos na localidade em que o trabalhador é arregimentado, pois a efetivação do vínculo está condicionada à apro-vação em testes que se realizam nos locais das obras. É o que foi esclarecido pelo Sr. João Pereira:

“que o trabalhador, quando chega à localidade da obra, faz testes práticos de seleção, exa-mes médicos, palestras sobre a empresa (dois dias); que o contrato de trabalho é assinado após esses procedimentos; que, se houver a reprovação no teste prático ou no exame mé-dico, há um reembolso do valor para o retorno do trabalhador”.

Conclui-se, dessarte, a partir do que foi exposto, pela deficiência nos procedimentos adotados para dar conhecimento aos candidatos a emprego a respeito das condições de trabalho a que irão se submeter, o que é especialmente preocupante na situação em que os tra-balhadores são levados de uma para outra localidade do território nacional, às vezes bastante longínquas.

Por esse motivo, propôs-se às empresas, em reuni-ões de negociação, a celebração de um termo de com-promisso pelo qual assumiriam, formalmente, a obriga-ção de “informar a todos aqueles que se candidatarem aos postos de trabalho, e antes de serem eles transpor-tados para os locais das obras ou dos empreendimen-tos, as condições básicas da relação de trabalho (...)”.

Contudo, as tratativas não foram exitosas.No concernente à desigualdade de tratamento

entre operários, de um lado, e demais profissionais, de outro, quanto à garantia de convivência familiar, as denúncias foram totalmente confirmadas, conforme se explicará.

Desde logo, importa dizer que, durante a inspeção, quase todos os operários entrevistados queixaram-se de que somente os empregados mais graduados [en-

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carregados, técnicos, assistentes técnicos, superviso-res, engenheiros, gerentes – isto é, os profissionais cuja atividade tem natureza preponderantemente técni-ca ou intelectual, na terminologia consagrada pela CF, art. 7º, inc. XXXII] possuíam o direito de, periodicamen-te, viajarem com despesas pagas e sem prejuízo do salário para irem rever suas famílias.

E, pelos questionários (16) respondidos pelos obreiros no dia da inspeção, em julho de 2005, veri-ficou-se que dez deles, desde sua chegada, jamais tinham ido rever a família, e já estavam trabalhando fazia período significativo de tempo, variando de três meses e meio a um ano e quatro meses! Os demais, todos com um ano ou mais de trabalho (de um ano a um ano e sete meses), relataram ter ido visitar a família apenas uma vez!, às suas custas.

Os representantes das empresas, alguns ouvidos antes, outros depois, da inspeção, confirmaram que, realmente, há um tratamento radicalmente diferencia-do, no que toca à garantia de convivência familiar, entre as diversas classes profissionais, operários de um lado [mais especificamente, mestres, feitores, soldadores, encanadores, montadores, mecânicos, eletricistas, ins-trumentistas e demais operários em geral] e técnicos, engenheiros e administradores de outro.

Para estes últimos é contratualmente assegurado (em medidas e de modos variáveis, como se verá, mais adiante, pelas transcrições dos depoimentos) o direi-to de convivência familiar. Para os operários não; não como direito, ainda que, em caráter de mera liberalida-de, isso até possa ser permitido em casos particulares ou situação excepcional.

E isso vale para qualquer empreendimento de uma ou outra empresa, estejam atuando em con-sórcio, como fazem por vezes, ou estejam atuando

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isoladamente.Nesse aspecto, cumpre destacar que o Sr. Fran-

cisco Cláudio Santos Perdigão, Gerente Administrativo da Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A, cujo de-poimento foi confirmado pelo Sr. Telmo Tavares Primo, Chefe de Seção de Pessoal da Construtora Andrade Gutierrez S/A, esclareceu...

“que as empresas Mendes Jr. e Andrade Gu-tierrez, ambas mineiras, tem procedimentos operacionais e de contratação de pessoal bas-tante similares” (v. cópia da ata de audiência em anexo, correspondendo às fls. 78/79 do PI 1.070/2004).

E, por natural, quando atuam em consórcio, os procedimentos de contratação seguem essas mesmas diretrizes “bastante similares”.

É importante destacar essa circunstância, pois, sendo assim, torna-se evidente que a questão da con-vivência familiar não se restringe à obra que as cons-trutoras referidas, em consórcio, executam para a Refi-naria Alberto Pasqualini S/A. O problema está e estará presente em todos os empreendimentos nos quais os réus, por si ou consorciadamente, se valerem de pes-soal arregimentado Brasil afora.

Registre-se, ao ensejo, que não é incomum atu-arem os dois primeiros réus de forma conjunta; isso aconteceu, por exemplo, também em obra na Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.

É também pertinente reparar, antes de, por fim, transcrever mais detalhamente os depoimentos referi-dos supra, que, no aspecto da convivência familiar, a obra da REFAP deu azo a atitude excepcional – que ja-mais tinha sido adotada antes em qualquer outra obra.

É que, tendo iniciado seus trabalhos no Rio Gran-de do Sul em 2003, o Consórcio AG - Mendes [a par-

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tir de determinada época (meados de 2004, ao que se concluiu) e certamente por pressão dos operários] pac-tuou com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de Porto Alegre a seguinte cláusula (v. documento anexo, correspondendo às fls. 89/91 do PI 1.070/2004):

“A empresa Consórcio AG - Mendes concederá aos funcionários contratados fora do Estado do Rio Grande do Sul, licença não remunerada para visitas aos familiares ao local de origem, a cada 04 (quatro) meses de permanência na obra, sem que seja considerada falta injustifica-da ao serviço, mediante prévio acordo com a chefia, sem possibilidade de desconto nas fé-rias e repousos semanais remunerados.”.

Trata-se, deve-se dizer, de um pseudo-direito, pois, além da concessão da licença estar sujeita ao arbítrio do Consórcio (“mediante prévio acordo com a chefia”), ela é não-remunerada, o que, na prática, di-ficulta em muito sua utilização. Tanto é assim, aliás, que, prestando informações solicitadas pelo Ministério Público na audiência realizada no PI 938/2004, o Con-sórcio informou, em fevereiro de 2005, “que nenhum funcionário gozou de licença não remunerada até a presente data” (v. documento acostado, correspon-dente à fl. 25 do PI 938/2004).

Contudo, como deixou bem claro (fls. 78/79 do PI 1.070/2004) o Sr. Francisco Perdigão, ...

“(...) a concessão de licença para os operários irem rever a família foi concedida pela primei-ra vez na obra da REFAP; que as empresas Mendes Jr. e Andrade Gutierrez não adotam o procedimento de conceder licenças para os operários irem rever a família; (...)”.

Esse é, como regra, o tratamento dado aos traba-lhadores manuais.

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Para os demais funcionários, o tratamento é to-talmente diverso, na forma como explicado nos depoi-mentos a seguir transcritos.

O Sr. Ademir Santos de Oliveira, gerente de re-cursos humanos a serviço do Consórcio AG - Mendes, explicou (fls. 23/24 do PI 938/2004) o seguinte:

“(...) para os empregados que exercem o cargo de encarregado e de técnico a empresa con-cede uma folga conhecida por ‘baixada’, de 05 dias úteis, a cada 90 dias, para visitar seus familiares, com passagem e despesas de refei-ção custeadas pela empresa; atualmente exis-tem em torno de 115 encarregados e em torno de 75 técnicos, assistentes técnicos, supervi-sores e engenheiros; aos assistentes técnicos e supervisores a empresa concede passagem aérea e dois dias úteis, a cada 60 dias, para vi-sitar seus familiares; os engenheiros podem se ausentar de 30 em 30 dias, por dois dias úteis, e os gerentes de 15 em 15 dias, por um dia útil, todos com passagem e despesas pagas; (...)”.

O Sr. João José Pereira, recrutador de pesso-al da Mendes Júnior S/A, revelou (fls. 52/53 do PI 1.070/2004), no que diz respeito ao assunto, ...

“(...) que os cargos/funções na obra da REFAP são os de gerentes, engenheiros de campo, supervisores, técnicos, assistentes técnicos e encarregados; que abaixo dos encarregados há os mestres e feitores, soldadores, enca-nadores, montadores, mecânicos, eletricistas, instrumentistas e operários em geral; que até o encarregado há a figura da licença remune-rada; que o dissídio da categoria prevê para os cargos abaixo do de encarregado uma licença não remunerada de uma semana a cada 90 dias; que esta licença na época do início da obra não existia, sendo posteriormente nego-ciada com o sindicato (...); que a concessão de licença depende da obra, que algumas prevê-

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em, outras obras não prevêem a licença para os trabalhadores abaixo dos encarregados; (...)”.

Por fim, foram ouvidos, no PI 1.070/2004, o Sr. Francisco Cláudio Santos Perdigão, Gerente Adminis-trativo da Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A, e o Sr. Telmo Tavares Primo, Chefe de Seção de Pesso-al da Construtora Andrade Gutierrez S/A. Em relação ao assunto, disse aquele, com confirmação deste (fls. 78/79 do PI 1.070/2004), que...

“(...) nas obras em geral, como as de constru-ção de barragens, aeroportos, estradas, refi-narias, etc., quando de média ou longa dura-ção, isto é, com duração maior que 12 (doze) meses, ambas as empresas, seja atuando em consórcio ou não, custeiam a vinda dos fami-liares dos empregados até o nível dos super-visores, ou seja, dos supervisores ‘para cima’, até os empregados do nível de gerência; que as empresas incentivam a vinda dos familiares; que nas obras de longa duração os emprega-dos de nível de encarregado, contratados fora do local da prestação de serviços, têm custeio de passagens e licença remunerada para visita aos familiares, cuja periodicidade varia de obra para obra; que os operários normalmente não tem esse direito; (...)”.

Em resumo, verifica-se que determinadas classes profissionais tem o direito de convivência familiar ga-rantido, de um modo ou de outro, em alguma medida, enquanto os operários não, de regra.

Dada essa disparidade absoluta de tratamento, tentou-se, durante o ano de 2006, obter dos ora réus um termo de compromisso pelo qual fosse garantido, em alguma medida, por mínima que fosse, o direito de convivência familiar também para a classe dos traba-lhadores braçais, na hipótese de serem deslocados de

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uma para outra localidade do território nacional. Inobs-tante todas as tratativas, propostas e contrapropostas, não foi possível chegar, administrativamente, a um ter-mo satisfatório. Dessarte, tornou-se necessário propor a presente ação, com base nos fundamentos jurídicos adiante expostos.

3. DO DIREITO MATERIAL

3.1 Da proibição de distinguir entre trabalhadores manuais, técnicos e intelectuais

A Constituição de 1988 elencou dentre os direitos fundamentais dos trabalhadores a “proibição de distin-ção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos” (art. 7º, inc. XX-XII; destacou-se), consagrando, desse modo, garantia que, com formulações teóricas algo distintas, já vinha expressa em nosso ordenamento jurídico, podendo-se citar, no plano do Direito Constitucional, as cartas de 1946 (art. 157, parágrafo único: “Não se admitirá a dis-tinção entre o trabalho manual ou técnico e o trabalho intelectual nem entre os profissionais respectivos, no que concerne a direitos, garantias e benefícios”) e 1967 (art. 158, inc. XVIII), assim como na Emenda Consti-tucional 1, de 1969 (art. 165, inc. XVII: “Proibição de distinção entre trabalho manual, técnico ou intelectual, ou entre os profissionais respectivos” ).

É importante ter presente, entretanto, como des-taca Maurício Godinho Delgado (“Princípios de Direito Coletivo do Trabalho”) que ...

“Embora o Direito do Trabalho brasileiro já ti-vesse incorporado décadas antes de 1988, preceitos antidiscriminatórios, não há dúvida de que a Constituição promulgada no final do

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século XX surgiu como o documento juspolítico mais significativo elaborado na história do país acerca de mecanismos vedatórios a discrimi-nações na relação de emprego.“O marco constitucional de 1988, lançou, assim, um divisor nítido de fases nesta seara temática: de um lado, verifica-se o período anterior a 88, com referências jurídicas relativamente tímidas e dispersas; de outro lado, desponta o período iniciado com a nova Constituição, que se distingue pelo surgimento de um largo e consistente sistema de proteções jurídicas contra discriminações empregatícias.”.

Posto isso, cumpre definir o alcance prático da norma, e de acordo com a relevância que ela assumiu no contexto jurídico atual.

Nesse aspecto, pode, ainda hoje, e ao menos num primeiro momento, parecer difícil estabelecer o preciso alcance da norma em questão, já que ela é informa-da, como se evidencia, por um princípio, o da igualda-de (que abarca a não-discriminação), cuja inteligência “atormenta a mente dos juristas” (expressão de Celso Ribeiro Bastos), dado o seu grau de indeterminação.

Contudo, adotadas algumas premissas interpreta-tivas básicas, adiante expostas, torna-se clara a des-conformidade entre a conduta da ré, no aspecto objeto desta ação, e a diretriz que emana do art. 7º, inc. XXXII, da CF.

De início, deve-se ter presente que não se trata de mero enunciado teórico sem qualquer aplicabilidade prática. O dispositivo consagra e expressa um direito fundamental dos trabalhadores, que, como tal, deve ser assegurado no dia-a-dia das relações de trabalho.

Nesse ponto, por oportuno, releva citar a seguinte observação de Celso Ribeiro Bastos, constante de seu Curso de Direito Constitucional, a respeito do princí-pio da igualdade: “A igualdade é, portanto, o mais

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vasto dos princípios constitucionais, não se vendo recanto onde ela não seja impositiva.” (negritou-se).

Assim sendo, “todos os direitos que tiverem os trabalhadores manuais tê-los-ão os trabalhadores intelectuais, ou vice-versa”, como nos explica o con-sagrado Pontes de Miranda. Aí está, sinteticamente, o significado da norma constitucional contida no inc. XXXII do art. 7º. [A análise consta dos “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969” (Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 228, alí-nea 28, “Isonomia”), mas vale para a CF de 1988, dada a similitude entre o art. 165, inc. XVII, daquela e o art. 7º, inc. XXXII, desta].

As diferenciações admissíveis são de medidaDessarte, se nos parece natural que um engenhei-

ro (por critérios de merecimento, de valor do trabalho, de mercado ou outro que seja) receba salário superior ao de um operário, todos tem o direito de serem, em alguma medida, pagos por seu trabalho.

Noutro exemplo, se nos parece aceitável, hipote-ticamente, que a jornada normal de trabalho do enge-nheiro possa ser menor que a do operário, é certo, de outra parte, que ambos tem direito a que sua jornada observe, quanto à sua duração, um limite máximo que não poderá ser ultrapassado.

Também, tanto operários, quanto técnicos e enge-nheiros tem direito a um descanso semanal, ainda que, quanto a uma ou outra classe profissional, possam variar os dias de concessão do repouso, em razão, por exem-plo, da necessidade da fixação de escalas de trabalho.

Dessarte, “todos os direitos que tiverem os tra-balhadores manuais tê-los-ão”, em alguma medida, “os trabalhadores intelectuais, ou vice-versa”.

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Tais parâmetros, embora simples, aclaram o sig-nificado da norma sob exame e permitem a sua aplica-ção às situações concretas.

No caso dos autos, viu-se, conforme exposto no tópico acerca “Dos Fatos”, que para determinados pro-fissionais as empresas rés garantem, em alguma medi-da, de algum modo, a convivência com a família, mas a outros, os operários, não, em nenhuma medida.

Tem-se, desse modo, um tratamento totalmente desigual entre as diversas classes de profissionais, negando-se aos operários o que é assegurado aos de-mais trabalhadores.

Sim para uns, não para outros.Os operários, contudo, e por óbvio, também têm

família, também sofrem com a privação afetiva, e, quanto a esse aspecto, encontram-se em idêntica situ-ação a dos demais profissionais.

Oportuno, nesse momento, destacar [o que será melhor explicitado no tópico seguinte] que a convivên-cia familiar é um valor caro à sociedade brasileira e, por isso, previsto inclusive na CF.

Logo, o tratamento radicalmente desigual dispen-sado pelas empresas demandadas aos seus emprega-dos no que diz respeito às possibilidades de manterem a convivência familiar ofende não só a um senso inato de justiça, que motivou as representações apresenta-das ao Ministério Público e as reclamações formuladas diretamente aos procuradores do trabalho, mas viola mesmo a ordem jurídica vigente, no caso, o art. 7º, inc. XXXII, da CF.

Diga-se, por fim, que não se pretende uma igualda-de absoluta entre os operários e os demais profissionais, mas uma igualdade relativa, isto é, que lhes seja garanti-do, em alguma medida, o direito de convivência familiar.

Nesse sentido é o pedido de nº 1.

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Quanto à “convivência familiar”, como direito em si, é importante fazer-se as considerações que seguem.

3.2 Do direito à Convivência Familiar Inobstante o foco da presente ação civil pública

seja a questão da desigualdade de tratamento entre os operários e os demais profissionais, é relevante fazer algumas considerações a respeito do ponto em que se dá essa diferenciação, qual seja, o da garantia de “con-vivência familiar”, que se constitui em valor e direito previsto no ordenamento jurídico.

Trata-se, cumpre destacar, de aspecto cuja impor-tância é tal que foi previsto em diversas normas, inclu-sive constitucional, a estabelecerem, sob diferentes e complementares enfoques, que é dever de toda a so-ciedade, e não apenas da família e do Estado, assegu-rar a “convivência familiar” em prol das crianças e dos adolescentes (art. 227, “caput”, da CF e art. 19 da Lei 8.069/1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente), dos idosos (art. 3º, “caput”, da Lei 10.741/2003 - Esta-tuto do Idoso) e dos cidadãos em geral (art. 4º, III, da Lei 8.742/1993 - Lei Orgânica da Assistência Social).

“São direitos de particular importância para a reali-zação plena do cidadão.”, nas palavras de Ives Gandra Martins, comentando o art. 227, “caput”, da CF.

É intuitivo, ademais, que garantir a convivência en-tre pais e filhos, netos e avós... é fator importantíssimo para o bem-estar psíquico e social – saúde, portanto – dos indivíduos e, quanto às crianças e adolescentes, também para sua formação moral e intelectual.

Ainda a propósito do tema, cabe ponderar que, por certo, dentre os diversos e complexos motivos que vem tornando nossa sociedade a cada dia mais violen-ta – e não só no concernente à prática de crimes, mas

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também no tocante às relações entre as pessoas (no trânsito, no trabalho, nos ambientes de convívio etc.) – está, pelas contingências da vida atual, a redução do tempo de convivência dos filhos com os pais e o que disso advém ou pode advir de negativo.

Assim, assegurar a convivência também dos ope-rários, em alguma medida, com suas famílias, corres-ponde não só a uma adequação de conduta das em-presas aos ditames do art. 7º, inc. XXXII, da CF, mas, além disso, ao cumprimento de um dever constitucio-nal, beneficiando, imediatamente, os obreiros e suas famílias e, mediatamente, a sociedade em geral.

3.3 Do direito à informação nas relações de trabalho

O Direito Contemporâneo dá notável importância ao “direito à informação” em geral, como pressuposto que é para o pleno exercício da cidadania.

E nosso ordenamento jurídico repercute essa pre-ocupação, a iniciar pelo art. 5º, XIV, da CF, que esta-belece, amplamente, ao arrolar os direitos e garantias fundamentais: “é assegurado a todos o acesso a in-formação (...)” (destacou-se).

No plano da lei ordinária, inúmeros diplomas mais recentes incorporam expressamente o “direito à infor-mação”, destacando-se dentre eles, por exemplo, a Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor [que, em seu art. 6º, inc. III, elenca como direito básico do consumidor “a informação adequada e clara”] e a Lei 8.080/1990 - Lei Orgânica da Saúde [que, no art. 7º, inc. V, prevê o “direito à informação, às pessoas assis-tidas, sobre sua saúde”].

Inobstante, a CLT, mesmo datando de 1943, já continha normas relacionadas ao tema, embora sem

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o uso da fórmula mais moderna: “direito à informação”. Cabe, nesse aspecto, destacar os incs. I e II do § 4º do art. 13, do seguinte teor:

“Art. 13. A Carteira de Trabalho e Previdência Social é obrigatória para o exercício de qual-quer emprego (...)

“(...)

“§ 4º. Na hipótese do § 3º:

“I - o empregador fornecerá ao empregado, no ato da admissão, documento do qual constem a data da admissão, a natureza do trabalho, o salário e a forma de seu pagamento;

“II - se o empregado ainda não possuir a car-teira na data em que for dispensado, o empre-gador lhe fornecerá atestado de que conste o histórico da relação empregatícia.”

Pode-se mencionar, ainda, na mesma linha, o art. 29 [que determina ao empregador registrar na carteira de trabalho algumas informações básicas a respeito do contrato de emprego e de eventuais “condições espe-ciais” de trabalho] e o art. 157, inc. II [que determina à empresa “instruir” os trabalhadores, por escrito, quanto aos riscos do trabalho e às medidas para evitar aciden-tes e doenças].

No âmbito pertinente ao Direito Ambiental do Tra-balho, aliás, muitas normas passaram a mencionar ex-pressamente o “direito à informação” para o trabalha-dor, como é o caso do art. 19, § 3º, da Lei 8.213/1991 [diz: “É dever da empresa prestar informações por-menorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.” (destacou-se)], da alínea 1.7, “c”, da NR - 1 da Portaria 3.214/1978 do Ministério do Trabalho [que refere “1.7 - Cabe ao empregador: (...) c)

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informar aos trabalhadores: I - os riscos profissionais (...); II - os meios para prevenir e limitar tais riscos e as medidas adotadas pela empresa (...); III - os resultados dos exames médicos (...) IV - os resultados das ava-liações ambientais (...)” (salientou-se)], da alínea 9.5.2 da NR - 9 [que estabelece: “Os empregadores deverão informar os trabalhadores de maneira apropriada e suficiente sobre os riscos ambientais (...)” (grifou-se)], entre outros exemplos.

Incontestável, dessarte, que o direito à infor-mação, inclusive porque tutelado amplamente pela Constituição, estende-se às relações de trabalho, em seus diversos aspectos.

E, portanto, esse direito está presente não só no ato da admissão e durante a execução do contrato de emprego, mas também, e principalmente, durante a fase pré-contratual da relação entre empresa e traba-lhador, cabendo àquela, inclusive em face do princípio da boa-fé que deve presidir a celebração de qualquer contrato (art. 422 do CC), informar correta e claramente o candidato ao emprego a respeito das condições de trabalho.

É oportuno, nesse momento, mencionar excelente trabalho do magistrado e professor Francisco Rossal de Araújo, que, ao dissertar sobre “A Boa-Fé no Con-trato de Emprego” (São Paulo: LTr, 1996. p. 249-251.), dedica um tópico específico à análise do tema, escla-recendo que...

“Os deveres de informação e esclarecimento decorrentes do princípio da boa-fé, na forma-ção e execução do contrato, envolvem leal-dade e confiança recíprocas. Note-se que a informação deve ser contínua, desde os conta-tos preliminares até a celebração definitiva do contrato.”

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Também o magistrado Edilton Meireles, comen-tando o princípio da boa-fé aplicado às relações de tra-balho, aborda os deveres de informação, como o “do empregador em ter que dar conhecimento do teor inte-gral do contrato, ainda que celebrado por simples ade-rência”, acrescentando: “Pode-se afirmar que, apesar do aderente não ter como negociar, discutir o conteúdo do contrato, a ele deve ser dado indiscutível conheci-mento integral das suas cláusulas, de modo que possa consentir ou não com a sua efetivação.” (“Abuso do Di-reito na Relação de Emprego”. São Paulo: LTr, 2004. p. 62. v. tb. nota 114.).

Isso é especialmente importante nas situações em que os trabalhadores são recrutados em uma localida-de do território nacional e levados para trabalhar em outra, muitas vezes muito distante daquela de origem, como ocorre ou pode ocorrer nos empreendimentos de grande porte mantidos pelos réus, por si ou consorcia-damente.

Mais, como se viu a exemplo das obras de amplia-ção da REFAP, pode ocorrer de o operário ser desloca-do de uma localidade para outra do território nacional sem um contrato de emprego assinado ou garantido, o que só irá se concretizar se for aprovado em exames e testes práticos a serem realizados no local da obra.

Desse modo, é crucial que o candidato a emprego esteja bem informado, antes de viajar, não só de que o contrato de emprego não é garantido, nos casos em que sua formalização é condicional, como também das condições de trabalho, se vier a ser contratado.

No caso, as entrevistas com os trabalhadores re-velaram, se não falsas promessas dos recrutadores de pessoal, uma desinformação significativa daqueles, a demonstrar uma deficiência nos procedimentos adota-dos, se é que existentes protocolos de conduta a res-

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peito, para dar conhecimento aos candidatos a empre-go a respeito das condições de trabalho a que irão se submeter.

Assim é que, na impossibilidade de obter-se um termo de compromisso a respeito, apesar das negocia-ções entabuladas, tornou-se necessário o ajuizamento da presente ação civil pública e a formulação, quanto ao aspecto, do pedido de nº 2, ao final.

4. DAS PROVASJuntam-se, desde logo, cópias das peças essen-

ciais dos procedimentos investigatórios mencionados ao início, sendo que as denúncias encontram-se repro-duzidas apenas em parte, de modo a que os denun-ciantes não possam ser identificados.

5. DO PEDIDOAnte o exposto, pede-se sejam condenados os

réus ao seguinte:(1) No concernente a toda e qualquer obra ou empreendimento que, no território nacional, re-alizarem por si ou entre si ou ainda em consór-cio com outras empresas,

(1.1) assegurarem a todos os trabalhadores provenientes de Municí-pios diversos daque-les onde se situarem as respectivas obras ou empreendimentos, salvo se os Municípios pertencerem à mesma região metropolitana, quer executem os trabalhadores atividades preponderantemente manuais, quer técnicas ou intelectuais, o direito de convivência fami-liar, concedendo-lhes para tanto uma licen-ça remunerada de, no mínimo, 03 (três) dias úteis (considerando-se dias não úteis aqueles em trânsito, dispendidos nas viagens de ida e

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volta) a cada 90 (noventa) trabalhados, licen-ça esta cujo período concessivo será nos 90 (noventa) dias seguintes, ou, sucessivamente, concedendo-lhes a licença em outros parâme-tros e medidas a serem estabelecidos por esse Juízo, com custeio ou reembolso, em qualquer caso, das despesas de transporte dos traba-lhadores para irem e retornarem (permitida a concessão de licenças com periodicidade e condições distintas, desde que mais benéfi-cas, para determinadas classes ou categorias de trabalhadores, atentando para as peculiari-dades de cada uma, ou a negociação com os sindicatos dos locais das obras ou empreendi-mentos de parâmetros diversos para as licen-ças), sob pena, em caso de descumprimento, de pagamento de multa ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, monetariamente atualizá-vel a partir da presente data pelo IGP-M ou ín-dice que venha a substituí-lo, no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por trabalha-dor prejudicado;

e

(1.2) informarem, inclusive por escrito, a todos aqueles que se candidatarem aos postos de trabalho, e antes de serem os trabalhadores transportados para os locais das obras ou dos empreendimentos, as condições básicas da re-lação de trabalho, especialmente quanto a fun-ção, valor do salário, jornada a ser cumprida, custeio das despesas com transporte de ida e volta para as localidades de origem e direito a licenças, sob pena, em caso de descumpri-mento, de pagamento de multa ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, monetariamente atualizável a partir da presente data pelo IGP-M ou índice que venha a substituí-lo, no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por trabalhador prejudicado.

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Requer-se sejam citados os réus para, querendo, contestar a presente ação civil pública.

Protesta-se pela produção de todos os meios de prova em Direito admitidos.

Solicita-se seja o Ministério Público intimado pes-soalmente de todos os atos processuais, mediante re-messa dos autos.

Atribui-se à causa, para fins legais, o valor de R$ 25.000,00.

Porto Alegre, 26 de março de 2007.

Lourenço Andrade,Procurador Regional do Trabalho.

Márcia Medeiros de Farias,Procuradora do Trabalhodo Núcleo de Combate à Discriminação.

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RISCO À INTEGRIDADE DOS EMPREGADOS DA EMPRESA IRTHA ENGENHARIA S.A. EM CANTEIRO DE OBRAS. TERMO DE EMBARGO DA SUPERINTENDÊNCIA

REGIONAL DO TRABALHO E EMPREGO.MS 01054-2008-001-04-00-2

Márcia de Freitas Medeiros1

Aline Zerwes Bottari Brasil1Paula Rousseff Araújo1

EXMO. SR. DR. JUIZ PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRI-BUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

“Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas

Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe

Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

...Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir

Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,

Deus lhe pague” (Construção - Chico Buarque)

1 Procuradores do Trabalho do MPT-RS

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O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por intermédio da Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região, com sede na Rua Ramiro Barcelos, nº 104, Flo-resta, Porto Alegre, RS, neste ato representado pelas Procuradoras do Trabalho que este subscrevem, com fulcro no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, artigo 1º da Lei nº 1.533/51 e artigo 5º da Lei Comple-mentar nº 75/93, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor o presente

MANDADO DE SEGURANÇA com pedido de li-minar

contra ato da Exma. Juíza da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, praticado nos autos do Mandado de Segurança n° 01054-2008-001-04-00-2, em que figu-ra como impetrante a empresa Irtha Engenharia S.A. e como impetrados os Auditores-Fiscais do Trabalho Cláudio Cezar Peres, Jorge Luiz Lopes e Luiz Alfre-do Scienza, pelos motivos de fato e de direito a seguir explicitados:

I. DOS FATOSA empresa Irtha Engenharia S/A ajuizou em 22

de setembro de 2008 mandado de segurança com pedido liminar, requerendo a imediata liberação das obras objeto do Termo de Embargo n° 00342008, bem como a determinação para que as autoridades coatoras se abstivessem de embargar novamente as obras em razão das situações descritas no referido Termo de Embargo. Apresentou os documentos de fls. 36-1478.

Em 23 de setembro, a Excelentíssima Juíza do Trabalho Lais Helena Jaeger Nicotti, através do despa-

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cho de fl. 1479, antes de apreciar o pedido de liminar, determinou a intimação das autoridades coatoras para apresentar justificativa prévia.

Às fls. 1494-5, o Superintendente Regional do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul, preliminar-mente, alegou a ilegitimidade passiva das autoridades impetradas. No mérito, reportou-se ao parecer exara-do pelos Auditores-Fiscais Cláudio Cezar Peres, Jorge Luiz Lopes e Luiz Alfredo Scienza (fls. 1496-1512), o qual embasou e reiterou a existência dos riscos graves e iminentes que ensejaram o embargo. Além disso, fo-ram apresentados os documentos de fls. 1496-1551.

A impetrante impugnou a manifestação apresenta-da pela Superintendência Regional do Trabalho e Em-prego às fls. 1569-84 e apresentou os documentos de fls. 1585-1826.

A Juíza Lais Helena Jaeger Nicotti, às fls. 1830-1, concedeu a segurança, proferindo a seguinte decisão:

“Vistos, etc

CONSIDERANDO que, a partir dos Termos de Embargos determinados pelos auditores fis-cais, houve indiscutível demonstração das em-presas embargadas em buscar atendimento das solicitações preventivas exigidas;

CONSIDERANDO que as informações para defesa técnica apresentadas pela Superinten-dência Regional do Trabalho e Emprego do RS (fls. 1494 a 1551) não notificam que as empre-sas embargadas estejam discutindo o mérito das exigências, mas tão-somente as técnicas, métodos e alternativas em proposição;

CONSIDERANDO que os laudos apresenta-dos pelas empresas envolve matérias técnicas extremamente complexas e com múltiplas al-ternativas de execução;

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CONSIDERANDO, por fim, que os pareceres técnicos juntados às fls. 1456/1458. que ga-rantem o fiel cumprimento de todos os itens motivadores do embargo da obra, não estando acompanhados das respectivas ART’s (Acervo de Reponsabilidade Técnica) perante o CREA/RS;

CONCEDO, liminarmente, a SEGURANÇA, para determinar a liberação da obra da Impe-trante, após a juntada aos autos de cópia das ART’s dos engenheiros de segurança ANTÔ-NIO ROBERTO HOERDE FREIRE BARATA, LAURA SANZ BURMANN, CÉSAR TERRA BURMANN e SÉRGIO USSAN relativas aos pareceres técnicos que garantem perfeitas condições de segurança aos trabalhadores do canteiro de obras embargado.

Cumpra-se tão-logo à comprovação nos autos da exigência supra determinada, por oficial de justiça, que deverá dar ciência às autoridades ditas coatoras para que, no prazo de lei, que-rendo, prestem outras informações ou reque-rimentos.

Inclua-se em pauta especial, intimando-se o Ministério Público do Trabalho.”

Os autos foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho para emissão de parecer. Considerando que a decisão da Exma. Juíza do Trabalho, ao liberar a obra, expôs, e continua a expor, a vida e a integridade física de mais de duzentos trabalhadores que prestam serviços no canteiro de obras à situação de risco grave e iminente, o Parquet, além de emitir parecer naquele processo, impetra o presente Mandado de Segurança, com o objetivo de suspender imediatamente a decisão e, assim, preservar o direito líquido e certo dessa cole-tividade de trabalhadores e de toda a sociedade.

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II. CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇACabível o presente Mandado de Segurança, uma

vez que o ato atacado foi praticado por autoridade pú-blica, ferindo direito coletivo líquido e certo (pertencen-te a toda a coletividade de empregados da empresa e a toda a sociedade), não podendo ser impugnado por nenhum recurso previsto em lei (irrecorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conheci-mento do processo trabalhista), aplicando-se, por isso, o preceituado nos artigos 5º, inciso LXIX, da Constitui-ção Federal, 1º e 5º da Lei nº 1.533/51.

III. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

A Constituição Federal, em seu artigo 127, caput, conferiu ao Ministério Público a legitimidade para atuar em defesa do interesse público, contra todos aqueles que violarem a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, nos seguintes termos:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição per-manente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem ju-rídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

Da mesma forma, o artigo 6º da Lei Complementar nº 75/93 atribui, como competência do Ministério Públi-co da União, do qual o Ministério Público do Trabalho é um dos ramos integrantes (art. 128 da Constituição Federal), a atuação na defesa do meio ambiente, dos direitos sociais, difusos e coletivos, entre outros. Além disso, atribuiu também ao Ministério Público a compe-tência para impetrar o mandado de segurança sempre

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que se fizer necessário para bem desempenhar suas atribuições:

“Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:

(...)

VI - impetrar “habeas corpus” e mandado de segurança;

VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitos constitucionais;

b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisa-gístico;

c) a proteção dos interesses individuais indis-poníveis, difusos e coletivos, relativos às co-munidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

VIII - promover outras ações, nelas incluído o mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exer-cício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando difusos os interesses a serem protegidos;” (grifamos).

Já o artigo 83 da mesma Lei Complementar nº 75/93 estabelece como competência do Ministério Pú-blico do Trabalho:

“Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

I - promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhis-tas;

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(...)

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interes-ses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garan-tidos;

(...)

VI - recorrer das decisões da Justiça do Tra-balho, quando entender necessário, tanto nos processos em que for parte, como naque-les em que oficiar como fiscal da lei, bem como pedir revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Tra-balho;” (grifamos).

Desta forma, na hipótese em debate, apresenta o Parquet o presente mandado de segurança, como ver-dadeiro recurso de decisão proferida nos autos de um processo em que intervém na qualidade de custus le-gis, atuando, portanto, na defesa dos interesses sociais, constitucionalmente assegurados aos trabalhadores (di-reito ao meio ambiente do trabalho sadio e seguro).

Veja-se que o presente mandamus está inegavel-mente alicerçado em provas, mais do que veementes, de que a medida liminar concedida pela Juíza da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, nos autos Mandado de Segurança nº 01054-2008-001-04-00-2, ofendeu a direito líquido e certo da sociedade (interesse público primário – direitos difusos) e a direito de todo o grupo de empregados (presentes e futuros – direitos coleti-vos) das empresas Leroy Merlin Companhia Brasileira de Bricolagem e Carrefour Comércio e Indústria Ltda., bem como da Irtha Engenharia S.A. e das demais 15 empresas que prestam serviços na obra embargada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Isso porque, nos termos do que abaixo é exausti-vamente fundamentado e demonstrado, foi comprova-

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da, pelo próprio laudo técnico que acompanha o Termo de Embargo, a existência de risco grave e iminente à vida e à integridade física dos empregados.

A definição dos interesses ou direitos difusos e coletivos é realizada pelo próprio ordenamento jurídico através do artigo 81 da Lei nº 8.078/90, que assim es-tabelece:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exer-cida em Juízo individualmente, ou a título co-letivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exerci-da quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim en-tendidos, para efeitos deste Código, os transin-dividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os tran-sindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base;

III - interesses ou direitos individuais homogê-neos, assim entendidos os decorrentes de ori-gem comum.” (grifamos)

Diante disso, os interesses difusos seriam aqueles de natureza metaindividual, caracterizados pela inde-terminabilidade dos seus titulares (sujeitos) e pela indi-visibilidade do seu objeto. Há a predominância do inte-resse geral, não podendo ser especificado o individual, nem satisfeito apenas um dos sujeitos, sem os demais.

É, portanto, inegável a sua presença no caso dos autos, em que a defesa dos direitos relacionados à pro-teção do meio ambiente do trabalho atinge indistinta-

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mente a todos os empregados da empresa e interes-sa, inclusive, à própria sociedade, que irá arcar com os custos dos trabalhadores acidentados e que venham a ficar incapacitados para o trabalho.

O interesse coletivo estrito senso é, por sua vez, segundo a definição legal, aquele que pertence a um grupo de sujeitos ou a uma pluralidade de pessoas, que se encontra ligada por um vínculo jurídico. Contudo, também nesta situação, não se pode cogitar na solução da questão de maneira isolada para cada um dos sujei-tos (indivisibilidade), caso contrário estaremos tratando de hipótese de interesses individuais homogêneos.

No caso em apreço, igualmente encontra-se pre-sente o interesse coletivo estrito senso, na medida em que todo o grupo de empregados das empresas que prestam serviços no canteiro de obras, seja presente e futuro, tem interesse na garantia de um meio ambiente de trabalho seguro e sadio.

Assim, nos termos do disposto também no artigo 82, inciso I, da Lei nº 8.078/90, compete ao Ministério Público do Trabalho a promoção das ações e das me-didas necessárias para a defesa dos interesses difusos e coletivos. Na hipótese dos autos, essa defesa está sendo realizada por meio da interposição do presente mandamus, a fim de cassar, com a maior urgência possível, a liminar concedida na Vara do Trabalho e restabelecer o Termo de Embargo.

Saliente-se que o interesse e a legitimidade do Mi-nistério Público do Trabalho, na promoção do presente mandado de segurança, são, ainda, mais evidentes, a partir do momento que tramita, na Procuradoria Re-gional do Trabalho da 4ª Região, face à gravidade dos fatos apurados pela Superintendência Regional do Tra-balho e Emprego, o INQUÉRITO CIVIL Nº 1497/2008 contra as empresas Leroy Merlin Companhia Brasileira

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de Bricolagem e Carrefour Comércio e Indústria Ltda e Irtha Engenharia S.A.

O referido INQUÉRITO CIVIL tem como finalidade a investigação do descumprimento da legislação tra-balhista, em especial das normas de saúde e seguran-ça no trabalho, inclusive relativamente às condições de segurança do canteiro de obras embargado, com a apresentação de proposta de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta à empresa e, se necessá-rio, o ajuizamento de Ação Civil Pública.

Diante disto e considerando que entende o Minis-tério Público do Trabalho que não podem permanecer desamparados os trabalhadores que prestam serviços no canteiro de obras das empresas Leroy Merlin Com-panhia Brasileira de Bricolagem e Carrefour Comércio e Indústria Ltda., especialmente frente à constatação de existência de risco grave e iminente à vida e à in-tegridade física dos empregados: no trabalho junto aos taludes; no trabalho sobre estruturas tubulares, tipo an-daimes fachadeiros e torre; nos trabalhos na periferia da construção; na montagem de estruturas metálicas para cobertura dos pavilhões; nas operações de montagem de estruturas pré-moldadas de concreto; e no trabalho próximo às instalações elétricas provisórias do canteiro, conforme descrito no Termo de Embargo (cópia em ane-xo), impetra o Parquet o presente remédio heróico.

Até porque, sendo mantida a liminar, haverá que se responder à sociedade e ao grupo de empregados da empresa (presentes e futuros): de quem será a res-ponsabilidade pelas lesões, ou até mesmo pela mor-te, de um trabalhador durante o período em que esteja autorizado pelo Poder Judiciário trabalhista o funcio-namento e a operação dos referidos serviços sem a devida proteção, exigida expressamente em lei? Quem responderá pela perda de uma vida ou da saúde de

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um trabalhador neste período? Quem responderá pelo interesse difuso e coletivo lesionado?

A empresa estará operando os serviços interdita-dos com autorização da Justiça do Trabalho, embora existente o Laudo Técnico e Termo de Embargo des-crevendo claramente a existência de condições de risco grave e iminente à vida e à integridade física dos em-pregados, elaborado por Auditores-Fiscais (profissionais habilitados e qualificadas legalmente para tanto).

Isso posto, entende o Ministério Público do Traba-lho ser parte legítima para impetrar o presente mandado de segurança na defesa dos direitos e interesses difusos (interesse público primário) e coletivos (pertencente a todo o grupo de empregados das empresas), bem como na defesa da ordem jurídica trabalhista lesionada pela empresa e agora também pela medida liminar deferida pela magistrada da 1ª Vara do Trabalho de Gravataí.

IV. DIREITO LÍQUIDO E CERTOO ato atacado pelo presente Mandado de Segu-

rança corresponde, como acima já explicitado, à deci-são da Juíza da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, que concedeu, nas fls. 1830-1 dos autos do Mandado de Segurança n° 01054-2008-001-04-00-2, medida li-minar à empresa Irtha Engenharia S.A. para suspender o embargo realizado pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego sobre o canteiro de obras das empresas Leroy Merlin Companhia Brasileira de Brico-lagem e Carrefour Comércio e Indústria Ltda.

Inicialmente, cabe referir que a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, ao embargar o can-teiro de obras, apontou 8 (oito) situações de risco grave e iminente à saúde e à integridade física dos trabalha-dores, quais sejam:

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1ª) SINALIZAÇÃO DE SEGURANÇAInexistência de áreas sinalizadas para a circula-

ção de veículos e equipamentos de obra, bem como a delimitação de áreas seguras para a circulação de trabalhadores, existindo o risco de atropelamentos e eventos similares.

2ª) TALUDESExistência de taludes sem a garantia de sua es-

tabilidade por meio de estruturas, dimensionadas para este fim, ou garantidas por estudo geotécnico e verifi-cação específica.

Ausência de escadas ou rampas, colocadas pró-ximas aos postos de trabalho, a fim de permitir a saída rápida dos trabalhadores em caso de emergência.

Sobrecarga nos taludes de corte, seja por mate-riais retirados das escavações, seja pelo posiciona-mento próximo a borda da escavação de máquinas e veículos utilizados nos serviços de movimentação de terras, evidenciando a ausência de gestão adequada destes riscos.

Ausência de sinalização de advertência, inclusive noturna, e barreiras de isolamento em todo o perímetro das escavações;

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3ª) ESTRUTURAS TUBULARES METÁLICASEstruturas tubulares metálicas, tipo andaimes fa-

chadeiros e tipo torre, em desacordo com as disposi-ções legais e regulamentares de segurança e saúde do trabalho.

Ausência de projeto, dimensionamento e memo-rial de cálculo de todas as estruturas tubulares, reali-zado por profissional habilitado, com juntada da ART respectiva.

Equipamentos em montagem precária:

1 - ausência de acesso vertical seguro ao nível da plataforma de trabalho, por meio de escada in-corporada à estrutura e uso associado de cinto de segurança, tipo paraquedista, acoplado a sistema de trava-quedas;

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2 - plataformas sem forração completa e não nive-ladas e não convenientemente fixadas à estru-tura tubular;

3 - utilização de meios improvisados (tábuas sim-plesmente apoiadas) para atingir-se locais mais elevados; simples ausência ou insuficiência de sistema de guarda-corpo e rodapé, nos termos do item 18.13.5 da NR-18;

4 - ausência de tela de proteção entre o guarda-corpo (travessão superior) e o rodapé; au-sência ou insuficiência dos componentes de amarração ou estroncamento dos andaimes à edificação;

5 - encaixes dos montantes não travados com pa-rafusos, contrapinos ou braçadeiras; ausência, nos andaimes fachadeiros, de proteção em tela de arame galvanizado ou material similar, até, pelo menos, 2,0 m acima da última plataforma de trabalho;

6 - um andaime tubular, tipo torre, onde a altura excedia quatro vezes a menor dimensão da base de apoio, sem estaiamento;

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Interligação entre plataformas de andaimes diver-sos, expressamente proibida em norma;

Ausência de cabo guia ou cabo de segurança, ade-quadamente fixado à estrutura da edificação, no nível da plataforma de trabalho do andaime, para fixação do cinto de segurança tipo pára-quedista do trabalhador;

4ª) SISTEMA COLETIVO CONTRA QUEDASAusência de sistema coletivo de proteção contra

quedas de trabalhadores e materiais na periferia da edificação e em outras áreas, como proximidades de taludes e escavações, com risco de queda. Nas pou-cas locações protegidas por anteparos rígidos (guarda-corpos de madeira), estes não cumpriam minimamente os requisitos de norma.

5ª) MONTAGEM DE ESTRUTURAS METÁLICAS PARA COBERTURA DOS PAVILHÕES

Montagem de estruturas metálicas para cobertu-ra dos pavilhões sem a adoção de requisitos mínimos de segurança previstos na legislação, entre os quais: acesso vertical seguro às áreas de trabalho; piso provi-sório, situado em nível inferior a área de trabalho; insta-lação de cabo guia ou cabo de segurança para fixação de mecanismo de ligação por talabarte acoplado ao

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cinto de segurança tipo pára-quedista, que permitam a movimentação segura dos trabalhadores; colocação de sinalização de advertência; isolamento de área, entre outros.

6ª) OPERAÇÕES DE MONTAGEM DE ESTRU-TURAS PRÉ-MOLDADAS DE CONCRETO

Durante as operações de montagem de estruturas pré-moldadas de concreto, deixaramde ser adotadas medidas destinadas a sanar os riscos existentes, entre as quais: acesso vertical seguro às áreas de trabalho; proibição de circulação ou permanência de pessoas sob a área de movimentação de carga; isolamento e sinalização da área de transporte e descarga de estru-turas pré-moldadas de concreto; utilização de equipa-mento (garra) sem dispositivo de segurança no trans-porte e descarga de lajes pré-moldadas de concreto.

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7ª) TELHAS DE AMIANTOUso de telhas de fibrocimento, marca Imbratex,

com AMIANTO, sem a aplicação de qualquer medida efetiva de controle da exposição. O contato, pela via respiratória, com as fibras do amianto é fator causal da carcinogênese humana.

8ª) INSTALAÇÕES ELÉTRICAS PROVISÓRIASInadequação da instalação elétrica provisória do

canteiro, com a existência de partes vivas expostas; emendas e derivações de condutores com perda da re-sistência e das características dielétricas adequadas; a presença de quadros de distribuição em desacordo com os requisitos legais vigentes e a ausência ou in-suficiência de componente de aterramento elétrico de betoneiras, máquinas de soldagem e outras.

Tais irregularidades foram descritas, de forma mi-nuciosa, no Laudo de Caracterização de Grave e Imi-nente Risco (fls. 1515-30 do MS-01054-2008-001-04-00-2), que, além de demonstrar através de fotografias todas as irregularidades e apontar pormenorizadamen-te os dispositivos legais violados, dispôs expressamen-te sobre as medidas necessárias ao saneamento dos riscos encontrados.

As empresas responsáveis, inclusive, adotaram as medidas exigidas em determinados espaços da obra (como a implantação de sistema eficaz de proteção cole-tiva contra quedas em altura, a substituição de telhas de fibrocimento com amianto por outras não nocivas à saú-de, a implantação de áreas para circulação de trabalha-dores, veículos e equipamentos de obra e respectiva si-nalização, a adoção de medidas de saneamento do risco de contato elétrico acidental etc.), razão pela qual foram procedidas 03 (três) liberações parciais de embargo:

em 15 de julho de 2008, restrita ao chamado Setor D, compreendido entre as coordenadas

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planas eixo 12 – 27 e eixo C – M e ainda ao setor compreendido entre as coordenadas pla-nas situado entre o eixo 0 – 10 e eixo B’ – F, exclusivamente para o nível (cota) de 10,0 m;

em 24 de julho de 2008, restrita ao chamado Setor E, compreendido entre as coordenadas planas eixo 12 – 27 + 32,6 m e eixo C – A + 26,76 m mais área correspondente aos limites estabe-lecidos entre os eixos C e E do eixo 27 à Rua Joaquim Silveira (escavações da rua projetada, execução de redes de esgoto pluvial, execução de sapatas e execução de muro estrutural em concreto), ainda para o seu Setor F, situado entre o eixo J a M eixo 0 a 11 (execução de blocos e sapatas), e ainda para o seu setor compreendido entre as coordenadas planas situado entre o eixo A’ a F e eixo 0 – 10, exclusivamente para o nível 13,5 m (execução do capeamento do piso);

em 31 de julho de 2008, restrita ao chamado Setor G, compreendido entre as coordenadas planas Rua Dona Alzira e o eixo 0 (execução de blocos/sapatas e escadas definitivas), Se-tor H, compreendido entre o eixo 27 e a Rua Joaquim Silveira (ajardinamento e conforma-ção dos taludes), Setor I, compreendido entre o eixo 12 a 27 (ajardinamento e execução de rampa de acesso) e ainda para o seu Setor J, compreendido entre a Rua Dona Alzira e o eixo 12 (ajardinamento, execução de rampa de acesso e conformação dos taludes).

Ocorre que as providências exigidas pela fis-calização SOMENTE foram implantadas nessas três áreas determinadas, razão pela qual foram as únicas liberadas. No restante do canteiro de obras, as poucas medidas realizadas pelas empresas fo-ram meramente paliativas, persistindo a situação de risco grave e iminente à saúde dos trabalhado-res, como se pode verificar do Parecer Técnico, 2ª

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parte, emitido pelo Ministério do Trabalho e Empre-go (fls. 1543-49 do MS 01054-2008-001-04-00-2).

Em que pese a empresa Irtha Engenharia S.A. ter apresentado à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego e, posteriormente, ao Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, vasta documentação sobre a suposta regularização do canteiro de obras, inclusi-ve pareceres elaborados por quatro engenheiros, com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), consta-tou-se, em nova inspeção no local, que nem ao menos foram cumpridas as determinações contidas nos res-pectivos pareceres. Necessário citar alguns exemplos:

A Irtha Engenharia S.A., ao impetrar o MS-01054-2008-001-04-00-2, referiu que os cabos de aço adquiri-dos e utilizados na obra não comprometiam a seguran-ça e a integridade físicas dos trabalhadores, conforme atestado pelo Laudo Técnico emitido por profissional devidamente habilitado. Contudo, o Laudo referido pela empresa atesta a utilização de cabos de aço de 16mm. Ocorre que, inspecionando mais uma vez o local, os Auditores-Fiscais do Trabalho flagraram empregados utilizando cintos atados a cabos de aço de apenas 8mm, como se pode verificar na seguinte fotografia:

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Também referiu a empresa que, quanto ao siste-ma de barreira com rede, imprescindível para proteção contra quedas de trabalhadores e materiais na perife-ria da edificação, o cabo de aço (elemento superior do sistema de barreira) não necessitaria estar fixado aos montantes, como exigiu a fiscalização, porque estaria tensionado com os esticadores e também fixado com a tela (fl. 1572 do MS-01054-2008-001-04-00-2). Ocorre que, como demonstra a foto a seguir, quando o cabo superior do sistema de barreira com rede não está fi-xado ao montante, qualquer indivíduo poderá retirar o cabo de seu nicho, o que demonstra a fragilidade da proposta da empresa, pois esse simples ato pode, no mínimo, comprometer a altura mínima de 1,20m que o sistema deve garantir:

Outra alegação da Irtha Engenharia com o objeti-vo de liberar o Embargo (fls. 1784 do MS-01054-2008-001-04-00-2) seria de que, no içamento de pilares, a empresa Cassol utiliza sistema de pino e contrapino, que “comprova com clareza a ausência de risco imi-nente no procedimento em apreço”. Entretanto, a foto-

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grafia a seguir, que mostra um dos pinos e contrapinos para içamento de pilares premoldados, comprova a fra-gilidade dos referidos componentes que, ao contrário do afirmado pela empresa, sequer foram dimensio-nados. Além disso, a forma do contrapino dificulta sua retirada, após a colocação do pilar. Veja-se:

Tais fatos demonstram que, apesar das alega-ções da empresa, apesar do volume de documen-tos apresentados, a realidade do canteiro de obras não corresponde ao alegado. Tanto que, a Superin-tendência Regional do Trabalho teve acesso a toda essa documentação e, ao inspecionar posterior-mente o local, concluiu que muitos itens nem ao menos haviam sido implementados, e que as con-dições de risco grave e iminente à saúde e à inte-gridade física dos trabalhadores, exceto nos locais liberados, persistiam nos mesmos termos antes constatados.

Por tais razões, verifica-se que a decisão da Exma. Juíza do Trabalho da 1ª Vara do Trabalho de

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Porto Alegre, ao liberar, liminarmente, a obra das empresas Carrefour e Leroy Merlin, expôs, e con-tinua a expor, a RISCO GRAVE E IMINENTE À VIDA E À INTEGRIDADE FÍSICA DE TODOS OS TRABA-LHADORES E PESSOAS PRESENTES NO CAN-TEIRO DE OBRAS. Sendo assim, tal decisão fere o direito líquido e certo da coletividade de traba-lhadores a um meio ambiente de trabalho seguro e protegido, fere o direito líquido e certo dos traba-lhadores, suas famílias e demais pessoas envolvi-das no empreendimento à saúde, integridade físi-ca e à vida, constitucionalmente garantidos. Viola, também, o direito difuso de toda a sociedade, que irá arcar com os custos dos trabalhadores aciden-tados e que venham a ficar incapacitados para o trabalho.

Necessário ressalvar que, na presente petição, apenas algumas circunstâncias foram destacadas, uma vez que todas as situações irregulares encontra-das no canteiro de obras das empresas Carrefour e Leroy Merlin foram, como já referido, minuciosamente descritas nos Laudos de fls. 1515-30 e 1543-9 do MS-01054-2008-001-04-00-2 (ora juntados no Anexo 1), razão pela qual o Parquet, buscando evitar repetições desnecessárias, reporta-se integralmente aos referidos documentos, que constituem documentos públicos que gozam de presunção de veracidade e de legitimidade, conforme preceitua o artigo 369 do Código de Proces-so Civil. Além disso, apresenta, ao final do Anexo 1, as fotografias retiradas durante a última fiscalização, com o objetivo de melhor ilustrar as irregularidades que ain-da persistem e que impediram a Fiscalização do Traba-lho a liberar a obra.

Saliente-se que os Auditores-Fiscais do Trabalho signatários do Termo de Embargo possuem 25 (vinte

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e cinco) anos de atuação na fiscalização de saúde e segurança do Ministério do Trabalho e Emprego. Todos possuem formação em Engenharia, com pós-gradua-ção latu senso na área de Engenharia de Segurança do Trabalho. Também são portadores de titulações di-versas, tais como especialista na área de Toxicologia Aplicada, e mestrados na área de Ergonomia e Enge-nharia Operacional, este último obtido em Birghmann, Inglaterra.

Além de suas atividades rotineiras na área da Auditoria-Fiscal, também compõem grupos de trabalho nacionais, por designação da Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT/MTE/Brasília - em áreas da Ergo-nomia e de Prevenção e Combate aos Acidentes de Trabalho. Um dos Audiotres-Fiscais do Trabalho tam-bém é Professor da UFRGS, na área de segurança no trabalho. Outro também compõe quadro de professo-res de cursos de pós-graduação na área de Saúde e Segurança do Trabalho.

A razão de ser desses profissionais é garantir o efetivo cumprimento das normas de proteção ao tra-balho. Assim, a situação de risco grave e iminente não decorreu de “má-fé” dos Auditores-Fiscais, como levianamente argumentou a empresa. Ao contrário, realizada uma inspeção, e verificada a ausência dos mínimos dispositivos de proteção e segurança em de-terminada obra, de modo a colocar em risco a vida e/ou a integridade física dos empregados, como acon-teceu no caso em tela, é dever (obrigação) do Audi-tor-Fiscal do Trabalho embargá-la, até que as me-didas saneadoras e corretivas sejam adotadas pela empresa.

Tais fatos demonstram que são levianos e despi-dos de qualquer fundamento os argumentos trazidos pela empresa na petição inicial e demais manifestações

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de seu mandado de segurança, não havendo qualquer prova nos autos daquele mandamus capaz de autorizar seja desacreditada a conclusão das Fiscais do Traba-lho – peritos públicos na análise do meio ambiente do trabalho.

Ainda que empresa Irtha Engenharia tenha junta-do mais de oito volumes de documentos com a preten-são de “comprovar a ausência de riscos na obra”, vale lembrar que todos os laudos técnicos apresentados fo-ram elaborados por profissionais por ela contratados e por ela remunerados, carecendo, portanto, da devida imparcialidade. Já o Termo de Embargo é ato adminis-trativo, praticado pela Superintendência Regional do Trabalho, no exercício do seu poder de polícia, e em favor do qual milita a presunção de veracidade e de legitimidade.

Este o entendimento doutrinário sobre a matéria, consoante ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro2

“a presunção de legalidade, abrange dois as-pectos: de um lado, a presunção de verdade, que diz respeito à certeza dos fatos; de outro, a presunção de legalidade, pois se a Adminis-tração Pública se submete à lei, presume-se, até prova em contrário, que todos os seus atos sejam verdadeiros e praticados com observân-cia das normas legais pertinentes. Trata-se de presunção relativa (juris tantum) que, como tal, admite prova em contrário. O efeito de tal pre-sunção é o de inverter o ônus da prova. Como conseqüência dessa presunção, as decisões administrativas são de execução imediata e têm a possibilidade de criar obrigações para o particular, independentemente de sua concor-dância ...”. (grifo do original – sublinhamos).

2 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 12ª Edi-ção. São Paulo: Atlas, p. 72.

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No mesmo sentido, o ensinamento de Celso Antô-nio Bandeira de Mello3, que assim expõe ao tratar dos atributos dos atos administrativos: a presunção de le-gitimidade “é a qualidade, que reveste tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao Direito, até prova em contrário. Isto é: milita em favor deles uma presunção juris tantum de legitimidade ...” (grifamos).

Portanto, existindo, em favor dos fatos descri-tos no Termo de Embargo, bem como das medidas saneadoras arroladas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, a presunção de veracidade e legitimida-de, somente podem ser afastados mediante prova inequívoca em contrário, o que não se verificou no caso em apreço, conforme demonstram os documen-tos em anexo, que reproduzem na integralidade os au-tos do processo nº 01054-2008-001-04-00-2.

Ademais, a decisão da Juíza da 1ª Vara do Traba-lho de Porto Alegre violou um dos princípios fundamen-tais do Direito Ambiental, o princípio da prevenção.

O princípio da prevenção é considerado um megaprincípio ambiental, o princípio-mãe da ciência ambiental e tem fundamento no prin-cípio n. 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 sobre meio ambiente e desenvolvi-mento, assim expresso: “Para proteger o meio ambiente medidas de precaução devem ser largamente aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de risco de da-nos graves e irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas visando a prevenir a degradação do meio ambiente”. 4

3 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrati-vo. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros, p. 369.

4 MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. São Paulo: LTr, 2004, p. 48.

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Esse princípio está consagrado no artigo 225 da Constituição Federal e no âmbito do meio ambiente do trabalho possui ainda maior relevância, uma vez que, se no meio ambiente natural a degradação ambiental pode atingir direta ou indiretamente o ser humano, no meio ambiente do trabalho o trabalhador é sempre o atingido direta e imediatamente pelos danos. Assim, na esfera laboral, a aplicação do princípio da prevenção, expressamente previsto no inciso XXII do artigo 7º da Constituição, não merece exceção.

Contudo, a Excelentíssima Juíza da 1ª Vara de Porto Alegre, ao apreciar o pedido de liminar requeri-do pela empresa Irtha Engenharia S.A., desconsiderou a situação de RISCO GRAVE E IMINENTE À SAÚDE E À INTEGRIDADE FÍSICA DOS TRABALHADORES constatada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, compadecendo-se com os argumentos lançados pela empresa (a duvidosa “adequação” atestada por profis-sionais por ela remunerados e a pesada multa contra-tual incidente no caso de atraso na conclusão da obra), em total descompasso com o princípio da prevenção.

Aliás, Raimundo Simão de Melo, referência na-cional sobre o tema direito ambiental do trabalho, cita situação idêntica a ocorrida no caso em tela como pa-radigma da violação ao princípio da prevenção5.

“Como se observa no dia-a-dia da prática fo-rense, há casos de graves e iminentes riscos em que não se tem dúvida quanto à potencia-lidade de acidentes; mas em outros, numa primeira análise, o juiz pode não se con-vencer do perigo para a integridade física dos trabalhadores. Porém, como os danos à saúde são quase sempre irreversíveis, o bom senso aconselha maior prudência

5 MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador. São Paulo: LTr, 2004, p. 48.

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do magistrado mediante priorização dos aspectos humanos e sociais em relação ao aspecto econômico. No caso, o que se protege é a pessoa, ‘valor fonte de todos os valores’, pelo que, em momento algum se deve priorizar o aspecto econômico da atividade, como se tem visto em algumas decisões judiciais que, com fundamento no prejuízo a ser causado pela suspensão da atividade econômica, indeferem medidas de interdição de atividades e embargo de obras ou concedem segurança contra inter-dições administrativas feitas pelo Ministé-rio do Trabalho e Emprego.” (grifamos)

Ora, se o Julgador, ainda que tenha dúvidas de que determinada situação seja efetivamente perigo-sa à saúde dos trabalhadores, deve agir com cautela, priorizando o aspecto humano ao aspecto econômico – conforme determina o princípio da prevenção – maior prudência deveria ter ao deparar-se com uma atividade como a construção civil, um dos setores econômicos que mais vitima trabalhadores no Brasil e no mundo.

É o que demonstra os dados constantes do Anuá-rio Estatístico de Acidentes do Trabalho 2006, publica-do pela Previdência Social em conjunto com o Ministé-rio do Trabalho e Emprego.

No Brasil, em 2004, o número de acidentes de trabalho típicos (excluídos os acidentes de trajeto e as doenças do trabalho) na atividade de “Construção de Edifícios e Obras de Engenharia Civil – Edificações (re-sidenciais, industriais, comerciais e de serviços), CNAE 4521, foi de 10.928 (dez mil novecentos e vinte e oito). Em 2005, esse número foi de 10.903 (dez mil nove-centos e três). E em 2006 (ano da publicação mais re-cente), foram nada menos do que 12.051 (doze mil e cinqüenta e um) acidentes.

Só no Estado do Rio Grande do Sul, os números são os seguintes: 1068 (mil e sessenta e oito) aciden-

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tes típicos em 2004, 826 (oitocentos e vinte e cinco) em 2005 e 830 (oitocentos e trinta) em 2006.

Portanto, não restam dúvidas de que a decisão da Exma. Juíza da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, ao liberar a obra das empresas Leroy Merlin Compa-nhia Brasileira de Bricolagem e Carrefour Comércio e Indústria Ltda., contrariando os Laudos Técnicos emiti-dos pelos especialistas do Ministério do Trabalho e Em-prego, EXPÔS MAIS DE DUZENTOS EMPREGADOS À RISCO GRAVE E IMINENTE À SUA SAÚDE E IN-TEGRIDADE FÍSICA, violando o direito líquido e certo dessa coletividade de trabalhadores, de suas famílias e da própria sociedade à vida, saúde (artigo 5ª, caput, 6º e 196 da Constituição Federal) e a um meio ambien-te do trabalho seguro (artigo 225 e 7º, inciso XXII, da Constituição Federal).

Pelo exposto, requer o Ministério Público do Tra-balho seja cassada a medida liminar concedida pela 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre para que seja res-tabelecido o Termo de Embargo, a fim de evitar que os empregados sejam obrigados a laborar expostos ao risco grave e iminente à vida e à integridade física, em evidente afronta aos direitos e garantias mínimos pre-vistos na Constituição Federal.

III. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAREntende o Ministério Público do Trabalho que, em

vista dos fatos acima explicitados e exaustivamente re-latados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho no Termo de Embargo e na defesa técnica, resta inegavelmen-te demonstrada a existência de relevante fundamento para a suspensão do ato impugnado (medida liminar deferida pelo Juízo de primeiro grau nos autos do pro-cesso nº 01054-2008-001-04-2), a fim de que seja res-

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tabelecido o Termo de Embargo nº 00342008 (exceto quanto aos setores já liberados pela Fiscalização).

Isso porque somente com esta medida se estará assegurando eficácia às normas de saúde e segurança no trabalho e à própria vida e integridade física dos em-pregados (dignidade da pessoa humana).

Se o periculum in mora não está presente no caso em apreço, onde pode haver a perda da vida ou da in-tegridade física de um trabalhador a qualquer momen-to, este instituto certamente não se fará presente em nenhuma outra ação.

Também o fummus boni iuris resta demonstrado no caso dos autos por todo embasamento jurídico já exaustivamente relacionado pelo Ministério Público do Trabalho nos itens supra e devidamente fundamentado no Laudo Técnico, no Termo de Embargo nº 00342008, elaborados, repita-se, por 3 (três) Auditores-Fiscais do Trabalho.

Em vista do exposto, requer o Ministério Públi-co do Trabalho a concessão de medida liminar para que seja suspenso IMEDIATAMENTE o ato atacado no presente mandamus (decisão liminar concedida nos autos do processo nº 1054-2008-001-04-00-2), de modo que seja restabelecido o Termo de Embar-go nº 00342008 sobre a obra das empresas Leroy Merlin Companhia Brasileira de Bricolagem e Car-refour Comércio e Indústria Ltda.

IV. DOS PEDIDOSPor todo o acima exposto, requer o Ministério

Público do Trabalho:1 - a concessão de medida liminar, inaudita

altera parte face à urgência da situação, para que seja suspenso IMEDIATAMEN-

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TE o ato atacado no presente mandamus (decisão liminar concedida nos autos do processo nº 1054-2008-001-04-00-2), de modo que seja restabelecido o Termo de Embargo nº 00342008, com a imediata comunicação da referida decisão à em-presa, à Superintendência Regional do Trabalho e à Juíza da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre;

2 - a procedência do presente mandado de segurança para que seja cassada a limi-nar concedida nos autos do processo nº 1054-2008-001-04-00-2 pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, res-tabelecendo-se o Termo de Embargo nº 00342008.

De outra parte, requer a notificação da auto-ridade coatora para que, querendo, preste as informações no prazo legal.

Requer, ainda, a intimação dos litisconsortes necessários, isto é, da Irtha Engenharia S.A., com sede na Rua Marechal Deodora, nº 630, 20º andar, em Curitiba, PR, e da Superinten-dência Regional do Trabalho (União Federal), por intermédio da Procuradoria Regional da Advocacia-Geral da União do RS, sita na Rua Mostardeiros, nº 483, Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS para, querendo, manifestarem-se, no prazo legal.

Desde já requer o Ministério Público do Traba-lho a juntada dos inclusos documentos, escla-recendo que está dispensado de autenticá-los nos termos do preceituado no artigo 24 da Lei nº 10.522/02 e na Orientação Jurisprudencial nº 134 da SDI-I do C. TST. De qualquer forma, caso não seja este o entendimento deste Juí-

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zo, o que se admite apenas como argumento, requer, então, a concessão de prazo para a sua autenticação, com a devida intimação do Parquet na forma da lei.

Por fim, para acompanhamento do feito e ado-ção das medidas eventualmente cabíveis, re-quer o Parquet a sua intimação pessoal e nos autos acerca de todos os atos processuais, nos termos do disposto no artigo 18, inciso II, alínea “h”, e 84, inciso IV, da Lei Complementar nº 75/93, no artigo 236, parágrafo 2º, do Códi-go de Processo Civil e Provimento TST/CGJT n° 4 de 30 de junho de 2000.

Valor da causa R$ 50.000,00.

Porto Alegre, 09 de dezembro de 2008.

MÁRCIA DE FREITAS MEDEIROSProCuradora do TraBalho

ALINE ZERWES BOTTARI BRASILProCuradora do TraBalho

PAULA ROUSSEFF ARAUJOProCuradora do TraBalho

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TERMOS DE AJUSTE DE CONDUTAS

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ASSÉDIO MORAL. ATESTADO MÉDICO. CONCESSÃO E PAGAMENTO DE FÉRIAS.

PAGAMENTO INTEGRAL DE SALÁRIO MENSAL. COMPANHIA MINUANO DE

ALIMENTOS.

Bernardo Mata Schuch1

TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA 431/2010Inquérito Civil 000060.2008.04.001/4-50

Considerando que ao Ministério Público do Tra-balho incumbe a defesa da ordem jurídica trabalhista e dos direitos sociais e individuais indisponíveis dos tra-balhadores, nos termos dos arts. 127 e 129 da Magna Carta c/c arts. 83 e 84 da Lei Complementar 75/93;

Considerando que o art. 1º da Constituição da Re-pública de 1988 estabelece como fundamentos da Repú-blica Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Considerando que o trabalho é direito fundamen-tal social, estando elencado entre os constantes no art. 6º da Constituição Federal;

Considerando que toda relação jurídica de traba-lho cuja prestação laboral, não-eventual, seja ofertada pessoalmente pelo obreiro, em estado de subordina-ção e mediante contraprestação pecuniária, será regu-lada obrigatoriamente pela Consolidação das Leis do Trabalho;

Considerando que o Direito do Trabalho, quanto à legislação que lhe é pertinente, é formado por normas que, em sua maciça maioria, assumem o caráter cogen-

1 Procurador do Trabalho do MPT-RS – PTM de Passo Fundo.

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te, imperativo, não sendo possível ao empregador abster-se de cumpri-las, posto que tem como função primordial a proteção do hipossuficiente, qual seja, o trabalhador;

Considerando, por fim, que a República Federati-va do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Di-reito, e tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre inicia-tiva, e que as Ordens Econômica e Social, instituídas na Magna Carta, estão fundadas na valorização do trabalho humano e na busca do pleno emprego, tendo por fim assegurar a todos existência digna e bem estar social, conforme os ditames da justiça social, nos termos dos arts. 1°, 170 e 193 da Constituição Federal de 1988;

Pelas razões expostas, COMPANHIA MINUANO DE ALIMENTOS, pessoa jurídica de direito privado com sede na Rodovia RST 153, KM 06, Bairro Bom Recreio, CEP 99.001-970, CNPJ 84.430.800/0020-03, na cidade de Passo Fundo/RS, neste ato representada por Julio Cesar Lipp, CPF 587.497.480-68, Ana Vitó-ria Menezes, CPF 838.584.310-87, e Luciano Rohde, OAB-RS 30.701, doravante chamada COMPROMIS-SÁRIA, resolve firmar, pelo presente instrumento, nos autos do Inquérito Civil nº 000060.2008.04.001/4-50, TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA, nos termos do art. 5º, §6º da Lei nº 7.347/85, perante o Ministério Pú-blico do Trabalho, por meio da Procuradoria do Traba-lho no Município de Passo Fundo – PRT 4ª Região, neste ato representado pelo Procurador do Trabalho BERNARDO MATA SCHUCH, doravante chamado COMPROMITENTE, comprometendo-se a cumprir as seguintes cláusulas obrigacionais:

Abster-se de adotar e/ou de permitir que seus empregados adotem no ambiente de trabalho atitude que caracterize assédio moral, isto é, que viole a dignidade, a intimidade, a priva-cidade ou a integridade psíquica dos traba-

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lhadores, tais como ameaças, agressões ver-bais, exposição e humilhação públicas;

Aceitar os atestados médicos apresentados por seus empregados, quando devidamen-te preenchidos e assinados por profissional da área médica que tenha habilitação para tanto, em consonância com a legislação em vigor, abstendo-se de exigir trabalho de seus empregados ou de efetuar descontos em seus salários, nos dias em que estejam afastados por força deste documento;

2.1. havendo fundado receio de que o atestado médico não corresponda à efetiva condição fí-sica ou psicológica do trabalhador, a empresa deverá apresentar indeferimento de aceitação fundamentado com as respectivas razões, dan-do ao trabalhador a oportunidade de defender-se e fazer nova prova de sua incapacidade;

Conceder férias a seus empregados no perí-odo compreendido nos 12 (doze) meses sub-seqüentes à data em que o trabalhador tiver adquirido o direito, na forma do art. 134 da CLT;

Fazer o pagamento das férias no máximo até 2 dias antes do início do período de gozo, con-forme o art. 145 da CLT;

Efetuar, até o 5º (quinto) dia útil do mês sub-sequente ao vencido, pagamento integral do salário mensal devido ao empregado, aí consi-deradas as horas devidas a título de descanso semanal remunerado dos empregados horistas e os reflexos das horas extras e/ou noturnas realizadas sobre o descanso semanal remune-rado, nos termos do art. 459 da CLT;

Dar ciência deste Termo de Ajuste de Conduta a todos os trabalhadores, afixando-o em local visível durante o prazo mínimo de 45 dias.

Vigência: O compromisso ora assumido produzirá seus efeitos legais a partir de sua celebração e vigorará

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por prazo indeterminado, ficando assegurado o direito de revisão das cláusulas e condições, a qualquer tem-po, por meio de requerimento ao Compromitente.

Eficácia: Este compromisso não importa confis-são e terá eficácia de título executivo extrajudicial, na forma dos artigos 5º, § 6º, da Lei 7.347/85, 585, II, do Código de Processo Civil e 876 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Multa: O descumprimento das cláusulas ora ajus-tadas sujeitará a Compromissária à multa cominatória em valor equivalente a R$500,00 (quinhentos reais) por trabalhador prejudicado, com exceção da cláusula 5ª, cuja multa será de R$100,00 (cem reais) por trabalha-dor prejudicado, em cada verificação atestada pelo Mi-nistério Público do Trabalho ou pelo Ministério do Tra-balho e Emprego, sem prejuízo de prova em contrário em sede de embargos.

O valor total da multa será atualizado segundo os mesmos critérios utilizados para os créditos trabalhis-tas perante a Justiça do Trabalho e será reversível ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador, instituído pela Lei n. 7.998/90 ou, a critério do MPT, para outro fim que seja conveniente e adequado à proteção dos interes-ses lesados, ora defendidos pelo Parquet. A multa aci-ma estipulada não exclui e não pode ser compensada com multas administrativas aplicadas à Compromissá-ria por órgãos de fiscalização.

Dano moral coletivo: Pela reparação dos da-nos morais coletivos ocasionados ao longo dos últi-mos anos a empresa se compromete ao pagamento de R$100.000,00 (cem mil reais), no prazo de 2 anos. Este valor será destinado à qualificação e treinamento dos atuais e ex-empregados que foram desligados nos últimos 3 anos, a contar da data de hoje, na forma de cursos supletivos de 1º e 2º graus, técnico profissio-

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nalizantes ou cursos de qualificação, todos de aces-so gratuito e facultativo, assegurada a compatibilidade de frequência com a jornada, devendo a comprovação documental ser feita a cada 6 meses diretamente no Ministério Público do Trabalho.

Fiscalização: O Ministério Público do Trabalho será responsável pelo controle da fiel observância do presente TAC que, caso descumprido, ensejará o ajui-zamento de ação de execução.

O compromisso ora assumido não isenta a Com-promissária de responsabilidade, em qualquer área, pelas demais irregularidades trabalhistas, penais, fis-cais, entre outras, já encontradas ou que venham a ser verificadas no futuro.

Extensão: Aplica-se ao presente Termo de Ajus-te de Conduta o disposto nos arts. 10 e 448 da CLT, estabelecendo-se que qualquer alteração na estrutura jurídica da Compromissária não afetará a exigência do seu integral cumprimento.

Passo Fundo, 05 de agosto de 2010.

Bernardo Mata SchuchProcurador do Trabalho

Julio Cesar LippCompanhia Minuano de Alimentos

Ana Vitória MenezesCPF 838.584.310-87

Luciano Rohde

OAB-RS 30.701

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TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADE-MEIO. TELE-ATENDIMENTO. CADASTRO DE CLIENTE.

FATURAMENTO. ACOMPANHAMENTO, ANÁLISE, CONFERÊNCIAS DE PEDIDO,

NOTAS FISCAIS E ENTREGAS. DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA.

Marcelo Goulart1

TERMO DE AJUSTE DE CONDUTAInquérito Civil 001625.2005.04.000/4

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por seu órgão, Procurador do Trabalho que esta subscreve, nos termos dos artigos 127 e 129, inciso III da Consti-tuição Federal, e artigo 876 da CLT, combinado com o artigo 5º, §6°, da Lei n.7347/85, firma o presente Ter-mo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA, CNPJ/MF 72.381.189/0001-10, com sede na Avenida Indus-trial Belgraf, n° 400, em Eldorado do Sul/RS, neste ato presentada por seu Diretor, Sr. Raymundo de Sá Pei-xoto Júnior, CPF 049.118.538-32, e por seu procurador, Dr. Carlos Fernando Couto de Oliveira Souto, OAB/RS 27.622, nos seguintes termos:

1 - A empresa compromete-se a não terceirizar as atividades de processos de faturamento, re-faturamento e atividades relacionadas à conferência de notas fiscais, devendo re-alizar tais atividades por empregados pró-prios;

2 - A empresa compromete-se a não terceiri-zar a análise e conferência dos pedidos de

1 Procurador do Trabalho do MPT - RS

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compra e das notas fiscais de empresa es-peciais, devendo realizar tais atividades por empregados próprios;

3 - A empresa compromete-se a não terceirizar as atividades de tele atendimento relacio-nadas à atualização cadastral da base de clientes, devendo realizar tais atividades por empregados próprios;

4 - As atividades-meio de tele atendimento rela-cionadas à informação de status de pedido, as consistentes na atualização de entrega de ordem, as quais informam ao cliente o motivo do não-embarque de seu pedido na data in-formada, identificação e transferência de liga-ções para os corretos setores de venda, bem como as atividades de auditoria de ligações poderão ser terceirizadas, desde que não demonstrada a pessoalidade e subordinação direta, nos termos do En. 331 do C. TST.

O descumprimento do presente Termo de Com-promisso sujeitará a firmatária a pagar a multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) por trabalhador em situa-ção irregular, aplicável em cada oportunidade em que for verificado a utilização deste, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, como previsto no arts. 11 e 13 da Lei n° 7.347/85. Na hipótese de extinção desse Fundo reverterão para outro que venha a lhe substituir, e, caso não instituído, para os cofres da União.

Os termos do presente passam a vigorar 120 (cen-to e vinte) dias a partir da assinatura.

A título de dano moral coletivo, a empresa recolhe-rá ao Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT, o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) até o dia 30 de setem-bro de 2010.

Cópia do presente termo deverá ser fixado no qua-dro de avisos da empresa, bem como entregue uma

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cópia a todos os empregados contratados para o de-sempenho das atividades relacionadas, no prazo má-ximo de 10(dez) dias, sob pena de incidência da multa supra por empregado.

E por estar de acordo firma o presente termo, em três vias de igual teor e forma, para que surta seus jurí-dicos e legais efeitos.

Porto Alegre,

Marcelo GoulartProcurador do Trabalho

Sr. Hans LochsDiretor Financeiro

Roberto Couto de Oliveira SoutoOAB/RS 33.754

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ASSÉDIO MORAL E/OU SEXUAL. CAMPANHA INTERNA E EXTERNA DE

PREVENÇÃO E ORIENTAÇÃO. ANÚNCIOS EM JORNAIS SOBRE ASSÉDIO MORAL E/

OU SEXUAL. OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO LEOPOLDO.

Márcia Medeiros de Farias1

TERMO DE AJUSTE DE CONDUTAProcedimento Investigatório 671/2007

O Ofício de Registro de Imóveis de São Leo-poldo, inscrito no CNPJ sob o nº 89.814.017/0001-33, com endereço na Rua São Pedro, nº 1.364, no bairro Centro, em São Leopoldo/RS, CEP. nº 93010-260, fir-ma pelo presente instrumento, nos autos do Procedi-mento Investigatório nº 671/2007, perante o Ministé-rio Público do Trabalho, neste ato representado pela Procuradora do Trabalho Márcia Medeiros de Farias, o presente termo de compromisso de ajustamento de conduta, com fulcro no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347, de 24.07.85, comprometendo-se a:

1. Abster-se de submeter seus empregados ou tra-balhadores vinculados ao Ofício, direta ou indiretamente, por meio de seus prepostos, superiores hierárquicos, diri-gentes ou sócios a situações, ações ou omissões, que caracterizem assédio moral e/ou sexual, ou a qualquer forma de constrangimento, em especial decorrente de humilhações, intimidações, ameaças veladas, atos ve-xatórios, ou agressividade no trato pessoal, asseguran-do tratamento compatível com a dignidade da pessoa humana, no ambiente de trabalho;

1 Procuradora do Trabalho do MPT – RS.

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2. Não permitir nem tolerar que seus empregados ou trabalhadores vinculados ao Ofício sofram assédio moral e/ou sexual, proibindo expressamente a exposi-ção destes a qualquer constrangimento moral, em es-pecial decorrente de humilhações, intimidações, amea-ças veladas, atos vexatórios ou agressividade no trato pessoal, assegurando tratamento compatível com a dignidade da pessoa humana, no ambiente de trabalho;

3. Abster-se de adotar e não permitir nem tolerar que seus empregados ou trabalhadores vinculados ao Ofício adotem no ambiente de trabalho qualquer atitu-de discriminatória em relação a qualquer pessoa;

4. Providenciar, anualmente, nos próximos três anos, durante o horário de trabalho e sem qualquer tipo de desconto nos salários dos empregados/trabalhado-res, a realização de uma palestra sobre assédio moral e assédio sexual no trabalho, a ser ministrada por pro-fissional especializado na matéria, cujo nome e tópicos a serem ministrados deverão ser previamente subme-tidos ao Ministério Público do Trabalho, a qual deverá ser assistida por todos os empregados/trabalhadores. A efetiva participação deverá ser comprovada median-te assinatura de lista de presença a ser encaminhada ao Ministério Público do Trabalho até 30 (trinta) dias após a realização de cada curso;

5. Entregar, mediante recibo, a todos os empre-gados/trabalhadores, documento no qual o emprega-do/trabalhador seja informado sobre o que é assédio moral/assédio sexual e a quem deve se dirigir no caso de se sentir vítima dessa(s) prática(s), o que deve ser comprovado perante o Ministério Público do trabalho até 120 dias após o transcurso do prazo;

6. Dar ciência a todos os seus empregados/traba-lhadores do presente Termo de Compromisso de Ajus-tamento de Conduta no prazo de 30 dias, o que deve ser comprovado perante o Ministério Público do Traba-lho até 30 dias após o transcurso do prazo;

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7. Produzir e publicar, integralmente às suas expen-sas, sob sua responsabilidade e sem qualquer ônus para os cofres públicos, 04 (quatro) anúncios em jornal de cir-culação estadual, de meia página cada um, em dias di-versos, nas próximas 4 (quatro) semanas, abordando te-mas relativos ao assédio moral e à não-discriminação no ambiente de trabalho. A comprovação deverá ser feita no prazo máximo de 30 (trinta), a contar da publicação.

a. O conteúdo dos anúncios deverá ser aprovado previamente pelo Ministério Público do Trabalho;

b. Nos anúncios constará a indicação de que se trata de campanha decorrente de termo de compromis-so firmado com o Ministério Público do Trabalho nos autos do procedimento em epígrafe.

8. Disponibilizar aos empregados e/ou trabalhado-res que prestam serviços ao Ofício ou que prestaram serviços ao Ofício no ano de 2008, serviço de acompa-nhamento psicológico e/ou psiquiátrico, conforme a ne-cessidade de cada um, sem ônus para os empregados e/ou trabalhadores, durante o horário de trabalho, sem compensação desse horário.

9. Estabelecer, no prazo de 30 dias, procedimento de denúncia/queixa, que seja exeqüível, flexível, efi-ciente e efetivo, a fim de permitir as denúncias de as-sédio e discriminação no ambiente de trabalho ou em decorrência desse, garantindo sempre o caráter sigilo-so das reclamações.

9.1. Determinar que os trabalhadores elejam da for-ma que preferirem, um colega para receber essas de-núncias e as enviá-las ao ministério Público do Trabalho.

Vigência: O compromisso ora assumido produzirá seus efeitos legais a partir de sua celebração e vigorará em todo o território nacional por prazo indeterminado.

Eficácia: O presente Termo de Compromisso terá eficácia de título executivo extrajudicial, na forma do art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85 e do art. 876 da Conso-

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lidação das Leis do Trabalho, com redação dada pela Lei nº 9.958, de 12.01.2000.

Multa: O descumprimento do presente termo de compromisso sujeitará a empresa, sem prejuízo das obrigações assumidas, ao pagamento de:

a. R$ 10.000,00 (dez mil reais) por trabalhador em relação ao qual for evidenciada infração à cláusula 1;

b. R$ 10.000,00 (dez mil reais) por trabalhador em relação ao qual for evidenciada infração à cláusula 2;

c. R$ 10.000,00 (dez mil reais) por trabalhador em relação ao qual for evidenciada infração à cláusula 3;

d. R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de não-comprova-ção no prazo estabelecido, do cumprimento das cláusulas 4,7 acima, independente do cumprimento da obrigação;

e. R$ 1.000,00 (mil reais) por trabalhador em rela-ção ao qual for evidenciada infração à cláusula 5;

f. R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de não-compro-vação do cumprimento das cláusulas 6 e 9 acima, inde-pendente do cumprimento da obrigação;

g. R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) por trabalha-dor em relação ao qual não for disponibilizada o serviço previsto na cláusula 8;

As multas acima previstas só serão cobradas após ser oportunizado prazo para o Ofício apresentar defesa.

O valor das multas será atualizado segundo os mesmos critérios utilizados para os créditos trabalhistas perante a Justiça do Trabalho e será reversível ao FDD - Fundo de Defesa de Direitos Difusos, instituído pela Lei nº 7.347/85 e regulamentado pelo Decreto nº 1.306/94; e, não excluem e não são compensáveis com multas admi-nistrativas aplicadas à empresa por órgãos de fiscalização.

Porto Alegre, 23 de março de 2009.

Márcia Medeiros de FariasProcuradora do Trabalho

Ofício de Registro de Imóveis de São Leopoldo

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CAMPANHAS

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Discriminação Mulheres Negras

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Assédio Moral no Trabalho

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Segurança do Trabalho na Construção Civil NR 18 – PTM de Caxias do Sul

SEGURANÇADO TRABALHO NA CONSTRUÇÃO CIVILNR 18

AVISOTODA HORAÉ HORA DE

SEGURANÇA

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Esta cartilha é para você trabalhador da construção civil,

em cuja atividade profissional ocorre o maior número de

acidentes, em todo o Brasil, o que ocasiona perdas significativas

às Empresas e à Previdência.

Tem como objetivo levar a seu conhecimento algumas

regras e procedimentos de segurança, constantes na NR 18,

Norma Regulamentadora específica para a construção civil, na

certeza de que sempre adotados, estarão contribuindo para a

redução de acidentes e perdas impossíveis de serem

recuperadas, como a vida de um ser humano: pai, filho, irmão,

esposo...

O B J E T I V OO B J E T I V O

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Trabalhador! Observe e aponte nas linhas abaixo irregu-laridades que existam nessa obra.

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Trabalhador faça valer seus direitos, denunciando as práticas ilegais de seus patrões ao:

�SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO E MOBILIÁRIO DE CAXIAS DO SUL E REGIÃO

Rua Borges de Medeiros, 334(ao lado do Zaffari, entre as ruas Ernesto Alves e 20 de Setembro)CentroTelefones 3223-2192 e 3223-4510E-mail: [email protected]

�MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO GERÊNCIA REGIONAL DE CAXIAS DO SUL

Rua Bento Gonçalves, 2621(entre as ruas Feijó Júnior e Coronel Flores) CentroTelefones 3223-6815 e 3221-3116

�PROCURADORIA DO TRABALHO NO MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL

Rua Dante Pelizzari, 1554(esquina com Rua Luiz Antunes, próximo ao Centro de Cultura Ordovás) Bairro PanazzoloTelefones: 3223-0458 e 3223-0459E-mail: [email protected]

REIVINDIQUE SEUS DIREITOS

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Medidas de Proteção contra Quedas de Altura – PTM de Caxias do Sul

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Relatório Responsabilidade Trabalhista dos Shoppings Centers – PTM de Caxias do Sul

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Relatório Responsabilidade Trabalhista dos Shoppings Centers – PTM de Caxias do Sul

Ata de Audiência

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Relatório Responsabilidade Trabalhista dos Shoppings Centers – PTM de Caxias do Sul

Fotos

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Projeto Gráfico/Capa: Jorge João GomesImpressão: Premier

Tiragem: 500 exemplaresFormato: 14cm X 21cm

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