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REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO FUNDADA EM 1991

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REVISTA

DO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

FUNDADA EM 1991

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COMISSÃO EDITORIAL

Cristiano Paixão Araujo PintoJosé Claudio Monteiro de Brito FilhoAna Francisca Moreira de Souza SandenIleana Neiva Mousinho

Secretária: Sandra R. Costa de Sá Alves

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MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

REVISTADO

MINISTÉRIO PÚBLICODO TRABALHO

EDITADA PELA LTr EDITORA, EM CONVÊNIOCOM A PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO

E COM A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOSPROCURADORES DO TRABALHO

OS ARTIGOS PUBLICADOS SÃO DERESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

REV. MPT — BRASÍLIA, ANO XV — N. 30 — SETEMBRO 2005

RedaçãoProcuradoria-Geral do Trabalho

S.A.S. Quadra 4, Bloco L — 9º andar — sala 901CEP 70070-900 — Brasília — DF

Telefone: (61) 314-8912 — FAX (61) 225-0984e-mail: [email protected]

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Fevereiro, 2006

(Cód. 3212.0)

Revista do Ministério Público do Trabalho / Procuradoria-Geral do Tra-balho — Ano 1, n. 1 (mar., 1991) — Brasília: Procuradoria-Geraldo Trabalho, 1991 — v. Semestral.

1. Direito do Trabalho. 2. Justiça do Trabalho. I. Procuradoria-Geral do Trabalho (Brasil).

CDD 341.6

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................... 7

ESTUDOS

EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO TRABALHOEvanna Soares .............................................................................. 11

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E A AÇÃO CIVILPÚBLICAAna Elisa Alves Brito Segatti ........................................................ 26

A FORMAÇÃO PROFISSIONAL E A APRENDIZAGEM NO DIREITOCOMPARADO: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕESBernardo Leôncio Moura Coelho ................................................. 44

A NOVA COMPETÊNCIA MATERIAL E HIERÁRQUICA DA JUSTIÇADO TRABALHO PARA APRECIAR CONFLITOS DECORREN-TES DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE. BREVES ANO-TAÇÕES, COM DESTAQUE PARA AS ATRIBUIÇÕES DO MINIS-TÉRIO PÚBLICOCássio Casagrande ...................................................................... 56

O COMUNITARISMO E AS SOLUÇÕES PARA O COMBATE AO TRA-BALHO INFANTILViviane Colucci .............................................................................. 65

CONVENÇÃO N. 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRA-BALHO — NOVA BASE DO DIREITO DE POVOS INDÍGENASMaria Aparecida Gugel ................................................................. 72

ENTRE O PASSADO E O FUTURO: APONTAMENTOS SOBRE A HIS-TÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO E O IMPACTO DA EMEN-DA CONSTITUCIONAL N. 45Arnaldo Süssekind ........................................................................ 82

TRAVESSIA — PERCURSOS NO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRA-BALHOErick Wellington Lagana Lamarca ............................................... 90

SELEÇÃO E FORMAÇÃO DE JUÍZESAtahualpa Fernandez ................................................................... 94

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OS NOVOS CONTORNOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E DEEMPREGO. DIREITO DO TRABALHO E A NOVA COMPETÊN-CIA TRABALHISTA ESTABELECIDA PELA EMENDA N. 45/04Cláudio Armando Couce de Menezes ......................................... 99

INQUÉRITOS, TERMOS DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTODE CONDUTA, AÇÕES E DEMAIS ATIVIDADES

Ação Rescisória — Colusão — Início do Prazo Decadencial —Conhecimento dos Fatos pelo MPT (PRT 2ª Região) ................ 121

Notificação Recomendatória — Arbitragem — Impossibilidade (PRT— 9ª Região) ................................................................................. 143

Ação Civil Pública — Discriminação — Utilização de Banco de Dadospara Admissão de Trabalhadores — Direito à Intimidade (PRT9ª Região) ...................................................................................... 145

Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta — Ato Anti-sindi-cal — Vedação (PRT 10ª Região) ................................................ 180

Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta — Serpro —Aprendizagem — Abrangência Nacional (PRT 10ª Região) ...... 182

Ação Civil Pública — Cooperativa de Trabalho — Competência Funcio-nal — OJ n. 130 da SDI-II (PRT 10ª Região) .............................. 185

Ação Cautelar — Trabalho em Condições Análogas à de Escravo —Pedido de Inspeção Judicial e de Busca e Apreensão — DanoMoral Coletivo e Individual — Acordo Judicial durante a Inspeção— Transação Penal em Audiência Trabalhista (PRT 12ª Região) 212

Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta — Sindicato Pro-fissional — Trabalho Avulso Fora do Porto — Movimentação deMercadoria (PRT 18ª Região) ...................................................... 225

Ação Civil Pública — Município — Declaração de Nulidade do Ato deAnulação de Concurso Público — Condenação do Município aoPagamento de Indenização por Dano Coletivo e a Reintegrar osDemitidos — Condenação do Prefeito a Ressarcir o Dano aoErário (PRT 22ª Região) ............................................................... 228

JURISPRUDÊNCIA

Ação Civil Pública — Interesses Individuais Homogêneos — Legitimi-dade Ativa do MPT (TST — 1ª Turma) ........................................ 267

Ação Civil Pública — Embargos de Declaração — Efeito Modificativo— Contratação de Estagiários — Fraude à Lei — Competênciada Justiça do Trabalho (TST — 5ª Turma) ................................... 277

Trabalho Portuário — Ingresso no Cadastro — Nulidade do Processode Seleção (TRT 4ª Região) ........................................................ 285

Ação Civil Pública — Multa — Destinação ao FAT (TRT 12ª Região) ... 295

Membros do Ministério Público do Trabalho .................................... 305

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APRESENTAÇÃO

A Revista do Ministério Público do Trabalho chega ao seunúmero 30. Trata-se de uma conquista significativa, que demonstra amaturidade, a durabilidade e a consistência da produção intelectuale institucional dos membros do Ministério Público do Trabalho e dacomunidade jurídica como um todo. No presente volume, verifica-sea repercussão das modificações trazidas pela Emenda Constitucio-nal n. 45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho e asatribuições do Ministério Público do Trabalho.

Várias das contribuições, aqui registradas, procuram iluminaraspectos da prestação jurisdicional trabalhista e da atuação do MPTapós a Reforma do Judiciário, especialmente no que diz respeitoaos conflitos que envolvem o exercício do direito de greve. Merecemdestaque, então, os textos redigidos por Cássio Casagrande, ArnaldoSüssekind e Cláudio Armando Couce de Menezes. Deve ser ressal-tada, ainda, a pioneira atuação do Ministério Público do Trabalho naárea criminal, como retratado na ação cautelar — seguida por tran-sação penal — ajuizada por integrantes da Procuradoria Regionaldo Trabalho da 12ª Região, em hipótese de trabalho em condiçõesanálogas à de escravo.

Por fim, cabe registrar a existência de duas contribuições —prestadas por Arnaldo Süssekind e Erick Lamarca — que procuramresgatar a história do Ministério Público do Trabalho e da Justiça doTrabalho. Não deixa de ser bastante gratificante, para os integrantesda Comissão Editorial que prepararam este volume da Revista, vera história institucional refletida em suas páginas. Esta iniciativa dosautores dos artigos confere um sentido prospectivo à experiênciados Membros do Ministério Público, que podem, mediante a recons-trução do passado, melhor enfrentar os desafios vislumbrados nohorizonte das possibilidades de atuação da instituição.

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Com esta nota, a Comissão Editorial da Revista do MinistérioPúblico do Trabalho — constituída pelos colegas Ana Francisca deSouza Sanden, Ileana Neiva Mousinho, José Claudio Monteiro de BritoFilho e Marco Aurélio Lustosa Caminha, além do subscritor destaslinhas, que foi o responsável pela preparação dos últimos quatronúmeros da Revista, registra seus sinceros agradecimentos a todosaqueles que forneceram contribuições para a divulgação das idéiase iniciativas dos integrantes do Ministério Público do Trabalho e de-seja, aos ilustres componentes da Comissão Editorial que inicia suasatividades no número 31, os melhores votos de sucesso em suasnovas funções.

Cristiano Paixão Araújo PintoPresidente da Comissão Editorial

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ESTUDOS

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(*) Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais. Pós-graduada (Especialização) em Direito Proces-sual. Procuradora do Ministério Público do Trabalho.(1) Disponível na Internet em <http://www.previdenciasocial.gov.br/aepes2003/docs/3c30_01.xlse .../docs/3c30_11.xls>. Acesso em 26.ago.2004.

EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO TRABALHO

Evanna Soares(*)

1. INTRODUÇÃO

Dados mais recentes da Previdência Social brasileira indicam, noano de 2003, considerado o universo, aproximadamente, de 32 milhões decontribuintes, a ocorrência de 390.180 acidentes do trabalho, sendo 2.582fatais, 337.602 que levaram à incapacidade temporária e 12.649 à incapa-cidade permanente(1).

Tais números, apesar de expressivos, retratam apenas os casos per-tinentes aos trabalhadores registrados (com carteira de trabalho assina-da) e objeto de comunicação ao INSS, abrangendo, segundo estimativas,pouco mais de um terço do total de trabalhadores em atividade no País.

Isso demonstra que a realidade nacional — em que cerca de 60%dos trabalhadores em atividade estão ocupados no conhecido “setor infor-mal” da economia, à margem, portanto, do sistema de proteção à saúde esegurança no trabalho — está muito longe de atingir o ideal preconizadocomo direito fundamental social das pessoas, pelo art. 6º da Carta Federalde 1988, isto é, o reconhecimento dos direitos ao trabalho, à previdênciasocial, à saúde e à segurança, entre outros.

A mesma Constituição garante a todos um meio ambiente ecologica-mente equilibrado (art. 225, caput), nele incluído o meio ambiente de tra-balho (art. 200, VIII), o qual, para se realizar, conta com a garantia depromoção, pelo Poder Público, da educação ambiental em todos os níveisde ensino (§ 1º, VI, desse art. 225).

O presente estudo examina a educação ambiental voltada para otrabalho como instrumento de adequação do ambiente laboral, visando à

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proteção da saúde, segurança e higiene no trabalho, destacando-se a me-todologia pertinente e a importância do papel do Ministério Público, comênfase para o Ministério Público do Trabalho, para dar-lhe efetividade.

2. MEIO AMBIENTE E AMBIENTE LABORAL

A Lei n. 6.938, de 31.8.1981, que dispõe sobre a Política Nacional doMeio Ambiente, cuida, no art. 3º, I, de expressar a idéia do que se podeentender por meio ambiente: é “o conjunto de condições, leis, influências einterações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e regea vida em todas as suas formas”. E a Constituição da República de 1988tutela o meio ambiente, notadamente ao garantir, no art. 225, caput: “To-dos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de usocomum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se aoPoder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para aspresentes e futuras gerações”.

Apesar da conceituação legal, não se pode dispensar a opinião dadoutrina, segundo uma concepção unitária que englobe recursos naturaise culturais, bem sintetizada por José Afonso da Silva(2), ao arrematar: “omeio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais,artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vidaem todas as suas formas”.

O meio ambiente do trabalho, por sua vez, está expressamente re-conhecido na Constituição da República de 1988, quando, no art. 200, VIII,ao Sistema Único de Saúde (SUS) é confiada a atribuição de “colaborar naproteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

E esse ambiente específico, localizado no ambiente artificial, signifi-ca muito mais que o local de trabalho restrito ao interior das fábricas: deveabranger tudo que se refira ao habitat laboral, mormente o local de traba-lho (aberto ou fechado, interno ou externo) e adjacências que nele interfi-ram, bem como as práticas e métodos de trabalho, a edição, cumprimentoe fiscalização das normas de saúde, segurança e higiene do trabalho, aimplementação de medidas preventivas de doenças e acidentes do traba-lho, a conscientização ou educação de trabalhadores e empresários sobrea necessidade de zelar pelo meio ambiente laboral adequado, a adoção deequipamentos de proteção coletiva e individual dos trabalhadores, a rejei-ção de máquinas e equipamentos que ponham em risco a saúde e a vidados trabalhadores, a abolição de contato direto do trabalhador com subs-tâncias nocivas à saúde, entre outros(3).

(2) Direito Ambiental Constitucional. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 20.(3) Confira-se, da autora, Ação Ambiental Trabalhista. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2004,pp. 82-83.

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Ressalta-se, portanto, no meio ambiente em geral, o ambiente detrabalho, justificando-se o seu destaque porque é nele “que se desenrolaboa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, emíntima dependência da qualidade daquele ambiente”(4).

3. EDUCAÇÃO AMBIENTAL

3.1. Princípios internacionais e constitucionais

A proteção ao meio ambiente é informada por princípios internacio-nais, acolhidos pela Constituição da República de 1988.

Focaliza-se, aqui, entre tais princípios, apenas o que fundamenta aeducação ambiental.

No plano internacional destaca-se a Declaração do Meio Ambiente,com vinte e seis princípios fundamentais, adotada, em 1972, pela Confe-rência das Nações Unidas realizada em Estocolmo, Suécia.

O Princípio 19 assevera que é indispensável um trabalho de educa-ção em questões ambientais, dirigido às gerações de jovens e adultos,que dê a devida atenção aos setores menos privilegiados da população,com o fim de favorecer a formação de uma opinião pública bem informadae uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspiradano sentido de sua responsabilidade para com a proteção e melhora domeio ambiente em toda a sua dimensão humana.

Aos princípios da Declaração de Estocolmo somaram-se outros pro-clamados em 1992, no Rio de Janeiro, por ocasião da Conferência dasNações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92). Nessediploma, vislumbra-se, no Princípio 10, a reafirmação do referido Princípio19, quando assegura a participação de todos os cidadãos interessados,cabendo aos Estados, entre outras medidas para chegar a esse objetivo,disponibilizar informações sobre o meio ambiente, facilitar e estimular aconscientização e a participação pública.

A Carta Constitucional de 1988, implementando, em elevado status,no direito positivo nacional, o princípio da educação ambiental, no capítulodedicado ao meio ambiente, consagra-o, expressamente, no art. 225, § 1º,VI, ao determinar que incumbe ao Poder Público “promover a educaçãoambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para apreservação do meio ambiente”.

A propósito, convém esclarecer, segundo Celso Antonio PachecoFiorillo, que,

(4) SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 23.

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“Educar ambientalmente significa: a) reduzir os custos ambien-tais, à medida que a população atuará como guardiã do meio am-biente; b) efetivar o princípio da prevenção; c) fixar a idéia de cons-ciência ecológica, que buscará sempre a utilização de tecnologiaslimpas; d) incentivar a realização do princípio da solidariedade, noexato sentido que perceberá que o meio ambiente é único, indivisívele de titulares indetermináveis, devendo ser justa e distributivamenteacessível a todos; e) efetivar o princípio da participação, entre outrasfinalidades”(5).

A educação ambiental — compreendida, de praxe, como “a realiza-ção de atividades voltadas à formação de uma consciência ambientalistaestrita, conservacionista e/ou preservacionista”(6), marcada pelos aspec-tos naturalistas de modo a considerar “o espaço natural fora do meio hu-mano, independente dos meios socioculturais produzidos pelas popula-ções”(7), vem recebendo, atualmente, leituras mais largas, notadamenteapós a elaboração, durante a Rio-92, do Tratado de Educação Ambientalpara Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global.

Nesse contexto, entende-se a educação ambiental,

“como um momento da educação que privilegia uma compreensãodos ambientes de maneira não excludente, não maniqueísta. Ou seja,que privilegia as relações democráticas que respeitam o indivíduo eo grupo, buscando na reapropriação da natureza pelo homem a re-construção dos valores em ambos, permitindo que novas necessida-des coexistam no respeito e na harmonia, no conflito e na incorpora-ção das divergências, no constante encontro/desencontro promovi-do pelo diálogo”(8).

3.2. Normas da Organização Internacional do Trabalho

Como é cediço, a Organização Internacional do Trabalho — OIT exerceincomparável papel normativo no cenário mundial, visando à melhoria dascondições de trabalho(9), inclusive no tocante ao ambiente laboral.

Destacam-se, nesse contexto, três instrumentos: a Convenção n. 148,sobre proteção dos trabalhadores contra riscos profissionais devidos à

(5) Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 39-40.(6) CASCINO, Fabio A. Educação Ambiental — princípios, história, formação de professores. 2ªed., São Paulo: Ed. Senac-SP, 2000, p. 53.(7) Idem. Ob. e loc. cit.(8) Idem. Ob. cit., p. 60.(9) V. na Internet <http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/rules/integra/conv.htm>.Acesso em 26. ago.2004.

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contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho; a Con-venção n. 155, que versa sobre saúde e segurança dos trabalhadores e omeio ambiente do trabalho, e a Convenção n. 161, sobre serviços de saú-de no trabalho — todas ratificadas e em vigor no Brasil.

Na Convenção n. 148, é possível vislumbrar a preocupação com ainformação quanto aos riscos relacionados com o local de trabalho:

“Artigo 13. Todas as pessoas interessadas:

a) deverão ser apropriada e suficientemente informadas sobreos riscos profissionais que possam originar-se no local de trabalhodevido à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações;

b) deverão receber instruções suficientes e apropriadas quan-to aos meios disponíveis para prevenir e limitar tais riscos, e prote-ger-se dos mesmos”.

A Convenção n. 155, por seu turno, seguindo o 19º Princípio da De-claração de Estocolmo(10), consagra o treinamento e a educação ambientalpara efetivação das políticas nacionais de saúde e segurança no trabalhoe meio ambiente do trabalho, desde quando determina que se leve emconsideração, como esfera de atuação, para tanto, o “treinamento, incluí-do o complementar necessário, qualificações e motivação das pessoasque intervenham, de uma ou de outra maneira, para que sejam atingidosníveis adequados de segurança e higiene” (artigo 5, letra c), bem comoque se adotem “medidas para orientar os empregadores e os trabalhado-res com o objetivo de ajudá-los a cumprirem com suas obrigações legais”(artigo 10), e, ainda, no artigo 14, quando estabelece que:

“Medidas deverão ser adotadas no sentido de promover, demaneira conforme a prática e as condições nacionais, a inclusão dasquestões de segurança, higiene e meio ambiente do trabalho emtodos os níveis de ensino e de treinamento, incluídos aqueles doensino superior técnico, médico e profissional, com o objetivo de sa-tisfazer as necessidades de treinamento de todos os trabalhadores”.

Quanto à Convenção n. 161, prevê, como uma das funções dos ser-viços de saúde no trabalho, independente da responsabilidade dos empre-gadores quanto à saúde e segurança de seu pessoal, a colaboração “nadifusão da informação, na formação e na educação nas áreas da saúde eda higiene no trabalho, bem como na da ergonomia” (artigo 5, letra i).

(10) FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Direito Ambiental e a Saúde dos Trabalhadores. SãoPaulo: LTr, 2000, p. 70.

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3.3. Interdisciplinaridade

A educação ambiental no trabalho deve ser praticada no Brasil, sejapor imperativo constitucional, seja em conseqüência das Convenções daOIT ratificadas, acima referidas.

Para tanto, à primeira vista, bastaria que se instituísse, em todos osníveis de ensino e em todos os currículos, com caráter obrigatório, a res-pectiva disciplina.

Educar ambientalmente, em qualquer setor da vida humana, inclusi-ve no trabalho, significa atuar sobre a consciência pública. E não se conse-gue isso enclausurando a educação ambiental em uma só disciplina.

Fábio Cascino(11) salienta, a propósito das práticas de educação am-biental, que a UNESCO, no documento Educating for a Sustainable Future,de 1997, além de discorrer “sobre a importância da educação no processo deconstrução de uma sociedade mais justa/eqüitativa”, “aponta o caminhoda interdisciplinaridade como eixo central de um novo modo de educar, umaplataforma para ações educativas fundadas em preocupações ambientais”.

A interdisciplinaridade não pode ser praticada somente — como secostuma fazer — mediante a escolha de temas-chave, a junção de discipli-nas com conteúdos parecidos em determinados aspectos e aproveitamen-to de horários. É preciso experimentar, ampliar as análises conceituais,aproximar os indivíduos mais que as disciplinas, buscar “a totalidade doconhecimento, respeitando-se a especificidade das disciplinas”(12).

Essa particularidade da educação ambiental é que permite a suaefetivação tanto no ensino formal, desenvolvendo-se nos currículos dasinstituições públicas e privadas, como no ensino não-formal, através deações e práticas educativas voltadas para a conscientização das pessoasno tocante à defesa do meio ambiente, sem a participação direta escolarou acadêmica.

4. LEGISLAÇÃO NACIONAL

4.1. Lei n. 9.795, de 27.4.1999

O dever de promoção da educação ambiental previsto no art. 225,§ 1º, VI, da Constituição da República vigente, acha-se regulamentado,especificamente, pela Lei n. 9.795, de 27.4.1999, que “dispõe sobre a edu-cação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dáoutras providências”.

(11) Ob. cit., p. 62.(12) CASCINO, Fábio. Ob. cit., p. 69.

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Logo no art. 1º, a referida Lei cuida de explicar o que se pode enten-der por educação ambiental: “os processos por meio dos quais o indivíduoe a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades,atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente,bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e suasustentabilidade”.

Preconiza, no art. 2º, que “a educação ambiental é componente es-sencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, deforma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educati-vo, em caráter formal e não-formal”.

O art. 3º assegura a todos o direito à educação ambiental e traça asincumbências de cada segmento envolvido no processo educativo amplo.

Nesse contexto, de acordo com o item I desse art. 3º, cabe “ao Po-der Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, defi-nir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover aeducação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento dasociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente”.

Às instituições educativas, por sua vez, incumbe “promover a educa-ção ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que de-senvolvem” (item II do mencionado art. 3º). Trata-se de dispositivo endere-çado a todas as instituições da espécie, públicas e privadas. No item III doart. 3º, os órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) fi-cam incumbidos de “promover ações de educação ambiental integradasaos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambien-te”. O referido Sistema foi instituído pela Lei n. 6.938, de 31.8.1981, regu-lamentada pelo Decreto n. 99.274, de 6.6.1990, e é constituído pelos ór-gãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municí-pios e pelas Fundações instituídas pelo Poder Público responsáveis pelaproteção e melhoria da qualidade ambiental. Tem a seguinte estrutura:Conselho de Governo (Órgão Superior), Conselho Nacional do Meio Am-biente — CONAMA (Órgão Consultivo e Deliberativo), Ministério do MeioAmbiente (Órgão Central), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-cursos Naturais Renováveis — IBAMA (Órgão Executor), órgãos ou enti-dades da Administração Pública Federal direta ou indireta, as fundaçõesinstituídas pelo Poder Público cujas atividades estejam associadas à pro-teção da qualidade ambiental ou às de disciplinamento do uso dos recur-sos ambientais, bem como os órgãos e entidades estaduais responsáveispela execução de programas e projetos, e pelo controle e fiscalização deatividades capazes de provocar a degradação ambiental (Órgãos Seccio-nais), além dos órgãos ou entidades municipais responsáveis pelo contro-le e fiscalização das atividades confiadas aos Órgãos Seccionais, nas res-pectivas jurisdições (Órgãos Locais). A atuação do SISNAMA efetiva-semediante ação coordenada desses órgãos e entidades que o constituem.

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Cabe “aos meios de comunicação de massa colaborar de maneiraativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativassobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua progra-mação” (art. 3º, IV, da Lei sob comento).

No item V desse art. 3º encontra-se a disposição específica para oambiente do trabalho. Nele está dito que incumbe “às empresas, entidadesde classe, instituições públicas e privadas, promover programas destina-dos à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controleefetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões doprocesso produtivo no meio ambiente”.

Note-se que a Consolidação das Leis do Trabalho também traz, noart. 157, II, para as empresas, o dever de “instruir os empregados, atravésde ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitaracidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”.

E, por fim, no item VI do art. 3º, a Lei n. 9.795 determina o papel da“sociedade como um todo”: “manter atenção permanente à formaçãode valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual ecoletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de proble-mas ambientais”.

Tais incumbências estão em harmonia com o preceito constitucionalque comete ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e pre-servar o meio ambiente (art. 225, caput).

Merecem registro, neste estudo, também, os princípios básicos daeducação ambiental descritos no art. 4º da Lei referenciada:

“I — o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo;II — a concepção do meio ambiente em sua totalidade, consideran-do a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e ocultural, sob o enfoque da sustentabilidade; III — o pluralismo deidéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi etransdisciplinaridade; IV — a vinculação entre a ética, a educação, otrabalho e as práticas sociais; V — a garantia de continuidade e per-manência do processo educativo; VI — a permanente avaliação críti-ca do processo educativo; VII — a abordagem articulada das ques-tões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII — o reco-nhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual ecultural”.

Percebe-se que o legislador colheu da doutrina a interdisciplinaridade,bem assim a multi e a transdisciplinaridade, que significam e reforçam anecessidade de conjugação de todas as disciplinas, curriculares ou não,além da utilização de outros meios não constantes das disciplinas, visan-

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do à efetivação da educação ambiental. Constata-se, outrossim, entre es-ses princípios básicos da educação ambiental agasalhados pelo legisladorordinário, o destaque ao trabalho como um dos elementos consideradospara vinculação, além da ética, educação e práticas sociais.

Após consignar os objetivos fundamentais da educação ambiental(art. 5º), a Lei n. 9.795 cuida da Política Nacional de Educação Ambiental,destacando que as atividades respectivas devem se desenvolver “na edu-cação em geral e na educação escolar”, através das linhas de atuaçãointer-relacionadas, abrangendo a “capacitação de recursos humanos, de-senvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações, produção e di-vulgação de material educativo, e acompanhamento e avaliação” (art. 8º).

Como se disse, o legislador optou pela efetivação da educação am-biental tanto no ensino formal, como no não-formal (13).

Entende-se, no primeiro caso, que a educação ambiental deve sedesenvolver dentro dos currículos das instituições de ensino públicas eprivadas, compreendendo a educação básica (infantil, ensino fundamentale médio), educação superior, educação especial, educação profissional eeducação de jovens e adultos (art. 9º). Em todos esses níveis existempossibilidades de inclusão da educação ambiental voltada para o trabalho,como item da educação ambiental em geral, mas a educação profissionalé quem mais oferece essa viabilidade, na medida em que, ao profissionalizaro cidadão, também lhe ministra os conhecimentos e práticas pertinentes àdefesa do meio ambiente do trabalho e à proteção da saúde própria e dosdemais trabalhadores.

O art. 10 dessa Lei trata do desenvolvimento da educação ambientalnos currículos do ensino formal.

Deve-se implementar como prática educativa integrada, contínua epermanente. Em conseqüência do modelo adotado (prática educativa),e considerando a concepção pedagógica inter, multi e transdisciplinar, “aeducação ambiental não deve ser implantada como disciplina específicano currículo de ensino” (art. 10, § 1º), exceto, facultativamente, “nos cur-sos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodo-lógico da educação ambiental, quando se fizer necessário” (art. 10, § 2º).Há determinação específica para os cursos de formação e especializaçãotécnico-profissional, em todos os níveis, nos quais “deve ser incorporadoconteúdo que trate da ética ambiental das atividades profissionais a seremdesenvolvidas”, conforme § 3º do art. 10, dessa Lei.

Quanto aos professores, devem ter a dimensão ambiental em seuscurrículos de formação, exigindo-se daqueles já em atividade o recebi-

(13) A Lei n. 9.394, de 20.12.1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

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mento de formação complementar, de sorte que tais requisitos devem serlevados em conta por ocasião da autorização e supervisão do funciona-mento de todas as instituições de ensino.

No ensino não-formal — assim entendidas, nos termos do art. 13,caput, da mesma Lei, “as ações e práticas educativas voltadas à sensibili-zação da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organizaçãoe participação na defesa da qualidade do meio ambiente” — deve ser in-centivada pelo Poder Público, entre outras medidas descritas no mesmoart. 13, “a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvi-mento de programas de educação ambiental em parceria com a escola, auniversidade e as organizações não-governamentais”.

A Lei n. 9.795 traz disposições, ainda, sobre a execução da PolíticaNacional de Educação Ambiental, definindo atribuições de órgãos e diretri-zes para eleição de planos e programas de educação ambiental.

4.2. Decreto n. 4.281, de 25.6.2002

O Regulamento da Lei n. 9.795/1999, isto é, o Decreto n. 4.281, de25.6.2002, cuida dos órgãos da Política Nacional de Educação Ambientale respectivas competências. Merece destaque a presença, no Comitê As-sessor do Órgão Gestor dessa Política, de representante do “setor produ-tivo patronal, indicado pelas Confederações Nacionais da Indústria, do Co-mércio e da Agricultura”, bem como do “setor produtivo laboral, indicadopelas Centrais Sindicais”, garantida a alternância das indicações de cadasegmento (art. 4º).

Esse Decreto contém, ainda, importante disposição que interessa àeducação ambiental no trabalho, quando determina a criação, manuten-ção e implementação de programas integrados, independente de outrasações, da educação ambiental “aos processos de capacitação de profis-sionais promovidos por empresas, entidades de classe, instituições públi-cas e privadas” (art. 6º, IV).

O referido Decreto, no entanto, não tece outras determinações à guisade regulamentação do art. 3º, item V, da Lei n. 9.795/1999.

5. A RELEVÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA ADEQUAÇÃODO AMBIENTE DE TRABALHO

Como visto nos itens anteriores, vigoram no Brasil disposições cons-titucionais, Convenções da OIT e diplomas editados pelo legislador nacio-nal ordinário que asseguram e regulamentam o direito à educação am-biental no trabalho.

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No entanto, a partir da apreciação dos dados estatísticos divulgadospela Previdência Social — os quais, repita-se, retratam apenas a realidadede parte dos trabalhadores brasileiros vinculados àquela e os acidentes detrabalho objeto de comunicação ao mesmo órgão — pode-se inferir que osistema não vem funcionando devidamente.

Entre os atuais problemas de saúde do trabalhador, Sebastião Ge-raldo de Oliveira destaca a ausência de efetividade das normas proteto-ras, dispersão das responsabilidades do Estado, instabilidade no empre-go, deficiência de formação técnica dos profissionais para atuação na área,ausência de conscientização de trabalhadores e empregadores, preferên-cia pela neutralização dos riscos (com uso de Equipamentos de ProteçãoIndividual, por exemplo) no lugar da própria eliminação do risco à saúdedo trabalhador, deficiência do sistema de Inspeção no Trabalho, tendênciade flexibilização dos direitos trabalhistas e crescimento do mercado infor-mal de trabalho(14).

Desses problemas, pelo menos três (deficiência de formação técni-ca, falta de conscientização e preferência pela neutralização dos riscos)decorrem, diretamente, do mau funcionamento do sistema de educaçãono meio ambiente de trabalho.

Nesse contexto, é preciso dar efetividade ao direito à educação noambiente laboral, para que seja realizado o próprio direito fundamental àsaúde, ao qual o meio ambiente de trabalho se acha atrelado (art. 200,VIII, da Constituição da República de 1988).

O princípio da educação ambiental viabiliza a realização de outroprincípio — aliás, um dos mais importantes para o ambiente — que éo princípio da prevenção, pois, em geral, os danos ao meio ambiente sãoirreversíveis e irreparáveis(15).

Quando se cogita de acidente de trabalho, aí compreendidas as doen-ças do trabalho e ocupacionais, a prevenção ganha maior relevo, pois,tal qual ocorre no ambiente em geral, o dano ao ambiente de trabalho, namaioria das vezes, é irreparável e irreversível, e afeta, diretamente, comigual gravidade, a saúde e a vida dos que nele labutam.

Então, é inegável a relevância da educação ambiental para adequa-ção do ambiente de trabalho.

É preciso, entretanto, destacar que esse setor do meio ambiente nãoé “privativo” dos trabalhadores do setor formal da economia, dos trabalha-dores subordinados, registrados e segurados da Previdência Social, mor-mente porque tais trabalhadores constituem a minoria do contingente em

(14) Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 4ª ed. rev., ampl. e atualizada, São Paulo: LTr,2002, pp. 144-153.(15) FIORILLO. Ob. cit., p. 35.

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atividade no Brasil. Trata-se o meio ambiente laboral adequado de direitofundamental do ser humano trabalhador de todas as categorias, conside-rada a universalidade que o caracteriza(16).

Conseqüentemente, a educação ambiental no trabalho deve ser pro-piciada a todas as pessoas e, tal qual a educação ambiental (em geral),praticada em todos os níveis de ensino, formal e não-formal, exatamentepara alcançar e influenciar na conscientização de todas as categorias en-volvidas nos mais variados setores em que as pessoas buscam o sustentopróprio e de seus dependentes, seja na qualidade de trabalhador, subordi-nado ou não, funcionários públicos ou do setor privado, da economia for-mal ou informal, etc., seja como empresário, seja como agente do PoderPúblico.

A educação ambiental no trabalho não se esgota, portanto, nas provi-dências previstas no inciso V do art. 3º, da Lei n. 9.795/1999. Esse itemabraça somente uma parcela da população trabalhadora que tiver a sortede ser contemplada com programas de capacitação, promovidos pelas em-presas, entidades de classe e instituições públicas e privadas. Os demaistrabalhadores alijados de tais programas podem ser alcançados pelas ou-tras providências alinhadas no referido art. 3º, recebendo educação am-biental laboral do Poder Público, desde que ele promova a “educaçãoambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade naconservação, recuperação e melhoria do meio ambiente”; das instituiçõeseducativas, a quem compete “promover a educação ambiental de maneiraintegrada aos programas educacionais que desenvolvem”; dos órgãos inte-grantes do SISNAMA, responsáveis pela promoção das “ações de educa-ção ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação emelhoria do meio ambiente”; dos meios de comunicação de massa, se cola-borarem “de maneira ativa e permanente na disseminação de informações epráticas educativas sobre meio ambiente” e incorporarem “a dimensão am-biental em sua programação”, e da sociedade como um todo, a quem com-pete “manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habili-dades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a preven-ção, a identificação e a solução de problemas ambientais”. Somente sese trilhar por todos esses caminhos é que se poderá levar a educação am-biental no trabalho aos diversos segmentos de trabalhadores.

6. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Qualquer que seja o enfoque que se dê à educação ambiental no traba-lho — como direito ambiental, direito social à saúde ou direito social à educa-ção — encontrar-se-á no Ministério Público seu compulsório defensor.

(16) V., da autora, o Capítulo III da Ação Ambiental Trabalhista mencionada em nota anterior.

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Com efeito, o Ministério Público, embora de modo não exclusivo, é oguardião constitucional expresso do meio ambiente e demais direitos difu-sos e coletivos (art. 129, III, da Carda Federal de 1988).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reforça o papelconstitucional do Parquet no tocante à defesa do direito social à educação(Constituição, art. 6º) quando, entre outros dispositivos, permite ao Órgãoacionar o Poder Público para exigir seja dado acesso ao ensino fundamen-tal, considerado direito público subjetivo (art. 5º, caput).

A Lei n. 8.080, de 19.9.1990, reconhece no art. 2º, caput, o direito àsaúde, como direito fundamental do ser humano, em sintonia com o dis-posto no art. 6º da Constituição de 1988, inclusive a proteção do direito àsaúde do trabalhador como um dos itens de atuação do Sistema Únicode Saúde (art. 6º, I, c, § 3º e incisos) — em harmonia com destaque dadoao meio ambiente de trabalho pelo texto constitucional (art. 200, VIII).

Importante ressaltar que a educação ambiental laboral representaum dos aspectos do meio ambiente de trabalho. Educar, ambientalmente,para o trabalho, constitui uma das maneiras de se chegar à adequação doambiente de trabalho, visando à preservação da saúde, segurança e higie-ne no trabalho. O ser humano tem o direito de receber a educação am-biental laboral, como parte do processo de obtenção do direito ao ambien-te de trabalho (e, por que não dizer, do ambiente em geral) adequado.Uma vez educado nessas bases, terá as condições e a consciência neces-sárias não apenas para usufruir desse direito, mas, também, para defen-dê-lo — o que, aliás, é preconizado como dever do Poder Público e dacoletividade pelo art. 225 da Constituição da República vigente.

O papel do Ministério Público, nesse contexto, é imprescindível, con-siderado, entre outras incumbências institucionais, seu dever de defenderos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição).

Quando se cogita de meio ambiente do trabalho, aí compreendida aeducação ambiental no trabalho, identifica-se no Ministério Público do Tra-balho grande responsabilidade pela efetivação desse direito.

Esse ramo do Ministério Público da União exercita a missão da Insti-tuição, no plano judicial, movendo as ações que lhe são confiadas perantea Justiça do Trabalho (art. 83 da Lei Complementar n. 75, de 20.5.1993),entre as quais a Ação Civil Pública — instrumento hábil, por excelência, àproteção do meio ambiente e demais interesses difusos e coletivos(17) (art.129, III, da Constituição de 1988).

A propósito da competência da Justiça do Trabalho em questões deambiente laboral, o Supremo Tribunal Federal editou, em dezembro de 2003,

(17) V. a qualificação legal desses interesses ou direitos na Lei n. 8.078, de 11.9.1990, art. 81, I e II.

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a Súmula n. 736, que estabelece competir à Justiça Especializada “julgaras ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normastrabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.Assim, por exemplo, são pertinentes as ações visando a fazer cumprirNormas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho(18), a eliminar insalu-bridade ou periculosidade intoleráveis, fazer respeitar a jornada máximade trabalho, etc.

Aprofundando essa linha de raciocínio, caberá, igualmente, à Justiçado Trabalho, provocada pelo Ministério Público do Trabalho ou outro legiti-mado(19), conhecer da Ação Civil Pública que reivindique a efetivação dodireito à educação ambiental — necessária, como se disse linhas atrás,para implementar o ambiente laboral adequado.

Mas a atuação do Parquet (20) não se limita às ações judiciais. O pla-no extrajudicial também lhe reserva instrumentos para que possa zelarpelo direito à educação ambiental no trabalho, com destaque para o In-quérito Civil e as Recomendações (art. 6º, VII e XX, combinados com art.84, da LC n. 75/1993).

Com efeito, diante de notícia da falta de prática dessa educação, naforma do artigo 3º da Lei n. 9.795/1999, o membro do Ministério Público doTrabalho deve chamar a entidade omissa, investigando-a em Inquérito Ci-vil ou, conforme o caso e se isso bastar, notificando-a para recomendar-lhe que aja em respeito ao referido direito, no prazo assinado.

Importante observar que o Ministério Público também pode convo-car Audiência Pública (art. 27, parágrafo único, IV, da Lei n. 8.625, de12.2.1993) — a qual constitui instrumento ideal para despertar na “socie-dade como um todo” o seu papel para efetivação da educação ambiental(art. 3º, VI, da Lei n. 9.795), inclusive no trabalho.

7. CONCLUSÃO

A educação ambiental no trabalho, nada obstante decorra de princí-pio constitucional do meio ambiente e constitua veículo indispensável paragarantir o direito fundamental ao meio ambiente adequado, não vem me-recendo a devida atenção do Poder Público e demais segmentos da socie-dade responsáveis pela sua aplicação. Os elevados percentuais de aci-dentes do trabalho registrados no País autorizam, sozinhos, tal afirmativa.

O ambiente laboral não compreende, apenas, o local em que sedesenvolve o trabalho subordinado, tal o galpão de uma fábrica, mas

(18) V. art. 200 da Consolidação das Leis do Trabalho.(19) V. art. 5º da Lei n. 7.347, de 24.7.1985.(20) V. na Internet: <http://www.pgt.mpt.gov.br/seguranca/geral/mpt.html>. Acesso em 27.ago.2004.

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tudo que diga respeito ao habitat laboral, interessando a todas as ca-tegorias de trabalhadores, que devem ser favorecidas pelo ambienteadequado.

A educação ambiental, incluída a voltada para o ambiente de trabalho,constitui um dos princípios internacionais da proteção ao ambiente, agasa-lhada pela Constituição brasileira de 1988 e expressamente reconhecida naLei instituidora da Política Nacional de Educação Ambiental. Deve ser imple-mentada como prática educativa integrada, contínua e permanente, no en-sino formal e não-formal, em todos os níveis, mas não como disciplina obri-gatória, nos currículos das instituições, em respeito às perspectivas inter,multi e transdisciplinar que deve contemplar, pedagogicamente.

A adequação do ambiente de trabalho depende, fundamentalmente,da educação ambiental respectiva, ministrada aos que nele interagirem —trabalhadores, empresários e representantes do Poder Público —, compor-tando suas noções logo no ensino fundamental obrigatório, para despertara consciência das crianças quanto à necessidade de zelar pelo ambientelaboral e pela saúde e segurança própria e alheia, no trabalho.

O Ministério Público do Trabalho, como defensor dos interesses so-ciais e individuais indisponíveis na seara do trabalho, tem largo e impor-tante papel a desempenhar para fazer valer o direito à educação ambien-tal no trabalho, manejando os instrumentos judiciais e extrajudiciais à suadisposição.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Previdência Social. Disponível na Internet em <http://www.previdenciasocial.gov.br>. Acesso em 26.ago.2004.

. Ministério Público do Trabalho. Disponível na Internet em <http://www.pgt.mpt.gov.br/seguranca/geral/mpt.html>. Acesso em 27.ago.2004.

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O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADEE A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Ana Elisa Alves Brito Segatti(*)

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo a análise do controle de cons-titucionalidade em sede de ação civil pública, levando em consideraçãonão só os aspectos constitucionais, mas também os processuais que en-volvem a matéria. A sua finalidade é demonstrar a viabilidade da declara-ção de constitucionalidade no âmbito da ação civil pública, assegurando asupremacia da Constituição, como norma hierarquicamente superior noordenamento jurídico.

O interesse pelo desenvolvimento do presente trabalho encontra-sefundamentado nas tendências atuais do Direito Constitucional, particular-mente nas inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 à açãocivil pública, como importante instrumento de defesa dos interesses cole-tivos lato sensu.

Por certo, o tema apresenta inúmeras inquietações dos estudiosos doDireito, revelando-se tímida a doutrina nacional no seu trato. A jurisprudên-cia, por sua vez, apresenta-se como importante fonte de estudo da questãojurídica, ao expressar as proposições dos órgãos jurisdicionais. As decisõesdo Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, merecem des-taque, inclusive no que concerne ao recente entendimento adotado.

Atualmente, o grande norte do Direito Constitucional é preservar aintegridade da Constituição, motivo pelo qual está previsto o controle deconstitucionalidade. Este tem como objetivo assegurar a supremacia daConstituição, que, por sua vez, objetiva estruturar o Estado, estabelecerdireitos e garantias individuais e dispor sobre a ordem econômica e social.

(*) Procuradora do Trabalho da PRT da 2ª Região. Especialista em Direito Constitucional da Esco-la Superior de Direito Constitucional.

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A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, trouxegrandes inovações ao controle de constitucionalidade, como modo derechaçar a inconstitucionalidade e manter as normas constitucionais, queasseguram as linhas estruturais do Estado. O ordenamento jurídico cons-titucional adotou predominantemente o controle de constitucionalidade ju-rídico ou judiciário, no qual o Poder Judiciário, como órgão competente,retira do ordenamento jurídico a lei ou o ato normativo eivado de inconsti-tucionalidade. Esse controle jurisdicional de constitucionalidade repressivopode ser processado por duas vias: reservada ou concentrada (via de ação)e difusa ou aberta (via de exceção ou defesa).

Na via reservada merece destaque a ação direta de inconstituciona-lidade, que tem como escopo declarar a inconstitucionalidade da lei ou doato normativo, visando a sua retirada do ordenamento jurídico por inter-médio da eficácia erga omnes da coisa julgada. O seu exercício é reconhe-cido apenas ao Tribunal de Cúpula (Supremo Tribunal Federal).

Já no controle difuso de constitucionalidade visa-se a tutela de umcaso concreto, que para o seu deslinde necessita da declaração incidentalde inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. O seu exercício é atribuídoa todos os órgãos componentes do Poder Judiciário.

Esses mecanismos de controle da constitucionalidade serão apre-ciados levando em consideração o ajuizamento da ação civil pública, comomoderníssimo instrumento de tutela coletiva dos interesses metaindividuais— coletivos, difusos e individuais homogêneos —, na busca de uma defini-ção unitária e uniforme dos conflitos de massa, evitando-se o ajuizamentode milhares de ações individuais e decisões judiciais divergentes, além dademora na prestação jurisdicional. Trata-se de importante proteção coleti-va aos interesses de altíssima relevância social, como o meio ambiente, opatrimônio cultural, os direitos dos consumidores, das pessoas portado-ras de deficiência, das crianças e adolescentes, dos investidores no mer-cado de valores mobiliários, a ordem econômica e a economia popular.

Como a Constituição Federal, norma suprema e fundamental do or-denamento jurídico, visa assegurar a harmonia da vida social, nada maiscoerente do que valorizar a utilização da ação civil pública, como impor-tante instrumento processual para defesa coletiva dos cidadãos, que seencontram na mesma situação jurídica, contra leis ou atos normativos con-trários à Constituição Federal, para alcançar, desse modo, a solução uni-forme aos interesses dos cidadãos.

Por certo, o intérprete, estudioso do Direito, deve sempre observaros grandes avanços abarcados na Constituição Federal em relação ao con-trole de constitucionalidade e à ação civil pública e, ao analisar a compati-bilidade dos mencionados institutos, não se pode permitir que um sejavalorizado em detrimento do outro, pois a unidade do ordenamento jurídi-

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co deve ser preservada, sem marginalizar qualquer mecanismo previstopelo Texto Constitucional. Assim, o controle de constitucionalidade, comomecanismo que visa preservar a integridade da Constituição, será apre-ciado levando-se em consideração o ajuizamento da ação civil pública,como mecanismo de tutela coletiva de interesses metaindividuais.

2. O CONTROLE DE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADEE A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Na ação direta de inconstitucionalidade objetiva-se a declaração deinconstitucionalidade de lei ou ato normativo, para preservar a supremaciada Constituição. Trata-se de controle abstrato da norma, sem quaisquervinculações a situações jurídicas de caráter individual ou concreto.

Na ação civil pública há a tutela coletiva de interesse transindividual— difusos, coletivos ou individuais homogêneos —, objetivando-se a exe-cução específica de maneira a reconduzir o bem ou o interesse lesado aoseu statu quo ante ou, sendo esta impossível, a reparação pecuniária.

A propósito, observam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery:

“O objeto da ACP é a defesa de um dos direitos tutelados pelaCF, pelo CDC e pela LACP. A ACP pode ter como fundamento a in-constitucionalidade de lei ou ato normativo. O objeto da ADIn é adeclaração, em abstrato, da inconstitucionalidade de lei ou ato nor-mativo, com a conseqüente retirada da lei declarada inconstitucionaldo mundo jurídico por intermédio da eficácia erga omnes da coisajulgada. Assim, o pedido na ACP é a proteção do bem da vida tutela-do pela CF, CDC ou LACP, que pode ter como causa de pedir a in-constitucionalidade de lei, enquanto o pedido na ADIn será a própriadeclaração da inconstitucionalidade da lei. São inconfundíveis osobjetos da ACP e da ADIn”.(1)

Nesse sentido, a utilização da ação civil pública com o objetivo espe-cífico de obter a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normati-vo, sem qualquer ligação com uma hipótese concreta, é totalmente inad-missível, na medida em que a ação civil pública não é substituta da açãodireta de inconstitucionalidade. Ademais, haveria usurpação da competên-cia do Supremo Tribunal Federal para o controle concentrado de constitu-cionalidade, pois ocorreria a outorga de poderes originária e exclusiva-mente conferidos ao Supremo Tribunal Federal à jurisdição ordinária deprimeiro grau.

(1) Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor,p. 1.128, nota 7.

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A esse respeito, João Batista de Almeida(2) salienta que nenhum legi-timado ajuizaria em primeiro grau uma ação civil pública, tendo como pedi-do único ou principal a declaração da inconstitucionalidade de lei ou atonormativo, mas, se o fizesse, com certeza tal ajuizamento estaria fadadoao insucesso, tendo em vista a competência exclusiva do Supremo Tribu-nal Federal para o controle direto.

Assim, não se pode admitir o ajuizamento de ação civil pública total-mente desvinculada de uma relação jurídica concreta, objetivando somen-te a declaração de inconstitucionalidade.

No entanto, vislumbra-se a possibilidade de a questão de inconstitu-cionalidade ser posicionada na ação civil pública como questão prejudicial,de exame necessário e prévio ao deslinde da tutela coletiva.

3. O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE E A AÇÃOCIVIL PÚBLICA

Quanto à utilização da ação civil pública como sucedâneo da açãodireta de inconstitucionalidade há entendimento unânime no sentido de queela é inadequada e incompatível com o modelo de controle de constitucio-nalidade instituído no País. No entanto, o mesmo não pode ser dito em rela-ção ao controle difuso de constitucionalidade em sede de ação civil pública.

Considerando as características peculiares da ação civil pública, muitose tem discutido acerca da adequação dessa ação para o controle difusode constitucionalidade das leis, sendo de suma importância a análise dosaspectos constitucionais e processuais que envolvem a questão.

O controle difuso de constitucionalidade caracteriza-se pelo fato deser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Po-der Judiciário. Desse modo, apresentado o litígio em juízo, o Poder Judi-ciário deverá solucioná-lo e para tanto, poderá analisar, incidentalmente, ainconstitucionalidade ou não de lei ou ato normativo, independentementeda forma processual adotada. Assim, nada impedirá o exercício do contro-le difuso de constitucionalidade em sede de ação civil pública, indepen-dentemente da espécie de interesse metaindividual que se pretende tute-lar (difuso, coletivo ou individual homogêneo).

Alguns doutrinadores questionam a idoneidade da ação civil públicacomo instrumento de controle difuso de constitucionalidade, sob o argu-mento de que em muitos casos não estão definidos litígios concretos, comos seus elementos essenciais, objetivando-se fundamentalmente a decla-ração de inconstitucionalidade, ainda que de incidenter tantum nominada.

(2) Conf., A proteção jurídica do consumidor, p. 246.

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Esse argumento é apontado por Arruda Alvim(3), ao sustentar que aação civil pública, que não apresenta um litígio real, mas visa afastara aplicação de determinado dispositivo legal do âmbito de determinada áreade jurisdição, configura a declaração in abstrato da inconstitucionalidade,embora isso seja nominada de declaração incidenter tantum. Tal hipótesecaracterizaria o uso distorcido da ação civil pública, como já decido peloSupremo Tribunal Federal:

“Não se admite ação que se intitula ação civil pública, mas,como decorre do pedido é, em realidade, verdadeira ação direta deinconstitucionalidade de atos normativos municipais em face da Cons-tituição Federal, ação essa não admitida pela Carta Magna”.(4)

No mesmo sentido, o entendimento firmado pelo Superior Tribunalde Justiça:

“A ação civil pública não substitui a ação direta de inconstitu-cionalidade, objetivando declaração de inconstitucionalidade de leimunicipal, nem mesmo para declaração incidental”.(5)

Adotando o mesmo posicionamento, Gilmar Ferreira Mendes(6) res-salta que a ação civil pública não pode ser confundida, pela própria formae natureza, com os processos denominados de “processos subjetivos”.Entende que a ação civil pública se assemelha ao processo sem partes oua um processo objetivo, no qual a parte autora atua na defesa de um inte-resse público, de um interesse genérico amplíssimo e não na tutela desituações subjetivas, o que afasta a possibilidade da utilização da açãocivil pública como instrumento de controle difuso de constitucionalidade.

No entanto, o argumento de inexistência de litígio concreto a sertutelado na ação civil pública é facilmente desprezado quando retomadosos elementos caracterizadores da ação civil pública. Com efeito, essa tute-la coletiva congrega situações concretas a serem solucionadas, as quaisreclamam, em determinadas oportunidades, o exame prévio e incidentalda questão de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo e culminamcom o afastamento da incidência do dispositivo eivado de inconstituciona-lidade das situações concretas no processo.

(3) Conf., “A declaração concentrada de inconstitucionalidade pelo STF e os limites impostos àação civil pública e ao código de proteção e defesa do consumidor”, Revista de Processo n. 81,pp. 127-134.(4) Conf. Agravo Regimental em Agravo n. 189.601/GO, Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça,3.out. 1997.(5) Conf. REsp n. 139.471/GO, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Diário da Justiça, 11.out.1999.(6) Conf., Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucio-nal, p. 397.

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Por certo, na ação civil pública há partes definidas e uma pretensãodeduzida em juízo (bem jurídico concreto) que não se confunde com adeclaração de inconstitucionalidade. O objeto imediato é a providência ju-risdicional solicitada (declaratória, condenatória numa obrigação de fazer,de dar, de não fazer etc.) e o objeto mediato é o bem que se pretendetutelar (meio ambiente, patrimônio, consumidor etc.). Portanto, a definiçãode uma situação concreta a ser tutelada pela ação civil pública pode pos-sibilitar a declaração de inconstitucionalidade como questão prejudicial.

Muitos autores ainda acreditam que não é possível o controle difusode constitucionalidade em sede de ação civil pública, tendo em vista aeficácia erga omnes ou ultra partes da coisa julgada dessa ação, o quetransformaria esse julgado numa decisão com eficácia geral e irrestrita,usurpando a competência do Supremo Tribunal Federal. Segundo esseentendimento, a pronúncia de inconstitucionalidade da lei ou ato normati-vo pelo juízo monocrático nos autos da ação civil pública teria maior ampli-tude que a decisão do Supremo Tribunal Federal em controle difuso.

A decisão proferida na ação civil pública seria detentora de eficáciageral e abstrata, tornando inaplicável a norma dentro do âmbito de jurisdi-ção do órgão julgador (art.16 da Lei n. 7.347/85). Tal abrangência não seencontra na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em casosconcretos, mas apenas no controle concentrado de constitucionalidade.

Esse posicionamento encontra respaldo na seguinte ementa: “A açãocivil pública não pode servir de meio para a declaração, com efeito ergaomnes, de inconstitucionalidade de lei”.(7)

No entanto, cumpre registrar que a questão dos efeitos erga omnesou ultra partes da decisão proferida nos autos da ação civil pública não teminfluência na competência privativa do Supremo Tribunal Federal, de modo ainvadi-la, pois não se trata de competência, mas sim de limites subjetivos dacoisa julgada. Tal entendimento, ao confundir competência com eficáciada coisa julgada, padece da mesma impropriedade da Lei n. 9.497/97.

Ademais, o efeito erga omnes ou ultra parte da coisa julgada nãosignifica que atinge indistintamente a todos, mas tão-somente a coletividadede interessados titulares do direito lesado. A eficácia contra todos dizrespeito àqueles cujas situações se ajustam ao resultado favorável da tu-tela coletiva.

Com grande acerto, leciona Raimundo Simão de Melo:

“Dissemos em princípio porque nem aqui existe total semelhan-ça, uma vez que os efeitos erga omnes da sentença da ADIn atin-

(7) STJ, REsp n. 212.540/MG, Rel. Min. José Delgado, Diário da Justiça, 16.ago. 1999.

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gem todas as pessoas que potencialmente algum dia possam se sub-meter aos comandos da norma afastada do mundo jurídico. Na ACPesses efeitos erga omnes atingem, do lado ativo, os co-legitimados,mesmo que improcedente o pedido, salvo por insuficiência de pro-vas, e todos os titulares dos interesses metaindividuais, mas, nesteúltimo caso, somente in utilibis (para beneficiá-los); do lado passivo,atingem somente aqueles réus que formaram a relação processual.Assim, os seus efeitos não são tão gerais como se quer fazer crer,ou seja, a sua generalidade atinge apenas as partes interessadasque tenham participado diretamente da lide ou por meio dos legiti-mados coletivos”.(8)

O Relator Ministro Ilmar Galvão entendeu que a declaração de in-constitucionalidade no bojo da ação civil pública não implica na invasão dejurisdição concentrada privativa do Supremo Tribunal Federal, conformese depreende da ementa a seguir colacionada:

“Reclamação. Decisão que, em ação civil pública, condenou ins-tituição bancária a complementar os rendimentos de caderneta depoupança de seus correntistas, com base em índice até então vigen-te, após afastar a aplicação da norma que o havia reduzido, por con-siderá-la incompatível com a constituição. Alegada usurpação dacompetência do Supremo Tribunal Federal, prevista no art. 102, I,‘a’, da CF. Improcedência da alegação, tendo em vista tratar-se deação ajuizada, entre partes contratantes, na persecução de bem ju-rídico concreto, individual e perfeitamente definido, de ordem patri-monial, objetivo que jamais poderia ser alcançado pelo reclamadoem sede de controle in abstrato de ato normativo. Quadro em quenão sobra espaço para falar em invasão, pela Corte reclamada, dajurisdição concentrada privativa do Supremo Tribunal Federal. Impro-cedência da reclamação”.(9)

Questiona-se ainda a idoneidade da ação civil pública como instru-mento de controle difuso de constitucionalidade, quando decisão que de-clarou a inconstitucionalidade previamente suspende a aplicação da lei noâmbito da jurisdição do órgão julgador. Surge, assim, um direito substanti-vo estadual diferente do nacional, que viola a unidade do direito substantivoassegurado pela Constituição.

Segundo esse posicionamento, a lei tem vigência em todo o territórionacional. Dessa feita, o controle de constitucionalidade em ação civil públi-ca que admite a declaração de inconstitucionalidade em parte do território

(8) Ação civil pública na justiça do trabalho, pp. 106-107.(9) Conf., STF, RCL n. 602-6, Diário de Justiça, 14.fev. 2003.

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nacional implica agressão à unidade da legislação e ao princípio da igual-dade jurídica, acarretando contradição, pois a lei valeria para parte do ter-ritório e para outra seria nula.

Nesse contexto, foi proferido julgamento no Superior Tribunal deJustiça:

“Impossibilidade do uso da ação civil pública para substituir aação direta de inconstitucionalidade. A unidade do direito substanti-vo é estabelecida pela Constituição. Admitida ação civil pública paraimpedir a cobrança de tributo, tachado de inconstitucional, possibili-taria a prolação de sentenças contraditórias com efeitos erga omnes,o que é absurdo”.(10)

Corroborando tal posicionamento, salienta Hely Lopes Meirelles:

“Essa impossibilidade decorre da inviabilidade das duas conse-qüências alternativas:

a) ou a inconstitucionalidade é declarada localmente, tão-somente na área de competência do juiz, e, aplicando-se erga omnes,cria um Direito Substantivo estadual diferente do nacional e viola aConstituição, que estabelece a unidade do Direito Substantivo, ha-vendo a possibilidade de se criar em Direito específico aplicável emdeterminada localidade, e não em todo o Estado, quando a área dejurisdição do juiz federal é inferior à do Estado, situação que ocorreno Estado do Paraná;

b) ou a inconstitucionalidade é declarada, pelo magistrado deprimeira instância, para ter efeitos no plano nacional e há usurpação,pelo juiz, de função do STF”.(11)

Mais uma vez, não prospera a alegação de inidoneidade da açãocivil pública como mecanismo do controle difuso de constitucionalidadeem razão da denominada quebra da unidade do Direito Substantivo, tendoem vista que o reconhecimento incidental de inconstitucionalidade da nor-ma não a retira do sistema, mas apenas rechaça sua aplicação nas situa-ções concretas que constituem o objeto da ação.

De outro turno, existem diversas decisões jurisprudenciais contradi-tórias em matérias específicas e que são assimiladas pela comunidadejurídica, sem questionamento quanto à violação da unidade do sistema.Portanto, tratamento similar deverá ser adotado na presente questão.

(10) Conf., REsp n. 134.979/GO, Rel. Min. Garcia Vieira, Diário da Justiça, 15.dez.1997.(11) Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data,ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, pp. 199-200.

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Por oportuno, destaca-se o julgamento da Reclamação n. 600-0/SP,relatada pelo Ministro Néri Silveira, sintetizado no seguinte aresto, in verbis:

“Reclamação. 2. Ação civil pública contra instituição bancária,objetivando a condenação da ré ao pagamento da ‘diferença entre ainflação do mês de março de 1990, apurada pelo IBGE, e o índiceaplicado para crédito nas cadernetas de poupança, com vencimentoentre 14 a 30 abril de 1990, mais juros de 0,5% ao mês, correçãosobre o saldo, devendo o valor a ser pago a cada um fixar-se emliqüidação de sentença’. 3. Ação julgada procedente em ambas asinstâncias, havendo sido interpostos recursos especial e extraordi-nário. 4. Reclamação em que se sustenta que o acórdão da Cortereclamada, ao manter a sentença, estabeleceu ‘uma inconstituciona-lidade do plano nacional, em relação a alguns aspectos da Lei n.8.024/90, que somente ao Supremo Tribunal Federal caberia decre-tar’. 5. Não se trata de hipótese suscetível de confronto com o prece-dente da Corte na Reclamação n. 434-1-SP, onde se fazia inequívo-co que o objetivo da ação civil pública era declarar a inconstitucio-nalidade da Lei n. 7.844/92, do Estado de São Paulo. 6. No casoconcreto, diferentemente, a ação objetiva relação jurídica decorrentede contrato expressamente identificado, a qual estaria sendo alcan-çada por norma legal subseqüente, cuja aplicação levaria a ferir di-reito subjetivo dos substituídos. 7. Na ação civil pública ora em julga-mento, dá-se controle de constitucionalidade da Lei n. 8.024/90, porvia difusa. Mesmo admitindo que a decisão em exame afasta a inci-dência de lei que seria aplicável à hipótese concreta, por ferir direitoadquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdão respectivonão fica imune ao controle do Supremo Tribunal Federal, desde logo,à vista do art.102, III, ‘b’, da Lei Maior, eis que decisão definitiva deCorte local terá reconhecido a inconstitucionalidade de lei federal aodirimir determinado conflito de interesses. Manifesta-se, dessa ma-neira, a convivência dos dois sistemas de controle de constitucionali-dade: a mesma lei federal ou estadual poderá ter declarada sua inva-lidade, quer em abstrato, na via concentrada, originariamente, peloSTF (CF, art. 102, I, ‘a’), quer na via difusa, incidenter tantum, aoensejo do desate de controvérsia, na defesa de direitos subjetivos departes interessadas, afastando-se sua incidência no caso concretoem julgamento. 8. Nas ações coletivas, não se nega, à evidência,também, a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, in-cidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local. 9. A eficáciaerga omnes da decisão, na ação civil pública, ut art. 16, da Lei n.7.347/97, não subtrai o julgado do controle das instâncias superio-res, inclusive do STF. No caso concreto, por exemplo, já se interpôs,

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recurso extraordinário, relativamente ao qual, em situações graves,é viável emprestar-se ademais, efeito suspensivo. 10. Em reclama-ção, onde sustentada a usurpação, pela Corte local, de competênciado Supremo Tribunal Federal, não cabe, em tese, discutir em tornoda eficácia da sentença na ação civil pública (Lei n. 7.347/85, art.16), o que poderá, entretanto, constituir, eventualmente, tema dorecurso extraordinário. 11. Reclamação julgada improcedente, cas-sando-se a liminar”.(12)

Cumpre ressaltar a interpretação intermediária exposta pelo doutri-nador Alexandre de Moraes, ao afirmar que deve ser vedada a obtençãode efeitos erga omnes nas declarações de inconstitucionalidade de lei ouato normativo no bojo da ação civil pública, independentemente dessadeclaração constar como pedido principal ou como pedido incidenter tan-tum, pois mesmo neste a declaração de inconstitucionalidade poderia nãose limitar somente às partes daquele processo, em virtude da previsãodos efeitos nas decisões em sede de ação civil pública dada pela Lei n.7.347/85, usurpando, desse modo, a competência do Supremo TribunalFederal.

Esse posicionamento distingue a possibilidade ou não do controledifuso de constitucionalidade no bojo da ação civil pública, conforme ointeresse metaindividual tutelado. Assim, a tutela coletiva de interesse difusoou coletivo não pode ser antecedida pela declaração de inconstitucionali-dade em razão dos efeitos erga omnes, que afrontam a competência daCorte Suprema, como guardiã da Constituição Federal. Quando a defesacoletiva guarnecer interesse individual homogêneo pode ser admitido ocontrole difuso de constitucionalidade, pois a decisão apenas teria efeitoapenas sobre o grupo de pessoas.

Compartilhando deste posicionamento, o Ministro Maurício Corrêa,relator da Reclamação n. 554-2/MG, assim sintetizou:

“6.1. Dessa forma, em se tratando de pessoas identificáveis,com direitos individuais homogêneos, a que se refere o inciso III doartigo 81 da Lei 8.078/90, a decisão só alcança este grupo de pes-soas, cabendo adaptar, para o caso concreto, o alcance do efeitoerga omnes desta decisão, tal como previsto no art. 16 da Lei n.7.347/85, não se confundindo o seu alcance com o das decisõesproferidas em ação direta de inconstitucionalidade. 6.2. Situação di-versa ocorreria se a ação civil pública estivesse preordenada a de-fender direitos difusos ou coletivos (incisos I e II do citado art. 81),quando então, a decisão teria efeito erga omnes, na acepção usual

(12) Conf., STF, Diário da Justiça, 5.dez. 2003.

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da expressão e, aí sim, teria os mesmos efeitos de uma ação direta,pois alcançaria todos, partes ou não, na relação processual estabe-lecida na ação civil”.(13)

Tal entendimento apresenta um contra-senso ao admitir que os inte-resses individuais homogêneos possam receber tratamento coletivo quan-do há questão de inconstitucionalidade a ser declarada incidentalmente noprocesso e o mesmo não possa ocorrer em relação aos interesses difusose coletivos. Verifica-se a outorga de tratamento diferenciado à tutela cole-tiva dos interesses individuais homogêneos, da defesa dos interesses di-fusos e coletivos, para efeito de controle difuso de constitucionalidade.

Para um melhor posicionamento a respeito do controle difuso de cons-titucionalidade no bojo da ação civil pública é de suma importância anali-sar o pedido principal e a causa de pedir — questão prejudicial — da açãocivil pública.

Na ação civil pública o pedido principal resume-se na tutela de uminteresse metaindividual, podendo ter como causa de pedir a declaraçãode inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, que se configura comoquestão prejudicial a ser decidida na motivação da sentença.

Assim, na ação civil pública, a inconstitucionalidade pode ser invoca-da como fundamento, como causa de pedir, constituindo questão prejudi-cial ao julgamento do mérito. Na ação civil pública, a constitucionalidade équestão prévia (decidida antes do mérito da ação principal) que influi nadecisão sobre o pedido referente à tutela do interesse metaindividual. Édecidida incidenter tantum, como premissa necessária à conclusão da partedispositiva da sentença.

Ora, os limites objetivos da coisa julgada, no âmbito da defesa dosinteresses metaindividuais, serão aqueles mesmos limites já definidos pelalei e pela doutrina para o processo tradicional, ou seja, a coisa julgadasomente recai sobre o pedido principal, não atingindo, portanto, os moti-vos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositivada sentença; a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sen-tença, bem como a apreciação da questão prejudicial, decidida incidente-mente no processo. Desse modo, nada obsta que a questão constitucionalvolte a ser discutida em outras ações com pedidos e/ou partes diversas.

Nesse sentido, é cristalina a legislação processual civil, in verbis:“Art. 469. Não fazem coisa julgada: (...) III — a apreciação da questãoprejudicial, decidida incidentemente no processo”.

Dessa forma, a ação civil pública, ao tutelar a proteção de um deter-minado interesse metaindividual, no caso concreto, pode ter como ques-

(13) Conf., STF, Diário da Justiça, 26.nov.1997.

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tão prejudicial a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normati-vo, fundamento esse que não sofrerá os efeitos da coisa julgada material.O limite objetivo da coisa julgada é restrito à parte dispositiva do decisum,e não a eventuais questões prejudiciais ou outras questões apreciadas namotivação da sentença.

Explicitando a questão, Hugo Nigro Mazzili salienta:

“Assim como ocorre em ações populares e mandados de segu-rança, ou em qualquer outra ação cível, a inconstitucionalidade de umato normativo pode ser causa de pedir (não o próprio pedido) deuma ação civil pública ou coletiva das Leis ns. 7.347/85 ou 8.078/90.Assim, por exemplo, em face de aumento indevido de mensalidadesescolares, fundado em lei inconstitucional, nada impediria que o Mi-nistério Público ou qualquer co-legitimado pedissem tutela coletivapara buscar a repetição do indébito, e, para tanto, estariam agindoem benefício do grupo, classe ou categoria de pessoas lesadas. Ouainda, supondo tenha sido lançado, cobrado e arrecadado um im-posto inconstitucional, da mesma forma nada deveria impedir o ajui-zamento de ação civil pública ou coletiva contra o Estado, em favordo correspondente grupo de pessoas, para buscar a devolução doque tivesse sido pago indevidamente, tendo como causa de pedir ainconstitucionalidade de norma tributária”.(14)

Nesse contexto, o Ministro Celso de Mello, na Reclamação n. 1.733/SP,admitiu que a apreciação da questão de inconstitucionalidade no bojo daação civil pública não faz coisa julgada e afirmou que a decisão do juizde primeiro grau não opera a exclusão da norma do sistema de direitopositivo. Na mencionada Reclamação consta a seguinte ementa:

“Ação Civil Pública. Controle Incidental de Constitucionalidade.Questão Prejudicial. Possibilidade. Inocorrência de usurpação dacompetência do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Fe-deral tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil públi-ca como instrumento idôneo de declaração incidental de constitucio-nalidade de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quandocontestados em face da Constituição da República, desde que, nes-se processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identifi-car-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simplesquestão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Pre-cedentes. Doutrina”.(15)

(14) A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interessesdifusos e coletivos, pp. 122/123.(15) Conf., STF, Diário da Justiça, 24.nov. 2000.

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No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça entendeu cabível adeclaração incidental de inconstitucionalidade em processo de ação civilpública, como se infere da ementa a seguir transcrita:

“Processual. Ação Civil Pública. Cancelamento de taxa ilegal.Legitimidade do Ministério Público. Declaração Incidente de Inconsti-tucionalidade. I — O Ministério Público está legitimado para o exercíciode ação civil pública, no objetivo de proibir a cobrança de taxa ilegal.II — É viável, em processo de ação civil pública, a declaração inci-dente de inconstitucionalidade”.(16)

Nesse contexto, os Tribunais têm admitido a declaração de inconsti-tucionalidade no âmbito da ação civil pública quando essencial ao deslindedo pedido principal.(17)

(16) Conf., Resp n. 109.013/MG, (REG. n. 96/0060645-5), Rel. Min. Humberto Gomes de Barros,Diário da Justiça, 25.ago. 1997.(17) “PROCESSUAL E CONSTITUCIONAL — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — TIP — CARÊNCIA AFAS-TADA — POSSIBILIDADE JURÍDICA QUE NÃO IMPLICA SUBSTITUIR A AÇÃO DIRETA DE IN-CONSTITUCIONALIDADE — MINISTÉRIO PÚBLICO LEGITIMADO À CAUSA — INOVAÇÃOLEGISLATIVA QUE NÃO PREJUDICA A LIDE — INCONSTITUCIONALIDADE DA TAXA DE ILU-MINAÇÃO PÚBLICA — PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS — Mudança legislativa no cursoda demanda sem inovação constitutiva, modificativa ou extintiva dos fatos, nada influi na possibi-lidade jurídica do pedido. Não se confundem ação direta de inconstitucionalidade e ação civilpública. Esta ‘tem por objeto a tutela de qualquer interesse de ordem pública e social, bem comotodos os direitos difusos e coletivos’. Aquela visa ao controle jurisdicional de constitucionalidadeda norma de modo abstrato, independentemente de litígio concreto. Ademais, a declaração inci-dental de inconstitucionalidade, mesmo na ação civil pública, não faz coisa julgada, que se res-tringe à parte dispositiva da sentença, CPC, art. 469. Não constituindo a iluminação pública ser-viço específico e divisível, não pode configurar fato gerador de taxa. Dizendo a Lei que a taxa temcomo fato gerador a utilização efetiva ou potencial de iluminação pública, incide em inconstitucio-nalidade, vulnerando o art. 145, II, da Carta Política” (TJSC, AC 44.272/SC, 3ª C.Cív., Rel. Des.Amaral e Silva. Diário da Justiça, 29.mar. 1994).“DIREITO CONSTITUCIONAL — CONSTITUCIONAL — DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIO-NALIDADE DE LEI EM SEDE DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA — QUESTÃO PREJUDICIAL — ADMIS-SIBILIDADE — LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO — COMPETÊNCIA — 1. Ao aplicar alei a um caso concreto, solucionando um litígio, incumbe ao órgão julgador aferir sua compatibili-dade aos ditames da Lei Maior, da qual deriva a validade das demais normas de um ordenamentojurídico, deixando de aplicar o que se eiva de vício de inconstitucionalidade, seja formal, sejamaterial. 2. No controle difuso, a declaração de inconstitucionalidade é deduzida na causa depedir, consubstanciando-se em questão prejudicial, da qual depende o desate da lide, não sendoalcançada pelos efeitos da coisa julgada. 3. Não se pode afastar o controle de constitucionalidadede uma lei, pelo critério difuso, no bojo de uma ação civil pública, vez que há casos em quesequer caberia o controle concentrado, subtraindo-se ao âmbito da apreciação do judiciário lesãoou ameaça a direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, o que significaria verdadeirarecusa de prestação jurisdicional. 4. Compete ao órgão do ministério público a defesa dos inte-resses coletivos, difusos e individuais homogêneos como paladino da moralidade administrativae do império da Constituição e da lei orgânica do distrito federal” (...) (TJDF, APC 5192399, 3ªT.Cív., Relª Desª Ana Maria Duarte Amarante, Diário da Justiça, 7.jun. 2000, p. 19).“REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — LEGITIMIDADE DOMINISTÉRIO PÚBLICO — INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS — DECLARAÇÃO DEINCONSTITUCIONALIDADE IN CONCRETO — IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA — O Minis-tério Público, por força do art. 129, III da CF e 81 e 82 do CDC, possui legitimidade para a proposi-

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Por oportuno, cumpre registrar, como já destacado, que a ação civilpública, disciplinada pela Lei n. 7.347, de 24.7.85, recebeu “status consti-tucional” no artigo 129 da Lei Magna de 1988, ao determinar que, entre asfunções institucionais do Ministério Público, se insere a de “promover oinquérito civil e a ação civil pública, para a proteção de patrimônio públicoe social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.Portanto, o “princípio da máxima efetividade” deve ser observado na inter-pretação da ação civil pública, como mecanismo de efetivação de direitosfundamentais.

No particular, pontua J. J. Gomes Canotilho:

“Este princípio, também designado por princípio da eficiênciaou princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguin-te maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentidoque maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação atodas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origemesteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (Tho-ma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais(no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheçamaior eficácia aos direitos fundamentais)”.(18)

Assim, deve-se buscar uma interpretação constitucional que reco-nheça à ação civil pública o seu relevante papel constitucional de instru-mento de proteção coletiva dos direitos fundamentais. Considerar que naação civil pública não pode ser tratado o controle de constitucionalidade,como questão prejudicial, é o mesmo que minimizar ou mesmo destruir aeficácia desse mecanismo de proteção de direitos fundamentais.

Diante do exposto, deve-se ressaltar a busca de uma interpretaçãoque não prejudique a utilização da ação civil pública na defesa dos direitoscoletivos, difusos e individuais homogêneos, nos termos da ConstituiçãoFederal, razão pela qual a ação civil pública, como toda ação ordinária,deve poder tratar do controle de constitucionalidade difuso.

O Supremo Tribunal Federal, dando a palavra final sobre o tema,entendeu que o controle difuso de lei ou ato normativo pode ser exercidoem sede de ação civil pública, conforme se infere da seguinte ementa:

tura de ação civil pública visando o resguardo de interesses individuais homogêneos. É pedidojuridicamente possível em ação civil pública a declaração de inconstitucionalidade in concreto delei municipal, pois traduz via de exceção de controle da constitucionalidade. Como pacífico emnossos tribunais, é ilegal a cobrança da taxa de iluminação pública por questões formais e intrín-secas do referido tributo e da natureza do serviço prestado, independente da nominação quepossua” (TJMT, RN-AC 1.638, Classe II — 27, Água Boa, 3ª C.Cív., Rel. Des. Munir Feguri, Diárioda Justiça, 5.ago. 1998).(18) Direito constitucional, p. 1.187.

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“Recurso Extraordinário. Ação civil pública. Ministério Público.Legitimidade. 2. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pú-blica para declarar a inconstitucionalidade de ato normativo munici-pal. 3. Entendimento desta Corte no sentido de que ‘nas ações cole-tivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade de declara-ção de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato norma-tivo federal ou local’. 4. Reconhecida a legitimidade do Ministério Pú-blico, em qualquer instância, de acordo com a respectiva jurisdição,a propor ação civil pública (CF, arts. 127 e 129, III). 5. Recurso extra-ordinário conhecido e provido para que se prossiga na ação civil pú-blica movida pelo Ministério Público”.(19)

4. CONCLUSÕES

Em nosso ordenamento pátrio, o controle de constitucionalidade e atutela coletiva dos interesses metaindividuais receberam tratamento espe-cial no Texto Constitucional de 1988. Assim, nada mais coerente do quevalorizar a utilização da ação civil pública como moderno instrumento paradefesa coletiva dos cidadãos, que se encontram na mesma situação jurídi-ca, contra leis ou atos normativos contrários à Constituição Federal, paraobter a solução uniforme aos interesses dos cidadãos.

Com efeito, a utilização da ação civil pública com o objetivo específi-co de obter a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,sem qualquer vinculação a uma hipótese concreta, é totalmente descabi-da, pois ela não é substituta da ação direta de inconstitucionalidade e acompetência para tal declaração é exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

No entanto, vislumbra-se a possibilidade da questão de inconstitu-cionalidade ser posicionada na ação civil pública como questão prejudicial,de exame necessário e prévio ao deslinde da tutela coletiva.

A ação civil pública, na tutela coletiva, congrega situações concretasa serem solucionadas, as quais necessitam, em determinadas oportunida-des, o exame prévio e incidental da questão de inconstitucionalidade de leiou ato normativo. Assim, vislumbra-se a definição das partes e a preten-são deduzida em juízo (bem jurídico concreto) que não se confunde com adeclaração de inconstitucionalidade.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal e os demais Tribunais,reconhecendo a importância do controle de constitucionalidade e o relevan-te papel constitucional de instrumento de proteção coletiva dos direitos fun-damentais, têm admitido a declaração de inconstitucionalidade no âmbitoda ação civil pública quando necessário ao deslinde do pedido principal.

(19) Conf. RE n. 227.159-4/GO, Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, 17.maio.2002.

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A FORMAÇÃO PROFISSIONAL E AAPRENDIZAGEM NO DIREITO COMPARADO:

ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES

Bernardo Leôncio Moura Coelho(*)

“La tecnología del ‘chip’, la microelectrónica, la información y las tele-comunicaciones han invadido todo y han transformado los límites mis-mos entre lo tradicionalmente llamado ‘industria’ y los ‘servicios’, yahora prometen invadir el ‘comercio’. Los cambios dramáticos que estoprovoca en las estructuras del empleo undudablemente son traumáticosen toda sociedad, especialmente en aquélla que no está preparada paraestas transformaciones tan rápidas” (Rafael Diez de Medina. Jóvenes yempleo en los noventa. Montevideo: Cinterfor, 2001, p. 52)

1. INTRODUÇÃO

Este estudo pretende abordar, de uma forma bem geral, a questãoda formação profissional e aprendizagem no direito comparado, buscandotrazer novas idéias e práticas de aplicação da aprendizagem e da forma-ção profissional em diversos países, objetivando introduzir temáticas dife-renciadas que podem ser adaptadas, visando à integração da legislação,contribuindo para a aplicação da legislação brasileira.

Para isso, a partir do conhecimento da legislação nacional, buscare-mos no Direito Comparado a análise quanto ao trabalho infantil, formaçãoprofissional e outras formas de aprendizagem, tentando localizar institutosque poderiam aprimorar nossa legislação.

Selecionamos para o nosso trabalho as disposições constantes daslegislações da União Européia, emanadas da Corte Européia e que norteiamas legislações daquele continente unificado, destacando-se aquelas da

(*) Procurador do Trabalho – MPT/PRT 15ª Região, Especialista em Interesses Difusos e Coleti-vos pela Escola Superior do Ministério Público, Mestre em Direito Constitucional pela Faculdadede Direito da UFMG, Docente da Escola Superior do Ministério Público da União.

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Alemanha, por sua singularidade e de Portugal, que acabou de apresentarum anteprojeto de lei de formação profissional e de reforma do código detrabalho, além da facilidade de pesquisa das normas, proporcionada pelalíngua comum.

Em nosso continente, ressaltaremos as disposições do Chile e daColômbia, países sul-americanos e que se encontram próximos ao Brasil.O primeiro pelo avanço econômico que vem demonstrando e o segundopela recente adoção de nova legislação para aprendizagem.

Ressaltamos que o presente trabalho não se constitui em pesquisaexaustiva quanto aos institutos, apenas uma primeira abordagem que temcomo objetivo trazer contribuições para o aperfeiçoamento de nossa legis-lação, buscando a tão sonhada proteção integral para nossas crianças eadolescentes.

2. UNIÃO EUROPÉIA

O artigo 150, do Tratado da Comunidade Européia dispõe que: “acomunidade desenvolve uma política da formação profissional que apóie ecomplete as ações dos Estados-Membros, respeitando plenamente a res-ponsabilidade dos Estados-Membros pelo conteúdo e pela organização daformação profissional”.

Saliente-se que o artigo 127 confere ao Conselho a responsabilidadede desenvolver uma política de formação profissional que apóie e completeas ações dos Estados-Membros.

Diversos documentos posteriores reafirmaram a importância da for-mação profissional, tendo o Conselho Europeu, de março de 2000, confe-rido à União Européia o objetivo estratégico de se tornar na sociedade doconhecimento mais competitiva e mais dinâmica do mundo e, o ConselhoEuropeu de 2002 reafirmando a importância desse papel.

Dentro desta atribuição, vários projetos foram desenvolvidos, poden-do-se destacar a criação do documento pessoal EUROPASS-Formação,recomendando-se um novo curriculum vitae europeu, que difere da maioriados demais pela importância que atribui à aprendizagem formal e informal.

A Recomendação n. 93/404/CEE do Conselho de 30 de junho de1993, sobre acesso à formação profissional contínua (publicada no JornalOficial L 181, de 23.7.1993), atenta para a aprendizagem ao concluir queapresenta um interesse comum às empresas, que encontram na formaçãoprofissional recursos de competitividade e de produtividade, recomendan-do o incentivo ao acesso e à participação dos jovens na formação profis-sional, de forma a realizar suas potencialidades e adquirir competênciaspara o presente e o futuro.

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A Diretiva n. 94/33, de 22 de junho de 1994, foi adotada no prolonga-mento dos §§ 20 e 22 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Funda-mentais dos Trabalhadores (1989), direitos que se referem à proteção dascrianças e adolescentes, ressalvando-se as regras mais favoráveis de cadaEstado-Membro.

O próprio artigo 16 estabelece uma cláusula de não regressão, esta-belecendo que a implementação da diretiva “não constitui uma justificaçãoválida para a regressão do nível geral de proteção dos jovens”.

A Diretiva não buscou, propriamente, a uniformização das regras decada Estado-Membro e sim a harmonização delas.

Considerando-se que a aprendizagem constitui-se uma modalidadede formação profissional, voltada especificamente para os adolescentes,foi editada a Comunicação da Comissão, de 18 de junho de 1997, quetrata do desenvolvimento da aprendizagem na Europa.

Neste documento são analisadas as numerosas e variadas formasde aprendizagem na Europa, decorrentes dos respectivos estatutos e im-portância nos sistemas de educação e formação nos Estados-Membros.Verificou-se, por exemplo, que na Alemanha o número de aprendizes é,proporcionalmente, vinte vezes superior ao da Bélgica e que, através deestudo sobre “O papel da aprendizagem na criação de empregos”, o de-semprego tende a ser inferior à média para os jovens que terminaram comsucesso os seus cursos.

O Conselho da União Européia tem se debruçado sobre a questãoda formação profissional e aprendizagem, com a edição de várias resolu-ções, sustentando a cooperação entre os Estados-Membros para que aaprendizagem formal e não-formal prossiga numa perspectiva de apren-dizagem ao longo da vida.

Com o intuito de desenvolver uma aprendizagem mais eficaz e dequalidade na Europa, no respeito do princípio da subsidiariedade, a Co-missão propôs cinco pistas para os Estados-Membros:

Pista n. 1: Intensificar e desenvolver novas formas de aprendiza-gem, aumentando a oferta (em particular nas PME), utilizando as no-vas tecnologias de ensino à distância (temática, internet) e intensifi-cando a formação em setores de crescimento e inovação tecnológica;

Pista n. 2: Melhorar a qualidade da aprendizagem, a fim de en-contrar o justo equilíbrio entre formação teórica e experiência de tra-balho, apostando na sua integração, e diminuir o fosso entre forma-ção inicial e formação contínua (permitindo que o indivíduo conservea sua aptidão para o emprego a longo prazo graças às competênciastransferíveis adquiridas e regularmente atualizadas);

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Pista n. 3: Encorajar a mobilidade dos aprendizes, facilitando oreconhecimento dos estágios efetuados noutros Estados-Membros;conferir uma dimensão européia à aprendizagem, de modo que oindivíduo possa beneficiar-se plenamente das oportunidades propi-ciadas pelo mercado único e pela globalização da economia;

Pista n. 4: Envolver os parceiros sociais para obter a maisvasta participação possível na elaboração da legislação, definiçãodo conteúdo da formação, seu acompanhamento e certificação, demodo a tornar o estatuto da aprendizagem mais atrativo e adaptá-vel à mudança;

Pista n. 5: Fomentar estratégias reais de aprendizagem, facili-tando o intercâmbio de boas práticas e proporcionando a todos osinteressados (responsáveis políticos, dirigentes, parceiros sociais,escolas, formadores, empresas), os indicadores que lhes permitamacompanhar o desenvolvimento da aprendizagem na Europa (com acriação eventual de um sistema de análise comparativa).

3. ALEMANHA

Na Alemanha, a doutrina majoritária entende que no contrato deaprendizagem, a relação gerada pela formação na empresa, conforme oartigo 3º, § 2º, da LFP, sem prejuízo da especialidade por seus propósitosde formação, deve ser reputada uma relação laboral, em todos os seusefeitos, tanto no plano individual como no coletivo. Em troca, à relaçãogerada pela instrução na escola, não se aplica o direito do trabalho, senãoas normas de aprendizagem dos respectivos estados.

A maioria dos jovens na Alemanha, após concluir a escola, aprendeum ofício reconhecido pelo Estado, pelo sistema dual de formação profis-sional. Trata-se, sobretudo, de jovens que têm um diploma da Haupt-schuleda Realschule. Mas muitos aprovados no exame do Abitur também sedecidem por uma qualificação deste tipo.

No sistema dual de formação profissional, adotado pela Alemanha,os ofícios a serem ministrados são determinados pela União, pelos Esta-dos e pelos parceiros sociais em estreita cooperação, atendendo ademanda do mercado de trabalho. A formação profissional pode durar dedois a três anos e meio, de acordo com o ofício escolhido, sendo que oconteúdo dos cursos tenta atender às exigências que, no futuro, o ofícioimporá aos formandos, preparando os aprendizes para o seu ingresso epermanência no mercado de trabalho. No curso do contrato de aprendiza-gem, os aprendizes recebem uma remuneração.

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O sistema dual distingue-se da formação profissional puramente es-colar, que é comum em muitos países, através de duas característicasbásicas:

a) a maior parte do aprendizado não ocorre na escola, mas sim noslocais de produção ou de prestação de serviços nas empresas, numa fir-ma, num escritório ou consultório de profissionais liberais ou no serviçopúblico. Ao mesmo tempo, o aprendiz é dispensado temporariamente dotrabalho para freqüentar uma escola profissionalizante. Os jovens passamtrês a quatro dias por semana na empresa, e freqüentam de um a doisdias a escola profissionalizante;

b) são dois os pilares da formação profissional: a empresa e a escolaprofissionalizante. Na Alemanha, são distintas as competências jurídicaspara os dois. Para a formação profissional na empresa vale o direito fede-ral, o setor escolar é da alçada dos Estados.

A formação nas empresas ocorre nas condições, nos estabelecimen-tos e com maquinário, correspondentes ao padrão atual da técnica aplica-da. Nas grandes empresas, ela se dá em oficinas próprias de aprendiza-gem e no local de trabalho. Nas empresas menores, os aprendizes sãoformados diretamente no local de trabalho. As empresas especializadasdemais para transmitir todos os conhecimentos necessários são apoiadaspor centros de formação profissional supra-empresariais. Além disto, eta-pas da formação profissional podem ficar a cargo de outras empresas.

A função das aulas nas escolas profissionalizantes é complementara formação profissional concedida pelas empresas (aulas de conteúdo es-pecífico) e aprofundá-la por meios teóricos, além de ampliar a cultura ge-ral dos jovens. Dois terços do programa escolar são consagrados às maté-rias específicas, enquanto um terço serve à formação geral. As leis esco-lares dos Estados alemães obrigam todos os aprendizes a freqüentarem aescola profissionalizante.

Segundo dados do Governo alemão, atualmente, cerca de 1,65 mi-lhões de jovens aprendem uma das 356 profissões reconhecidas. A de-manda por estas profissões no mercado de trabalho é, no entanto, bastan-te variada. As profissões preferidas pelos rapazes são: mecânico de auto-móveis, pintor e laqueador, carpinteiros ou eletricista, enquanto que asmoças preferem as profissões de secretária, comerciária, cabeleireira eassistente de médico.

Para que os jovens tenham a melhor formação profissional possívelé oferecida uma oferta ampla e variada dos postos de formação. Nosistema dual, o acesso à formação profissional é aberto a todos, semestar vinculado a um determinado diploma escolar. O sistema dual temcomprovado a sua efetividade na formação dos jovens especialistas e

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continua sendo ampliado e aperfeiçoado. Disto faz parte, em especial, odesenvolvimento de novos ramos de formação profissional em novos cam-pos de atuação e a modernização dos regulamentos educacionais nasprofissões já existentes. Devem continuar sendo criadas ofertas diferen-ciadas de formação, com novas chances para os jovens com menor oumaior desempenho.

Paralelamente à formação profissional no sistema dual, existem oscursos oferecidos pelas escolas profissionalizantes em tempo integral. Estassão, sobretudo, as escolas profissionais especializadas, freqüentadas porjovens que visam tanto preparar-se para a profissão quanto para uma for-mação profissional completa. Os cursos duram pelo menos um ano. A estacategoria pertencem as escolas especializadas dos setores comercial, deassistência social e de economia doméstica, além das pertencentes à áreade saúde. Um exemplo para o aperfeiçoamento profissional são as escolastécnicas, freqüentadas após um aprendizado completo e que permitem aespecialização em determinada área (como no caso da Technikerschule).

4. PORTUGAL

A Constituição de Portugal prescreve, em seu artigo 69, que as crian-ças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seudesenvolvimento contra todas as formas de abandono, de discriminação ede opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nasdemais instituições, proibindo o trabalho de menores em idade escolar.

Salvo em casos excepcionais, só podem ser admitidos a prestar tra-balho os menores que tenham completado 16 anos, tenham concluído aescolaridade obrigatória e disponham de capacidade física e psíquica ade-quada ao posto de trabalho, certificado por exame de saúde (artigos 122,123, 124, n. 1, alínea a, do Regime Jurídico do Contrato Individual deTrabalho).

A Lei de Proteção a Crianças e Jovens em Perigo (Lei n. 147, de 1ºde outubro de 1999) considera que a criança ou o jovem está em perigoquando se encontra “obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou ina-dequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à suaformação ou desenvolvimento”.

O Anteprojeto do novo Código do Trabalho prevê no artigo 53, quetrata da formação profissional, que o Estado deve proporcionar aos meno-res que tenham concluído a escolaridade obrigatória a formação profissio-nal adequada à sua preparação para a vida ativa (artigo 53, n. 1). Determi-na, ainda, que o empregador deve assegurar a formação profissional domenor ao seu serviço, podendo solicitar a colaboração dos organismos com-petentes sempre que não disponha de meios para fazê-lo (artigo 53, n. 2).

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Ainda no Anteprojeto, o artigo 55 estipula as regras para a admis-são daqueles menores de dezesseis anos que tenham concluído a esco-laridade obrigatória, mas que não possuam qualificação profissional, bemcomo daqueles que tenham completado a idade mínima para admissão,sem terem concluído a escolaridade obrigatória ou que não possuamqualificação profissional.

Neste aspecto importa-se salientar as disposições constantes do in-ciso a, que determina a freqüência destes à modalidade de educação ouformação que confira a escolaridade obrigatória e uma qualificação profis-sional, se não houve concluído aquela, ou uma qualificação profissional,se concluiu a escolaridade, e a do inciso “c”, estipulando que o períodonormal de trabalho inclua uma parte reservada à formação corresponden-te a pelo menos quarenta por cento do limite máximo estabelecido na lei,possibilitando a sua formação.

A Lei de Bases do Sistema Educativo, em seus artigos 16, n. 1 (alí-nea ‘b’) e 19, se refere à formação profissional como uma modalidadeespecial de educação escolar.

A formação profissional visa, além de complementar a preparaçãopara a vida ativa iniciada no ensino básico, a uma integração dinâmica nomundo do trabalho pela aquisição de conhecimentos e de competênciasprofissionais.

Têm acesso à formação profissional aqueles que tenham concluídoa escolaridade obrigatória e os que não concluíram a escolaridade obriga-tória até os 15 anos de idade.

O funcionamento dos cursos de formação profissional pode ser rea-lizado segundo formas institucionais diversificadas, com a utilização deescolas, protocolos com empresas, autarquias ou de apoio a instituiçõespúblicas e privadas.

São vários os programas destinados à formação profissional, salien-tando-se o Programa Sub 21, destinado aos jovens dos 15 aos 20 anosinscritos nos Centros de Emprego, que não concluíram o 3º ciclo do ensinobásico ou que, tendo-o completado, não concluíram o ensino secundário,englobando o Sistema de Aprendizagem, os Cursos de Educação e For-mação, a Qualificação Inicial e a Formação Profissional.

O Sistema de Aprendizagem, que tem como base legal o Decreto-lein. 205/96, o Despacho n. 7.699/99, o Decreto-Regulamentar n. 15/96, oDespacho n. 760/97 e o Despacho Normativo n. 53-A/96, tem como objeti-vo a preparação de saídas profissionais específicas, conferindo uma qua-lificação profissional e garantindo uma equivalência escolar, destinando-se aos jovens com mais de 15 anos e que, preferencialmente, não tenhamultrapassado os 25 anos de idade.

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O sistema consiste numa formação polivalente, com base num pro-cesso formativo integrado, assentado em 3 componentes: sociocultural,científico-tecnológica e prática, no qual há uma celebração de contrato deformação entre o formando e as entidades formadoras, com a emissãode um certificado de qualificação profissional, que corresponde a uma equi-valência escolar. Durante o processo formativo há uma alternância entre aentidade formadora, onde ocorre a formação sociocultural, científico-tec-nológico e a entidade de apoio à alternância onde se realiza a formaçãoprática em contexto de trabalho.

Durante o processo o formando recebe uma bolsa, no valor de 15%do salário mínimo, e apoio à formação em contexto de trabalho consisten-te no subsídio da alimentação, do alojamento, despesas com transporte ecom a guarda de pessoas dependentes.

A legislação em vigor explicita algumas regras para a validade doajuste, determinando a necessidade de que o contrato e suas prorroga-ções sejam registradas na correspondente oficina de emprego, a exemplodo que ocorre na Espanha (Real Decreto n. 2.317/93, artigo 15.2), ondehá necessidade de visto prévio ao registro.

5. CHILE

No Chile, o contrato de aprendizagem encontra-se no Livro I, TítuloII, Capítulo I, do seu Código do Trabalho, caracterizando-se como um con-trato de trabalho, sendo definido como “a convenção em virtude da qualum empregador se obriga a compartir a um aprendiz, por si ou através de umterceiro, em um tempo e condições determinadas, os conhecimentos ehabilidades de um ofício qualificado, segundo um programa estabelecido,e o aprendiz a cumpri-lo e a trabalhar mediante uma remuneração acerta-da” (artigo 78).

O contrato de aprendizagem somente poderá ser celebrado pelostrabalhadores menores de vinte e um anos de idade (artigo 79) e a remu-neração devida durante o pacto de aprendizagem será livremente estabe-lecida entre as partes, não se lhes aplicando a disposição contida no inci-so III, do artigo 44 (artigo 81).

O Estatuto de Capacitação e Emprego do Chile de 1989, artigos 26 eseguintes, regulamentado pelo Decreto n. 146/1989, favorece o direito àformação com a concessão de bolsas e de ajudas financeiras para pes-soas em formação.

A vigência do contrato de aprendizagem será até o término do planode aprendizagem, não podendo exceder o período de dois anos (artigo 84).

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Por expressa determinação, exige-se a expressa indicação do planode formação a ser desenvolvido pelo aprendiz, atendendo à finalidade deformação deste contrato de trabalho.

As obrigações dos empregados são enumeradas no artigo 83, sendoque a sua duração é dependente do plano de formação adotado.

6. COLÔMBIA

A Colômbia alterou recentemente a legislação referente ao contratode aprendizagem através da Lei n. 789, de 2002, regulamentada pelo De-creto n. 933, de 11 de abril de 2003, merecendo a nossa atenção para asua regulamentação.

O contrato de aprendizagem é concebido como uma forma especialde vinculação, não se constituindo em contrato de trabalho. Sua duraçãonão poderá exceder de dois anos e, por não se constituir como um contra-to de trabalho, não há necessidade de autorização para trabalhar (artigo1º, do Decreto n. 933).

É caracterizado como um contrato formal, respeitando-se o aspectoescrito, tendo a legislação apresentado as informações consideradas comomínimo indispensável para sua configuração, sendo importante salientar aobrigatoriedade de conter o ofício, atividade ou ocupação objeto da rela-ção de aprendizagem, bem como seu programa (artigo 2º).

A forma escrita do contrato de aprendizagem é uma exigência quefigura tradicionalmente em legislações como as da União Européia eque inclusive, em caso de silêncio da lei, pode ser suprida pela jurispru-dência dos tribunais do trabalho.

Fixou-se a idade mínima para admissão à aprendizagem em 14 anos,desvinculando-se a aprendizagem da escola, ao permitir que pessoas quesaibam ler e escrever possam ser vinculados ao programa, sem a necessi-dade de comprovação de continuidade dos estudos (artigo 3º).

Os aprendizes terão direito ao recebimento de 50% (cinqüenta porcento) ou 75% (setenta e cinco por cento) do salário mínimo mensal,dependendo da etapa acadêmica em que se encontrem, revogando anorma anterior que determinava o pagamento de um salário mínimo men-sal a eles.

Para o cumprimento e vinculação dos aprendizes, a empresa poderáoptar entre duas modalidades de contrato de aprendizagem (artigo 6º).

A primeira modalidade consiste na formação teórica e prática deaprendizes em ofícios semiqualificados em que predominem procedimen-tos claramente definidos a partir de instruções específicas, quando as exi-

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gências de educação formal e experiência sejam mínimas e se orientem ajovens das camadas mais pobres da população que carecem ou detêmbaixo nível de educação formal e experiência.

A segunda modalidade consiste na formação que versa sobre ocupa-ções semiqualificadas que não requerem título de formação técnica não-formal, técnicos profissionais ou tecnológicos, de instituições de educaçãoreconhecidas pelo Estado e trabalhadores aprendizes do Serviço Nacionalde Aprendizagem — SENA.

Permite-se a formação direta do aprendiz pela empresa, desde queautorizada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem — SENA.

Estabelece-se, a priori, quais atividades não podem constituir-se emcontratos de aprendizagem (artigo 7º).

Adotou-se o sistema de cotas para admissão de aprendizes, na pro-porção de 1 (um) aprendiz para cada 20 (vinte) empregados, sendo que osempregados para prestação de serviços não são computados no cálculo eos empregados temporários são contados para suas respectivas empresas.A cota deverá ser cumprida no domicílio principal da empresa, sendo que oseu cálculo de determinação do número mínimo de aprendizes é definidapelo Serviço Nacional de Aprendizagem – SENA (artigo 11). Havendo co-bertura em duas ou mais cidades ou departamentos, a cota de aprendizespoderá ser distribuída, a critério da empresa e segundo suas necessidadese fazendo ênfase nos fins sociais da regulamentação da aprendizagem.

As empresas que têm entre 15 (quinze) e 20 (vinte) empregados es-tão obrigadas a contratar 1 (um) aprendiz e aquelas com menos de 15 (quin-ze) empregados podem contratar, de maneira voluntária, 1 (um) aprendiz.

O Serviço Nacional de Aprendizagem — SENA efetuará o reconheci-mento dos cursos e programas de formação e capacitação dos estabele-cimentos especializados ou instituições educativas reconhecidas pelo Es-tado, bem como autorizará as empresas que promovam os cursos ou pro-gramas de formação e capacitação (artigo 15).

7. CONCLUSÕES

A utilização do Direito Comparado como forma de integração dasnormas nacionais poderá trazer bons resultados, desde que observadasas peculiaridades nacionais e o respeito à Constituição Federal, por forçado princípio da hierarquia das normas.

As legislações trazidas à colação, neste estudo, nos trazem algunsexemplos acerca da formação profissional, que envolve a qualificação erequalificação profissional e da aprendizagem que podem ser utilizadaspara aprimorar nossa legislação.

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As disposições emanadas do Conselho Europeu podem trazer valio-sas colaborações para a implementação da aprendizagem dentro do Mer-cosul, que se encontra em fase bem menos desenvolvida, trazendo asexperiências benéficas, que denotam a importância com a formação pro-fissional dos adolescentes.

A Alemanha, com seu sistema dual copiado no mundo inteiro, quesegue uma diretriz diversa da brasileira, mas que aponta um sucesso inco-mum e duradouro de sua aprendizagem, vinculada a funções específicas.

Portugal nos traz uma gama de programas voltados à formação pro-fissional, destacado-se o Programa Sub 21, destinado aos jovens dos 15aos 20 anos, englobando o Sistema de Aprendizagem, os Cursos de Edu-cação e Formação, a Qualificação Inicial e a Formação Profissional.

Da mesma forma, há exemplos que nos servem de alerta para quenão desqualifiquemos a aprendizagem ou mesmo a precarizemos, oque não constitui objetivo de um país que introduziu, de forma pioneira, aDoutrina da Proteção Integral em sua Constituição Federal.

No Chile, a aprendizagem atinge as pessoas com até 21 anos, nãohavendo fixação de um piso salarial, como no caso brasileiro.

Na Colômbia temos que a aprendizagem não se constitui em contratode trabalho, deslocando-se da tendência mundial de tratar o tema comouma forma especial de contratação. Também, desvinculou a aprendizagem daescola, ao permitir que pessoas que saibam ler e escrever possam ser vin-culados ao programa, sem a necessidade de comprovação de continuidadedos estudos, o que, no nosso entender, também constitui um retrocesso.

Outros exemplos poderiam ser dados, como a formação efetuadapor meio de videoconferências, para aquelas localidades em que não háórgãos ou entidades capazes de promover a aprendizagem, ou a forma-ção do adolescente em blocos estanques, possibilitando-o pausar a suaformação de acordo com sua necessidade.

São experiências ricas, algumas demonstrando avanços, outras de-monstrando retrocessos com relação à proteção tuitiva destinada aos ado-lescentes, mas que podem colaborar sobremaneira na aplicação de nossalegislação, calcada sempre na opção brasileira de seguir a Doutrina daProteção Integral.

Recentemente, através da Medida Provisória n. 251, de 14 de junhode 2005, alterou-se a redação do artigo 428, da Consolidação das Leis doTrabalho, para permitir que o contrato de aprendizagem seja firmado atéos vinte e quatro anos, verbis:

Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalhoespecial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o

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empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e me-nor de vinte e quatro anos, inscrito em programa de aprendizagem,formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu de-senvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executarcom zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.

Não vislumbro a necessidade premente para que a alteração tenhasido efetuada via medida provisória, prática comum no nosso governo detrabalhadores, nem mesmo a viabilidade prática de tal adoção.

Resta-nos, apenas, aguardar a tramitação da nova legislação e suaaprovação pelo Congresso Nacional.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEMANHA. DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E INFORMAÇÃO DO GO-VERNO FEDERAL. Perfil da Alemanha. Societäts-Verlag: Frankfurt/Meno,2000.

BARBAGELATA, Héctor-Hugo. Formación y legislación del trabajo: tenden-cias de les recientes legislaciones sobre formación profesional. Montevideo:Cintefor, 1996.

COELHO, Bernardo Leôncio Moura. “As alterações no contrato de apren-dizagem: considerações sobre a Lei n. 10.097/2000”. Revista de Informa-ção Legislativa. Brasília, Senado Federal. Ano 38, n. 150, abril/junho, 2001.

DIEZ DE MEDINA, Rafael. Jóvenes y empleo en los noventa. Montevideo:Cinterfor, 2001.

PORTUGAL. MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE. Guiade Legislação e Recursos sobre Trabalho Infantil. Lisboa: Ministério do Tra-balho e da Solidariedade, 1999.

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A NOVA COMPETÊNCIA MATERIAL EHIERÁRQUICA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

PARA APRECIAR CONFLITOS DECORRENTESDO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE.

BREVES ANOTAÇÕES, COM DESTAQUE PARAAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Cássio Casagrande*

A reforma do Judiciário ampliou de modo considerável a competên-cia da Justiça do Trabalho para apreciar o fenômeno da greve. Embora aConstituição de 88 tenha assegurado de forma ampla o direito de greve(arts. 9º e 37, VI), não cuidou especialmente sobre a competência jurisdi-cional para apreciar os conflitos derivados do exercício daquele direito. Écerto que, desde muito tempo, esta questão se insere na competênciamaterial da Justiça do Trabalho, na medida em que lhe vem sendo reco-nhecida desde a Constituição de 1946 (art. 123) julgar os dissídios coleti-vos, incluídos os chamados “dissídios de greve”, conforme se depreendedo art. 678, inc. I, a, da CLT.

Observe-se desde logo, no entanto, que o processamento e julga-mento, pela Justiça do Trabalho, dos conflitos decorrentes de greve,estavam necessariamente jungidos ao exercício do poder normativopelos Tribunais. Isto significa dizer que a Justiça do Trabalho só exami-nava o fenômeno da greve no âmbito de um dissídio coletivo, no qualseria proferida sentença normativa que se destinaria a julgar os limitesem que o direito foi exercido (abusividade ou não-abusividade da gre-ve), a regular a repercussão da greve sobre os contratos individuais detrabalho (pagamento ou não dos dias parados) e a examinar a preten-são dos trabalhadores.

(*) Procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro.

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No entanto, um dos principais aspectos relacionados ao direito degreve (diríamos o mais relevante do ponto de vista constitucional), que é aliberdade de seu exercício, escapava à tradicional competência normativados tribunais trabalhistas. Isto porque, historicamente, o poder normativoe o processo de dissídio coletivo foram criados para “conter” as agitaçõestrabalhistas do início do século XX e não, é claro, para garantir o seu livreexercício. Tanto assim é que a competência originária atribuída aos tribu-nais nesta matéria decorreu essencialmente da natureza política destaatividade jurisdicional, sendo óbvio que, pelo sistema republicano de freiose contrapesos, o poder executivo poderia influir de forma mais eficaz pe-rante as cortes do que perante o primeiro grau de jurisdição.(1)

Em resumo, tradicionalmente a Justiça do Trabalho só examinava agreve como fenômeno jurídico quando fosse provocada para apreciara questão no bojo do dissídio coletivo. Mas a greve, em todas as suas reper-cussões jurídicas, não se adstringe ao seu “mérito” (ou seja, à justiça dareivindicação) nem à sua forma (questão da abusividade ou não-abusivi-dade), e nem, muito menos, às suas conseqüências para o contrato indi-vidual. A greve, como um fenômeno social e político de natureza essencial-mente coletiva, envolve basicamente o exercício de um direito constitucio-nal pelos trabalhadores (art. 9º, da Constituição da República).

O novo inciso II do art. 114 agora estabelece competir à Justiça doTrabalho “as ações que envolvam o exercício do direito de greve”. Portan-to, a partir de agora, o fenômeno da greve não mais será analisado unica-mente sob o prisma do poder normativo da Justiça do Trabalho, mas envol-verá todo e qualquer fato atinente ao direito de greve, o que, em nossapercepção, repercutirá na restrição da competência funcional dos TRTs,através de suas seções especializadas, tendo em conta que as hipótesesde cabimento dos dissídios coletivos foram severamente restringidas, comose verá adiante.

Assim, nesta nova competência, além daquela tradicional já mencio-nada acima, decorrente do poder normativo, devem ser incluídas asseguintes controvérsias: a) a liberdade do direito de greve (incluindo a re-pressão a atos anti-sindicais que importem em restrição ao direito de gre-ve), b) as ações decorrentes do exercício abusivo do direito de greve (tute-la preventiva e reparatória), incluindo-se as de natureza mandamental, in-denizatória e possessória decorrentes da paralisação coletiva.

a) conflitos relativos à liberdade do exercício do direito de greve

Com a nova redação do art. 114, inc. II, os sindicatos e o MinistérioPúblico do Trabalho podem ajuizar ações cujo objeto seja assegurar o livre

(1) O papel político que os TRTs e o TST exerciam no controle das agitações operárias era tãoflagrante que o art. 856 da CLT chegava ao ponto de admitir o ajuizamento do dissídio coletivo deofício, pelo Presidente do Tribunal, em clara afronta ao princípio dispositivo do direito processual.Este dispositivo não foi recepcionado pela Carta Democrática de 88.

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exercício do direito de greve. Nesta hipótese, o sindicato, como autor, podeestar defendendo direito próprio à organização do movimento paredista(como o direito à distribuição dentro da empresa de um jornalzinhoconclamando os empregados à paralisação, ou, ainda, o direito à organi-zação de uma assembléia no pátio da empresa ou em suas adjacências),ou agir como substituto processual dos trabalhadores que representa, paraassegurar a estes o direito de livre adesão à greve (pedindo, por exemplo,que o empregador seja coibido de ameaçar os grevistas com o desliga-mento, ou com desconto de dias parados). O Ministério Público tambémestá legitimado nestas mesmas hipóteses, porém no primeiro caso nãodefende interesse próprio, mas da coletividade representada pelo sindica-to (interesses coletivos em sentido estrito, CDC, art. 81, II) e no segundocaso, os interesses individuais homogêneos dos trabalhadores grevistas(CDC, art. 81, III).

Nestas ações podem ser incluídas todas e quaisquer situaçõesprovocadas pelo empregador, passíveis de serem caracterizadas como atosanti-sindicais e que, além das mencionadas ameaças aos trabalhadores,importem em restrição à organização da greve (como por exemplo obstaro acesso de dirigentes sindicais aos trabalhadores, contratar trabalhado-res temporários para substituir grevistas, ou, ainda, impedir a participaçãoindividual dos trabalhadores na parede, seja através de ameaças, retalia-ções ou promessas de aumento salarial)(2).

Observe-se que em todos estes casos pode haver greve sem quehaja o exercício do poder normativo. Ou seja, os conflitos sociais acimadescritos podem ocorrer sem que haja, necessariamente, pedido para queo Tribunal Regional do Trabalho resolva o conflito através de uma sentençanormativa. Isto porque nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 114, na redaçãodada pela Emenda Constitucional n. 45, o dissídio coletivo só poderá serinstaurado se: a) houver pedido de ambas as partes; b) se o MinistérioPúblico do Trabalho ajuizá-lo em decorrência de paralisação em atividadeessencial, com possibilidade de lesão do interesse público. Portanto, so-mente nestas restritas hipóteses é que o TRT terá competência funcionalpara apreciar a greve. No mesmo sentido é a opinião abalizada de Rai-mundo Simão de Melo: “Observa-se do exposto duas importantes altera-ções no que diz respeito ao poder normativo: primeiro, que somente pode-rá ser usado para os dissídios de natureza econômica, quando instaurado

(2) Vejam-se a esse respeito os seguintes dispositivos da lei de greve (Lei n. 7.783/89): “Art. 6ºSão assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I — o emprego de meios pacíficos tenden-tes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve; II — a arrecadação de fundos e alivre divulgação do movimento.(...) § 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger oempregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do mo-vimento”. Ainda nesta linha, o parágrafo único do art. 7º: “É vedada a rescisão de contrato detrabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocor-rência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14”.

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de comum acordo pelas partes envolvidas no conflito; nos dissídios degreve, em atividades essenciais, com possibilidade de lesão ao interessepúblico, caberá apenas ao Ministério Público do Trabalho ajuizar o dissídiocoletivo. Em se tratando de greve em atividades não essenciais, não cabea instauração de dissídio por quem quer que seja, ficando, portanto, veda-do o poder normativo nessa seara de conflitos” (grifamos).(3)

Assim, afora o excepcional exercício do poder normativo, todas asdemais questões atinentes à liberdade de exercício do direito de grevedevem ser decididas em primeiro grau de jurisdição, através das açõescoletivas já referidas, sem prejuízo de ações individuais para se discutir arepercussão da greve em cada contrato de trabalho ou, até mesmo, a li-berdade individual do trabalhador grevista. Neste caso merece atençãouma hipótese que, embora rara, já se verificou em algumas oportunida-des. Trata-se da situação em que o empregador restringe a liberdade de ire vir do trabalhador que acaba permanecendo “confinado” dentro do esta-belecimento empresarial.

Esta situação (absurda, diga-se) já foi registrada pelo Ministério Pú-blico do Trabalho em ao menos dois casos, e normalmente ocorre quandoa paralisação dos trabalhadores importa em “prejuízo irreparável, pela de-terioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos” (Lei de Greve,art. 9º). Ou seja, quando o abandono das instalações empresarias pelosempregados resulta em perda dos meios de produção. Neste caso, haven-do restrição à liberdade individual do trabalhador por ato do empregador, éinduvidosa a competência da Justiça do Trabalho, nos termos do novel art.114, inc. II, da Constituição da República. Importa saber, no entanto, qualo meio processual adequado, inclusive para fins de definição da compe-tência funcional.

Inicialmente, cabe indagar sobre o cabimento, no caso, do habeas cor-pus. Muito embora a jurisprudência anterior à EC n. 45 seja restritiva à admis-sibilidade do habeas corpus na Justiça do Trabalho em caso como esse, coma nova redação do art. 114, inc. IV não há mais qualquer dúvida sobre apossibilidade de manejo daquele remédio constitucional na Justiça laboral.

Restaria examinar o problema sob o ângulo do cabimento do habeascorpus no caso, tendo em conta que na hipótese o ato de restrição à liber-dade de locomoção é praticado por particular e não por autoridade. O temaé bastante conhecido pela doutrina constitucional e processual, prevale-cendo dentre os doutrinadores a corrente que entende pela admissibilidadedo remédio em face de ato de particular, o que viabiliza o habeas corpusem casos tais.(4)

(3) MELLO, Raimundo Simão. Dissídio Coletivo de Greve. São Paulo: LTr, 2002, p. 55.(4) Um resumo do dissenso doutrinário pode ser encontrado em BARROSO, Luis Roberto. ODireito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 7ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, p. 185.

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b) conflitos relativos ao exercício abusivo do direito de greve

Outra modificação relevante trazida pela EC n. 45 diz respeito aosefeitos da greve, notadamente no caso de seu exercício abusivo. Como ésabido, o § 2º do art. 9º da Constituição estabelece que os abusos come-tidos durante a greve “sujeitam os responsáveis às penas da lei”. Anterior-mente à alteração do art. 114 da Constituição, não raro os empregadoresvinham acionando as entidades sindicais na Justiça Comum para pleitearindenização ou medidas inibitórias ao exercício abusivo do direito de gre-ve(5). Em nosso entendimento, este tipo de demanda passou definitivamenteà competência da Justiça do Trabalho. Primeiramente, porque é o que sedepreende literalmente da redação do inc. II do art. 114. Percebe-se que oreformador utilizou a expressão “ações que envolvam exercício do direitode greve” e não “ações que envolvam o direito de greve”. Em segundolugar, porque o inc. VI do mesmo art. 114 atribuiu à Justiça do Trabalho “asações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da rela-ção de trabalho”. Portanto, a interpretação sistemática dos dois incisosreferidos está a indicar que as ações de indenização (ou seja, reparatórias)por danos materiais ou morais decorrentes do exercício do direito de greve(relação coletiva de trabalho) devem ser julgadas pelos Juízes do Trabalhode primeiro grau.

Neste mesmo diapasão, parece claro que as ações possessóriasdecorrentes do movimento paredista devem seguir o mesmo destino. Ob-serve-se que anteriormente a EC n. 45, já se conhecia doutrina e jurispru-dência que inseriam na competência da Justiça do Trabalho tais açõespossessórias.(6) Não obstante, era comum o ajuizamento perante a JustiçaComum, pelos empregadores, de ações de interdito proibitório (para seevitar piquetes dentro ou na porta da empresa) ou de manutenção e rein-tegração de posse (nas chamadas “greves de ocupação”). Agora, com aEC n. 45, fica fora de qualquer dúvida que este tipo de ação só pode serproposta na Justiça do Trabalho, até porque, efetivamente, o conflitosubjacente à questão possessória, neste caso, é de direito do trabalho enão de direito civil(7). Ou seja, quando os trabalhadores tomam posse debem imóvel (ou o turbam) da empresa não o fazem com o intuito de exer-cer direitos reais, mas sim como forma de pressionar temporariamentepelo atendimento de suas reivindicações sociais.

(5) A própria jurisprudência do TST parecia limitar a competência da Justiça do Trabalho nestamatéria a simples declaração da abusividade do movimento grevista, sem ir além desta questão,conforme Súmula n. 189: “Greve — Competência da Justiça do Trabalho — Abusividade — AJustiça do Trabalho é competente para declarar a abusividade, ou não, da greve”.(6) Ver DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994.(7) Seja como for, é conhecido o entendimento do STF segundo o qual não importa que o direitoinvocado na ação seja o direito civil, pois o que fixa a definição da competência da Justiça doTrabalho é a natureza trabalhista da relação jurídica havida entre as partes, excluídos apenas oscasos de acidente de trabalho.

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Observe-se, ainda quanto aos efeitos decorrentes do exercício degreve, que foi alçado ao nível constitucional a legitimação do MinistérioPúblico do Trabalho para ajuizar dissídio coletivo em caso de greve ematividade essencial, com possibilidade de lesão ao interesse público. Estaprevisão, todavia, já se encontrava na legislação ordinária preexistente àEC n. 45, conforme se dessume dos arts. 8º da Lei n. 7.783/89 e 83, inc.VIII, da LC n. 75/93.

Aparentemente, haveria uma contradição entre o que foi sustentadoanteriormente em termos de competência funcional e esta legitimação doMinistério Público para o ajuizamento do dissídio coletivo. Como dissemosum pouco antes, em regra todas as ações que cuidam do exercício dodireito de greve devem ser processadas em primeiro grau de jurisdição, jáque não há necessariamente uma vinculação entre poder normativo e oacesso às garantias constitucionais para o exercício da greve. Por estarazão, entendemos que quando houver conflito sobre o abuso do exercíciodo direito de greve, a ação respectiva deve ser processada perante asVaras do Trabalho. Como conseqüência lógica deste raciocínio, a ação queviesse a ser ajuizada pelo Ministério Público, sobre o mesmo tema, tam-bém deveria ser promovida perante o primeiro grau de jurisdição. Estaconclusão, aliás, decorre não apenas do imperativo lógico, mas tambémde outros dispositivos da Constituição e da lei ordinária. Não podemosperder de vista que o fundamento constitucional para se outorgar ao Mi-nistério Público a repressão às greves em atividades essenciais que vio-lem o interesse público decorre antes de mais nada do art. 129, inc. III,que atribui ao parquet a defesa dos interesses difusos e coletivos dasociedade, que induvidosamente são malferidos com a greve em atividadeessencial e sem observância aos requisitos legais. Para a defesa destesinteresses difusos (por exemplo, direito dos usuários do metrô a um aten-dimento mínimo), o Ministério Público pode se valer da ação civil pública,disciplinada pelas Leis ns. 7.347/85 e 8.078/90.

Então é o caso de se indagar: para coibir a greve abusiva em ativida-des essenciais o Ministério Público deve necessariamente ajuizar o dissídiocoletivo perante o Tribunal Regional do Trabalho? Ou, alternativamente,poderia ajuizar uma ação civil pública perante o primeiro grau de jurisdi-ção, atendendo a regra da competência funcional fixada no art. 2º da Leida Ação Civil Pública (n. 7.347/85)?

A forma mais fácil (e errada) de responder a este problema seriainvocar a regra de interpretação segundo a qual “a norma especial preva-lece sobre a norma geral”, sustentando-se em seguida a preeminência doart. 114, § 3º sobre o art. 129, inc. III da Constituição; ou, em outras pala-vras, a aplicação da norma específica da Constituição relativa ao direitoprocessual do trabalho sobre a norma geral que cuida da ação civil públi-ca. No entanto, como nos ensina o sempre brilhante Luis Roberto Barroso

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em seu indispensável “Interpretação e Aplicação da Constituição”, as re-gras de hermenêutica tradicionais para a superação das contradições dalei ordinária são no mais das vezes inadequadas para a superação dasantinomias contidas no próprio corpo da Constituição. Havendo colisão denormas constitucionais, não se obtém o melhor resultado com a técnicada subsunção (exclusão de uma norma em favor de outra, que deve regerintegralmente a hipótese), mas sim através do método de ponderação dasnormas antinômicas em face das peculiaridades do caso em questão. Valedizer, é a circunstância do caso concreto que vai exigir a preponderânciade uma norma sobre a outra, sem invalidar esta última(8). Nesta linha deraciocínio podemos concluir que o Ministério Público pode ajuizar tanto odissídio coletivo perante o Tribunal Regional do Trabalho como uma açãocivil pública perante a Vara do Trabalho, dependendo da natureza do provi-mento que pretenda obter.

Quando o objetivo do parquet for unicamente a obtenção de umasentença declaratória da abusividade da greve em determinada atividadeessencial, o instrumento correto será o dissídio coletivo.

Se no entanto o Ministério Público buscar decisão condenatória emobrigação de fazer ou não fazer (suspensão do movimento paredista, manu-tenção de um número mínimo de trabalhadores) ou de dar/pagar (indeniza-ção à coletividade por meio de indenização a um fundo de defesa de inte-resses difusos — arts. 3º e 13 da Lei n. 7.347/85), o instrumento processualadequado é a ação civil pública, inclusive por disciplinar de forma especial atutela de urgência (cautelar e antecipatória, arts. 5º e 12 da Lei n. 7.347/85).

Não desconhecemos que, tradicionalmente, os Tribunais trabalhistastêm, no bojo do dissídio coletivo de greve, determinado providênciascominatórias aos sindicatos obreiros (retorno ao trabalho, manutenção deequipes mínimas). Porém, pensamos que este tipo de provimento é com-pletamente estranho à natureza do poder normativo, cujas decisões, doponto de vista doutrinário, não têm cunho condenatório em sentido estrito(tanto assim que suas sentenças demandam um novo processo de conhe-cimento para sua perfeição — as ações de cumprimento (CLT, art. 872,parágrafo único). Quando muito, as sentenças proferidas em dissídio pos-suem natureza constitutiva.

(8) “Na sua lógica unidirecional (premissa maior — premissa menor), a solução subsuntiva (...)somente poderia trabalhar com uma das normas, o que importaria na escolha de uma únicapremissa maior, descartando-se as demais. Tal fórmula, todavia, não seria constitucionalmenteadequada: por força do princípio instrumental da unidade da Constituição, o intérprete não podesimplesmente optar por uma norma e desprezar outra em tese também aplicável, como se hou-vesse hierarquia entre elas. Como conseqüência, a interpretação constitucional viu-se na contin-gência de desenvolver técnicas capazes de lidar com o fato de que a Constituição é um do-cumento dialético — que tutela valores e interesses potencialmente conflitantes — e que princí-pios nela consagrados freqüentemente entram em rota de colisão”. BARROSO, Luis Roberto(org.). A Nova Interpretação Constitucional — Ponderação, Direitos Fundamentais e RelaçõesPrivadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 345.

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Assim, nada obstaria que o Ministério Público ajuizasse ação civilpública para que o sindicato obreiro fosse condenado pelo dano à coletivi-dade e, incidentalmente, no mesmo feito, pedisse a declaração do caráterabusivo da greve. Ou ainda, poderia obter esta declaração em dissídiocoletivo no TRT ou TST e logo a seguir (ou mesmo concomitantemente)requerer as medidas preventivas ou reparatórias perante a Vara do Traba-lho. Observe-se, quanto a estas, que diante dos termos dos arts. 5º, inc.XXI e 129, § 1º, da Constituição, poderiam ser requeridas inclusive porassociações de usuários dos serviços essenciais, já que se trata de legiti-mação concorrente. Nessa linha de pensamento, parece-nos que deva serrevisto o Precedente Normativo n. 29 da SDC do TST: “GREVE. COMPE-TÊNCIA DOS TRIBUNAIS PARA DECLARÁ-LA ABUSIVA. Compete aosTribunais do Trabalho decidir sobre o abuso do direito de greve”. Ou seja,em nosso entendimento, esta competência não seria exclusiva do exercíciodo poder normativo e, portanto, poderia ser declarada incidentalmente emprimeiro grau de jurisdição.

Finalmente, a esse propósito da competência funcional para julga-mento das ações patrocinadas pelo Ministério Público na Justiça do Traba-lho, é conveniente lembrar que polêmica semelhante já foi suscitada emnossos tribunais com relação à adequação da legitimação do parquet paraquestionar a validade ou constitucionalidade de cláusulas normativas inse-ridas em acordos ou convenções coletivas de trabalho. Como é sabido, oart. 83, inc. IV, da LC n. 75/93 previu a possibilidade de ajuizamento, peloMinistério Público, de “ações cabíveis para declaração de nulidade de cláu-sula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liber-dades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dostrabalhadores”. Inicialmente, a jurisprudência trabalhista inclinou-se nosentido de que estas ações “anulatórias” deveriam ser propostas originari-amente perante os tribunais, tendo em conta sua competência normativapara cuidar da matéria. No entanto, posteriormente, passou-se a admitirno STF e no TST que esta atribuição do parquet pode ser manejada tantoatravés da ação anulatória perante as seções de dissídios coletivos dosTribunais (na qual o pedido e a decisão seriam meramente declaratórios),como também por meio da ação civil pública, com declaração incidental danulidade da cláusula e pedido condenatório de obrigação de fazer/não fa-zer ou dar/pagar(9).

Por derradeiro, quando o Ministério Público do Trabalho optar porajuizar dissídio coletivo de greve em atividades essenciais, parece claro

(9) No STF, ADIn n. 1.852-1-DF-TP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 21.11.03 (a questão em foco éabordada no voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence). No TST, há recente decisão nestesentido, TST-RR-33573-2002-900-02000-2, Relª Juíza Convocada Rosa Maria Weber Candiotada Rosa. Registre-se que no âmbito do Ministério Público do Trabalho vários membros sempredefenderam este ponto de vista, ajuizando tais ações em primeiro grau, como o Procurador doTrabalho no Rio de Janeiro, João Carlos Teixeira.

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que a atuação deve se limitar à declaração da abusividade do movimentode paralisação, não sendo razoável presumir que a legitimação, na hipóte-se, inclua a possibilidade de o parquet requerer o exercício integral dopoder normativo, com a apreciação sobre o conteúdo das reivindicaçõesdos grevistas, pois quanto a este interesse a legitimação é exclusiva dasentidades sindicais (arts. 8º, inc. III, 9º e 114, § 2º, da Constituição daRepública). Muito embora o § 3º do art. 114 determine que no caso dodissídio ajuizado pelo parquet competirá à Justiça do Trabalho “decidir oconflito”, não se pode perder de vista que o direito de ação do MinistérioPúblico, neste caso, é exercido nos limites do art. 127 da Constituição, ouseja, em defesa do interesse social e não propriamente da “categoria”.

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O COMUNITARISMO E AS SOLUÇÕES PARA OCOMBATE AO TRABALHO INFANTIL

Viviane Colucci(*)

A Constituição de 1988, de acordo com Cittadino, incorporou com-promissos comunitários ao, por exemplo, introduzir um exaustivo sistemade direitos compreendidos como “liberdades positivas”, onde sobressaemdiversos mecanismos de participação popular. Relata a autora que “osconstitucionalistas comunitários brasileiros compartilham com a jurispru-dência de valores alemã e com o comunitarismo norte-americano a idéiafundamental de que a Constituição traduz uma ‘ordem concreta de valores’partilhada pela comunidade que, através dos mais diversos mecanismosde participação político-jurídica, deve buscar realizá-la, concretizando,assim, o seu direito à autodeterminação” (CITTADINO, 1999: 227).

No que diz respeito às normas que tutelam a infância, o texto cons-titucional incorporou a doutrina da proteção integral em seu art. 227 e,para o fim de viabilizar a gestão de atendimento à infância e à juventude,com o escopo de alcançar a proteção integral, o constituinte instituiu duasimportantes diretrizes: “a descentralização político administrativa” e a “par-ticipação popular por meio de suas organizações representativas, na for-mulação de políticas e no controle das ações de todos os níveis” (arts.227, § 7º, c/c 204 da Constituição Federal e art. 88 do ECA).

Esta estratégia adotada pela Constituição Federal de 1988 teria porfim enfrentar a gravíssima problemática da criança em nosso País, dianteda inconteste polarização entre ricos e pobres, fenômeno notório nos paí-ses de Terceiro Mundo (L. DOWBOR, 1994, p. 2). Refere-se que somente22% da riqueza global pertencem aos chamados países em desenvolvi-mento que respondem por 80% da população mundial (BAUMAN, 1999, p.78). O Terceiro Mundo, ademais, participa apenas com 4% a 5% do totaldas exportações em tecnologia (DOWBOR, 1998, p. 83).

(*) Juíza do TRT — 12ª Região.

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A expectativa de efetivação dos direitos constitucionais, na décadade 90, foi permeada pela constatação de que, conforme E. F. Schumacher(HANDERSON, 2000, p. 64), as Nações estavam se revelando grandesdemais para problemas menores, locais, e pequenas demais para proble-mas grandes, globais. Já nos anos 80, como enfatiza José Eduardo Faria(1999, p. 132), Professor da Faculdade de Direito da Universidade de SãoPaulo, “o Estado passou a mostrar uma progressiva incapacidade tantopara planejar racionalmente sua intervenção no processo de mudança so-cial, quanto para produzir respostas eficientes e coerentes ao conjuntodisperso e contraditório de tensões, conflitos e demandas pelo desdobra-mento da desorganização monetária e dos choques energéticos”. De acor-do, ainda, com o autor, a ascensão e a decadência do intervencionismoestatal em quatro décadas resumem a trajetória desta era.

O fenômeno da globalização trouxe à tona a ruptura entre a sobera-nia formal do Estado e sua autonomia decisória substantiva, por um lado,e a subseqüente recomposição do sistema de poder (FARIA, 1999: 24).Tornada inconteste a erosão do Estado, “a recuperação da governabilidadeestá sendo posta no centro do problema” (DOWBOR, 1998, p. 73), por-quanto a soberania foi solapada pela globalização “não apenas na admi-nistração macroeconômica interna da política fiscal e monetária, mas tam-bém pela perda de opções de políticas sociais nas áreas da educação,saúde, seguridade social, emprego, meio ambiente e até mesmo dos valo-res e das culturas de seus cidadãos” (HANDERSON, 2000, p. 67).

Constata-se que os novos mecanismos legais instituídos pela Cons-tituição viabilizam a influência de setores da sociedade civil que não sãoabrangidos pelo Estado. De acordo com a visão comunitária, “o processode concretização da Constituição envolve necessariamente um alargamentodo círculo de intérpretes da Constituição, na medida em que devem tomarparte do processo hermenêutico todas as forças políticas da comunidade”(CITTADINO, 1999:226).

Os conselhos de direitos da criança e do adolescente e os conselhostutelares, criados dentro desta nova perspectiva, constituem mecanismosoficiais para a consolidação do poder local. Os primeiros devem ser com-postos, de maneira paritária, por representantes da sociedade civil e dogoverno e são os genuínos formuladores das políticas públicas locais. Muitose vem questionando acerca da paridade substancial na atuação dos con-selhos de direitos, nos quais ainda se verifica a dificuldade do exercício dademocracia participativa, que tende a ser meramente formal. É precisoque as instituições que participam destes espaços revejam seu papel nomomento histórico atual para que a paridade seja efetiva, sabendo lidarcom as diferenças, para que não se perca a dimensão da pluralidade, comofonte múltipla de saberes. Neste sentido, cabe, mais uma vez, o escólio deA. Melucci: “O encontro da alteridade é uma experiência que nos coloca

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em teste, dele nasce a tentação de reduzir a diferença à força, podendotambém gerar o desafio da comunicação como um empenho constante-mente renovado” (BAUMAN, 1999, p. 17).

Contraditoriamente, a fragmentação causada pelo fenômeno da glo-balização abriu caminho, conforme os teóricos, para a reestruturação desolidariedades danificadas por meio da emancipação que vem ocorrendona experimentação de convivências recíprocas. Para Bauman (1999, p.136), “a exclusão das liberdades locais tende a redundar no fortalecimentodas localidades”. Por essa razão, coloca O. Ianni o desafio de “dinamizaras forças sociais subalternas que poderiam fazer com que se desenvolva aglobalização desde baixo” (IANNI, 2002, p. 115).

Entende-se, portanto, que a globalização não impõe que o governodeva se deslocar para uma “esfera planetária”, mas, ao contrário, “o mes-mo movimento que gera a globalização tece as redes mundiais de interes-ses entre cidades, empresas instituições, dos mais diversos tipos, criandoum espaço interativo e intensamente conectado, com muito mais respon-sabilidade de regulação descentralizada” (DOWBOR, 1998, p. 343).

M. Santos (2002, p. 109) ao referir-se ao “espaço banal” de que trataF. Perroux, como o espaço de vivências — de empresas, instituições, pes-soas —, considera que é nele que o poder público encontraria as melhorescondições para sua intervenção. Vislumbra uma “produção local de umaintegração solidária, obtida mediante solidariedades horizontais internas,cuja natureza é tanto econômica, social e cultural como geográfica”. Seriaum espaço de “vocação solidária”, “não apenas um lugar de uma açãopragmática”, como, também, “um aporte da vida, uma parcela de emoção,que permite aos valores representar um papel” (id., ibid., 2003: 111). Con-forme Nils Christie, um território despojado de espaço público confeririapouca chance de as normas e os valores serem confrontados e negocia-dos (BAUMAN,1998, p. 32).

Nestes espaços, o homem desempenharia o protagonismo de suahistória, consciente de que cada lugar, cada coisa e cada pessoa estabe-lecem, entre si, uma intrincada relação com o outro. A atuação sistêmica,nestes moldes, conforme preleciona M. Santos, propicia uma visão críti-ca da história na qual vivemos, que demanda uma avaliação sobre o nos-so novo papel frente a comunidade, a nação, o planeta, em que “a reva-lorização do indivíduo contribuirá para a renovação qualitativa da espé-cie humana, servindo de alicerce para uma nova civilização” (SANTOS,M., 2003, p.169).

B. de S. Santos (2001, p. 124) considera inegável o fato de que areemergência da sociedade civil possui “um núcleo genuíno que se traduzna reafirmação dos valores do autogoverno, da expansão da subjetividade,do comunitarismo e da organização autônoma e dos modos de vida”.

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Ao lado das tendências homogeneizantes da globalização, como járeferido, exsurge, no contexto de contradições inerentes a este processo,a heterogeneidade de caráter estrutural. Aponta M. Santos (2001, p. 143)que uma das conseqüências destas incongruências “é a nova significaçãoda cultura popular, tornada capaz de rivalizar com a cultura de massas”.Como enfatiza C. Taylor (2001, p. 43), certo número de correntes da ciên-cia política contemporânea chama a atenção para a necessidade do reco-nhecimento do indivíduo e grupos humanos, o que se encontra diretamen-te relacionado à identidade, ou seja, preconizam a política do multicultura-lismo. T. Leithäuser (2001, p. 443) chama a atenção para a distinção quese deve fazer entre reconhecimento e tolerância, entendendo como com-portamento tolerante “uma prática social, mais exatamente uma práticainterativa com a tendência de integrar as pessoas com todas as suas dife-renças naturais, formando um grande grupo diferenciado, um ‘nós’ quenão se iguala, mas que, ao contrário, oferece todas as possibilidades deindividualização”.

Na visão comunitária da Constituição Federal de 1988, é pela via daparticipação política que se processa a interligação entre direitos funda-mentais — reconhecidos pela comunidade — e democracia participativa.A “abertura constitucional” permite que cidadãos, partidos, associações,etc. integrem o “círculo de intérpretes da Constituição”, de forma a tornardemocrático o processo interpretativo e concretizar as normas constitu-cionais (CITTADINO, 1999, p. 19).

O processo de legitimação da Constituição estaria diretamente rela-cionado à possibilidade de expressão cultural e política da comunidade eda sua capacidade de controle sobre o poder público. Para S. Hall (2003 a,p. 80), a questão do multiculturalismo descortina algumas incoerências doEstado constitucional liberal, porquanto, “somente uma definição frágil dacultura e uma noção altamente atenuada de direitos coletivos” seriam, destaforma, compatíveis “com a índole individualista situada no centro dessaconcepção liberal de mercado”. Esta concepção, calcada na liberdade in-dividual e na igualdade formal, seria inadequada “à complexidade devínculos, pertencimento e identidade introduzidas pela sociedade multicul-tural” e traz à tona a constatação de que “profundas injustiças, exclusõessociais e desigualdades continuam a ser perpetradas em seu nome” (id.,ibid., p. 88). O autor aponta a possibilidade de “o maior reconhecimento dadiferença e a maior igualdade e justiça para todos” constituir um “horizontecomum”, ressaltando a importância da “expansão e radicalização cada vezmais profundas das práticas democráticas da vida social” (id. Ibid., p. 89).

A manutenção das identidades reflete-se no fortalecimento do poderlocal contra as culturas unificadas e homogêneas, que decompõem o indi-víduo em sua singularidade. A luta pela multiculturalidade, neste sentido,configura-se, para S. P. Guimarães (2002, p. 139), “indispensável na estra-

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tégia de redução da disparidade, de construção da democracia e de redu-ção das vulnerabilidades externas. É essencial para contrarrestar a ofensi-va ideológica que procura demonstrar cotidianamente a ‘inexorabilidade’ e‘benemerência’ da globalização e a inevitabilidade do caminho único desubordinação às estruturas hegemônicas”. Portanto, as políticas públicasdevem focalizar a comunidade, como “unidade estruturada, organizada,de grupos, dispondo de uma hierarquia homogênea de valores à qual oindivíduo pertence necessariamente” (HELLER, 2000, pp. 70/71), onde a“essência humana” tem lugar para explicitar-se (id., ibid., p. 79).

Conforme ressalta R. B. Leite, o pensamento comunitário “não negaa importância dos direitos e das liberdades fundamentais para a sociedadedemocrática contemporânea, bem como não diverge quanto à necessi-dade de ser incluída na constituição jurídica a declaração de direitos e liber-dades”, mas não aceita que “tais direitos e liberdades fiquem totalmentefora do alcance das decisões políticas da comunidade” (LEITE, 2004, p. 226).

Para Bauman (2003, pp. 97/98), no entanto, o multiculturalismo, comoteoria orientada pelo “postulado da tolerância, pela preocupação com odireito das comunidades à auto-afirmação e com o reconhecimento públi-co de suas identidades por escolha ou herança”, pode funcionar apenascomo “força essencialmente conservadora”, perdendo de vista, no proces-so, que “a demanda por reconhecimento fica desarmada se não for orien-tada pela prática da redistribuição — e que a afirmação comunitária daespecificidade cultural serve de pouco consolo para aqueles que, graças àcada vez maior desigualdade na divisão dos recursos, têm que aceitar asescolhas que lhe são impostas”. Portanto, apenas as políticas públicascompromissadas com a cidadania e com a emancipação humana, que dis-ponham de efetivos mecanismos de ascensão social e descartem as prá-ticas meramente compensatórias, encontrariam no fortalecimento das co-munidades e de suas culturas e características singulares a alavanca ne-cessária para atingir seus fins.

Práticas adotadas, por exemplo, pelo Movimento de OrganizaçãoComunitária — MOC, de Feira de Santana/BA, demonstram que, sendo oPrograma de Erradicação do Trabalho Infantil — PETI implementado emlocalidades em que a sociedade civil é suficientemente organizada e asidentidades locais devidamente enfatizadas, a erradicação do trabalho in-fantil apresenta-se como uma perspectiva factível. Nestes termos, o quese persegue é o fortalecimento do poder local, uma vez consideradas aspeculiaridades culturais de uma determinada comunidade, o que, de algu-ma forma, neutralizaria as perversas influências da economia globalizada.As políticas públicas de erradicação do trabalho infantil, neste sentido,podem revelar o grau de efetivação das normas constitucionais, de cunhocomunitário, para a efetivação dos direitos humanos e a contribuição, nes-te sentido, da teoria do multiculturalismo.

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Questiona-se, em suma, se diante dos graves problemas sociaisque afetam o terceiro mundo, como o fenômeno do trabalho infantil, seriapossível revitalizar conceitos como participação, democracia, represen-tação e legitimidade e, ainda, se diante do fenômeno da globalização eda constatação de que a Ciência do Direito está à procura de “paradig-mas alternativos” (FARIA, 1999, p. 325 ss.), os novos padrões comunitá-rios de gestão pública ditados pela Constituição Federal de 1988 vêm setornando eficazes.

O Ministério Público, ao atuar como articulador social, para o fim deque políticas públicas sejam criadas de acordo com “a sociedade de intér-pretes”, desempenha papel imprescindível na retomada dos valores daConstituição Federal.

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CONVENÇÃO N. 169 DA ORGANIZAÇÃOINTERNACIONAL DO TRABALHO — NOVABASE DO DIREITO DE POVOS INDÍGENAS(*)

Maria Aparecida Gugel(**)

... Somos todos membros da mesma família humana, de uma única raçaque se expressa biologicamente e culturalmente de maneira plural einterdependente. Somos todos iguais em dignidade e direitos, o que pre-cisa ser constantemente reafirmado e garantido nas relações entre pes-soas e povos, organizações e nações.... Somos, ao mesmo tempo, diferentes uns dos outros e temos o direito aessa diferença, a ser o que somos do ponto de vista natural e biológico ecultural. Essas diferenças enriquecem nossa condição humana e exigemresponsabilidade no respeito aos Direitos Humanos. Temos o direito auma identidade, liberdade de expressão, crenças, valores, modos de vida,opções, dentro de uma pluralidade rica em conflitos, mas também nacriatividade e no respeito à dignidade de todos, dentro dos limites daética e dos acordos nacionais e internacionais. (Igualdade na Diversida-de: pela garantia dos direitos de cada criança e adolescente, UNICEF)

O Estado democrático de direito tem, dentre outros, fundamentos nacidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do traba-lho e na livre iniciativa (art. 1º, Constituição), sendo objetivos fundamen-tais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; aerradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualda-des sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitosde origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina-ção (art. 3º, Constituição).

A Constituição de 1988 ao prever as garantias individuais e coletivasfundamentais não distingue brasileiros, afirma o direito à igualdade (art.

(*) Artigo elaborado a partir de palestra proferida no Seminário A Convenção 169 da OrganizaçãoInternacional do Trabalho: experiências internacionais e as novas bases do direito indígena noBrasil, na OIT em Brasília, em 11-12.8.03.(**) Subprocuradora-geral do Trabalho e Conselheira do Conselho Nacional de Combate à Discri-minação — CNCD.

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5º, Constituição), detendo-se na previsão de direitos sociais — educação,saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção àmaternidade e à infância e, assistência aos desamparados (art. 6º, Cons-tituição) —, que devem ser compreendidos como fatores de inclusão so-cial e pleno exercício da cidadania.

Ao mesmo tempo, a República reconhece aos indígenas sua organi-zação social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originá-rios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à Uniãodemarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (art. 231, Cons-tituição). Os índios, suas comunidades e organizações são partes legíti-mas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, in-tervindo o Ministério Público em todos os atos do processo (art. 232, Cons-tituição). Cabe ainda ao Estado proteger as manifestações das culturaspopulares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participan-tes do processo civilizatório nacional (§ 1º, art. 215, Constituição), deven-do ser tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminis-cências históricas dos antigos quilombos (§ 5º, art. 216, Constituição).

Não obstante a existência desses comandos, não se verifica no âm-bito de qualquer dos já existentes governos brasileiros nenhuma políticaeficaz ou plano de ação que atenda aos comandos constitucionais men-cionados e os cerca de 216 povos, num total de aproximadamente 350 milindígenas (0,2% da população brasileira), falando 180 línguas e vivendoem aldeias em todos os Estados brasileiros, à exceção dos Estados doPiauí e Rio Grande do Norte(1). Além disso, não se pode desprezar o dadooficial do censo demográfico que mostra estar 45% da população indígenaem áreas urbanas, vivendo em estado quase sempre precário.

Nesse paradoxo cenário, de existência de garantia de direitos e deausência do Estado para uma política indigenista eficiente, é que a ratifi-cação da Convenção n. 169, da Organização Internacional do Trabalho,por meio do Decreto n. 143, de 25 de julho de 2002, vem trazer algumaexpectativa e alento de melhora.

Convenção n. 169, da Organização Internacional do Trabalho. Tra-tando-se de norma internacional definitivamente analisada e resolvida peloCongresso Nacional, com ratificação e depósito no respectivo organismointernacional, passa a integrar o sistema jurídico nacional com eficáciaplena, havendo precedência sobre leis já existentes conforme o axioma lexposterior derogat priori ou segundo o critério da especialidade, decorrentede decisão do Supremo Tribunal Federal(2).

(1) Segundo a minuta de Plano de Ação para os Povos Indígenas na Política Nacional de Biodi-versidade, do Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 30.9.2002.(2) Ver a propósito o julgamento do Supremo Tribunal Federal: RE n. 80.004-SE, Relator Designa-do Ministro Cunha Peixoto, 1º.6.77. A questão atualmente está alterada pela Emenda Constitucio-nal n. 45, de 8.12.2004, que acrescenta o § 3º ao artigo 5º no sentido de que os tratados e con-

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A Convenção n. 169 compromete o Estado brasileiro com seus ter-mos, em consonância com a evolução do direito internacional e com asaspirações desses povos de autodeterminação; de assumir o controle desuas próprias instituições, formas de vida e desenvolvimento econômico;de manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões e de estaremprotegidos contra qualquer forma de discriminação.

Destaca-se na Convenção n. 169 a introdução de novos conceitoscomo:

• a utilização do termo “povos” que indica e reflete sua própria iden-tidade, a auto-identificação como indígenas ou tribais;

• a autodeterminação, ou o direito de livremente determinar sua con-dição política e suas aspirações para os desenvolvimentos econô-mico, social e cultural;

• a consulta obrigatória pelo Estado sobre medidas legislativas ouadministrativas que os afetem diretamente;

• a participação direta dos povos indígenas na adoção de decisões,políticas e programas que lhes sejam concernentes;

• a escolha pelos povos indígenas das próprias prioridades relati-vas ao desenvolvimento econômico, social e cultural, interferindodiretamente na formulação, aplicação e avaliação de planos e pro-gramas de desenvolvimento nacional e regional que os afetemdiretamente;

• a proteção contra assédio sexual.

Desses novos parâmetros reputa-se importante, em razão da abran-gência e eficácia de tratamento que a questão deve receber, o destaquepara a obrigatoriedade de o Estado consultar os povos interessados todavez que medidas legislativas ou administrativas vierem a lhes afetar dire-tamente (art. 6º, Convenção n. 169). Para tanto, deverão ser criados me-canismos e procedimentos de consulta apropriados por meio de institui-ções efetivamente representativas dos povos indígenas. Conseqüentemen-te, devem ser estabelecidos meios idôneos de livre participação indígena(plenamente representados em instituições ou órgãos administrativos) naadoção de decisões sobre políticas ou programas de ação que envolvam ademarcação de terras, a saúde, a educação, a proteção à infância, à se-gurança, a geração de atividades produtivas e ao trabalho, de tal formaque sempre seja preservado o direito de escolha de suas próprias priori-dades (art. 7º, Convenção n. 169).

venções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Con-gresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serãoequivalentes às emendas constitucionais.

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A obrigatoriedade de o Estado proceder à consulta revela o caráterimpositivo da participação direta dos povos indígenas nas tomadas dedecisões, em todos os níveis, de implantação de políticas e programas quevenham a lhes afetar. Esse modelo, ousa-se afirmar, reputa-se ser o prin-cipal objetivo que a Convenção n. 169 busca atingir: possibilitar aos povosindígenas a indicação de suas próprias prioridades de desenvolvimento,visando alcançar o melhoramento das condições de vida e de trabalho.

O Estado deverá dar prioridade nos planos de desenvolvimento re-gionais para projetos que levem a melhoria das condições de vida, de traba-lho, de saúde e de educação para os povos indígenas interessados (item2, art. 7º), sem descurar de estudos e da adoção de medidas, em coopera-ção com os povos indígenas, de proteção e preservação do meio ambien-te dos territórios que habitam (itens 3 e 4, art. 7º).

Registre-se que o instituto da consulta está em simetria com precei-tos constitucionais vigentes que garantem, por exemplo, a participaçãopopular, por meio de organizações representativas, na formulação de polí-ticas e no controle das ações que digam respeito, por exemplo, à saúde eassistência social(3). A fórmula encontrada para referida participação sãoos Conselhos de Direitos(4) que integram a estrutura básica da administra-ção federal, sendo constituídos por lei ou decreto de forma a permitir (pre-servando a paridade) a participação da sociedade civil organizada e repre-sentativa dos grupos sociais, com mecanismos próprios de formulação,avaliação e acompanhamento de políticas públicas.

Conclui-se, pois, que a Convenção n. 169, além de comprometer oEstado junto à comunidade internacional, poderá ser um instrumento efi-caz de monitoramento interno das ações (ou falta delas) do Estado dirigidasaos povos indígenas. Tal monitoramento, observada a regra de represen-tação do Estado-Membro(5) por representantes de empregados, de empre-gadores e do governo, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego, po-derá ser executado com o auxílio dos Conselhos de Direitos, de indiscutí-vel legitimidade e que têm se revelado eficientes na formulação e avalia-ção de políticas públicas.

O reconhecimento contido na Convenção n. 169 de que na aplicaçãodas leis nacionais devem ser considerados os costumes e a conservaçãodas instituições indígenas, compatibilizando-os com os direitos fundamen-

(3) Artigos 198, III e 204, II da Constituição da República.(4) Exemplifica-se com a Lei n. 7.353/85 que cria o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher(com representante de mulheres indígenas); Decreto n. 99.438/90 que cria o Conselho Nacionalde Saúde (com representação de organizações indígenas); Decreto n. 3.952/01 que cria o Con-selho Nacional de Combate a Discriminação — CNCD (com representação indígena). Informa-ções sobre o CNCD, consultar o domínio www.planalto.gov.br (Estrutura/Secretaria Especial dosDireitos Humanos/órgãos colegiados).(5) Art. 3º, da Constituição da Organização Internacional do Trabalho.

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tais instituídos e o seu pleno exercício, conforme constam dos procedi-mentos legais constantes dos artigos 8º a 12, encontra-se em harmoniacom a previsão constitucional brasileira estabelecida nos artigos 231 e232, com a conseqüente legitimidade para a defesa de direitos e interesses.

Contratação e Condições de Emprego. Importantes questões defundo estão tratadas na Convenção (Terras — artigos 13 a 19; SeguridadeSocial e Saúde — artigos 24 e 25; Educação e Meios de Comunicação —artigo 31). Detenho-me na Contratação e Condições de Emprego previs-tas nos artigos 20 a 23.

As ações voltadas para a implementação da Convenção n. 169 noBrasil deve considerar os dados estatísticos atuais sobre a distribuiçãodos povos indígenas geograficamente, com atenção para o dado(6) de que45% desses indivíduos encontram-se em áreas urbanas, integrados. Por-tanto, têm direito à educação regular, saúde, habitação e segurança, es-porte, lazer, cultura, previdência social e trabalho, ou seja, a garantia decondições de vida independente e produtiva, de forma a estarem incluídossocialmente, com o direito de identidade.

Diz o artigo 20 que:

1. Os governos deverão adotar, no âmbito da legislação nacional eem cooperação com os povos interessados, medidas especiais para ga-rantir aos trabalhadores pertencentes a esses povos uma proteção eficazem matéria de contratação e condições de emprego, na medida em quenão estejam protegidas eficazmente pela legislação aplicáveis aos traba-lhadores em geral.

2. Os governos deverão fazer o que estiver ao seu alcance para evi-tar qualquer discriminação entre os trabalhadores pertencentes aos povosinteressados e os demais trabalhadores, especialmente quanto a:

a) acesso ao emprego, inclusive aos empregos qualificados e as me-didas de promoção e ascensão;

b) remuneração igual por trabalho de igual valor;

c) assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, to-dos os benefícios da seguridade social e demais benefícios derivados doemprego, bem como a habitação;

d) direito de associação, direito a se dedicar livremente a todas asatividades sindicais para fins lícitos, e direito a celebrar convênios coleti-vos com empregadores ou com organizações patronais.

3. as medidas adotadas deverão garantir, particularmente, que:

a) os trabalhadores pertencentes aos povos interessados, inclusiveos trabalhadores sazonais, eventuais e migrantes empregados na agricul-

(6) IBGE, Censo Demográfico 2000.

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tura ou em outras atividades, bem como os empregados por empreiteirosde mão-de-obra, gozem da proteção conferida pela legislação e a práticanacionais a outros trabalhadores dessas categorias nos mesmos setores,e sejam plenamente informados dos seus direitos de acordo com a legisla-ção trabalhista e dos recursos de que dispõem;

b) os trabalhadores pertencentes a esses povos não estejam sub-metidos a condições de trabalho perigosas para sua saúde, em particularcomo conseqüência de sua exposição a pesticidas ou a outras substânciastóxicas;

c) os trabalhadores pertencentes a esses povos não sejam submeti-dos a sistemas de contratação coercitivos, incluindo-se todas as formasde servidão por dívidas;

d) os trabalhadores pertencentes a esses povos gozem da igualdadede oportunidade e de tratamento para homens e mulheres no empregoe de proteção contra o acossamento sexual.

4. Dever-se-á dar especial atenção à criação de serviços adequadosde inspeção do trabalho nas regiões onde trabalhadores pertencentes aospovos interessados exerçam atividades assalariadas, a fim de garantir ocumprimento das disposições desta parte da presente Convenção.

Percebe-se de imediato que a Convenção n. 169 traz para o con-teúdo do artigo 20 normas existentes em outras convenções, especial-mente as de:

• n. 111, concernente à Discriminação em Matéria de Emprego eProfissão, Decreto n. 62.150, de 19 de janeiro de 1968;

• n. 100, concernente à Igualdade de Remuneração para Mão-de-obra Masculina e Mão-de-obra Feminina por um Trabalho de IgualValor, Decreto n. 41.721, de 25 de junho de 1957;

• n. 155, concernente à Segurança e Saúde dos Trabalhadores, De-creto n. 1.254, de 29 de setembro de 1994;

• n. 87, concernente à Liberdade Sindical e Proteção ao Direito deSindicalização — não ratificada pelo Brasil;

• n. 29, concernente à Abolição do Trabalho Forçado ou Obrigatório,Decreto n. 41.721, de 25 de junho de 1957.

Como se percebe, as convenções, à exceção da n. 87 que trata daLiberdade Sindical, encontram-se ratificadas, com eficácia plena em nos-so sistema legal.

A Constituição, conforme exposto na introdução, não distingue brasi-leiros na aplicação de direitos e garantias fundamentais. Portanto, aos in-

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dígenas são aplicadas as leis nacionais, observado o próprio comandoconstitucional de respeito à sua organização social, costumes, línguas,crenças e tradições, bem como, os direitos originários sobre as terras.

Resta assim, aferir sobre a existência e eficácia da legislação nacio-nal em relação à igualdade de oportunidades de acesso, promoção e per-manência no emprego para todos os trabalhadores e, em especial ao tra-balhador indígena, com a garantia de sua identidade, pois o artigo 20, daConvenção n. 169, alerta para a necessidade de uma proteção eficaz casoinexistente as medidas aplicáveis aos trabalhadores em geral.

Os direitos sociais dos trabalhadores em geral, previstos na Consti-tuição da República, estão fundados no direito à igualdade (caput, art. 5º),com a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e decritério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (incisoXXX, art. 7º). Assim é que se estiver evidente que o direito à igualdadeestá ameaçado, admite-se a existência de norma que vise eliminar qual-quer elemento discriminador. É o fundamento para a discriminação positi-va que pode ser adotada por meio do modelo da ação afirmativa, ou seja,pela adoção de políticas que abordam o fenômeno da discriminação emtermos amplos, reconhece sua existência, complexidade e diferentes for-mas de manifestações. Entende existir segregação no âmbito das rela-ções de trabalho, podendo optar pela adoção de cotas. Conclui-se pois, deimediato, que se necessário poderão ser tomadas medidas de ação afir-mativa em relação aos trabalhadores indígenas, conforme proposição dositens 2 e 3 da Convenção n. 111(7).

Há lei específica que trata da criminalização de práticas discrimina-tórias no âmbito das relações de trabalho, em face de mulheres trabalha-doras, quando se proíbe a exigência de atestados de gravidez e esteriliza-ção, e outras práticas discriminatórias, para efeitos de admissão no em-prego ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Trata-se da Lei n.9.029, de 13.4.95, que constitui em crime a exigência de teste ou qualquerprocedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez, pelo empre-gador ou seu representante legal, de medidas que configurem indução ouinstigamento à esterilização e ao controle de natalidade. A pena é dedetenção de 1 a 2 anos e multa, sem prejuízo da cominação de multa admi-nistrativa de 10 vezes o valor do maior salário pago pelo empregador, ele-vado em 50% em caso de reincidência, e a proibição de obter empréstimoou financiamento junto a instituições financeiras oficiais.

O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nosmoldes da Lei n. 9.029/95, faculta ao empregado optar entre a readmissão

(7) As Convenções da ONU sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (De-creto n. 65.810, de 8.12.69) e Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher(Decreto n. 26, de 22.6.64), sendo o Brasil delas signatário, com eficácia de lei, também propõema adoção de medidas especiais de caráter temporário, destinadas a alcançar a efetiva igualdade.

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com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediantepagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acres-cidas dos juros legais (inciso I, art. 4º) e a percepção, em dobro, da remu-neração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acres-cida dos juros legais (inciso II, art. 4º).

Destaca-se, ainda, a possibilidade de aplicação da Lei n. 7.716 (LeiCaó), de 5.1.89, observadas as redações das Leis ns. 8.081, de 21.9.90 e9.459, de 15.5.97, para os crimes resultantes de preconceitos de raça oucor, no impedimento do acesso de alguém devidamente habilitado, a qual-quer cargo da administração publica direta ou indireta, ou concessionáriasde serviços públicos ou, ainda, negar ou obstar o emprego em empresaprivada, sob pena de reclusão de dois a cinco anos de prisão.

Ainda no âmbito penal, a Lei n. 10.224, de 15.5.01, que acrescentouo crime de assédio sexual ao artigo 216-A, impondo pena de detenção deuma a dois anos para quem constranger alguém com o intuito de obtervantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se de sua condição desuperior hierárquico ou ascendência, no exercício das relações de traba-lho (emprego, cargo ou função).

A Consolidação das Leis do Trabalho — CLT com o objetivo de prote-ger o trabalho da mulher, veda a publicação de anúncios de emprego noqual haja qualquer preferência (sexo, cor, idade, situação familiar, etc.),ressalvada a hipótese de a natureza da atividade a ser exercida, pública enotoriamente o exigir. Recusar emprego, promoção ou motivar a dispensado trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado degravidez. Considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como va-riável determinante para fins de remuneração, formação profissional e opor-tunidades de ascensão profissional. Proceder revistas íntimas nas empre-gadas mulheres (art. 373-A). O mesmo artigo 373-A prevê expressamentea adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento de polí-ticas de igualdade de oportunidades e que se destinem a corrigir distorçõesreferentes à formação profissional, acesso ao emprego e condições geraisde trabalho.

No que diz respeito à saúde e segurança no ambiente de trabalho, édireito social de todo trabalhador urbano e rural a redução dos riscos ine-rentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou peri-gosas e, seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador,sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer emdolo ou culpa (art. 7º, incisos XXII, XXIII e XXVIII da Constituição).

A seu turno, a Consolidação das Leis do Trabalho — CLT impõe quese observem, em todos os locais de trabalho, as normas de segurança esaúde no trabalho. Referidas normas podem estar previstas em códigos

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de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios em quese situem os respectivos estabelecimentos ou podem ser oriundas de con-venções coletivas de trabalho (art. 154).

Ao Ministério do Trabalho e Emprego cabe proceder à regulamenta-ção de toda a matéria inerente à segurança e à saúde no trabalho, o que éfeito por meio das conhecidas Normas Regulamentadoras (NR’s), aprova-das pela Portaria n. 3.214, de 8.6.78.

Ainda que a Constituição imprima a unicidade sindical (art. 8º, II),comanda a livre associação profissional ou sindical, cabendo ao sindicatoa defesa dos direitos e interesses coletivos de trabalho (art. 8º, caput e III).Reconhece as convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI),desde que, por óbvio, não se contraponham aos direitos de ordem social eà legislação vigente.

A Lei n. 6.001, de 19.12.73 (Estatuto do Índio), naquilo em que nãose choca com o comando constitucional de 1988, previsto nos artigos 231e 232, está recepcionada, sendo que no âmbito das relações de trabalhorural, aproveita-se o contrato de prestação de serviços por equipe (contra-to de equipe), ou em domicílio, de trabalhadores indígenas de forma a man-ter e preservar a vida comunitária nas aldeias (art. 16, § 1º). O contratodeve prever, dentre outros: o número de trabalhadores indígenas que com-põe a equipe; seu líder e atribuições específicas (responsabilidade pelaCTPS, providências de substituição do trabalhador, por exemplo); o prazode realização dos contratos, de forma a permitir a vida social, costumes etradições indígenas; salário fixado, garantido o salário mínimo; forma depagamento e eventuais descontos permitidos em lei; fornecimento de equi-pamentos de proteção individual e coletiva; garantia de cumprimento dasNormas Regulamentadoras de saúde e segurança no trabalho; expressaprevisão de não-exposição a substâncias tóxicas; expressa previsão defornecimento de alimentação de acordo com o uso e costume indígena;expressa previsão de não-fornecimento de bebidas alcoólicas; expressaprevisão de fornecimento de transporte coletivo de trabalhadores, adapta-dos às regras de segurança.

Relativamente à inspeção das condições de trabalho, tem-se noPaís serviço adequado de fiscalização das normas concernentes ao con-trato de trabalho, sobretudo sua formalização e aquelas que dizem res-peito às condições de saúde e segurança dos trabalhadores, levado aefeito pela auditoria de fiscalização do executivo (o Ministério do Traba-lho e Emprego).

Na defesa dos direitos e interesses das populações indígenas, tem-se o Ministério Público Federal, sendo que os interesses coletivos dos tra-balhadores indígenas estão na esfera de atribuição do Ministério Públicodo Trabalho, com a possibilidade de promoção do inquérito civil para a

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investigação de toda sorte de lesão perpetrada no âmbito das relações detrabalho; de ajustamento da conduta por meio de título executivo extrajudi-cial, com pesadas multas pelo descumprimento e de defesa em juízo des-ses direitos por meio da ação civil pública(8).

Conclusão. Ainda que existente a previsão de normas legais nacio-nais em simetria com o conteúdo da Convenção n. 169, sua efetiva imple-mentação requererá vontade do Estado. Este deverá ser instigado pelasociedade brasileira, que consciente de um dos principais pilares do esta-do democrático de direito que é a dignidade da pessoa humana (art. 1º,III), a preservar a identidade dos povos indígenas, suas vidas, crenças,instituições e bem-estar físico e espiritual. Some-se a isto, a eficácia daimplementação do instituto da consulta aos povos indígenas toda vez quemedidas legais ou administrativas vierem a lhes afetar. Participar ativa-mente das decisões técnicas e políticas que venham sustentar-se em pla-nos e programas de ação para si próprios é medida que se impõe e estáem perfeita harmonia com o comando da autodeterminação, também, pre-visto na Constituição.

(8) Art. 129, Constituição da República; Lei Complementar n. 75/93.

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ENTRE O PASSADO E O FUTURO:APONTAMENTOS SOBRE A HISTÓRIA DA

JUSTIÇA DO TRABALHO E O IMPACTODA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45(*)

Arnaldo Süssekind(**)

Senhor Presidente, Ilustres Desembargadores que compõem esseTribunal, antes de atender ao pedido do nosso Presidente, gostaria dedizer da minha satisfação em estar aqui presente, num Tribunal que euassisti se desprender do Tribunal da 2ª Região junto com o Estado deSanta Catarina e depois separar-se de Santa Catarina e constituir esseTribunal, que eu passei a admirar pelas decisões que eu tive conhecimen-to durante a minha trajetória de estudo do Direito do Trabalho, de algunsdos membros de seu Tribunal, que se tornaram meus amigos, e, portanto,é uma grande satisfação eu estar aqui.

Bem, falar sobre a Comissão que elaborou a CLT só mesmo a pedidodo Presidente, porque teria de haver uma certa falsa modéstia a respeito.Por que eu fui designado com 24 anos para essa comissão? Porque euera assistente jurídico do Ministério do Trabalho, por concurso do DASP eelaborava no Gabinete do então Presidente do Conselho Nacional do Tra-balho, ainda antes da Justiça do Trabalho, os pareceres nos pedidos deavocatória para o Ministro do Trabalho. Das juntas e do Conselho Nacionaldo Trabalho cabia a avocatória para o Ministro que podia alterar com umsimples despacho toda a decisão, e o Ministro passou a conhecer meuspareceres — porque todos tentam o recurso —, de maneira que erammuitos pareceres, porque quando Getúlio criou a Justiça do Trabalho, já noano seguinte, maio de 41, foi instalada. O Ministro Falcão me chamou edisse que tinha proposto ao Presidente (e o Presidente autorizado) a me

(*) Texto de palestra proferida no Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região em 29 de abril de2005.(**) Ministro Aposentado do TST. Ex-Ministro do Trabalho.

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convidar para Procurador Regional do Trabalho de São Paulo — eu fui oprimeiro Procurador Regional do Trabalho da 2ª Região. Pouco depois énomeado Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio o jurista e políticopaulista, Alexandre Marcondes Filho, que convida para seu assessor emmatéria de trabalho, não o Arnaldo Süssekind que ninguém conhecia, maso Procurador Regional do Trabalho de seu Estado de São Paulo — então,eu acompanhei o Ministro Marcondes Filho, me tornando o seu assessorem matéria de trabalho.

Por que eu destaco “assessor em matéria de trabalho”? Porque oMinistério do Trabalho de então — Trabalho, Indústria e Comércio — tinhaas seguintes matérias: Trabalho, Previdência, Indústria, Comércio, Imigra-ção e Propriedade Industrial. Para cada uma dessas matérias ele tinha umassessor e com um ou dois auxiliares. No primeiro mês de sua gestão,janeiro de 1942, no meu despacho com ele, ele diz: “ Olha, o PresidenteGetúlio Vargas — ele chamava Dr. Getúlio Vargas — me autorizou a no-mear uma comissão para fazer a Consolidação das Leis do Trabalho e daPrevidência Social. Então vamos tratar de escolher os membros da comis-são”. Virou-se para mim e disse: “Bom, a comissão deve ser pequena,cada uma: Trabalho, Previdência para trabalhar bem, sem dúvida”. Aí disse:“O Dr. Getúlio me pediu para colocar o Dr. Segadas Vianna, o que é que oSenhor acha dele?” E eu disse: “é um excelente procurador”. “Então tomanota”. Virou-se para mim e disse: “Bom, o meu consultor jurídico OscarSaraiva deve participar da comissão, pode anotar”. Anotei. Aí eu virei paraele e disse: “assim como o consultor jurídico participa, o Diretor-Geral doDNT, que é o principal departamento do ministério, e sobretudo que é umprofessor da PUC, o Rego Monteiro, também deve participar”. “Então podeconvidar e coloca o nome”. Virou-se para mim e disse assim: “Na sua opi-nião qual o Procurador de maior conteúdo jurídico”? E eu disse: “olha, naminha opinião o Dorval Lacerda”, e ele disse: “Então anota aí e convida eleem meu nome”. Aí ele fez um suspense e disse assim: “Tá faltando um”.Eu peguei a caneta, “quem?” e ele disse: “Arnaldo Süssekind”. Eu disse:“eu?” Aí ele virou-se para mim e disse: “Escuta, algum desses trabalhacomigo diariamente, pode me representar na comissão, pode me contartudo que está havendo na comissão, levar minha palavra? É você”.

Por isso com 24 anos eu entrei na comissão da CLT. O anteprojetofoi feito por nós cinco, e terminou em novembro de 1942. Aí o Presidentemandou publicar no Diário Oficial o projeto, para receber sugestões, pas-sou o Ministro Oscar Saraiva para a comissão da Previdência, que esta-va atrasada, e ficamos só os quatro Procuradores — o Ministério Públicodeve ficar contente em saber que foram todos, quatro procuradores —,para opinar sobre as sugestões e elaborar o projeto definitivo, que, afinal,foi aprovado em 1º de maio, como salientado, e entrou em vigor em 10 denovembro.

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Bem, o Presidente refere-se à Carta del Lavoro. Que fontes nós tive-mos, que fontes materiais nós tivemos para elaborar o anteprojeto e oprojeto? Em primeiro lugar, a mais importante, foram as Resoluções do 1ºCongresso Brasileiro de Direito Social realizado em São Paulo, organizadopor Cesarino Júnior, para comemorar o Cinqüentenário da Rerum Novarum.Ali se reuniram pela primeira vez aqueles que estavam surgindo no Direitodo Trabalho, como Orlando Gomes, Catharino, Elson Gottschalk, o RuiSodré, enfim, tantos outros, e foi um congresso que se diferenciou dosatuais congressos, porque havia comissões para examinar as teses, apro-var as conclusões, as conclusões submetidas ao Plenário e depois publi-cadas nos anais. Eu apresentei uma tese, da “Fraude à Lei no Direito doTrabalho”, para essa comissão e uma das conclusões é o atual artigo 9º daCLT que eu coloquei lá (na CLT).

Mas o que eu quero dizer é que a principal fonte da comissão foramas conclusões desse Congresso. Em segundo lugar, os pareceres dos con-sultores jurídicos do Ministério do Trabalho, Oliveira Viana e depois OscarSaraiva, que opinavam para as decisões do Ministro — quase que criandouma espécie de Direito Pretoriano, porque eles tinham poucas leis a res-peito e esses pareceres criaram uma jurisprudência administrativa, quenós aproveitamos em grande parte. Em terceiro lugar as Convenções daOrganização Internacional do Trabalho, quer as ratificadas pelo Brasil, queeram poucas, quer as outras importantes, que podiam servir de inspiraçãocomo fonte material. Finalmente a própria Rerum Novarum no que tange àintervenção do Estado na proteção do trabalhador, no trabalho da mulhere do menor etc.

Dirão os Senhores: e a Carta del Lavoro? A Carta del Lavoro, 99%dos que criticam dizendo que foi cópia da Carta del Lavoro, nunca leram aCarta del Lavoro, porque se tivessem lido iam verificar que a Carta DelLavoro tem 21 artigos, dos quais apenas 11 concernentes ao Direito doTrabalho. E que artigos são esses? É pena não estar com ela aqui, eutrouxe, porque todo congresso ou conferência que eu faço eu levo, porquepodem perguntar e eu leio, mas eu não sabia que hoje me iam argüir sobreisso, mas os artigos são assim: a remuneração do trabalhador deve aten-der a interesses do trabalhador e da própria empresa — não é nada; otrabalhador deve trabalhar com jornada de oito horas de trabalho — tam-bém nada, isso tudo nasceu na Inglaterra, na Alemanha, na França; nasemana de trabalho deve haver um repouso semanal, de preferência aosdomingos — também nada, desde a Idade Média tinha o repouso; apósum ano de trabalho ininterrupto, o trabalhador deve ter direito a férias re-muneradas; após a despedida sem justa causa do empregado deve ense-jar uma indenização proporcional ao tempo de serviço — nasceu na Fran-ça, muito antes, e foi por aí. São todos princípios que já existiam no Direitodo Trabalho.

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Há dois artigos, entretanto, que causam alguma controvérsia e queeu vou mostrar. Um deles é o Poder Normativo, está lá — se não me enga-no no artigo terceiro — que a Magistratura del Lavoro tinha o poderde criar ou rever as condições de trabalho, tal como foi estabelecido nalei que criou a Justiça do Trabalho e depois inserida na CLT. Mas aconteceque esse Poder Normativo nasceu em 1905, na Nova Zelândia, depoispassou para a Austrália, Turquia, México em 1917, enfim, há vários paísesque o adotaram, de maneira que não é um princípio fascista, é um princí-pio bom ou mau, de Direito Processual do Trabalho, de Direito do Trabalho,que a Carta Del Lavoro adotou, assim como outro, o mais importanteno que tange à crítica que se faz — e que hoje eu também faço, mas nãofiz antes, que justifiquei — é o problema da organização sindical, o mono-pólio de representação da categoria pelo sindicato.

Está lá? Está, está na Carta del Lavoro. Está na Constituição de1937? Está. Passou a se incluir na Lei n. 1.402 de 1939 — lei sindicalbrasileira? Foi. Foi inserida na CLT? Foi, até porque a CLT foi feita na vi-gência da Constituição de 1937 e tinha de estabelecer as regras da lei davéspera, que era a lei de 1939. É um princípio fascista? Não. Mas não éum princípio fascista? Não. A Carta del Lavoro é de 1927. Dez anos antes, umsenhor chamado Lenine adotou o mesmo princípio na União Soviética.Dez anos antes e com mais rigor ainda, porque na organização jurídicasindical da União Soviética não só havia a unidade sindical compulsóriacomo os Diretores da Central Sindical eram designados pelo Komintern enão eleitos em forma de pirâmide que chegasse à cúpula, de maneira queera até mais forte.

Lenine se inspirou num livro de Máxime Leroy de 1913 em que de-fende essa unidade sindical, que depois foi defendida por Scelle, grandejurista francês e por outros mais. O Georges Scelle dizia: “Assim como nomunicípio há várias correntes mas um só prefeito, uma só câmara munici-pal, assim também o sindicato deve ser único reunindo todas as corren-tes.” O princípio é um princípio de direito sindical, bom ou mau, não umprincípio fascista. Eu justifico que Getúlio Vargas tenha adotado esse prin-cípio, na sua legislação inicial, desde a lei de 1931. A primeira lei sindicalapós a Revolução de 1930 e que foi feita em 1931, teria sido inspirada pelaCarta del Lavoro de 1926, e vamos ver quem é que laborou esse texto,esse decreto legislativo: Evaristo de Moraes, então Consultor Jurídico doMinistério do Trabalho, fundador do Partido Socialista Brasileiro — esquer-da; Joaquim Pimenta, comunista confesso, foi meu professor, um sujeitoformidável, foi quem fez o prefácio do meu primeiro livro, mas era comu-nista confesso, era assessor do Ministro Lindolfo Collor e participou dacomissão; Agripino Nazaré, assessor do Ministro, também socialista baiano.

Então os três homens de esquerda fizeram essa lei, teriam copiadoa Carta del Lavoro? Ou teriam se inspirado na União Soviética? A interro-

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gação fica para quem quiser responder. Mas o fato é que não copiou daCarta del Lavoro, seria um absurdo. E eu justifico que Getúlio teria mantidoporque ele precisava do sindicato como operador necessário do Direitodo Trabalho. E o Brasil naquela ocasião era um País, como se dizia, essen-cialmente agrícola, em que os municípios quase não eram interligadosporque a comunicação, seja comunicação — nem eletrônica, eu falo — detelégrafos, de telefone, era precária; de avião, mais precária ainda etc. Eos Senhores sabem que só há sindicato forte onde há espírito sindical e oespírito sindical é um dado sociológico, que nasce espontaneamente numaconcentração operária.

Ora, só há concentração operária onde há concentração industrial eum País essencialmente agrícola, em que a maioria das regiões eram sub-desenvolvidas, não podia haver uma concentração operária nem espíritosindical. Então a legislação estimulou a criação de sindicato, concedendo-lhes a unidade de representação e, mais tarde, o imposto sindical. Agora,a meu ver, desde 1960 já devia ter terminado. Já devia ter terminado e eumesmo escrevi um livro “Direitos Sociais na Constituinte”, quando foi eleitaa Assembléia Constituinte em 1986, mas defendendo exatamente essamudança para assegurar essa liberdade sindical no tríplice aspecto coleti-vo, do grupo de trabalhadores ou de empresários vinculados numa ativida-de econômica ou profissional idêntica, similar ou conexa; da liberdade sin-dical individual, que é o direito de ingressar, permanecer e sair sem sercompelido a contribuir para o sindicato — o que o Direito Comparado esta-belece uma exceção que a OIT considera não violadora do direito sindical,que existe em alguns países e é chamada “Quota de Solidariedade” ou“Cânon de Participação”, como na Espanha e na Colômbia tem esse nome.

O que é isso? É que o não-associado beneficiado por um contratocoletivo, esse contrato pode estabelecer uma quota para ele pagar, querdizer, não é um imposto que todos paguem. Na Suíça é diferente. É oúnico país que é diferente, adota essa quota, mas como adesão ao contra-to, isto é, em princípio o contrato coletivo não tem efeito erga omnes, é sóaos associados, mas qualquer trabalhador do grupo correspondente aocontrato coletivo que queira se beneficiar do contrato pode aderir ao con-trato, pagando uma taxa. Isso na Suíça, que é diferente, é o único que éassim. De maneira que, a meu ver, finalmente, terceiro aspecto da liberda-de sindical é a liberdade institucional ou autonomia sindical, em que o sin-dicato deve ter o direito de livremente organizar-se, com a estrutura quedesejar, com a dimensão qualitativa ou quantitativa de sua representação,de eleger os seus membros, de aprovar o seu estatuto etc. De maneiraque aqui eu termino a primeira parte do seu pedido.

A segunda parte vai ser objeto da minha conferência hoje, mas voufazer um pequeno intróito, um pequeno resumo, quero assinalar apenasum aspecto. É que realmente a Emenda Constitucional ampliou considera-

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velmente a competência da Justiça do Trabalho. Sob esse aspecto foi bomporque após um período que passou, felizmente, em que o neoliberaispretenderam a extinção da Justiça do Trabalho ou a sua incorporação àJustiça Federal — aí para paralisar toda a Justiça, porque eram as duasmais hipertrofiadas, juntar as duas paralisava tudo, era o que eles queriam —,após esse período realmente isso desapareceu, não se fala mais nisso.A Emenda Constitucional veio dar um atestado de que a sociedade bra-sileira, representada pelo Congresso Nacional, acredita na Justiça do Tra-balho, quer a permanência da Justiça do Trabalho e até ampliou a compe-tência da Justiça do Trabalho e não ampliou só na parte das relações dotrabalho, mas ampliou na parte sindical. A Justiça do Trabalho vai decidirtodos os litígios referentes a intersindicatos, a representação que ela jácomo preliminar incidental tem de decidir no Dissídio Coletivo, mas vai serdecidido normalmente, não mais como preliminar incidental; os dissídiosentre associados e sindicatos, penalidades etc.; os litígios entre sindicatose empregadores, enfim toda a matéria sindical.

A Emenda Constitucional manteve a competência muito questionadada Justiça do Trabalho sobre a cobrança das contribuições previdenciárias(está mantida, mas já existia), consolidou a jurisprudência do tribunal nosentido de que as ações por indenização de dano moral são da Justiça doTrabalho, e acrescentou inclusive de acidente de trabalho. Infelizmente numadecisão, ao meu ver, precipitada, equivocada e errada, o Supremo TribunalFederal veio decidir que isso não é da Justiça do Trabalho, que a indeniza-ção por acidente de trabalho doloso ou culposo pelo empregador, que gereum direito a indenização, não é da Justiça do Trabalho. Ao meu ver é equi-vocada, porque não souberam distinguir o seguro de acidente de trabalhoda previdência social da indenização por acidente de trabalho que sãocoisas totalmente diferentes. O seguro de acidente de trabalho correspon-de ao auxílio-acidente que todo segurado da previdência tem direito quan-do acidentado, auxílio que ele recebe ainda que esteja trabalhando comredução de capacidade ou, quando aposentado, proventos que se somamaos proventos de aposentadoria, e daí cabe recurso visando alterar, anu-lar etc., que era para a Justiça Comum e continua da Justiça Comum.

Agora, não se confunde isso com indenização por dano moral oupatrimonial decorrente de acidente de trabalho doloso ou culposo do em-pregador, que ocorre na relação de emprego e que está no elenco dedireitos trabalhistas do artigo 7º. São duas coisas diferentes. O Supremo,precipitadamente, porque não tinha decidido naquela ocasião, contra osvotos de Carlos Ayres Britto, que foi o relator, foi vencido, e Marco Auréliode Mello, e também sem a presença de Carlos Velloso, decidiu por maioriaque isso continua da Justiça Comum. Como principal modificação, real-mente, foi no que tange à relação de trabalho. Até então a Justiça do Tra-balho era uma justiça que resolvia os dissídios de empregados, relação de

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emprego, portanto, que é uma das espécies da relação de trabalho. Sóquando a Lei estipulasse que aquela relação de trabalho, que não é deemprego, deveria ser dirimida na Justiça do Trabalho, é que isso ocorria.Um exemplo, os trabalhadores avulsos dos portos, que não são emprega-dos, que também não são autônomos, é um sistema bifronte, e que, porforça de lei, era da Justiça do Trabalho.

Mas agora passou a ser o inverso, a relação de trabalho é a regra, até,a meu ver, aquele último inciso, aquele último parágrafo, choveu no molhado,porque não tinha de dizer quando a lei estabelece, porque o inciso I já esta-belece toda e qualquer relação de trabalho; agora o que é relação de traba-lho, aí então a matéria é muito controvertida e já existem três correntes. Háuma corrente, que eu acho exagerada, que entende que qualquer serviço érelação de trabalho, qualquer prestação de serviço. Então entende que atémesmo uma prestação de serviço de uma empresa, uma pessoa jurídica aoutra pessoa jurídica é relação de trabalho. Eu acho absolutamente exage-rada, essa é uma tese defendida pelo Desembargador Luiz Felipe Salomão,ele participou de um Seminário comigo, um painel e ele defendeu essa tese.

A outra tese é no sentido de que a relação de trabalho exige a pessoa-lidade na prestação de serviço por um trabalhador pessoa física, é a minhatese. Aí essa corrente se subdivide no sentido de que alguns entendem queo trabalho, no caso, tem de ter continuidade, exemplo: Dallegrave, aqui doParaná, num de seus artigos sobre o assunto. Outros entendem, como eu,que a relação de trabalho não distingue, desde que haja uma relação detrabalho, desde que um pintor seja contratado aqui pelo Tribunal para pintaressa sala e acabou, o Tribunal não quer pagar a ele ou não quer pagar o quecombinou, ele tem direito de entrar na Justiça do Trabalho, porque é umarelação de trabalho. De maneira que, neste sentido também é outroparanaense de grande valor, que a meu ver escreveu o melhor artigo arespeito do assunto, Dalazen, ele entende nesse sentido também, de ma-neira que só o tempo é que vai configurar uma jurisprudência a respeito.

São teses que têm adeptos e, portanto, a gente tem de respeitar. Eu atéconversava com o Presidente há pouco e disse que vai acontecer o que euouvi de um presidente de um Congresso em Minas Gerais. Quando houveaquelas introduções de modificações do CPC, várias modificações,houve um congresso sobre Processo Civil e um dos oradores se dirigiu aoPresidente e disse: “Mas Presidente nós ouvimos aqui várias opiniões,muita controvérsia, como é que nós vamos funcionar com essa controvér-sia toda?” Ele virou-se e disse assim: “O senhor já viu um carregamento deporcos de um município para outro?” “O que é que isso tem a ver com oassunto?” “Tem muito. Quando os porcos são colocados no caminhão elesbrigam pelos lugares, se refregam, gritam, gritam e, no meio do caminho,já estão todos no seu lugar certinho, mas continuam gritando ainda, masno fim já está tudo silencioso, tudo resolvido, vai ser assim”.

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Eu quero terminar, dizendo que eu espero que a reforma da legisla-ção do trabalho, tão apregoada e tão anunciada, mas que felizmente aindanão foi apresentada ao Congresso Nacional, foi apresentada apenas juntocom o Projeto de Reforma Sindical, foi um projeto, ao meu ver, muito equi-vocado, cheio de defeitos. Eu quero ter a esperança de que assim como oCongresso prestigiou a Justiça do Trabalho na Emenda n. 45, ele prestigiea legislação do trabalho, não admitindo a sua implosão. Ela precisa seratualizada? Precisa. Precisa garantir direitos indisponíveis abaixo dos quaisnão se concebe a dignidade do ser humano? Precisa. Precisa estabelecernormas mais gerais acima desse patamar que propicia alguma flexibiliza-ção sobre tutela sindical? Precisa; mas o que é importante é que não hajao desmonte do Direito do Trabalho como querem os neoliberais, que narealidade o que eles querem é que não tenha legislação do trabalhonenhuma e isso me faz lembrar um frase — e eu termino com ela — de umfilósofo, John Steinbeck, que diz: “Quando o farol se apaga, o caminho ficamuito mais escuro do que se nunca tivesse sido iluminado”.

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TRAVESSIA — PERCURSOS NOMINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Erick Wellington Lagana Lamarca(*)

Nos idos de 1983, Danton Segurado, Marisa Baur, então ilustres ad-vogados, José Pedro Camargo, assessor de juiz em Campinas, Vera LigiaLamarca, assessora em São Paulo, como eu, Rubens Aidar, ocupante docargo de substituto de procurador, além de outros não menos ilustres, querumaram para portos diversos, formamos o primeiro grupo de concursadosa tomar posse na Procuradoria da Justiça do Trabalho da 2ª Região.

Os ventos democráticos percorriam as instituições da República. Eramtempos de abertura.

Recebemos comunicado para nos apresentarmos perante o Pro-curador Chefe da República em São Paulo. Lançada foi a primeira dúvida:República? Por que? Não estamos afetos ao Ministério da Justiça? É me-lhor deixar para lá! O importante é tomar posse e assegurar o lugar tãoarduamente conquistado. Assim procedemos e o colega Aidar, que já exerciaas funções, assumiu a cadeira de comando.

Tardou, mas agora estávamos com os pés no serviço público. Seráque irá dificultar a nossa advocacia? Esperemos que não! Afinal, o salárioé uma miséria: um assessor de juiz vale 3 procuradores.

Com os jovens corações pulsando de esperança, dirigimo-nos ao Tri-bunal do Trabalho, sede da unidade regional. Aguardavam-nos os colegasnomeados no curso da Revolução: Aldemar Ginefra Moreira, de saudosamemória, o “rei” das eleições sindicais, Fabrício Correia de Souza, o “lord”,de tantas passagens no “jet set”, as inesquecíveis Moema Faro, WandaSouza Rago, Silvia Saboya e Maria Zélia Abreu Fonseca, palco de delicio-sas passagens, os combativos Carmo Jatene, Cantídio Filardi, José Saade Olavo Siqueira Ferreira, nobre adversário em poucas passagens e im-prescindível parceiro em tantas outras.

(*) Procurador Regional do Trabalho — PRT da 2ª Região.

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Ultrapassada a euforia, fomos brindados com distribuições e maisdistribuições (história sem fim). Não havia papel de qualquer natureza paraa execução dos trabalhos. A indignação foi geral. Como lançar os parece-res? Como forma de protesto, iniciamos, como custos legis, parecerandoem papel de embrulhar pão, atitude que ganhou adeptos. Que precarieda-de! E pensar que lutamos tanto! Que fazer? O jeito é tocar o barco!

Superado o primeiro obstáculo, o telefone toca, perto das 12:00, nadamenos que D. Ana, a temida secretária regional, senhora dos nossos des-tinos: Dr. Erick, queira estar por volta das 12:30 na Delegacia Regional doTrabalho para audiência de greve. Audiência de greve na DRT? E a minhaadvocacia? Por que eu? Qual o critério para a designação? Ora, ontemmesmo, Aldemar e eu, ficamos até tarde da noite fazendo assembléia degreve no quente ABC (Sto. André, São Bernardo e São Caetano), terrade combatentes líderes sindicais emergentes. É verdade que nada de graveaconteceu — tiros sequer foram disparados. Dizia ela: “ordens do chefe”.— Sim, era preciso urgentemente uma escala de plantão! Como venceros obstáculos? Como acabar com as práticas do passado? Como colocar os“antigos” na “rodinha” das tarefas?

No aguardo de respostas que não vinham, fomos surpreendidos como despejo da Instituição. Despejo praticado pelo TRT? Não é possível! Épreciso lutar! Nada adiantou: amanhecemos com os móveis na área exter-na do TRT. E agora? Nem sede própria temos! — Sim, definitivamente ofundo do poço nos alcançou.

Restou-nos ocupar (de favor) alguns andares na Justiça do Trabalho,na caída Ipiranga. Que tristeza! As reuniões eram realizadas nos corredo-res. Se bastante não fora, afirmava repetidamente o chefe, quase em tommessiânico: “fontes palacianas me informaram que querem acabar com oMinistério Público do Trabalho”. “Brasília” realmente não nos escutava.

Sim, tal qual Fênix, unidos em torno da causa Ministério Público doTrabalho, afastadas as divergências internas, despertamos para o vôoda vitória.

São Paulo finalmente entendera a necessidade da busca de espaçono cenário nacional. Antes de tudo, era preciso fortalecer a Instituição.

A participação na diretoria da ANPT se fez instrumento de grandevalia: — Conquistamos a nossa primeira sede, o velho prédio localizado naafamada rua Aurora, onde: “fantasmas arrastam processos durante a noi-te”, diziam os colegas mais sensíveis. Quiçá, antigo e dedicado funcioná-rio, que veio a falecer antes da almejada e nunca alcançada aposentadoria(destino de muitos de nós?).

Bafejados pelos ventos da abertura democrática, teve início a lutaem busca do nosso Santo Graal: o MP, forte, independente, tal qual dese-nhado na Carta de 1988.

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O Ministério Público do Trabalho não era mais só um “bico” a serexercido nos intervalos da advocacia. Os papéis se inverteram. A causaera comum a todos.

Perseguia-se, não só os constituintes, mas também a redação idealpara cada dispositivo constitucional. As tintas de Marcelo Freire Gon-çalves, Danton Segurado, Moyses Snifer, entre outros,deixaram marcasindeléveis. Que luta! Que prazer! Como é saborosa a sensação do bomcombate!

Todavia, havia muito a percorrer: forçoso se apresentava escrever aLei Orgânica do Ministério Público. Não bastava o texto constitucional.

Espadas nas mãos, São Paulo se apresentou. O MP agora é paravaler!

Em companhia das guerreiras Marisa Monteiro, Oksana, Cristina,Laura, Maria José, Marisa Regina, Neide, Marisa Baur etc, voamos emdireção ao Palácio do Planalto, governo Itamar Franco, para a sanção tãoaguardada. Uma festa só!

Instrumentos nas mãos, chegara a hora de servir a sociedade.

Como atuar? Órgão Agente? Coordenadorias? Voltamo-nos parao modelo adotado pelo Ministério Público Estadual, historicamente bemestruturado.

Logo se fez sentir a necessidade de uma sede maior. A “Aurora” já nãobastava. Era preciso “mostrar serviço”. Tínhamos 70.000 (setenta mil) pro-cessos estocados no auditório. Fomos à luta. O momento era o ideal: a“casa” passara a contar com novos membros “loucos para servir”: A cadaum, “de boas vindas”, uma cota de 1.000 (hum mil) processos/semana. Re-cepção que, com absoluta certeza, Almara, Paulo Cesar, Luiz Felipe, Marta,Maria Isabel, Luisa, entre outros, que somaram esforços com Marilia, ZéliaMontal, Maria Helena, Mônica, Cândida, Ruth, Rovirso, jamais esquecerão.

Tarefa cumprida, adveio o sinal verde do Procurador-Geral do Traba-lho, o gaúcho João Pedro Ferraz, com o aval do mineiro Aristides Junqueira,digníssimo Procurador-Geral da República, permitindo-nos partir em bus-ca da tão sonhada sede definitiva. Lamentavelmente, as contingênciaseconômicas conspiraram contra São Paulo: corte orçamentário pelo “Pla-nalto”. Conclusão: Jaguaribe.

Novos tempos, novos colegas, novas funções, novas lutas. Quão ár-dua é a travessia. A precariedade da infra-estrutura permanece: falta defuncionários, falta de gasolina na Kombi do eterno Maurílio (motorista),falta de procuradores.

Entretanto, não obstante os problemas remanescentes (sic), o Mi-nistério Público do Trabalho conquistou definitivamente o seu espaço no

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cenário jurídico e social do País, quer através da luta contra o trabalhoinfantil, contra o trabalho escravo, e acima de tudo, na luta incansável paranão ver triunfar as INJUSTIÇAS, apesar das enormes desigualdades exis-tentes no Brasil.

Cremos, como todos aqueles que trazem o Direito e a Justiça na alma,na importância do parquet sem mordaças. Independência, liberdade de ex-pressão, autonomia e transparência garantirão, sim, o estado democrático.

As vozes do Ministério Público, que apenas traduzem as vozes dasociedade, jamais se calarão.

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SELEÇÃO E FORMAÇÃO DE JUÍZES

Atahualpa Fernandez(*)

Os juízes estão habilitados pela Constituição da República paradecidir sobre a liberdade e o patrimônio das pessoas. O poder normativo deque dispõem, quer dizer, de julgar e executar suas decisões, de acordocom o ordenamento jurídico, constitui uma das garantias do Estado deDireito. Trata-se de um poder de uma importância decisiva, tanto para asalvaguarda da condição de cidadão titular de direitos e deveres como, emuito especialmente, para preservar a credibilidade e a estabilidade insti-tucional do Estado democrático.

Com efeito, do Poder Judiciário se esperam muitas tarefas: que de-fenda nossa liberdade, que nos proteja frente aos abusos dos poderespúblicos, que condene a ação delitiva, que inviabilize qualquer forma detrabalho indigno, que promova a igualdade entre os indivíduos, que tutelea quem ainda não há nascido, que ponha fim a uma sociedade ou vínculomatrimonial de quem se embarque nestas decisões tão íntimas e pes-soais, enfim, que atue como agente construtor de uma comunidade dehomens livres e iguais, unidos por uma comum e consensual adesão aodireito e em pleno e permanente exercício de sua cidadania. E por aí po-deríamos seguir.

Esta reduzida, mas significativa, mostra das inúmeras atribuições ins-titucionais que cabem aos membros do Poder Judiciário põe de manifestoa importância que adquirem os modelos de seleção e processos de forma-ção dos magistrados. De fato, os critérios de seleção para aceder à judica-tura constituem, ou pelo menos deveriam constituir, um fator decisivo parao adequado funcionamento do Poder Judiciário, em especial porque setrata de cargo exercido com caráter de vitaliciedade. Adequado às exigên-cias de um Estado republicano e democrático, no qual a jurisdição é asede natural para a efetiva tutela dos direitos e liberdades fundamentais,

(*) Pós-doutor em Direito. Procurador do Trabalho aposentado. Professor Colaborador HonoríficoLaboratório de Sistemática Humana. Universitat de les Illes Balears.

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onde a idéia de justiça e a pretensão de correção hão de presidir e dimen-cionar toda a atividade de seus membros, e cujo peculiar talante de modeloético-político aberto aporta valores de cidadania e de metodologia ju-rídico-política essencialmente úteis para tomar a lei como um instrumentode construção social e, muito particularmente, para assimilar os câmbiosformais e materiais no processo de tomada de decisões ante a dinâmicafluída (e por vezes enlouquecida) do “mundo da vida” cotidiana.

Pois bem, parece haver um certo consenso no sentido de que o atualmodelo de seleção de juízes (e aqui incluiria também o modelo de seleçãodos membros do Ministério Público) já não mais atende às exigências dejustiça que norteiam o desenho institucional do Estado democrático mo-derno. Porque, sem deixar legitimamente de reconhecer que no panoramado judiciário nacional abundam excelentes magistrados, o sistema de se-leção atualmente adotado incentiva mais um perfil de juiz memorizador,leitor de códigos e enclausurado ao muito limitado esquema do silogismointerpretativo do direito positivo, isto é, muito distante de um modelo dejuiz que, sem prejuízo do preceptivo conhecimento do ordenamento jurídi-co vigente, demonstre igualmente sua capacidade para compreender quea atividade hermenêutica se formula precisamente a partir de uma posi-ção antropológica e põe em jogo uma fenomenologia do atuar humano;que somente situando-se desde o ponto de vista do homem e de sua natu-reza será possível ao julgador representar o sentido e a função do direitocomo unidade de um contexto vital, ético e cultural: o homem, ponto departida e chegada do fenômeno jurídico, desenhado para a cooperação, odiálogo e a argumentação, e que, em seu “existir com” e situado em umdeterminado horizonte histórico-existencial, pede continuamente aos ou-tros, cuja alteridade interioriza, que justifiquem suas eleições e aporta asrazões das suas.

Quer dizer, daquele tipo de juiz cujo primeiro e melhor atributo sejasua virtuosa competência para compreender que sua tarefa hermenêuti-ca, da qual não se pode excluir a dimensão emocional e de subjetividadedo juízo, não se configura como produção ex nihilo, que não é somenteuma circunstância de produção subordinada à lei, senão que deve ser con-cebida como uma práxis social destinada a desenhar um modelo socio-institucional que, garantindo uma certa igualdade material, permita, esti-mule e assegure que a titularidade e o exercício de direitos, de todo pontoinalienáveis, não sejam sacrificados em função de arbitrários interesses einjustificadas interferências por parte do Estado ou de qualquer outro atorsocial.

De um modelo de seleção e formação que, enfim, trate de impedirum perfil de juiz proclive ao automatismo, ao isolamento teórico, a umaortodoxa rigidez interpretativa e, até mesmo, a um desvairado e irracionalsubjetivismo, origem de sentenças deficientes e, em determinadas oca-

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siões, carentes de um mínimo sentido de ponderada razoabilidade acercados interesses e valores em conflito, quando não, de decisões flagrante-mente arbitrárias.

E porque em um sistema republicano-democrático real a atividadede um magistrado, que tem em suas mãos a distribuição de direitos edeveres inerentes ao exercício da cidadania, não pode estar limitada arealizar um mero exercício semântico ou lógico-dedutivo da norma jurídi-ca — essa ferramenta cultural e institucional “cega”, virtualmente neutrae com potencial capacidade vinculante para predizer e regular o compor-tamento humano —, qualquer que seja sua natureza ou grau de impera-tividade, parece haver chegado o momento oportuno para que se proce-da uma profunda reforma do atual modelo de seleção de juízes, com oobjetivo precípuo de criar mecanismos aptos a habilitá-los ao inegociávelcompromisso de colocar-se à frente dos fatos e dos vínculos sociaisrelacionais para, com a iniludível “pré-compreensão” e talento de dese-nhador que caracteriza o ato de julgar, impulsionarem os câmbios neces-sários para que se promova um panorama institucional, normativo e so-ciocultural o mais amigável possível para a construção de uma sociedadelivre, justa e solidária.

Assim que a modalidade de seleção e formação de magistrados quejustifica esta nova forma de trabalhar o fenômeno jurídico deveria consis-tir, como não, em um processo preliminar de provas e títulos destinado aavaliar o nível de cultura jurídica geral dos candidatos, devidamente conju-gado com um adequado processo de formação ética, multidisciplinar efilosófico-jurídica, destinado a potenciar a capacidade dos futuros juízespara fazer valer e projetar no ordenamento jurídico os princípios e valo-res fundamentais do Direito e da justiça, em tudo comprometido coma invariante axiológica de incondicional respeito à dignidade humana.Um processo de formação, cujo principal objetivo seria o de mostrar que umpositivismo ingênuo pode fazer com que se conceba ilusões imprópriasacerca da função do direito e do papel do operador jurídico, uma vez quenão é absolutamente certo que um melhor conhecimento de códigos enormas jurídicas proporcione automaticamente uma vida humana mais dig-na. Oxalá fossem as coisas tão simples! Quem pensa que a relação direi-to/norma é tudo esquece que a medida do direito, a própria idéia e essên-cia do direito, é o humano, cuja natureza resulta não somente de umamescla complicadíssima de genes e de neurônios, senão, também, de ex-periências, valores, aprendizagens, e influências procedentes de nossaigualmente embaraçada vida sociocultural.

Por certo que essa preparação exigiria, como não pode ser de outramaneira, um esforço acrescido por parte dos candidatos ao cargo de juiz.Uma preparação, estendida ao longo de um determinado período de tem-po, que haveria de ser acreditada no âmbito das escolas superiores da

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magistratura (ou, no caso, das escolas superiores do Ministério Público),com uma composição docente plural e multidisciplinar, formada tanto porprofessores provenientes da própria magistratura, das universidades, doMinistério Público e das demais entidades representativas da classe jurídi-ca. Com caráter classificatório e eliminatório, este processo de formaçãoético, teórico, filosófico e metodológico seguramente viria a permitir a cadatribunal, no exercício de um legítimo controle prévio, dispor de uma idéiamais cabal e definida acerca das faculdades morais e jurídicas do futurojuiz — uma forma de materializar a famosa “eterna vigilância cidadã” repu-blicana que, neste caso, trataria de evitar que um eventual despreparoético-jurídico por parte dos futuros magistrados venha a romper os víncu-los da parigualdade cidadã e a degradar a res publica a imperium.

Em síntese, caberia a essas escolas a preparação integral do magis-trado para dignificar o ato de julgar, no sentido de, buscando superar os jáconhecidos limites e distorções do atual modelo de seleção, capacitá-losnão somente à tarefa de “saber” razoavelmente o direito expresso atravésde normas positivadas, mas principalmente para compreender que o direi-to, como tal, não é mais nem menos que um instrumento, uma estratégiasocioadaptativa empregada para articular argumentativamente, por meioda virtude da prudência, os vínculos sociais relacionais elementares atra-vés dos quais os homens constroem estilos aprovados de interação e es-trutura social.

Tal modelo de seleção e formação está fundamentado no fato de quesomente através de uma adequada e multidisciplinar preparação ética, fi-losófica, teórica e metodológica será possível confiar ao juiz a tarefa deatualização crítica do direito como modelo de ordem vinculante e, em par-ticular, de encomendar-lhe a eqüitativa distribuição e equilíbrio entre astrês grandes virtudes ilustradas que constituem o núcleo básico da justiça.Somente uma adequada formação filosófico-jurídica lhes comprometerá amanter uma unidade de critérios de valoração, em um esforço de busca dediscursos jurídicos com potencial capacidade de consenso e que, sobretu-do, atendam ao princípio ético, segundo o qual o direito deve ser manipu-lado de tal maneira que suas conseqüências sejam sempre compatíveiscom a maior possibilidade de evitar ou diminuir a miséria humana: que nãose produza sofrimento quando seja possível preveni-lo, e que o sofrimentoinevitável se minimize e afete com moderação aos membros individuais dasociedade, aos cidadãos.

Neste particular, estamos firmemente convencidos de que o êxito ouo fracasso da humanidade depende em grande medida do modo como asinstituições, que interpretam e aplicam as leis, sejam capazes de incorpo-rar essa nova perspectiva acerca da natureza humana em princípios, valo-res, métodos e decisões jurídicas. Compreender a natureza humana, sualimitada racionalidade, suas emoções e seus sentimentos parece ser o

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melhor caminho para que se possa formular um desenho institucional enormativo que, reduzindo o sofrimento humano, permita a cada um vivercom o outro na busca de uma humanidade comum.

Isso supõe, sem dúvida, um câmbio radical na lógica do atual mode-lo de seleção dos candidatos ao cargo vitalício de juiz que, uma vez conju-gado ao curso de um adequado processo de formação e preparação inte-lectual, viria a permitir o desenvolver e o precisar de um acontecer contí-nuo da identidade e do sentido do direito, da justiça e da própria naturezahumana. E como conseqüência necessária dessa reforma seguramentese viria a constatar, de pronto, um aumento notável dos compromissos eresponsabilidades jurídicas, culturais, políticas e morais assumidas pelosfuturos magistrados: se encontrariam-se ética e substancialmente habilitadosà tarefa de recompor a antinomia sempre latente entre ética e positividadedo direito, entre vínculo da norma e flexibilidade necessária ante fins so-ciais, superando os estágios meramente formais no domínio da realizaçãodo direito, com a independência, a coragem e a necessária virtude que oscompromissos vitais sempre implicam. Afinal, já é chegada a hora de as-sumir que a dignidade do ato de julgar não consiste apenas em uma ques-tão de lógica ou de “bom senso” mas, acima de tudo, de virtude moral.

Se trata, em definitiva, de proporcionar à sociedade um perfil de juizque, dizendo o direito in concreto, priorize a tarefa de alcançar um estadode coisas que se aproxime das expectativas culturais e das intuições eemoções morais (jurídico-sociais de validade e de legitimidade substan-cial) de uma comunidade de indivíduos ante a qual seu discurso deve apre-sentar-se justificado, traduzindo e compondo, em termos de razão e emfórmulas apropriadas de ordenada convivência, essa instintiva e mesmoindisciplinada aspiração de justiça que nos move para o futuro. De ummagistrado que incentive e priorize a implicação do direito com uma postu-ra republicana e democrática do Estado e, portanto, que se distancie daparoquiana concepção de sacerdote da dogmática, travestido do mantoda infalibilidade jurídica e auto-investido da suposta virtude que faz dosjuízes “les bouches qui prononcent les paroles de la loi, des êtres qui n’empeuvent modérer ni la force ni la rigueur” (Montesquieu).

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OS NOVOS CONTORNOS DAS RELAÇÕESDE TRABALHO E DE EMPREGO.

DIREITO DO TRABALHO E ANOVA COMPETÊNCIA TRABALHISTA

ESTABELECIDA PELA EMENDA N. 45/04

Cláudio Armando Couce de Menezes(*)

1. INTRODUÇÃO

A modernidade encerra sua fase histórica: vivemos a era daquilo quese denominou pós-modernidade com sua lógica de pós-capitalismo avan-çado e globalizado. Valores, ideologias, modelos e sistemas econômicos,sociais e jurídicos são questionados, desconstituídos ou simplesmenteabandonados.(1)

Conceitos como nação e soberania são postos em xeque pelos inte-resses do capitalismo globalizado e pelo império liderado pelos EUA, queatravés de instrumentos como o FMI, a Organização Mundial do Comércio,a ALCA e o Banco Mundial, monitoram, impõem (ou tentam impor) modelos,práticas econômicas e comerciais, quando não políticas e jurídicas(2).

(*) Juiz Presidente do TRT 17ª Região.(1) Sobre a Pós-Modernidade e suas repercussões nas mais diversas áreas, consulte-se, entreoutros: HARVEY, David. Condição Pós-Moderna, 9ª ed., São Paulo: Edições Loyola, 2002;JAMESON, F. Postmodernism or the cultural logic of late capitalism, New Left Review, n. 146,1984 e A cultura do dinheiro, Petrópolis: Vozes, 2001; LYOTARD, J. The postmodern condition,Manchester, 1984; BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade, Rio de Janeiro: JorgeZahar Editor, 1998; HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Império, 2ª ed., Rio de Janeiro: Record,2001; HELLER, Agnes, FEHÉR, Ferenc. A Condição Política Pós-Moderna, 2ª ed., Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2002; HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-Modernidade, 3ª ed., Riode Janeiro: DP e M Editora, 1999; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Política do Direito,Brasília Jurídica, DF, 2000.(2) Frederic Jameson bem retrata essa situação em suas obras (Postmodernism or the culturallogic of late capitalism, New Left Reviw, n. 146, 1984; e A cultura do dinheiro, Petrópolis: Vozes,2001).

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Apesar desse quadro, como assinala Jameson(3), o estado-naçãopermanece sendo um foro privilegiado de resistência e luta. A defesa dalegislação trabalhista e previdenciária contra a pressão do capitalismo glo-bal, bem como a implantação de políticas de resistência econômica e cul-tural, são imperativos de qualquer Estado comprometido com o bem-estarsocial de sua população.

A Pós-Modernidade denota também a busca desenfreada do consu-mo, quadro disseminado por quase todo o mundo. É a “cultura do consumo”,expressão do sociólogo escocês Leslie Sklair, caracterizada pela geraçãode valores, desejos e necessidades artificiais, destinados a criar um uni-verso de consumidores para a produção cada vez mais de produtos e ser-viços(4). Bauman(5) retrata com precisão toda essa artificialidade.

Desse painel chegamos ao gosto desmedido pelo efêmero, novida-des e modas que se sucedem cada vez mais rápido. Padrões de condutas,gostos, modas, preferências, modelos jurídicos e sociais são abandona-dos e descartados com uma “sem-cerimônia” digna de registro, sempreatendendo, contudo, a imperativos do mercado e dos interesses econômi-cos e políticos dominantes(6).

No campo das relações laborais, a pós-modernidade é marcada pelaflexibilização dos processos e mercados de trabalho, com o objetivo deaumentar a produtividade os ganhos do capital e, por fim, enfraquecer osmovimentos dos trabalhadores(7).

(3) A cultura do dinheiro, pp. 38 e 51.(4) JAMESON, A cultura ... cit., pp. 27 e 55.(5) “Atualmente, os indivíduos são socialmente empenhados, em primeiro lugar, através do seupapel como consumidores, não produtores: o estímulo de nossos desejos toma o lugar da regula-mentação normativa, a publicidade toma o lugar da coerção, e a sedução torna redundantes ouinvisíveis as pressões da modernidade”. D. Harvey, igualmente destaca essa nota típica: “A lutapela manutenção da lucratividade apressa os capitalistas a explorarem todo tipo de novas possi-bilidades. São abertas novas linhas de produtos, o que significa a criação de novos desejos enecessidades. Os capitalistas são obrigados a redobrar seus esforços para criar novas necessi-dades nos centros, enfatizando o cultivo de apetites imaginários e o papel da fantasia, do capri-cho e do impulso”.(6) HARVEY, em sua análise do momento atual, destaca tal aspecto em inúmeras passagens desua obra: “O pós-modernismo nada, e até se esponja, nas fragmentárias e caóticas correntes damudança, como se isso fosse tudo o que existisse. (HARVEY, David. Condição Pós-Moderna, 9ªed., São Paulo: Loyola, 2000, p. 49). “Dentre as inúmeras conseqüências dessa aceleração gene-ralizada dos tempos de giro do capital, destacarei as que têm influência particular nas maneiraspós-modernas de pensar, de sentir e de agir.A primeira conseqüência importante foi acentuar a volatilidade e efemeridade de modos, produ-tos, técnicas de produção, processo de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas estabele-cidas. A sensação de que tudo que é sólido se desmancha no ar raramente foi tão sentida. (HARVEY,David, ob. cit., p. 258).Dominar ou intervir ativamente na produção da volatilidade envolvem, por outro lado, a manipulaçãodo gosto e da opinião, seja tornando-se um líder da moda ou saturando o mercado com imagensque adaptam a volatilidade a particulares. Isso significa, em ambos os casos, construir novos siste-mas de signos e imagens, o que constitui em si mesmo um aspecto importante da condição, aspec-to que precisa ser considerado de vários ângulos distintos (HARVEY, David, ob. cit., p. 259).”(7) A terceirização (ou subcontratação) e o trabalho temporário são expedientes comumente uti-lizados para atingir tal finalidade.

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Por outro lado, os mercados de trabalho nacionais são ameaçadospelas corporações mediante a transferência de suas operações para esta-dos, países ou continentes que ofereçam redução ou isenção de impos-tos, mão-de-obra barata etc.

Assim, são utilizados todos os instrumentos de pressão para imporcontratos de trabalho mais flexíveis ou até mesmo a precarização absolu-ta do trabalho.

Também no contexto da pós-modernidade no campo trabalhista, cons-tata-se que a prestação de serviços ganha novas características: múltiplastarefas, com eliminação ou atenuação das atribuições de cada função(8) eapropriação dissimulada do saber do trabalhador (centro de controle dequalidade, reuniões de aperfeiçoamento etc.).

Percebe-se, por conseguinte, uma mudança radical no modo de serdo trabalho, inclusive quanto ao que se espera do trabalhador. Este deveser capaz de criar, laborar agilmente e contribuir com inovações em prolda empresa. Por sua vez, o capital faz exigências contínuas para aumen-tar a precarização do trabalho sob o argumento de que experiências comoa flexibilização e a desregulamentação do trabalho aumentariam o nível deemprego e trabalho(9).

Contudo, o desemprego não diminui(10). Ao contrário, aumenta, bemcomo o subemprego, apesar de toda a retórica dos empresários e legisla-dores(11). A segurança e as condições de trabalho não avançam, ao contrá-rio, tornam-se cada vez mais precárias no trabalho terceirizado e flexibili-zado. E, se algo pode ser ainda pior, a desigualdade social e econômicaentre países ricos e pobres não cessa de aumentar(12).

(8) Adverte Richard Sennett que a repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibilidade produzi-ram novas estruturas de poder e controle, em vez de criarem condições de autonomia e de maiorliberdade (A corrosão do caráter, conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo, Riode Janeiro: Record, 1999, p. 54).(9) Como advertem inúmeros economistas e estudiosos do Direito do Trabalho, o Brasil é um dospaíses que mais flexibilizaram sua legislação trabalhista. Basta lembrar o FGTS, que pôs fim àestabilidade geral no emprego, os contratos temporários e por tempo determinado, o trabalhoparcial, a ausência de proteção real contra despedida arbitrária ou imotivada, a flexibilizaçãoampla autorizada por segmentos da jurisprudência, a ampliação desmedida da utilização de con-tratos de estágio e as rotineiras fraudes que não encontram resposta apropriada do legislador edas autoridades administrativas e do Judiciário do Trabalho.(10) O desemprego no Brasil não desce: 12,8% em 7.2003 e 13% em 8.2003 (recorde). O rendi-mento médio real dos salários por outro lado, continua caindo (13,8% em 8.2003 e 16,4% em7.2003). (Fonte IBGE, public. Globo de 25.9.2003, p. 25).(11) O Globo de 16.9.2003, matéria de capa e p. 23, informa que a queda de venda e o desempre-go estão forçando o brasileiro a cortar até alimentos básicos de sua lista de compras. Essa dra-mática situação se repete em inúmeros países “emergentes”. Esses dados da Associação Brasi-leira de Supermercados são confirmados pelo IBGE, que retratou a queda pelo 8º mês consecu-tivo das vendas no comércio. Para o IBGE, a perda do poder aquisitivo da população e a alta taxade desemprego são os responsáveis pela menor atividade no varejo (Fonte: Jornal do Brasil,16.9.2003, 1ª p. e p. A22). Sejamos justos, este fenômeno estende-se por boa parte dos paísesde 3º mundo (vide nota 12).(12) De acordo com o relatório de 1994, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para de-senvolvimento (PNDU), a integração econômica mundial tem contribuído para acentuar a desi-

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Nessa reengenharia do trabalho e do sistema empresarial renasce olabor no âmbito doméstico, o trabalho em domicílio que, em determinadascircunstâncias, recebe a denominação de “teletrabalho”. Também emer-gem as “microempresas” e “pequenas sociedades” para a realização deatividades em benefício da grande empresa, mediante o trabalho de ex-empregados ou de “empresários” que não são outra coisa que trabalhado-res qualificados ou de confiança do tomador dos serviços.

A retomada do trabalho em domicílio termina por ressuscitar o regimede superexploração vivido no século XIX e no início do século XX(13). Oteletrabalho, muitas vezes, dá origem também a jornadas extremamentedilatadas e fatigantes. Aliás, sequer a suposta e trombeteada liberdade dotrabalhador de empregar livremente o seu tempo é confirmada pelos fatose pelos pesquisadores. Richard Sennett (14), estudando essa modalidadede labor nos EUA, conclui que:

“Criou-se um monte de controles para regular o processo detrabalho concreto dos ausentes do escritório. Exige-se que as pes-soas telefonem regularmente para o escritório, ou usam-se contro-les de intra-rede para monitorar o trabalhador ausente; os e-mailssão freqüentemente abertos pelos supervisores.”

“Um trabalhador em flexitempo controla o local de trabalho, masnão adquire maior controle sobre o processo de trabalho em si. Aessa altura, vários estudos sugerem que a supervisão do trabalhomuitas vezes é maior para os ausentes do escritório que para ospresentes”. (Jeremy Rifkin, The End of Work, New York: Putnam,1995)(15).

Portanto, as novas tecnologias não diminuem ou extinguem o poderde controle do empregador e a exploração do trabalho. O que ocorre é que

gualdade. A diferença entre os 20% mais ricos da população mundial e os 20% mais pobres, maisdo que duplicou. Diz ainda o relatório que, em face da globalização assimétrica, a parcela de 20%da população mundial que vive nos países de renda mais elevada concentra 86% de PIB mundial,82% das exportações e 68% do investimento direto estrangeiro.(13) HARVEY (ob. cit., p. 175), como exemplo dessa situação, aponta o caso dos trabalhadoresde Nova Iorque, Los Angeles e da Inglaterra, que voltam a vivenciar situação que se pensava jáarquivada nos registros da história social.(14) A corrosão do caráter, conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo, Rio deJaneiro: Record, 1999, p. 68.(15) SENNETT (ob. cit., p. 175) completa: “Os trabalhadores, assim, trocam uma forma de sub-missão ao poder — cara a cara — por outra, eletrônica; foi o que descobriu Jeannett, por exem-plo, quando se mudou para um local de trabalho mais flexível no leste. A microadministração dotempo avança seguidamente, mesmo quando o tempo parece desregulado em comparação comos males da fábrica de alfinetes de Smith ou do fordismo. A “lógica métrica” do tempo de DanielBell passou do relógio de ponto para a tela do computador. O trabalho é fisicamente descentrali-zado, o poder sobre o trabalhador mais direto. Trabalhar em casa é a ilha última do novo regime”(destaques nossos).

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agora seu exercício se faz de maneira mais complexa, mais difusa, tendoos juristas e aplicadores do direito cada vez mais dificuldade em identificare tratar esse fenômeno.

Já o regime de trabalho através das microempresas ou das socieda-des de pequena monta — por demais comum nas práticas de terceiriza-ção e franchising — não raro corporificam fraudes escancaradas à legis-lação trabalhista(16). Com efeito, proliferam, com o estímulo das grandesempresas, “empreendimentos” de autênticos empregados, transvestidosde pequenos empresários.(17) (18)

Esse perfil da pequena e da microempresa, forjada pelos interessesdo grande capital, é alvo de análise do professor de Filosofia do Direito daPUC-SP, o jurista e filósofo Willis Santiago Guerra Filho, que destaca asconseqüências daninhas para o “novo empresário”:

“Além de ganhar menos, o trabalhador termina tendo que tra-balhar mais, principalmente quando tem “seu próprio negócio”, sub-metido à pressão de um mercado, onde é obrigado a atender asexigências de quantidade e qualidade da produção, estabelecidaspor seu único comprador, a grande empresa terceirizada, ou, então,sucumbir à concorrência. Retorna, assim, com todo rigor, nesse finalde século XX, a mais-valia absoluta, como forma mais adequada deobter mais-trabalho”(19).

Em igual diapasão, Giovanni Alves, professor de sociologia da UNESP,demonstra que, por trás da revitalização do mito da pequena empresa,está o interesse do grande empresário em diminuir custos através da pre-carização do trabalho e o objetivo de controle da força de trabalho, alémde criar um modelo apto à flexibilização do capital e do emprego:

(16) GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Política do Direito, uma introdução Política ao Direi-to, Brasília Jurídica, DF, 2000, p. 69.(17) Relatório recentemente publicado no O Globo (Caderno de Economia, 21.10.2003, B.19),oriundo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), mostra que o desemprego re-corde dos últimos 20 anos na América Latina guarda estreita ressonância com o fato de que muitosdos que estão no mercado informal laboram para grandes empresas sem registro trabalhista esocial, em absoluto desamparo, inclusive no tocante à garantia contra a perda do trabalho, fontede sua sobrevivência.(18) MAZEAUD, Antoine (Droit du travail, 2ª ed., Paris: Montchrestien, 2000, p. 238) advertesobre esse procedimento empresarial, que não raro transborda os limites da legalidade e damoral. Destacando, ainda, o aspecto de que as pequenas empresas e firmas individuais não rarosão constituídas por ex-empregados: “L’ extériorisation de la main-d’oeuvre, l’essaimage, c’est-à-dire, la tendance à confier des activités ou des emplois à des entreprises ou personnes physiquesextérieures, renforcent le risque de pseudo sous-traitance, exécuteé le cas écheant par d’ancienssalariés de l’entreprise ayant fait l’objet de licencienments économique ou en fin de contrat àdurée déterminée”.(19) Ob. cit., p. 69.

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“Não obstante o fato de que as grandes empresas sempre pre-cisaram das pequenas, como se observa com a existência dasubcontratação sob a grande indústria, sob a mundialização do capi-tal, em que o espírito do toyotismo impulsiona novos estilos de acu-mulação capitalista, a utilização das pequenas empresas torna-seuma estratégia de organização industrial voltada para o controle dotrabalho e do emprego, adequada à nova época de crise de valoriza-ção do capital, na qual a instabilidade perpétua impõe a constituição,pelas corporações transnacionais, de um “colchão” de pequenasempresas capazes de amortecer as inconsistências dos mercados”(20).

Destarte, em que pese o processo produtivo e as relações trabalhis-tas não se prenderem mais ao modelo arcaico denunciado por Zola no“Germinal”, tampouco aquele, típico da modernidade, do regime tayloristae fordista, tratado com tanta graça e perspicácia por Chaplin em “TemposModernos”, as novas formas em curso mantêm, contudo, o domínio doempregado e o seu controle da prestação dos serviços, quando não daprópria pessoa do trabalhador. Essas novas medidas apelam para a pre-carização do trabalho, preservando, com novas roupas, práticas remotasde exploração. Por isso, permanece a necessidade de limitação da jorna-da, estipulação de períodos de repousos, inclusive anuais, estabelecimen-to de meios para assegurar o emprego ou uma compensação substancialpela sua perda, edição de normas de higiene, fixação de um salário míni-mo etc.(21).

Do quadro que viemos de demonstrar, emerge o questionamentosobre o sujeito da proteção assegurada pela legislação trabalhista e previ-denciária. Com efeito, no universo dos trabalhadores, os empregados têmmerecido atenção especial do legislador, sobretudo no Direito do Trabalho.Contudo, outras espécies de trabalhadores, excepcionado o avulso (art.7º, XXXIV, da CF), não recebem no nosso País o mesmo destaque, apesardas semelhanças de condições de vida e de labor.

Disso resulta duas orientações que não se excluem. A primeira tri-lha no sentido de considerar como empregado obreiros que estão nachamada zona cinzenta ou nebulosa, onde nem sempre se pode precisara natureza da relação mantida entre as partes, porque não muito clarosos requisitos definidos na lei como caracterizadores do vínculo de

(20) O novo (e precário) mundo do trabalho, São Paulo: Boitempo, 2000, p. 80.(21) No Brasil, como em outros países, convivem os modos fordistas e as novas formas de produ-ção e geração de riquezas, a par de modos de produção e de trabalho absolutamente caducosem diversos países de primeiro mundo. O trabalho infantil, o forçado e o prestado em regime deescravidão são notas típicas desta situação. Sobre o tema da proteção do emprego e do trabalhoe sua flexibilização: “Proteção do Contrato de Trabalho e o Emprego no Brasil”, Revista do TST,vol. 68, n. 1, jan./mar., 2002, p. 153 e “Negociado sobre o legislado”, Revista do TST, vol. 68, n. 2,abr./jun., 2002, p. 153.

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emprego, notadamente a subordinação. A segunda, mais recente e comcores mais profundas, repensa o próprio conceito de subordinação, pro-curando estender o Direito do Trabalho e Previdenciário ao maior númeropossível de trabalhadores.

Essas vertentes têm na subordinação seu ponto de partida, sejapara tentar encaixar os fenômenos trabalhistas em sua moldura, seja parasuperá-la.

2. A SUBORDINAÇÃO E O TRABALHO NO SÉCULO XXI

A subordinação é tradicionalmente vista sob o aspecto puramentejurídico. O trabalhador está sujeito às ordens do seu empregador a quempertine o poder ou o direito de comando que se traduz na direção, mando,organização e fiscalização da prestação de serviços. Matizes de ordemtécnica e econômica são, em geral, desprezados pela doutrina. Assim, sóse poderia cogitar da aplicação das normas protecionistas dos emprega-dos quando demonstrada a subordinação jurídica.

Problemas, contudo, surgem dessa formulação teórica restrita eirrealista, ultrapassada pelas metamorfoses ocorridas nas relações dotrabalho.

É que a nova realidade social trabalhista trouxe a transmutação dasubordinação clássica e a aproximação de fato entre empregados e traba-lhadores ditos autônomos.

Com efeito, a diferença entre trabalho subordinado e independente écada vez mais tênue em determinados segmentos da economia(22), sobre-tudo naqueles que, em sua estrutura operacional, utilizam os serviços emrede de pequenas e microempresas, profissionais especializados, terceiri-zação de serviços, trabalho em domicílio (teletrabalho, confecção, fabrica-ção de componentes para a grande contratante, consultoria etc.), peque-nas empreitadas e subempreitadas, firmas de distribuição e franchise.

Difícil, não raro impossível, é distinguir nesse movediço terreno quemé trabalhador independente e quem não é, até porque, com freqüência, afraude veste os empregados com o manto da autonomia.

(22) MAZEUD aborda esse ponto, evidenciando a dificuldade atual em proceder à distinção entretrabalho independente e trabalho subordinado, pois, freqüentemente, essas modalidades de la-bor apresentam-se de maneira difusa: “Les independants, qui ne forment pas un groupe homogène,se trouvent parfois en situation de precarisation renforcée. Le passage du salariat au ‘selfemployment’ peut apparaître factice. La pluriactivité peut associer un contract de travail à tempspartiel avec une activité indépendante. En somme, entre le travail, réelement indépendant et letravail salarié, il existe de multiples points de rencontre; entre les deux, il existe une ‘zone grise’que l’on désigne parfois sous le terme de ‘contrat de travail indépendant’” (ob. cit., p. 238).

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O modelo de rede empresarial traz uma aparente autonomia nasfunções exercidas pelo empregado(23). E, mais, significativo, uma depen-dência que não raro ganha contornos de pura e simples submissão doprestador de serviços autônomos, pois, além do serviço contratado pelaorganização consistir em sua fonte de sobrevivência, não tem autoriza-ção ou condições de laborar ou de contratar com outrem(24). Supiot aludea várias pesquisas realizadas neste campo na Europa que põem em evi-dência a integração entre microempresários e pequenas empresas naestrutura empresária dominante. Estes autênticos trabalhadores devemobservar regulamentos que tratam de preços, atendimento à clientela,técnicas e normas de qualidade, agenciamento e de gerência, que sãoministrados pela empresa dominante e beneficiária da atividade. Estatermina por controlar e dar ordens a esses “empresários”(25). Algumasdispõem até sobre a indenização em caso de ruptura do contrato de seudependente(26).

Outro aspecto que torna também difícil a caracterização da exatanatureza da relação jurídica mantida pelas partes reside na alteração domodo de se externar a obrigação principal do trabalhador: o trabalho.Isso também devido aos novos traços da estrutura hierárquica empresa-rial. Os assalariados, em diversas ocasiões, são inseridos em sistema detrabalho e remuneração que, com certa freqüência, induzem a erro afiscalização e o magistrado no que toca ao exato enquadramento do elojurídico mantido entre o tomador de trabalho e o prestador de serviços.Por exemplo, pagamentos com base nos resultados da empresa que,sendo positivos, garantem uma remuneração constante trazem grandeperplexidade.

3. CRITÉRIOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DEEMPREGO EM SITUAÇÕES CONTROVERTIDAS E NEBULOSAS

Conforme já destacamos, torna-se cada vez maior a dificuldade dooperador do direito apurar, nos casos concretos que lhe são submetidos, arelação de emprego, em especial o traço característico consagrado peladoutrina tradicional, a subordinação jurídica, frente aos novos contornosdas relações econômicas e jurídicas advindas da pós-modernidade.

(23) O mesmo se dá nas empresas que laboram com alta tecnologia. Porém, como já ressalta-mos, tanto em um caso como em outro, esse afrouxamento de poderes do empregador é relativo,substituído que é por meios mais sutis (e eficazes) de domínio e direção.

(24) SARAMAGO retrata com grande desenvoltura e sensibilidade essa situação no romance, ACaverna, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

(25) “Les nouveaux visages de la subordination”, Paris, Droit Social, 2 , 2000, p. 137.

(26) Idem, ibidem.

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Inicialmente são lembrados o critério da inversão do ônus probandiem favor do trabalhador, a presunção da existência de vínculo de empregoem caso de dúvida acerca da exata natureza da relação de trabalho e ateoria da subordinação objetiva.

Outros modos de alargar a noção do contrato de trabalho e sua ca-racterização são ainda mencionados em doutrina, reafirmando os méto-dos e orientações tradicionais. Entre eles podemos citar a teoria da Inte-gração a um serviço organizado que, em muito, se assemelha à idéia dasubordinação objetiva. Analisa-se a situação do trabalhador, indagando-sese o mesmo está integrado em uma organização econômica controladapor outrem(27).

Essa noção permite alargar os contornos da subordinação jurídica apartir do momento que não afasta a possibilidade do assalariado possuiruma certa autonomia no exercício de suas funções(28), como alguns pres-tadores de serviços(29) (chapas, subcontratados, “locatários” de veículoscomo os motoristas de empresas de táxi, motoristas entregadores e seusajudantes de supermercado e hipermercados), trabalho por conta e bene-fício de uma empresa ou conglomerado(30).

As teorias e técnicas acima expostas são extremamente valiosasna caracterização in casu da relação de emprego, estendendo a tutelada lei aos trabalhadores em situação nebulosa. Contudo, são insuficien-tes, ainda, no tocante a uma gama de prestadores de serviços que, ape-nas mediante uma reformulação dos parâmetros tradicionais, poderiamser incluídos no seu âmbito, até porque os indicadores acima noticiadoscontinuam presos à concepção da subordinação jurídica, pois visam ape-nas evidenciá-la ou, quando muito, impõem sua admissão em concretocomo que por ficção(31).

(27) Essa construção é corrente entre alemães (arbeitsorganisatorische abhängigkeit) e france-ses (intégracion à un service organisé).(28) Nesse sentido: GAUDU, François e VATINET, Raymonde. “Les contrats du travail”, in Traitédes Contrats, Paris: LGDJ, 2001, p. 29. Os autores mencionam, com apoio na jurisprudênciafrancesa, a admissão do liame empregatício mesmo que o obreiro estabeleça seu horário detrabalho segundo suas conveniências.(29) Trabalhadores tidos como eventuais podem se socorrer dessa construção, conforme de-monstram François Gandu e Raymonde Vatinet (ob. cit., p. 38), aludindo à jurisprudência francesaque, a despeito do caráter pontual e breve das tarefas contratadas, reconhece essa integraçãono serviço organizado e a destinação econômica do empregador.(30) Em Portugal fala-se em integração numa organização de meios produtivos alheia, gerandoum “estado jurídico de subordinação” que se verifica, segundo determinada jurisprudência, naintegração do obreiro na esfera de domínio ou autoridade do patrão, embora praticamente inde-pendente no modo de exercer a sua atividade (FERNANDES, Antônio Lemos Monteiro. Direito doTrabalho, 11ª ed., Coimbra: Almedina, 1999, p. 135).(31) Tal estado de incertude jurídica e a exclusão social dele decorrente é reconhecido por estu-diosos e legisladores dos mais diversos quadrantes. Vale registrar aqui a ampla pesquisa basea-da no direito europeu feita por SUPIOT (ob. cit., p. 140). Em obra coordenada por este renomadoprofessor da Universidade de Nantes, Muriel Fabre-Magnan, seu colega naquela instituição,

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4. A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA

Essas dificuldades têm levado estudiosos de grande envergadura aquestionar a subordinação jurídica como nota típica do contrato de traba-lho ou, ao menos, como o elemento preponderante para aplicação ou nãodo Direito do Trabalho(32). Este questionamento vem dando frutos na legis-lação estrangeira(33) e na jurisprudência de diversos países(34).

Com efeito, em decorrência da imperiosa urgência em alargar o campode aplicação do Direito do Trabalho para incluir em seu âmbito todo o uni-verso do trabalho, reafirma-se o critério da dependência econômica(35), des-cartado pelos juslaboralistas tomados pelo afã de emprestar tal particula-ridade ao seu campo de estudo que terminam por adotar uma visão exclu-dente e prejudicial àqueles que vivem do trabalho prestado a outrem sema devida proteção social(36).

Assim, França, Alemanha, Países Baixos, Itália, Inglaterra e Portu-gal aplicam total ou parcialmente, o Direito do Trabalho sob o critério dadependência econômica ou de conceitos assemelhados (“parassubordina-ção”, “quase assalariados”, “pessoas assimiladas a trabalhadores” etc.)(37).

conclui que: “La Subordination est un bom test, valable dans la très grande majorité des cas, pourdeterminer s’il existe un contrat de travail, mais elle n’est pas de l’essence du contrat de travailpuisqu’il peut ne pas y avoir subordination sans que le contrat de travail s’en trouve disqualifiépour autant” (“Le contrat de travail défini por son objet”, in Le travail en perspectives, sous ladirection de Alain Supiot, Paris: LGDJ, 1998, p. 120).(32) SUPIOT (ob. cit., pp. 131/144); CHAUMETTE, Patrick. Quel avenir pour la distinction travaildépendant/independént?; FABRE-MAGNAN, Muriel. “Le contract de travail défini por son objet”, inLe Travail en perspectives, pp. 79/87, 101/124; MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do Trabalho,I vol., 190/1 e II vol., 1º tomo, pp. 87/90, Lisboa, 1999, 3ª ed.; FERNANDES, Antônio LemosMonteiro. Direito do Trabalho, 11ª ed., Coimbra: Almedina, 1999, pp. 134/5 e 148/151; JEAMMAUD,Antonie. “L’assimilation de franchisé aux salariés”, Droit Social, Paris, n. 2, Février 2002, pp.158/164; GAUDU, François e VATINET, Raymonde, ob. cit., pp. 37/39 e 47/51. No Brasil, podemoscitar DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na Legislação Trabalhista, 2ª ed., São Paulo:LTr, 2002, pp. 164 e 173: que admite a teoria da dependência econômica em face da necessidadede atender às novas figuras contratuais surgidas com o avanço tecnológico.(33) Alemanha: Lei n. 5.333/1973 e art. 409 do Código de Processo Civil.(34) Conferir: Supiot (pp. 140/143), GAUDU, François e VATINET, Raymonde, ob. cit., pp. 38/51 eJEAMMAUD, Antonie, ob. cit., pp. 158/163.(35) Recorde-se que a construção teórica sobre a subordinação jurídica, importada pelos juris-tas brasileiros, sempre teve cores de artificialidade, pois a CLT alude apenas à “dependência”.Eis o que diz nosso legislador: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar servi-ços de natureza não eventual a empregador sob a dependência deste e mediante salário” (art.3º da CLT).(36) A apologia da subordinação econômica não contribui de maneira alguma para o adequadotratamento jurídico que demandam as novas relações de trabalho e contratuais. Sobre o tema:FERNANDES, Antônio Lemos Monteiro. “Sobre o objeto de direito do trabalho” in Temas Laborais,Coimbra: Almedina, 1984, p. 44 e Direito do Trabalho, pp. 134/5 e 148/151.(37) "A crise que caracteriza os últimos decênios do século XX, em toda parte, propicia a revalo-rização da dependência econômica como critério legitimador da aplicação das leis trabalhistas aquem prestar serviços remunerados por conta de outrem, ainda que não juridicamente subordi-nado” (ROMITA, Arion. “A Crise da Subordinação Jurídica — Necessidade de Proteção a Traba-

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Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, traçaremos algumaslinhas gerais, com o objetivo de despertar o interesse dos advogados, es-tudiosos, legisladores e magistrados.

4.1. França

Em situação de acentuada dependência econômica, a jurisprudênciafrancesa tem pugnado pela equiparação do profissional ao trabalhadorregido pelo contrato de emprego(38).

Isso porque são numerosos os comerciantes, trabalhadores de fir-ma individual, microempresas ou de pequenos empreendimentos e fran-queados que se encontram nesse estado de dependência econômica(39).O montante não cessa de aumentar, segundo o testemunho de FrançoisGaudu e Raymonde Vatinet(40), gerando a necessidade de um tratamentolegal apropriado para esse obreiros, que os trate de forma idêntica aosassalariados(41).

Importante passo nesta direção é o art. 781-1, § 2º, do Código doTrabalho, que estende a proteção trabalhista aplicável aos empregadosàqueles que exercem atividade consistente em recolher encomendas, rea-lizar serviços de manutenção ou transporte, fabricação de objetos, presta-ção de serviços, colocação de produtos no mercado por conta de uma

lhadores Autônomos e Parassubordinados”, Revista LTr, nov. 2004, vol. 68, n. 11, p. 1.292). Nestesentido também é o parecer de Luciana A. M. Gonçalves da Silva: “a dependência econômica dotrabalhador em relação ao tomador de serviços deve ser um fator considerável para assecura-ção de uma tutela laboral. A noção de subordinação impende consignar novos horizontes, valo-rando não apenas a sujeição, mas também a dependência econômica, de forma a concederproteção não apenas ao empregado, mas também a um trabalhador a este próximo” (“Descentra-lização produtiva: o trabalho parassubordinado”, Revista LTr, vol. 68, n. 11, nov. 2004, p. 1347).

(38) GAUDU, François e VATINET, Raymonde, ob. cit., p. 38, mencionam diversas decisões nestesentido: Bull. Civ. n. 9; D. 1977, 173, note; JEAMMAUD; Bull. Civ. n. 283, p. 173; RJS 1997, n. 862,Cass. Soc. 22 mai. 1977.

(39) Como notam François Gaudu e Raymonde Vatinet (ob. cit., p. 47), que destacam ainda ocaráter exclusivo (ou quase) da atividade prestada em forma da empresa dominante, a existênciade condições contratuais e preços impostos pela beneficiária dos serviços. No tocante dos con-tratos de franquia, falsos ou marcados por forte ascendência do franqueador, também há essemovimento de equiparação: “La Chambre Commerciale de la Cour de Cassation, suivie par plusiersdécisions de juges de fond, admet dés ormais leur application au contrat de franchise. (128) Cass.Com. 3 mai 1995, JCP 5, E, II, 748, obs. L. LEVENEUR; D. 97.10; somm. comm. p. 57, obs. D.Ferrier ‘les pseudo franchisés n’étaient autorisés à vendre que des marchandises en provenancedu franchiseur, dans un local agréé’ par ce dernier, à des prix fixés unilatéralement par lui; commele relève D. FERRIER, de telles requalifications ‘pourraient se multiplier avec la transformation denombreux distributeurs mandataires à la vente ou depositaires en vue de la vente ou encorecommissionaires sous la marque du franchiseur’” (GAUDU, François e VATINET, Raymonde, ob.cit., p. 48).

(40) Ob. cit., p. 47.

(41) Neste sentido: CHAUMETTE, Patrick (ob. cit., pp. 79/87), FABRE-MAGNAN, Muriel (ob.cit., pp. 101/124) e SUPIOT, Alain (Le Travail en perspectives: une introduction, Paris: LGDJ, 1998,pp. 1/12).

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empresa, em estabelecimento fornecido por ela (ou agregado), que fixa ascondições contratuais e do negócio, bem como o preço. Isso se dá semque haja necessidade de estabelecer um elo de subordinação jurídica, poisé suficiente apenas a dependência econômica(42).

Essa assimilação compreende inclusive os que estão sob contrato defranquia ou de distribuição, com condições, tarifas e preços impostos pelaempresa concessionária, franqueadora ou beneficiária da atividade daquelesque não são nada mais de que uma peça na engrenagem empresarial(43) (44).

4.2. Alemanha

O Direito alemão utiliza a técnica do “arbeitnehmerähnliche Personen”,pessoas assimiladas a trabalhadores ou “quase-assalariados”. Estas pes-soas são assim definidas pela Lei sobre a Contratação Coletiva de 1974(art. 12) como obreiros juridicamente autônomos, mas economicamentedependentes, que necessitam, por isso, de proteção semelhante àquelaministrada aos empregados.

A lei exige a denominada dependência pessoal do trabalhador, ouseja, a maior parte de seu trabalho, ou se seus ganhos, devem vir de umasó pessoa, entidade ou instituição(45), compreendida nessa idéia o grupoeconômico ou financeiro, mesmo destituído de personalidade jurídica.

Após amplo debate, ficou estabelecido que aos assimilados ao assa-lariado seriam aplicáveis algumas leis trabalhistas e institutos de Direitodo Trabalho e Previdenciário(46) (férias, convenções coletivas, leis dos Tri-bunais do Trabalho)(47).

4.3. Holanda

Na Holanda a assimilação entre os campos da autonomia da relaçãode emprego é também uma realidade.

A lei que trata das despedidas econômicas é em certos pontos apli-cável àqueles que não são titulares de uma relação de emprego, cuja

(42) JEAMMAUD, Antonie (“L’assimilation de franchisés aux salariés; Droit Social, n. 2, 2.02, p.161) e GAUDU, François e VATINET, Raymonde (ob. cit., p. 47 e seguintes).(43) JEAMMAUD, Antonie (ob. cit., pp. 158, 161/2).(44) JEAMMAUD (ob. cit., pp. 158/163) menciona várias decisões acerca da aplicação das nor-mas do Direito do Trabalho àqueles que exercem atividades sob contrato de franquia, com acondenação da empresa beneficiária no pagamento de indenização trabalhista, inclusive por “dis-pensa” (tida como tal a não renovação do contrato de franquia).(45) No caso dos jornalistas, escritores e artistas este ganho foi fixado em ao menos um terço(SUPIOT, “Les nouveaux visages...”, p. 142).(46) Uma lei de 1998 inclui esses prestadores de serviços no seguro social por velhice.(47) Essas convenções coletivas terminam por atender outros direitos e benefícios, equiparandona prática os quase-assalariados aos empregados e trabalhadores em geral.

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situação de dependência econômica possa ser evidenciada pelos seguin-tes critérios: a) pessoalidade do trabalho prestado; b) no máximo dois em-pregadores como beneficiários da atividade; c) limite de até dois auxiliaresou ajudantes a serviço do dependente econômico; d) a atividade do de-pendente econômico não pode ter caráter acessório(48).

4.4. Itália

A noção italiana de parassubordinação estendeu aos agentes e re-presentantes comerciais, bem como a outras relações de trabalho, os di-reitos atinentes à categoria dos empregados, desde que haja uma presta-ção de trabalho contínua, pessoal e coordenada, sendo para tal irrelevan-te a presença da subordinação jurídica(49).

Nesse conceito, ficam evidentes a idéia de dependência econômi-ca(50) e a concepção de uma categoria aberta(51) onde podemos encontraradvogados, médicos e prestadores de serviço que laboram à distância(52).

Como destaca Affonso Dallegrave, os adeptos do neoliberalismo noDireito do Trabalho, buscaram, através da parassubordinação, afastar atutela trabalhista. Essa tentativa parece ter malogrado, pois os trabalhado-res parassubordinados obtiveram pela via da negociação coletiva vanta-gens que ultrapassam de longe o mínimo legal(53).

No Brasil, frente ao ordenamento legal e constitucional em vigor, anoção de parassubordinação só terá valia se manejada em sentido tal quevenha a abranger no leque do Direito do Trabalho, as novas formas contra-tuais e as já tradicionais do agente e representantes comerciais, correto-res, pequenos artífices e empreiteiros, prestadores de serviço em geral eaqueles que laboram sob contrato de franquia desde que presente a de-pendência econômica com os traços já assinalados(54). Estes profissionais,de toda sorte, no Brasil, já têm à sua disposição ao menos a Justiça do

(48) SUPIOT. Ob. cit., p. 142.(49) A parassubordinação foi introduzida no direito italiano com a Lei n. 533/1973, codificada noartigo 409 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos: “Altri rapporti di collaborazioni chese concretino in una prestazione d’opera continuativa e coordinata, prevalentemente personaleanche se non a carattere subordinato”.(50) FERNANDES, Antônio Lemos Monteiro. Direito do Trabalho, p. 149.(51) SUPIOT. “Les nouveaux”, p. 142.(52) DALLEGRAVE. Ob. cit., p. 172.(53) Ob. cit., p. 173.(54) “... para os operadores jurídicos voltados para uma hermenêutica colocada nos princípiosconstitucionais de valorização do trabalho, do trabalhador e do pleno emprego (arts. 170 e 193 daCF), a tutela jurídica da Consolidação das Leis do Trabalho deve ampliar seu horizonte paraacolher novas figuras contratuais e, nesta perspectiva, os trabalhadores parassubordinados seincluem no objeto do direito do trabalho, em face de em exegese tecnológica e conforme à Cons-tituição” (DALLEGRAVE NETO, José Affonso, ob. cit., p. 173) (grifo do autor).

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Trabalho para buscar o pagamento se seu trabalho e as reparações deordem patrimonial e moral (art. 114, caput e incisos, da CF, com a redaçãodada pela EC n. 45, de 8 de dezembro de 2004)(55).

4.5. Portugal

O trabalhador independente, por estar em estado de dependênciaeconômica ou usufruir os frutos de sua atividade, frente àquele que tomaseus serviços, deve encontrar proteção trabalhista e social(56).

Essa dependência econômica requer uma relação direta entre o be-neficiário da atividade e o prestador de serviços, marcada pela continuida-de e pela exclusividade, caracterizando uma submissão econômica desteem relação àquele:

“Esta (dependência econômica) revela-se por dois traços fun-damentais e estreitamente associados: o fato de quem realiza otrabalho exclusivo e continuamente, para certo beneficiário, encon-tra na retribuição o seu único ou principal meio de subsistência (háassim uma dependência da economia do trabalhador perante a domesmo beneficiário); e, de autonomia técnica e jurídica, se inserirnum processo produtivo dominado por outrem (verificando-se, pois,dependência sob o ponto de vista da estrutura do mesmo proces-so). Isto pode ocorrer até quando o trabalhador é juridicamente au-tônomo, exercendo a sua atividade em estabelecimento próprio se,porventura, todo o produto dessa atividade se destina a inserir-senum processo produtivo mais amplo, promovido e dominado porcerta atividade(57).”

“Considera-se a dependência econômica relacionada com o fatode o prestador de trabalho receber encomendas do beneficiário daatividade, e de essas encomendas só terem interesse para aquelebeneficiário, havendo uma exclusividade. O produto acabado, reali-zado pelo prestador da atividade, só interessa a um determinadobeneficiário; a situação identifica-se com a de um monopólio. O pres-tador da atividade, por via de regra, não consegue ou não pode colo-car o produto acabado para livre transação no mercado, devendo

(55) Note-se que o art. 7º, caput, da CF, determina a aplicação dos direitos sociais aos trabalha-dores: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria desua condição social”.(56) “Há relações de trabalho formalmente autônomas (em que o trabalhador auto-organiza eauto-determina a atividade exercida em proveito alheio), mas que são materialmente próximasdas de trabalho subordinado, induzindo necessidades idênticas de proteção. São aquelas em queo trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto de suaatividade” (Direito do Trabalho, p. 148) (grifos do autor).(57) FERNANDES, Antônio Lemos Monteiro. Direito do Trabalho, p. 134 (grifos do autor).

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entregá-lo àquele beneficiário; normalmente, não será fácil encon-trar concorrentes deste beneficiário interessados naquele mesmoresultado, até porque, por vezes, o produto realizado pelo trabalha-dor vai ser incorporado noutros bens produzidos na empresa benefi-ciária. Esta exclusidade leva a uma espécie de relação de monopó-lio, que conduz a um certo domínio do beneficiário da atividade rela-tivamente ao prestador da mesma.”(58)

4.6. Inglaterra

A seção 23 (1) do Employment Relations Act de 1999 confere ao se-cretário de Estado o poder de conceder a proteção legislativa típica deempregados a quem não está, em princípio, submetido ao estatuto labo-ral(59). Assim, o salário mínimo e a limitação da jornada, entre outros direitos,podem ser aplicáveis aos trabalhadores em geral e não apenas aos empre-gados(60). Cogita-se até da incidência da aplicação de certos direitos laboraispara o self-employed, ao menos para aqueles que estão na zona cinzentaentre empresários, empregados ou integrantes de paraempresas(61) (62).

5. RELAÇÕES DE TRABALHO E DE EMPREGO E A NOVACOMPETÊNCIA MATERIAL

A Emenda n. 45/04 insere na competência trabalhista, de forma am-pla, todas as relações típicas de trabalho:

“Art. 114 — omissis

I — as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos osentes de direito público externo e da administração pública direta e

(58) MARTINEZ, Pedro Romano. Ob. cit., p. 88.(59) DEAKIN, Simon e MORRIS, Gillian S. “Labour law”, Lexis Nexis, 3ª ed., Inglaterra: Butterworths,2003).(60) DEAKIN, Simon e MORRIS, Gillian S. Ob. cit., p. 180.(61) DEAKIN, Simon e MORRIS, Gillian S. Ob. cit., p. 181.(62) Para aplicação de normas e princípios, como o da não-discriminação ou do tratamento igual,é requerida a PESSOALIDADE: “A third category relates to the principle of equal treatment. Equaltreatment legislation extends to employment ‘under a contract of service or of apprenticeship or acontract personally to execute any work or labour’ as well as to applicants for employment. Agencyworkers have the protection of the equal treatment principle in their relationship with the user oftheir services.The ‘worker’concept therefore extends the protection of labour law into the category of the self-employed. However, certain of the self-employed are still excluded. The first significant exclusionrelates to those who do not contract to supply personal services, but who contract to supply anend product or service without necessarily contracting to supply their own work and labour. Whereno element of personal service is present, commercial law, rather than labour law, prevails. It wasfor this reason that in Sheehan v Post Office Counters Ltd a sub-postmaster who complained ofdiscrimination contrary to the Disability Discrimination Act 1995 was held to be outside the Act.”(DEAKIN, Simon e MORRIS, Gillian S., ob. cit. p. 172).

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indireta, exceto os servidores ocupantes de cargo criado por lei, deprovimento efetivo ou em comissão, da União, dos Estados, do Dis-trito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e funda-ções públicas.”(63)

No Direito do Trabalho brasileiro sempre foi oferecida a distinção en-tre a relação de trabalho e a relação de emprego. A primeira como gêneroda qual a relação de emprego seria apenas uma espécie, um desdobra-mento da primeira e, por sua importância, ganharia tratamento especial(64).

O traço diferenciador entre os dois vínculos, originados pelo laborhumano, reside na subordinação considerada no seu aspecto jurídico, ouseja: a existência de um poder ou direito do tomador do trabalho (empre-gador) de dirigir e fiscalizar o serviço do obreiro (empregado), inserido emuma atividade realizada em prol daquele, que está sujeito ao comando e àdisciplina do contratante do seu trabalho.

Esta nota típica nem sempre é fácil distinguir, seja pela transforma-ção que sofre o trabalho na atualidade, gerada pela nova economia, sejapelo elo estreito existente entre determinados modos de prestação de tra-balho (vendedor empregado e representante comercial; diarista e empre-gada doméstica, entre outros).

Essa circunstância, aliada ao quadro delimitado anteriormente, obri-ga-nos a repensar os moldes da relação de emprego e, mais importante,do próprio Direito Material do Trabalho, para inserir no âmbito deste ramo dodireito toda forma de trabalho que guarde traço de pessoalidade, continui-dade e, sobretudo, de dependência econômica(65) (66).

(63) Texto extraído do DOU, 31 de dezembro de 2004, ou seja, antes do deferimento da liminarproferida pelo Ilustre Ministro Presidente do STF.

(64) RUSSOMANO, Mozart Victor. (Curso de Direito do Trabalho, 9ª ed., rev. e atual., Curitiba,julho, 2002) bem resume este entendimento: “a relação de emprego é sempre relação de traba-lho, mas nem toda relação de trabalho é relação de emprego, como ocorre, v. g., com os trabalha-dores autônomos (profissionais liberais, empreitadas, locações de serviços, etc.)”. Entre outrosexpoentes que procedem a tal diferenciação, pode-se citar MORAES FILHO, Evaristo de eMORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho, 5ª ed., rev. e atual., p. 214,São Paulo: LTr, 1991, DALLEGRAVE, Affonso. Primeiras linhas sobre a nova competência da Jus-tiça do Trabalho e DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: LTr,2002, pp. 279/80. Contra: MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho, vol. II, 2ª ed.,São Paulo: LTr, 1988, pp. 19 a 24.

(65) SUPIOT, Alain. “Les nouveaux visages de la subordination”, Droit Social, Paris, Février, 2000,n. 2, p. 137. FARRE-MAGNAN, Murriel. “Le contrat de travail défini por son objet”, in Le travail emperspetives, sous la direction da Alain Supiot, Paris: LGDJ, 1998, p. 120; JEAMMAUD, Antonie.“L’assimilation de franchisés aux salariés”. Droit Social, Paris, n. 2, 2002, pp. 158/164; DALLEGRAVENETTO, José Affonso. Inovações na legislação trabalhista, São Paulo: LTr, 2ª ed., pp. 164 e 163,2002. ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim, de forma pioneira no Brasil, já sustentava desde 1994esse ponto de vista na sua obra O Moderno Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, pp. 48-49.

(66) Não custa lembrar, mais uma vez, que a CLT fala apenas em dependência no seu artigo 3º,quando caracteriza o sujeito da proteção da legislação laboral. A exigência de subordinação jurí-dica é fruto de construção doutrinária e jurisprudencial.

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Na esfera da nova competência, a continuidade e a dependênciaeconômica serão fundamentais para definir o que seja relação de trabalhopara efeitos do art. 114, I e VI, da CF, pois, como lecionam o culto Ministrodo TST Orestes Dalazen(67) e o festejado autor Amauri Mascaro Nascimen-to(68), o movimento expansionista do Direito do Trabalho repercute, neces-sariamente, na ampliação da competência da Justiça do Trabalho, confor-me atesta a Emenda n. 45/04 ao trazer para a Justiça do Trabalho do nos-so País as demandas decorrentes da relação de trabalho.

Não se pode perder de vista que a CLT já admite, desde há muito, acompetência da Justiça do Trabalho para apreciar litígios decorrentes dedeterminadas relações de trabalho, como do avulso (art. 643, caput e art.652, V, da CLT), pequeno empreiteiro e artífice (art. 652, a, III, da CLT),dentro da cláusula constitucional que, desde 1946, autoriza o Juiz do Tra-balho conciliar e julgar outras relações de trabalho, que não a de emprego,desde que autorizado por lei.

Com a Emenda n. 45/2004, o legislador afastou a equação anterior.Assim, ao invés da relação de trabalho ser apenas excepcionalmente dacompetência da Justiça do Trabalho, junta-se à relação de emprego paracompor a matéria básica, mas não a única (incisos II, III, VII, VIII, do artigo114), sobre a qual irá atuar a jurisdição laboral. Com isso, reduz o legisladorconstitucional o fosso entre trabalhadores em geral e empregados.

Resta agora à lei, à jurisprudência, à doutrina e às entidades sindi-cais, a construção do arcabouço de proteção do trabalhador que, não es-tando sob o manto da relação de emprego, irá se dirigir à Justiça do Traba-lho(69), como já o fazem avulsos que, notável exceção, gozam de amplatutela no plano do direito substancial (artigo 7º, parágrafo único, da Cons-tituição Federal)(70).

(67) “A Reforma do Judiciário e os Novos Marcos da Competência Material da Justiça do Trabalhono Brasil”, in Nova Competência da Justiça do Trabalho, São Paulo: LTr, 2004, p. 159.(68) “A Competência da Justiça do Trabalho para a Relação de Trabalho”, in Nova Competênciada Justiça do Trabalho, São Paulo: LTr, 2004, p. 27.(69) A possibilidade dessa tutela já foi demonstrada no direito de diversos países. Resta agora aoBrasil implementá-la. Vozes neste sentido já são ouvidas. Com efeito, além do já citadoDALLEGRAVE, podemos mencionar Jorge Luiz Souto Maior (“Justiça do Trabalho: A Justiça doTrabalhador?”, in a Nova Competência da Justiça do Trabalho, São Paulo: LTr, 2004, pp. 188/9)que assim opina: “... no julgamento dessas novas questões a jurisprudência poderá até mesmoincrementar a aplicação de certos direitos trabalhistas às ditas relações jurídicas, o que se fará,certamente, em benefício da salubridade da sociedade. Neste sentido, cabe lembrar que váriosdireitos trabalhistas, como remuneração justa, limitação da jornada de trabalho, igualdade deoportunidades entre homens e mulheres, não discriminação de qualquer natureza, por exemplo,são direitos inseridos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, não sendo, portanto,direitos exclusivos de trabalhadores empregados”. SCHMIDT, Paulo Luiz. “Os Direitos Sociais doart. 7º da CF — Uma Nova Interpretação no Judiciário Trabalhista”, in Nova Competência da Justiçado Trabalho, também assim se pronuncia.(70) Cabe destacar que o caput do art. 7º da CF dispõe que: “São direitos dos trabalhadoresurbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”: aviso prévio,limitação de jornada, salário mínimo, etc. Este aspecto é muito bem lembrado por Paulo LuizSchmidt (ob. cit., p. 308).

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Aspecto relevante quanto ao alcance da expressão relação de traba-lho, reside na controvérsia que começa a surgir acerca daqueles que pres-tam serviços no âmbito de um vínculo de consumo.

Para nós essa discussão está fora de foco. A questão não é saber sea relação de trabalho compreende as relações de consumo com prestaçãode serviços (arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90), mas se a relação de trabalhose apresenta marcada pela dependência econômica, com seus desdobra-mentos na pessoalidade e não-transitoriedade da atividade.

Estas são as características, como demonstrado acima, que assina-lam toda a revisão no âmbito do Direito do Trabalho e a ampliação da com-petência material para alcançar relações de trabalho que não a de empre-go. Este movimento em curso no direito estrangeiro é o caldo de cultura, opano de fundo, a base mesma da opção feita na Emenda n. 45/04.

De modo que parece irrelevante, para efeitos da nova competênciamaterial trabalhista, indagar se o trabalho prestado se apresenta na mol-dura das relações de consumo ou não. O que interessa saber é se a rela-ção de trabalho resta caracterizada pela dependência econômica, com ostraços de pessoalidade e continuidade dos serviços.

6. CONCLUSÃO

A agenda brasileira sobre flexibilização trabalhista está deslocada notempo e no espaço. O grande debate hoje deve ter como centro um Direitodo Trabalho não excludente das formas atípicas de trabalho.

Dessa maneira, evitar-se-á que pessoas, cuja sobrevivência dependado trabalho prestado em favor de outrem, fiquem ao largo do manto prote-tor das leis estatais e das vantagens porventura obtidas pelas entidadessindicais em negociação coletiva.

As alterações da vida econômica estão a exigir um novo enfoquesobre a noção de subordinação (jurídica) ou, mais simplesmente, o seuabandono pela concepção contemporânea da dependência econômica,mais realista e abrangente, e, por isso, benéfica aos que vivem do seutrabalho.

Conforme salientam Supiot e outros(71), as relações e as estruturasque contribuíram para o nascimento do Direito do Trabalho superam os

(71) SUPIOT (“Les nouveaux ...”, p. 144) menciona nesta linha as recomendações da comissãoeuropéia reunida para estudar esse tema, publicadas sob o sugestivo título: “Au-dela de l’emploi”,Paris: Flammarion, 199, pp. 25 et s. et pp. 295. P. Chaumette (ob. cit., p. 215) noticia, outrossim,a expansão da tutela em prol dos trabalhadores independentes no plano jurídico e dependentesno campo econômico, processo já encaminhado em outras searas como a da saúde e seguridadedo trabalho.

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(72) “Les rapports de domination économique qui avaient fondé la naissance du droit du travail s’étendent aujourd’ hui bien au-delà des limites du travail salarié. Le droit du travail a donc bienvocation à devenir le droit commum de toutes les relations de travail, salariées ou non” (SUPIOT,“Les nouveaux ...”, p. 144).

limites do vínculo de emprego. Cabe a esse ramo do direito a tarefa deaglutinar todas as relações trabalhistas em um só ramo, um direito co-mum(72) a todos aqueles que fazem do trabalho a sua fonte de ocupação esobrevivência.

Importante passo nesse sentido é a nova redação do art. 114 da CF,após a Emenda n. 45, que consagrou a competência da Justiça do Traba-lho para as demandas oriundas das relações de trabalho e não apenas deemprego (regra geral no regime constitucional vigente até 2004).

Impõe-se, no plano do direito substancial, a pronta elaboração doarcabouço legislativo para a imediata inclusão das relações de trabalhono âmbito do Direito Material do Trabalho. Acreditamos, contudo, que ainserção dos trabalhadores dependentes economicamente na esfera doDireito Tutelar Trabalhista já pode ser realizada desde já, com base nocaput do art. 7º, da CF, mediante negociação coletiva, arbitragem, me-diação e construção jurisprudencial, fundada na Declaração do DireitosHumanos e no caput do art. 7º da CF, com o que não será afrontada arealidade posta pelas novas relações sociais e econômicas e o escopodo legislador constitucional.

Acerca das relações de consumo, a questão não é saber se na ex-pressão “relação de trabalho” está compreendida a prestação de serviçosrealizada nos moldes dos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90 (Código de Defe-sa do Consumidor), mas se ao trabalho se apresenta com as característi-cas da dependência econômica, com os traços de pessoalidade e conti-nuidade, comumente associados a este status, assimilados pela orienta-ção expansionista do Direito do Trabalho, que se reflete na nova redaçãodo art. 114 da CF.

Assim, caberá à Justiça do Trabalho apreciar todas as relações detrabalho, incluídas, obviamente, as relações de consumo que envolvamprestação de serviços, sempre que presente a DEPENDÊNCIA ECO-NÔMICA, conjugada com a pessoalidade e a permanência da atividadeprofissional.

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INQUÉRITOS, TERMOSDE COMPROMISSO DE

AJUSTAMENTO DE CONDUTA,AÇÕES E DEMAIS ATIVIDADES

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AÇÃO RESCISÓRIA — COLUSÃO — INÍCIO DOPRAZO DECADENCIAL — CONHECIMENTO DOS

FATOS PELO MPT (PRT 2ª REGIÃO)

EXMO. SR. DR. JUIZ PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL DOTRABALHO DA 2ª REGIÃO

O Ministério Público do Traba-lho da 2ª Região, por suas Procura-doras Regionais infra-assinadas,com supedâneo nos artigos 127, se-guintes e correlatos da Constituiçãoda República de 1988, e no artigo83, I da Lei Complementar n. 75/93e art. 487, III, b do Codex Adjetivo,vem propor esta

AÇÃO RESCISÓRIA

em face de Ivana do CarmoFerraz Machado Macedo, brasileira,casada, advogada, inscrita na OAB/AC sob o n. 1.040, RG n. 11.808.455,CPF n. 088.096.378-60, residentenesta Capital na Av. Ministro GabrielRezende Passos, n. 267, 2º andar,apto. 21, CEP 04521-021 e em facede Cleaning Star Comércio e Servi-ços de Limpeza Técnica Hospitalare Social Ltda., CGC/MF n. 43.441.005/0001-62, sediada na Rua Piratinin-ga, n. 797, cj. 102, Brás, na cidadede São Paulo, CEP 03043-050, napessoa do seu sócio Edigard Ferraz

Machado, brasileiro, maior, casado,advogado, portador da cédula deidentidade RG n. 2.919.892 e doCPF n. 109.458.658-72, residente edomiciliado na Avenida Sabiá, n. 540— 1º andar, São Paulo, Capital, CEP04515-000 e em face de ACTH —Assessoria Comércio e ConsultoriaTécnica Hospitalar, inscrita no CGC/MF n. 50.677.327/0001-70, sediadana Rua Piratininga, n. 797, cj. 102— Brás, na cidade de São Paulo,CEP n. 03043-050, na pessoa doseu sócio Edigard Ferraz Machado,cuja qualificação está descrita aci-ma, articulando os seguintes fatos:

I — Fatos

A presente ação iniciou-se apartir do exame pelo Ministério Pú-blico do Trabalho do Processo de n.2.857/97 intentado pela Sra. Ivanacontra a empresa Cleaning Star,oriundo da 11ª Vara do Trabalho deSão Paulo, na ocasião da emissãodo parecer ministerial em razão do

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recurso ordinário interposto pelarecte., tendo sido nessa oportunida-de extraídas cópias para a instaura-ção do Procedimento Investigatórion. 70/2000 na Coordenadoria dosInteresses e Direitos Especiais em5.6.2000, onde se arrecadaramdocumentos e ouviram-se as partesque compõem o conteúdo destaação rescisória.

Através do exame do Proces-so n. 2.857/97, o MPT constatou quetratava-se de ação trabalhista inten-tada pela empregada, em causa pró-pria, exercente da função de assis-tente administrativo, contra a empre-sa Cleaning cujo sócio é o Senhorseu pai de nome Edigard Ferraz Ma-chado, tendo ocorrido a revelia daempresa, com sentença de proce-dência parcial dos pedidos, prolata-da em 13 de novembro de 1997, pro-tocolando as partes posteriormen-te petição de acordo no valor de R$396.000,00, com previsão de multade 50% em caso de descumprimen-to, no dia 21 de janeiro de 1998.Registre-se que a avença não foihonrada pela recda., situação quefez alçar o numerário devido para opatamar de R$ 680.177,23, atuali-zado até 1º de outubro de 1998.

O Juízo trabalhista homologouo referido acordo em 27 de agostode 1998 na audiência na qual con-vocou as partes para ratificarem ostermos da petição que continha aavença (R$ 680.177, 23, atualizadoaté 1º de outubro de 1998), tendo aMM. Juíza a quo procedido desta for-ma certamente diante do valor ele-vado da transação e da ausência darecda. na face de conhecimento.

Como se cons ta ta dos do-cumentos juntados, o mandado depenhora resultou negativo face aexistência de bens na empresa quenão cobriam o valor da execução.

Na seqüência, há despacho dadigníssima Juíza da 11ª Vara do Tra-balho de São Paulo que determinoua expedição de ofício para a 47ª Varado Trabalho da Capital, tendo estaenviado cópias das peças do proces-so solicitado, onde constatou-se quea Sra. Ivana ajuizou concomitante-mente outra ação trabalhista, nosmesmos moldes daquela, contra aoutra empresa ACTH — ASSES-SORIA, situada no mesmo local daempresa Cleaning, tendo, da mes-ma forma, como sócio o Senhor seupai, onde pleiteava o valor de R$256.967,14 em verbas trabalhistas(Processo de n. 2.858/97, sendoeste um número posterior ao núme-ro da ação que correu na 11ª Varado Trabalho, o que demonstra as dis-tribuições consecutivas das ações).

Da mesma forma do ocorridona ação trabalhista anteriormentenarrada, esta ação em curso na 47ªVara do Trabalho também não foicontestada pela recda., regularmen-te citada para o feito, tendo sido apli-cada a revelia, com posterior prola-ção de sentença de procedênciaparcial dos pedidos iniciais, e ingres-so, na fase de liquidação, de peti-ção de acordo no montante de R$278.000,00, com multa de 50% emcaso de descumprimento do estipu-lado, acordo este que não foi igual-mente honrado pela recda., o queelevou o montante devido diante damulta aplicada. Registre-se que esta

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transação foi homologada em 29.1.98com publicação no DOU em 6.2.98.

Iniciada a execução no valorde R$ 417.000,00, a penhora dei-xou de ser efetuada pelos mesmosmotivos, ou seja, insuficiência debens encontrados.

Em vista disso, a recte. Ivana,ofereceu à penhora imóvel da em-presa, conforme petição anexa,acompanhada da devida escriturado 30º Cartório de Notas.

Nesse meio tempo, a Exma.Juíza do Trabalho da 11ª Vara per-cebeu o ocorrido e chamou o pro-cesso à ordem para decisão, oca-sião em que narrou os fatos e de-tectou que a recte. era filha do re-presentante legal da recda., relatan-do ainda a existência da outra açãotrabalhista da mesma filha contraoutra empresa do pai, na qual haviaocorrido a revelia, a sentença deprocedência do pedido e o acordoentre as partes em valor igualmen-te elevado, assim como a certidãode inexistência de bens da recda.,suficientes para o resguardo daavença e o oferecimento de imóvelda Segunda empresa para penho-ra, apontando ainda sérias contra-dições nas petições iniciais que me-recem ser transcritas:

“a) nestes autos a reclamenteafirma ter prestado serviços à réno período de 1º.9.87 a 31.12.96,na função de assistente adminis-trativo, mediante salário de R$697,39 mensais; naquele outrofeito ela diz que passou a traba-lhar para a reclamada em 1º.3.93,

na função de agente administra-tivo financeiro e com salário deR$ 4.375,00 por mês, estando como contrato em vigor em 17.10.97,ou seja, pouco antes do ajuiza-mento desta ação ocorrido em22.10.97;

b) neste feito a autora postu-lou equiparação salarial com suacolega Luiza Martins de Souza,aduzindo que a paradigma per-cebia R$ 1.510,91, enquanto na-quele, afirmou que vinha rece-bendo nada menos do que R$4.375,00 mensais;”

Continua a Exma. Juíza:

“c) neste feito, postulou dife-renças de FGTS sob a alegaçãode que a reclamada não efetua-va os depósitos fundiários comregularidade; naquele outro, noentanto, afirma que a reclama-da nunca efetuou os referidosdepósitos;

d) aqui, a autora diz que cum-pria jornada das 8:00 às 20:00horas, de segunda a sexta-feira,com uma hora de intervalo e comfolgas aos sábados, domingos eferiados, postulando o recebi-mento de horas extras com adi-cional de 100%; naquele, repetiua mesma jornada e o pedido deextraordinárias.”

Em conseqüência arremata:

“Diante de todos estes fatos,outra não pode ser a conclusão,a não ser que a reclamante, filhade um dos sócios da reclamada,

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em conluio com este, simulou suacondição de empregada da em-presa, a fim de promover as duasações com o único objetivo dedescapitalizá-la e, provavelmen-te, frustar o pagamento de seuscredores, locupletando-se de for-ma ilícita.”

Por fim, a digníssima Juíza,promoveu a distribuição da Justiça,aplicando o direito no sentido decoibir fraudes, impedindo a utiliza-ção das normas processuais parasacramentar avenças espúrias, as-sim se expressando:

“Desta forma, ao contrário doque entenderam as partes, mes-mo após o proferimento da sen-tença na fase de conhecimen-to, pode o Juízo, querendo, va-ler-se das normas que regem areferida etapa processual paraextinguir o processo, sem queisto implique em ofensa à coisajulgada.

Declaram-se nulos, de plenodireito, todos os atos praticadospelas partes no presente feito e,por serem nulos, sem eficácia e,conseqüentemente, sem efeitoalgum no mundo jurídico. Em ra-zão disso, nula também é a sen-tença de fl. 29.”

Com esse fundamento, a MM.Juíza extinguiu a execução por faltade interesse de agir e por falta deobjeto.

Registre-se, que a Exma. Juí-za do Trabalho da 47ª Vara do Tra-balho, onde corria a outra reclama-

tória ajuizada pela Sra. Ivana acom-panhou essa decisão, adotando osseus fundamentos, declarando nu-los todos os atos processuais e ex-tinguindo a execução.

A recte. recorreu das duas de-cisões para o E. TRT da 2ª Região,tendo subido, até a presente data,apenas o processo da 11ª Vara doTrabalho, o qual foi examinado peloMPT, na ocasião da emissão do obri-gatório parecer e detectada toda aproblemática que envolveu as duasações trabalhistas.

Deve ainda ser consignado,que a recte. ingressou com man-dado de segurança de n. 2.857/97,contra o ato da excelentíssima Juízada 11ª Vara do Trabalho, o qual foidenegado pelo E. TRT da 2ª Região.

Prosseguindo-se no relato dosfatos e diante do acervo documen-tal reunido, que acompanha a pre-sente ação rescisória, o MinistérioPúblico do Trabalho, no dia 2 do cor-rente mês, realizou audiência admi-nistrativa na qual foram ouvidos, aSra. Ivana e o seu pai, representan-te legal das empresas, para escla-recimentos dos fatos de forma maisprofunda. Nessa audiência cuja ataencontra-se anexada a esta, os de-poentes puderam esclarecer que aempresa Cleaning destinava-sea limpeza hospitalar e a ACTH tinha afinalidade de fornecer alimentaçãoe a lavagem de roupas no setor hos-pitalar, sendo estes serviços pres-tados somente para hospitais públi-cos estaduais ou municipais, estan-do as duas empresas desativadas,mas que não foram encerradas emrazão dos créditos que têm a rece-

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ber do governo do Estado de SãoPaulo. Explicaram ainda, que a partirde 1995 deixaram de ganhar a con-corrência pública para a prestaçãodesses serviços para os hospitaispúblicos estaduais, não tendo depoisdesse acontecimento, participado deoutras licitações, motivo pelo qualforam alvos de cerca de 3.000 (trêsmil) ações trabalhistas propostaspelos empregados das empresas, asquais asseveram que foram salda-das e que restam ainda cerca de 300(trezentas) ações dos seus ex-em-pregados para serem quitadas, ten-do ainda fornecido as relações deações propostas contra as duas em-presas, que seguem anexadas apresente inicial.

Ainda nesta audiência foi ex-plicado que as empresas estavaminstaladas no mesmo local, ou sejana Av. Ibirapuera, n. 981, local cedi-do pelo IAMSPE — Instituto de As-sistência Médica ao Servidor Públi-co Estadual, exercendo, a Sra. Iva-na, as suas funções nas duas em-presas de forma concomitante.

A Sra. Ivana, nessa oportuni-dade elucidou que desde fevereirode 1998 as empresas são apenasdo Senhor seu pai, pois o outro sócioveio a falecer, conforme certidãode óbito anexa, existindo cláusulanos contratos de constituição dasempresas que com o falecimento deum dos sócios a sociedade será re-presentada pelo sócio remanescen-te, pagando aos herdeiros do faleci-do suas cotas do capital social. Emvista disso, o espólio de Paulo Mar-tins Ferreira ingressou com ação deapuração de haveres para obter o

pagamento das cotas respectivas,constando nessa peça processual aseguinte afirmação:

“Pelas informações que chega-ram ao conhecimento dos herdei-ros, valeu-se da amizade quemantinha com o pré-morto e, dehá muito, aproveitando-se do seuprecário estado de saúde, e prati-cou inúmeras mazelas contra asociedade. Tanto isto é verdadei-ro, que no final do ano passadoduas filhas suas (Ivana do CarmoFerraz e Adriana de Fátima FerrazMachado) e um genro (Fernandode Campos Araújo Macedo), ajui-zaram ações trabalhistas contra aprimeira requerida, onde se pedi-ram verbas absurdas, com cele-bração de acordos e imposição demultas de 50%, os quais não se-riam cumpridos, configurando-severdadeiro estelionato!”

Continua:

“Soube-se, agora, que umadas reclamantes (filha) já penho-rou um dos imóveis da primeirarequerida e o está reformando!”

É fato, que contra o espólio foiintentado Pedido de Explicações ehouve retratação apenas quanto àsexpressões util izadas no trechotranscrito.

Na audiência realizada no Mi-nistério Público do Trabalho com ainventariante do espólio, a Sra. Cris-tina Mara Westin Ferreira, cuja atasegue anexa, obteve-se a informa-ção que há uma ação de execução

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intentada pelo BANESPA contra umadas empresas, além dos débitos tra-balhistas a serem saldados pelasduas empresas.

Estes são os fatos, demons-trados de plano com a peça vesti-bular, que fundam a presente ação,e que formam o convencimento doconluio perpetrado pelas partes como intuito de fraude à lei, consistentena subtração de bens das socieda-des comerciais que possuem a fun-ção de resguardar as ações traba-lhistas e de cobranças.

II — Do fundamento da açãorescisória

As sentenças homologatóriasdos acordos, proferidas nas açõestrabalhistas, constituindo-se em de-cisões irrecorríveis, devem ser res-cindidas em sua plenitude, porquan-to as partes se valeram do proces-so unicamente para lesar terceiros,configurando-se a colusão. As aven-ças em foco, causam prejuízos aosdemais credores trabalhistas das em-presas demandadas, tendo em vis-ta o número de ações trabalhistasajuizadas contra as empresas.

O dispositivo legal invocadopara embasar esta actio, pertencen-te ao Código de Processo Civil, as-sim prescreve:

Art. 485 do CPC — “A senten-ça de mérito, transitada em julga-do, pode ser rescindida quando:

III — ..., ou de colusão entreas partes, a fim de fraudar a lei;”

Por sua vez, o Enunciado n.259 do E. Tribunal Superior do Tra-balho estabelece que:

“Só por ação rescisória é ata-cável o termo de conciliação pre-visto no parágrafo único do art.831 da CLT.”

O caso em questão cuida decolusão, conluio entre os litigantes— demandante e demandado —com o fito exclusivo de fraudar a lei.Aproveitaram-se do processo paralograr êxito em seu intento, ou seja,prejudicar terceiros — empregadosda empresa que propuseram açõestrabalhistas. Tal atitude justifica, porsi só, a propositura da ação resci-sória para que a lei seja integralmen-te preservada e mantida.

O juslaborista Coqueijo Costa,em sua monografia “Ação Rescisó-ria”, Ed. LTr, assim se expressa arespeito da colusão:

“Quando a sentença resulta dacolusão entre partes, a fim defraudar a lei, é rescindível, ‘nãoem defesa do direito da parte,mas porque a lei não pode serfraudada’ (Antonio Macedo deCampos, obra citada, p. 105).”

De seu turno, pronuncia-seManoel Antonio Teixeira Filho, em“Ação Rescisória no Processo doTrabalho”, Editora LTr, fls. 214, a res-peito da colusão entre as partes noprocesso:

“Do latim collusio, a palavra co-lusão é indicativa de conluio, do

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acordo fraudulento realizado emprejuizo de terceiro. Não é diver-sa sua acepção no campo pro-cessual, onde designa a fraudepraticada pelas partes, seja coma finalidade de causar prejuizosa outrem, sejam para frustar aaplicação da norma legal.”

E prossegue o notável doutri-nador:

“Sob o ponto de vista estritoda ação rescisória, o que se con-sidera é o fato de a colusão ha-ver sido entretecida com a finali-dade de fraudar a lei, pouco im-portando que se trate de simula-ção processual ou de processofraudulento. Daí se conclui queembora possa ter havido, em de-terminado caso, simulação, mes-mo assim não caberá rescisóriase disso não sobreveio fraude ànorma legal.”

E mais adiante, posiciona-se:

“De efeito, a colusão é ato deautoria exclusiva dos litigantes,assim entendidos aqueles que seencontram situados em ambospólos (ativo e passivo) da relaçãojurídica processual, equiparando-se, para esse efeito, as demaispessoas que tenham participadodo processo em nome deles,como seus advogados, represen-tantes legais e prepostos.”

Ora, ora. Resta uma indaga-ção: qual o escopo das partes —empregado e empregador — ao ajui-zar a ação trabalhista onde foram

proferidas as sentenças que se in-tenciona desconstituir? É de todoem todo evidente que se trata de umcomplô para burlar a lei com umaúnica finalidade: danificar os empre-gados da empresa que ingressaramcom ação trabalhista para receberos créditos pertinentes, subtraindobens da sociedade.

As empresas não estavam maisprestando serviços aos hospitaispúblicos, pois haviam perdido a con-corrência, conforme esclarecido pe-las mesmas em audiência no MPT,sofrendo inúmeras ações trabalhis-tas. Como poderia entabular acor-dos em tais condições de valores al-tamente elevados? É de todo evi-dente que se trata de uma tramaurdida para tentar salvaguardar seusativos financeiros e imobiliários.

A jurisprudência de nossas cor-tes trabalhistas também se posicio-nam a favor da ação rescisória quan-do houver colusão entre partes, con-forme ementas abaixo compiladas:

“Colusão. Para o aforamentoda rescisória com fulcro no inci-so III, segunda parte do art. 485do CPC, é indispensável que: a)a colusão tenha sido realizadapelas partes, aqui compreendidosigualmente seus prepostos, ad-vogados e representantes le-gais; b) o pronunciamento judicialreflita influência nele exercidapela colusão; e c) a colusão hajasido posta em prática com o ob-jetivo de fraudar a lei (TST, RO.AG. 110.038/94.8).”

“Ação Rescisória — transaçãojudicial homologada — o que dá

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ensejo à rescisória de homolo-gação de transação judicial fun-dada no art. 485, III do CPC nãoé apenas o processo simulado,sem o intuito de fraudar a lei, maso processo fraudulento (TST/RO AR 71.510/93.6 — AC. SDI585/95).”

Como se pode defluir, o casoem espeque cuida exatamente decolusão entre partes (pai e filha), por-que como se expressou anteriormen-te, o único fim era fraudar a lei, crian-do uma situação mascarada para pro-vocar lesão a direitos de terceiros.

III — Tempestividade da ação

O art. 836 da CLT interpreta-do em harmonia com o art. 495 doCPC determina que esta ação temum limite temporal para ser aforada:dois anos a partir do trânsito em jul-gado da última decisão de méritocontida no processo que se preten-de desconstituir.

Art. 836 da CLT — “ É veda-do aos órgãos da Justiça do Tra-balho conhecer de questões jádecididas, excetuados os casosexpressamente previstos nesteTítulo e a ação rescisória, queserá admitida na forma do dis-posto no Capítulo IV do TítuloIX da Lei n. 5.869, de 11 dejaneiro de 1973 — Código de Pro-cesso Civil, dispensado o depó-sito referido nos arts. 488, II, e494 daquele diploma legal (red.da Lei n. 7.351/85)”.

Art. 495 do CPC — “O direitode propor ação rescisória se ex-tingue em dois anos, contados dotrânsito em julgado da decisão”.

Pois bem, como se pode de-preender dos documentos exibidosneste processado, esse lapso tem-poral ainda não se esgotou, com re-lação à sentença homologatória pro-ferida na 11ª Vara do Trabalho deSão Paulo, sendo portanto tempes-tiva esta medida judicial, consoan-te se depreende do exame dosdocumentos, tendo a avença sido ho-mologada em 27 de agosto de 1998.

Entretanto, a outra ação tra-balhista que tramitou na 47ª Vara doTrabalho, cujo acordo fora homolo-gado em fevereiro de 1998, o qualse pretende igualmente rescindir comesta ação rescisória, chegou ao co-nhecimento do Ministério Público doTrabalho em junho de 2000, apenascom a subida dos autos da ação tra-balhista originária da 11ª Vara doTrabalho, processo este onde cons-tam peças daquele outro processoque tramita na 47ª Vara do Traba-lho, possibilitando assim o conheci-mento daquela demanda que encon-tra-se na primeira instância traba-lhista, a qual até a presente data nãoteve vistas ao Ministério Público doTrabalho.

A respeito deste assunto, queas situações vivenciadas e narradasnesta peça inicial nos impuseram,devemos parar para uma profundae detida reflexão sobre o momentodo trânsito em julgado da decisãoirrecorrível, surgida com a homolo-gação do acordo e em contraparti-

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da a possibilidade de utilização doprazo para o Ministério Público in-gressar com a ação rescisória, pra-zo este do qual não obteve ciência,e que reflete uma importância lar-ga, na medida em que a sociedade,representada pelo MPT precisa bus-car a rescisão da decisão proferida,pois o interesse público precisa serresguardado, sob pena de ruirem osprincípios constitucionais que prote-gem o nosso sistema jurídico, sejarelativo às normas de ordem mate-rial, sejam àquelas respeitantes aodireito processual, ou ainda ao com-prometimento do Poder Judiciáriocom a verdade real.

Para tanto, a necessidade debuscar nos nossos doutos doutrina-dores a solução para o discernimen-to da situação, é medida que se tor-na inafastável.

Acerca do tema em debate ex-põe Coqueijo Costa com extremasabedoria:

“Uma coisa é o momento dotrânsito em julgado e outra, bemdiversa, o dies a quo da conta-gem do prazo, que só flui quandoé possível à parte a sua utiliza-ção,...” (“Ação Rescisória na Jus-tiça do Trabalho”, Irany Ferrari eMelchíades Rodrigues Martins,Editora LTr, 1995, p. 81).

Calmon de Passos, invocandoo princípio da utilidade dos prazossustenta:

“...que nem sempre coincide otermo inicial do prazo de deca-dência com o momento mesmo

em que transitou em julgado a de-cisão rescindenda, porque não seidentificam o pressuposto de ad-missibilidade e o termo inicialdesse prazo preclusivo. É certo— diz o mestre baiano — que otrânsito em julgado decorre dairrecorribilidade; que na hipótesede não conhecimento de um re-curso, a decisão recorrida transi-tou em julgado na própria ocasiãoem que se configurou a causa dainadmissibilidade. Mas não é apartir desse momento que se ini-cia a contagem do prazo para apropositura da rescisória, porquenenhum prazo pode ter cursoquando é impossível a sua utili-zação. É o princípio da utilidadeindissociável da configuração dequalquer prazo e que requer: lap-so de tempo para recorrer e pos-sibilidade prática de realizaçãodesse ato no curso de sua dura-ção — duração que não pode sereliminada e nem restr ingida”(“Ação Rescisória”, revista e atua-lizada por Roberto Rosas, 6ª ed.,1993, pp. 166/167).

Do exposto depreende-se quenenhum prazo pode ter curso quan-do é impossível a sua utilização. Afalta de conhecimento do curso doprazo perante o MPT impede queeste comece a fluir para a Institui-ção Ministerial, pois sem a ciênciado ato processual que homologou aavença, ao MPT não foi dada a pos-sibilidade prática de tomar as medi-das judiciais pertinentes, inexistindoassim a possibilidade prática de rea-lização do ato de inconformismo.

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Acerca do Princípio da utili-dade dos prazos, discorre ManoelAntonio Teixeira Filho:

“Significa que os prazos fixadospor lei ou assinados pelo juiz de-vem ser úteis, isto é, hábeis à sa-tisfação dos objetivos processuaispara os quais foram instituídos.Há, assim, uma profunda relaçãoentre o prazo e a finalidade a quese destina, de acordo com os cri-térios adotados pelo legisladorpara a conseqüente fixação” (“Sis-tema dos Recursos Trabalhistas,São Paulo: Editora LTr, 9ª ed.,1997, SP, pp. 136/137).

Dos ensinamentos jurídicosapresentados, extrai-se que o pra-zo decadencial da ação rescisóriaapenas começa a fluir para o MPT,nos casos em que a lei o autoriza apraticar atos processuais, a partir domomento em que se lhe dá ciênciada existência daquele ato, para queo membro possa atuar, conforme oseu dever de ofício.

Desse modo, considerando-sea documentação encartada nos au-tos, é fácil concluir que o prazo de-cadencial, previsto nos preceitos su-pramencionados, não foi sepultado,dando ensejo ao aforamento destaação rescisória, requerendo assimo MPT a apreciação conjunta dasduas sentenças homologatórias dosacordos, eis que tratam-se das mes-mas partes.

IV — Legitimidade ativa doMinistério Público

O Ministério Público é partelegítima para propor ação rescisó-

ria na hipótese contemplada no art.485, III, do Álbum Processual Civil.O fundamento legal está preconiza-do no art. 487, III, b do mesmo di-ploma legal.

Prescreve o art. 487, III:

“Tem legitimidade para propora ação:

.............................................

III — o Ministério Público:

............................................

b) quando a sentença é o efei-to de colusão das partes, a fimde fraudar a lei.”

No caso em testilha, está cris-talino que os fatos conduzem auma única conclusão: conspiraçãoentre as par tes para obter umasentença, fraudando a lei e fazen-do uso do aparato judiciário, a fimde granjear vantagens escusas elesar terceiros.

V — O pedido

Frente ao exposto, requer oMPT ao Juiz Relator a quem couberdistribuição:

a) determinar a citação dosrequeridos.

b) após os trâmites legais, sejajulgada procedente esta rescisó-ria para no iudicium rescindensdesconstituir as sentenças homo-logatórias dos acordos, prolata-das pela 11ª Vara do Trabalho deSão Paulo, bem como a aquelaproferida pela 47ª Vara do Trabalho

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de São Paulo e no iudicium res-cisorium julgar aquelas ações tra-balhistas improcedentes.

c) Condenação dos requeridosno pagamento de custas proces-suais e ressarcimento aos cofresda União das despesas oriundas dautilização dolosa do aparelho judi-ciário com fins escusos em valor aser arbitrado por esse tribunal.

d) Condenação das par tespassivas em litigância de má-fé.

Requer a produção de todosos meios de prova em direito admi-tidos, especialmente, a documental,o depoimento pessoal das partes,a produção de prova testemunhal,prova pericial e outros que se fa-çam necessários.

Requer o Ministério Público doTrabalho a intimação de todos osatos do processo, na forma dos ar-tigos 18, inciso II, alínea h e 84 daLei Orgânica do Ministério Públicoda União, nos termos do Provimen-to GP n. 2/2000 do Exmo. Sr. Presi-dente do TRT Dr. Floriano Vaz daSilva.

Atribui-se à causa o valor deR$ 1.000.000,00

São Paulo, 21 de agosto de2000.

Cristina Aparecida Ribeiro Bra-siliano, Procuradora Regional do Tra-balho.

Maria José S. de C. Pereira doVale, Procuradora Regional do Tra-balho.

Acórdão SDI n. 01556/2005-1

Processo SDI n. 1.780/2000-9

Ação Rescisória

Autor: Ministério Público do Trabalho da 2ª Região

Réu: Ivana do Carmo Ferraz Machado Macedo e outros

Ementa: Ação rescisória — Co-lusão. Procedência do pedido — Osfatos articulados e demonstrados naação rescisória apontam para a exis-tência de conluio entre as partes coma finalidade de fraudar a lei. Vários ele-mentos autorizam tal conclusão: a) areclamante é filha do sócio proprietá-rio das empresas reclamadas; b) osprocessos correram à revelia, acar-retando a procedência parcial das re-clamações trabalhistas propostas; ec) os valores já elevados dos acordos,posteriormente celebrados pelas par-tes, tornaram-se ainda maiores, ten-

do em vista que as executadas (repi-ta-se, de propriedade do pai da recla-mante) deixaram de cumprir as aven-ças, fazendo incidir sobre elas a mul-ta de 50% (cinqüenta por cento). Dian-te de tantas evidências, não há comodeixar de reconhecer que a reclaman-te, filha de um dos sócios das recla-madas e em conluio com estas, si-mulou sua condição de empregada,visando ingressar com duas reclama-ções trabalhistas com o único objeti-vo: resguardar de eventuais credoreso patrimônio das empresas, indican-do à penhora bem imóvel de proprie-

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dade daquelas. Sendo assim, impõe-se a desconstituição das sentençasprolatadas nas reclamações trabalhis-tas em trâmite perante as MM. 11ª e47ª Varas do Trabalho de São Paulo,para, em nova decisão, julgá-las im-procedentes. Ação rescisória que sejulga procedente.

Acordam os Juízes da SeçãoEspecializada do Tribunal Regionaldo Trabalho da 2ª Região, em: Porunanimidade de votos, rejeitar aspreliminares argüidas pelos reque-ridos e julgar procedente a ação res-cisória, para o fim de rescindir assentenças proferidas nos autos dosProcessos ns. 2.857/97 e 2.858/97,que tramitaram perante a 11ª e a 47ª

Varas do Trabalho de São Paulo, emface do manifesto conluio existenteentre as partes, para, em nova de-cisão, julgar as reclamações traba-lhistas improcedentes. Quanto aosacordos firmados, desnecessárioqualquer pronunciamento judicial,haja vista as decisões proferidaspelas C. 3ª e 10ª Turmas deste E.Regional, acostadas às fls. 1.185/1.188e fls. 1.189/1.203, respectivamente.Custas, pelos requeridos, sobre ovalor atribuído à causa.

São Paulo, 17 de maio de 2005.Delvio Buffulin, Presidente.

Nelson Nazar, Relator.

Almara Nogueira Mendes,Procuradora.

Processo TRT/SP n. 20000017809

Ação Rescisória

Requerente: Ministério Público do Trabalho

Requeridos: Ivana do Carmo Ferraz Machado; Cleaning Star Comércio eServiços de Limpeza Técnica Hospitalar e Social Ltda. (napessoa do sócio Edigard Ferraz Machado); e ACTHAssessoria Comércio e Consultoria Técnica Hospitalar (napessoa do sócio Edigard Ferraz Machado).

AÇÃO RESCISÓRIA —COLUSÃO —

PROCEDÊNCIA DO PEDIDO

Os fatos ar ticulados e de-monstrados na ação rescisór iaapontam para a existência de con-luio entre as partes com a finali-dade de fraudar a lei. Vários elemen-tos autorizam tal conclusão: a) a re-clamante é filha do sócio proprietá-rio das empresas reclamadas; b) osprocessos correram à revelia, acar-retando a procedência parcial das

reclamações trabalhistas propostas;e c) os valores já elevados dos acor-dos, posteriormente celebrados pe-las partes, tornaram-se ainda maio-res, tendo em vista que as executa-das (repita-se, de propriedade dopai da reclamante) deixaram de cum-prir as avenças, fazendo incidir so-bre elas a multa de 50% (cinqüentapor cento).

Diante de tantas evidências,não há como deixar de reconhe-cer que a reclamante, filha de umdos sócios das reclamadas e em

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conluio com estas, simulou suacondição de empregada, visando in-gressar com duas reclamações tra-balhistas com o único objetivo: res-guardar de eventuais credores opatrimônio das empresas, indican-do à penhora bem imóvel de proprie-dade daquelas. Sendo assim, im-põe-se a desconstituição das sen-tenças prolatadas nas reclamaçõestrabalhistas em trâmite perante asMM. 11ª e 47ª Varas do Trabalho deSão Paulo, para, em nova decisão,julgá-las improcedentes.

Ação rescisória que se julgaprocedente.

Ação Rescisória ajuizada peloMinistério Público do Trabalho da 2ªRegião em face de Ivana do CarmoFerraz Machado; Cleaning Star Co-mércio e Serviços de Limpeza Téc-nica Hospitalar e Social Ltda. (napessoa do sócio Edigard FerrazMachado); e Assessoria Comércio eConsultoria Técnica Hospitalar (napessoa do sócio Edigard FerrazMachado). Relata o Ministério Pú-blico do Trabalho que todos os fatosnarrados na presente ação chega-ram a seu conhecimento quando daemissão do parecer, em razão do re-curso ordinário, interposto pela pri-meira requerida, nos autos do Pro-cesso n. 2.857/97, oriundo da 11ªVara do Trabalho de São Paulo. In-forma o requerente que constatoutratar-se de ação trabalhista, ajuiza-da pela empregada, em causa pró-pria, contra a empresa Cleaning StarComércio e Serviços de LimpezaTécnica Hospitalar e Social Ltda.,cujo sócio, Edigard Ferraz Macha-do, é pai da reclamante. Segundo o

Ministério Público do Trabalho, nareclamatória em questão deu-se arevelia da empresa, tendo o MM.Juízo de 1ª instância julgado parci-almente procedentes os pedidos dareclamante. Aduz, ainda, que aspartes se compuseram, homologan-do o Juízo o acordo firmado, no valor deR$ 396.000,00, com data de 13de novembro de 1997 e previsão demulta de 50% em caso de descum-primento. Não cumpridos os termosda avença, o crédito exeqüendo sal-tou para o valor de R$ 680.177,23,atualizado até 1º de outubro de1998. Iniciada a execução, o man-dado de penhora restou negativo, jáque não havia na empresa bens su-ficientes para fazer frente ao crédi-to exeqüendo, levando a reclaman-te a indicar à penhora um imóvel depropriedade da empresa executada.Assevera ainda o requerente quetramitou pela 47ª Vara do Trabalhode São Paulo reclamação trabalhis-ta (Processo n. 2.858/97), nos mes-mos moldes da descrita acima, ajui-zada pela requerida, Ivana do Car-mo Ferraz Machado Macedo, con-tra a empresa ACTH — AssessoriaComércio e Consultoria TécnicaHospitalar, situada no mesmo localda empresa Cleaning, tendo comosócio o pai da reclamante. Igualmen-te não contestada a ação, foram jul-gados procedentes em parte os pe-didos e, na fase de liquidação, apre-sentada petição de acordo no mon-tante de R$ 278.000,00, com multade 50% em caso de descumprimentodo estipulado, o que elevou o valordevido para R$ 417.000,00. Cons-tatada a inexistência de bens daexecutada, capazes de garantir o

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crédito exeqüendo, a então recla-mante, Ivana, da mesma forma queno processo anterior, indicou à pe-nhora imóvel pertencente à empre-sa. Aduz o Ministério Público do Tra-balho que, nesse ínterim, o MM.Juízo da 11ª Vara do Trabalho deSão Paulo, ao perceber o ocorrido,chamou o processo à ordem paradecisão, ocasião em que detectouque a reclamante era filha do repre-sentante legal da reclamada, rela-tando ainda a existência de outraação trabalhista, nos mesmos mol-des, e apontando sérias contradi-ções nas petições iniciais, o que olevou a proferir a seguinte decisão:“Diante de todos esses fatos, outranão pode ser a conclusão, a não serque a reclamante, filha de um dossócios da reclamada, em conluiocom este, simulou sua condição deempregada da empresa, a fim depromover as duas ações com o úni-co objetivo de descapitalizá-la e, pro-vavelmente, frustar o pagamento deseus credores, locupletando-se deforma ilícita”. Em seguida, o MM.Juízo declarou nulos de pleno direi-to todos os atos praticados pelaspartes, julgando extinta a reclama-ção trabalhista, no que foi seguidopelo MM. Juízo da 47ª Vara do Tra-balho. A reclamante recorreu dasduas decisões, chegando, inclusive,a impetrar mandado de segurança,o qual foi denegado por este E. Re-gional. Relata, ainda, a ocorrênciade audiência administrativa, na sededa Procuradoria Regional do Traba-lho, ocasião em que foram ouvidosa reclamante e seu pai, representan-te legal das empresas, para escla-recimento dos fatos. Prestados os

depoimentos, apurou-se o seguinte:que a empresa Cleaning se destina-va à limpeza hospitalar, enquanto aempresa ACTH fornecia alimentaçãoe se encarregava da lavagem de rou-pas para hospitais públicos; que asduas empresas se encontravam de-sativadas, mas não encerradas, por-quanto havia créditos a receber dogoverno do Estado; que, desde1995, deixaram de ganhar concor-rência pública para prestação dosserviços junto aos hospitais públicosestaduais; que, por esse fato, foramalvo de cerca de três mil ações tra-balhistas, das quais restam penden-tes de solução cerca de trezentas;que as duas empresas se localiza-vam no mesmo local, exercendo areclamante, Ivana, suas funções deforma concomitante; e que, desde1998, segundo depoimento da recla-mante, as duas empresas passarama pertencer exclusivamente a seupai, devido ao falecimento do outrosócio. Ainda na audiência realizada,ouviu-se a inventariante do espóliodo sócio falecido, a qual esclareceuhaver uma ação de execução inten-tada pelo BANESPA contra uma dasempresas, além de débitos trabalhis-tas a serem saldados. Entende, porfim, o Ministério Público do Traba-lho que, diante de todos os fatosacima descritos, restou plenamentecomprovado o conluio perpetradopelas partes, com o intuito de frau-dar a lei, razão pela qual ajuizou elea presente ação rescisória, com fun-damento no inciso III do artigo 485do Código de Processo Civil, visandorescindir não só as decisões homo-logatórias dos acordos, bem comoas sentenças que julgaram parcial-

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mente procedentes os pedidos for-mulados pela ora requerida: Ivanado Carmo Ferraz Machado Macedo.

Documentos às fls. 24/128.

Procurações juntadas pelosrequeridos às fls. 135/140.

Contestação às fls. 141/197,com preliminares e inúmeros do-cumentos (17 volumes apartados).

Contratos sociais às fls. 204/226.

Réplica às fls. 230/243, comdocumentos (fls. 244/312).

Manifestação sobre a réplicaàs fls. 313/323, com juntada dedocumentos às fls. 325/488.

Os requer idos colacionamaos autos novos documentos (fls.549/1.006).

Deferida a produção da provaoral postulada pelas partes (fls. 1016),os autos baixaram à 29ª Vara do Tra-balho de São Paulo, ocasião em queforam ouvidas as requeridas e seistestemunhas suas (fls. 1.040/1.043).

Nova documentação juntadapelos requeridos às fls. 1.051/1.123.

Encerrada a instrução proces-sual (fls. 1125), os requeridos apre-sentaram suas razões finais às fls.1.130/1.137, e o requerente, àsfls. 1.138/1.140.

Parecer do Ministério Públicodo Trabalho, como custos legis, àsfls. 1.143/1.145.

Determinada, às fls. 1.147, ajuntada de documentação, para for-mação do livre convencimento des-te Relator.

O requerente colaciona aosautos os documentos de fls. 1.156/

1.163, fls. 1.169/1.182 e fls. 1.185/1.203,relativos aos vv. acórdãos proferidospelas C. 3ª e 10º Turmas Julgadorasdeste Regional, as quais deram pro-vimento parcial aos recursos ordiná-rios interpostos pela primeira reque-rida, contra as decisões que anula-ram todos os atos praticados nosautos das reclamações trabalhistas.Referidos acórdãos mantiveram asdecisões de origem apenas no to-cante à não homologação dos acor-dos. Quanto às sentenças prolata-das na fase de conhecimento, asTurmas Julgadoras houveram porbem mantê-las, sustando-se a exe-cução até o julgamento da presenteação rescisória.

Manifestação dos requeridossobre a documentação às fls. 1.208/1.209.

Complementação do parecerministerial às fls. 1.212.

É o relatório.

VOTO

Das Preliminares Argüidas PeloRequerido

a) carência de ação: falta deinteresse de agir e de pressupostoprocessual

Sustentam os requeridos serdescabida a presente ação rescisó-ria, por ter ela a finalidade de des-constituir as sentenças homologató-rias dos acordos firmados perantea 11ª e a 47ª Varas do Trabalho deSão Paulo.

Segundo afirmam, referidassentenças homologatórias foram

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anuladas por decisões prolatadaspelos MM. Juízos das respectivasVaras, estando atualmente penden-tes de julgamento de recurso ordi-nário, o que demonstra o manifestodescabimento da presente ação, jáque inexiste trânsito em julgado apermitir seu manuseio.

Rejeito a preliminar.

Basta uma simples leitura dapeça inicial, para se constatar quea pretensão do Ministério Público doTrabalho, ao propor a presente açãorescisória, não se restringiu apenasa rescisão dos acordos homologa-dos. Nota-se claramente do item bda peça vestibular (fls. 22) que hápedido sucessivo de nova aprecia-ção das ações trabalhistas parajulgá-las improcedentes, de forma aimpedir a execução das sentençasnelas prolatadas. Registre-se que afase executória das reclamações oraem análise encontram-se suspensaspor força dos v. acórdãos proferidospelas 3ª e 10ª Turmas (fls. 1.185/1.188 e fls. 1.190/1.203, respectiva-mente), em sede de recurso ordiná-rio interposto contra as decisões queanularam todos os atos processuaispraticados nos processos de origem.

Logo, considerando a preten-são do Ministério Público do Traba-lho de desconstituir não só os acor-dos, mas também as sentenças pro-feridas nos processos originários, asquais foram mantidas pelas TurmasJulgadoras, não há como deixar dereconhecer o cabimento da presen-te ação rescisória.

Quanto à falta de trânsito emjulgado dos acordos firmados, melhorsorte não socorre aos requeridos.

Os acordos firmados pelaspartes e homologados pelo MM.Juízos têm força de sentença (art.449 do CPC), valendo como decisãoirrecorrível (art. 831, parágrafo úni-co, da CLT), o que afasta, de plano,a necessidade de comprovação dotrânsito em julgado.

b) do não cabimento da resci-sória para desconstituir transação

Quanto à preliminar levantadapela empresa (segunda ré), a saber,carência de ação, por falta de inte-resse de agir, falta-lhe razão. Argúiela que a escolha inadequada da viaprocessual pelo autor tornou mani-festa a carência da ação, já que, incasu, a ação cabível para atacarsentença homologatória de transa-ção é a anulatória.

Rejeito a preliminar, pois hámuito a questão já está pacificada,com a publicação, inclusive, peloC.TST do Enunciado n. 259:

Termo de Conciliação — AçãoRescisória

Só por ação rescisória é ata-cável o termo de conciliação pre-visto no parágrafo único do art.831 da Consolidação das Leis doTrabalho.

c) decadência

Os requeridos sustentam adecadência da ação em face da sen-tença homologatória proferida pela47ª Vara do Trabalho de São Paulo.

Razão, contudo, não assiste aeles.

Com efeito, o prazo decaden-cial estabelecido no art. 495 do CPC,

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ao contrário do sustentado em con-testação, somente começa a fluirnas ações em que o Ministério Pú-blico do Trabalho não interveio noprocesso principal, quando este ti-ver ciência da sentença.

Aliás, nesse sentido já se pro-nunciou o C. TST, por meio do acór-dão n. TST — ROAR — 624.374, dalavra do Exmo. Ministro Ives GandraMartins Filho, publicado no DJ de27.4.01, in verbis:

Ação Rescisória — MinistérioPúblico — Decadência — Dies aquo do prazo — Contagem a par-tir da ciência da decisão rescin-denda, quando não atuou no pro-cesso.

Na lição de Coqueijo Costa,“uma coisa é o momento do trânsitoem julgado e outra, bem diversa, odies a quo da contagem do prazo,que só flui quando é possível à par-te a sua utilização” (“Ação Rescisó-ria”, 6ª edição, São Paulo: LTr, 1993,p. 166). Tratando-se de ação resci-sória proposta pelo Ministério Públi-co com lastro em colusão (CPC, art.487, III, b), o prazo decadencial doart. 495 do CPC só pode começar afluir a partir do momento em que oórgão ministerial é cientificado dadecisão rescindenda, quando se tra-ta de processo no qual não interveio.Isto porque, na colusão, o delinea-mento de sua ocorrência não é ime-diato, uma vez que a simulação noprocesso apenas fica clara quandoverificada a intencionalidade dos li-tigantes. E só o processamento daexecução fornece elementos de con-

vencimento para a notificação doMinistério Público, para coibir a con-sumação da fraude.

Desse modo, considerandoque o acordo firmado nos autos daReclamação Trabalhista n. 2.858/97,em trâmite perante a 47ª Vara doTrabalho de São Paulo, somentechegou ao conhecimento do Minis-tério Público do Trabalho em junhode 2000, com a subida dos autos daação trabalhista originária da 11ª VT/SP (Processo n. 2.857/97), nosquais constavam peças daquele ou-tro feito, não há como reconhecer adecadência da presente ação resci-sória, já que foi ajuizada em agostode 2000.

Do mérito

Inicialmente, entendo oportu-na a transcrição de breve retrospec-tiva dos fatos apresentada pelo re-querente para uma melhor compre-ensão dos temas abordados na pre-sente demanda.

1. Os fatos que levaram à pro-positura da presente ação chegaramao conhecimento do Ministério Pú-blico do Trabalho, quando da emis-são de seu parecer, em sede de re-curso ordinário, nos autos da Recla-mação Trabalhista n. 2.857/97,oriunda da 11ª Vara do Trabalho deSão Paulo.

2. Informa o requerente queconstatou tratar-se de ação traba-lhista, ajuizada por Ivana do CarmoFerraz Machado Macedo, em causaprópria, contra a empresa CleaningStar Comércio e Serviços de Lim-peza Técnica Hospitalar e SocialLtda., cujo sócio, Edigard FerrazMachado, é pai da reclamante.

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3. Na reclamatória em questãodeu-se a revelia da empresa, tendoo MM. Juízo de 1ª instância julgadoparcialmente procedentes os pedidosda reclamante, para, em seguida,homologar o acordo firmado pelaspartes, no valor de R$ 396.000,00,datado de 13 de novembro de 1997,com previsão de multa de 50% emcaso de descumprimento. Não cum-pridos os termos da avença, o crédi-to exeqüendo saltou para o valor deR$ 680.177,23, atualizado até 1ºde outubro de 1998. Iniciada a exe-cução, o mandado de penhora res-tou negativo, já que não havia na em-presa bens suficientes para fazerfrente à execução, o que levou a re-clamante a indicar à penhora bemimóvel pertencente à reclamada.

4. Concomitantemente, trami-tou pela 47ª Vara do Trabalho de SãoPaulo reclamação trabalhista, nosmesmos moldes da descrita acima,ajuizada pela requerida, Ivana doCarmo Ferraz Machado Macedo,contra a empresa ACTH — Asses-soria, situada no mesmo local daempresa Cleaning, tendo comosócio o pai da reclamante.

5. Igualmente deixou a empre-sa-ré de contestar a ação, tendo sidojulgados parcialmente procedentesos pedidos formulados pela recla-mante, com posterior homologaçãode acordo, no montante de R$278.000,00, com multa de 50% emcaso de descumprimento do estipu-lado. Descumprida a avença, o mon-tante devido atingiu o valor de R$417.000,00.

6. Não efetuada a penhora,igualmente por ausência de bens na

executada, a então reclamante, Iva-na, indicou para a constrição imóvelda empresa.

7. Detectando que a reclaman-te era filha do sócio da empresa re-clamada, o MM. Juízo da 11ª Varado Trabalho de São Paulo chamou oprocesso à ordem, ocasião em querelatou a existência de outra açãotrabalhista, nos mesmos moldes, eapontou sérias contradições naspetições iniciais, o que o levou adeclarar nulos de pleno direito todosos atos praticados pelas partes, jul-gando extinta a reclamação traba-lhista (no que foi seguido pelo MM.Juízo da 47ª Vara do Trabalho, diga-se de passagem), sob o seguintefundamento:

“Diante de todos esses fatos,outra não pode ser a conclusão,a não ser que a reclamante, filhade um dos sócios da reclamada,em conluio com este, simulou suacondição de empregada da em-presa, a fim de promover as duasações com o único objetivo dedescapitalizá-la e, provavelmen-te, frustar o pagamento de seuscredores, locupletando-se de for-ma ilícita.”

8. A reclamante recorreu dasduas decisões, impetrando aindamandado de segurança, o qual foidenegado por este E. Regional.

9. Houve audiência administra-tiva, na sede da Procuradoria Re-gional do Trabalho, na qual foram ou-vidos a reclamante e seu pai, repre-sentante legal das empresas, para

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esclarecimento dos fatos. Presta-dos os depoimentos, apurou-se oseguinte:

a) que a empresa Cleaning sedestinava à limpeza hospitalar, ea empresa ACTH tinha a finali-dade de fornecer alimentação elavagem de roupas para hospitaispúblicos;

b) que as duas empresas seencontravam desativadas, masnão encerradas, porquanto haviacréditos a receber do governo doEstado; que, desde 1995, deixa-ram de ganhar concorrência paraprestação dos serviços junto aoshospitais públicos estaduais; que,por esse fato, foram alvo de cer-ca de três mil ações trabalhistas,das quais restam pendentes desolução cerca de trezentas;

c) que as duas empresas selocalizavam no mesmo local, exer-cendo a reclamante, Ivana, suasfunções de forma concomitante;

d) e que, desde 1998, segun-do depoimento da reclamante, asduas empresas passaram a per-tencer exclusivamente a seu pai,devido ao falecimento do outrosócio.

10. Ouviu-se, ainda, na mes-ma audiência, a inventariante do es-pólio do sócio falecido, a qual escla-receu haver uma ação de execuçãointentada pelo BANESPA contra umadas empresas, além de débitos tra-balhistas a serem saldados.

11. De todos os elementos apu-rados, o Ministério Público do Traba-

lho chegou à conclusão da existên-cia de conluio perpetrado pelas par-tes, com o intuito de fraudar a lei,razão pela qual ajuizou a presenteação rescisória, com fundamento noinciso III do artigo 485 do Código deProcesso Civil, visando rescindir nãosó as decisões homologatórias dosacordos, bem como as sentençasque julgaram parcialmente proceden-tes os pedidos formulados pela orarequerida, Ivana do Carmo FerrazMachado Macedo.

Fundamentação legal: incisoIII (segunda parte), art. 485 (CPC):

Colusão entre as partes, a fimde fraudar a lei.

Pretende o autor, por aplica-ção do art. 487, III, b, do CPC, ex vido art. 769 da CLT, e com fulcro noinciso III do art. 485 da lei adjetiva,a rescisão não só das decisões ho-mologatórias dos acordos, bemcomo das sentenças que julgaramparcialmente procedentes os pedi-dos formulados pela requerida, Iva-na do Carmo Ferraz Machado Ma-cedo, nos autos das reclamaçõestrabalhistas em trâmite perante asMMs. 11ª e 47ª Varas do Trabalhode São Paulo (Processos ns. 2.857/97 e 2.858/97, respectivamente).

Razão assiste ao autor, con-forme se verificará.

Para que seja possível a colu-são a que se refere a segunda partedo dispositivo legal supra é, na liçãode Manoel Antonio Teixeira Filho, “in-dispensável que: a) a colusão tenhasido realizada pelas partes (aquicompreendidos, igualmente, os seusadvogados, prepostos ou represen-

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tantes legais); b) o pronunciamentojurisdicional reflita a influência neleexercida pela colusão; c) esta hajasido posta em prática com o objetivode fraudar a lei” (in: “Ação rescisóriano processo do trabalho”, 3ª ed., SãoPaulo: LTr, 1998, p. 235).

In casu, não resta qualquerdúvida a respeito. As evidências pre-sentes são mais do que bastantespara caracterizar a colusão com ofito de fraudar a lei. Causa estranhe-za a propositura das reclamaçõestrabalhistas e os acordos celebra-dos, em valores elevados, conside-rando a situação precariíssima pelaqual passavam as empresas. Ade-mais, os valores estipulados nosacordos, com multa de 50% em casode descumprimento, também contri-buem para corroborar esse quadro,no mínimo, bizarro.

No caso específico das açõescujos cortes rescisórios são busca-dos pelo requerente, constata-seque a reclamante, além de ser filhado sócio proprietário das empresas,teria prestado serviços concomitan-temente a ambas as reclamadas, oque denota, já de imediato, sériascontradições nas pet ições in i -ciais, contradições essas apontadasprecisamente pelo MM. Juízo da 11ªVara do Trabalho, ao chamar o pro-cesso à ordem. Senão, vejamos:

a) nestes autos a reclamanteafirma ter prestado serviços à réno período de 1º.9.96 a 31.12.97,na função de assistente adminis-trativo, mediante salário de R$697,39 mensais; naquele outrofeito ela diz que passou a traba-

lhar para a reclamada em 1º.3.92,na função de agente administra-tivo financeiro e com salário deR$ 4.375,00 por mês, estandocom o contrato em vigor em17.10.97, ou seja, pouco antes doajuizamento desta ação, ocorridoem 22.10.97;

b) neste feito a autora postu-lou equiparação salarial com suacolega Luiza Martins de Souza,aduzindo que a paradigma perce-bia R$ 1.510,91, enquanto naque-le afirmou que vinha recebendonada menos do que R$ 4.375,00mensais;

c) neste feito, postulou diferen-ças de FGTS sob a alegação deque a reclamada não efetuava osdepósitos fundiários com regula-ridade; naquele outro, entretan-to, afirma que a reclamada nun-ca efetuou os referidos depósitos;

d) aqui, a autora diz que cum-priu jornada das 8:00 às 20:00horas, de Segunda a Sexta-feira,com uma hora de intervalo e comfolgas aos sábados, domingos eferiados, postulando o recebi-mento de horas extras com adi-cional de 100%; naquele, repetiua mesma jornada e o pedido deextraordinárias.

E, assim, complementa o MM.Juízo:

“Diante de todos esses fatos,outra não pode ser a conclusão,a não ser que a reclamante, filhade um dos sócios da reclamada,em conluio com este, simulou sua

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condição de empregada da em-presa, a fim de promover as duasações com o único objetivo dedescapitalizá-la e, provavelmen-te, frustar o pagamento de seuscredores, locupletando-se de for-ma ilícita.”

Os fatos demonstram, de for-ma cristalina, que pretendiam aspartes, ao propor as ações trabalhis-tas e firmar os acordos, locupletar-se ilicitamente, resguardando o pa-trimônio das empresas em total pre-juízo de eventuais credores. Não sejustifica que os processos tenhamcorrido à revelia das empresas re-clamadas, notadamente se consi-derarmos ser o representante legaldelas pai da reclamante, o que de-monstra certo desleixo ao não sefazer presente nas audiências desig-nadas. Ademais, os acordos foramcelebrados em valores extremamen-te elevados, os quais se tornaramainda maiores em razão da aplica-ção da multa de 50% (cinqüenta porcento) pelo não cumprimento do quefora avençado.

Mas não é só. Outro aspectoque chama bastante atenção no ver-tente processo, reforçando a alega-ção de conluio, reside no fato deque, conforme esclarecido pelaspartes na audiência promovida naProcuradoria Regional do Trabalho,as empresas não estavam maisprestando serviços a hospitais pú-blicos, pois haviam perdido a con-corrência, sofrendo assim inúmerasações trabalhistas, o que torna, nomínimo, inviável o cumprimento dosacordos firmados, cujos montantes

— repita-se — tornaram-se aindamais elevados em razão das multasaplicadas pela inadimplência.

Todos esses elementos noslevam à conclusão de que restoucaracterizada a colusão alegada napreambular.

Outra, aliás, não é a conclu-são a que chegou o Ministério Pú-blico do Trabalho, na qualidade decustos legis, conforme se lê de seuparecer de fls. 1.145:

As duas sentenças rescinden-das foram proferidas em açõesque se processaram à revelia doréu, em litígios de filha contra pai— responsável pelas duas em-presas reclamadas, sediadas nomesmo local. Ambas continhampedidos astronômicos, capazesde inviabilizar o empreendimentoque já enfrentava adversidades fi-nanceiras, sobressaltando-secom imensa gama de Reclama-ções Trabalhistas, terminadasem vantajosas transações —nem sempre cumpridas —, tanto emrelação aos débitos decorrentesdo contrato, quanto em termos derecolhimentos previdenciários efiscais. Há farta documentaçãosustentando as assertivas do Mi-nistério Público e que tambémrespaldam a atuação de ofíciodas nobres Julgadoras, que, co-rajosamente, com base no art.129 do CPC, declararam a nuli-dade de todo o processado, pelatransparência da colusão. Do-cumentalmente se demonstrouque a ré, então reclamante, foiainda ilimitadamente procurado-

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ra das empresas e que essasigualmente foram acionadas poroutros parentes, com idênticosprocedimentos e intenção de, pormeio escuso, frustara a aplicaçãoda lei e lesar terceiros. Os pro-cessos são fraudulentos. O con-luio é indisfarçável e se manifes-tou por ato exclusivo das partes,com o objetivo de fraude à lei elesão a terceiros. As sentençasque homologaram os ajustes fo-ram influenciadas pela condutados litigantes.

Por outro lado, nem se cogitedos argumentos expendidos pelosrequeridos em sua contestação,buscando comprovar a estabilidadefinanceira das empresas, o que via-bilizaria o cumprimento dos acordosfirmados com a reclamante, bemcomo das decisões proferidas nasvárias reclamações trabalhistas ajui-zadas contra elas. A copiosa e, porvezes, desnecessária documenta-ção juntada pelos réus não têm ocondão de alterar o resultado da pre-sente ação, por não trazerem à tonaevidências substanciais capazes dedescaracterizar a colusão.

Nenhum argumento justifica aatitude tomada pelas partes envol-vidas nas reclamações trabalhistas,a não ser o de preservar o patrimô-

nio das reclamadas de futuras exe-cuções, utilizando-se, para tanto, daJustiça do Trabalho como forma deassegurar certa transparência namanobra intentada.

Destarte, em face do conluio —cujas evidências saltam aos olhos —entre reclamante e reclamadas, nãohá como deixar de reconhecer a pro-cedência do pedido de desconstitui-ção formulado na presente ação res-cisória.

Em vista do exposto, rejeito aspreliminares argüidas pelos requeri-dos e JULGO PROCEDENTE a açãorescisória, para o fim de rescindir assentenças proferidas nos autos dosProcessos ns. 2.857/97 e 2.858/97,que tramitaram perante a 11ª e a 47ªVaras do Trabalho de São Paulo, emface do manifesto conluio existenteentre as partes, para, em nova deci-são, julgar as reclamações trabalhis-tas IMPROCEDENTES. Quanto aosacordos firmados, desnecessárioqualquer pronunciamento judicial,haja vista as decisões proferidas pe-las C. 3ª e 10ª Turmas deste E. Re-gional, acostadas às fls. 1.185/1.188e fls. 1.189/1.203, respectivamente.

Custas, pelos requeridos, so-bre o valor atribuído à causa.

Nelson Nazar, Juiz Relator.

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NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA —ARBITRAGEM — IMPOSSIBILIDADE

(PRT — 9ª REGIÃO)

PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO N. 250/2004

AO INSTITUTO DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM DE GUARAPUAVA —IMAG

O Ministério Público do Traba-lho, por sua Procuradora, ao final fir-mada, no uso das atribuições quelhe são conferidas pela Lei Orgâni-ca do Ministério Público da União —Lei Complementar n. 75, de 20 demaio de 1993 — especialmente anorma do art. 6º, inciso XX, em com-binação com o art. 84, caput, queautoriza “expedir recomendações,visando à melhoria dos serviços pú-blicos e de relevância pública, bemcomo ao respeito aos interesses,direitos e bens cuja defesa lhe cabepromover, fixando prazo razoávelpara a adoção das providências ca-bíveis” (grifou-se);

Considerando o que consta doProcedimento Investigatório em epí-grafe, especialmente o regulamen-to deste Instituto (fls. 29/38) e os do-cumentos juntados às fls. 39/50;

Considerando que a Lei n.9.307/96, que dispõe sobre a arbi-tragem, é incompatível com os dita-

mes que regulamentam as relaçõesde trabalho, sendo inaplicável àseara trabalhista, visto que:

a) O Direito do Trabalho é re-gido pelo Princípio da Proteção doTrabalhador, ou seja, trata-se de umdireito especial, que se distingue dodireito comum, especialmente por-que, enquanto o segundo supõe aigualdade das partes, o primeiropressupõe uma situação de desi-gualdade que ele tende a corrigir comoutras desigualdades. Nessa esteira,refletindo o princípio protetor, tem-se que a irrenunciabilidade dominao Direito do Trabalho, ficando excluí-da a possibilidade de operar-se omero desligamento voluntário dosdireitos pelo trabalhador. Além dis-so, tem-se que ao lado do conteúdocontratual da relação de trabalho,também prevalece o conteúdo insti-tucional regido por normas de cará-ter cogente, cuja incidência inde-pende da vontade dos contratantes.

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b) Por outro lado, a arbitragembaseia-se em princípio diametral-mente oposto, ou seja, a disponibili-dade do direito, tanto que a Lei n.9.307/96, logo em seu artigo 1º, éenfática no sentido de que pode-sevaler da arbitragem “para dirimir lití-gios relativos a direitos patrimoniaisdisponíveis”. A referência a DireitoPatrimonial é bem precisa, devendoser considerados somente aquelessobre os quais se exerce fundamen-tal gozo ou fruição do bem econô-mico, com expressão de riqueza eexpressão em valor monetário. Nãoestão, portanto, sujeitos ao Juízo Ar-bitral os direitos indisponíveis.

c) A partir do momento em queo legislador quis reduzir o volumedas reclamações apresentadas aoPoder Judiciário, incentivando a so-lução negociada dos conflitos de na-tureza trabalhista, estabeleceu pro-cedimento próprio e específico daseara laboral, permitindo a institui-

ção das “Comissões de ConciliaçãoPrévia”, conforme disposto na Lei n.9.958/2000.

RESOLVE

NOTIFICAR este Instituto deMediação e Arbitragem para que:

I. Abstenha-se de arbitrar ouatuar em qualquer questão de na-tureza trabalhista individual, inclu-sive discussão de vínculo empre-gatício, devendo, assim, promo-ver a devida retificação no artigo1º de seu Regulamento;

II. Comprovar, perante esta Pro-curadoria, no prazo de 40 (qua-renta) dias, o atendimento destanotificação, sob pena de adoçãodas medidas cabíveis.

Curitiba, 10 de setembro de2004.

Ana Lucia Barranco Licheski,Procuradora do Trabalho.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — DISCRIMINAÇÃO —UTILIZAÇÃO DE BANCO DE DADOS PARA

ADMISSÃO DE TRABALHADORES — DIREITOÀ INTIMIDADE (PRT 9ª REGIÃO)

PROCESSO ACPU N. 17/2004

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO/9ª REGIÃORÉS: BRASILSAT HARALD S/A E BRASILSAT LTDA.

Submetido o processo a julga-mento, visando solver o conflito in-tersubjetivo de interesses, foi profe-rida a seguinte

SENTENÇA

Vistos etc.

I — RELATÓRIO

Ministério Público do Trabalhoda 9ª Região demanda em face deBrasilsat Harald S/A e Brasilsat Ltda.,qualificadas a fls. 02. Pleiteia em re-sumo: que a Reclamada abstenha-sede exigir atestados e/ou certidõesnegativas, de utilizar banco de dados,tomar ou prestar informações traba-lhistas e/ou criminais, relativas a em-pregados ou candidatos a emprego;

condenar a Ré a abster-se de adotarqualquer critério de seleção pessoalpara candidatos a emprego; comina-ção de multa diária por descumpri-mento e indenização por danos mo-rais coletivo. Atribuiu à causa o valorde R$ 200.000,00 (fls. 35).

Às fls. 306/307 foi indeferida aantecipação dos efeitos da tutela demérito pleiteada.

Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual.

Razões finais apresentadaspor escrito pelo Ministério Público eorais pela Ré.

Julgamento marcado para estadata.

É o relatório.

DECIDE-SE:

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II — FUNDAMENTAÇÃO

1. Preliminares:

1.1. Da Legitimidade do MinistérioPúblico do Trabalho — Carênciade ação

O Ministério Público do Traba-lho afora Ação Civil Pública buscan-do tutelar direitos Constitucionais desegunda geração, ou seja, direitossociais, consubstanciados em inte-resses difusos, advindo de todas aspessoas que buscam emprego e temsua vida investigada quanto aos an-tecedentes criminais e aforamentode ações trabalhistas no passado.

Fora de qualquer dúvida dalegitimidade do Parquet na buscada tutela de tais direitos.

A Carta Constitucional de 1988deu novo direcionamento ao Minis-tério Público, pois no artigo 127 in-cumbiu-lhe a “defesa da ordem jurí-dica, do regime democrático e dosinteresses sociais e individuais indis-poníveis”. Ainda, no artigo 129, in-ciso III, determinou como funçõesinstitucionais “promover o inquéritocivil e a ação civil pública, para a pro-teção do patrimônio público e social,do meio ambiente e de outros inte-resses coletivos e difusos”.

Por outro lado, a Lei Comple-mentar n. 75/93, no artigo 6º, VII,d, atribuiu competência ao Ministé-rio Público da União, do qual o Mi-nistério Público do Trabalho faz par-te, consoante artigo 128, I, b, daConstituição Federal de 1988, parapromover a ação civil pública paraoutros interesses individuais indis-

poníveis, homogêneos, sociais, difu-sos e coletivos. Ainda, o artigo 83,III da mesma Lei Complementar, de-termina especificamente ao ParquetTrabalhista competência para pro-mover a ação civil pública no âmbitoda justiça do trabalho, para defesade interesses coletivos, quando des-respeitados os direitos sociais cons-titucionalmente garantidos.

Este é o entendimento da maisautorizada doutrina. Transcrevemosas palavras do Ministro João OresteDalazen, em sua Obra “Competên-cia Material Trabalhista”, p. 229.

“Irrecusável a competência daJustiça do Trabalho para instruire julgar a ação civil pública ‘tra-balhista’, ajuizada pelo MinistérioPúblico do Trabalho, objetivandoresguardar interesses difusos einteresses coletivos, se e quan-do vulnerados os respectivos di-reitos sociais de matriz constitu-cional. O fomento constitucionale o balizamento para a acenadacompetência repousam no pre-ceito que permite à lei atribuir àJustiça Especializada ‘outras con-trovérsias oriundas da relação detrabalho’ (art. 114, 2ª parte). So-brevindo a Lei Complementar n.75, de 20.5.93, esta elucidou oramo do Poder Judiciário a quemcumpre submeter a ação civil pú-blica ‘trabalhista’: dispôs quedeve ser proposta ‘junto aos ór-gãos da Justiça do Trabalho’, ouno ‘âmbito da Justiça do Traba-lho’ (artigo 83, caput e inc. III).”

Dessume-se da Lei da Ação Ci-vil Pública, n. 7.347/85, artigo 3º, que

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esta ação visa a um provimento ju-risdicional, provocado pelo Ministé-rio Público, ou outra pessoa jurídicaou entidade definida em lei, tendopor objeto a condenação em dinhei-ro ou cumprimento da obrigação defazer, ou abstenção de fato.

Deste modo, estão presentestodas as condições da ação, comolegitimidade de parte, interesse emagir e possibilidade jurídica do pedi-do, não havendo que se falar em ca-rência de ação ou ilegitimidade departe.

Afasta-se a prel iminar emquestão.

1.2. Da incompetência racionemateriae/dano moral coletivo

In casu, o que dita a compe-tência material da Justiça do Traba-lho é a natureza jurídica do conflitointersubjetivo de interesses. A pre-sente ação visa cessar práticas quepossivelmente ferem as relações detrabalho.

Logo, é competente a Justiçado Trabalho para dirimir tal conflito,de acordo com o contido na partefinal do art. 114 da CF/88 — “e, naforma da Lei, outras controvérsiasdecorrentes da relação de trabalho”.

Ademais, a Lei Complementarn. 75/93, no seu art. 83, III estabe-lece que a Ação Civil Pública Traba-lhista deve ser proposta na Justiçado Trabalho.

No que tange ao pleito de danomoral coletivo, os direitos e obriga-ções personalíssimos, como são osde ordem moral, contém implicaçõesprejudiciais à dignidade do empre-

gado(s) que somente o órgão judi-ciário especializado nos mecanis-mos de subordinação e dependên-cia econômica, reguladores dovínculo empregatício, está capaci-tado a compreender e a dar a ade-quada tutela jurisdicional. No planocivil predomina a resolução dos con-flitos com fundamento no pressu-posto da igualdade jurídica das par-tes, concepção inviável em se tra-tando de litígio que de regra envol-ve um confronto entre um hipossu-ficiente e o auto-suficiente a quemaquele serviu de mão-de-obra.

O STF já decidiu neste sentido.

“INDENIZAÇÃO POR DANOMORAL — JUSTIÇA DO TRABA-LHO — COMPETÊNCIA — Açãode reparação de danos decorren-tes da imputação caluniosa irro-gada ao trabalhador pelo empre-gador a pretexto de justa causapara a despedida e, assim, de-corrente da relação de trabalho,não importando deva a controvér-sia ser dirimida à luz do DireitoCivil” (STF — RE 238.737-4 —SP — 1ª T. — Rel. Min. Sepúlve-da Pertence — J. 17.11.1998).

Ademais, a Emenda Constitu-cional n. 45 de dezembro de 2004 jácolocou uma pá de cal em tal dis-cussão ante a nova redação do art.114, VI, da Carta Superior.

Afasta-se.

1.3. Do cerceamento de prova —Nulidade processual

Em sede de razões finais, asRés requereram a decretação da

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nulidade processual, em razão doindeferimento de produção de pro-vas orais.

Frise-se que o direito à provae à defesa não são absolutos e ir-restritos, porquanto deve-se atentarpara a economia e celeridade pro-cessual, máxime no processo do tra-balho. Não há direito à produção dequalquer prova, mas apenas aque-las aptas a evidenciar os fatos rele-vantes para o deslinde do feito sub-metido à apreciação judicial e, porvia de conseqüência, passíveis deinfluir no respectivo julgamento. Eassim o é para se atingir o escopodo processo de não se alongar des-necessariamente a marcha procedi-mental, colocando em risco outragarantia das partes, qual seja, a ob-tenção do provimento jurisdicionalinvocado dentro de prazo razoável,porquanto preceitua o jurista uru-guaio Eduardo Couture, “justiça tar-dia, é o mesmo que arremedo dejustiça”.

2. Mérito

Narra a peça de ingresso, emresumo, que as Rés se utilizavamdos serviços da empresa INVESTIGpara obtenção de listas contendo in-formações sobre a existência deações aforadas na justiça do traba-lho, registros criminais e informa-ções creditícias sobre candidatos aemprego.

Conforme a peça inicial, re-quer o MPT a abstenção das Résem utilizar-se de banco de dados,tomar ou prestar informações crimi-nais relativas a empregados ou can-

didatos a emprego e abster-se deexigir de candidatos a emprego cer-tidões, atestados ou quaisquer infor-mações sobre antecedentes crimi-nais, sob pena de multa por even-tual descumprimento da obrigaçãode não fazer, no importe de R$20.000,00, bem como indenizaçãopor dano moral coletivo no importede R$ 200.000,00 em prol da comu-nidade lesada.

Na defesa, as Reclamadasnegam ter exigido os documentosapontados na exordial de candida-tos a empregos, bem como afirmamque sempre respeitaram a vida ínti-ma dos empregados. Sustentam,ainda, inexistir proibição para o em-pregador interessar-se sobre o com-portamento individual do emprega-do. Aduz que na contratação utiliza-se apenas da sua liberdade privadagarantida constitucionalmente. En-trementes, à fl. 328, confirma quese utiliza dos serviços da empresaINVESTIG para verificar se não ha-via qualquer mandado de prisão emface de eventuais candidatos a em-prego e a existência de ações tra-balhistas anteriormente aforadas.Negou, entretanto, a utilização deinformações creditícias.

Aduz ainda que o fato do Mi-nistério Público do Trabalho procu-rar interferir na forma de contrataçãodas empresas, buscando restringir oacesso às informações, atenta con-tra os direitos à propriedade privadae à livre iniciativa, uma vez que asalegações da inicial baseiam-se me-ramente em suposições de que hou-ve alguma forma de discriminação,quando na realidade jamais existiu.

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Sem razão, entretanto. Confor-me determina o art. 5º, XIII, inci-sos XXVIII, XXIX e LIV da CF/88, élivre o exercício de qualquer trabalho,ofício ou profissão, é assegurada aampla defesa, a Lei punirá qualquerdiscriminação a direitos fundamen-tais atentatórios de direitos funda-mentais e ninguém será privado daliberdade e de seu bens sem o devi-do processo legal. Também, todossão considerados inocentes até quese prove o contrário. Desta forma, abusca de informações sobre “ante-cedentes criminais” do trabalhadoré evidentemente discriminatória, esó se justificaria em casos excep-cionais, o que, in casu, não restouevidenciado, como exemplificativa-mente prevê a Lei n. 7.102/83. Asalegações intempestivas, porquan-to não constam na defesa, fls. 317/336 (artigo 300 do CPC), de que otrabalho desenvolve-se através decontratos com o poder público queproíbe o trabalho de pessoas comantecedentes criminais, e que po-dem afetar a segurança pública e asegurança nacional, sequer foramprovadas documentalmente.

Ademais, um eventual conde-nado que já cumpriu a sua pena eestá reintegrado na sociedade nãomerece que esta mesma sociedadeque já o puniu por seu ato prati-cado, puna-o novamente excluindo-odo campo de trabalho pelo fato deter antecedentes criminais. Raciocí-nio no sentido da tese da defesa levaa conclusão de que pessoas queeventualmente tenham cometidodelitos da esfera penal sejam ba-nidas do mercado de trabalho, e por

conseqüência, de um meio honestoe digno de prover a sua subsistên-cia e de sua família. Com estas pes-soas fora do mercado de trabalho,certamente toda a sociedade pagaum preço alto em razão da utiliza-ção de qualquer subterfúgio parabuscar a sobrevivência pessoal e deseus familiares.

Também, a pesquisa de ante-cedentes trabalhistas e creditícios, fl.340, v.g., mostra-se odiosa, por-quanto certamente um empregadoque foi a Juízo buscar seus direitose exercer sua cidadania não pode serdiscriminado por exercer seus direi-tos previstos constitucionalmente.

Outrossim, saliente-se queeventual contratação de emprega-dos que, voluntariamente, confirma-ram que tinham aforado ação traba-lhista anteriormente e que possuí-am restrição de crédito, não elide oato discriminatório das Reclamadasem buscar os serviços da empresaINVESTIG. Ora, pueril a afirmaçãode que a utilização dos serviços des-ta empresa não tinha o desideratode discriminar candidatos a empre-go, na medida em que pagava paraobter informações a este respeito.Também, graciosa a informação deque buscava a ficha de anteceden-tes criminais apenas para se certifi-car que o candidato a emprego nãotinha mandado de prisão expedidoe não cumprido. Esta função é dapolícia judiciária, não tendo sidodelegada a empresas privadas.

Ainda, para corroborar a fun-damentação acima, transcrevo tre-cho da sentença proferida nos au-tos ACPU 0006/2002, em que são

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partes litigantes o Ministério Públi-co e a empresa INVESTIG: “Infeliz-mente não vivemos em um períodode pleno emprego, em que as em-presas batem às portas dos empre-gados em busca de novos trabalha-dores, mas o momento atual é dia-metralmente oposto. Assim, o em-pregado que vai à Justiça do Traba-lho, como última esperança de rea-ver parte do suor do seu trabalho, ésegregado por eventuais futuros em-pregadores. Ora, somente se podeconcluir que quem não contrata umtrabalhador que buscou direitos le-gítimos perante o Poder Judiciário,é porque já está mal intencionado,não obedece aos ditames legais eteme uma demanda judicial porquejá está em desvantagem pelo fatode fraudar o contrato de trabalho du-rante a vigência deste. Também res-salte-se que se o empregado autorda ação demanda sem fundamen-to, certamente o empregador é ab-solvido, não havendo condenaçãosem comprovação dos fatos alega-dos. É com pesar que este Juízoconstata que ainda hoje, apesar dograu de especialização do processodo trabalho, o Judiciário Trabalhistaé visto, por alguns que ignoram asua realidade, como a justiça de ‘dátudo’ que o trabalhador pede. Tantoisto não é verdade que um percen-tual muito pequeno, cer tamentemenos de 5%, das ações ajuizadassão totalmente procedentes, e háum grande número de ações impro-cedentes, cuja conclusão é de queo empregado não tem qualquer di-reito perseguido.”

Assim, conclui-se a exigênciade atestado de antecedentes crimi-

nais, bem como a pesquisa de tais,e pesquisa de antecedentes credi-tícios e trabalhistas mostra-se imo-ral e discriminatória.

Destar te, condena-se a Réem abster-se de utilizar-se de ban-co de dados, tomar ou prestar in-formações criminais, creditícias,trabalhistas e praticar qualquer ou-tro ato discriminatório, como exi-gência de “boa aparência”, indaga-ção acerca da orientação sexual,raça ou religião, questionamentosrelativos à vida privada que não serelacionem ao trabalho ou formaçãoprofissional, tais como opinião po-lítica, religião, situação familiar,orientação sexual e atividades delazer, relativas a empregados oucandidatos a emprego e abster-sede exigir de candidatos a empregocertidões, atestados ou quaisquerinformações sobre antecedentescriminais, trabalhistas ou creditíciassob pena de multa por eventual des-cumprimento da obrigação de nãofazer, no importe de R$ 20.000,00,nos termos do art. 461, IV do CPC,por ato praticado.

Ainda, pelo fato de terem seutilizado dos serviços da INVESTIG,buscando informações trabalhistase criminais, nos moldes acima des-critos e confessados na defesa, con-dena-se as Reclamadas, a pagaremindenização por danos morais cole-tivos, em razão da pesquisa dos no-mes de candidatos a empregos, novalor de R$ 200.000,00, o qual deveser revertido ao FAT, nos termos dalegislação vigente.

Defere-se.

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III — DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos,decide o Juízo da 14ª Vara do Tra-balho de Curitiba/PR, afastadas aspreliminares, julgar PROCEDENTEa Ação Civil Pública aforada pelo Mi-nistério Público do Trabalho da 9ªRegião em face de Brasilsat HaraldS/A e Brasilsat Ltda., para conde-nar as Rés a absterem-se de utili-zar de banco de dados, tomar ouprestar informações criminais, cre-ditícias, trabalhistas e praticar qual-quer outro ato discriminatório, comoexigência de “boa aparência”, inda-gação acerca da orientação sexual,raça ou religião, questionamentosrelativos à vida privada que não serelacionem ao trabalho ou formaçãoprofissional, tais como opinião polí-tica, religião, situação familiar, orien-tação sexual e atividades de lazer,relativas a empregados ou candida-tos a emprego e abster-se de exigirde candidatos a emprego certidões,atestados ou quaisquer informaçõessobre antecedentes criminais, traba-lhistas ou creditícias sob pena demulta por eventual descumprimento

da obrigação de não fazer, no im-porte de R$ 20.000,00, nos termosdo art. 461, IV do CPC, por ato pra-ticado, bem como condená-las pordano moral coletivo no importe deR$ 200.000,00, em favor do FAT,tudo na forma da fundamentaçãosupra, cujos termos se incorporamao presente dispositivo.

Custas pelas Rés no importede R$ 4.000,00, calculadas sobre ovalor provisoriamente arbitrado àcondenação de R$ 200.000,00, su-jeitas à complementação (Súmula n.128, do TST).

Cumpra-se no prazo legal.

Cientes as partes. Intime-se oMinistério Público do Trabalho naforma do artigo 236, § 2º do CPC,artigo 18, II, h da Lei Complemen-tar n. 75/93.

Prestação Jurisdicional en-tregue.

Nada mais.

Curitiba, 28 de julho de 2005,às 17h30.

Felipe Augusto de MagalhãesCalvet, Juiz do Trabalho.

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DOTRABALHO DA VARA DO TRABALHO DE CURITIBA — PARANÁ

O Ministério Público do Tra-balho — Procuradoria Regional doTrabalho da 9ª Região, com sedeà Rua Jaime Reis, 331, Curitiba,por meio dos Procuradores do Tra-balho que esta subscrevem, comfundamento nos artigos 127, caput

e 129, inciso III da ConstituiçãoFederal; artigo 83, incisos I e III daLei Complementar n. 75/93 e dis-posições contidas na Lei n. 7.347/85 e Lei n. 8.078/90, vem, respei-tosamente, perante Vossa Excelên-cia, propor

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA

com pedido de tutela antecipatóriade mérito, em face de

Brasilsat Harald S/A, pessoajurídica de direito privado, com sedeà Rua Guilherme Weigert, 1.955,Santa Cândida, Curitiba, Paraná, ins-crita no CNPJ sob o n. 78.404.860/0001-88; e Brasilsat Ltda., pessoajurídica de direito privado, com sedeà Rua Domingos Scucato, 1.105,Jardim Monte Santo, Almirante Ta-mandaré, Paraná, pelos motivos quepassa a expor:

I — Histórico Preliminar

Os fatos e documentos quedeterminaram a investigação da con-duta das Rés foram obtidos em de-corrência da efetivação de medidaliminar de busca e apreensão, con-cedida em ação cautelar propostaem face da empresa Investig Con-sultoria Jurídica de Segurança Ltda.(doravante INVESTIG). Trata-se daMC n. 163/02, que tramita apensa àACPU n. 6/02 da 14ª Vara do Traba-lho de Curitiba.

Verificou-se que a ora Ré eraempresa cliente da INVESTIG.

Ocorre que os serviços queprestava a INVESTIG possibilitarama prática de discriminação contratrabalhadores que ajuizaram recla-mações trabalhistas, possuem ante-cedentes criminais e/ou restriçõescreditícias.

II — Dos Fatos

Nos autos da já mencionadaMC n. 163/2002 (e ACP n. 6/2002,

da 14ª VT de Curitiba) constam osdocumentos apreendidos na sededa empresa INVESTIG, que presta-va o serviço de venda de informa-ções “cadastrais” para suas clientes,utilizadas para a contratação de em-pregados. Também foi apreendidoum computador, cujo conteúdo foipericiado pelo serviço de períciadocumentoscópica do E. TribunalRegional do Trabalho da 9ª Região.

Dentre os documentos obti-dos, vários comprometem as empre-sas Brasilsat Harald S/A e BrasilsatLtda., assim como o laudo da perí-cia realizada, demonstrando que seutilizavam há vários anos dos servi-ços da INVESTIG para pesquisarantecedentes criminais e ações tra-balhistas dos candidatos a empre-go em âmbito nacional.

Assim, com o objetivo de pro-mover a regularização da condutadas ora rés, foi instaurado Procedi-mento Investigatório n. 1.319/02.

Designada audiência, a Brasil-sat Harald S/A admitiu utilizar-se dosserviços da INVESTIG, por meio decontatos telefônicos mantidos porempregados do setor de recursoshumanos, e afirmou que a pesquisaera referente a antecedentes crimi-nais e ajuizamento de ações traba-lhistas relativamente a candidatos aemprego.(1) Afirmou ainda que utilizaos serviços da INVESTIG há aproxi-madamente dois anos e que todosos candidatos, após aprovados noteste seletivo, tem seus anteceden-tes consultados pela INVESTIG.

(1) Fls. 49 do PI n. 1.319/02.

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O preposto das empresas es-clareceu que Brasilsat Harald S/A ea Brasilsat Ltda. são empresas domesmo grupo e que ambas se utili-zavam dos serviços prestados pelaINVESTIG. Declarou que a primei-ra, à época, contava com aproxima-damente cento e oitenta emprega-dos e a segunda, aproximadamentecento e vinte.

Apresentou o representantedas requeridas em referida audiên-cia documentos por elas utilizadosno processo de seleção de candida-tos, podendo-se observar da deno-minada “Proposta para Emprego”,formulário padrão das requeridas,existirem campos específicos paraque o candidato informe se ajuizouou não ação trabalhista em face dosex-empregadores — fls. 59 verso.

Verifica-se, ainda, do chamado“Briefing Profissional” (fls. 61/62)questionamentos ao candidato a em-prego a respeito de opinião política,religião, uso de medicamentos, ativi-dades desenvolvidas fora do horáriode expediente e sobre a existência de“problemas civis, criminais ou de cré-dito (cheques devolvidos, títulos pro-testados) ou reclamatórias trabalhis-tas”. Às fls. 89, encontra-se outroexemplo das indagações feitas aoscandidatos a emprego, como apelidosque já teve, descrição da família, etc.

O MPT apresentou à empre-sa Minuta de Termo de Compromis-so de Ajustamento de Conduta paraanálise (fls. 50), propondo a inclu-são de cláusula estabelecendo res-trições no processo de seleção decandidatos, com a finalidade de serrespeitada a vida íntima e privada

dos mesmos, de modo a que nãofossem indagados aspectos não re-lacionados diretamente com a ativi-dade a ser desempenhada ou for-mação profissional (fls. 198).

Houve recusa em firmar oajuste consoante proposto, aduzin-do o representante das requeridasnão ter sido praticado qualquer atoilegal (fls. 198).

II.1. Dos documentos que comprovama pesquisa criminal e trabalhista

As Rés contrataram da INVES-TIG os serviços de “pesquisascadastrais” trabalhistas e criminais,conforme demonstra o registro dedados de contrato pela INVESTIG(2),ao preço de R$ 10,00 por consultacriminal e trabalhista e de R$ 7,00pela consulta criminal. Esses servi-ços eram também denominadospela INVESTIG de plano “básico”(ver ficha cadastral(3) e proposta deprestação de serviços(4))

O serviço de “consultas traba-lhistas” restringia-se a apontar a exis-tência de reclamações trabalhistas(nome da reclamada, número da re-clamação e Vara do Trabalho). Já asconsultas criminais apontavam dadosreferentes à existência de inquéritospoliciais, indicando o número do inqué-rito processo e a espécie de infra-ção penal. As consultas “criminais”sequer informam se a pessoa estávinculada ao inquérito como querelan-te, querelada ou testemunha. Menosainda o resultado do inquérito apon-

(2) Fls. 34 do PI n. 1.319/02.(3) Fls. 34 do PI n. 1.319/02.(4) Fls. 133 do PI n. 1.319/02.

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tado, se resultou em ação penal, ounão; ou o resultado da ação penal,se houve ou não condenação.

A Brasilsat Harald S/A e a Bra-silsat Ltda. utilizavam-se com fre-qüência dos serviços da INVESTIG,conforme admitiu o preposto dasempresas em audiência e conforme

(5) Número resulta da soma das pesquisas criminal e trabalhista no período.(6) As folhas indicadas correspondem à numeração do Procedimento no MinistérioPúblico, tendo em vista que ainda não há a numeração da Vara do Trabalho na ação.(7) O relatório de fls. 143-144 do PI n. 1.319/02 não está computado.(8) O relatório de fls. 152-153 do PI n. 1.319/02 não está computado.(9) O relatório de fls. 179-180 do PI n. 1.319/02 não está computado.(10) Utilizando-se dos parâmetros indicados na nota de rodapé n. 5.

evidenciam os relatórios mensaiselaborados pela INVESTIG dos va-lores devidos por alguns clientes eas relações de títulos gerados noarquivo de remessa do HSBC. Ob-serve-se o demonstrativo abaixo,referente ao período de setembro de2002 a agosto de 2001:

Mês/Ano N. de Consultas N. de Consultas Total(5) Fls.(6)

Criminais TrabalhistasSet./02 16 16 32 137Ago./02 26 25 51 140Jul./02(7) 30 16 46 145-146Jun./02(8) 29 21 50 150Mai./02 43 23 66 155Abr./02 45 37 82 157Mar./02 91 69 160 160Fev./02 37 25 62 163Jan./02 32 25 57 165Out./01 82 49 131 170Set./01 102 75 177 172Ago./01(9) 230 153 383 177

O número estimado de consul-tas realizadas no período abran-gido pela tabela com base na do-cumentação dos autos(10) é de 691consultas criminais e trabalhistas deagosto/2001 a outubro/2001 e de 606consultas criminais e trabalhistas dejaneiro/02 a setembro/02, totalizan-do 1.297 consultas.

Em que pese expostos os mo-tivos pelos quais o Ministério Públi-co do Trabalho considera ilícita apesquisa de dados que não se rela-cionem ao trabalho a ser prestado,tendo em vista a negativa das em-presas Brasilsat Harald S/A e Bra-silsat Ltda. em firmar o devido com-promisso de adequação à legalida-

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de (fls. 198-200), restou como úni-ca alternativa recorrer-se ao PoderJudiciário, com a propositura da pre-sente Ação Civil Pública.

III — Registros Trabalhistas,Criminais e Creditícios

III.1 Informações trabalhistas —direito de petição

Todo o trabalhador tem o di-reito de recorrer ao poder judiciáriotrabalhista caso entenda violadosseus direitos pelo empregador.

Uma vez que decida por exer-cer o direito de ingressar com açãotrabalhista, terá o trabalhador seunome vinculado ao registro da Re-clamação Trabalhista que vier a pro-por. A empresa INVESTIG, saben-do desse fato, adquiriu ou construiuum banco de dados que contém in-formações referentes às reclamaçõestrabalhistas ajuizadas. Tal banco dedados possui cerca de 330.000 (tre-zentos e trinta mil) nomes de traba-lhadores (conforme consta do lau-do pericial, cuja cópia se encontraàs fls. 221-224 dos autos do PI n.1.319/02). Para operacionalizar essebanco de dados, a INVESTIG de-senvolveu (ou adquiriu) um “sistemade informações trabalhistas”.

A Brasilsat Harald S/A e a Bra-silsat Ltda., clientes da INVESTIG,compravam o serviço de “pesquisacadastral” para utilizá-lo em face doscandidatos a emprego, consoantedemonstram os documentos existen-tes no Procedimento Investigatório.

Evidentemente, o conheci-mento prévio, pela potencial empre-

gadora, acerca do ajuizamento dequalquer reclamação trabalhistapelo empregado tem apenas umafinalidade: barrar o processo de con-tratação, ou trazer alguma outra for-ma de prejuízo ao empregado, comopor exemplo o condicionamento daconvalidação da experiência à reali-zação do acordo judicial ou à desis-tência da ação.

III.2. Antecedentes criminais

Admitem as Rés expressa-mente a pesquisa criminal, aduzindoque certos cargos, como por exem-plo o de tesoureiro(11), são incompa-tíveis para candidato que apresen-tasse antecedentes criminais.

Na sua manifestação escritaas Rés alegam não possuir contra-to escrito com a empresa INVESTIG(fl. 199-200 do PI n. 1.319/02), masadmitem que realizavam consultasatravés dela, não obstante entende-rem que tal conduta não configuradiscriminação.

Tais questões serão enfrenta-das com maior deter no tópico se-guinte, ao se tratar dos direitos vio-lados.

Por ora, tem-se como neces-sário esclarecer que as informaçõessobre antecedentes criminais vendi-das pela INVESTIG, para seus cli-entes utilizarem como critério de se-leção, eram obtidas por meiosescusos.

As “informações cr iminais”eram obtidas a partir de acesso in-

(11) Fls. 49 do PI n. 1.319/02.

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devido aos registros sigilosos, des-tinados para utilização restrita dejuízes, promotores e das autorida-des policiais.

Oportuno destacar que “ates-tados de antecedentes criminais” e“relatórios de antecedentes crimi-nais” são documentos distintos.

O “atestado de antecedentescriminais” é um documento emitidopelo Instituto de Identificação doParaná, no interesse da pessoa queo solicita, e concedido apenas aessa pessoa ou seu procurador. Valeressaltar que esse “atestado” sem-pre é emitido com a expressão “nadaconsta”, conforme informação pres-tada pelo Setor de Registros Crimi-nais do Instituto de Identificação doParaná (fls. 213 do PI n. 1.319/02).Logo, não existem atestados de an-tecedentes criminais com informa-ções sobre a existência de inquéri-tos, ações ou outros.

Bem diferente é o “relatório deantecedentes criminais”. Trata-se doconteúdo integral dos arquivos dapolícia, que possui todos os apon-tamentos de natureza criminal deuma determinada pessoa, e só éemitido por requisição de Juízes deDireito, Promotores de Justiça ouDelegados de Polícia (fls. 213).

Era esse o tipo de informaçãosigilosa que era comprada pelasempresas Rés para utilizar comocritério de seleção de pessoal.

Ocorre que os registros crimi-nais têm uma função determinada noordenamento jurídico, que é a deinstrumentalizar a persecução crimi-nal e velar pelo interesse público; não

têm eles a finalidade de servir a par-ticulares, especialmente às empre-sas, como critério admissional.

Como observa Ronaldo LeitePedrosa(12), os registros dos antece-dentes criminais de um cidadão des-tinam-se a que sejam decretadasprisões preventivas (ar t. 312 doCPP); para que sejam negadas liber-dades (art. 323, III do CPP); paraque seja revogada suspensão con-dicional da pena (art. 709, § 2º doCPP); para a fixação da pena (art.59 do CP). A finalidade é sempre ade instrumentalizar o processo cri-minal e as autoridades a ele afetas,e constituem informações restritas.

O art. 64 do Código Penal, in-ciso I estabelece que: “não prevale-ce a condenação anterior, se entrea data do cumprimento ou extinçãoda pena e a infração posterior tiverdecorrido período de tempo supe-rior a 5 (cinco) anos, computado operíodo de prova da suspensão oulivramento condicional, se não ocor-rer revogação”.

O art. 748 do CPP dispõe que“A condenação ou condenações an-teriores não serão mencionadas nafolha de antecedentes do reabilita-do, nem em certidão extraída doslivros do juízo, salvo quando requi-sitadas por juiz criminal”.

O art. 202 da Lei das Execu-ções Penais, por sua vez, estabele-ce que: “Cumprida ou extinta a pena,não constarão da folha corrida, ates-tados ou certidões fornecidas por

(12) PEDROSA, Ronaldo Leite. Folha Pe-nal Perpétua.

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autoridade policial ou por auxiliaresda Justiça, qualquer notícia ou refe-rência à condenação, salvo para ins-truir processo pela prática de novainfração penal ou outros casos ex-pressos em lei”.

Por fim, a artigo 93 do CódigoPenal estatui que “A reabilitação al-cança quaisquer penas aplicadasem sentença definitiva, asseguran-do ao condenado o sigilo dos regis-tros sobre o processo e condenação”(grifou-se).

Conforme posicionamento daDra. Thereza Cristina Gosdal(13), ex-posto no artigo “Antecedentes Cri-minais e Discriminação no Trabalho”:

“O ordenamento jurídico es-tabelece limites à manutençãodos registros criminais e em ne-nhum momento assegura a exis-tência de tais registros para fina-lidades particulares que não en-volvam o interesse público. A esserespeito, afirma Ronaldo LeitePedrosa: ‘Portanto, o que deixa-mos claro é que o ordenamentojurídico não se coaduna com amanutenção e revelação externade anotações criminais de umapessoa. Mesmo para as solicita-ções de juízes competentes exis-te uma barreira, pertencente aoprazo para a reincidência’.”

Se o próprio condenado temgarantia de sigilo sobre o processo

e a condenação, o que se poderiadizer de um cidadão que sequer che-gou a ser processado? Ora, o cida-dão que chega a ser processado,pelo menos, tem uma acusação re-gular e legalmente formulada con-tra si. O que apenas foi indiciado eminquérito policial, nele prestou tes-temunho ou era querelante, nãosabe por que motivo está sendo pe-nalizado. A simples tramitação doinquérito policial, por ser menos quea ação penal, tem caráter ainda maisprecário, e portanto o sigilo deve serreforçado.

Vale ressaltar que a empresaINVESTIG foi denunciada ao Minis-tério Público Estadual pela práticados crimes relacionados com a ob-tenção de informações de uso ex-clusivo da polícia e da Justiça Cri-minal e sua comercialização indevi-da. Trata-se dos crimes de divulga-ção de segredo (artigo 153, § 1º doCódigo Penal) e violação de sigiloprofissional, porque o proprietário daINVESTIG é delegado de políciaaposentado (artigo 325, § 1º, I doCódigo Penal). Considerando que avenda dessas informações geroulucro, pode-se tipificar até mesmo aprática de corrupção passiva. A Bra-silsat Harald S/A e a Brasilsat Ltda.compravam o produto desses cri-mes. Não pode pretender que essacompra seja lícita.

O procedimento adotado pelaBrasilsat Harald S/A e pela Brasil-sat Ltda. afronta o inciso LVII doartigo 5º da Constituição Federal,pois o trabalhador é considerado cul-pado muito antes do trânsito em jul-gado da sentença penal e indepen-

(13) GOSDAL, Thereza Cristina. “Antece-dentes Criminais e Discriminação no Tra-balho”. In: Genesis Revista de Direito doTrabalho, maio de 2003, 21 (125),735-752.

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dentemente desta. Logo, a condutadas Rés também avilta o inciso LVdo ar t. 5º da CF (contraditório eampla defesa). Mais ainda, esse “jul-gamento” sem processo que fazemas empresas que utilizam os servi-ços prestados pela INVESTIG é rea-lizado por quem não tem poder paratanto: o empresário. Afrontado, por-tanto, o artigo 5º, LIII da Constitui-ção Federal (“ninguém será proces-sado nem sentenciado senão pelaautoridade competente”). E a penaimposta ao trabalhador, pelo simplesfato de constar algum registro denatureza criminal em seu nome, éno mínimo cruel, pois se assemelhaao banimento do mundo do traba-lho. Pena proibida pela ConstituiçãoFederal (artigo XLVII, letras d e e doartigo 5º da CF).

O Cardeal Dom Paulo EvaristoArns, no artigo “Para que todos te-nham vida”, publicado no livro inti-tulado “Discriminação”, coordenadopor Márcio Túlio Viana e Luiz OtávioLinhares Renault, fala em exclusãomoral e ci ta um documento daCNBB(14), segundo o qual:

“Exclusão moral é o que faze-mos quando colocamos pessoas ougrupos de pessoas fora das exigên-cias básicas da justiça, sem que issoincomode muito. É como se achás-semos que essas pessoas não me-recem viver. Não são consideradasvítimas, são vistas como culpadas,subumanas, desumanas — e comisso nos sentimos desobrigados denos importar com o que acontece

com elas, Simplesmente ‘desliga-mos’ a nossa sensibilidade moral emtais casos.”

Assim, a consulta a antece-dentes criminais somente pode seradmitida em face de registros deações penais (e não de inquéritos).As informações somente poderãoser prestadas relativamente a açõesem que: a) tenha havido condena-ção, e b) pelo período em que essacondenação deva constar dos regis-tros penais, como efeito da pena. Eapenas nos casos em que a lei as-sim previu expressamente (comonos casos dos vigilantes, dos mem-bros do Poder Judiciário e do Minis-tério Público), considerando-se quenessas hipóteses o interesse públi-co deve superar o particular.

Deste modo, o simples interes-se particular não é suficiente parajustificar a conduta das empresas.

Assim sendo, conclui-se, emprimeiro lugar, que a consulta, daforma como vinha sendo realizada,é ilícita. Em segundo lugar, é discri-minatória, abusiva e ofensiva a di-reitos fundamentais do trabalhador,como se abordará adiante.

III.3. “Antecedentes” creditícios

Não bastasse a busca de in-formações sobre ajuizamento deações trabalhistas e existência de re-gistros cr iminais, as requer idasquestionavam os candidatos a em-prego a respeito da condição eco-nômica-financeira, como chequesdevolvidos ou títulos protestados(p. ex. fls. 86).(14) P. 21.

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Também solicitavam à INVES-TIG pesquisa a respeito, consoantese verifica às fls. 158, a pedido daIntellisat do Brasil. A INVESTIG, paraprestar tais informações, utilizava-sedos serviços do Serasa. O Serasa éuma empresa privada constituídapor um pool de entidades bancárias,no interesse de respaldar decisõesde crédito e de negócios. Trata-sedo maior banco de dados sobre con-sumidores, empresas e grupos eco-nômicos existente no Brasil.

O relatório Serasa-Concentre éo “produto” que oferece informaçõessobre Protestos, Cheques sem Fun-dos, Falências, Concordatas, AçõesJudiciais (Executivas, de Busca eApreensão e de Execução Fiscal daJustiça Federal), Pendências Finan-ceiras, Dívidas Vencidas e Participan-tes em Empresas Falidas. Destina-se,mais uma vez, a subsidiar decisõesde crédito (ver www.serasa.com.br/produtos/concentre.htm).

A existência de entidades comoo Serasa é reconhecida por lei. Comefeito, dispõe o artigo 43, § 4º doCódigo de Defesa do Consumidor:

“Os bancos de dados e cadas-tros relativos a consumidores, osserviços de proteção ao créditoe congêneres são consideradosentidades de caráter público.”

Esse “reconhecimento”, noentanto, se faz com o objetivo deacautelar a atuação de tais entida-des. Uma instituição pública nãopode agir de maneira dissociada dofim para o qual foi constituída. OSerasa tem caráter público: subsi-

dia decisões de crédito no interessedo comércio. Se as informações quemaneja o Serasa forem utilizadaspara fins diversos, verificar-se-á hi-pótese de desvio de finalidade. Proi-bido por lei.

Nesse sentido, vale lembrarque o artigo 42 do CDC determinaque:

“Na cobrança de débitos, oconsumidor inadimplente não seráexposto a ridículo, nem será subme-tido a qualquer tipo de constrangi-mento ou ameaça.”

O Serasa, já devidamente ad-moestado pelo Ministério PúblicoFederal(15), está ciente de que “asinformações constantes de sua basede dados destinam-se, única e ex-clusivamente, a subsidiar decisões decrédito e a realização de negócios”,pelo que “qualquer eventual desviode finalidade (...) constitui ilícito con-tratual capaz de ensejar a rescisãodos referidos ajustes”(16).

O Serasa informou, ainda, ad-vertir periodicamente a seus clien-tes, para que façam bom uso dasinformações obtidas, conforme do-cumento de fls. 152 do PI n. 1.338/02.

Mais uma vez, o conhecimen-to prévio, pela potencial emprega-dora, acerca da existência de restri-ções creditícias em face do candi-dato a emprego tem apenas umaserventia: barrar o processo de con-tratação. Trata-se, também, de umademonstração abusiva de poder.

(15) Recomendação de fls. 153/155 do PIn. 1.338/02.(16) Fls. 150/151 do PI n. 1.338/02.

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Além de abusivo, discriminató-rio e ilegal, tal “critério de seleção”é também ilógico. Ora, a inadimplên-cia, ordinariamente, não é uma situa-ção desejada por nenhuma pessoa.Negar emprego a alguém, porqueesse alguém precisa de salário pararesgatar seu crédito e sua honra é,no mínimo, incoerente.

IV — Dos Direitos Violados

As “informações” que a Brasil-sat Harald S/A e a Brasilsat Ltda.tomam a respeito dos candidatos aemprego constituem demonstraçãode abuso de poder, que ofende a dig-nidade de todos os trabalhadores.

Nenhuma dessas informaçõespoderá revelar a qualificação do tra-balhador para exercer determinadafunção. Nenhuma dessas informa-ções é relevante para selecionar ocandidato adequado para a vaga.Nenhuma dessas informações podeser utilizada para vedar ao trabalha-dor o acesso a emprego. A colheitadessas informações pela Ré é, por-tanto, abusiva e ilegal, ofensiva aosseguintes dispositivos legais: artigos3º, inciso IV, artigo 5º, caput e inci-sos XXXIV, XLI, XLVII, LIII, LV, LVII;artigo 7º, inciso XXX da Constitui-ção Federal; artigos 186 e 187 doNovo Código Civil, e ainda o artigo 1ºda Lei n. 9.029/95.

IV.1. Discriminação

A Constituição Federal no ar-tigo 3º, inciso IV, estabelece comoobjetivo fundamental da República,“promover o bem de todos, sem pre-

conceitos de origem, raça, sexo, cor,idade, e quaisquer outras formas dediscriminação”. Já a Lei n. 9.029/95,prevê no artigo 1º que: “Fica proibi-da a adoção de qualquer prática dis-criminatória e limitativa para efeitode acesso a relação de emprego, ousua manutenção, por motivo de sexo,origem, raça, cor, estado civil, situa-ção familiar ou idade, ressalvadasneste caso, as hipóteses de prote-ção ao menor previstas no incisoXXXIII do art. 7º da ConstituiçãoFederal”.

Os motivos do discrimen elen-cados na lei, são apenas exemplifi-cativos, já que no início do dispositi-vo há a proibição de qualquer práti-ca discriminatória para acesso aemprego; não bastasse, a interpre-tação da legislação infraconstitucio-nal deve ser consoante com a CartaMagna, que proíbe quaisquer espé-cies de discriminação.

De acordo com o art. 1º da Con-venção n. 111 da OIT, ratificada peloBrasil, considera-se discriminaçãoqualquer “... distinção, exclusão oupreferência fundada em raça, cor,sexo, religião, opinião política, ascen-dência nacional, origem social ou ou-tra distinção, exclusão ou preferênciaespecificada pelo Estado-membro in-teressado, qualquer que seja sua ori-gem jurídica ou prática e que tenhapor fim anular ou alterar a igualdadede oportunidades ou de tratamento noemprego ou profissão”.

A Declaração Universal dosDireitos do Homem dispõe que:

“Art. 7º Todos são iguais pe-rante a lei e, sem distinção, têm

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direito à igual proteção da lei. To-dos têm direito à proteção igualcontra qualquer discriminaçãoque viole a presente Declaraçãoe contra qualquer incitamento atal discriminação.”

Em consonância com a nor-mativa internacional, prevê aConstituição Federal, em seu ar-tigo 5º, inciso XLI: “a lei puniráqualquer discriminação atentató-ria dos direitos e liberdades fun-damentais”.

Nesse diapasão, todo critérioque se eleja para distinguir algumacoisa ou pessoa de outra somenteserá lícito se não for discriminató-rio. Para a verificação da licitude deum discrimen, ê preciso observar osprincípios da razoabilidade e propor-cionalidade. Segundo Luís RobertoBarroso(17) as diferenciações são “ju-ridicamente toleráveis”, ou seja, sãopossíveis, quando possuírem funda-mento razoável e forem destinadasa um fim legítimo; quando o elemen-to discriminatório for relevante; quan-do houver proporcionalidade entre ovalor objetivado e o sacrificado;quando o meio empregado e o fimbuscado forem compatíveis com osvalores constitucionais.

Como enfatiza Thereza C.Gosdal(18), ao tratar de anteceden-tes criminais:

“Não há proporcionalidadeentre o valor objetivado e o sa-crificado, pois não se pode com-preender como prevalente a tu-tela ilimitada da propriedade e dainiciativa privada, em detrimentodo direito à intimidade e vida pri-vada, do direito a não ser discri-minado, e em especial, do direitoà dignidade. Se um cidadão co-meteu algum delito e já cumpriua pena correspondente, ou se oinquérito policial não ensejou pro-cesso criminal, ou se já está ex-tinta a punibilidade, há fundamen-to razoável para deixar de con-tratá-lo? Há proporcionalidadeentre o fim buscado, a proteçãodo patrimônio e da empresa, e omeio utilizado, a exclusão perma-nente deste cidadão do mundo dotrabalho? Ao que nos parece aresposta só pode ser negativa. Anão ser naqueles casos em quea sociedade, por meio da lei, en-tendeu que a existência de ante-cedentes criminais deveria serpesquisada, tal qual ocorre comos vigilantes e com os trabalha-dores domésticos.”

O que dizer então quanto aosantecedentes trabalhistas? É total-mente desarrazoado uma empresadeixar de contratar determinado tra-balhador apenas porque este, umdia, entendeu terem sido desrespei-tados seus direitos trabalhistas e,como cidadão, procurou tutela pe-rante o Judiciário Trabalhista, direi-to que lhe é constitucionalmente re-conhecido (artigo 7º, inciso XXIX daConstituição Federal).

(17) BARROSO, Luís Roberto. “Razoabi-lidade e Isonomia no Direito”. In: VIANA;RENAULT, Discriminação. São Paulo: LTr,pp. 169-266.(18) GOSDAL, Thereza Cristina. Artigo jácitado.

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Em decisão de vanguarda, to-mada em 13.5.1997, a Primeira Tur-ma deste Egrégio Tribunal do Traba-lho da 9ª Região, em acórdão dalavra do insigne Juiz Dr. Wilson Pereira(TRT-PR-RO 13.798/96, Ac 17.277/97), já havia destacado que a discri-minação de trabalhadores, pelo sim-ples motivo de terem exercido o direi-to de ação, constitui-se em práticaodiosa, que deve ser rigorosamenterepelida. Eis os termos da ementa dadecisão:

“Ministério Público do Trabalhomove ação civil pública coibindoempresa que comercializa listascadastrais com nomes dos quereclamam na Justiça do Trabalho— Competência da Justiça doTrabalho. A prática de comercia-lização, “venda”, de listas com osnomes dos que reclamam na Jus-tiça do Trabalho fere de morte umdos mais relevantes direitos cons-titucionais insculpido no artigo 5º,inciso XXXIV, a, da Carta Maior, equalquer ato atentatório a liber-dade do indivíduo de pedir aoPoder Judiciário a reparação dequalquer direito deve ser tratadocom todos os rigores que a leiadmite, sendo competente estaJustiça Especializada para apre-ciar a matéria” (grifou-se).

O Egrégio Tribunal Regional da3ª Região também pronunciou-sesobre a questão ao julgar o RO7.574/95, tendo repudiado veemen-temente a discriminação, consoan-te decisão da 3ª Turma, tendo porrelator o ilustre Juiz José RobertoFreire Pimenta (DJ MG 3.10.1995),conforme ementa abaixo transcrita:

“Relações de Trabalho. Discri-minação. Uma das grandes con-tr ibuições da Constituição de1988, no que concerne às rela-ções de trabalho, está em mos-trar que toda e qualquer discri-minação é odiosa e deve serveementemente combatida. O prin-cípio da isonomia alcançou, coma vigente Carta Política, abran-gência que a ordem jurídica bra-sileira ainda não conhecia. A Car-ta Constitucional, no art. 5º, proí-be distinções de qualquer natu-reza, e, no art. 7º, itens XXX eXXXI, veda a discriminação, notocante a salários, por motivo desexo, idade, cor, estado civil edeficiência física do trabalhador.Com muito maior razão é repro-vável o comportamento do em-pregador que deu tratamento di-ferenciado ao obreiro, sem ne-nhum motivo aparente. Aplicaçãoimediata das normas definidorasdos direitos e garantias funda-mentais, nos termos do § 1º doart. 5º da Carta Maior.”

IV.2. Liberdade de contratar e abusode direito

Como explica Márcio Túlio Viana,no artigo “A Proteção Trabalhista con-tra os Atos Discriminatórios (Análiseda Lei n. 9.029/95)”(19):

“Somos livres para decidir se,quando, como e quem contratar.Mas é uma liberdade, digamosassim, vigiada, e em boa parte

(19) VIANA, Márcio Túlio e RENAULT, LuizOtávio Linhares (coordenadores). Discri-minação. São Paulo: LTr, 2000, pp. 357/359.

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flexionada pelo legislador. Valen-do-nos de uma imagem que Cou-ture usou com outros propósitos,poderíamos talvez comparar oempregador a um prisioneiro nocárcere: pode dar alguns passos,e nisso é livre, mas as grades lheimpõem limites ao seu ir e vir. (...)”

Tratando-se do contrato de tra-balho, a l iberdade no “se” e no“quando” é a mais ampla de todas,mas ainda assim não chega a serabsoluta. (...) Mas é a liberdade no“quem” contratar que nos interessamais de perto. É dela que cuida aLei n. 9.029. O empregador podeescolher entre João e Pedro, aindaque não explique os motivos, e mes-mo que não tenha motivos. Mas nãopode preferir Pedro, por exemplo,em razão de sua cor.

À primeira vista, parece umaincoerência: quem pode o mais (agiraté sem causa objetiva) não pode omenos (ser impelido por uma deter-minada causa). Como se explicariaisso?

Talvez se possa dizer que, naraiz de tudo, está a função social dodireito. Como ensina Savigny, ne-nhum direito tem um fim em si mes-mo. Ele não termina ali, nas palavrasda lei; de certo modo, escapa delas,em busca de seu destino. O direitosempre quer alguma coisa a mais doque o seu verbo diz. Tem uma alma,um espírito, um sentido que vai alémdos desejos de seu titular.

Por isso, se alguém usa aspalavras em desacordo com o seudestino, não está, na verdade, obe-decendo a lei; está seguindo ape-

nas uma parte dela, a sua parte vi-sível que é também a menos impor-tante, pois a rigor serve apenas deveículo para transportar a idéia. Ouso se torna abuso, e o abuso feretanto o direito quanto a sua viola-ção literal (grifos nossos).

E se assim é, pior ainda seráquando o agente se valer da normapara fins não apenas estranhos a ela,mas proibidos por outra. Nesse caso,o abuso se torna até mais grave doque a violação literal, pois é como sealguém se utilizasse do próprio or-denamento jurídico para feri-lo.

É o que se dá com a discrimi-nação. Se a lei dá ao empregador afaculdade de escolher entre João ePedro, é em atenção ao princípio dapropriedade privada, mas tambémem razão de seu fim social, tantavezes declarado e tão poucas vezescumprido. Se o empregador se valedaquela faculdade para dar vazãoaos seus preconceitos, está nãoapenas traindo o destino daquelanorma, mas ferindo a literalidade deoutra norma, exatamente a que im-pede, em todos os níveis, a discri-minação. Daí a necessidade (ou até,sob certo aspecto, a desnecessida-de) do artigo em questão, que surgecomo uma terceira norma, fazendouma espécie de silogismo: se todossão iguais perante a lei e se a li-berdade de contratação tem o fimde atender às necessidades da em-presa, quem escolheu A ou B compropósitos discriminatórios age ilici-tamente.”

Assim, o empregador é livrepara contratar quem quiser, desdeque ao contratar não pratique dis-

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criminação, vedada pelos arts. 3º, IV;5º, caput e XLI, 7º, XXX, todos daConstituição Federal, e art. 1º da Lein. 9.029/95.

Próxima à figura da “liberdadevigiada” a que se refere Márcio TúlioViana, encontra-se a vedação aoabuso de direito. A professora AldacyRachid Coutinho, com muita proprie-dade, assevera(20):

“(...) O titular do direito asse-gurado pela ordem jurídica vigen-te deverá exercê-lo dentro das fi-nalidades para as quais foi reco-nhecido. Estaria caracterizado oabuso de direito se o empregador,titular do direito de aplicar sançõesdisciplinares, agisse em desacor-do com a boa-fé, com um escopodiverso do que deveria presidi-lo,porquanto o poder de sancionardo qual está investido tem uma fi-nalidade repressiva e preventivaem absoluta causalidade com afalta em sua gravidade.

Se a finalidade for diversa, porexemplo, para causar um prejuí-zo ao empregado, não será re-conhecida a eficácia da medidaempreendida. O questionamento,entretanto, não deve girar em tor-no da idéia de responsabilizaçãodo titular do direito subjetivo as-segurado pela ordem jurídica, eque se utilizando dentro dos limi-tes impostos ocasiona prejuízos:‘la intención de dañar, no cautivópor mucho tiempo los doctrinarios

del deerecho civil, pues les resul-taba psicologicamente imposibleindagar la intención de perjudicarque podria tener un agente’ (...).

(...)Todo e qualquer direitosubjetivo, no seu exercício, sofreuma limitação, à medida que es-barra na esfera jurídica alheia;também o poder deverá ser limi-tado no seu exercício em relaçãoà finalidade do seu reconheci-mento e, assim, fala-se em ex-cesso ou abuso de poder. O abu-so de poder residiria tanto naaplicação da sanção por quemnão é titular do poder disciplinarno âmbito da empresa como nassituações em que a pena aplica-da é contrária à instituição legal,a sanção é desproporcional ouinadequada à finalidade e, ainda,quando há rigor excessivo (...)”(grifou-se).

Na lição de Clóvis Bevilacqua:

“o abuso de direito se dá quan-do seu exercício tem por fim ex-clusivo causar dano a outrem.Quando não é regular, quandonão se conforma com seu desti-no econômico e social, ofende asexigências da ética, é considera-do abusivo e acarreta responsa-bilidade de quem o pratica. Quan-do violenta bens de ordem mo-ral, como a honra, a liberdade, oconceito social etc., gera danomoral que deve ser reparado.”

O abuso de direito é expres-samente condenado pelo Novo Có-digo Civil, sujeitando à obrigação dereparar. Assim dispõem os arts. 186,187 e 927:

(20) COUTINHO, Aldacy Rachid. PoderPunitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999,pp. 165-166.

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“Art. 186. Aquele que, por açãoou omissão voluntária, negligên-cia ou imprudência, violar direitoe causar dano a outrem, aindaque exclusivamente moral, come-te ato ilícito.

Art. 187. Também comete atoilícito o titular de um direito que,ao exercê-lo, excede manifesta-mente os limites impostos peloseu fim econômico ou social, pelaboa-fé ou pelos bons costumes.

(...)

Art. 927. Aquele que, por atoilícito (arts. 186 e 187), causardano a outrem, fica obrigado arepará-lo.”

As Rés, abusando de sua li-berdade de contratar, cometeramato ilícito que merece reparação, orapostulada perante o Judiciário Traba-lhista.

IV.3. Dignidade, Intimidade e VidaPrivada

Alice Monteiro de Barros(21) le-ciona que:

“[...] considera-se como ‘direi-to ao respeito à vida privada’, oque ‘consiste no poder determi-nante que todo indivíduo tem deassegurar a proteção de interes-ses extrapatrimoniais através deoposição a uma investigação navida privada com a finalidade deassegurar a liberdade e a paz da

vida pessoal e familiar’. Atribui-se uma dimensão maior ao direi-to à privacidade, de modo a com-preender todas as manifestaçõesda esfera íntima, privada, e dapersonalidade.”

Por sua vez a Declaração Uni-versal dos Direitos do Homem dispõe:

“Art. 12. Ninguém sofrerá in-tromissões arbitrárias na sua vidaprivada, na sua família, no seudomicílio e na sua correspondên-cia, nem ataques à sua honra ereputação. Contra tais intromis-sões ou ataques toda pessoa temdireito à proteção da lei.”

A Constituição Federal de1988, no artigo 1º, inciso III, esta-belece a dignidade da pessoa hu-mana como fundamento do Estadodemocrático de direito. O art. 5º, in-ciso X da Constituição Federal as-segura a todos, inclusive ao traba-lhador, a inviolabilidade da vida pri-vada, honra e imagem, garantindoa indenização pelo dano moral nahipótese de sua violação. O direitoà intimidade e vida privada decor-rem do direito à dignidade.

Do conceito doutrinário e legis-lação anteriormente apontados oque se observa é que o direito à in-timidade e à vida privada compre-ende o direito que o cidadão tem deresguardar sua vida pessoal, íntimae familiar da ingerência alheia, denão ter divulgados dados sobre suavida pessoal a não ser que seja porsua própria iniciativa e interesse (ob-servando-se ainda neste caso que

(21) BARROS, Alice Monteiro de. Prote-ção à Intimidade do Empregado. São Pau-lo: LTr, 1997, pp. 29-30.

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a vontade não prevalece sobre a ir-renunciabilidade de determinadosdireitos(22)).

Como se poderia considerar,observado o poder determinante dotrabalhador de assegurar proteçãoà sua vida pessoal e íntima, quandose faz uma ampla busca de informa-ções a seu respeito, sem que ele nemmesmo tenha o conhecimento de quetal pesquisa está sendo realizada?

Como se pode entender res-peitada a intimidade do empregado(ou candidato a emprego), quandosobre ele se investiga se exerceu odireito constitucional de ação ou sejá deu cheque sem fundos para pa-gamento de alguma dívida? Comesta prática o trabalhador tem ex-postos detalhes mínimos da sua vidaprivada para ser contratado.

A conduta da Brasilsat HaraldS/A e da Brasilsat Ltda., que contra-taram serviços da INVESTIG paraobter informações sobre candidatosa emprego, à total revelia destes, ofen-de grosseiramente o direito à intimi-dade e vida privada do trabalhador.

Como bem ponderou SandraLia Simon(23), é assegurada ao cida-

dão a faculdade de informação,acesso e controle dos dados que lhedizem respeito, nas suas relaçõescom os outros cidadãos e com o Es-tado, até mesmo como forma de au-totutela do direito à intimidade:

“O direito à autodeterminaçãoinformativa está, portanto, intrin-secamente relacionado com o di-reito à intimidade e à vida priva-da e diz respeito ao controle queo indivíduo deve ter sobre todosos dados, registros e informaçõesque lhe digam respeito.”(24)

(...)

O empregado tem direito a“acessar a informação, conhe-cendo-a, corrigindo-a ou atuali-zando-a, assim como de exigirque cesse a sua utilização comoutro objetivo ou a sua divulga-ção. Em suma, no exercício dodireito à autodeterminação infor-mativa, uma das materializaçõesdo direito à intimidade e vida pri-vada, o empregado deve ter ocontrole total sobre quaisquerdados atinentes a sua pessoa”.

Assim, a conduta da BrasilsatHarald S/A e da Brasilsat Ltda. lesatambém o disposto nos artigos 1º,III e 5º, X da Constituição Federal,pelo que merece ser contida.

Por constituir a dignidade, as-segurada no art. 1º, inciso III da

(22) Poderíamos lembrar aqui a decisãoda jurisprudência francesa, no caso queficou conhecido como o do arremesso doanão, em que na decisão final entendeu-se que a vontade do referido anão, quepretendia manter o emprego no qual suaatividade consistia em ser arremessadopelos clientes de determinada casa notur-na de um lado para o outro, não prevale-cia em relação à tutela da dignidade.(23) In A Proteção Constitucional da Inti-midade e da Vida Privada do Empregado.São Paulo: LTr, 2000.

(24) FACHIN, Luiz Edson e RUZIK, Car-los Eduardo Pianovski. “Direitos funda-mentais, dignidade da pessoa humana eo novo Código Civil: uma análise crítica”.In SARLET, Ingo Wolfgang (organizador).

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Constituição Federal, o núcleo dosdireitos da personalidade, como secaracteriza o direito à intimidade evida privada, a conduta das Rés aten-ta contra a dignidade do trabalhador.

Todo o ordenamento jurídicopátrio se volta, sobretudo desde aConstituição Federal de 1988, à tu-tela dos direitos fundamentais, emespecial à tutela da dignidade. Onovo Código Civil reflete esta preo-cupação com a proteção aos direi-tos fundamentais que deve permeara legislação e as relações jurídicasconcretas. Veja-se que o artigo 21estabelece expressamente que avida privada da pessoa natural éinviolável, em consonância com oque já estava disposto no texto cons-titucional. Também dedica todo o ca-pítulo II, do Título I, do Livro I, à tu-tela dos direitos da personalidadedos cidadãos, no que se inclui o ci-dadão trabalhador. Não se trata deacaso, mas de opção intencional dolegislador de destacar os direitosfundamentais e evidenciar sua pre-valência sobre direitos patrimoniais.Como pondera o Professor Luiz Ed-son Fachin, “É necessário que o con-teúdo da ação dos operadores jurí-dicos atenda, efetivamente, às ne-cessidades que emanam da digni-dade da pessoa”.(25)

Maria Celina Bodin de Moraes,referindo-se à idéia de Kant sobre adignidade, em que se fundamenta-riam a maioria dos conceitos conhe-cidos, elabora seu conceito de dig-nidade da seguinte maneira:

“Considera-se, com efeito,que, se a humanidade das pes-soas reside no fato de serem elasracionais, dotadas de livre arbí-trio e de capacidade de interagircom os outros e com a natureza— sujeitos, por isso, do discursoe da ação —, será ‘desumano’,isto é, contrário à dignidade hu-mana, tudo aquilo que puder re-duzir a pessoa (o sujeito de direi-tos) à condição de objeto.

O substrato material da digni-dade desse modo entendida podeser desdobrado em quatro pos-tulados: i) o sujeito moral (ético)reconhece a existência dos ou-tros como sujeitos iguais a ele, ii)merecedores do mesmo respeitoà integridade psicofísica de queé titular; iii) é dotado de vontadelivre, de autodeterminação; iv) éparte do grupo social, em relaçãoao qual tem a garantia de não vira ser marginalizado.”(26)

Da análise do conceito da au-tora, e ela mesmo o faz no decorrerdo texto citado, tem-se na igualdadee no direito a não ser discriminado oprincipal fundamento da dignidade dapessoa humana. A igualdade deveser considerada dentro da óticasolidarista estabelecida no art. 3º,inciso III da Constituição Federal, ouseja, é objetivo fundamental da Re-pública a erradicação da pobreza eda marginalização, bem como a re-dução das desigualdades sociais. O

(25) Constituição, Direitos Fundamentaise Direito Privado. Porto Alegre: Ed. Livra-ria do Advogado, 2003, p. 102.

(26) MORAES, Maria Celina Bodin. “Oconceito de dignidade humana: substratoaxiológico e conteúdo normativo”. In:SARLET. Ob. cit., p. 117.

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que significa que qualquer práticajurídica ou social que gere exclusãosocial estará violando a dignidade.

A não contratação de trabalha-dores porque ajuizaram reclamatóriatrabalhista, porque possuem algumregistro criminal, ou porque sobreeles figura alguma inscr ição noSerasa é prática de exclusão infun-dada do mercado de trabalho e, porconseqüência, de exclusão social.

A liberdade, no sentido daautodeterminação, de livre exercícioda vida privada, é outro ponto im-portante do conceito de dignidadetrazido pela autora em comento. Eao tratar deste substrato da digni-dade faz importante consideração,que guarda grande correlação coma situação posta nos autos:

“Como exemplos de situaçõesvioladoras da dignidade humanaem razão da lesão ao princípio daliberdade, cabe referir desde a re-vista íntima a que é submetido oempregado, o exame toxicológicodeterminado pelo empregador eoutros exames em geral, como,por exemplo, a submissão ao cha-mado ‘bafômetro’, ou ainda a im-possibilidade de não receber tra-tamento médico por motivos reli-giosos, até a incapacidade de con-trole acerca dos próprios dados pes-soais, dos chamados ‘dados sen-síveis’, (...)” (grifou-se).(27)

Para que reste observado oprincípio da dignidade do trabalha-

dor não se pode pretender dar pre-valência ao poder de escolha doempregador no ato de contratar, emdetrimento do direito à igualdade, àproteção da vida privada e intimida-de; não se pode dar prevalência àproteção da propriedade e dos inte-resses financeiros das empresas,em detrimento da dignidade do tra-balhador. A esse respeito, mais umavez invoca-se a lição de Maria CelinaBodin de Moraes:

“(...) o atual ordenamento jurí-dico, em vigor desde a promulga-ção da Constituição Federal de 5de outubro de 1988, garante tute-la especial e privilegiada a toda equalquer pessoa humana, emsuas relações extrapatrimoniais,ao estabelecer como princípio fun-damental, ao lado da soberania eda cidadania, a dignidade huma-na. Como regra geral daí decor-rente, pode-se dizer que, em to-das as relações privadas nasquais venha a ocorrer um conflitoentre uma situação jurídica sub-jetiva existencial e uma situaçãojurídica patrimonial, a primeira de-verá prevalecer, obedecidos, des-sa forma, os princípios constitu-cionais que estabelecem a digni-dade da pessoa humana comovalor cardeal do sistema.”(28)

Perguntas sobre a orientaçãosexual, opinião política, opção reli-giosa, atividades de lazer, situaçãoeconômica e familiar, etc., invadema esfera íntima do candidato. Assim,

(27) MORAES, Maria Celina Bodin. Ob.cit., p. 136.

(28) MORAES, Maria Celina Bodin. Ob.cit., p. 143.

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não pode o empregador na seleçãode candidatos perquirir aspectos quenão guardem relação com a forma-ção profissional ou acerca da ativi-dade a ser desenvolvida.

Observe-se, por fim, que, natutela da propriedade e dos interes-ses da empresa, a própria legisla-ção já assegurou ao empregadormeio lícito e conforme aos demaisdispositivos constitucionais e legaispara verificar se o candidato esco-lhido para o emprego tem as neces-sárias qualificações e habilidadespara o desempenho da função paraa qual está sendo (ou foi) contrata-do, consistente no reconhecimentoda possibilidade de realização deprocesso seletivo em que restemobservados os direitos fundamentaisdo trabalhador e no contrato de ex-periência (art. 445 da CLT).

IV.4. Humanização do Trabalho

O artigo 1º da ConstituiçãoFederal alça à qualidade de funda-mento do Estado Democrático deDireito a dignidade da pessoa huma-na e o valor social do trabalho, o que,segundo Arion Sayão Romita, reve-la o conteúdo ético do trabalho. Veja-se o que diz o referido autor(29):

“(...) A Constituição Federalaponta o primado do trabalhocomo base da ordem social (art.193). Os valores sociais do tra-balho, ao lado da dignidade dapessoa humana, representam um

dos fundamentos do Estado de-mocrático de direito em que seconstitui o Brasil (CF, art. 1º, III eIV). A ordem econômica tem porfundamento a valorização do tra-balho humano e por fim assegu-rar a todos existência digna, con-forme aos ditames da justiça so-cial (CF, art. 170). A Carta Mag-na realça, portanto, o conteúdoético do trabalho humano. Ela nãose limita a garantir o mínimo queassegura ao trabalhador bene-fícios de ordem material (art. 7º).De sua sistemática, depreende-se que os chamados direitospersonalíssimos, subjetivos eimateriais (honra, decoro pes-soal, boa fama, etc.) devem tam-bém dispor de proteção na áreatrabalhista.”

É preciso resgatar os direitosfundamentais e garantir o seu exer-cício de forma plena, por qualquerpessoa. Como defende Egídia Ma-ria Almeida Aiexe(30):

“Cabe-nos formular uma novaética(31), que recoloque a pessoahumana e o respeito à sua digni-dade como valores fundamentaisda ordem jurídica. É preciso ter aaudácia de pensar novo, de for-jar uma utopia de novas relaçõesentre os homens. Em lugar dasociedade regida pelo medo, pelaculpa e pela ira, uma sociedaderegida pelo profundo respeito à

(29) ROMITA, Arion Sayão. Os DireitosSociais na Constituição e Outros Estudos.São Paulo: LTr, 1991, p. 137.

(30) In Discriminação, obra já citada, dacoordenação de Márcio Túlio Viana.(31) Basta fazer valer a ética constitu-cional.

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pessoa humana (onde há uma talforma de justiça não tem lugar otemor à diferença).”

O trabalho é elemento essencialà dignidade humana, instrumento derealização dos direitos fundamentaise elemento que caracteriza o Estadocomo Democrático de Direito.

Por isso, o empregador nãopode discriminar candidatos a em-prego por terem exercido o direitode ação, que é assegurado consti-tucionalmente (art. 5º, inciso XXXV),ou porque testemunharam em Juízoem favor de ex-colegas de trabalho,ou porque têm seus nomes vincula-dos a alguma espécie de registrocriminal ou de crédito.

Daí a importância da presen-te ação civil pública.

V — Do Direito de toda acoletividade de trabalhadoresà reparação pelo dano moralcoletivo e difuso

Em decorrência da condutadas Rés foram feridos direitos fun-damentais, os quais são inaliená-veis, irrenunciáveis e indisponíveis,exigindo, por isso, a atuação do Mi-nistério Público para que esses va-lores essenciais à sociedade sejamrespeitados e, também, para quesejam coibidas condutas abusivasem relação a outros trabalhadores.

Mas, ainda que por força dedecisão judicial venha a cessar aconduta abusiva e ilegal da Brasil-sat Harald S/A e da Brasilsat Ltda.,o fato é que já se produziram (e se-

guem-se produzindo) danos irrepa-ráveis, já que a empresa não reco-nhece a ilicitude de sua conduta.

Além dos danos de naturezamaterial que sofreram os trabalha-dores, vítimas de discriminação pelaBrasilsat Harald S/A e pela Brasil-sat Ltda., não resta dúvida que es-tes e também toda a coletividadesofrem um dano moral coletivo (oudano moral difuso, como preferemalguns autores).

Não se trata apenas da dorpela prática de injustiça e a indigna-ção pelo ato discriminatório e aten-tatório dos direitos e garantias fun-damentais dos trabalhadores lesa-dos. Trata-se do temor que se espraientre a coletividade trabalhadora que,por medo de sofrer perseguições, vê-se impedida de exercer o direito deação perante o Judiciário Trabalhis-ta. Porque a ameaça que gera o te-mor é, principalmente, de que “aque-le que propõe reclamação trabalhis-ta não será novamente contratado”.

Além disso, as empresas, comsua conduta, colaboram para a dis-torção de valores caros à cidadania,como ocorre com o direito de ação.Não pode ser reputado “mau traba-lhador” o ex-empregado que não seconforma com os abusos sofridosdurante a relação de emprego.

Já basta que a Justiça do Tra-balho seja conhecida como a “justi-ça do desempregado” (pois o traba-lhador, na vigência da relação deemprego, dificilmente reclama seusdireitos, ante a possibilidade concre-ta de demissão/retaliação).

Os danos que as empresasvêm causando e cujos efeitos se

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projetam para além do período devigência do contrato de trabalho,implicam a própria negação do Di-reito do Trabalho. E o conseqüenteaniquilamento da Justiça do Traba-lho. O Poder Judiciário está sendoatacado, e com ele, a ordem jurídi-ca trabalhista, a democracia, o Es-tado de Direito.

O mesmo se diga em relaçãoaos “antecedentes” creditícios e cri-minais. Abala-se a crença na Justi-ça, quando se sabe que o possívelempregador pode condenar um ci-dadão a ficar perpetuamente à mar-gem do emprego, alijado de sua fon-te de sustento e de dignidade.

Essa lesão, como se nota, nãose restringe aos trabalhadores con-cretamente prejudicados. Toda acoletividade é afetada, por abrangertodos os potenciais empregados oucandidatos a emprego.

Além disso, a devassa à inti-midade do trabalhador mediante aconsulta a antecedentes creditíciosou criminais, sem que este possaprotestar ou se defender (sob o ris-co de não obter um emprego), gera,no mínimo, um sentimento de impo-tência. A obtenção do emprego setorna uma “graça”, quase um ato de“piedade”, e não o resultado do re-conhecimento da capacidade do tra-balhador. Ocorre como na IdadeMédia, quando o senhor feudal eraproprietário não só da terra, mas dosservos que dela tiravam o sustento.

O dano moral coletivo ensejao pagamento de indenização, nostermos do art. 5º, X da ConstituiçãoFederal.

Segundo Carlos Alberto BittarFilho(32):

“Quando se fala em dano mo-ral coletivo, está-se fazendo men-ção ao fato de que o patrimôniovalorativo de uma certa comuni-dade (maior ou menor), ideal-mente considerada, foi agredidode uma maneira absolutamenteinjustificável do ponto de vista ju-rídico ... Como se dá na seara dodano moral individual, aqui tam-bém não há que se cogitar daprova da culpa, devendo-se res-ponsabilizar o agente pelo sim-ples fato da violação...”.

Como leciona João Carlos Tei-xeira(33):

“... Repara-se o dano moralcoletivo puro, independentemen-te de caracterização efetiva, emnível individual, de dano materialou moral. O conceito de valor co-letivo, da moral coletiva é inde-pendente, autônomo, e, portan-to, se desatrela da moral indivi-dual” (grifou-se).

Cuida-se, na hipótese, do“dano em potencial”, sobre o qual jáse manifestou o Eg. TRT da 12ª Re-gião, ao apreciar o Proc. TRT/SC/RO-V 7158/97. Transcreve-se partedo voto do Exmo. Sr. Juiz Relator:

(32) “Do Dano Moral Coletivo no AtualContexto Jurídico Brasileiro”. Revista Di-reito do Consumidor, n. 12, out./dez. 1994.(33) Temas Polêmicos de Direito do Tra-balho. São Paulo: LTr, 2000, p. 129.

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“O prejuízo em potencial já ésuficiente a justificar a actio.

Exatamente porque o prejuízoem potencial já é suficiente a jus-tificar a propositura da presenteação civil pública, cujo objeto, comose infere dos balizamentos atri-buídos pela peça exordial ao pe-titum, é em sua essência preven-tivo (a maior sanção) e apenassuperficialmente punitivo, é queentendo desnecessária a provade prejuízos aos empregados.

De se recordar que nosso or-denamento não tutela apenas oscasos de dano in concreto, comotambém os casos de exposiçãoao dano, seja ele físico, patrimo-nial, ou jurídico, como se inferedo Código Penal, do Código Ci-vil, da CLT e de outros instrumen-tos jurídicos.

Tanto assim é que a CLT, emseu artigo 9º, taxa de nulos osatos praticados como o objetivode fraudar, o que impende reco-nhecer que a mera tentativa dedesvirtuar a lei trabalhista já épunível.”

A decisão acima espelha aevolução da teoria do dano moral.Se nas ações individuais, a indeni-zação por danos morais atendia àdupla função — caráter compensa-tório com relação à vítima e caráterpunitivo com relação ao ofensor —no dano moral coletivo exsurge maisum aspecto, qual seja, a função pre-ventivo-pedagógica, demonstrandoque o Judiciário está atento ao des-cumprimento da ordem jurídica e,simultaneamente, impondo uma

sanção capaz de inibir novas con-dutas ilegais. Assim, o dever de in-denizar o dano moral difuso tem,além da função reparadora, a fun-ção educativa.

Portanto, com a presente aação busca-se a indenização pelodano moral coletivo/difuso causadoà coletividade de trabalhadores e àsociedade.

A reparação genérica consti-tui-se em meio para que, a um sótempo, não se permita que ostransgressores eximam-se da obri-gação de reparar o mal causado sobo argumento de que seria impossí-vel individualizar os lesados e per-mita, ao menos de forma indireta,que todos os atingidos pela condu-ta transgressora — a coletividade detrabalhadores, a ordem jurídica e asociedade — sejam compensadospelos danos sofridos(34).

Com esse objetivo, o artigo 13da Lei da Ação Civil Pública estabe-lece que a indenização será reverti-da a um fundo criado com a finali-dade de proteção dos bens lesados.

Observe-se que atualmentevem se flexibilizando a idéia de “re-constituição dos bens lesados” refe-rida na parte final do artigo 13, parase considerar como objetivo da in-denização e do fundo não somentea reparação daquele bem específicolesado, mas de bens a ele relaciona-

(34) Nada obstará que cada indivíduo pre-judicado pela empresa venha a intentaração própria para pleitear indenizaçãopelos danos individuais, materiais e mo-rais que sofreu, pois estes não são objetoda presente ação.

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dos. No presente caso, por exem-plo, revertida a indenização para oFundo de Amparo ao Trabalhador —FAT, não será reparado especifica-mente o dano moral causado à to-talidade de trabalhadores, mas es-tarão os transgressores da ordemjurídica beneficiando de forma indi-reta a classe trabalhadora, a qual foiatingida por sua conduta. Com essaindenização, o referido fundo terámaiores recursos para proporcionarbenefícios aos obreiros, em contra-partida pelos danos sofridos.

Nesse sentido se posicionaHugo Nigro Mazzilli(35) ao abordar otema:

“O objetivo inicial do fundo eragerir recursos para a reconstitui-ção dos bens lesados. Sua desti-nação foi ampliada: pode hoje serusado para a recuperação dosbens, promoção de eventos edu-cativos e científicos, edição dematerial informativo relacionadocom a lesão e modernização ad-ministrativa dos órgãos públicosresponsáveis pela execução dapolítica relacionada com a defe-sa do interesse desenvolvido...

A doutrina se refere ao fundode reparação de interesses difu-sos como fluid recovery, ou seja,alude ao fato de que deve serusado com certa flexibilidade,para uma reconstituição que nãoprecisa ser exatamente à da re-paração do mesmo bem lesado.

O que não se pode é usar o pro-duto do fundo em contrariedadecom sua destinação legal, comopara custear perícias.”

O Fundo de Amparo ao Traba-lhador — FAT (Lei n. 7.998/90), foicriado com o objetivo de proteger otrabalhador contra os males dodesemprego (artigo 10), pelo quepode cumprir a função referida noartigo 13 da Lei n. 7.347/85, repa-rando indiretamente a lesão causa-da à Ordem Trabalhista.

Embora complexa a tarefa demensurar a extensão do dano, háque se considerar que a condena-ção deve ser significativa a ponto deinibir a reiteração da prática lesivaaos interesses sociais. Assim, o va-lor a ser arbitrado deve ponderar agravidade do dano perpetrado (queatinge in potencia número incalcu-lável de trabalhadores, que ficamimpedidos de empregar-se e obterseu sustento, afetando também todaa sociedade) e também considerar apossibilidade econômica das Rés.

Por isso, propõe-se o estabe-lecimento de indenização à ordem deR$ 200.000,00 (duzentos mil reais),visando atender às funções compen-satória e preventivo-pedagógica.

VI. Da Competência da Justiça doTrabalho

A presente ação visa fazercessar práticas que ferem as rela-ções de trabalho. Logo, é competen-te a Justiça Laboral, de acordo como contido na parte final do art. 114

(35) A defesa dos interesses difusos emjuízo. 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, pp.153 e 154.

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da Constituição Federal — “e, naforma da lei, outras controvérsiasdecorrentes da relação de trabalho”.

A Lei Complementar n. 75/93,no seu art. 83, III estabelece que aação civil pública trabalhista deve serproposta na Justiça do Trabalho.

Da mesma maneira dispõeimportante precedente do E. TRTdesta 9ª Região, em acórdão profe-rido em caso análogo (RO 13.798/96, ACP 17277/97), cuja ementa jáfoi transcrita às fls. 15 desta petiçãoinicial.

Com relação à competênciada Justiça do Trabalho para apreci-ar pedido de dano moral fundado emato decorrente da relação de empre-go, o tema já foi pacificado por deci-são do Egrégio Supremo TribunalFederal, através do CJ 6959-6-DF,Relator o ilustre Ministro SepúlvedaPertence, RTJ 134/96.

Vale transcrever o que informaJorge Pinheiro Castelo:

“(...) o Direito Civil e a JustiçaComum não têm condições deapreciar o dano moral trabalhista,visto que inadequados a dar con-ta e compreender a estrutura darelação jurídica trabalhista, bemcomo um dano moral que é agra-vado pelo estado de subordinaçãode uma das partes, já que estru-turados na concepção da igual-dade das partes na relação jurídi-ca. O dano moral trabalhista temcomo característica uma situaçãoque o distingue absolutamente dodano moral civil, e que inclusive o

agrava, qual seja, uma das par-tes encontra-se em estado de su-bordinação.”(36)

A competência funcional daVara do Trabalho para o deslindeda causa está definida nos artigos2º e 21 da Lei n. 7.347/85, e a com-petência territorial, no artigo 93 daLei n. 8.073/90.

VII — Do Cabimento da AçãoCivil Pública Trabalhista eda ConseqüenteLegitimidade do MPT

O Ministério Público é institui-ção permanente essencial à funçãojurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa de interesses individuaisindisponíveis e dos interesses so-ciais (CF, art. 127).

Segundo Pontes de Miran-da(37), podem ser conceituados comodireitos indisponíveis aqueles emque os titulares não têm qualquerpoder de disposição, alinhando-se,entre eles, os direitos da personali-dade, como o direito à vida, à inte-gridade física, psíquica, à liberdade,à verdade, à igualdade formal, àigualdade material e à honra.

Ao Ministério Público incumbeobter junto ao Judiciário a soluçãode conflitos e a proteção de bens evalores que interessem a toda a so-ciedade, ou seja, quando está pre-sente o interesse público.

(36) “Dano Moral Trabalhista. Competên-cia”. In Trabalho & Doutrina, n. 10, 1996,p. 39.(37) Tratado de Direito Privado, Tomo VII,Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1971, p. 8.

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Como leciona João GuimarãesJúnior(38),

“Para aferir a relevância do in-teresse público, um aspecto a serobservado relaciona-se direta-mente com o alcance social quea causa pode oferecer. Se hojevivemos numa sociedade de mas-sas, todo processo cujo resulta-do possa atingir um número grandede pessoas pode encerrar, emtese, interesse público mais rele-vante. (...) No que toca aos inte-resses meramente individuais,sua indisponibilidade dependerádo envolvimento de direitos fun-damentais do cidadão. Esses di-reitos, no dizer de Calmon dePassos, ‘assumem uma indubitá-vel relevância publicística, nosentido de que sua tutela não in-teressa apenas a seu titular, masa toda a coletividade’. Por conse-qüência, sempre que a discussãoda causa envolva direito constitu-cional dessa importância, como,por exemplo, a liberdade de ex-pressão e de crença, ou a isono-mia, há interesse público exigin-do a intervenção ministerial.”

A ação civil pública é o remé-dio jurídico destinado a promover aresponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados aos interes-ses difusos ou coletivos (artigo 1º,IV da Lei n. 7.347/85). Pode ter porobjeto a condenação em dinheiro e/

ou o cumprimento de obrigação defazer ou não fazer (artigo 3º da Leida Ação Civil Pública).

Uma vez verificada a lesão adireitos transindividuais, fica o MPTobrigado a promover a Ação CivilPública na Justiça do Trabalho, poisassim determina o artigo 83, III daLC n. 75/93, acima transcrito.

Com efeito, a pretensão doMinistér io Públ ico distancia-seda esfera individual porque o que sepretende é promover a efetivação dodireito e não a simples reparação dodano material ou moral. Essa últimamedida, no âmbito individual, pode-rá será objeto de ação distinta.

O Ministério Público, no uso desuas atribuições, objetiva evitar acontinuidade da lesão. Assim, bus-ca salvaguardar um patrimônio queé de todos e, por isso mesmo, semexistir possibilidade de determinaçãodos titulares, já que todos aquelesque vierem a demandar ou testemu-nhar contra os requeridos estão su-jeitos a sofrer idêntica lesão.

Ademais, como esclareceHugo Nigro Mazzilli, com a ediçãodo Código de Defesa do Consumi-dor, ampliou -se o campo de abran-gência da Lei n. 7.347/85, pois “seusarts. 83, 110 e 117 permitiram, àsexpressas, a defesa de qualqueroutro interesse difuso ou coletivo,por meio da ação civil pública”. Eacrescenta o autor:

“Atualmente inexiste, portanto,sistema de taxatividade para adefesa de interesses difusos ecoletivos. Além das hipóteses jáexpressamente previstas em lei

(38) Ministério Público. Obra coordenadapor Antonio Augusto M. de Camargo Fer-raz. São Paulo: Atlas, 1997, pp. 155/156.

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para tutela judicial desses interes-ses (defesa do meio ambiente, doconsumidor, do patrimônio cultu-ral, das crianças e adolescentes,das pessoas portadoras de defi-ciência, dos investidores lesadosno mercado de valores mobiliári-os, de interesses ligados à defe-sa da ordem econômica) — qual-quer outro interesse difuso oucoletivo pode ser defendido emjuízo, seja pelo Ministério Públi-co, seja pelos demais legitimadosdo art. 5º da Lei n. 7.347/85 e doart. 82 do Código do Consumidor”(grifou-se).

Assim, a presente ACP desti-na-se à tutela de direitos difusos edireitos coletivos, abrangendo to-dos trabalhadores que já pretende-ram ou vierem a pretender um postode trabalho na Brasilsat Harald S/Aou na Brasilsat Ltda. e que queiramexercer (ou tenham exercido) o direitoconstitucional de ação ou colaborarcom a Justiça, bem como que pre-tendam ver resguardadas sua digni-dade, vida privada, intimidade e di-reito a não serem discriminados.

Por fim, a palavra do Supre-mo Tribunal Federal, que assentou,em decisão publicada em 24.5.2002,sobre a natureza dos interessespara os quais o MPT detém legitimi-dade para a defesa:

“Recurso Extraordinár io n.213.015/DF

Relator: Min. Néri da SilveiraRecte.: Ministério Público do

TrabalhoRecdo.: Petróleo Brasileiro S/A

— Petrobrás e Outros

Decisão: Por unanimidade, aTurma conheceu do recurso e lhedeu provimento, para, afastada ailegitimidade ativa do MinistérioPúblico a ação civil pública pro-posta, determinar que o feitotenha prosseguimento no foro tra-balhista competente. Ausente,justificadamente, neste julgamen-to, o Senhor Ministro Carlos Ve-lloso. 2ª Turma, 8.4.2002.

Ementa:

Recurso Extraordinário. Traba-lhista. Ação Civil Pública. 2. Acór-dão que rejeitou embargos infrin-gentes, assentando que ação ci-vil pública trabalhista não é omeio adequado para a defesa deinteresses que não possuem na-tureza coletiva. 3. Alegação deofensa ao disposto no art. 129,III, da Carta Magna. Postulaçãode comando sentencial que ve-dasse a exigência de jornada detrabalho superior a 6 horas diá-rias. 4. A Lei Complementar n.75/93 conferiu ao Ministério Pú-blico do Trabalho legitimidade ati-va, no campo da defesa dos inte-resses difusos e coletivos, noâmbito trabalhista. 5. Indepen-dentemente de a própria lei fixaro conceito de interesse coletivo,é conceito de Direito Constitucio-nal, na medida em que a CartaPolítica dele faz uso para especi-ficar nas espécies de interesseque compete ao Ministério Públi-co defender (CF, art. 129, III). 6.Recurso conhecido e provido paraafastar a ilegitimidade ativa do Mi-nistério Público do Trabalho.”

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Bastante esclarecedora a se-guinte passagem do acórdão acimareferido:

“Ora, para se perceber comona ação civil pública em apreçose defendiam interesses coleti-vos, basta verificar que não sepostulou reparação do dano comrelação ao passado, mas imposi-ção de obrigação de fazer emrelação ao futuro, dando-se àdemanda caráter cominatório enão indenizatório individual! As-sim, o enquadramento da hipó-tese concreta — ação civil públi-ca postulando a imposição deobrigação de não fazer em rela-ção a toda categoria — como deinteresse individual — é distorcera realidade de forma a não ter deenfrentar a questão concreta.Desde que os fatos estejam pos-tos, por mais sibilina que seja acontrovérsia, não pode o PoderJudiciário furtar-se a enfrentá-lo.Independentemente da própria leifixar o conceito de interesse co-letivo (fazendo-o no caso, comoexpressamente o diz ‘para efei-tos deste Código’ — Lei n. 8.078/90, art. 81), ele é conceito de Di-reito Constitucional, na medidaem que a Carta Política dele fazuso para especificar as espéciesde interesse que compete ao Mi-nistério Público defender (CF, art.129, III). Distorcer o conceito deinteresse coletivo ou dar-lhe con-ceito distinto do que pretendeu aConstituição é violar a Carta Mag-na de forma direta” (fls. 604 doacórdão citado, e sem grifos nooriginal).

VIII — Da Tutela Antecipada

O artigo 12 da Lei n. 7.347/85,autoriza a concessão liminar, com ousem justificação prévia, tratando-sede típica hipótese de antecipação detutela, para a qual devem estar pre-sentes os requisitos estabelecidos no§ 3º do artigo 461 do CPC.

VIII.1. Da relevância do fundamentoda demanda

O material probatório que cons-ta dos autos do Procedimento Inves-tigatório que fundamenta a presenteação demonstra a violação de diver-sos dispositivos constitucionais e le-gais, com séria repercussão social,além de exprimir a veracidade dosfatos narrados, pelo que se justifica aconcessão de providência imediata.

VIII.2. Do justificado receio deineficácia do provimento final

A continuidade da ação daBrasilsat Harald S/A e da BrasilsatLtda. causa danos de difícil (ou im-possível) reparação aos direitos dostrabalhadores e ao próprio ordena-mento jurídico laboral, haja vistaque, a cada dia, mais e mais traba-lhadores estão sendo impedidos deobter emprego ou nele manter-se.

Assim, não é possível garantira perfeita reparação dos danos queforem causados durante o trâmite dapresente ação civil pública, casocontinuem ocorrendo os abusos pra-ticados pela Brasilsat Harald S/A epela Brasilsat Ltda., já que o traba-lho é a única fonte de sustento daspessoas que estão sendo alvo des-tes abusos.

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A natureza extrapatrimonialdos danos morais individuais, cole-tivos e difusos que se seguem pro-duzindo, faz da reparação pecuniá-ria a única possível, apesar de nun-ca plenamente satisfatória.

Por todos os motivos anterior-mente expostos, a cessação da con-duta danosa deve ocorrer o maisrápido possível.

Assim, requer o Ministér ioPúblico do Trabalho, com fundamen-to no art. 12, da Lei n. 7.347/85,inaudita altera pars ou após justifi-cação prévia, a concessão de tutelaantecipatória do mérito, no sentidode impor-se à Brasilsat Harald S/Ae à Brasilsat Ltda., sob pena demulta, as obrigações de:

1) absterem-se de utilizar ban-co de dados, tomar ou prestar infor-mações trabalhistas, creditícias e/oucriminais relativas a empregados oucandidatos a emprego;

2) absterem-se de exigir decandidatos a emprego ou emprega-dos certidões, atestados ou quais-quer informações sobre antecedentescriminais, creditícias ou trabalhistas.

Postula-se, neste caso, a im-posição de multa equivalente a R$20.000,00 (vinte mil reais) por infor-mação obtida ou prestada em ofen-sa às obrigações negativas impos-tas, reversível ao FAT.

IX — Do Pedido

Ante o exposto, requer o Mi-nistério Público do Trabalho o aco-lhimento de todos os pedidos para:

a) confirmar as determinaçõesliminarmente concedidas, conver-tendo-as em definitivas, para o fimde condenar as Rés, sob pena demulta, a:

a.l) absterem-se de utilizarbanco de dados, tomar ou prestarinformações trabalhistas, creditíciase/ou criminais relativas a emprega-dos ou candidatos a emprego;

a.2) absterem-se de exigir decandidatos a emprego ou empre-gados cer t idões, atestados ouquaisquer informações sobre ante-cedentes criminais, creditícios outrabalhistas.

b) absterem-se de adotar qual-quer critério de seleção de pessoalfundado em sexo, idade, cor ou es-tado civil; por expressa vedação doart. 7º, inciso XXX da ConstituiçãoFederal, bem como qualquer outroque se revele discriminatório, comopor exemplo: ajuizamento de recla-mação trabalhista, existência de an-tecedentes criminais, existência derestrições creditícias, “boa aparên-cia”, orientação sexual, raça ou reli-gião (conforme art. 3º, IV, da CF elegislação correlata);

c) respeitarem à vida íntima eprivada dos candidatos a empregoe empregados, deixando de fazerquestionamentos que não se relaci-onem diretamente à qualificaçãopara a atividade ou à formação pro-fissional, tais como opinião política,religião, situação familiar, orientaçãosexual, atividades de lazer, etc.

d) na hipótese de descumpri-mento, seja cominada multa de R$20.000,00 (vinte mil reais) por ato

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praticado em ofensa às obrigaçõesimpostas, reversível ao FAT — Fundode Amparo ao Trabalhador;

e) condenar as Rés a pagaremindenização pelo dano moral coletivo,no importe de R$ 200.000,00 (du-zentos mil reais) em prol da comu-nidade lesada, para ser revertida aoFAT — Fundo de Amparo ao Traba-lhador, fundo público federal institu-ído para combater o desemprego(art. 10 da Lei n. 7.998/90).

X — Dos Requerimentos

Por fim, requer o Parquet La-boral:

a) a citação das Rés para,querendo, comparecerem à audiên-cia e nela apresentarem a defesaque tiver, assumindo, caso não ofaçam, os efeitos decorrentes darevelia e confissão, com o regularprocessamento do feito, até seu fi-nal, julgando-se os pedidos total-mente procedentes;

b) a intimação pessoal e nosautos do Ministério Público do Tra-balho, na forma do art. 84, inciso IV,da Lei Complementar n. 75/93 de20.5.93 (Lei Orgânica do MinistérioPúblico da União), bem como do art.236, § 2º, do Código de ProcessoCivil;

c) a produção de todos osmeios de prova em direito admitidos,especialmente o depoimento pesso-al sob pena de confissão, documen-tos, testemunhas e outras de enten-dimento desse DD. Juízo.

XI — Do Valor da Causa

Para fins fiscais, dá-se à pre-sente ação o valor de R$ 200.000,00(duzentos mil reais).

Termos em que

Pede deferimento.

Curitiba, 31 de agosto de 2005.

Viviane Dockhorn Weffort, Pro-curadora do Trabalho.

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Confederal Vigilância e Trans-por te de Valores Ltda., CNPJ n.31.546.484/0001-00, com sede noSAAN, Quadra 3, n. 320, Brasília/DF,representado pelo Dr. EzequielFlorêncio Martins Barbosa, OAB/DFn. 15.335 celebra, nos autos do Pro-cedimento Investigatório n. 0154/2005, o presente Termo de Compro-misso de Ajustamento de Conduta,na forma do artigo 5º, § 6º, da Lei n.7.347/85, perante o Ministério Pú-blico do Trabalho (Procuradoria Re-gional do Trabalho da 10ª Região/DF), representado neste ato peloProcurador do Trabalho Dr. CristianoPaixão, nos seguintes termos:

1) A Empresa compromete-sea continuar cumprindo a legislaçãotrabalhista nas seguintes obrigações:

1.1) não interferir no processode indicação de candidatos e elei-ção dos representantes do Sindica-to dos Empregados no Transporte deValores e Similares no Distrito Fe-deral (SINDVALORES) na ComissãoInterna de Prevenção de Acidentes(CIPA).

TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTAN. 67/2005

1.2) não impor obstáculos àinstalação, em suas dependências,de urnas necessárias à realização deeleições para a Diretoria do SINDVA-LORES e para a CIPA.

1.3) receber as notificaçõesencaminhadas pelo SINDVALORESque decorram de obrigação legal di-rigida ao Sindicato, especialmente odisposto no art. 543, § 5º, da CLT.

2) Pelo descumprimento doCompromisso assumido perante oMinistério Público do Trabalho aConfederal Vigilância e Transportede Valores Ltda. fica sujeita ao pa-gamento de multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais), por infra-ção, reversível ao FAT — Fundo deAmparo ao Trabalhador, instituídopela Lei n. 7.998/90, nos termos doart. 5º, § 6º e 13 da Lei n. 7.347/85.

3) O cumprimento é passívelde fiscalização pela Delegacia Re-gional do Trabalho e Emprego, naforma do § 5º do ar t igo 36 doDecreto n. 3.298/99 e pelo Ministé-rio Público do Trabalho.

TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTODE CONDUTA — ATO ANTI-SINDICAL —

VEDAÇÃO (PRT 10ª REGIÃO)

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4) O presente Termo de Com-promisso de Ajustamento de Condu-ta é por prazo indeterminado, comvigência imediata a partir de suaassinatura, ficando assegurado odireito de revisão das cláusulas econdições, em qualquer tempo, me-diante requerimento ao MinistérioPúblico do Trabalho.

Brasília, 21 de junho de 2005.

Confederal Vigilância e Trans-porte de Valores Ltda.

Ezequiel Florêncio Mar tinsBarbosa, OAB/DF n. 15.335

Cristiano Paixão, Procuradordo Trabalho.

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TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTODE CONDUTA — SERPRO — APRENDIZAGEM —

ABRANGÊNCIA NACIONAL (PRT 10ª REGIÃO)

TERMO DE COMPROMISSO N. 70/2005

O Serviço Federal de Proces-samento de Dados (SERPRO), em-presa pública federal, criada nos ter-mos da Lei n. 4.516/01, de dezem-bro de 1964, entidade da Adminis-tração Indireta do Poder Executivo,vinculada ao Ministério da Fazenda,CNPJ/MF n. 33.683.111/0001-07,com sede na SGAN Quadra 601, Mó-dulo V, Brasília/DF, neste ato repre-sentada pelo senhor Armando de Al-mirante Frid, Diretor do SERPRO,portador da Carteira de Identidaden. 288.230 M-M/RJ, nos autos doProcedimento Investigatório n. 361/2005, firma compromisso nos termosdo artigo 5º, § 6º, da Lei n. 7.347/1985 c/c art. 876, da CLT, perante oMinistério Público do Trabalho, re-presentado pelo Excelentíssimo Se-nhor Ronaldo Curado Fleury, Procu-rador Chefe da Procuradoria Regio-nal do Trabalho da 10ª Região, e pelaExcelentíssima Senhora Valescade Morais do Monte, Procuradora doTrabalho, nos seguintes termos:

1. O SERPRO compromete-sea promover, a partir de 1º.9.2005, a

contratação de adolescentes atravésde entidade sem fins lucrativos, de for-ma a adequá-lo à Lei de Aprendiza-gem (Lei n. 10.097/2000), conforme ascondições abaixo especificadas.

2. O ofício objeto da aprendi-zagem é o de auxiliar administrativocom ênfase em microinformática.

3. Considerando as peculiari-dades do SERPRO, a contrataçãodos aprendizes dar-se-á por meio deconvênio ou contrato com escolatécnica ou com entidade sem fins lu-crativos, capacitada a fornecer aaprendizagem na forma dos artigos428 e 430, I e II, da CLT, com a re-dação da Lei n. 10.097/2000.

4. Diante das particularidadesda aprendizagem em serviços de in-formática, o SERPRO compromete-se a fornecer parte do conteúdoteórico da aprendizagem.

5. A certificação fornecida pelaentidade conveniada ou contratadadeverá ter validade em todo o terri-tório nacional, com especificaçãodas disciplinas e horas atendidas pelo

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adolescente e da dependência daempresa onde ocorreu a aprendiza-gem. O SERPRO assinará o certifi-cado em conjunto com a entidade.

6. O SERPRO possibilitará queas entidades conveniadas e contra-tadas promovam o acompanhamen-to da aprendizagem, e exigirá des-tas a comprovação de que o ado-lescente está matriculado em cursode aprendizagem.

7. O programa de aprendiza-gem está descrito no Anexo I desteTermo de Compromisso e deveráser observado em todo o territórionacional.

8. O período de aprendiza-gem será de no mínimo 17 (dezes-sete) meses e no máximo 22 (vintee dois) meses.

9. A carga horária das aulasteóricas da aprendizagem, somadaà parte aplicada diretamente peloSERPRO e a parte aplicada pela en-tidade sem fins lucrativos, não ocupa-rá menos do que 25% (vinte e cincopor cento) da carga horária total docontrato de aprendizagem.

10. Os adolescentes executa-rão atividades práticas compatíveiscom o aprendizado teórico, com ro-tatividade de tarefas e complexida-de progressiva. O programa poderácontemplar outros conceitos teóricosque sejam úteis na carreira profis-sional do adolescente.

11. A duração diária do traba-lho será de 4 (quatro) horas, não ex-cedentes de 24 (vinte e quatro) ho-ras semanais, incluídas nestas asaulas teóricas, entre segunda-feira

e sábado, em horário compatívelcom o escolar. As atividades práti-cas serão desenvolvidas no SER-PRO durante quatro dias na sema-na, bem como as atividades teóri-cas ministradas pela entidade semfim lucrativo nos demais dias dasemana.

12. Não haverá prorrogação dejornada de trabalho e nem a com-pensação de horas trabalhadas, in-clusive nas hipóteses previstas nosincisos I e II do artigo 413 da CLT.

13. As férias do adolescenteaprendiz deverão coincidir com umdos períodos das férias escolares doensino regular, quando solicitado,em conformidade com o § 2º do ar-tigo 136 da CLT, sendo vedado o seuparcelamento, nos termos do § 2ºdo artigo 134 da CLT.

14. O acompanhamento dodesenvolvimento do adolescenteaprendiz, no ambiente de trabalho,será realizado por orientador desig-nado pelo SERPRO.

15. O SERPRO exigirá da en-tidade sem fins lucrativos que o pro-grama seja depositado nos Conse-lhos Municipais dos Direitos daCriança e do Adolescente e nasDelegacias Regionais do Trabalho.

16. O adolescente aprendizterá vínculo de emprego com a en-tidade sem fins lucrativos.

17. O SERPRO compromete-se a repassar para as entidades semfins lucrativos recursos financeirospara garantir o pagamento dos ado-lescentes aprendizes, conforme pre-visto na Lei n. 10.097/2000, e os en-

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cargos sociais decorrentes, além dovale-transporte e auxílio-alimenta-ção, em valor a ser definido com asentidades.

18. O SERPRO compromete-se a fiscalizar, mensalmente, o efe-tivo pagamento dos adolescentescontratados pelas entidades semfins lucrativos.

19. Nos convênios celebrados,o SERPRO estabelecerá regra nosentido de priorizar a contratação deadolescentes oriundos de famíliascuja renda per capita máxima nãoultrapasse 1/2 salário mínimo.

20. O SERPRO exigirá da en-tidade conveniada comprovação deque o adolescente está matriculadoem curso de aprendizagem.

21. O adolescente deve estarcursando o Ensino Fundamental.

22. O SERPRO observará asrestrições legais quanto ao trabalhode adolescente.

23. Os números mínimo (5%)e máximo (15%) de aprendizes con-tratados serão calculados de acor-do com o número de empregadosque exercem funções que deman-dem formação profissional, nos ter-mos do artigo 429 da CLT, com aredação que lhe conferiu a Lei n.10.097/2000.

24. O SERPRO envidará esfor-ços junto às entidades conveniadasou contratadas para que, na me-dida do possivel, haja a reserva oucontratação de 5% (cinco por cen-

to) do total de vagas de aprendizpara adolescentes portadores dedeficiência.

25. MULTA — Pelo descumpri-mento do presente Termo de Com-promisso, a ser verificado em pro-cedimento próprio no âmbito do Mi-nistério Público do Trabalho, asse-gurada ampla defesa, o SERPROrecolherá multa no valor de R$ 300,00(trezentos reais), por adolescenteem situação irregular, reversível aoFIA — Fundo da Infância e da Ado-lescência, nos termos dos arts. 5º,6º e 13, da Lei n. 7.347/85.

26. O presente Termo de Com-promisso é passível de fiscalizaçãopela Delegacia Regional do Trabalho,pelo Ministério Público do Trabalhoe/ou Conselho Tutelar do Município.

27. O presente Termo de Com-promisso poderá ser revisto a pe-dido de qualquer das partes com-promissadas.

Brasília, 30 de junho de 2005.

Ronaldo Curado Fleury, Pro-curador Chefe da Procuradoria Re-gional do Trabalho da 10ª Região.

Valesca de Morais do Mote,Procuradora do Trabalho.

Hilderone de Souza Correia.Auditora Fiscal do Trabalho — Dele-gacia Regional do Trabalho no Dis-trito Federal;

Armando de Almirante Frid, Di-retor — SERPRO.

Ulysses Alves de Levy Macha-do, OAB/DF n. 5.853.

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O Ministério Público do Traba-lho — Procuradoria Regional do Tra-balho da Terceira Região, com sedeà Rua Domingos Vieira, 120, BairroSanta Efigênia, CEP 30150-240,Belo Horizonte/MG, pela Procurado-ra do Trabalho que esta subscreve,no exercício de suas funções insti-tucionais previstas nos arts. 127 e129, inciso III, da Constituição daRepública e art. 83, incisos I e III,da Lei Complementar n. 75/93, ecom fundamento nas disposiçõescontidas nas Leis ns. 7.347/85 e8.078/90, vem, respeitosamente, pe-rante V. Exa. propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em face de Panflor Indústria Alimen-tícia Ltda., CNPJ 21.519.269/0001-59, com escritório de administraçãocentral, responsável pelo controle egerenciamento da atividade da em-presa, incluindo matriz e filiais, nes-ta Capital na Avenida Brasil, n. 108,Bairro Funcionários, CEP 30140-001,pelos fatos e fundamentos que pas-sa a expor a seguir.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ PRESIDENTE DA MM. .....VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE

I — Dos Fatos

1. Recebeu o Ministério Públi-co do Trabalho, através de sua pá-gina na internet, denúncia em faceda ré, em que o denunciante, utili-zando-se da possibilidade ali previs-ta, solicitou fosse mantido sigilo comrelação ao mesmo (DOC. 01).

Através de referida represen-tação, declarou-se que a ora ré for-nece refeições para diversos entespúblicos, dentre os quais UnidadesPrisionais de Bangu, no Rio de Ja-neiro, Hospital das Forças Armadas,em Brasília e Unidade Prisional deGovernador Valadares/MG, denun-ciando-se, entre outras questões,que nestas unidades e em sua uni-dade administrativa, em Belo Hori-zonte, mantinha vínculo com coope-rativas para a realização de diver-sas atividades, como forma de re-duzir custos, sonegando impostos,encargos e direitos trabalhistas.

Citaram-se como cooperativascontratadas pela Panflor: Soscoop,do Rio de Janeiro e Coopserviço eMulticoop, de Belo Horizonte.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA — COOPERATIVA DETRABALHO — COMPETÊNCIA FUNCIONAL —

OJ N. 130 DA SDI-II (PRT 10ª REGIÃO)

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2. Instaurada representaçãoem face da ora ré, distribuída àProcuradora do Trabalho que estasubscreve, foi apreciada a denúncia,sendo determinada a instauração deProcedimento Investigatório em faceda empresa Panflor Indústria Alimen-tícia Ltda. e a intimação desta paraapresentar documentos (DOC. 02).

3. Vieram aos autos, então, osdocumentos requisitados, dentreos quais: manifestação da ora ré(DOC. 03), contrato social e CNPJ(DOC. 04), correspondências encami-nhadas pela Panflor às cooperativasCoopserviço e Multicoop solicitandoo procedimento utilizado para paga-mento de cooperados e respectivaresposta (DOC. 05), contratos firma-dos com a cooperativa Coopserviço(DOC. 06), relação de cooperados daCoopserviço com descrição de suasatividades (DOC. 07), formulários deinício de atividades de cooperados ecorrelatos (DOC. 08), contrato firma-do com a cooperativa Multicoop (DOC.09), relação de cooperados da Mul-ticoop com descrição de suas ativi-dades (DOC. 10) e fichas de registrode empregados ora juntadas por amos-tragem e relação respectiva (DOC. 11).

4. Considerando, entre outrosfundamentos, que os contratos deprestação de serviços juntados pelainvestigada c/c relação de coopera-dos e respectivas atividades, apre-sentavam indícios de irregularidades,decidiu este Órgão atuar de ofício,seguindo o feito, a partir de então, oprincípio do impulso oficial, pelo quese rechaçou requerimento da ora ré,no sentido de que lhe fossem forne-cidos o nome e demais dados doautor da denúncia que deram origemao procedimento (DOC. 12 e 13).

5. Foi então requisitada à De-legacia Regional do Trabalho emMinas Gerais fiscalização na ré, emseus estabelecimentos situadosnesta cidade de Belo Horizonte, sen-do também expedidos ofícios àsProcuradorias Regionais do Traba-lho dos Estados em que a Panflormantém estabelecimentos, solicitan-do informações acerca da existên-cia de procedimento, nestas Regio-nais, em face da ré, com relação àterceirização através de cooperati-vas de trabalho (DOC. 14), respon-didos negativamente (DOC. 15).

6. Apresentou a ora ré termoaditivo a contrato de prestação deserviços firmado com a cooperativaCoopserviço (DOC. 16).

7. A fiscalização requisitada erealizada pela Delegacia Regionaldo Trabalho em Minas Gerais aca-bou por confirmar a irregular tercei-rização através de cooperativa detrabalho (DOC. 17) pela ora ré, quefoi autuada por admitir ou manterempregado sem o respectivo regis-tro em livro, ficha ou sistema eletrô-nico competente, sendo ainda lavra-da a notificação para recolhimentodo FGTS e da Contribuição Socialreferente aos empregados sem re-gistros (ditos “cooperados”).

8. Além da irregularidade nacontratação de empregados atravésde cooperativas de trabalho, foi tam-bém constatada pela fiscalizaçãotrabalhista irregularidades no tocan-te à jornada dos empregados da ré,que foi autuada por prorrogar a jor-nada normal de trabalho, além dolimite legal de duas horas diárias,sem qualquer justificativa legal e

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reduzir o limite mínimo de uma horapara repouso ou refeição, sem per-missão da autoridade competente(DOC. 17).

9. Fizeram parte integrante dorelatório fiscal, dentre outros do-cumentos: contrato social da ré(DOC. 18), contrato de prestação deserviços firmado com a cooperativaCoopserviço e aditivos (DOC. 19),correspondência da Coopserviçoendereçada à auditora fiscal do tra-balho Dra. Doralice Gomes Lisboa(DOC. 20), recibos de cooperadosrelativos a auxílio-transporte (DOC.21), notas fiscais de prestação deserviços emitidas pela Coopserviçoem face da Panflor e documentoscorrelatos, nos quais se observa quea cooperativa recebia mais de 22%sobre o valor pago ao cooperado(DOC. 22), relação de cooperados(DOC. 23) e formulários de início deatividades de cooperados (DOC. 24).

10. Foi então determinada a ins-tauração de Inquérito Civil Público, den. 146/2003, cuja Portaria foi publi-cada no Diário Oficial de 6.11.2003(DOC. 25), sendo a ré intimada a com-parecer à audiência designada parao dia 29.10.2003, às 14 horas.

11. Na referida assentada, foiproposta a assinatura de Termo deCompromisso de Ajustamento deConduta, sendo requerido e deferi-do prazo de 20 (vinte) dias para res-posta, estabelecendo-se que o si-lêncio seria considerado recusa. Foiainda determinada a juntada dosCNPJ de todos os estabelecimentosda empresa e cópias dos cartões deponto dos seus empregados emBelo Horizonte (DOC. 26).

12. Em atendimento à requisi-ção, a ré apresentou os documen-tos (DOC. 27), sendo os autos doInquérito Civil Público encaminhadosà Assessoria Técnico-Contábil des-ta Procuradoria Regional do Traba-lho para análise, oportunidade emque foi confirmada a extrapolação dajornada diária por períodos superio-res a duas horas diárias e a falta eredução do intervalo para refeiçãoe descanso (DOC. 28).

13. Também no prazo assina-lado, manifestou a ré que “não iráassinar o termo de compromisso emrazão de não manter mais nenhumcooperado e, principalmente porentender que a contratação dessaspessoas não fere qualquer direito deíndole trabalhista já que jamais fo-ram empregados da inquirida, nãosó pelo contido nos incisos III e IV ecaput do art. 1º da CF/88, comotambém, pelo estabelecido no prin-cípio da livre iniciativa, art. 170 daCF/88” (DOC. 27). Após provocada,manifestou a ré expressamente quetambém com relação às cláusulasprevistas no tocante à jornada, nãoassinaria o Termo de Compromissoproposto, aduzindo “que sempre res-peitou e respeitará os artigos 59, 61e 71 da CLT” (DOC. 29).

14. Registra-se, por fim, tersido ajuizada pela ré Notificação Ju-dicial, com a intenção de obter in-formação do nome e demais dadosdo denunciante (DOC. 30), o quecomo ressaltado já havia sidorechaçado por este Órgão (DOC.13), que deixou registrado que, sen-do constatadas as irregularidadesque deram ensejo à proposta de

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assinatura de Termo de Ajustamen-to de Conduta, recusada pela ré,novas providências seriam tomadas(DOC. 31).

15. Como se constata dasmanifestações da ré, não tem elaqualquer interesse em abster-seespontaneamente da prática ilícitadenunciada e constatada de contra-tar empregados através de coope-rativa de trabalho, mascarando asrelações de emprego existentes,bem como de desrespeitar as nor-mas relativas à jornada de seus em-pregados, tornando-se necessário oajuizamento da presente Ação CivilPública.

II — Do Direito

16. A partir de 9 de dezembrode 1994, com a edição da Lei n.8.949, que introduziu a norma con-tida no parágrafo único do artigo 442da Consolidação das Leis do Traba-lho, no sentido de que inexistevínculo de emprego entre a coope-rativa e seus associados, assim comocom os tomadores de serviços, cres-ceu o número de cooperativas quese escudam na letra fria do referidodispositivo para lesarem milhares detrabalhadores, deixando-os à mar-gem das normas protetivas da legis-lação trabalhista, utilizando-se, ain-da, do falacioso argumento de alter-nativa para solucionar a crise dedesemprego que assola o país. Fa-lacioso, porque o que tem ocorridonão é a criação de novos postos detrabalho, mas sim a precarizaçãodaqueles já existentes.

De igual modo, cresceu assus-tadoramente o número de empresasque contratam trabalhadores “coo-perados” para exercer tarefas inse-ridas em diversas etapas do seuempreendimento e/ou de sua produ-ção, até mesmo aquelas considera-das atividades finalísticas, dandouma roupagem de legalidade à frau-de perpetrada, eis que, na realidade,encontram-se presentes os requisi-tos da relação de emprego.

Ao assim proceder, estas em-presas estão sonegando dos traba-lhadores os direitos sociais assegu-rados na Constituição da República,em seu art. 7º, dentre os quais sedestacam: o reconhecimento dovínculo de emprego; seguro-desem-prego; FGTS; garantia de salário,nunca inferior ao mínimo, para os quepercebem remuneração variável;décimo terceiro salário; remunera-ção do trabalho noturno superior àdo diurno; limitação imposta à jor-nada de trabalho e pagamento dehoras extras; repouso semanal re-munerado; gozo de férias remune-radas acrescidas do adicional de 1/3;licença-maternidade; licença-pater-nidade; aviso prévio; cumprimentodas normas de saúde, higiene e se-gurança no trabalho e reconheci-mento das convenções e acordoscoletivos de trabalho aplicáveis àcategoria profissional respectiva.

17. Na hipótese dos autos afraude encontra-se mais que com-provada, o que atrai a aplicação dodisposto no art. 9º consolidado.

Ressalta-se que o ordenamen-to jurídico pátrio prevê expressa-mente como regra geral a contrata-

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ção de trabalhadores via contrato detrabalho em uma relação bilateral:empregado-empregador.

Assim, constitui exceção acontratação de trabalhadores via in-terposta pessoa, sendo limitadas ashipóteses de terceirização lícita. Aregra continua sendo a contrataçãodireta pelo tomador de serviços.

O Enunciado n. 331 do Colen-do TST consubstancia todas as hi-póteses permitidas de contrataçãode trabalhadores por empresa inter-posta, revelando-se oportuna suatranscrição:

Contrato de Prestação de Ser-viços — Legalidade.

I — A contratação de trabalha-dores por empresa interposta éilegal, formando-se o vínculo di-retamente com o tomador dosserviços, salvo no caso de traba-lho temporário (Lei n. 6.019, de3.1.74).

II — A contratação irregular detrabalhador, através de empresainterposta, não gera vínculo deemprego com os órgãos daAdministração Pública Direta, In-direta ou Fundacional (art. 37, II,da Constituição da República).

III— Não forma vínculo de em-prego com o tomador a contrata-ção de serviços de vigilância (Lein. 7.102, de 20.6.83), de conser-vação e limpeza, bem como a deserviços especializados ligados àatividade-meio do tomador, des-de que inexistente a pessoalidadee subordinação direta.

IV — O inadimplemento dasobrigações trabalhistas, por par-te do empregador, implica a res-ponsabilidade subsidiária do to-mador dos serviços, quantoàquelas obrigações, inclusivequanto aos órgãos da administra-ção direta, das autarquias, dasfundações públicas, das empre-sas públicas e das sociedades deeconomia mista, desde que ha-jam participado da relação pro-cessual e constem também dotítulo executivo judicial (art. 71 daLei n. 8.666, de 21.6.1993).

Como se vê, o espaço conce-dido ao fenômeno da terceirização— que de forma alguma pode cons-tituir meio de precarização das rela-ções de trabalho — não é absoluto,restringindo-se às hipóteses legaise à atividade-meio da empresa, valedizer, aquelas atividades que nãofazem parte do processo criador doproduto final do empreendimento, ouque não sejam essenciais à dinâ-mica empresarial do tomador dosserviços, e desde que especializa-das, bem como inexistentes a pes-soalidade e a subordinação diretacom o tomador dos serviços.

E nem poderia ser diferente,sob pena de se permitir que umaempresa existisse e desenvolvesseas atividades necessárias à conse-cução de seus objetivos sociais semcontratar diretamente nenhum em-pregado, o que viola frontalmente asnormas insculpidas nos artigos 2º e 3º,da CL T, já que empregador é aque-le que, assumindo os riscos da ati-vidade econômica, admite, assalaria

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e dirige a prestação pessoal dosserviços. A contratação de empre-gados para a realização de ativida-des essenciais do tomador somen-te será possível em caráter tempo-rário, restringindo-se às hipóteseslegais.

22. Com relação à cooperati-va de trabalho contratada, várias ir-regularidades foram apuradas pelafiscalização, sendo importante des-tacar, nesse sentido, os seguintestrechos do relatório fiscal (DOC. 17):

“A cooperativa congrega inte-grantes de múltiplas profissõesindependentes de qualquer iden-tidade entre si, profissional oueconômica. Na ata de constitui-ção da cooperativa pode-se ob-servar entre os fundadores: en-genheiros, advogados, metalúrgi-co, técnico em informática, pro-fessores.

Entre os cooperados que pres-tam serviços à citada tomadora, fo-ram encontrados trabalhadoresnas funções de office-boy, recep-cionista, supervisores administra-tivos, financeiros, auxiliares de ven-das, de faturamento, de contas apagar e de transporte, secretárias,técnicos em informática (analistade suporte), serviços gerais, nutri-cionista, dentre outros.”

Nesse mesmo sentido, as re-lações de cooperados apresentadaspela ré Panflor ao Ministério Públicodo Trabalho (DOC. 07 e 10) revelamo exercício, pelos “cooperados” con-tratados, das mais diversas ativida-des, que não possuem qualquer iden-

tidade entre si e que de forma algu-ma representam atividades autônomasou especializadas. Observe-se al-gumas das atividades/funções exer-cidas pelos “cooperados”: atendi-mento telefônico; envio de fax e digi-tação; serviços externos e internosde apanha e busca de documentos;serviços gerais de limpeza e decopeira; controle de caixa; conferên-cia e pagamentos de documentos;controle de documentos para fatura-mento, lançamento em sistema de in-formática e emissão de notas fiscais;organização de arquivo e conferên-cia de documentos; planejamento eacompanhamento do controle dequalidade e de custos, via sistemainformatizado; elaboração de relató-rios e pareceres dos departamentosadministrativos, financeiros e dedepartamento pessoal; controle e ar-quivo de notas fiscais e de documen-tos; contato com fornecedores; aten-dimento de clientes e telefonemas;conferência de notas fiscais; coletade preços via telefone ou pessoal-mente junto a fornecedores e lança-mento em sistema de controle decompras; lançamento e cont ro lede documentos lançados em sistemainformatizado; lançamentos em sis-temas de controle de estoque e emsistema de contabilidade; planeja-mento e acompanhamento do con-trole de qualidade e de custos, viasistema informatizado; editoração eanálise de documentos.

Também na relação de coope-rados fornecida pela DRT/MG (DOC.23) observam-se funções que nãose coadunam com a autonomia ven-tilada e que não apresentam espe-

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cialização e qualquer relação entresi, entre as quais: office-boy, gestor,gerente de compras, coordenador desistema, assistentes de compras,de faturamento e administrativo, su-porte de informática, administradorpatrimonial, supervisor operacional,técnico informática, nutricionista,assistente contas a pagar, assisten-te financeiro, serviços gerais, técni-co contábil, assistente faturamento,analista de suporte, recepcionista,almoxarife, supervisor de patrimônioe secretária.

Vale destacar ainda os seguin-tes trechos do relatório fiscal, no to-cante à cooperativa contratada, quede forma alguma atende os princípiosnorteadores do cooperativismo:

“Relativamente ao exame dosdocumentos da própria Coopera-tiva, tem-se a destacar que ine-xiste a necessária transparênciacom relação aos dados objeto daverificação...

A inclusa correspondência, di-rigida à auditora notificante, mos-tra-se agressiva, situação justifi-cada apenas na dita falta de trans-parência, eis que, em sendo legí-tima a Cooperativa, todos os do-cumentos podem ser exibidos e acontabilização deve ser feita daforma mais clara possível.

Ressalte-se que a Cooperati-va, fundada em 1997, nunca dis-tribuiu a nenhum associado qual-quer sobra. As sobras apuradasforam vinculadas ao dito ‘Fundode Assistência Técnica Educacio-nal e Social’.

Em sendo assim, em todosesses anos (1997 a 2001), ape-nas a Cooperativa cresceu emnúmero de associados (chegan-do a ter em torno de 3.500 asso-ciados, segundo o declarado),elevando-se o capital para maisexpansão. Aos associados nãocoube nenhum rateio, além dosimples valor recebido pela pres-tação de serviços.

Inobstante a aparência delegalidade das cláusulas do contra-to firmado com a tomadora, a prá-tica da prestação de serviços e aprópria dinâmica da Cooperativademonstram à evidência a ilega-lidade da contratação.

Ressalte-se que o mesmoContrato ... contém cláusulas quemutatis mutandis consagram aobtenção de benefícios pelospretensos ‘cooperados’, cláusu-las essas que traduzem os co-mandos contidos nas normasprotetivas do trabalho.

Dito Contrato contém o arca-bouço de uma avença firmadapara a contratação de mão-de-obra trabalhista, estando tambémclara, entretanto, na prática a for-ma de subordinação dos presta-dores de serviços, então ditos‘cooperados’, adstritos à adminis-tração e gerenciamento da em-presa, no local da prestação dosserviços e através da coordena-ção de tarefas e controle do ho-rário de trabalho.”

Cumpre informar que a coope-rativa Coopserviço já vem sendoacionada pelo Ministério Público doTrabalho.

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23. Restou evidenciado, ainda,na fiscalização trabalhista reali-zada, o vínculo de emprego entre os‘cooperados’ da Coopserviço e aempresa ré Panflor, os quais exer-ciam suas atividades tal e qual osempregados regularmente contra-tados — o que também pode ser ve-rificado pelo cotejamento das rela-ções de “cooperados” com suasfunções (DOC. 07, 10 e 13) com os re-gistros de empregados diretos (DOC.11) —, bem como a precarizaçãodas condições de trabalho a quesubmetidos os trabalhadores ditos“cooperados”, tendo as i. AuditorasFiscais destacado em seu relatório(DOC. 17) que:

“Além do gerenciamento pelaempresa, onde os ‘cooperados’recebem ordens diretamente deempregados ou de sócios da toma-dora, o controle sobre os ‘coope-rados’ também é exercido pelogestor da Cooperativa, presenteoito horas diárias, no estabeleci-mento da tomadora, sem embargodas supervisões periódicas, duasvezes por semana, empreendidaspela Coopserviços.

Conforme apurado nas entre-vistas, os Cooperados, assimcomo os empregados da Panflor,recebem adiantamento de nume-rário para as despesas de via-gem, através do formulário ‘Adian-tamento Para Viagem’ e prestamcontas ao final, estando vincula-dos à obrigatoriedade do cumpri-mento das mesmas regras inter-nas da empresa, inobstante a for-malidade expressa no Contratocom a tomadora.

Ademais, há trabalhadorescontratados diretamente pelaPanflor e outros, na mesma fun-ção, ‘Cooperados’. As telefonis-tas/recepcionistas, por exemplo,dividem a jornada diária. A tele-fonista, Fernanda das Graças P.Silva, contratada diretamente pelaPanflor, tem jornada diária de qua-tro horas e salário mensal de R$208,35 (R$ 1,74/h), enquanto a‘Cooperada’, Samira Cristina Ar-canjo, trabalha seis horas por dia,com salário/hora de R$ 1,39.

De igual forma, há auxiliaresde compras ditos ‘cooperados’ eempregados, secretária contrata-da diretamente pela empresa esecretária ‘cooperada’.

É ev idente o pre ju ízo dotrabalhador não registrado, de vezque recebe apenas o total de ho-ras trabalhadas e não obtém osdemais direitos do empregado daempresa. Os empregados regis-trados são amparados com osdireitos adicionais estabelecidospelas Convenções Coletivas deTrabalho (conforme artigo 7º daConstituição Federal e artigos 61e 619 da Consolidação das Leisdo Trabalho).

Na forma precária de terceiri-zação adotada pela empresa es-tão presentes todos os requisitosda relação de emprego. Aliada aesta compreensão está o fato deque os trabalhadores ‘Coopera-dos’, na sua quase totalidade,foram aliciados pela própria em-presa, através de anúncio em jor-nal. O empregado é entrevistado

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na tomadora, apresenta o seucurriculum vitae e, após a sele-ção, é encaminhado pela própriaempresa à Cooperativa para ‘as-sociar-se’. Apenas assim, é con-tratado pela Panflor.

Desta forma, é selecionada amão-de-obra utilizada principal-mente no escritório da adminis-tração central, responsável pelocontrole e gerenciamento de todaa atividade da empresa, incluindomatriz e filiais. Dentre as ativi-dades da tomadora citamos o for-necimento de lanches e refeiçõespara hospitais públicos e presí-dios. No caso em exame a ter-ceirização está ocorrendo em ati-vidades essenciais ao funciona-mento da empresa tomadora.

Outro fato apurado através dasentrevistas é que a Panflor se uti-lizava da mão-de-obra de outraCooperativa, a Multicoop. Resol-vendo mudar a contratada, dire-cionou os ‘cooperados’ desta úl-tima Cooperativa à Coopserviçoe fez-se a troca. Os ‘cooperados’receberam apenas os dias traba-lhados e hoje são parte dos no-vos associados da Coopserviço.”

24. Ressalte-se, ainda, queapós constatar todas as irregularida-des citadas, tentou a autoridade fis-cal o registro dos empregados, sobação fiscal, o que foi recusado pelaempresa “ante o argumento de quena relação custo/benefício a empresaoptaria pela Cooperativa, forma queencontrou para reduzir seus custosoperacionais” (DOC. 17).

25. Concluiu a referida fiscaliza-ção, assim, pela “ilegalidade da con-tratação via cooperativa, utilizada nes-te caso apenas como locadora demão-de-obra necessária ao funciona-mento da empresa”, registrando:

“Os fatos anteriormente ex-postos, por si mesmos evidenci-am fraude na contratação, por in-terposta pessoa, consubstancia-da no art. 9º do diploma consoli-dado, di tando a esse Órgãofiscalizador o dever de conside-rar todos os pretensos ‘coopera-dos’, como empregados da em-presa Panflor Indústria Alimentí-cia Ltda., lavrando-se o conse-qüente auto de infração.”

“Com base nas entrevistasrealizadas com os trabalhadorese exames dos documentos apre-sentados, concluiu-se pela ilega-lidade da contratação via coope-rativa, utilizada neste caso ape-nas como locadora de mão-de-obra necessária ao funcionamen-to da empresa.”

26. Foi a ré então autuada pormanter trabalhadores sem o devidoregistro (DOC. 17), destacando-seno auto de infração respectivo quetodos os trabalhadores laboravam“de forma contínua, mediante remu-neração, em atividades essenciaisao funcionamento da autuada, su-bordinados”.

27. A Carta Magna assegurade forma expressa no art. 5º, incisoXXXV que “a lei não excluirá daapreciação do Poder Judiciário lesãoou ameaça a direito”.

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Comprovada a denúncia decontratação fraudulenta de coope-rativas de trabalho, visando masca-rar relações de emprego, tendo a rése recusado a abster-se voluntaria-mente de sua irregular conduta pe-rante este Ministério Público do Tra-balho, impõe seja ajuizada a presen-te Ação Civil Pública buscando pro-vimento jurisdicional no sentido deque a mesma seja compelida a abs-ter-se da prática ilegal.

28. Por outro lado, cabe tam-bém a regularização da conduta daré no tocante às infrações que vemcometendo no tocante à jornada detrabalho de seus empregados, o querestou constatado pela fiscalizaçãotrabalhista e através de documen-tos requisitados de forma exemplifi-cativa à ré.

29. Ressalte-se que a diminui-ção da jornada de trabalho e a ele-vação dos salários sempre foram osdois pilares da luta da classe traba-lhadora, como bem sintetizado porDélio Maranhão e Luiz Inácio B. Car-valho, ao tratarem do tema Duraçãodo Trabalho, na obra “Direito do Tra-balho”:

“Como escreveu alguém, aluta pela diminuição da jornadade trabalho é a luta humana pelavida e a luta por uma vida hu-mana... Por isso, tal diminuiçãoconstituiu, sempre, uma das rei-vindicações por que mais pugna-ram os trabalhadores. A ela so-mente se compara a campanhapor um salário melhor. Na verda-de, os pontos cardeais de todasas reivindicações da classe tra-

balhadora foram, em todos ostempos, a redução da quantidadede trabalho e o aumento da pagado trabalho prestado. O salário éo preço da alienação da forma detrabalho e a jornada, a medida daforça que se aliena” (destaquesnossos) (ob. cit. — Editora da Fun-dação Getúlio Vargas — 17ª edi-ção — pp. 99/100).

30. O próprio surgimento doDireito do Trabalho está intimamen-te relacionado à necessidade de li-mitação da jornada de trabalho. Asubmissão dos trabalhadores a jor-nadas extenuantes de trabalho, mui-to além da capacidade física do serhumano, obrigou o Estado a interfe-rir nas relações jurídicas de traba-lho para impor limites às exigênciasdo capitalismo.

31. O avanço da ciência temdemonstrado a imperiosa necessi-dade de redução da jornada, da con-cessão de intervalos diários, sema-nais e anuais, e do controle dolabor em sobrejornada, como bemdemonstrado pelo MM. Juiz Sebas-tião Geraldo de Oliveira:

“Os estudos aprofundados dosfisiologistas, ergonomistas, psicó-logos, médicos do trabalho e ou-tros têm servido para respaldaros fundamentos científicos datendência mundial de redução dajornada de trabalho. Todavia, nãoadianta limitar a duração da jor-nada, sem controlar com rigor otrabalho extraordinário. A simplesoneração do valor da hora extranão tem sido suficiente para im-pedir a sua prática.

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A professora da Universidadede São Paulo Edith Seligmann Sil-va, com vasta produção intelectualna área de saúde mental e traba-lho, focaliza a questão das horasextras:

‘Quanto mais prolongada foruma jornada de trabalho na qualum trabalhador necessite con-centrar sua atenção, maior seráo cansaço tanto físico quantomental. Assim é que, atualmen-te, torna-se praticamente impos-sível, além de artificial, distinguirfadiga física de fadiga mental. E,quando o cansaço passa de fisio-lógico a patológico, isto é, quan-do o repouso e sono habituaisnão mais são capazes de superá-lo surge a fadiga crônica.’

O que a ciência atualmentevem comprovando a respeito dosmalefícios do trabalho extraordi-nário foi enunciado doutrinaria-mente pela Encícl ica RerumNovarum do Papa Leão XIII, naparte que trata da proteção dotrabalho dos operários, mulherese crianças, a qual foi divulgadahá mais de um século, em 15 demaio de 1891:

‘Não é justo nem humano exi-gir do homem tanto trabalho aponto de fazer pelo excesso dafadiga embrutecer o espírito e en-fraquecer o corpo. A atividade dohomem, restrita como a sua na-tureza, tem limites que se nãopodem ultrapassar. O exercício eo uso aperfeiçoam-na, mas é pre-ciso que de quando em quandose suspenda para dar lugar ao

repouso. Não deve, portanto, otrabalho prolongar-se por maistempo do que as forças permi-tem. Assim, o número de horasde trabalho diário não deve ex-ceder a força dos trabalhadores,e a quantidade de repouso deveser proporcionada à qualidade dotrabalho, às circunstâncias do tem-po e do lugar, à compleição esaúde dos operários’” (destaquesnossos) (“Proteção Jurídica à Saú-de do Trabalhador”, Editora LTr,pp. 129/130).

32. E os fundamentos para li-mitação da jornada de trabalho epara concessão de descansos diá-rios, semanais e anuais não são sóbiológicos, como também sociais eeconômicos, conforme a lição dadoutrina:

“1 — Limitação do Tempo deTrabalho

A — Fundamentos e objetivos.Dentre os princípios que se univer-salizaram visando à proteção do tra-balho humano e a dignificação dotrabalhador, cumpre destacar os re-ferentes à limitação do tempo de tra-balho. Se os dois principais objeti-vos e obrigações decorrentes darelação de emprego são trabalhoprestado pelo empregado e o salá-rio pago pelo respectivo emprega-dor, torna-se evidente a importân-cia do sistema legal que impõe limi-tes à duração do trabalho.

(...).

A limitação do tempo de traba-lho possui, portanto, fundamentos:

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a) de natureza biológica, eisque visa a combater os proble-mas psicofisiológicos oriundos dafadiga e da excessiva racionali-zação de serviço;

b) de caráter social, por isto quepossibilita ao trabalhador viver,como ser humano, na coletividadea que pertence, gozando os pra-zeres materiais e espirituais cria-dos pela civilização, entregando-seà prática de atividades recreativas,culturais ou físicas, aprimorandoseus conhecimentos e convivendo,enfim, com sua família;

c) de índole econômica, por-quanto restringe o desemprego eacarreta, pelo combate à fadiga,um rendimento superior na exe-cução do trabalho” (Arnaldo Süs-sekind, “Instituições de Direito doTrabalho”, São Paulo: Editora LTr,15ª edição, pp. 725/726).

“Acontece que, além do sen-tido de proteção biológica do indi-víduo, o combate à fadiga se tra-duz na possibilidade de maiorrendimento na execução do ser-viço contratado. Visa, ainda, a li-mitação da jornada a evitar o de-semprego, fortalecendo a procu-ra de mão-de-obra no mercadode trabalho. E, socialmente, deveo Estado, inspirado no respeito àpessoa humana do trabalhador,propiciar-lhe condições humanasde trabalho. Fundamentos, pois, denatureza biológica, social e eco-nômica justificam a limitação dajornada de trabalho” (Délio Ma-ranhão e Luiz Inácio B. Carvalho,ob. cit., p. 100).

33. A Constituição da Repúbli-ca de 1988 consagrou, dentre osdireitos sociais dos trabalhadoreselencados em seu art. 7º, os relati-vos à duração da jornada e à prote-ção da saúde:

“XIII — duração do trabalhonormal não superior a oito horasdiárias e quarenta e quatro sema-nais, facultada a compensaçãode horários e a redução da jor-nada, mediante acordo ou con-venção coletiva de trabalho;

(...)

XXII — redução dos riscos ine-rentes ao trabalho, por meio denormas de saúde, higiene e se-gurança;”

Por sua vez, os arts. 59, 61 e71 da CLT estabelecem que:

“Art. 59. A duração normal dotrabalho poderá ser acrescida dehoras suplementares, em núme-ro não excedente de duas, medi-ante acordo coletivo escrito en-tre empregador e empregado, oumediante contrato coletivo de tra-balho.

(...)

§ 2º Poderá ser dispensado oacréscimo de salário se, por for-ça de acordo ou convenção cole-tiva de trabalho, o excesso dehoras em um dia for compensa-do pela correspondente diminui-ção em outro dia, de maneira quenão exceda, no período máximode um ano, à soma das jornadas

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semanais de trabalho previstas,nem seja ultrapassado o limitemáximo de 10 horas diárias.”

“Art. 61. Ocorrendo necessida-de imperiosa, poderá a duraçãodo trabalho exceder do limite le-gal ou convencionado, seja parafazer face a motivo de força mai-or, seja para atender à realizaçãoou conclusão de serviços inadiá-veis ou cuja inexecução possaacarretar prejuízo manifesto.

§ 1º O excesso, nos casosdeste artigo, poderá ser exigidoindependentemente de acordo oucontrato coletivo e deverá ser co-municado, dentro de dez dias, àautoridade competente em maté-ria de trabalho, ou antes desseprazo, justificado no momento dafiscalização sem prejuízo dessacomunicação.

(...)”

“Art. 71. Em qualquer trabalhocontínuo, cuja duração exceda deseis horas, é obrigatória a con-cessão de um intervalo para re-pouso ou alimentação, o qualserá, no mínimo, de uma hora e,salvo acordo escrito ou contratocoletivo em contrário, não pode-rá exceder de duas horas.

(...)

§ 3º O limite mínimo de umahora para repouso ou refeição po-derá ser reduzido por ato do Mi-nistro do Trabalho, quando, ouvi-do o Departamento Nacional deHigiene e Segurança do Trabalho(DNHST) (atualmente Secretariade Segurança e Medicina do Tra-balho — SSMT), se verificar que

o estabelecimento atende inte-gralmente às exigências concer-nentes à organização dos refei-tórios e quando os respectivosempregados não estiverem sobregime de trabalho prorrogado ahoras suplementares.”

Tais preceitos são de ordempública, irrenunciáveis por vontadedas partes.

34. A empresa ré, todavia,conforme se infere do relatório defiscalização realizada pela Delega-cia Regional do Trabalho e de do-cumentos examinados exemplifica-tivamente pelo Ministério Público doTrabalho, não vem cumprindo refe-ridos preceitos, ao contrário do queafirma, agredindo assim a ordem ju-rídica vigente e violando de formaexpressa o art. 7º, XIII e XXII, daConstituição da República, e os arts.59, 61 e 71 da CLT.

35. Observa-se ter sido a em-presa autuada por prorrogar a jor-nada normal de trabalho além do li-mite legal de duas horas diárias,sem qualquer justificativa legal e re-duzir o limite mínimo de uma horapara repouso ou refeição, sem per-missão da autoridade competente(DOC. 17), o que também foi verifi-cado na documentação exemplifica-tivamente analisada pelo MinistérioPúblico do Trabalho (DOC. 27 e 28).

36. Constatando-se que a rénão tem qualquer interesse em ces-sar espontaneamente a prática ilíci-ta constatada de prorrogar a jor-nada de trabalho de seus emprega-dos além do limite legal de 2 (duas)

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horas diárias, sem qualquer justifi-cativa legal e de não conceder e/oureduzir o intervalo mínimo legal paradescanso e alimentação, sequeradmitindo as irregularidades, em de-trimento das contundentes provas,impõe seja ajuizada a presente AçãoCivil Pública buscando provimentojurisdicional no sentido de que a réseja compelida a cessar a prática ile-gal, também no tocante à jornadade trabalho.

37. Nunca é demais ressaltarque a presente ação não tem a pre-tensão de reparar a lesão já causa-da aos trabalhadores identificadosquando da ação fiscal, nem outrosque laboram ou já laboraram paraa ré na mesma situação, mas simnatureza inibitória, qual seja, a abs-tenção da irregular contratação decooperativas de trabalho que atuamcomo meras intermediadoras demão-de-obra com objetivo de mas-carar relações de emprego e das ir-regularidades com relação à jornadade seus empregados.

III — Do Dano de NaturezaColetiva decorrente dasPráticas Ilícitas da Ré

Na presente Ação Civil Públi-ca pretende-se, em primeiro plano,inibir que a ré Panflor Indústria Ali-mentícia Ltda. desrespeite os maiscomezinhos direitos sociais dos tra-balhadores, assegurados na Cons-tituição da República, mediante acoibição das fraudes perpetradas nacontratação de mão-de-obra e dodesrespeito às normas relativas à

jornada dos trabalhadores, atravésda imposição de obrigações de fa-zer e não fazer.

Em segundo plano, pretendeo Ministério Público do Trabalho adefinição das responsabilidades porato ilícito que causa danos morais,patrimoniais ou jurídicos a interes-ses difusos e/ou coletivos, na formaprevista na Lei da Ação Civil Públi-ca (Lei n. 7.347/85):

“Art. 1º Regem-se pelas dispo-sições desta lei, sem prejuízo daação popular, as ações de res-ponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados:

(...)

IV — a qualquer outro interes-se difuso ou coletivo.”

Com efeito, busca também oparquet a reparação do dano jurídi-co social emergente da conduta ilí-cita da ré, cuja responsabilidadepode e deve ser apurada através deAção Civil Pública.

A responsabilidade não penaldecorrente de ato ilícito implica umacondenação em dinheiro (art. 3º daLei n. 7.347/85), levando-se em con-ta a natureza do ato ilícito, a gravi-dade da lesão e o comprometimen-to do bem jurídico violado.

Assim, com fulcro no art. 3º daLei n. 7.347/85 e como finalidadeprimeira da presente Ação Civil Pú-blica, deverá ser judicialmente im-posta à Ré, sob cominação de mul-ta pecuniária, obrigações de fazere/ou de não fazer que impliquem na

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observância dos direitos sociais dostrabalhadores, flagrantemente des-respeitados.

Por outro lado, deve ser tam-bém considerado que a conduta ilí-cita da Ré, manifestada principal-mente na fraudulenta exploração damão-de-obra de trabalhadores e nodesrespeito às normas relativas àjornada, causou lesão a direitos di-fusos não só dos trabalhadores, masde toda a sociedade, dano jurídicosocial que exige reparação, eis quetodo “aquele que, por ato ilícito, cau-sar dano a outrem, fica obrigado arepará-lo” (artigo 927 do Código Civil).

Os valores da condenação inpecúnia relativos ao ressarcimentodos danos causados a interesses di-fusos e/ou coletivos, objeto destaação civil pública, devem ser reverti-dos a um fundo destinado à reconsti-tuição dos bens lesados, conformeprevisto no art. 13 da Lei n. 7.347/85.

No caso da defesa de interes-ses difusos e coletivos na área tra-balhista, deve-se buscar um fundocompatível com o interesse lesado.Nesse sentido, a indenização pos-tulada em juízo através da ação ci-vil pública de natureza trabalhista,bem como a possível multa pelodescumprimento da sentença nelaprolatada, deve ser revertida emfavor do Fundo de Amparo ao Tra-balhador (FAT), instituído para pro-teger o trabalhador contra os malesdo desemprego (Lei n. 7.998/90).

Considerando-se a lesão jurí-dico-social já perpetrada, razoável afixação da indenização, pela lesão

a direitos difusos e/ou coletivos noimporte de R$ 100.000,00 (cem milreais).

IV — Do Pedido

Diante dos fatos e fundamen-tos expostos, o Ministério Público doTrabalho requer a condenação da rénas seguintes obrigações de nãofazer e de fazer:

a) abster-se de contratar mão-de-obra por intermédio de coope-rativa de trabalho, sob pena demulta de R$ 5.000,00 (cinco milreais), devida por cada trabalha-dor encontrado lhe prestando ser-viços em situação irregular, e queincidirá a cada constatação, a fa-vor do Fundo de Amparo do Tra-balhador, criado pela Lei n. 7.998/90 e na hipótese de extinção des-te para os cofres da União Fede-ral, valor este corrigido a partir dadata de ajuizamento da presenteação até o efetivo recolhimentopelos índices de correção dosdébitos trabalhistas;

b) não manter trabalhadoresem suas atividades-fim contrata-dos através de interpostas pes-soas físicas ou jurídicas, inclusi-ve cooperativas de trabalho, oupara as atividades-meio ou fimpor intermédio de entidades ouempresas que não estejam cons-tituídas nos termos da legislaçãoem vigor para prestação de ser-viços a terceiros (Leis ns. 6.019/74, 7.102/83 e Enunciado n. 331/TST), sob pena de multa de R$5.000,00 (cinco mil reais), devi-

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da por cada trabalhador encon-trado lhe prestando serviços emsituação irregular, e que incidiráa cada constatação, a favor doFundo de Amparo do Trabalhador,criado pela Lei n. 7.998/90 e nahipótese de extinção deste paraos cofres da União Federal, valoreste corrigido a partir da data deajuizamento da presente ação atéo efetivo recolhimento pelos ín-dices de correção dos débitos tra-balhistas;

c) utilizar-se somente de mão-de-obra de trabalhadores devida-mente registrados para a pres-tação de serviços habituais, pes-soais e subordinados, na formados artigos 2º e 3º da CLT, sobpena de multa de R$ 5.000,00(cinco mil reais), devida por cadatrabalhador encontrado lhe pres-tando serviços em situação irre-gular, e que incidirá a cada cons-tatação, a favor do Fundo de Am-paro do Trabalhador, criado pelaLei n. 7.998/90 e na hipótese deextinção deste para os cofres daUnião Federal, valor este corrigi-do a partir da data de ajuizamen-to da presente ação até o efetivorecolhimento pelos índices decorreção dos débitos trabalhistas;

d) Não exigir dos seus empre-gados jornada extraordinária su-perior ao limite máximo de 2 ho-ras diárias, conforme preceitua oart. 59, parágrafo 2º da CLT, sobpena de multa de R$ 3.000,00 (trêsmil reais), devida por cada traba-lhador encontrado em situação ir-regular, e que incidirá a cada cons-tatação, a favor do Fundo de Am-

paro do Trabalhador, criado pelaLei n. 7.998/90 e na hipótese deextinção deste para os cofres daUnião Federal, valor este corrigi-do a partir da data de ajuizamen-to da presente ação até o efetivorecolhimento pelos índices decorreção dos débitos trabalhistas;

e) Conceder aos seus empre-gados o intervalo mínimo de 1(uma) hora para repouso ou ali-mentação, para aqueles com jor-nada acima de 6 (seis) horas diá-rias, e de 15 (quinze) minutos,quando a duração não ultrapas-sar 6 (seis) horas e for superior a4 (quatro) horas, conforme art. 71da CLT, permitida a redução nostermos do parágrafo 3º do referi-do dispositivo, sob pena de mul-ta de R$ 3.000,00 (três mil reais),devida por cada trabalhador en-contrado em situação irregular, eque incidirá a cada constatação,a favor do Fundo de Amparo doTrabalhador, criado pela Lei n.7.998/90 e na hipótese de extin-ção deste para os cofres da UniãoFederal, valor este corrigido apartir da data de ajuizamento dapresente ação até o efetivo reco-lhimento pelos índices de corre-ção dos débitos trabalhistas;

f) Pagar indenização por danode natureza coletiva no valor deR$ 100.000,00 (cem mil reais),reversível ao Fundo de Amparodo Trabalhador, criado pela Lei n.7.998/90.

Requer a citação da ré para res-ponder aos termos da presente ação,sob pena de revelia e confissão.

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Requer que este MinistérioPúblico do Trabalho seja intimadopessoalmente e nos autos do pro-cesso, conforme disposto nos arti-gos 18, inciso II, alínea h, 84, incisoIV, ambos da Lei Complementar n.75/93, e 236, § 2º, do CPC, c/c Pro-vimento n. 4/2000 da Corregedo-ria Geral da Justiça do Trabalho eProvimento n. 6/2001 da Correge-doria Regional do Trabalho — 3ªRegião.

Protesta por todos os meios deprova em Direito admitidos, especial-mente o depoimento pessoal do réu,que desde já requer.

Dá-se à causa o valor de R$100.000,00 (cem mil reais).

Termos em que, pede e espe-ra deferimento.

Belo Horizonte, 8 de junho de2004.

Maria Beatriz Chaves Xavier,Procuradora do Trabalho

ATA DE AUDIÊNCIA

Aos 5 dias do mês de agostode 2005, às 17:10h, na sala de au-diências da 1ª Vara do Trabalho deBrasília, sob a direção do MM. Juizdo Trabalho Substituto, Dr. MárcioRoberto Andrade Brito, foram apre-goadas as partes Ministério Públicodo Trabalho, reclamante, e PanflorIndústria Alimentícia Ltda., reclama-da, para julgamento da Ação CivilPúbica n. 664/05, tendo sido profe-rida a seguinte Sentença:

I — Relatório

“Ministério Público do Trabalhoajuizou Ação Civil Pública em facede Panflor Indústria AlimentíciaLtda., alegando, em síntese: me-diante denúncia recebida viaInternet, tomou ciência de quea reclamada fornece refeições paradiversos entes públicos e, para tan-to, mantém vínculo com coope-rativas para a realização de diver-sas atividades, como forma de

reduzir custos, sonegando im-postos, encargos e direitos traba-lhistas; a denúncia foi regular-mente processada, culminandona instauração de ProcedimentoInvestigatório (PI n. 616/02), noqual a reclamada apresentou umasérie de documentos relativos àcontratação de cooperativas, re-lação de cooperados e respecti-vas atividades, os quais apresen-taram indícios de irregularidades,razão pela qual foi requisitada àDelegacia Regional do Trabalhofiscalização na ré, que além deconfirmar a ocorrência de tercei-rização irregular através de coo-perativa de trabalho, constatoutambém outras irregularidades,no tocante à jornada dos empre-gados da reclamada, autuada porprorrogar tais jornadas além dolimite legal de duas horas diáriase reduzir o intervalo intrajornadasem permissão da autoridadecompetente; determinada a ins-tauração de Inquérito Civil (n.

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146/03) e proposta a assinaturade Termo de Compromisso deAjustamento de Conduta, a rénegou-se a assiná-lo, ao funda-mento de que não havia na em-presa mais nenhum cooperado epor entender que a contrataçãodestas pessoas não fere qualquerdireito trabalhista, além de quesempre respeitou os artigos 59,61 e 71 da CLT, o que, segundoo parquet, demonstra total desin-teresse da ré em abster-se es-pontaneamente da prática ilícitaconstatada, relativa à contrataçãoirregular de mão-de-obra atravésde cooperativa de trabalho; amencionada contratação ilícita demão-de-obra tem por escopofraudar direitos trabalhistas, atra-indo a aplicação do disposto noartigo 9º consolidado; o relatóriofiscal noticia, dentre outras irre-gularidades das cooperativas, acircunstância de os ‘cooperados’contratados exercerem as maisdiversas atividades não especiali-zadas — atendimento telefônico,office-boy, recepcionista, serviçosgerais, por exemplo —, além dereceberem ordens diretamentedos sócios ou empregados da to-madora, sendo que havia empre-gados e ‘cooperados’ exercendoa mesma função na empresa.

Foram requeridas pelo autorseja a reclamada compelida aabster-se de contratar mão-de-obra por intermédio de coopera-tiva de trabalho e de manter tra-balhadores em sua atividade-fimpor empresa interposta, inclusi-ve cooperativas, ou para as ativi-dades-meio ou por intermédio de

entidades ou empresas que nãoestejam regularmente constituí-das, sob pena de multa de R$5.000,00 para cada trabalhadorencontrado lhe prestando servi-ços em situação irregular, rever-sível ao Fundo de Amparo do Tra-balhador; utilizar-se somente demão-de-obra de trabalhadoresdevidamente registrados para aprestação de serviços habituais,pessoais e subordinados, na for-ma dos artigos 2º e 3º da CLT,sob pena de multa diária de R$5.000,00 para cada trabalhadorencontrado lhe prestando servi-ços em situação irregular, rever-sível ao Fundo de Amparo do Tra-balhador; abster-se de exigir deseus empregados jornada extra-ordinária superior ao limite máxi-mo de duas horas diárias, sobpena de multa de R$ 3.000,00para cada trabalhador encontra-do lhe prestando serviços em si-tuação irregular, reversível aoFundo de Amparo do Trabalhador;conceder intervalo mínimo intra-jornada de uma hora para osempregados com jornada supe-rior a seis horas diárias e de 15minutos para aqueles com jorna-da inferior a seis horas, sob penade multa de R$ 3.000,00 paracada trabalhador encontrado lheprestando serviços em situaçãoirregular, reversível ao Fundo deAmparo do Trabalhador; indenizaro dano de natureza coletiva de-corrente da conduta ilícita reco-lhendo ao FAT a quantia de R$100.000,00.

A inicial foi instruída com osdocumentos de fls. 31/459.

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Regulamente notificada, a re-clamada apresentou defesa escri-ta, de fls. 463/510, argüindo empreliminar: ‘trancamento prelimi-nar da ação, argumentando quea ação civil pública deve ser ex-tinta, eis que falta pressupostoválido e regular de constituição doprocesso, por ter sido a denún-cia havida apócrifa e sem identi-ficação’; incompetência materialda Just iça do Trabalho paraconhecer e julgar a presente ação,que não versa sobre controvér-sia decorrente de relação de tra-balho; incompetência funcional daJustiça do Trabalho, eis que sedepreende da inicial que as viola-ções ali narradas ocorreram emmais de um Estado da Federa-ção, havendo menção expressaa cooperativas que atuavam noRio de Janeiro; inépcia da inicial,uma vez que em nenhum mo-mento da narrativa da exordialhouve a especificação do supos-to ato ilícito ou irregularidade nascooperativas, sendo que da nar-ração dos fatos não se alcança aconclusão vislumbrada pelo au-tor; carência de ação por im-possibilidade jurídica do pedidouma vez que a reclamada nãoutiliza mais cooperados, razãopela qual é devida a multa por li-tigância de má-fé; carência deação por falta de interesse de agireis que já existe processo admi-nistrativo em curso, devendo so-brestado o feito, até o desfechodo mesmo; ilegitimidade ativa doMinistério Público do Trabalho emface de inconstitucionalidade do

art. 83-III, da Lei Complementarn. 75/93, por extrapolar os limitesdo art. 129, incisos III e IX daConstituição da República; ilegiti-midade ativa do Ministério Públi-co do Trabalho, eis que os direi-tos pleiteados são individuais.

No mérito, asseverou a ré, emsuma, que os pleitos se dirigemao cumprimento de lei, em abs-trato, sob cominações não previs-tas em normas específicas; quenão há provas de que tenha ha-vido qualquer irregularidade nacontratação das cooperativas; oscooperados jamais estiveram su-bordinados a qualquer poderdiretivo, fiscalizador ou disciplinardos contratantes ou dirigentes dareclamada; não havia pessoalida-de na prestação de serviços, tam-pouco a empresa pagou saláriosa qualquer prestador de serviços;apenas dois de seus empregadosnão tiveram o intervalo intrajor-nada de uma hora; não procede aalegação do autor quanto à infra-ção do art. 59 da CLT, eis queapenas um empregado, em ou-tubro de 2003, teve uma cargahorária superior. Na hipótese deeventual condenação, protestoucontra o valor pretendido a títulode multa, impugnando, derradei-ramente, o valor dado à causa.

Com a defesa vieram aosautos os documentos de fls. 511/624, sobre os quais se manifes-tou o Ministério Público do Tra-balho às fls. 628/672.

Em audiência foi colhido o depoi-mento de uma única testemunha.

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Não havendo outras provas aproduzir, encerrou-se a instrução.

Razões finais orais.

Sem êxito as tentativas conci-liatórias.”

Às fls. 678/688, foi prolatadaa sentença.

Insatisfeitas, as partes interpu-seram Recurso Ordinário (fls. 705/755, reclamada e fls. 758/785, re-clamante).

Os recursos foram conhecidospelo eg. TRT da 3ª Região, que aco-lheu a argüição de incompetênciafuncional e determinou a remessados autos a uma das Varas do Tra-balho do Distrito Federal, nos termosda OJ n. 130 da SDI 2 do TST.

Na audiência designada, aspartes declararam não terem maisprovas a produzir.

Foi encerrada a instrução pro-cessual.

Houve oportunidade para ra-zões finais.

Impossível a conciliação.

II — Fundamentos

Tendo em vista que já houvejulgamento nos presentes autos,adoto como razões de decidir a fun-damentação utilizada pela Exma.Juíza do Trabalho Substituta Dra.Gilmara Delourdes Peixoto de Melo,nos seguintes termos:

“Das Preliminares— Do trancamento da ação —

anonimato da fonte que promo-veu a denúncia ao Ministério Pú-blico do Trabalho

A propositura de Ação CivilPública prescinde da divulgaçãoda fonte que denunciou irregula-ridades perante o Ministério Pú-blico do Trabalho, denúncia queensejou o Inquérito Administrati-vo no âmbito do parquet. Irrele-vante que o ajuizamento da pre-sente demanda tenha por ante-cedente denúncia recebida e pro-tegida pelo anonimato, na medi-da em que os procedimentos eatos investigatórios praticadospelo Ministério Público, no exer-cício de atribuição como fiscal dalei, não vinculam o juízo.

— Da competência em razãoda matéria

Discute-se nos autos a supos-ta prática de atos contrários à le-gislação trabalhista, alegando oautor da presente Ação Civil Pú-blica que a reclamada estaria seutilizando, fraudulentamente, demão-de-obra terceirizada sob asvestes de ‘cooperados’, bemcomo que vem submetendo osempregados a jornadas de traba-lho extenuantes.

A natureza dos danos cuja re-paração ora é pretendida é afetaà competência material desta Es-pecializada, estando amparadano disposto no artigo 83, II, daLei Complementar n. 75/93, emcoerência com o disposto no ar-tigo 114 da Constituição da Re-pública.

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Nesse sentido já se pronun-ciou o Supremo Tribunal Federal:

‘Competência — Ação CivilPública — Condições de Traba-lho — Tendo a ação civil públicacomo causas de pedir disposi-ções trabalhistas e pedidos vol-tados à preservação do meioambiente de trabalho e, portanto,aos interesses dos empregados,a competência para julgá-las é daJustiça do Trabalho’ (RE n. 20220-1/MG, Rel. Min. Marco Aurélio,publicado na íntegra na RevistaLTr 05/628-630).

— Da inépcia

A pretensão do autor decorrecom lógica e coerência da narra-tiva fática, tanto que possibilitouà reclamada produzir ampla de-fesa, valendo-se do pleno contra-ditório. Cada um dos pedidos foiobjeto de impugnação específica,o que, por si só, afasta a hipóte-se de inépcia da inicial. Houve oenquadramento fático correspon-dente a cada uma das tutelas re-queridas, não havendo que sefalar em inépcia.

— Carência de ação — impos-sibilidade jurídica do pedido

Em sede de preliminar argu-menta a reclamada que não maispossui cooperados em Belo Ho-rizonte, de modo que a ação te-ria perdido o objeto.

Carência de ação por impos-sibilidade jurídica do pedido su-põe a existência de expressavedação legal para o manejo dedeterminação demanda, o quenão se verifica na hipótese dos

autos em que o Ministério Públi-co do Trabalho, no exercício dafunção institucional que lhe con-fere o artigo 129, III, da Consti-tuição da República, move AçãoCivil Pública objetivando coibirpráticas ilegais e lesivas aos di-reitos dos trabalhadores. A práti-ca atual da conduta que ora sepretende coibir diz respeito aomérito propriamente dito e neleserá enfrentada.

— Carência de ação — inte-resse de agir

O interesse de agir é represen-tado pelo binômio necessidade eutilidade do provimento jurisdi-cional que se encontram presen-tes no caso sob exame. A resis-tência da reclamada legitima apropositura da ação pelo Parquetque se socorre, então, do PoderJudiciário, via própria para quepossa legitimamente exigir a ces-sação das irregularidades apon-tadas, bem como, obter a repa-ração dos supostos danos.

Sem razão a reclamada quan-do afirma que o manejo destaação teria por objetivo criar maisuma sanção por descumprimen-to da norma (multa cominatória)via decreto judicial. A previsãogenérica de multas aplicáveis emsede administrativa, evidente-mente, não retira do Estado Juiza competência para dirimir osconflitos de natureza coletiva edifusa, consumados ou que es-tejam em risco de vir a ser.

A atuação do Poder Judiciárionão se restringe a reparar lesões

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já perpetradas, mas sobretudoprevenir os danos, coibindo todae qualquer conduta lesiva dosdireitos, na espécie dos trabalha-dores, em total coerência com osprincípios assentados constitucio-nalmente — direito de demandardiante da ameaça de lesão a di-reito (artigo 5º, XXXV da Consti-tuição da República).

— Da preliminar de ilegitimi-dade ativa ad causam do MPT

A legitimidade do MinistérioPúblico do Trabalho está assegu-rada nos artigos 127 e 129, III,da Magna Carta; 6º, VII, a e d e83, III, da Lei Complementar n.75/93. Esta Lei orgânica do Mi-nistério Público confere ao Minis-tério Público do Trabalho a atri-buição para promover a ação ci-vil pública no âmbito da Justiçado Trabalho, quando desrespei-tados direitos sociais constitu-cionalmente garantidos.

Pretende o autor fazer cessara alegada prática de contrataçãomediante cooperativa, bem como,obstar a exigência de labor emsobrejornada em evidente prejuí-zo à saúde dos trabalhadores.Em suma, o que se busca é res-guardar direitos sociais, quer seenquadrem estes na definição dedireitos individuais homogêneos,coletivos ou difusos.

Quando se pretende coibir acontratação mediante ‘cooperati-va’, estamos diante dos direitoscoletivos, na acepção técnica,isto é, ‘transindividuais e indivisí-veis’, compreendendo um ‘grupo,classe ou categoria de pessoasligadas entre si ou com a parte

contrária por uma relação jurídi-ca base’ (artigo 81, parágrafo úni-co, II do CDC). Da mesma formaem relação ao trabalho em sobre-jornada exigido de um contingentede trabalhadores que estão vin-culados pelo mesmo empregador,direito que podem ser definidoscoletivamente em juízo na medi-da em que estão assentadosnuma relação jurídica comum.

Por outro lado, os direitos in-dividuais homogêneos são perfei-tamente defensáveis pela via daação coletiva pelo Ministério Pú-blico. Esta legitimidade para pro-mover a defesa dos direitos indi-viduais homogêneos deve serapreendida dentro do contextoem que tal categoria foi introdu-zida no ordenamento jurídico bra-sileiro, isto é, a partir da vigênciado Código de Defesa do Consu-midor (1990).

Considerando o marco divisó-rio da vigência do Código deDefesa do Consumidor, não sepoderia exigir que o texto consti-tucional se referisse expressa-mente aos ‘direitos individuaishomogêneos’ cuja inserção noordenamento jurídico teve porinspiração as class action dodireito americano, em momentoposter ior à promulgação daConstituição da República. Nãoobstante, o legislador consti-tuinte, de modo expresso, confe-riu ao Ministério Público a possi-bilidade de exercer todas as atri-buições compatíveis com o seuperfil, mediante lei ordinária (in-ciso IX do artigo 129 da Consti-tuição da República).

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Enfim, a legitimidade ativa éconferida, no plano constitucio-nal, nos artigos 8º, II e 129, III,da Constituição da República e noplano da lei ordinária pela Lei deAção Civil Pública, artigo 5º, arti-go 82 do Código de Defesa doConsumidor e artigo 3º da Lei n.8.073/90. Frise-se trata-se de le-gitimação quali f icada porquedecorre do texto constitucional,da fonte na qual se assentam edevem se conformar todas as de-mais normas.

Rejeito a preliminar.

No Mérito

— Da inconstitucionalidade doartigo 83, III, da Lei Complemen-tar n. 75/93

Rejeito a argüição de incons-titucionalidade do inciso III do ar-tigo 83 da Lei Complementar n.75/93, pois a defesa de interes-ses coletivos está em coerênciacom as atribuições conferidas emsede constitucional ao MinistérioPúblico. E no exercício desta atri-buição como agente ativo o Mi-nistério Público exercita funçãoinstitucional que lhe é própria einerente, não havendo que se fa-lar em legitimação extraordinária(inciso III do artigo 129 da Cons-tituição da República).

— Da contratação de mão-de-obra para atividades-fim e meiomediante cooperativa

Em defesa admitiu a reclama-da ter se utilizado da prestaçãode serviços por intermédio decooperativa, argumentando, noentanto, que esta prática já teriasido abolida.

Reconhece a reclamada ter seutilizado irregularmente da mão-de-obra via cooperativa, sendoque o singelo argumento de quedeixou de assim proceder nãonos permite concluir que não iráreincidir na conduta lesiva.

Ora, a tutela requerida é decunho inibitório e assim permitirámaior efetividade no resguardodos direitos sociais, daí a proce-dência do pedido.

Acresça-se a isso o fato deque restou comprovado em juízoa utilização abusiva da mão-de-obra via cooperativa, em totaldesvirtuamento dos fins sociaispara os quais foi instituída. Comefeito, a única testemunha trazidapela reclamada, ouvida, aliás,como mera informante, revelou:

‘a reclamada se utilizava decooperados na área de suportede informática e em serviços deadministrativos, de início de 2002até outubro de 2003; que algunsdos que prestavam serviçoscomo cooperados passaram atrabalhar registrados como em-pregados, com CTPS assinada,por uma decisão administrativaque envolvia custos e desempe-nho dos profissionais; ... de cer-ca de quarenta empregados doescritório da reclamada, vinteeram cooperados e cerca de vin-te tinham a CTPS assinada; ... aprincipal diferença entre o traba-lho prestado como cooperado edepois como empregado diretoda reclamada, segundo o depo-ente, é que antes o cooperadotrabalhava apenas na matr iz,

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após ter sido registrado passoua trabalhar também nas filiais,inclusive viajando’ (fls. 673/674,grifos meus).

Esclareça-se que de acordocom os atos estatutários, em BeloHorizonte a reclamada mantémapenas serviços administrativosde escritório e nesse âmbito acompetência para dizer o direitoé desse juízo. E diante das infor-mações trazidas pela testemunhaJoaquim Edmundo resta eviden-te que a reclamada se utiliza abu-sivamente da intermediação demão-de-obra com evidente pro-pósito de reduzir custos, o que seimpõe seja coibido pelo Judiciá-rio ad futurum.

Releva notar que a reclamadanão se intimidou após a fiscali-zação e autuação realizada pejaDelegacia Regional do Trabalho,tampouco após ter sido intimadaa prestar esclarecimentos peran-te o Ministério Público. Com efei-to, o procedimento investigativoperante o Ministério Público re-monta ao ano de 2002 (PI n. 616/2002), assim como a autuação defl. 253 lavrada pela DelegaciaRegional do Trabalho data demaio/2003. Não obstante ter sidoadvertida acerca das irregularidades,constata-se que até março/2004,a reclamada vinha se utilizandode mão-de-obra sob a forma ilí-cita de ‘cooperativa’, conformedocumento que veio aos autos, apropósito, com a peça de defesa.Esta resistência da reclamadacausa perplexidade e enseja aadoção de medidas eficazes há-beis a impedir que reincida, fican-

do, assim, efetivamente resguar-dados os direitos sociais que con-fessadamente violou.

À vista do exposto, julgo proce-dentes os pedidos de letras a, b ec para determinar à reclamada:

— que se abstenha de contra-tar mão-de-obra por intermédiode cooperativa, sob pena de mul-ta equivalente a R$ 3.000,00 (trêsmil reais), devida para cada tra-balhador que for encontrado pres-tando serviços em situação irre-gular, a reverter em favor do FAT— Fundo de Amparo do Trabalha-dor, ou em benefício dos cofres daUnião Federal, valor que seráobjeto de correção pelos índicesdos demais créditos trabalhistas,desde o ajuizamento da ação;

— que se abstenha de mantertrabalhadores em atividade-fimcontratados através de interpos-tas pessoas físicas ou jurídicas,sobretudo cooperativas de traba-lho, ou para as atividades-meioou fim por intermédio de entida-des ou empresas que não este-jam constituídas nos termos da:legislação em vigor (Leis ns.6.019/74, 7.102/83 e Enunciadon. 331/TST), sob pena de multaequivalente a R$ 3.000,00 (trêsmil reais), para cada trabalhadorque vier a ser encontrado pres-tando serviços nas referidas con-dições irregulares, a reverter emfavor do FAT — Fundo de Ampa-ro do Trabalhador, ou em bene-fício dos cofres da União Federal,valor que será objeto de correçãopelos índices dos demais crédi-tos trabalhistas, desde o ajuiza-mento da ação;

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— que se utilize de mão-de-obra de trabalhadores devida-mente registrados para a pres-tação de serviços habituais, pes-soais e subordinados, na formados artigos 2º e 3º da CLT, sobpena de multa de R$ 3.000,00(três mil reais), a reverter em fa-vor do FAT — Fundo de Amparodo Trabalhador, ou em bene-fício dos cofres da União Federal,valor que será objeto de correçãopelos índices dos demais crédi-tos trabalhistas, desde o ajuiza-mento da ação.

Saliente-se que as multas orasão fixadas com o propósito deque a reclamada não reincida naprática irregular, lesionando ou-tros trabalhadores que ficam àmargem da proteção previdenciá-ria, em detrimento, ainda, dosencargos sociais e fiscais. Semfalar, ainda, que se trata de em-presas que participação de licita-ção pública, concorrendo comdeslealdade com as demais pes-soas jurídicas quando deixa decumprir a legislação trabalhista,em evidente distorção dos prin-cípios sobre os quais se funda aRepública Federativa do Brasil.

— Do trabalho em sobrejornada

A tutela pretendida no tocanteà jornada de trabalho é perfeita-mente compatível com a atribui-ção institucional do parquet, a serexercida legitimamente no âmbi-to da ação coletiva.

É sabida a proporção de aci-dentes do trabalho relacionada di-retamente com a submissão dotrabalhador a jornadas exausti-

vas, daí o interesse coletivo edifuso ora defendido pela institui-ção que, constitucionalmente,detém a atribuição de promovera ‘defesa da ordem jurídica, doregime democrático e dos inte-resses sociais e individuais indis-poníveis’. A lesão, in casu, nãosó pode como deve ser tuteladana modalidade de ação coletivaatravés do Ministério Público.

Não obstante superada asquestões preliminares, as provascolhidas não nos permitem concluirque a reclamada esteja efetiva-mente se valendo de modo abusivodo trabalho em sobrejornada.

Os cartões de ponto trazidoscom a defesa, por si só, não con-firmam exigência irracional do tra-balho em sobrejornada, consta-tando-se que, não raro, o laborextraordinário foi compensadocom folga no dia subseqüente, asugerir a adoção do regime decompensação de jornada.

No que respeita ao intervalointrajornada, da mesma forma,praticamente todos os controlesde ponto, quer mecânicos, quereletrônicos, acusam a fruição re-gular do intervalo para refeição.

A autuação procedida pelaDelegacia Regional do Trabalho,por si só, não prescinde da con-firmação dos fatos lesivos peran-te o Poder Judiciário. É certo queo ato da administração públicaque, no exercício do poder exe-cutivo, autua e multa, goza depresunção de veracidade e legi-timidade. Esta presunção nãosupre, no entanto, a comprova-

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ção dos fatos judicialmente, como devido contraditório, sagrado di-reito constitucional.

No caso dos autos, hão de serconsiderados os controles de jor-nada juntados às fls. 524/574, osquais, frise-se, registram folgascompensatórias de trabalho ex-tra e regular gozo do intervalopara refeição e descanso.

Improcedem, assim, os pedi-dos de letras d e e.

— Do pedido de indenizaçãopor dano de natureza coletiva

Provado nos autos que a re-clamada se utilizou indevidamen-te de mão-de-obra via ‘coopera-tiva’ apenas para reduzir custos,em fraude à lei trabalhista, assimagindo entre 2002 a 2003 e mes-mo após ter sido advertida e au-tuada pelos agentes públicos in-vestidos dos poderes específicos,condeno-a a pagar indenizaçãopelo dano de natureza coletivaque causou no importe de R$10.000,00 (dez mil reais), valorque deverá ser destinado aoFundo de Amparo do Trabalhadorpara que não mais reincida naprática das irregularidades. Ovalor ora é fixado em considera-ção ao número de trabalhadoresque lhe prestam serviços no âm-bito desta jurisdição, mostrando-se assim compatível com o con-tingente de mão-de-obra e custoque representa. Ademais, o intui-to do Poder Judiciário é que sefirme a consciência acerca dos di-reitos sociais. A punição por simesma não constitui o fim último,mas apenas dela se faz neces-

sária para que se alcance o efei-to pedagógico e se evitem novaslesões que certamente poderiamdesaguar em múltiplas demandasindividuais, assoberbando o Po-der Judiciário, incapaz de resti-tuir ao trabalhador a força de tra-balho já despendida.

— Da multa por litigância demá-fé

Não há que se falar em litigân-cia de má-fé, tendo sido exercidoo direito de ação nos l imitesdo sagrado direito constitucional.

— INSS e IRRF

Considerando as parcelas ob-jeto da condenação, não há re-colhimentos previdenciários e fis-cais a comprovar nos autos.

— Juros de mora e correçãomonetária

Incidem juros de mora a con-tar do ajuizamento da ação e cor-reção monetária a partir do 5º diaútil do mês seguinte ao vencido,nos termos da Lei n. 8.177/91 eSúmula n. 1, do TRT/3ª Região.”

III — Dispositivo

Este Juízo rejeita as prelimi-nares argüidas e julga ParcialmenteProcedente a ação civil pública ajui-zada pelo Ministério Público do Tra-balho contra Panflor Indústria Ali-mentícia Ltda., condenando esta acumprir as obrigações de fazer de-terminadas às fls. 9/10, bem comoa pagar a indenização por dano denatureza coletiva, no prazo legal, nostermos da fundamentação supra.

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Custas processuais pela recla-mada, no importe de R$ 200,00,calculadas sobre R$ 10.000,00, va-lor arbitrado à condenação para finsde recurso.

Clientes a reclamada nos ter-mos da Súmula n. 197 do TST.

Intime-se o Ministério Públicodo Trabalho, por mandado.

Márcio Roberto Andrade Brito,Juiz do Trabalho Substituto

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AÇÃO CAUTELAR — TRABALHO EM CONDIÇÕESANÁLOGAS À DE ESCRAVO — PEDIDO DE

INSPEÇÃO JUDICIAL E DE BUSCA E APREENSÃO —DANO MORAL COLETIVO E INDIVIDUAL —

ACORDO JUDICIAL DURANTE A INSPEÇÃO —TRANSAÇÃO PENAL EM AUDIÊNCIA TRABALHISTA

(PRT 12ª REGIÃO)

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DA VARA DO TRABALHO DEINDAIAL/SC

Ação Cautelar de Produção Antecipada de ProvaRequerente: Ministério Público do TrabalhoRequerido: Conservadora Ouro Verde Ltda. — ME

O Ministério Público do Traba-lho — Procuradoria Regional do Tra-balho da 12ª Região, por seus Pro-curadores signatários, no uso de suasatribuições legais, ajuízam, com fun-damento nos arts. 127 e 129 daConstituição da República; arts. 4ºe 5º, caput, da Lei n. 7.347/85; arts.440, 798 e 799 do Código de Pro-cesso Civil, e arts. 1º, 6º, XIV, e 83,I, da Lei Complementar n. 75, de20.5.93 (Lei Orgânica do MinistérioPúblico da União), a presente AçãoCautelar Inominada em face deConservadora Ouro Verde Ltda. —ME, com sede na Rua Evaristo Lo-

pes Dutra, 1.078 — Bairro Itajubá,Barra Velha — SC, com base na de-núncia carreada em anexo e pelosfundamentos de fato e de direito quea seguir passa a elencar.

I — DOS FATOS

1. Em data de 26.7.2005, foirecebida neste Ministério Público es-pecializado, denúncia de exploraçãode trabalhadores em condições queindicam prática análoga à escravi-dão, a saber:

— truck-system (servidão pordívida);

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— falta de alojamento (traba-lhadores dormindo no chão);

— comida estragada;

— não pagamento de saláriosnem de verbas rescisórias;

— trabalho sem registro;

— aliciamento (trabalhadorestrazidos do Paraná);

— falta de meios para saídado local.

A exploração se daria em imó-vel rural localizado em Encano Alto(após o Bar e Cancha da Ivete), cer-ca de 25 quilômetros da cidade deIndaial.

Pelo relato, trabalhadores per-manecem no local, sendo prementea necessidade de averiguação dosfatos para as providências cabíveis.

E para o Juízo se inteirar me-lhor dos fatos, é conveniente a pre-sença do Magistrado in loco, até paramelhor embasamento da decisãoque se entender por bem adotar, etambém para a preservação da pro-va, vez que após a retirada dos tra-balhadores, difícil será encontrá-lospara prestarem seus depoimentos.

II — DO DIREITO

2. O art. 440 do CPC (de apli-cação subsidiária, a teor do art. 769da CLT), diz que “o juiz, de ofício oua requerimento da parte, pode, emqualquer fase do processo, inspe-cionar pessoas ou coisas, a fim dese esclarecer sobre fato, que inte-resse à decisão da causa”.

Para tal medida, prevê o art.442 do referido Diploma Legal as se-guintes possibilidades:

— necessidade para melhorverificação ou interpretação dos fa-tos que deve observar;

— a coisa não puder ser apre-sentada em juízo, sem consideráveisdespesas ou graves dificuldades;

— determinar a reconstituiçãodos fatos.

E qualquer dos motivos acimapode ser usado para a realização dainspeção, sendo que, na espécie,tem-se a presença dos três, já quea cautela requerida demanda a visi-ta ao local para melhor verificaçãoou interpretação dos fatos, bem as-sim sua reconstituição, o que nãopoderá ocorrer a posteriori sem con-sideráveis despesas ou graves difi-culdades, seja por que os trabalha-dores retirados não costumam terendereço fixo para serem localiza-dos, seja por que a fazenda, comorelata denúncia, é de difícil acesso,e logo se poderá desconstituir o am-biente e as condições de trabalho.

Ademais, trata-se de um pro-blema social premente que merecea devida atenção, com urgência, va-lendo a presença in loco do Juizcomo verdadeiro lenitivo para apreocupação das pessoas explora-das quanto ao recebimento de seusdireitos, retirada da fazenda e retor-no para seus lares.

Não se pode olvidar, também,que, mesmo em se tratando dedenúncia anônima, o Ministério Pú-blico e o Poder Judiciário têm o

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poder-dever de tomar as medidasnecessárias para a repressão ime-diata e eficaz da nociva prática deexploração de trabalho em condi-ções análogas à escravidão.

Neste sentido, a medida nãotrará prejuízo à parte, e realizada nolocal da prestação de serviços, pos-sibilitará ao requerido seu acompa-nhamento, sendo hipótese de extre-ma importância para o resgate dosfatos segundo a verdade real, o queinteressa para todos, procedente ounão a denúncia, ante a gravidade desua repercussão.

Neste compasso, a cautela re-querida é medida que se impõe parapreservação da prova e futuras me-didas que haverá de tomar o Minis-tério Público, ato esse afeto ao podergeral de cautela ínsito aos Magis-trados e contido nos arts. 798 e 799do CPC, que pode ser usado sem-pre que houver ameaça a direito epossibilidade de lesão irreparável.

Do Fumus Boni Iuris

3. A fumaça do bom direitovem caracterizada na própria de-núncia, pela riqueza e detalhamen-to dos fatos que relata, todos indi-cativos de graves lesões ao orde-namento jurídico.

O convívio pacífico em socie-dade e o atual estágio da civilizaçãonão toleram mais a perturbação daordem pública com atos repugnan-tes como o denunciado, no trato comtrabalhadores, que promove, além dafrustração de direitos trabalhistas,grave violação a direitos humanos.

Sobressai, na situação, a faltade registro em CTPS dos obreiros eo não-pagamento de salários, fatospor si só relevantes para efeito dopedido desta actio, já que os ele-mentos probatórios que se buscapreservar são de suma importânciaao deslinde da quaestio.

Assim, o fumus boni iuris con-siste na necessidade de preserva-ção das provas e melhor embasa-mento da decisão judicial que o casorequer, de forma a assegurar que osempregados recebam o pagamentode seus direitos trabalhistas e ver-bas rescisórias, havendo crédito denatureza alimentar do qual depen-dem estes trabalhadores e suas fa-mílias para sobreviver, até mesmoem face da dura realidade de de-semprego que terão de enfrentar,em que pesem os esforços que se-rão envidados para promover a suareinclusão social.

Do Periculum in Mora

4. O perigo da demora se con-substancia na possibilidade de lesãoirreparável aos direitos das pessoasno local e às medidas que o Minis-tério Público entender cabíveis emdefesa do interesse público existen-te na matéria e dos interesses so-ciais dos trabalhadores.

Todos os fatos já expostos napresente ação indicam a prementenecessidade de resposta judicialpara a manutenção da ordem jurídi-ca, garantia de que os direitos tra-balhistas inadimplidos serão devida-mente satisfeitos, até para respeito

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ao Poder constituído e ao regime de-mocrático de direito, que restarão in-delevelmente violados se o antijurí-dico comportamento supra-relatadoestiver acontecendo.

Ademais, ressalte-se, uma vezmais, que a retirada dos trabalha-dores do local impossibilitará umcontato do Magistrado com a real si-tuação em que viviam os obreiros,eis que, como sói acontecer na maio-ria dos casos do gênero, uma gran-de parte dos mesmos não têm en-dereço fixo, o que dificultará sobre-maneira sua oitiva posterior, aliadoao fato de que alguns deles foramarregimentados no vizinho Estadodo Paraná.

Ainda, de difícil avaliação seráas condições de trabalho vivencia-das no local se tal não for efetuadoin loco.

Assim, a medida é de caráterurgente e não pode esperar a in-timação da parte contrária, pois,frise-se, a partir do momento em quea fiscalização retirar os trabalhado-res do local, o mesmo certamentesofrerá substanciais alterações quepoderão comprometer a atuaçãoMinisterial.

III — DO PEDIDO

5. Diante do exposto, requer oMinistério Público:

— a realização de audiênciade justificação prévia com a oitivadas testemunhas abaixo arroladas;

— o deferimento in limine dacautela ora requerida, de forma inau-dita altera pars, com o deslocamen-

to do Juízo para o local dos fatos, afim de proceder à inspeção judiciale à coleta de elementos fático-pro-batórios, a título ad perpetuam reimemoriam, evitando-se, pois, o pe-recimento da prova, e possibilitan-do à Justiça decisões de cunho prá-tico para a resolução dos problemassupradescritos.

— a busca e apreensão, no lo-cal, de todos os elementos necessá-rios para futuras medidas do Minis-tério Público, tais como cadernos deanotações, recibos, vales etc., enfim,tudo que se entender, no ato da dili-gência, pertinente como prova;

— posteriormente à realizaçãoda diligência, expedição de man-dado de citação ao requerido, porOficial de Justiça, para, querendo,responder à presente ação, sobpena de revelia;

— afinal, a condenação do de-mandado no pagamento de custasprocessuais e demais cominaçõesde estilo;

— a intimação pessoal do Mi-nistério Público de todos os atos pro-cessuais, mediante o encaminha-mento dos autos com vista, de acor-do com os arts. 236, § 5º, do CPC,art. 41, IV, da Lei n. 8.625/93, art.18, II, h, c/c art. 84, IV, da LOMPU,na forma da determinação contidano Provimento n. 4/2000, da ilustra-da Corregedoria-Geral da Justiça doTrabalho;

— a produção de provas es-pecíficas para os fins desta actio portodos os meios admitidos em Direi-to, inclusive perícias e outras inspe-ções judiciais, se necessário.

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Embora os direitos em ques-tão sejam inestimáveis, atribui-se àcausa, para fins fiscais e de alçada,o valor de R$ 50.000,00 (cinqüentamil reais).

Nestes termos,

Requer deferimento.

De Florianópolis para Indaial,em 27 de julho de 2005.

Marcelo J. Ferlin D’Ambroso,Procurador do Trabalho.

Jaime Roque Perottoni, Pro-curador do Trabalho.

Rol de Testemunhas:1. Alcides Mendes de Oliveira.

2. Edinaldo Mendes de Oliveira.

3. João Maria Vaz.4. Joani Vaz.

AUTOS MCAP 00965-2005-033-12-00-0Requerente: Ministério Público do TrabalhoRequerida: Conservadora Ouro Preto Ltda. — ME

AUTO DE VERIFICAÇÃO E INSPEÇÃO JUDICIAL

Aos vinte e nove dias do mêsde julho do ano de dois mil e cinco,por volta de 10:00 horas, dirigiram-se ao local mencionado na MCAPacima identificada, o Exmo. Juiz Ti-tular desta Unidade Judiciária, Dr.Reinaldo Branco de Moraes, o Exmo.Procurador do Trabalho, Dr. Mar-celo J. Ferlin D’Ambroso, PolíciaFederal, sob o comando do Dele-gado da Polícia Federal, Sr. AnnibalWust do Nascimento Gaya, bemcomo o Diretor de Secretaria destaUnidade Judiciária, Edwin Krautler,para realização dos atos menciona-dos na decisão de fls. 10 dos autos.A diligência foi também acompanha-da pela Delegacia Regional do Tra-balho, mediante comparecimentopessoal de um médico do trabalho,Dr. Itamar de Oliveira Vieira, de umengenheiro do trabalho, Sr. RicardoBessa Albuquerque e de dois Audi-

tores Fiscais do Trabalho, Sr. Fran-cimar Alves Celestino e Sr. RogérioRangel.

Efetuada a diligência junto àlocalidade de Ribeirão Espinho, Bair-ro Encano Alto, na cidade de Indaial/SC, constatou-se que a fazenda éde propriedade da empresa KarstenS/A e no local estava o sócio da em-presa Conservadora Ouro VerdeLtda., CNPJ 74.129.917/0001-27,Sr. Francisco Gonçalves dos Santos,RG 3.324.319-7 — SSP-PR, haven-do no local dois empregados da em-presa Karsten S/A, sendo um deleso encarregado-geral e o tratorista etodos os demais empregados daConservadora Ouro Verde Ltda.

Houve a constatação de irre-gularidades conforme Termo Cir-cunstanciado emitido pelo Dele-gado da Polícia Federal, relativo ao

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caput do artigo 203 do Código Pe-nal e artigo 19, § 2º da Lei n. 8.213/91, além de Autos de Infração e deTermos de Notificação emitidos pelaDelegacia Regional do Trabalho e,dentre elas:

a) inexistência de condiçõesde conforto e higiene por ocasiãodas refeições, sendo que os traba-lhadores se alimentam ao ar livre,sem proteção contra intempéries;

b) deixar de garantir serviço deprivadas por meio de fossas adequa-das ou outro processo, que não afe-te a saúde pública;

c) deixar de garantir o forneci-mento de água potável, em condi-ções higiênicas e permitir o uso derecipientes coletivos, sendo a águafornecida obtida em fontes naturais;

d) deixar de promover todosos operadores de motosserra trei-namento para utilização segura damáquina na derrubada e cor tede eucalipto;

e) deixar de manter abrigopara proteger os trabalhadores con-tra intempéries nos trabalhos a céuaberto;

f) deixar de oferecer alojamen-tos que apresentem adequadas con-dições sanitárias aos trabalhadoresque residem no local de trabalho,sendo constatado que o alojamentoutilizado pelos trabalhadores que re-sidem no local de trabalho possuembeliches com três camas na mesmavertical, não possuem armários in-dividuais para guarda de objetospessoais, não possuem recipientespara coleta de lixo, não possuem hi-

gienização permanente e em umdeles não há janela suficiente parauma boa ventilação e arejamento.

Em relação à empresa Kars-ten S/A, foi lavrado Auto de Infra-ção, em decorrência de deixar deadotar as providências necessáriaspara acompanhar o cumprimentopelas empresas contratadas queatuam no seu estabelecimento, dasmedidas de segurança e saúde notrabalho.

O requerente postulou a emendada petição inicial para incluir no pólopassivo a empresa Karsten S/A, pes-soa jurídica de direito privado, comendereço na Rua Johann Karsten,260, Bairro Testo Salto, CEP 89074-700, em Blumenau/SC, com base noinciso IV da Súmula n. 331 do C. TSTe em decorrência de ser a benefi-ciária da prestação dos serviços eproprietária da Fazenda em queconstatados os fatos relatados aci-ma.

Defiro o requerimento acima,determinando a inclusão no pólopassivo como segunda requerida daempresa nominada no parágrafoanterior.

Todos os Autos de Infração eTermos de Notificação seguem apósesta ata, inclusive o Termo Circuns-tanciado supramencionado, tudomediante fotocópia.

Enquanto estavam sendo la-vrados os Autos de Infração e Ter-mos de Notificação compareceramno local, representando a empresaKarsten S/A, os Srs. Marco AntonioScroferneker, Nilberto Loos (OAB/SC 1.879) e Gilberto O. Iten, sendo

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as requeridas citadas na ocasião e,exposto às requeridas a situação en-contrada, houve composição entreo Ministério Público do Trabalho e aempresa Karsten S/A, assim comoem face da empresa ConservadoraOuro Verde Ltda., nos termos abai-xo consignados:

1. Abster-se de inserir ou to-mar em serviço (vínculo emprega-tício) menores de 16 (dezesseis) anos,salvo na condição de aprendiz (art.7º, XXXIII, da Constituição Federalde 1988 e arts. 424 e segs. da CLT);

2. Abster-se de colocar me-nores de 14 (quatorze) anos no tra-balho;

3. Observar, quando empregarmenores aprendizes, na forma dacláusula 1, todas as disposições nor-mativas concernentes ao trabalho doadolescente, considerando, em es-pecial, o respeito à sua condição pe-culiar de pessoa em desenvolvimen-to; vedação do trabalho noturno, pe-rigoso, insalubre ou penoso, ou rea-lizado em locais prejudiciais à suaformação e ao seu desenvolvimen-to físico, psíquico, moral e social ouem horários e locais que não permi-tam a freqüência à escola (art. 67do ECA); ênfase à educação/com-plementação do ensino, profissiona-lização e proteção do trabalho, sobtodos os aspectos; jornada de ativi-dade compatível com o horário es-colar; aprendizado social, profissio-nal e cultural pela participação emsituações reais de vida e trabalho deseu meio (art. 2º do Decreto n. 87.497/82); garantia de ingresso e trabalhoprotegido do adolescente portadorde deficiência (art. 66 do ECA); ga-

rantia dos direitos trabalhistas e pre-videnciários ao adolescente apren-diz (art. 65 do ECA);

4. Observar todas as normaspertinentes à segurança, medicinae higiene do trabalho, em especialos arts. 162, 166, 167 e 200, VII, daCLT, regulamentados, respectiva-mente, pelas NR’s 04, 05, 06, 07,09, 12, 21, 24 e 31, estabelecendoo regular fornecimento de equipa-mentos de proteção individual (EPI’s),água potável, etc.;

5. Não efetuar descontos a tí-tulo de ferramentas de trabalho (fa-cão, enxada, picareta, foice, limas,etc.), cujo fornecimento deverá sergratuito, nos termos do ar t. 458,§ 2º, da CLT, assim como combustí-vel para as motosserras e equipa-mentos de proteção individual (comobotas, capacetes, botinas, capace-tes, protetores auriculares, luvas,óculos, etc.);

6. Observar o § 5º do art. 9º daLei n. 5.889/73 (com a redação da Lein. 9.300/96), acerca da cessão demoradia e infra-estrutura básica, as-sim como bens destinados à produ-ção para subsistência do trabalha-dor e de sua família;

7. Efetuar os depósitos relati-vos ao FGTS de seus empregadosna forma da Lei n. 8.036/90;

8. Pagar, a todo e qualquerempregado que se encontre na Fa-zenda, imediata e independente-mente da produtividade de cada tra-balhador, inclusive menores a quemse permite o trabalho (somente aci-ma de 16 anos), pelo menos um sa-lário mínimo legal em vigor, sem pre-

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juízo da obrigação de pagar valormaior previsto em eventual acordoou convenção coletiva de trabalho;

9. Não efetuar qualquer des-conto salarial, salvo os previstos emlei, admitindo-se desconto em de-corrência da alimentação se forne-cida pelo próprio Réu, e desde queobservado, rigorosamente, quanto àquantidade e qualidade do alimen-to, o disposto no art. 9º, b, § 1º, daLei n. 5.889/73;

10. Não exigir dos obreirosprodutividade nem a realização deserviços superiores às possibilida-des humanas, dentro da jornadanormal de trabalho, garantindo-se apercepção de não menos que umsalário mínimo legal ao mês, eximin-do-se de considerar como dia nãotrabalhado aquele em que o obreironão alcançar a produção mínima;

11. Fornecer aos empregados,com fartura e sob condições higiê-nicas, água potável, própria ao con-sumo humano, nos termos da legis-lação, inclusive copos individuais;

12. Obedecer rigorosamente ajornada máxima diária e semanal detrabalho, nos termos do art. 7º, XIII,da Constituição Federal, bem comodos intervalos para repouso e ali-mentação (art. 5º da Lei n. 5.889/73), remunerando o que excedercomo horas extras e observando oadicional constitucional mínimo;

13. Em havendo necessidadede transporte dos trabalhadores,utilizar veículos próprios para a aco-modação de seres humanos, emcondições de segurança, higiene elotação normal;

14. Providenciar alojamentosem quantidade suficiente e em con-dições de utilização pelos trabalha-dores, atentando para o que dispõeo art. 200, V e VII, da CLT;

15. Fornecer, de pronto e efe-tivamente, os Equipamentos de Pro-teção Individual (EPI’s) aos empre-gados, nos termos da legislação tra-balhista e de conformidade com aregulamentação pertinente, tudo vi-sando à prevenção de acidentes dotrabalho;

16. Prevenir acidentes, provi-denciando o controle das ocorrên-cias e os primeiros socorros aos tra-balhadores que, eventualmente, se-jam acidentados no serviço;

17. Não praticar qualquer atocerceador da liberdade de ir e vir dostrabalhadores, omitindo-se, em es-pecial, de reter a pessoa do empre-gado na fazenda ou em serviço porconta de eventuais “dívidas”;

18. Não impedir o exercíciodos direitos sindicais em seus do-mínios, de molde que seus empre-gados possam se sindicalizar (oudesfiliar) livremente e que os dirigen-tes sindicais da categoria profissio-nal correspondente tenham acessoà Fazenda;

19. Não praticar coação e/ouagressões físicas em relação aos tra-balhadores, sejam elas provenientesde prepostos, capatazes, policiais oucapangas, especialmente para queos atos relativos às relações laborais(admissão, prestação de serviços,dispensa, pagamentos, etc.), sejamlevados a efeito sem a presença inti-midatória de tais elementos;

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20. Não obrigar os empregadosa assinarem documentos que nãoquiserem, assim como a colocaçãode impressão digital quando se tra-tarem de analfabetos e silvícolas;

21. Não fornecer bebida alcoó-lica e cigarros aos trabalhadores desua Fazenda, nem tampouco permi-tir a comercialização nas dependên-cias de sua propriedade;

22. Efetuar o seguro contraacidentes de trabalho de todo e qual-quer trabalhador que venha a con-tratar para labor em sua fazenda;

23. Providenciar kit de primei-ros socorros que atenda às neces-sidades do local e a legislação per-tinente;

24. Abster-se de, por qual-quer forma, limitar a liberdade dosseus empregados de dispor do seusalário;

25. Não utilizar mão-de-obradecorrente de “falsas empreitadas”,para prestação de serviços na fazen-da (aceiro, roçado, desmate, cortede pinus, coroamento, desbaste,etc.), especialmente quando presen-tes os requisitos configuradores dovínculo empregatício;

26. Registrar devidamente seusempregados, na forma dos arts. 29e seguintes da CLT;

27. Abster-se de tomar servi-ços, a qualquer título, de qualquerempresa, pessoa física ou entidadesterceiras, para realização de sua ati-vidade-fim, bem como de outras li-gadas à atividade-meio, salvo noscasos de serviços de vigilância, con-servação e limpeza, bem como a de

serviços especializados ligados àatividade-meio da tomadora, desdeque inexistente a pessoalidade e asubordinação direta, nos termos daSúmula n. 331, do Colendo TribunalSuperior do Trabalho;

28. Abster-se da prática de pa-gamentos de salários sem registro(salário por fora), incluindo na folhade pagamento todos os valores ob-jeto da remuneração, assim como aapresentação ao Juízo até 31.8.2005de planilha contendo a produção detodos os trabalhadores que atuarame ainda atuam na Fazenda ora fis-calizada, bem como comprovaçãode recolhimento na conta vinculadado FGTS de cada obreiro dos valo-res respectivos, inclusive a multa de40% àqueles cujo contrato já foi res-cindido, além do comprovante de re-colhimento da correspondente con-tribuição previdenciária;

29. Fiscalizar devidamente oadimplemento das obrigações so-ciais das entidades com quem, even-tualmente, mantiver contratos deprestação de serviços, na forma doitem anterior, em especial, empre-sas de conservação, vigilância e lim-peza, através do pagamento somen-te mediante apresentação, pela con-tratada, de documentos comproba-tórios da quitação de salários, FGTSe INSS de seus empregados.

30. Promover treinamento atodos os operadores de motosserrapara utilização segura da máquinana derrubada e corte de eucalipto;

31. Promover anotação diáriada produção realizada por cada tra-balhador e mantendo a documenta-

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ção devidamente arquivada, obser-vando o prazo de prescrição de 5anos previsto no artigo 7º, incisoXXIX da CF, além da anotação daprodução ou comissão devida decor-rente de metros cúbicos de lenhacortada, hectare roçado e mudas deeucaliptos plantadas, ou por outraforma se o critério for diferente, massempre com a devida especificaçãona ficha de registro de empregados,no contrato de trabalho, seja ou nãoa título de experiência, bem comona CTPS.

32. Cumprir o disposto no § 4ºdo artigo 630 da CLT, mantendo noslocais de trabalho os documentossujeitos à inspeção.

33. Sempre que a empresa ti-ver mais de dez empregados, deve-rá observar o disposto no § 2º doartigo 74 da CLT.

Além do cumprimento de todosos itens acima ajustados para a re-gularização das infrações ou irregu-laridades constatadas ficou conce-dido prazo até 31.8.2005 para a efe-tiva implementação das medidasnecessárias ao adimplemento dopactuado, exceto quanto aos itens 4e 7, cujo cumprimento será imediato,ficando ajustada multa diária de R$1.000,00, por cada infração e traba-lhador encontrado em desconformi-dade com o convencionado, e, ain-da, multa de R$ 100,00 por dia en-quanto persistir o inadimplemento,sendo esta devida desde o dia emque constatada ocorrência, indepen-dentemente de prévia notificação.

Pelas infrações cometidas atéo momento, ficou convencionado

que a segunda requerida pagará atítulo de dano moral coletivo a quan-tia de R$ 500,00 por cada trabalha-dor (total de R$ 13.000,00) e, nomomento, foi constatado que a pri-meira requerida possui 26 empre-gados atuando na Fazenda, sendoque 3 estão afastados e um se en-contra em Barra Velha/SC, bemcomo o valor de R$ 2.000,00 paracada um destes empregados, a tí-tulo de dano moral individual (totalde R$ 52.000,00), tudo com prazoaté 31.8.2005 para que os valoressejam disponibilizados ao Juízo me-diante Guia de Depósito Judicial ecom posterior liberação a cada em-pregado, mediante alvará judicialemitido apenas em nome deste e anominata dos mesmos consta nosdocumentos que seguem após estaata, emitidos pela DRT, enquanto oimporte de dano moral coletivo serárevertido para conta específica doFAT. A indenização prevista a títulode dano moral individual não retirade cada trabalhador direito de pos-tular indenização diversa em açãoprópria.

Para que os trabalhadorespossam receber os alvarás e efetuaro saque deverá a segunda requeri-da providenciar condução em dia ehorário que será definido pelo juízoatravés de despacho e com intima-ção prévia, sem que as requeridasdescontem dos trabalhadores ashoras dispendidas para tanto.

A segunda requerida deverácomprovar documentalmente, atra-vés de nota fiscal e comprovante derecebimento, nos autos até 31.8.2005a entrega de 30 cestas básicas, para

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a APAE de Indaial, 50 para a APAEde Blumenau, 30 para a APAE deTimbó, 45 para o Orfanato Casa SãoSimeão, situado no Bairro Asilo deBlumenau e 45 para o Asilo de Ido-sos situado em Blumenau, com men-ção expressa às entidades de cum-primento do pactuado com o Minis-tério Público e a Justiça do Traba-lho, mediante correspondência no atoda entrega. Cada cesta básica de-verá ter o valor mínimo de R$ 50,00.

Em caso de descumprimentodo contido nos dois parágrafos an-teriores a este, fica estipulada mul-ta de 50% e com execução atravésda imediata utilização do ConvênioBacen-Jud (penhora eletrônica).

Nenhum dos trabalhadoresencontrados na Fazenda demons-trou vontade de deixar o local.

Concedido prazo às requeri-das até 2.8.2005 para juntar aosautos procuração outorgada ao Dr.Nilberto Loos, declarando este serprocurador das mesmas e que estámunido de autorização para todacomposição acima entabulada.

Homologo a composição acimapara que produza seus jurídicos elegais efeitos e torno definitiva a li-minar concedida, importando a açãoproposta em tutela satisfativa, frenteà composição supra, extinguindo oprocesso com julgamento do mérito,com base no artigo 269, III do CPC.

O Procurador do Trabalho e oJuiz do Trabalho que efetuaram a

diligência registram agradecimentoà DRT e à Polícia Federal, atravésdos servidores que acompanharamo ato e viabilizaram a apuração dasinfrações constatadas, sendo deter-minada a expedição de ofício aoDelegado Regional do Trabalho e aoSuperintendente da Polícia Federal,com cópia da presente ata.

Custas de R$ 1.000,00, pelasegunda requerida, com prazo pararecolhimento até 31.8.2005.

Mantenham-se nos autos to-dos os documentos trazidos com ainicial, além dos que seguem apósesta ata.

Vistoria e inspeção judicialencerrada às 16:45 horas.

Cientes os presentes.

Nada mais.

Dr. Reinaldo Branco de Mo-raes, Juiz do Trabalho.

Dr. Marcelo J. Ferlin D’Ambro-so, Procurador do Trabalho.

Annibal Wust do NascimentoGaya, Delegado da Polícia Federal.

Edwin Krautler, Diretor de Se-cretaria.

Marco Antonio Scroferneker,Karsten S/A.

Nilberto Loos (OAB/SC 1.879),Karsten S/A.

Gilberto O. Iten, Karsten S/A.

Francisco Gonçalves dos San-tos, Conservadora Ouro Verde Ltda.

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TERMO DE AUDIÊNCIA

TERMO CIRCUNSTANCIADO

Aos vinte e nove dias do mêsde julho do ano dois mil e cinco, às16:45 horas, na sede da Fazenda depropriedade da Karsten S/A, situadana localidade de Ribeirão Espinho,Bairro Encano Alto, neste Municípiode Indaial, por ocasião de diligênciaefetuada nos Autos do Processo00965-2005-033-12-00-0, presenteo Sr. Juiz do Trabalho, Dr. ReinaldoBranco de Moraes, o Procurador doMinistério Público do Trabalho, Dr.Marcelo J. Ferlin D’Ambroso, o Dele-gado de Polícia Federal, Dr. AnnibalWust do Nascimento Gaya e o Dire-tor de Secretaria desta Unidade Ju-diciária, Sr. Edwin Krautler.

Trata-se de Termo Circunstan-ciado n. 001-A/2005 — DPF.B/IJI/SC.

Presente o indiciado, Sr. Fran-cisco Gonçalves dos Santos, quenomeia no ato como seu procura-dor, o Dr. Nilberto Loos, OAB/SC1.879, nos termos do art. 266 doCPP.

Aberta a audiência preliminar,nos termos do ar t. 72 da Lei n.9.099/95, e esclarecidos ao indicia-do os fatos objeto deste Termo Cir-cunstanciado, foi preliminarmenteproposta a conciliação, nos termosdo art. 762 da Lei n. 9.099/95, peloMinistério Público do Trabalho, sen-do aceita nos seguintes termos:

1. O indiciado deverá compa-recer na sala de audiências da VTde Indaial, na última sexta-feira decada mês, às 14:00 horas, no pe-

ríodo de agosto a novembro/2005,apresentando em cada ocasião ooriginal da guia GFIP relativa ao pró-prio mês e ao anterior de seus em-pregados.

2. O indiciado efetuará a en-trega até 31.8.2005, às 14:00 horas,na Secretaria da Vara do Trabalhode Indaial de 15 (quinze) coberto-res de solteiro para destinação aAsilo ou entidade similar em Indaialou Blumenau, a critério do Juízo,inclusive entregando Nota Fiscalquando da entrega.

Acolho a proposta aceita peloindiciado, aplico a pena restritiva dedireitos e multa ao indiciado, nasbases indicadas nos itens 1 e 2 aci-ma, devendo ser observado o cons-tante no § 6º do artigo 76 da Lei n.9.099/95, considerando este juízoser da competência da Justiça doTrabalho o exame da matéria por for-ça da EC n. 45/04 e por aplicaçãoanalógica do art. 2º, parágrafo úni-co da Lei n. 10.259/01.

No caso de não cumprimentodas condições acima expostas, comu-nique-se o Ministério Público do Tra-balho para as providências cabíveis.

Foi entregue cópia da presen-te ata ao indiciado e ao MinistérioPúblico do Trabalho, bem como aoDelegado da Polícia Federal (encer-ramento às 17:15 horas).

Cientes os presentes.

Nada mais.

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Dr. Reinaldo Branco de Moraes,Juiz do Trabalho.

Dr. Marcelo J. Ferlin D’Ambroso,Procurador do Trabalho.

Dr. Annibal Wust do Nascimen-to Gaya, Delegado de Polícia Federal.

Edwin Krautler, Diretor de Secre-taria.

Dr. Nilber to Loos (OAB/SC1.879).

Franc isco Gonçalves dosSantos.

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TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTODE CONDUTA — SINDICATO PROFISSIONAL —

TRABALHO AVULSO FORA DO PORTO —MOVIMENTAÇÃO DE MERCADORIA

(PRT 18ª REGIÃO)

TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTAN. 74/2005

Sindicato dos Trabalhadores naMovimentação de Mercadorias emGeral de Rio Verde/GO — SINTRAM,com sede à Av. Presidente Vargas,1.878, Rio Verde, Goiás, inscrito noCNPJ sob o n. 02.077.618/0001-85,neste ato representado por seu Pre-sidente, Djalma Domingos dos San-tos, brasileiro, separado judicialmen-te, residente e domiciliado à Rua An-tônio Bernardino de Ataíde n. 21, Jar-dim Goiás, Rio Verde/GO, e pelo Dr.Vivaldo de Oliveira Siqueira, brasilei-ro, advogado inscrito na OAB/GO sobo n. 14.027, devidamente autoriza-dos pelos documentos anexos,doravante denominado apenas Com-promissário, pelo presente instru-mento assume, nos termos do § 6ºdo artigo 5º, da Lei n. 7.347/85, pe-rante o Ministério Público do Traba-lho, nos autos do Inquérito Civil Pú-blico n. 491/03, o Compromisso quese compõe das seguintes cláusulas:

Cláusula 1ª O Compromissárioobriga-se a:

I — Limitar-se a intermediarmão-de-obra de trabalhadores avul-sos — às empresas em geral ou aqualquer pessoa física — para a rea-lização de atividades específicas damodalidade avulsa, ou seja, ativi-dades de movimentação de merca-dorias, relativas à carga e descarga,bem como as descritas no art. 12,VI, da Lei n. 8.212/91, no art. 9º, VI,do Decreto n. 3.048/99, ou em outroregramento normativo que venha aser instituído, pelo Congresso Nacio-nal ou pelo Ministério do Trabalho.

II — Abster-se de fornecermão-de-obra — às empresas emgeral ou a qualquer pessoa física —para o desempenho de serviço denatureza não-eventual, exercidocom subordinação, pessoalidade,habitualidade e onerosidade.

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III — Garantir aos trabalhado-res avulsos cadastrados o direito deconcorrerem à escala diária, em sis-tema de rodízio, assegurando quenão haja preterição do trabalhadorregularmente registrado e a simul-taneidade na escalação, tudo con-forme os artigos 4º, 5º e 7º da Lei n.9.719/98, aplicáveis ao caso, poranalogia.

IV — Abster-se de obstar, dequalquer modo, direta ou indireta-mente, o acesso de novos trabalha-dores aos postos de serviços dis-poníveis para avulsos, garantindoque todos os que queiram candi-datar-se às vagas existentes se sub-metam a rodízio no qual ninguémseja preterido.

V — Abster-se de atrasar opagamento da remuneração dosavulsos pelos serviços que execu-tarem, realizando-o no prazo dequarenta e oito horas após o térmi-no de cada serviço, salvo estipula-ção contrária em instrumento nor-mativo, observado o prazo legal pararecolhimento dos encargos fiscais,trabalhistas e previdenciários, con-forme estabelecem os §§ 1º e 5º doart. 2º da Lei n. 9.719/98, aplicáveisao caso, por analogia.

VI — Garantir o pagamento doadicional de horas extras aos traba-lhadores avulsos que prestarem ser-viços sob sua intermediação, pelomenos no percentual mínimo previs-to em lei.

VII — Preencher corretamenteas guias relativas aos depósitos doFGTS e às contribuições previden-ciárias dos avulsos que prestaremserviços sob sua intermediação, tan-to quando o respectivo recolhimento

for de sua responsabilidade, quantoquando estiver a cargo da empresatomadora da mão-de-obra e apenaso preenchimento ficar sob sua res-ponsabilidade, abstendo-se de regis-trar nomes, nas referidas guias, detrabalhadores que não tenham efeti-vamente laborado no período ao qualse referirem.

VIII — Fornecer todos os equi-pamentos de proteção individualnecessários para a prevenção deacidentes que forem exigidos pelalegislação, aos trabalhadores avul-sos que prestarem serviços sob suaintermediação.

IX — Garantir o direito ao gozode férias remuneradas, com pelomenos um terço a mais do salárionormal, aos avulsos que prestaremserviços sob sua intermediação.

X — Observar, na escalaçãodiária do trabalhador avulso um in-tervalo mínimo de onze horas con-secutivas entre duas jornadas, sal-vo situações excepcionais, constan-tes de acordo ou convenção coleti-va de trabalho, nos termos do art.80 da Lei n. 9.719/98, aplicável aocaso por analogia.

XI — Dar treinamento aos tra-balhadores avulsos, antes de alocá-los em alguma atividade.

Cláusula 2ª O inadimplemen-to do pactuado importará o paga-mento, pelo Compromissário, demulta nos seguintes valores:

I — Pelo descumprimento doestipulado nos incisos I, II, III ou IV,R$ 1.000,00 (mil reais), por infração,em relação a cada trabalhador en-contrado laborando em afronta aoacordado; e

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II — Pelo descumprimento doestipulado nos incisos V, VI, VII, VIII,IX, X ou XI, R$ 500,00 (quinhentosreais), devidos por infração cometi-da, em relação a cada trabalhadorprejudicado.

§ 1º Caso haja o descumpri-mento do estabelecido em mais deum inciso da cláusula 1ª, em rela-ção ao mesmo trabalhador, a multaserá cobrada cumulativamente.

§ 2º A cada decurso de 30(trinta) dias, a multa será cobradanovamente, até o adimplemento ple-no da obrigação.

Cláusula 3ª O Compromissá-rio é solidariamente responsável comas empresas tomadoras da mão-de-obra avulsa, pelo pagamento dos en-cargos trabalhistas, das contribui-ções previdenciárias e demais obri-gações, inclusive acessórias, devidasà Seguridade Social, arrecadadaspelo INSS — Instituto Nacional doSeguro Social, vedada a invocaçãodo benefício de ordem, nos termos doart. 2º, § 4º da Lei n. 9.719/98, ado-tada no caso, por analogia.

Cláusula 4ª As obrigações orapactuadas serão cumpr idas emqualquer parte do território nacionalonde o Compromissário realizar in-termediação de mão-de-obra.

Cláusula 5ª O Compromissá-rio se adequará ao ora acordado atéo dia 1º de setembro de 2005.

Parágrafo único. O prazo acer-tado para cumprimento total do ajus-te não implica na aceitação, peloMinistério Público do Trabalho, dequalquer lesão a direito individual,garantindo-se, em qualquer caso, aorespectivo titular a prerrogativa debuscar eventual reparação que en-tenda devida.

Cláusula 6ª O valor da multaque porventura vier a ser cobradaserá revertido em favor do Fundo deAmparo ao Trabalhador, ou de outrofundo que venha a substituí-lo, nostermos do artigo 5º, § 6º e artigo 13da Lei n. 7.347/85, e será continua-mente reajustado, a partir do dia1º.4.05, pelos índices adotados peloGoverno Federal para correção dosseus tributos.

Cláusula 7ª A cominação nãoé substitutiva da obrigação descum-prida, que em qualquer hipótese re-manesce, e não desobriga o Com-promissário do pagamento de outrasmultas impostas por órgãos diversosdo Ministério Público do Trabalho.

Cláusula 8ª Aplica-se ao pre-sente acordo o disposto nos artigos10 e 448 da CLT, estabelecendo-seque qualquer alteração na estruturajurídica da Compromissária não afe-tará a exigência do integral cumpri-mento do pactuado.

Cláusula 9ª O presente termotem eficácia de título executivo ex-trajudicial, nos termos dos artigos585, II do CPC, 5º, § 6º da Lei n.7.347/85 e 876 da CLT, e terá seucumprimento acompanhado peloMinistério Público do Trabalho, porseus Membros ou por intermédio deoutros Órgãos, a seu critério.

Goiânia, 15 de abril de 2005.SINTRAM — Sindicato dos

Trabalhadores na Movimentação deMercadorias em Geral de Rio Ver-de/GO.

Djalma Domingos dos Santos

Vivaldo de Oliveira Siqueira,OAB/GO n. 14.023.

Ministério Público do Trabalho

Cláudia Telho Corrêa Abreu.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — MUNICÍPIO —DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO ATO DEANULAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO —

CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO AO PAGAMENTODE INDENIZAÇÃO POR DANO COLETIVO E A

REINTEGRAR OS DEMITIDOS — CONDENAÇÃODO PREFEITO A RESSARCIR O DANO AO ERÁRIO

(PRT 22ª REGIÃO)

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DO TRABALHO DAVARA DO TRABALHO DE SÃO RAIMUNDO NONATO — PI

O Ministério Público do Traba-lho — Procuradoria Regional do Tra-balho da 22ª Região, com endereçona Av. Miguel Rosa, n. 2862/N, Cen-tro, Teresina — PI, por intermédiodo Procurador do Trabalho que estasubscreve, vem, perante V. Exa.,com fundamento nos arts. 129, III,da Constituição Federal; 6º, VII, d, e83, III, da Lei Complementar n. 75, de20.5.93; e 2º e 3º, da Lei n. 7.347,de 24.7.85, ajuizar

AÇÃO CIVIL PÚBLICA(com pedido de liminar)

em face do Município de Pedro Lau-rentino — PI, pessoa jurídica dedireito público interno, inscrito no

CGC sob o n. 01.612.600/0001-73,com Prefeitura sediada na PraçaCentral, s/n, em Pedro Laurentino —PI, representado por seu PrefeitoMunicipal, ou por seu Procurador(art. 12, II, do CPC) e do Sr. GilsonEugênio Rodrigues, brasileiro, Pre-feito Municipal de Pedro Laurentino— PI, com endereço na sede doMunicípio.

I — Dos Fatos

1. Por meio de denúncia, estaProcuradoria tomou conhecimentode que o Prefeito Municipal de PedroLaurentino — PI expediu o Decreton. 003/2005 de 21 de janeiro de 2005(doc. 01), que torna sem efeito a ho-

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mologação do resultado do concur-so público realizado pelo Municípioem 29 de novembro de 1998, apon-tando as seguintes irregularidades:que o Concurso Público não teve oseu resultado publicado no Diário daJustiça do Estado do Piauí, nem emoutro Órgão competente; que não foiobedecida a ordem de classificaçãoe que alguns classificados não fo-ram chamados; que foram aprova-dos candidatos não alfabetizados;que a realização do Concurso sedeu apenas para regularizar a situa-ção funcional já existente.

2. Por meio do referido Decre-to, as contratações dos candidatosque participaram do certame, realiza-do em 1998, foram anuladas. Constada denúncia, ainda, que o Prefeitoefetuou outras contratações, sem arealização de concurso público, emsubstituição aos servidores demitidos.

3. Vale ressaltar que o Municí-pio de Pedro Laurentino — PI firmou,em 27 de abril de 1998, o Termo deAjuste de Conduta n. 146/98, com-prometendo-se a “não contratar ser-vidor sem prévio concurso público,como determina a CF, em seu art.37, II (...)”.

II — Do Direito

4. A Constituição Federal, noart. 5º, inciso LV, assegura aos liti-gantes, em processo judicial ou ad-ministrativo, e aos acusados em ge-ral, o contraditório e a ampla defe-sa, com os meios e recursos a elainerentes.

5. Em se tratando de anulaçãode ato de nomeação de servidoradmitido mediante concurso público,deve ser observado procedimentoadministrativo que assegure o am-plo direito de defesa e o contraditó-rio, a teor da Súmula n. 20 do STF,in verbis:

“Súmula n. 20. É necessárioprocesso administrativo, com am-pla defesa, para demissão de fun-cionário admitido por concurso.”

6. No caso em tela, não cons-ta ter sido assegurado o direito deampla defesa e o contraditório aosservidores que foram demitidos emvirtude de supostas irregularidadesno concurso público, pois não hámenção no referido Decreto e tam-bém não teria dado tempo.

7. Coerente com esse enten-dimento, a jurisprudência do Supe-rior Tribunal de Justiça e do Supre-mo Tribunal Federal, consoante sevê dos seguintes precedentes:

“Recurso em Mandado de Se-gurança. Administrativo. Concur-so público. Anulação. Demissão.Servidores nomeados e empos-sados há mais de 3 anos. Inob-servância aos princípios do con-traditório e da ampla defesa. Im-possibilidade. Direito líquido ecer to comprovado. Ainda quea Administração suspeite sobre alegalidade do concurso público aoqual se submeteram os impetran-tes, o fato é que, considerandoque os mesmos já teriam sido de-vidamente nomeados e empossa-

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dos em seus cargos há mais dedois anos, não poderiam ter sidodispensados sem o devido pro-cesso legal. Precedentes. Recursoprovido (STJ — RMS n. 17.569/AM — Ministro José Arnaldo daFonseca — Quinta Turma — DJ1º.2.2005 — p. 584).

Administrativo. Anulação deconcurso público. Exoneraçãode servidor estável. Ampla defesae contraditório. Necessidade. 1. Aanulação de concurso público ea conseqüente exoneração deservidor nele aprovado e nomea-do, já estável, só se faz admissí-vel mediante procedimento admi-nistrativo, no qual fiquem assegu-rados a ampla defesa e o contra-ditório. 2. Incidência das Súmu-las ns. 20 e 21 — STF. 3. Recur-so conhecido e provido (STJ —REsp n. 125.406/RS — MinistroEdson Vidigal — Quinta Turma —DJ 1º.3.1999 — p. 356).

Agravo regimental em recursoextraordinário. Constitucional. Ad-ministrativo. Demissão de servi-dor público não estável. Garantiado contraditório e da ampla defe-sa. Inobservância. 1. Servidor pú-blico não estável. Demissão pormotivo de conveniência adminis-trativa e interesse público. Inexis-tência de processo administrati-vo. Nulidade do ato de dispensapor inobservância da garantiaconstitucional do contraditório eda ampla defesa. Agravo regimen-tal não provido (RE n. 223.927AgR/MG — Relator(a): Min. Mau-rício Corrêa — Segunda Turma —DJ — data 2.3.01).”

8. De todo o exposto, resultaque o Município réu está deixandode observar os princípios do contra-ditório e da ampla defesa, assegu-rados no art. 5º, inciso LV da CF, oque configura uma lesão ao princí-pio da legalidade, em relação a to-dos os seus empregados admitidosapós prévia aprovação em concur-so público realizado no ano de 1998,que foi anulado pelo Decreto acimamencionado.

III — Do cabimento da ação civilpública, da legitimidade doMinistério Público doTrabalho e da competênciada Justiça do Trabalho

9. A ação civil pública, instituí-da pela Lei n. 7.347, de 20.7.85, re-presentou uma profunda mudançana concepção de processo, anterior-mente voltado apenas para as rela-ções individuais. A Constituição Fe-deral, em seu art. 129, inciso III, am-pliou as hipóteses de cabimento daação civil pública, para que fossemtutelados, também, outros interes-ses difusos e coletivos, além dos ex-pressamente relacionados na lei desua criação. Por sua vez, o Códigode Defesa do Consumidor (Lei n8.078/90) tornou explícito o seu ca-bimento na defesa de qualquer ou-tro interesse difuso ou coletivo.

10. A Lei Complementar n. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Pú-blico da União) previu, expressa-mente, no seu art. 83, inciso III, alegitimidade do Ministério Público doTrabalho para propor ação civil pú-blica no âmbito da Justiça do Traba-

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lho, para defesa de interesses cole-tivos, quando desrespeitados os di-reitos sociais constitucionalmentegarantidos. O art. 6º, dessa mesmalei, estabelece que compete ao Mi-nistério Público da União promovero inquérito civil e a ação civil públi-ca para proteção de outros interes-ses individuais indisponíveis, homo-gêneos, sociais, difusos e coletivos(inciso VII, alínea d).

11. A conduta do Município éofensiva à ordem jurídica (art. 5º,LV da CF), atinge não apenas osatuais empregados dispensados,mas constitui também uma ameaçade lesão a empregados que venhama ser admitidos em outros concur-sos públicos, pois o atual ou novoPrefeito poderá vir a repetir o atoque ora é combatido. Por este pris-ma, a ação civil pública ora intenta-da presta-se à defesa da ordem ju-rídica (arts. 127 e 129, II, da CF/88),além de servir para prevenir lesão ainteresses de novos empregadospreviamente aprovados em concur-so público realizado pelo Municípioréu, o que configura a defesa de in-teresse difuso. Vale acrescentar quetambém está sendo combatida acontratação, para o lugar dos atin-gidos pela decretação de nulidadedo concurso público de 1998, denovas pessoas sem a observânciado art. 37, II, da CF/88. Portanto,vale ressaltar que o Ministério Pú-blico, incumbido que é da defesa daordem jurídica (art. 127 da CF), estánesta ação zelando pelo efetivorespeito dos Poderes Públicos aosdireitos assegurados na Carta Magnade 1988, nos termos do art. 129,

inciso II. Por isso, não se confundecom a ação mandamental impetradapor um grupo de trabalhadores atin-gidos pelo referido decreto (doc. 02),na qual estão sendo defendidos di-reitos individuais.

12. Tendo em vista a naturezada demanda, a qual versa sobre a dis-pensa de empregados públicos, sema observância do processo adminis-trativo, reputa-se competente parasua solução a Justiça do Trabalho(CF/88, art. 114; LC n. 75/93, art. 83,III). Vale destacar que o referidoDecreto menciona a contratação depessoal sob o regime celetista.

13. Hierarquicamente, a com-petência originária é das Varas doTrabalho, uma vez que, o dissídio éde caráter individual, com vistas àaplicação da legislação em vigor, enão de natureza coletiva, em que sepretenda a normatização das con-dições de trabalho, à luz do PoderNormativo da Justiça do Trabalho. Talquestão já repousa pacificada, najurisprudência do c. TST, de queconstitui exemplo a ACP-154.931/94.8, rel. Min. Ronaldo Leal (DJU de29.11.1996, p. 47.434).

14. A Lei n. 7.347/85, que regeas ações civis públicas, em seu art.2º, fixa a competência em razão dolocal em que se operou o dano. As-sim, tendo a lesão aos direitos tra-balhistas ocorrido em Pedro Lauren-tino/PI, a competência é da Vara deSão Raimundo Nonato-PI, poisaquela cidade está dentro do raio decompetência territorial da referidaVara do Trabalho.

15. Outrossim, há de se im-primir o procedimento trabalhista à

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presente ação, inclusive prazos, for-ma dos atos, vias e competênciasrecursais.

IV — Do Dano Moral Coletivo

16. A situação trazida nestaação revela o desrespeito do admi-nistrador do Município no que se re-fere à ordem jurídica constitucional,precisando de uma medida que ve-nha a coibir a sua repetição ou con-tinuação e até mesmo servir deexemplo para que outros administra-dores não adotem igual providência.

17. Diante do caso, sobretudoconsiderando o prejuízo causadoaos trabalhadores com a sua demis-são sem observância do devido pro-cesso administrativo (tirando delesa sua única fonte de sustento) e, ain-da, a contratação de outros empre-gados para substituí-los, sem a pré-via realização de concurso público,não basta um provimento jurisdicio-nal com efeitos futuros, há necessi-dade, também, de um provimentojurisdicional ressarcitório.

18. Eis a razão pela qual o Mi-nistério Público do Trabalho requer,também, a condenação ao paga-mento de indenização como repa-ração genérica da lesão causadaaos trabalhadores e à ordem jurídi-ca, sem que isso obste, por qualquerforma, a reparação individual quecada qual poderá buscar perante oJudiciário, de seus haveres trabalhis-tas, tudo na forma dos arts. 3º e 13,da Lei n. 7.347/85, reversível ao FAT,instituído pela Lei n. 7.998/90. Talcondenação, se acolhida, servirá,

ainda, como medida pedagógica,tentando desestimular, pela sançãopatrimonial, tais condutas.

19. É inegável que a condutaadotada pelo Prefeito causou, e cau-sa, lesão aos interesses difusos detoda a coletividade de trabalhadores,uma vez que propicia a negação dosdireitos constitucionais asseguradosaos empregados, bem como a todaa categoria de trabalhadores que, nofuturo, possa vir a ser contratada porele. A violação à dignidade dos tra-balhadores não pode ficar impune,sob pena de crescer a descrença dacoletividade de trabalhadores em re-lação ao cumprimento de seus di-reitos e, ao mesmo tempo, ver-seaumentar a falta de esperança emrelação ao Poder Público encarrega-do de fiscalizar e aplicar puniçõesem caso de descumprimento da or-dem jurídica. Acima do poder con-ferido ao administrador público estáo princípio da legalidade, não po-dendo este ser desrespeitado semque haja uma reparação, sobretudoquando resulta na dispensa ilegal devários pais de família que ficaramprivados do único meio de sustento.

20. A questão do dano moralcoletivo (a possibilidade de repara-ção de danos que tenham a poten-cialidade de lesar toda a coletivida-de) tem merecido destaque nos úl-timos tempos, como bem ilustra alição de André de Carvalho Ramos:

“Não somente a dor psíquicapode gerar danos morais; deve-mos ainda considerar que o tra-tamento transindividual aos cha-mados interesses difusos e cole-

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tivos origina-se justamente da im-portância destes interesses e danecessidade de uma efetiva tu-tela jurídica. Ora, tal importânciasomente reforça a necessidadede aceitação do dano moral co-letivo, já que a dor psíquica quealicerçou a teoria do dano moralindividual acaba cedendo lugar,no caso do dano moral coletivo,a um sentimento de desapreço ede perda de valores essenciaisque afetam negativamente todauma coletividade. (...) Assim, épreciso sempre enfatizar o imen-so dano moral coletivo causadopelas agressões aos interessestransindividuais afeta-se a boaimagem da proteção legal a es-tes direitos e afeta-se a tranqüili-dade do cidadão, que se vê emverdadeira selva, onde a lei domais forte impera.

Tal intranqüilidade e sentimen-to de desapreço gerado pelos da-nos coletivos, justamente por se-rem indivisíveis, acarretam lesãomoral que também deve ser re-parada coletivamente. Ou seráque alguém duvida que o cidadãobrasileiro, a cada notícia de lesãoa seus direitos, não se vê des-prestigiado e ofendido no seusentimento de pertencer a umacomunidade séria, onde as leissão cumpridas?

(...)

A reparação moral deve se uti-lizar dos mesmos instrumentosda reparação material, já que ospressupostos (dano e nexo cau-sal) são os mesmos. A destina-ção de eventual indenização deve

ser o Fundo Federal de DireitosDifusos, que será responsávelpela utilização do montante paraa efetiva reparação deste patri-mônio moral lesado. Com isso,vê-se que a coletividade é passí-vel de ser indenizada pelo abalomoral, o qual, por sua vez, nãonecessita ser a dor subjetiva ouestado anímico negativo, que ca-racterizariam o dano moral napessoa física... .”

21. Na mesma linha, CarlosAlberto Bittar Filho(1) leciona que asociedade pode ser abalada, comoum todo, quando os seus valoressão agredidos:

“(...) assim como cada indiví-duo tem sua carga de valores,também a comunidade, por serum conjunto de indivíduos, temuma dimensão ética. Mas é es-sencial que se assevere que acitada amplificação desatrela osvalores coletivos das pessoas in-tegrantes da comunidade quan-do individualmente consideradas.

Os valores coletivos, pois, di-zem respeito à comunidade comoum todo, independentemente desuas partes. Trata-se, destarte,de valores do corpo, valores es-ses que não se confundem como de cada pessoa, de cada célu-la, de cada elemento da coletivi-dade. Tais valores têm um cará-ter nitidamente indivisível.

(1) “Do Dano Moral Coletivo no Atual Con-texto Jurídico Brasileiro” in Revista Direi-to do Consumidor, n. 12, out./dez./1994.

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(...) o dano moral coletivo é ainjusta lesão da esfera moral deuma dada comunidade, ou seja,é a violação antijurídica de um de-terminado círculo de valores co-letivos. Quando se fala em danomoral coletivo, está-se fazendomenção ao fato de que o patri-mônio valorativo de uma certacomunidade (maior ou menor),idealmente considerada, foi agre-dido de uma maneira absoluta-mente injustificável do ponto devista jurídico...Como se dá naseara do dano moral individual,aqui também não há que se co-gitar de prova de culpa, deven-do-se responsabilizar o agentepelo simples fato da violação...”.

22. O mesmo autor destaca,ainda, a necessidade de fortaleci-mento, no direito brasileiro, do espí-rito coletivo, afirmando que a açãocivil pública, neste particular, atuacomo “poderoso instrumento de su-peração do individualismo (...)”.

23. Na jurisprudência é possí-vel encontrar decisões acolhendopedidos de indenização por danomoral coletivo já há algum tempo,como evidencia a seguinte decisãodo Tribunal Regional do Trabalho da21ª Região:

“Decisão — Acordam os juízesdo Tribunal Regional do Trabalhoda 21ª região por unanimidadeconhecer do recurso. Mérito: pormaioria pelo voto de desempateda Exmª. Srª. Juíza Presidentedar provimento parcial ao recur-so para declarar nulos em razão

de terceirização os contratos fir-mados pelas empresas rés e con-denar a Caixa Econômica Fede-ral: a) providenciar no prazo de01 (um) ano o desligamento dosempregados terceirizados nosserviços de processamento dedados e correlatos decorrentedos contratos f i rmados comTecnocoop Informática — Coope-rativa de Trabalho de AssistênciaTécnica a Equipamentos de Pro-cessamentos de Dados Ltda. ecom a Apta — Empreendimentose Serviços Ltda.; b) abster-se deutilizar a mão-de-obra de empre-gados nas atividades de proces-samentos de dados e correlatosintermediados pela Tecnocoop In-formática — Cooperativa de Tra-balho de Assistência Técnica aEquipamentos de Processamen-to de Dados Ltda. e pela Apta —Empreendimentos e Serviços Ltda.e por qualquer outra empresaseja pública ou privada; c) ao pa-gamento de indenização como re-paração genérica (art. 13 da Lein. 7.347/85) no valor de 100.000(cem mil) UFIR reversível ao Fun-do de Amparo ao Trabalhador —FAT (TRT 21ª Região; RO 2624,1999, Acórdão n. 32.746, Rel. Juí-za Maria de Lourdes Alves Leite,julgado em 9.5.2000, DJE/RN:1º.9.2000)” (negritos não cons-tantes no original).

24. Aliás, é bastante tardio odespertar da doutrina e do próprioJudiciário para a possibilidade dereparação por dano moral coletivo(responsabilidade por ato ilícitoque causou danos mora i s ou

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patrimoniais a interesses difusos oucoletivos), vez que o legislador hámuito tempo inseriu no nosso or-denamento jurídico a previsão le-gal para tanto, como pode ser con-ferido nos seguintes artigos da Lein. 7.347/85:

“Art. 1º Regem-se pelas dis-posições desta lei, sem prejuízoda ação popular, as ações de res-ponsabilidade por danos moraise patrimoniais causados:

(...)

V — a qualquer outro interes-se difuso ou coletivo.

Art. 3º A ação civil poderá terpor objeto a condenação emdinheiro...

Art. 13. Havendo condenaçãoem dinheiro, a indenização rever-terá a um fundo ... .”

25. Neste caso, o MinistérioPúblico do Trabalho entende que ébastante razoável a fixação da in-denização pela lesão a direitos co-letivos no valor de R$ 50.000,00 (cin-qüenta mil reais), a ser suportadapelo Município réu.

26. Esse valor deverá ser re-vertido em prol de um fundo desti-nado à reconstituição dos bens le-sados, conforme previsto no artigo13 da Lei n. 7.347/85. No caso deinteresses difusos e coletivos naárea trabalhista, esse fundo é o FAT— Fundo de Amparo ao Trabalha-dor — que, instituído pela Lei n.7.998/90, custeia o pagamento doseguro-desemprego (art. 10) e o fi-nanciamento de políticas públicas

que visem à redução dos níveisde desemprego, o que propicia, deforma adequada, a reparação dosdanos sofridos pelos trabalhado-res, aqui incluídos os desemprega-dos que buscam uma colocação nomercado.

V — Da Responsabilidade doAdministrador do Municípiode Pedro Laurentino

27. Ao publicar o mencionadoDecreto, o administrador esqueceude observar o direito ao contraditó-rio e à ampla defesa, sendo precipi-tado. Atos dessa natureza geralmen-te têm como finalidade maior “criar”vagas para a contratação ilegal (art.37, II, da CF/88) de partidários donovo administrador.

28. Tal procedimento revela odescaso do administrador para comos direitos e garantias fundamentaisdo cidadão e merece uma medidamais enérgica do Judiciário, pois tão-somente a condenação do ente pú-blico, sem qualquer sanção ao ad-ministrador, certamente resultará nasua ineficácia. A imposição de mul-ta ao Município pelo eventual des-cumprimento da obrigação de fazerque vier a ser imposta, sem que re-percuta na esfera pessoal do Admi-nistrador municipal, não terá a coer-cibilidade necessária para a suaobservância.

29. A Constituição Federal, noseu art. 37, dispõe que a Adminis-tração Pública obedecerá aos prin-cípios da legalidade, impessoabilida-de, moralidade, publicidade e efi-

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ciência. Estabelece, outrossim, que“os atos de improbidade administra-tiva importarão a suspensão dos di-reitos políticos, a perda da funçãopública, a indisponibilidade dos bense o ressarcimento ao erário, na for-ma e gradação previstas em lei, semprejuízo da ação penal cabível” (art.37, § 4º) (negrito na transcrição).

30. Para conferir maior concre-ção à norma constitucional, veio alume a Lei n. 8.429, de 2 de junhode 1992, que dispõe sobre as san-ções aplicáveis aos agentes públi-cos, nos casos de improbidade noexercício de mandato, cargo, empre-go ou função na administração pú-blica direta, indireta ou fundacional.

31. A mencionada lei contem-pla três categorias de atos de im-probidade administrativa: 1) atos deimprobidade administrativa que im-portam enriquecimento ilícito; 2)atos de improbidade administrativaque causam prejuízo ao erário; e 3)atos de improbidade administrativaque atentam contra os princípios daadministração pública (respectiva-mente, arts. 9º, 10 e 11).

32. No caso do segundo réu,os atos de improbidade praticadosse incluem nas duas últimas espé-cies referidas, ou seja, atos de im-probidade que atentam contra osprincípios da administração públicae atos de improbidade que causamprejuízo ao erário, a saber:

a) a dispensa de pessoal con-tratado após prévia aprovação emconcurso público sem que antes te-nham sido observados os princípiosdo contraditório e da ampla defesa

(art. 5º, LV, da CF/88) e a conse-qüente contratação de novas pes-soas sem prévia aprovação em con-curso público constituem atos de im-probidade que atentam contra osprincípios da administração públicada legalidade, da moralidade, da im-pessoalidade (caput do art. 37, daCF), incidindo, por isso, no art. 11caput e inciso V, da Lei n. 8.429/1992; e

b) o afastamento indevido(ofensivo ao art. 5º, LV, da CF/88)de pessoas previamente aprovadasem concurso público certamente as-segurará, via judicial, a sua reinte-gração com o conseqüente paga-mento das verbas trabalhistas e pre-videnciárias do período em que es-tiveram afastadas, isso sem que te-nham prestado serviços ao Municí-pio, o qual ainda terá de pagar aosque contratou indevidamente para olugar daqueles, por sua vez, repre-senta ato de improbidade que cau-sa prejuízo ao erário, nos termos doart. 10, caput e inciso X, da Lei n.8.429/1992. Há que se ressaltar, ain-da, que o eventual descumprimentode ordem judicial determinando areintegração do pessoal atingidopelo referido Decreto também cau-sará prejuízo ao Município, pois devesempre ser fixada multa em se tra-tando de obrigação de fazer ou denão fazer;

33. Em suma, o Prefeito (se-gundo réu) deve ser condenado aressarcir ao Município de Pedro Lau-rentino-PI o total de dinheiro que viera ser gasto com o pagamento dasmultas pelo não-cumprimento dadecisão judicial que vier a ser profe-

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rida nesta ação, enquanto durar agestão dele, e pela condenação nopedido de dano moral coletivo.

VI — Da Concessão da Liminar

34. O art. 12 da Lei da AçãoCivil Pública contempla a possibili-dade da expedição de mandado li-minar. Os requisitos necessáriospara a concessão da medida estãopresentes no caso concreto.

35. Com efeito, nos documen-tos em anexo restou soberbamentedemonstrado o fumus boni juris.A relevância do fundamento dademanda ressai clara da necessidadede conferir-se efetividade ao art. 5º,inciso LV da Constituição Federal,coibindo-se, por outro lado, a reite-ração, por parte do Município réu,da prática de atos semelhantes.

36. O fundado receio do danoirreparável ou de difícil reparação(periculum in mora) verifica-se danecessidade de pôr cobro imediatoà situação lesiva à coletividade deempregados atingidos pelo DecretoMunicipal n. 3/2005, de 21 de janeirode 2005, que mês a mês fica semperceber os salários decorrentesdos cargos que ocupavam no Muni-cípio réu, bem assim, da necessi-dade de evitar-se sua repetição.

37. Cabe salientar, por opor-tuno, que a liminar, em sede de açãocivil pública, por determinação legal,tem caráter satisfativo. Esta singu-laridade não passou despercebidaao entendimento de Rodolfo de Ca-margo Mancuso (in “Ação Civil Pú-blica”, Editora Revista dos Tribunais,4ª ed., 1996, p. 137):

“Cabe ressaltar, desde logo,que o art. 4º contém uma parti-cularidade; a cautela não é ape-nas preventiva, como seria curial,mas pode conter um comando,uma determinação para um nonfacere, ou mesmo para um facere,tudo em ordem a ‘evitar o danoao meio ambiente, ao consumi-dor...’, etc.”

VII — Dos Pedidos (incluindoliminar)

38. Isto posto, o Ministério Pú-blico do Trabalho pede a condena-ção do Município de Pedro Lauren-tino e de seu Prefeito, Gilson Eugê-nio Rodrigues, nos pedidos adiante,requerendo, de logo, a este d. Juizdo Trabalho, com fulcro nos arts. 12,da Lei n. 7.347/85 e 2º da Lei n.8.437/92, a concessão, após a aber-tura do prazo de 72 (setenta e duas)horas para manifestação do Muni-cípio de Pedro Laurentino e citaçãodo segundo réu, Gilson EugênioRodrigues, de LIMINAR, para:

38.1. Suspender os efeitos doDecreto n. 3/2005, de 21 de janeirode 2005, do Município réu;

38.2. Determinar que o Muni-cípio réu se abstenha de dispensar,sem a observância do devido pro-cesso administrativo em que sejamassegurados o contraditório e aampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88),empregados previamente aprovadosem concursos públicos;

38.3. Determinar a reintegra-ção, no prazo de 48 horas, dos tra-

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balhadores atingidos pelo Decreto n.3/2005, de 21 de janeiro de 2005,nos empregos e funções anterior-mente ocupados, com o conseqüen-te pagamento, no prazo de 10 (dez)dias, das verbas trabalhistas e pre-videnciárias do período em que es-tiveram afastados, devendo ser com-provado nos autos em cinco diasapós o término do prazo acima;

38.4. Determinar o afastamen-to, no prazo de 48 (quarenta e oito)horas, de todos os nomeados paraos lugares dos atingidos pelo Decre-to mencionado acima;

38.5. Responsabilizar o Admi-nistrador Municipal pelo ressarci-mento integral de toda importânciaem dinheiro que o Município de Pe-dro Laurentino/PI venha a gastarcom o pagamento de indenizaçãopor dano moral coletivo e com mul-tas pelo não-cumprimento das obri-gações que vierem a lhe ser impos-tas nesta ação;

38.6. Penalidade

Para o descumprimento daobrigação contida no pedido 38.2, oParquet laboral requer a cominaçãode pena de multa no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) por cadavez que se verificar o descumpri-mento e, quanto às demais obriga-ções (pedidos 38.3 e 38.4), multadiária no valor de R$ 5.000,00 (cin-co mil reais), multas essas que de-verão reverter ao FAT (Fundo de Am-paro ao Trabalhador) instituído peloart. 10 da Lei n. 7.998, de 10.1.90,em sintonia com o art. 11, incisos IIe VI, c/c o art. 25, da mesma Lei.

VIII — Dos Pedidos Finais

39. Concedidas as liminaressupra, o Ministério Público do Tra-balho requer a notificação dos réus,nos endereços indicados no preâm-bulo (o Prefeito poderá ser notifica-do no endereço da sede da Prefei-tura Municipal ou em qualquer lugarem que se encontre, nos termos doart. 216 do CPC, de aplicação sub-sidiária), adotando-se o que dispõea respeito o art. 841 da CLT, a fimde que compareçam à audiência deconciliação, instrução e julgamentoque for designada, por seus repre-sentantes legais ou prepostos, paraque, querendo, possam contestar ospedidos e produzir provas, sob penade revelia e confissão ficta (art. 844,caput, da CLT), prosseguindo-secom o feito até sentença final, ondepede que seja declarada a nulidadedo Decreto n. 3/2005, de 21 de ja-neiro de 2005, do Município réu e:

39.1. Que sejam confirmadasas liminares, sob a cominação dasreferidas multas, e condenados, emcaráter definitivo, o Município réu,nas obrigações constantes dos itens38.2 a 38.4, de sorte a acolher inte-gralmente os pedidos formulados li-minarmente;

39.2. Que o Município réu sejacondenado a pagar indenização pordano moral coletivo no valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), va-lor que deverá ser revertido em prolde um fundo destinado à reconstitui-ção dos bens lesados, conforme pre-visto no artigo 13 da Lei n. 7.347/85,que no caso de interesses difusos ecoletivos na área trabalhista esse fun-do é o FAT — Fundo de Amparo ao

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Trabalhador — que, instituído pela Lein. 7.998/90, custeia o pagamento doseguro-desemprego (art. 10);

39.3. Que o Administrador Mu-nicipal seja condenado a ressarcirintegralmente toda importância emdinheiro que o Município de PedroLaurentino/PI venha a gastar com opagamento de indenização por danomoral coletivo e com multas pelo não-cumprimento das obrigações que vie-rem a lhe ser impostas nesta ação;

IX — Das Provas

40. Para comprovar o alegado,o Ministério Público do Trabalho ane-xa aos autos da presente ação todosos documentos acima mencionados,extraídos do Procedimento de Acom-panhamento de TAC n. 146/1998, eprotesta, desde logo, pela juntada deoutros documentos, produção de pro-va testemunhal, depoimentos pes-soais dos réus (sob pena de confis-são), perícia, inspeção judicial e exi-bição de documentos ou coisas etc.

X — Das Notificações ao Autor

41. Requer, ainda, a notifica-ção pessoal, nos autos, por um dos

representantes do Ministério Públi-co do Trabalho (endereço indicadono preâmbulo) nos termos do art. 18,inciso II, h, e 84, inciso IV, da LeiComplementar n. 75/93 e art. 236,§ 2º, do CPC, bem assim do Provi-mento Correicional n. 1/2000, doTRT — 22ª Região.

XI — Prerrogativas do Autor

No que pertine ao pagamentode custas e despesas processuais,enfatiza a isenção de que goza oMinistério Público, consoante art.790-A, II, da CLT; art. 18, da Lei n.7.347/85 e arts. 19, § 2º, e 27, doCPC.

XII — Valor da Causa

Atribui à causa o valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais).

Nestes termos,

Espera o deferimento.

Teresina-PI, 28 de fevereiro de2005.

João Batista Machado Júnior,Procurador do Trabalho.

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL — JUSTIÇA DO TRABALHO— TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO —

VARA FEDERAL DO TRABALHO DESÃO RAIMUNDO NONATO — PIAUÍ

ATA DE AUDIÊNCIA NO PROCESSO DE N. 00156-2005-102-22-00-4

Aos vinte dias do mês de ju-nho do ano de dois mil e cinco, àsoito horas, estando aberta a audiên-

cia da Vara Federal do Trabalho deSão Raimundo Nonato — Piauí, nasala respectiva, na Av. Professor

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João Menezes, 592 — Centro, coma presença da Exma. Sra. Juíza doTrabalho, Dra. Thania Maria BastosLima Ferro, foram, por ordem des-ta, apregoados os litigantes:

Ministério Público do Trabalho,autor, e Município de Pedro Lauren-tino — Piauí/Gilson Eugênio Rodri-gues, réus.

Ausentes as partes e seus pro-curadores.

A seguir, a Exma. Sra. Juízado Trabalho passou a proferir a se-guinte decisão:

Vistos, etc.

O Ministério Público do Traba-lho ajuizou Ação Civil Pública compedido de concessão de medida li-minar em face do Município de Pe-dro Laurentino — Piauí e do Prefei-to daquele município, Sr. Gilson Eu-gênio Rodrigues, alegando, em re-sumo, o seguinte:

Diz o Parquet, em sua peça deingresso, que tomou conhecimento,por meio de denúncias àquela Pro-curadoria, de que teria sido expedi-do o Decreto Municipal de n. 3/2005,tornando sem efeito o Concurso Pú-blico promovido pelo município réu,com resultado divulgado em 29 denovembro de 1998.

Em conseqüência, foram de-mitidos todos os servidores contra-tados em decorrência de aprovaçãonaquele certame e contratados ou-tros, desta feita sem prévia aprova-ção em concurso público, o que es-taria a afrontar o art. 37, da CartaConstitucional de 1988.

Conforme versão do autor, asdemissões teriam sido efetivadassem a instauração de processo ju-dicial ou administrativo, com vistasa viabilizar o contraditório e ampladefesa dos atingidos pela medida doSr. Prefeito Municipal, o que fere oart. 5º, inciso LV, da Lei Maior e de-satende o comando da Súmula n.20, do STF.

Entende o parquet que a con-duta adotada pelos réus é lesiva àordem jurídica, seja porque atinge osatuais empregados dispensados semdireito à defesa, seja porque abre oprecedente para que atos de igualnatureza venham a ser praticadosnão somente pelo atual prefeito, mastambém por seus sucessores.

Desta forma, pede seja conce-dida medida liminar com o fito de sus-pender os efeitos do Decreto Munici-pal de n. 3/2005, bem como para queo município se abstenha de dispen-sar, sem o devido processo adminis-trativo, os servidores previamenteaprovados em concurso público, e,ainda, a reintegrar os servidores de-mitidos em razão da anulação doconcurso público já mencionado.

Pede, ainda, em sede liminar,sejam afastados todos os servido-res contratados sem prévia aprova-ção em concurso público e a respon-sabilização do Administrador Muni-cipal pelo ressarcimento dos valo-res que o Município réu vier a gas-tar com o pagamento da indeniza-ção do dano moral coletivo pleitea-do na inicial.

No mérito, pede a confirmaçãodos pedidos formulados em sede li-minar e a condenação do município

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a pagar indenização por danos mo-rais coletivos no valor de R$ 50.000,00(cinqüenta mil reais) e que o Sr. Pre-feito seja obrigado a ressarcir o mu-nicípio pelas despesas efetuadascom a indenização supra pleiteada.

Juntou documentos.

Regularmente notificados paramanifestarem-se a respeito do pe-dido de concessão da medida limi-nar, os réus apresentaram petitórioàs fls. 39/42, aduzindo, em síntese,o seguinte:

Preliminarmente, alegam quea ação deverá ser extinta em razãoda litispendência havida com man-dado de segurança impetrado porAntônia da Paixão de Moura e ou-tros, que ora tramita na Comarca deSão João do Piauí — Piauí.

No mérito, dizem que o con-curso foi anulado em razão da cons-tatação de existência de inúmerasirregularidades praticadas pelo en-tão Prefeito, Sr. João Leite de Sousa,seja pela ausência de publicidade nadivulgação do resultado final, sejapela não observância na ordem declassificação para nomeações, tudoa depender do critério político, sejaem razão da aprovação de analfa-betos e de pessoas com CTPS jápreviamente anotadas.

Dizem que não há dano moralcoletivo, na medida em que o De-creto Municipal de n. 3/2005 visoutão-somente sanar as irregularida-des existentes, e que não há supor-te legal para a concessão da medi-da liminar pleiteada.

Juntaram instrumentos procu-ratórios e documentos.

Concedida parcialmente a me-dida liminar pleiteada às fls. 70/82.

Recusada a primeira propos-ta conciliatória.

Regularmente notificada, aparte ré apresentou defesa oral, rati-ficando os termos da petição de fls.39/42.

Juntaram documentos.

Depoimento pessoal do Prefei-to do Município réu, Sr. Gilson Eu-gênio Rodrigues, às fls. 116/117.

Dispensada a produção deprova testemunhal, foi encerrada ainstrução processual.

Razões finais remissivas, comapresentação de memoriais comple-mentares, de parte a parte.

Recusada a última propostaconciliatória.

É o relatório.

Decido.

FUNDAMENTOS DA DECISÃO

1 — Preliminares

a) Da Legitimidade do MinistérioPúblico

O Ministério Público, conformeart.127, caput, da Constituição Fe-deral, “é uma instituição permanen-te, essencial à função jurisdicionaldo Estado, incumbindo-lhe a defesada ordem jurídica, do regime demo-crático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis”.

Por sua vez, o art. 129, CF, aolistar as funções instituições do Par-quet, dispõe:

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“Art. 129. São funções institu-cionais do Ministério Público:

I — omissis;

II — omissis;

III — promover o inquérito ci-vil e a ação civil pública, para a pro-teção do patrimônio público social,do meio ambiente e de outros inte-resses difusos e coletivos;”

Como se vê, a legitimação doMinistério Público decorre da próprianorma constitucional, que é comple-mentada pelos arts. 83, III, 84, V, c/cart. 6º, VII, alíneas a, b e c, da LeiComplementar Federal n. 75/93, eainda, pelo art. 5º, caput, da Lei daAção Civil Pública — Lei n. 7.347/85 e art. 82, do Código de Defesado Consumidor, de aplicação suple-tiva ao processo trabalhista confor-me permissivo do art. 769, da CLT.

O Ministério Público, como ins-tituição que tem por incumbênciazelar pela defesa da ordem jurídicapossuindo, portanto, legitimidadepara propositura de ação civil públi-ca em tutela de qualquer modali-dade de interesses metaindividuais,sejam difusos, coletivos ou indivi-duais homogêneos.

b) Do interesse de agir do MinistérioPúblico

O interesse de agir é uma dascondições da ação e traduz-se nobinômio necessidade/utilidade que aparte tem de levar a sua pretensãoà juízo para obter a aplicação dodireito objetivo ao caso concreto.

No caso em tela é patente ointeresse de agir da parte autora,

vez que, sendo o Parquet a institui-ção encarregada da defesa de inte-resses difusos, coletivos e individuaishomogêneos, não poderia eximir-sede ingressar com a presente ação ci-vil pública, após apuração das denún-cias que chegaram àquele Órgão.

Ressalte-se que o interesse deagir não afere através dos motivosque levam a parte a recorrer ao Ju-diciário, até porque não se confun-de com o interesse substancial paracuja proteção se intenta a ação. Ointeresse de agir tem caráter exclu-sivamente instrumental.

Demonstrado no caso presen-te a necessidade do ajuizamento dademanda, vez que somente atravésda instrução processual e conse-qüente decisão de mérito é que sepoderá ter certeza sobre a questãoda real situação da conduta dogestor público municipal.

A utilidade da medida diz res-peito às conseqüências advindas dadecisão judicial.

c) Da possibilidade jurídica do pedido

As formas de atuação do Mi-nistério Público são bastante varia-das e podem ser agrupadas em doissegmentos distintos: extrajudicial ejudicial.

A atuação extrajudicial do Par-quet encontra previsão nos arts. 83,XI; 84, c/c arts. 7º, II e III, e 8º, daLei Complementar n. 75/93 — Esta-tuto do Ministério Público da União,que confere o poder-dever, dentreoutras, de instaurar inquérito civile outros procedimentos administra-

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tivos com vistas a assegurar a ob-servância dos direitos sociais dostrabalhadores.

No caso dos autos, a atuaçãodo Órgão Ministerial ocorreu a par-tir de denúncias ali formalizadas, eculminando na instauração de pro-cedimento de acompanhamento deTAC para apuração das irregularida-des noticiadas no Município de Pe-dro Laurentino — Piauí.

O ajuizamento da demandanada mais foi do que conseqüênciado que foi apurado na atuação ex-trajudicial, baseando-se o Parquetnas denúncias formalizadas pelovereador Antônio Francisco dasChagas.

d) Da litispendência

Alegam os réus a existência delitispendência entre a presente AçãoCivil Pública e Mandado de Seguran-ça impetrado pelos servidores atin-gidos pelo Decreto Municipal de n.3/2005, que tramita na Comarca deSão João do Piauí.

Assim não entendo. Explico.

Conforme o art. 301, § 1º, doCPC, “Verifica-se a litispendência oua coisa julgada quando se reproduzação anteriormente ajuizada”.

E mais adiante, no § 3º, domesmo dispositivo legal:

“Há litispendência, quando serepete ação que está em curso;há coisa julgada, quando se repe-te ação que já foi decidida por sen-tença, de que não caiba recurso.”

Ora, para que se possa consi-derar a litispendência ou coisa jul-gada há que se averiguar sobre acoincidência entre os elementos daação, qual seja, partes, objeto e cau-sa de pedir. No caso de litispendên-cia, verifica-se, também, sobre arepetição da demanda e se o pro-cesso anterior ainda se encontrapendente.

No caso presente, não se podeacolher a tese dos réus, na medidaem que não existe coincidência entreos elementos das ações apontadas.

Com efeito, em se tratando deAção Civil Pública há legitimaçãoautônoma do Ministério Público, namedida em que estão envolvidos di-reitos difusos e coletivos, cuja mar-ca é a indivisibilidade e a lesão, per-petrada, atingirá a todos, indistinta-mente. Assim, estão legitimadospara agir em ações civis públicas osentes relacionados no art. 5º, da Lein. 7.347/85 (legitimatio ad causamconcorrente) e não t i tulares dedireitos individuais violados emsuas esferas jurídicas particulares.

Na ação civil pública visa-se atutela de direitos e interesses trans-individuais, qual seja, aqueles deinteresse de toda uma comunidadeou coletividade, indivisivelmenteconsiderados. No caso das ações in-dividuais, seus titulares tem por fitogarantir a tutela de seus interessesparticulares.

Também não posso admitirque haja identidade no objeto a sertutelado entre ações individuais eação civil pública, haja vista que

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naquelas a condenação é individua-lizada in concreto, enquanto quenesta, a condenação é genérica.

Some-se que a norma contidano art. 104, do CDC, é clara, ao dis-por o seguinte:

“Art. 104. As ações coletivasprevistas nos incisos I e II do pa-rágrafo único do art. 81, não in-duzem litispendência para açõesindividuais, mas os efeitos da coi-sa julgada erga omnes ou ultrapartes a que aludem os incisos Ie II do artigo anterior não benefi-ciarão os autores das ações indi-viduais, se não for requerida suasuspensão no prazo de trinta dias,a contar da ciência nos autos doajuizamento da ação coletiva.”

Rejeito, portanto, a alegaçãoda parte ré.

2 — Mérito

a) Da Ação Civil Pública — BrevesConsiderações

A Ação Civil Pública tem suamatriz na class action americana, daqual também derivam a action d’intérêtpublique francesa, a representativeaction inglesa e o Odhasionprozessalemão.

Conforme conceituação deCarlos Henrique Bezerra Leite(1), se-ria a ação civil pública, “o meio,constitucionalmente assegurado aoMinistério Público, ao Estado ou a

outros entes coletivos autorizadospor lei, para promover a defesa ju-dicial dos interesses ou direitos me-taindividuais.”

Para Hely Lopes Meirelles(2), aação civil pública “é o instrumentoprocessual adequado para reprimirou impedir danos ao meio ambiente,ao consumidor, a bens e direitos devalor artístico, estético, histórico, tu-rístico e paisagístico e por infraçõesda ordem econômica (art. 1º), prote-gendo, assim, toda a sociedade”.

A princípio, a Ação Civil Públi-ca foi inserida no ordenamento jurí-dico nacional através da Lei Com-plementar n. 40/81, que elencavacomo uma das funções institucionaisdo Ministério Público, a promoção daação civil pública, nos termos da Lei.

Posteriormente, em julho de1985 foi expedida a Lei n. 7.347, tam-bém conhecida como Lei da AçãoCivil Pública, cujo objeto era a repa-ração de “danos causados ao meioambiente, ao consumidor, e a bense direitos de valor artístico, estético,histórico, turístico e paisagístico.”

Com a promulgação da CartaConstitucional de 1988, e posterior-mente da Lei n. 8.078/90 (Código deDefesa do Consumidor) ampliou-seo objeto a ser tutelado pela AçãoCivil Pública, conferindo-lhe statusconstitucional de meio processualadequado não somente à defesa

(2) Mandado de Segurança, Ação Popu-lar, Ação Civil Pública, Mandado de Injun-ção, Habeas Data, Ação Direta de Incons-titucionalidade e Ação Declaratória deConstitucionalidade, 22ª ed., atual. e ampl.São Paulo: Malheiros, 2000.

(1) Curso de Direito Processual, 2ª ed.,São Paulo: Editora LTr, 2004.

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dos interesses expressamente pre-vistos na Lei n. 7.347/85, mas tam-bém aos interesses sociais e indivi-duais indisponíveis, bem como aosdireitos difusos e coletivos.

O Código de Defesa do Con-sumidor, art. 81, parágrafo único,incisos I e II, define direitos difusose coletivos da seguinte forma:

“I — interesses ou direitos di-fusos, assim entendidos, paraefeitos deste Código, os transin-dividuais, de natureza indivisível,de que sejam titulares pessoasindeterminadas e ligadas por cir-cunstâncias de fato:

II — interesses ou direitos co-letivos, assim entendidos, paraefeitos deste Código, os transin-dividuais, de natureza indivisívelde que seja titular grupo, catego-ria ou classe de pessoas ligadasentre si ou com a parte contráriapor uma relação jurídica — base.”

Ada Pelegrini Grinover(3), dis-correndo sobre o tema, estabeleceos pontos que diferenciam os direi-tos difusos dos coletivos, da seguin-te forma:

“No ordenamento brasileiro,por definição legislativa (art. 81,do Código de Defesa do Consu-midor), os interesses difusos ecoletivos apresentam, em co-mum, a transindividualidade e in-divisibilidade do objeto. Isso sig-

nifica que a fruição do bem porparte de um membro da coletivi-dade, implica necessariamentesua fruição por parte de todos,assim como sua negação paraum representa a negação para to-dos. A solução do conflito é, pornatureza, a mesma para todo ogrupo, podendo-se afirmar que,se houvesse litisconsórcio entreos membros, tratar-se-ia de litis-consórcio unitário.

O que distingue os interessesdifusos dos coletivos no sistemado Código, é o elemento subjeti-vo, porquanto nos pr imeirosinexiste qualquer vínculo jurídicoque ligue os membros do grupoentre si ou com a parte contrá-ria, de maneira que os titularesdos interesses difusos são inde-terminados e indetermináveisunidos apenas por circunstânciasde fato (como morar na mesmaregião, consumir os mesmos pro-dutos, participar das mesmas ati-vidades empresariais). Nos inte-resses coletivos, ao contrário,tem-se um grupo, categoria ouclasse de pessoas ligadas poruma relação jurídica — base ins-tituída entre elas (como acontece,por exemplo, quanto aos mem-bros de uma associação) ou coma parte contrária (como nas rela-ções tributárias, em que cadacontribuinte é titular de uma rela-ção jurídica com o fisco). (grifosnossos)

A Ação Civil Pública Trabalhis-ta, contudo, somente foi admitidaapós o advento da Lei Complemen-

(3) “Defesa do meio ambiente em juízocomo conquista da cidadania”, www.google.com.br.

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tar de n.75/93, que no seu art. 83,III, prevê expressamente tal hipóte-se, verbis:

“Art. 83. Compete ao Ministé-rio Público do Trabalho o exer-cício das seguintes atribuiçõesjunto aos órgãos da Justiça doTrabalho:

III — promover a ação civilpública no âmbito da Justiça doTrabalho, para a defesa de inte-resses coletivos, quando desres-peitados os direitos sociais cons-titucionalmente garantidos.”

Ressalte-se que, embora oreferido dispositivo legal mencionetão-somente a proteção dos direitoscoletivos, é livre de qualquer dúvidaque também os direitos difusos po-derão ser alvo de proteção, em ra-zão da incidência do art. 129, III, daConstituição Federal de 1988.

A Ação Civil Pública, no atualcontexto, é, assim, importante fer-ramenta que valoriza e prestigia auniversalização da tutela jurisdicio-nal, e de grande eficácia na soluçãode conflitos envolvendo direitos einteresses difusos e coletivos.

É uma ação em que o Minis-tério Público desempenha a sua im-portantíssima função de defender aordem jurídica com relação aos di-reitos acima mencionados. Na ver-dade, trata-se mesmo de poder/de-ver, pois que, tal atuação tambémenvolve a questão de política juris-dicional na prevenção de litígios, econseqüentemente, na busca da pazsocial, que é o fim da jurisdição.

b) Dos fatos

Compulsando os autos, vê-se,sem qualquer esforço, que o Sr. Pre-feito Municipal, ao expedir o Decre-to de n. 3/2005 anulou o concursopúblico, tornando sem efeito a ho-mologação do mesmo ocorrida em29 de novembro de 1998, através doEdital n. 1/1998, o que resultou noafastamento de todos os servidoresaprovados e que integravam os qua-dros da Administração Municipaldesde então.

Manifestando-se sobre o pe-dido de concessão de medida liminarformulado pelo Parquet na peça deingresso, a parte ré limitou-se a di-zer que o ato em questão foi emba-sado na constatação de inúmerasirregularidades havidas por ocasiãodo certame, bem como das nomea-ções dos candidatos aprovados, ra-zão pela qual foram afastados todosos servidores que ingressaram noserviço público municipal em razãode aprovação naquele concurso.

Não se ateve a parte ré, emnenhum momento, sobre a questãoda existência de inquérito adminis-trativo com direito ao contraditório eampla defesa dos servidores afas-tados e nem tampouco sobre a con-tratação de servidores sem prévioconcurso público para substituiraqueles afastados.

c) Do Direito

Segundo o art. 37, caput, daConstituição Federal, “A administra-ção pública direta, indireta e funda-cional, de qualquer dos Poderes daUnião, dos Estados, do Distrito Fe-

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deral e dos Municípios obedeceráaos princípios da legalidade, impes-soalidade, moralidade, publicidade eeficiência...”.

O princípio da legalidade cons-titui uma das principais garantias derespeito aos direitos individuais, poisestabelece os limites de atuação daadministração. Este princípio, con-jugado com o princípio da suprema-cia do interesse público sobre o par-ticular constituem pedra de toque daatividade administrativa, porque bus-ca promover o equilíbrio entre osdireitos dos administrados e as prer-rogativas da administração. São osprincípios fundamentais e deles de-correm todos os demais.

Assim é que, se na adminis-tração privada tudo pode, desde quenão seja proibido, na administraçãopública, somente pode ser executa-do o que a lei determina. A vontadeda administração pública decorre delei. Em decorrência deste preceito,a administração não pode praticarqualquer ato que importe em criarobrigações ou vedações aos admi-nistrados, pois sempre dependentede lei.

O princípio da supremacia dointeresse público, também conheci-do como princípio da finalidade e queestá presente tanto no momento daelaboração da lei quanto na execu-ção in concreto desta, determina queo bem-estar da comunidade estáacima de qualquer interesse de na-tureza privada, incluindo-se aí a von-tade pessoal do administrador.

Em conseqüência, se o admi-nistrador, utilizando-se das prerro-

gativas inerentes ao cargo públicoque ocupa, locupletar-se com van-tagens para si ou para outrem, bemcomo prejudicar inimigos, estará in-correndo em desvio de poder oudesvio de finalidade, invalidando porcompleto o ato por ele praticado.

Nesse mesmo esteio, é que oprincípio da moralidade determinaque o administrador agirá segundoregras de conduta que o conduzama distinguir o bem do mal, o justo doinjusto, o honesto do desonesto,com uma única finalidade: o bemcomum. Há ofensa ao princípio damoralidade todas as vezes em queo ato administrativo, embora emconsonância com a lei, ofenda amoral, os bons costumes, as regrasbásicas da boa administração e aidéia comum de honestidade.

O princípio da impessoalidade,também denominado princípio da fi-nalidade, por sua vez, impõe ao ad-ministrador que só pratique atos comfinalidade pública, não se prestan-do a administração para satisfazerinteresses privados, por favoritismosou perseguições da autoridade go-vernamental.

A prática do ato administrativosem conveniência para a administra-ção ou interesse público é conside-rada como desvio de finalidade e éuma das mais insidiosas formas decaracterização do abuso de poder.

O princípio da publicidade exi-ge que todos os atos administrati-vos sejam devidamente divulgadospara conhecimento público. É umrequisito de eficácia do ato adminis-trativo.

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Por fim, o princípio da eficiên-cia, inserido no art. 37, caput, daConstituição Federal, através da ECn. 19, de 4.6.98, traz o fundamentode que a administração pública deveprimar pelos melhores resultados,tanto sob a ótica do modo de atua-ção dos agentes públicos quantopela organização da administração,com vistas a propiciar à populaçãomelhor prestação de serviços aosadministrados.

Conforme magistério de HelyLopes Meireles (in “Direito Adminis-trativo Brasileiro”, 15ª ed., ed. RT),“O concurso público é o meio técni-co posto à disposição da Adminis-tração Pública para obter-se a mo-ralidade, eficiência e aperfeiçoamen-to do serviço público, e, ao mesmotempo, propiciar igual oportunidadea todos os interessados que aten-dam os requisitos da lei, consoantedetermina o art. 37, II, da CF”.

O concurso público é, assim,um procedimento de natureza admi-nistrativa aberto a todo interessadoe que preenche os requisitos legais,que destina-se à seleção de pessoalpor critérios objetivos e estabeleci-dos previamente por um edital, comvistas a proporcionar com igualchances, a todos os que dele parti-cipam, de aprovação e conseqüen-te acesso aos cargos e empregospúblicos.

Deveras, a aprovação em con-curso público é o meio legal para oacesso aos cargos públicos, vez quea Constituição Federal privilegia oprincípio da isonomia. O procedi-mento faz-se de forma honesta e ao

mesmo tempo seleciona aquelesmais capacitados para as funções.É a aplicação do princípio da amplaacessibilidade aos cargos públicos,que é o princípio de concreção doprincípio constitucional da isonomia.

Conforme o art. 41, da CartaConstitucional de 1988, com reda-ção alterada pela Emenda Constitu-cional de n. 19/98, “São estáveisapós três anos de efetivo serviço osservidores nomeados para cargo deprovimento efetivo em virtude de con-curso público”.

A Emenda Constitucional n.19/98 também trouxe a possibili-dade de demissão do servidor estávelnos termos do art. 169, CF/88, re-gulamentado pela Lei Complemen-tar n. 96, de 31.5.99, que discipli-nou os limites das despesas totaiscom pessoal.

Segundo definição de MariaSylvia Zanella Di Pietro(4), “Estabili-dade é a garantia de permanênciano serviço público assegurada, apóstrês anos de exercício, ao servidorpúblico nomeado por concurso, quesomente pode perder o cargo emvirtude de sentença judicial transi-tada em julgado ou mediante pro-cesso administrativo em que lhe sejaassegurada ampla defesa”.

Discute-se sobre a aplicabili-dade do art. 41, em face de empre-gados públicos, qual seja, aquelescontratados sob o regime de CLT.

(4) Direito Administrativo. São Paulo: Atlas,2004.

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Atualmente, a matéria encontra-seenfocada na Orientação Jurispru-dencial de n. 22, da DSI — II, doC.TST, na qual filio-me, que diz:

“Ação Rescisória. Estabilidade.Artigo 41, CF/88. Celetista. Admi-nistração direta, autárquica e fun-dacional. Aplicabilidade.

O servidor público celetista daAdministração direta, autárquicae fundacional é beneficiário daestabilidade prevista no art. 41,da Constituição Federal.”

Desta forma, descabe qual-quer discussão prévia sobre o regi-me de contratação dos servidorescontratados pelo Município de Pe-dro Laurentino — Piauí, visto queem ambos os casos — estatutáriosou celetistas, incide a regra da es-tabilidade após três anos da presta-ção de serviço.

Mas ainda que não se consi-derasse a estabilidade dos servido-res admitidos em razão do referidocertame, ainda, assim, no meu en-tendimento, haveria a necessidadede instauração de processo adminis-trativo para a viabilização da demis-são dos mesmos, visto que a Admi-nistração está obrigada a motivar osseus atos, não se podendo, em taishipóteses, admitir a denúncia vazia,com base em poder potestativo doempregador comum.

Ora, não ficou demonstrado oumesmo foi objeto de qualquer ale-gação da parte ré a existência deinstauração de processo administra-tivo para viabilizar a demissão dos

servidores em questão, o que é inad-missível, haja vista que em afrontaao art. 37, caput da Carta Constitu-cional de 1988.

Com efeito, o processo admi-nistrativo é o meio processual indi-cado para apuração de irregularida-des e patrocinar subsídios para aadoção das providências que o casorequer, sempre com vistas ao bemcomum.

Assim, o processo administra-tivo encontra-se submetido a cincoprincípios básicos: o da legalidadeobjetiva, o da oficialidade, o do in-formalismo, o da verdade material eo da garantia de defesa.

O princípio da legalidade ob-jetiva diz que o processo adminis-trativo deverá embasar-se numanorma legal específica, sob pena deinvalidade; o da oficialidade atribuia movimentação do processo admi-nistrativo à Administração; ao prin-cípio do informalismo dispensa ritose formas rígidas para o processoadministrativo; o princípio da verda-de material autoriza a Administraçãoa valer-se de qualquer prova parachegar-se a verdade real, em detri-mento da verdade formal; o princí-pio da garantia da ampla defesadetermina a observância do rito ade-quado, bem como a cientificação doprocesso ao interessado, a oportu-nidade para contestar a acusação,acompanhando todos os atos doprocesso.

Ressalte-se que a cientifica-ção ao interessado deve ser feita deforma clara sobre seus direitos eprerrogativas e não meramente for-

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mal. A defesa, por sua vez, compre-ende a ciência da acusação, a vistados autos na repartição, a oportuni-dade para oferecimento de contes-tação e a produção de provas, in-clusive com inquirição e reperguntasàs testemunhas.

No caso em tela, vejo que taisdiretrizes foram totalmente ignora-das pelos réus, que afastaram osservidores admitidos em razão daaprovação no concurso em questãode forma imediata, sem observân-cia do devido processo legal, garan-tia constitucionalmente asseguradaa todos os cidadãos.

Também não vejo justificadasas razões dispostas no texto do De-creto Municipal de n. 3/2005 para aanulação do certame, haja vista quea ausência de publicidade alegadanão se sustenta.

A publicidade dos atos admi-nistrativos não se dá somente quandoda publicação em órgão oficial. Aliás,esta é a forma que menos ocorre apublicidade, considerando-se queesta tem por fito cientificar à popu-lação das medidas adotadas pelaAdministração Pública atinentes àdeterminada situação.

Havendo o conhecimento dosadministrados a respeito de deter-minado ato, satisfeito estará o requi-sito, vez que permitiu-se a fiscaliza-ção deste pelo povo.

Com relação à contratação depessoas sem a prévia aprovação emconcurso público, fato não contes-tado pela parte ré, entendo que amedida é de ilegalidade flagrante,vez que em descompasso com os

termos do art. 37, da Carta Consti-tucional de 1988, que exige a obri-gatoriedade de aprovação em cer-tame para o ingresso nos quadrosda Administração Direta, Indireta eFundacional da União, Estados,Municípios e Distrito Federal.

d) Dano Moral Coletivo

Dano, segundo a definição deCarlos Alberto Bittar(5) “é a lesão ouredução patrimonial, sofrida peloofendido, em seu conjunto de valo-res protegidos no Direito, seja quan-to à sua própria pessoa — moral oufisicamente — seja quanto a seusbens ou a seus direitos”.

A lesão, desta forma, não serestringe a componentes puramentepatrimoniais, podendo, também atin-gir elementos na esfera moral do titu-lar. Daí por que classifica-se o danoem material e moral, sendo que o pri-meiro atinge esfera de economicida-de e no segundo caso, valores afeti-vos, intelectuais ou de personalidadeda pessoa, que poderá ser física oujurídica, entes não personalizados,grupos, categorias, etc., cujo tema tra-taremos mais adiante.

O dano moral foi introduzidoem nosso ordenamento jurídico apartir do advento da ConstituiçãoFederal de 1988. Em período ante-rior, a reparabilidade dos danos des-sa natureza era feita exclusivamen-te com base no art. 159, CC de1916, cuja abstratividade comportaqualquer modalidade de dano.

(5) Responsabilidade Civil — Teoria e Prá-tica, Rio de Janeiro: Ed. Forense Univer-sitária, 1989, p. 7 e segs.

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Nesse sent ido, i lust rat ivocomentário de Xisto Tiago MedeirosNeto(6), que diz o seguinte:

“Com efeito, ê pertinente con-cluir-se, diante das normas inte-grantes do Código Civil de 1916,que de acordo com a regra geraldo art. 159 admitia-se a repara-ção dos danos patrimoniais emorais. Ademais as situações es-pecíficas constantes dos arts.1.537 a 1.552 possuíam tratamen-to próprio, na forma ali estabele-cida, sem desprezo da aplicaçãode outros preceitos inseridos emlegislação especial. E, consideran-do-se os termos do art. 1.533, emtodos os casos cuja forma dereparação do dano (patrimonial ouextrapatrimonial) não estivesseprevista naquele diploma, portan-to, ausente qualquer regra espe-cífica, a quantificação dar-se-iapor arbitramento.”

Georgenor de Sousa FrancoFilho(7) entende que a figura do danomoral trabalhista existe mesmo des-de o advento da CLT, em maio de1943, verbis:

“Os arts. 482, j e k, e 483, e,da CLT, contemplam desde hámuito, o direito de o trabalhadorhaver do empregador indeniza-ção por dano moral trabalhista. Aleitura que era feita do dispositi-vo direcionava apenas para a

possibilidade de dispensa moti-vada do empregado, ou de suadispensa indireta. Raros viam, ali,o dano moral implícito. É porquenão havia a relevância para o Di-reito do Trabalho, como mencio-nado pelo ínsigne Orlando Teixei-ra da Costa. As preocupaçõeseram outras. Os direitos humanosfundamentais ainda não haviamevoluído o bastante.

O fato indisfarçável, que ga-nhou relevo a partir da promul-gação da Carta Constitucional de1988, é que o dano moral traba-lh is ta , desde pe lo menos oadvento da CLT, em 1º de maiode 1943, existe. Em outros ter-mos, ele preexistia à Constituiçãoem vigor.”

A Car ta Consti tucional de1988 categorizou expressamente osdanos, dentre eles o de caráter mo-ral, ao inseri-lo em dois comandosdo art. 5º, inciso V e X, admitindosua reparabilidade em todos os ra-mos do direito.

“V — é assegurado o direito deresposta, proporcional ao agravo,além da indenização por danomaterial, oral ou à imagem.”

“X — são invioláveis a vida pri-vada, a honra e a imagem daspessoas, assegurado o direito àindenização pelo dano material oumoral decorrente de sua violação.”

O Código Civil de 2002, porsua vez, reconhece expressamentea figura do dano moral e a obriga-ção de indenizar, sem restrições ao

(6) Dano Moral Coletivo, São Paulo: Ed.LTr, 2004, p. 93.(7) “A prescrição do dano moral trabalhis-ta”, Revista LTr, 69-04/402-407.

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direito violado, da forma mais am-pla e completa possível, a teor dosarts. 186 e 927.

“Art. 186. Aquele que por açãoou omissão voluntária, negligên-cia ou imprudência, violar direitoe causar dano a outrem, aindaque exclusivamente moral, come-te ato ilícito.”

“Art. 927. Aquele que, por atoilícito (arts. 186 e 187), causardano a outrem, fica obrigado arepará-lo.

Parágrafo único. Haverá obri-gação de reparar o dano, inde-pendentemente de culpa, noscasos especificados em lei, ouquando a atividade normalmentedesenvolvida pelo autor do danoimplicar, por sua natureza, riscopara os direitos de outrem.”

Segundo João Lima TeixeiraFilho(8), dano moral “é o sofrimentohumano provocado por ato ilícito deterceiro que molesta bens materiaisou magoa valores íntimos da pes-soa, os quais constituem susten-táculo sobre o qual sua personali-dade é moldada e sua postura nasrelações em sociedade é erigida”.

Carlos Alberto Bittar Filho(9),define o dano moral como “o resul-tado do golpe desfechado contra aesfera psíquica ou a moral, em se tra-tando de pessoa física. A agressão

fere a pessoa no mundo interior dopsiquismo, traduzindo-se por reaçõesdesagradáveis, desconfortáveis ouconstrangedoras.”

Assim, o dano moral diferen-cia-se do dano patrimonial basica-mente porque, no primeiro caso, sãoestados da alma do indivíduo, cau-sando dores e sofrimentos e afetan-do valores íntimos da subjetividade,enquanto que, no segundo caso, sãoafetados bens passíveis de valora-ção pecuniária e de correspondên-cia com uma necessidade econômi-ca. Registre-se que a reparação pelaafronta moral é autônoma da repa-ração patrimonial.

Como pressupostos para areparabilidade do dano moral, em setratando de pessoa física, há querestar comprovado e correlacionadoo ato ilícito com o lesionamento ín-timo. Há que se determinar o fatopreciso que gerou o dano alegado.

Ressalte-se que, embora de-finido pelos dispositivos constitucio-nais acima listados, o enquadramen-to do dano não pode ficar restrito aorol de bens elencados no art. 5º, X,CF /88, haja vista que sendo a per-sonalidade um valor, não poderão ashipóteses de lesão ser relacionadasem numerus clausus, vez que osvalores da pessoa humana não po-dem ser considerados dentre de li-mites estreitos, somente encontran-do barreiras nos direitos e interes-ses de outros indivíduos, já que emsociedade vivemos.

A evolução dos sistemas mo-dernos de responsabilidade civil tevepor conseqüência o alargamento da

(8) “O Dano Moral no Direito do Trabalho”,Revista LTr 60-09.(9) “Do dano moral coletivo no atual con-texto jurídico brasileiro”, www.jusnavigandi/doutrina/responsabilidade civil.com.br.

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proteção jurídica aos interesses deessência moral e aos direitos meta-individuais, traduzindo-se em am-pliação do rol de danos passíveisde ressarcimento, inclusive lesões deordem extrapatrimonial, em especialde natureza coletiva.

Deveras, não se consideramapenas os indivíduos como pesso-as dotadas de um padrão ético, mastambém do mesmo modo a coletivi-dade, assim considerada em qual-quer de suas expressões, possuibens de natureza moral reconheci-dos pelas normas constitucionais einfra-constitucionais, e que são pas-síveis de defesa pelos meios proces-suais adequados.

Assim como o indivíduo temsua carga de valores, também a co-munidade tem uma dimensão ética.Os valores coletivos, portanto, dizemrespeito à comunidade como umtodo, independente de seus compo-nentes e possuem caráter indivisível.

O dano moral coletivo é, pois,nas palavras de Carlos Alberto BittarFilho(10), “a lesão injusta a uma dadacomunidade, atingindo o seu patri-mônio valorativo idealmente consi-derado”.

O dano moral coletivo ampliao conceito de lesão extrapatrimonialequivalente a uma dor psíquica, queseria exclusivamente de pessoas fí-sicas, para considerar valores acei-tos e compartilhados em sociedadee por ela tidos como relevantes.

É uma garantia de moralidadepública, na medida em que, havendo

o dever de ressarcimento pelo cau-sador do dano, certamente serãoinibidas condutas que venham a pre-judicar à coletividade em seus múl-tiplos aspectos, seja em matéria am-biental, consumidor, cultural ou mes-mo na dilapidação e utilização inde-vida do patrimônio público, bemcomo prática de atos de improbida-de administrativa.

O dano moral coletivo poderá,assim, ser classificado em danomoral de natureza divisível e de na-tureza indivisível, sendo o primeiroaplicado em se tratando de direitosindividuais homogêneos e o segun-do para direitos coletivos e difusos.

Os direitos individuais homo-gêneos são aqueles que, emborapermaneçam individualizados, pos-suem origem comum, ou seja, de-correm da mesma situação fática.Foram incluídos na categoria de di-reitos metaindividuais para viabilizarmaior acesso à justiça, bem comopossibilitar uma mesma linha de de-cisões judiciais.

Nesse sentido, Renata CoelhoPadilha Geral(11), diz o seguinte,verbis:

“Finalmente, deve-se ressaltarque os interesses individuais homo-gêneos são interesses metaindivi-duais em seu aspecto processual,ou seja, somente para fins de suatutela é que são considerados como

(11) “Interesses individuais homogêneosna perspectiva das ‘ondas’ de acesso àjustiça”. In Direitos Metaindividuais, coor-denador Carlos Henrique Bezerra Leite,São Paulo: Ed. LTr, 2005, p. 61.(10) Obra citada.

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coletivos latu sensu, mas, material-mente considerados, possuem na-tureza de direitos individuais.”

Os direitos coletivos são aque-les em que os seus titulares estão li-gados por uma relação jurídica base,ou seja, é viável a identificação a par-tir da apuração de circunstância co-mum a integrantes de um grupo oucategoria ou grupo de pessoas, cujosinteresses ultrapassem a esfera indi-vidual de cada um deles.

Por sua vez os direitos difusossão aqueles em que não se podedelimitar os titulares, embora este-jam estes ligados por uma circuns-tância de fato.

Discorrendo sobre o tema,José dos Santos Carvalho Filho(12)

estabelece um critério de identifica-ção entre direitos difusos e coleti-vos, da seguinte forma:

“Entre os interesses difusos ecoletivos, merecem destaquedois pontos de identificação emseu perfil conceitual. O primeirodiz respeito aos destinatários: emambos os direitos presente estáa natureza de transindividualida-de, de forma que hão de ser tra-tados em seu conjunto e não emvirtude dos integrantes do univer-so titular do interesse. O segun-do consiste na individualidade dodireito, o que está a significar quenão se pode identificar o quinhãodo direito de cada integrante dogrupo possa ser titular. O direito,como já se disse, merece a pro-

teção legal como um todo, abs-traindo-se da situação jurídicaindividual de cada beneficiário.”

No caso em tela vê-se que aconduta do administrador públicomunicipal, ao anular por decreto umconcurso público realizado há maisde sete anos, e que culminou nademissão sumária de todos os em-pregados públicos que foram admi-tidos em razão do referido certame,sem direito à defesa, causou, semdúvida, danos à comunidade.

Com efeito, de uma só vez, oSr. Prefeito Municipal lesou tantoaqueles que foram atingidos direta-mente pelos efeitos do Decreto Mu-nicipal de n. 3/2005, de 31 de ja-neiro de 2005, que foram sumaria-mente demitidos e perderam inopi-nadamente a sua fonte de sustento,como também atingiu a coletivida-de daquele município, na medida emque abriu grave precedente, causan-do descrédito de processos seleti-vos, o que, em última análise res-pinga na credibilidade de todo o nos-so ordenamento jurídico e dos prin-cípios basilares que lhe dão funda-mento, em especial o respeito à dig-nidade da pessoa humana.

A prática adotada pelo Sr. Pre-feito afronta o direito à cidadania, àdignidade da pessoa humana, aovalor social do trabalho e à honradaqueles que se viram de hora paraoutra alijados dos quadros do muni-cípio sem qualquer justificativa.

Ora, a honra é um conceitoque poderá ser aplicado tanto indi-vidualmente como coletivamente.

(12) Ação Civil Pública, Rio de Janeiro:Lumen Juris Editora, 2004, p. 34.

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Podemos considerar a honra em suaacepção individual, como aquelaestima que cada um tem de si pró-prio e a reputação e respeito quegoza no meio social em que vive. Emacepção coletiva, a honra poderá sertida nos mesmos quadrantes, maslevando-se em consideração as re-lações com outras coletividades,com outros indivíduos ou com pes-soas jurídicas.

Os danos decorrentes do atoem análise extrapolam, sem sombrade dúvida, a esfera individual dossujeitos lesados, atentando tambémcontra os direitos coletivos e difusos.Ultrapassado fica, desta forma, asfronteiras da tolerabilidade, na me-dida em que os efeitos prejudiciaisseja aos servidores demitidos, sejaà coletividade, apresentam grandesignificância, urgindo a reparaçãorespectiva.

Assim, urge a reparação vistoque presentes os pressupostos paratal, qual seja, a prova da ocorrênciacometida pelos réus, o dano e onexo causado entre este e o prejuí-zo efetivado. Busca-se aqui, nãosomente oferecer uma compensa-ção à coletividade dos trabalhado-res atingidos diretamente pelo De-creto Municipal acima mencionado,como também tem conotação peda-gógica a fim de assegurar que nãovingue a idéia ou sentimento de des-moralização da ordem jurídica, queé uma das colunas do Estado De-mocrático de Direito a que estamossubmetidos desde o advento daCarta Constitucional de 1988.

e) Da responsabilidade civil doMunicípio

A Constituição Federal de1988, no seu art. 37, § 6º, manteve oregime de responsabilidade objetivado Estado, nos seguintes termos:

“Art. 37. Omissis

§ 6º As pessoas jurídicas dedireito público e as de direito pri-vado prestadoras de serviços pú-blicos responderão pelos danosque seus agentes, nessa qualida-de, causarem a terceiros, asse-gurado o direito de regresso con-tra o responsável nos casos dedolo ou culpa.”

Responsabilidade objetiva, nadefinição de Celso Antônio Bandei-ra de Mello(13) “é a obrigação de in-denizar que incumbe a alguém emrazão de um procedimento lícito ouilícito que produziu uma lesão naesfera juridicamente protegida deoutrem. Para configurá-la basta,pois, mera relação causal entre ocomportamento e o dano”.

Assim, provado o fato e o nexocausal, surge o dever de indenizar.Dispensa-se, pois, qualquer indaga-ção sobre eventual culpabilidade daentidade pública, aplicando-se, aqui,a teoria do risco.

Discorrendo, sobre a teoria dorisco, diz Maria Helena Diniz(14):

“A insuficiência da culpa paracoibir todos os prejuízos, por obri-

(13) Curso de Direito Administrativo, SãoPaulo: Ed. Malheiros, 2005.(14) Curso de Direito Civil, vol. 7, SãoPaulo: Ed. Saraiva, 2002, p. 11.

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gar a perquirição do elementosubjetivo na ação e a tecnizaçãodos tempos modernos, caracte-rizado pela introdução de máqui-nas, pela produção de bens emlarga escala e pela circulação depessoas por meio de veículos au-tomotores, aumentando assim osperigos à vida e à saúde humanalevaram a uma reformulação dateoria da responsabilidade civildentro de um processo de hu-manização. Este representa uma‘objetivação da responsabilidade,sob a idéia de que todo risco deveser garantido, visando a proteçãojurídica à pessoa humana, emparticular aos trabalhadores e asvítimas de acidentes, contra a in-segurança material, e todos osdanos deve ter um responsável.A noção de risco prescinde daprova e da culpa do lesante, con-tentando-se com a simples cau-sação externa, bastando a provade que o evento ocorreu no exer-cício da atividade, para que oprejuízo por ela criado seja in-denizado. Baseia-se no princípiodo ubi emolumentum, ibi jus ouibi onus, isto é, a pessoa que seaproveitar dos riscos ocasiona-dos deverá arcar com as suasconseqüências.”

Assim, para efeitos de respon-sabilidade civil do Estado o que im-porta saber é se houve dano. Nãoimporta averiguar se o agente atuoude forma culposa ou dolosa, massim no exercício da atividade públi-ca e também se o ato praticado so-mente pôde ser praticado em razãoda condição de agente público.

O Estado somente poderá seeximir de responder pelos danos cau-sados a terceiros se comprovar quea vítima concorreu com culpa ou dolopara o evento danoso, ou se a culpafoi exclusivamente desta.

O Prof. Celso Antônio Bandei-ra de Mello(15) enumera as seguin-tes condições para considerar odano indenizável:

“a) o dano deverá corresponderà lesão a um direito da vítima;

b) deverá se tratar de um bemjurídico cuja integridade o siste-ma normativo proteja, reconhe-cendo-o como um direito do indi-víduo;

c) o dano deve incidir sobre umdireito certo e não meramenteplausível.”

Ora, no caso presente, é cris-talina a obrigação de indenizar peloEstado, na medida em que os servi-dores demitidos foram previamenteaprovados em concurso público, cer-tame este que teria preenchido to-dos os requisitos legais para reali-zação, ou que pelo menos não foialvo de contestação na época opor-tuna, tendo a admissão dos mesmosnos quadros do município ocorridodentro dos padrões legais.

Também constata-se que,após sete anos de prestação dosserviços em caráter subordinado, arelação havida entre os servidorese o município foi acobertada pelomanto da estabilidade, e não poderiam

(15) Obra citada.

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os obreiros ter sido demitidos semprévio inquér i to administrat ivo,sem que fosse viabilizado o contra-ditório e a ampla defesa, em atendi-mento ao princípio do devido proces-so legal, constitucionalmente asse-gurado a todos os cidadãos.

A conduta do município gerou,assim, um dano de ordem patrimo-nial e moral aos servidores demiti-dos em razão da anulação do certa-me, na medida em que, consideran-do-se ilegal o ato e determinada areintegração dos mesmos, certa-mente caberá ao Município pagar ossalários dos dias de afastamento edemais consectários legais, oneran-do os cofres públicos.

Como se não bastasse, a con-duta praticada também atingiu a co-letividade daquele município, pois aanulação do concurso abriu graveprecedente no sentido de descréditoda submissão de todos, inclusive doPoder Público, às normas do orde-namento jurídico nacional, gerandoclima de insegurança e desconfian-ça nos entes públicos e afrontando oEstado Democrático de Direito.

Impõe-se, sem dúvida, o deverde indenizar pelos prejuízos havidos.

f) Da responsabilidade civil doPrefeito Gilson Eugênio Rodrigues

Não há dúvidas de que um dospilares do moderno Direito Consti-tucional é a sujeição de todas aspessoas — físicas e jurídicas, públi-cas ou privadas à ordem jurídica, demodo que toda lesão praticada de-verá ser reparada da forma maiscompleta possível.

Assim, a vítima deverá ser in-denizada pelo que perdeu, o quedespendeu e o que deixou de ga-nhar em razão do ato lesivo daadministração.

A Constituição Federal de1988, no seu art. 37, § 6º, estabele-ce como regra a responsabilidadeobjetiva do Estado para reparar da-nos causados por seus agentes,quando nesta condição atuem. Odispositivo constitucional estabelecea responsabilidade subjetiva doagente público.

Ao utilizar o termo “agente”, olegislador constitucional abarcou,para fins de responsabilidade civil,todas as pessoas que de algum modoestão incumbidas de algum serviçopúblico, seja em caráter permanen-te ou transitório.

Assim é que, não somente osagentes administrativos estão inser-tos na norma de responsabilidade,mas também os agentes políticos.Agentes políticos são aqueles queexercem funções governamentaisnos seus primeiros escalões. São asautoridades públicas supremas doGoverno e da Administração e exer-cem um munus público e não pos-suem relação profissional com oEstado.

Mesmo que a vinculação en-tre os agentes políticos e o Estadotenha natureza jurídica especial, esabendo-se que tais agentes neces-sitam de maior cabedal de liberdadee garantias para melhor exerceremas suas funções, visto que tomamdecisões muitas vezes de vital im-portância para os rumos da coleti-

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vidade, não se eximem os mesmosde responder civilmente pelos atospraticados com má-fé, culpa gros-seira ou abuso de poder.

É que a administração nãopode isentar de responsabilidade taisagentes, na medida em que não pos-sui disponibilidade sobre o patrimô-nio público, devendo zelar pela inte-gridade deste, que, em última instân-cia, é de todo cidadão brasileiro.

A relação entre a vontade doEstado e de seus agentes é de im-putação direta. Desta forma, o queo agente pratique em tais condições,considera-se como se o Estado o ti-vesse feito. Daí por que, embora oart. 37, § 6º, da CF/88 tenha esta-belecido a obrigação do Estado emindenizar a vítima, não é excluden-te de responsabilização do agente.

A intenção do legislador cons-titucional foi, sem dúvida, protegero administrado, ofertando-lhe umpatrimônio solvente, acautelando osinteresses do lesado. No entanto,induzir raciocínio no sentido de aco-ber tar o agente público vai umagrande distância.

Assim é que a responsabiliza-ção do agente não se limita a açãoregressiva a ser promovida pelo Po-der Público judicialmente condena-do. A vítima poderá propor a açãocontra o Estado, contra o agente oucontra ambos, que responderão so-lidariamente.

Em se tratando de lesão adireitos difusos e coletivos, como é ocaso em tela, com mais proprieda-de poderá o agente público figurarno pólo passivo da ação, responden-do solidariamente com o Estado.

Responsabilidade a algo ele-mentar. Onde houver exercício irre-gular, implicará a responsabilização.A responsabilidade patrimonial doagente político está prevista no § 6º,do ar t. 37, CF /88. A responsa-bilidade pela prática de ato de im-probidade administrativa tem raiz, nomesmo dispositivo constitucional,mas no § 4º.

O art. 37, § 4º, da Constitui-ção Federal de 1988, diz que:

“Art. 37. Omissis

§ 4º Os atos de improbidadeadministrativa importarão a sus-pensão dos direitos políticos, aperda da função pública, a indis-ponibilidade dos bens e o ressar-cimento do erário, na forma e gra-dação previstas em lei, sem pre-juízo da ação pena cabível.”

O dispositivo acima citado foiregulamentado pela Lei n. 8.429/92— Lei de Improbidade Administrati-va, que enumera nos arts. 9º, 10 e11 as hipóteses de responsabiliza-ção administrativa.

Ressalte-se que as hipóteseslistadas em tais artigos têm carátermeramente exemplificativo, já queseria impossível prever todas as“condutas criativas” praticadas poragentes públicos com o fim de lesara Administração Pública, o que, in-felizmente, ainda é uma rotina emnosso País.

Segundo a Lei n. 8.429/92, sãoconsideradas condutas que levam àresponsabilização por improbidadeadministrativa: a) atos que importam

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em enriquecimento ilícito; b) atosque causem prejuízo ao erário e c)atos que atentem contra os princí-pios da administração pública.

É importante ressaltar que ostipos legais insertos na Lei de Impro-bidade poderão ser interpretadosconforme os princípios da razoabili-dade e da proporcionalidade, que sãoprincípios implícitos constantes daCarta Constitucional de 1988 e quese vinculam ao princípio do devidoprocesso legal e aos direitos funda-mentais, respectivamente.

No caso presente, impor taaveriguar se a conduta do PrefeitoGilson Eugênio causou prejuízos aoerário, bem como se o ato por elepraticado deu-se contrariamenteaos princípios da administração pú-blica, para, a partir daí, determinar-se sobre o ressarcimento dos pre-juízos tidos pelo Município com areintegração dos servidores demiti-dos e ainda em razão do dano mo-ral perpetrado.

Conforme entendimento daparte autora, o Prefeito Municipalteria causado danos ao erário, capi-tulados no arts. 10, X, e 11, da Leide Improbidade Administrativa, qualseja:

“Art. 10. Omissis

X — agir negligentemente naarrecadação de tributo ou renda,bem como no que diz respeito àconservação do patrimônio público.”

“Art. 11. Constitui ato de im-probidade administrativa queatenta contra os princípios daadministração pública qualquer

ação ou omissão que viole osdeveres de honestidade, impar-cialidade, legalidade e lealdadeàs instituições e notadamente:

V — frustrar a licitude de con-curso público.”

O art. 10, do mencionado di-ploma legal, admite a responsabili-zação do agente que pratique o atonão somente na forma dolosa, mastambém na forma culposa.

Assim, mesmo não ostentan-do a vontade de praticar o ato, masagindo com imprudência, negligên-cia ou imperícia poderá o agente serenquadrado nos tipos do artigo.

No caso em tela, vejo clara-mente que o Sr. Prefeito Municipalagiu na forma culposa, quando anu-lou concurso público e atentou con-tra a conservação do patrimônio pú-blico, aqui entendido como conjuntode bens pertencentes ao Município,incluindo-se o erário público, vez queseguramente serão feitas despesaspara pagamento dos servidores de-mitidos em razão da reintegração dosmesmos relativos ao período de afas-tamento destes, em que não houvea contraprestação da prestação deserviços à municipalidade.

Em razão da conduta do Admi-nistrador, o Município também severá coagido a pagar indenizaçãoem razão de danos morais coletivosperpetrados diante da conduta oraem análise.

Com relação à afronta aosprincípios da administração pública,entendo o seguinte:

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Conforme o art. 11, da Lei deImprobidade Administrativa, deveráo agente público pautar sua condu-ta com honestidade, imparcialidade,legalidade e lealdade às instituições.

Assim, além da observânciaaos princípios insertos no art. 37, daCarta Magna — legalidade, moralida-de, publicidade, impessoalidade e efi-ciência, o legislador infraconstitucio-nal, acrescenta o rol disposto no art.11, do mencionado diploma legal.

Sabe-se que o princípio da le-galidade juntamente com o princí-pio da moralidade formam a basepara observância da probidade doagente, haja vista que o primeiroobriga a sujeição de todos os atospraticados à observância de normasuperior; no segundo, importa emobservar que o agente deverá pau-tar todos os seus atos direcionadosao bem comum.

Os deveres listados no artigo11 deverão, pois, ser lidos em con-sonância com os princípios constan-tes do art. 37, caput, com vistas amelhor caracterizar a conduta repro-vável do agente.

O dever de honestidade dizrespeito à obrigação do agente emagir dentro dos padrões de morali-dade administrativa; o dever de im-parcialidade, tem relação com o de-ver contido nos princípios de impes-soalidade e isonomia e traduz-se naconduta desinteressada do agente,que deverá visar exclusivamente oatendimento geral de utilidade pú-blica; o dever de legalidade é obri-gação do agente de agir dentro dospadrões legais; e o dever de lealda-de é a vinculação do agente a umcomportamento de fidelidade.

A conduta do Sr. Prefeito Mu-nicipal em anular o concurso públi-co com base nas pretensas irregu-laridades apontadas no DecretoMunicipal de n. 3/2005, de 21 dejaneiro de 2005 não se sustenta,seja porque não se tem notícias dequestionamentos havidos no inter-regno entre a data de homologaçãodo certame e a data de expedição doreferido Decreto, seja porque já abar-cado pelo manto da prescrição a pos-sibilidade de a Administração proverela própria, sobre determinada situa-ção, que no caso seria a anulaçãodo certame.

Na lição de Clóvis Beviláqua,prescrição “é a perda da ação atri-buída a um direito, e de toda a suacapacidade defensiva, em conse-qüência de não-uso delas, duranteum determinado espaço de tempo”.

A prescrição, segundo defini-ção de Ísis de Almeida(16), “é a per-da, pelo desuso de certo tempo, dafaculdade de pleitear um direito, atra-vés da ação judicial competente.”

Assim, conforme diz VilsonRodrigues Alves(17), “prescrição nãoé causa de extinção de efeitos jurí-dicos, tão-somente causa de enco-brimento da eficácia da pretensão eda ação, que permanecem incólu-mes em sua existência”.

A prescrição, pois, tem funçãode pacificação social, na medida emque, se é certo o direito do credor

(16) In Manual da Prescrição Trabalhista,São Paulo: Ed. LTr, 1998.(17) Da Prescrição e da Decadência noNovo Código Civil, Ed. Bookseller, 1ª ed.,2003, p. 99.

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exigir judicialmente os créditos queentende devidos, não menos certoé que tal direito não pode ser eter-no, permanecendo por todo o tem-po situações duvidosas a manter ocredor e devedor na incerteza de umdireito.

Nesse ponto, a prescrição,conforme ensinamentos de Clóvis,é instrumento de ordem, harmoniae paz, na medida em que o tempo éinexorável e é por demais visível queas relações humanas são temporá-rias, como temporário tudo é, nãopodendo ser diferente com o direito.Perde-se o direito com o desuso.

Nesse sentido, Vilson Rodri-gues Alves(18), diz o seguinte:

“A prescrição serve à paz pú-blica, à paz social, à segurançapública.”

Desta forma, é patente que aconduta do Sr. Prefeito Municipalnão observou aos princípios da le-galidade, vez praticou ato em disso-nância com o sistema legal vigente.O princípio da moralidade tambémrestou afrontado, já que, o ato emanálise, em momento algum levouem consideração as regras da boaadministração.

Também vejo que foram des-respeitados o dever de honestidadee impessoalidade, pois que o Admi-nistrador não agiu dentro dos pa-drões de moralidade administrativa,com o dever de imparcialidade, edentro de uma conduta desinteres-sada visando exclusivamente ao aten-dimento geral de utilidade pública.

Impõe-se, desta forma, o de-ver de ressarcir ao erário público osvalores por ele dispendidos em ra-zão das conseqüências da expediçãodo Decreto Municipal de n. 3/2005.

g) Dos pedidos

Comprovada a ilegalidade damedida que anulou o concurso pú-blico realizado pelo Município no anode 1998, anulo o Decreto Munici-pal de n. 3/2005, considerando denenhum efeito as disposições aliconstantes.

Confirma-se os termos da me-dida liminar de fls. 70/82, para deter-minar, desta feita em caráter definiti-vo, a reintegração dos servidoresdemitidos em razão do Decreto Mu-nicipal de n. 3/2005, com pagamen-to dos salários dos dias de afasta-mento, bem como recolhimentos dosdepósitos fundiários e contribuiçõesprevidenciárias do período.

Defere-se indenização pordano moral coletivo, visto que agre-dida a coletividade do município re-clamado, cujos valores deverão serrevertidos para o Fundo de Amparoao Trabalhador — FAT.

Defere-se o pedido de proibi-ção ao município reclamado em con-tratar pessoas não aprovadas emconcurso público e de demitir servi-dores/empregados admitidos apósaprovação em certame público sema preliminar instauração de inqué-rito administrativo, onde serão dis-ponibilizados o contraditório e aampla defesa.(18) Obra citada, p. 90.

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h) Critérios para fixação daindenização dos danospatrimoniais

A conduta do administrador,ao proceder a demissão de servido-res admitidos nos quadros do muni-cípio após prévia aprovação em con-curso público, sem a instauração deinquérito administrativo, resultou naordem de reintegração e conseqüen-te pagamento dos salários do períodode afastamento e de consectárioslegais, devendo ser apurado na for-ma de cálculos do contador, consi-derando-se a remuneração de cadaum deles.

i) Critérios para fixação daindenização por danos morais

O pagamento da indenizaçãopor danos morais, como já se disse,não é apenas uma compensação, jáque a dor moral, por ser subjetiva,não tem valor. Assim, antes de seconfigurar um mero lenitivo, a repa-ração pecuniária deverá ter caráterpedagógico, com o fim de inibir fu-turas condutas da mesma natureza.

Nesse sentido, a lição de Síl-vio de Salvo Venosa(19), verbis:

“Há função de pena privada,mais ou menos acentuada, na in-denização por dano moral, comoreconhece o direito comparadotradicional. Não se trata, portanto,de mero ressarcimento de danos,como ocorre na esfera dos danos

materiais. Esse aspecto punitivoda verba indenizatória é acentua-do em muitas normas de índolecivil e administrativa. Aliás, tal fun-ção de reprimenda é acentuadanos países de common law. Há umduplo sentido na indenização pordano moral: ressarcimento e pre-venção. Acrescente-se, ainda, ocunho didático, ou pedagógicoque essas indenizações apresen-tam para a sociedade.”

Em se tratando de dano moralcoletivo, a reparação deve tambématender ao desejo coletivo de justi-ça social, vez que o mundo civiliza-do não mais tolera o inato sentimen-to de vingança.

Assim, o valor objeto da con-denação deverá ser arbitrado pelomagistrado, considerando-se a di-mensão do dano, avaliando a reper-cussão do fato, delineando, destemodo, a força e a extensão da agres-são moral perpetrada, e, ainda, onível sócio econômico da vítima eo porte do ofensor.

No caso em tela, vejo queagredidos foram todos os servido-res demitidos, bem como suas fa-mílias, e ainda, a comunidade emgeral, o que ocasiona dano de mon-ta considerável. No entanto, tambémconsidero que se trata de municípiode pequeno porte, e cuja viabilidadecertamente dependerá na sua qua-se totalidade de repasses auferidospelo Governo Federal e uma conde-nação em valores excessivamenteelevados poderá levar à inviabiliza-ção da administração do mesmo.

(19) Direito Civil — ResponsabilidadeCivil, vol. IV, São Paulo: Ed. Atlas, 2004,p. 254.

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Acolho, portanto, o pedido for-mulado pelo Ministério Público doTrabalho, mas fixo o valor da indeni-zação em R$ 30.000,00 (trinta milreais).

Dispositivo

Isto posto, julgo procedente opedido formulado na exordial paraanular o Decreto Municipal de n.3/2005, de 21 de janeiro de 2005,e condenar Município de PedroLaurentino — Piauí a proceder areintegração definitiva dos servi-dores demitidos em razão da ex-pedição do Decreto ora anulado,e pagar aos mesmos os saláriosdo período de afastamento comrecolhimentos de FGTS e INSS.Condeno, ainda, ao pagamento daindenização de R$ 30.000,00 (trin-ta mil reais), por danos moraiscoletivos perpetrados contra acoletividade daquele município.Condeno, finalmente, a abster-sede contratar servidores sem pré-via aprovação em concurso públi-co e demissão de servidoresconcursados sem prévia instaura-

ção de inquérito administrativocom disponibilização do contra-ditório e a ampla defesa.

Condeno o Sr. Gilson EugênioRodrigues a ressarcir ao Municí-pio de Pedro Laurentino — Piauí,os valores dispendidos em razãoda condenação acima imposta.

Reverta-se o valor da indeniza-ção por dano moral coletivo ao FAT— Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Custas pelos réus, no importede R$ 600,00 (seiscentos reais),calculadas sobre R$ 30.000,00 (trin-ta mil reais).

INSS e IR na forma da lei edos provimentos deste Regional.

Sentença sujeita ao duplo graude jurisdição, a teor do art. 1º, doDecreto-lei n. 779/79.

Intimações necessárias.

E, para constar, eu, Chefe doServiço de Audiência, lavrei a pre-sente ata, que vai assinada.

Thania Maria Bastos Lima Fer-ro, Juíza do Trabalho.

Diretora de Secretaria

Chefe do Serviço de Audiência

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JURISPRUDÊNCIA

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — INTERESSES INDIVIDUAISHOMOGÊNEOS — LEGITIMIDADE ATIVA DO MPT

(TST — 1ª TURMA)

Processo n. TST-RR-1208/2000-001-22-40.5

Acórdão

1ª Turma

Agravo de Instrumento. Recurso de Revista. Ação Civil Pública. Inte-resses Individuais Homogêneos. Legitimidade do Ministério Público. Éde se dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o pro-cessamento do recurso de revista, quando demonstrada divergênciajurisprudencial apta ao confronto de tese.

Recurso de Revista. Legitimidade Ativa do Ministério Público em AçãoCivil Pública. Defesa de Interesses Individuais Homogêneos. A atuaçãodo Ministério Público do Trabalho, na defesa da ordem social e dos di-reitos garantidos constitucionalmente aos trabalhadores, é de ser reco-nhecida na justiça do trabalho, eis que a legitimidade do parquet estáprevista na Constituição Federal, possibilitando a defesa de interessesdifusos e coletivos, sendo os interesses individuais homogêneos umasubespécie de interesse coletivo lato sensu, que permite a defesa cole-tiva de interesses individuais, cuja lesão é de origem comum. Tratando-se de ação civil pública buscando a defesa de interesse social relevan-te, o trabalho, direito constitucional indisponível, a justiça do trabalhohá de prestigiar a atuação do Ministério Público. Decisão em contrário,tornaria inócua a preocupação preponderante e que é corolário da exis-tência das ações coletivas: aplicar a justiça da forma mais instrumental,célere e econômica possível, primando pelo equacionamento da lidenum contexto maior, que é a inibição das macrolesões por meio da tute-la coletiva e em defesa da ordem social.

Ação Civil Pública. TELEMAR. Estagiários e Empregados Terceiriza-dos. Fraude à Relação de Trabalho. Matéria Vinculada à Prova. Ausên-cia dos Requisitos de Admissibilidade do Recurso de Revista. Os pres-

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supostos extrínsecos que permitem o exame da matéria nesta C. Cortenão possibilitam o conhecimento do recurso de revista. Não demonstra-da violação de dispositivos constitucionais e legais, nem divergênciaque possibilite a demonstração de conflito de teses, deve ser confirma-do o v. acórdão recorrido, amparado que estava em contexto-fático pro-batório que não pode ser revista em fase recursal extraordinária.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso de Revistan. TST-RR-1208/2000-001-22-40.5,em que é Recorrente Telemar NorteLeste S/A — TELEPISA e Recorri-do Ministério Público do Trabalho da22ª Região.

Agrava de instrumento a re-clamada contra o r. despacho defls. 1.414/1.416, que denegou se-guimento ao recurso de revista dareclamada.

Alega ser plenamente cabívelo apelo, conforme as razões defls. 09/19.

A agravada apresentou contra-minuta e contra-razões, às fls. 1.483/1.489 e 1.510/1.515, respectivamente.

Não houve parecer da doutaProcuradoria-Geral do Trabalho, queé parte no presente feito.

É o relatório.

VOTO

Agravo de Instrumento

I — Conhecimento

1. Preliminar de Não-conheci-mento argüida pelo Ministério Público

Não se vislumbra dos autosque as peças não contenham infor-

mações que identifiquem o proces-so, sendo certo que a petição deagravo de instrumento contém de-claração de autenticidade feita pelopróprio advogado, conforme autori-za o art. 544 do CPC.

Não há se falar, também, nonão-conhecimento do agravo de ins-trumento por estar desfundamenta-do, pois as razões do agravo estãodirecionadas à reforma do r. despa-cho, e na alegação de que foramcumpridos os requisitos do art. 896da CLT, pretendendo ver admitido orecurso de revista interposto.

Rejeito a preliminar.

2. Preliminar de Nulidade do R.Despacho agravado argüida pelo Agra-vante

O despacho que denega se-guimento a recurso de revista, tra-duz exame prévio de admissibili-dade do recurso de revista, que nãovincula a Corte ad quem.

Às fls. 1.415/1.416 esse juízoprévio foi realizado, com os funda-mentos que determinaram o enten-dimento de que não mereceria pro-cessamento o recurso de revista.

Deste modo, não há nulidadea ser argüida, ante os termos do art.897, § 4º da CLT.

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Estando fundamentado o r.despacho, é de se afastar as alega-das violações dos arts. 93, IX, daConstituição Federal, 83 da CLT e165 do CPC.

Rejeito.

Conheço do agravo de instru-mento, eis que regular e tempestivo.

II — Mérito

Legitimidade Ativa do Ministé-rio Público

Alega a reclamada que a Cons-tituição Federal de 1988 não conce-deu legitimidade ativa para o Minis-tério Público litigar sobre direitos in-dividuais homogêneos, que tais direi-tos são disponíveis, e que por issonão se pode aplicar o art. 127 daConstituição Federal de 1988. Apon-ta violação do art. 1º e incisos c/c art.5º da Lei n. 4.347/85, o art. 83, III,da LC ns. 75/93 e 8.078/90 que nãopoderia ser aplicada ao presentecaso.

Traz arestos a confronto.

Às fls. 1.391 encontra-se arestoque demonstra dissenso jurispru-dencial apto ao confronto de tese,eis que enquanto o v. acórdão re-corrido entendeu legitimado o par-quet para a defesa de interesses in-dividuais homogêneos, o acórdãocolacionado entende que o Ministé-rio Público não detém legitimidadepara a ação civil pública, quandoesta tem por objeto a proteção dedireitos individuais homogêneos.

Deste modo, demonstrada di-vergência jurisprudencial específica,

é de se prover o agravo de instru-mento para determinar o processa-mento do recurso de revista.

Recurso de Revista

1. Legitimidade Ativa do Minis-tério Público

Conhecimento

O v. acórdão recorrido, às fls.1.369, examinando a legitimidade doMinistério Público na defesa de in-teresses individuais homogêneos,em ação civil pública, entendeu porconfirmar a r. sentença que derapela legitimidade do parquet.

Nas razões do recurso de re-vista a Reclamada aponta violaçãodo art. 1º e incisos c/c art. 5 º da Lein. 4.347/85, o art. 83, III, da LC n.75/93 e alega que o Código de Defe-sa do Consumidor (Lei n. 8.078/90)não poderia ser aplicada ao presen-te caso. Traz arestos a confronto.

Às fls. 1.391 encontra-se arestoque demonstra dissenso jurispru-dencial apto ao confronto de tese,eis que enquanto o v. acórdão re-corrido entendeu legitimado o par-quet para a defesa de interesses in-dividuais homogêneos, o acórdãocolacionado entende que o Ministé-rio Público não detém legitimidadepara a ação civil pública, quandoesta tem por objeto a proteção dedireitos individuais homogêneos.

Conheço, por divergência juris-prudencial.

Mérito

O art. 127 da Constituição Fe-deral, que elenca as atribuições do

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Ministério Público, registra o órgãocomo instituição permanente, es-sencial à função jurisdicional do Es-tado, incumbindo-lhe a defesa da or-dem jurídica, do regime democráti-co e dos interesses sociais e indivi-duais indisponíveis.

A legitimação extraordinária doMinistério Público está, portanto,inserida na Constituição Federal,que prevê a promoção da ação civilpública pelo Ministério Público, no in-ciso III do art. 129, que trata das fun-ções institucionais do parquet, comose transcreve:

“promover o inquérito civil e aação civil pública, para a proteçãodo patrimônio público e social, domeio ambiente e de outros interes-ses difusos e coletivos.”

É de se verificar que a LeiComplementar n. 75/93, que regu-lamenta as atribuições do Ministé-rio Público da União, trata especifi-camente acerca das atribuições doMinistério Público do Trabalho, a teordo inciso III, do art. 83 da normacitada, determinando a competênciado órgão para propor:

“ação civil pública no âmbitoda Justiça do Trabalho, para defesade interesses coletivos, quando des-respeitados os direitos sociais cons-titucionalmente garantidos.”

A controvérsia neste proces-so é exatamente acerca da legitimi-dade do Ministério Público na defe-sa de interesses individuais homo-gêneos, em ação civil pública emque se discute a ilegalidade na con-tratação de estagiários e de serviçoterceirizado, em virtude de fraude àrelação de trabalho.

O v. acórdão recorrido registrou:

“Em casos como o da espécieem análise, vê-se configurada ple-namente a legitimidade do Parquetlaboral, na medida em que se bus-cou proteger interesses homogê-neos — de origem comum — espé-cies que são do gênero interessescoletivos, atinentes a um grupo depessoas determináveis, ligadas en-tre si ou com a parte contrária poruma relação jurídica que originou odireito” (fls. 1.372).

Nesse mesmo sentido, vem ajurisprudência consagrando o enten-dimento de que embora a Constitui-ção Federal não faça remissão ex-pressa aos interesses individuaishomogêneos, encontra-se esse in-serido como uma espécie de direi-tos coletivos lato sensu.

Assim sendo, é de se transcre-ver algumas decisões da C. Seçãode Dissídios Individuais I, deste Tri-bunal Superior do Trabalho:

Ministério Público do Trabalho.Legitimidade Ativa. Ação Civil Públi-ca. Direitos Coletivos e Direitos In-dividuais Homogêneos Indisponí-veis. Tem legitimidade o MinistérioPúblico do Trabalho para proporação civil pública, visando tutelardireitos coletivos. Tal é a hipótesesob exame, em que o Parquet Tra-balhista persegue a imposição deobrigação de não fazer, com efeitosprojetados para o futuro, medianteprovimento jurisdicional de carátercominatório, consistente em não re-passar para os salários eventuaisprejuízos decorrentes da atividadeempresarial, inclusive decorrente de

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operação com bomba de combustí-vel na venda de produto ao públicoe de cheques de clientes sem provi-são de fundos, observada, no entan-to, a exceção contida no § 1º do art.462, da CLT. Inteligência dos artigos83, III da Lei Complementar n. 75/93 e 129 da Constituição Federal. Tallegitimidade alcança, ainda, os direi-tos individuais homogêneos, que, nadicção da jurisprudência corrente doexc. Supremo Tribunal Federal, nadamais são senão direitos coletivos emsentido lato, uma vez que todas as for-mas de direitos metaindividuais (di-fusos, coletivos e individuais homo-gêneos), passíveis de tutela medianteação civil pública, são coletivos. Im-perioso observar, apenas, em razãodo disposto no artigo 127 da Cons-tituição Federal, que o direito indivi-dual homogêneo a ser tutelado deverevestir-se do caráter de indisponibi-lidade. Recurso de Embargos conhe-cido e provido. E-RR 636470/2000DJ 20.8.2004. Relator Ministro LelioBentes Corrêa.

Ministério Público do Trabalho.Legitimidade Ativa. Ação Civil Públi-ca. Direitos Coletivos e Direitos In-dividuais Homogêneos Indisponí-veis. Na dicção da jurisprudênciacorrente do exc. Supremo TribunalFederal, os direitos individuais ho-mogêneos nada mais são senão di-reitos coletivos em sentido lato, umavez que todas as formas de direitosmetaindividuais (difusos, coletivos eindividuais homogêneos) passíveisde tutela mediante ação civil públi-ca, são coletivos. Consagrando in-terpretação sistêmica e harmônicaàs leis que tratam da legitimidade doMinistério Público do Trabalho (arti-

gos 6º, VII, letras c e d, 83 e 84 daLC n. 75/93), não há como negar asua legitimidade para propor açãocivil pública para tutelar direito indi-vidual homogêneo. Imperioso obser-var, apenas, em razão do dispostono artigo 127 da Constituição Fede-ral, que o direito a ser tutelado deverevestir-se do caráter de indisponi-bilidade. Recurso de Embargos co-nhecido e provido. E-RR n. 379855/1997 DJ 25.6.2004 Relator: Minis-tro Lelio Bentes Corrêa.

É de se ressaltar, quanto à ale-gação de que os interesses indivi-duais homogêneos são indisponí-veis, que esses direitos, embora te-nham seus titulares determináveis,não deixam de estar relacionadosaos interesses coletivos, sendo di-visível apenas a reparação do danofático indivisível. A indisponibilidadeestá vinculada à existência de lesãoà ordem social e ao direito constitu-cionalmente garantido aos trabalha-dores: o trabalho.

Os interesses individuais ho-mogêneos, portanto, abrangem atutela coletiva (em sentido amplo)porque são, nos termos do Códigode Defesa do Consumidor comen-tados pelos autores do anteprojeto,nas palavras de Kazuo Watanabe,“de natureza coletiva apenas naforma em que são tutelados”. Res-salta o i. autor:

“Assim, enquanto nos interes-ses difusos e coletivos o trato pro-cessual coletivo tem a ver com anatureza mesma desses interesses(que são, portanto, essencialmentecoletivos), já nos individuais homo-gêneos, que se apresentam comoepisódica ou contingentemente cole-

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tivos, ou ainda coletivos apenas naforma em que se apresentam a pos-sibilidade de instrumentá-los numaação de tipo coletivo aparece comouma alternativa — técnica, lógica eadequada — posta pelo legislador,sob a moderna diretriz que sinalizapara a necessidade de uma ordemjurídica justa, somente alcançávelpor uma resposta judiciária de boaqualidade. O trato processual cole-tivo dos interesses individuais homo-gêneos é, pois, alternativa técnicaque deve ser fomentada (...).”

Deste modo, será a relevânciasocial, a partir da dimensão coletivado interesse buscado, sem se impor-tar com a sua natureza: se difusa,coletiva ou individual homogênea,que possibilitará provimento judicialefetivo e válido, capaz de inibir o ilí-cito, o que a reiteração de diversosdissídios individuais alcança da mes-ma forma.

Neste diapasão, consagradaresta a legitimidade ativa do Minis-tério Público do Trabalho na tutelados interesses individuais homogê-neos, conforme já vinha decidindo oE. Supremo Tribunal Federal, emacórdão da lavra do Ministro Mau-rício Corrêa:

Recurso Extraordinário. Cons-titucional. Legitimidade do Ministé-rio Público para promover Ação Ci-vil Pública em Defesa dos Interes-ses Difusos, Coletivos e Homogê-neos. Mensalidades Escolares: Ca-pacidade Postulatória do Parquetpara discuti-las em Juízo. 1. A Cons-tituição Federal confere relevo ao Mi-nistério Público como instituição per-

manente, essencial à função juris-dicional do Estado, incumbindo-lhea defesa da ordem jurídica, do regi-me democrático e dos interessessociais e individuais indisponíveis(CF, art. 127). 2. Por isso mesmodetém o Ministério Público capaci-dade postulatória, não só para aabertura do inquérito civil, da açãopenal pública e da ação civil públicapara a proteção do patrimônio pú-blico e social, do meio ambiente,mas também de outros interessesdifusos e coletivos (CF, art. 129, I eIII). 3. Interesses difusos são aque-les que abrangem número indeter-minado de pessoas unidas pelasmesmas circunstâncias de fato ecoletivos aqueles pertencentes agrupos, categorias ou classes depessoas determináveis, ligadas en-tre si ou com a parte contrária poruma relação jurídica base. 3.1. A in-determinidade é a característica fun-damental dos interesses difusos e adeterminidade a daqueles interessesque envolvem os coletivos. 4. Direi-tos ou interesses homogêneos sãoos que têm a mesma origem comum(art. 81, III, da Lei n. 8.078, de 11de setembro de 1990), constituin-do-se em subespécie de direitos co-letivos. 4.1. Quer se afirme interes-ses coletivos ou particularmente in-teresses homogêneos, stricto sensu,ambos estão cingidos a uma mes-ma base jurídica, sendo coletivos,explicitamente dizendo, porque sãorelativos a grupos, categorias ouclasses de pessoas, que conquantodigam respeito às pessoas isolada-mente, não se classificam como di-reitos individuais para o fim de servedada a sua defesa em ação civil

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pública, porque sua concepçãofinalística destina-se à proteção des-ses grupos, categorias ou classe depessoas. 5. As chamadas mensalida-des escolares, quando abusivas ouilegais, podem ser impugnadas porvia de ação civil pública, a requeri-mento do Órgão do Ministério Públi-co, pois ainda que sejam interesseshomogêneos de origem comum, sãosubespécies de interesses coletivos,tutelados pelo Estado por esse meioprocessual como dispõe o artigo 129,inciso III, da Constituição Federal.5.1. Cuidando-se de tema ligado àeducação, amparada constitucional-mente como dever do Estado e obri-gação de todos (CF, art. 205), está oMinistério Público investido da capa-cidade postulatória, patente a legiti-midade ad causam, quando o bemque se busca resguardar se inserena órbita dos interesses coletivos, emsegmento de extrema delicadeza ede conteúdo social tal que, acima detudo, recomenda-se o abrigo estatal.Recurso extraordinário conhecido eprovido para, afastada a alegada ile-gitimidade do Ministério Público,com vistas à defesa dos interessesde uma coletividade, determinar aremessa dos autos ao Tribunal deorigem, para prosseguir no julga-mento da ação. RE n. 163.231/SP.DJ 29.6.2001.

Pelo exposto, nego provimen-to ao recurso de revista.

Ação Civil Pública — Vínculode Emprego — Estagiários e Empre-gados Terceirizados

Razões de Não-conhecimento

O Eg. Tribunal Regional exa-minando acerca do reconhecimento

ou não de vínculo de emprego en-tre estagiários oriundos da Univer-sidade Federal do Piauí — UFP, doCentro Federal de Educação Tecno-lógica do Piauí — CEFT e do Servi-ço Nacional de Aprendizagem Co-mercial — SENAC, bem como acer-ca da ilegalidade na contratação detrabalhadores através de terceiriza-ção, entendeu:

“O inquérito civil público ma-nejado pela d. PRT é prova cabal deque a legislação trabalhista vem sen-do flagrantemente burlada. Nele seconstata, não somente pelo relatodas testemunhas ouvidas, mas pelopercuciente Relatório de Fiscaliza-ção emitido pela Delegacia Regio-nal do Trabalho — PI, que a TELE-PISA/TELEMAR vem se utilizandode aparentes contratos de estágioe terceirização de serviços, admitin-do em seus quadros verdadeirosempregados travestidos de estagiá-rios” (fls. 1.374).

Sobre os convênios de está-gio realizados, faz-se necessário in-serir a fundamentação fática cons-tante da v. decisão recorrida:

Estagiários da UFPI

Ressaltou o Colegiado a quoque houve celebração de convêniocom a UFPI, com o objeto de reali-zação de pesquisas de opinião so-bre serviços de telefonia do Piauí, eque o convênio não preenche os re-quisitos do art. 5º do Decreto n.87.497, visto que a empresa conti-nuou a admitir estagiários sobre aégide do mesmo Convênio, mesmoapós a realização da última pesqui-sa realizada e que a UFPI continuou

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a encaminhar estagiários mesmoapós a última pesquisa. Ressaltou,ainda, que a quase totalidade dosestagiários exerce atividades típicasde telefonias, que nada têm a vercom seus currículos escolares e quea empresa contrata o trabalhadorpara, apenas após, conver tê-loscomo estagiários, através de termosde compromisso.

Estagiários do SENAC

Sobre o SENAC a decisão re-corrida esclareceu que são contra-tos particulares de estágio com du-ração de seis meses, sem a inter-veniência obrigatória da instituiçãode ensino, como determina o art. 3ºda Lei n. 6.494/77 e que os estagiá-rios eram submetidos a jornadasexorbitantes, trabalhando em regi-me de horas extras, regime somen-te compatível com a relação de em-prego, remetendo como exemplo aregistros de ponto de 1999 a 2000.

Estagiários do CEFET

A situação fática desses esta-giários, ainda segundo o v. acórdãoé de que eram estudantes aptos aoestágio, com os quais foram firma-dos Termos de Compromisso de Es-tágio, com a interveniência da insti-tuição de ensino, mas que esses es-tagiários vêm desempenhando fun-ções de telefonistas, incompatíveiscom a área de formação, bem comotrabalhando em sobrejornada.

Assim sendo, foram estes osfundamentos acerca dos quais o E.Tribunal Regional assentou a pre-missa fática decorrente dos contra-tos de estágio objeto de exame.

Quanto à contratação peloprocesso de terceirização, tambémfaz-se mister esclarecer o funda-mento pelo qual o v. acórdão recor-rido entendeu que havia fraude nacontratação.

Ressaltou a v. decisão recor-rida que a empresa Asa Express ad-mitiu empregadas entre telefonistase atendentes de serviço que já tra-balhavam na Telepisa sem registro,e que essas empregadas foram se-lecionadas pela Telepisa, que foiquem acertou condições de traba-lho, tais como salário, jornada e fun-ção, para após encaminhá-las à AsaExpress.

Registrou, ainda, que a Tele-pisa, na medida em que ia demitin-do seus empregados, os encami-nhava para as empresas prestado-ras que as contratavam, retornandopara as atividades na Telepisa.

Mais adiante, ressalta a Cortea quo:

“A realidade constatada pelafiscalização percuciente das Audito-ras Fiscais do Trabalho comprovasobremaneira todas as irregularida-des perpetradas pela TELEPISA/TELEMAR, verdadeira empregado-ra de falsos estagiários e ilicitamen-te terceirizadora de serviços feitosà sua atividade-fim.

É a TELEPISA/TELEMAR quemcontacta, seleciona, fixa as diretri-zes e supervisiona o serviço dossupostos estagiários, e de mão-de-obra terceirizada, impingindo-lhessubordinação a outros seus empre-gados, obrigando-os a horários detrabalho muitas das vezes em regime

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de sobrejornada, sem observar,quase sempre, a formação profissio-nal individual de cada um deles e ailegalidade de se terceirizar ativida-de-fim.

Por que se expôs, uma vezafastada a alegada ilegitimidade ati-va do MPT, conclui-se que a recla-mada/recorrente é responsável pe-las obrigações trabalhistas não hon-radas em relação aos estagiários ea mão-de-obra terceirizada, de sor-te que o pleito foi corretamente de-ferido pela sentença de primeirograu” (fls. 1.378/1.379).

A reclamada insurge-se con-tra a decisão, apontando violaçãodos arts. 5º, II, 1º, IV, 3º, I, 170, 1º,IV, em razão do desrespeito ao prin-cípio da livre iniciativa, por entenderque a condenação encerra interven-ção na gestão. Traz arestos a con-fronto, apontando, ainda, violaçãodos arts. 4º da Lei n. 6.494/77 e 6ºdo Decreto n. 87.497/82.

É de se ressaltar que as ra-zões do recurso de revista, no quese refere ao mérito, estão direcio-nadas à declaração de vínculo deemprego de estagiário, quando a re-clamada apontou divergência juris-prudencial e violação de dispositivolegal.

Sobre a declaração de víncu-lo com os empregados terceirizados,insurgiu-se a empresa, com argu-mentação relacionada à violaçãodos princípios insculpidos nos arts.5º, II, 1º, IV, 3º, I, 170, 1º, IV, emrazão do desrespeito ao princípio dalivre iniciativa, por entender que acondenação encerra intervenção na

gestão da empresa, já que não apon-tou violação de qualquer dispositivolegal, nem divergência jurispruden-cial sobre o tema.

Além de não haver qualquermanifestação no v. acórdão acercados dispositivos constitucionaisapontados, é de ser atentar que sãodispositivos de caráter genérico, res-tando intacto o princípio da legali-dade, eis que não se vislumbra hajacondenação dissociada de impera-tivo legal, pois a v. decisão recorridatem como fundamento a substitui-ção ilegal de empregados pela mão-de-obra estagiária e terceirizada.

A livre iniciativa é princípioconsagrado na Constituição Federal,mas o respeito ao direito socialmen-te garantido, do trabalho, e que o v.acórdão recorrido entendeu não res-peitado pela empresa, impossibilitaque se tenha literalmente violado oprincípio apontado.

Não se proíbe a livre gestãodas empresas, mas apenas o cum-primento da legislação que protegeo direito ao trabalho, o qual a v. de-cisão recorrida entendeu ter sidofraudado, ante a contratação ilegalde trabalhadores, como se estagiá-rios ou terceirizados fossem.

Quanto à violação do art. 4º daLei n. 6.494/77, é de se ressaltar quenão trata o dispositivo legal acercada situação em que o contrato deestágio foi desvirtuado, ou mesmosobre a situação examinada em queo empregado era primeiramentecontratado para apenas depois as-sinar o termo de compromisso deestágio, nem sobre a atitude da

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empresa em dispensar os funcioná-rios e contratá-los novamente pelaempresa terceirizada, ou sobre a au-sência de seguro para o estagiário.O dispositivo legal também nada serefere à situação dos autos em queo estagiário era real empregado, tra-balhando em sobrejornada.

Deste modo, além de inviávela violação literal do dispositivo legalou do seu decreto regulamentador,não há como se verificar divergên-cia jurisprudencial, quando os ares-tos possíveis de serem examinados,que não sejam oriundos de Turmadesta C. Corte, não tratam das mes-mas premissas fáticas examinadasna C. Corte a quo.

Ressalte-se que não houve adeclaração de vínculo de empregocom os estagiários tão-somente emrazão de descumprimento de aspec-tos formais, mas também em razãodo desvirtuamento do contrato de es-tágio pela reclamada, porque configu-rada verdadeira relação de emprego.

Para decidir de forma diferen-te, necessário seria novo exame dofato e da prova controvertida em quese baseou o v. acórdão recorrido, oque é impossível se realizar nestainstância recursal extraordinária, ateor do Enunciado n. 126 do C. TST.

Não conheço.

Isto posto

Acordam os Ministros da Pri-meira Turma do Tribunal Superior doTrabalho, unanimemente, dar provi-mento ao agravo de instrumento.Unanimemente, quanto ao tema “le-gitimidade do Ministério Público”, co-nhecer do recurso de revista, por di-vergência jurisprudencial e, no mé-rito, negar-lhe provimento. Unanime-mente, não conhecer do recurso derevista quanto ao tema “ação civil pú-blica — vínculo de emprego — esta-giários e empregados terceirizados”.

Brasília, 2 de março de 2005.

Guilherme Bastos, Juiz Convo-cado — Relator.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — EMBARGOS DEDECLARAÇÃO — EFEITO MODIFICATIVO

— CONTRATAÇÃO DE ESTAGIÁRIOS —FRAUDE À LEI — COMPETÊNCIA DA

JUSTIÇA DO TRABALHO (TST — 5ª TURMA)

Processo n. TST-ED-RR-759.927/2001.8Acórdão5ª Turma

Embargos de Declaração. Efeito Modificativo. Enunciado n. 278 doTST. Recurso de Revista. Ação Civil Pública. Preservação do Cumpri-mento do Artigo 37, II, da Constituição da República e da Lei n. 6.494/77. Interesses Difusos. Incompetência da Justiça do Trabalho. Violaçãodo Artigo 114 da Constituição da República.

A competência material da Justiça do Trabalho, para apreciar e julgaração civil pública, qualifica-se pelo conflito de interesses entre os sujei-tos de uma relação de emprego ou de trabalho, embora englobando umempregador atual ou potencial e uma categoria indeterminada de indi-víduos, com potencialidade para ingressar em postos da AdministraçãoPública.

Assim é que a expressão “trabalhadores” contida no artigo 114 daCarta Política de 1988 abrange tanto os trabalhadores na ativa quantoos obreiros em potencial.

Na situação específica dos autos, a ação ajuizada pelo MinistérioPúblico do Trabalho não visa ao cumprimento de regime jurídico estatu-tário, e nem poderia, pois isto refoge à sua competência. O escopo daação civil, in casu, é a preservação do cumprimento da norma contidano artigo 37, II, da Constituição da República, e da Lei n. 6.494/77, quedisciplina o contrato de estágio, violadas em face do ingresso noDETRAN (RJ), sem concurso público, de verdadeiros empregados, deforma camuflada, como estagiários.

Embargos de declaração providos.

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Vistos, relatados e discutidosestes autos de Embargos de Decla-ração em Recurso de Revista n. TST-ED-RR-759.927/2001.8, em que éEmbargante Ministério Público do Tra-balho da 1ª Região e Embargado De-partamento de Trânsito do Estado doRio de Janeiro — DETRAN/RJ.

A egrégia 5ª Turma, medianteo acórdão de fls. 435-438, não co-nheceu do recurso de revista inter-posto pelo Ministério Público do Tra-balho, decidindo, quanto à incompe-tência da Justiça do Trabalho, quenão havia ofensa ao artigo 114 daConstituição da República, com ofundamento de que “se o Estadoadotou o regime estatutário para seusservidores, a competência para apre-ciar eventuais desrespeitos a essesistema é da Justiça comum e nãodesta especializada”. Foi afastado,ainda, o conhecimento do recurso derevista por divergência jurispruden-cial, porque inespecíficos os ares-tos colacionados.

O Ministério Público opõe em-bargos de declaração às fls. 442-446. Sustenta que a egrégia Turma,ao aplicar a Orientação Jurispruden-cial n. 263 da SBDI-1, incorreu emcontradição, pois o entendimentonela consagrado diz respeito a si-tuações individualizadas e a tutelados trabalhadores quanto à obser-vância de um regime de trabalho es-pecial, de âmbito estadual ou muni-cipal, enquanto que a presente açãonão tem por finalidade a aplicaçãocorreta de um regime jurídico, masa defesa do ordenamento jurídicoconstitucional, para a tutela de uma

categoria indeterminada de indiví-duos, com potencialidade para in-gressar em postos da AdministraçãoPública, independentemente doregime a que estão submetidos, seestatutário, celetista ou especial.

O parquet alega, ainda, que oacórdão impugnado incidiu em omis-são, pois não enfrentou questão re-lativa ao alcance do regime jurídicoestatutário, pois de acordo com o ar-tigo 39 da Carta Magna, o fato deexistir tal regime nas entidadesda administração pública não exclui apossibilidade de existir postos regi-dos por normas não estatutárias.Conclui, assim, que “não é possíveladotar um regime jurídico do entepúblico como excludente de realida-des, tampouco alegá-lo como óbicepara deslocar a competência da Jus-tiça do Trabalho”. O douto Ministé-rio Público se pronunciou, ainda, nosentido de que “regime jurídico es-tatutário só existe a partir de um atoformal pelo qual o servidor ingressacomo titular de um complexo de di-reitos e deveres. Sem o ato formalda nomeação e da posse não há quese falar em incidência de regime es-tatutário. Somente se a ação visas-se discutir direito ou obrigação pre-visto no estatuto é que a competên-cia fugiria da Justiça do Trabalho. Ouentão, por hipótese, a nulidade dosatos que determinaram o ingressodo servidor no regime estatutário,sem, por exemplo, aprovação emconcurso público”.

O embargante sustenta, porfim, que o concurso público não éconceito de regime estatutário, poistambém é exigido para os empregos

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públicos, sendo uma exigência cons-titucional para a formação de umarelação jurídica de trabalho. Assim,a competência para apreciar contro-vérsias em torno do ato formal queprecede a relação de trabalho inclui-se na previsão contida no artigo 114da Constituição da República.

Impugnação aos embargos àsfls. 451-452.

Vistos em mesa.

É o relatório.

VOTO

A ação civil pública ajuizadapelo douto Ministério Público do Tra-balho tem por escopo obstar as con-tratações por parte do DETRAN (RJ)— Departamento de Trânsito do Es-tado do Estado do Rio de Janeiro,com fraude à norma constitucionalpertinente ao concurso público e àlegislação referente ao contrato deestágio.

Relatou o parquet que, narealidade, o convênio firmado coma UERJ — Universidade do Estadodo Rio de Janeiro não visou à con-tratação de estagiários, nos moldesda legislação em vigor, mas, sim, àcontratação de prestadores de ser-viços, para realização de ativida-des-fim do DETRAN, não obstantea autarquia não atribuir nomen jurisaos contratos.

O Ministério Público sustentouque, inicialmente, foram contratadostrabalhadores sem concurso públi-co e que, posteriormente, foi reali-zada uma “seleção prévia” de estu-

dantes universitários, sem que hou-vesse qualquer relação com os cur-sos em que estes estavam matricu-lados. Expôs, ainda, que a situaçãoverificada no âmbito da autarquia nãoera sequer de contratação por tempodeterminado para atender à excep-cional interesse público, ante a au-sência dos requisitos autorizadores,como a determinação de prazo.

Asseverou, o Ministério Públi-co, que a ação civil pública ajuizadavisa fazer cumprir a ordem jurídica,que veda o provimento em cargo ouemprego público, sem submissão aconcurso público, defendendo, porfim, os interesses ou direitos de to-dos os trabalhadores, que estão naativa e os trabalhadores em poten-cial, que foram atingidos pela restri-ção do acesso aos referidos cargos.

O egrégio TRT da 1ª Região,por intermédio do acórdão de fls.388-392, manteve a sentença, de-cidindo que o fator determinante dacompetência é a natureza da pre-tensão deduzida em juízo e que, nocaso dos autos, a ação ajuizada peloMPT tem como fundamento o direitocivil e o administrativo, sendo, des-tarte, competente a Justiça comumpara apreciá-la e julgá-la. Assentou,ainda, que o pedido de nulidade dacontratação não envolve qualquerdescumprimento das obrigaçõesprincipais e acessórias decorrentesdo contrato de emprego, mas simoutra controvérsia de natureza es-tranha ao direito do trabalho.

O recurso de revista interpos-to às fls. 409-417, não foi conhecidopela egrégia 5ª Turma.

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Contra esta decisão o Minis-tério Público opõe embargos dedeclaração. Sustenta que a egrégiaTurma, ao aplicar a Orientação Ju-risprudencial n. 263 da SBDI-1, in-correu em contradição, pois o enten-dimento nela consagrado diz respei-to a situações individualizadas eà tutela dos trabalhadores quanto àobservância de um regime de tra-balho especial, de âmbito estadualou municipal, enquanto que a pre-sente ação não tem por finalidade aaplicação correta de um regime ju-rídico, mas a defesa do ordenamen-to jurídico constitucional, tutelando,ainda, uma categoria indeterminadade indivíduos, com potencialidadepara ingressar em postos da Admi-nistração Pública, independente-mente do regime a que serão sub-metidos, se estatutário, celetista ouespecial.

O parquet alega, ainda, que oacórdão impugnado incidiu em omis-são, pois não enfrentou a questãorelativa ao alcance do regime jurídi-co estatutário, pois de acordo como artigo 39 da Carta Magna, o fatode existir tal regime nas entidadesda administração pública não excluia possibilidade de existir postos re-gidos por normas não estatutárias.Conclui, assim, que “não é possíveladotar um regime jurídico do entepúblico como excludente de realida-des, tampouco alegá-lo como óbicepara deslocar a competência da Jus-tiça do Trabalho”. O douto Ministé-rio Público se pronunciou, ainda, nosentido de que “regime jurídico es-tatutário só existe a partir de um atoformal pelo qual o servidor ingressa

como titular de um complexo dedireitos e deveres. Sem o ato formalda nomeação e da posse não há quese falar em incidência de regime es-tatutário. Somente se a ação visas-se discutir direito ou obrigação pre-visto no estatuto é que a competên-cia fugiria da Justiça do Trabalho. Ouentão, por hipótese, a nulidade dosatos que determinaram o ingressodo servidor no regime estatutário,sem, por exemplo, aprovação emconcurso público”.

O embargante sustenta, porfim, que o concurso público não éconceito de regime estatutário, poiseste também é exigido para o aces-so aos empregos públicos, sendouma imposição constitucional paraa formação de uma relação jurídicade trabalho. Assim, assevera que acompetência para apreciar contro-vérsias em torno do ato formal queprecede a relação de trabalho inclui-se na previsão contida no artigo 114da Constituição da República.

Com razão o embargante.

De fato, o acórdão impugnadofoi omisso quanto à análise do al-cance do regime jurídico estatutá-rio, mormente no que se refere aosrequisitos impostos pela lei, como oato formal de nomeação e de pos-se, para que se tenha como carac-terizado tal regime. A egrégia Tur-ma incorreu, ainda, em omissãoquando deixou de analisar, comacuidade, o fato denunciado peloparquet de que, ainda, que exista umregime jurídico estatutário, este nãoexclui a possibilidade de existir pos-tos regidos por normas não estatu-tárias, não podendo determinado

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regime ser excludente de realidades,tais como a que foram reveladas nospresentes autos.

A representação ora analisa-da visa à proteção ao próprio traba-lho, pois o escopo da ação civil pú-blica ora ajuizada pelo Ministério Pú-blico visa à defesa de uma catego-ria indeterminada de indivíduos, compotencialidade para ingressar empostos da Administração Pública, in-dependentemente do regime a queserão submetidos, se estatutário,celetista ou especial.

Caracterizado está, portanto,a existência do interesse difuso, de-finido no artigo 81, parágrafo único,inciso I, do CDC como sendo os“transindividuais, de natureza indi-visível, de que sejam titulares pes-soas indeterminadas e ligadas porcircunstâncias de fato”.

Por outro lado, a competênciamaterial da Justiça do Trabalho, paraapreciar e julgar ação civil pública,qualifica-se pelo conflito de interes-ses entre os sujeitos de uma rela-ção de emprego ou de trabalho, em-bora englobando um empregadoratual ou potencial e uma categoriaindeterminada de indivíduos, compotencialidade para ingressar empostos da Administração Pública.

Assim é que a expressão “tra-balhadores” contida no artigo 114 daCarta Política de 1988 abrange tan-to os trabalhadores na ativa quantoos obreiros em potencial.

Cabe, ainda, acrescentar queesta linha de entendimento está con-templada no Projeto de Emenda àConstituição n. 29, de 2000 (n. 96,

de 1999, na Câmara dos Deputa-dos), que introduz modificações naestrutura do Poder Judiciário. Esteé o texto do artigo 114 da Carta Mag-na, de acordo com o referido Projeto:

“Art. 114. Compete à Justiçado Trabalho processar e julgar:

I — as ações oriundas da re-lação de trabalho, abrangidos osentes de direito público externo eda administração pública diretae indireta da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Muni-cípios, exceto os servidoresocupantes de cargos criados porlei, de provimento efetivo ou emcomissão, incluídas as autarquiase fundações públicas dos referi-dos entes da federação;”

Há, ainda, que se consignarque a Constituição da República, noseu artigo 114, dispõe que na for-ma da lei, outras controvérsias de-correntes da relação de trabalhopoderão ser da competência da Jus-tiça do Trabalho, e que o artigo 83,III, da Lei Complementar n. 75/93atribui competência para o Ministé-rio Público do Trabalho “promoveração civil pública no âmbito da Jus-tiça do Trabalho, para defesa de in-teresses coletivos, quando desres-peitados os direitos sociais consti-tucionalmente garantidos”.

Assim, com base em tais dis-positivos, e no artigo 129, III, da Car-ta Magna, que insere entre as fun-ções institucionais do Ministério Pú-blico a de “promover o inquérito civile a ação civil pública, para a prote-ção do patrimônio público e social,

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do meio ambiente e de outros inte-resses difusos e coletivos”, conclui-se que se a Lei Complementar e aConstituição Federal atribuíram le-gitimidade para o Ministério Público,mediante a ação civil pública, coibirfraudes como a que se afigura nopresente processo, lesando traba-lhadores na ativa e em potencial, écompetente a Justiça do Trabalhopara julgá-lo.

Este é o raciocínio adotadopelo Min. Vantuil Abdala, que ao jul-gar os processos RO-AA-665.987/2000 e RR-653.841/2000, decidiu:

“A Constituição Federal prevêexpressamente que, mediante lei,outras controvérsias decorrentesde relações de trabalho poderãoser da competência desta Justi-ça (art. 114), pelo que, se a LeiComplementar n. 75/93 atribuiucompetência para o MinistérioPúblico do Trabalho propor açãode nulidade de cláusula perantea Justiça do Trabalho, não há quese falar na incompetência abso-luta argüida. (...)”

Sobre o referido assunto, hámuito se pronunciou o eminente Min.João Oreste Dalazen em seu livro“Competência Material Trabalhista”,Editora LTr, 1994, p. 230, que:

“(...) a competência materialda Justiça do Trabalho para odissídio individual normalmentepressupõe: a) a existência, atualou no passado, de uma relaçãojurídica de emprego, ou de tra-balho, ainda que em tese contro-

vertida; b) uma disputa entre osrespectivos sujeitos — certos, co-nhecidos e determinados — emrazão dela.

A lide estampada na ação civilpública ‘trabalhista’ oferece mati-zes diferentes, o que dificulta amol-dá-la ao padrão normal de fixa-ção da competência material daJustiça do Trabalho.

Em primeiro lugar, sobretudona tutela dos interesses difusos,não repousa necessariamentesobre a existência de uma rela-ção de emprego, satisfazendo-secom a mera possibilidade de quese configure. A lide dá-se em ra-zão de um bem jurídico próprioda relação empregatícia, porémesta não reclama existência atual,ou passada: pode ser futura.Quando o Ministério Público doTrabalho bate-se contra a discri-minação das mulheres no empre-go, porque o empregador nãocontrata quem não seja esterili-zada, o conflito em que assentao pleito do ‘parket’, obviamente,não é obreiro-patronal, decorren-te de um contrato de trabalho defato existente, hoje ou ontem: odissídio essencialmente é entreas mulheres empregáveis e o po-tencial empregador, pelo direitoao trabalho e, pois, pela futuraexistência de um contrato de em-prego” (grifo nosso).

Na situação específica dos au-tos, a ação ajuizada pelo MinistérioPúblico do Trabalho não visa ao cum-primento de regime jurídico estatu-tário, e nem poderia, pois isto refoge

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à sua competência. O escopo daação civil, in casu, é a preservaçãodo cumprimento da norma contidano artigo 37, II, da Constituição daRepública, violada em face do in-gresso sem concurso público de ver-dadeiros empregados, de forma ca-muflada, como estagiários.

Acrescente-se que a integri-dade do artigo 37, II, da Carta Magnae da Lei n. 6.494/77, que dispõe so-bre o contrato de estágio, implicará,por certo, na preservação do direitode uma categoria indeterminada deindivíduos, com potencialidade paraingressar em postos da Administra-ção Pública, independentemente doregime a que estão submetidos, seestatutário, celetista ou especial,conforme a norma prescrita no re-ferido texto constitucional e quehoje, em face da fraude na contra-tação de estagiários, tem essa viade acesso prejudicada.

Certo assim é que fica eviden-ciada, neste contexto, a competên-cia da Justiça do Trabalho para apre-ciar e julgar ação civil pública ajui-zada pelo Ministério Público, postu-lando que o DETRAN rescinda oscontratos nulos e que se abstenhade fazer novas contratações semconcurso público em semelhanteshipóteses às contratações irregula-res feitas mediante o convênio coma UERJ — Universidade do Estadodo Rio de Janeiro.

Nem se argumente com o fatode que o DETRAN é uma autarquiae que o Estado do Rio de Janeiroadotou o regime jurídico único paraseus servidores, pois, pelo conjuntode circunstâncias que delimitam a

questão posta em Juízo, fica eviden-ciado que a competência para apre-ciar e julgar a lide é desta Justiça.Ademais, o ingresso dos emprega-dos (estagiários) no DETRAN não sedeu com os rigores impostos peloregime jurídico administrativo, comoo ato de nomeação e de posse. Es-tes aspectos revelam que o ato decontratação identifica-se mais como contrato de trabalho regido pelaCLT, com a característica indelévelde “contrato-realidade”, expressãocunhada por Mário de La Cueva, queafasta qualquer formalidade paraque se perfaça o acordo de vontades.

No caso dos autos, o DETRAN,utilizando de forma desvirtuada ocontrato de estágio, contratouuniversitários para prestar serviçosligados às suas atividades-fim, semque houvesse qualquer relaçãocom os cursos em que estes esta-vam matriculados, negando vigên-cia à Lei que disciplina esta formade contratação, qual seja, a Lei n.6.494/77.

Sobre a situação revelada peloparquet, Rodrigo de Lacerda Carelliem seu livro intitulado “Formas Atí-picas de Trabalho”, Ed. LTr, p. 108,consigna que:

“Verifica-se, hodiernamente,que o estágio está sendo utiliza-do para substituição de pessoalregular, com o fito de desonerara folha salarial, fraudar direitossociais e os encargos sociais de-les derivados.

Isto é fator de desvalorizaçãodo trabalho humano, infringindo

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o art. 170 da Constituição Fede-ral, e sendo inaceitável pelo sis-tema jurídico trabalhista pátrio.

Será considerado existente ovínculo empregatício, excluindo-se a figura do estágio, sempreque não tiverem presentes os ele-mentos obrigatórios do estágio,tanto os formais quanto os mate-riais. Assim, a falta de participa-ção ativa da instituição de ensinono estágio, a inexistência de ins-trumento jurídico entre a institui-ção de ensino e a concedente deestágio, a falta de relação entre asatividades do estágio e o currícu-lo escolar, dentre os outros requi-sitos acima expostos, obrigarãoo intérprete jurídico a considerara existência da relação de empre-go, e não a figura do estágio.”

Ante o exposto, concluo peloprovimento dos embargos de decla-ração, em face das omissões apon-tadas para, dando-lhes efeito modi-ficativo na forma do Enunciado n.278 do TST, conhecer do recurso de

revista por ofensa ao artigo 114 daConstituição da República e, no mé-rito, dar-lhe provimento, para afas-tar a incompetência da Justiça doTrabalho e determinar o retorno dosautos à Vara de origem, a fim deque julgue a lide como entenderde direito.

Isto posto

Acordam os Ministros da Quin-ta Turma do Tribunal Superior do Tra-balho, por unanimidade, dar provi-mento aos embargos de declaração,na forma do Enunciado n. 278 doTST, para conhecer do recurso derevista por ofensa ao artigo 114 daConstituição da República e, no mé-rito, dar-lhe provimento, para afas-tar a incompetência da Justiça doTrabalho e determinar o retorno dosautos à Vara de origem, a fim deque julgue a lide como entenderde direito.

Brasília, 1º de dezembro de2004.

Rosita de Nazaré Sidrim Nas-sar, Juíza Convocada — Relatora.

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TRABALHO PORTUÁRIO — INGRESSO NOCADASTRO — NULIDADE DO PROCESSO DE

SELEÇÃO (TRT 4ª REGIÃO)

Número do processo: 00850-2003-121-04-00-6 (RO)Juiz: Denise PachecoData de Publicação: 12.7.2004

Ementa: Ação Civil Pública. Procedência. Nulidade da Resolução doConselho de Supervisão do OGMO/RG que se reconhece, porque ca-racterizado ter o órgão gestor de mão-de-obra do trabalho portuárioextrapolado os limites fixados na legislação incidente ao editar a malfa-dada Resolução que estabeleceu critérios do processo de seleção parao ingresso de novos trabalhadores no cadastro de estiva, o que implicaa invalidade de todo o processo seletivo, além de evidenciar a não-observância a princípios constitucionais como o da igualdade e da valo-rização do trabalho e busca do pleno emprego, entre outros.

Vistos e relatados estes au-tos de Recurso Ordinário, interpos-to de sentença proferida pelo MM.Juízo da 1ª Vara do Trabalho de RioGrande, sendo recorrente OGMO— Órgão de Gestão de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário Avulsodo Porto Organizado de Rio Gran-de e recorrido Ministério Público doTrabalho.

O OGMO — Órgão de Gestãode Mão-de-obra do Trabalho Portuá-rio Avulso do Porto Organizado deRio Grande —, inconforme com adecisão proferida pelo MM. Juízo da1ª Vara do Trabalho de Rio Grande,

interpõe recurso ordinário. Diz quea sentença recorrida não aprecioubem os termos da contestação re-lativamente a não-aplicação da mul-tifuncionalidade ao caso em epígra-fe, primeiro, porque não é o caso, e,segundo, porque a multifuncionali-dade sequer foi instituída no portode Rio Grande, tampouco sendo deresponsabiidade do OGMO imple-mentá-la. Aduz que não tendo o Sin-dicato dos Estivadores e o Sindica-to dos Operadores Portuários do RioGrande do Sul — SINDOP/RS —chegado a um consenso em relaçãoà implementação da multifunciona-

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lidade, conforme se observa do teorda cláusula 27 da Convenção Cole-tiva de Trabalho, firmada entre ossindicatos mencionados, não hácomo se responsabilizar o deman-dado pela inércia na efetivação detal instituto, invocando o teor do ar-tigo 18 da Lei n. 8.630/93. Afirmaque diante da carência de trabalha-dores no âmbito do porto de RioGrande, o presidente do Sindicatodos Estivadores, em comum acordocom os operadores portuários deRio Grande, buscou equacionarde maneira rápida e eficiente esta fal-ta, buscando o redimensionamentodo quadro rodiziário de trabalhado-res. Aponta o teor da cláusula 6ª daConvenção Coletiva de Trabalho,aliada à legislação já mencionada,como forma de comprovar a corre-ção da medida adotada visando oprocesso de seleção realizado. Si-nala que, por força da decisão re-corrida, as operações portuárias es-tão sendo feitas de forma precáriae demorada, em razão da carênciade pessoal. Requer, por conseguin-te, seja dado provimento ao recursoordinário interposto.

Em contra-razões, o Ministé-rio Público do Trabalho repisa quena atitude adotada pelo réu restoucaracterizada a ofensa ao princípioda multifuncionalidade, além de ou-tros vícios também apontados napetição inicial. Reafirma sua tese nosentido de que o Conselho de Su-pervisão do órgão gestor de mão-de-obra não tem competência paradeliberar sobre o cadastro do traba-lhador portuário de qualquer cate-goria, na forma prevista no artigo 24,§ 1º, incisos I e II, da Lei n. 8.630/

93, por isso nula a Resolução doConselho de Supervisão do OGMO/RG, devendo, em conseqüência, serconsiderado nulo também todo oprocesso seletivo para ingresso denovos trabalhadores no cadastro daestiva. Diz, mais, que o procedimentoadotado v io lou diversos princí-pios constitucionais, como os da igual-dade, da livre associação a sindica-to e da valorização do trabalho e bus-ca do pleno emprego, entre outros.Destaca, por fim, o fato de havercerca de 80 (oitenta) trabalhadoresna cidade de Rio Grande habilitadosem “Curso Básico de Arrumação deCarga e Estivagem Técnica” minis-trado, por solicitação do recorrente,pelo Departamento de Ensino Pro-fissional Marítimo da Marinha do Bra-sil, que tiveram sua inscrição no ca-dastro de estivadores do Porto Or-ganizado de Rio Grande-RS nega-do pelo recorrente, matéria objeto doProcesso n. 01080.922/02-4, em tra-mitação na 2ª Vara do Trabalho deRio Grande.

O Juízo a quo recebe o recur-so ordinário interposto, determinan-do a remessa dos autos ao TRT.

O Ministério Público do Traba-lho, diante do ajuizamento, peloOGMO, de ação cautelar com finali-dade de obter efeito suspensivo aorecurso ordinário interposto, apre-senta petição informando não pre-tender promover execução provisó-ria do julgado.

É dada ciência do teor dessapetição à parte contrária, a qual per-manece silente.

É o relatório.

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Isto posto:

Trata-se de Ação Civil Públicaajuizada pelo Ministério Público doTrabalho contra o Órgão Gestorde Mão-de-Obra do Porto Organizadode Rio Grande — OGMO/RG —, apartir de ofício que lhe foi encami-nhado pela Unidade Regional de Ins-peção do Trabalho Portuário e Aqua-viário/RS ao autor, denunciando di-versas irregularidades em procedi-mento para inserção de novos tra-balhadores no cadastro da estiva doPorto Organizado de Rio Grande-RS. Busca o autor, através da pre-sente ação, ver declarada a nuli-dade da Resolução n. 1/03, do Con-selho de Supervisão do OGMO/RG,e de todo o processo seletivo em de-corrência dela realizado, abstendo-se o réu de conceder inscrição nocadastro da estiva com base em talseleção, sob pena de caracterizaçãodo crime previsto no artigo 330 doCódigo Penal.

Afirma que o Conselho de Su-pervisão do órgão gestor de mão-de-obra não tem competência paradeliberar sobre o cadastro do traba-lhador portuário de qualquer catego-ria, de acordo com o disposto no art.24, § 1º, incisos I e II, da Lei n. 8.630/93, sendo, portanto, nula a Resolu-ção n. 1/03 do Conselho de Super-visão do OGMO/RG, devendo, emconseqüência, ser declarado nulotodo o processo seletivo dela decor-rente para ingresso de novos traba-lhadores no cadastro da estiva.

Alega, também, que, aindaque se abstraia o vício de origem,considerando que a única condiçãopara o ingresso no cadastro de qual-

quer categoria do trabalho portuá-rio é a prévia habilitação profissio-nal, nos termos do artigo 27, § 1º,da Lei n. 8.630/93, poderia o réu, poriniciativa de sua Diretoria, realizarcurso de treinamento, tendo em vis-ta que o procedimento adotado vio-la diversos princípios constitucio-nais. Informa não ter sido dada anecessária publicidade das datas ehorários de inscrição para a prova,que selecionou os candidatos quefreqüentariam o curso com iníciomarcado para 1º.9.2003. Considera,também, que o local de inscrição,qual seja, o próprio sindicato da es-tiva, fonte de constrangimento paratrabalhadores estranhos à catego-ria, como aponta o Ofício da Fisca-lização do Trabalho, salientando, ain-da, estranhamente, que os novosescolhidos possuem algum vínculofamiliar com os atuais estivadoresregistrados. Aponta a redação damencionada Resolução do Conselhode Supervisão do OGMO/RG que dáa entender já existir lista prévia deinscritos para a prova de seleção,tudo a demonstrar a afronta ao prin-cípio da igualdade, consagrado noartigo 5º da Constituição Federal, dalivre associação a sindicato, confor-me artigo 8º, inciso V, também daCarta Magna, e, ainda, da valoriza-ção do trabalho e busca do plenoemprego, artigo 170, caput, e incisoVIII, da Constituição da República,entre outros.

Sinala, ainda, na petição inicialhaver cerca de 80 (oitenta) trabalha-dores naquela cidade que obtiveramfreqüência e foram aprovados no“Curso Básico de Arrumação de Carga

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e Estivagem Técnica”, ministrado,por solicitação do réu, pelo Depar-tamento de Ensino Profissional eMarítimo da Marinha do Brasil, quetiveram sua inscrição no cadastro deestivadores do Porto Organizadode Rio Grande-RS negada pelo réu,matéria, aliás, que constitui objetodo Processo n. 01080.922/02-4, emtramitação na 2ª Vara do Trabalhode Rio Grande.

Considerando o Ministério Pú-blico do Trabalho que a realizaçãodo referido curso com início marcadopara o dia 1º.9.2003 e o ingressodos aprovados no cadastro da esti-va poderá gerar convulsão socialentre os trabalhadores do Porto Or-ganizado de Rio Grande-RS, tendoem vista a negativa da inscrição nocadastro de outros trabalhadores daestiva já qualificados, requer a con-cessão de liminar para sustar a rea-lização do referido curso, e, no mé-rito, a procedência da ação, paradeclarar a nulidade da Resolução n.1/03 do Conselho de Supervisão doOGMO/RG, e de todo o processoseletivo em decorrência dela reali-zado, determinando-se ao réu quese abstenha de conceder inscriçãono cadastro da estiva com base emtal seleção, caracterizando a infra-ção ao preceito a prática do crimedo art. 330 do Código Penal.

Por ocasião da apresentaçãoda defesa, o ora recorrente não ne-gou a realização do processo de se-leção, alegando em seu favor a exis-tência de grave crise de carência deefetivos e de envelhecimento dostrabalhadores pertencentes ao seuquadro, refletindo negativamente

nos índices de produtividade, prin-cipalmente na operação de cargasmais trabalhosas e insalubres, mor-mente os congelados, os granéis ea carga geral, que, via de regra, es-tão migrando para outros portos dopaís. Reporta-se o recorrente à exis-tência de Convenção Coletiva firma-da entre o SINDOP/RS e o Sindica-to dos Estivadores, em plena vigên-cia, que autoriza, em seu item V —Do Acesso ao Cadastro e Registro,cláusula 6ª, que “Observada a dis-ponibilidade de vagas, havendo in-suficiência de mão-de-obra para su-prir a demanda, poderá o Conselhode Supervisão do OGMO, ouvido oSINDESTIVA, redimensionar o qua-dro rodiziário e promover o acessoao registro, observadas as normasa serem pactuadas entre as partes”.Invoca, também, o teor dos artigos18 e 28 da Lei n. 8.630/93, para fun-damentar interpretação no sentidode que, no caso de vir a ser cele-brada convenção coletiva de traba-lho, esta precederá o órgão gestorno regramento de diversas ques-tões, dentre elas a seleção, promo-ção do treinamento e habilitaçãoprofissional para inscrição no cadas-tro, inclusive às disposições da Lein. 8.630/93, conforme regra insertano parágrafo único do artigo 18 doreferido texto legal. Aduz, ainda, queas regras para o processo de sele-ção foram feitas pelo Conselho deSupervisão do OGMO/RG, confor-me autorizado pelo artigo 24, § 1º,da Lei n. 8.630/93, que contou coma mais ampla divulgação através daResolução n. 1/03 dentre os traba-lhadores portuários, operadores por-tuários, proprietários de terminais,

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Administração do Porto, usuários,etc., não havendo qualquer tipo dereserva de mercado, pois, o que oSindicato dos Estivadores fez foiapresentar uma listagem de nomesao Conselho de Supervisão apenaspara demonstrar que seria pertinen-te a realização da seleção e tambémpara confirmar o grande interesse detrabalhadores ligados à atividadeportuária em realizar tal curso, nãose caracterizando nenhuma ofensaa quaisquer princípios constitucio-nais. Por fim, aduz que os 80 (oiten-ta) trabalhadores a que se refere oMinistério Público que realizaramo curso de capacitação poderiam su-prir a carência de estivadores, con-tudo, são eles registrados na cate-goria dos arrumadores, o que osimpede de pertencer a outra cate-goria. Pede seja julgada totalmenteimprocedente a ação.

O Juízo a quo, da análise sis-temática dos dispositivos da Lei n.8.630/93, ressaltou que o artigo 18desse texto de lei atribui ao órgãode gestão de mão-de-obra do tra-balho portuário a finalidade de man-ter, com exclusividade, o cadastrodo trabalhador portuário e o regis-tro do trabalhador portuário avulso(inciso II), assim como promover otreinamento e a habilitação profis-sional do trabalhador portuário, ins-crevendo-o no cadastro. Associa aanálise deste dispositivo àqueles doart. 27, §§ 1º e 2º, art. 28 e art. 57,§§ 1º, 2º e 3º, da Lei n. 8.630/93,bem como à Convenção Coletiva deTrabalho invocada pelo réu, cláusu-las 6ª e 27, para concluir no sentidoda caracterização da transgressão

a tais regramentos, de vez que, re-ferindo-se à categoria dos arruma-dores que se inscreveram e cursa-ram o Curso Básico de Arrumaçãode Cargas e Estivagem Técnica, ad-mitiu o reclamado que “Tais traba-lhadores poderiam muito bem suprira carência de estivadores que hojese verifica no porto de Rio Grande,não fossem eles registrados na ca-tegoria de arrumadores, ... fato quepor si só legalmente os impede depertencer a outra categoria, mor-mente a de estivadores”, o que lhedeu a certeza para reconhecer ter oréu exorbitado os limites que lhe fo-ram outorgados pela Lei n. 8.630/93 e a Convenção Coletiva de Tra-balho juntada aos autos, importan-do na nulidade do processo seletivoimplantado para o ingresso de no-vos trabalhadores no cadastro deestiva conforme denunciado pelo Mi-nistério Público na presente açãocivil pública, declarando a nulidadeda Resolução n. 1/03 do Conselhode Supervisão do OGMO/RG e detodo o processo seletivo em decor-rência dela realizado, determinandoque o réu se abstenha de concederinscrição no cadastro de estiva combase em tal seleção.

Inconforme com essa decisão,recorre ordinariamente o demanda-do, sinalando ter a sentença operadoem evidente equívoco, deixando deanalisar adequadamente a provaconstante dos autos. Sinala, inicial-mente, que a chamada “multifuncio-nalidade” e sua aplicação no âmbitodo trabalho portuário consiste nouso de outras categorias como for-ça supletiva para suprir demanda de

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serviço na falta de trabalhadores dacategoria especializada em realizá-lo, o que não ocorre no caso. Re-porta-se, ainda, ao teor da cláusula27 da Convenção Coletiva firmadaentre o Sindicato dos Estivadores eo Sindicato dos Operadores Portuá-rios do Rio Grande do Sul — SIN-DOP/RS, justificando a sua atuaçãoporque as mencionadas entidadessindicais não avançaram na efetivaimplementação da multifuncionalida-de. Reproduz o texto do artigo 18,parágrafo único, da Lei n. 8.630/93,em argumento à tese de que, parasuprir a carência de trabalhadorespor tuários aptos e suficientes aatender a demanda no porto de RioGrande, buscou o presidente do Sin-dicato dos Estivadores, de comumacordo com os operadores portuá-rios de Rio Grande, equacionar esseproblema, levando solicitação aoConselho de Supervisão do OGMO/RG em reunião por ele requeridapara redimensionar o quadro rodi-ziário de trabalhadores, dentro doslimites estabelecidos no item V, cláu-sula 6ª, da Convenção Coletiva deTrabalho que, no seu entendimento,remete a responsabilidade pelo re-direcionamento do quadro rodiziáriodo Sindicato dos Estivadores aoConselho de Supervisão do OGMO/RG, que poderá deliberar sobre aquestão após a oitiva do sindicatoprofissional. Em relação à cláusula5ª, parágrafo único, diz que, atual-mente, o sindicato conta com umquadro de 300 (trezentos) TPAs re-gistrados e nenhum cadastrado, as-sim, os 60 (sessenta) aos quais pre-tende dar registro estão plenamen-te contemplados pelo dispositivo da

Convenção Coletiva de Trabalho. Porfim, afirma que os 60 trabalhadoresque completaram o curso de treina-mento e foram devidamente esco-lhidos no processo de seleção jáforam escalados e laboraram de for-ma exemplar em alguns navios queaportaram em Rio Grande, porém,por força da sentença recorrida, vol-tou-se ao status quo anterior, ouseja, existe carência de pessoal, asoperações portuárias sendo feitasde forma precária e demorada, de-mandando custos a todos, sendoque, os 60 (sessenta) trabalhadoresqualificados estão de braços cruza-dos impedidos de trabalhar.

Em contra-razões, o Ministé-rio Público do Trabalho reporta-se aoartigo 24, § 1º, incisos I e II, da Lein. 8.630/93, para ver mantida a sen-tença que afastou a competência doConselho de Supervisão do órgãogestor de mão-de-obra para delibe-rar sobre o cadastro do trabalhadorpor tuário de qualquer categoria,sendo, portanto, nula a Resoluçãodo Conselho de Supervisão do OGMO/RG, devendo, em conseqüência, serconsiderado nulo também todo oprocesso seletivo para ingresso denovos trabalhadores no cadastroda estiva, repetindo os argumentosjá expostos na petição inicial.

À análise.

Através da aludida Resoluçãon. 1/03, o Conselho de Supervisãodo OGMO/RG, após diversos con-siderandos, deliberou o seguinte:

“a) Acatar a solicitação do Sin-dicato dos Estivadores e dos Traba-lhadores em Carvão e Mineral de

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Rio Grande, Pelotas e São José doNorte para complementação do qua-dro de cadastro;

b) Determinar ao OGMO/RGque imediatamente providencie umaprova de seleção para ingresso nocadastro da categoria de estivadores;

c) Que os candidatos à provade seleção serão aqueles inscritosno Sindicato dos Estivadores;

d) Que os candidatos não po-derão estar em gozo de benefício deaposentadoria de nenhuma espécie;

e) Que a prova de seleção de-verá ser de nível fundamental, ten-do os seguintes critérios:

1. Prova teórica: peso 6

2. Prova de capacidade física:peso 4

3. Acerto mínimo de 70% na pro-va teórica, para classificação do can-didato para prova de esforço físico

4. Após a etapa classificatóriao candidato deverá apresentar ates-tado de bons antecedentes, queserá considerado documento indis-pensável para a matrícula nos cur-sos básicos

5. Os 100 primeiros classifica-dos no processo terão o direito a ma-tricular-se no curso básico a ser mi-nistrado pelo OGMO/RG de acordocom o PREPOM

6. Os 60 primeiros classifica-dos no curso básico terão o direitoao cadastro, sendo que os demaisclassificados poderão ser chamados,pela ordem de classificação, em casofalta de preenchimento de vagas,sempre limitadas ao número de 60.

f) Que a presente seleção terávalidade por 12 meses a partir dadata da realização das provas

g) Que os próximos ingressosdeverão ser obrigatoriamente regra-dos em Convenção Coletiva de Tra-balho.”

Com o advento da Lei n. 8.630/93, o órgão gestor da mão-de-obrapassou a manter, com exclusivida-de, o cadastro e o registro profis-sional dos trabalhadores portuários,promovendo a sua seleção, o seuregistro e habilitação, assim comoestabelecendo o número de vagas econseqüente expedição do documen-to de identificação individual. De con-formidade com a doutrina de AlexSandro Stein, “Apesar do aparentepoder dado ao OGMO pela Lei n.8.630/93, o referido órgão gestorestá obrigado por força de lei a obe-decer ao pactuado nas convençõesou acordos coletivos de trabalho, noque diz respeito à definição de fun-ções, à composição dos termos e àsdemais condições do trabalho por-tuário avulso, além de aplicar asnormas disciplinares previstas em leie em especial assumir a requisiçãoda mão-de-obra portuária” (in “Cur-so de Direito Portuário”, Ed. LTr, SãoPaulo, 2002, p. 77). Neste sentido,aliás, o parágrafo único do art. 18da Lei n. 8.630/93: “No caso de vir aser celebrado contrato, acordo, ouconvenção coletiva de trabalho en-tre trabalhadores e tomadores deserviços, este precederá o órgãogestor a que se refere o ‘caput’ des-te artigo e dispensará a sua inter-venção nas relações entre capital etrabalho no porto”.

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Diz o recorrente que tal nãoaconteceu no caso dos autos, poisna Convenção Coletiva de Trabalhocelebrada as entidades sindicais nãoavançaram na efetiva implementaçãoda multifuncionalidade, não podendoser responsabilizado por tal inércia.

Como bem enfrentado na de-cisão recorrida, o mencionado artigo18 atribui ao órgão de gestão demão-de-obra do trabalho portuário afinalidade de manter, com exclusivi-dade, o cadastro do trabalhador por-tuário e o registro do trabalhadorportuário avulso (inciso II), bem comopromover o treinamento e a habilita-ção profissional do trabalhador por-tuário, inscrevendo-o no cadastro. Aanálise deste artigo no bojo da lei emcomento conduz ao texto do artigo27, que prevê a regulamentação dotrabalho portuário avulso atribuindoao órgão gestor a responsabilidadede identificar, registrar e administraro trabalho avulso, dispondo em seu§ 2º: “o ingresso no registro do tra-balhador portuário avulso dependede prévia seleção e respectiva ins-crição no cadastro de que trata o in-ciso I deste artigo, obedecidas a dis-ponibilidade de vagas e a ordem cro-nológica de inscrição no cadastro”.

No artigo 26, parágrafo único,da mencionada lei, o legislador dis-põe que: “A contratação de traba-lhadores portuários de estiva, con-ferência de carga, conserto de car-ga e vigilância de embarcações comvínculo empregatício a prazo deter-minado será feita, exclusivamente,dentre os trabalhadores portuáriosavulsos registrados”, sendo que aseleção e o registro do trabalhador

portuário avulso serão feitos peloórgão de gestão de mão-de-obraavulsa, de acordo com as normasque forem estabelecidas em contra-to, convenção ou acordo coletivo detrabalho (art. 28), regulamentandoa forma de acesso ao registro emseus artigos 54: “É assegurada ainscrição no cadastro de que trata oinciso I do art. 27 desta Lei aosatuais integrantes de forças supleti-vas que, matriculados, credenciadosou registrados, complementam o tra-balho dos efetivos”, e 55: “É asse-gurado o registro de que trata o in-ciso II do art. 27 desta Lei aos atuaistrabalhadores portuários avulsosmatriculados, até 31 de dezembrode 1990, na forma da lei, junto aosórgãos competentes, desde que es-tejam comprovadamente exercendoa atividade em caráter efetivo des-de aquela data”.

A análise da legislação inciden-te, no caso dos autos, leva à conclu-são de que o trabalhador portuáriocadastrado necessita de prévio trei-namento, através de curso de habili-tação prévia, e somente com a reali-zação de prova seletiva poderá o tra-balhador portuário pleitear o seu re-gistro, que ainda considerará a ne-cessidade da observância de dispo-nibilidade de vagas, além da ordemcronológica da inscrição no cadastro.

Do exame da cláusula 6ª daConvenção Coletiva de Trabalho (fls.49 a 64), que faculta ao Conselhode Supervisão do OGMO redimen-sionar o quadro rodiziário e promo-ver o acesso ao registro, vê-se queas condições fixadas no teor destacláusula vincula a regularidade do

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exercício deste direito à observân-cia da disponibilidade de vagas, quehaja insuficiência de mão-de-obrapara suprir a demanda, que seja ou-vido o SINDESTIVA, além de seremobservadas as normas a serem pac-tuadas entre as partes.

Ainda o artigo 27 da referidaConvenção Coletiva de Trabalho pre-vê que as partes poderão promoveresforços em prol da multifuncionalida-de, estabelecida no artigo 57 da Lein. 8.630/93, cabendo ao OGMO a rea-lização de cursos de treinamento eaperfeiçoamento profissional, com vis-ta à implantação progressiva da mul-tifuncionalidade do trabalho portuário,podendo os Operadores Portuários e/ou Tomadores de Serviço colabora-rem nesse sentido, organizando ecusteando cursos internos de adequa-ção, sem, no entanto, retirar das enti-dades sindicais a decisão sobre aoportunidade de se promover proces-so seletivo para a categoria.

A correspondência encaminha-da pela Unidade Regional de Inspe-ção do Trabalho Portuário e Aquaviá-rio/RS revela, dentre outros elemen-tos, existir mais de 80 trabalhadoresavulsos já devidamente treinados eaptos a exercerem as atividades deestiva, sendo desnecessário qualqueringresso nos quadros do OGMO.

Segundo o autor, à luz da pre-visão legal expressa no art. 24, § 1º,da Lei n. 8.630/93, o OGMO não temcompetência para deliberar sobre ocadastro dos trabalhadores portuá-rios de qualquer categoria; assimcomo refere que o mesmo texto le-gal, em seu art. 27, § 1º, prevê anecessidade de realização de curso

de treinamento para ingresso nocadastro de qualquer categoria,sinalando, por fim, a existência demais ou menos 80 trabalhadorescom freqüência e aprovação no“Curso Básico de Arrumação deCarga e Estivagem Técnica” que ti-veram negada sua inscrição no ca-dastro do Porto de Rio Grande.

É forte o argumento do autorno sentido de que o procedimentoadotado pelo OGMO afrontou a di-versos princípios constitucionais, as-sim como a necessária publicidadede datas e horários de inscrição paraa prova de seleção dos trabalhado-res que iriam realizar o curso cominício em 1º.9.2003. Vê-se já ter oAuditor Fiscal do Trabalho que en-caminha correspondência ao Minis-tério Público ressaltado que o con-curso para seleção de trabalhado-res somente foi noticiado entre ossócios do sindicato da estiva, vistoque puderam efetuar a inscrição,ocorrida na sede do Sindicato dosEstivadores, somente 230 candida-tos, dos quais somente 80 obtive-ram nota igual/superior a 7 (sete).O fato de a inscrição ao certame terocorrido no próprio sindicato da es-tiva, de certa forma, representoufato de constrangimento para os tra-balhadores interessados, porém,estranhos à categoria, o que faz pre-sumir que o processo seletivo esta-va direcionado a atingir trabalhado-res já previamente determinados.Não há, contudo, prova do fato deque aqueles inscritos à realização docurso apresentassem qualquervínculo familiar com os atuais esti-vadores registrados. Todavia, tal fato

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não elide a tese de que o local eleitopara a realização da inscrição con-figura uma restrição ao livre acessoà categoria, caracterizando ofensaao princípio constitucional da igual-dade, da livre associação sindical eda valorização do trabalho e buscado pleno emprego, entre outros,como bem sinala o Ministério Públi-co do Trabalho.

Portanto, ainda que se admitis-se regular o teor da Resolução doConselho Superior do OGMO, o queafastaria o pedido de sua nulidade,considerando-se atendidas as exigên-cias do artigo 24, § 1º, incisos I e II,da Lei n. 8.630/93, combinando como artigo 18, inciso V, e, principalmen-te, do artigo 28 da mesma lei, queprevê, para a seleção e o registro dotrabalhador portuário avulso, a neces-sidade de observância de normasestabelecidas em contrato, convençãoou acordo coletivo de trabalho, não sepoderia deixar de ponderar sobre aforma como realizado o processo se-letivo, que, no caso, encontra-se ma-culado em razão de olvidar princípiosconstitucionais como os da igualdade(art. 5º), da livre associação a sindi-cato (art. 8º, inciso V) e da valoriza-ção do trabalho e busca do plenoemprego (art. 170, caput, e inc. VIII),além de outros.

Por fim, oportuna a pondera-ção feita pelo julgador a quo sobreos termos da defesa ao destacar atransgressão às normas incidentesno caso, quando o réu se refere àcategoria dos arrumadores que seinscreveram e cursaram o Curso Bá-sico de Arrumação de Cargas e Es-tivagem Técnica, admitindo que “Tais

trabalhadores poderiam muito bemsuprir a carência de estivadores quehoje se verifica no porto de RioGrande, não fossem eles registradosna categoria de arrumadores (emanexo juntamos algumas fichas des-tes TPAs atestando a condição deregistrados no Sindicato dos Arru-madores), fato que por si só legal-mente os impede de pertencer a ou-tra categoria, mormente a de esti-vadores”, o que convalida entendi-mento de que o processo seletivoimplantado pelo réu obstou o ingres-so no cadastro de estiva de outrostrabalhadores avulsos abrangidos naprevisão de multifuncionalidade.

O Conselho de Supervisão doOGMO exorbitou os limites que lheforam impostos na legislação inci-dente ao editar a malfadada Reso-lução, o que implica a nulidade detodo o processo seletivo para o in-gresso de novos trabalhadores noPorto de Rio Grande realizado combase na Resolução n. 1/03, do Con-selho de Supervisão do OGMO/TG,conduzindo à procedência da açãocivil pública movida pelo MinistérioPúblico do Trabalho, como bem de-cidido na origem.

Nega-se provimento ao recurso.Ante o exposto,Acordam os Juízes da 2ª Se-

ção de Dissídios Coletivos do Tribu-nal Regional do Trabalho da 4ª Re-gião, por unanimidade, negar provi-mento ao recurso ordinário.

Intimem-se.Porto Alegre, 23 de junho de

2004.

Denise Pacheco, Juíza Rela-tora Convocada.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA — MULTA —DESTINAÇÃO AO FAT (TRT 12ª REGIÃO)

Ac.-1ªT-N. 04762/2005RO-V 03606-2003-028-12-00-82759/2004

Indenização. Reversão ao FAT. A indenização decorrente dos danoscausados à ordem pública, em face de lesão a direito do cidadão traba-lhador, deve reverter ao Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT.

Vistos, relatados e discutidosestes autos de Recurso Ordinário Vo-luntário, provenientes da 3ª Vara doTrabalho de Joinville, SC, sendo re-correntes 1. Bebidas Príncipe Ltda.e outro (2) e 2. Ministério Público doTrabalho e recorridos os mesmos.

Ambas as partes interpõemrecurso ordinário.

As rés (Bebidas Príncipe Ltda.e a sua sócia-gerente) insurgem-secontra as obrigações de não-fazere respectivas astreintes impostas nasentença, bem como contra o paga-mento de indenização por danoscausados à ordem pública. Alterna-tivamente, pedem a redução do va-lor da indenização arbitrado peloJuízo de 1º grau.

Recorre também o MinistérioPúblico do Trabalho, autor da ação.Pede: (a) a imposição de obrigaçãode fazer, consistente na determina-

ção de que a empresa-ré observerigorosamente as condições e pra-zos previstos no art. 477 da CLTquando da extinção dos contratos detrabalho de seus empregados, sobpena de pagamento de multa; (b) aelevação da indenização imposta nasentença em razão dos danos cau-sados à ordem pública e (c) queessa indenização reverta ao Fundode Amparo ao Trabalhador (FAT).

Contra-razões são apresenta-das, e os autos sobem.

O Ministério Público do Traba-lho manifesta-se à fl. 123.

É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos e dascontra-razões, atendidos os requisi-tos legais de admissibilidade.

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MÉRITO

Recurso das Rés

As rés, inicialmente, enalte-cem a decisão do Juízo de primeirograu de impedir o assento do repre-sentante do MPT ao seu lado na au-diência de fl. 34.

Embora essas consideraçõesdas rés não substanciem qualquerinsurgência recursal propriamentedita, é importante salientar que essadecisão do Juízo sentenciante gerou,por parte do MPT, o ajuizamento daAção de Segurança n. 842-2003-000-12-00-7. Nela, os Juízes da SeçãoEspecializada em Dissídios Indivi-duais deste Tribunal, à unanimidade,concederam a segurança pleiteada,garantindo ao membro do MPT oassento à direita e no mesmo planode igualdade do Julgador da presen-te ação trabalhista ordinária.

Desse julgamento resultou aseguinte ementa, da lavra da Exma.Juíza Ione Ramos, verbis:

“Ministério Público do Trabalho.Atuação como Parte. Assento àDireita e no mesmo Plano deIgualdade do Juiz. A teor dos arts.18, I, a, e 21 da Lei Complemen-tar n. 75, de 20 de maio de 1993,é garantia institucional do Minis-tério Público posicionar-se, nasala de audiências, no mesmoplano de igualdade e imediata-mente à direita do Juiz, ainda quesua atuação se dê como parte,uma vez que, como instituiçãounitária e indivisível, defende im-parcialmente interesse público in-disponível” (Ac. n. 2.925/2004).

Feitas essas considerações,passo à apreciação das proposiçõesrecursais das rés.

1) Da simulação de lides. Dasobrigações de fazer e respectivasastreintes

O Juízo originário concluiu querestaram comprovadas as alegaçõesda inicial de que a empresa-ré teriapressionado vários de seus empre-gados despedidos a interporemações trabalhistas, por meio de ad-vogado escolhido pela empresa,com a intenção de “inibir qualquerreivindicação de direito posterior àrescisão, (...) buscando assim umefeito homologatório com força decoisa julgada” (sentença, fl. 77).Concluiu, ainda, que a empresa uti-lizava documentos assinados embranco pelos seus empregados (ouparcialmente preenchidos) para con-feccionar as procurações a seremfornecidas para esse advogado.

Em conseqüência, condenou aempresa-ré (e solidariamente a suasócia-gerente) nos seguintes aspec-tos: a) a abster-se de sugerir, indu-zir, pressionar ou obrigar seus em-pregados ou ex-empregados a ou-torgarem procurações a advogadospor ela escolhidos, a assinarem do-cumentos em branco ou parcialmen-te preenchidos e a proporem açõestrabalhistas com vistas a receberemquaisquer créditos decorrentes darelação de trabalho; e b) a abster-se de promover lide simulada, comqualquer finalidade, inclusive paraobter homologação de transação ouconciliação judicial, sob pena de

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pagamento de multa, em favor doFAT — Fundo de Amparo ao Traba-lhador, no valor de R$ 20.000,00 porconduta acima descrita, exceto a deassinar documentos em branco ouparcialmente preenchidos, quandoentão o valor da multa será de R$10.000,00 (sentença, fls. 77/78).

As rés interpõem recurso or-dinário alegando a inexistência deprovas acerca dos fatos narradospelo Parquet na petição inicial, re-conhecendo apenas a existência demeros indícios, segundo elas insufi-cientes para sustentar a condena-ção imposta pelo Juízo de 1º grau.

Pois bem.

O Procedimento Investigatórion. 38/2003, realizado pelo MPT da12ª Região e que culminou com oajuizamento da presente ação civilpública, foi desencadeado peloofício remetido ao Parquet pela 2ª Varado Trabalho de Joinville dando contaque em várias ações trabalhistas dis-tintas, movidas por ex-funcionáriosda Bebidas Príncipe Ltda., os auto-res teriam afirmado que não contra-taram o advogado que os represen-tava, Dr. Cláudio José de Campos, eque teriam tomado conhecimentodas ações ajuizadas em seu nomeapenas quando notificados a compa-recerem às respectivas audiências.

Os três ex-funcionários da em-presa-ré, de forma uníssona, ao se-rem inquiridos pelo Juiz, confirma-ram que nem sequer conheciam oadvogado que os representava, nãotendo, conscientemente, outorgadopoderes para que o causídico ajui-zasse as ações trabalhistas (Marcos

Emilio Sokacheski à fl. 18, Fernan-do Luiz Andrade Bhiense Junior à fl.14 e Arnoldo Cesar do Nascimentoà fl. 49, todas dos autos apensados).

Note-se, ainda, que em umadas ações trabalhistas referidas (ade n. 79/2002, que tem como autorFernando Luiz Andrade Bhiense Ju-nior), foram ouvidos mais 2 ex-fun-cionários da empresa-ré, Dionísio daSilva Duarte Neto e Valdir Valcana-ria. Ambos confirmaram que “comeles aconteceu o mesmo, ou seja,foi movida uma ação com o mesmoprocurador sem que eles soubes-sem” (fl. 31 dos autos apensados).

Portanto, cinco ex-emprega-dos da 1º ré confirmaram perante oJuiz a “montagem” de ações traba-lhistas em seus nomes.

Outro fato importante, expres-samente salientado na sentença re-corrida, é que Cláudio José de Cam-pos, pseudo-advogado dos trabalha-dores, manifestou-se na audiênciareferente à Ação Trabalhista n. 79/2002, reconhecendo que foi procu-rado pela Sra. Madalena (2ª ré esócia-gerente da empresa). Segun-do ele, a Sra. Madalena teria afir-mado que “estava com alguns em-pregados a serem demitidos” e quepara pagar os valores decorrentesda rescisão “a empresa exigiu umaação para cada um” (fl. 81 dos au-tos apensados).

Quanto ao fato de o advoga-do, meses depois, ter alterado o teorde suas declarações no depoimen-to prestado perante o Delegado daPolícia Federal afirmando que foraprocurado pelos ex-funcionários da

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ré (fl. 90 — ação ajuizada pelo Mi-nistério Público Federal contra oadvogado, em apenso), compartilhoda conclusão externada pelo Juízosentenciante, verbis:

“As declarações prestadasàquele Juízo da 4ª Vara do Tra-balho devem prevalecer em rela-ção a todas as demais provas,pela imediatidade e surpresa pe-los fatos relatados em Juízo (...)”(sentença, fl. 77).

Há outro fato relevante invoca-do pelo Juízo sentenciante, verbis:

“Outro ponto que na ótica des-te Juízo é tido como um reconhe-cimento de culpa das requeridas,é o fato de sua preposta naquelaaudiência e o seu procurador ju-dicial se recusarem a fazer qual-quer manifestação sobre o de-nunciado, ficando silente, aplican-do-se daí o brocado popular deque ‘quem cala consente’” (sen-tença, fl. 77).

Por tanto, considero que oselementos que constam dos autossão suficientes para demonstrar oilícito apontado pelo Parquet em suaexordial, sendo inconsistente a teserecursal patronal de insuficiência deprovas.

Em suma, da mesma formaque o Juízo originár io, concluo,verbis:

“(...) evidenciada a intenção doempregador de inibir qualquer rei-vindicação de direito posterior arescisão, restando claro que pre-

tendia pagar os haveres rescisó-rios somente em Juízo, buscan-do assim um efeito homologató-rio com força de coisa julgada, naforma do Parágrafo único do art.831 da CLT” (fl. 77).

Em conseqüência, mantenhoa sentença atacada no que tange àsobrigações de fazer e respectivasastreintes acima referidas.

2) Da redução da indenizaçãodecorrente dos danos causados àordem pública (dano moral coletivo)

Quanto à indenização decorren-te dos danos causados à ordem pú-blica (dano moral coletivo), as rés in-surgem-se unicamente quanto ao va-lor fixado na sentença (R$ 10.000,00).Pugnam pela redução desse valor,afirmando que em casos mais graveso valor arbitrado à indenização poucopassou dos R$ 3.000,00.

Vejamos.

Assim decidiu o Juízo originá-rio, verbis:

“(...) Pelas razões expostas,entendo punível o dano poten-cialmente causado pela empresaaos seus ex-empregados, entre-tanto considero elevado o valorpretendido, pelo que fixo a inde-nização por danos morais em R$10.000,00, que deverá ser ratea-do entre cinco entidades filantró-picas de Joinville, ao final identi-ficadas, em parcelas iguais de R$2.000,00 cada, justificando estearbitramento em valor mais mó-dico por entender que o verdadei-ro objetivo da presente ação, eque exige maior rigor, é o pleito de

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pena cominatória para o caso denão atendimento das obrigaçõesde não fazer, inibindo o compor-tamento que gerou o desenca-deamento da presente ação civilpública.

De outro modo, onerar exces-sivamente a empresa requeridaé contraproducente, pois poderiadesestruturar financeiramente oempreendimento que, inegavel-mente prima por seu cunho so-cial ao contratar de forma regu-lar aproximadamente duzentosempregados” (sentença, fl. 70).

Pois bem.

Em favor das rés não merecereforma o decisum. Reduzir aindamais a indenização para abaixo dovalor de R$ 10.000,00 fixado na sen-tença seria deixá-la praticamente inó-cua, retirando-lhe todo o seu caráterpedagógico e tornando-a incompatí-vel com a gravidade dos atos perpe-trados pela empresa e com o seupresumido poderio financeiro (ressal-to que na contestação foi afirmadoque a empresa-ré possui duas filiaise quase 200 empregados — fl. 45).

Nego provimento ao recurso.

Recurso do Ministério Público doTrabalho

1) Da obrigação de fazer relativa àobservância dos prazos dascondições e prazos previstos noart. 477 da CLT

O Juízo de 1º grau indeferiu opedido de condenação das rés na

obrigação de fazer consistente naplena observância dos prazos e con-dições previstos no art. 477 da CLT(e na fixação da respectiva astrein-te), sob os seguintes fundamentos,verbis:

“Indefere-se, contudo, o pleitode estipulação de multa de R$20.000,00 no caso de descumpri-mento das condições e prazospara pagamento das verbas res-cisórias, conforme previsto nos§§ do art. 477 da CLT, pois o ci-tado dispositivo legal já prevêuma pena no caso de infração,devendo prevalecer o entendi-mento dominante da doutrina ejurisprudência de não cabimentode dupla penalidade para a mes-ma falta” (fl. 78).

Insurge-se o MPT, aduzindoem seu apelo, verbis:

“Com efeito, o (...) § 8º [do art.477 da CLT] trata de duas verbas:a multa administrativa, pelo des-cumprimento do preceito legal, ea multa reversível em favor do em-pregado lesado pelo atraso no pa-gamento das verbas rescisórias.

Já a multa de que cuida opedido em tela tem natureza deastreintes, visando a compelir aré ao cumprimento da determina-ção judicial de observância dascondições e prazos previstos noart. 477 da CLT, tendo como am-paro legal a previsão contida noart. 287 do CPC.

Vê-se, portanto, que as obri-gações pecuniárias em apreço

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têm fatos geradores diversos, nãohavendo, assim, que se falar emdupla incidência” (fl. 92).

Vejamos:

Compartilho do entendimentoesposado pelo Parquet em seu re-curso. As multas previstas no art. 477da CLT não afastam a possibilidadede fixação em Juízo de astreinte, comfundamento no art. 287 do CPC.

Defiro, pois, o pedido nos ter-mos pleiteados.

Dou provimento ao recursopara impor às rés a obrigação deobservar as condições e prazos es-tabelecidos no art. 477 da CLT, sobpena de multa de R$ 20.000,00, re-versíveis ao Fundo de Amparo aoTrabalhador (FAT).

2) Da majoração da indenizaçãodecorrente dos danos causados àordem pública (dano moralcoletivo)

Como relatado quando daapreciação do item 2 do recurso dasrés, decidiu o Juízo originário fixarem R$ 10.000,00 a indenização de-corrente dos danos causados à or-dem pública (dano moral coletivo).

Busca o MPT sua majoraçãopara o valor inicialmente pleiteado:R$ 60.000,00.

Vejamos.

O valor arbitrado pelo Juízosentenciante, R$ 10.000,00, é insu-ficiente e não se coaduna com a gra-vidade dos atos perpetrados pelaempresa e com o seu presumido po-derio financeiro.

Logo, dou provimento paramajorar o valor da indenização de-corrente dos danos causados à or-dem pública, elevando-o para R$60.000,00.

3) Do destinatário da indenização pordecorrente dos danos causados àordem pública (dano moralcoletivo)

Após fixar a indenização de-corrente dos danos causados à or-dem pública (dano moral coletivo),O Juízo originário determinou queessa indenização fosse rateada en-tre cinco entidades filantrópicas deJoinville, em parcelas iguais.

Insurge-se o MPT, afirmandoverbis:

“(...) o art. 13 da Lei n. 7.347/1985 é bastante claro ao disporque o valor da indenização pelosdanos causados aos interessesdifusos e coletivo de que trata aação civil pública será revertidoa um fundo, ‘sendo seus recur-sos destinados à reconstituiçãodos bens lesados’.

Nesse espírito, tratando-se, incasu, de lesão a direito do cida-dão trabalhador, deve a indeniza-ção reverter ao FAT, criado pelaLei n. 7.998/1990, cujos recursosdevem, nos termos da lei, serdirecionados à assistência do tra-balhador desempregado.

Ainda que se argumentasseque, no âmbito de suas atribui-ções, as entidades indicadas peloMM. Juízo poderiam, de alguma

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forma, reverter os recursos emtela a ações voltadas para traba-lhadores, como se realizaria a fis-calização desse destino?” (fl. 94).

Pois bem.

Com fundamento no diplomalegal invocado pelo Parquet, douprovimento ao recurso, determinan-do que a indenização decorrente dosdanos causados à ordem pública re-verta ao Fundo de Amparo ao Tra-balhador — FAT.

Pelo que,

Acordam os Juízes da 1ª Tur-ma do Tribunal Regional do Traba-lho da 12ª Região, por unanimidadede votos, conhecer dos recursos. Nomérito, por igual votação, negar pro-vimento ao recurso das reclamadas.Sem divergência, dar provimento aorecurso do Ministério Público do Tra-balho para impor às rés a obrigaçãode observar as condições e prazosestabelecidos no art. 477 da CLT,sob pena de multa de R$ 20.000,00(vinte mil reais), reversíveis ao Fundode Amparo ao Trabalhador (FAT);

para majorar o valor da indenizaçãodecorrente dos danos causados àordem pública, elevando-o para R$60.000,00 (sessenta mil reais); epara determinar que a indenizaçãodecorrente por danos causados àordem pública reverta ao Fundo deAmparo ao Trabalhador — FAT. Ar-bitrar o valor provisório à condena-ção em R$ 60.000,00 (sessenta milreais).

Custas na forma da lei.

Intimem-se.

Participaram do julgamento rea-lizado na sessão do dia 22 de mar-ço de 2005, sob a Presidência doExmo. Juiz Marcus Pina Mugnaini,os Exmos. Juízes Maria do Céo deAvelar e Marcos Vinicio Zanchetta.Presente a Exma. Dra. Dulce MarisGalle, Procuradora do Trabalho.

Florianópolis, 22 de abril de2005.

Marcos Vinicio Zanchetta, Re-lator.

Ministério Público do Trabalho

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MEMBROS DO MINISTÉRIOPÚBLICO DO TRABALHO

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MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Procuradora-Geral do Trabalho: Sandra Lia SimonPresidente da ANPT: Sebastião Vieira Caixeta

Posição em 5.1.2006

PROCURADORIA-GERAL DO TRABALHO

Subprocuradores-Gerais doTrabalho

Antonio Carlos Roboredo

Cesar Zacharias Martyres

Dan Caraí da Costa e Paes

Edson Braz da Silva

Guilherme Mastrichi Basso

Guiomar Rechia Gomes

Heloísa Maria Moraes Rego Pires

Ivana Auxiliadora Mendonça Santos

Jeferson Luiz Pereira Coelho

José Alves Pereira Filho

José Carlos Ferreira do Monte

Lucinea Alves Ocampos

Luiz da Silva Flores

Maria Aparecida Gugel

Maria de Fátima Rosa Lourenço

Maria Guiomar Sanches de Mendonça

Otavio Brito Lopes

Ronaldo Tolentino da Silva

Terezinha Matilde Licks

Vera Regina Della Pozza Reis

Lélia Guimarães Carvalho Ribeiro

José Neto da Silva

Rogério Rodriguez Fernandez Filho

Luis Antônio Camargo de Melo

Procuradores Regionais deoutras PRTS

Adriane Reis de Araújo (Lot. PRT-10ª)

Ana Claudia Rodrigues BandeiraMonteiro (PRT 1ª — Chefe deGabinete da Pgt )

Antonio Luiz Teixeira Mendes (Lot.PRT-10ª)

Cristina Soares de Oliveira e A. No-bre (Lot. PRT-10ª) (Cedida parao CNMP)

Eliane Araque dos Santos (Lot.PRT-10ª)

Enéas Bazzo Tôrres (Lot. PRT-10ª)

Evany de Oliveira Selva (Lot. PRT-10ª)

Gustavo Ernani Cavalcanti Dantas(Lot. PRT-10ª) (Cedido para oCNMP)

Márcia Raphanelli de Brito (Lot.PRT-10ª)

Ricardo José Macedo de Britto Pe-reira (Lot. PRT-10ª)

Ronaldo Curado Fleury (Lot. PRT-10ª)

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO

SEDE: Rio de Janeiro/RJ

Procurador Chefe: Márcio Vieira Alves FariaProcurador-Chefe (substituto): Carlos Alberto D. F. C. Couto

Procuradores Regionais doTrabalho

Aída Glanz

Ana Lúcia Riani de Luna

Carlos Alberto Dantas da FonsecaCosta Couto

Heleny Ferreira de Araújo Schittine

Inês Pedrosa de Andrade Figueira

João Hilário Valentim

Lício José de Oliveira

Márcio Octávio Vianna Marques

Márcio Vieira Alves Faria

Maria Vitória Süssekind Rocha

Mônica Silva Vieira de Castro

Regina Fátima Bello Butrus

Reginaldo Campos da Motta

Ofício de Nova Friburgo

Fernando Pinaud de Oliveira Júnior

Ofício de Campos Goytacazes

Claudia Carvalho do Nascimento(Exerc. Of. Nov. Iguaçu)

Maurício Guimarães de Carvalho

Ofício de Volta Redonda

Carlos Eduardo Carvalho Brisolla

Ofício de Nova Iguaçu

Claudia Carvalho do Nascimento(Camp. Goytacazes)

Procuradores do Trabalho

Adriano de Alencar SaboyaAna Claudia Rodrigues Bandeira

Monteiro (Exercício PGT)Ana Luiza FaberoAndré Luiz Riedlinger TeixeiraCássio Luis CasagrandeCynthia Maria Simões LopesDaniela Ribeiro MendesDanielle CramerDeborah da Silva FelixEduardo Galvão de Andrea FerreiraEliane LucinaEricka Rodrigues DuarteFabio Goulart VillelaFábio Luiz Vianna MendesGuadalupe Louro Turos CoutoHeloise Ingersoll SáIsabella Gameiro da Silva TerziJoão Batista Berthier Leite SoaresJoão Carlos TeixeiraJosé Antonio Vieira de Freitas FilhoJosé Cláudio Codeço MarquesJuliane MombelliJúnia Bonfante RaymundoLisyane Chaves MottaLúcia de Fátima dos Santos GomesLuciana Tostes de Guadalupe e SilvaLuiz Eduardo Aguiar do ValleMarcelo de Oliveira RamosMarcelo José Fernandes da SilvaMaria Julieta Tepedino de BragançaMaria Lúcia Abrantes FerreiraPatrick Maia MerisioRodrigo de Lacerda CarelliSafira Cristina Freire Azevedo Carone

GomesSérgio Favilla de MendonçaTeresa Cristina D’Almeida BasteiroValéria Sá Carvalho da Silva CorrêaValesca de Morais do Monte (Exerc.

PRT-10ª)Wilson Roberto Prudente

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

SEDE: São Paulo/SP

Procurador Chefe: Roberto Rangel MarcondesProcuradora Chefe (substituta): Ana Elisa Alves Brito Segatti

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Almara Nogueira MendesAndréa Isa RípoliCristina Aparecida R. BrasilianoDanton de Almeida SeguradoEgle ResekErick Wellington Lagana LamarcaGraciene Ferreira PintoLaura Martins Maia de AndradeLuiza Yukiko Kinoshita AmaralMaria Helena Leão GrisiMaria Isabel Cueva MoraesMaria José Sawaya de Castro P. do

ValeMarisa Marcondes MonteiroMarisa Regina Murad LegaspeMarta Casadei MomezzoMônica FuregattiOksana Maria Dziúra BoldoRuth Maria Fortes AndalafetSandra Borges de MedeirosSandra Lia Simon (Procuradora-

Geral do Trabalho)Sidnei Alves TeixeiraSuzana Leonel FarahVera Lígia Lagana LamarcaWilian Sebastião Bedone

Adélia Augusto DominguesAlline Pedrosa OishiAna Elisa Alves Brito SegattiAna Francisca Moreira de Souza

SandenAndrea Ehlke MucerinoAndréa Tertuliano de OliveiraAntonio de Souza NetoCelia Regina Camachi StanderClaudia Regina Lovato FrancoDaniel Augusto GaiottoDaniela Landim Paes LemeDébora Monteiro LopesDébora ScattoliniDenise Lapolla de Paula Aguiar An-

dradeDirce Trevisi Prado NovaesElisa Maria Brant de Carvalho MaltaErich Vinícius SchrammFábio de Assis Ferreira FernandesJoão Eduardo de AmorimJosé Valdir MachadoLídia Mendes GonçalvesLuiz Felipe SpeziMaria Beatriz Almeida BrandtMariza Mazotti de Moraes e CunhaMilena Cristina CostaNelson Esteves SampaioPatricia Blanc GaidexPaulo Cesar de Moraes GomesPhilippe Gomes JardimRoberto Rangel MarcondesRonaldo Lima dos SantosRosemary Fernandes MoreiraSamira Torres ShaatSilvana Marcia Montechi V. de OliveiraVera Lúcia CarlosViviann Rodriguez Mattos

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO

SEDE: Belo Horizonte/MG

Procuradora Chefe: Maria Amélia Bracks DuarteProcuradora Chefe (substituta): Maria Helena da Silva Guthier

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Eduardo Maia Botelho

Elson Vilela Nogueira

Júnia Castelar Savaget

Júnia Soares Nader

Marcia Campos Duarte

Maria Christina Dutra Fernandez

Maria Magdá Maurício Santos

Ofício de Uberlândia

Luís Paulo Villafañe Gomes Santos

Fábio Lopes Fernandes

Carina Rodrigues Bicalho

Ofício de Juiz de Fora

Aurelio Agostinho Verdade de Vieito

José Reis Santos Carvalho

Victório Álvaro Coutinho Rettori

Adriana Augusta de Moura Souza

Advane de Souza Moreira

Ana Claúdia Nascimento Gomes

Andréa Ferreira Bastos

Andrea Nice da Silveira

Antônio Augusto Rocha

Antonio Carlos Oliveira Pereira

Arlelio de Carvalho Lage

Dennis Borges Santana

Elaine Noronha Nassif

Genderson Silveira Lisboa

Geraldo Emediato de Souza

Helder Santos Amorim

José Diamir da Costa

Juliana Vignoli Cordeiro

Luciana Marques Coutinho

Lutiana Nacur Lorentz

Maria Amélia Bracks Duarte

Maria Beatriz Chaves Xavier

Maria do Carmo de Araújo

Maria Helena da Silva Guthier

Marilza Geralda do Nascimento

Silvana Ranieri de AlbuquerqueQueiroz

Sônia Toledo Gonçalves

Yamara Viana de Figueiredo

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

SEDE: Porto Alegre/RS

Procurador Chefe: André Luís SpiesProcuradora Chefe (substituta): Silvana Ribeiro Martins

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Ana Luiza Alves Gomes

André Luis Spies

Beatriz de Holleben Junqueira Fialho

Eduardo Antunes Parmeggiani

Jaime Antônio Cimenti

Lourenço Agostini de Andrade

Luiz Fernando Mathias Vilar

Marília Hofmeister Caldas

Paulo Borges da Fonseca Seger

Paulo Eduardo Pinto de Queiroz

Victor Hugo Laitano

Ofício de Passo Fundo

Aline Zerwes Bottari

Ofício de Santa Maria

Evandro Paulo Brizzi (Lotação Pro-visória)

Adriane Arnt Herbst

Alexandre Correa da Cruz

Aline Mar ia Homrich SchneiderConzatti

Cristiano Bocorny Corrêa

Denise Maria Schellenberger

Dulce Martini Torzecki

Eduardo Trajano César dos Santos(Exerc. PRT-10ª)

Evandro Paulo Brizzi (Lot. prov. Of.Santa Maria)

Gilson Luiz Laydner de Azevedo

Ivan Sérgio Camargo dos Santos

Ivo Eugênio Marques

Jean Carlos Voltolini (Exerc. PRT-12ª)

Leandro Araújo

Marcelo Goulart

Marcia Medeiros de Farias

Maria Cristina Sanchez GomesFerreira

Marlise Souza Fontoura

Paula Rousseff Araujo

Paulo Joarês Vieira

Rubia Vanessa Canabarro

Sheila Ferreira Delpino

Silvana Ribeiro Martins

Veloir Dirceu Furst

Viktor Byruchko Júnior

Zulma Hertzog Fernandes Veloz (Li-cença sem vencimento até 15.6.06)

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO

SEDE: Salvador/BA

Procuradora Chefe: Ana Emília Andrade A. da SilvaProcurador Chefe (substituto): Marcelo Brandão de N. Cunha

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Adalberto de Castro Estrela

Adélia Maria Bittencourt Marelin

Antônio Messias Matta de AragãoBulcão

Carla Geovanna Cunha Rossi

Cícero Virgulino da Silva Filho

Claudia Maria Rego Pinto Rodriguesda Costa

Edelamare Barbosa Melo

Inês de Oliveira Sousa

Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé

Jorgina Ribeiro Tachard

Manoel Jorge e Silva Neto

Maria da Glória Martins dos Santos

Maria Lúcia de Sá Vieira

Virgínia Maria Veiga de Sena

Ofício de Itabuna

Pacífico Antonio Luz de AlencarRocha

Manoel Adroaldo Bispo

Ana Emília Andrade Albuquerque daSilva

Cleonice Maria Rodrigues Moreira

Daniela Costa Marques

Jeferson Alves Silva Muricy

Luis Antonio Barbosa da Silva

Luiz Alberto Teles Lima

Luiz Antonio Nascimento Fernandes

Marcelo Brandão de Morais Cunha

Pedro Lino de Carvalho Junior

Rosangela Rodrigues Dias deLacerda

Sandra Marlicy de Souza Faustino

Séfora Graciane Cerqueira Char

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO

SEDE: Recife/PE

Procurador Chefe: Manoel Orlando de M. GoulartProcurador Chefe (substituto): Aluísio Aldo da Silva Júnior

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Aluísio Aldo da Silva Júnior

José Janguie Bezerra Diniz

Manoel Orlando de Melo Goulart

Maria Angela Lobo Gomes

Morse Sarmento Pereira de LyraNeto

Pedro Luiz Gonçalves Serafim daSilva

Waldir de Andrade Bitu Filho

Artur de Azambuja Rodrigues

Elizabeth Veiga Chaves

Fabio André de Farias

Flávio Henrique Freitas EvangelistaGondim

Jorge Renato Montandon Saraiva

Livia Viana de Arruda

Maria Auxiliadora de Souza e Sá

Melícia Alves de Carvalho

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO

SEDE: Fortaleza/CE

Procuradora Chefe: Hilda Leopoldina P. BarretoProcurador Chefe (substituto): Francisco Gerson Marques de Lima

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Fernanda Maria Uchôa deAlbuquerque

Francisco Gerson Marques de Lima

Hilda Leopoldina Pinheiro Barreto

Antônio de Oliveira Lima

Aroldo Teixeira Dantas

Carlos Leonardo Holanda Silva

Claudio Alcantara Meireles

Nicodemos Fabrício Maia

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO

SEDE: Belém/PA

Procurador Chefe: José Cláudio M. de B. FilhoProcuradora Chefe (substituta): Loana Lia Gentil Uliana

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Célia Rosário Lage MedinaCavalcante

José Cláudio Monteiro de BritoFilho

Loana Lia Gentil Uliana

Loris Rocha Pereira Junior

Ofício de Macapá

Fábio Massahiro Kosaka

Luis Fabiano Pereira

Ofício de Marabá

José Pedro dos Reis

Carlos Augusto Sampaio Solar

Ana Maria Gomes Rodrigues

Cíntia Nazaré Pantoja Leão

Débora Tito Farias

Gisele Santos Fernandes Góes

Hideraldo Luiz de Souza Machado

Juliana Queluz Venturini Massarente

Marcelo Freire Sampaio Costa

Marici Coelho de Barros Pereira

Natasha Campos Barroso Rebello

Rafael Dias Marques

Rita Moitta Pinto da Costa

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO

SEDE: Curitiba/PR

Procuradora Chefe: Lair Carmen S. da R. GuimarãesProcuradora Chefe (substituta): Maria Guilhermina S. V. Camargo

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Aluízio Divonzir Miranda (Exercício— Maringá)

Alvacir Corrêa dos Santos

André Lacerda

Itacir Luchtemberg

Jaime Jose Bilek Iantas

José Cardoso Teixeira Júnior

Lair Carmen Silveira da RochaGuimarães

Leonardo Abagge Filho

Luiz Renato Camargo Bigarelli

Maria Guilhermina dos Santos V.Camargo

Neli Andonini (Exercício — Maringá)

Ricardo Tadeu Marques da Fonseca

Ofício de Maringá

Procuradores Regionais do Trabalho de outras PRTS

Aluízio Divonzir Miranda (Lot. PRT-9ª)

Neli Andonini (Lot. PRT-9ª)

Fábio Aurélio da Silva Alcure

Ofício de Londrina

Janine Milbratz Fiorot

Djaílson Martins Rocha

Ofício de Toledo

Marcelo Adriano da Silva

Ana Lúcia Barranco Licheski

Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes

Darlene Borges Dorneles

Gláucio Araújo de Oliveira

Inajá Vanderlei Silvestre dos Santos

Iros Reichmann Losso

Luercy Lino Lopes

Luis Antônio Vieira

Luis Carlos Cordova Burigo

Margaret Matos de Carvalho

Mariane Josviak

Marília Massignan Coppla

Nelson Colauto

Renee Araújo Machado

Ricardo Bruel da Silveira

Rosana Santos Moreira

Thereza Cristina Gosdal

Valdenice Amália Furtado

Vanessa Kasecker Bozza

Viviane Dockhorn Weffort

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO

SEDE: Brasília/DF

Procurador Chefe: Maurício Correia de MelloProcuradora Chefe (substituta): Soraya Tabet Souto Maior

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Adriane Reis de Araújo (Exerc. PGT)

Antonio Luiz Teixeira Mendes (Exerc.PGT)

Cristina Soares de Oliveira e A. No-bre (Exerc. PGT) (Cedida CNMP)

Eliane Araque dos Santos (Exerc.PGT)

Enéas Bazzo Tôrres (Exerc. PGT)

Evany de Oliveira Selva (Exerc.PGT)

Gustavo Ernani Cavalcanti Dantas(Exerc. PGT) (Cedido CNMP)

Márcia Raphanelli de Brito (Exerc.PGT)

Maurício Correia de Mello (Exerc.PGT)

Ricardo José Macedo de Britto Pe-reira (Exerc. PGT)

Ronaldo Curado Fleury (Exerc. PGT)

Ofício de Palmas

Procuradores do Trabalho deoutras PRTS

Carlos Eduardo de Azevedo Lima

Cinthia Passari Von Ammon

Ofício de Araguaína

Ana Maria Villa Real Ferreira Ramos

Sandro Henrique Figueiredo C. deAraújo

Adélio Justino Lucas

Adriana Silveira Machado

Alessandro Santos de Miranda

Ana Cristina D. B. F. Tostes Ribeiro

Aroldo Lenza

Cristiano Otávio Paixão Araujo Pinto

Daniela de Morais do Monte Varandas

Erlan José Peixoto do Prado

Fabio Leal Cardoso

Joaquim Rodrigues Nascimento

Ludmila Reis Brito Lopes

Mônica de Macedo Guedes LemosFerreira

Soraya Tabet Souto Maior

Valdir Pereira da Silva

Procuradores do Trabalho deoutras PRTS

Eduardo Trajano César dos Santos(Lot. PRT-4ª)

Sebastião Vieira Caixeta (Lot. PRT-20ª)

Valesca de Morais do Monte (Lot.PRT-1ª)

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 11ª REGIÃO

SEDE: Manaus/AM

Procurador Chefe: Audaliphal Hildebrando da SilvaProcuradora Chefe (substituta): Larah Barros Rebelo

Procurador Regional do Trabalho Procuradores do Trabalho

Ofício de Boa Vista

Claudio Dias Lima Filho

Miron Tafuri Queiroz

Adriane Perini Artifon

Audaliphal Hildebrando da Silva

Faustino Bartolomeu Alves Pimenta

Larah Barros Rebelo

Regina Duarte da Silva

Rita de Cássia dos Santos S.Mantovaneli

Valdirene Silva de Assis

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO

SEDE: Florianópolis/SC

Procurador Chefe: Acir Alfredo HackProcurador Chefe (substituto): Egon Koerner Junior

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Angela Cristina Santos Pincelli

Cinara Graeff Terebinto

Egon Koerner Junior

Marilda Rizzatti

Paulo Roberto Pereira

Ofício de Joinvile

Adir de Abreu

Marcelo Martins Dalpom

Acir Alfredo Hack

Alexandre Medeiros da FontouraFreitas

Alice Nair Feiber Sônego Borner

Anestor Mezzomo

Cristiane Kraemer Gehlen Caravieri

Dulce Maris Galle

Jaime Roque Perottoni

Keilor Heverton Mignoni

Luiz Carlos Rodrigues Ferreira

Marcelo José Ferlin D’Ambroso

Quézia Araújo Duarte de Aguiar

Silvia Maria Zimmermann

Teresa Cristina Dunka R. dos Santos

Procurador do Trabalho de outraPRT

Jean Carlo Voltolini (Lot. PRT-4ª)

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO

SEDE: João Pessoa/PB

Procurador Chefe: Rildo Albuquerque M. de BritoProcuradora Chefe (substituta): Maria Edlene Costa Lins

Procurador Regional do Trabalho Procuradores do Trabalho

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO

SEDE: Porto Velho/RO

Procurador Chefe: Alberto Emiliano de Oliveira NetoProcurador Chefe (substituto): Aílton Vieira dos Santos

Procuradores do Trabalho

Ofício de Campina Grande

Paulo Germano Costa de Arruda

Cláudio Cordeiro Q. Gadelha

Eduardo Varandas Araruna

Francisca Helena Duarte Camelo

José Caetano dos Santos Filho

Marcio Roberto de Freitas Evan-gelista

Maria Edlene Costa Lins

Ramon Bezerra dos Santos

Rildo Albuquerque Mousinho deBrito

Ofício de Rio Branco

Fabíola Junges Zani

Tiago Oliveira de Arruda

Alberto Emiliano de Oliveira Neto

Adriana Freitas Evangelista Gondim(Lot. Prov. Mossoró-21ª a partirde 3.11.05)

Aílton Vieira dos Santos

Luciene Rezende Vasconcelos

Orlando Schiavon Junior

Suse Lane do Prado e Silva Azevedo(Exerc. PRT-18ª)

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

SEDE: Campinas/SP

Procurador Chefe: Abiael Franco SantosProcuradora Chefe (substituta): Eleonora Bordini Coca

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Adriana BizarroEduardo Garcia de QueirozJoão Norberto Vargas ValérioRaimundo Simão de MeloRenata Cristina Piaia Petrocino

Ofício de Bauru

Cássio Calvilani Dalla Déa (Exercício— PRT-15ª)

José Fernando Ruiz MaturanaLuis Henrique RafaelRogério Rodrigues de Freitas

Ofício de São José dos Campos

Ana Lúcia Coelho de LimaLuis Fabiano de Assis

Abiael Franco SantosAderson Ferreira SobrinhoAlessandra Rangel Paravidino

AnderyAlex Duboc GarbelliniAlvamari Cassillo TebetAna Lúcia Ribas SaccaniAndrea AlbertinaseAparicio Querino SalomãoBernardo Leôncio Moura CoelhoClarissa Ribeiro SchinestsckClaude Henri AppyClaudia Marques de OliveiraDimas Moreira da SilvaEleonora Bordini CocaEliana Nascimento MinicucciFábio Messias VieiraGuilherme Duarte da ConceiçãoHumberto Luiz Mussi de

AlbuquerqueIvana Paula CardosoJoão Batista Martins CésarLiliana Maria Del NeryMárcia Cristina Kamei López AliagaMarco Antônio Ribeiro TuraMarcus Vinícius GonçalvesMaria Stela Guimarães de MartinMario Antonio GomesNei Messias VieiraRenata CoelhoRicardo Wagner GarciaRonaldo José de Lira

Procurador do Trabalho de outraPRT

Cássio Calvilani Dalla Déa (Lot.Bauru)

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO

SEDE: São Luís/MA

Procurador Chefe: Maurício Pessoal LimaProcuradora Chefe (substituta): Virgínia de Azevedo N. Saldanha

Procurador Regional do Trabalho Procuradores do Trabalho

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 17ª REGIÃO

SEDE: Vitória/ES

Procuradora Chefe: Maria de Lourdes Hora RochaProcurador Chefe (substituto): Valério Soares Heringer

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Roberto Magno Peixoto Moreira Adriana Holanda Maia Campelo

Danielle Leite de Pinto Costa

José Laizio Pinto Junior

Maurício Pessoa Lima

Rogério Uzun Fleischmann

Virgínia de Azevedo Neves Saldanha

Carlos Henrique Bezerra Leite

Levi Scatolin

Anita Cardoso da Silva

Antônio Carlos Lopes Soares

Daniele Corrêa Santa CatarinaFagundes

Estanislau Tallon Bózi

Keley Kristiane Vago Cristo

Maria de Lourdes Hora Rocha

Sueli Teixeira Bessa

Valério Soares Heringer

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 18ª REGIÃO

SEDE: Goiânia/GO

Procurador Chefe: Luiz Eduardo Guimarães BojartProcurador Chefe (substituto): Marcello Ribeiro Silva

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 19ª REGIÃO

SEDE: Maceió/AL

Procuradora Chefe: Virgínia de Araújo G. FerreiraProcurador Chefe (substituto): Rodrigo Raphael R. de Alencar

Procurador Regional do Trabalho Procuradores do Trabalho

Cláudia Telho Corrêa Abreu

Jane Araújo dos Santos Vilani

Luiz Eduardo Guimarães Bojart

Alpiniano do Prado LopesAntonio Carlos Cavalcante

RodriguesCirêni Batista RibeiroIara Teixeira RiosJanilda Guimarães de Lima ColloJanuário Justino FerreiraJosé Marcos da Cunha AbreuMarcello Ribeiro SilvaMaria das Graças Prado Fleury

Procurador do Trabalho de outra PRT

Suse Lane do Prado e Silva Azevedo(Lot. Prt-14ª)

Rafael Gazzaneo Junior Cássio de Araújo SilvaBreno da Silva Maia FilhoLuciano Arlindo CarlessoRodrigo Raphael Rodrigues

de AlencarMarco Antonio Costa PradoVanda Maria F. LustosaVirgínia de Araújo Gonçalves

Ferreira

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 20ª REGIÃO

SEDE: Aracaju/SE

Procurador Chefe: Mário Luiz Vieira CruzProcurador Chefe (substituto): Antonio Marcos Fonseca de Souza

Procuradores do Trabalho

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO

SEDE: Natal/RN

Procurador Chefe: Eder SiversProcurador Chefe (substituto): Rosivaldo da Cunha Oliveira

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

Mario Luiz Vieira Cruz

Alberico Luis Batista Neves

Antônio Marcos Fonseca de Souza

Maurício Coentro Pais de Melo

Omar Afif

Ricardo Jose das Merces Carneiro

Sebastião Vieira Caixeta (Exerc.PRT-10ª)

Vilma Leite Machado Amorim

José de Lima Ramos Pereira

Xisto Tiago de Medeiros Neto

Ofício de Mossoró

Adriana Freitas Evangelista Gondim(Lot. Prov. Mossoró-21ª a partir de3.11.2005)

Eder Sivers

Francisco Marcelo Almeida Andrade

Ileana Neivas Mousinho

Izabel Christina Baptista QueirozRamos

José Diniz de Moraes

Rosivaldo da Cunha Oliveira

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO

SEDE: Teresina/PI

Procuradora Chefe: Evanna SoaresProcurador Chefe (substituto): João Batista Luzardo S. Filho

Procuradores Regionais doTrabalho

Procuradores do Trabalho

PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO

SEDE: Cuiabá/MT

Procuradora Chefe: Eliney Bezerra VelosoProcuradora Chefe (substituta): Márcia de Freitas Medeiros

Procurador Regional do Trabalho Procuradores do Trabalho

Evanna Soares

Marco Aurélio Lustosa Caminha

João Batista Luzardo Soares Filho

Jeane Carvalho de Araújo

João Batista Machado Junior

José Heraldo de Sousa

José Wellington de Carvalho Soares

Vanessa Fucina Amaral de Carvalho

Ofício de Rondonópolis

Alesandro Batista Beraldo

Flávia Vanessa Maia

Eliney Bezerra Veloso

Aloísio Alves

Cristiane Aneolito Ferreira

Érica Bonfante de AlmeidaTessarollo

Luiz Alessandro Machado

Márcia de Freitas Medeiros

Ronildo Bergamo dos Santos

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PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO

SEDE: Campo Grande/MS

Procurador Chefe: Cícero Rufino PereiraProcuradora Chefe (substituta): Simone Beatriz Assis de Rezende

Procurador Regional do Trabalho Procuradores do Trabalho

Ofício de Dourados

Eliaquim Queiroz

Odracir Juares Hecht

Celso Henrique Rodrigues Fortes

Cícero Rufino Pereira

Emerson Marim Chaves

Jonas Ratier Moreno

Renata Aparecida Crema BotassoTobias

Rosimara Delmoura Caldeira

Simone Beatriz Assis de Rezende

Heiler Ivens de Souza Natali

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APOSENTADOS

Posição em 3.11.2005

SUBPROCURADORES-GERAIS DO TRABALHO

Afonso Henrique Luderitz de Medeiros

Antonio Henrique de Carvalho Ellery

Darcy da Silva Camara

Diana Isis Penna da Costa

Edson Correa Khair

Eduardo Antônio de AlbuquerqueCoelho

Eliana Traverso Calegari

Fernando Ernesto de Andrade Couro

Hegler José Horta Barbosa

Hélio Araújo D’assunpção

Jacques do Prado Brandão

João Pedro Ferraz dos Passos

João Pinheiro da Silva Neto

Jonhson Meira Santos

Jorge Eduardo de Sousa Maia

Julio Roberto Zuany

Lindalva Maria Fontoura de Carvalho

Lúcia Barroso de Britto Freire

Mara Cristina Lanzoni

Marcelo Angelo Botelho Bastos

Maria de Lourdes Schimidt deAndrade

Modesto Justino de Oliveira Júnior

Muryllo de Britto Santos Filho

Norma Augusto Pinto

Raymundo Emanoel Bastos doEirado Silva

Roque Vicente Ferrer

Samira Prates de Macedo

Sue Nogueira de Lima Verde

Terezinha Vianna Gonçalves

Valter Otaviano da Costa Ferreira

PROCURADORES REGIONAIS DO TRABALHO

Adelmo Monteiro de Barros

Alice Cavalcante de Souza

Américo Deodato da Silva Junior

Anamaria Trindade Barbosa

Ângela Maria Gama e Mello de M.Pinto

Antônio Carlos Penzin Filho

Antonio Xavier da Costa

Aparecida Maria Oliveira de ArrudaBarros

Júlia Antonieta de Magalhães Coelho

Leonardo Baierle

Leonardo Palarea Copia

Manoel Luiz Romero

Marcia de Castro Guimarães

Marcia Flávia Santini Picarelli

Maria Aparecida Pasqualão

Maria Beatriz Coelho C. da Fonseca

Maria Cecília Leite Oriente Segurado

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Áurea Satica Kariya

Carlos Alfredo Cruz Guimarães

Carlos Eduardo Barroso

Carlos Eduardo de Araújo Goes

Carlos José Principe de Oliveira

Carlos Renato Genro Godschmidt

Cesar Macedo Escobar

Cliceu Luis Bassetti

Danilo Octavio Monteiro da Costa

Danilo Pio Borges

Djalma Nunes Fernandes Júnior

Eclair Dias Mendes Martins

Edmilson Rodrigues Schiebelbein

Édson Cardoso de Oliveira

Eliane Souto Carvalho

Elizabeth Escobar Pirro

Elizabeth Leite Vaccaro

Elizabeth Starling de Moraes

Evaristo Moraes Filho

Everaldo Gaspar Lopes de Andrade

Fabrício Correia de Sousa

Fernando de Araújo Vianna

Hellion Verri

Ilna Carvalho Vasconcelos

Ivan José Prates Bento Pereira

João Carlos de Castro Nunes

João Carlos Guimarães Falcão

Jorge Luiz Soares de Andrade

José André Domingues

José Carlos Pizarro Barata Silva

José Eduardo Duarte Saad

José Francisco Thompson da SilvaRamos

José Sebastião de Arcoverde Rabelo

Juarez do Nascimento Fernandes deTávora

Maria Manzano Maldonado

Maria Thereza de Menezes Tinoco

Marilia Romano

Marisa Tiemann

Mariza da Carvalheira Baur

Moysés Simão Sznifer

Munir Hage

Muryllo Estevam Allevato

Nelson Lopes da Silva

Neyde Meira

Nilza Aparecida Migliorato

Olavo Augusto Souza C. S. Ferreira

Paulo Rogério Amoretty

Raimundo Valdizar de Oliveira Leite

Regina Pacis Falcão do Nascimento

Reinaldo José Peruzzo Júnior

Ricardo Kathar

Roberto das Graças Alves

Robinson Crusoé Loures de M.Moura Júnior

Ruy Mendes Pimentel Sobrinho

Sandra Maria Bazan de Freitas

Sebastião Lemes Borges

Sérgio Teófilo Campos

Silvia Saboya Lopes

Sônia Pitta de Castro

Sueli Aparecida Erbano

Thomaz Francisco D’Avila Flores daCunha

Virgílio Antônio de Senna Paim

Vitório Morimoto

Wanda de Souza Rago

Zélia Maria Cardoso Montal

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Adilson Flores dos Santos

Amadeu Barreto Amorim

André Olímpio Grassi

Antônia Seunas Checonovski

Antonio Maurino Ramos

Atahualpa Jose Lobato FernandezNeto

Cantidio Salvador Felarti

Carlina Eleonora Nazareth

Carlos Omar Goulart Villela

Carmo Domingos Jatene

Delmiro dos Santos

Edson Affonso Guimarães

Evandro Ramos Lourenço

Idalina Duarte Guerra

Jackson Chaves de Azevedo

Jane Evanir Sousa Borges

Janete Matias

João Alfredo Reverbel Bento Pereira

José Henrique Gomes SalgadoMartins

PROCURADORES DO TRABALHO

José Hosken

Joselita Nepomuceno Borba

Katya Teresinha Monteiro Saldanha

Lúcia Leão Jacobina Mesquita

Marco Antônio Prates de Macedo

Maria Auxiliadora A. Brochernof

Maria Celeida Lima Ribeiro

Maria de Nazareth Zuany

Maria Helena Galvão FerreiraGarcia

Maria Regina do Amaral Virmond

Maria Zélia Abreu Fonseca

Marilena Marzagão

Miryam Magdá Leal Godinho

Nilza Varella de Olivieira

Norma Profeta Marques

Orlando de Melo

Roberto Herbster Gusmão

Sônia Costa Mota de Toledo Pinto

Valéria Abras Ribeiro do Valle

Vera Regina Loureiro Winter

Walmir Santana Bandeira de Souza

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Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: LINOTECCapa: ROGÉRIO MANSINIImpressão: CROMOSETE

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