Revista do CEAT _ nº5

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* NOTÍCIAS ON-LINE DO CENTRO DE ESTUDOS THEREZINHA GONZAGA FERREIRA opinião Doutora em Educação pela PUC-RIO, Solange Jobim fala sobre como desenvolver o senso crítico dos alunos com as tecnologias e informações da internet ensaio Ninfa Parreiras discorre sobre vida e solidão em romance de Frei Betto  eu & o CEAT Keki relembra sua história e a ex-aluna Joana Beleza escreve sobre as funções contemporâneas do livro Rio de Janeiro, novembro de 2014 ANO III . edição nº 5 revista

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Revista do Centro de Estudos do CEAT – Therezinha Gonzaga Ferreira nº5 _ novembro de 2014

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* NOTÍCIAS ON-LINE DO CENTRO DE ESTUDOS THEREZINHA GONZAGA FERREIRA

opiniãoDoutora em Educação pela PUC-RIO, Solange Jobim fala sobre como desenvolver o senso crítico dos alunos com as tecnologias e informações da internet

ensaioNinfa Parreiras discorre sobre vida e solidão em romance de Frei Betto  

eu & o CEATKeki relembra sua história e a ex-aluna Joana Beleza escreve sobre as funções contemporâneas do livro

Rio de Janeiro, novembro de 2014

ANO III . edição nº 5revista

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págs 4, 6 e 8

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editorial

na ponta do lápis

Som de quê? _ por Ana CristinaCostura na escola _ por Marcela FernandesAprendizado através da poesia _ por Beth Bottino

palavra de mestre A escola e as redes sociais _ por Solange Jobim

opinião Gestão participativa na educação _ por Paula Cury

resenha Aldeia do Silêncio _ por Ninfa Pereira

eu e o CEATdepoimento de Keki e Joana Beleza

s u m á r i o

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edito

rial

A edição número 5 da Revista levou um pouco mais de tempo para ser

montada. Foi necessário buscar cada contribuição, que tem seu próprio

formato e vida própria, sem, no entanto, deixar de adotar uma linha que

unifique esses pensares: os caminhos da educação no século XXI.

Na seção Opinião, Solange Jobim fala com maestria sobre as relações en-

tre o novo e o velho no que tange ao papel das redes sociais na educação.

Já Paula Cury se inspira em outros autores para refletir a importância da

gestão participativa na escola.

Na ponta do lápis, teremos relatos de experiência de sala de aula com lin-

guagens que se complementam: música, poesia e costura, com as pro-

fessoras Ana Cristina, Beth Bottino e Marcela.

Em Eu e o Ceat, contaremos com o depoimento de Keki, que resgata um

pouco da sua história de trabalho na Escola, e com Joana Beleza, ex-alu-

na que discorre sobre a vida social do livro.

Por fim, Ninfa Parreiras constrói um texto ensaístico para expressar sua

leitura sensibilizada do livro Aldeia do silêncio, de Frei Betto, que toca em

tema difícil de ser abordado,mas que o autor o faz com delicadeza e pro-

priedade: a finitude da vida.

Que tenhamos todos uma boa leitura!

Fátima Serra

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Som de quê?O trabalho de constituição da linguagem musical na escola

Trabalhar com crianças de 1 a 5 anos exige o preparo para vivenciar a música sensorialmente junto a elas, a partir da ótica delas. Decifrar a letra ou a música cantada por uma criança de 1 ou 2 anos equivale quase a ler uma partitura contemporânea.

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Comecei meu trabalho como educadora musi-

cal no Ceat em 1981, e trabalhei com crianças

da educação infantil e do fundamental I.

Ao longo desses meus 33 anos, sempre tive

apoio da equipe de coordenação e da direção pe-

dagógica. Vi que no Ceat a formação de profes-

sores é base de um projeto político e pedagógico,

gerador de uma escola formada por educadores

em todos os níveis: pedagógico e administrati-

vo. Aprendi que, no trabalho que realizo em sala,

educar através da arte é uma função primordial,

um dos nossos pilares. Para isso, busquei sem-

pre traduzir para a sala de aula os conhecimen-

tos adquiridos em nossas reuniões de estudo, o

que se tornou para mim um desafio permanen-

te. O resultado disso está em anos letivos inten-

sos, potencializados por questionamentos e ide-

ologias, que vão me constituindo cada vez mais

como professora.

Junto à equipe de artes, pude aprofundar meus

estudos quanto à função da escola na elabora-

ção dos currículos de cada linguagem artística,

assim como pensar o lugar da cultura popular

no espaço escolar, a contextualização da mídia

na escola, a filosofia da arte e também a criação

dos eventos culturais do Ceat.

Portanto, foi aqui que verdadeiramente me for-

mei como educadora musical. Meu trabalho foi

construído basicamente através de uma prá-

tica reflexiva de sala de aula, através dos fa-

zeres musicais que levam ao domínio dos sen-

tidos rítmicos e melódicos, estabelecendo a

inter-relação das crianças com a linguagem

musical.

Sobre esse aspecto, cabe ressaltar que traba-

lhar com crianças de 1 a 5 anos exige o pre-

paro para vivenciar a música sensorialmente

junto a elas, a partir da ótica delas. Decifrar a

letra ou a música cantada por uma criança de

1 ou 2 anos equivale quase a ler uma partitura

contemporânea.

Os sons, balbucios, ruídos, trechos rítmicos,

movimentos corporais... Tudo pode ser lido

musicalmente. Por outro lado, é também igual-

mente desafiador orquestrar, tal como uma

composição sinfônica, a realização de vários

eventos juninos, de aulas abertas de Música, e

também do encerramento da Educação Infantil.

No entanto, todas essas atividades só se tor-

nam possíveis a partir da realização do traba-

lho musical que acontece prioritariamente no

cotidiano escolar. A partir dele, buscamos apro-

fundar junto às crianças os temas culturais e a

sua importância , criando assim ocasiões que

favoreçam à sua expressividade sonora.

Faz este som,

Som de quê?

Faz este som,

Som de Quê?

Som que escrevi para você.

Ana Cristina

ANA CRISTINA é professora de música na

Educação Infantil do Ceat.

na ponta do lápis*

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Como uma boa trama de fios,

passamos algumas vezes so-

bre o mesmo ponto, e tudo co-

meça no CEAT, no ano de 2006,

quando realizei meu projeto de

conclusão em Design.

O projeto foi desenvolvido em

parceria com a professora

de música Ana Cristina Elias.

Nessa ocasião, iniciei- me nas

costuras e nos bordados para

Costura na escolaClube de costura brinca com textos e tecidos e cria novas narrativas

levar os desenhos e as figuras

do papel para o pano. O proje-

to de nome “Festa Junina can-

tada em gestos ritmos e panos”

se materializou em tecidos de

quatro formatos diferentes,

apresentando as cenas de qua-

tro cantigas de São João. As

imagens nos panos eram de-

senhos que representavam os

gestos das crianças dançan-

do, conduzidos pelo ritmo do

canto/palavra da professora de

música.

Além de inaugurar a prática

de desenhar com panos, nes-

se trabalho, redescobri o uni-

verso das cantigas e narrativas

que povoam o imaginário da in-

fância. A divisão das canções

em cenas e o ponto-a-ponto

de cada letra bordada revela-

ram uma qualidade comum à

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trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal ma-neira que adquire espontane-amente o dom de narrá-las. Assim se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo.” (BENJAMIN: 2012 p.221)

O relacionamento com as

crianças na biblioteca, ouvindo

histórias e as leituras de tex-

tos literários, me levou a refle-

tir longamente a proposta de

Benjamin: “ninguém mais fia ou

tece enquanto ouve histórias.”

Tratei de reverter esse quadro,

e na biblioteca, passei a ensi-

nar costura para as crianças,

criando, em 2008, o Clube de

Costura. O próprio ambiente de

novelos de linha no meio dos li-

vros já criava a atmosfera ben-

jaminiana pela qual tanto me

interessava: a interseção entre

texto e têxtil.

O Clube de Costura funcionou

desde então, com a intenção de

revelar a linguagem do fazer

com tecidos em textos literá-

rios e criando um espaço onde

tecer e narrar podem coabitar

em suas ações simultâneas e

suplementares.

No Ceat, a oficina ganhou o

nome “Clube de costura conta

e canta histórias”. Devidamente

rebatizada a atividade, além de

novo espaço e equipe, passou

a receber meninos além das

meninas, e o melhor - passou a

receber crianças desinteressa-

das pelo universo da costura.

É um desafio maravilhoso dar

aulas de costura. Por sorte, na

palavra desafio tem fio e tem

na origem o confiar. Confiança

é enredar histórias que façam

os meninos aprenderem por

seus próprios meios.

MARCELA FERNANDES é pro-fessora do Ceat desde 2012, no Período Integral com a oficina Clube de Costura e é responsá-vel pela biblioteca Roger Melo na Educação Infantil.

comum à palavra e ao fio, am-

bos pequenas partes que inte-

gram uma trama, se organizam,

se repetem, formando um todo

tecido que envolve, encanta e

atualiza um movimento instau-

rado há tanto tempo.

Na busca por me formar tam-

bém como contadora de histó-

rias, frequentei oficinas e tive

acesso ao célebre texto O nar-

rador, considerações sobre

a obra de Nikolai Leskov de,

Walter Benjamin, do qual trago

um trecho:

“Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto escuta as histórias. (...) Quando o ritmo do

Na palavra desafio tem fio e tem na origem o confiar. Confiança é enredar histórias que façam os meninos aprenderem por seus próprios meios.

na ponta do lápis*

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Aprendizado através da poesiaAlunos entram em contato com a linguagem poética para ampliar o seu universo de vida

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Através da linguagem, os indivíduos se comuni-

cam, compartilham informações, constroem vi-

sões e produzem cultura.

As crianças, a cada dia, já chegam à Educação

Infantil fazendo uso de diferentes formas para

se comunicar: usam gestos, expressão facial,

o choro e, dependendo da idade, a fala. No en-

tanto, nem sempre essas formas dão conta de

suprir todas suas necessidades de comunica-

ção. Por isso, ao desenvolvermos trabalhos na

área de Língua Portuguesa no Grupo 3, temos

como objetivo ampliar o universo de comunica-

ção dos nossos alunos, auxiliando–os a dar sen-

tido à própria fala e significado ao mundo que

está à sua volta. Para tanto, estimulamos dife-

rentes situações de interação através da lingua-

gem, usando recursos diversos, dentre os quais

estão as histórias infantis. 

Essas histórias ganham vida na voz dos familia-

res, dos professores e possibilitam às crianças

o despertar de muitas descobertas, relações, o

descortinar de um mundo imaginário repleto de

fantasia, enquanto a poesia permite-lhes o livre

acesso ao lúdico e à brincadeira com as palavras.

No Projeto “Poesia”, que, ao longo dos anos, tra-

balhamos na série, temos como objetivo que os

alunos tenham acesso a novos textos, que pos-

sam brincar com as rimas, pois isso os aproxi-

ma de uma linguagem afetiva, que desperta o

lúdico, a fantasia e a imaginação: elementos im-

portantes para o desenvolvimento infantil. Por

intermédio desse gênero, podemos explorar di-

ferentes ritmos, sonoridades e desenvolver a

sensibilidade.

A criança tem o desejo da brincadeira com as

palavras e a relação que é estabelecida entre

ela e a poesia acontece de forma natural no co-

tidiano escolar. Por exemplo, ao apresentarmos

o poema “Jogo de bola ,̃ de Cecília Meireles, po-

demos oferecer bolas de meias, de tamanhos e

pesos diferentes, convidarmos as crianças para

um passeio na quadra e explorar os jogos com

as mãos, com os pés, equilibrar a bola, arremes-

sar no cesto etc. Num outro momento, oferecer

uma atividade de artes com círculos de diferen-

tes tamanhos, cores e texturas, onde explorare-

mos as diferenças e faremos uma colagem.

São múltiplas as possibilidades de trabalho com

a poesia, as possibilidades de leitura de alguns

textos poéticos e nós desejamos que sejam mul-

tiplicadas multiplamente as sementes lançadas

no nosso projeto.

BETH BOTTINO professora da Educação Infantil

do CEAT

A criança tem o desejo da brincadeira com as palavras e a relação que é estabelecida entre ela e a poesia acontece de forma natural no cotidiano escolar.

na ponta do lápis*

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A escola e as redes sociais Como inCentivar o uso CrítiCo das teCnologias da informação pelas novas gerações

A recepção e o uso das redes sociais

por crianças e adolescentes é tema da

mais alta relevância quando se discu-

te educação nos dias de hoje. Vamos,

então, conversar sobre este tema a

partir da tensão entre as noções de

novo e velho, passado e futuro, antigo

e atual, incentivando o debate sobre a

tecnologia e o confronto de gerações.

O que temos observado é um descom-

passo entre espaço-tempo em que as

atividades curriculares se desenvol-

vem na escola e os modos como os

alunos circulam, neste mesmo es-

paço, com seus celulares, tablets,

etc. O movimento linear e cronológi-

co dos comportamentos nas salas de

aula se confronta com as deambula-

ções transversais, atemporais e vir-

tuais experimentadas pelos alunos

com seus aparatos tecnológicos. O

que se evidencia é a dificuldade que

as instituições educacionais apre-

sentam para acompanhar a velocida-

de das mudanças de comportamento

que acontecem fora dela. Em contra-

partida, as novas gerações se inse-

rem com muita facilidade nesta cul-

tura modificada pelas tecnologias

digitais. Os aparatos tecnológicos não

são mais apenas ferramentas de re-

cepção, mas também instrumen-

tos de produção de linguagens di-

versas. Os jovens, “nativos digitais”,

têm uma disposição multitarefa para

criar e disseminar textos, imagens e

vídeos em linguagens múltiplas. Não

há estranhamento, mas adaptação

permanente e veloz dos sujeitos às

máquinas. Nas salas de aula, os jo-

vens vivenciam um tempo fora do seu

tempo, um verdadeiro desajuste his-

tórico e subjetivo. Como resolver este

dilema? Que alternativas devem ser

encaminhadas para que a escola en-

contre uma solução de continuidade

entre o passado e o futuro?

Se, por um lado, não há dúvida de que

as redes sociais abrem espaço para

novas formas de interação social e

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palavra de mestre*

produção de conhecimento, por outro,

estamos cientes que a capacidade de

filtrar informações e fazer distinções

não depende da quantidade de infor-

mações disponíveis, mas sim da qua-

lidade dos produtos culturais a que se

tem acesso. Contudo, saber filtrar in-

formações e fazer distinções requer

aprendizado. O uso crítico das tec-

nologias de informação depende de

experiências permeadas por trocas

sociais significativas entre adultos,

crianças e jovens, além, obviamente,

do acesso aos aparatos tecnológicos

e o consequente domínio dos signos

necessários para transitar com de-

senvoltura neste contexto. Portanto,

uma relação crítica e criativa com as

redes sociais não é algo dado no pon-

to de partida, mas requer uma toma-

da de consciência sobre o modo como

a cultura do consumo e a sociedade

da informação operam na produção

da subjetividade de crianças, jovens

e adultos. Neste sentido, o papel do

professor, como mediador dos usos

das tecnologias de informação e co-

municação, pode fazer uma grande

diferença.

Educar crianças e adolescentes no

contexto dos desafios contemporâ-

neos significa tê-las como parceiras,

enfrentando junto com elas as ques-

tões que nos colocamos para com-

preender os usos das redes sociais

e suas implicações subjetivas na vida

cotidiana. Creio que este é o cerne

do problema, pois as formas da ver-

dadeira emancipação individual e

Uma relação crítica e criativa com as redes sociais não é algo dado no ponto de partida, mas requer uma tomada de consciência sobre o modo como a cultura do consumo e a sociedade da informação operam na produção da subjetividade de crianças, jovens e adultos.

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coletiva se constituem positivamente

no encontro entre diferenças, ou me-

lhor, na possibilidade de experimen-

tarmos o convívio entre gerações, a

partir das histórias de vidas e sabe-

res cultivados em épocas distintas. A

ausência destas referências na rela-

ção entre adultos e crianças desem-

boca necessariamente em práticas

sociais individualistas e sectárias,

tendo como consequência a falta de

compromisso político com questões

que dizem respeito ao bem comum,

dificultando o agir coletivo. Intervir

neste processo se faz necessário, por

meio de ações educativas que aproxi-

mem os universos de adultos, crian-

ças e jovens, sublinhando as diferen-

ças entre as gerações.

Tanto as crianças como os adultos de-

vem ter acesso à crítica da cultura de

massa, criando modos de dialogar

com ela, sem se submeter às regras

de um jogo definido de antemão, mas

como sujeitos que podem interferir

nas regras e modificá-las. O grande

desafio da educação-intervenção é

incentivar a recusa dos modos cris-

talizados, tipificados e estereotipados

dos usos destes aparatos tecnológi-

cos, em busca de uma expressividade

plural e diversificada.

Não se trata de criar uma oposição ra-

dical à cultura de massa, mas sim in-

centivar condições que permitam aos

sujeitos adquirir modos de expres-

são relativamente mais autônomos e,

portanto, relativamente não recupe-

ráveis pelas tecnologias das diversas

formações de poder, especialmente

as que se realizam, de modo padroni-

zado, através dos meios de comunica-

ção de massa. Para tanto, é imperativo

estar atento aos modos como crian-

ças e jovens entendem, assimilam e

se identificam com os usos dos apa-

ratos tecnológicos e como constroem

valores éticos e estéticos interagin-

do nas redes sociais. Ao se dialogar

com crianças e adolescentes é pos-

sível descobrir novas questões para

se abrir um debate permanente so-

bre os modos como se produz cultura

em um contexto preponderantemente

consumista e informacional. É neste

sentido que entendemos as práticas

educativas no contexto escolar como

uma forma de intervenção nas práti-

cas sociais. A educação-intervenção

significa que o professor deve expor

suas indagações e perplexidades e se

deixar surpreender pela opinião dos

alunos, enfrentando as tensões e as

contradições que a escuta sincera e

verdadeira necessariamente desen-

cadeia. O diálogo traz à tona a diversi-

dade de vozes sociais sobre o uso das

redes sociais, abrindo este tema para

outras novas e possíveis interpreta-

ções. Trata-se de transformar tanto

os processos como os resultados da

educação-intervenção em estratégias

de ação política que podem ser incor-

poradas a uma pedagogia crítica.

SOLANGE JOBIM é Doutora em Educação

pela PUC-Rio, professora do Departamento

de Psicologia da PUC-Rio e pesquisadora

do CNPq e FAPERJ.

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Chegando ao Ceat  na década de 1980, co-

mecei a trabalhar no estacionamento  como

segurança. Depois, fui para a portaria onde

estou até hoje. Desde essa época, já se pas-

sou muito tempo. Vi várias gerações de alu-

nos estudando aqui, vi os filhos e os netos

dos Ceatianos. Eles são amigos que construí

na vida. Quantas festas  fizemos juntos!

Hoje, com 29 anos trabalhando no  Ceat,  mui-

tas coisas melhoraram  para mim: consegui

30 anos de cotidiano e afeto

KEKI É FUNCIONáRIO DO CEAT Há QUASE 30 ANOS. FOI SEGURANçA NO ESTACIONAMENTO

DA ESCOLA, E HOJE TRABALHA NA PORTARIA. ELE CONTA SOBRE AS EXPERIêNCIAS E LEM-

BRANçAS DURANTE AS TRêS DÉCADAS COMO PARTE DA EQUIPE DO CEAT

criar meus filhos - que já são homens for-

mados, graças a Deus - e tenho muitos ami-

gos entre os pais, alunos, professores, co-

ordenadores, funcionários e a direção. 

Não tenho como  enumerar a quantidade de

famílias e  alunos que entram e saem todos

os dias pelo portão. E   nunca tive problemas

com nenhum deles. Quero dar  continuida-

de  a esses quase 30  anos de trabalho na

escola. É  muito gratificante trabalhar  aqui!

. . . . . . . . . eu & o CEAT . . . .

[funcionário]depoimento de Keki

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As funções contemporâneas do livroComo os livros acumularam diversos significados na vida social

. . . . . . . . . eu & o CEAT . . . .

[ex-aluna]depoimento de Joana Beleza

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O estudo “A vida social do livro”, resultado da minha pesquisa de mestrado (PUC-Rio), se

propôs a observar os novos cenários e relações experimentados contemporaneamente

pelo livro, quando acumula valores e funções, inéditos ou não, sem, no entanto, perder

o valor de suporte de leitura.

Conhece pessoas que não leem, mas compram livros “a metro” para parecerem intelec-

tuais? Já presenciaram livros participando da decoração de um ambiente? Identificando

profissões? Essas foram algumas curiosidades encontradas na pesquisa, que observou

o objeto, principalmente, a partir de novas “leituras” - estéticas e culturais - , extraídas,

não do conteúdo, mas da força estética e cultural do livro na afirmação de identidades

e contextos.

Desde a pluralização da produção e do culto à materialidade do objeto, associaram-se

aos livros novas práticas distintivas. Observamos, por exemplo, que a presença e a re-

lação com livros clássicos, em ambientes domésticos ou profissionais, atribuem alto

grau de intelectualidade aos sujeitos, mesmo que a relação com o objeto nem sempre

se efetive nas práticas cotidianas, e, nas relações puramente estéticas, acrescentam va-

lor de ‘tradição’ aos espaços; ao passo que livros de arte, pintura, fotografia, arquitetu-

ra, música e design, os ditos decorativos, conferem ares de elegância e sofisticação aos

sujeitos e aos ambientes, e acrescentam beleza, cor, modernidade e ritmo aos espaços.

Enquanto a primeira categoria esteve motivada principalmente pela qualidade textual e

exibiu-se basicamente na vertical, a segunda viu-se constantemente movida pela quali-

dade visual dos exemplares, dispostos com frequência na horizontal.

Observamos que sua posse e exposição, portanto, não mais pressupõem apenas in-

teligência e conhecimento, mas também supõe e comunica traços distintivos de or-

dens culturais diversas (requinte, charme, conhecimento, cultura, memória, tradição).

O discurso midiático, por exemplo, associa o livro a valores como tradição, memória,

saber e educação, mas, paralelamente, abarca relações estéticas que o restringem

frequentemente à categoria de ornamento. O campo da decoração, além de reprodu-

zir valores de outros discursos, incentiva e (re)produz as novas funções, relações e

ambiências do livro.

Mas embora o livro, despido de sua função original, tenha atuado nas mais diversas oca-

siões, seu significado mais amplo não se desprendeu completamente. Deslocado a ou-

tros espaços, o livro seguiu carregando o peso de elemento propagador de cultura e co-

nhecimento, apesar de ter se apresentado despido temporariamente desta função para

agregar e acumular outras.

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O tema gestão é bem amplo e muito utilizado ultimamente. Na educação, tem

sido pauta de grandes reflexões.

Nas atuais discussões acerca da educação, “Exige-se da administração da

educação novas formas de organização que possibilitem participação efetiva

de todos os processos de conhecimento e de tomada de decisão” (FERREIRA,

2004).

Uma tal escolha, é claro, tem como pressuposto uma gestão democrática par-

ticipativa, que, nas palavras de Libâneo(2005), “valoriza a participação da co-

munidade escolar no processo de tomada de decisões, apostando na constru-

ção coletiva dos objetivos e do funcionamento da escola através do diálogo, do

consenso”.

Gestão participativa na EducaçãoO DESAFIO DE UM PLANEJAMENTO QUE ENVOLVA TODA A EQUIPE DE UMA INSTITUIçãO

Pensar a escola como um espaço de troca e de construção coletiva é sim um grande desafio para a educação atual.

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Enfim, pensar a escola como um espaço de troca e de construção coletiva é

sim um grande desafio para a educação atual.

Hoje posso afirmar que acredito profundamente no planejamento que envol-

ve todos de uma instituição. Gasta-se muito mais tempo, mas os resultados

acontecem mais rápido, uma vez que os que participam do planejamento tor-

nam-se os autores principais e não apenas os coadjuvantes. Além do que

muitas cabeças pensam mais e melhor, e o planejamento torna-se mais rico

e eficiente.

Na Santi, aprendi que os valores da instituição devem ser muito claros para

todos que fazem parte da comunidade escolar, pois são eles que regem a or-

questra. São eles que estão por trás das grandes decisões da escola, desde as

situações em sala de aula e no pátio, até as formações dos professores e em

qualquer relação da comunidade escolar.

A construção dos valores é um processo de muita reflexão por parte de to-

dos, e este é um exemplo das situações do Planejamento Estratégico, em que

a equipe toda, desde os ajudantes de limpeza até os diretores, participou da

tomada de decisão.

A Santi tem mais de 40 anos, e eu diria que quase sempre a sua gestão teve o

olhar externo de consultores que puderam sempre nos fazer pensar “fora da

caixa”.

Acredito numa gestão que promova a cooperação ao invés da competitivida-

de, e para isso é preciso abrir espaço nas situações formativas da equipe para

que aprendamos a viver esta cultura.

Os resultados têm sido muito bons, uma equipe mais unida e acima de tudo mais

eficaz. Creio que posso tomar como minhas as palavras de Marques(1981):“A

participação de todos nos diferentes níveis de decisão e nas sucessivas fases de

atividades é essencial para assegurar o eficiente desempenho da organização” .

Para terminar, defino-me como uma pessoa que preza por resultados de ex-

celência, mas que, acima deles, preza antes de tudo pelos processos. Acredito

que alcançar o objetivo não é apenas o que mais vale, e sim o percurso que se

faz para alcançá-lo!

PAULA F. CURy é consultora pedagógica e membro do conselho da Escola Santi em

São Paulo. Membro do conselho da Expedição Vagalume (ONG que implanta bibliote-

cas em comunidades rurais da Amazônia Legal).

opin

ião*

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Aldeia do SilêncioO que seria viver em uma aldeia com um mir-

rado número de gente? Sem contato com a vida

urbana e a civilização. Contemplar o silêncio, as

horas vazias, o tempo sem relógio... Frei Betto

traz o tema da solidão e do silêncio em seu mais

recente romance. Com a leitura, podemos pen-

sar a vida turbulenta, tumultuada e virtual que

temos vivido nos grandes centros. Cada vez

mais, o tempo é pouco para fazermos tudo que

planejamos. E o apelo visual de celulares, redes

sociais, computadores nos engole como uma ar-

madilha sem saída.

São cinco personagens, três pessoas, uma ca-

dela e um urubu. Seriam sobreviventes? Com

pouco se constrói uma vida e uma narrativa de

muito pensar.

O urubu é um animal higiênico, que raspa os res-

tos, lambe as carniças. Estaria ali para fazer a

limpeza do terreno? Fotografar o que sobrou?

Cada personagem é uma metáfora que encerra

um sentido pleno, também ambíguo. Se o uru-

bu está associado à podridão, está também à hi-

giene. O velho representa o fim da vida, a ruína,

mas também a experiência e a memória, tão ne-

cessárias para a humanidade.  

Com mais de cinquenta livros publicados, dentre

romances, contos e narrativas para crianças e jo-

vens, publicado em mais de vinte idiomas, Betto

realiza nesta obra uma lavoura literária, que nos

faz lembrar Vidas secas, de Graciliano Ramos. A

economia de palavras, o uso predominantemen-

te de verbos e substantivos, a condensação de

Escritora Ninfa Parreiras faz um texto ensaístico sobre livro de Frei Betto

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imagens, a sequidão da prosa. A concentração

do texto em pouca descrição, em vazios. Uma

roça de aparos, de viver com palavras certeiras

e precisas. (Preciosas)

Podemos transformar essa prosa em poesia, se

tirarmos a pontuação e ocultarmos alguns co-

nectivos. São palavras muito lavadas, lavradas

e o terreno bem capinado e com adubo orgâni-

co. É um texto com trabalho de linguagem, teve

mãos que o lavraram. Ao mesmo tempo, é um

texto metalinguístico, que questiona a aridez do

escrever e do ler. Associa a escrita aos afetos:

“Tomou em mãos um galho e, com a ponta, mar-

cou os sinais no chão de terra. Indaguei pra que

serviam. Disse que para revelar o caráter das

pessoas. As egoístas encobrem de arrogância

suas inseguranças: usam o ponto. As genero-

sas, em busca do melhor para si e os outros,

são como a vírgula. Os prepotentes, taxativos

em suas opiniões, abusam da exclamação, não

toleram quem deles discorda. ‘A sabedoria, fi-

lho, consiste em ser vírgula e interrogação. A

vida é feita mais de perguntas que de respos-

tas.’” (p. 42)

História de pouca razão, do contemplar, do sen-

tir emoções. Do viver sem pressa e sem a no-

ção de tempo assustadora que nos engole. É

um livro que nos coloca em contato com as nos-

sas pulsões, a sobrevivência, a necessidade de

amar e ser amado. A urgente necessidade de re-

tomarmos nossas origens, a simplicidade, a coi-

sa pouca.

O que é ficar olhando o nada e não fazer nada?

Serve para quê essa história também nos fala

de coisas que não têm serventia. Por que o

que fazemos deve ter algum fim em si mesmo?

Esses valores, tão difíceis de serem discutidos,

de serem lapidados, estão no cerne das ciências

humanas. Urgente que sejam colocados em pau-

ta das discussões contemporâneas.

Há paradoxos na obra: a mudez (o silêncio) e a

fala (a palavra); o cheio e o vazio; o dentro e o

fora, num relato que inaugura um tempo interno

e subjetivo. O diálogo com o avô mostra tempos

diferentes: o de antes, o de agora e o que pode-

rá ser. Podemos pensar em  Tempo de vôo, de

Bartolomeu Campos de Queirós que descons-

trói noções de tempo. Traz um pensar a vida e a

morte, num vagar, num diálogo do próprio per-

sonagem menino com o idoso. Essa conversa

entre um idoso e uma pessoa mais jovem mos-

tra um discurso de troca e de transmissão, a ser

resgatado pelas novas gerações.

Seria autobiográfico o texto de Betto? Com sua

indignação frente à selvageria e à sociedade do

espetáculo que vivemos. O palco está cheio e a

plateia? Resta A aldeia do silêncio, feita de poe-

sia e de afeto.

Curioso que a personagem narradora se cha-

ma Nemo, do latim: nada. Quem é nada? Quem

somos nós? Talvez tudo isso que vivemos seja

nada mesmo. E a literatura traz algum sentido

para essa coisa que poderia ser menos. Um en-

xugamento de palavras e sentidos que se afir-

mam a partir da palavra.

Há paradoxos na obra: a mudez (o silêncio) e a fala (a palavra); o cheio e o vazio; o dentro e o fora, num relato que inaugura um tempo interno e subjetivo.

resenha*

Page 20: Revista do CEAT _ nº5

* 20

ficha técnica

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direção do Centro de Estudos Therezinha Gonzaga | Fátima Serra

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revisão de textos | Sílvia Carvão

jornalista | Gabriella Bridi

projeto gráfico e diagramação | Estúdio Malabares _ Ana Dias

fotos | Shala Felippi

colaboradores | Renan Ji e Angela Dias

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