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ISSN 1413-4969 Publicação Trimestral Ano XVI - Nº 3 Jul./Ago./Set. 2007 Revista de Publicação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Ponto de Vista Pág. 113 Pastagem ecológica e serviços ambientais da pecuária sustentável Pág. 66 Camarão brasileiro Pág. 58 Estimativa de área e emprego em culturas de soja e mamona para biodiesel Café solúvel Pág. 5

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ISSN 1413-4969Publicação Trimestral

Ano XVI - Nº 3Jul./Ago./Set. 2007

Revista de

Publicação da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Ponto de Vista

Pág. 113

Pastagem ecológicae serviços ambientaisda pecuária sustentável

Pág. 66

Camarão brasileiro

Pág. 58

Estimativa de área e emprego em culturas de soja e mamona para biodiesel

Café solúvelPág. 5

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ISSN 1413-4969Publicação Trimestral

Ano XVI – Nº 3Jul./Ago./Set. 2007

Brasília, DF

Conselho editorialEliseu Alves (Presidente)

Edilson GuimarãesIvan WedekinElisio ContiniHélio Tollini

Antônio Jorge de OliveiraRegis N. C. Alimandro

Biramar Nunes LimaPaulo Magno Rabelo

Marlene de Araújo

Secretaria-geralRegina M. Vaz

Coordenadoria editorialMarlene de Araújo

Apoio administrativoViléia Oliveira Reis

Mierson M. Mota

Revisão de textoFrancisco C. Martins

Wesley José da Rocha

Normalização bibliográficaVera Viana dos Santos

Projeto gráfico e capaCarlos Eduardo Felice Barbeiro

Editoração eletrônicae tratamento de imagens

Júlio César da Silva Delfino

Foto da capaFeliciano Alves de Araújo

Impressão e acabamentoEmbrapa Informação Tecnológica

SumárioCarta da AgriculturaInternacionalização das ciências agrárias – Desafio a vencer ............3Elisio Contini

Café solúvel – Impacto dos preços e taxa de câmbio .......................5Lucas Oliveira de Sousa / Marcelo Dias Paes Ferreira / Erly Cardoso Teixeira

A importância da pluriatividadepara as políticas públicas no Brasil ................................................. 14Sergio Schneider

Agroenergia – A questão da volatilidade de preçose o efeito alavancagem dos produtos agrícolas ............................... 34Kilmer Coelho Campos / Carlos Alberto Piacenti / Aziz Galvão da Silva Junior

Análise do comportamento doconsumo energético no setor agropecuário .................................... 49Denise Barros de Azevedo / Guilherme Cunha Malafaia / Maria Emilia Camargo

Estimativa de área e emprego em culturas de sojae mamona para biodiesel ............................................................... 58Gerson Henrique da Silva / Cármen Ozana de Melo / Maura Seiko Tsutui Esperancini

Camarão brasileiro – Uma análise comportamentaldos preços brasileiro e internacional .............................................. 66Josemar Pereira de Sousa Júnior / Keuler Hissa Teixeira / Ricardo Chaves Lima

Análise do preço do milho nos mercados externo e interno ........... 76Vladimir Faria dos Santos / Matheus Wemerson Gomes Pereira /Marcelo José Braga / Wilson da Cruz Vieira

Estudo de viabilidade econômica e risco para sistemasde bovinocultura de leite em Piracanjuba, GO .............................. 85Elis Regina de Oliveira / José Ferreira Noronha / Reginaldo SantanaFigueiredo / Renato Pinto da Silva Júnior

Impacto da cesta básica entreregiões de monocultivo e policultivo – Estudo de Caso ................. 99Carlos Eduardo Silva Araújo / André Maia Gomes Lages /Luciano Celso Brandão Guerreiro Barbosa

Ponto de VistaPastagem ecológica e serviços ambientais da pecuária sustentável ... 113Jurandir Melado

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Ano XVI – Nº 3 – Jul./Ago./Set. 2007 2

Interessados em receber esta revista, comunicar-se com:

Ministério da Agricultura, Pecuária e AbastecimentoSecretaria de Política Agrícola

Esplanada dos Ministérios, Bloco D, 7º andarCEP 70043-900 Brasília, DF

Fone: (61) 3218-2505Fax: (61) 3224-8414

[email protected]

Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaSecretaria de Gestão e Estratégia

Parque Estação Biológica (PqEB), Av. W3 Norte (final)CEP 70770-901 Brasília, DF

Fone: (61) 3448-4548Fax: (61) 3347-4480

Marlene de Araú[email protected]

Esta revista é uma publicação trimestral da Secretaria dePolítica Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento, com a colaboração técnica da Secretariade Gestão e Estratégia da Embrapa e da Conab, dirigida atécnicos, empresários, pesquisadores que trabalham como complexo agroindustrial e a quem busca informaçõessobre política agrícola.

É permitida a citação de artigos e dados desta Revista, desdeque seja mencionada a fonte. As matérias assinadas nãorefletem, necessariamente, a opinião do Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento.

Tiragem5.000 exemplares

Todos os direitos reservados.A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,

constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Embrapa Informação Tecnológica

Revista de política agrícola. – Ano 1, n. 1 (fev. 1992) - . – Brasília :Secretaria Nacional de Política Agrícola, Companhia Nacional deAbastecimento, 1992-

v. ; 27 cm.Trimestral. Bimestral: 1992-1993.Editores: Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura,

Pecuária e Abastecimento, 2004- .Disponível também em World Wide Web: <www.agricultura.gov.br>

<www.embrapa.br>ISSN 1413-49691. Política agrícola. I. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento. Secretaria de Política Agrícola. II. Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento.

CDD 338.18 (21 ed.)

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Ano XVI – Nº 3 – Jul./Ago./Set. 20073

Internacionalizaçãodas ciências agráriasDesafio a vencer

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1 Pesquisador da Embrapa em Economia Agrícola.

Elisio Contini1

Com as correções das distorções macroe-conômicas, como a inflação (1994) e a sobrevalo-rização cambial (1999), o agronegócio brasileiroexpandiu-se rapidamente, abastecendo a preçosrazoáveis o mercado interno de alimentos, fibras,madeira e agroenergia. As exportações do setorcresceram de US$ 20,5 bilhões em 2000 paraUS$ 58,4 bilhões em 2007, com um saldo doagronegócio de US$ 49,7 bilhões.

Esse espetacular desempenho não é obrado acaso. Terras mecanizáveis e baratas, genteempreendedora, incluindo pequenos produtores,e domínio da agricultura tropical transformaramo Brasil num gigante do agronegócio.

Destaco o papel fundamental das ciênciasagrárias. As universidades brasileiras formaramrecursos humanos qualificados e, junto com insti-tutos de pesquisa, como o centenário InstitutoAgronômico de Campinas e a Embrapa, criaramnovas variedades de plantas, melhoraram raçasde animais e elaboraram sistemas de produçãomais eficientes e produtivos. A iniciativa privada,ainda incipiente, dominou as áreas de sementeshíbridas e geneticamente modificadas, defensivos,fertilizantes e maquinaria. Como resultado, aeficiência produtiva, mensurada pela Produtivi-dade Total dos Fatores (produto/insumo), cresceu3,87 % ao ano no período de 2000 a 2005.

Mas o domínio dos conhecimentos científi-cos é do mundo desenvolvido. Quando se tomamcomo proxi desses conhecimentos artigospublicados em revistas referenciadas, mais de85 % provêm de três principais eixos: Américado Norte, Europa Ocidental e Sul da Ásia.

Os esforços do Brasil nos últimos anos, emboraconsideráveis, não o fazem deter mais de 2 %dos papers referenciados. Em ciências agrárias,por causa do progresso em agricultura tropical,estima-se um total de 4 %.

Não restam dúvidas de que a agriculturamundial do futuro será dominada pela ciência,como afirma Eliseu Alves. A conclusão é óbvia:se os conhecimentos estão sendo gerados nomundo desenvolvido, então o Brasil precisa estarpresente lá. As universidades brasileiras de pontaem ciências agrárias entenderam esse recado ese associaram a outras universidades, principal-mente às americanas. Além disso, continuam –em ritmo menos acentuado – a formar seusprofessores no exterior, em nível de doutorado,e, mais intensamente, em estágios de curtaduração.

Além da formação no País e no exterior,em centros de excelência, a Embrapa inovou aoimplantar laboratórios virtuais nos Estados Unidose na Europa, os chamados Labexs, e nos próximosanos deverá implantar seu terceiro Labex, esteno Sul da Ásia. Selecionadas as áreas prioritárias,lançam-se editais internos para candidaturas depesquisadores seniores em áreas correspon-dentes. Sediado em laboratório de excelência,cabe ao pesquisador três funções: a) realizarpesquisa de ponta no laboratório que o acolhe;b) monitorar ciência e tecnologia no país ou regiãode domicílio; e c) articular trabalhos conjuntosentre equipes brasileiras e estrangeiras.

Para o Brasil, os benefícios da internacio-nalização das ciências agrárias são: primeiro, o

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contato estreito com centros de excelência elevao nível científico dos nossos pesquisadores, oque possibilita conhecimentos e tecnologias dealta qualidade; em segundo lugar, passaremos aexportar conhecimentos, um bem de alto valoragregado; terceiro, seremos um braço avançadonos negócios tecnológicos da indústria brasileiraem outros países, como na venda de máquinas,sementes e equipamentos para a agricultura e aagroindústria; e quarto, ajudaremos no desenvol-vimento de países pobres para que suas popula-ções tenham abastecimento de alimentos eaumento de renda no campo.

Para avançar mais rapidamente na interna-cionalização das ciências agrárias, precisamosexpor nossos cientistas a essa internacionali-zação. Não somos os melhores do mundo, masqueremos atingir os níveis dos centros de exce-lência. Por isso, nossos cientistas, de instituiçõespúblicas e privadas, devem ser obrigados aparticipar de congressos, reuniões e oficinasinternacionais, com apresentação de papers ecomo debatedores. Um cientista que não viajanem uma vez por ano ao exterior para um con-gresso ou outro evento terá seu potencialprodutivo limitado. Estará se depreciando e empoucos anos não terá conhecimentos armaze-

nados para gerar tecnologias. Para evitar talestagnação, é de fundamental importânciaconhecer o idioma inglês, e trazer congressosimportantes para o Brasil permite maior parti-cipação dos nossos cientistas, a um custo maisbaixo.

Outra estratégia é incentivar nossasuniversidades e institutos de pesquisa a abrirempostos avançados no exterior, como fazem ospaíses desenvolvidos. Se há leis ultrapassadasque o impeçam, modifiquem-se as leis! O suces-so na formação de recursos humanos nas univer-sidades brasileiras até o nível de doutorado nãodeve impedir que os profissionais passem umperíodo, ainda que mais curto, em centros deexcelência do exterior.

Outra observação importante é que aspesquisas de ponta são planejadas e realizadasem grandes redes mundiais, em que múltiplosatores, em vários países, executam tarefas espe-cializadas e, posteriormente, reúnem as partespara as grandes conclusões. Em agricultura, nãoé diferente: quem não participar estará excluídodo processo e será apenas um adaptador detecnologias. Enfim, a internacionalização da pes-quisa agrícola brasileira representa garantia decompetitividade futura do nosso agronegócio.

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Resumo: Este estudo tem por objetivo avaliar os efeitos da taxa de câmbio e dos preços internacionaisdo café solúvel sobre o preço doméstico desse produto no período de 1990 a 2004. O métodoanalítico utilizado é o shift-share, também chamado “diferencial-estrutural”. Os resultados indicammaior influência do preço internacional no preço doméstico do café solúvel, que registrou umaumento médio anual de 2,37 %.

Palavras-chave: café solúvel, preço internacional, taxa de câmbio, shift-share.

Influence of the international prices and of the exchangerate in the domestic price of the instant coffee

Abstract: The objective of this paper is to evaluate the effects of the exchange rate and of theinternational prices on the domestic price of instant coffee in the period from 1990 to 2004. Theapplied methodology is the “shift-share”, also denominated “differential-structural” method. Theresults suggest a larger influence of the international price on the domestic price of the instantcoffee than the exchange rate. The domestic prices of the instant coffee an annual medium increaseof 2,37% is verified.

Key words: instant coffee, international price, exchange rate, shift-share.

IntroduçãoO café solúvel, como outras commodities

exportadas pelo Brasil, tem seu preço domésticoinfluenciado pela taxa de câmbio e pelo preçocotado internacionalmente. Entretanto, se anali-sadas isoladamente, em alguns períodos essasinfluências não se dão da maneira esperada,resultando em incertezas e dificuldades na toma-da de decisão pela indústria brasileira de cafésolúvel e para os mercados importadores desseproduto.

O câmbio é um fator importante na compe-titividade de um país. No caso do café solúvel,a instabilidade cambial afeta o preço interno e aquantidade exportada. Nos últimos anos, o Brasilpassou por diferentes regimes cambiais. No inícioda década de 1990, o câmbio manteve-se valori-zado, com intervenções ocasionais do BancoCentral (SILVA; CARVALHO, 1995). Após oPlano Real, em 1994, o câmbio tornou-se fixo esobrevalorizado, o que prejudicou as exporta-ções. A partir de 1999, o sistema cambial passoua ser flutuante, o que favoreceu as exportações.

1 Graduando em Gestão do Agronegócio, Universidade Federal de Viçosa, bolsista do PIBIC-CNPq-UFV, agosto/2006 a julho/2007,[email protected]

2 Graduando em Gestão do Agronegócio, Universidade Federal de Viçosa, [email protected] Ph.D., Professor titular, Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Economia Rural, CEP 36570-000, [email protected]

Café solúvelImpacto dos preçose taxa de câmbio

Lucas Oliveira de Sousa1

Marcelo Dias Paes Ferreira2

Erly Cardoso Teixeira3

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Nos últimos 50 anos, o agronegócio docafé diminuiu de importância na economianacional. O surgimento de um ambiente maiscompetitivo e conturbado a partir do final dadécada de 1980, segundo Rezende e Rosado(2002), ocasionou queda nos preços internacio-nais do café. A suspensão do Acordo Internacio-nal do Café (AIC), em 1989, aliada internamenteà extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC),em 1991, agravou a crise no Brasil, uma vezque esta última entidade regulamentava ocomplexo agroindustrial do produto no País. Como objetivo de contornar tal situação, foi criada aAssociação dos Países Produtores de Café(APPC), em 1993, com o objetivo de formularestratégias para os países produtores. Entretanto,a APPC teve atuação discreta, sendo poucorelevante no que diz respeito à coordenaçãointernacional dos países que a compunham.

No Brasil, são cultivadas duas variedadesde café, arábica e conilon, das quais resultamcafé em grãos verde, café torrado, café torradoe moído e café solúvel. Dados estatísticos doConselho dos Exportadores de Café do Brasil(2007) (Cecafe) mostram que em 2006 o totalexportado em volume de café pelo Brasil foi de27,3 milhões de sacas. Desse volume, cerca de24,3 milhões foram de café em grãos verde,sobretudo arábica (94 %), o que gerou umareceita de aproximadamente US$ 2,9 bilhões.em seguida veio o café solúvel, com 2,94

milhões de sacas de 60 kg e receita de US$ 385milhões. Os subprodutos café torrado e cafétorrado e moído não têm a mesma importânciana pauta de exportações, e suas receitas sãoirrisórias em relação às dos outros produtos.

Apesar dos números relativamentemodestos, se comparados aos do café em grãosverde, o Brasil é o maior exportador de café solú-vel. Na safra 2005–2006, o País foi responsávelpor 49 % das exportações mundiais desse tipode café (USDA, 2007). Em razão desse fato e da

escassa produção bibliográfica referente ao tema,este trabalho tem como foco o café solúvel.

O objetivo geral deste trabalho é avaliaras influências das políticas cambiais e dos preçosinternacionais, adotados nos últimos anos, nopreço doméstico do café solúvel, no período de1990 a 2004. Especificamente, pretendeu-seseparar os efeitos dos preços internacionais e dataxa de câmbio sobre o comportamento dospreços do café solúvel em moeda brasileira, noperíodo de 1990 a 2004. Utilizou-se comoreferencial analítico o modelo shift-share, quepossibilita a decomposição de taxas decrescimento em fatores que as compõem.

Pires et al. (2004) analisaram semelhanterelação a respeito da influência da taxa decâmbio, do preço internacional do café arábicaem grãos verde e da quantidade exportada sobrea variação na receita das exportações do café,de 1989 a 2001. A contribuição deste trabalhoestá na análise dos efeitos do preço internacionale da taxa de câmbio sobre o preço domésticodo café solúvel, produto relevante na pauta deexportações do complexo agroindustrial do cafée que carece de estudos.

Este estudo interessa aos órgãosformuladores de políticas e aos tomadores dedecisão relativa ao complexo agroindustrial docafé, uma vez que determina os fatoresconsiderados relevantes na formação do preçointerno do café solúvel.

MetodologiaNeste trabalho, utilizou-se o modelo shift-

share, também chamado “diferencial-estrutural”,empregado por Curtis (1972), Yokoyama et al.(1989), Silva e Carvalho (1995), Reis e Campos(1998) e Pires et al. (2004), entre outros.

Foram utilizadas as abordagens propostaspor Silva e Carvalho (1995) e Reis e Campos(1998), que analisaram os efeitos da taxa decâmbio e do preço internacional sobre o preço

4 Volume em sacas de 60 Kg (conversão: (peso líquido) x 1000 x 2,6/60). Fonte: Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).

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em reais de commodities agrícolas. Entretanto,esses estudos diferem um do outro, pelo fato deo primeiro apresentar os resultados a partir deum ponto fixo no tempo, enquanto o segundofaz uma análise ano a ano. Aqui, optou-se pelasduas abordagens, pois permitem uma análisemais completa, mensurando os efeitos no longoe no curto prazo, respectivamente. Na primeira,obtêm-se efeitos acumulados anuais em umperíodo determinado, ao passo que a análise anoa ano resulta em efeitos correspondentes àvariação referente ao ano anterior.

Neste estudo, utilizou-se a taxa de câmbioreal obtida das taxas médias anuais do períodoanalisado, as quais foram corrigidas segundocritério da paridade do poder de compra damoeda, que levou em conta as inflaçõesdoméstica e internacional. A taxa de câmbio realé assim obtida:

, (1)

em que E é taxa real de câmbio no Brasil(R$/US$); e, taxa nominal de câmbio no Brasil(R$/US$); Y*, índice de preços internacionais (IPAdos Estados Unidos); e Y, índice de preçosdomésticos no atacado (IPA-DI).

De acordo com essa metodologia, o preçoem moeda nacional (preço doméstico) de umbem comercializado no mercado internacionalpode ser obtido mediante o produto do preçoem moeda estrangeira pela taxa de câmbio:

, (2)

em que PR$ é preço real em reais (R$); PUS$, preçonominal em dólar americano (US$); e E, taxareal de câmbio (R$/US$).

Para obter a decomposição dos efeitospreço em dólar e câmbio, Reis e Campos (1998)fizeram uma adaptação da metodologia adotadapor Yokoyama et al. (1989) e Silva e Carvalho(1995). Reis e Campos (1998) consideraram queo preço em reais é resultante do produto dopreço em dólares pela taxa de câmbio brasileira.

A partir da expressão (2), obtém-se aexpressão (3), que representa o preço do cafésolúvel em reais (R$), em dado ano t:

, (3)

em que PRt é preço real do café solúvel em reais(R$); PDt, preço do café solúvel em dólares(US$); e E

t, taxa de câmbio real do Brasil

(R$/US$).

Os anos inicial e final são indicados pelosíndices 0 e t, respectivamente. De formaidêntica à expressão (3), a expressão (4) mostrao preço real em reais (R$), no período inicial 0:

. (4)

A expressão (5) mostra a variação no preçoreal em reais (R$), quando ocorre somentevariação no preço em dólares (US$):

, (5)

em que PRtPD é o preço real do café solúvel no

ano t, quando ocorre variação no preço emdólares (US$) (PD

t) e E se mantém constante

(E0).

A expressão (6) mostra a variação no preçoreal em reais (R$), quando ocorre somentevariação na taxa de câmbio:

, (6)

em que PRtE é o preço real do café solúvel no

ano t, quando ocorre variação na taxa de câmbioe PD se mantém fixo (PD0).

A mudança no preço em reais (R$), entreo ano 0 e o período t, é assim expressa:

, (7)

em que PRt - PR0 é a variação total nos preçosreais do café em reais (R$); PRt

PD - PR0, efeitopreço internacional; e PRt - PRt

PD, efeito câmbio,pois, quando se retira do preço em reais (R$) noano t a variação do preço internacional emdólares (US$), tem-se o efeito câmbio.

Os efeitos podem ser apresentados indivi-dualmente na forma de taxa de crescimento, os

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quais, somados, resultarão na taxa média anualde crescimento (YOKOYAMA et al., 1989).Quando se multiplica ambos os lados daexpressão (7) por 1/(PRt–PR0), obtém-se

.(8)

A seguir, a multiplicação de ambos oslados da identidade (8) por r, que é taxapercentual anual total acumulada de variação nopreço em reais (R$) (efeito total), dada pelaexpressão5 r=[(PRt /PR0 )1/t–1]x100, leva a

,(9)

em que [(PRtPD–PR0 )/PRt–PR0)]xr é o efeito

preço internacional em dólares (US$) acumu-lado, expresso em porcentagem-ano (efeitodólar); e [(PRt–PRt

PD)/PRt–PR0)]xr é o efeitocâmbio acumulado, expresso em porcentagem-ano (efeito câmbio).

Adicionalmente, calculou-se o coeficientede variação (CV) da taxa de câmbio e do preçointernacional do café solúvel. Essa medida dedispersão serviu para comparar o grau dehomogeneidade das variáveis analisadas nesteestudo. O CV é o desvio padrão expresso emporcentagem da média e é dado pela expressão(10):

, (10)

em que S é o desvio padrão amostral e X–, amédia.

Fonte de dadosOs dados necessários à elaboração deste

trabalho, referentes à taxa de câmbio comercialpara compra, real (R$)/dólar americano (US$) –média; ao Índice de Preços por Atacado (IPA)nos EUA; e ao Índice de Preços por Atacado/Disponibilidade Interna (IPA-DI), todos referentesao período de 1990 a 2004, com base nesteúltimo, foram obtidos do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea).

Os preços internacionais do café solúvelconsiderados correspondem aos preços médiosrecebidos pelos exportadores nacionais emdólares, por saca de 60 kg, e resultaram doquociente entre a receita cambial e o volumede sacas exportadas por ano. Os dados referentesao volume exportado e à receita de exportaçãode café solúvel, em dólares e em sacas,respectivamente, foram obtidos do Conselho dosExportadores de Café do Brasil (Cecafé).

Resultados e discussãoOs resultados obtidos estão dispostos

nesta seção, da seguinte maneira: inicialmente,é abordado o comportamento da taxa de câmbiode 1990 a 2004; em seguida, analisa-se ocomportamento dos preços internacionais docafé solúvel no mesmo período; por último, sãoapresentados e discutidos os resultados daaplicação do shift-share, que revela a influênciado preço internacional e da taxa de câmbio nopreço doméstico do café solúvel.

Taxa de câmbio

Durante o período analisado, o Brasilpassou por diversos planos econômicos e cho-ques internacionais que afetaram diretamente ataxa de câmbio. Pode-se dividir o período emtrês fases de regime cambial: de 1990 a 1993;de 1994 a 1998; e de 1999 a 2004 (Fig. 1).

5 Na análise acumulada anual, t varia de 0 a n anos, resultando numa taxa acumulada anual de variação. No viés ano a ano, t sempre será 1.

Fig. 1. Taxa de câmbio (R$/US$) de 1990 a 2004.Fonte: Ipea (2007).

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De 1990 a 1993, a instabilidade econômi-ca provocava grandes variações, o que é com-provado na análise, pois é nesse período quesão identificados os maiores valores de desviopadrão e coeficiente de variação, R$ 0,45/US$e 16,10 %, respectivamente (Tabela 1). Além disso,a menor taxa de câmbio real, em todo o período,é verificada nesse intervalo, R$ 2,15/US$ em 1991.

Com a estabilidade econômica proporcio-nada pela implantação do Plano Real em 1994,o câmbio variou menos. A pressão inflacionáriaera controlada, entre outras formas, por uma taxade câmbio valorizada, e nesse período foiconstatada a menor média da taxa de câmbio:R$ 2,47/US$. O regime de bandas cambiaisadotado apresentou baixa sua amplitude, o queresultou nos menores valores de desvio padrãoe CV, R $0,06/US$ e 2,56 %, respectivamente(Tabela 1).

Com a introdução do regime cambialflexível em janeiro de 1999, houve desvalori-zação imediata da taxa de câmbio. Em decor-rência da flexibilização, a média da taxa decâmbio foi a mais alta, nos três períodosanalisado, R$3,30/US$. Outra conseqüência daflexibilização do câmbio foi o aumento davariação deste, comprovado pelo desvio padrãoe pelo coeficiente de variação maiores que osdo período anterior (Tabela 1). É interessanteressaltar a expressiva desvalorização ocorridaem 2002, causada, em grande parte, pelasexpectativas eleitorais (Fig. 1). Nesse ano, 2002,foi verificada a maior taxa de câmbio de todo operíodo de estudo, R$ 3,68/US$.

Preço internacional

O mercado de café solúvel apresenta umaestrutura oligopolizada. No Brasil, cincoindústrias foram responsáveis por cerca de 90 %das exportações de café solúvel em 2006(CONSELHO DOS EXPORTADORES DE CAFÉDO BRASIL, 2007). Essa estrutura de mercadopossibilita aos agentes econômicos, envolvidosna produção de café solúvel, exercerem maiorcontrole nos preços do produto.

O principal insumo utilizado na produçãodo café solúvel é o café conilon, pois ele possuiconcentração maior de sólidos solúveis. O caféarábica também é utilizado, mas apenas quandose torna economicamente viável ou quando hánecessidade de formulação de blends.

Os preços observados para o café solúvel,no período de 1990 a 2004, estão representadosna Fig. 2 e foram deflacionados segundo o Índicede Preços por Atacado (IPA) dos EUA, com oano-base de 2004. Apresentaram média deUS$ 124,92, desvio padrão de US$ 44,99 ecoeficiente de variação de 36,02 %. O preçomáximo de US$ 214,77 foi atingido em 1995 eo mínimo, US$ 78,71, em 2002.

Observa-se, nos quatro anos iniciais daanálise, que os preços estavam em patamaresinferiores aos observados nos anos de 1994 a2000. Contribuíram para esse cenário o movi-mento decrescente de preços, decorrente dasupersafra de 1987, e a desregulamentaçãointernacional do setor cafeeiro, iniciado em1989, com o fim do Acordo Internacional do Café(AIC) e, internamente, com o fim do InstitutoBrasileiro do Café (IBC), em setembro de 1991.

Tabela 1. Medidas de posição e dispersão da taxa de câmbio média anual estratificada e total no períodoanalisado.

Período Média (µ) Máximo Mínimo Desvio padrão (s) CV (%)

1990–1993 2,78 3,17 2,15 0,45 16,101994–1998 2,47 2,52 2,36 0,06 2,561999–2004 3,30 3,68 2,93 0,29 8,71Total 2,88 3,68 2,15 0,46 15,93

Fonte: elaboração dos autores.

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Em 1994, os preços aumentaram expressi-vamente e atingiram, em 1995, o maior patamarda amostra, US$ 214,77 por saca. SegundoFarina e Zylbersztajn (1998), o aumento foidecorrente de problemas com geadas no Brasil,que provocaram redução na produção de arábica,sem, contudo, haver diminuição da demanda decafés arábica e conilon. Entretanto, o principaldeterminante da retomada de preços foi o fatode, entre 1993 e 1997, a demanda mundial decafé ter sido superior à produção. A geada de1994 fortaleceu a tendência de alta nos preços.Se, por um lado, os preços melhoraram, poroutro a indústria nacional de solúvel teve ofornecimento de matéria-prima reduzido.

Com os preços elevados (Fig. 2) e aredução das exportações brasileiras de cafésolúvel entre 1994 e 1997 (Fig. 3), a produçãodos países asiáticos foi estimulada, o que os fezassumirem o espaço deixado pelo Brasil. Aentrada desses novos países resultou em quedano preço. Essa conjuntura proporcionou o quadroobservado a partir de 1998, quando o preço porsaca passou de US$183,95, em 1998, para US$78,71 em 2002.

Cabe destacar o Vietnã, que, de 1990 a2004, apresentou taxa média anual decrescimento da produção de café conilon de18,01 %, acumulando aumento de 1.076 % noperíodo, segundo dados do Centro deInteligência do Café (CIC). Acompanhando oaumento da produção de matéria-prima,indústrias de café solúvel se instalaram noSudeste Asiático, sobretudo na Malásia (Fig. 3).Esse país surgiu como exportador de café solúvelna safra 1995–1996, tornando-se relevante nomercado mundial a partir da safra 1997–1998.Em 2000–2001, a indústria malaia de cafésolúvel superou a dos países latino-americanos(exceto o Brasil), assumindo a segunda posiçãonas exportações mundiais.

Resultados do modelo shift-share

Nesta seção, são apresentados os resulta-dos da aplicação do modelo shift-share paraanálise dos efeitos do preço internacional e dataxa de câmbio sobre o preço doméstico do cafésolúvel. O modelo apontou variação positivaacumulada de 2,37 % a.a. no preço domésticodo café solúvel, de 1990 a 2004 (Tabela 2).Dessa variação, 2,00 % a.a. são atribuídos aofator preço internacional, restando 0,37 % a.a.para o efeito da taxa de câmbio.

6 América Latina: Colômbia, El Salvador, Equador, Jamaica, México, Nicarágua, Paraguai, Trinidade e Tobago e Venezuela. Ásia: Filipinas, Índia, Indonésia,Tailândia e Vietnã. África: Costa do Marfim, Nigéria, Quênia e Tanzânia.

Fig. 2. Preço internacional deflacionado do café solúvelem US$, por saca de 60 kg.Fonte: Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (2007).

Fig. 3. Evolução das exportações (em 1.000 sacas) dosprincipais produtores mundiais6 de café solúvel, de1990 a 2004.Fonte: Centro de Inteligência do Café (CIC) (2007).

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O período estudado para o café solúvelfoi dividido de acordo com os ciclos cambiaisdiscutidos anteriormente (Tabela 2). O efeitopreço internacional foi mais relevante nas trêsfases, seja influenciando positivamente, comonas duas primeiras, seja atuando de formanegativa, como de 1999 a 2004.

Inicialmente, de 1990 a 1993, o duploefeito positivo do preço internacional e da taxade câmbio contribuiu para o maior efeito totalsobre o preço doméstico do café solúvel:7,76 % a.a. (Tabela 2). Contribui para esse efeitopositivo da taxa de câmbio a instabilidadeeconômica vigente naquele período. Na segun-da fase, o preço internacional continuou crescen-te e resultou em efeito acumulado médio de4,98 % a.a. Conforme discutido anteriormente,problemas de oferta de café arábica impulsiona-ram a demanda de café arábica e solúvel, o querefletiu na alta dos preços.

A estabilidade cambial do segundoperíodo ocasionou o efeito quase nulo docâmbio: -0,17 % a.a. Na última fase, de 1999 a2004, o efeito negativo do câmbio potencializouo também negativo efeito preço internacional,resultando no menor efeito total acumulado,-7,35 % a.a. A maior instabilidade cambial e aentrada de países do Sudeste asiático no setorde café solúvel contribuíram sobremaneira parao efeito verificado nesta última fase.

Os resultados expostos na Tabela 2deixam claro que, de 1990 a 2004, o preçointernacional contribuiu mais para redução dopreço doméstico do que a taxa de câmbio. Aindaassim, é válido aprofundar a análise para verificaro comportamento, ano a ano, do efeito das

variáveis preço internacional e taxa de câmbiosobre o preço doméstico do café solúvel.Na análise ano a ano, os efeitos – taxa de câmbioe preço internacional – apresentaram relevânciaequilibrada, como pode ser constatado naTabela 3. Dos 15 anos analisados, o preçointernacional apresentou maior efeito em 8 e ataxa de câmbio, em 6. O ano de 1990 nãoapresentou resultados, uma vez que se trata doano inicial.

Com relação ao preço internacional, omaior efeito positivo foi observado no ano de1994, 61,38 % a.a. (Tabela 3). A entrada numnovo ciclo de alta, ocasionado pelo consumomundial maior que a produção, determinou essevalor. Problemas com geadas ocorridos nesseano também contribuíram para reforçar essemovimento de alta. O maior efeito negativo foiobservado em 1999, -26,87 % a.a., conseqüênciado aumento da oferta mundial proporcionadapelo crescimento da produção de café solúvelproveniente do Sudeste Asiático. Já o maiorefeito positivo da taxa de câmbio ocorreu em1992 (44,13 % a.a.) e o maior efeito negativo,em 1991 (-24,84 % a.a.), o que comprovou ainfluência da instabilidade econômica vigenteno início do período analisado. Vale ressaltarque, em 1999, foi observado o segundo maiorefeito da taxa de câmbio (25,81 % a.a.), conse-qüência direta da flexibilização cambial ocorridanesse ano.

O efeito preço internacional e o efeito taxade câmbio não se potencializaram positiva-mente no período analisado. Entretanto, nos anosde 1997 e 2000, verificou-se potencializaçãonegativa, ou seja, ambos os efeitos contribuíramnegativamente para a variação do preço domés-

Tabela 2. Efeitos segmentados sobre o preço doméstico do café solúvel em grãos.

PeríodoEfeito preço Efeito câmbio Efeito total, r

internacional (%) (%) (%)

1990–1993 5,24 2,53 7,761994–1998 4,98 -0,17 4,821999–2004 -4,82 -2,53 -7,351990–2004 2,00 0,37 2,37

Fonte: resultado da pesquisa (2007).

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tico. Nos outros anos da análise, o efeito principalfoi amenizado pelo efeito secundário, ou seja,apresentaram sinais diferentes.

ConclusãoOs preços internacionais do café solúvel

influenciam o comportamento do preçodoméstico com maior relevância do que a taxade câmbio. O efeito total acumulado de 1990 a2004 sobre o preço doméstico do café solúvelresultou em 2,37 % a.a.

O efeito positivo atribuído ao preçointernacional, no primeiro período analisado(1990–1993), deveu-se ao fato de, no início dadécada de 1990, os preços se encontrarem empatamar inferior, em decorrência de um ciclode baixa. No segundo período analisado, o efeitopositivo do preço internacional foi conseqüênciada escassez do produto no mercado mundial.Essa escassez levou a um efeito negativo dopreço internacional no terceiro período, poisestimulou a entrada de novos países exporta-dores no mercado mundial, o que aumentou aoferta de café solúvel e, conseqüentemente,levou à queda nos preços.

A taxa de câmbio apresentou efeitoscondizentes com os ciclos cambiais observadosno período analisado neste estudo: a) Instabili-dade no período inicial, 1990 a 1993; b) Osprimeiros anos do Plano Real, 1994 a 1998; c)Período de flexibilização do câmbio. O efeitotaxa de câmbio apresentou importância secun-dária na análise acumulada, ora amenizando, orapotencializando o efeito do preço internacional.Na análise ano a ano, o efeito taxa de câmbiodemonstrou ser relevante em parte significativados anos analisados, por causa, principalmente,da baixa oscilação dos preços decorrenteda estrutura oligopolizada do setor de cafésolúvel.

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CURTIS, W. C. Shift-Share Analysis as a technique inrural development research. American Journal of

Tabela 3. Variação, ano a ano, dos efeitos sobre o preço doméstico do café solúvel.

AnoEfeito preço Efeito câmbio Efeito total, r

internacional (%) (%) (%)

1990 – – –1991 6,97 -24,84 -17,871992 -7,61 44,13 36,521993 18,35 -6,74 11,611994 61,38 -25,32 36,061995 42,13 -8,94 33,201996 -12,87 4,82 -8,051997 -0,74 -0,85 -1,591998 -1,22 1,37 0,151999 -26,87 25,81 -1,072000 -8,53 -8,85 -17,382001 -19,29 12,37 -6,932002 -16,48 3,42 -13,062003 12,43 -14,58 -2,152004 14,24 -9,87 4,37

Fonte: resultado da pesquisa (2007).

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Resumo: O objetivo deste ensaio é apresentar argumentos em favor das potencialidades dapluriatividade como uma das formas de promover estratégias sustentáveis de diversificação dosmodos de vida das famílias rurais e ampliar suas condições de reprodução social e econômica.Acredita-se que, por meio da pluriatividade, as famílias de agricultores possam estabelecer iniciativasde diversificação das suas ocupações interna e externamente à unidade de produção, bem comoaumentar as fontes e as formas de acesso a rendas. Na primeira seção, apresenta-se a importânciada pluriatividade para o meio rural brasileiro. Na segunda, discute-se o papel da pluriatividadecomo uma estratégia de desenvolvimento rural capaz de garantir sustentabilidade e coesão socialno meio rural. Na terceira seção, avalia-se a importância da pluriatividade para as políticas públicasde desenvolvimento rural no Brasil, especialmente aquelas focadas na agricultura familiar. Na últimaseção, apontam-se algumas sugestões de políticas que poderiam estimular e apoiar a pluriatividadeno Brasil.

A importância dapluriatividade paraas políticas públicasno Brasil1

Sergio Schneider2

Introdução

Atualmente, parece haver uma percepçãoque se encaminha para um entendimento entreestudiosos, formuladores de políticas públicas eatores sociais no Brasil de que há em curso umprocesso de transformação estrutural daagricultura e do espaço rural e que já não é maispossível reduzir um ao outro. Uma das caracte-rísticas dessa nova ruralidade, termo controverso

que tem sido utilizado para indicar essas trans-formações, seria a emergência das atividades nãoagrícolas, as diferentes formas de uso do espaçoe das paisagens, e a configuração de um mercadode trabalho cada vez mais segmentado.Em decorrência dessas transformações, segundouma ampla literatura, estariam ocorrendomudanças sociais e culturais de longo alcance,afetando as relações sociais de trabalho, aorganização familiar, os valores e a identidade.Buscando contribuir com a análise desse amplo

1 Este texto foi redigido durante o estágio de pós-doutoramento realizado em 2007 na School of City and Regional Planning, Cardiff University, Wales/UK,e contou com o apoio do CNPq via bolsa PDE. Versões preliminares deste trabalho foram apresentadas no VII Congresso da ALASRU (Quito, Novembro de2006), no GT 21 e no Seminário Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, organizado pelo Condraf/MDA, em 2005. O autor agradece a Antônio CésarOrtega os comentários a uma versão anterior e a Mauro Del Grossi e Carlos Nascimento o processamento dos dados utilizados.

2 Professor dos programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) e Sociologia (PPGS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Av. JoãoPessoa, 31, Porto Alegre, RS, 90040-000, [email protected]

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processo de mudança social do meio ruralbrasileiro, este trabalho pretende abordar o temada pluriatividade das famílias e apresentarargumentações práticas e políticas que justifi-quem ações de apoio à sua ampliação. Seu focorestringe-se à análise da categoria social dosagricultores familiares e à realidade brasileira,embora se considere que essa experiência possainspirar outras realidades, sobretudo de paísesda América Latina.

O reconhecimento social, político einstitucional da importância da agricultura familiarno Brasil é hoje um fato consumado. Desde oinício da década 1990, assiste-se a umalegitimação cada vez mais notória em relação aessa categoria social. O fato de a agriculturafamiliar ter assumido um espaço político dedestaque nacional tem provocado no Brasil aemergência de um debate instigante sobre osprocessos de desenvolvimento rural sustentável.

Nesse sentido, parece que estão dadas ascondições para que tanto os agentes de Estadoquanto os organismos e instituições da sociedadecivil iniciem um processo de discussão econcertação de interesses em torno do papel edas potencialidades que a pluriatividade poderávir a desempenhar para estimular o desenvolvi-mento ainda mais vigoroso da agriculturafamiliar.

Com esse propósito, este texto se propõea apresentar argumentos em favor daspotencialidades da pluriatividade como uma dasformas para promover estratégias sustentáveisde diversificação dos modos de vida das famíliasrurais. A pluriatividade refere-se a um fenômenoque pressupõe a combinação de duas ou maisatividades, sendo uma delas a agricultura, emuma mesma unidade de produção. Essainteração entre atividades agrícolas e nãoagrícolas tende a ser mais intensa quanto maiscomplexas e diversificadas forem as relaçõesentre os agricultores e o ambiente social eeconômico em que estiverem situados. A formade exercício da pluriatividade é heterogênea ediversificada e está ligada, de um lado, àsestratégias sociais e produtivas que vierem a ser

adotadas pela família e por seus membros e, deoutro, a sua variabilidade que dependerá dascaracterísticas do território em que estiverinserida. Acredita-se que, por meio dapluriatividade, os agricultores familiares possamestabelecer iniciativas de diversificação das suasocupações interna e externamente à unidade deprodução, bem como aumentar as fontes e asformas de acesso a rendas.

Além desta introdução, este trabalho sedivide em várias partes e resulta de diálogos comoutros pesquisadores do Brasil e do exterior.Nesse sentido, algumas idéias aqui apresentadasnão são novas nem originais, pois foramcompiladas a partir de informações, textos ediscussões que circulam pela literatura acercado tema e estão citadas na bibliografia. Naprimeira seção, apresenta-se a importância dapluriatividade para o meio rural brasileiro. Nasegunda, discute-se o papel da pluriatividadecomo uma estratégia de desenvolvimento ruralcapaz de garantir sustentabilidade e coesão socialno meio rural. Na terceira seção, avalia-se aimportância da pluriatividade para as políticaspúblicas de desenvolvimento rural no Brasil,especialmente aquelas focadas na agriculturafamiliar. Na última seção, apontam-se algumassugestões de políticas que poderiam estimulare apoiar a pluriatividade no Brasil.

A relevância das atividadesnão agrícolas e dapluriatividade no Brasil

Tem sido muito freqüente entre estudiososassociar o crescimento do número de pessoas efamílias ocupadas em atividades não agrícolasno meio rural com o fenômeno da pluriatividade.O crescimento das atividades não agrícolas podeestar relacionado com as alterações nosmercados de trabalho rurais, expressando osnovos modos de ocupação da força de trabalho.Nem sempre o crescimento das ocupações nãoagrícolas das pessoas ou famílias com domicíliorural, neste ou naquele setor ou ramo, implicaem um aumento proporcional da pluriatividade

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das famílias. A pluriatividade refere-se a umfenômeno que se caracteriza pela combinaçãodas múltiplas inserções ocupacionais das pessoasque pertencem a uma mesma família. Dessemodo, a pluriatividade é, ao mesmo tempo,causa e efeito das atividades não agrícolas. Porisso, insiste-se que não se deve confundir asatividades não agrícolas com a pluriatividade,pois esta decorre das decisões, das estratégiasdos indivíduos e das famílias rurais que podemou não optar pela combinação de mais de umtipo de trabalho. Portanto, o crescimento dasatividades não agrícolas no meio rural brasileironão implica, mutatis mutandis, expansão dapluriatividade das famílias rurais3.

A importância das atividades não agrícolasna geração de empregos e ocupações temganhado destaque internacional. O relatóriosobre o emprego de 2005 da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT) dedica umcapítulo especial à agricultura e às políticas deredução da pobreza rural, destacando que, tantoo incremento da produção de alimentos quantoa geração de ocupações não agrícolas, devemser consideradas estratégias complementares4.O relatório da OIT considera que as atividadesnão agrícolas são capazes de promover eincrementar o bem-estar e a qualidade de vidarural em vários sentidos, bem como ajudar areduzir o desemprego e a estacionalidade(sazonalidade) das ocupações, diminuir a pressãosobre a migração rural–urbana e permitir oacesso a bens, alimentos e serviços (OIT, 2005,p. 150). Nas recomendações de políticas, o rela-tório indica que “as atividades não-agrícolasdevem ser fomentadas como fonte adicional decriação de empregos, auxiliando comomecanismo de redução da pobreza no setoragrícola” (OIT, 2005, p. 166).

A revista World Development (2001)também dedicou um número especial que trataexclusivamente do debate sobre as atividadesnão agrícolas na América Latina, oferecendo umamplo espectro de trabalhos que indicam que ofenômeno da combinação de ocupaçõesagrícolas e não agrícolas é disseminado porvários países da região, tanto naqueles quepossuem uma agropecuária modernizada, comoBrasil, Chile e México, quanto naqueles onde aincorporação do padrão técnico-produtivo darevolução verde alcançou proporções menosintensivas, como Peru, Honduras e El Salvador.

Na América Latina, os pioneiros trabalhosde Klein (1992), mas também de Weller (1997)e outros, demonstram que as ocupações ematividades não agrícolas na região atingiam emtorno de 22 % no final da década de 1980.Na década de 1990, registrou-se um cresci-mento dos empregos em atividades não agríco-las em todos os países da América Latina. Essecrescimento é mais expressivo no caso dasmulheres, pois em nove países da regiãoverifica-se uma variação de 65 % a 93 % departicipação das mulheres no mercado detrabalho rural não agrícola.

Atualmente, segundo Berdegué et al.(2001, p. 184) e Echeverria (2001), o empregorural não agrícola é responsável por cerca de40 % das rendas dos habitantes rurais da AméricaLatina e há uma clara tendência apontando paraseu crescimento na região. Segundo essesautores, a importância das atividades rurais nãoagrícolas está no fato de que elas podem integrarsoluções para três grandes problemas do mundorural latino-americano, que são a pobreza rural,a transformação do setor agropecuário e amodernização técnico-produtiva. Estudo daComissão Econômica para a América Latina

3 Há inclusive autores (NASCIMENTO, 2005) que têm buscado demonstrar que no Brasil o crescimento das ocupações rurais não-agrícolas seria mais importanteque o movimento em direção à pluriatividade. Neste caso, é preciso registrar que a existência de um mercado de trabalho não-agrícola é condição sine quanon para que haja a pluriatividade, exatamente para que possa ocorrer a combinação de tipos de ocupação. Além disso, é preciso ressaltar que a pluriatividadenão é um “ponto de chegada” ou uma posição estática que, uma vez alcançada, levaria à estabilização na posição de ocupação. Os mecanismos e fatores queconcorrem para que uma família decida adotar a pluriativa são multivariados e dependem tanto de características endógenas às famílias quanto dos efeitosexógenos.

4 “While poverty is largely rural, and agriculture is a major part of the rural economy, other activities within the rural economy can be stimulated by agriculturalgrowth. Rural non-farm activities are often included in income-generating activities of households, and this is also true for poor households engaged inagriculture” (OIT, 2005, p. 149).

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(CEPAL, 2000) também indicou que as rendasde atividades não agrícolas assumem um caráterextremamente importante para as populaçõesrurais mais pobres, muitas vezes significando aúnica renda monetária para essas famílias. Noque concerne à transformação do setor agrope-cuário e à sua modernização técnico-produtiva,as atividades não agrícolas podem representaruma oportunidade de emprego complementar,pois à medida que houver maior apropriação detecnologias pela agricultura a tendência éaumentar o número de ocupações nos serviçose demais atividades a montante e a jusante.

Por essas razões, é cada vez mais consen-sual, entre os estudiosos, que está em marchaum processo de diferenciação entre a agriculturae o espaço rural, especialmente a partir da décadade 1990, pois tem-se assistido a um crescimentosignificativo de pessoas em idade ativa queresidem nas áreas rurais, mas estão ocupadasem atividades não agrícolas. Esse fenômenoreforça um clássico argumento dos cientistas

sociais que afirmam que, além da função deprodução de alimentos e matérias-primas, oespaço rural também se constitui em umambiente de sociabilidade, manifestaçõesculturais e interação do homem com a natureza.

No Brasil, os primeiros trabalhos sobre asalterações nos mercados de trabalho ruralsurgiram em meados da década de 1990, comdestaque para análise da emergência dasatividades não agrícolas. Os trabalhos do ProjetoRurbano, baseados em informações da PesquisaNacional por Amostra de Domicílios do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística – Pnad/IBGE –, indicam que desde a década de 1980 apopulação economicamente ativa (PEA) rural doBrasil encontrava-se relativamente estagnada emtorno de pouco menos de 13 milhões de pessoas,o que representa cerca de 17 % da PEA total5.Não obstante, conforme a Tabela 1, quando sesepara a PEA rural por condição de ocupaçãodos domicílios, verifica-se um crescimentomuito mais significativo da PEA ocupada em

5 A Pnad é uma pesquisa amostral realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que toma como referência o universo dosdados fornecidos pelo último censo demográfico e utiliza as informações por domicílio como unidade de análise. A Pnad classifica as áreas urbanas e rurais apartir da localização do domicílio, que é definido pela legislação municipal vigente no período do censo. Segundo Del Grossi e Graziano da Silva (2006),as informações das Pnads da década de 2000 não são inteiramente compatíveis com as de décadas anteriores porque o IBGE realiza uma reclassificação das áreasa cada censo. Os autores acreditam que, por causa dessa atualização, a população rural contabilizada pelas Pnads se reduziu de 32,6 milhões de pessoas em 1999para 27,3 milhões de pessoas em 2001, um recuo de mais de 5 milhões de pessoas.

Tabela 1. Brasil – População residente segundo a situação do domicílio e a condição de ocupação em 2001–2005 (em 1.000 pessoas).

Taxa de crescimentopor ano (%)

Condição e ramo de atividade 2001 2002 2003 2004 20051981– 1992– 2001–1992 1999 2005

População urbana de maisde 10 anos 143.350,0 145.943,5 148.438,8 151.124,5 152.711,4 3,0*** 2,3*** 1,6***

População rural de maisde 10 anos(1) 27.461,6 27.447,9 27.548,8 27.480,1 28.289,2 -0,2* 0,9*** 0,6*PEA rural ocupada (2) 12.232,7 12.403,6 12.328,1 12.408,2 12.773,6 0,6*** -0,2 0,9**PEA agrícola 8.846,2 8.972,5 8.876,7 8.757,0 8.739,4 0,4*** 1,7*** -0,5*PEA não agrícola 3.386,5 3.431,1 3.451,5 3.651,2 4.034,2 1,2*** 3,7*** 4,2***Não ocupados 434,0 441,7 433,8 484,7 544,3 7,6*** 10,8*** 5,6**

*** 5 % de significância do Teste T.** 10 % de significância do Teste T. * 20 % de significância do Teste T.(1) Não estão incluídas as áreas rurais da Região Norte do Brasil (estados da grande Região Amazônica), exceto as do Estado de Tocantins.(2) O projeto Rurbano sempre trabalhou com a noção de PEA restrita, que exclui os trabalhadores não remunerados que trabalham menos de 15 horas nasemana e os que se dedicam exclusivamente à produção para autoconsumo e autoconstrução.Fonte: Tabulações Especiais do Projeto Rurbano (PROJETO RURBANO, 2005).

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atividades não agrícolas do que naquelasocupadas na agricultura, ao longo das duasúltimas décadas. Nos anos mais recentes dapresente década, é notável o crescimento maisexpressivo da PEA não agrícola (4,2 % ao ano)do que a agrícola (redução de 0,5 % ao ano).Talvez esse seja um dos fatores que estáimpulsionando o crescimento da população ruralcom mais de 10 anos de idade, que mostra umalenta, porém persistente, recuperação.

Segundo dados do IBGE/Pnad, residiamnas áreas rurais não metropolitanas do Brasilcerca de 6,117 milhões de famílias. Em relaçãoao ano de 2001, quando eram 5,847 milhões, onúmero de famílias domiciliadas no espaçorural aumentou em 270 mil, conforme indica aTabela 2, o que por si já representa uma mu-dança importante, uma vez que nas últimas

décadas houve uma queda constante da popu-lação rural.

Do total de 6,117 milhões de famílias queresidiam nas áreas rurais da região não metropo-litana em 2005, 2,302 milhões eram de famíliasde empregados assalariados (37,6 %) e 293 mileram de famílias de empregadores (4,7 %).Destes, 3,9 % (240 mil) empregavam até doisassalariados de forma permanente e 0,86 %(53 mil) empregava mais de dois empregadospermanentes6. A categoria mais numerosa domeio rural brasileiro é formada pelos ocupadospor conta própria, que em 2005 alcançavam2,845 milhões (46,5 %) das famílias. Além dosempregadores, assalariados e ocupados porconta própria, em 2005 havia ainda 11,6 %(677 mil) de famílias que estavam desempre-gadas ou sem ocupação na semana em que

6 A família é considerada empregadora quando pelo menos um de seus membros declarou estar nessa posição na semana de referência. É considerada deempregados se pelo menos um membro se declarou empregado e nenhum como empregador. São famílias de ocupados por conta própria aquelas quetrabalham explorando seu próprio empreendimento, sozinhas ou com sócios, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajuda dos membros da famíliana forma de trabalho não remunerado. As famílias não ocupadas são aquelas em que nenhum dos seus membros se declarou ocupado na semana de referência.

Tabela 2. Brasil – Evolução das famílias de empregadores, de ocupados por conta própria, de empregados e denão ocupados domiciliados na área rural não metropolitana segundo o tipo de atividade em 2001–2005 (1.000famílias).

Brasil

Local domicílio/tipo de família Taxa de2001 2002 2003 2004 2005 crescimento

2001–2005

Empregadores/patrões 303 227 265 279 293 1,4Agrícola 149 99 128 143 137 2,1Pluriativo 113 94 105 100 112 0,3Não agrícola 41 34 33 36 44 2,1

Ocupados por conta própria/familiares 2.859 2.938 2.982 2.882 2.845 -0,3Agrícola 1.756 1.780 1.749 1.713 1.581 -2,4**Pluriativo 874 938 920 908 967 1,7*Não agrícola 230 220 312 261 297 7,1*

Empregados/assalariados 2.053 2.031 2.050 2.167 2.302 3,0**Agrícola 1.269 1.229 1.264 1.289 1.351 1,7*Pluriativo 262 275 267 297 309 4,2***Não agrícola 522 527 518 582 642 5,3**

Não ocupados na semana 631 578 645 637 677 2,4

Total de famílias 5.847 5.774 5.941 5.965 6.117 1,2****** 5 % de significância do Teste T.** 10 % de significância do Teste T.* 20 % de significância do Teste T.Nota: exclusive as famílias sem declaração de renda e tipos de família com menos de 5 observações.Fonte: Tabulações Especiais do Projeto Rurbano (PROJETO RURBANO, 2005).

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foram coletados os dados. Segundo classificaçãoutilizada pela Pnad/IBGE, chama atenção apequena quantidade de empregadores,indicando que no meio rural predominam asformas de propriedade gerenciadas de formaautônoma como ocupações por conta própria.

No que se refere ao tipo de atividades queexerciam as famílias domiciliadas nas áreas ruraisda região não metropolitana do Brasil, os dadosapontaram que em 2005 o número de famíliasativas ocupadas exclusivamente na agriculturaera de 3,069 milhões, representando 50,1 % dototal. Mas, nesse mesmo ano, os dados da Pnadtambém apuraram que 983 mil famílias (16 %)se ocupavam exclusivamente em atividades nãoagrícolas. As famílias em que pelo menos umdos membros combinava a ocupação ematividades agrícolas e não agrícolas foramconsideradas como pluriativas e chegaram a umtotal de 1.388 mil no ano de 2005, representando22,7 % do total de famílias rurais.

Analisando a evolução no período 2001–2005, verifica-se que o número de domicíliosnos quais os membros se ocupam em atividadesagrícolas aumentou apenas na categoria dosempregados assalariados (1,7 %)7. Na categoriacontra própria, houve uma redução de 2,4 % aoano, indicando que são as famílias ocupadas naagricultura as que mais sofreram redução.As famílias pluriativas aumentaram tanto nacategoria dos ocupados por conta própria (1,7 %)quanto na dos empregados (4,2 %). Já as famíliasdomiciliadas no meio rural em que todos osmembros estão ocupados em atividades nãoagrícolas aumentaram de modo mais expressivo,registrando um crescimento anual de 7,1 % aoano na categoria dos ocupados por conta própriae de 5,3 % na categoria dos empregados.Resultados semelhantes, referentes a essastendências, foram encontrados em estudosanteriores, em que se analisou os dados para asdécadas de 1980 e de 1990, quando o maiorcrescimento registrado sempre ficou por contados ocupados em atividades não agrícolas e a

queda constante dos ocupados, nas atividadesagrícolas. Esse comportamento permite afirmarque sempre que se analisa os dados no agregadonacional ou mesmo regional verifica-se que apluriatividade também funciona como umaestratégia dos indivíduos e famílias para passardas ocupações agrícolas para as não agrícolas.Isso explica porque são as ocupações ematividades não agrícolas as que mais crescemno meio rural e porque a pluriatividade, apesarde mostrar crescimento, apresenta variaçõesconstantes. É por essa razão que anteriormentese chamou a atenção para a necessidade dediferenciar a dinâmica do mercado de trabalhorural da pluriatividade.

Na verdade, os dados agregados nãopermitem ir além dessa conclusão, pois os fatoresque intervêm na pluriatividade são multidetermi-nados e variam desde o contexto local e regionalaté a conjuntura econômica mais geral, conformejá indicado anteriormente. No Brasil, as pesqui-sas do Projeto Rurbano têm demonstrado queesses fatores tendem a se ampliar à medida queas análises utilizam recortes mais específicos,como os estados, por exemplo. Nesse sentido,os dados secundários apurados nas pesquisasdomiciliares devem ser tomados como umabússola e servir de inspiração para realizaçãode estudos de caso mais aprofundados. Umahipótese interessante a ser investigada, porexemplo, é verificar em que medida a pluriativi-dade pode ser um caminho que está sendoadotado por indivíduos e famílias pobres paraabandonar a agricultura e buscar uma outraatividade no meio rural, em geral não agrícola(BERDEGUÉ, et al., 2001b). Nesse caso, a pluria-tividade poderia estar representando uma ponteno processo de passagem de uma atividade aoutra e, talvez, uma saída da situação de pobreza.

Um outro aspecto a ser analisado emrelação à pluriatividade refere-se à questão dasrendas. De fato, havendo pluriatividade tambémexistem plurirrendimentos. No entanto, as análises

7 O que em grande parte se deve aos preços favoráveis das principais commodities agrícolas que o Brasil exporta (soja, milho e frango) durante os primeiros anosda década atual.

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sobre as rendas rurais exigem certos cuidados,ainda mais quando a fonte de dados são aspesquisas domiciliares por amostragem, caso daPnad, que realiza a coleta de dados em umdeterminado mês (em geral setembro)8. Outroproblema refere-se à dificuldade da coleta dedados sobre os diferentes tipos de rendasauferidos pelos produtores, pois no momento daentrevista eles geralmente informam a receitalíquida, sem deduzir os custos de produção e adepreciação, o que pode super ou subestimaros valores informados. No caso dos produtoresfamiliares, sempre há a presença da produçãodestinada ao autoconsumo, que não é despre-zível, mas que raramente é informada comoparte da renda.

Feitas essas ressalvas, pode-se dizer queos dados da Pnad oferecem uma aproximaçãorazoável em relação à composição das rendasrurais. A Tabela 2 apresenta os quatro principaistipos de rendas que a pesquisa permite extrair,ou seja, a renda agrícola, a não agrícola, asrendas oriundos dos benefícios previdenciários

e as outras fontes de renda, como juros eremessas por parentes. A Tabela 3 apresentatambém o valor médio da renda segundo o tipode atividade, para o ano de 2005, que é a últimainformação disponível no momento.

Um olhar de conjunto sobre a Tabelapermite destacar algumas característicasimportantes sobre a composição da renda dasdistintas categorias de famílias do meio rural doBrasil. A primeira observação é que a rendaagrícola continua respondendo por algo em tornode 50 % do total nas três categorias: emprega-dores (52,7 %), ocupados por conta própria(50,3 %) e assalariados (46,1 %). A segundamostra que, com exceção da categoria dosocupados por conta própria, as rendas nãoagrícolas estão em segundo lugar em ordem deimportância para os empregadores e assala-riados. A terceira observação é o fato de as rendasde aposentadorias e pensões serrem muitorelevantes, sobretudo entre as famílias deocupados por conta própria. Por fim, cabedestacar que, na área rural não metropolitana

8 Essas observações se assentam nos comentários dos professores Rodolfo Hoffman e Lauro Mattei.

Tabela 3. Brasil – Composição das rendas das famílias brasileiras com domicílio na área rural não metropolitanasegundo o tipo de atividade e renda média, em 2005 (em reais de setembro de 2005).

Local domicílio/Renda Renda não Rendas de Rendas de Renda média

tipo de famíliaagrícola agrícola aposentadorias outras fontes em 2005

(%) (%) e pensões (%) (%) (R$)

Rural não metropolitano 45,8 25,4 22,5 6,3 754,36

Empregadores/patrões 52,7 28,8 13,0 5,5 2.475,58Agrícola 75,9 0,0 16,2 7,9 2.030,73Pluriativo 56,1 26,1 13,2 4,6 2.718,45Não agrícola 0,0 91,0 6,2 2,8 3.268,86

Ocupados por contaprópria/familiares 50,3 20,7 22,7 6,3 736,88Agrícola 63,4 0,0 29,6 7,0 652,05Pluriativo 49,3 29,1 15,9 5,7 846,56Não agrícola 0,0 78,1 16,2 5,6 833,71

Empregados/assalariados 46,1 35,7 12,8 5,5 646,49Agrícola 81,4 0,0 12,1 6,5 494,62Pluriativo 55,6 32,2 6,7 5,5 800,06Não agrícola 0,0 78,4 17,3 4,3 841,52

Não ocupado na semana 0,0 0,0 88,1 11,9 462,71

Fonte: Tabulações Especiais do Projeto Rurbano (PROJETO RURBANO, 2005).

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como um todo, as rendas agrícolas representam45,8 %; as não agrícolas, 25,4 %; as rendas deaposentadorias e pensões, 22,5 % e as rendasde outras fontes, 6,3 %.

A análise das rendas pela ótica dos tiposde atividade em que estão classificadas ascategorias sociais permite realçar ainda outrasquestões. Primeiramente, entre as famílias quedependem exclusivamente da agricultura,percebe-se uma dependência muito forte dasrendas agrícolas, especialmente entre acategoria dos assalariados, em que esta fonterepresenta 81,4 % do total. Entre os emprega-dores (patrões), a renda agrícola representa75,9 % e entre os ocupados por conta própria,que trabalham exclusivamente na agricultura, arenda agrícola representa apenas 63,4 %. Issoleva a pensar, em segundo lugar, o importantepapel das rendas de aposentadorias e pensõespara as famílias que dependem da agricultura,sobretudo os ocupados por conta própria, queobtêm quase 30 % dos seus rendimentos dessafonte. Vale notar que é entre os empregadoresque está a proporção mais elevada (7,9 %) derendas de outras fontes, provavelmenteindicando ganhos auferidos em outros setores.A terceira questão que chama a atenção naTabela 3 refere-se ao portfólio diversificado defontes de rendas das famílias pluriativas, valendoa pena notar que a renda de atividades agrícolasrepresenta algo em torno de 50 % ou mais,seguida das rendas não agrícolas (algo em tornode 30 %, um pouco menos entre os emprega-dores), das rendas de aposentadorias e pensões(em torno de 13 %, mas bem menos entre osassalariados, onde representa apenas 6,7 %) edas rendas de outras fontes (em torno de 5 %).Uma quarta questão a ser destacada refere-seao fato de as famílias exclusivamente nãoagrícolas serem as que possuem a maior depen-dência em relação a uma única fonte de renda(a não agrícola, é claro). Talvez valha a penachamar a atenção para um último aspecto, quese refere ao fato de que as rendas das famílias

de pluriativas, além de serem mais diversificadas,são também, em geral, mais elevadas, comomostra a coluna referente ao valor da rendamédia para o ano de 2005, com exceção dospluriativos assalariados.

Por essa razão, é possível concordar comoutros estudiosos (ELLIS, 2000; ELLIS; FREEMAN,2005; KINSELLA et al., 2000; BERDEGUÉ et al.,2001a) que a estratégia de diversificação dasatividades ocupacionais, assim como das rendas,pode representar uma proteção às famílias emsituações de risco, choques ou vulnerabilidades,tão freqüentes no meio rural, sobretudo nasregiões mais empobrecidas. À medida que asfamílias conseguem ter um portfólio mais diversi-ficado de opções de trabalho, tornando-sepluriativas, suas rendas tendem a se elevar, aadquirir maior estabilidade, e as fontes tendema se diversificar.

Qual pode ser o papelda pluriatividade parao desenvolvimento rural?

Em face desses condicionantes, estetrabalho pretende discutir as potencialidades dapluriatividade na promoção do desenvolvimentorural sustentável. Seguramente, tomando arealidade brasileira – ou mesmo a latino-americana – como referência, a justificativa paraapoiar e estimular a pluriatividade deve estarrelacionada com sua capacidade de apresentar-se como alternativa a alguns dos principaisproblemas que afetam as populações rurais,como a geração de emprego, a melhoria dasrendas, a redução da vulnerabilidade social eprodutiva, o êxodo dos jovens e a promoção demudanças nas formas de gestão interna dasunidades familiares. Nesse sentido, defende-seque o papel estratégico da pluriatividade noprocesso de desenvolvimento rural consiste emcontribuir para geração de mecanismos deinclusão social, redução da pobreza e combateàs desigualdades.

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Não obstante, seria ingenuidade acreditarque bastaria desenhar ações que viessem aestimular a pluriatividade para que as bases deum novo padrão de desenvolvimento ruralpudessem se assentar. É preciso estar claro quea pluriatividade será parte de uma estratégiamais ampla de busca de um novo tipo dedesenvolvimento. Assim, a pluriatividade não éuma panacéia que pode, isoladamente,representar soluções a curto prazo.

Por isso, é importante salientar que asatividades agrícolas e as diferentes formas deinteração e encadeamento do setor agropecuárioaos demais ramos da economia continuarão ater uma importância decisiva no meio rural.A percepção aqui defendida é a de que a pluriati-vidade se tornará uma alternativa para osagricultores e suas famílias que buscam novasformas de emprego para aumentar e diversificarseus rendimentos e dar maior estabilidade a eles.Ao mesmo tempo, a pluriatividade conferiráuma nova atribuição ao espaço rural, que, alémde suas funções usuais de território da produçãoagrícola, também passaria a ser um espaçomultifuncional.

Uma visão geral da literatura recente sobreo desenvolvimento rural permite indicar trêsautores-chave que, no entendimento aquipreconizado, apresentam propostas que sãocomplementares entre si e abrem espaço paradiscussão do papel da pluriatividade. Essasposições se situam em torno dos trabalhos deMarsden (2003, 2007), Marsden e Parrott (2006),Ploeg et al., (2000c, 2003, 2006a, 2006b) e Ellis(2000).

A necessidade de novas interpretações éreforçada nos trabalhos de Marsden (2003, 2007),em que aprofunda elementos conceituais paraentender o que denomina “dinâmica de desen-volvimento rural sustentável”. Para Marsden(2003), existe uma heterogeneidade dedinâmicas de desenvolvimento no meio ruralque podem ser expressas a partir de três modelosdiferentes mas coexistentes.

O primeiro seria o agroindustrial, quevincula a produção agroalimentar à dinâmica

industrial e obriga os agricultores a se orientarpor padrões de competitividade baseados noincremento constante de tecnologias, como osOrganismos Geneticamente Modificados(OGM), de tal forma que possam compensar ocrescimento dos custos de produção por meiodo aumento da produtividade dos fatores.O segundo modelo seria a pós-produtivista,encontrado em regiões rurais ricas da Europa ealhures onde a produção agrícola cedeu lugaràs outras atividades assentadas na prestação deserviços e na exploração das amenidades comofontes geradoras de renda e ao emprego.

E, por fim, a terceira dinâmica, queMarsden chama de desenvolvimento rural,emerge principalmente em nível local eregional, valorizando as economias de escopo,a diversidade dos modos de vida, os novosarranjos institucionais, a agregação de valor e ascadeias agroindustriais curtas de alimentos comqualidade. Essa dinâmica assenta-se fortementenum estilo próprio de agricultura para gerar adiversificação e o desenvolvimento rural a partirda convergência de diversos fatores, como anatureza, o trabalho, as características dosterritórios, o modo de organização social e opapel das instituições.

Segundo Marsden (2007), num contextosocial em que a mobilidade espaço–tempo écada vez maior o debate sobre desenvolvimentorural que emerge preconiza um processo queseja capaz de adequar-se a este condicionantee, ao mesmo tempo, reduzir a vulnerabilidadee incrementar a sustentabilidade. Nesse proces-so, o Estado desempenha um papel fundamentalna regulação e governança, mas não menosimportante será o papel dos próprios agricultorese de suas instituições, que precisam ser capazesde inovar e gerar formas de competitividade quegarantam a articulação das economias locais como ambiente externo, permitindo que consigam“fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo coma mesma base de recursos”.

Essa definição conduz a uma interpretaçãomais flexível e alargada do desenvolvimentorural, que implica a superação da idéia de que

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há um caminho único e imperativo. SegundoPloeg et al. (2000c), Ploeg e Dijk, (1995), adiscussão sobre o desenvolvimento rural emergedos debates e disputas sociais e políticas pós-modernização agrícola e pode ser definida como“um processo multinível, multifacetado e multia-tor, enraizado em tradições históricas”. Na pers-pectiva desses autores, o desenvolvimento ruralacarreta a construção de novas redes e relaçõessociais, bem como a revalorização e reconfigu-ração dos recursos rurais. Esse novo modelo buscavalorizar as economias de escopo em detrimentodas economias de escala, a pluriatividade dasfamílias rurais em vez da especialização, aparticipação dos atores sociais em vez das políticasde tipo top-down, entre outros aspectos. Emsíntese, conforme mencionaram Ploeg et al.(2000a, p. 395) o desenvolvimento rural resulta em“uma saída para as limitações e falta de perspectivasintrínsecas ao paradigma da modernização e aoacelerado aumento de escala e industrializaçãoque ele impõe”.

Essa visão mais geral sobre o desenvolvi-mento rural, fortemente apoiada na realidadeeuropéia, poderá e deverá ampliar seu podercognitivo e explicativo, caso se pretendaincorporar alguns desses elementos analíticos naanálise da realidade de países em desenvolvi-mento, como é o caso do Brasil e de outros daAmérica Latina (NAVARRO, 2001). Nessesentido, os trabalhos de Ellis (2000) e Ellis eFreeman (2005) sobre os processos de desenvol-vimento rural nos países africanos oferecemsugestões interessantes aos trabalhos dos autoreseuropeus antes mencionados.

Ellis (2000) e Ellis e Freeman (2005)considera que o desenvolvimento rural consisteem um conjunto de iniciativas e práticas que têmpor finalidade concreta ampliar as capacidadese os acessos dos indivíduos e das famílias ruraispara que possam fortalecer seus meios de ganhara vida (livelihoods). Nesse sentido, Ellispreconiza um conjunto de iniciativas pragmáti-

cas que visam a gerar impactos significativos namelhoria das condições de vida das populaçõese a ampliar suas perspectivas de garantir areprodução social e econômica. Segundo oautor, na maioria das vezes, as oportunidadespara alcançar essas ações encontram-se naspróprias localidades e territórios onde as pessoasvivem. Fundamentalmente, o que Ellis (2000,p. p. 25) propõe é ampliar a capacidade dosindivíduos de diversificar seu repertório deatividades e fontes de ingresso. Ellis consideraque a pluriatividade pode vir a fortalecer asestratégias das famílias e a contribuir para adiversificação dos meios de vida, constituindo-se em um mecanismo eficaz de redução dapobreza e da vulnerabilidade no espaço rural9.

Os estudos recentes mais consistentessobre o tema do desenvolvimento rural(O’CONNOR et al., 2006; MARSDEN, 2007;SARRACENO, 1994) qualificam-no como umprocesso genuinamente multidimensional, e asquestões relacionadas ao emprego e às formasde ocupação são transversais. E é nesse sentidoque a pluriatividade parece assumir um interessede primeira ordem nesse debate, pois os estudio-sos vislumbram no estímulo à diversificação dosprocessos produtivos, nas formas de produçãoambientalmente sustentáveis, na mudança dosentido cognitivo e simbólico do espaço rural enas relações diferenciais com os mercadosfatores que podem impulsionar transformaçõesnas relações de trabalho.

Essas perspectivas podem vir a se traduzirem desafios concretos para a pluriatividade,muitos deles relacionados a um amplo espectrode problemas que não são de fácil resolução.Por isso, ao refletir sobre o papel da pluriati-vidade no desenvolvimento rural, devem-seconsiderar alternativas viáveis às dificuldades erestrições que afetam as populações rurais, comoa questão do emprego, da renda, a sazonalidade,o êxodo dos mais jovens e a gestão interna daunidade familiar. Segundo alguns estudiosos(GRAZIANO DA SILVA, 1999; KINSELLA, et al.,

9 Nessa perspectiva, consultar também o excelente trabalho de Kinsella et al. (2000) sobre pluriatividade.

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2000; ECHEVERRÍA, 2001; BERDEGUÉ et al.,2001a), a pluriatividade pode apresentar alterna-tivas aos seguintes temas:

Elevar a renda familiar no meio rural –A pluriatividade pode ser considerada umaestratégia de diversificação e combinação devárias fontes de renda, sendo facilmenteobservável que as famílias com rendimentos nãoagrícolas possuem, em geral, uma renda totalmais elevada do que aquelas que dependemexclusivamente da renda agrícola (SCHNEIDER,2006, SCHNEIDER; CONTERATO, 2006).

Estabilizar a renda e reduzir a sazona-lidade dos ingressos – Por causa da sazonalidadedas colheitas e mesmo dos imprevistos e impon-deráveis climáticos e de mercado, o acesso àsrendas provenientes de atividades não agrícolasgarante maior estabilidade e periodicidade nosganhos dos agricultores, reduzindo a vulnerabi-lidade das famílias no meio rural (ELLIS, 2000;COLE, 2002; PLEIN, 2003).

Diversificar as fontes de ingresso –A pluriatividade amplia as oportunidades deganhos e o portfólio de possibilidades e alterna-tivas que podem ser acionadas pelas famílias deagricultores. Assim, famílias pluriativas tendema ter melhores condições de enfrentar crises ousazonalidades do que aquelas que dependemexclusivamente de uma única atividade e deuma única fonte de renda (KINSELLA et al., 2000;PERONDI, 2007).

Contribuir na geração de emprego noespaço rural – Em territórios onde se verifica amaior presença da pluriatividade, existe atendência de facilidade na alocação da força detrabalho das famílias rurais segundo o interessedos próprios membros e as possibilidades oferta-das pelo mercado de trabalho. Cria-se, portanto,em nível local, uma interação no mercado detrabalho agrícola e não agrícola que acabaafetando positivamente a dinâmica da economia(REIS, 1985; SCHNEIDER, 2003).

Gerar externalidades, diversificar aeconomia local e desenvolver os territóriosrurais – Em locais onde as famílias de agricultores

se tornam pluriativas, a divisão social do trabalhotende a se incrementar. Nessas situações,ampliam-se a estratificação e a mobilidade sociale cria-se um círculo virtuoso de ativação econô-mica que incrementa a produção, a circulaçãode mercadorias e geram-se oportunidades deemprego. Nesse contexto, a pluriatividade geraexternalidades que estimulam a diversificaçãodo tecido social das economias locais(RADOMSKY, 2006; SARRACENO, 1994).

Reduzir as migrações campo–cidade –Potencialmente, a pluriatividade representa umaforma de gerar oportunidades de emprego eocupação para os membros das famílias deagricultores, especialmente para as esposas deagricultores e filhos jovens, que muitas vezesencontram-se subempregados nas unidadesprodutivas (em razão do pequeno tamanho, daescala de produção ou mesmo da incorporaçãocrescente do progresso técnico, o que acabadispensando a força de trabalho) (DEL GROSSIet al., 2001).

Estimular mudanças nas relações depoder e gênero – A pluriatividade pode gerarmodificações nas relações de gênero e nahierarquia familiar a partir do momento em quealguns membros da família passam a terrendimentos e ocupações fora da propriedade.Além disso, estudos indicam que a pluriatividadecria uma diferenciação nas trajetórias socioprofis-sionais dos indivíduos pertencentes a umamesma família, tornando-se, assim, um fator deaproximação entre as características das famíliasrurais vis-a-vis as urbanas (EIKLAND, 1999;CASTILHO E SILVA, 2006).

Apoiar a multifuncionalidade do meiorural – O crescimento da pluriatividade das famí-lias que habitam o meio rural tende a incrementaroutras funções não produtivas do espaço (CAR-NEIRO, 2006). Primeiro, a terra e a propriedadedeixam de ser meramente um ativo econômicoe passam a ter a função de fator de produção,adquirindo um sentido patrimonial à medida quecresce sua função como local de moradia dafamília. Segundo, e como conseqüência daconstatação anterior, o próprio espaço rural

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modifica-se e assume novos significados (resse-mantização), pois deixa de ser meramente oespaço da produção agrícola e valoriza-se pelassuas funções paisagísticas, gastronômicas,étnicas, culturais e ambientais. Por conta desses”novos atributos”, surgem no espaço ruraldemandas que se prestam à exploraçãomercantil do consumo vinculado aos bens nãotangíveis, como as diversas formas de turismorural, o artesanato, as visitas a paisagens e osusos ambientais (MURDOCH et al., 2003;NIEDERLE, 2007).

Esse conjunto de temas e questões vêmsendo explorado pelos estudos que estamosrealizando no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural. Paravários dos aspectos comentados, já existemevidências empíricas consistentes e robustas;para outras questões, novas pesquisas deverãoser realizadas. Portanto, seria desejável queesses temas pudessem ser investigados emoutras regiões e países, o que seria uma propostapara uma possível agenda de trabalhos futuros.

A importância da pluriatividadepara as políticas públicas

Em razão das potencialidades elencadas,parece notório que a pluriatividade poderádesempenhar um papel de significado relevantepara uma política que estimule o desenvolvi-mento rural sustentável. A pluriatividade nomeio rural poderia ser fortalecida pelo Estado epelas políticas públicas por meio do estíimuloàs ações que ampliem suas diversas formas.Pretende-se, aqui, apresentar algumas idéias ediscutir as potencialidades da pluriatividadetomando como referência a realidade brasileira.No Brasil, entre as várias justificativas em favorda pluriatividade, poder-se-ia indicar, inicialmente,a necessidade de criar iniciativas que visem acombater e a erradicar a pobreza rural. É nomeio rural do Brasil, sobretudo na RegiãoNordeste, que se concentra a parcela mais pobreda população, com poucas perspectivas de

mudar sua condição por meio dos tradicionaismecanismos de estímulo à tecnificação agrícola.Mas não é razoável pensar que a pobreza ruralpossa ser eliminada apenas com políticas decaráter compensatório ou assistencial. Portanto,existe uma justificativa consistente para apromoção das atividades não agrícolas e dapluriatividade estribada na necessidade de geraroportunidades de trabalho e renda para aspopulações rurais, especialmente aquelas maispobres.

O segundo argumento em favor dapluriatividade está no fato de que ela representauma alternativa de diversificação produtiva,ocupacional e de geração de ingressos para osagricultores e suas famílias, especialmente paraaqueles que se encontram em regiões queconheceram um intenso processo de moderni-zação agrícola. Nessas regiões, é usual que aagricultura seja fortemente dependente dasmonoculturas, e muitos agricultores estãovulneráveis a todo tipo de riscos e choques, quersejam de natureza edafoclimática (estiagem,pragas, etc), quer sejam de mercados (acessos,falta de informação, preços baixos, insumoscaros, etc). Por mais que as políticas públicastenham se empenhado em oferecer formas deacesso ao crédito para custeio de lavouras ecriações ou mesmo criado programas de seguroe garantias, o fato é que milhares de pequenosagricultores encontram-se em situações deelevada vulnerabilidade social, econômica eambiental no Brasil. Portanto, a redução davulnerabilidade deve ser entendida como umaestratégia de inclusão social e porta de entradapara melhoria da qualidade de vida no meiorural. O estímulo à diversificação das atividadese às ocupações não agrícolas poderia gerar aampliação das fontes de ingresso monetário e,com isso, reduzir a dependência e a vulnerabi-lidade dos agricultores, especialmente os maisfrágeis.

A terceira razão para que as políticaspúblicas estimulem a pluriatividade refere-se asua capacidade de gerar mecanismos queajudem a manter as populações no meio rural

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que são fortes candidatas à migração, como osjovens – sobretudo mulheres – que não encontramempregos e ocupação na agricultura. Dada acrescente modernização tecnológica da agricul-tura, estudos indicam que se houvesse umadisseminação dos sistemas de produção maismodernos em cada cultivo, haveria uma reduçãode 45 % na demanda por força de trabalhoagrícola no Brasil e de 23 % no Estado de SãoPaulo (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p. 89).Além disso, segundo Kageyama (1997, p. 7), oíndice de pessoas subocupadas em atividadesagrícolas chega a 35,3 % no Brasil, sendo de34 % na Região Sul do País. Por isso, o estímuloà pluriatividade pode tanto ser uma opção àsubocupação crescente da força de trabalho nomeio rural quanto uma alternativa para as pessoasque não querem permanecer na agricultura, masque nem por isso precisam deixar o espaço rural.

A quarta razão que justificaria o estímuloà pluriatividade no Brasil tem a ver com apotencial contribuição para as políticas fundiáriase com os assentamentos de reforma agrária.A pluriatividade pode ser pensada como umaestratégia para geração de empregos e rendasnão agrícolas nos assentamentos rurais, especial-mente naqueles que já possuem um excedentepopulacional que não é absorvido nos processosde produção agrícola stricto sensu por causa dotrade-off que há entre o uso da força de trabalhoe a produtividade dos fatores que, como se sabe,passa a depender crescentemente da qualifi-cação da mão-de-obra e da inversão detecnologias. Portanto, o estímulo à pluriatividadenos assentamentos rurais poderia representarsoluções de emprego e renda complementar aotrabalho agrícola como opção ocupacional paraquem não consegue (ou não deseja) trabalharna atividade agrícola nos assentamentos10.

A quinta razão tem a ver com o estímuloa políticas que consigam avançar na difícil searados direitos afirmativos das mulheres e dosjovens. Como a pluriatividade expressa acombinação das atividades, as não agrícolas emgeral são percebidas como acessórias e comple-mentares. A atribuição desse caráter secundárionem sempre corresponde à sua importância emtermos de geração de renda e contribuição parao equilíbrio e estabilização do orçamentodoméstico das famílias. Há muito tempo,pesquisadores da questão vêm mostrando queo trabalho feminino tem sido relegado econsiderado de menor importância, mesmo nasunidades de agricultores familiares, quando nãodesprezado e caracterizado como mera “ajuda”.Ora, reconhecer a importância desse trabalhonão se trata apenas de uma questão devalorização econômica e produtiva, mas tambémde afirmação de direitos e da própria identidadesocial. Até porque uma das conseqüências donão-reconhecimento do trabalho femininoexpressa-se, não raramente, na ocultação dedireitos e na participação das mulheres. Portanto,as políticas e ações de apoio à pluriatividade dasfamílias poderiam contribuir para afirmação dedireitos e conferir maior visibilidade e reconheci-mento a atividades que são fundamentais nareprodução social das famílias.

A sexta justificativa está relacionada ao fatode que a pluriatividade também é umaalternativa de emprego e ocupação para aspopulações tradicionais que vivem em áreas depreservação, como a Amazônia, o Cerrado e oPantanal, onde o estímulo às atividades nãoagrícolas poderia contribuir para reduzir apressão antrópica sobre o meio ambiente eestimular a geração de empregos baseada nasriquezas locais e nas amenidades rurais. Naverdade, não se trata aqui de nenhuma novida-

10 Em um texto emblemático sobre esse tema, publicado em 1996, José Graziano da Silva propunha o que chamou de “uma reforma agrária não essencialmenteagrícola”, que é a proposta de estimular a pluriatividade e a diversificação econômica dos assentamentos rurais. Em seu texto, o autor justificava que “Hojeé preciso uma reforma agrária para ajudar a equacionar a questão do excedente populacional até que se complete a transição demográfica recém iniciada. Seriauma reforma agrária que permitiria a combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas. Teria a grande vantagem de necessitar de menos terra, o que poderiabaratear significativamente custo por família assentada ....” (GRAZIANO DA SILVA, 1999). Como exemplos bem sucedidos desse modelo de reordenamentofundiário, Graziano citava caso dos Kibutz judeus, que, em vez de viver apenas do que plantavam, diversificavam suas atividades oferecendo prestação deserviços (hotéis, restaurantes, escolas, creches, etc) e até uma pequena indústria no interior do assentamento.

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de, pois essas populações sempre sobreviverame trabalharam no regime de combinação demúltiplas atividades. Mas o que se está propondoé tirar essas atividades de seu caráter informal,esporádico e complementar e torná-las umafonte de interação social e econômica com osmercados, preferencialmente aqueles denomi-nados “diferenciados” (fair trade, solidários,institucionais, etc). Exemplos são as muitasformas de coleta de produtos da biodiversidadeflorestal, o turismo ecológico, rural, de aventura.Portanto, nesse aspecto, a pluriatividadedesempenharia o papel de uma alternativaeconômica, gerando novas oportunidades detrabalho e renda que pudessem contribuir paramelhorar as relações com o meio ambiente.

O sétimo argumento em favor da pluriati-vidade permite dizer que ela poderia ser o eloentre as políticas agrícolas (crédito, assistênciatécnica, sanitárias e de abastecimento) e as políti-cas de desenvolvimento rural, como o beneficia-mento e transformação da produção (agregaçãode valor via agroindustrialização), geração deempregos não agrícolas (prestação de serviços,etc.), habitação rural, artesanato, preservaçãoambiental, etc – aquilo que os europeus estãochamando de “práticas de desenvolvimentorural” ( PLOEG et al., 2000b; O’CONNOR et al.,2006). Estimular essa complementaridade pode-ria contribuir para desconstruir o maniqueísmopolítico e ideológico que tem sido produzido noBrasil, com o intuito de criar falsas oposiçõescomo o antagonismo entre o agrícola e o rural,entre a agricultura familiar e o agronegócio,entre a produção para o mercado e para oautoconsumo, entre outros. Até porque, o maisimportante não é saber qual atividade gera maisrenda ou qual produto é mais aceito peloscompradores. O essencial consiste em dominarconhecimentos que permitam aos agricultorese aos habitantes do rural lograr sua reproduçãoe manter-se como atores integrantes desseespaço por meio de mecanismos que sejamsustentáveis em todos os sentidos, independen-temente de serem agrícolas ou não agrícolas.

A oitava razão para as políticas públicasestimularem a pluriatividade está em seupotencial para dinamizar as economias locais efazer com que elas sejam o ponto de partida paraestimular processos de diversificação econômi-ca, gerando aquilo que os economistas chamamde economias de escopo. Nesse contexto, apluriatividade poderia ser parte integrante deuma estratégia de desenvolvimento alternativapara muitas áreas rurais que ficaram alijadas doprocesso de modernização agrícola ou onde esteocorreu de forma parcial e incompleta. Nessasregiões, o estímulo à diversificação das ativida-des produtivas pode ser um caminho alternativoàs soluções que preconizam resignadamenteque não há esperança fora da integraçãoagroindustrial produtivista. De fato, quando sepercorre muitas dessas regiões é que se percebea capacidade de inovação e a criatividade dosagricultores em desenvolver alternativas socio-técnicas, Ploeg et al. (2000b) identifica aí a “capa-cidade de manobra” dos agricultores. Nessecaso, a ação do poder público viria para se somaraos esforços e iniciativas já existentes que pode-riam incrementar formas de agregação de valoraos produtos, como de redução dos custos detransação, dadas as distâncias e as dificuldadesde acesso aos mercados.

Pelas razões expostas, acredita-se que hájustificativas consistentes e realistas para que oEstado passe a considerar a pluriatividade comouma dimensão a ser valorizada e estimuladapelas políticas de desenvolvimento rural. NoBrasil, essa expectativa torna-se ainda maisrelevante à medida que se pretende que aagricultura familiar possa vir a ser um dos atores-chave desse processo. Se assim o for, o apoio àpluriatividade pode ser encarado como meio deresgatar as características intrínsecas dos agricul-tores familiares, que historicamente sempreforam pluriocupados e tinham pluriformas (oumúltiplas formas) de rendimentos. A especiali-zação e a monoatividade, criadas e estimuladaspela modernização agrícola, constituem-se emum acidente de percurso, para o qual existematalhos e vias alternativas.

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Sugestões de políticas de apoio àpluriatividade no Brasil

No Brasil, o grande desafio colocado paraos estudiosos e agentes interessados em difundira pluriatividade está em descobrir o modo decompatibilizar as estratégias e iniciativas dosindivíduos e das famílias com instrumentos emecanismos que sejam adequados e pertinentesà sua realidade local. Estimular as atividades nãoagrícolas e a geração de novas ocupações nomeio rural requer, portanto, antes de tudo,descobrir as características e a dinâmica local eterritorial da agricultura familiar.

É equívoco partir do pressuposto de quehá um modelo ou uma receita que pode transfor-mar agricultores familiares monoativos empluriativos e que esse processo seja homogêneoem todos os contextos e situações empíricas.Conforme destacado anteriormente, as experiên-cias bem sucedidas de desenvolvimento dapluriatividade no Brasil, mormente aquelaslocalizadas nos estados meridionais da Federação,alcançaram essa condição sem a intervenção daspolíticas públicas. Mais do que isso, o que osestudos realizados mostram é que a contribuiçãodecisiva para tornar pluriativas as famílias advémjustamente das dinâmicas não agrícolas, especial-mente do mercado de trabalho.

Portanto, o estímulo à pluriatividaderequer a elaboração de propostas de políticaspúblicas que sejam capazes de desenvolvê-lanaquelas situações em que ela não existe. Comisso, o que se pretende é chamar a atenção parao fato de que o aparecimento da pluriatividade,de modo geral, ocorre nas circunstâncias em quehá uma articulação entre os interesses e ascapacidades dos agricultores com as condiçõesfavoráveis do ambiente social e econômico emque se situam. Portanto, ao se pretenderestimular a pluriatividade, parece prudenteutilizar como referência a idéia de que, de umlado, o apoio às iniciativas deve privilegiarinstrumentos direcionados para as famílias e osindivíduos, mas, de outro, é fundamental investir

na alteração do contexto ou do ambiente emque esses agricultores se encontram, promoven-do melhorias nas condições exógenas para quea pluriatividade possa emergir.

Assim, pretende-se alertar para trêsaspectos fundamentais que serão decisivos parao sucesso de uma eventual política pública quetenha o estímulo à pluriatividade como alvoprincipal.

1. Há que se considerar a pluriatividade comouma estratégia individual dos membros queconstituem a unidade doméstica. As variáveise os fatores causais que tornam uma famíliapluriativa são diversos, começando pelonúmero de membros, idade média da família,condição socioeconômica, além de outros.

2. É preciso entender que a pluriatividade e abusca de atividades não agrícolas comocomplementos de renda e inserção ocupacio-nal funcionam como um recurso ou estratégiada família que opta por acionar ou não essemecanismo para garantir sua reproduçãosocial. Portanto, nem todas as famílias podemdesejar tornar-se pluriativas.

3. A pluriatividade é também uma característicade determinados territórios rurais. A maiorou menor predisposição para esse tipo deiniciativas dependerá da evolução histórica,do contexto socioeconômico local, dos siste-mas produtivos hegemônicos, das condiçõesde acesso aos mercados, da infra-estruturadisponível, etc. Portanto, trata-se de umatributo territorial.

Também há que se mencionar que apluriatividade não carrega um sentido positivoimplícito, conforme salientado por Nascimento(2005). Ou seja, entendida como uma faceta dastransformações sociológicas que afetam o mundodo trabalho contemporâneo, a pluriatividadetambém pode acarretar a precarização dasformas de trabalho e ocupação, especialmentepor meio da subcontratação e da prestação deserviços para terceiros. Além disso, vale observarque muitas das atividades não agrícolas que estãosurgindo nos espaços rurais e usando as assim

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chamadas “amenidades” também podem terconseqüências e impactos ambientais, sobretudonaquelas situações em que há riscos para abiodiversidade e as paisagens, (LAVILLE;PERRET, 1995).

Uma última observação refere-se ànecessidade de criar mecanismos para estimularatividades não agrícolas na perspectiva dofortalecimento da agricultura familiar pluriativa.Não há uma relação mecânica entre o estímuloàs atividades não agrícolas e a pluriatividade daagricultura familiar. Mas os estudos e pesquisassobre como as políticas para a agricultura familiarpoderiam estimular atividades não agrícolas e apluriatividade ainda são frágeis, insuficientes eprecisam avançar. Não se sabe, por exemplo,se o estímulo às agroindústrias familiaresincrementa a pluriatividade nas famílias ousimplesmente gera empregos não-agrícolas nomeio rural.

Por fim, a discussão acerca das formas deestimular o desenvolvimento da pluriatividadeno contexto brasileiro leva a apresentar algumassugestões práticas, que não têm a pretensão defuncionar como receitas, mas apenas comoindicações do que poderia ser feito para avançarnessa direção11.

Primeira – O estímulo à pluriatividade pormeio das políticas públicas demanda um amploprocesso de capacitação e esclarecimento dosformuladores e gestores de políticas, técnicosde campo, extensionistas e demais recursoshumanos envolvidos nas diferentes etapas dasações de governo. Antes de mais nada, é precisoremover o viés agrícola e monoativo para o qualforam formados e treinados os mediadores queaprenderam, desde a universidade, em geral noscursos de agronomia, que o sucesso de umagricultor se mede pela sua capacidade de gerirsua propriedade com tecnologias adequadas aoscultivos e criações de que dispõem. Esse viésse expressa sobretudo entre os mediadores queoperam programas de crédito (Pronaf, Proger,

etc) que se destinam, na maioria das vezes, aoestímulo à produção. Convencer os técnicos,agentes e operadores de que a palavra de ordemnão é mais a especialização agrícola (muitasvezes erroneamente confundida com profissio-nalização), mas a diversificação demandará umprocesso de aprendizagem de grande enverga-dura.

Segunda – Uma contribuição decisiva àampliação da pluriatividade no meio rural podeser aportada pelos programas de qualificação erequalificação profissional da população rural,especialmente os jovens que se encontramsubocupados no interior da propriedade ou quepretendem sair por interesse próprio. A capaci-tação formal da população rural no Brasil éprecária e restrita aos programas de treinamentodo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural(Senar), a ações isoladas de algumas ONGs e,esporadicamente, a algum programa do movi-mento sindical (a exemplo do projeto TerraSolidária). Embora importantes, esses programassão largamente insuficientes e não tem capacidadede atingir o conjunto dos agricultores. Alémdisso, são iniciativas fortemente orientadas porum viés agrícola, razão pela qual os conteúdosmais difundidos se referem a inovações tecnoló-gicas, manejo de insumos e técnicas de gestãodas propriedades. Valeria a pena proceder a umaampla e consistente avaliação dos recursos queatualmente são gastos nos programas de capaci-tação de mão-de-obra rural no âmbito do governofederal e encaminhar seu redirecionamento.O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)poderia ser uma fonte de recursos e contemplariniciativas nesse sentido, tal como ocorre nasáreas urbanas do País.

Terceira – Incrementar políticas de habita-ção no meio rural. Embora estejam em andamentopolíticas no Ministério das Cidades – ProgramaSocial de Habitação (PSH), no Ministério doDesenvolvimento Social (construção de 1 milhãode cisternas) e em outras esferas governamentais

11 Parte das sugestões aqui apresentadas pode ser encontrada também em outros trabalhos referenciais sobre o tema das políticas públicas e da pluriatividade. Ver,entre outros, Reardon et al. (1998, 2001), Graziano da Silva (1999), Cepal (2000), Berdegué et al. (2001a), Echeverria (2001).

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estaduais, como o Programa de Vilas Rurais noParaná e o RS-Rural no Rio Grande do Sul, amaioria dessas iniciativas de financiamento econstrução de moradias rurais está desvinculadadas políticas de geração de emprego e renda.Não raro, como no caso do Paraná, as pessoasconseguem uma casa para moradia, mas acabamabandonando-a por causa da inexistência deemprego ou de ocupação nas imediações daresidência que possa viabilizar trabalho e renda(até para que possam pagar os financiamentos).Portanto, há que se estimular a articulação daspolíticas para o meio rural, como o financiamentoà habitação, com ações de geração de empregoem atividades não agrícolas e estímulo à pluriati-vidade das famílias que possam se estabelecer.

Quarta – O debate sobre os mecanismosde estímulo à pluriatividade leva à discussãosobre os critérios de classificação do público-alvoda principal política pública para a agriculturafamiliar no Brasil, que é o Pronaf. Os entravesdesse programa ao estímulo da pluriatividadetem a ver com os critérios de acesso aos recursos,que ainda prevêem que parcela significativa darenda das unidades seja oriunda exclusivamentede atividades agrícolas, especialmente nosgrupos D e E. Além disso, a formatação atual doprograma ainda não oferece condições apropria-das ao estímulo da pluriatividade, fundamental-mente porque os apoios praticamente serestringem à concessão de créditos (exemplo doPronaf, agroindústria e turismo rural). Malgradoos avanços nos anos recentes, ainda não foramdesenvolvidas ações mais abrangentes decapacitação e esclarecimento aos extensionistasrurais. Outro exemplo refere-se à linha decrédito para investimento, em que a amplaparcela dos recursos e contratos é destinada àsatividades agrícolas, notadamente a máquinas eequipamentos que induzem o agricultor a ”fazermais do mesmo”. Desse modo, não obstante suaindiscutível contribuição para a agriculturafamiliar no Brasil, o Pronaf ainda não combina

instrumentos de estímulo às atividades agrícolascom outros que fortaleçam e permitam a expan-são das atividades não agrícolas e a pluriativi-dade das famílias de agricultores12.

Quinta – Será necessário promover umprocesso de concertação ou alterar a governançados diferentes níveis de governo, no caso entreministérios e outros poderes, que começa nolocal (prefeituras) e passa pelo regional(governos estaduais) até chegar ao nacional(federal). O principal problema são os entravesburocráticos decorrentes da sobreposição deexigências, normas e instâncias legais. É o caso,por exemplo, das legislações ambiental,sanitária, tributária e de uso do solo, entre outras,que acabam burocratizando e tornandodesestimulantes iniciativas privadas que promo-vam a geração de novas atividades no meio rural,quando não há flagrante oposição entre asnormatizações locais em relação às demaisesferas. A geração de atividades não agrícolasligadas às pequenas agroindústrias ou àsatividades de turismo rural sofre claramente comesse tipo de restrição. Essa complementaridadeou articulação de políticas também está ausenteou ainda é pouco evidente em programasfederais como os de políticas que pretendemestimular as formas de economia solidária e osde políticas de organização da produção naagricultura familiar, ainda muito incipientes efragmentadas.

Sexta – Criar mecanismos que permitamintroduzir a noção de escala nas políticaspúblicas para que se possa valorizar iniciativasdistintas segundo as características locais,regionais ou nacionais. Ou seja, o estímulo aosmecanismos de desenvolvimento da pluriativi-dade não poderá ser elaborado do mesmo modoem regiões pobres e naquelas que já são maisricas. Portanto, constitui-se um desafio diferenciaros instrumentos de ação governamental segundoas características dos territórios e, sobretudo, dostipos de agricultores familiares. Isso exigirá

12 Vale chamar a atenção para a necessidade de reflexão sobre o destino do Pronaf e suas possíveis alterações. Primeiro, a crítica a seu viés de suporte à políticade crédito agrícola não lhe retira os méritos. Segundo, talvez se deva refletir sobre a necessidade de elaboração de outro tipo de política pública que possaestimular a pluriatividade de forma mais abrangente.

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estudos e diagnósticos mais aprofundados parapermitir que o conjunto de iniciativas sejadiferenciado de acordo com as especificidadese as vantagens intrínsecas de cada território.Assim, pode-se afirmar que serão desafioscompletamente distintos estimular a pluriativi-dade nestes locais: no Semi-Árido do Nordestebrasileiro, nas regiões onde predomina umaagricultura familiar integrada ao sistema agroin-dustrial do Sul do Brasil (oeste catarinense,sudoeste do Paraná, etc), nas áreas em que jáexiste uma articulação entre a agricultura e osmercados de trabalho não agrícolas (SerraGaúcha, Vale do Itajaí, etc) ou nas áreas próximasao litoral. Nesse sentido, abre-se uma agendade discussões e reflexões sobre como integrarou estimular as políticas de desenvolvimento dosterritórios – como as da Secretaria de Desenvolvi-mento Territorial (SDT/MDA) e de ordenamentoterritorial do Ministério da Integração Nacional– e a valorização da pluriatividade como meca-nismos de geração de emprego e renda.

Sétima – Destaca-se um conjunto deiniciativas dos governos federal e estadual quedeveriam se concentrar no fornecimento de infra-estrutura, como estradas e meios de comuni-cação, que ainda são ausentes ou precários emmuitos contextos que revelam potencial para odesenvolvimento das atividades não agrícolas.Os investimentos públicos em infra-estruturapoderiam levar em consideração as possibili-dades de geração de emprego e o fornecimentode melhorias para que as iniciativas empreende-doras locais possam florescer. Conformemencionado, os processos de diversificaçãoeconômica são muito permeáveis às condiçõeslocais, notadamente os custos de transação dasoperações, que podem retardar em muito acompetitividade regional.

Oitava – Iniciativas no âmbito da políticade assentamentos e de reforma agrária quepoderiam criar mecanismos de financiamento àcapacitação e à instalação de empreendimentose atividades não agrícolas nas áreas reformadas.Nesse caso, a primeira ação seria remover osentraves formais e legais que dificultam a prática

das atividades não agrícolas pelos assentados deáreas reformadas. A Norma de Execução nº 45de agosto de 2005 do Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária (Incra) quedispõe sobre a seleção dos candidatos aoPrograma Nacional de Reforma Agrária, em seuArtigo 6º, parágrafo segundo, prevê que nãopoderá ser beneficiário ”o agricultor (a) cujoconjunto familiar auferir renda proveniente deatividade não agrícola superior a três (3) saláriosmínimos”. Muitos assentamentos, especialmenteaqueles localizados nas imediações urbanas,poderiam desenvolver várias formas de pluriati-vidade e garantir acesso a rendas complemen-tares para os beneficiários. De acordo com asparticularidades de cada assentamento, os órgãosque conduzem a política de reforma agrária,notadamente o Incra e as empresas estaduais deassistência técnica e extensão rural, poderiamestimular a criação de empreendimentos quegerassem ocupações não agrícolas, que vãodesde a transformação e processamento daprodução agrícola até a organização de outrasiniciativas relacionadas a atividades industriaisou mesmo de prestação de serviços.

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Ano XVI – Nº 3 – Jul./Ago./Set. 2007 34

Resumo: As flutuações cíclicas e/ou sazonais dos preços dos produtos agrícolas provocaminstabilidade, tanto na renda do produtor como nas despesas dos consumidores urbanos. Oconhecimento do padrão de flutuação sazonal ou volatilidade desses preços ajuda na implementaçãode políticas voltadas para produção agrícola direcionada para agroenergia. Esse estudo usa a classede modelos de heterocedasticidade condicional auto-regressiva (ARCH e GARCH e suas extensões,TARCH e EGARCH), para caracterizar e analisar a volatilidade das séries de retornos mensais dasoja, da mamona e da cana-de-açúcar. A análise empírica da volatilidade mostra que esses produtossão marcados por acentuadas flutuações de preços, em que choques positivos ou negativos geramimpactos com período de longa duração. O somatório dos coeficientes de reação e persistência davolatilidade mostrou valores próximos de um, indicando que os choques na volatilidade irão perdurarpor algum tempo.

Palavras-chave: agroenergia, volatilidade de preços, produtos agrícolas, Brasil.

Agroenergy: the question of the prices of volatilityand the alavarage effect of the agricultural products

Abstract: The cyclical flotation’s and/or season of the prices of the agricultural products generateinstability, so much in the income of the producer as in the urban consumers’ expenses. Theknowledge of the pattern of seasonal flotation or volatility of these prices help in the implementationof politics gone back to agricultural production addressed for agroenergy. This position, the class ofmodels of autoregressive conditional heteroskedasticity is used (ARCH and GARCH and theirextensions, TARCH and EGARCH), to characterize and to analyze the volatility of the series ofmonthly returns of the soy, castor oil plant and sugar cane. The empiric analysis of the volatilityshows that these products are marked by having accentuated flotation’s of prices, in that shockspositive or negative generate impacts with long period of duration. The sum of the reactioncoefficients and persistence of the volatility showed close values of one, indicating that the shocksin the volatility will last long for some time.

Key words: agroenergy, prices volatility, agricultural products, Brazil.

AgroenergiaA questão da volatilidadede preços e o efeitoalavancagem dos produtosagrícolas

Kilmer Coelho Campos1

Carlos Alberto Piacenti2

Aziz Galvão da Silva Junior3

1 Administrador, Doutorando em Economia Aplicada/UFV, [email protected] Economista, Doutorando em Economia Aplicada (UFV), Professor Unioeste/Toledo e Pesquisador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Agronegócio e

Desenvolvimento Regional (Gepec), [email protected] Engenheiro agrônomo, PhD, Professor do Departamento de Economia Rural da UFV, [email protected]

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Introdução

No Brasil, atualmente, o agronegócio é osetor mais importante, uma vez que essaatividade representa pouco menos de um terçodo PIB nacional, reúne mais de um terço denossas empresas e significa mais de 80 % dosaldo da Balança Comercial. O Brasil é um doslíderes mundiais na produção e exportação devários produtos agropecuários e o primeiroprodutor e exportador de café, açúcar, álcool esucos de frutas. Além disso, lidera o ranking dasvendas externas de soja, carne bovina, carne defrango, tabaco, couro e calçados de couro.As projeções indicam que em pouco tempo oPaís também será o principal pólo mundial deprodução de algodão e de biocombustíveis, feitosa partir de cana-de-açúcar e de óleos vegetais.

Segundo Rodrigues (2007), a bola da vezé a agroenergia, na qual o Brasil vem assumindopapel de destaque, pois dispõe atualmente de 6milhões de hectares plantados com cana-de-açúcar e de mais 22 milhões de hectares prontospara serem explorados com uma tecnologiacapaz de produzir a mais barata matéria-primapara gerar etanol. No Brasil, há 62 milhões dehectares cultivados com produtos agrícolas, dosquais, 6 milhões estão reservados para a cana-de-açúcar. Tem-se uma expectativa de demandanacional de etanol para os próximos 10 anos, de10 a 12 bilhões de litros a mais, que se somariamaos atuais 14 bilhões de litros consumidosatualmente. Tal acréscimo representará cerca de1,8 milhão de hectares a mais para cultivo decana-de-açúcar.

O século 21 define as bases de uma novacivilização que apresenta como ponte de ligaçãoa biomassa e a agroindústria, na qual o Brasildetém uma extraordinária experiência e posiçãode destaque no cenário internacional debiocombustíveis, devido ao seu potencial deprodução e ao sucesso alcançado com oProálcool, que já completou mais de 30 anos, eagora avançando com o biodiesel (RODRIGUES,2007).

Daí, recentes discussões sobre biodieselno Brasil têm priorizado as oleaginosas(mamona, girassol, soja, palma, algodão, pinhão-manso, canola, entre outras) que venham a gerarmaior emprego de mão-de-obra e que possamestar incluindo regiões que estão à margem doprocesso de desenvolvimento econômico.Nesse contexto, destaca-se a Região Nordestecomo potencial produtora de biodiesel demamona, já que essa cultura apresenta grandeadaptabilidade ao clima semi-árido, com produ-tividade de 1.500 kg/ha, 47 % de teor de óleovegetal e produção em torno de 705 kg/ha,propiciando a inclusão de renda para pequenosagricultores desprovidos de alternativas rentáveis.

Outra importante cultura representa a soja,pois, em termos mundiais, é uma commodityde grande importância, responsável pelosuprimento de um quarto da produção mundialde óleos vegetais e por mais da metade daprodução de farelo de soja. O sucesso da culturada soja é um dos principais exemplos dosresultados positivos alcançados pelo agronegóciobrasileiro. Essa cultura tornou-se o motor daeconomia de várias regiões e tem sido uma dasresponsáveis pela expansão da receita cambialdo País. Em 2002, o complexo soja representou6 % do produto interno bruto (PIB) e empregouaproximadamente 5,5 milhões de pessoas.Em 2005–2006, o complexo soja foi responsávelpor 21 % de tudo que foi exportado peloagronegócio.

Assim, o cultivo de oleaginosas para aprodução de biodiesel constitui uma alternativaimportante para a erradicação da miséria no País,pela possibilidade de ocupação de enormescontingentes de pessoas. A tamanha extensãodo território brasileiro e o padrão tecnológicodas atividades rurais também contribuem paraaumentar os índices de produtividade dessasculturas.

Segundo Ponchio (2004), apesar do enormepotencial agroenergético, o Brasil possui váriosgargalos a serem solucionados, Entre eles,podem-se citar cadeias produtivas de oleaginosasdesorganizadas, em função dos volumes de

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produção oscilantes ao longo do tempo acom-panhando a oscilação de preços, por causa dasflutuações da demanda externa e à inconstantepolítica pública de incentivos.

Então, um melhor desempenho competi-tivo pode ser resultado da competitividade depreços, explicada, primeiramente, pela opçãodos importadores escolherem diferentesexportadores de produtos e serviços, ou seja, osimportadores tendem a substituir o consumo debens, cujos preços se elevaram, pelo consumodaqueles que apresentaram redução de preço,em termos relativos (ORANJE, 2003).

Portanto, a análise de preços é um dosprincipais instrumentos para planejamento eavaliação de atividades agropecuárias, servindocomo fator decisivo na escolha das oportunida-des empresariais. A formação do preço, comoelemento controlador do mecanismo de troca,reveste-se de singular importância para ogoverno na formulação e na aplicação depolíticas eficientemente direcionadas para osetor agropecuário. A geração e a adoção detecnologia por parte do produtor têm comoincentivo a rentabilidade esperada, sendo asrelações de preço dos insumos e a análise depreço do produto elementos básicos na tomadade decisões.

As flutuações cíclicas e/ou sazonais dospreços dos produtos agrícolas provocam instabili-dade, tanto na renda do produtor como nasdespesas dos consumidores urbanos. Essa insta-bilidade pode provocar desestímulos de produçãoem períodos de baixa dos preços ou excesso deprodução em períodos de preços muito elevados.Assim, é necessário o conhecimento do padrãode flutuação sazonal ou volatilidade dessespreços, para que possam ser implementadaspolíticas de estabilização dos preços dos produ-tos agrícolas ao longo do ano.

Segundo Rodrigues (2001), a análise docomportamento de séries históricas de preços éde fundamental importância dentro daeconomia, visto que praticamente todas as fasesdas relações econômicas estão diretamente

relacionadas aos preços. A análise dos preçosagropecuários se configura como ponto deinteresse geral, dada a ampla gama de inter-relações com outros setores de atividade eagentes econômicos, principalmente em umaeconomia com vocação agropecuária como a doBrasil, em que as atividades ligadas ao agrone-gócio são responsáveis por aproximadamente32% do PIB nacional.

Logo, a oscilação na renda de produtorese investidores – proveniente de flutuações nospreços – se configura como um problema cujascaracterísticas e causas devem ser amplamentepesquisadas, em vista da importância dacommodity no agronegócio nacional e dasperdas que essas flutuações podem provocartanto em termos de lucratividade para o setorquanto em termos de empregos e divisas para oBrasil.

Neste artigo, usa-se a classe de modelosde heterocedasticidade condicional auto-regressiva (ARCH/GARCH e suas extensões,como TARCH e EGARCH), para caracterizar eanalisar a volatilidade das séries de retornosmensais da soja, da mamona e da cana-de-açúcar. Assim, pretende-se fornecer subsídiospara o delineamento de estratégias adequadaspara o gerenciamento do risco de variações nospreços (retornos) desses produtos agroenergé-ticos.

Referencial analíticoAnalisando-se séries temporais, podem-se

usar dois enfoques básicos em que o objetivo éconstruir modelos para as séries com propósitosdeterminados. O primeiro enfoque aborda aanálise no domínio temporal com modelosparamétricos propostos e o segundo já exploraa análise baseada no domínio de freqüências, eos modelos propostos são modelos não-paramétricos.

A partir de uma série temporal observadaem intervalos de tempo, podem-se investigar omecanismo gerador da série temporal, fazerprevisões de valores futuros da série, descrever

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apenas o comportamento dessa série e procurarperiodicidades relevantes dos dados.

Os procedimentos de previsão de sériestemporais indicam que séries, principalmentefinanceiras, como preços de ações, taxas de infla-ção, taxas de câmbio, entre outras, apresentamvalores que oscilam consideravelmente de umperíodo para outro. Observou-se que os errosde previsão são relativamente pequenos paraalguns períodos e relativamente grandes paraoutros. Tal variabilidade pode ser explicada pelavolatilidade no mercado financeiro em decorrên-cia de mudanças nas políticas monetária e fiscaldo governo, mudanças nas relações internacio-nais de comercialização de produtos, etc. Issoprova que a variância dos erros de previsão nãoé constante, mas varia de um período para outro,ou seja, há uma espécie de auto-correlação navariância dos erros de previsão (GUJARATI,2000).

Supondo-se que o comportamento doserros de previsão depende do comportamentodas perturbações da regressão, pode-se apresen-tar uma justificativa para a auto-correlação navariância das perturbações. Assim, para capturaressa correlação, Engle desenvolveu o modeloauto-regressivo de heterocedasticidade condicio-nal (ARCH).

Os modelos ARCH, ou modelos auto-regressivos, com heterocedasticidade condicio-nal, foram introduzidos por Engle (1982), paraestimar a variância da inflação. A idéia básica éque o retorno Yt é não-correlacionado serial-mente, mas a volatilidade (variância condicional)depende de retornos passados por meio de umafunção quadrática (MORETTIN; TOLOI, 2004).

A idéia principal do modelo ARCH é ofato de que a variância de “ ” no período detempo t depende do tamanho do quadrado dotermo de erro no período t-1, ou seja, dependede 2

t-1. O termo de erro

t, condicionado à

informação disponível no período (t-1) seriadistribuído conforme notação abaixo:

t ~ N[0, ( 0 + 1 2

t-1)].

Logo, a variância de “ ” no período tdependerá de um termo constante mais oquadrado do erro no período t-1. Esse seria ochamado processo ARCH (1), que pode sergeneralizado para “r” defasagens de 2.As restrições paramétricas 0 > 0, i > 0 paratodo i = 2...p e

i < 1 são necessárias para

assegurar que a variância condicional sejapositiva e fracamente estacionária. As inovações,representadas por t, são não correlacionadasserialmente e não estocasticamente independen-tes, haja vista que são relacionadas em seussegundos momentos (LAMOUNIER, 2001).

Um modelo ARCH (r) pode ser definidopor:

Yt =

0 +

1X

1t + ... +

k X

kt +

t ,

Var (t) = 2

t =

0 +

12

t-1 +

2 2

t-2 + ... +

r 2

t-r ,

em que (t) é uma seqüência de variáveis

aleatórias independentes e identicamentedistribuídas (i.i.d.) com média zero e variânciaunitária,

0 > 0,

i 0, i > 0. Na prática, supõe-

se usualmente t ~ N (0,1) ou t ~ tv (t deStudent com v graus de liberdade).

O modelo proposto por Engle (1982) podeser descrito em termos da distribuição dos errosde um modelo auto-regressivo linear dinâmico.Dado que Pt é o preço de um ativo no instante t,então a variação de preços entre os instantest-1 e t é dada por “Pt= Pt – Pt-1. Denotandopt = log Pt (sendo o logaritmo na base e), define-se o retorno composto continuamente ou log-retorno por rt = log (Pt) – log (Pt-1), ou seja, toma-se o logaritmo dos preços e depois a primeiradiferença.

As séries econômicas e financeiras apre-sentam características comuns às demais sériestemporais, como tendências, sazonalidade,pontos influentes (atípicos), heterocedasticidadecondicional e não-linearidade. Já os retornosfinanceiros apresentam características quemuitas séries não possuem, como por exemplo,os retornos raramente mostram tendências ou

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sazonalidades, com exceção eventual deretornos intradiários (MORETTIN; TOLOI, 2004).

De acordo com os autores acima, geral-mente os retornos não são autocorrelacionados;os quadrados dos retornos são autocorrelacio-nados, mostrando uma correlação de defasagempequena e depois uma queda lenta das demaiscorrelações; as séries de retornos retratamagrupamentos de volatilidades ao longo dotempo; a distribuição (incondicional) dos retornosapresenta caudas mais pesadas e com maisobservações do que o normal nos extremos dascaudas do que numa distribuição normal; ealgumas séries de retornos são não-lineares.

Segundo Bollerslev (1986), uma genera-lização do modelo ARCH pode ampliar oconjunto de informações apresentado pela sérietemporal e obter uma formulação mais parcimo-niosa, para apresentar menos parâmetros do queum modelo auto-regressivo (AR)ou MovingAverage (MA) puro. (Autor, por favor coloquenas referências os autores “donos” dessesmodelos) Portanto, o modelo GARCH para avariância condicional pode ser usado paradescrever a volatilidade com menos parâmetrosdo que um modelo ARCH.

Segundo Lamounier (2001), para o modeloGARCH de ordem (1,1), tem-se que a variânciados erros de um modelo, econométrico ou deséries temporais, no período t, dependerá de trêstermos, ou seja, de um termo médio ouconstante ; de inovações (choques) acerca davolatilidade, que é determinada pelo quadradodos resíduos ( 2

t-1) do período t-1, representado

pelo termo ARCH (informações defasadas davolatilidade); e da revisão da volatilidade feitano último período ( 2

t-1), que é o termo GARCH

(variâncias previstas passadas).

Assim, o modelo GARCH (1,1) pode serrepresentado pela notação abaixo:

Yt = 0 + 1X1t + ... + k Xkt + t ,

Var ( t) = 2t = + 1

2t-1 + 1

2t-1.

No modelo GARCH (r,m), ou seja,modelo auto-regressivo com heterocedastici-dade condicional generalizada, tem-se “r”representado pela ordem do componente ARCHe “m” pela ordem do componente GARCH,sendo generalizado e representado por:

2t = + 1

2t-1 + 2

2t-2 + ... + r

2t-r + 1

2t-1 +

22t-2 +...+ m

2t-m.

Bollerslev et al. (1994) colocam que aespecificação mais robusta verificada nasaplicações é a do modelo GARCH (1,1), poisesta classe do modelo apresenta poucas restri-ções nos parâmetros. As condições impostas paraa variância do processo ser positiva e fracamenteestacionária são , 1 > 0; 1 > 0 e 1 + 1 < 1.A partir dessas implicações, pode-se afirmar quea persistência de choques na volatilidade da sériede retornos é medida pela soma de

1 e

1.

Então, o somatório dos coeficientes queapresente valores baixos (próximos de zero)indica que um choque inicial sobre a volatilidadeirá provocar efeitos rápidos sobre o comporta-mento das séries e que, após curto período detempo, a variância da série deverá convergir asua média histórica. Entretanto, quanto maior(mais próximo de um) for o valor do coeficientede persistência, mais vagarosamente o choquesobre a volatilidade irá se dissipar e maior seráa demora do processo de reversão à média paraa variância. Se o valor do coeficiente de persis-tência for maior ou igual a 1, os choques navolatilidade irão perdurar por um períodoextremamente longo na série. Tendo-se essasconsiderações como base , diz-se que a variânciacondicional de “ t” possui raiz unitária e a variân-cia permanecerá elevada, não apresentandoreversão a sua média histórica. Contudo, isso nãoimplica que a série de resíduos “

t” não seja

estacionária, mas que a variância incondicionalde “ t” não será (LAMOUNIER, 2001).

Para os modelos GARCH, observam-se asmesmas vantagens e desvantagens dos modelosARCH. Assim, volatilidades altas são precedidasde retornos ou volatilidades grandes, observando-se grupos de volatilidades presentes em séries

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financeiras. A identificação da ordem de ummodelo GARCH a ser ajustado para uma série éusualmente difícil. Portanto, devem-se usarmodelos de ordem baixa e escolher aquelemelhor, com base em critérios, como o AkaikeInformation Criterin (AIC) ou Bayesian Informa-tion Criterin (BIC), de acordo com valoresassumidos pela assimetria e curtose, valores dalog-verossimilhança e de alguma função perda(MORETTIN; TOLOI, 2004).

Na análise do comportamento da variânciacondicional de séries de preços, observa-se ocomportamento assimétrico da volatilidade emrelação a choques positivos e negativos no com-portamento das séries. Constata-se que choquesnegativos nos preços levam a um maior cresci-mento na volatilidade do que choques positivos,ou seja, choques (inovações) positivos tendema ter impactos menos expressivos sobre avolatilidade das séries do que choques negativosda mesma magnitude (LAMOUNIER, 2001).

A variância condicional assimétrica podeser representada formalmente pela seguintevariação do modelo GARCH (1,1), conhecidacomo modelo TARCH (1,1) (ThresholdAutoregressive Conditional Heteroskedasticity)e representada matematicamente por:

Var ( t) = 2t = + 1

2t-1 + 1

2t-1 + 1d t-1

2t-1,

em que a variável binária assume o valor d t-1 =1, se t-1 < 0, e dt-1 = 0, se t-1 > 0. Assim,choques positivos ( t-1 > 0) e choques negativos( t-1 < 0) terão diferentes efeitos na variânciacondicional, ou seja, choques positivos terãoimpacto dado por e choques negativos terãoimpacto dado por 1 + 1. Se o coeficiente 1 forsignificativamente diferente de zero, diz-se quea variância condicional é assimétrica. Logo, para

1 < 0 indica que um choque positivo implicamenor volatilidade do que um choque negativode mesma magnitude. Se 1 > 0, há evidênciasdo efeito alavancagem, ou seja, períodos dequedas nos preços são freqüentemente seguidospor períodos de intensa volatilidade, enquanto,em períodos de alta nos preços, a volatilidadenão é tão intensa.

A especificação do modelo TARCHgeneralizado, TARCH (r, m), é dada pelaseguinte expressão:

2t = + 1

2t-1 + 2

2t-2 + ... + r

2t-r +

1d t-1 2t-1 + 1

2t-1 + 2

2t-2 +...+ m

2t-m.

No modelo proposto por Nelson (1991),denominado EGARCH (p, q) (ExponentialGARCH), o efeito de choques é exponencial enão quadrático. A especificação da variânciacondicional para o modelo EGARCH (1,1) podeser formalizada por:

em que a persistência de choques na volatilidadeé medida pelo parâmetro

1. Quando

1 = 0,

não há assimetria na volatilidade (efeito daassimetria). Quando 1 0, há um impactodiferenciado de choques negativos e positivosna volatilidade, e para 1 < 0, constata-se o efeitoalavancagem.

A estimação dos parâmetros dos modeloscitados anteriormente é feita pelo método demáxima verossimilhança condicional apósadotar-se uma distribuição paramétrica para asinovações. A função de máxima verossimi-lhança é maximizada por métodos numéricos,sujeita às restrições de negatividade necessárias.

Neste trabalho, usou-se o método deMarquardt (1963). Para identificar a presença deheterocedasticidade condicional auto-regressiva,aplicou-se o teste do tipo multiplicador deLagrange, proposto por Engle (1982), com aestatística de teste possuindo distribuição qui-quadrado. Logo, compara-se o valor calculadocom o valor tabelado, para se testar a hipótesenula de não evidência de heterocedasticidadecondicional.

Fonte dos dadosUsaram-se dados secundários correspon-

dente às séries de preços médios mensaisrecebidos pelos produtores brasileiros. As sériesabrangem o período de janeiro de 1967 a julho

t - 1 t - 1ln ( 2

t ) = + 1 ln( 2t-1) + 1 + 1 ,

t-1 t-1

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de 2006 dos preços de soja (R$/60 kg), mamona(R$/60 kg) e cana-de-açúcar (R$/t), perfazendoum total de 475 observações para cada produtoagrícola. Os dados foram obtidos da FundaçãoGetúlio Vargas (FGV, 2007 ), sendo a série depreços dos produtos convertida para valoresatualizados. No caso da cultura cana-de-açúcar,usou-se a série de preços recebidos pelos produ-tores em São Paulo e, para as demais culturas,trabalhou-se com séries de preços do Brasil.

O software usado para se estimar aregressão dos dados e dos modelos de análisefoi EVIEWS 5.0, da Quantitative Micro Software.

Resultados e discussãoAs Fig. 1, 2 e 3 ilustram o comportamento

das séries de preços e retornos da soja, damamona e da cana-de-açúcar.

A Tabela 1 mostra algumas estatísticasdescritivas básicas para os retornos dos produtosagrícolas. O teste Jarque-Bera de normalidade éum teste assintótico (grandes amostras) quecalcula a assimetria e a curtose dos resíduos. Suafinalidade é testar a hipótese nula de que aamostra foi extraída de uma distribuição normal,em que o valor da assimetria é 0 (zero) e o valor

da curtose é três. Os resultados do teste mostramque os resíduos não apresentam distribuiçãonormal.

A assimetria retrata a forma de distribuiçãodos dados, apresentando um coeficiente igual a-0,357792 para a soja, ou seja, como a média émaior do que a mediana, tem-se uma assimetriaà direita. A curtose de 9,060826 indica que asérie de retornos apresenta uma distribuiçãoleptocúrtica em relação à distribuição normal,revelando com as outras medidas descritivas –e a representação gráfica do comportamento dospreços e dos retornos ao longo do período deanálise – que a série do produto soja exibe sinaisde heterocedasticidade e de agrupamento devolatilidade.

A Tabela 1 também mostra as estatísticasdescritivas básicas para os retornos da mamonae da cana-de-açúcar. O Teste Jarque-Bera denormalidade, calculado para ambas as culturas,também prova que os resíduos não apresentamdistribuição normal. O coeficiente de assimetriadesses produtos foi diferente de zero, compresença de assimetria à direita ou positiva.A análise da curtose, que é uma medida do picoou do achatamento da distribuição, explica queos dados estão agrupados no centro, com

Fig. 1. Séries de preços e retornos da soja (período 1967–2006).RT = Retornos.

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algumas observações nos extremos das caudas,representando séries de retornos com distri-buição leptocúrtica ou aguda em relação àdistribuição normal. Logo, as séries de mamonae de cana-de-açúcar também exibem sinais deheterocedasticidade e de agrupamento devolatilidade.

O primeiro procedimento foi ajustar ummodelo ARMA (p, q) à série de retornos paraeliminar a correlação serial entre as observações.

Fig. 2. Séries de preços e retornos da mamona (período 1967–2006).RT = Retornos.

Fig. 3. Séries de preços e retornos da cana-de-açúcar (período 1967–2006).RT = Retornos.

Tabela 1. Estatísticas descritivas.

Estatísticas Soja MamonaCana-de-açúcar

Média -0,002775 -0,001347 -0,000965Mediana -0,008981 -0,006308 -0,013638Desvio padrão 0,081614 0,086462 0,081533Assimetria -0,357792 -0,081388 1,290918Curtose 9,060826 8,324347 8,175708Teste Jarque-Bera 735,6021 560,4095 660,7132Probabilidade (JB) 0,000000 0,000000 0,000000

Fonte: resultados da pesquisa (2007).

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Ano XVI – Nº 3 – Jul./Ago./Set. 2007 42

A Tabela 2 apresenta as Funções de Autocor-relações (FAC) e Funções de AutocorrelaçõesParciais (FACP), de forma que uma análise daFAC e da FACP do correlograma dos retornos edos retornos quadráticos indica um modelo auto-regressivo de primeira ordem – AR (1), médiamóvel de primeira ordem – MA (1) – e médiamóvel de segunda ordem – MA (2) – para acultura da soja.

O ajustamento do modelo para a correçãoda correlação foi feito eliminando-se várioscoeficientes não significativos a um nível designificância de 10 %. A análise dos resíduos domodelo corrigido forneceu Q(20) = 27,872 comP-valor igual a 0,112, o que mostra a eliminação

da correlação serial da série de retornos mensaisda soja.

Então, a Tabela 2 apresenta as funções deautocorrelações (FAC) e funções de autocorre-lações parciais (FACP) de todos os produtosagrícolas, de forma que uma análise dessescoeficientes tende a uma indicação de ajusta-mento de modelo AR (1) para a mamona e AR(1) e AR (2) para a cana-de-açúcar. Após oajustamento do modelo, a análise do correlogramados resíduos forneceu Q(17) = 22,594 e Q(11)= 13,717 com P-valor igual a 0,163 e 0,249, oque mostra a eliminação da correlação serial dasérie de retornos mensais da mamona e da cana-de-açúcar.

Tabela 2. Estimativas dos coeficientes de auto-correlação e auto-correlação parcial para retornos e retornosquadráticos.

Retornos – Soja Retornos quadráticos – Soja

K FAC FACP Q-Stat Prob K FAC FACP Q-Stat Prob

1 0,070 0,070 2,3534 0,125 1 0,082 0,082 3,1999 0,0742 0,036 0,031 2,9808 0,225 2 0,009 0,003 3,2422 0,1983 -0,040 -0,045 3,7615 0,288 3 0,031 0,030 3,6915 0,2974 0,004 0,008 3,7675 0,438 4 -0,005 -0,010 3,7015 0,4485 0,043 0,046 4,6661 0,458 5 0,047 0,048 4,7581 0,4466 -0,071 -0,080 7,0965 0,312 6 0,044 0,036 5,7025 0,4577 -0,088 -0,082 10,855 0,145 7 0,014 0,007 5,7924 0,5648 -0,029 -0,008 11,262 0,187 8 0,134 0,130 14,424 0,0719 -0,136 -0,137 20,264 0,016 9 0,036 0,014 15,064 0,08910 0,045 0,057 21,256 0,019 10 0,044 0,039 15,991 0,100

Retornos – Mamona Retornos quadráticos – Mamona

K FAC FACP Q-Stat Prob K FAC FACP Q-Stat Prob

1 0,177 0,177 14,979 0,000 1 0,086 0,086 3,4997 0,0612 0,053 0,023 16,345 0,000 2 0,041 0,034 4,2998 0,1163 0,100 0,090 21,175 0,000 3 0,110 0,104 10,057 0,0184 0,066 0,034 23,297 0,000 4 0,034 0,015 10,602 0,0315 -0,041 -0,067 24,125 0,000 5 0,010 -0,001 10,650 0,059

Retornos – Cana-de-açúcar Retornos quadráticos – Cana-de-açúcar

K FAC FACP Q-Stat Prob K FAC FACP Q-Stat Prob

1 -0,128 -0,128 7,7643 0,005 1 0,080 0,080 3,0549 0,0802 -0,178 -0,197 22,860 0,000 2 0,139 0,133 12,228 0,0023 0,018 -0,036 23,017 0,000 3 0,080 0,062 15,316 0,0024 0,054 0,017 24,421 0,000 4 0,205 0,183 35,529 0,0005 -0,008 0,000 24,453 0,000 5 0,150 0,117 46,359 0,000

k = defasagens; FAC = coeficientes de auto-correlação; FACP = coeficientes de auto-correlação parcial;Q-Stat = teste de significância das autocorrelações; Prob = probabilidade do teste de significância.Fonte: resultados da pesquisa (2007).

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Para confirmar a existência de volatilidadeda série de retorno com padrão ARCH, realizou-se o teste do tipo Multiplicador de Lagrange (LM),proposto por Engler (1982) nos resíduos dosmodelos AR e MA ajustados na regressão dosretornos. A Tabela 3 mostra os p-valores do testee os resultados do teste Multiplicador deLagrange (LM), indicando a presença do efeitoARCH na série de retornos de todos os produtosagrícolas. As estatísticas F e LM rejeitam a hipótesenula de que não há presença do efeito ARCH nasérie de retorno, ou seja, permitem que se anulea presença da homocedasticidade nos resíduosdos retornos.

A Tabela 3 também expõe o p-valor doteste do LM para as respectivas defasagens,

indicando a presença do efeito ARCH nas sériesde retornos. As estatísticas F também rejeitam ahipótese nula de que não há presença do efeitoARCH nas séries de retornos.

Conforme a Tabela 4, o ajustamento dasérie do modelo para a média condicionalidentificou que o melhor modelo para a culturada soja foi um AR (1) para o modelo da classeARCH (1) com os parâmetros estatisticamenterepresentativos em nível de significância de 1%.A posterior análise dos correlogramas dos resí-duos padronizados e dos quadrados dos resíduospadronizados concluiu que não existe heteroce-dasticidade condicional nos resíduos do modeloajustado.

Tabela 3. Teste ARCH de Engler (1982) dos retornos da soja, da mamona e da cana-de-açúcar.

Resíduos/AR (1), MA (1) e Resíduos/AR (1) – Resíduos/ AR (1) e AR (2) –MA (2) – Soja Mamona Cana-de-açúcar

Lag P-Valor Lag P-Valor Lag P-Valor1 0,012504 1 0,000964 1 0,0419075 0,163964 5 0,004997 5 0,00000110 0,055765 10 0,056467 10 0,00002320 0,063278 20 0,566585 20 0,000003

Fonte: resultados da pesquisa (2007).

Tabela 4. Estimação do Modelo ARCH para a série de retornos da soja, da mamona e da cana-de-açúcar.

Método: ML – ARCH (Marquardt) – Distribuição normal

Série de retornos da sojaCoeficiente Erro-padrão Estatística z Probabilidade

AR (1) 0,258091 0,052556 4,910782 0,0000Equação de variância

C 0,004179 0,000222 18,84158 0,0000RESID (-1)^2 0,484314 0,059578 8,129063 0,0000

Série de retornos da mamonaCoeficiente Erro-padrão Estatística z Probabilidade

AR (1) 0,247196 0,055429 4,459686 0,0000Equação de variância

C 0,004714 0,000327 14,43275 0,0000RESID (-1)^2 0,456799 0,063512 7,192322 0,0000

Série de retornos da cana-de-açúcarCoeficiente Erro-padrão Estatística z Probabilidade

AR (2) -0,064021 0,024360 -2,628184 0,0086Equação de variância

C 0,002827 0,000128 22,09716 0,0000RESID (-1)^2 1,119951 0,110640 10,12251 0,0000

Fonte: resultados da pesquisa (2007).

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Já o ajustamento da série do modelo paraa média condicional constatou que os melhoresmodelos para os demais produtos seriam um AR(1) para a mamona e AR (2) para a cana-de-açúcar,dados o modelo da classe ARCH (1) com osparâmetros estatisticamente representativos emnível de significância de 1%.

Em seguida, a análise dos correlogramasdos resíduos padronizados e dos quadrados dosresíduos padronizados conclui que não existeheterocedasticidade condicional nos resíduosdos modelos ajustados.

De acordo com a Tabela 5, a estimaçãodo GARCH (1,1) permitiu captar a dinâmica davolatilidade na série de retorno dos produtos emanálise. As condições observadas para que avariância do processo seja positiva e fracamenteestacionária é que os parâmetros da regressãosejam positivos e maiores que 0 (zero). Assim,na equação de regressão, o segundo parâmetro,representado pelo ARCH, constitui o coeficientede reação da volatilidade e o terceiro parâmetro(GARCH) representa o coeficiente de persistên-cia da volatilidade ou o risco na série de retorno.

A soma dos coeficientes de reação (ARCH)com o coeficiente de persistência da volatilidade(GARCH) define se os riscos persistem na sériede retornos. Portanto, observa-se que o somató-rio dos coeficientes na cultura da soja foi igual a0,902755, indicando elevada persistência dechoques sobre a volatilidade dos retornos da soja.

Logo, um choque que gere um declínioou aumento do preço da soja pode implicarvários períodos de intensa instabilidade ou volati-lidade no mercado de soja, gerando perdasconsideráveis para o setor agrícola e para aeconomia nacional.

Agora, analisando-se as demais culturas,a estimação do GARCH (1,1) também identificoua dinâmica da volatilidade na série de retorno.A soma dos coeficientes de reação (ARCH) como coeficiente de persistência da volatilidade(GARCH) definiu valores da ordem de 0,851552para a mamona e de 0,993029 para a cana-de-açúcar, indicando assim, como no caso da soja,intensa volatilidade dos retornos.

Observa-se que quando as séries apresen-tarem valores próximos de 1, ou seja, o choque

Tabela 5. Estimação do Modelo GARCH (1,1) para a série de retornos da soja, da mamona e da cana-de-açúcar.

Método: ML - ARCH (Marquardt) – Distribuição normal

Série de retornos da sojaCoeficiente Erro-padrão Estatística z Probabilidade

AR (1) 0,308560 0,054823 5,628351 0,0000Equação de variância

C 0,001045 0,000186 5,625582 0,0000RESID (-1)^2 0,343735 0,046595 7,377149 0,0000GARCH (-1) 0,559020 0,052455 10,65705 0,0000

Série de retornos da mamonaCoeficiente Erro-Padrão Estatística z Probabilidade

AR (1) 0,219440 0,056697 3,870368 0,0001Equação de variância

C 0,001293 0,000302 4,278672 0,0000RESID (-1)^2 0,259614 0,065710 3,950917 0,0001GARCH (-1) 0,591938 0,084111 7,037612 0,0000

Série de retornos da cana-de-açúcarCoeficiente Erro-padrão Estatística z Probabilidade

AR (2) -0,147704 0,057040 -2,589493 0,0096Equação de variância

C 5,74E-05 2,33E-05 2,465768 0,0137RESID (-1)^2 0,088749 0,013944 6,364458 0,0000GARCH (-1) 0,904280 0,013625 66,37043 0,0000

Fonte: resultados da pesquisa (2007).

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sobre a volatilidade de preçosirá se dissipar maisvagarosamente e maior será a demora do proces-so de reversão à média para a variância. O menorcoeficiente encontrado foi o da mamona, con-cluindo-se que um choque inicial sobre a volatili-dade irá provocar efeitos mais rápidos sobre ocomportamento da série (menor período de tempo)em comparação às outras culturas analisadas.

O somatório desses dois parâmetros indicaque, se o valor for maior ou próximo de 1, maiorserá o efeito ao longo do tempo de qualquerinstabilidade no mercado agropecuário. Conse-qüentemente, esse efeito decorrente de constantesflutuações de preços e produção do mercadoagrícola tende à normalidade num maior espaçode tempo, tornando essas commodities altamen-te vulneráveis para o mercado de futuros.

Daí constata-se que a cana-de-açúcar é oproduto com maior persistência de volatilidade,seguida pela soja e, finalmente, pela mamona.

Conforme Tabela 6, observa-se que ocoeficiente

1 não é estatisticamente diferente

de 0 (zero) e a variância condicional não éassimétrica para a cultura da soja. Analisando-seas culturas da mamona e da cana-de-açúcar, ocoeficiente

1 é estatisticamente diferente de 0

(zero), apresentando variância condicionalassimétrica.

Para o caso da mamona, tem-se um valorcorrespondente a -0,201139, ou seja, um

1 < 0,

indicando que um choque positivo implica menorvolatilidade do que um choque negativo demesma magnitude. Assim, choques positivosque afetem os preços terão impacto correspon-dente a 0,369353 no preço da mamona, enquantochoques negativos impactarão 0,570492 nospreços da cultura.

Já a cana-de-açúcar apresenta valor iguala 0,734977, ou seja, um 1 > 0, evidenciando oefeito alavancagem, isto é, períodos de quedas

Tabela 6. Estimação do Modelo TARCH (1,1) para a série de retornos da soja, da mamona e da cana-de-açúcar.

Método: ML – ARCH (Marquardt) – Distribuição normal

Série de retornos da sojaCoeficiente Erro-Padrão Estatística z Probabilidade

AR (1) 0,317440 0,057012 5,567995 0,0000Equação de variância

C 0,001147 0,000200 5,725152 0,0000RESID (-1)^2 0,401427 0,060961 6,585015 0,0000

RESID(-1)^2*(RESID(-1)<0) -0,097667 0,098159 -0,994991 0,3197GARCH (-1) 0,535311 0,055663 9,616924 0,0000

Série de retornos da mamonaCoeficiente Erro-padrão Estatística z Probabilidade

AR (1) 0,212210 0,056854 3,732524 0,0002Equação de variância

C 0,001226 0,000287 4,272671 0,0000RESID (-1)^2 0,369353 0,082939 4,453332 0,0000

RESID(-1)^2*(RESID(-1)<0) -0,201139 0,083161 -2,418672 0,0156GARCH (-1) 0,596165 0,076839 7,758645 0,0000

Série de retornos da cana-de-açúcarCoeficiente Erro-padrão Estatística z Probabilidade

AR (2) -0,094449 0,040302 -2,343509 0,0191Equação de variância

C 0,000207 3,39E-05 6,099712 0,0000RESID (-1)^2 -0,038218 0,014524 -2,631347 0,0085

RESID(-1)^2*(RESID(-1)<0) 0,734977 0,095421 7,702494 0,0000GARCH (-1) 0,784691 0,016426 47,77232 0,0000

Fonte: resultados da pesquisa (2007).

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nos preços da cana-de-açúcar são freqüente-mente seguidos por períodos de intensa volatili-dade, e períodos de alta nos preços apresentambaixa volatilidade. Logo, choques positivos enegativos que afetam a produção e preço destacultura terão terão diferentes efeitos na variânciacondicional, ou seja, choques positivos terãoimpacto dado por 0,038218, e choques negati-vos terão impacto dado por 0,773195.

De acordo com a Tabela 7, a persistênciade choques na volatilidade corresponde a

a) 0,730664 para soja,

b) 0,827326 para mamona e,

c) 0,962567 para cana-de-açúcar nomodelo EGARCH (1,1).

Enquanto, no modelo GARCH (1,1), apersistência de choques na volatilidade foi:

a) 0,902755 para a soja.

b) 0,851552 para a mamona.

c) 0,993029 para a cana-de-açúcar.

Constata-se que a persistência de choquesna volatilidade dos retornos apresenta valorespróximos para os modelos GARCH e EGARCH,o que mostra um desempenho adequado paratodos os modelos ajustados, com exceção dacultura da soja.

Analisando-se os resultados do modeloEGARCH, a cultura da soja apresentou um coefi-ciente 1 não estatisticamente diferente de 0(zero). Logo, não há assimetria na volatilidade,confirmando os resultados encontrados para omodelo TARCH (1,1). As culturas da mamona eda cana-de-açúcar apresentaram coeficiente

1

estatisticamente diferente de 0 (zero), apresen-tando variância condicional assimétrica. Logo,há um impacto diferenciado de choques negativose positivos na volatilidade.

Tabela 7. Estimação do modelo EGARCH (1,1) para a série de retornos da soja, da mamona e da cana-de-açúcar.

Método: ML – ARCH (Marquardt) – Distribuição normal

Série de retornos da sojaCoeficiente Erro-padrão Estatística z Probabilidade

AR (1) 0,298442 0,052788 5,653633 0,0000Equação de variância

-1,772422 0,266238 -6,657271 0,0000

10,546223 0,065575 8,329753 0,0000

10,071381 0,045564 1,566588 0,1172

10,730664 0,044870 16,28416 0,0000

Série de retornos da mamonaCoeficiente Erro-Padrão Estatística z Probabilidade

AR (1) 0,203424 0,055611 3,657986 0,0003Equação de variância

-1,134590 0,262204 -4,327126 0,0000

10,357540 0,057969 6,167744 0,0000

1 0,128518 0,041357 3,107538 0,0019

1 0,827326 0,044771 18,47894 0,0000Série de retornos da cana-de-açúcar

Coeficiente Erro-padrão Estatística z ProbabilidadeAR (2) -0,115870 0,052761 -2,196112 0,0281

Equação de variância-0,410217 0,046760 -8,772756 0,0000

1 0,285563 0,033826 8,442109 0,0000

1 -0,199832 0,032015 -6,241863 0,0000

10,962567 0,007265 132,4897 0,0000

Fonte: resultados da pesquisa (2007).

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A mamona mostrou um coeficiente 1 igual

a 0,128518 e a cana-de-açúcar apresentou umcoeficiente negativo igual a -0,199832, o queretrata o efeito alavancagem, ou seja, períodosde quedas nos preços da cana-de-açúcar sãomarcados por períodos de intensa volatilidade,enquanto períodos de alta nos preços apresen-tam uma volatilidade baixa, confirmando osresultados encontrados no modelo TARCH (1,1).

ConclusãoA análise empírica da volatilidade dos

retornos de principais commodities agrícolasretrata a importância desses produtos pelo caráterexportador ou como produto de suma impor-tância na agricultura de subsistência do Brasil.Os mercados são marcados por acentuadasflutuações de preços, indicando significativasoscilações na rentabilidade dessas culturas epropiciando aos agentes econômicos e aosespeculadores mais informados maior lucrativi-dade, em função do acesso às previsões maisprecisas sobre o comportamento do mercado.

Um modelo que incorpore termos devolatilidade condicional (modelos do tipo ARCHe GARCH) é mais apropriado para se usar emanálises e previsões de séries de preços do queum modelo em que a variância da série não sejaconsiderada.

Portanto, estimou-se o modelo ARCH eGARCH para analisar a dinâmica da volatilidadena série de retornos da soja, mamona e cana-de-açúcar, identificando por meio do testeARCH, que as séries apresentaram heterocedas-ticidade condicional auto-regressiva em seusretornos, ou seja, choques positivos ou negativosnos preços dos produtos podem levar algumtempo para se normalizarem no mercado.

No somatório dos coeficientes de reação(ARCH) com o coeficiente de persistência davolatilidade (GARCH), que define se os riscospersistem na série de retornos, constatam-sevalores próximos de um, indicando que oschoques na volatilidade irão perdurar por algumtempo. O maior coeficiente de persistência da

volatilidade encontrado foi para a cana-de-açúcar, identificando esse produto como o demaior volatilidade de preços, seguido em ordemdecrescente, pelos coeficientes das séries demamona e de soja.

O coeficiente que define a existência deefeito alavancagem (Modelo TARCH e EGARCH)e o impacto de choques positivos e negativos(assimetria de informação) identificou a ausênciade assimetria na volatilidade para soja. As cultu-ras da mamona e da cana-de-açúcar apresentaramvariância condicional assimétrica. Logo, há umimpacto diferenciado de choques negativos epositivos na volatilidade. A cana-de-açúcar apre-sentou o efeito alavancagem, ou seja, períodosde quedas nos preços são marcados por períodosde intensa volatilidade, enquanto períodos dealta nos preços apresentam volatilidade maisbaixa.

Constata-se que a cana-de-açúcar tende aser o produto de maior volatilidade e mostra quechoques na volatilidade tendem a se dissipar emmaior espaço de tempo. Assim como choquesnegativos, como por exemplos, queda de safrae aumento de impostos são marcados porperíodos de grande volatilidade de preços,enquanto choques positivos apresentam menorvolatilidade.

Portanto, verifica-se que as informaçõessobre a volatilidade e a reação dos preços emfunção de choques positivos e/ou negativos sãoimportantes parâmetros para políticas deincentivo do governo, voltadas para a produçãode oleaginosas e de biodiesel, o que mostra oelevado risco de preço e de renda associado aosmercados desses produtos, proporcionando aosprodutores e demais agentes econômicossubsídios adicionais para gerência da atividadeagrícola e melhor conhecimento dos mercados.

Conclui-se que um melhor conhecimentode flutuações de preços e mercados minimiza orisco nos empreendimentos, pois políticasgovernamentais que visam restringir ou criarbarreiras protecionistas no comércio interno ouexterno geram conseqüências catastróficas no

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atual ambiente competitivo e globalizado.Portanto, é necessário que haja completoconhecimento da lógica organizacional dacadeia no que se refere às relações entre oambiente institucional, o ambiente tecnológico,as organizações e os indivíduos para que seescolha a melhor estratégia de atuação.

A forma de atuação dos agentes nessemercado – e as relações contratuais que regemsua interação – também influenciarão no sucessoou no fracasso da atividade, conseqüência queinflui na competitividade.

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Análise docomportamentodo consumo energéticono setor agropecuário

Denise Barros de Azevedo1

Guilherme Cunha Malafaia2

Maria Emilia Camargo3

Resumo: O presente artigo investiga o comportamento do consumo energético no setor agropecuáriono Brasil, no período de 1970 a 2004. Utilizaram-se as análises descritiva, de correlação e detendências. Com este estudo, constatou-se a importância de compreender o consumo de energiado setor agropecuário, principalmente durante o período analisado de 35 anos. As variáveis estudadas– lenha, óleo diesel, óleo combustível, eletricidade e carvão vegetal – apresentaram importânciasrelevantes no decorrer do desenvolvimento econômico do País.

Palavras-chave: energia, agricultura, tendências de consumo.

Abstract: The present article investigates the behavior of the energy consumption in the farmingsector in Brazil, in the period of 1970 the 2004. It was used descriptive analysis, analysis of correlationand analysis of trends. With this study importance was evidenced it to understand the consumptionof energy of the farming sector, mainly during the analyzed period of 35 years. The studied variable:firewood, oil diesel, combustible oil, electricity and vegetal coal had presented resulted excellentin elapsing of the economic development of the country.

Key words: Energy, Agriculture, Trends of Consumer.

IntroduçãoA exploração intensiva das reservas esgo-

táveis de combustíveis fósseis e os prejuízosambientais trazidos pelo uso dos recursos ener-géticos pressupõem um cenário preocupantepara o século 21. Há tendências globais paramétodos de produção mais sustentáveis (mini-

mização de desperdício, redução da poluição ede emissões de gases, conservação de recursosnaturais). Sabe-se também que os combustíveisfósseis devem se exaurir ou ficar muito carosnum horizonte de 50 anos e que há limitação naexploração de petróleo. As demandas deenergias globais estão aumentando cada vezmais porque os sistemas de produções atuais e

1 Engenheira agrônoma, Mestre em Economia Rural, Doutoranda em Agronegócios, Cepan/UFRGS,[email protected]

2 Administrador de Empresas, Mestre em Economia Rural, Doutor em Agronegócios, Professor adjunto da Universidade de Caxias do Sul (UCS),[email protected]

3 Administradora de Empresas, Mestre em Engenharia de Produção, Doutora em engenharia, Professora adjunta da Universidade de Caxias do Sul (UCS),[email protected]

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padrões de consumo são insustentáveis, haja vistaser a energia global dominada por combustíveisfósseis (JORGENSEN et al. , 2005). A eficiênciae a conservação de energia podem reduzir oconsumo de recursos, mas outras fontes deenergia serão requeridas.

Entretanto, torna-se necessário primeira-mente conhecer a amplitude do consumo deenergia nos diversos setores econômicos, paranum segundo momento buscar encontrar asalternativas mais apropriadas para a realidade decada setor. Nesse sentido, o objetivo destetrabalho é verificar o consumo energético nosetor agropecuário, utilizando as séries represen-tativas dos consumos de lenha, óleo diesel, óleocombustível, eletricidade e carvão vegetal noperíodo de 1970 a 2004.

Este artigo está estruturado em quatropartes: a primeira parte traz uma revisão deliteratura sobre o consumo energético no setoragropecuário brasileiro. Logo em seguida, sãodiscutidos os aspectos metodológicos e osresultados da pesquisa. Por fim, as consideraçõesfinais e as referências são apresentadas.

Revisão da literaturaO consumo energético no setoragropecuário brasileiro

O uso de energia agrícola pode ser definidocomo uma rede de energia fóssil mensurada emjaules (J), usada para a produção de produtosagrícolas no setor “dentro da porteira”. Essaenergia usada pode ser dividida em direta eindireta. A energia direta é aquele insumo(diesel, lubrificantes e eletricidade) usado naprodução e convertido em unidade de energia.A energia indireta é aquele insumo (maquinários,fertilizantes e pesticidas) utilizado no processode produção, mas não convertido em unidadede energia.

Sabe-se que a exploração intensiva dasreservas esgotáveis de combustíveis fósseis eos prejuízos ambientais trazidos pelo uso dessesrecursos energéticos pressupõem um cenário

preocupante para o século 21. Nesse sentido, oBrasil pode ser considerado um país com grandediversidade de recursos para uso de energiasrenováveis, por causa de sua hidrografia, suascondições climáticas e seu próprio modo deprodução, entre outros. Das fontes de energiasrenováveis disponíveis no País, pode-se começarfalando da possibilidade de uso de energia solar,pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), biomas-sa, e resíduos da produção agrícola (JANNUZZI;SWISHER, 1997).

Verifica-se, no Brasil, que o setor agrope-cuário caminha para um uso mais intensivo dasfontes não renováveis de energia, afastando-se,portanto, dos preceitos de sustentabilidade nessesetor. Atualmente, o uso dessas fontes renováveisestá diminuindo na zona rural brasileira, que trazuma comparação do consumo energético dosetor agropecuário em um intervalo de dez anos(STREB et al., 2000).

Essa preocupação também se justifica,tendo em vista que, das ações anunciadas como”política energética brasileira” para os próximosanos, destaca-se a construção de diversas centraistermelétricas, que terão como principalcombustível o gás natural, trazendo consigo umamaior participação das fontes fósseis na matrizenergética brasileira e, conseqüentemente, parao setor rural. No meio rural, concomitantementeà chamada “modernização do campo”, o usointensivo de máquinas e outros implementosaponta para um incremento no consumo dederivados de petróleo.

O uso de combustível fóssil também éjustificado por quem controla esse mercado,como a única solução diante das diversasdificuldades de suprimento energético na zonarural. Uma publicação de Andrade et al. (1999),destaca como as principais dificuldades relacio-nadas ao atendimento no meio rural: grandedispersão geográfica dos consumidores; elevadosinvestimentos necessários à implementação deredes de distribuição; longas extensões de linhaspara o atendimento de cargas leves e dispersas;elevados custos de operação e manutenção dossistemas elétricos e pouca atratividade para os

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investidores por causa dos baixos níveis derentabilidade dos investimentos.

No entanto, esses fatos apontados comodificuldades poderiam ser interpretados segundoStreb et al. (2000) como vantagem para a intro-dução de fontes renováveis de energia, pois entreas características de algumas dessas fontes estáa possibilidade de uso em pequena escala. Issodispensa a necessidade de grandes redes dedistribuição e de grandes investimentos, o queresolveria o problema de abastecimento depequenas propriedades e de comunidadesisoladas, por exemplo.

Outro ponto a se considerar com relaçãoao uso de combustível fóssil no Brasil é que esteé um país importador de petróleo e gás natural.Assim, o uso de fontes renováveis poderia seruma forma de libertar-se da tradicional depen-dência internacional. Além disso, o uso de fontesrenováveis poderia facilitar o surgimento depequenos produtores independentes de energia,o que resultaria em maior poder de barganhadiante da possibilidade de comercialização doproduto final (STREB et al., 2000).

O consumo total de energia do setoragropecuário brasileiro tem crescido a uma taxamédia de 3 % ao ano, desde 1984, acompanhan-do a evolução do PIB do setor, que apresentouuma taxa média anual de crescimento de 3,2 %no mesmo período. Percebeu-se que a evoluçãodo consumo de energia está atrelado aocrescimento do PIB, mas houve uma significativamudança da composição da matriz energéticado setor agropecuário. Ocorreu uma migraçãopara fontes de energia mais modernas, como aeletrificação e o óleo diesel, em detrimento defontes convencionais utilizadas no meio rural,como a lenha. Esse movimento é explicado peloprogresso técnico na produção agropecuáriadecorrente da automação de processosprodutivos na década de 1980 (OLIVEIRA, 2001).Segundo dados de 1992 da CompanhiaEnergética de São Paulo (CESP), citados porOliveira, 2001, no setor agropecuário 40 % daenergia vem do óleo diesel, 30 % da eletrici-dade e 20 % de lenha.

O crescimento do consumo de óleo dieselfoi impulsionado pela larga difusão de máquinasque utilizam esse combustível, principalmenteos tratores. O consumo de eletricidade aumentou148,5 % entre 1983 e 1993 com o uso concen-trado na geração de força motriz. Percebeu-seque a utilização de eletricidade está relacionadacom o nível dos fatores determinantes do investi-mento, como o bombeamento de água parairrigação e o acionamento de máquinas agrícolas(OLIVEIRA, 2001).

Aspectos metodológicosDiante do objetivo proposto, qual seja o

de verificar o consumo energético no setoragropecuário, optou-se pela realização de umapesquisa quantitativa de caráter descritivo.A operacionalização dessa pesquisa realizou-sepor meio da utilização de séries temporais doconsumo de lenha, óleo diesel, óleo combus-tível, eletricidade e carvão vegetal para o setoragropecuário, no período de 1970 a 2004.Os dados são de origem secundária, coletadosno Ministério de Minas e Energia, conformerelatório sobre o Balanço Energético Nacional2005, ano base de 2004. O tratamento foi feitomediante análise exploratória de dados e análisede correlação e de tendência.

É importante observar que, neste estudo,a unidade padrão utilizada é 103 tep, o quesignifica a equivalência energética de petróleo.A equivalência tep foi estabelecida a partir depoderes caloríficos médios estimados, em que1 tep é igual a 10.000 kcal, e 1 tep correspondea uma tonelada de petróleo (BRASIL, 2005).A tep foi a unidade básica adotada na compo-sição do Balanço Energético Nacional 2005:

• É um energético importante.

• É expressa em valor físico.

• É um critério internacional, como oBritish Thermal Unit (BUT).

Considerando a unidade 103 tep como padrão,os fatores de conversão de energia são:

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Tabela 2. Matriz de correlação entre as variáveis lenha, óleo diesel, óleo combustível, eletricidade e carvãovegetal.

Lenha

Óleo ÓleoEletricidade

Carvãodiesel combustível vegetal

Lenha 1Óleo diesel -0,97* 1Óleo combustível -0,05 0,11 1Eletricidade -0,89* 0,96* 0,13 1Carvão vegetal 0,88* -0,89* -0,32 -0,83* 1

* Significativo para p<0,05.Fonte: elaborado com base no banco de dados Consumo de Energia do Setor Agropecuário (JORGENSEN et al., 2005).

1 tonelada equivalente de petróleo (tep) = 10,00x 109 Calorias.

1 tonelada equivalente de petróleo (tep) = 11,63x 103 KWh.

Descrição e análise dos dadosAnálise descritiva

As séries temporais utilizadas para verifi-car o consumo energético no setor agropecuáriosão os consumos de lenha, óleo diesel, óleocombustível, eletricidade e carvão vegetal, noperíodo de 1970 a 2004. Na Tabela 1, sãoapresentadas as estatísticas descritivas.

Conforme a Tabela 1, e considerando amédia das variáveis, pode-se ressaltar que a médiade consumo de lenha no setor agropecuário ficouem 2.795,40 x 103 tep/ano, seguido de óleodiesel, 2.941,58 x 103 tep/ano; óleo combustível66,76 x 103 tep/ano; eletricidade, 514,78 x 103

tep/ano; e carvão vegetal, 10,28 x 103 tep/ano.

Em relação à média, quando se comparao consumo das diferentes fontes de energia nosetor agropecuário no Brasil observa-se que oconsumo, em ordem decrescente, está distri-buído da seguinte forma: óleo diesel, lenha,eletricidade, óleo combustível e carvão vegetal.

Os coeficientes de variação do consumode lenha, óleo diesel, óleo combustível, eletri-cidade e carvão vegetal são, respectivamente,35 %, 48 %, 54 %, 77 %, 41 %. Dessa forma, amaior variação ocorre na eletricidade, seguidapor óleo combustível, óleo diesel, carvão vegetale lenha, auxiliando no entendimento da simetriados dados.

Correlação entre as variáveis

Na Tabela 2, apresenta-se a matriz decorrelação entre as variáveis estudadas. Verifi-cou-se a existência e a intensidade da associaçãoentre as variáveis de consumo lenha, óleodiesel, óleo combustível, eletricidade e carvãovegetal.

Tabela 1. Estatísticas descritivas para as variáveis em estudo (103 tep/ano) no período de 1970 a 2004.

Estatísticas LenhaÓleo Óleo

EletricidadeCarvão

diesel combustível vegetal

Média 2.795,40 2.941,58 66,79 514,78 10,28Mediana 2.510,00 3.230,57 70,97 505,05 9,69Máximo 4.900,69 4.855,39 143,85 1.280,97 19,37Mínimo 1.638,00 392,65 11,05 27,25 4,52Desvio padrão 989,24 1.409,11 36,22 397,69 4,21Coeficiente de variação 0,35 0,48 0,54 0,77 0,41

Fonte: elaborado com base no banco de dados Consumo de Energia do Setor Agropecuário (BRASIL, 2005).

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Observou-se também que existe umacorrelação significativa (p<0,05) entre asvariáveis lenha e carvão vegetal, óleo diesel eeletricidade, mas não existe uma correlação sig-nificativa entre óleo combustível e eletricidade.

À medida que aumenta o consumo delenha, aumenta o consumo de carvão vegetal; àmedida que o consumo de óleo diesel aumenta,o consumo de eletricidade aumenta; e quandoo consumo do óleo diesel aumenta, diminui oconsumo do carvão vegetal.

Análise de tendências de consumo

Neste item, é apresentada uma análise detendências de consumo com o objetivo decomparar dados secundários com os resultadosencontrados. Os setores primários da agrope-cuária e de extração representam a base daeconomia brasileira, oferecendo insumos paraas indústrias básicas, como as de alimentos ebebidas, e para as indústrias de refino, deprodução de energia elétrica e da construção.Depois dos setores de transformação e de trans-porte, os setores primários ocupam o terceirolugar no consumo energético brasileiro e nasemissões de CO2 associadas (WACHSMANN,2005).

No período entre 1970 e 2000, o valoradicionado dos setores primários agropecuáriose de extração apresentou taxas altas de cresci-mento. Porém, houve uma forte queda em 1990,quando a produção desses setores caiu paraníveis de 1975. A queda foi causada pelo baixodesempenho econômico geral dessa época,decorrente dos problemas da alta inflação nofinal da década de 1980 que atingiu principal-mente os setores primários e de transformação(WACHSMANN, 2005). A partir de 1985, o usode energia do setor se apresenta relativamenteconstante, com um leve aumento entre 1995 e2000. A matriz energética desse setor é com-posta principalmente por lenha e óleo diesel(WACHSMANN, 2005).

Observando as Fig. 1 e 2, pode-se cons-tatar uma diminuição do consumo de lenha no

período de 1970 a 2004 e, quando se estratificao período em 10 anos, separadamente, constata-se que existem diminuições do consumo de1970 a 1980 e (Fig. 3 e 4) de 1981 a 1991, comexceção do período entre 1992 e 2004, quandopraticamente houve uma ligeira estagnação doconsumo.

Segundo estudos de Wachsmann (2005)em 1970, a lenha representou praticamente aúnica fonte energética do setor, enquanto em2000 podem-se distinguir três fontes principais:lenha, óleo diesel e eletricidade. No caso daagricultura, que também abrange as carvoariasonde a lenha é transformada em carvão vegetal,a lenha não perde sua predominância ao longodos 30 anos. Portanto, apesar de o uso de lenha(sem considerar as perdas) nas carvoarias ter

Fig. 1. Tendência do consumo de lenha no períodode 1970 a 2004.

Fig. 2. Tendência do consumo de lenha no períodode 1970 a 1980.

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maior fonte emissora de CO2 da economiabrasileira, enquanto em 2000 ela ocupou, comaproximadamente 22,2 x 106 toneladas de CO2,apenas o terceiro lugar (depois do diesel no setorde transporte e do coque de carvão mineral nasiderurgia).

Outra importante fonte do setor é o óleodiesel, que aumentou sua participação conside-ravelmente, de um consumo quase nulo em1970 para aproximadamente 193 106 GJ em2000. A eletricidade apresenta um crescimentomenos pronunciado que em outros setores,porém, por causa da maior mecanização daprodução primária, sua participação na matrizenergética do setor também aumentou. O óleodiesel e a eletricidade agem como força motriztanto na lavoura quanto no beneficiamento dosprodutos. A primeira fonte, abastecendo motoresde combustão e a segunda, alimentandomáquinas elétricas (WACHSMANN, 2005).

Em relação às Fig. de 5 a 8, percebeu-seque realmente houve um crescimento acentuadode consumo de óleo diesel no período estudado,principalmente entre as décadas de 1970 e de1980. Em estudos que apenas consideram oconsumo final das fontes energéticas, sem incluiras perdas durante a transformação e as perdasde distribuição e armazenagem, o consumo deóleo diesel supera, a partir de 1985, o consumoda lenha (WACHSMANN, 2005).

Fig. 4. Tendência do consumo de lenha no períodode 1992 a 2004.

Fig. 3. Tendência do consumo de lenha no períodode 1981 a 1991.

Fig. 5. Tendência do consumo de óleo diesel noperíodo de 1970 a 2004.

diminuído desde 1970, as perdas absolutas dalenha na produção de carvão vegetal aumen-taram por causa da maior produção de carvãovegetal. A partir de 1990, a produção desteúltimo recuou, levando a uma diminuição doconsumo da lenha no setor agropecuário.

Segundo Brasil (2002), apenas 80 % dalenha no setor agropecuário são consideradosemissores de CO2 (gás carbônico). A lenharepresenta a fonte de maior emissão no setor,mas com valores decrescentes, enquanto aparticipação das emissões causadas pela queimado óleo diesel aumenta. Em 1970, com aproxi-madamente 6,6 x 10 6 toneladas de CO2, a lenhautilizada no setor agropecuário representou a

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importância dos setores agroexportadores paraa economia nacional. No meio rural, o avançoda modernização restringiu-se aos espaçoseconômicos agrícolas eficientes para o desenvol-vimento industrial do País. Na década de 1970,iniciou-se a construção de eletrificação e surgi-ram iniciativas como a da Confederação Brasileirade Cooperativa de Eletrificação Rural (Conbracer),congregando federações e cooperativas inde-pendentes (OLIVEIRA, 2001).

De acordo com o Censo Agropecuário de1980, 83,33 % das propriedades rurais no Brasilnão dispunham de energia elétrica. As regiõesNorte, Nordeste e Centro-Oeste apresentavamdéficits superiores a 90 %. A década de 1980 foimarcada por alta inflação e extrema dificuldadede obtenção de recursos, estrangulada por umcrescente déficit fiscal. Os investimentos dasconcessionárias em eletrificação rural ficaramlimitados pela disponibilidade de recursospróprios e pelos recursos do crédito rural doBanco do Brasil (OLIVEIRA, 2001).

Segundo a FAO (1992), citada por Oliveira(2001), a tendência é que haja um crescimentodo consumo de energia em razão da introduçãode novos hábitos de consumo e novos aparelhosque utilizam energia elétrica.

De forma geral, a Fig. 9 capta o aumentodo consumo da energia elétrica, e com certezaesse aumento contribuiu para a conversão e usofinal da energia no meio rural, principalmenteentre os períodos de 1970 a 1980 (Fig. 10). Jáentre 1981 e 1991 (Fig. 11), houve um cresci-mento de acordo com os estudos e durante osanos de 1992 a 2004 (Fig. 12) o crescimento nãofoi ligeiramente acentuado.

Considerações finaisCom este estudo, constatou-se a importân-

cia de compreender o consumo de energia dosetor agropecuário, principalmente durante operíodo analisado de 35 anos. As variáveis estu-dadas – lenha, óleo diesel, óleo combustível,eletricidade e carvão vegetal – apresentaramimportâncias relevantes no decorrer dodesenvolvimento econômico do País.

Fig. 8. Tendência do consumo de óleo diesel noperíodo de 1992 a 2004.

Fig. 7. Tendência do consumo de óleo diesel noperíodo de 1981 a 1991.

Fig. 6. Tendência do consumo de óleo diesel noperíodo de 1970 a 1980.

Na década de 1970, o Brasil já eraindustrial. O desenvolvimento ocorrido na épocado milagre econômico acarretou a redução da

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Buscou-se aperfeiçoar as relações estatísti-cas dos dados estudados quando se inseriu aanálise de tendência do estudo. Com isso, foipossível verificar que as variáveis lenha, óleodiesel e eletricidade são fontes de recursos nãorenováveis da economia rural e, mediante esteestudo, revela-se que elas foram responsáveispelo desenvolvimento econômico do País,principalmente nas décadas estudadas.

Ao verificar as análises de tendência centraldurante o período de 35 anos, percebeu-se queo crescimento dos consumos de lenha, óleo diesele eletricidade coincidiu com as perspectivashistóricas do Brasil no meio rural. E isso é verifi-cado ao compararmos as médias aritméticas dasdiferentes fontes de energia no setor agropecuá-rio. O consumo, em ordem decrescente, édistribuído da seguinte forma: óleo diesel, lenha,eletricidade, óleo combustível e carvão vegetal.

Outro resultado interessante refere-se àscorrelações entre óleo diesel e eletricidade, poisà medida que o consumo de óleo diesel aumenta,também aumenta o consumo de eletricidade.Mas esse comportamento não foi verificado entreo consumo de lenha e o consumo de óleo diesel,pois eles apresentam uma correlação negativa,ou seja, à medida que cresce o consumo delenha, diminui o consumo de óleo diesel no setoragropecuário.

Fig. 11. Tendência do consumo de eletricidade noperíodo de 1981 a 1991.

Fig. 10. Tendência do consumo de eletricidade noperíodo de 1970 a 1980.

Fig. 9. Tendência do consumo de eletricidade noperíodo de 1970 a 2004.

Fig. 12. Tendência do consumo de eletricidade noperíodo de 1992 a 2004.

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Em conclusão, percebeu-se uma diminui-ção acentuada do consumo de lenha no períodoanalisado e aumento do consumo de energiaentre as variáveis óleo diesel e eletricidade,coincidindo com o crescimento das inovaçõestecnologias (Revolução Verde) para a área ruraldurante as décadas de 1970, 1980, 1990 e inícioda década de 2000.

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Estimativa de áreae emprego em culturasde soja e mamonapara biodiesel

Gerson Henrique da Silva1

Cármen Ozana de Melo2

Maura Seiko Tsutui Esperancini3

Resumo: Este trabalho tem por objetivo verificar o impacto da produção de biodiesel na expansãoda área cultivada com culturas de soja e mamona, bem como na geração de emprego agrícola.A partir da análise da demanda de óleo diesel no Brasil, foi feita a projeção do seu consumo e,considerando o percentual de mistura, estimou-se a demanda por biodiesel. A partir daí, foramestimados quantos hectares deveriam ser cultivados, além da necessidade de mão-de-obra parasuprir a demanda de biodiesel, considerando dois cenários: no primeiro, a demanda seria atendidaexclusivamente pela soja ou pela mamona e, no segundo, essas culturas responderiam por umquarto da demanda de biodiesel. Os resultados permitiram verificar a importância da adoção doPrograma Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) e seu impacto para as culturas focadas,mostrando a necessidade de expansão da área destinada a elas, especialmente para o caso damamona.

Palavras-chave: energia renovável, agroenergia, agricultura.

Abstract: The main objective of this research is to verify the impact of the biodiesel production inthe raise of the cultivated area with soybean and castor bean, as well as the generation of agriculturalemployment. From the analysis of the diesel oil demand in Brazil, it was done a projection of itsconsumption and, considering the mixture percentage, it was estimated the demand for biodiesel.Since it was estimated how many hectares should be cultivated, besides the need of labor to supplythe biodiesel demand, considering two settings: the first the demand would be served just bysoybean or castor bean and, in the second, those cultures would serve ¼ of the biodiesel demand.The results allowed the checking of the importance of the Program’s adoption and its impact to thefocused cultures, showing the need of the area raise addressed to these cultures, especially in thecastor bean case.

Key words: renewable energy, agroenergy, agriculture.

1 Economista, Doutorando em Energia na Agricultura, Unesp/Botucatu. Endereço: Rua João Dias Cordeiro, 17, Vila Pinheiro Machado, Botucatu, SP,[email protected].

2 Economista, Doutoranda em Energia na Agricultura, Unesp/Botucatu. Endereço: Rua João Dias Cordeiro, 17, Vila Pinheiro Machado, Botucatu, SP,[email protected].

3 Doutora em Economia Aplicada, professora do Programa de Pós-Graduação em Agronomia, Unesp, Botucatu. Endereço: Faculdade de Ciências Agronômicas,Unesp, Botucatu-SP, [email protected]

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IntroduçãoA crise do petróleo na década de 1970

representou um verdadeiro marco na históriaenergética mundial, pois teve como conseqüên-cia o aumento de esforços para superá-la, levandoà adoção de dois grupos de ações: um de conser-vação e o outro de busca de fontes alternativasde energia.

No Brasil, a crise impulsionou o ProgramaNacional do Álcool (Proálcool), definido emnovembro de 1975 e acelerado a partir de julhode 1979, correspondendo à primeira tentativado governo brasileiro na busca de desenvolvi-mento de fontes alternativas de energia.

O programa estruturou-se no sentido depermitir uma maior participação da agriculturana geração de energia, contemplando o álcoolcomo combustível para caminhões leves emédios, além de sua mistura, de 4 % a 5 %, aodiesel. O governo brasileiro lançou váriosprogramas para implementação da produção deóleos vegetais, entre eles o Dendiesel; oProdiesel, em 1980; o Programa de ÓleosVegetais (Oveg), em 1983; o Programa de ÓleosVegetais para fins Energéticos (Proóleo), queprevia a mistura de 16 % ao óleo diesel em1985, além do programa de florestas energéticas,com o objetivo de produzir um substituto ao óleocombustível.

Dessas iniciativas, o Proálcool consoli-dou-se entre todos os programas de combustíveisalternativos. Mais recentemente, a perspectivade esgotamento, em meio século, do petróleo,principal matéria-prima do mundo usada noscombustíveis, fez com que se retomassem esfor-ços na busca de fontes alternativas de energia.Realizaram-se investimentos em fontes renová-veis, como biocombustíveis, no melhor aprovei-tamento do gás natural e outras fontes decombustíveis renováveis e não poluente. Essaconstatação ficou mais evidente após a discussãodo Protocolo de Kyoto, em vigor a partir defevereiro de 2005.

Considera-se que fontes renováveis deenergia terão participação cada vez mais

relevante na matriz energética global nas próxi-mas décadas. A crescente preocupação com asquestões ambientais e o consenso mundial sobrea promoção do desenvolvimento em basessustentáveis têm estimulado a realização depesquisas de desenvolvimento tecnológico quevislumbrem a incorporação dos efeitos da apren-dizagem e a conseqüente redução dos custosde geração dessas tecnologias (BRASIL, 2004).

Nesse contexto, no ano de 2005 o gover-no brasileiro autorizou, pela Lei 11.097, a misturavoluntária de 2 % de biodiesel ao diesel combus-tível e de 5 % obrigatória a partir de 2013(BRASIL, 2005). A adoção do Programa apontapara a valorização dos aspectos ambientais, dasustentabilidade dos sistemas energéticos e dainclusão social, retomando assim o interesse pelocombustível renovável.

Entre as culturas capazes de atender àprodução de insumo destinado à obtenção deenergia renovável, encontram-se a mamona e asoja. No Brasil, a cultura da mamona desenvol-veu-se de forma comercial inicialmente nasregiões Sudeste, Sul e Nordeste e na década de1990 o País foi o maior produtor mundial de bagae óleo de mamona. Entretanto, perdeu espaçopara a Índia e a China e ocupou em 2004 apenaso 3º lugar. Entre 1998 e 2003, a Bahia respondeupor pelo menos 94 % da produção brasileira demamona em baga, mas com rendimento médiobaixo, chegando a 30 % do alcançado em SãoPaulo, no Paraná e em Minas Gerais. Ressalta-se a importância dessa cultura para a pequenapropriedade, especialmente no Semi-Áridonordestino, por ser resistente à seca, pela produ-ção de matéria-prima para a indústria e por serintensiva em mão-de-obra. Na região de Irecê,na Bahia, essa lavoura é grande empregadorade mão-de-obra no período de entressafra dasculturas de grãos (MACÊDO, 2006).

No que diz respeito à soja, de acordo coma Embrapa Soja (2007), houve explosivo cresci-mento de sua produção no Brasil, de quase260 vezes no transcorrer de apenas quatrodécadas, o que contribuiu para uma série demudanças na agricultura brasileira: a soja,

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inicialmente auxiliada pelo trigo, foi responsávelpelo surgimento da agricultura comercial no País,utilização da mecanização das lavouras,expansão da fronteira agrícola, profissionalizaçãoe incremento do comércio internacional, modifi-cação e enriquecimento da dieta alimentar,aceleração da urbanização do País, interiorizaçãoda população (excessivamente concentrada noSul, Sudeste e litoral do Norte e Nordeste),tecnificação de outras culturas (destacadamentea do milho), além de ter impulsionado e interio-rizado a agroindústria nacional, patrocinando aexpansão da avicultura e da suinoculturabrasileiras. Em 2003, o Brasil foi o segundoprodutor mundial, responsável por 52 milhõesde toneladas dos 194 milhões de toneladasproduzidas, ou seja, 26,8 % da safra mundial.As perspectivas apontam para o fato de que osusos industriais não tradicionais da soja, comobiodiesel, tintas e vernizes, aumentarão ademanda do produto.

Essas culturas têm sido apontadas, peloaspecto econômico no caso da soja e pelo aspec-to social no caso da mamona, como as principaisculturas produtoras de matéria-prima debiodiesel.

Este trabalho tem por objetivo verificar oimpacto da produção de biodiesel na expansãoda área cultivada com culturas de soja emamona, bem como na geração de empregoagrícola.

Considerações sobre o biodieselO conceito de biodiesel é ainda bastante

discutido. Algumas definições apenas consideramque o biodiesel é uma mistura de óleo vegetale diesel mineral, enquanto outras especificam aporcentagem de cada um desses elementos,considerando-o como uma mistura de 90 % deóleo vegetal e 10 % de álcool (MEIRELLES,2003).

Segundo Meirelles (2003), tecnicamenteo biodiesel é definido como um éster alquílicode ácidos graxos, obtidos da reação de transeste-rificação de qualquer triglicerídeo (óleos e

gorduras vegetais ou animais) com álcool decadeia curta (metanol ou etanol). A transesteri-ficação consiste na reação química de um óleovegetal com um álcool, que pode ser etanol oumetanol, na presença de um catalisador ácido –ácido clorídrico (Hcl) – ou básico – hidróxido desódio (NaOH). Este é o mais usado por acelerarmais rápido do que o ácido a reação, peladisponibilidade no mercado e também porrazões econômicas. Como resultado, obtém-seo éster metílico ou etílico (biodiesel), conformeo álcool utilizado, e a glicerina. A transesteri-ficação nada mais é do que a separação daglicerina do óleo vegetal.

A reação para a obtenção do biodiesel, ouseja, a transesterificação, pode ser representadaconforme a Fig. 1.

As espécies vegetais utilizadas como fontede óleo, entre outras, são: girassol, amendoim,algodão, dendê, coco, babaçu, mamona, colza(canola), nabo forrageira e soja. A cana-de-açúcarpara o Brasil, no processo produtivo de biodiesel,pode ser a cultura preferencial para fornecer oetanol, já que o metanol, além de ser tóxico,necessita ser importado (MEIRELLES, 2003).

O biodiesel pode ser utilizado comocombustível puro, na forma de mistura, comocomplemento ao diesel fóssil, ou como aditivona proporção baixa de 1 % a 4 % em qualquer

Fig. 1. Processo de produção do biodiesel.Fonte: adaptado da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais(ABIOVE, 2005).

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motor de ciclo diesel, com pouca ou nenhumanecessidade de adaptação.

O diesel renovável tem como vantagensambientais a possibilidade de reduzir em 78 %as emissões de gás carbônico, considerando areabsorção pelas plantas. Reduz em 90 % asemissões de fumaça e praticamente elimina asemissões de óxido de enxofre (LIMA, 2004).

As vantagens econômicas poderiam vir doenquadramento do biodiesel nos acordos estabe-lecidos no Protocolo de Kyoto e nas diretrizesdos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo(MDL), que possibilita a venda de cotas decarbono por intermédio do Fundo Protótipo deCarbono (FTC), pela redução das emissões degases poluentes e também créditos de “seqües-tro de carbono”, pelo Fundo Bio de Carbono(FBC), administrados pelo Banco Mundial.Ambos comercializam certificados de emissãode redução, mas enquanto o FTC financiaprojetos em qualquer área, o FBC financia apenasprojetos ligados à atividade agrícola e florestal.

Destaca-se ainda a importância econômicae social da produção do biodiesel ao criar demandapor produtos de origem agrícola, possibilitandoa expansão de área cultivada e, conseqüente-mente, a ocupação de mão-de-obra e geraçãode renda na agricultura.

No que se refere ao panorama da produ-ção de biodiesel, no início da década 1990, oprocesso de industrialização do biodiesel foiiniciado na Europa, tornando o continente oprincipal produtor e consumidor (LIMA, 2004).

A União Européia atualmente lidera aprodução mundial, com mais de 1.434.000 tone-ladas em 2003, apesar da relativa escassez deterras agricultáveis em seus países. A Alemanhaé o maior produtor e consumidor, com1.000 postos de venda de biodiesel, que é até12 % mais barato do que o diesel comum.O menor preço deve-se à isenção de tributosem toda a cadeia produtiva. A França tem ossistemas produtivos semelhantes aos adotadosna Alemanha. A diferença é que enquanto naFrança o diesel já vem misturado na proporção

de 5%, na Alemanha o consumidor é quem faza mistura em diferentes proporções (LIMA,2004).

O potencial de produção dos paíseseuropeus pode ser observado na Tabela 1.

Os Estados Unidos e a Malásia, entreoutros, estão produzindo biodiesel. No primeiro,com o programa baseado em pequenos produ-tores, a capacidade de produção estimada chegaa 280 milhões de litros/ano, cogitando umpercentual de mistura de até 20 %. Por sua vez,a Malásia, como maior produtor mundial dedendê, tem uma capacidade de produção de 500mil toneladas/ano. O Japão pretende importar oproduto, enquanto outros desejam produzir etambém importar biodiesel.

MetodologiaOs dados utilizados neste estudo foram

coletados nas seguintes fontes: Fundação InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1997,1998), Fundação Getúlio Vargas (FGV), Asso-ciação Brasileira de Óleos Vegetais (ABIOVE,2005), Ministério de Minas e Energias (MME),Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-mento (Mapa) e Ministério do DesenvolvimentoAgrário (MDA).

Para estimar a necessidade de expansãode área cultivada de soja e mamona, a partir dademanda por biodiesel, com base na regula-mentação da mistura de óleo vegetal aobiodiesel, foram adotados os procedimentosseguintes.

Tabela 1. Capacidade de produção de biodiesel naUnião Européia em 2003.

PaísCapacidade instalada Participação

(1.000 t) (%)

Alemanha 1.088 48,44França 502 22,35Itália 419 18,67Outros 237 10,54Total 2.246 100,00

Fonte: elaboração própria, baseada em Lima (2004).

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Tomando uma série histórica de 12 anos deconsumo interno de óleo diesel (período de 1994a 2005), determinou-se a taxa média decrescimento anual dessa variável, que, de acordocom HOFFMANN et al. (1987), representa o ritmomédio de crescimento em um período de n anos.

Utilizou-se a técnica de regressão linearpara calcular as taxas geométricas de cresci-mento, com base na expressão

Vt = Vo (1 + r)t, (1)

em que:

Vt = valor da variável em estudo no t-ésimoperíodo.

Vo = valor da variável em estudo no período inicial.

t = número de períodos transcorridos após aobservação inicial.

r = taxa geométrica de crescimento.

Considerando os percentuais de mistura aserem adicionados ao óleo diesel (2 % noperíodo de 2006 a 2012 e 5 % a partir de 2013),determinou-se a projeção de demanda debiodiesel em quatro situações:

1ª) Produção necessária oriunda exclusiva-mente da soja.

2ª) Produção necessária oriunda exclusiva-mente da mamona.

3ª) Produção necessária com 25 % oriun-dos da soja.

4ª) Produção necessária seja com 25 %oriundos da mamona.

Para a estimativa de necessidade de área,foram utilizados coeficientes técnicos da relaçãoprodução (kg) de óleo pela oleaginosa/hectaresnecessários para essa produção/equivalente emlitros de óleo.

A demanda por biodiesel estimada emlitros foi transformada em seu equivalente kg,quando se adotou o coeficiente 1,13 litro debiodiesel para 1 kg deste produto.

Calculou-se a média da produtividadeobservada no período de 2001 a 2005, no Brasil,das culturas, quando se adotaram as seguintesprodutividades: 2.524 kg/ha para a soja; e672 kg/ha para a mamona. Adotaram-se osseguintes percentuais de óleo produzidos pelasoleaginosas: soja (20 %) e mamona (47 %).

Assim, tornou-se possível estimar a áreanecessária à produção de óleo para atender àdemanda estimada de biodiesel:

NA = (DB)[(RC)(PO)]-1, (2)

em que:

NA = necessidade de área.

DB = demanda por biodiesel (em kg).

RC = rendimento da cultura (kg/ha).

PO = percentual de óleo da oleaginosa.

Para a estimativa de necessidade de mão-de-obra, considerando características gerais queapontam como mais tecnificada e empresarial ocultivo da soja e de cunho familiar o cultivo damamona, foi adotado o coeficiente de 10 traba-lhadores para cada 100 hectares cultivados paraa cultura de mamona e de 1 trabalhador para100 hectares para a cultura da soja, tomandocomo referência o estudo de Lima (2004), quefaz uma comparação entre a criação de postosde trabalho na agricultura empresarial e na familiar.

ResultadosA análise da demanda de óleo diesel no

Brasil permitiu verificar que houve, nos últimos12 anos, um crescimento médio anual da ordemde 3,28 %4. Com a projeção do consumo de óleodiesel, e considerando o percentual de misturadefinido pelo Decreto Lei 11.097/2005, estimou-se a demanda por biodiesel conforme mostradona Tabela 2.

Os dados da Tabela 2 mostram que aautorização pelo governo da mistura voluntáriade 2 % e um consumo estimado em 43,47bilhões de litros de óleo diesel, no ano de 2006,

4 R–2 = 93,15 %. Estatística F: F

c = 150,53.

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implicarão demanda potencial de mais de 860milhões de litros anuais de biodiesel. Em 2008(mistura obrigatória de 2 %), a estimativa sobepara 961 milhões de litros e, em 2013, quandodeve haver adição de 5 %, o valor será de 2,74bilhões de litros de biodiesel.

Esse volume de demanda pelo biodieselpode ter impactos importantes na agricultura,notadamente na necessidade de área destinadaa culturas que forneçam matéria-prima para aprodução desse produto, o que resultará tambémna necessidade de mão-de-obra.

Entre as culturas capazes de atender a essepropósito, encontram-se a soja e a mamona.A Tabela 3 apresenta resultados com cenários

em que toda a produção seria oriunda exclusiva-mente da soja ou da mamona.

Observa-se que, caso toda a demanda debiodiesel fosse atendida exclusivamente com autilização de soja, haveria a necessidade de umaárea superior a 1,84 milhão de hectares para seucultivo em 2012, último ano com percentual demistura de 2 %. Já a partir de 2013, quando opercentual passa para 5 %, a necessidade de áreamais que duplica, passando para 4,79 milhõesde hectares, chegando a 5,09 milhões de hecta-res em 2015.

Deve-se considerar que, segundo o IBGE(2006), em 2005 a área ocupada com a culturade soja no Brasil superou os 22 milhões dehectares. Contudo, a produção não teve comodestino o biodiesel, de modo que a utilizaçãodessa oleaginosa para este fim resultaria numimpacto adicional na necessidade de produçãoe de área a ser cultivada, caso não houvesse umredirecionamento do destino da atual produção.

No que se refere à geração de empregona agricultura, os resultados mostram que nocaso da soja, para uma área de 1.524.394 ha,ocorre uma ocupação de mão-de-obra da ordemde 15.244 pessoas, chegando a 18.434 postosde trabalhos em 2012, para uma área de1.843.373 ha. Ao aumentar o percentual da mis-tura para 5 %, o emprego na agricultura tambémcresce, chegando a 50.931 pessoas ocupadas em2015.

Tabela 2. Estimativa do consumo óleo diesel e dademanda de biodiesel no Brasil, de 2006 a 2015(1.000 L).

AnoConsumo de Demanda deóleo diesel biodiesel(1)

2006 43.477.550 869.5512007 44.801.639 896.0332008 46.630.028 932.6002009 48.050.124 961.0022010 49.513.468 990.2692011 51.021.378 1.020.4282012 52.575.210 1.051.5042013 54.720.845 2.736.0422014 56.387.343 2.819.3672015 58.104.593 2.905.230(1) As estimativas da demanda de biodiesel são de 2 % ( 2006–2012) e de 5 %

( a partir de 2013).Fonte: resultados da pesquisa (2007).

Tabela 3. Estimativa de necessidade de área e geração de emprego para atender à demanda de biodiesel noBrasil, de 2006 a 2015 – produção oriunda exclusivamente de soja ou mamona.

Demanda Soja Mamona

Ano de biodiesel Área Emprego Área Emprego(em 1.000 L) (ha) (unid.) (ha) (unid.)

2006 869.551 1.524.394 15.244 2.436.405 243.6412007 896.033 1.570.819 15.708 2.510.605 251.0602008 932.600 1.634.925 16.349 2.613.064 261.3062009 961.002 1.684.716 16.847 2.692.644 269.2642010 990.269 1.736.023 17.360 2.774.647 277.4652011 1.020.428 1.788.893 17.889 2.859.148 285.9152012 1.051.504 1.843.373 18.434 2.946.222 294.6222013 2.736.042 4.796.506 47.965 7.666.148 766.6152014 2.819.367 4.942.582 49.426 7.899.617 789.9622015 2.905.230 5.093.106 50.931 8.140.197 814.020

Fonte: resultados da pesquisa, (2007).

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A análise dos resultados para a cultura damamona permite verificar que a adoção do Pro-grama do Biodiesel gera um impacto importantena necessidade de área, superando em grandeescala o que se verifica atualmente. Ademais,trata-se de um produto geralmente cultivado empequenas propriedades, pouco tecnificadas, queutiliza mão-de-obra intensiva e familiar, de modoque os reflexos ocorrem também de forma inte-ressante na ocupação de mão-de-obra.

De acordo com o IBGE (2006), a áreaocupada com a cultura da mamona no Brasil foida ordem de 231 mil hectares em 2005. Casotoda a demanda de biodiesel fosse atendidaexclusivamente com a utilização de mamona,haveria a necessidade de uma área superior a2,43 milhões de hectares em 2012, último anocom percentual de mistura de 2 %. Já a partir de2013, quando esse percentual passa para 5 %, anecessidade de área mais que duplica, passandopara 7,66 milhões de hectares e chegando a 8,14milhões de hectares em 2015.

No que se refere à ocupação de mão-de-obra para a mamona, uma área de 2.436.405 haocasiona 243.641 postos de trabalho em 2006,e 294.622 pessoas estarão empregadas nessacultura em 2012, quando se alcança uma áreade 2.946.222 ha. O aumento do percentual demistura para 5 % eleva a demanda por mão-de-obra, atingindo 766.615 empregos em 2013 e814.020 em 2015 (Tabela 3).

Tais resultados deixam transparecer aimportância da adoção do Programa e seuimpacto para as culturas focadas. Contudo, deve-se considerar a possibilidade de utilizar outrasoleaginosas para atender à demanda de biodiesel.Nesse contexto, é construído outro cenário, emque se considera que as culturas de soja e mamo-na atendam apenas parte da demanda (Tabela 4).

Observa-se que, caso um quarto dademanda de biodiesel fosse atendida com autilização de soja, haveria a necessidade de umaárea 460.843 hectares com seu cultivo em 2012,último ano com percentual de mistura de 2 %.Já a partir de 2013, quando esse percentual passapara 5 %, a necessidade de área passa para1.199.127 hectares, chegando a 1.273.276 hecta-res em 2015.

No que se refere à geração de empregona agricultura, os resultados mostram que, nocaso da soja, para atender à demanda de 25 %de biodiesel numa área de 381.099 ha, necessi-ta-se da mão-de-obra de 3.811 pessoas, enquanto4.608 postos de trabalhos serão preenchidos em2012 para uma área de 460.843 ha. Com oaumento do percentual da mistura para 5 %,cresce também o emprego na agricultura,ocupando 12.733 pessoas em 2015.

No caso da mamona, se um quarto dademanda de biodiesel fosse atendida com autilização dessa oleaginosa, haveria a necessidadede uma área de 736.555 hectares para seu cultivo

Tabela 4. Estimativa de necessidade de área e geração de emprego nas culturas de soja e mamona para ademanda de 25 % de biodiesel no Brasil (de 2006 a 2015).

Demanda Soja Mamona

Ano de biodiesel Área Emprego Área Emprego(em 1.000 L) (ha) (unid.) (ha) (unid.)

2006 217.388 381.099 3.811 609.101 60.9102007 224.008 392.705 3.927 627.651 62.7652008 233.150 408.731 4.087 653.266 65.3272009 240.250 421.179 4.212 673.161 67.3162010 247.567 434.006 4.340 693.662 69.3662011 255.107 447.223 4.472 714.787 71.4792012 262.876 460.843 4.608 736.555 73.6562013 684.010 1.199.127 11.991 1.916.537 191.6542014 704.842 1.235.645 12.356 1.974.904 197.4902015 726.307 1.273.276 12.733 2.035.049 203.505

Fonte: resultados da pesquisa (2007).

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em 2012, último com percentual de mistura de2 %. Já a partir de 2013, quando o percentualpassa para 5 %, a necessidade de área mais queduplica, passando para 1.916.537 hectares echegando a 2.035.049 hectares em 2015.

No que se refere à ocupação de mão-de-obra para a mamona, uma área de 609.101 hagera 60.910 postos de trabalho em 2006, e73.656 pessoas estarão empregadas nessacultura em 2012, quando se alcança uma áreade 736.555 ha. O aumento do percentual demistura para 5 % eleva a demanda por mão-de-obra: 191.654 empregos em 2013 e 203.505 em2015 (Tabela 4).

Assim, é possível perceber, pelos resul-tados, que mesmo num cenário de menor parti-cipação das culturas na produção de biodiesel,os efeitos da adoção do Programa acarretarepercussões importantes no meio rural.

Deve-se levar em conta também osefeitos do biodiesel em termos sociais, ambien-tais e econômicos. Segundo o Ministério deMinas e Energia, cada tonelada de biodieselutilizada evita a produção de 2,5 toneladas deCO2. Isso está de acordo com uma das principaiscriações do Protocolo de Kyoto, o Mecanismode Desenvolvimento Limpo (MDL), que propõe:cada tonelada de CO2 não emitida ou retiradada atmosfera por um país em desenvolvimentopode ser negociada no mercado mundial, o quecria um novo atrativo para redução das emissõesglobais e gera o Mercado de Créditos de Carbono.

Nesse sentido, a utilização das culturas dasoja e da mamona tem relevância, pois elas seenquadram na proposta, e o Brasil possuipotencial para sua produção.

Considerações finaisOs resultados desta pesquisa apontam que

a adoção do programa do biodiesel pode gerarimpactos importantes na agricultura brasileira,promovendo expansão na área a ser ocupadacom as culturas de soja e mamona, além deocupação de mão-de-obra. O biodiesel pode serum importante produto para exportação e para

a independência energética nacional, associadaà geração de emprego e renda nas regiões do País.

Entretanto, deve-se considerar o volumea ser demandado do produto, atentando para acapacidade de produção de óleos vegetais,especialmente de mamona, uma vez que a atualcapacidade sugere a necessidade de grandesesforços para sua expansão, além de estudostécnicos que viabilizem o uso do óleo demamona para fins combustíveis, já que ascaracterísticas físicas desse óleo o tornam maisadequado para fins lubrificantes.

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Camarão brasileiroUma análisecomportamental dos preçosbrasileiro e internacional1

Josemar P. de Sousa Júnior2

Keuler Hissa Teixeira3

Ricardo Chaves Lima4

Resumo: Este artigo tem como objetivo verificar a relação entre os níveis de preços brasileiro einternacional para cada tipo de camarão no mercado americano, por meio de séries históricas dejaneiro de 2000 a dezembro de 2005. Nesse contexto, procura-se identificar algum padrão bemdefinido sobre o comportamento dessas variáveis e/ou se elas seguem uma trajetória comum eestável ao longo do tempo. Os resultados encontrados aqui dão um indicativo do peso do preçobrasileiro na variação do preço internacional dessa commodity. Entretanto, a inserção da carciniculturabrasileira no mercado americano foi decorreu de um contexto econômico propício, porémmomentâneo. Dessa forma, as reduções sucessivas dos preços brasileiro e internacional deimportação de camarão são resultantes de ajustamento da oferta e demanda.

Palavras-chave: carcinicultura, co-integração, função impulso–resposta.

Abstract: This paper intend to verify the relationship among the levels of brazilian and internationalprice, for each shrimp type in american market, using historical series from January 2000 toDecember 2005. In this context it tries to identify some well-defined standard about the variablesbehavior and if these variables follow a common and stable trajectory along the time. The resultsshow the commodity national price influence in the international price variation. However thebrasilian shrimp aquaculture entrance in the american market was in a favorable and momentaryeconomic context. Therefore, the successive decreases in the national and international shrimp’simportations prices are results of an adjustment between supply and demand.

Key words: shrimp aquaculture; cointegration; impulse response function.

1 Os autores agradecem ao pesquisador Raúl Mario Malvino Madrid (D.Sc.), Ibama/CE e Labomar/UFC os valiosos comentários e as importantes sugestões queforneceu para este trabalho.

2 Engenheiro de Pesca, M.Sc. em Economia Rural, Doutorando em Economia (Pimes/UFPE), [email protected] Economista, M.Sc. em Economia Rural, Doutorando em Economia (Pimes/UFPE), [email protected] Ph.D. em Economia e Professor Adjunto do Departamento de Economia (Pimes/Decon/UFPE), [email protected] Em 2005, os Estados Unidos importaram, de mais de 50 países, 528.836 toneladas, e isso confirmou sua posição de líder mundial. O segundo e o terceiro

lugares, Japão e Espanha, respectivamente, importaram 291.665 toneladas e 149.945 toneladas, nessa ordem (MADRID, 2006).

Introdução

O camarão é o produto mais importantedo setor pesqueiro mundial. Os Estados Unidosdestacam-se como o país mais importante no

comércio internacional de camarões5, responsá-vel em 2005 por 26,4 % do volume total decamarões importados mundialmente. Essasupremacia foi conseguida em 1997 quando oJapão perdeu a liderança de maior importador,

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como resultado do início da prolongada criseeconômica que afetou a economia o país(MADRID, 2006).

O Brasil ingressou no cenário internacionalcomo um grande exportador dessa commoditya partir de 1998, tendo direcionado sua produção,quase na totalidade, principalmente para osEstados Unidos, sob a forma congelado e desca-beçado nas classificações 41~50/lb, 51~60/lb,61~70/lb e >70/lb, das quais, segundo oDepartamento de Comércio dos Estados Unidos,destacam-se as duas últimas6.

Essa procura internacional pelo camarãobrasileiro cresceu exponencialmente como,resultado da grave crise que dizimou a produçãodos países da costa do Pacífico da AméricaCentral, como Equador, Colômbia e Peru, decor-rente da doença White Spot (WSSV), tambémconhecida como Mancha Branca7, e isso ocasio-nou um aumento dos preços internacionais.No ano seguinte, a desvalorização da moedabrasileira, diante da moeda americana redirecio-nou a produção das empresas brasileiras para oexterior, deixando a atividade bastante atrativapara os novos entrantes (FROTA, 2005).

Entretanto, o aumento significativo daprodução e das exportações brasileiras de camarãono período de 2000 a 2003 e a atitude do governobrasileiro em adotar medidas que beneficiassemos exportadores, não somente de camarão, pelaisenção de impostos – como o Imposto sobreCirculação de Mercadorias e Serviços (ICMS) –,proporcionaram ao exportador daqui umavantagem competitiva diante de seus8.

Ademais, a rigorosa legislação brasileirade biossegurança corrobora a intenção doscompradores externos no interesse pelo camarãobrasileiro, referenciando-o como produto dequalidade excepcional. Estratégias e políticasgovernamentais como essas impulsionam asempresas do Brasil a uma competitividade maior

no mercado internacional (FROTA, 2005). Damesma forma, a iniciativa do governo brasileirode recorrer à Organização Mundial do Comércio(OMC) contra os Estados Unidos, na questão dossubsídios aos produtos agrícolas, deve terincentivado o Departamento de Comércio dosEstados Unidos (U.S. Department of Commerce)a incluir o Brasil entre os países a sereminvestigados pela prática de dumping.

No entanto, segundo Salvatore (2000),citado por Moura (2005), dumping predatório “éa venda temporária de uma commodity a umpreço abaixo do custo ou a um preço externoinferior, com o objetivo de eliminar osprodutores estrangeiros, após o que os preçossão elevados para permitir que se tire vantagemdo poder de monopólio externo recém-adquirido”.

Considerações sobre este estudoA motivação deste artigo decorre do fato

de que há poucos trabalhos no Brasil quebuscaram analisar a relação entre os níveis depreço brasileiro e internacional, para cada tipode camarão no mercado americano, em termosreais, com o uso de séries históricas de janeirode 2000 a dezembro de 2005. Assim, o artigotenta preencher essa lacuna, visando a avançarna extensão dos problemas econômicos vincu-lados ao setor pesqueiro, sobretudo no que tangeà carcinicultura.

Nesse contexto, procura-se identificaralgum padrão bem definido sobre o compor-tamento dessas variáveis e/ou se elas seguemuma trajetória comum e estável ao longo dotempo. Portanto, pretendemos investigar asvariações dos níveis de preços brasileiro e inter-nacional entre os quatro tipos de camarãoanalisados, classificados como 41~50/lb,51~60/lb, 61~70/lb e >70/lb, durante operíodo mencionado. Dada uma libra como

6 No momento do beneficiamento, o camarão é classificado (em classes por libras) de acordo com o peso das caudas (OGAWA ; KOIKE, 1987).7 Como exemplo dessa recente catástrofe, pode-se considerar o ocorrido no Equador na metade de 1999, quando foi diagnosticado o primeiro surto provocado

pelo vírus da “mancha-branca” (White Spot Syndrome Vírus). Naquele momento, existiam no Equador aproximadamente 200.000 ha em cultivo e, em menosde um ano, a produção nacional caiu para cerca de 40 %, com os conseqüentes prejuízos econômicos e sociais (BRASIL; ABCC, 2001).

8 De acordo com a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96), o exportador é isento de impostos.

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unidade de massa de referência, os camarõessão distribuídos de forma padronizada por pesoe, conseqüentemente, por tamanho, pois cama-rões mais pesados correspondem a camarõesmaiores. Em caixas para exportação, sãoacomodados, em 1 lb, de 41 a 50 camarõescongelados e descabeçados quando a classifi-cação é do tipo 41~50/lb; de 51 a 60 camarõesquando a classificação é do tipo 51~60/lb eassim sucessivamente. Portanto, à medida queo peso (tamanho) dos camarões diminui, maiscamarões são acomodadas em 1 lb. Isso temreflexos imediatos nas cotações dos preços nosmercados internacional e nacional, pois os cama-rões maiores conseguem preços mais elevadosque os camarões menores.

Várias questões metodológicas do modeloa ser estimado serão tratadas neste artigo.A primeira diz respeito à estacionariedade dospreços brasileiro e internacional. É muito impor-tante verificar se a relação entre as variáveis éestacionária ou não, pois se ambas as séries sãoestacionárias, então é possível utilizar um mode-lo de Vetores Auto-Regressivos (VAR) semincorrer em resultados espúrios. Entretanto,sabe-se, pela literatura estatística sobre sériestemporais, que modelos com séries não-estacio-nárias em níveis conduzem a resultados espúriose dinâmicas viesadas9.

Assim, se uma série é não estacionária emnível, mas estacionária após a primeira diferença,dizemos que ela é integrada de ordem 1, isto é,I(1). Dessa forma, se Y e X são séries I(1), entãoelas podem ser co-integradas. Em geral, se Y forI (d) e X também for I (d), em que d é o mesmovalor, essas duas séries podem ser co-integradas.

Então, se as variáveis são co-integradas, ainformação sobre a relação delas em níveis podeser confiantemente recuperada estatisticamenteao longo do tempo por meio de um modelo deVetor de Correção de Erros (VEC) (ENGLE;GRANGER, 1991)10. Vale ressaltar que, se o

valor da ordem de integração d não for o mesmopara ambas as séries, elas podem não ser co-integradas, o que novamente permitiria a utili-zação do modelo VAR.

Outra questão envolve o comportamentodo preço brasileiro em função do impacto nopreço internacional para cada tipo de camarãoanalisado. Também importante é o ponto quese refere à parcela que cada preço exerce sobrea variação do outro, para os quatro tipos decamarão abordados.

Métodos e resultadosOs dados sobre a série dos preços reais do

camarão brasileiro, de janeiro de 2000 a dezembrode 2005, destinado aos EUA, foram obtidos naNational Marine Fisheries Service, que apresentaas estatísticas das importações pesqueiras combase nas próprias faturas emitidas pelos paísesexportadores. Para o preço internacional, duranteo mesmo período em questão, utilizou-se osomatório dos valores das importações divididaspelo somatório de suas respectivas quantidadesimportadas, oriundas dos países dos quais os EUAimportam, excluindo o Brasil.

Essas séries temporais foram usadas paraestimar a relação e influência entre os preçosbrasileiros e internacionais de cada tipo de cama-rão. Porém, conforme mencionado, para evitarproblemas de regressões espúrias e estrutura dedinâmicas viesadas, devem-se investigar aspropriedades dessas séries antes que qualquermodelo dinâmico seja especificado e estimado(STOCK; WATSON, 1988).

Estacionariedade

A covariância estacionária das séries dospreços brasileiro e internacional de cada tipo decamarão foi examinada com o uso dos testesDickey-Fuller Aumentado (ADF) e não-paramétrico Phillips-Perron (PP)11.

9 É necessário destacar que, neste trabalho, não serão apresentados os aspectos teóricos e de aplicação dos modelos de Vetores Auto-Regressivos (VAR). O leitorinteressado em conhecer tal teoria pode consultar Enders (2004).

10 A definição formal do uso de um modelo de Vetor de Correção de Erros (VEC) encontra-se em Engle e Granger (1991).11 O leitor interessado em conhecer os aspectos teóricos, bem como a aplicação de testes de raiz unitária, pode consultar Enders (2004).

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A hipótese nula do teste é que a sériepossui raiz unitária, e a alternativa diz respeito àausência de raiz unitária na série analisada e,portanto, a covariância é estacionária. Tanto asérie em nível quanto em primeira diferençaforam testadas, pois sabe-se que as séries nãoestacionárias em níveis tornam-se, freqüente-mente, estacionárias quando diferenciadas.Os resultados dos testes ADF e PP dos níveisdos preços brasileiros e internacionais de cadatipo de camarão, incluindo um termo de tendên-cia e intercepto além dos resultados dos referidostestes para as séries diferenciadas, são resumidosna Tabela 1.

Da Tabela 1, verifica-se que os preçosbrasileiro e internacional para cada tipo decamarão analisado são não estacionários emnível, pois apesar de o preço brasileiro docamarão do tipo 61~70/lb ser consideradoestacionário pelo teste ADF, constatou-se queele possui raiz unitária pelo teste PP. Ainda daTabela 1, para as séries supracitadas, em pri-meira diferença, apenas o preço brasileiro docamarão do tipo >70/lb revelou-se não-estacionário pelo teste ADF, embora estacionárioem primeira diferença pelo teste PP. Já para asérie diferenciada do preço internacional docamarão do tipo 61~70/lb, o teste ADF rejeitoua hipótese nula de raiz unitária para o nível de1 % de significância12.

A análise seguinte busca testar a presençade co-integração para os preços internacional ebrasileiro dos tipos de camarão. Entretanto, faz-se necessário determinar o número de defasagensa serem utilizadas no teste de co-integração. Paratanto, realizou-se o procedimento adotado porHendry, que consiste em determinar um númerode defasagem partindo do mais geral para o maisespecífico, selecionando a ordem de defasagemestatisticamente significante.

Dada a limitação do número de observa-ções, partiu-se de um modelo de seis defasagenspara cada tipo de camarão, tomando comoreferência principal o Critério de Schwarz (SC).Os resultados da Tabela 2 mostram que, paracamarões dos tipos 41~50/lb e 51~60/lb, omodelo ideal é aquele que inclui uma defasagemsem a presença de constante. Para o tipo 61~70/lb,o modelo ideal é aquele que inclui duas defa-sagens, sem a presença de constante. Por fim, omodelo a ser estimado para o camarão tipo>70/lb apresenta constante e uma única defa-sagem.

Co-integração

Há, entretanto, um importante caso noqual duas séries não estacionárias I (1) podemser modeladas em níveis sem obter resultadosespúrios e dinâmicas enviesadas. Essa é asituação em que as duas séries são co-integradas

Tabela 1. Testes ADF e PP para raiz unitária do preço brasileiro e preço internacional por tipo de camarão, dejaneiro de 2000 a dezembro de 2005.

TipoPBR(1) DPBR(2) PI(3) DPI(4)

Teste ADF Teste PP Teste ADF Teste PP Teste ADF Teste PP Teste ADF Teste PP

41~50/lb -2,235914 -2,235914 -7,615008* -7,592412* -0,480035 -0,990744 -6,173759* -6,278407*51~60/lb -1,018484 -1,27944 -6,942048* -7,00648* -0,185655 -0,64446 -5,337475* -5,33748*61~70/lb -8,945474* -1,80471 - -8,913371* -1,319369 -1,10373 -2,450321** -10,27455*>70/lb -3,497781 -1,92712 -1,823507 -7,53949* -3,453899 -3,614715** -13,12844* -12,24887*

(1) Preço brasileiro do camarão.(2) Preço brasileiro do camarão em 1a diferença (ou diferenciado de ordem 1).(3) Preço internacional do camarão.(4) Preço internacional do camarão em 1a diferença (ou diferenciado de ordem 1).* Rejeita a hipótese nula de raiz unitária para o nível de significância de 5 %; ** Rejeita a hipótese nula de raiz unitária para o nível de significância de 10 %.Fonte: elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2006).

12 Dado que o teste para raiz unitária, incluindo um termo de tendência, não rejeitou a hipótese de presença de raiz unitária em todas as séries temporaisanalisadas, podemos concluir que as séries analisadas neste trabalho revelaram possuir uma tendência estocástica, sendo assim desnecessária a inclusão de umtermo de tendência no modelo com objetivo de remover tal efeito.

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(ENGLE; GRANGER, 1991). Para determinar seas séries de preços brasileiros e internacionaisde cada tipo de camarão são co-integradas,realizou-se o teste para co-integração formuladopor Johansen.

Os resultados do teste de co-integraçãosão resumidos na Tabela 3. Nela, são apresen-tadas informações sobre os testes estatísticostraço e máximo autovalor de Johansen com osrespectivos valores críticos para o nível de signifi-cância de 5 %.

Conforme a Tabela 3, a relação entre ospreços brasileiros e internacionais para os tiposde camarão 41~50/lb e 51~60/lb indica nãohaver co-integração entre eles, enquanto paraos tipos 61~70/lb e >70/lb o teste de co-integração indicou a presença de um vetor deco-integração para os preços brasileiro e interna-cional. Portanto, os dois primeiros tipos decamarão deverão ser modelados na forma deum Vetor Auto-Regressivo (VAR), enquanto osdois últimos deverão ser estruturados na formaVetor de Correção de Erro (VEC).

Análise da relação entreos preços brasileiro e internacionalao longo do tempo para cadatipo de camarão

De acordo com o teste Dickey-Fuller, como qual se verificou que ambas as séries, de preçosbrasileiros e internacionais, de cada tipo decamarão, eram de ordem I(1) e, posteriormente,pelo teste de Johansen, que permitiu analisar seelas eram co-integradas, foi possível ajustar paracada tipo de camarão um modelo adequado.

Observa-se pela Tabela 3 que os preçosbrasileiros e internacionais dos camarões dostipos 41~50/lb e 51~60/lb, não possuem apresença de um vetor de co-integração. Assim,utilizaram um modelo VAR para cada um dessestipos de camarões. Já para os camarões dos tipos61~70/lb e >70/lb, as séries em análise foramconsideradas co-integradas e, portanto, utilizou-se um modelo VEC para cada uma dessasclassificações de camarão.

Por causa da dificuldade de interpretaçãodos coeficientes estimados, tanto para o modeloVAR quanto para o modelo VEC, é usual que osresultados sejam analisados por meio da funçãoimpulso-resposta e por intermédio da decompo-sição da variância, dado que o objetivo principalé verificar de que forma se comporta a relaçãoentre os preços brasileiro e internacional em cadaum dos tipos de camarão analisados.

Então, usando o modelo adequado paracada uma das classificações de camarão anali-sadas, pôde-se computar de que forma um preçobrasileiro responde a um dado choque no preçointernacional em cada um dos tipos de camarão,isso com base na função de impulso-resposta (FRI)usando a abordagem ortogonalização deCholesky.

Na Fig. 1, temos as FRIs estimadas emmodelo VAR para as classificações de camarão41~50/lb e 51~60/lb. Após um choque nãoantecipado nos preços internacionais do camarãotipo 41~50/lb, os preços praticados no Brasilapresentam trajetória ascendente aproximada-

Tabela 3. Teste de co-integração de Johansen paraos preços brasileiro e internacional, para cada tipo decamarão.

Tipo (Traço)0,05 valor

(Max)0,05 valor

cítrico crítico

41~50/lb 13,52535 15,49471 11,92841 14,264651~60/lb 11,31876 15,49471 9,619995 14,264661~70/lb 30,09774* 15,49471 27,95459* 14,2646>70/lb 18,36491* 15,49471 16,73794* 14,2646

* Rejeita a hipótese de ausência de co-integração.Fonte: elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2006).

Tabela 2. Seleção do melhor modelo para a estimação.

Tipo Lag Constante SC

41~50/lb 1 Sim -0,0678761 Não -0,170155(1)

51~60/lb 1 Sim -0,8473471 Não -0,885842(1)

61~70/lb 2 Sim -0,4557582 Não -0,484946(1)

>70/lb 1 Sim -1,518601(1)

1 Não -1,487522(1) Indicação do modelo a ser estimado pelo critério de Schwarz (SC).Fonte: elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2006).

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mente até o 15o mês após a incidência dessechoque. A partir do 16o, os preços domésticosda referida classificação tendem a se estabilizar,porém num patamar mais elevado quandocomparado àquele anterior ao choque inicial nospreços internacionais (Fig. 1). Porém, tal fato nãose observa na resposta do preço brasileiro daclassificação 51~60/lb, dado um choque no

preço internacional para mesma classificação,haja vista que a referida FRI não apresenta signifi-cativa alteração em seu comportamento.

A análise da decomposição da variânciadas séries estudadas está descrita na Tabela 4.

Pela Tabela 4, verifica-se que o preçointernacional do camarão tipo 41~50/lb respon-

Fig. 1. Análise da função impulso–resposta para os camarões dos tipos 41~50/lb e 51~60/lb.Fonte: elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2006).

Tabela 4. Análise da decomposição da variância para camarões dos tipos 41~50/lb e 51~60/lb, considerandoo ordenamento de Cholesky: PBR diante de um possível impacto do PI(1).

Tipo

Período 41~50/lb 51~60/lb

Decomposição da variância de PBR Decomposição da variância de PBR

S.E. PBR PI S.E. PBR PI

1 0,353563 100,0000 0,000000 0,274897 100,0000 0,0000004 0,627157 99,31654 0,683463 0,541563 99,99965 0,0003488 0,785849 97,15626 2,843739 0,750220 99,99887 0,00113212 0,879892 94,40879 5,591213 0,899780 99,99813 0,001870

Tipo

Período 41~50/lb 51~60/lb

Decomposição da variância de PI Decomposição da variância de PI

S.E. PBR PI S.E. PBR PI

1 0,204776 45,69000 54,31000 0,169386 42,27160 57,728404 0,406105 48,08610 51,91390 0,355991 66,51561 33,484398 0,567055 50,35999 49,64001 0,546679 82,28398 17,7160212 0,684761 51,92533 48,07467 0,708736 88,95893 11,04107

(1) PBR: preço brasileiro do camarão; PI: preço internacional do camarão.Fonte: elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2006).

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de por 5,59 % das mudanças do preço brasileirono 12o mês. Entretanto, o preço brasileiro dessamesma classificação influencia em 51,92 % nasmudanças do preço internacional para o mesmoperíodo. Para a classificação de camarão 51~60/lb,observa-se que o preço internacional pratica-mente não impacta (0,002 %) as mudanças dopreço brasileiro no 12o mês, o que não se verificaquando se analisa a influência do preço brasileirosobre o preço internacional dessa mesma classi-ficação, visto que o primeiro responde por88,95 % nas mudanças do segundo, para omesmo período.

Analogamente, temos as FRIs estimadasem modelo VEC para as classificações decamarão 61~70/lb e > 70/lb. Após um choquenos preços internacionais do camarão tipo61~70/lb, observa-se que os preços praticadosno Brasil apresentam uma pequena oscilação atéaproximadamente o quarto mês após a incidênciadesse choque. A partir do quinto mês, os preçosdomésticos da referida classificação de camarãotendem a se estabilizar, porém num patamarmais elevado que aquele anterior ao choqueinicial nos preços internacionais (Fig. 2). Já naclassificação > 70/lb, observa-se uma trajetóriaascendente mais acentuada até aproximada-mente o sexto mês, seguindo de forma menospronunciada até o 14o mês. A partir desse instante,tende à estabilização.

A análise da decomposição da variânciadas séries estudadas está descrita na Tabela 5.

Pela Tabela 5, verifica-se que o preçointernacional do camarão tipo 61~70/lb respon-de por 0,34 % das mudanças do preço brasileirono 12o mês. Entretanto, o preço brasileiro dessamesma classificação influencia em 95,61 % asmudanças do preço internacional para o mesmoperíodo. Para a classificação de camarão > 70/lb,observa-se que o preço internacional é respon-sável por 0,24 % das mudanças do preço brasileirono 12o mês. No entanto, ao analisar a influênciado preço brasileiro sobre o preço internacionaldessa classificação, verifica-se que o primeiroresponde por 95,06 % nas mudanças do segun-do, para o mesmo período.

Fazendo um diagnóstico generalizado,com base nas informações geradas pela análisede decomposição da variância de todos os tiposde camarão em questão, pôde-se observar umconsenso sobre o importante papel dos preçosbrasileiros no comportamento dos preços inter-nacionais, visto que, para todos os casos, ospreços domésticos respondem por mais de 52 %das mudanças do preço internacional. De acordocom Moura (2005), isso pode ser explicado pelofato de que o aumento da produção brasileiragerado pela incorporação de novas áreas decultivo, aliado ao desenvolvimento da tecnologia

Fig. 2. Análise da função impulso–resposta para os camarões dos tipos 61~70/lb e >70/lb.

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empregada nas diversas fases da cadeia produ-tiva, permitiu ao Brasil aumentar cada vez maissuas exportações. Esse aumento projetou asexportações nacionais, equiparando o Brasil apaíses como Equador, Índia, Tailândia, China eIndonésia, países de relevância no comérciointernacional de camarão.

O mesmo autor destaca que entre 2000 e2001 o volume cresceu percentualmente110,44 %. Entre 2001 e 2002, seu crescimentofoi de 76,74 %, atingindo 37.789.430 kg.Os dados mostram principalmente que a partirde 1999 e até 2002 a atividade cresceu em1.544,47 %, caracterizando a carcinicultura comouma atividade bastante dinâmica. Observou-seainda que o crescimento acumulado no volumeexportado foi de 16.712,34 % entre 1996 e 2002(ROCHA; RODRIGUES, 2004; MOURA, 2005).

Madrid (2006) verificou certa correlaçãoentre a produção de camarão Litopenaeusvannamei com o volume e o preço dos cama-rões importados, ratificando dessa forma osresultados encontrados neste trabalho, bemcomo aqueles descritos por Moura (2005).

No período de 1999 a 2000, houve umadiminuição da produção mundial de L. vannameide -21,87 %, provocada pela diminuição daprodução do Equador em decorrência damancha-branca. No período de 2000 a 2001,inicia-se a produção de L. vannamei pela China,e o Brasil apresenta um incremento importantecom acréscimo de produção de 92,64 %, o queprovocou um aumento das importações em15,04 % e uma diminuição do preço em -15,39 %.No período de 2001 a 2002, a produção conti-nuou aumentando (53,87 %); em contrapartida,o preço novamente diminuiu (-15,20 %), e ovolume importado apresentou um pequenoaumento (2,19 %). No período de 2002 a 2003,a produção aumenta ainda mais (67,96 %),situação idêntica para o volume importado(20,24 %), e o preço médio diminuiu apenas-2,8 % (MADRID, 2006). Apesar disso, é precisobastante cautela ao interpretar esses resultados,pois tal situação não pode ser caracterizada comoformação de preço.

Entretanto, o aumento significativo da pro-dução e das exportações brasileiras de camarãono período de 2000 a 2003 e a atitude do

Tabela 5. Análise da decomposição da variância para camarões dos tipos 61~70/lb e >70/lb, considerando oordenamento de Cholesky: PBR diante de um possível impacto do PI (1).

Tipo

61~70/lb >70/lb

Período

Decomposição da variância de PBR Decomposição da variância de PBR

S.E. PBR PI S.E. PBR PI

1 0,441345 100,0000 0,000000 0,316021 100,0000 0,000000 4 0,833200 99,69666 0,303339 0,669161 99,94983 0,050169 8 1,162619 99,67487 0,325132 0,940257 99,83462 0,165382 12 1,412853 99,65565 0,344347 1,144035 99,75151 0,248487

Tipo

61~70/lb >70/lb

Período

Decomposição da variância de PBR Decomposição da variância de PBR

S.E. PBR PI S.E. PBR PI

1 0,268690 74,52102 25,47898 0,177534 63,77278 36,22722 4 0,459724 84,70883 15,29117 0,403607 84,52142 15,47858 8 0,754935 92,77461 7,225391 0,628310 92,35968 7,640317 12 1,024294 95,61637 4,383635 0,808200 95,06193 4,938065

(1) PBR: preço brasileiro do camarão; PI: preço internacional do camarão.Fonte: elaboração própria a partir dos dados da pesquisa (2006).

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governo brasileiro de recorrer à OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC) contra os EstadosUnidos na questão dos subsídios aos produtosagrícolas fizeram com que o Departamento deComércio dos Estados Unidos adicionasse oBrasil entre os países a serem investigados pelaprática de dumping.

Um dos aspectos analisados pelo Departa-mento de Comércio dos Estados Unidos para talacusação refere-se à situação da moeda de cadapaís, de janeiro de 2001 a junho de 2004, o quedeve ter prejudicado o Brasil, já que nesseperíodo houve grande desvalorização do real,deixando o camarão brasileiro, por essa razão,mais competitivo que o dos outros países. Porsua vez, não foi analisada a taxa de juros real,que deixa o Brasil em uma grande desvantagemquando comparado com os outros países acusadose mesmo com os Estados Unidos (MADRID,2006).

Ao analisarmos a medida adotada pelosEUA contra a ação de dumping, pôde-se observarque, em termos de volume e valores, Equadore Tailândia – países com as taxações menores –apresentaram aumento das exportações,enquanto nos outros quatro países13 houvediminuição. Segundo Madrid (2006), o objetivoprincipal da ação antidumping estabelecidapelos Estados Unidos não foi alcançado, haja vistaque, ao contrário do que se esperava, os preçosdiminuíram, inclusive os de exportações dospaíses que não foram acusados.

O que se pode afirmar é que o crescimentodo camarão brasileiro não foi uma resposta a umapolítica pública coordenada nos níveis institu-cionais hierárquicos do país, nem o resultado deuma ação sincronizada dos poderes do Estado,nem o produto de programas do executivo e,muito menos, de incentivos provenientes doreconhecimento e do apoio da sociedade(MADRID, 2006).

Ressalta-se que esse crescimento, quegerou tantas expectativas e esperanças, emparticular para o Nordeste, foi em grandemedida o resultado de situações de políticaeconômica e de condições momentâneas demercado que, com o passar do tempo, modifi-caram-se e mostraram-se altamente instáveis. Talinstabilidade, que conduz à perda de competi-tividade da carcinicultura brasileira no mercadointernacional, deve-se não ao preço internacionalbaixo – este é uma conseqüência e não a causado problema –, mas principalmente ao consi-derável aumento da produção do L. vannameicomo opção de cultivo pelos países asiáticos,em substituição ao Penaeus monodom14. Diantede tal situação, acredita-se que a redução dospreços de importação de camarão entre 2000 e2003 foi resultado de um ajustamento entreoferta e demanda.

Conclusões e sugestõesNeste artigo, foi analisada a relação entre

os preços brasileiro e internacional para cada tipode camarão brasileiro durante o período dejaneiro de 2000 a dezembro de 2005. Dado aforma adequada de estimação entre os preçoscitados, seja ela na forma de VAR ou estruturadaem VEC, os resultados encontrados aqui dão umindicativo do peso do preço brasileiro na variaçãodo preço internacional dessa commodity. Talresultado pode ser corroborado pelo fenômenosimultâneo da entrada do Brasil no cenáriointernacional e sucessivas quedas nos preçosdomésticos e internacionais, favorecidoprincipalmente pela incorporação de novas áreasde cultivo e adoção de um pacote tecnológicobem-sucedido. Contribuíram também medidasgovernamentais de isenção de impostos aosexportadores, como o ICMS, o que proporcionoua estes uma maior competitividade e, conse-qüentemente, uma maior inserção no mercado

13 Tailândia (+34,09 %), Equador (+44,24 %), Índia (-21,12 %), Brasil (-86,24 %), China (-86,00 %), Vietinã (-26,11 %), segundo a NMFS, citado por Madrid(2006).

14 O P. monodom, embora uma espécie nativa da Ásia, foi perdendo suas características zootécnicas em termos de conversão alimentar, velocidade de crescimento,sobrevivência e homogeneidade de tamanho na despesca, sendo substituído pelo L. vannamei, que apresenta características significativamente melhores,o que permite aos países asiáticos produzi-lo a custos sensivelmente menores em relação ao ocidente (MADRID, 2006).

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americano. Além do mais, ocorreu um cenáriomacroeconômico favorável para exportação,uma vez que nesse período houve grande des-valorização do real, e isso deixou o camarãobrasileiro mais competitivo que o dos outrospaíses. Tal situação fez com que o Departamentode Comércio dos Estados Unidos incluísse oBrasil na lista dos países acusados por prática dedumping. Entretanto, o relatório desse Departa-mento não considera a taxa de juros real, quedeixa o Brasil em grande desvantagem quandocomparado com os outros países acusados emesmo com os Estados Unidos.

Observou-se que o objetivo principal daação antidumping não foi alcançado, haja vistaque, ao contrário do que se esperava, os preçosdiminuíram, inclusive os das exportações dospaíses não acusados.

Conclui-se que essa inserção da carcinicul-tura brasileira ocorreu em razão de um contextoeconômico, momentaneamente propício, queveio se diluindo com o passar do tempo, tornan-do-se assim altamente instável e conduzindo àperda de competitividade dessa atividadeeconômica no mercado internacional.

Diante de tal situação, acredita-se que aredução dos preços de importação de camarãoentre 2000 e 2003 foi resultado de um ajusta-mento entre oferta e demanda. Portanto, o Brasilfoi prejudicado mais pelo comportamentoascendente de suas exportações nesse períododo que por seu potencial e pela ameaça que essepotencial significou.

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FROTA, I. L. N. Análise dos determinantes da vantagemcompetitiva da carcinicultura nordestina. Recife, PE:UFPE, 2005. 112 p. Dissertação de mestrado apresentadaà Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

MADRID, R. M. M. Camarão mercado americano: açãoantidumping, política de preços e tendência dedemanda. Fortaleza: IBAMA/GEREX-CE; LABOMAR/UFC,2006. (Documentos ocasionais, 3).

MOURA, C. A. F. Dumping na carcinicultura brasileirauma análise dos impactos socioeconômicos daacusação norte-americana. Recife, PE: UFPE, 2005. 98p. Dissertação de mestrado apresentada à UniversidadeFederal de Pernambuco, Recife.

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ROCHA, I. P.; RODRIGUES, J. O agronegócio docamarão cultivado em 2003. Recife: ABCC, 2004. 19 p.

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Análise do preçodo milho nosmercados externoe interno

Vladimir Faria dos Santos1

Matheus Wemerson Gomes Pereira2

Marcelo José Braga3

Wilson da Cruz Vieira4

Resumo: O crescimento da quantidade exportada do milho pelo Brasil, a partir de 2001, tem levadoa uma provável influência do preço internacional desse cereal sobre o preço recebido pelosprodutores domésticos. Assim, este trabalho visa a analisar a relação entre esses dois mercados noperíodo de janeiro de 1996 a julho de 2006. Para isso, foram realizados os testes de estacionariedade,causalidade de Granger e de co-integração. O teste de Granger sugere que há relação unidirecionalentre o preço externo e o preço para o produtor, isto é, o preço externo impacta (no sentido deGranger) os preços internos. O resultado do teste de co-integração indica que as séries são co-integradas e, portanto, possuem relação de longo prazo. Por meio do mecanismo de correção deerros, constatou-se que as mudanças de curto prazo nos preços externos se refletem lentamentenos preços para o produtor.

Palavras-chave: co-integração, causalidade de Granger; estacionariedade, produtor.

Abstract: The objective of this paper is to analyze the relationship between the international anddomestic corn market in the period from January 1996 to July 2006. Stationarity, Granger causalityand co-integration tests were performed to the corn price series. Granger test suggest a unidirectionalrelationship between international price and the price received by farmers, that is, internationalprice cause domestic prices. The results indicate that the price series are co-integrated and, therefore,they have a long run relationship. The error correction model suggests the short run changes ininternational prices are slowly transmitted to the domestic price.

Key words: co-integration, Granger causality, stationarity, farmers.

1 Estudante de Mestrado em Economia Aplicada, bolsista do CNPq. Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa, [email protected] Estudante de Mestrado em Economia Aplicada, Bolsista do CNPq. Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa,

[email protected] Professor associado do Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa, [email protected] Professor associado do Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa, [email protected]

IntroduçãoA produção de commodities agrícolas, por

depender de fatores considerados instáveis – quevão além de fatores ambientais, fatores de ofertae demanda interna e externa e ainda fatores de

comercialização –, exerce grande influência navariabilidade do nível de preços, o que, por suavez, impõe dificuldades no planejamento daprodução e no abastecimento de mercados(TWEETEN, 1979).

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Alguns economistas sugerem que osprodutos agrícolas podem ser divididos em doisgrupos: os de mercado externo e os de mercadointerno. Os primeiros estão relacionados comas variáveis externas, como taxa de câmbio,preços externos e oferta mundial do produto.Os produtos de mercado interno, por sua vez,respondem às variáveis internas, como renda,taxa de juros e aumento da demanda interna(COELHO, 2004). Não é evidente que essadicotomia seja válida no atual cenário deglobalização, no qual as economias mundiais seencontram cada vez mais inter-relacionadas, ea equalização de preços parece predominar emalta nesses mercados.

No que tange aos preços externos, oprocesso de globalização tem papel importantena influência dessa variável sobre a oferta deprodutos agrícolas domésticos. Ou seja, com aseconomias dos países mais expostas àsturbulências internacionais, os produtos agrícolasdomésticos podem sofrer mais intensamente asinfluências dos preços externos. Para Barros eFontana (2007), a melhora da conjuntura econô-mica da agropecuária brasileira, em 2006,deveu-se principalmente à elevação dos preçosno mercado externo. Portanto, dependendo dascondições do cenário internacional, o produtorinterno pode auferir ganhos (caso os preçosestejam em alta) ou perdas (quando os preçosestão em baixa).

No caso do milho, apesar de o Brasil nãoter tradição de exportador ou importador, semprese pensou que ele tivesse potencial para partici-par do mercado externo, e isso começou a tornar-se realidade nos anos de 2001 e 2002, quandoas participações brasileiras no mercado interna-cional foram, respectivamente, de 8 % e 2 %(EMBRAPA MILHO E SORGO, 2007). De acordocom o United States Department of Agriculture(USDA) (USDA, 2007), a projeção, para o anode 2007, é que o Brasil participe no mercadomundial com 3,2 % do total comercializado.Segundo essa mesma fonte, estima-se que o Paíscontinue como um exportador líquido de milhopor causa dos preços mundiais atrativos e pornichos de mercado.

Outro fator que pode ser importante parao aumento da participação do Brasil comoexportador líquido é a crescente demanda dosEstados Unidos por milho, para a produção deenergia. Pressionados pelo fato de serem osmaiores poluidores do planeta, os norte-americanos buscam esse produto para aumentara parcela de biocombustíveis em sua matrizenergética. O Brasil poderá se tornar um parcei-ro estratégico tanto na exportação de etanolcomo na transferência de tecnologia para os EUAe para países em desenvolvimento, os quaispoderão se tornar fornecedores internacionais doproduto (MATTEDI, 2007).

Segundo a Sociedade Rural Brasileira(2007), o uso do milho para produção de etanolnos Estados Unidos tem alterado a oferta e ademanda do produto, fazendo com que ospreços mundiais reflitam tal alteração. Diantedisso, a expectativa é que o preço do milho tenhaforte valorização.

Assim, o crescimento da quantidadeexportada do milho, a partir de 2001, tem levadoa uma provável influência do preço internacionaldo milho sobre o preço interno desse cereal.

Diante do exposto, questiona-se se oscila-ções nos preços mundiais do milho vão repercutirnos preços internos recebidos pelos produtorese qual é a velocidade de transmissão dessespreços. Portanto, o objetivo neste trabalho étestar a hipótese de que o preço externo do milhoinfluencia o preço recebido pelos produtores.Para isso, foi determinada a relação de causali-dade entre essas duas variáveis.

Referencial teóricoIntegração de mercados

Integração de mercados pode ser entendi-da como o grau em que os preços de diferentesregiões se relacionam ao longo do tempo.Semelhantemente, Monke e Pitzel (1984) adefinem como um processo pelo qual acontecea interdependência de preços. Já para Goodwine Piggot (2001), integração de mercados reflete

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a extensão com que os choques são transmitidosentre mercados distintos.

Portanto, torna-se de grande relevânciaverificar até que ponto os movimentos do preçointerno acompanham os movimentos do preçoexterno. É perfeitamente possível que, emborapersistam diferenças de nível entre os dois preços,sua evolução ao longo do tempo evidencie altograu de vinculação entre eles. Embora sejainegável que custos de transportes, entravesadvindos de políticas comerciais e práticas nãocompetitivas acabem levando à discrepânciaentre o preços interno e externo, a magnitudedessa discrepância pode se manter relativamenteestável, caso esses fatores subjacentes à discre-pância não se alterem significativamente aolongo do tempo (ABREU et al., 2006).

Há diversos conceitos que procuram des-crever a dependência entre mercados, entre osquais se destacam a arbitragem espacial e a leido preço único (LPU).

Arbitragem espacial

Por arbitragem, entende-se o ato de com-prar uma mercadoria em um local, na forma emque ela é mais barata, e, em seguida, vendê-laonde ela possui preço maior – tudo isso, apóscompensar os custos de transferências. Em outraspalavras, em um processo de arbitragem, osagentes econômicos asseguram que os preçosde bens homogêneos de quaisquer duas regiõesdiferem, no máximo, pelo custo de transferir obem de uma localidade com preço mais baratopara outra com preço mais caro. Formalmente,

pl – pi ril , (1)

em que pl representa o preço do bem no local l;pi, o preço do produto no local i; e ril, o custo dotransporte da mercadoria do local i para o local l.

A lei do preço único

A LPU postula que, na ausência de bar-reiras comerciais, o processo de arbitragemgarantirá que os preços de um bem homogêneoem dois países, expressos em moeda comum,

não podem diferir em valor superior aos custosde transação. Ou seja, se os preços nesses doispaíses forem diferentes, então os agenteseconômicos farão arbitragem e conduzirão ospreços à igualdade. Dessa forma, a LPU é umprocesso que se confirma no longo prazo.

De acordo com o modelo proposto porMundlak e Larson (1992), que tem como base alei do preço único, o preço doméstico pode serexpresso da seguinte maneira:

Pit = P*it x Et x Sit, (2)

em que:Pit = preço doméstico do produto i no ano t.P*

it = preço internacional do produto i no ano t.Et = taxa de câmbio nominal.Sit = tarifas ou subsídios.

Essa formulação ignora diferenças naqualidade do produto, no custo de transporte,na estocagem do produto, no custo de marketinge em todos os outros insumos domésticos nãocomercializáveis. Além disso, a equação (2) ébaseada na hipótese de que diferenças nas taxasdomésticas e internacionais de inflação sãocaptadas pelo termo Et.

Referencial analíticoPara testar a direção de causalidade entre

os preços (externos e internos), foi utilizada ametodologia desenvolvida por Granger (1969),que faz uso dos modelos de defasagem distri-buída.

Uma das exigências desse teste é que asséries temporais envolvidas no modelo sejamestacionárias. De forma geral, uma variável Yt éestacionária se sua distribuição de probabilidadenão muda ao longo do tempo, ou seja, a estacio-nariedade requer que o futuro seja igual aopassado, ao menos em termos probabilísticos(STOCK; WATSON, 2004).

Na literatura, há diversos testes que detec-tam se uma série temporal é estacionária. Nestetrabalho, foi utilizado o teste mais conhecido –o teste de raiz unitária.

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O modelo analítico da LPU

O modelo analítico estruturado a partir dateoria da LPU, baseado em Mundlak e Larson(1992), implica o acréscimo do termo de erro,denotado por u

it, na equação (2), que pode ser

reescrita na forma logarítmica como:

pit = p*it + et + sit + ui , (3)

em que u ~ IID( µ,σ 2) e E(eu) = E(su) = E( p*u)= 0, o que significa que ut não é correlacionadocom nenhuma das variáveis explicativas.

Para testar a validade da lei do preço único,estima-se a seguinte equação:

pit = + p*it + et + t . (4)

A equação (3) pode ser expressa emtermos da equação (4), sujeita à restriçãoH1: = 1, e H2: = 1. O coeficiente é aelasticidade do preço doméstico em relação aopreço internacional ou, de outro modo, a elasti-cidade de transmissão. Quando seu valor é igualà unidade, isso significa que variações nos preçosinternacionais são plenamente transmitidas aospreços domésticos. Ao contrário, quando forigual a zero, isso implica que não há influênciados preços internacionais sobre os preços domés-ticos. Segundo Barbosa et al. (2002), é comum

situar-se entre zero e um, refletindo algumapolítica comercial ou algum tipo de restriçãoimposta ao mercado.

Teste de raiz unitária

Esse teste pode ser entendido com basena seguinte equação:

Yt = Yt – 1 + ut , (5)

em que, Yt é uma série temporal, e ut é o termode erro aleatório.

Segundo Gujarati (2006), a idéia geral portrás do teste de raiz unitária é fazer umaregressão de Y

t em relação ao seu valor defasado

em um período e verificar se o estimado é

estatisticamente igual a 1. Caso isso ocorra, Yt énão estacionária.

De modo alternativo, pode-se subtrair Yt-1

de ambos os lados da equação (4) e obter:

Yt = Yt – 1 + t , (6)

em que Yt =Yt –Yt – 1 e = –1.

Após estimar (6), testa-se a hipótese nulade que = 0 (o que implica =1) contra ahipótese alternativa . Caso não seja rejeitadaa hipótese nula, constata-se que a série é nãoestacionária.

Diante de uma série não estacionária, aequação (6) torna-se:

Y = Yt – Yt – 1 = t , (7)

indicando que a primeira diferença, I(1), da sérietemporal Yt é estacionária, já que t é um ruídobranco5.

Deve-se ressaltar que a estatísticanecessária para saber se o coeficiente estimadode Yt – 1 é igual a zero é a estatística tau ( ),também conhecida como teste Dickey-Fuller(DF) (GREENE, 1997).

Até o momento, não se consideraram mo-delos que apresentam deslocamento ou tendên-cia (determinística ou estocástica). Assim, paralevar em conta essas possibilidades, o teste DFé estimado de três formas alternativas, ou seja:

Yt = Yt – 1 + ut , (8)

Yt = 1 + Yt – 1 + ut , (9)

Yt = 1 + 2T + Yt – 1 + ut , (10)

em que T é o tempo ou a tendência. Em cadaforma, a hipótese nula é = 0.

Teste de Dickey-Fuller aumentado(ADF)

Ao contrário do teste de Dickey-Fuller, oteste ADF leva em conta a possibilidade da

5 Média zero e variância constante.

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autocorrelação entre os termos de erro. Especifi-camente, este teste consiste em incorporar avariável Y defasada em j períodos na equação(10) e estimá-la. Algebricamente, tem-se:

. (11)

Nesse teste, a hipótese nula continua amesma, =0, bem como a distribuição assintó-tica da estatística de DF.

Teste de raiz unitária com sazonalidade

Há vários modos de tratar de sazonalidadeem uma série. Enders (1995) demonstra que ométodo mais direto acontece quando o padrãosazonal é puramente determinístico. Nessecaso, consideram-se que D1, D2, D3 e D4

representam as dummies de cada trimestre, emque o valor de Di é igual a um no período i ezero nos demais períodos. A regressão estimadaé representada por

, (12)

em que yt é a regressão residual, que representao valor sem o efeito sazonal da função yt.

A seguir, usa-se a regressão residual paraestimar a seguinte equação:

. (13)

A hipótese nula da raiz unitária (i.e., =0)é testada usando a estatística µ (Dickey-Fuller).Rejeitar a hipótese nula equivale a aceitar aalternativa de que a série {Yt } é estacionária.

Teste de causalidade de Granger

O teste de Granger requer a estimativade duas equações, a saber:

(14)e

, (15)

em que:Pex, t = preço do milho no mercado externo noperíodo t.Pex, t – j = preço do milho no mercado externo,defasado em j períodos.Ppro, t = preço recebido pelos produtores demilho no período t.Ppro, t – i = preço recebido pelos produtores demilho, defasado em i períodos.

Diante disso, as possíveis direções decausalidade, de acordo com Gujarati (2006),entre essas duas variáveis (preço externo domilho e preço para o produtor) são:

1. Causalidade unidirecional de Ppro paraPex: quando os coeficientes estimadosdo Ppro,t-i (equação 1) são, em grupo,estatisticamente diferentes de zero, eo conjunto dos coeficientes do Pex,t-j

(equação 2) são estatisticamente iguaisa zero.

2. Causalidade unidirecional de Pex paraPpro: quando o conjunto de coeficientesdefasados de P

pro (equação 1) não é

estatisticamente diferente de zero, e oconjunto de coeficientes defasados doPex (equação 2) é estatisticamente dife-rente de zero.

3. Causalidade bilateral: é observadaquando os conjuntos de coeficientes Pex

e Ppro não são estatisticamente iguais azero nas duas regressões.

4. Independência: essa característica ocor-re quando os conjuntos de coeficientesde Pex e Ppro não são estatisticamente dife-rentes de zero em ambas as regressões.

Em termos mais gerais, visto que o futuronão pode predizer o passado, se uma variável x(Granger), por exemplo, causa a variável y, entãovariações em x deveriam preceder variaçõesem y.

Teste de co-integração

As regressões que fazem uso de sériestemporais não estacionárias podem incorrer em

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um problema conhecido como regressão espúria.Esse problema é constatado quando regressõescom resultados aparentemente consistentes sãoobtidas a partir de séries temporais não estacio-nárias, por exemplo, do tipo I(1).

Apesar da possibilidade de duas sériestemporais I(1) gerarem regressões espúrias, hácasos em que isso não ocorre. Para testar essahipótese, utiliza-se o teste de co-integração.

De acordo com Gujarati (2006), duasvariáveis são co-integradas quando há relaçãode longo prazo ou de equilíbrio entre elas.

A idéia básica do teste de co-integração éverificar se os resíduos obtidos a partir de umaregressão com séries não estacionárias são I(0).Caso isso se confirme, pode-se dizer que aregressão fará sentido, ou seja, não será espúria.

Para ilustrar este teste, toma-se a seguinteequação:

, (16)

em que Yt e Xt são séries temporais não-esta-cionárias, Dj são variáveis dummies para identi-ficar o j-ésimo trimestre do ano, capaz de captaras influências sazonais da série, e é o efeitomarginal de X

t sobre Yt .

A partir de (16), obtém-se o ut estimado ecomputa-se a seguinte regressão:

. (17)

Ao obter a equação (17), compara-se aestatística t de ut – 1 ao valor crítico do de Engle-Granger. Se a estatística t for maior, em módulo,que o valor crítico, com o nível de significânciadesejada, pode-se rejeitar a hipótese de que Yte X

t não sejam co-integradas. Portanto, a

regressão não é espúria.

Mecanismo de correção de erros

O conceito de co-integração revela arelação de longo prazo ou de equilíbrio entre

duas variáveis. No curto prazo, entretanto, podeocorrer desequilíbrio. Para contornar esseproblema, pode-se usar o modelo de correçãode erros, que consiste em incluir os resíduos,defasados em um período, da equação de co-integração, equação (16), no seguinte modeloeconométrico:

(18)

Na equação (18), o termo ut – 1 é o errode equilíbrio, que ajusta o equilíbrio no longoprazo. O coeficiente 2 indica, quando estatistica-mente significativo, qual proporção do desequi-líbrio na variável Yt em um período é corrigidano período posterior.

Fonte de dados

Para analisar a relação entre mercadosexterno e interno, foram usadas duas séries depreços: uma com os preços médios mensaisrecebidos pelos produtores de milho e outra comos preços do mercado internacional. Os primei-ros foram obtidos no Ipeadata (2007), que corres-pondem aos preços do período de janeiro de1996 a julho de 2006, enquanto os últimos foramextraídos do Agrianual (INSTITUTO FNP, 2007),que correspondem aos preços da Bolsa deChicago (CBOT).

Os preços internos (produtor) do milhoforam deflacionados pelo índice IGP-DI daFundação Getúlio Vargas, enquanto a série depreço externo foi deflacionada pelo IPCA ameri-cano, com todos os índices obtidos do Ipeadata(2007).

Resultados e discussão

O teste de causalidade de Granger requerque as séries temporais envolvidas na análisesejam estacionárias. Para verificar esse requisito,utilizou-se o teste de raiz unitária.

.

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Preços não estacionários (teste de raizunitária6)

Os testes de Dickey-Fuller aumentado(ADF) das duas séries de preços (externos e parao produtor) constam da Tabela 1. Foramconsideradas três formas distintas: comintercepto e tendência, sem tendência e semintercepto.

Os resultados sugerem que as duas sériesde preços são não estacionárias – integradas deordem 1 [I (1)] –, visto que o valor calculado (emmódulo) foi menor do que o valor crítico. Esseresultado condiz com os encontrados por Abdulai(2000) e Campenhout (2007), que analisaram omecanismo de transmissão do milho para osmercados de Gana e Tanzânia, respectivamente.Barbosa et al. (2002), trabalhando com algodão,também encontraram séries integradas deordem 1.

do milho no âmbito do produtor são influenciadospelos preços externos. Assim, oscilações depreços desta última variável causam impactosnos preços recebidos pelos produtores. Caberessaltar que o teste de causalidade de Grangernão implica uma relação de causa e efeito, massim que há precedência temporal.

Efeito marginal de longo prazo (testede co-integração)

Por causa da unicausalidade das séries PPe PE, a equação de co-integração foi a seguinte:

. (19)

O teste de co-integração consiste emobservar o resíduo ut a fim de verificar aexistência de uma raiz unitária. Caso isso nãoocorra, isto é, regressão I(0), afirma-se que asséries PP e PE são co-integradas e, portanto, nãohá regressão espúria. Os resultados da equação(19) e do teste de raiz unitária estão expostosnas Tabelas 3 e 4, respectivamente.

Ao estimar a equação (19), foi detectada apresença de autocorrelação serial. O método decorreção foi o de Newey-West. Cabe observarque, na Tabela 4, mesmo após a correção daautocorrelação, todos os parâmetros foramestatisticamente significativos.

Após obter os resíduos da equação (15),testou-se sua estacionariedade. Assim, como sepode observar na Tabela 4, rejeita-se a hipótese,para nível de significância de 5 %, de que asduas séries não são co-integradas, isto é, os

6 Os testes DF e ADF apresentaram os mesmos resultados. Portanto, vamos expor apenas os resultados do teste ADF, que é o teste mais completo.7 Os critérios estabelecidos para definir as defasagens foram os de Akaike e Schwarz.

Tabela 2. Resultados do teste de Granger para as sériesPP e PE, no período de 1996 a 2006.

Hipótese nulaEstatística Probabi-

ResultadoF lidade

PE não causa PP 2,20 0,048* Rejeita H0

PP não causa PE 0,80 0,708ns Não rejeita H0

* Significativo a 5 %.ns Não significativo.Fonte: resultado da pesquisa (2007).

Influência dos preços externos (testede causalidade de Granger)

Diante da não estacionariedade das duasséries de preços, trabalhou-se, ao aplicar o testede causalidade de Granger, com suas primeirasdiferenças. O resultado desse teste encontra-sena Tabela 2.

Utilizaram-se, no teste de causalidade, seisdefasagens7, em que se constatou causalidadeunidirecional de PE para PP, ou seja, os preços

Tabela 1. Resultados dos testes de raiz unitária paraas séries de preços de milho dos setores externo einterno (produtor), no período de 1996 a 2006.

ValorModelo PP(1) PE(2) crítico*

Ordem de

(ADF)integração

Com tendênciae intercepto -2,91 -2,46 -3,44 I(1)Sem tendência -2,81 -2,16 -2,88 I(1)Sem intercepto -0,81 -0,62 -1,94 I(1)

(1) Preço recebido pelo produtor.(2) Preço no mercado externo.* Nível de significância de 5 %.Fonte: resultado da pesquisa (2007)

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resíduos são estacionários. Por conseguinte, aequação (19) é uma regressão co-integrante e,conseqüentemente, não é espúria. Da mesmaforma, constata-se que há relação de longo prazoe de equilíbrio entre PP e PE. Assim, o parâmetroda variável PE (Tabela 3) representa o efeitomarginal de longo prazo de uma mudançainfinitesimal de PE sobre PP.

Lei do preço único (mecanismo decorreção de erros)

Para incorporar os aspectos tanto de curtoquanto de longo prazo, estimou-se um modelode correção de erros. Ao estimar tal regressão,foi detectada a presença de autocorrelação serial.Para corrigir esse problema, utilizou-se o métodode Newey-West. O resultado encontra-se naTabela 5.

Apesar de as variáveis D4 e D2 não seremsignificativas a 10 %, os resultados da equaçãode correção de erros estão bem ajustados. O pa-râmetro de ajustamento do mecanismo decorreção de erros, U(-1), é –0,07. Tal coeficienteé negativo, conforme esperado, e indica que 7 %da discrepância entre o preço externo e o preçorecebido pelo produtor é eliminada ou corrigidaa cada período.

O coeficiente da primeira diferença dopreço externo foi 0,16, indicando que mudançasde curto prazo nos preços externos do milho serefletem lentamente nos preços recebidos pelosprodutores, dada a pequena magnitude docoeficiente.

Em suma, pode-se notar que existe con-vergência no longo prazo entre PP e PE, com-provando, portanto, a lei do preço único.

Considerações finaisO objetivo deste trabalho foi verificar a

relação de causalidade entre o preço do milhono mercado internacional e o preço recebidopelo produtor doméstico. O modelo teórico temcomo base a lei do preço único, que postula quebens homogêneos comercializados entre paísesdevem ter os mesmos preços, descontados oscustos de transação.

Tabela 3. Resultado da regressão de co-integração.

Variável dependente: PP

Variável(1) Coeficiente t - estatístico

D1 16,29553 10,07045*D2 15,59371 8,564182*D3 15,81389 9,036045*D4 17,15252 11,85953*PE 0,274246 2,278006**

R2 0,180559Adjusted R-squared 0,153692S.E. of regression 2,828006(1) As variáveis D1, D2, D3 e D4 são as dummies sazonais.* Significativo a 1 %** Significativo a 5 %.Fonte: resultado da pesquisa (2007).

Tabela 4. Valores calculados pelo teste de Dickey-Fuller aumentado para o resíduo.

Estatística do teste de Dickey-Fuller aumentado parao modelo sem tendência e sem constante(1)

Estatística (t) Prob.

Valor calculadopor ADF -1,972074 0,0469**Valores críticosdo teste Nível 1 % -2,583444

Nível 5 % -1,943385Nível 10 % -1,615037

(1) Os modelos com intercepto e tendência e sem intercepto não foramapresentados, pois não foram significativos a 10 %.** Significativo a 5 %.Fonte: resultado da pesquisa (2007).

Tabela 5. Mecanismo de correção de erros.

Variável dependente: DPP(1)

Variável(2) Coeficiente T - estatístico

D1 -0,635425 -3,456130*D2 -0,091114 -0,510334**D3 0,182572 0,989275**D4 0,341091 1,819750***DPE 0,168895 1,964018***U(-1) -0,072504 -2,173980****R2 0,166582R2 Ajustado 0,131856SQR(3) 1,025025(1) A letra D em DPE e DPP refere-se à primeira diferença.(2) As variáveis D1, D2, D3 e D4 são as dummies sazonais(3) SQR significa a soma dos quadrados da regressão.* Significativo a 1%.** Não foram significativo a 10 %.*** Significativo a 10 %.**** Significativo a 5 %.Fonte: resultado da pesquisa (2007).

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O resultado do teste de causalidade deGranger sugere relação unidirecional, isto é, ospreços do milho no mercado internacional têminfluência na formação dos preços recebidospelos produtores domésticos. Em outras palavras,os preços internacionais do milho causam (nosentido de Granger) os preços pagos a essesprodutores. Diante disso, os produtores de milhodevem acompanhar mais de perto o mercadointernacional, dada a influência dos preçosinternacionais sobre o preço ao produtor.

Por meio do teste de co-integração, verifi-cou-se também a relação de longo prazo entreos dois preços, sendo 7 % da discrepância entrePP e PE eliminada a cada mês. Isso indica quehá tendência ao equilíbrio, comprovando assima lei do preço único.

No que se refere à análise de curto prazo,conclui-se que os desequilíbrios transitórios sãocorrigidos lentamente, mostrando que oscilaçõesnos preços internacionais demoram a se refletirnos preços pagos aos produtores domésticos.

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Estudo de viabilidadeeconômica e riscopara sistemas debovinocultura de leiteem Piracanjuba, GO

Elis Regina de Oliveira1

José Ferreira Noronha2

Reginaldo Santana Figueiredo3

Renato Pinto da Silva Júnior4

Resumo: Este estudo analisou a viabilidade econômica, sob condição de risco, para três sistemasprodutivos de bovinocultura de leite tipo C em Piracanjuba, GO, cujas estruturas de custos e receitasforam adaptadas do Projeto Conseleite-Paraná, com o apoio de especialistas vinculados à CooperativaAgropecuária Mista de Piracanjuba. Os indicadores de rentabilidade utilizados foram: valor presentelíquido e taxa interna de retorno, com taxa mínima de atratividade de 6 % para desconto financeirodos fluxos líquidos e parâmetro de avaliação dos projetos, no período de 15 anos. A análise derisco, realizada por meio de Simulação de Monte Carlo, foi construída com base nas variáveisalimentação, mão-de-obra, preços de venda e produtividade. O sistema produtivo com menornível de produção e tecnificação apresentou inviabilidade econômica na análise determinística emaior risco (33 %), enquanto o sistema com maior produção e tecnificação apresentou os melhoresresultados de viabilidade e menor risco (3 %). Entre as variáveis significativas (com significância de5 %) para a análise de risco, as mais relevantes para os sistemas foram: preço de venda do leite eprodutividade. Conclui-se, com base na metodologia adotada, que o sistema com maior produçãoe melhor tecnificação apresentou-se mais competitivo.

Palavras-chave: rentabilidade, Monte Carlo, análise de sensibilidade.

Abstract: This study analyzed three milk production systems, under deterministic and risk conditions,in Piracanjuba, Goiás. These systems were adapted from the Conseleite-Paraná Project, with thesupport the Agricultural Cooperative (COAPIL) experts in milk production. These systems weredesigned to reflect Piracanjuba‘s production and market conditions, assuming three production andtechnological levels: low, average and relatively high. The maim objective was to evaluate theprofitability of these systems under risk. Net Present Value (NPV) and Internal Rate of Return wereused as profitability indicators. A 6% discount rate was used as the opportunity cost of capital, and15 year as the project life. Risk analyses were undertaken using Monte Carlo Simulation Method.

1 Professora da Universidade Católica de Goiás (UCG), [email protected] Professor do Programa de Pós-Graduação Multiinstitucional em Agronegócios (UFG), [email protected] Professor do Programa de Pós-Graduação Multiinstitucional em Agronegócios (UFG), [email protected] Professor do Programa de Pós-Graduação Multiinstitucional em Agronegócios (UFG), [email protected]

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Animal feeding, labor cost and milk sale price and several other variables were used as randomvariables in the simulation model. The main results were: a) under deterministic assumptions onlysystem number 1 shows negative net income. Systems number 2 and 3 presented positive netincome. Under risk conditions, all three systems show positive results, but system one presentsrelatively high risk (33% of the simulations show negative economic results).

Key words: economical profitability, risk analysis, simulation of Monte Carlo.

IntroduçãoOs riscos e incertezas inerentes aos sis-

temas produtivos de leite decorrem da sanidadedo rebanho, das condições climáticas queinfluenciam na disponibilidade de alimentovolumoso, do preço do litro de leite, das habili-dades gerenciais do produtor, da qualificação damão-de-obra utilizada no manejo dos animais edos preços dos insumos. O produtor está emuma posição na cadeia onde ele não consegueinfluenciar os preços dos insumos e muito menosdeterminar o preço de seu produto, que está,portanto, exposto às variações de preço. Esseseventos ameaçam a maximização do valor atualdo patrimônio líquido do produtor.

Ocorrências de variações desfavoráveisnos coeficientes técnicos que mais sensibilizamo resultado operacional podem comprometer aviabilidade econômica do sistema produtivo,reduzindo a margem de ganho do produtor, quepassa a depender da minimização de custos edo aumento da produtividade.

Os sistemas produtivos mais tecnificadosapresentam custos totais e variáveis totais maiselevados, cujos responsáveis são muitos: uso demáquinas e equipamentos mais sofisticados;seleção de raça de gado mais adequada àprodução de leite; alimentação mais balanceada;uso mais amplo de medicamentos e vacinas,com maior adequação ao perfil do animal;inseminação artificial; mão-de-obra maisqualificada e assistência técnica permanente.

Para cobrir esses gastos, exige-se volumede produção que minimize o custo médiogerado pelo sistema adotado, tendo em vista que

o produtor não poderá repassar seu custo para opreço final, pois este é limitado pela agroindús-tria.

Para os grandes sistemas produtivos5, amaior parte da renda dos produtores resulta dacomercialização do leite (NORONHA et al.,2001, p.66). Assim, sua margem de ganho podeser ameaçada pelo estreito limite em que aquantidade ótima de produção pode variar eainda permanecer com o problema referente àminimização dos custos de produção.

O estudo de viabilidade econômica,conjugada com a análise de risco, consiste emum robusto instrumento que pode subsidiar adecisão de um investidor interessado em entrarno setor como produtor de leite. Ele podeselecionar o sistema produtivo que proporcionamaior retorno, mesmo quando da ocorrência dealterações desfavoráveis nas variáveis que maisimpactam o resultado operacional.

As variáveis de entradas e saídas queformam o fluxo de caixa, para desenvolver aanálise de rentabilidade determinística para cadasistema, são construídas com base em premissasque se esperam confirmar no futuro. Portanto,essas estimativas são passíveis de sofrer alteraçõesdecorrentes das diversas incertezas existentesna cadeia, nas economias nacional e interna-cional.

Por meio da análise de viabilidade econô-mica, com valores determinísticos, o produtornão conhece a probabilidade de ocorrência deprejuízo na atividade se essas premissas não serealizarem exatamente como projetadas.O investimento pode ser viável, mas é de risco

5 Pressupõe-se que os grandes sistemas de produção sejam mais tecnificados.

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elevado, algo de que, em geral, o produtor ruraltem aversão.6 A avaliação dessa informação, ouseja, quanto de risco se está assumindo ao entrarno setor, é determinante para quem precisatomar tal decisão.

Esta pesquisa teve por objetivo analisar aviabilidade econômica, sob condição de risco,para três modelos de sistemas produtivos deleite, conforme caracterizados pelo ProjetoConseleite-Paraná7, baseada nos preços eespecificidades inerentes à bacia leiteira doMunicípio de Piracanjuba, GO. Essa região foiselecionada por ocupar o primeiro lugar noranking estadual em 2005, com 5,7 % daprodução do Estado de Goiás, e o terceiro lugarno ranking nacional (IBGE, 2004), além de suaproximidade da capital.

Para alcançar o objetivo delineado, foramcaracterizados os três sistemas de produção deleite de acordo com o perfil do município. Emseguida, foi calculado o resultado operacionalpor litro de leite para cada modelo, considerandoos valores determinísticos das variáveis quecompõem o custo total e a receita com vendade leite e com venda de animais.

Para realizar a análise de risco, foram consi-deradas como variáveis estocásticas aquelas quemais afetaram o resultado operacional, permi-tindo avaliar a viabilidade econômica e a compe-titividade de cada modelo dentro do setor.

De acordo com a revisão de literatura reali-zada para elaboração desta pesquisa, trabalhou-se inicialmente com três hipóteses:

1) Os modelos que prevêem menoresvolumes de produção de leite, por causada escala de produção, tendem aapresentar menor viabilidade econômica.

2) As variáveis que mais impactam oresultado operacional, por conseqüên-

cia a rentabilidade do projeto, são:preço de venda do leite e alimentaçãodo rebanho.

3) Os sistemas mais tecnificados apresen-tam maior risco.

Material e métodosO método de pesquisa

Tendo em vista o objeto desta pesquisa,foi utilizado o método survey interseccional, comamostragem não probabilística, com tamanho deamostra e escolha dos participantes de formaintencional, para determinação dos coeficientestécnicos e estruturação dos sistemas de produção(BARBBIE, 2001, p.153).

A coleta de dados foi realizada por meiode entrevista semi-estruturada com participantesselecionados, a partir das planilhas elaboradaspelo Conseleite-Paraná, contendo a estrutura dossistemas produtivos (coeficientes técnicos,alimentação, medicamentos e vacinas, mão-de-obra empregada, máquinas e equipamentosutilizados, inseminação artificial, etc.) que foramadaptados às especificidades da atividade leiteirade Piracanjuba.

O grupo de profissionais que participaramdessa estruturação foi composto por nove profis-sionais, entre técnicos agropecuários, engenheirosagrônomos e médicos veterinários, todos vincu-lados à Cooperativa Agropecuária Mista dePiracanjuba (Coapil), que prestaram assistênciatécnica aos produtores de leite cooperados.8

O critério utilizado para determinar inten-cionalmente a amostragem foi a qualificaçãoprofissional dos participantes e a experiênciadeles na assistência técnica aos produtores deleite associados à cooperativa.9

6 Pizzol (2002) analisou o comportamento dos cafeicultores perante o risco e concluiu que o monocultor é o mais avesso ao risco, enquanto o pequeno produtorcom maior número de produtos gerados na propriedade é o que está mais disposto a se expor aos riscos relativos do café, visando à maximização do lucro.

7 Para melhor coordenar a cadeia de leite do Estado do Paraná, visando a encontrar soluções conjuntas para os diversos conflitos do setor, inclusive a precificaçãoda matéria-prima, foi constituída uma associação civil denominada Conseleite-Paraná, que reúne representantes de produtores rurais de leite e de indústriasde laticínios (CANZIANI; GUIMARÃES, 2003).

8 Coapil: fundada em 21/07/1968. Em março de 2006, apresentava um quadro de 176 empregados e contava com 1.364 cooperados agropecuários.9 Conforme estimado pelos profissionais empregados da Coapil (público-alvo da amostra), cerca de 63 % dos produtores do município vendem leite para essa

cooperativa.

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Para a determinação dos sistemas produ-tivos de leite, algumas decisões foram tomadasa priori, o que permitiu identificar os custos rela-tivos à produção, como:

a) Nível de tecnificação e tamanho dosistema produtivo.

b) Perfil genético do gado leiteiro.

c) Combinação de qualidade e quantidadede insumos de produção que deve serusada.

d) Forma de condução do manejo dorebanho.

e) Estrutura de capital a ser adotada, tendoem vista o capital próprio existente.

Custos e receitas

Os custos e receitas foram identificados,de acordo com cada sistema produtivo, consi-derando os preços da tabela de preços praticadospela cooperativa, referentes a junho de 2006,isso porque a grande maioria dos produtoresadquire os insumos de produção na própriacooperativa. Os demais preços foram coletadosnos mercados do Município de Piracanjuba oude Goiânia.

Para melhor compreensão da complexi-dade da atividade de bovinocultura de leite,Noronha et al. (2001, p.30) salientam que oprodutor de leite produz também parte dosinsumos – alimento volumoso (cana, sorgo,milho, capim, etc.), cria bezerros(as) matrizes,tourinhos, novilhos (boi magros), novilhas, ani-mais descartados, entre outros, e comercializao produto principal, o leite in natura. Assim, eledesenvolve atividades secundárias de agricultore pecuarista, que lhe proporcionam receita ecustos adicionais (sementes, corretivos efertilizantes, defensivos e herbicidas, vacinas emedicamentos, serviços mecanizados, etc.).Portanto, ao mensurar os custos de produção daatividade leiteira, devem-se considerar essesoutros produtos e não exclusivamente o leite.

Os custos nesta pesquisa foram compostospor alimentação (cana, Brachiaria decumbens,

milho, sorgo, ração balanceada e sal minerali-zado), vacinas e medicamentos, energia elétrica,combustível, transporte de leite, aluguel demáquinas e equipamentos, conservação e reparos,assistência técnica, juros sobre capital de giro,Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS),despesas gerais, mão-de-obra, depreciação(máquinas, equipamentos e benfeitorias) e Im-posto Territorial Rural (ITR). Para a formação emanutenção de forragens, foram consideradosos custos com calcário, fertilizante, sulfato deamônia, superfosfato simples, formicidas,sementes e uréia.

A mensuração das receitas com venda deanimais para abate foi realizada considerando opreço da arroba da vaca gorda, praticado pelosupermercado da cooperativa, e o preço devenda de animal para investimento, este de acor-do com o mercado do município.

Para determinar as variáveis mais relevan-tes e submetê-las às condições de risco, foielaborada uma planilha de custos e receitas, comvalores determinísticos, e analisadas as variáveisque compunham as parcelas mais expressivasde custos.

Estudo de viabilidade econômica

O estudo de viabilidade econômica deinvestimento tem por finalidade oferecer infor-mações para auxiliar o empresário na tomadade decisão sobre onde, como, quando e quantoinvestir seu capital, de acordo com as diversasalternativas econômicas de investimento.

Neste trabalho, foram utilizados comoindicadores de rentabilidade, para avaliação doinvestimento na atividade leiteira, os métodos:valor presente líquido (VPL), resultante do fluxode resultados operacionais (receitas - custos) ede investimentos líquidos para os próximos15 anos, descontados financeiramente pela taxamínima de atratividade (TMA) de 6 % ao ano; etaxa interna de retorno (TIR), utilizando a TMAcomo parâmetro de comparabilidade paraaceitação do investimento. Se o VPL for maiorque zero e a TIR maior que a TMA, significa que

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o projeto é viável economicamente (MAYER,1977, p.70).

Análise de risco –Simulação de Monte Carlo

Para mensurar os riscos de projetos,existem diversas técnicas, em que se destacam:análise de sensibilidade, elaboração de cenáriose simulação de Monte Carlo.

Para Pouliquen (1970), citado por Santose Campos (2000, p.6), a técnica de simulaçãode Monte Carlo é conveniente pela simplicidade;por permitir tomada de decisões mais confiáveis;por apresentar baixo custo, já que simula pesqui-sas extensas de campo; por permitir trabalharcom maior número de variáveis simultaneamente;e por apresentar resultados que facilitam a análi-se, sem a necessidade de conhecimento técnicoespecializado.

Para executar a simulação de Monte Carlo,existem muitos softwares no mercado, em quese destaca o @ Risk e Crystal Ball, que com auxíliode planilhas eletrônicas realizam a modelagemcom rapidez e possuem recursos avançados parageração de resultados10.

Ao realizar a análise de um investimento,pressupõe-se a existência de um grande númerode variáveis (quantidade, preço, custos dos fatoresde produção, produtividade, etc.), algumas maisrelevantes do que outras para a determinaçãodo indicador de rentabilidade do projeto. Como objetivo de simplificar o modelo, as variáveismais importantes foram consideradas aleatóriase as demais, determinísticas (SANTOS; CAMPOS,2000, p.8).

Segundo Ehrlich e Moraes (2005), após adefinição das variáveis relevantes busca-se asdistribuições de probabilidade teóricas que lhessejam mais adequadas. Quando existe série dedados históricos, para a variável analisada, épossível ajustá-la a uma distribuição de probabi-lidade conhecida: normal, beta, gama, exponen-cial, triangular, etc.

Para a determinação das variáveis maisrelevantes, na formação dos indicadores de ren-tabilidade, utilizou-se o percentual de participa-ção dos custos parciais em relação aos custostotais.

Na ausência de séries históricas, podemser definidas distribuições de probabilidades sub-jetivas, como as distribuições triangulares (simé-tricas e assimétricas), que consideram os valoresmínimos, médios e máximos que as variáveispodem assumir, conforme análise de especia-listas do setor. Segundo Santos e Campos (2000,p. 9), “diversos autores reconhecem que no casodo setor agrícola, a distribuição do tipo triangularpode ser utilizada para todas as variáveis aleató-rias”, sendo conveniente usá-la quando não sedispõe de série histórica ou quando o uso dedados passados não é recomendável.

Segundo Noronha (1987, p.246), depoisde obtido ao acaso um valor para cada variável,recalcula-se o indicador de rentabilidadeescolhido para avaliar o projeto. Repetem-seessas duas etapas grande número de vezes eacumula-se a freqüência de ocorrência dosresultados obtidos. Por meio da função dedistribuição de probabilidade acumulada doindicador de rentabilidade, pode-se mensurar orisco.

Nesta pesquisa, foi utilizado o software@Risk para gerar simulação de Monte Carlo pormeio de funções de densidade de probabilidadedas variáveis consideradas estocásticas, suasrespectivas estatísticas descritivas e os gráficosdas funções de distribuições de probabilidadesacumuladas do VPL e da TIR.

As séries históricas utilizadas aqui foramfornecidas pela Coapil, exceto para o preço diárioda arroba do boi gordo, extraído do Centro deEstudos Avançados em Economia Aplicada daEscola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz(Cepea/Esalq), no período de janeiro de 2003 ajunho de 2006, de onde derivou a série históricado preço da arroba de vaca gorda.

10 Disponíveis em http://www.palisade.com e http://decisioneering.com, respectivamente.

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Análise de sensibilidade

A análise de sensibilidade dos indicadoresde rentabilidades (TIR e VPL), em relação às va-riáveis estocásticas simuladas, foi realizada como uso de modelo de regressão linear múltipla.

Na análise de regressão múltipla, consi-derou-se o indicador de escolha como variáveldependente e todas as variáveis simuladas comovariáveis independentes. Portanto, nesse caso,todas as variáveis da regressão são estocásticas.

O coeficiente de regressão padronizadoindica o número de desvios acrescidos à variáveldependente (TIR ou VPL) quando ocorreaumento de um desvio padrão na variávelindependente, supondo as demais variáveisindependentes constantes. Por exemplo, se ocoeficiente de regressão da variável indepen-dente mão-de-obra for 0,90, isso significa que avariação de um desvio padrão na variável mão-de-obra implicará variação de 0,90 na variáveldependente.

Considerando que os coeficientes padroni-zados de regressão são estimadores pontuais doscoeficientes da população, para avaliar se elessão relevantes para a regressão entre as variáveistorna-se necessária a aplicação de teste dehipótese, depois de estabelecido um nível designificância ( ), para avaliar o poder de influ-ência da variável independente na estimação doindicador de rentabilidade (variável dependente).Essa análise de sensibilidade foi desenvolvidapelo software SPSS, que permitiu identificar asvariáveis estocásticas mais relevantes para aformação dos indicadores de escolha, por meiodos coeficientes mais significativos no nível deconfiança de 95%.

Fonte dos dados

Os três sistemas produtivos foram estrutu-rados com base no perfil de propriedades, cujosprodutores de leite são associados à Coapil.Em reunião com os veterinários, agrônomos etécnicos agropecuários, empregados da coopera-tiva, e com base em seu banco de dados, estratifi-

caram os 688 produtores – por volume de leiteproduzido – que no mês de dezembro de 2005venderam leite à Coapil. Os estratos ficaramassim organizados:

• Estrato I – Representado por 397 pe-quenos produtores com produção diáriade até 150,00 litros.

• Estrato II – Representado por 246 mé-dios produtores com produção diária de150,01 a 500,00 litros.

• Estrato III – Representado por 45 grandesprodutores com produção diária acimade 500,00 litros.

Com base no perfil de propriedade produ-tiva de leite definido em cada estrato, foramidentificados três sistemas produtivos que repre-sentassem o pequeno, o médio e o grande pro-dutor, observado o nível de tecnificação daprodução. Foram consideradas as característicasdo Município de Piracanjuba quanto à estruturafundiária, ao uso da terra com pastagens, às técni-cas utilizadas para manejo e sanidade do gadode leite, ao perfil genético do rebanho, ao perfilsocioeconômico do produtor, à assistência téc-nica, à comercialização da matéria-prima, etc.

Para identificar os sistemas produtivos,foram consideradas inicialmente as variáveis“produção de leite” e “vacas ordenhadas”. Foiestabelecida a relação da média de produçãopara o pequeno produtor, o médio produtor e ogrande produtor, em sistemas produtivos debaixo, médio e alto níveis de tecnificação,conforme adaptação dos sistemas produtivoselaborados pelo Projeto Conseleite-Paraná,desenvolvido pela Universidade Federal doParaná (UFPR).

Modelo determinísticode avaliação de rentabilidade

De acordo com os coeficientes determi-nísticos da Tabela 1, os sistemas produtivos foramestruturados com a identificação dos preços dosinsumos e produtos para determinar os custos ereceitas anuais de cada sistema.

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Observou-se que a produtividade noprimeiro sistema é, em média, de 5 litros/vaca/dia, com produção diária de 75 L; no segundosistema, a produtividade passa para 10 litros/vaca/dia e sua produção diária é de 340 L; e no tercei-ro sistema, a produtividade chega a 14 litros/vaca/dia, com produção diária de 728 L.

Os intervalos entre partos vão diminuindoà medida que o gado recebe melhor alimen-tação, manejo e cuidados sanitários e o períodode lactação cresce. A mortalidade de bezerrosdecresce à medida que os sistemas se tornammais tecnificados.

Os fluxos de caixa foram elaborados consi-derando os custos anuais, os investimentos ereinvestimentos necessários para implantação emanutenção do projeto, as receitas anuais e osvalores residuais relativos às vendas dos reba-nhos, das benfeitorias, das máquinas e dos equi-pamentos no final do projeto.

Os valores das receitas e dos custos forammantidos constantes para todo o período e consi-derou-se também que todos os investimentosde implantação do projeto foram realizados noinício do ano zero e que as receitas e despesasforam realizadas no final do ano, embora naprática as receitas e despesas sejam realizadasao longo do ano.

Nos anos em que as saídas apresentaramvalores diferentes, isso decorreu da realizaçãode investimentos e reinvestimentos para a per-manência da capacidade produtiva do sistema

e, no final do projeto, o valor residual foi apro-priado como receita.

Modelo estocástico

A simulação de Monte Carlo foi realizadadepois de identificar que variáveis seriam esto-cásticas e de ajustá-las às funções de densidadede probabilidade que melhor aderiram aos dados,com o uso do software @Risk 4.5. Por meiodessas funções, foram gerados os valoresaleatórios e recalculados os indicadores de renta-bilidades, construindo as funções de distribuiçõesde probabilidades acumuladas. Assim, foi simu-lada uma amostra com 10 mil unidades produ-toras de leite, para cada um dos sistemas, e reali-zado o cálculo de cada um dos indicadores derentabilidade.

Na ausência de série histórica para asvariáveis estocásticas, utilizou-se a função trian-gular para as variáveis calcário, produtividade,mão-de-obra do proprietário e auxiliar. A simu-lação de Monte Carlo foi realizada com 10 milinterações e com o uso de 29 variáveis de entradase 6 de saídas (VPL e TIR para os três sistemas),mantidas as demais variáveis com valores cons-tantes.

As variáveis submetidas às condições deriscos, consideradas nos cálculos das receitas,foram estas: produtividade (litros/vaca/dia), preçodo leite tipo C, preço da arroba da vaca gordapara descarte e preço do boi gordo. Para a forma-ção dos custos, as variáveis foram estas: ração

Tabela 1. Coeficientes técnicos da bovinocultura de leite em Piracanjuba, GO, (2006).

Item Unidade Sistema 1 Sistema 2 Sistema 3

Vacas em lactação Cabeça 15 34 52Produção de leite litro/vaca/ano 1.825 3.650 5.110Período de lactação Dia 240 305 305Produtividade litro/vaca/dia 5,0 10,0 14,0Intervalo entre partos Mês 18 16 14Idade ao primeiro parto Mês 40 30 30Descarte de vacas % 20 20 20Vacas em lactação % 69,0 70,0 75,0Mortalidade de bezerros % 13 11,77 7,70

Fonte: dados da pesquisa, (2006).

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balanceada 22 %, ração balanceada 16 %, se-mentes de milho de alta, média e baixa tec-nologia, formicida Mirex e Blitz, sulfato deamônia, superfosfato simples, uréia, fertilizantes05-25-15 e 20-00-20, sal mineral, sementes deBrachiaria decumbens, tanzânia e sorgo, calcá-rio, mão-de-obra auxiliar e mão-de-obra do pro-prietário.

ResultadosCaracterização da atividadeleiteira no Município de Piracanjuba

Conforme análise dos veterinários e agrô-nomos da Coapil, as raça de gado de leite maisfreqüentes no município são: girolanda (96 % dorebanho), holandesa (2 %) e gir (2 %). O rankingdas melhores raças de gado de leite nos quesitosprodução, gordura e duração da lactação pararaças leiteiras no Brasil é: holandesa, primeirolugar; jersey, segundo lugar; e girolanda,terceiro lugar (EMBRAPA GADO DE LEITE,2006).

A Tabela 2 evidencia as principaiscaracterísticas dos sistemas de produção debovinocultura de leite, sendo a produçãoagropecuária concentrada em terras do próprioprodutor (87 %), conforme Plano Municipal deAções Integradas da Agencia Rural (AGÊNCIARURAL, 2004).

Os produtores com alta freqüência com-pram os insumos básicos (sementes, alimentoconcentrado, medicamentos, fertilizantes, etc.)diretamente da Coapil, evidenciando a inte-gração vertical da comercialização de insumos.

O grupo envolvido na elaboração doPlano Municipal de Ações Integradas identificoucomo entraves mais significativo à agropecuária:

• Volatilidade dos preços das principaiscommodities.

• Preços elevados dos insumos.

• Dificuldade de acesso ao crédito rural,quando obtido, gerando insatisfação quantoao volume e ao prazo para liberação.

Resultado operacional –Valor determinístico

De acordo com o resultado operacionalda Tabela 3, observa-se que os custos parciaisde alimentação (forragem, concentrado e salmineralizado) e mão-de-obra são os mais rele-vantes em relação aos custos totais, para os trêssistemas, o que sugeriu trabalhar esses itenscomo variáveis estocásticas.

A receita relativa à comercialização doleite cresce à medida que o volume de leite au-menta de um sistema para outro, mesmo porqueo preço médio de venda (R$ 0,45) no sistema 3é melhor do que nos sistemas 1 e 2 (R$ 0,43).Por causa do volume de entrega menor, ospreços médios nos dois primeiros sistemas sãoinferiores. Embora em quantidade pequena edecrescente, os sistemas 1 e 2 ainda trabalhamcom a entrega de leite em latão, o que propor-ciona menor remuneração (R$ 0,39) por litro.Esses fatores pressionam os preços para baixonos dois primeiros sistemas. A receita obtida comvendas de animais é mais significativa (22 %)no sistema 1 do que nos outros (15 %), que apre-sentam maiores receitas com a venda de leite.

Tabela 2. Características do sistema de bovinocultura de leite em Piracanjuba, GO.

Característica Sistema 1 Sistema 2 Sistema 3

Propriedade (ha) 30 60 80Padrão racial Girolanda Girolanda GirolandaVolumoso (água) Pasto Pasto PastoVolumoso (seca) Cana-de-açúcar Silagem de milho Silagem de milho

e sorgo e pastejorotacionado

Fonte: dados da pesquisa, (2006).

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Ao analisar os resultados operacionais deforma pontual e com valores determinísticos,observou-se que o sistema 1, com volume diáriode leite de até 150 litros, apresentou rentabili-dade negativa de três centavos por litro de leite(Tabela 3), refletindo a dificuldade do pequenoprodutor em cobrir os custos avaliados, inclusivedepreciação. A receita da venda de animaisrepresenta 21,65 % da receita total, evidenciandoque sem essa receita secundária o desempenhoeconômico desse sistema seria ainda mais crítico.

Em visita a alguns produtores com caracte-rísticas desse estrato, foi observado que os rein-vestimentos quando ocorrem estão sendo reali-zados de forma precária. Essa situação ratificaum dos entraves detectados pela pesquisa do

Plano Municipal de Ações Integradas (AGÊNCIARURAL, 2004), e também observados porNoronha et al. (2001, p.27): existe pouca dispo-nibilidade de recursos próprios e restrições aocrédito bancário para o pequeno produtor.

Por conseqüência, se a atividade leiteiranão propicia resultados positivos para alavancarreinvestimentos e existem restrições à obtençãodo crédito rural, então o sistema produtivo vaisendo depreciado ao longo do tempo, sem repo-sição.

Nesse sistema, o produtor executa as ativi-dades relativas à produção, como manejo dorebanho e extração manual do leite, e recebeassistência técnica da cooperativa, sem ônus.

Tabela 3. Planilha de custo, receita e resultado operacional, em reais – Piracanjuba, GO, (2006).

Sistema 1 Sistema 2 Sistema 3 Itens

Até 150(1) (%) De 150,01 até 500(1) (%) A partir de 500,01(1) (%)

Alimentação 5.180,75 32,8 17.112,02 32,6 56.393,95 44,9• Forragem 2.273,73 14,4 6.055,69 11,5 17.655,91 14,0• Concentrados 2.070,00 13,1 9.210,60 17,6 36.441,60 29,0• Sal mineralizado 837,02 5,3 1.845,73 3,5 2.296,43 1,8Vacinas e medicamentos 809,20 5,1 2.143,73 4,1 6.172,80 4,9Energia e combustível 720,30 4,6 955,50 1,8 6.802,69 5,4Trasnporte de leite 353,14 2,2 1.600,89 3,1 3.587,22 2,9Aluguel de máquinase equipamentos 462,00 2,9 888,00 1,7 - 0,0Conservação e reparos 887,98 5,6 1.939,68 3,7 6.244,15 5,0• Máquinas e equipamentos 280,55 1,8 802,52 1,5 4.623,71 3,7• Benfeitorias 607,44 3,8 1.137,16 2,2 1.620,44 1,3Assistência técnica - 0,0 - 0,0 4.200,00 3,3Juros sobre capital de giro 49,30 0,3 457,58 0,9 1.492,72 1,2INSS 270,74 1,7 1.227,35 2,3 2.750,20 2,2Despesas gerais 49,30 0,3 313,77 0,6 1.364,77 1,1Mão-de-obra 4.800,00 30,4 21.438,00 40,9 25.660,80 20,4Depreciação 1.971,04 12,5 3.903,78 7,4 10.749,60 8,6• Máquinas e equipamentos 567,60 3,6 1.479,14 2,8 7.238,28 5,8• Benfeitorias 1.403,44 8,9 2.424,63 4,6 3.511,32 2,8ITR 247,92 1,6 495,84 0,9 280,98 0,2

Custo total (CT) 15.801,67 100,0 52.476,14 100,0 125.699,87 100,0

Receita com animais vendidos 3.252,00 21,6 9.472,00 15,1 21.370,80 15,2Receita com venda de leite 11.771,25 78,4 53.363,00 84,9 119.574,00 84,8Receita total (RT) 15.023,25 100,0 62.835,00 100,0 140.944,80 100,0

Quantidade (leite/ano) 27.375 124.100 265.720

Resultado (RT-CT)/Qtde -0,03 0,08 0,06(1) litros/diaFonte: resultados obtidos da pesquisa (2006).

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A alimentação é feita basicamente por pastagem,na estação das águas, cana triturada e balanceadae pequena quantidade de silagem de milho.A alimentação suplementar à base de raçãoconcentrada é fornecida em pequenas propor-ções para as vacas em lactação e bezerras.As máquinas e equipamentos, quando neces-sários, são alugados.

A avaliação determinística do sistema 1apresentou TIR de 4 %, abaixo da TMA de 6 %,portanto; e VPL negativo em torno de R$ 7.861.Portanto, esse sistema não apresenta viabilidadeeconômica.

Ao analisar os resultados operacionais dosistema 2, com produção de leite tipo C acimade 150 e até 500 litros por dia, observou-se pelaanálise determinística que o resultado operacio-nal foi de oito centavos por litro (Tabela 3).Portanto, todos os custos variáveis e também adepreciação estão sendo pagos. Nesse sistema,a receita da venda de animais representa 15,07 %do total de receitas.

A produção de leite no sistema 3 estásendo realizada com balde ao pé e extraçãomanual. O proprietário conta com a mão-de-obraauxiliar de uma pessoa, e a assistência técnica éfornecida pela cooperativa, sem custos adicio-nais. A alimentação é feita basicamente porpastagem, na estação das águas, e silagem demilho no período de seca, com suplementaçãoà base de ração balanceada pela própria coopera-tiva para as vacas em lactação e bezerras. As má-quinas e equipamentos utilizados no processoprodutivo são alugados.

Esse projeto, de acordo com a avaliaçãodeterminística, é viável economicamente, poisapresentou TIR (16 %) acima da TMA (6 %) eVPL positivo de R$ 102.531,00.

O sistema 3, com produção diária de leitetipo C acima de 500 litros, apresentou resultadooperacional determinístico, nesse ano de refe-rência, de seis centavos por litro (Tabela 3). Nessecaso, os custos com depreciação também estãosendo pagos, o que propicia condições de rein-vestimentos. Nesse sistema, a receita da venda

de animais representa 15,16 % do total dereceitas.

A produção de leite, nesse sistema, estásendo realizada por meio de ordenha mecânica,operação que exige mão-de-obra auxiliar umpouco mais qualificada. O proprietário contratadois empregados. Tem custos com assistênciatécnica, pois utiliza outros profissionais além dosda cooperativa. O perfil genético do gado exigeuma alimentação melhor, à base de pastagemlivre e pastejo rotacionado na estação das águase silagem de milho e/ou sorgo no período deseca e, para as vacas em lactação e bezerras,existe uma complementação de ração balancea-da, com volume definido pela cooperativa.As máquinas e os equipamentos utilizados noprocesso produtivo em sua maioria são próprios.

Estudo de viabilidadeeconômica sob condição de risco

Analisaram-se a viabilidade econômica decada sistema, o nível de risco a que os produtoresde leite estão expostos e as variáveis estocásticasmais relevantes, que afetam a estimativa do VPLe da TIR.

Sistema produtivo 1 –Produção até 150 litros/dia

De acordo com a função de distribuiçãode probabilidades acumuladas (Fig. 1), o produtordesse sistema tem 33,08 % de probabilidade deobter VPL negativo, e existe 66,92 % de chancede o VPL ser maior que zero. Esse investimentoapresenta elevado risco, pois o valor presentedas saídas é maior do que o valor presente dasentradas, considerada a taxa de descontofinanceiro de 6 %, o que geraria um resultadoeconômico desfavorável para o produtor.

O desvio padrão (R$ 19.515,11) em tornoda média (R$ 8.014,63) evidencia significativadispersão.

Por meio de análise de regressão, foramidentificadas as variáveis que mais afetam aestimativa do VPL. Em ordem decrescente de

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grandeza, são elas: preço de venda do leite(0,857), produtividade (0,387), mão-de-obra doproprietário (-0,306), arroba de vaca gorda(0,067), amônia (-0,054), superfosfato simples(-0,046), brachiaria (-0,040), fertilizante 05-25-15(-0,037), uréia (-0,002) e calcário (-0,001),considerando um nível de significância de cincopor cento ( = 5 %).

As variáveis que apresentaram coeficien-tes padronizados mais expressivos foram estas:preço do leite, produtividade e mão-de-obra doproprietário.

De acordo com a função de distribuiçãode probabilidades acumuladas da TIR, o produtorque deseja investir nesse sistema de bovinocul-tura de leite com produção diária de até 150 litrosestará exposto ao risco de 33,08 % de obter umaTIR menor que 6 % e 66,92 % de possibilidadede alcançar uma taxa interna de retorno acimada TMA (6 %). O investimento nesse sistemade bovinocultura de leite apresenta elevadorisco, pois o produtor tem em torno de 33,08 %de probabilidade de alcançar TIR menor do queo rendimento da caderneta de poupança (6 %de juros reais ao ano).

Os valores da média, mediana e modaforam de aproximadamente 7 %, 8 % e 9 %,respectivamente, com desvio padrão de 4 %.

Observa-se que se houver um desvio padrão de4 % abaixo da média, a TIR passa a ser equiva-lente à metade do rendimento da caderneta depoupança.

Sistema produtivo 2 – Produçãode 150,01 litros/dia até 500 litros/dia

Por meio da função de distribuição de pro-babilidades acumuladas (Fig. 2) para esse siste-ma, mensura-se o risco de 4,14 % de possibi-lidade de o produtor obter VPL negativo e de95,86 % de obter VPL acima de zero. O nívelde risco desse investimento pode ser conside-rado baixo.

O desvio padrão (R$ 92.742,78) em tornoda média (R$ 148.061,74) evidencia que essadispersão pode representar aproximadamente63 % deste último valor. Em situação de umdesvio padrão desfavorável, ainda assim o VPLseria superior a zero.

No sistema produtivo 2, as variáveis quemais afetaram o VPL, em ordem decrescentede grandeza, são: preço de venda do leite(0,923), produtividade (0,349), mão-de-obra doproprietário (-0,142), mão-de-obra auxiliar(-0,065), fertilizante 05-25-15 (-0,025), uréia(-0,020), preço da arroba de vaca gorda (0,018),amônia (-0,011), sementes de brachiaria (-0,010)e milho de média tecnologia (-0,006).

Fig. 1. Função de distribuição de probabilidadesacumuladas – VPL 1.Fonte: resultados da pesquisa (2006).

Fig. 2. Função de distribuição de probabilidadesacumuladas – VPL 2.Fonte: resultados da pesquisa (2006).

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Dos coeficientes de regressão padroni-zados significativos para estimar o valor presentelíquido e a taxa interna de retorno do sistema 2,destacam-se: preço do leite (0,92) e produtivi-dade (0,36), por causa das contribuições maisrelevantes para explicar as variações do indica-dor de rentabilidade. Uma unidade de desviono preço do litro de leite provoca uma alteraçãode 0,9243 no VPL.

De acordo com estudo realizado por Had-dade et al. (2005), as variáveis que mais afetarama rentabilidade da bovinocultura de leite estavamrelacionadas com o preço do leite, a venda deanimais, a alimentação do rebanho e a mão-de-obra.

Ao analisar o risco, considerando TIR comoindicador de viabilidade do investimento, perce-beu-se, por meio da função de distribuição deprobabilidades acumuladas, que o investidor quedesejar trabalhar na atividade de bovinoculturade leite com as características desse sistema estaráexposto ao risco de 4,14 % de obter uma TIRmenor que 6 % ao ano. O risco mensurado parainvestimento nesse sistema pode ser conside-rado baixo.

A taxa interna de retorno apresentou asseguintes medidas de tendência central: médiae mediana com mesmo percentual (17 %) emoda com valor superior (25 %), com dispersãoem torno da média de 7 %, o que evidencia obaixo risco desse investimento, pois, caso esseindicador de escolha sofra a variação de umdesvio abaixo da média, ele permanecerá acimado rendimento da poupança.

Sistema produtivo 3 –Produção acima de 500 litros/dia

Para esse sistema produtivo, existe riscode apenas 3,18 % de o investidor obter VPLabaixo de zero, conforme função de distribuiçãode probabilidades acumuladas (Fig. 3). Portanto,esse projeto apresenta-se como de baixo risco,com 96,82 % de chance de o VPL ser positivo.

O desvio padrão (R$ 198.108,14)representa 60,66 % do valor da média

(R$ 326.614,44), ou seja, se ocorresse um desviopadrão abaixo da média, ainda assim o VPL seriapositivo.

De acordo com a análise de sensibilidadepor meio de regressão, as variáveis estocásticasque mais influenciam o VPL do sistema 3, consi-derando um nível de erro tolerável de 5 %, são,em ordem decrescente de grandeza: preço devenda do leite (0,924), produtividade (0,363),mão-de-obra auxiliar (-0,048), superfosfatosimples (-0,041), mão-de-obra do proprietário(-0,033), fertilizante 20-00-20 (-0,024), amônia(-0,022), fertilizante 05-25-15 (-0,022), brachiaria(-0,012), uréia (-0,003), calcário (-0,002) e sorgo(-0,002), sendo as demais menos relevantes.Nesse sistema, as variáveis preço do leite e pro-dutividade foram identificadas como as maisimportantes para explicar variações nos indica-dores de desempenho.

Ao analisar o risco, por meio da função dedistribuição de probabilidades acumuladas daTIR, verificou-se que o produtor que desejainvestir nesse sistema de bovinocultura de leiteestará exposto a um risco de 3,18 % de obteruma TIR menor que 6 %. O projeto apresenta-se viável economicamente e com probabilidadede 96,82 % de alcançar uma TIR acima da TMA(6 %). O valor da média foi de aproximadamente16 % e o desvio padrão, de 6%. Como na avalia-

Fig. 3. Função de distribuição de probabilidadesacumuladas – VPL 3.Fonte: resultados da pesquisa (2006).

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ção do VPL, mesmo que houvesse um desviopadrão abaixo da média a TIR seria maior doque a TMA.

Para os três sistemas produtivos, observou-se que: a) as variáveis mais relevantes para aformação do VPL são também aquelas para aformação da TIR, dado um nível de significânciade 5 %, o que era de se esperar, pois – para ostrês sistemas – os projetos são do tipo conven-cional e nesse caso o VPL e a TIR apresentaramos mesmos resultados; b) os coeficientes dedeterminação (R2) ajustados indicam que cercade 99,7 % da variação total do VPL e 99,8 % davariação total da TIR são explicadas pelosmodelos de regressão linear múltipla, demons-trando excelentes ajustes; c) os coeficientes deregressão padronizados, para estimação do VPLe da TIR, apresentaram sinais negativos para asvariáveis estocásticas relacionadas com custose sinais positivos para as variáveis que compõema receita, conforme esperado. Observou-se, pormeio do p-value, que existe evidência deregressão entre as variáveis, considerando onível de significância de 5 %.

ConclusãoOs resultados operacionais determinís-

ticos evidenciam a tendência de descapitalizaçãodo pequeno produtor, que em função do baixovolume de produção não consegue auferir lucrosuficiente para reinvestir na atividade. O médioprodutor obteve o melhor resultado entre os trêssistemas, por apresentar custo médio menor11.

A análise de risco realizada eviden-ciou que todos os sistemas são viáveis economi-camente, porém o sistema 1, com menorprodução e menor nível de tecnificação,apresentou-se com risco mais elevado (33 %).

De todos os sistemas em que os coeficien-tes técnicos, índices zootécnicos de produtividade

e os preços de insumos e produtos foram subme-tidos às condições de risco, a representatividadedo desvio padrão sobre a média foi mais signi-ficativa no primeiro sistema, ratificando o riscomais acentuado deste sistema.

Em março de 2006, aproximadamente58 % dos associados da Coapil produziam até150 litros por dia, considerados nesta pesquisacomo pequenos produtores, com sistemas produ-tivos semelhantes ao sistema 1, que apresentoumenor viabilidade econômica no horizonte de15 anos.

O sistema 3 apresentou menor risco(3 %), e esse resultado contraria a hipótese inicialde que esse sistema, por ser mais tecnificado,apresentaria maior risco. Observa-se que os siste-mas produtivos estruturados com base na realida-de de produção dos cooperados vinculados àCoapil, que representam cerca de 63 % dosprodutores da região, estão compostos em médiapor produtores de portes pequeno e médio emvolume e nível de tecnificação. Observou-se quea maioria dos produtores não trabalha com inse-minação artificial e somente no terceiro sistemaé que se tem utilizado ordenha mecânica.A maioria dos produtores que produzem acimade 1.000 litros diários está deixando a coope-rativa em busca de melhores preços, pagos dire-tamente por captadores como a Nestlé.

Ressalta-se que de todas as variáveis esto-cásticas significativas para o modelo de regressão,nos três sistemas produtivos, o preço do leite ea produtividade foram as mais relevantes paraestimar os indicadores de rentabilidade, e a pri-meira mostrou-se mais significativa do que asegunda, ou seja, os resultados econômicosforam mais sensíveis ao preço de venda do leite.Portanto, o produtor que visa à maximização dolucro deverá ficar atento à gestão das atividadesque afetam a produtividade.

11 O resultado operacional líquido dos pequenos produtores (sistema 1), sendo negativo, não só nesta, mas em inúmeras pesquisas, tem levado à conclusão deque esses produtores serão eliminados do mercado. Por que então sua presença na atividade tem sido observada ao longo do tempo, apesar de em número cadavez menor? Uma explicação plausível é que o custo de oportunidade do seu trabalho de fato é menor do que aquele que as pesquisas revelam. Neste estudo,por exemplo, os técnicos atribuíram como remuneração da mão-de-obra do produtor o valor de R$ 400,00. Mas, refeitos os cálculos com R$ 300,00, porexemplo, o sistema 1 apresentaria viabilidade econômica com VPL de R$ 3.793,98 e TIR de 7 %, um ponto percentual acima do rendimento da poupança.

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Dada a relevância da variável preço devenda do leite para obtenção dos resultadoseconômicos, cabe à cadeia de leite em Goiásbuscar mecanismos de coordenação para prote-ger a atividade de bovinocultura de leite, pois opreço de leite depende fundamentalmente dasleis de mercado, por mais que os produtoresmelhorem a qualidade e entreguem a granelmaior quantidade do produto.

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Impacto da cestabásica entre regiõesde monocultivoe policultivoEstudo de Caso

Carlos Eduardo Silva Araújo1

André Maia Gomes Lages2

Luciano Celso Brandão Guerreiro Barbosa3

Resumo: Este trabalho mostra a importância que um cinturão verde podeira ter dentro de regiõesdominadas por uma monocultura como a cana-de-açúcar. O uso da mensuração da cesta básica emfeira livre permite decifrar essa realidade. A comparação dos municípios alagoanos de Arapiraca,Capela e Maceió mostra claramente como isso se traduz em diferenças no poder de compra daspopulações locais que usam as citadas feiras.

Palavras-chave: desenvolvimento rural, salário mínimo e pobreza.

Abstract: This research show the impotance of a green belt could have inside a monoculture regionas the sugar cane ones. The measurement of the basic basket at free markets allows understand thisreality. The comparison of the Alagoas cities of Arapiraca, Capela and Maceió shows clearly differencesin the power of purchase of the local populations.

Key words: rural development, minimum wage and poverty.

1 Economista. Rua Antonio Ribeiro, Conj. José Mª de Melo, 72, Tabuleiro dos Martins, CEP 57081-145, Maceió, AL. [email protected] Economista, D.Sc. Rua Arthur Bulhões, 18, Mangabeiras, CEP 57037-450, Maceió, AL. [email protected] Economista, M.Sc. Av. Presidente Vargas, 635, Prainha, CEP 68005-110, Santarém, PA. [email protected]

IntroduçãoEsse ensaio busca fazer uma comparação

entre municípios alagoanos (Arapiraca, Capelae Maceió) para e avaliar a situação em que ummunicípio do interior daquele Estado, possuin-do uma agricultura diversificada, – e apoiada emnuma experiência de “cinturão verde”, –propicia melhor possibilidade de qualidade devida que outros, o qual concentra sua economiana monocultura canavieira. Isso tem impacto nopoder de compra das populações locais usuáriasde feiras livres municipais? Essa situação seria

avaliada com base nas cestas básicas locais,trazendo resultados contundentes. Esse quadroserá bem diferenciado, empiricamente, abrindoperspectivas interessantes de política pública decombate à pobreza rural, como se verá a seguir.

Revisão de literaturaDeseconomia de aglomeração

Já há algum tempo, está ocorrendo umprocesso de interiorização do desenvolvimentono Brasil. É um fenômeno espacial que está

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acontecendo com mais força no Estado de SãoPaulo e na Região Sul do País. Essa constataçãoé feita por autores como Souza (2005), que real-çam a importância das deseconomias de aglo-meração para potencializar o desenvolvimentodo interior.

O jornal americano The New York Times(2004), em reportagem intitulada Desempregofaz brasileiros deixarem as cidades, concluíaque as maiores oportunidades de emprego estãoem cidades do interior. Além disso, na mesmamatéria, esse periódico observava que estáhavendo uma geração de emprego no interiorbrasileiro, ao ponto de superar os grandes centrosurbanos. Isso se deve ao incremento constantena produção agrícola e à nova tendência dasindústrias de se apoiarem na idéia de fugir dasdeseconomias de aglomeração.

Assim, dada a renda individual, é importanteobservar a relação que o comportamento dopoder de compra dos consumidores possa vir ater com essa deseconomia de aglomeração ecomo um indicador de desenvolvimento podeser considerado relevante.

A perspectiva da ocorrência de uma dese-conomia de aglomeração passa a acontecer, defato, a partir do momento em que:

• Os sindicatos estão pressionando asempresas para que paguem saláriosreais relativamente maiores aos traba-lhadores.

• O solo urbano torna-se muito caro.

• A poluição atmosférica e dos rios exigea instalação de mecanismos antipoluido-res.

• O trânsito caótico e fatores socioeconô-micos e ambientais, tornam os custosde produção e de transportes das merca-dorias mais altos nas capitais e em grandescentros urbanos brasileiros.

Assim, as empresas, principalmente asque são mais intensivas em mão-de-obra combaixa qualificação e precisam de grandes

espaços para movimentar materiais, optam poruma nova localização para atingir melhoreficiência (SOUZA, 2005).

Entretanto, os problemas associados à faltade infra-estrutura, principalmente nas cidades demenor porte, podem restringir a opção das em-presas em se transferirem das grandes cidadespara o interior, uma vez que é necessário queexistam externalidades positivas para que elaspossam se instalar em outro espaço econômico.

Contudo, o que se observa é um avançodas cidades interioranas em relação à melhorada infra-estrutura para o escoamento da produção.Por exemplo, nos últimos anos, os investimentosem logística vêm aumentando consideravel-mente. Como expõe a Agência Nacional deTransportes Terrestres (2006), ao discorrer queestá havendo um aumento da frota da redeferroviária brasileira. Em 2002, existiam 1.895locomotivas e 67.795 vagões, passando, a contarem 2006, com 2.394 locomotivas e 90.119vagões, ou seja, um aumento de 26,3 % nonúmero de locomotivas e de 32,9 % no númerode vagões em 4 anos.

Essa melhora na logística para o escoa-mento da produção vem permitindo um ambientefavorável ao crescimento e maior diversificaçãoeconômica nas cidades interioranas. Além disso,nos grandes centros urbanos, está havendo maioratração de pequenas firmas como as de assistên-cia técnica para dar suporte às grandes empresas,como também de supermercados e escolas, paradar opções para a grande população disposta atrabalhar, seja ela especializada ou não, queantes se via sem alternativas de emprego. Nessescentros, a baixa demanda relativa por mão-de-obra pouco qualificada vem causando diversosproblemas sociais.

Cesta básica alimentar

O termo cesta básica significa um conjuntode produtos alimentícios que um trabalhadoradulto necessita consumir para se manter bioló-gica e socialmente em condições normais.

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Em 30 de abril de 1938, foram estipuladasmediante decreto lei as provisões mínimas, naforma de alimentos, que comporiam o consumobásico de um trabalhador, variando de acordocom o desenvolvimento social do País (BRASIL,1938). Esse decreto regulamentou a Lei n° 185,de 14 de janeiro de 1936, que estabeleceu queo salário mínimo é a remuneração devida aotrabalhador adulto, sem distinção de sexo, pordia normal de serviço, capaz de satisfazer, emdeterminada época e região do País, suasnecessidades normais de alimentação,habitação, vestuário, higiene e transporte(DIEESE, 1993).

O Decreto-Lei nº 399 dividiu o Brasil emtrês regiões delimitada por tipos de alimentação,variando parcialmente de acordo com oscostumes locais e as quantidades de alimentos.Assim, de acordo com os critérios estabelecidospela cesta básica, o Brasil está dividido, em:

Região 1 – Composta pelos Estados de SãoPaulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio deJaneiro, Goiás e Distrito Federal.

Região 2 – Composta por Pernambuco,Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas,Sergipe, Pará, Amazonas, Piauí, Tocantins, Acre,Paraíba, Rondônia, Amapá, Roraima e Maranhão.

Região 3 – Composta pelo Paraná, SantaCatarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e MatoGrosso do Sul.

Para a Região 2, constituída pelos estadosdo Norte e do Nordeste – abrangendo Alagoas,que é foco deste trabalho – foram estipuladosna Tabela 1, os alimentos e suas respectivas

quantidades necessárias para o sustento e bem-estar de um trabalhador em idade adulta.

O principal determinante da ração essen-cial – uma denominação dada à cesta básica – ésua quantidade de elementos nutritivos. Dessafeita, para sua composição, foram consideradosum conjunto de calorias, ferro, proteínas, fósforoe cálcio que proporcionasse ao trabalhadorenergia e nutrientes necessários a sua subsis-tência (Tabela 2).

Assim, percebe-se que a cesta básica é uminstrumento que pode ser importante para avalia-ção do desenvolvimento socioeconômico deuma localidade. Isso acontece, porque, com osalário mínimo, permite avaliar o comporta-mento do poder de compra de parte relevanteda população, assim como o suprimento de suasnecessidades nutricionais.

Tabela 1. Provisões mínimas mensais estipuladas peloDecreto-Lei n° 399 para a Região 2.

Composição da cesta de alimentos Quantidade/mês

Carne 4,5 kgLeite 6,0 LFeijão 4,5 kgArroz 3,6 kgFarinha 3,0 kgLegumes (tomate) 12,0 kgPão francês 6,0 kgCafé em pó 0,3 kgFrutas (banana) 7,5 dzAçúcar 3,0 kgÓleo 0,75 kgManteiga 0,75 kg

Nota: as quantidades diárias foram convertidas em quantidades mensais.Fonte: Brasil (1938).

Tabela 2. Elementos nutritivos componentes das rações tipo essencial mínima mensal para o trabalhadoradulto.

Região CaloriasProteínas Cálcio Ferro Fósforo(gramas) (gramas) (gramas) (gramas)

1 103.740 3.698,4 22,65 702,6 49,472 104.640 3.307,8 21,3 630,6 43,653 105.990 3.819,0 22,68 714,6 50,79

Fonte: Brasil (1938).

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Salário mínimo

O salário mínimo foi instituído no Brasilem 1ºde maio de 1940, pelo Decreto-Leinº 2162. Contudo, só entrou em vigor em 1º dejulho de 1940 (DIEESE, 2005).

Segundo a Constituição Federal de 1988,artigo 7º:

[...] são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,além de outros que visem à melhoria de sua condi-ção social: (Emenda Complementar n° 26/2000)salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unifi-cado, capaz de atender a suas necessidades vitaisbásicas e às de sua família com moradia, alimenta-ção, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,transporte e previdência social, com reajustes perió-dicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendovedada sua vinculação para qualquer fim.

Assim, nota-se que o salário mínimo cons-titucional deve atender às necessidades que ostrabalhadores e suas famílias demandam para suasobrevivência. Essa demanda se traduz pelanecessidade em termos de moradia, alimenta-ção, educação, saúde, vestuário, lazer, etc.

Segundo a Consolidação das Leis Traba-lhistas (CLT) em seu artigo 81, o salário mínimoserá determinado pela fórmula Sm = a + b +c + d + e, em que:

a = alimentação.

b = habitação.

c = vestuário.

d = higiene.

e = transporte.

Esses fatores representam as despesasdiárias, “[...] necessários à vida de um trabalhadoradulto” (BRASIL, 2002).

O Dieese (2005) divulgou um estudo quedemonstrava a evolução do salário mínimo (SM)de 1940 a 2004. Foi constatado que o primeirovalor do salário mínimo (que começou a vigorarem 1940), seria de R$ 901,78, com preçoscorrigidos para março de 2005. Já em 1943, osalário mínimo foi reajustado duas vezes, perma-necendo congelado até 1951. De 1952 a 1959,

o poder aquisitivo do salário mínimo sofreu umforte crescimento, obtendo em 1957, tambémpara preços de março de 2005, seu maior valormédio anual da história, chegando a uma cifrade R$ 1.106,05.

A partir de 1965, o salário mínimo começaa sofrer forte restrição, o que durou até a décadade 1990. Para se ter uma idéia, entre 1965 e1974, o salário mínimo mantinha, na médiaanual, cerca de 70 % do poder aquisitivo de1940. A partir de 1974, com a mudança dapolítica salarial, o que significava a introduçãode reajustes semestrais, observou-se uma recu-peração no poder real do salário mínimo até1982.

De 1983 até 1991, houve uma forteretração no poder aquisitivo do salário mínimo,que começou a valer, em média, 43 % doprimeiro salário em vigência. Em 1994, a desva-lorização do salário mínimo chegou ao extremo,alcançando na época 24 % do valor de 1940.A partir de 1995, finalmente, seu valor começaa se recuperar. No novo milênio, fica evidenteque essa recuperação real continua.

Uma forma interessante de se observaresse comportamento do poder de compra dosalário mínimo consiste em examinar sua repre-sentação no custo da alimentação (ver Fig. 1),mais precisamente no da cesta básica ou “raçãoessencial”. Essa forma de verificação constata agrande participação da alimentação nos gastosdas famílias de baixa renda, ou seja, analisando-se sob essa ótica, qualquer aumento no preçoda cesta básica refletirá uma perda do poder decompra do salário mínimo real, principalmentepara a população que se situa no estado depobreza.

Como se vê na Fig. 1 acima, de 1940 a2004, na cidade de São Paulo, no primeiro anode vigência do salário mínimo, o poder de com-pra correspondia a pouco menos de 40 % de seuvalor, mas em pouco mais de 1 década, maisespecificamente em 1951, o comprometimentodo salário mínimo na aquisição da cesta já erade cerca de 96,3 %.

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Recentemente, apesar do ainda alto com-prometimento do salário mínimo na aquisiçãoda cesta básica, é possível observar sinais demelhora no seu poder de compra. Em 2000 eem 2004, a parcela do salário mínimo destinadaà aquisição da cesta era de 73 % e 68,1 %,respectivamente. Esses resultados recentes sãoreflexos de diferentes variáveis como o menorcrescimento dos preços dos produtos componen-tes da cesta básica pelo satisfatório desempenhode algumas safras de produtos agrícolas, alémdos ganhos reais do valor fixado do saláriomínimo nos últimos anos (GIAMBIAGI, 2007).

Definindo a pobreza

Segundo Monteiro (1995), são pobresaqueles que não suprem permanentemente suasnecessidades com comida, lazer, educação, saúde,vestuário, habitação, etc. Já os famintos são osindivíduos que em sua alimentação diária nãoconseguem suprir as necessidades que o organismohumano necessita para realizar sua manutençãodiária normalmente, como estudar, trabalhar, etc.

Para os habitantes de Alagoas e das diversasregiões do País, a fome e a desnutrição assumemproporções elevadas, mesmo o Brasil sendo umdos maiores produtores de alimentos do mundo.

Uma das conseqüências da pobreza é adesnutrição, que muitas vezes se manifesta peloretardo nas etapas de crescimento das crianças.De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Saúde

e Nutrição (PNSN), do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE, 1989), verificou-seque em Alagoas, no fator retardo de crescimento,na maioria dos casos, no período do estudo (Ta-bela 3) apresentava um índice de retardo decrescimento nas mesmas proporções de SerraLeoa e Zâmbia, dois dos países com os maioresíndices de miseráveis do planeta (MONTEIRO,1995).

Hoffman e Kageyama (2006) definem apobreza como sendo algum tipo de privação quepode ocorrer somente por via material, ou incluirelementos de ordem social ou cultural, em facedos recursos disponíveis de uma pessoa oufamília. Essa privação pode ser apresentada detrês formas distintas:

a) Pobreza absoluta – É ter menos que oobjetivamente definido.

b) Pobreza relativa – É ter menos queoutros na sociedade.

c) Pobreza subjetiva – É sentir que nãose tem o suficiente para seguir adiante.

Fig. 1. Custo aproximado da cesta básica comoporcentagem do salário mínimo para a cidade de SãoPaulo, SP, de 1940 a 2004.Fonte: Dieese ( 2005).

Tabela 3. Percentual de crianças com retardo severode crescimento em diferentes estados brasileiros epaíses selecionados (1980–1989).

Estado do Brasil % País %

Santa Catarina 4,9 Trinidad-Tobago 5,0São Paulo 5,6

Mato Grosso do Sul 6,1 Costa Rica 7,8Rio Grande do Sul 8,2

Goiás 9,4 Chile 9,6Rio de Janeiro 9,9Minas Gerais 10,6

Mato Grosso 11,1 Kwait 11,3Paraná 11,6

Amazonas 16,7 Costa do Marfim 17,2

Bahia 22 Djibut 22,2

Ceará 27,6 Congo 27,1

Pernambuco 28,6 Zimbábue 29,0

Pará 29,4 Togo 29,6

Alagoas 36,8 Serra Leoa 34,7Zâmbia 39,6

Maranhão 37,4 Haiti 40,6

Fonte: IBGE (1989).

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Entretanto, existem outros autores queacreditam e afirmam que pobreza é um conceitopuramente relativo. Segundo Abel-Smith eTownsend (1972), ser pobre é tão relativo comodizer quem é baixo ou pesado, bonito ou feio, eque a pobreza está relacionada a vários outrosfatores e não só à condição financeira.

Nesse caso, a pobreza pode ser definidanão apenas de forma a representar as necessida-des nutricionais, por exemplo, mas tambémdevem estar inclusas as necessidades do serhumano se incluir no meio social participandode suas atividades.

Assim, a pobrzareflete a incapacidade dese manter um padrão de vida mínimo. Mas comodefinir e mensurar o padrão de vida mínimo?Esse é o principal problema. Segundo a Organi-zação das Nações Unidas (ONU), para mensurara pobreza, é necessário mesclar padrões derenda e padrões relativos de saúde, de habitação,de vestuário e de educação,para tornar possíveiscertas definições.

Assim, nota-se que ser pobre não é só terinsuficiência financeira, mas não poder preenchertodas as necessidades de desenvolvimentohumano, inviabilizando a possibilidade de umindivíduo almejar ter uma vida mais longa esaudável, ao tempo em que ainda fica alijado daestrutura social.

A questão da tributação indireta sobreos alimentos, com ênfase na populaçãode baixa renda

Para muitos economistas, a tributaçãopoderia constituir-se num instrumento a maispara a melhoria da distribuição de renda, princi-palmente se forem levadas em conta as pessoasque vivem e margeiam a linha de pobreza.,Apesar de parecer menos maléfica, a tributaçãoindireta merece destaque, pois sua incidência émaior entre os considerados pobres e indigentespelo fato de consumirem grande parte de suarenda com alimentação.

Diversos autores evidenciam a alta regres-sividade da tributação indireta sobre os alimentosno Brasil. Magalhães et al. (2001) expõem quea desoneração tributária em alguns produtostiraria da condição de pobreza e indigência umaboa parcela da população.

Entre a população, é quase consensual aconcepção de que deva haver uma eqüidade nopagamento de tributos no que diz respeito à justaparte cabível para cada cidadão, ou seja: todosdevem contribuir, mas de acordo com a condi-ção de cada um. A carga tributária brasileira ébaseada, fundamentalmente, nos tributos indire-tos e, assim, fica complexo poder personalizarum tributo, conforme as características socioeco-nômicas dos contribuintes.

No Brasil, os impostos incidentes sobrevends e consumo são caracterizados na suamaioria por alíquotas uniformes e singulares,incidindo diretamente sobre as mercadoriastributadas, caso do Imposto sobre Circulação deMercadorias e Serviços (ICMS). Para pessoas debaixa renda, que destinam parcela alta de seusrendimentos ao consumo alimentar – e nãopodem imitar cidadãos das classes mais altas quealocam o excedente em poupança –, os impostosindiretos da forma como estão configurados nãotrazem benefícios, mas sugam a renda dos pobresmais rapidamente que a dos ricos.

Magalhães et al. (2001), estimaram que ovalor médio da carga tributária indireta paravárias regiões metropolitanas do Brasil, numacesta de alimentos predeterminada era de14,1%, o que para as famílias que ganham atéum salário mínimo faz diferença na hora de irao segmento varejista suprir suas necessidadesalimentares.

Perfil socioeconômicodas cidades pesquisadas

Antes de prosseguir, é necessário diagnos-ticar diferenças socioeconômicas entre osmunicípios que são o foco da análise compara-tiva.

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Arapiraca

Arapiraca está localizada na Mesorregiãodo Agreste alagoano, numa área de 351 km2.Em 2001, sua população era de 186.466 hab.No passado, Arapiraca era reconhecida nacional-mente como a “Terra do Fumo”, mas adecadência dessa cultura provocou uma mudan-ça do monocultivo para o policultivo, apoiadanuma iniciativa dos governos municipal efederal, por intermédio da Companhia de Desen-volvimento do Vale do São Francisco (Codevasf).

Isso significou a instalação de uma modali-dade de “cinturão verde” nesse município. Essaimplantação constituiu uma mudança importantepara a diversificação econômica de Arapiraca euma evolução crescente nos índices sociais(CARVALHO, 2005).

Conforme a Fig. 2, entre 2000 e 2003, oProduto Interno Bruto (PIB) per capita (a preçoscorrentes), dessa cidade aumentou em 40 %.Outro indicador, que sinaliza de forma maisrealista o nível de desenvolvimento de uma região,é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).Em 1991, o IDH de Arapiraca era de 0,556,enquanto em 2000 já alcançava 0,656.

Atualmente, o setor agrícola de Arapiracaé responsável por uma ampla variedade deespécies de plantas cultivadas, principalmentequando comparado com outros municípios doestado. Além disso, sua agricultura é baseadana pequena e média produção, por isso, possui

uma particularidade interessante que é a grandeparticipação das unidades familiares nessa ativi-dade, uma das principais razões do seu cresci-mento constante.

Após a decadência do fumo, houve umincremento da diversificação produtiva agrícolamunicipal. Atualmente, são produzidos: abacaxi,algodão-herbáceo, batata-doce, cana-de-açúcar,coco-da-baía, feijão, fumo, hortaliças, mandioca,manga, milho e soja, além do cultivo de hortali-ças com técnicas agroecológicas.

Como já foi mencionado, na agriculturaexiste ainda o Projeto Cinturão Verde, desenvol-vido em 19 comunidades municipais, abrangendoum total de 210 famílias, dados da SecretariaMunicipal de Agricultura de Arapiraca (ARAPI-RACA, 2006). O projeto trata da exploração dehortaliças irrigadas (Fig. 3), principalmente empequenas propriedades rurais, com condiçõesde acesso a águas subterrâneas.

As hortaliças possuem um ciclo de produ-ção curto, que permite várias safras de cadacultura ao ano, o que não acontece com o fumo,garantindo uma renda bruta mais bem distribuídaao longo dos meses, para o pequeno produtor.Além disso, o agricultor tem a possibilidade decomercializar diretamente nas feiras livres suaprodução, afastando o intermediário, assimcomo garante um produto mais barato ao consu-midor local.

Fig. 2. PIB per capita a preços correntes de Arapiraca,AL, de 2000 a 2003.Fonte: IBGE (2006).

Fig. 3. Hortaliças produzidas e área (ha) cultivada noProjeto Cinturão Verde.Fonte: Arapiraca (2006).

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Outro fato importante é o atendimento deaproximadamente 80% da demanda por horta-liças em Maceió, a capital.

Disparadamente, o setor de serviços é osegmento que mais gera renda em Arapiraca,apresentando a maior participação na economia,seguido pelo setor industrial (Tabela 4). Essesetor está atraindo um mercado consumidor demilhares de pessoas residentes em cidadesvizinhas, dinamizando ainda mais seu mercadoemergente.

Sua indústria também é relativamenteforte, quando comparada à realidade estadual, etem o segundo maior distrito industrial deAlagoas, empregando cerca de 7 mil pessoas,com fábricas de diversos produtos, desde obeneficiamento do fumo, incluindo-se fábricasde refrigerantes, beneficiamento de peixes,produtos gráficos, derivados de leite, produtosderivados de PVC, mineração, café, derivadosde milho, etc. (LINS et al., 2006).

Capela

Com aproximadamente 19.302 hab. em2001, Capela pertence à Mesorregião do lestealagoano, com uma área de 205 km2. Por umatradição histórica, esse município não conseguiu

diversificar sua economia, e permaneceu depen-dente do monocultivo da cana-de-açúcar.

Nos últimos anos, Capela vem apresentan-do uma economia problemática. Um fato signifi-cativo foi o fechamento da Usina SucroalcooleiraJoão de Deus, em 2006, mantenedora da rendade vários trabalhadores rurais. Destaque-se queno município vizinho de Cajueiro a Usina Caprichoainda resiste, o que garante a absorção parcialda produção de cana-de-açúcar local.

Segundo LINS et al. (2006), desde 1990,mais da metade da população rural abandonouo campo e a população total de Capela estádecrescendo continuamente, numa taxa de –1,90 % ao ano. Esse resultado é derivado da faltade oportunidades de trabalho, uma vez que ocomércio é frágil e a atividade industrial é inexis-tente. Além disso, falta incentivos e programasgovernamentais mais voltados para uma geraçãode emprego e de renda “sustentável”.

Para corroborar tais fatos, basta analisar aTabela 5, que expõe os dados acerca da poucasignificância da economia de capela, quandocomparada com as economias de Arapiraca ede Maceió.

A economia de Capela vive um processode decadência como mostra a Fig. 4. O PIB per

Tabela 4. Valor adicionado de Arapiraca, AL, por setor de atividade de 2000 a 2003.

Setor de2000 2001 2002 2003

atividadeValor adicionado Valor adicionado Valor adicionado Valor adicionado

(R$ 1.000) (R$ 1.000) (R$ 1.000) (R$ 1.000)

Agropecuária 36.112 49.281 38.228 46.143Indústria 34.559 39.732 56.431 75.049Serviço 250.475 255.531 289.524 364.670

Fonte: IBGE (2006).

Tabela 5. Valor adicionado de Capela, AL, por setor de atividade de 2000 a 2003.

Setor de2000 2001 2002 2003

atividadeValor adicionado Valor adicionado Valor adicionado Valor adicionado

(R$ 1.000) (R$ 1.000) (R$ 1.000) (R$ 1.000)

Agropecuária 1.519 2.149 1.909 2.465Indústria 1.785 2.592 2.892 3.766Serviço 20.263 22.218 25.749 22.765

Fonte: IBGE (2006).

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capita, mesmo a preços correntes, caiu entre2002 e 2003.

Para esses resultados, um fator determi-nante é a falta de diversificação agrícola. Além disso,esse município não possui um setor terciário forte,sendo dependente de outros municípios.

Com a cultura da cana-de-açúcar, pilar fun-damental da economia de Capela, gerou-se umaalta concentração de renda, pois essa culturaagrícola não remunera bem os cortadores decana, mas seus fornecedores e usineiros. Assim,a riqueza se concentra nas mãos de poucos.As usinas tendem a demandar crescentementecana própria, o que exige a compra de maisterra. Além disso, a atividade canavieira ésazonal, não permitindo uma renda sustentáveldurante todo o ano, para o trabalhador rural.

Para superar os problemas associados àquestão econômica, o Município de Capela temque recorrer aos programas sociais, comodemonstram os dados do IBGE ao expor que em2006 estimava-se que existiam 4.250 famíliasnesse município, sendo 76,3 % delas atendidaspor algum tipo de programa social, totalizandoo benefício no valor de R$ 125.348,00. Ainda,em 2003, a Previdência Social injetou a quantiade R$ 9.383.711,49 referente a remuneraçõesprevidenciárias. Nesse mesmo ano, o municípioobteve uma receita tributária de R$ 167.800,00e um repasse do Fundo de Participação dos

Municípios (FPM) no valor de R$ 4.379.527,00,quase 27 vezes mais o que o município arrecada(LINS et al., 2006).

No âmbito financeiro e social, fica evi-dente assim que a população de Capela e aadministração pública municipal são altamentedependentes desses repasses de recursos dogoverno, tais como: Fundo de Participação dosMunicípios (FPM), Previdência Social e programassociais, tipo Bolsa Família. Contudo, deve serpor isso que segundo o IBGE, o IDH do municí-pio saltou de 0,454 em 1991 para 0,569 em2000, motivado pelo crescente assistencialismosocial do governo, mas que não garante requi-sitos suficientes de um desejado desenvolvi-mento sustentável em suas diversas dimensões.

Maceió

Maceió está situada na Mesorregião doleste alagoano. Sua população é a maior doestado, representando 28,3 % da população total,com 797.759 hab em 2001, segundo o IBGE,além de possuir uma área de 510 km2. Essacidade possui uma economia forte, centradaprincipalmente nos setores de comércio e deprestação de serviços, ou seja, sua economiaestá fundamentada no setor terciário.

Esse setor é o responsável pela maioriados empregos oferecidos, sejam eles formais(com carteira assinada) ou informais. O setorinformal detém uma grande participação naeconomia popular local.

Por causa da falta de oportunidades namaioria das cidades do interior do estado, con-juntamente com uma participação ativa de 56 %,em 2003, da riqueza gerada em solo alagoano,Maceió vem atraindo grande número de pessoase favorecendo o êxodo rural. Segundo o IBGE,em 2005, Maceió apresentava uma densidadedemográfica de 1.769,22 hab/km2, já Arapiracae Capela apresentavam respectivamente568,93 hab/km2 e 89,12 hab/km2. Esse fenô-meno pode ser constatado pelo aumento doindicador da proporção da população da capitalem relação ao estado que, entre 1960 e 2005,alterou-se de 19 % para 30 % (LINS, et al., 2006).

Fig. 4. PIB per capita a preços correntes de Capela,AL, de 2000 a 2003.Fonte: IBGE (2006).

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4 O IDH é considerado baixo quando o índice não ultrapassa 0,500; médio, quando atinge de mais 0,500 a 0,800; é considerado alto, quando possui for superiora 0,800. Os dados sobre IDH municipais estão também disponíveis no site: www.ipeadata.gov.br (acessado em 17/09/2007).

Como toda capital, Maceió, apresentasérios problemas sociais, como falta de infra-estrutura, de habitação, acesso à saúde, elevadoíndice de pobreza, etc. Em relação à pobreza,essa vem se alastrando e formando vários aglo-merados (favelas) nos bairros periféricos e maispobres da cidade, com taxa de crescimento maiorem relação ao resto das localidades urbanas.

Quanto ao setor agrícola, Maceió não temdemonstrado forte vocação, salvem-se as cultu-ras do coco-da-bahia, que é mantida pela deman-da da maior fábrica de beneficiamento de cocoem nível mundial, a empresa Sococo S., e dacana-de-açúcar (LINS et al., 2006). O restante daprodução agrícola apresenta números inexpres-sivos, confirmando que a economia da capital éextremamente baseada nos outros setoreseconômicos. Para isso, basta observar a Tabela 6que mostra dados de valor adicionado para cadasetor no período compreendido entre 2000 a2003. Em relação ao Índice de DesenvolvimentoHumano, em 2000, Maceió apresenta um IDHde 0,739, considerado médio na escala deavaliação4 para esse índice.

Conforme constata Carvalho (2005, p. 27),em Maceió, a comercialização de hortaliças éprocedente de Arapiraca, o que evita a impor-tação de produtos primários de outros estadosmais distantes. Antes, essas hortaliças vinhamde diversos estados brasileiros, inclusive daRegião Sudeste com maiores custos de transpor-tes e maior possibilidade de desperdício emfunção da elevada perecibilidade.

Materiais e métodos

Este trabalho iniciou-se com uma pesquisade campo com dados primários com a aplicaçãode questionários estruturado e uma planilhaassociada para coleta das informações referentesaos preços e quantidades dos produtos da CestaBásica Nacional em feiras livres, de novembroa dezembro de 2006, Maceió, Arapiraca eCapela.

A pesquisa foi feita em feiras livres, pelofato de os preços lá encontrados não incorreremnuma carga elevada de impostos, além dosprodutos terem uma relação mais direta com aagricultura familiar, diferentemente dos produtosencontrados em supermercados, que por seremconsiderados estabelecimentos formais temuma provável incidência de tributos muito maior,o que poderia distorcer os resultados.

Segundo o Decreto-Lei nº 399, Brasil(1938), os bens e as quantidades estipuladas dosprodutos componentes da Cesta Básica Nacionalsão os definidos para a Região 2, conformeexplicado na página 4.

A pesquisa também recorreu a fontessecundárias de informações, como levantamentobibliográfico, visando à construção de um refe-rencial analítico que desse suporte para o estudode diversas questões levantadas como poder decompra do salário da população de baixa rendaem tempos de inflação, que na verdade refletea capacidade de adquirir bens e suprir as neces-sidades do consumidor, diferentemente do seusalário em moeda corrente ou salário nominal.

Tabela 6. Valor adicionado de Maceió, AL, por setor de atividade de 2000 a 2003.

Setor de 2000 2001 2002 2003atividade Valor adicionado Valor adicionado Valor adicionado Valor adicionado

(R$ 1.000) (R$ 1.000) (R$ 1.000) (R$ 1.000)

Agropecuária 27.247 30.582 57.423 39.141Indústria 1.455.514 1.589.443 2.015.849 2.687.912Serviço 1.428.337 1.580.565 1.836.001 2.611.978

Fonte: IBGE (2006).

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Foram analisados os novos fluxos migrató-rios da população no País, para comprovar parteda hipótese de que o custo de vida no interiordos estados é menor em relação ao das capitais,levando-se em consideração os preços dosprodutos da cesta básica nacional, como tambéma oferta por trabalho crescente nessas locali-dades.

Discussão dos resultados

Para efeito analítico, é incorporado tam-bém o custo da cesta básica da capital paulista.

Maceió tem custo da cesta básica em feiralivre inferior aos dados oficiais da Seplan/AL, poisos dados da Secretaria de Planejamento Estadualem relação à cesta básica sofrem o viés dossupermercados que oferecem produtos comcustos adicionais de infra-estrutura, associadostambém a serviços, custo do emprego formal ede uma carga tributária mais pesada, de impostosindiretos, inclusive. Além disso, esse ponto decomercialização demanda canais de comercia-lização mais longos, o que concorre para umasituação que gere margens de comercializaçãomais elevadas.

Também fica evidente que o fenômenoda interiorização do desenvolvimento, estimu-lado pelas deseconomias de aglomeração, éconstatado amplamente no Estado de São Pauloe está de alguma forma representado nessaproxy: custo da cesta básica. Apesar disso, essedado não é suficiente para definir toda dimensãodo fenômeno, já estudado por outros autores.Vale lembrar que, na capital paulista, emdezembro de 2006, 52 % do salário mínimoestaria comprometido com as despesas referen-tes à cesta básica. Em Maceió, apenas 38,89 %.É evidente que a capital alagoana ainda não sofreos efeitos das deseconomias de aglomeração,tão evidentes no caso paulistano.

No âmbito estadual, a Tabela 7 mostra queo custo da cesta básica, em Maceió, é muitopróximo ao de Capela, o que diminui o poderde compra dos salários dos seus habitantes,

mesmo em feiras livres, perante os arapiraquen-ses. Isso acontece, principalmente, porquemunicípios dominados pelo cultivo da cana-de-açúcar necessitam buscar produtos vendidos nasfeiras livres em locais cada vez mais distantes,encarecendo custos, inclusive despesas transpor-te. Além disso, é uma produção que está sendocomercializada por outros agentes do canal decomercialização e não por produtores locais. Porsua vez, Maceió também não tem produçãomunicipal suficiente, precisando buscar produtospara consumo alimentar em outros municípios,estados e/ou regiões, para garantir o abasteci-mento local.

Nas últimas décadas, a legislação trabalhis-ta rural, obrigações previdenciárias e leis referen-tes ao direito de propriedade sobre a terra vêmsofrendo modificações. Isso resultou na expulsãode muitos trabalhadores de fazendas, impedindoa produção de subsistência, ou de origem naagricultura familiar, encarecendo a cesta básicaem feiras livres de localidades dominadas pelocultivo da cana-de-açúcar.

Por sua vez, o governo municipal de Ara-piraca teve com a Codevasf a feliz iniciativa decriar um cinturão verde que abastece diretamenteas feiras livres municipais, sem intermediários,resultando na cesta básica mais barata dapesquisa.

Atualmente, o município de Arapiraca, éa localidade do interior de Alagoas com aeconomia mais diversificada, e tem a vantagemde, por meio de seu cinturão verde, proporcionarmelhor qualidade de vida para a população de

Tabela 7. Preços da cesta básica em novembro de2006.

Local Valor (R$)

São Paulo – Dieese 185,29Maceió – Seplan 136,35Maceió 108,08Arapiraca(1) 99,78Capela 110,87

(1) Valor de dezembro de2006.Fonte: coleta de dados primários nos municípios alagoanos de Maceió,Arapiraca e Capela (2006).

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baixa renda no tocante ao valor real da rendapara a aquisição da cesta básica alimentar. Porisso, apresenta vantagem em comparação comMaceió e Capela. Apesar disso, é uma cidadeainda pobre em serviços.

Conforme é mostrado na Fig. 5, o valorda maioria dos produtos pesquisados no mercadode Arapiraca é inferior aos de Capela e de Maceió,salvo os casos de três produtos entre os 12 cons-tantes da cesta, que são carne, café e óleo desoja. O comprometimento do salário mínimovigente em 2006 para a aquisição da cesta emArapiraca era de 28,29 %, ou seja, para a aqui-sição da cesta eram necessários R$ 99,03. Já emMaceió, o mesmo comprometimento no salárioera de 31,05 % ou R$ 108,68.

Em termos, a grande surpresa nos resulta-dos de Capela, que obteve o maior índice conjuntode preços para aquisição da cesta, apresentandoum percentual do salário mínimo de 31,68 %,significando R$ 110,87, ou seja, R$ 11,84 a maisque Arapiraca e R$ 2,19 mais caro que Maceió,conforme a Fig. 5. Em relação à comparaçãoentre Capela e Arapiraca, com essa diferença

podiam-se comprar, a preços da época, poucomais de 2 kg de carne, 6 L de leite ou até 11 kgde feijão, quantidades estas que fazem bastantediferença para qualquer família que vive comum salário mínimo.

Esse resultado poderia ser consideradosurpresa, mas as explicações dadas anterior-mente evidenciam os problemas que diminuemo poder de compra da população daquelalocalidade. Não basta o município ser de interiorpara apresentar melhor qualidade de vida paraa população. Na maioria dos casos, municípioscanavieiros precisam dispor de uma economiamais diversificada e, se possível, uma estruturaagrária menos concentrada na produção de cana-de-açúcar, que possa possibilitar, pelo menos,algo como um cinturão verde com padrão deagricultura sustentável. São elementos quemerecem ser analisados, pois como Capela,existem diversos outros municípios alagoanos– e até brasileiros – com perfil semelhante(LEÃO, 2005). O que se percebe é que essascidades não apresentam tipos diferentes deindústrias ou um setor de serviços forte, além

Fig. 5. Preço total pesquisado das quantidades de alimentos constantes da cesta básica nas cidadesem estudo.Fonte: pesquisa de campo realizada pelo autor entre os meses de novembro e dezembro de 2006.

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do fato de serem produtores de cana e deriva-dos, ou seja, possuem a presença de usinas edestilarias, não procurando diversificar sua pautade produção e prestação de serviços. O fato éque permanecem com um quadro socioeconô-mico, sem mudanças, por décadas. Claro deveestar que a sazonalidade da atividade canavieirae assim de sua mão-de-obra rural concorre paraisso fortemente.

Considerações finaisDiferentemente do cidadão de classe

baixa, que ganha até três salários mínimos, porexemplo: aqueles com renda superior a 20 salá-rios mensais podem ter sua preferência e padrãode consumo geralmente atendida. Isso nãoimplica que seja sensata uma atitude consumista.

Por isso mesmo, é que é relevante compa-rações entre salário mínimo e cesta básica,porque a denominada cesta foi assim criada paramedida de índice mínimo de qualidade de vidaa ser atingido. E um salário mínimo tem de sercapaz de proporcionar o poder de compra paraadquirir tais bens constantes na cesta, comotambém dar opções para a população atingiroutras necessidades básicas como saúde,educação, habitação, etc.

Com este trabalho, foi possível chegar aduas conclusões: a primeira é que, para que arenda gerada em certo município seja mais bemdistribuída, é necessário um nível de diversifi-cação econômica satisfatório, pelo menos nocaso de regiões monocultoras da cana. Nessequadro, a atuação do governo nas suas trêsdimensões articuladas é peça-chave para atingiresse objetivo. O governo pode exercer umagovernança inteligente apoiada em incentivos,organização e/ou capacitação de setores produti-vos. E assim, estimular a geração de renda entrea população pobre.

A segunda conclusão refere-se ao êxito daintrodução de um cinturão verde, por exemplo.Essa iniciativa pôde potencializar um ambientefavorável e com economias de aglomeração,numa situação de transição econômica “pacífica”

do monocultivo do fumo para o policultivo.Os efeitos disso ficam claros nos valores da cestabásica e seu resultado sobre o poder de comprada população consumidora local.

Esses elementos podem ser importantesem situações específicas. Por exemplo, ogoverno deve incentivar a tendência atual decomportamento dos agentes econômicos, bus-cando a descentralização espacial de determi-nados setores produtivos, quando existem sinaisde esgotamento de um local como aglomeradorde atividades econômicas. Quem paga o preçodisso é a população, inclusive por conta dapoluição ambiental, um dos aspectos quecaracterizam um processo de deseconomia deaglomeração. Assim, experiências bem-sucedidas de apoio à desconcentração outransição da atividade econômica devem funda-mentar essas ações.

Não se pode esquecerde observar comopolíticas de interiorização do desenvolvimentoauxiliam também a diminuir as desigualdadesregionais, mas também desigualdades intra-regionais e até intra-estaduais. Alagoas deve terbons exemplos disso, como insinua o resultadodeste trabalho.

Contudo, apesar do bom exemplo deArapiraca, ainda está longe de se tornar a grandemaioria do interior brasileiro atrativa para boaparte da população urbana, principalmente aquelasque moram em favelas. Isso se deve ainda a umadiferença extrema na qualidade de serviçospúblicos e privados ofertados, e por certosconfortos disponíveis na grande maioria dascapitais dos estados brasileiros, principalmentenas cidades de maior porte do Sul e do Sudeste.

Vale lembrar que isso tem sido motivo depolíticas de desconcentração da população comsucesso na Comunidade Européia e particu-larmente no Japão (GOMES, 1993). E podeacontecer aqui dentro dos parâmetros do desen-volvimento sustentável.

Por sua vez, o salário mínimo é um impor-tante instrumento de distribuição de renda.Recentemente, o governo federal tem acentuado

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esse papel, conseguindo até que ele cresça emrelação à cesta básica (PRADO, 2006). Se osgovernantes persistirem no processo de valori-zação do salário mínimo, sem com isso alimen-tar a inflação, o Brasil pode lucrar, aumentandoa inclusão social e até auxiliando a dinamizar omercado interno.

O uso da referência da cesta básica de-monstrou poder de explicação da realidade quecertamente deve continuar orientando naformulação de políticas públicas.

Antes de serem conclusões fechadas, osaspectos abordados aqui abrem novas dimensõese provocações a um debate relevante para odesenvolvimento do País.

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Pecuária e o aquecimento globalO enfrentamento dos problemas relacio-

nados ao aquecimento global e as ações paraatenuar suas causas e conseqüências serãoprovavelmente a primeira grande luta a envolvertoda a humanidade, independentemente deraças, credos ou nacionalidades.

O aquecimento global, considerado atépouco tempo assunto exclusivo da comunidadecientífica (e para muitos, de ficção científica),tornou-se hoje tema de interesse geral, sendodiscutido em todas as esferas, com os “vilões”se revezando no interesse dos estudiosos e damídia. Os efeitos aparecem por toda parte: doderretimento de geleiras em todo o mundo aofuracão “Catarina”, ocorrido no Brasil em marçode 2004, que tornou necessário reescrever oslivros de ciência que diziam “É impossível haverfuracões no Atlântico Sul” (Gore, 2006).

Recente relatório da FAO, Livestock’slong shadow (Longa sombra da pecuária),colocou a produção pecuária mundial como umagrande vilã, destacando-a, quanto à produção deCO2

(ou equivalente), acima do sistema mundialde transportes, consumidor voraz dos combustí-veis fósseis. Esse relatório descreve em detalheso impacto da criação de animais, ruminantes ounão, sobre o aquecimento global.

Pastagem ecológicae serviços ambientaisda pecuáriasustentável1

Jurandir Melado2

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Os valores se apresentaram assim tãoelevados porque incluíram no total não só todasas espécies animais da porteira para dentro, mastambém toda a cadeia produtiva da pecuária,incluindo o transporte, grande consumidor deenergia fóssil. A realidade, porém, é que apecuária tem mesmo grande responsabilidadepelo aquecimento global. Sua contribuição parao aquecimento vai desde o desmatamento equeimada de florestas para o estabelecimentode pastagens até a produção de metano pelafermentação ruminal e pela fermentação anaeró-bica dos dejetos.

O principal estrago ocorre no momentodo desmatamento e queimada, já que a queimade cada hectare de floresta, com 250 toneladasde matéria seca, lança ao espaço 500 toneladasde CO2. Com a posterior lavra do solo para aagricultura, ocorre a “queima” da matéria orgâni-ca e, em conseqüência, redução de seus nutrien-tes. Supondo uma redução de 3,50 % para 1,5 %,são mais 80 toneladas de CO2 lançados no ar.

A fermentação ocorrida no rúmen de umbovino de corte em pastejo produz, por ano, de40 kg a 70 kg de metano (CH4), gás com um“efeito estufa” 25 vezes mais potente que o CO2.O resultado é a emissão de 1 t/animal/ano a1,7 t/animal/ano de CO2 equivalente. No proces-so metabólico dos ruminantes, perde-se, na

1 Texto básico da palestra apresentada no V CBA – Guarapari, ES, de 1 a 4 de outubro de 2007, na Mesa Redonda Pecuária Sustentável e Aquecimento Global.2 Engenheiro agrônomo, consultor e autor de livros sobre manejo sustentável de pastagem. O autor contou com a colaboração de Odo Primavesi na análise

crítica do texto e com sugestões para seu aperfeiçoamento.www.fazendaecologica.com.br, [email protected], (27) 3362-2258 / 9949-9268

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forma de metano, de 2 % (rações concentradas)a 18 % (pastagem de má qualidade e de baixaproteína bruta) da energia bruta fornecida pelosalimentos. O valor aceito como médio gira emtorno de 6 % (Primavesi, 2007).

Em sistemas com confinamento intensivo,em que a dieta pode chegar a 90 % de alimentosconcentrados, a produção de metano poderá serreduzida para 2 % da energia bruta ingerida.Porém, ocorre a transferência do problema paraa área agrícola, produtora dos grãos. Nessasáreas, quando ocorrem problemas de arejamento(compactação ou encharcamento) e o aporte denitrogênio, pela adubação mineral, orgânica oumesmo pela fixação biológica, o resultado é apresença de nitratos e óxido nitroso (N2O), queé 250 vezes mais eficiente na retenção de calor(efeito estufa) que o CO2. Outro problema sériodas criações intensivas (confinadas) de animaisé a grande quantidade de dejetos produzidos,cuja fermentação anaeróbica produz o metano.

Visto que a produção de metano não podeser dissociada da pecuária e que a atividadepecuária não pode ser suprimida, nem mesmoreduzida, o que então poderá ser feito para reduzirseus efeitos no aquecimento global? Muita coisapode e está sendo feita. Porém, numa escalaainda longe da desejável e necessária. Já existemtecnologias capazes de mitigar os efeitos dapecuária sobre o aquecimento global, algumasdelas capazes mesmo de transformar a pecuária– de vilã para heroína –, contribuindo para oseqüestro de carbono atmosférico.

Na realidade, o aumento da camada degases de efeito estufa é apenas uma das causasdo aquecimento global. Essa camada funcionaapenas como um cobertor, que não tem a capaci-dade de aquecer, mas apenas de conservar ocalor do corpo, no caso a Terra.

Um solo sem cobertura vegetal, ou comcobertura escassa, como ocorre com as pasta-gens degradadas ou em regime de superpastejo,é um verdadeiro espelho que devolve calor aoespaço na forma de ondas longas ou radiaçãoinfravermelha. Em todo o mundo, existemmuitas áreas que emitem calor em excesso

(acima de 300 W/m2), contribuindo, portanto,para o aquecimento global. No Brasil, essas áreasse concentravam apenas no Semi-Árido nordes-tino, mas agora, lamentavelmente, elas ocorremtambém nas regiões Sudeste e Centro-Oeste,em que a cobertura vegetal permanente foi subs-tituída por culturas que não conseguem manterfolhas verdes o ano todo e com isso não há vapo-rização de água para o ar. Ilustrando, o quequeima a sola do pé descalço às 13 horas? Areiaseca ou úmida, numa praia? O gramado ou acalçada, na cidade? No pasto, com o mesmo sola pino, é a falta de vaporização e umidade no arque queima. Portanto, uma superfície sem água,mesmo que seja composta de planta verde, podequeimar a sola do pé.

Por sua vez, uma boa cobertura vegetal,que é hidrotermorreguladora, quando contémágua, é a melhor forma de manter um clima commenor amplitude térmica, que é o desejável.Por exemplo: no Deserto do Saara, a temperaturavaria de 0 a 50 ºC da noite para o dia; já naFloresta Amazônica, o intervalo é bem menor,de 28 ºC para 38 ºC. A temperatura média émaior na floresta tropical do que no desertosubtropical, mas a amplitude térmica no desertoé 5 vezes maior. Surge então a seguinte pergunta:qual dos dois locais é mais favorável à vida?

Pastagem ecológica e serviçosambientais da pecuária sustentável

A pecuária convencional e extensiva,baseada no pastejo contínuo (que não permite odescanso e a recuperação das forrageiras) egeralmente com lotação acima da capacidadede suporte, fator que mais contribui para a degra-dação das pastagens, e a pecuária superintensiva,baseada em confinamentos dependentes de grãosque são mal convertidos por ruminantes, não sãosustentáveis. Para alcançar a sustentabilidade, apecuária precisa ter em seu alicerce o ManejoSustentável das Pastagens, de forma a garantirde modo natural sustentável, em qualidade e emquantidade, a alimentação dos animais, que estána base da pirâmide da produção pecuária.

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A sustentabilidade de uma pastagem só éobtida quando se encontra um meio de conciliaros interesses dos animais com as necessidadesdas pastagens. Pastagens e animais têm interes-ses naturalmente conflitantes quando se usasuperlotação. Sem um controle do pastejo, osanimais acabam por degradar e destruir a pasta-gem. No sistema convencional, com o manejo(ou melhor, o não-manejo) por meio do pastejocontínuo, os animais se tornam verdadeirospredadores das pastagens, o que causa suadegradação e, conseqüentemente, a degradaçãodo solo, porque os animais, no desespero desaciar a fome e repor as quantidades diárias deenergia, são levados – no pastejo contínuo – àvoracidade, que por sua vez pode levá-los aocúmulo do desgaste prematuro dos dentes.

A tecnologia capaz de conciliar de formamais eficiente os interesses de animais e pasta-gens, o pastoreio racional, que permite o descansoe a recuperação das forrageiras, hoje conhecidopor Pastoreio Racional Voisin, foi formalizada porAndré Voisin e publicada há exatos 50 anos, naprimeira edição francesa de sua obra prima,Productivité de l’Herbe – Produtividade do Pasto–, também publicada no Brasil em 1975, pelaEditora Mestre Jou. A utilização de leguminosas,rasteiras, arbustivas e arbóreas, que têm a capaci-dade de fornecer nitrogênio ao sistema, aumentatambém a produtividade das gramíneas e aeficiência de todo o sistema.

Aqueles que temem reduzir seus ganhospara alcançar a sustentabilidade terão uma gratasurpresa: vão constatar que a pecuária susten-tável, que é ótima para a saúde do planeta, étambém a maior “amiga” do bolso do pecuarista,pois, além de minimizar o uso de insumos, geraganhos significativos no quesito produtividade.

A Filosofia do trabalho do Voisin encontroumuitos seguidores em diversas partes do mundo,principalmente no Brasil, entre os quais meencontro. Desde 1987, desenvolvo uma expe-riência em minha “fazenda ecológica”, em MatoGrosso, com utilização do Pastoreio Voisin naformação ecológica de pastagens no Cerrado.

Essa experiência resultou numa tecnologia quedenominei Manejo de Pastagem Ecológica.

A Pastagem Ecológica obtida no Cerrado,sem desmatamentos, queimadas e arações dosolo, pode ser também obtida a partir de umapastagem qualquer, no curso de poucos anos,com a aplicação criteriosa do Pastoreio RacionalVoisin, de uma diversificação das forrageiras ede uma arborização adequada. Os fundamentosda Pastagem Ecológica estão disponíveis emdiversas publicações (Melado, 1999, 2000, 2002e 2003) e no site www.fazendaecologica.com.br.

A Pastagem Ecológica é a tecnologia queoferece os melhores resultados para por a pecuá-ria no lado positivo da luta contra o aquecimentoglobal, pois ela coloca à disposição diversos“serviços ambientais” e outras vantagens para oprodutor, possibilitando uma pecuária produtiva,sustentável e em equilíbrio com a natureza.Exemplos:

Aumento da capacidade de lotação daspastagens – O emprego do Pastoreio Voisin,parte integrante da Pastagem Ecológica, e queconsiste basicamente na rotação racional daspastagens, tem conseguido, historicamente, de2 a 3 vezes a produtividade média da regiãoonde é implantado. Hoje, a média nacional delotação é de 0,6 UA/ha (1 UA = animal com450 kg de peso vivo). Com a elevação da médianacional para 1,2 UA/ha, coisa fácil com aPastagem Ecológica, podemos ter o dobro deanimais na mesma área ou mesmo reduzir a áreapara pecuária, mantendo o tamanho do rebanho.Abre-se assim a possibilidade de implantação deuma política nacional, proibindo novosdesmatamentos para a expansão da atividadepecuária, que resulta em maior preservação daFloresta Amazônica e do Cerrado. Evita-se,portanto, a emissão de CO2 ou equivalente. Nocaso do Cerrado, novas pastagens poderiam serformadas, mas sem o desmatamento, comodemonstrou a experiência desenvolvida na“fazenda ecológica”.

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Recuperação natural de pastagensdegradadas – Essa recuperação ocorre graçasprincipalmente ao manejo favorável (repousossuficientemente longos e ocupação por curtosperíodos) proporcionado pelo “Manejo dePastagem Ecológica”, que inclui também adiversificação das forrageiras (biodiversidade) ea arborização em nível adequado. O resultadoé um solo com três camadas de proteção: odossel formado pelas árvores e forrageiras, osrestos vegetais ou serrapilheira e a malha deraízes. Isso aumenta sua capacidade de absorvere reter água das chuvas (maior teor de M.O. nosolo e efeito quebra-ventos), o que diminui aamplitude térmica e prolonga o ciclo hidrológico.

Aumento da biodiversidade da pastagem– A Pastagem Ecológica já prevê umadiversificação das forrageiras e essadiversificação é ainda favorecida pelo pastoreiointensivo. No pastoreio intensivo e racional(Voisin), o gado deixa seu hábito natural depastejo seletivo e adquire o hábito de pastejovoraz. Se com o pastejo seletivo ocorre umaredução de espécies e o favorecimento dasespécies mais rústicas (menos palatáveis e poucoprodutivas), com o pastejo voraz o gadoconsome todas as espécies (das mais às menospalatáveis), favorecendo a biodiversidade e asforrageiras mais vigorosas e produtivas. Abiodiversidade é também favorecida pela intro-dução de diversas espécies arbóreas, depreferência nativas e leguminosas, numesquema rumo a sistemas silvipastoris, muitodesejáveis em regiões tropicais

Melhoria das condições de fertilidade epermeabilidade do solo – A deposiçãoconcentrada de dejetos, além da fertilizaçãodireta, aumenta o nível de matéria orgânica eestimula o desenvolvimento da biocenose dosolo, que por sua vez promove disponibilizaçãode nutrientes antes indisponíveis. O desen-volvimento de meso organismos, como asminhocas e os besouros, contribui ainda maispara melhorar a estrutura do solo, além do efeitodas raízes de várias espécies, tornando-o maispermeável e com maior capacidade de absorçãoe retenção de água.

Redução do nível de resíduos – Com aPastagem Ecológica, ocorre um fortalecimentonatural do trinômio solo–pastagem–gado, emque cada elemento tem um efeito positivo sobreos outros dois. O resultado é um solo mais fértil,pastagens mais vigorosas e animais bem nutridose sadios. Isso resulta em economia de insumos(fertilizantes, defensivos, medicamentos esuplementos), com reflexo na economia e nadiminuição do nível de resíduos nos produtos eno solo.

Controle natural de pragas, do pasto e dogado – O sistema de rodízio das pastagens éeficaz também na desinfestação da pastagem edo gado. Como o ciclo de vida dos parasitos(internos e externos) são geralmente menores queo período de repouso do pasto, as formas jovensdas pragas tendem a morrer antes de conseguirreinfestar o gado. Com isso, quebra-se o ciclo dedesenvolvimento das pragas, o que promove suaredução sem o uso de remédios e defensivos.Menos remédios e defensivos significa, além deeconomia, redução de resíduos poluentes.

Conservação dos recursos hídricos –Pastagens densas, cobrindo totalmente o solopermeável e rico em matéria orgânica, retêmmais água e contribui para a redução da erosãolaminar que assoreia os cursos de água. Nosistema planejado para o Manejo Ecológico, sãousados, preferencialmente, bebedourosartificiais, evitando assim a contaminação dasaguadas naturais e que suas margens sejamdanificadas pelo pisoteio do gado. Também seevita que sejam formadas, morro abaixo, trilhasque facilitam a erosão e a formação de voçorocase o assoreamento de corpos de água.

Diminuição da emissão de metano pelosanimais – A alimentação mais abundante,variada, de melhor qualidade e nutritiva resultaem melhor aproveitamento dos alimentos, comuma menor proporção de energia bruta ingeridaperdida na forma de metano ruminal.

Seqüestro de carbono – Com o PastoreioRacional Voisin, a pastagem é utilizada emrodízio, de 6 a 8 vezes por ano, sempre que ocapim se encontra próximo do seu clímax de

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crescimento. Com isso, as forrageiras são manti-das sempre em crescimento, maximizando oprocesso de fotossíntese e o conseqüente seqües-tro de carbono, não somente pela parte aérea,mas principalmente pelo sistema radicular, queconsegue se recuperar adequadamente,armazenando carbono no perfil do solo. A maiorparte das forrageiras consumidas pelo gado édevolvida ao solo pelos dejetos (sempre distri-buídos homogeneamente pela área dos piquetes),o que aumenta o nível de M.O. do solo, com aconseqüente retenção do carbono. A arboriza-ção, cujo stand (no de árvores/ha) adequado émuito superior ao geralmente imaginado,contribui também para aumentar o nível deseqüestro de carbono pela pastagem.

Outras vantagens – Além desses e deoutros “serviços ambientais”, o Manejo dePastagem Ecológica traz outros benefícios aosprodutores: aumenta a docilidade dos animais,e isso diminui a mão-de-obra e evita acidentes;diminui a distância caminhada pelo gado paraencontrar alimento e água, o que reduz o desper-dício de energia; facilita o controle dos animaise a administração da propriedade; acelera aterminação dos animais, o que antecipa a vendae o fluxo de caixa; antecipa o período reprodutivodas novilhas; fornece ambiente menos quentee menos seco, com mais sombra, aumentandoassim o conforto dos animais; evita o solodesnudo e a produção de calor em excesso paraa atmosfera e, com isso, é menor a contribuiçãopara o aquecimento global e maior para aconservação da água (evitando excessos detemperatura e favorecendo a maior conservaçãode água, tem-se a chave do sucesso da pecuáriaeficiente e ambientalmente correta); facilita aobtenção da certificação orgânica da propriedade.

Finalizando, dificilmente se encontrarátecnologia com maior poder de “revolucionar”a atividade pecuária – promovendo seu desen-volvimento sustentável e colocando-a do ladopositivo da luta contra o aquecimento global –do que o Manejo Sustentável de Pastagens coma Pastagem Ecológica e o Pastoreio RacionalVoisin.

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Instrução aos autores

1. Tipo de colaboração

São aceitos, por esta Revista, trabalhos que se enquadrem nasáreas temáticas de política agrícola, agrária, gestão e tecnologiaspara o agronegócio, agronegócio, logísticas e transporte, estudosde casos resultantes da aplicação de métodos quantitativos equalitativos aplicados a sistemas de produção, uso de recursosnaturais e desenvolvimento rural sustentável que ainda não forampublicados nem encaminhados a outra revista para o mesmo fim,dentro das seguintes categorias: a) artigos de opinião; b) artigoscientíficos; d) textos para debates.

Artigo de opinião

É o texto livre, mas bem fundamento sobre algum tema atual e derelevância para os públicos do agronegócio. Deve apresentar oestado atual do conhecimento sobre determinado tema, introduzirfatos novos, defender idéias, apresentar argumentos e dados,fazer proposições e concluir de forma coerente com as idéiasapresentadas.

Artigo científico

O conteúdo de cada trabalho deve primar pela originalidade, istoé, ser elaborado a partir de resultados inéditos de pesquisa queofereçam contribuições teórica, metodológica e substantiva parao progresso do agronegócio brasileiro.

Texto para debates

É um texto livre, na forma de apresentação, destinado à exposiçãode idéias e opiniões, não necessariamente conclusivas, sobretemas importantes atuais e controversos. A sua principal carac-terística é possibilitar o estabelecimento do contraditório. O textopara debate será publicado no espaço fixo desta Revista,denominado Ponto de Vista.

2. Encaminhamento

Aceitam-se trabalhos escritos em Português. Os originais devemser encaminhados ao Editor, via e-mail, para o endereç[email protected].

A carta de encaminhamento deve conter: título do artigo; nomedo(s) autor(es); declaração explícita de que o artigo não foi enviadoa nenhum outro periódico para publicação.

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a) Após análise crítica do Conselho Editorial, o editor comunicaaos autores a situação do artigo: aprovação, aprovaçãocondicional ou não-aprovação. Os critérios adotados são osseguintes:

• adequação à linha editorial da revista;

• valor da contribuição do ponto de vista teórico, metodológico esubstantivo;

• argumentação lógica, consistente, e que ainda assim permitacontra-argumentação pelo leitor (discurso aberto);

• correta interpretação de informações conceituais e de resultados(ausência de ilações falaciosas);

• relevância, pertinência e atualidade das referências.

b) São de exclusiva responsabilidade dos autores, as opiniões eos conceitos emitidos nos trabalhos. Contudo, o editor, com aassistência dos conselheiros, reserva-se o direito de sugerir ousolicitar modificações aconselhadas ou necessárias.

c) Eventuais modificações de estrutura ou de conteúdo, sugeridasaos autores, devem ser processadas e devolvidas ao Editor, noprazo de 15 dias.

d) A seqüência da publicação dos trabalhos é dada pela conclusãode sua preparação e remessa à oficina gráfica, quando entãonão serão permitidos acréscimos ou modificações no texto.

e) À Editoria e ao Conselho Editorial é facultada a encomenda detextos e artigos para publicação.

4. Forma de apresentação

a) Tamanho – Os trabalhos devem ser apresentados no programaWord, no tamanho máximo de 20 páginas, espaço 1,5 entre linhase margens de 2 cm nas laterais, no topo e na base, em formatoA4, com páginas numeradas. A fonte é Times New Roman, corpo12 para o texto e corpo 10 para notas de rodapé. Utilizar apenasa cor preta para todo o texto. Devem-se evitar agradecimentos eexcesso de notas de rodapé.

b) Títulos, Autores, Resumo, Abstract e Palavras-chave (key-words) – Os títulos em Português devem ser grafados em caixabaixa, exceto a primeira palavra ou em nomes próprios, com, nomáximo, 7 palavras. Devem ser claros e concisos e expressar oconteúdo do trabalho. Grafar os nomes dos autores por extenso,com letras iniciais maiúsculas. O resumo e o abstract não devemultrapassar 200 palavras. Devem conter uma síntese dos objetivos,desenvolvimento e principal conclusão do trabalho. É exigida,também, a indicação de no mínimo três e no máximo cinco pala-vras-chave e key-words. Essas expressões devem ser grafadasem letras minúsculas, exceto a letra inicial, e seguidas de doispontos. As Palavras-chave e Key-words devem ser separadaspor vírgulas e iniciadas com letras minúsculas, não devendo conterpalavras que já apareçam no título.

c) No rodapé da primeira página, devem constar a qualificaçãoprofissional principal e o endereço postal completo do(s) autor(es),incluindo-se o endereço eletrônico.

d) Introdução – A palavra Introdução deve ser grafada em caixa-alta-e-baixa e alinhada à esquerda. Deve ocupar, no máximoduas páginas e apresentar o objetivo do trabalho, importância econtextualização, o alcance e eventuais limitações do estudo.

e) Desenvolvimento – Constitui o núcleo do trabalho, onde que seencontram os procedimentos metodológicos, os resultados dapesquisa e sua discussão crítica. Contudo, a palavra Desenvol-vimento jamais servirá de título para esse núcleo, ficando a critériodo autor empregar os títulos que mais se apropriem à natureza doseu trabalho. Sejam quais forem as opções de título, ele deve seralinhado à esquerda, grafado em caixa baixa, exceto a palavrainicial ou substantivos próprios nele contido.

Em todo o artigo, a redação deve priorizar a criação de parágrafosconstruídos com orações em ordem direta, prezando pelaclareza e concisão de idéias. Deve-se evitar parágrafos longosque não estejam relacionados entre si, que não explicam, quenão se complementam ou não concluam a idéia anterior.

f) Conclusões – A palavra Conclusões ou expressão equivalentedeve ser grafada em caixa-alta-e-baixa e alinhada à esquerda dapágina. São elaboradas com base no objetivo e nos resultadosdo trabalho. Não podem consistir, simplesmente, do resumo dosresultados; devem apresentar as novas descobertas da pesquisa.Confirmar ou rejeitar as hipóteses formuladas na Introdução, sefor o caso.

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g) Citações – Quando incluídos na sentença, os sobrenomes dosautores devem ser grafados em caixa-alta-e-baixa, com a dataentre parênteses. Se não incluídos, devem estar também dentrodo parêntesis, grafados em caixa alta, separados das datas porvírgula.

• Citação com dois autores: sobrenomes separados por “e”quando fora do parêntesis e com ponto-e-vírgula quando entreparêntesis.

• Citação com mais de dois autores: sobrenome do primeiro autorseguido da expressão et al. em fonte normal.

• Citação de diversas obras de autores diferentes: obedecer àordem alfabética dos nomes dos autores, separadas por ponto-e-vírgula.

• Citação de mais de um documento dos mesmos autores: não hárepetição dos nomes dos autores; as datas das obras, em ordemcronológica, são separadas por vírgula.

• Citação de citação: sobrenome do autor do documento originalseguido da expressão “citado por” e da citação da obraconsultada.

• Citações literais que contenham três linhas ou menos devemaparecer aspeadas, integrando o parágrafo normal. Após o anoda publicação acrescentar a(s) página(s) do trecho citado (entreparênteses e separados por vírgula).

• Citações literais longas (quatro ou mais linhas) serão desta-cadas do texto em parágrafo especial e com recuo de quatroespaços à direita da margem esquerda, em espaço simples,corpo 10.

h) Figuras e Tabelas – As figuras e tabelas devem ser citadas notexto em ordem seqüencial numérica, escritas com a letra inicialmaiúscula, seguidas do número correspondente. As citaçõespodem vir entre parênteses ou integrar o texto. As Tabelas eFiguras devem ser apresentadas no texto, em local próximo aode sua citação. O título de Tabela deve ser escrito sem negrito eposicionado acima desta. O título de Figura também deve serescrito sem negrito, mas posicionado abaixo desta. Só são aceitastabelas e figuras citadas efetivamente no texto.

i) Notas de rodapé – As notas de rodapé devem ser de naturezasubstantiva (não bibliográficas) e reduzidas ao mínimo necessário.

j) Referências – A palavra Referências deve ser grafada comletras em caixa-alta-e-baixa, alinhada à esquerda da página. Asreferências devem conter fontes atuais, principalmente de artigosde periódicos. Podem conter trabalhos clássicos mais antigos,diretamente relacionados com o tema do estudo. Devem sernormalizadas de acordo com a NBR 6023 de Agosto 2002, daABNT (ou a vigente).

Devem-se referenciar somente as fontes utilizadas e citadas naelaboração do artigo e apresentadas em ordem alfabética.

Os exemplos a seguir constituem os casos mais comuns, tomadoscomo modelos:

Monografia no todo (livro, folheto e trabalhos acadêmicospublicados).

WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. Trad. de LeônidasHegenberg e Octany Silveira da Mota. 4. ed. Brasília, DF: EditoraUnB, 1983. 128 p. (Coleção Weberiana).

ALSTON, J. M.; NORTON, G. W.; PARDEY, P. G. Science underscarcity: principles and practice for agricultural researchevaluation and priority setting. Ithaca: Cornell University Press,1995. 513 p.

Parte de monografia

OFFE, C. The theory of State and the problems of policy formation.In: LINDBERG, L. (Org.). Stress and contradictions in moderncapitalism. Lexinghton: Lexinghton Books, 1975. p. 125-144.

Artigo de revista

TRIGO, E. J. Pesquisa agrícola para o ano 2000: algumasconsiderações estratégicas e organizacionais. Cadernos deCiência & Tecnologia, Brasília, DF, v. 9, n. 1/3, p. 9-25, 1992.

Dissertação ou Tese

Não publicada:

AHRENS, S. A seleção simultânea do ótimo regime dedesbastes e da idade de rotação, para povoamentos depínus taeda L. através de um modelo de programaçãodinâmica. 1992. 189 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federaldo Paraná, Curitiba.

Publicada: da mesma forma que monografia no todo.

Trabalhos apresentados em Congresso

MUELLER, C. C. Uma abordagem para o estudo da formulação depolíticas agrícolas no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DEECONOMIA, 8., 1980, Nova Friburgo. Anais... Brasília: ANPEC,1980. p. 463-506.

Documento de acesso em meio eletrônico

CAPORAL, F. R. Bases para uma nova ATER pública. SantaMaria: PRONAF, 2003. 19 p. Disponível em: <http://www.pronaf.gov.br/ater/Docs/Bases%20NOVA%20ATER.doc>.Acesso em: 06 mar. 2005.

MIRANDA, E. E. de (Coord.). Brasil visto do espaço: Goiás eDistrito Federal. Campinas, SP: Embrapa Monitoramento por Satélite;Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2002. 1 CD-ROM.(Coleção Brasil Visto do Espaço).

Legislação

BRASIL. Medida provisória nº 1.569-9, de 11 de dezembro de1997. Estabelece multa em operações de importação, e dá outrasprovidências. Diário Oficial [da] República Federativa doBrasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 dez. 1997. Seção 1, p.29514.

SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 42.822, de 20 de janeiro de1998. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo,v. 62, n. 3, p. 217-220, 1998.

5. Outras informações

a) O autor ou os autores receberão cinco exemplares do númeroda Revista no qual o seu trabalho tenha sido publicado.

b) Para outros pormenores sobre a elaboração de trabalhos aserem enviados à Revista de Política Agrícola, contatar diretamentea coordenadora editorial, Marlene de Araújo, em:

[email protected]: (61) 3448-4548