Revista Banco de Ideias n° 45 - Encarte

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  • 8/13/2019 Revista Banco de Ideias n 45 - Encarte

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    O Papel do Governo Norte-Americano noGerenciamento da Crise Financeira

    Diogo Ramos Coelho

    Estudante da graduao de Relaes Internacionais da Universidade de Braslia (UnB).Vencedor do V prmio Donald Stewart Jr, em 2007.

    Joo Csar da Fonseca Neto

    Estudante da graduao em Relaes Internacionais da Universidade de Braslia (UnB). Atualmente,desenvolve pesquisa sobre As Restries Comerciais Europias ao Etanol Brasileiro.

    1. Introduo

    Economistas clssicos, como Adam Smith e David Ricardo, tratavam as

    cincias econmicas como economia poltica. Economia seria, pois, uma

    disciplina que s pode ser entendida quando ligada poltica, uma vez que a

    riqueza de uma nao est fundada tanto no seu aspecto econmico quanto

    poltico. Em grande parte, o desenvolvimento econmico depende dos incentivos

    gerados por meio de instituies, os quais podem levar a maiores ou menores

    investimentos e a uma maior ou menor produtividade.A crise financeira que assolou o globo uma crise tanto econmica quanto

    poltica. O mundo, hoje, espera que o bilionrio plano de resgate elaborado

    pelas autoridades monetrias nos Estados Unidos da Amrica (EUA) e da Unio

    Europia (UE) possibilite uma vitria contra as bolhas especulativas. Espera-se,

    principalmente, que os planos de ao elaborados pelos Estados possibilitem

    dar novo vigor ao caos instaurado no sistema financeiro. Dessa forma,

    questiona-se, sobretudo, se uma economia deve ser deixada sorte da livreiniciativa. No entanto, em que medida as aes adotadas pelo governo de

    George W. Bush ajudam a entender os limites das intervenes do governo na

    economia? E quais so os significados polticos da crise financeira em relao

    ao papel do Estado na gesto da economia e regulao do sistema financeiro?

    O presente texto visa responder a essas perguntas.

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    2. A Crise Financeira

    O aumento do crdito na economia dos EUA foi um dos fatores que

    propiciou, nas ltimas dcadas, perodo de grande crescimento econmico. A

    partir do fim da dcada de 1970, a criao de novos meios de financiamento

    permitiu, por exemplo, que indivduos de baixa renda pudessem comprar a casa

    prpria e que as famlias de classe mdia conseguissem bancar o ingresso de

    seus filhos nas universidades. O aumento dos financiamentos um dos fatores

    que ajuda a entender por que o PIB per capitados EUA saiu de U$ 7.500 em

    1975 para U$ 44 mil em 2006.1

    No entanto, os novos meios de financiamento,enquanto deram sustento ao crescimento da economia, tambm resultaram em

    grandes dvidas para as famlias americanas. Nos ltimos anos, a expanso do

    crdito barato aumentou ainda mais o endividamento dos americanos, o que

    contribuiu para a atual crise do sistema financeiro.

    O aumento contnuo do crdito nos EUA era estimulado pelas taxas de

    juros historicamente baixas (em 2003, por exemplo, chegou a cair para 1% ao

    ano) mantidas pelo FED (Federal Reserve Board, o banco central dos EUA),

    pela estabilidade econmica e pela alta liquidez no mercado financeiro. O

    alicerce dessa expanso do crdito, por outro lado, residia na idia de que o

    preo dos imveis continuaria em crescimento. O mercado imobilirio dos EUA

    vinha se valorizando continuamente ano aps ano. Do ponto de vista do agente

    financeiro, a valorizao dos imveis tornava a oferta de crditos hipotecrios

    um bom negcio: caso houvesse inadimplncia, o investidor recuperaria o

    imvel, o qual poderia ser posto venda, possibilitando recuperar o dinheiro

    investido. Do ponto de vista dos tomadores dos emprstimos, os juros baixos eas condies econmicas favorveis estimularam as pessoas que no tinham

    casa prpria a fazer um financiamento ou a usar seu imvel como garantia para

    a obteno de um novo emprstimo.

    1http://data.un.org/Data.aspx?q=gdp+united+states&d=CDB&f=srID%3a29922%3bcrID%3a840. Acessoem: 3 de novembro de 2008.

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    A expanso do financiamento imobilirio tambm levou concesso de

    crditos de alto risco. Em outras palavras, houve um aumento dos chamados

    crditos subprime. Prime o ttulo emitido por um devedor com vontade e

    capacidade de pagar suas dvidas. Subprime o contrrio isto , so crditos

    concedidos a clientes com dificuldade de comprovar sua renda ou at com

    histrico de inadimplncia. Devido ao alto risco, oferecem, por outro lado,

    maiores possibilidades de retorno ao agente financeiro. Apesar do risco de

    inadimplncia, as altas taxas de juros cobradas e a garantia de se ter o imvel

    caso o tomador do emprstimo no cumprisse com seu compromisso faziam

    com que a concesso dessashipotecasfosse compensatria.Em busca de maiores rendimentos e garantias de retornos, ttulos primee

    subprime foram negociados em um processo chamado securitizao.

    Securitizao corresponde emisso de ttulos (do ingls securities, da o termo

    securitization) de um fluxo de pagamentos que ainda ser recebido ou seja,

    corresponde emisso de ttulos referentes expectativa de recebimento de

    uma dvida.2 A instituio emissora desses ttulos antecipa os recursos que

    foram emprestados vendendo suas dvidas a outras instituies e a

    investidores, antes mesmo de essa primeira dvida ser paga, possibilitando a

    concesso de novos crditos. Isso acaba se difundindo em uma cadeia de

    venda de ttulos. O objetivo dessa prtica aumentar a quantidade de recursos

    disponveis para novas transaes financeiras.

    A atual crise financeira teve incio com uma queda nos preos dos imveis

    nos EUA no incio de 2006. o chamado estouro da bolha imobiliria. A bolha

    corresponde especulao no mercado de imveis, isto , as altas expectativas

    de retornos estimulavam novos e crescentes investimentos no mercadoimobilirio. J o estouro da bolha significa o movimento contrrio, ou seja, a

    grande oferta acaba por deixar um estoque de casas sem comprador e

    aqueles que desejam vender j no conseguem faz-lo pelo preo anterior.

    2http://www.frbsf.org/publications/economics/letter/2001/el2001-38.html. Acesso em 2 de novembro de2008.

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    A queda no preo dos imveis significou a incapacidade de muitas famlias

    quitarem suas dvidas. Em diversos casos, famlias possuam hipotecas em valor

    igual ao valor inicial de suas casas. Quando o valor de mercado dos imveis

    comeou a cair, o valor da casa ficou menor que o valor da dvida.

    Conseqentemente, houve o aumento dos chamados foreclosures, isto , o

    despejo de um comprador inadimplente. Desde o incio de 2008, 1,7 milho de

    famlias americanas foram despejadas de suas casas.3

    O mercado financeiro, dessa forma, sofreu forte impacto com o aumento

    dos despejos e do no-pagamento das hipotecas.4 Muitas instituies

    financeiras possuam ttulos que foram securitizados tendo como base o valordessas hipotecas (as chamadas mortgage-backed securities). A onda de

    rentabilidade fcil comeou o seu processo de queda, de modo que os

    investidores que possuam esses ttulos estavam querendo se desfazer deles,

    mas no encontravam compradores dispostos a assumir esse imenso risco.

    Quando as pessoas deixaram de pagar suas hipotecas e as possibilidades de

    retorno diminuram, os bnus hipotecrios subprime desabaram. A queda no

    valor desses ttulos resultou tambm na queda do valor das aes das prprias

    instituies financeiras, j que muitas delas possuam pouca parte dos seus

    recursos em reservas monetrias. Essas perdas no valor dos ttulos lastreados

    em hipotecas, portanto, tm deixado as instituies financeiras com pouco

    capital poucas aes comparadas dvida. Esse problema especialmente

    grave porque todo mundo se endividou bastante durante os anos da bolha. Em

    virtude de as instituies possurem pouco capital comparado grande dvida,

    suas aes perdem valor e elas no esto capazes de prover o crdito que a

    economia precisa. Menos crditos significam menos consumo, menos lucros e

    3Revista VEJA. 1 de outubro, 2008, p. 83.4Em junho de 2007, com a falncia de dois hedge fundsmultimilionrios pertencentes ao quinto maiorbanco norte-americano de investimento, o Bear Stearns, as perdas foram de U$ 1,6 bilho. Alm disso, asaes do Bear Stearns desabaram, assim como as de vrios fundos de investimentos, bancos e seguradoras:mais de US$200 bilhes foram perdidos entre agosto e setembro do ano passado.

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    quantidade de meios de pagamento disponveis na economia necessrios para

    efetuar transaes comerciais e financeiras , acabaram por irradiar a crise para

    dentro do sistema monetrio (bancos comerciais e Banco Central). Como os

    bancos comerciais possuem pouca capacidade de transformar seus ttulos em

    moeda j que esses ttulos perderam valor o governo americano se disps a

    injetar esse crdito na economia, comprando tais ttulos podres.

    O governo americano acredita que o custo do resgate inferior ao da

    alternativa de no fazer nada. O plano envolveria a troca de US$ 700 bilhes de

    ttulos pblicos por ttulos pertencentes aos bancos e s demais instituies

    financeiras. Na hiptese de esses ttulos valerem zero (hiptese extrema, masque ajuda a simplificar o raciocnio), o custo do resgate seria exatamente de

    US$ 700 bilhes. Por outro lado, a alternativa de no fazer nada implicaria uma

    reduo adicional de US$ 700 bilhes no capital dos bancos. importante

    ressaltar: as economias precisam de crditos para sobreviver. Os bancos

    ofertam crditos como um mltiplo do seu patrimnio uma prtica conhecida

    como alavancagem. Se um banco, por exemplo, possui um capital disponvel

    de U$ 100 bilhes, parte desse dinheiro vai ser aplicado em investimentos,

    ofertado por meio de crditos, emprstimos e assim por diante, multiplicando

    esse valor inicial e elevando a liquidez. Dessa forma, caso o governo americano

    optasse por no injetar o dinheiro do plano de resgate na economia, a reduo

    dos crditos seria um mltiplo de US$ 700 bilhes. Supondo,

    conservadoramente, uma alavancagem de dez vezes, fala-se de uma retrao

    de crditos na ordem de US$ 7 trilhes, aproximadamente 50% do PIB

    americano. No resta dvida de que essa retrao de crditos poderia dar

    margem a uma depresso s comparvel do perodo de 1930-36.A rede de notcias CNBC6 detalhou os principais pontos do plano de

    resgate do governo de George W. Bush:

    1) A ajuda financeira ser efetuada em etapas, sendo os primeiros U$

    250 bilhes j autorizados;

    depresso uma forma grave de recesso.6http://www.cnbc.com/id/26940315. Acesso em 21 de outubro de 2008.

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    2) A compra dos ativos financeiros ser determinada pelo secretrio

    do Tesouro Henry Paulson, e poder incluir ttulos lastreados em

    hipotecas residenciais ou comerciais;

    3) Bancos estrangeiros no podero tomar parte do plano de resgate;

    4) O governo federal deve obter parte das instituies s quais vier a

    conceder ajuda, de modo a propiciar que os contribuintes possam

    participar de eventuais lucros, caso as empresas se recuperem;

    5) O governo federal pode instaurar procedimentos de despejos em

    razo de hipotecas adquiridas sob o plano;

    6) O Tesouro americano deve criar um projeto de estudo sobrepadres de accountabilitye transparncia do mercado financeiro e

    um programa alternativo de seguros para os emprstimos

    problemticos que seriam pagos pelas companhias participantes;

    7) Se o governo angariar perdas por cinco anos, o Tesouro deve criar

    um plano para cobrar impostos das instituies participantes no

    plano para recuperar as perdas do contribuinte.

    4. Da Economia Poltica

    O sistema financeiro internacional , em sua maior parte, um sistema de

    investimentos em ativos financeiros de empresas, governos, fundos privados e

    pblicos. Essa dimenso econmica, pois, interage com uma dimenso poltica,

    o sistema monetrio, que diz respeito ao conjunto de normas e regras que

    determinam o grau de liberdade dos agentes para investir. Dessa forma, a

    anlise poltica do sistema financeiro recair, principalmente, no conjunto denormas e regras que regulam as relaes entre agentes privados seja em um

    determinado pas, seja no sistema internacional. Essas normas e regras so

    formuladas e implementadas, principalmente, pelos Estados ou por um

    conjunto de Estados, por meio de instituies ou regimes internacionais. O que

    se procura entender como esse aparato institucional ir influenciar resultados

    no s no sistema financeiro, mas na economia em geral.

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    A economia poltica um campo de estudos que est pautado na anlise

    de decises humanas. Em outras palavras, est fortemente associada ao

    entendimento dos princpios da ao humana. Toda ao humana encarada

    como resultado de uma escolha.7 A economia pautada pela interao de

    milhes e milhes de pessoas que processam suas decises de modo a melhor

    atingir determinados fins, como a compra, a venda, a produo e a distribuio

    de um determinado bem ou servio em troca de renda. Nesse contexto, a

    literatura assume a racionalidade dos agentes econmicos como uma premissa

    analtica. Os indivduos so racionais e procuram orientar suas aes de modo a

    melhor satisfazer seus objetivos e preferncias. Por outro lado, limitaescognitivas e a incapacidade dos indivduos em processar todas as informaes

    disponveis, por exemplo, convergem no sentido de impedir uma racionalidade

    perfeita. No entanto, o racionalismo significa, principalmente, que os indivduos

    iro tentar atingir seus objetivos dentro de uma determinada circunstncia e

    no que os indivduos so oniscientes.8

    Uma discusso sobre a racionalidade, portanto, uma discusso sobre

    como a ao humana ser orientada e quais meios, mtodos e mecanismos

    sero usados para especificar e empreender determinado curso de ao. Nesse

    sentido, espera-se que os indivduos procurem sempre maximizar seus

    benefcios e diminuir seus prejuzos. Porm, ao fazer sua escolha o indivduo

    decide no apenas entre os diversos bens materiais e servios sua disposio.

    Todos os valores humanos so oferecidos. Os indivduos escolhem com base

    em resultados tanto materiais quanto subjetivos, e levam em considerao

    valores, gostos, preferncias, riscos, perspectivas, possibilidades e

    oportunidades. Tudo ordenado numa escala e submetido a uma deciso: aescolha de uma opo em detrimento de outras. As decises dos indivduos

    esto inseridas, portanto, em um contexto social, do qual fazem parte as

    instituies. Dessa forma, o desempenho econmico de um pas, em grande

    7MISES, Ludwig von.Ao humana: um tratado de economia, p. 23.8FRIEDEN, Jeffry. The Method of Analysis: Modern Political Economy, p. 38.

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    medida, diz respeito tambm s regras e instituies que permitem/incentivam

    os indivduos a serem mais produtivos.

    Nesse sentido, cabe perguntar: como o aparato institucional ir influenciar

    o desempenho econmico de uma sociedade? Segundo Robert Coase,

    ganhador do prmio Nobel em economia em 1991, a existncia de mecanismos

    de regulao se faz necessria para garantir possibilidades de comrcio e

    investimentos.9 Afinal, relaes econmicas e financeiras so permeadas de

    incertezas ou o que se denominou de custos de transao: custos associados

    obteno de informaes, confiabilidade, transparncia e s garantias de

    que os acordos sero cumpridos. Para reduzir esses custos, normas e regrasfornecidas por meio de instituies so necessrias. No entanto, esses

    mecanismos de regulao podem tanto atuar no sentido de promover maior

    crescimento econmico quanto no sentido de restringir a liberdade de ao dos

    indivduos, inibindo a inovao e o risco e prejudicando o crescimento de suas

    rendas. O desempenho econmico de uma nao maior quanto mais forem os

    indivduos estimulados a produzir e trocar riqueza. Em outras palavras, maior

    quanto maiores forem as capacidades produtivas de cada indivduo.

    O governo, portanto, adquire um papel central no gerenciamento da

    economia. Porm, Estados no agem. Estados no decidem. Quem decide so

    os representantes dos governos. As decises dos gestores pblicos iro surtir,

    pois, um impacto relevante nas interaes entre os demais indivduos da

    sociedade. H, por conseguinte, uma forte tradio na cincia poltica de que os

    interesses do homem pblico devem estar voltados para o interesse comum da

    sociedade. Em contraste, encontramos a viso da economia de que os

    indivduos esto voltados para a satisfao de seus interesses e buscamatender s conseqncias dessa hiptese. As pessoas compram produtos que,

    dados seus preos, beneficiam a si mesmo e suas famlias. No entanto,

    presume-se que quando algum se torna poltico ou servidor pblico essa

    pessoa adquira uma viso mais ampla, que a leve a tomar decises que

    priorizem o interesse comum, e no apenas privilegiem certo grupo ou ela

    9COASE, Robert. The Institutional Structure of Production, p. 7.

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    mesma. Os economistas aboliram essa viso dupla do comportamento humano

    com a teoria da escolha pblica, a qual, em ltima instncia, transporta o

    arcabouo analtico da teoria econmica para a poltica.

    fato que a posse do poder poltico no transforma as pessoas em santos

    altrustas ou em sbios visionrios. Os governantes no so neutros, poltica ou

    economicamente. O governo composto por indivduos que possuem seus

    prprios interesses, suas vises de mundo, esto sujeitos a presses e

    captura pelo setor privado. As implicaes decorrentes desse ponto de vista do

    comportamento do homem pblico exercem grande influncia sobre o modo

    como se enxerga aquilo que o governo capaz de fazer. Primeiramente, passapelo reconhecimento de que governos eleitos (ou qualquer outro conjunto de

    indivduos que tm, como qualquer pessoa, a motivao de satisfazer seus

    interesses) no so capazes de representar perfeitamente as preferncias

    individuais dos governados, ainda mais quando estes constituem um grupo

    heterogneo.10 Segundo, mesmo que o governo tome decises que tenham o

    intuito de melhorar o bem-estar geral de uma sociedade, no existem garantias

    de que os resultados sero condizentes com os objetivos dos gestores pblicos.

    Bons resultados no dependem da boa vontade dos polticos, mas de como os

    indivduos iro reagir s polticas que sero implementadas.

    Para entender a crise financeira atual, portanto, preciso levar em conta

    que o comportamento humano est voltado para a satisfao de determinados

    objetivos e preferncias. No sistema financeiro, isso significa que a procura por

    melhores resultados ocorrer por meio da utilizao de recursos de terceiros

    visando maiores retornos, em um ambiente de incertezas e riscos. No sistema

    poltico, a procura por melhores resultados pessoais pode levar busca derendas, prestgios e poder. O importante notar que os resultados do jogo

    poltico acabam por influenciar os resultados do jogo econmico e vice-versa.

    Dessa forma, o conjunto de incentivos gerado pelas normas e regras acaba

    por influenciar o processo de tomada de decises. Firmas, por exemplo, buscam

    10TULLOK, Gordon; SELDON, Arthur; BRADY, Gordon L. Falhas do Governo: uma introduo teoriada escolha pblica, p. 33.

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    maiores oportunidades de lucros. Mas essas firmas iro buscar lucros onde os

    incentivos institucionais so tais que o risco menor. Em um sistema de livre

    mercado, as firmas ganham seus lucros ao fornecer os bens que os

    consumidores esto dispostos a pagar por um determinado preo. No entanto,

    os mecanismos de regulao e at mesmo a retrica de poderosos atores

    polticos podem mudar os incentivos procura por lucros. A regulao do

    sistema financeiro, por exemplo, pode permitir uma queda dos padres de

    anlise de crdito, permitindo que famlias tomem emprstimos alm de sua

    capacidade. As agncias governamentais podem incentivar os bancos a tomar

    riscos extras oferecendo garantias implcitas de que os bancos no sofrerograndes perdas caso esses negcios venham a falhar. Da mesma forma,

    polticas governamentais podem orientar o interesse de alguns indivduos para

    atividades que beneficiem determinadas corporaes em detrimento de outras.

    5. A Dimenso Poltica da Crise Financeira

    Para o cientista poltico George Friedman, existem trs vises principais

    sobre a atual crise financeira.11A primeira delas coloca que no h uma soluo

    nem por meio do mercado nem por meio do Estado. Uma soluo advinda por

    meio do mercado iria inevitavelmente gerar uma depresso econmica. Por

    outro lado, qualquer tentativa do Estado em se apropriar de recursos da

    sociedade para resolver o problema do sistema financeiro levaria a um

    prolongamento da crise, mesmo que fornecesse um alvio momentneo.

    A segunda viso defende que a soluo para a crise financeira est na

    mobilizao dos recursos pelo Estado. De acordo com essa viso, os mercadosfinanceiros foram os responsveis pelo problema, ao ofertar crditos em

    excesso, uma medida incompatvel com a real expanso da economia. Cabe ao

    governo, portanto, prover agora a liquidez necessria para evitar uma crise

    sistmica seguida de depresso. Os adeptos dessa viso so, obviamente, os

    11http://www.stratfor.com/weekly/20080930_political_nature_economic_crisis. Acesso em 21 de outubrode 2008.

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    principais assessores do presidente George W. Bush, as autoridades monetrias

    dos EUA, as principais lideranas do Congresso americano e as elites

    financeiras.

    A terceira viso coloca que a mobilizao de recursos pelo Estado para

    salvar o sistema financeiro , na verdade, uma tentativa de salvar as instituies

    financeiras, incluindo aquelas que causaram a atual crise. Os defensores dessa

    viso se dividem em dois grupos: o primeiro argumenta que um plano para dar

    maior liquidez ao sistema financeiro no deve beneficiar os maus investidores; j

    o segundo grupo argumenta que os possveis ajustes podem ser obtidos sem

    uma grande interveno do Estado na economia, mas sim com a limitadaimplementao de novas regulaes.

    Essa terceira viso coloca em evidncia um importante aspecto poltico da

    crise: as relaes privilegiadas do governo americano com os investidores e

    instituies financeiras. O plano de resgate proposto pelo governo de George W.

    Bush levanta o seguinte dilema: as instituies financeiras devem ser salvas ou

    no? Est fortemente difundida a crena de que a crise financeira tem suas

    origens no mau comportamento dos investidores. A busca por altos

    rendimentos fez com que muito dinheiro fosse aplicado em transaes de alto

    risco. Ao investir nessas transaes, os investidores tambm assumiam os

    custos associados a esses negcios. Da mesma forma que os investidores

    desfrutariam egoisticamente dos lucros provenientes dessas transaes, eles

    deveriam arcar com as perdas. Um plano de resgate, como o plano proposto

    pelo governo americano, forneceria incentivos errados quanto tomada de

    riscos. Ao garantir o salvamento das instituies que agiram com imprudncia, o

    governo tambm garantiria que ms prticas fossem repetidas no futuro. Osagentes econmicos saberiam que, ao ingressar em negcios de risco, caso

    suas perdas sejam danosas economia como um todo, o governo estaria pronto

    para salv-los. H, pois, a idia de que os investidores lutam, junto ao governo,

    para socializar as perdas ao passo que sempre defenderam a privatizao dos

    lucros.

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    curto perodo, devido desconfiana inicial de grandes especuladores, gerando

    o que se temia em primeiro lugar: desaquecimento ou recesso econmica. A

    especulao pode ser autojustificvel e provocar danos graves economia real

    e, por isso, uma maior regulao desse mercado no deve ser enxergada

    meramente como uma restrio liberdade dos agentes econmicos de utilizar

    da maneira mais eficiente os recursos que de dispem.

    O economista australiano Hugh Stretton, no texto Inefficiencies of Global

    Capital Markets, publicado em 1998, vai alm ao diferenciar o mercado

    financeiro do de bens. Para o autor, a competio, por exemplo, que cumpre um

    papel essencial no sentido de oferecer incentivos para o ganho de eficincia nomercado de bens, pode no funcionar da mesma forma no mercado financeiro.

    Ele argumenta que se os bancos competem entre si diminuindo o spread

    bancrio (a diferena entre os juros que os bancos cobram e os juros que os

    bancos pagam a quem neles deposita seu dinheiro), a competio ,

    logicamente, benfica. No entanto, num ambiente de pouca regulamentao, os

    bancos podem competir por maiores parcelas do mercado optando por

    operaes de emprstimo a tomadores de alto risco, com taxas de juros mais

    elevadas, e que lhes possibilitem crescer mais rpido, sem ter que diminuir essa

    diferena entre juros pagos e juros cobrados. Devido ao ambiente de alta

    competio, at mesmo os bancos com perfil de risco mais conservador podem

    ser levados a operaes de alto risco a fim de no perderem terreno para os

    mais audaciosos.

    O caso dos crditos subprimeseria um exemplo: os bancos se engajaram

    em operaes financeiras com papis derivados de hipotecas fundados tanto na

    alta rentabilidade dos negcios como em uma suposta segurana, atestadapelas seguradoras de crdito (aproximadamente 80% dos papis derivados de

    hipotecas tinham a classificao AAA, a maior nota possvel, conferida por pelo

    menos uma das trs grandes agncias de classificao de crditos Standard &

    Poors, Moodys e Fitch Ratings)13, que conferiram credibilidade a esses ttulos

    13Revista VEJA. 1 de outubro, 2008, p. 82.

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    lastreados em financiamentos de hipotecas os quais, como atestado pelos

    fatos, possuam alto risco de inadimplncia.

    Por outro lado, o sistema financeiro est baseado na confiana dos

    depositantes. Mesmo se um pequeno banco for falncia, todos os demais

    podem vir a ser afetados pelo temor dos seus clientes e pelo aumento da

    desconfiana entre os prprios bancos, que so fontes de financiamentos

    correntes uns dos outros. Desse modo, para qualquer banco melhor aproveitar

    o momento de alta rentabilidade de negcios de alto risco do que ficar de fora

    dessa onda e pagar, eventualmente, pela aventura dos demais. Portanto, a

    questo no se os bancos foram incapazes de avaliar corretamente os riscosdo mercado de papis subprime, mas sim que, mesmo sabendo desses riscos,

    eles julgaram que seria melhor estar dentro desses negcios do que se auto-

    exclurem por razes de prudncia.

    Stretton, dessa forma, faz uma diferenciao entre dois tipos de regulao

    financeira: prudente (prudential) e econmica (economic). A primeira tem por

    objetivo principal assegurar que os bancos mantenham sua liquidez e solvncia

    e no coloquem o sistema em risco ao se aventurar demais em prticas

    especulativas. A segunda diz respeito regulao que o governo faz com o

    intuito de influenciar os servios dos bancos para perseguir objetivos

    econmicos especficos, como controle da inflao, favorecimento de setores

    que considera estratgicos, equilbrio da balana de pagamentos, queda do

    desemprego, etc. Com base nessa distino, um governo, por exemplo, ainda

    que opte por uma menor interveno na economia, pode exercer uma regulao

    puramente prudencial, com vistas a garantir a segurana do sistema, sem estar

    incorrendo em contradio.O ponto que existe um problema de ao coletiva no setor bancrio e,

    por isso, preciso que haja regras claras e capazes de impor limites a um

    comportamento generalizado de preferncia a operaes de alto risco pelos

    bancos a fim de que um colapso no venha a ocorrer. O problema dessas regras

    que elas podem ser demasiadamente restritivas ao crdito, diminuindo a

    capacidade de a economia de financiar seu crescimento. Ainda, cobrar dos

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    governantes uma regulao que seja ao mesmo tempo eficiente e prudente

    uma tarefa praticamente impossvel, uma vez que eles no contam com

    informaes perfeitas sobre o presente ou tampouco sobre o futuro.

    No caso da crise dos subprime, o FED tem sido acusado de ter falhado ao

    no reconhecer que a concesso de crditos por grandes bancos e garantidos

    pelas seguradoras estava atingindo nveis perigosos; que essas instituies no

    tinham cobertura suficiente para o risco que assumiam; que o aumento na taxa

    bsica de juros traria conseqncias drsticas para o mercado imobilirio; e que

    uma expanso to rpida do setor provocaria eventualmente uma queda no

    preo dos imveis, a garantia dos emprstimos.Vale ressaltar, contudo, que a nica forma de atestar com alto grau de

    certeza se uma operao especulativa deve ser classificada como boa ou m

    saber quais resultados sero obtidos no futuro um tipo de informao que

    nenhum gestor pblico ou mesmo um investidor privado possui ex ante. Por

    outro lado, isso no significa que no houvesse, no caso americano, indcios ou

    tendncias a serem levadas em conta pelos tomadores de deciso ao permitir

    que o mercado de subprime continuasse se expandindo da forma como se

    expandiu. O que ocorre que as decises governamentais so escolhas

    tomadas num ambiente complexo de incertezas e informaes imperfeitas, por

    indivduos que possuem suas prprias vises de mundo e que sofrem presso

    por parte de polticos e grupos de interesses. Depois de a crise ter acontecido,

    fcil apontar as falhas do governo, mas preciso compreender que intervenes

    governamentais no sentido de tentar impedir que a crise ocorresse poderiam,

    por exemplo, ter causado outros problemas econmicos (como o

    desaquecimento desnecessrio da economia, por meio de uma retrao docrdito) , problemas que, no momento da tomada da deciso, poderiam ser

    politicamente mais sensveis.

    Ainda, considerando que as decises dos agentes reguladores nacionais

    dos pases desenvolvidos repercutem em todo sistema financeiro internacional

    e, potencialmente, no bem-estar das pessoas em todo o mundo e que a

    escolha por uma maior ou menor regulao prudente obedece a uma srie de

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    fatores domsticos necessrio, para assegurar a estabilidade do sistema, um

    marco regulador multilateral construdo por meio da cooperao entre os pases.

    Na verdade, j existe um acordo nesse sentido, o chamado Acordo de Basilia

    II, que foi criado com base na idia de que ningum melhor que os bancos

    para gerir seus prprios riscos. Basilia II tem mritos por estabelecer padres

    internacionais de avaliao e gesto de riscos por parte dos bancos; no entanto,

    apesar de ter como um dos seus pilares o reconhecimento do papel dos agentes

    reguladores como supervisores, no estabeleceu padres claros para essa

    superviso. A regulao, por exemplo, que se faz das seguradoras e das

    agncias classificadoras de risco mnima.Um fato recorrente na histria o de que crises sistmicas como a que

    vivemos agora so na verdade uma oportunidade para se rever as instituies e

    regras vigentes. No caso de Basilia II, a perspectiva que, antes mesmo de ser

    totalmente implementada pelos pases, ela passe por uma profunda reviso ou

    que seja substituda por outro marco regulador. O movimento de alguns lderes

    polticos, como o presidente da Frana e da Comisso Europia, Nicolas

    Sarkozy, por mecanismos de regulao do sistema financeiro que o

    aproximem da economia real. O desafio est lanado.

    7. Uma retrao do liberalismo?

    O presidente Luiz Incio Lula da Silva, em discurso no plenrio das

    Organizaes das Naes Unidas, por ocasio da 63 Assemblia Geral,

    afirmou que a euforia dos especuladores transformou-se em angstia dos

    povos. O presidente afirmou ainda que as indispensveis intervenes doEstado, contrariando os fundamentalistas do mercado, mostram que chegada

    a hora da poltica, e que somente a ao determinada dos governantes, em

    especial naqueles pases que esto no centro da crise, ser capaz de combater

    a desordem que se instalou nas finanas internacionais.14 J o presidente

    14http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=3368. Acesso em: 1 de novembro de 2008.

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    francs Nicolas Sarkozy afirmou que o mundo do sculo XXI no pode ser

    gerido com instituies do sculo XX.15 Na viso desses lderes polticos, os

    mercados no devem ser deixados prpria sorte e mais: a crise atual

    evidencia que as regulaes e normas vigentes no tm sido suficientes para

    garantir bons resultados.

    A crise financeira atual representa, portanto, uma retrao do liberalismo?

    Primeiramente, importante ressaltar que a soluo liberal clssica de permitir

    que os mercados possam, sozinhos, encontrar seus pontos de ajuste , hoje,

    politicamente invivel. Enquanto a economia um mundo calcado na aceitao

    de que incertezas fazem parte do jogo, a poltica procura oferecer a segurananos rendimentos que muitas pessoas demandam. No fazer nada significaria

    arcar com custos que o sistema financeiro e o mundo poltico no estariam em

    condies de suportar: inflao, enfraquecimento do dlar, depresso

    econmica, desemprego, crise de crditos e muito mais. Alm disso, o Estado

    americano sempre interferiu na economia quando se viu diante de crises: foi

    assim na dcada de 1930, est sendo assim em 2008. Por outro lado, Kenneth

    Rogoff, professor da Universidade de Harvard e economista-chefe do Fundo

    Monetrio Internacional (FMI) at recentemente, ressalta: Wall Street precisa ter

    a chance de curar a si mesma, os lderes das grandes empresas financeiras mal

    gerenciadas tm de perder seus cargos, investidores que ignoram riscos tm de

    perder dinheiro. O sistema, enfim, tem de vergar sob o peso dos erros que

    cometeu.16 O desafio, no entanto, como fazer isso sem piorar a liquidez

    financeira e manter vivo o sistema de crditos que fundamental para o bom

    funcionamento de qualquer economia.

    Nos EUA, mudanas nos marcos reguladores j esto em curso: configura-se um novo desenho de superviso bancria no qual a Securities and Exchange

    Comission (SEC), o rgo criado para regular os mercados financeiros aps o

    crash de 1929, ter muito mais recursos e poder de interveno. O mpeto para

    construir novas regulaes parece insacivel. No entanto, importante notar:

    15http://www.ambafrance-uk.org/President-Sarkozy-s-speech-at-UN,11208.html. Acesso em: 1 denovembro de 2008.

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    um erro pensar que os problemas enfrentados pelo sistema financeiro decorrem

    nica e exclusivamente da falta de regulao. A conjuntura atual tambm tem

    razes e propostas que retornam interveno do Estado na economia. O

    governo dos EUA, por exemplo, optou por uma emisso exagerada de moeda

    para custear os dficits fiscal e externo. O dficit comercial atingiu nveis recorde

    pelo quinto ano consecutivo, chegando a U$ 784,2 bilhes no final de agosto de

    2007: em termos anuais, 9,4% a mais que em 2006.17 Por outro lado, o

    Departamento do Tesouro informou que o governo de George W. Bush gerou

    um dficit fiscal de U$ 157,3 bilhes no ano fiscal de 2007, que comeou no dia

    1 de outubro daquele ano e terminou em 30 de setembro ltimo. O dficit emconta corrente chegou a 6,2% do PIB em 2007.18Nos anos anteriores crise

    financeira, o governo americano injetou mais moeda na economia por meio dos

    altos gastos, o que, junto com os juros artificialmente baixos mantidos pelo FED,

    ajudou a criar um excesso de liquidez e causou impacto no descontrole dos

    financiamentos. A injeo de liquidez nos mercados, os mecanismos

    reguladores frouxos, as tentativas de manuteno do boom econmico e taxas

    de juros artificialmente baixas tambm se encontram nas razes dessa crise:

    estimularam o crescimento especulativo, possibilitaram a euforia dos crditos

    baratos e deram incentivos errados quanto tomada de riscos.

    Alm disso, preciso analisar se a crise financeira uma crise do

    liberalismo, isto , se as instituies liberais esto em crise. Apesar de o

    tamanho do pacote de salvamento do governo americano significar uma

    interveno estatal sem precedentes, o que prevalece a idia de garantir o

    desenvolvimento dos mercados sob uma nova gide reguladora. Regulao no

    significa altos nveis de planejamento econmico. No significa que o Estadoest assumindo o controle do sistema financeiro (ainda que o regule de modo

    mais intrusivo). Em outras palavras, um sistema de mercado continua em

    operao, porm o que deve mudar so as regras e normas que gerem esse

    16Revista VEJA, 1 de outubro. 2008, p. 71.17http://www.whitehouse.gov/omb/budget/fy2009/pdf/hist.pdf. Acesso em: 1 de novembro de 2008.18Ibidem.

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    sistema, com uma maior presena do Estado na conduo desse

    gerenciamento.

    8. Concluso

    A primeira e mais imediata conseqncia da crise financeira a reduo do

    tamanho do mercado financeiro como proporo da economia real. Ainda

    segundo o diretor geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, a economia mundial

    dever sofrer desacelerao. H uma forte contrao do crdito que poder

    levar a uma retrao do comrcio internacional e, claro, dos fluxos deinvestimentos entre os pases. Economias emergentes, como os pases da

    Amrica Latina, podero sofrer com menores nveis de investimentos e uma

    reduo na demanda por commodities, por exemplo. Alm disso, planos de

    contingncia j foram instaurados tambm na Europa para possibilitar o

    abastecimento de liquidez, a recompra dos ativos desvalorizados e a injeo de

    capital nas instituies financeiras. J a aprovao do plano de ajuda do

    governo americano pode fornecer certo alvio s crescentes incertezas que

    permeavam os mercados financeiros nas ltimas semanas.

    Alm da deteriorao do cenrio econmico, as conseqncias polticas

    dessa crise tambm se fazem notar. Em primeiro lugar, h uma clara

    contestao, no meio externo, da real capacidade de liderana dos EUA no

    gerenciamento dos sistemas financeiro e monetrio internacional. A crise surgiu

    no corao do capitalismo mundial. Dessa forma, o governo americano sofre,

    sobretudo, uma sria crise de confiana, o que acaba por afetar seu papel como

    hegemon. Por outro lado, espera-se que, da crise, surja um sistema financeiromais enxuto, movimentando valores mais compatveis com a economia real, em

    um ambiente regulador mais prudencial.

    Novas regras para as transaes financeiras so apostas certas. Elas viro

    atreladas ao pacote de salvao proposto por Washington. Porm, o papel do

    governo americano no gerenciamento da crise luz dos conceitos da teoria da

    escolha pblica evidencia um importante aspecto da economia poltica: aquilo

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    que qualquer governo deve fazer diferente daquilo que qualquer governo

    capaz de fazer. Um maior controle dos mercados financeiros no garante

    como nunca garantiu que normas, regras ou burocratas visionrios

    conseguiro harmonizar as interaes econmicas de milhes de pessoas em

    substituio s leis do mercado. Uma maior presena do Estado no

    planejamento da economia poder, inclusive, aumentar os nveis de

    dependncia entre os investidores privados e o governo, o que normalmente

    significa menos eficincia e menos prudncia econmica e financeira.

    Ainda mais, a possibilidade de o plano de resgate no funcionar persiste,

    em razo da magnitude da atual crise financeira, que pode ter razes aindadesconhecidas. Deve-se avaliar tambm como os U$ 700 bilhes sero

    distribudos, para no dar margens procura de privilgios especiais por parte

    de agentes privados.

    Cabe, por fim, notar: maximizar eficincia e prudncia nos marcos

    reguladores do sistema financeiro no depende somente da vontade das

    autoridades. Depende de como os indivduos iro reagir perante as normas e

    regras implementadas pelos Estados. O principal ponto , sobretudo, garantir

    que as regras do jogo possibilitem a continuidade do prprio jogo.

    9. Bibliografia

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