Revista Arandu # 50

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ISSN 1415-482X Ano 13 • No 50 • Novembro-Dezembro/2009-Janeiro/2010

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Dourados Ano 13 - No 50 Págs. 1-60 Nov-Dez/2009 - Jan/2010

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CARO LEITORAno 13 • No 50 • Nov.-Dez./2009-Jan./2010

ISSN 1415-482X

Rua Mato Grosso, 1831, 10 Andar, Sl. 01Tel.: (67) 3423-0020 / 9238-0022

Dourados, MSCEP 79804-970

Caixa Postal 475CNPJ 06.115.732/0001-03

Revista Arandu: Informação, Arte, Ciência, Literatura /Grupo Literário Arandu - No 50 (Nov.-Dez./2009-Jan./2010). Dourados: Nicanor Coelho Editor, 2010.

TrimestralISSN 1415-482X

1. Informação - Periódicos; 2. Arte - Periódicos;3. Ciência - Periódicos; 4. Literatura - Periódicos;5. Grupo Literário Arandu

PUBLICAÇÃO DO

[

EditorNICANOR COELHO

[email protected]

Conselho Editorial ConsultivoÉLVIO LOPES, GICELMA DA FONSECA

CHACAROSQUI e LUIZ CARLOS LUCIANO

Conselho CientíficoCARLOS MAGNO MIERES AMARILHA,

LUCIANO SERAFIM, MARIA JOSÉMARTINELLI SILVA CALIXTO, MARIO

VITO COMAR, NICANOR COELHO, PAULOSÉRGIO NOLASCO DOS SANTOS e PLÍNIO

SAMPAIO CATARINO

Editor de ArteLUCIANO SERAFIM

Depois de 13 anos de ininterrupta circu-lação a Revista Arandu, publicação de

cunho científico chega a sua edição de núme-ro cinqüenta.

É uma grande vitória! Uma vitória nãoapenas para o Grupo Literário Arandu, maspara toda a comunidade científica de MatoGrosso do Sul.

Nesta edição comemorativa estamosdando destaque especial à questão jurídicacom os artigos dos professores André MartinsBarbosa, Marta Moreira Luna e Paulo DiasGuimarães.

É uma grande honra para nós, nestaedição, termos os trabalhos produzidos peloprofessor da Universidade Estadual de MatoGrosso do sul (UEMS), André Martins Bar-bosa, Mestre em Direito e Doutor em Ciênci-as Sociais pela PUC-SP (Pontifícia Universi-dade Católica de São Paulo).

A criação do estado de Mato Grossodo Sul também ganha projeção na RevistaArandu com o artigo escrito pelo pesquisa-dor Carlos Magno Mieres Amarilha.

Publicamos também o artigo de Sivaldode Macedo Michenco, “Os ruralista, a im-prensa e o podem em Amambaí/MS”.

Por ser um legitimo sul-mato-grossense a presença de André nesta edição éuma prova inequívoca de que a RevistaArandu cumpre o seu papel de disseminaçãoda ciência e da pesquisa realizas pelos nossoscientistas guaicurus.

A todos uma boa e prazerosa leitura!!!

Nicanor CoelhoEditor

CARO LEITOR

EDITADO POR

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Ano 13 • No 50 • Nov.-Dez./2009-Jan./2010 SUMÁRIO[Um olhar sobre a existência de antinomiasno Código Civil Brasileiro:um problema de linguagem ................................................................. 5

André Martins Barbosa

Os direitos dos trabalhadores domésticosem face do princípio constitucional da igualdade ............................. 13

Paulo Dias Guimarães

A evolução do social e suas soluções ................................................... 22André Martins Barbosa

Colisão dos direitos fundamentaise a ponderação de valores .................................................................... 34

Marta Moreira Luna

A criação do Estado de Mato Grosso do Sulnos meandros do poder da Ditadura Militar ...................................... 40

Carlos Magno Mieres Amarilha

Os ruralistas, a imprensa e o poder em Amambai/MS ...................... 49Sivaldo de Macedo Michenco

CAPES - Classificada na Lista Qualiswww.capes.gov.br

ISSN - International Standard Serial Number

Latindex - www.latindex.org

GeoDados - www.geodados.uem.br]

INDEXAÇÃO

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RESUMOAntinomia, o conflito entre normas jurídicas coloca, em alguns momentos, dúvida

sobre a coerência do ordenamento jurídico. A linguagem expõe e soluciona a autocontradiçãonos processos aceitos de raciocínio através de métodos, condições, critérios, classificação epropõe critérios de solução. Alguns exemplos e modos de solução na legislação brasileira.

Palavras-chave: Antinomia, ordenamento jurídico, linguagem, critérios desolução.

ABSTRACTAntinomy, the conflict between law principles creates, sometimes, hesitation about

the juridical ordainment coherence. The language exposes and solves the self-contradictionabout the reasoning processes that are accepted through systems, conditions, criteria,classifications and proposes solving criteria. Some examples and methods of solution throughBrazilian´s legislation.

Keywords: Antinomy, juridical ordainment, language, solving criteria.

UM OLHAR SOBRE AEXISTÊNCIA DE ANTINOMIAS

NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO:UM PROBLEMA DE LINGUAGEM

André Martins Barbosa1

Os gregos, através da tragédia, nostrazem a idéia de antinomia. Antígona,

filha de Édipo, em peça escrita por Sófoclesem aproximadamente 442 a.C., labora sobrea contradição entre as leis do direito naturale do direito positivo. A peça versa sobre aantinomia entre um édito baixado porCreonte (rei de Tebas) que proibia acelebração fúnebre em honra de Polinicies(irmão de Antígona) morte em combate emdefesa de Argos e uma Lei Universal-Divina

de que a família tinha o dever de enterrarpiedosamente os familiares.

Antígona entendia que tal leiuniversal transcendia (BOVENTURA, 2005)o poder de um soberano e que as leis destenão passava de um decreto de um titular dopoder provisório proibindo que seenterrasse determinada pessoa. Antígona selevantou contra o chefe do governoindagando:

1 Professor adjunto do curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Mestre emDireito e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/20106 ]“De onde vem a tua ordem? Ela nasceuontem. Enquanto o princípio que eudefendo é imemorial, não tem data. Atua ordem se dirige a um caso particular,mas o princípio comanda todas as nossasconsciências”. (SIMON, 2003).

A antinomia no caso foi solucionadacom a ação de Antígona enterrando o irmãocom as devidas honrarias, aplicando oDireito natural mas, em virtude disto arcoucom a condenação provinda de seu trio, oRei Creonte, que foi a de viver sozinha emuma caverna.

A origem histórica de vocábuloantinomia nos remete para Plutarco deQueróneia, autor de Dilações sobre a JustiçaDivina e de diversas bibliografias. Outroautor de destaque é Gloclenius (1613), quedistinguiu a antinomia tanto em sentidoamplo, que ocorria entre sentenças eproposições, quanto a de sentido estrito,existente entre leis que ocorrem quando a desentido estrito, existente entre leis. No séculoXVIII, J. H. Zedler (1732) a define comoconflito de leis que ocorrem quando duasleis se opõem ou mesmo se contradizem. Em1770, Baumgartem, faz menção à antinomiaentre direito natural e direito civil, no seu livroPhilosophia generalis.

O conflito normativo como premissado conceito adotado modernamente surgiude consolidação de idéias políticas o jurídicasda Revolução Francesa, através de JohnGilissen, que firmou a preponderância dalei enquanto fonte do direito, o controle dalegalidade das decisões judiciárias eprincipalmente, a concepção do direito comosistema, imprescindíveis para o contratocom o problema da antinomia jurídica.

DEFINIÇÃO

Mas é importante precisar mais o

termo. Os dicionários da língua portuguesadefinem antinomia como antítese, oposição,contradição, contradição, contraste.

Marcus Cláudio Acquaviva aponta aorigem do grego

Anti=oposição+normos = norma,conceituando antinomia como “Conflitoentre duas normas jurídicas, cuja soluçãonão se acha prevista na ordem jurídica”.

Tércio Sampaio Ferraz, para definiro termo, faz antes uma distinção entreantinomias lógico-matemáticas comantinomias semânticas, e antinomiaspragmáticas.

Segundo Ferraz Junior, definindoantinomia no campo da lógica, o termo maisrigorosamente definido, seria a criação deuma autocontradição por processos aceitosde raciocínio. Seria deduzir logicamente umaviolação à própria lógica, surgindo entãouma contradição.

Antinomia semântica também éuma contradição que resulta de umadedução correta, baseada em premissasaparentemente coerentes de linguagem. Umexemplo: Existe um dito popular de quetodo pescador é mentiroso. Antonio Messa,pescador, contando como foi o resultado daúltima pescaria garante ao final: “- Eu estoumentindo”. Da afirmação resta a indagaçãose estaria falando uma verdade? Se estiverfalando a verdade, ele contou uma mentira.Se estiver mentindo, ele falou a verdade.

As antinomias lógica-matemática esemântica ferem, conforme Russel,princípios que corroboram a construçãoideal da lógica e d semântica. Ambas sãoatacadas (Ferraz Junior p. 204) por conteremvícios de hierarquia lógica ou originadas deincoerências ocultas na estrutura de níveisde pensamento e da linguagem. Podemosdizer que as proposições não sãoessencialmente antinômicas, pois suasafirmações só encontram certa coerência

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7ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [dentro dos próprios planos.

No que tange à antinomia pragmá-tica (entre as quais se encontra a antinomiajurídica), são situações em que, conformeFerraz Juncos, embora se caracterizemtambém pela falta de lógico e / ou,semântico, formam-se proposições ouafirmações realmente existentes no sistemajurídico, materializadas na escrita. Umcomportamento exigido não pode ser tidocomo um non sense, tendo em vista ser defato afirmado materialmente e deva serobservado pelo seu receptor.

Desta forma podemos ter claro quesempre que tivemos diante de um conflitoentre duas normas, ou entre dois princípios,ou ainda, entre uma norma e um principio, enão existirem critérios postos no ordena-mento que resolvam esses conflitos, estare-mos diante de uma antinomia jurídica.

Assim, ocorre com a existência deduas normas, tipificando a mesma conduta,com soluções antagônicas, onde repousemtrês requisitos, a saber: incompatibilidade,indecidibilidade e necessidade de decisão.

CONDIÇÕES

Para que se admita ocorrer umaantinomia jurídica, deve-se observar aexistência das seguintes condições.

Que as normas que expressamordens ao mesmo sujeito emanem deautoridades competentes num mesmoâmbito normativo.

Que as instruções dadas ao compor-tamento do receptor se contradigam e, paraobedecê-las, ele deve também desobedecê-las;

Que, ainda, o sujeito deve ficar numaposição instrumental, sem nenhuma regrajurídica que aponte uma solução positiva-mente valida para a solução de conflito.

Norberto Bobbio (1994;P-88)

assevera que a antinomia se configuraquando no mesmo ordenamento jurídico,existam duas normas na mesma hierarquiae com o mesmo espectro de abrangênciaem conflito.

Na obra Estruturas lógicas e o Sistemade Direito Positivo, Lourival Vilanova (p.168)destaca que um superior fundamentodentro de um sistema é o responsável pelasua unidade, segundo Lourival:

“A unidade de um sistema de norma édecorrente de um superior fundamento-de-validade desse sistema – a ConstituiçãoPositiva”, ou, em nível epistemoló-gico,a Constituição em sentido lógico-jurídico,ou seja, a norma fundamental. Aunicidade decorre da possibilidadetambém gnosiológica de se poderconceber todo o material jurídico dadocom um só sistema. No pluralismo dossistemas (estatais) cada sistema é sistemaporque repousa num único fundamento-de-validade”.

Quando aprendemos o Direito deforma fragmentada, dividida em ramosdiversos, devemos estar cientes de que essadivisão só se justifica no plano didático, poisinafastável é a unidade do Sistema Jurídico,que é formado por norma esculpidas sobrevalores que, numa perspectiva propedêuticaforam se desenvolvendo ou se alterando deacordo com os momentos históricosregistrados e que influenciaram suascriações, mas todas elas, em conjuntoformam uma unidade coerente, que seharmonizam pela existência de uma normafundamental que sustenta toda a hierarquianormativa.

Desta forma, só ocorrerá antinomiareal sem após a interpretação adequada dasduas normas, a incompatibilidade entre elasperdurar. Por isso é entendida como aoposição entre duas normas contraditória,

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/20108 ]emanadas de autoridades competentes nummesmo espaço normativo, que colocam osujeito (aplicador do direito) numa posiçãoinsustentável de escolha sem que poss optarpor uma delas, sem ferir outra.

A crítica que surge é de que posiçãoinsustentável parece ser um ponto difícil dese apontar e definir, especialmente no plenoabstrato, tendo em vista a subjetividade queobscurece a situação. A pergunta que surgeinevitável é: “Quando é que o aplicador dodireito se verá na insustentável posição?”Terá ele, naquele momento esgotadorigorosamente e indiscutivelmente os meiosde interpretação, para afirmar que as normasali aplicáveis são contraditórias? E será queambas são aplicáveis ao caso concreto?Todos os recursos interpretação seexauriram na busca de uma solução?

A crítica nem sempre traz a solução;pelo contrário. A idéia é de questionar, paraprovocar a cognição. A antinomia real não étão comum de se verificar em virtude doamplo e variado rol de soluções retiradosda análise dos critérios e metacritériosdisponíveis e suas opções de interpretação.

Em princípio, o operador do direito,com base na idéia de unidade do sistema,deve trabalhar no sentido de tentarharmonizar os textos sistematicamente, deforma a buscar a saída interpretativa queafaste a idéia de antinomia.

A esse esforço, Carlos Maximiliano(1996; 134) denomina “Terapêutica Jurídica”e ele assevera:

“Sempre que se descobre umacontradição, deve o hermeneutadesconfiar de si; presumir que nãocompreendem bem o sentido de cada umdos trechos ao parecer inconciliáveis,sobretudo se ambos se acham no mesmorepositório. Incumbe-lhe preliminar-mente fazer tentativa para harmonizar

os textos; a este esforço ou arte osEstatutos da Universidade de Coimbra,de 1772, denominavam TerapêuticaJurídica”.

CRITÉRIOS

Ao se fazer a análise das antinomias,surgem três critérios que devem ser levadosem conta para a solução dos conflitos.

O primeiro deles é o critériocronológico; sendo aquele onde a normaposterior prevalece sobre a norma anterior.Em seguida, por segundo vem o critério daespecialidade cujo mandamento é de quenorma especial prevalece sobre norma geral.E por derradeiro, em terceiro, vem o critériohierárquico onde se institui que a normasuperior prevalece sobre a norma inferior.

Dos três critérios acima referidos, ocronológico, que consta do artigo 2º da leide Introdução ao Código Civil, é o mais débilde todos sucumbindo frente aos demais. Ocritério da especialidade é o intermediário eo da hierarquia o mais forte de todos, tendoem vista a importância do textoConstitucional.

Após transposto esta breve análise ébom vislumbrar a classificação dasantinomias, quanto aos critérios já expostos.

CLASSIFICAÇÃO

Alguns critérios auxiliam a classificaras antinomias. Podemos classificá-las em:a) Antinomia de 1º grau, que é o conflito denormas que envolve apenas um dos critériosexposto, e b) Antinomia de 2º grau, que é aque ocorre quando do choque de normasválidas que envolvem dois dos critérios jávistos anteriormente.

E, deve-se ter em mente quehavendo a possibilidade ou não de solução,conforme os meta critérios de solução de

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9ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [conflito, é adequada a seguinte divisão;

1) Antinomia aparente, que ocorrecom aqueles para os quais o ordenamentoencontra forma sistêmica de solução. Oscritérios para solução estão no próprioordenamento.

2) Antinomia real, que é a que ocorrequando não houver na ordem jurídicaqualquer critério normativo para solucioná-lo, sendo, então, imprescindível para a suaeliminação a edição de uma nova norma oua retirada de uma daquelas normasconflitantes.

Maria Helena Diniz, citando TércioSampaio Ferraz Jr assevera que essa distinçãoem nada contribui no campo da Teoria Geraldo Direito, pois que não se pode afirmarque os critérios de solução tenham surgidocomo normas e não como regras. TércioSampaio, sugere que esta distinção sejasubstituída por uma outra em queantinomia real é definida como aquela emque a posição do sujeito é insustentável porfalta de critérios para sua solução, ou porqueexiste conflito entre critérios; e a antinomiaaparente ocorre em caso contrário (P.208).

Tércio Sampaio cita o exemplo deduas normas constitucionais, “(mesmonível) igualmente gerais, (mesma extensão),prolongadas ao mesmo tempo (simultânea)configurariam caso de antinomia real. Naverdade essa distinção implica que sejamdenominadas de antinomia real o caso delacunas de regra de soulção de antinomia.Note, neste sentido, que o reconhecimentodessa lacuna não exclui a possibilidade desolução efetiva, que por meios obrigatórios(edita-se nova norma que opta por umasdas normas antinômicas), que por meio deinterpretação eqüitativa, recurso aocostume, à doutrina, a princípios gerais dedireito, etc.(...). O reconhecimento de quehá antinomias reais indica, por fim, que odireito não tem o caráter de sistema lógico-

matemático, pois sistema pressupõeconsistência, o que a presença de antinomiaexclui”

Então revisando, a antinomiaaparente é o caso em que há meta – critériopara a solução do conflito. E emconformidade com essas classificações oscasos práticos devem ser estudados quandohá conflitos de forma tal que: a) no caso deconflito entre norma posterior e normaanterior o que vale é a primeira de acordocom o critério cronológico (artigo 2º da leide introdução do Código Civil); b) A normaespecial deve sobrepor sobre norma geral,emergencial, segundo critério deespecialidade e; c) o conflito entre normasuperior e inferior, vale a primeira, pelahierarquia. Vale ressaltar que os três casosreferidos são de antinomias de primeirograu aparente pois que há solução, dentrodas meta-regras para a solução do conflito.

No que concerne as antinomias desegundo grau aparente podemos enumerar:

a) Quando há conflito de normaespecial anterior e outra geral posterior iráprevalecer o critério da especialidade,vigorando a primeira norma;

b) quando houver conflito entrenorma superior e norma inferior posteriorirá valer a primeira, segundo o critériohierárquico e;

c) Em havendo conflito entre umanorma geral superior e uma norma especiale inferior, devemos seguir a orientação deMaria Helena Diniz, que diz que não há umameta-regra em tais casos, tratando-se deuma antinomia real e doutrinadora afirma:

“No conflito entre o critério hierárquicoe o de especialidade, havendo uma nor-ma superior e outra norma inferior espe-cial não será possível estabelecer umameta-regra geral, preferindo o critériohierárquico ao da especialidade ou vice-

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201010 ]versa, sem contrariar a adaptabilidade dodireito. Poder-se-á, então preferir qual-quer um dos critérios, não existindo,portanto, qualquer prevalência. Todavia,segundo Bobbio, dever-se-á optar, teori-camente, pelo hierárquico; uma lei cons-titucional geral deverá prevalecer sobreuma lei ordinária especial, pois se se ad-mitisse o princípio de que uma lei ordi-nária especial pudesse derrogar normasconstitucionais, os princípios fundamen-tais do ordenamento jurídico estariamdestinados a esvaziar-se, rapidamente ,de seu conteúdo. Mas, na prática, a exi-gência de se adotarem as normas geraisde uma Constituição a situações novaslevaria, às vezes, à aplicação de uma leiespecial, ainda que ordinária, sobre aconstituição. A supremacia do critério daespecialidade só se justificaria, nessa hi-pótese, a partir do mais alto princípio dajustiça: Suum Caique Tribuere, baseadona interpretação de que “o que é igualdeve ser tratado como igual e o que èdiferente, de maneira diferente”. Esseprincípio serviria numa certa medidapara solucionar antinomia, tratandoigualmente o que é igual e desigualmen-te o que é desigual, fazendo as diferenci-ações exigidas tática e valorativamente”.(Conflito de normas, 2005)

Mas para iluminar a questão daantinomia e atender o objetivo do trabalho,após a elucidativa lição vamos exemplificar.O artigo 1º do decreto lei nº 3.200, de 19 deabril de 1941 dizia

“Art 1º O casamento de colaterais,legítimos ou ilegítimos de terceiro grau,é permitido nos termos do presentedecreto-lei.”“Art 1.521, da lei nº10.406, de 10 dejaneiro de 2002: Art 1.521. não podemcausar:...IV– os irmãos, unilaterais ou bilaterais, edemais colaterais, até o terceiro grauinclusive;”

Como se observa os dois dispositivossão antagônicos já que um confirma umcasamento entre tio e sobrinha e o CódigoCivil de 2002 proíbe este mesmo casamentoanteriormente permitido.

Os critérios de solução anterior-mente apresentados auxiliam na soluçãodesta antinomia aparente, pois lei posterior,deverá prevalecer sobre lei anterior.

CRITÉRIO DE SOLUÇÃO

Maria Helena Diniz assevera que oórgão judicante, levando em conta asdeduções e induções, bem como os juízosvalorativos, deverá observar o seguintepercurso na aplicação dos princípios geraisde direito para eliminar a antinomia real:

“1) Buscar os princípios norteados daestrutura positiva da instituição a que serefere o caso subjudice;2) Atingir, sendo inóxia a primeiramedida , os princípios que informam olivro ou parte do diploma onde se inserea instituição, depois os do diploma ondese encontra o livro, a seguir, os dadisciplina a que corresponde o diploma eassim por diante até chegar aos princípiosgerais de todo o direito escrito, de todo oregime jurídico-político e da própriasociedade das nações, embora estesúltimos só digam respeito às questões dedireito internacional publico;3) Procurar os princípios de direitoconsuetudinário, que não se confundemcom as normas costumeiras, mas que sãoo ponto de partida de onde aquelasnormas advêm;4) Recorrer ao direito das gentes,especialmente ao direito comparado,onde se descobrem os princípios queregem o sistema jurídico das naçõescivilizadas, desde que estes nãocontradigam os do sistema jurídico

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11ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [interno;5) Invocar os elementos da justiça, isto éos princípios essenciais podendo paratanto penetrar no campo da justifilosofia.” (As lacunas no Direito.p. 247-248)

Portanto, a ausência de critério naverdade é inexistente pois ainda, mesmofrente a antinomia de segundo grau, há o“critério dos critérios,” que é o da justiça nocaso concreto, devendo o aplicadorempregar a doutrina, os costumes e osprincípios gerais do direito para os casosconcretos, como para as lacunas por que aantinomia real não deixa de ser uma lacunafrente a ausência ou conflito entre oscritérios normativos para a solução daantinomia.

Outro exemplo de antinomia real éa existente entre o artigo 2035 do CódigoCivil de 2002 e a Constituição de 1998, emseu artigo 5º, XXVI.

O referido artigo já foi analisado emtrabalho anterior e o parágrafo único doartigo2035, do Código Civil em vigor, eminterpretação literal, conduz para a regra deque os preceitos de ordem pública da lei oraem vigor poderiam ser aplicados aoscontratos celebrados e exauridos antes dasua vigência. Esta leitura da norma decorreda expressão “nenhuma convenção”. Valelembrar o referido artigo, do Código Civil:

“Art. 2035. A validade dos negócios edemais atos jurídicos, constituídos antesda entrada em vigor deste código,obedece ao disposto mas leis anteriores,referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos,produzidos após a vigência deste código,aos preceitos dele se subordinam, salvose houver sido previstas pelas partesdeterminada forma de execução.Parágrafo único. Nenhuma convençãoprevalecerá se contrariar preceitos deordem pública, tais como os estabelecidos

Poe este código para assegurar a funçãosocial da propriedade dos contratos.”

Ao se ler o dispositivo legal, temos aidéia de que contraria a norma constitucional(artigo 5º, XXXVI) e a legal (artigo 6º da leide introdução ao Código Civil queresguardam o ato jurídico perfeito e o direitoadquirido, e em virtude destes dispositivosos atos jurídicos perfeitos não podiam seratingidos pelas disposições, mesmo que deordem pública, da nova lei, sob risco deatingir, por conseqüência, direitosadquiridos.

Desta forma, além validade mastambém os efeitos dos atos e negóciosjurídicos estariam sujeitos á lei do tempoem que foram elaborados, com exceçãodaqueles que não estariam “em curso”quanto aos seu efeitos , mas sim “em cursode constituição.” Caso em que existe ochamado Facta Pendentia. (FAZIO, 2008)

Assim verificada esta a existência deantinomia total-parcial entre a norma doartigo 2035 do Código Civil Brasileiro de2002 e as normas do artigo 5º, XXXVI, daConstituição Federal e do artigo 6º da lei deintrodução ao Código Civil. E vale lembrara lição de Maria Helena Diniz, noCompêndio de introdução à ciência doDireito (p.482-483) de que antinomia total-parcial ocorre “se uma das normas nãopuder ser aplicada, em nenhuma hipótese,sem entrar em conflito com a outra, quetem um campo de aplicação conflitante coma anterior apenas em parte.”

Seguindo os ensinamentos dadoutrinadora consta toda a possibilidade deantinomia real total-parcial entre o artigo2035 do Código Civil e o artigo 5º, XXXVI,Constituição Federal percebemos que asolução é possível pelo emprego daequidade, pelo recurso à doutrina, aoscostumes e aos princípios jurídicos.

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201012 ]REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico ao estudo do direito. 3ª ed. São Paulo:Atlas, 2001.

BOBBIO, Norberto. As Estruturas lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 3ª ed. São Paulo:Noeses, 2005.

BOAVENTURA, Bruno José Ricci. O fenômeno da antinomia jurídica. Jus Navigandi.Teresina. Ano 7. n. 63 março 2003.

Código Civil Brasileiro de 2002. São Paulo. Saraiva: 2010.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São Paulo, Saraiva: 2010.

DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

________________. Compendio de Introdução à Ciência do Direito. 19ª ed. São Paulo.Saraiva, 2008.

________________. Conflito de Normas. São Paulo. Saraiva, 2003.

FAZIO, César Cipriano de. Análise do art.2035, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro.Constitucionalidade e antinomia. Jus Navigandi. Teresina, ano 12, n. 1916, 29/set/2008.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª ed. Rio de Janeiro: Foren-se, 1996.

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RESUMOAnalisando o retrospecto histórico, verifica-se que o trabalhador doméstico, ao

longo de sua história, há séculos, tem sido submetido ao um flagrante descaso institucional,resultando em um tratamento desigual, mormente inferiorizado, cuja violação de direitosvai além dos direitos ditos trabalhista para transbordar para o respeitável campo dosdireitos humanos. Neste entendimento os trabalhadores domésticos, sob o discursohipócrita de “fazer parte da família”, não raro, são submetidos à sobrecarga de serviços, epor conseqüência, jornadas extras sem a respectiva recompensa e ainda, atrasos nopagamento de verbas salariais.

Palavras chave: Empregado Doméstico, Direito de Igualdade, PrincípioConstitucional.

ABSTRACTAnalyzing retrospecto historical, it is verified that the domestic worker, throughout

its history, has centuries, has been submitted to the one instant institucional indifference,resulting in a different treatment, mainly inferiorizado, whose breaking of rights goes beyondthe said rights working to overflow for the respectable field of the human rights. In thisagreement the domestic workers, under the hypocritical speech “to be part of the family”,not rare, are submitted the overload of services, and for consequence, extra days withoutthe respective one reward and delays in the payment of wage mounts of money.

Keywords: House servant, Right of Equality, Constitutional Principle

OS DIREITOS DOS TRABALHADORESDOMÉSTICOS EM FACE DO

PRINCÍPIO CONSTITUCIONALDA IGUALDADE

Paulo Dias Guimarães1

1 Professor de Prática de Processo Penal. Coord. do Núcleo de Prática e Assist. Jurídica. Curso deDireito da Univ. Estadual M. Grosso do Sul. Pósgraduação em Metodologia do Ensino Superior e Proc.Civil. Mestrando em Direito pela Fundação Eurípedes UNIVEM Marília (SP).

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201014 ]INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como ob-jetivo questionar os direitos dos trabalha-dores domésticos em face do princípio cons-titucional da igualdade. Com efeito, há muitojá suscitávamos esta indagação.

A nossa Carta Maior, também cha-mada de Constituição Cidadã, zela pela dig-nidade humana e pela igualdade entre aspessoas. Assim, o legislador constituinte con-signou no Título dos Princípios Fundamen-tais, como um dos fundamentos da Repúbli-ca Federativa do Brasil o artigo 1º, inciso III -a dignidade da pessoa humana (...) e no Títulodos Direitos e Garantias Fundamentais, noartigo 5º Todos são iguais perante a lei, semdistinção de qualquer natureza (...).

Cotejando ainda a festejada e res-peitável Carta Constitucional, notadamenteo artigo 7º que, aliás, é a essência da Conso-lidação das Leis do Trabalho, inserida noTexto Constitucional, pergunta-se: Quais asrazões levaram o legislador constituinte acriar o parágrafo único, no referido artigo, eali, tratar o trabalhador doméstico de for-ma tão discriminada e em flagrante agres-são aos seus direitos? Estaria o constituintelegislando em causa própria, já que, são porexcelência, os principais e maiores empre-gadores da categoria?

O trabalho apresenta cinco pontos,os quais, são os mesmos paradigmasnorteadores do trabalho nas atividadesempresariais, como, condições mínimas desegurança, salubridade e ambiente de tra-balho, repouso e alimentação, reconheci-mento constitucional da categoria e umareflexão sobre a constitucionalidade.

No último ponto enfocou-se aspec-tos de direitos humanos, supra individuais,razão maior deste questionamento, umavez que, a justificativa do legislador, argüin-do tratar-se de trabalho de natureza

residencial e sem fins lucrativos, não tem ocondão de retirar do trabalhador domésti-co a proteção da sua dignidade e o direitode igualdade.

Ora, para o trabalhador, lavar talhe-res, pratos e panelas, na cozinha de umaresidência ou na cozinha de um restauran-te, ou ainda, de igual modo, lavar e passarroupas em uma residência ou em uma la-vanderia, em termos de mão-de-obra apli-cada, não tem diferença nenhuma, o traba-lho é o mesmo.

Neste entendimento, tentar justifi-car o tratamento desigual atribuído ao tra-balhador doméstico equivale a pretensão detampar o sol com uma peneira. Urge, por-tanto, que o legislador, democraticamenteinvestido na função de delegado do povo,exerça o múnus público, que lhe é outorga-do, com fidelidade aos princípios de igual-dade, e fraternidade, fazendo tramitar pro-jeto de lei, que subindo até a sanção presi-dencial, concretize a verdadeira, inclusão ejustiça social.

1. DIREITOS HUMANOS

1.1 Condições mínimasde segurança

As tarefas a serem executadas nãopodem por em risco a segurança e a integri-dade física de nenhum trabalhador, entreeles o doméstico. Assim, o trabalho em al-turas, como a limpeza externa de janelas efachadas de edifício, deve ser feito com re-dobrados cuidados e cercado de condiçõesde segurança.

O transporte ou simples levanta-mento de volumes pesados também deveser reavaliado em cada caso e conforme aaptidão do trabalhador.2

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15ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [1.2 Salubridade e ambiente

de trabalho

Os cuidados com a salubridade de-vem estar além do ambiente de trabalho.Assim, a residência ou alojamento do tra-balhador, quando proporcionado pelo em-pregador, deve ter capacidade adequada aonúmero de moradores e assim, possuir ven-tilação, e iluminação suficientes, energia elé-trica e água potável tratada.

Para a execução de atividades queexpõe o trabalhador a agentes físicos, quí-micos ou biológicos, deve ser exigido o usode luvas, botas e outros equipamentos indi-viduais de proteção, conforme o caso.

Cumpre ao empregador zelar paraque o tempo de permanência em ambien-tes ou de contato com agentes insalubresseja reduzido ao mínimo possível, comotambém, adotar procedimentos permanen-tes de orientação e prevenção de acidentes,mantendo ferramentas e instalações emboas condições.

Todo trabalhador esta sujeito a aci-dente no trabalho, mas os trabalhadoresdomésticos, mais que outras categorias, es-tão sujeitos a diversos tipos de acidentes,em face das circunstâncias laborais. Assim,estão sujeitos a queimaduras, choques elé-tricos, intoxicação com gás de cozinha, cor-tes e quedas.

Periodicamente o trabalhador deveser encaminhado para avaliação médica,sendo a primeira avaliação no ato da ad-missão.

1.3 Repouso e alimentação

A Constituição Federal tem comoum dos seus fundamentos, no artigo 1º incisoIII “a dignidade da pessoa humana” e maisadiante no artigo 7º, inciso XV “repouso se-manal remunerado, preferencialmente aos

domingos”. Este o espírito que norteia osdireitos dos trabalhadores e extensivamen-te aos domésticos.

A lei estabelece como preferência odomingo para o dia de descanso por ser esteo mais adequado com a dinâmica sócia eeconômica da sociedade, todavia, nada im-pede que empregado e empregador ajus-tem entre si, outro dia para que seja cum-prido o descanso semanal.

A alimentação, quando fornecidapelo empregador, deverá ser em quantida-de suficiente, de boa qualidade, e em horá-rios compatíveis com a atividade laboral enecessidade nutricional. Ressalta que a ofertade moradia ou alojamento e alimentação,visam mormente, a comodidade do em-pregador, razão pela qual, salvo acordo ex-presso, não devem ser descontados.

1.4 Reconhecimentoconstitucional da categoria

Conforme já delineado no capítuloII deste trabalho, a Lei nº 5.859, de 11 dedezembro de 1972, assinalava direitos bási-cos do trabalhador doméstico, entretanto,foi na Constituição Federal de 1988, que olegislador constituinte consignou expressa-mente direitos do trabalhador doméstico,imediatamente aplicáveis, por força do pa-rágrafo único do artigo 7º.

Para Sérgio Pinto Martins:

A relação do Direito do Trabalho com oDireito Constitucional é muito estreita,pois a constituição estabelece uma sériede Direitos aos trabalhadores de modogeral, principalmente nos arts. 7º a 11.Mais especificamente no art. 7º, a LeiMaior garante direitos mínimos aostrabalhadores urbanos e rurais,especificando em 34 incisos. Oempregado doméstico tem algunsdireitos reconhecidos no parágrafo único

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201016 ]do art. 7º . Mesmo o trabalhador avulsotem assegurados seus direitos no inc.XXXIV do art. 7º da Lei Fundamental,que prevê igualdade com os direitos dostrabalhadores com vínculo empregatíciopermanente. No art. 8º da Norma Ápice,são previstos os direitos decorrentes daorganização sindical. O art. 9º da LeiMagna trata o direito da greve.3

No que pese o reconhecimento cons-titucional, nota-se que o trabalhador domés-tico ainda restou inferiorizado perante ouniverso dos demais trabalhadores, eviden-ciado na especificação de determinadosincisos, cujo conteúdo normativo foi esten-dido aos trabalhadores domésticos.

De igual forma defeituosa veio a Leinº 10.208 de 23 de março de 2001, que acres-centou à Lei 5.859/72, entre outros, o artigo3-A. “É facultada a inclusão do empregadodoméstico no Fundo de Garantia do Tem-po de Serviço – FGTS, de que trata a Lei8.036, de 11 de maio de 1990, mediante re-querimento do empregador, na forma doregulamento.”

Como na ciência contábil não existedébito sem o respectivo crédito e vice-ver-sa, na ciência jurídica não é diferente, pois, atodo direito corresponde uma obrigação.Assim, não precisa ser um hermeneuta paraperceber que a norma acima transcrita nas-ceu contaminada de grave defeito.

Pode-se dizer que é uma norma semeficácia jurídica, pois, nos termos em quefoi posta, o empregado só terá acesso aoregime do FGTS se o empregador quiser.Ora, dar um direito a alguém condicionadoà vontade de outrem, equivale a nada lheoferecer.

Assim, se o empregado domésticonão pode exigir do empregador aimplementação do seu direito, logo é por-que não tem direito.

É oportuno lembrar que, tão antigaquanto o trabalhador, é a luta entre o capi-tal e o trabalho, num embate desigual atra-vés de séculos.

Assim, é forçoso concluir que o tra-balhador doméstico somente alcançará asua maioridade quando lhe for estendido,sem restrição, a plenitude dos direitos con-feridos aos demais trabalhadores, e então“todos serão iguais perante a lei, sem distin-ção de qualquer natureza.... ”

1.5 Uma reflexão sobre aconstitucionalidade

A toda evidência os legisladores in-correram em contra-senso, pois, quando tra-taram dos direitos dos trabalhadores domés-ticos no parágrafo único do artigo 7º da LeiMaior, ao pontuar taxativamente determi-nados incisos, como fonte de direito do obrei-ro domiciliar, estabeleceram flagrante desi-gualdade em relação ao universo dos demaistrabalhadores, incorrendo, inclusive, em con-tra-senso com o consagrado princípio daigualdade assegurado no artigo 5º caput damesma lei. “Todos são iguais perante a lei,sem distinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeirosresidentes no País a inviolabilidade do direi-to à vida, à liberdade, à igualdade, à seguran-ça e à propriedade [...].”

Assim, instituíram indesejável discri-minação à categoria dos trabalhadores do-mésticos em face das demais categorias nãodomésticas.

O direito do trabalho é expressão dehumanismo jurídico e arma de renovaçãosocial pela sua total identificação com asnecessidades e aspirações concretas dogrupo social diante dos problemasdecorrentes da questão social.Representa uma atitude de intervenção

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17ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [jurídica para a restauração das instituiçõessociais e para melhor relacionamentoentre o homem que trabalha e aquelespara os quais o trabalho é destinado.4

Desta forma, pode-se dizer que odireito do trabalho é mais que instrumentode tutela de direitos, é, por excelência, uminstrumento de mediação no conflito de in-teresses entre o capital e trabalho, evitandotanto quanto possível a exploração do ho-mem pelo próprio homem.

Assim, no que pese a subsunção doordenamento jurídico à supremacia dos prin-cípios constitucionais, é tarefa dos legislado-res superar as antinomias e buscar o cami-nho da harmonização destes princípios.

Induvidoso que no campo dos direi-tos humanos, a bandeira que se hasteia é emdefesa da igualdade desejada por todos, atra-vés de políticas públicas afirmativas e de efe-tiva inclusão social, surtindo efeitos práticosna vida das pessoas, ensejando ao ser huma-no condições de vida digna e de qualidade.

Nesta exegese o Direito, que emanado sistema constitucional, ainda que difuso,há que ser compacto e sobremaneira coeso,alinhado, eis que, fundamenta todo oordenamento e preserva valores importan-tes para a vida em sociedade.

Nas palavras da Professora CarmemLúcia Antunes Rocha:

Os princípios constitucionais são osconteúdos primários diretores do sistemajurídico-normativo fundamental de umEstado. Dotados de originalidade e supe-rioridade material sobre todos os conteú-dos que formam o ordenamento consti-tucional, os valores firmados pela socie-dade são transformados pelo Direito emprincípios. Adotados pelo constituinte,sedimentam-se nas normas, tornando-se, então, pilares que informam econformam o Direito que rege as relações

jurídicas do Estado. São eles, assim, ascolunas mestras da grande construção doDireito, cujos fundamentos se afirmamno sistema constitucional [...]. 5

Pois bem, ressalta-se que entre ascolunas mestras da grande construção doDireito, está o princípio da igualdade, comocoluna pétrea inderrogável.

Assim, não há construção argu-mentativa que justifique a violação desteprincípio, não há razões superiores que jus-tifique a quebra do critério de paridade. Ajustificativa de que o trabalhador domésti-co exerce atividade não lucrativa é umaafronta direta ao princípio da isonomia, guiado ordenamento jurídico brasileiro.

A dignidade humana, entre outros,é um dos fundamentos da República.

O Professor Celso Antônio Bandei-ra de Mello leciona que:

Rezam as constituições – e a brasileiraestabelece no art. 5o, caput – que todossão iguais perante a lei. Entende-se, emconcorde unanimidade, que o alcance doprincípio não se restringe a nivelar oscidadãos diante da norma legal posta, masque a própria lei não pode ser editada emdesconformidade com a isonomia. Opreceito magno da igualdade, como játem sido assinalado, é norma voltadaquer para o aplicador da lei quer para opróprio legislador. Deveras, não sóperante a norma posta se nivelam osindivíduos, mas, a própria edição delasujeita-se ao dever de dispensartratamento equânime às pessoas. 6

No que pese a estranheza, não sepode duvidar que haja inconstitucionalidadeem normas da própria Carta da República,o que, em tese, geraria situação de incom-patibilidade e contra-senso entre seus pre-ceitos.

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201018 ]Verdade é que, uma parte da dou-

trina já se levanta em defesa da causa dostrabalhadores domésticos, através da qual,esta sendo ferido o princípio da isonomia.

Os princípios enunciados no início dotexto constitucional devem servir debússola para nortear a elaboração dasdemais regras jurídicas, constitucionais einfraconstitucionais, embasando-as eservindo como forma para sua corretainterpretação e aplicação, como bemlembradas por Sérgio Pinto Martins. 7

Por corolário, tem-se que o legisla-dor constituinte, na essência do espírito, aoassinalar direitos peculiares do trabalhadordoméstico, não pretendeu estabelecer dis-tinção legal de qualquer natureza, nem tãopouco discriminar o trabalhador restringin-do-lhe o acesso a outros direitos.

Não é outro o entendimento do Pro-fessor José Cretella Junior:

O art. 7o, parágrafo único da Constituiçãode 5 de outubro de 1988, que estamoscomentando, alterou os princípios queinformam a nossa Oitava Constituiçãoda República Federativa do Brasil, o daigualdade entre eles. Se ‘todos são iguaisperante a lei, sem distinção de qualquernatureza’, o regime jurídico do trabalhadordoméstico, advindo da relaçãoempregatícia, é equiparado ao regimejurídico trabalhista dos demaisempregados de fábricas, indústrias ouempresas [...].8

Concluindo e perfilando com ex-pressiva parcela da doutrina, emerge comclareza solar que o parágrafo único do arti-go 7º da Constituição, ofende o princípio daisonomia, não podendo, portanto, perma-necer como válida, na órbita do sistema ju-rídico, uma disposição carregada de discri-minação e desarmonia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do estudo realizado é possí-vel verificar, que o trabalho doméstico, sem-pre foi relegado a um plano flagrantemen-te inferior, sem descartar a possibilidade deencontrarmos em algum lugar pelos paísesafora e até mesmo aqui no Brasil, a chama-da escravidão doméstica, onde a trabalha-dora, ao pretexto de “fazer parte da família”,tem como recompensa do seu trabalho,apenas o alimento, algumas roupas, às ve-zes dispensadas pela patroa, remédios - emregra caseiros e dinheiro ou pagamento -raramente, pois, “não precisa”.

Quanto às medidas legais, até entãoconsolidadas e apreciadas, visam resgataruma dívida histórica que a sociedade brasi-leira e principalmente o legislador pátrio,tem para com uma categoria profissionalque, embora não exercendo atividade eco-nômica, presta relevantes serviços à família.Aliás, é preciso dizer mais, pois, exerce fun-ção nitidamente de confiança, eis que, laborano interior da casa e, senão na absoluta, masna relativa intimidade da família.

A CLT de l943, em seu art. 7º, letra“a”, expressamente excluiu o trabalhadordoméstico da tutela legal. Desta forma a Lei5.859/72, a CF/88, a Lei 10.208/200l e a Lei11.324/2006, representam um significativoavanço nesse sentido, mas não são suficien-tes, pois resta conferir aos empregados do-mésticos o direito a prestações tais como osalário-família e sua inclusão obrigatória nosistema do FGTS, constantes de dispositi-vos do projeto de lei aprovado pelo Con-gresso e parcialmente vetados pelo Presi-dente da República.

O trabalhador doméstico precisa,urgentemente, resgatar o seu direito à igual-dade e à dignidade humana, assegurados eao mesmo tempo negados pelo legislador

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19ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [constituinte.

O veto presidencial relativo à inclu-são do empregado doméstico entre osbeneficiários do salário-família funda-se no§ 5° do art. 195 da Constituição, que vedacriação, majoração, ou extensão de benefí-cio ou serviço da seguridade social sem acorrespondente fonte de custeio ainda quecomplementar o que resultaria em aumen-to do desequilíbrio financeiro e atuarial dascontas da Previdência Social.

Por conseqüência, a inclusão obriga-tória do trabalhador doméstico no sistemado FGTS implicaria também na imposiçãoda multa de 40% sobre o saldo da respectivaconta, ao empregador, de modo a onerardemasiadamente o vínculo de trabalho do-méstico, vindo a refletir um aumento no ín-dice de trabalhadores sem registro na CTPS,bem como, aumento no índice de desem-prego e trabalhos informais, diminuindo,portanto, a garantia de pleno emprego.

De outro vértice, a premissa adota-da pelo Governo Federal em torno dessaquestão, suavizando os encargos sociais dosempregadores domésticos - que em suamaioria pertencem à classe média – alta,poderá ensejar o registro de grande con-tingente dos empregados domésticos, re-legados à informalidade, fazendo-os par-ticipar dos benefícios trabalhistas eprevidenciários que a Constituição e as leisordinárias já lhes outorgam e ao mesmotempo, carreando recursos para os cofres

da Previdência Social.No campo dos direitos humanos,

ressalta-se que os avanços alcançados aindanão se elevam o suficiente para colocar otrabalhador doméstico ao nível merecido naplena igualdade com as demais categorias,pois, como já sustentado no presente tra-balho, a justificativa do legislador, argüindotratar-se de trabalho de natureza residenciale sem fins lucrativos, é muito frágil, semnenhuma consistência e assim, não tem ocondão de retirar do trabalhador domésti-co a proteção da sua dignidade e o direitode igualdade.

Desta forma, como já foi dito, o di-reito do trabalho é mais que instrumentode tutela de direitos, é, por excelência, uminstrumento de mediação no conflito de in-teresses entre o capital e trabalho, evitandotanto quanto possível a exploração do ho-mem pelo próprio homem.

Assim, no que pese a subsunção doordenamento jurídico à supremacia dos prin-cípios constitucionais, é tarefa dos legislado-res superar as antinomias e buscar o cami-nho da harmonização destes princípios.

Induvidoso que no campo dos direi-tos humanos, a bandeira que se hasteia éem defesa da igualdade desejada por todos,através de políticas públicas afirmativas ede efetiva inclusão social, surtindo efeitospráticos na vida das pessoas e ensejando aoser humano condições de vida digna e dequalidade.

NOTAS

2 NASCIMENTO, op. cit., p. 388/389.3 MARTINS, op. cit. p. 56.4 NASCIMENTO, op. cit., p. 65.5 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública.

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201020 ]1ª Ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994.6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª Ed.São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p.9.7 MARTINS, Sérgio Pinto. A Continuidade do Contrato de Trabalho. São Paulo: Atlas, 2000,p. 111.8 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2ª Ed. Rio deJaneiro: Forense Universitária, 1994, p. 1036.

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RESUMOO “homo sapiens” já se encontra em sociedade quando nasce. Evidencias deste

processo estão se avolumando exponencialmente e as formas como ocorreram exigemcada vez mais a compreensão interdisciplinar, o que obriga os operadores do Direito a umesforço coletivo de construção. O inconsciente coletivo e sua percepção é uma face dacomplexa modernidade que apresenta soluções inusitadas.

Palavras-chave: Sociedade, linguagem, operadores do Direito. inconscientecoletivo.

ABSTRACTThe “homo sapiens” is already in society when born. Evidence of this process is

growing exponentially and the ways in which occurred require increasingly interdisciplinaryunderstanding, which requires the operators the right to a collective effort of construction.The collective unconscious and their perception is a complex face of modernity that presentsunusual solutions.

Key-words: Society, language, operators the right, collective unconscious.

A EVOLUÇÃO DO SOCIALE SUAS SOLUÇÕES

André Martins Barbosa*

O século XXI trouxe inúmeros desafiospara todos os habitantes do planeta.

Nada de novo pois que a vida, desde quesurgiu por aqui, é um constante desafio paratodos os seres. Tampouco é novidade queas espécies não adaptadas as novascondições ambientais tendem inexoravel-mente a desaparecer. Assim aconteceu comcerca de 95% a 98% das espécies (para osotimistas). É uma regra, uma lei, umparadigma que há muito deixou de sermera hipótese e que não convive

pacificamente com o criacionismo literal,infelizmente por deficiência na formação doscurrículos elementares, interessesarraigados e o temor do enfrentamento como novo, do conhecimento da diversidade ede compreender que Deus é infinito osuficiente para albergar em Si, Big Bangs,evolucionismo e todas as questiúnculas quenossa ciência ainda não abarca mas comoestudiosos devemos nos debruçar, analisare compreender através dos esforçosindividuais e coletivos.

* Professor adjunto do curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Mestre emDireito e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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23ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [A pesquisa interdisciplinar favorece

esta posição, fornece novas ferramentas paracompreender uma realidade em comple-xização e os operadores do Direito não po-dem se esquivar ao emaranhado detecnologias se avolumando na sociedade jádevorando o modelo de produção substi-tuído pelo de conhecimento. Os problemasque se agigantam diante dos tribunais nãopodem mais ser solucionados apenas comcópias de teorias alienígenas da década de50 mal adaptadas a nossa realidade. Estecomportamento neandertal levou a umdescompasso perigoso entre o real e os quetem o dever de procurar, no mínimo, acompreensão. Os modelos tradicionais, con-fortáveis, se não forem abandonados (nãose quer dizer esquecidos – embora assimi-lados) ameaçam a serem a mó atada aospescoços empedernidos que se negam aobservar as evidencias de que uma das leisdo orbe é o da transformação, da evoluçãopara muitos. E que outra lei da sobrevivên-cia é o de mudar para perma-necer. Feliz-mente a percepção de que as mudanças sãonecessárias surgem entre os timoneiros1, oque fornece alento para as gerações quesucedem ao processo nunca fácil de ser con-duzido.

PELA COMPREENSÃODA ANTIGUIDADE,O ENTENDIMENTODA MODERNIDADE

“Ainda em 1619, quando LucíbioVanini reconheceu as afinidades

simianas do homem, lhe cortaram alíngua e o condenaram à fogueira.”

Pontes de Miranda

As questões conflitivas presentes nasociedade, a intersubjetividade, os modos decomunicação, exigem uma compreensão

cada vez mais abrangente do contexto e acognição de teorias de informação, análisede dados, da compreensão cada vez maisabrangente de sistemas, de lógica matemática,teorias de jogos, inteligência artificial bemcomo biologia, antropologia, filosofia, alémde psicologia e outras áreas do saber.

Claro está que não se pretende ouse espera que os operadores do Direitosejam superdotados como Einsteins (o queseria bem vindo), mas inaceitáveis assoluções de problemas através da simplesprocrastinação (necessária as vezes comoestratégia) por desconhecimento deconceitos fundamentais para a resoluçãodos imbróglios sociais a que são concitadosa decifrar os profissionais da pax júris. É umesforço doloroso, contínuo, necessário poisnão há pax júris aeterum é o perigo doanacronismo fundado somente na força dasvaras que se tornam caras, quando toda aconstrução social é no sentido inverso. Umparadoxo. Simplificação possibilitacomplexização pela multiplicaçãoexuberante do simples. E é neste sentidoque procuramos desenvolver este opúsculopalmilhando apenas uma das inúmeraspossibilidades, sem excluir as demais, ourelegar a formação.

Sem sermos psicólogos evolucio-nistas tampouco profissionais da área, já éde conhecimento quase rasteiro e popularque a 6 milhões de anos os primeiros“hominídeos2” já se faziam presentes, a 4milhões de anos descemos das árvores, a2,5 milhões utilizamos os primeiros instru-mentos de pedra graças a modificações dasmãos e a dependência da carne nos deu tem-po extra para aumentarmos o tamanho docérebro. A vida humana surgida na Áfricaexporta os primeiros aventureiros a 2 mi-lhões de anos. Aventureiros que não se fi-xaram, como os Vikings e os chineses quenão ficaram na Groelândia e na América do

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201024 ]Sul antes de Colombo e Cabral. Aventurei-ros extintos. A 60.000 anos aproximada-mente os hominídeos modernos saem comocaçadores e coletores vivendo em peque-nos grupos em uma paisagem ampla masfruto de um já longo processo evolutivoque incessantemente através das geraçõesjoeirava as mutações favoráveis, seleciona-va as adaptações ao meio através das com-petições e eliminava os fracassos (podemosafirmar que os fracassos demoravam mi-lhares de anos para serem eliminados, emtermos atuais algumas décadas) recompen-sando os sucessos ocasionais . Uma odis-séia em nada diferente das outras espécies,mas que produzia um novo ser que mudoudrasticamente de comportamento a 50.000anos atrás. Há 43.000 anos há vestígios dosprimeiros artefatos, de contas, de colares ea 40 mil comprovadamente produzimos ar-tefatos de pedra, marfim, osso e até comarte. No Paleolítico Superior, a 38000 anosna Europa Ocidental fabricamosmassivamente estes “ornamentos”. Contasindicam uma expansão mental fenomenaluma interação social complexa, indícios ine-quívocos de grupos com identidade, comfunções desempenhadas pelos indivíduosque os integravam. Comprovações desteperíodo estão até na Austrália mas as evi-dencias são mais abundantes na Europaonde hominídeos semelhantes, osneandertais, mas não iguais, se encontra-vam. Se voltássemos no tempo e fizésse-mos uma aposta baseada apenas no conhe-cimento disponível e utilizável naquela re-mota era apostaríamos nos robustosneandertais de cerca de 91kilos de ossos emúsculos e não nos menores hominídeosdos quais descendemos e que já apresen-tam evidências de vida simbólica, de pintu-ras, de arte em cavernas, protegidos de seusoponentes “de peso”. Ah! O tempo, ferra-menta “cruel” para com os que somente se

utilizam da força disponível no momentomenosprezando inovações que Deus, atra-vés de sua criação infinita, oferta regular-mente. A superação exigia maior vontade,determinação para produzir artefatos maisacabados que solicitavam de seus “operári-os” paciência e habilidade de mãos melhoradaptadas para funções meticulosas.

Os neandertais produziam peças fá-ceis, rápidas de serem confeccionadas e queexigiam pouca paciência. Não deixaram ras-tros de ensino sistemático de suas técnicascomo os homo sapiens. Imitavam e o quefavorece a evolução seletiva é a criatividade,a diversidade e em termos humanos, o con-trole destas diferenças sob uma hierarquiadisciplinadora e não excessivamenteexcludente. O que aconteceu durante estaépoca podemos metaforicamente dizer queé como se um plutoniano aportasse entrenós (que já utilizávamos outra linguagem),portando uma lança que não conhecíamos,que rapidamente copiamos e aperfeiçoamosenquanto o alienígena se recusava sistema-ticamente a aprender as novas linguagensridicularizando quem não soubesse plutonêse impondo a tecnologia (a lança) trazida dePlutão, sem ser seu criador. Funcionou du-rante um tempo. O resultado é o que te-mos. Assim como os neandertais foram eli-minados e sabemos de sua existência pelaslanças e carcaças ociptais que estão nosmuseus e livros que a eles fazem referência,também o hominídeo que voltou de Plutão(e que para lá foi pelo processo de mobili-dade) portando uma lança mas se recusan-do a favorecer as novas linguagens foi conde-nado a virar parietal de museu. Na naturezaeste processo é doloroso, cotidiano, milenare não visível aos olhos contemporâneosdestreinados, sem mente aberta às inova-ções incessantes. O que permite coexistiremnum mesmo espaço homo sapiens eneandertais. O eterno processo de substi-

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25ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [tuição, de renovação. Os mais desenvolvi-dos nesta arte conseguem perceber os peri-gos das modificações constantes e somenteos corajosos e operosos procuram assimilá-las e compartilhar as linguagens mais efici-entes mesmo que num primeiro momentopossam parecer difíceis aos aprendizesacocorados ao redor de uma fogueira. E quesensação espetacular deve ter ocorridoàqueles nossos antepassados que percebe-ram o que acontecia. Tiveram a humildadede se submeter ao mestre exemplar, alémdesta qualidade, a paciência, que permitiaensinar não somente a técnica que domina-va mas a arriscar a que provavelmente seriaa mais apta ao grupo, às finalidades sociais aque se destinavam os seus componentesque, devemos lembrar, era uma pequenaparcela dentre milhares de tantos outroshominídeos espalhados sobre o planeta. Jácopiávamos uns aos outros e a cada novageração, novas tecnologias avolumavam-sesuperpondo-se, construindo esta culturafantástica da qual dispomos e nos ameaça enos assombra pois se torna uma criatura aassustar o criador e já se pode dizer, seuhospedeiro pois somos frutos bem mais doque a evolução biológica, da evolução cultu-ral, a constante simbiose entre o homosapiens e o que cria, cópia, aperfeiçoa e trans-mite incessantemente e mais e mais rapida-mente.

Os neandertais mais imitavam e oque favorece a evolução é a diversidade ematividade competitiva e cada vez mais arti-culada tecnologicamente, em aumento desimplicidade com máxima informação comum mínimo de signos. Isto exige mentesmais desenvolvidas, sistemas de aprendiza-gem “mais flexíveis”. Isto possibilita a com-preensão de que iniciou-se outra corrida“armamentista” simbiótica por entre, den-tro e através das diversidades.

A 50.000 anos estávamos não so-

mente imitando mas já aproveitando a ex-periência, o conhecimento, a sabedoria dosmais velhos, transmitida de cérebro a cé-rebro, na linha horizontal, não mais na he-reditariedade genética, vertical, os signosnecessários à sobrevivência, em competi-ção pelos recursos naturais com outros se-res e dentro da própria espécie numa espi-ral ascendente de relações de linguagens ementes 3.

Isto para os humanos modernos foiuma vantagem estratégica vital. Astecnologias poderiam melhorar de uma ge-ração para outra desvinculadas da replicaçãocomportamental com base nos genes e po-deriam ser transmitidas informações porgrandes distâncias e através do tempo. Ima-gens, signos são a forma de se comunicarcom o outro sem que se esteja no local doreceptor, resgatando técnicas pretéritas,aperfeiçoando-as no presente e armazenan-do-as para o futuro, recombinando-as. Osneandertais não realizaram estas trocas (tãointensamente) de símbolos essenciais. Vivi-am em bolsões isolados, separados de ou-tros grupos que “pesquisavam” o ambientebuscando condições favoráveis. Nossosancestrais se comunicavam “criando”, pro-duzindo, transferindo cultura e arte portátilque trocavam, levando a distâncias consi-deráveis e que podem, como modo de tro-ca ainda ser encontrados em estudos de res-quícios de culturas mais “modernas” nos“papéis” desenvolvidos pelos chefes tribaisanalisados por Marcel Mauss 4 em seu “En-saio sobre a Dádiva”. Aceleraram o proces-so de comunicações e linguagem criandoredes cada vez mais complexas favorecen-do mudanças genéticas importantes emsimbiose com os “inventos culturais”. Umacaracterística dos hominídeos modernosque é favorecida pela exuberância do cére-bro. Mudanças gradativas e cumulativas quepermitiam que nos comunicássemos e de-

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201026 ]cifrássemos como o mundo funciona.

Temos cem bilhões de células ner-vosas, talvez cem trilhões de conexões e cri-ando novas conexões, novas funções. Nãofoi o tamanho do cérebro mas a “rede deconexões” que nos forneceram novas e po-derosas aptidões e entre elas foi a de vivernuma complexa rede social onde a sutileza,ao contrário da violência, da força física (queé incorporada, utilizada, instrumentada,simbolizada) vai se impondo na teia de co-nexões. O número superando o indivíduo,a estratégia superando o tamanho, a velo-cidade (também absorvidas einstrumentalizadas). Na espiral evolutivachegamos a nos colocar na posição do ou-tro, a sentir pelo outro. Percebemos que istoacontece aos 4 ou 5 anos de idade e que nospermite sermos mais ladinos do que qual-quer outra espécie.E assim, premeditar, pre-ver, tornar-nos socialmente mais competen-tes e isto conta na luta. O cérebro passa aser mais importante que a força muscularsimbolizada.

Mentes aperfeiçoadas, relações so-ciais complexas são expressas pela lingua-gem (relembrar o passado, ponderar sobreo futuro, ensinar crianças, contar segredos,manipular multidões, etc) e esta solicita umsubstrato, um hospedeiro, a comunidade, acompanhia de semelhantes querendo com-partilhar informações por se beneficiaremdelas. A linguagem independe da voz. É umainevitabilidade do homo sapiens. Por enquan-to é impossível determinar exatamentequando a linguagem começa a evoluir e aabrir a porta do sucesso para a espécie nahierarquia zoológica. Porém, toda lingua-gem depende de regras determinadas e cadauma das 6.300 línguas do planeta as tem, asintaxe. Esta não é simplesmente o conjun-to de regras que se aprende na gramáticadas séries iniciais mas são as restrições quenos são fornecidas em virtude de termos

um mesmo modelo de cérebro. E não sãosomente as restrições mas a capacidade deorganizar hierarquicamente as informaçõesque nos permitem construir sentenças iné-ditas, construções criativas que nunca fo-ram apresentadas. Isto nos faculta contar,montar uma história, fazer uma profecia,blefar, mentir ou transmitir a “verdade”. Osbem dotados no uso da linguagem foramsendo favorecidos, prosperaram. O desen-volvimento da linguagem tinha uma funçãoe está demonstrado que tem a ver mais comos laços sociais do que somente a transmis-são de tecnologias. Nisto as interações maispróximas foram favorecidas. O que a lin-guagem faz basicamente é manter a coesãodos grupos. Serve para inúmeras funções(favorecer trocas, capitalizar informaçõesprioritárias, selecionar os mais aptos e ou-tras ainda sob averiguação). A linguagem éa força que criou a civilização moderna. Diz:a que grupo pertencemos, como pertence-mos e quais os nossos limites. Desde osurgimento da cultura, a 50.000 anos muda-mos bem pouco biologicamente mas dras-ticamente em termos culturais.

Organizamos, classificamos o quenos cerca. Fazemos ciência onde expomosidéias que precisam ser respaldadas por evi-dencias que por sua vez devem ser exami-nadas pelos colegas e solicitam confirmaçãopor repetição e testes. Em um mundo demudanças aceleradas pelos processos cul-turais as exigências se exponencializam esomente através do trabalho coletivo arti-culado, o conhecimento pode seroperacionalizado ou ficamos utilizandotecnologias cognitivas anacrônicas. Podemosdizer que surgem conhecimentos transmi-tidos já de forma ”inconsciente”. Os conhe-cimentos, os problemas e suas soluções per-passam de forma tal que não temos tempode analisar em profundidade o que ocorre,como um filme que nos fornece a ilusão de

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27ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [movimento mas na verdade é composto poruma sucessão rápida de fotografias.

Dos problemas que se avolumam, oda violência 4 em nossa sociedade é um dosque nos chama a atenção. Sobre ele é quepodemos nos debruçar para procurar com-preender a parte do “filme”, do processosocial que se desenrola a nossa volta, com esem nossa participação, como se fosse umafoto recente. Uma tentativa de escapar dasamarras dogmáticas, dos grilhõesepistemológicos que devem ser conhecidosmas não reverenciados exageradamentepois obstáculos existem quase queintransponíveis se utilizarmos somente astécnicas convencionais como nos faz perce-ber o sociólogo José Cláudio Souza Alves daUFRJ 5 quando comenta sobre a ação dasmílícias. E os novos ares vem de diversospontos 6 pois o problema é percebido comocontundente e todas as abordagens devemser consideradas para que as respostasimplementadas que obtiverem sucesso se-jam replicadas. E com todos os conhecimen-tos disponíveis começamos a procurar no-vas “vacinas” de enfrentamento desta vio-lência disseminada e como e porquê estassoluções sobrevivem. Sem querer sobrepornenhum profissional especializado mas pro-curando entender por outros prismas mes-mo porque o jurídico tem sob seu pálio umaresponsabilidade que o contrato social (mes-mo sendo considerado uma mera“legitimação burguesa”, - mas as eleiçõesestão presentes - pois inexistente historica-mente) erigiu e grande parcela dos opera-dores que trabalham com esta estruturamental que ainda é utilizada e é necessáriapelo tempo que será gasto na substituiçãodas tecnologias de compreensão dos fenô-menos, das linguagens.

DEPARTAMENTO DEOPERAÇÕES DE FRONTEIRA:

UMA SOLUÇÃO DOINCONSCIENTE COLETIVO

Embora não tenhamos formaçãotécnica na área da Psicologia, da Psicanálisee de outras ciências que possam auxiliar, pelomenos lançar luzes, sobre os mecanismosdo inconsciente, tivemos durante um semes-tre, aulas que foram como relâmpagos paraclarear uma realidade regional. Como re-lâmpagos, pelo menos para quem minis-trou o curso 7, mas que iluminaram o sufici-ente para vermos os nortes, as justificativaspara a manutenção de um mito, de umautopia, contra todas as adversidades, con-tra as correntes de idéias e fatos que, embo-ra comprovadamente sem fundamento téc-nico tem se instituído, se propagado no país.O mito, a utopia que se tem mantido a vinteanos é o Departamento de Operações deFronteiras, a única policia unificada em todoo território nacional, não obstante os diver-sos esforços governamentais, descontínuos,que procuraram criar pelo menos aparen-temente, uma polícia unificada, ou seja, comum único comando e que, frente as resis-tências corporativas muda a intenção, aspalavras, substituindo as mesmas por ou-tras como “integração” ou “força conjunta”ou “força integrada”, conforme a época e cir-cunstâncias. E nenhuma destas é concreti-zada ao longo do tempo.

O Departamento foi criado comoG.O.F. (Grupo de Operações de Fronteira),em 28/05/87, dentro da estrutura da Secre-taria de Segurança Pública do estado deMato Grosso do Sul, através da Resoluçãonº 119/87 pelo então Secretário de Estado eSegurança Pública, Francisco Leal deQueiróz, subordinado de hierarquicamen-te ao Governador de Estado e não aos Co-mandos da Polícia Civil e Militar e tinha

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201028 ]como característica ímpar a atuação conjuntade policiais civis e militares, sob o comandode um único chefe, ou comandante. Umautopia para a época e também para os diasde hoje uma rematada loucura, pois que éconhecida a aversão quase que natural, ins-tintiva, existente entre policiais civis e mili-tares. Aversão, dissimulada nos quartéis,delegacias e onde atuam, mas incentivadadiscretamente pelos extratos superiores dahierarquia policial. Situações de difícil pes-quisa e comprovação para quem não per-tença ou tenha pertencido a tais estruturas.Para os observadores externos só restaacompanhar pela mídia os escândalos decorrupção e violência e privilégios envolven-do as instituições. A violência mais ligada aPolícia Militar 8 e a corrupção a Polícia Civil9 sem, contudo, ser exclusividade de qual-quer uma das duas e sem exclusão 10 damagistratura 11 no segundo quesito. Embo-ra seja da magistratura a melhor posturaapresentada para a população 12 através delinhas do presidente da Associação dosMagistrados Brasileiros (AMB).

Empregando os termos de CaterinaKoltai quanto a utopia e a um projetoutópico “Um mundo sem projetos é o mundoda depressão 13” e “No entanto, os humanos,desde que se constituíram em sociedade,nunca deixaram de sonhar com um mundode paz e harmonia onde todos vivessemreconciliados com todos e cada qual consigopróprio. Foi para isso que criaram utopias,que, ao se realizarem, freqüentemente demodo totalitário, só fizeram aumentar o mal-estar” 14. Embora tenhamos que concordare acompanhar a bússola epistemológica deque “é impossível conduzir os homens emdireção à felicidade da vida coletiva 15, nãopodemos nos furtar a auxiliar na construção,pela pesquisa, pela divulgação, e esperançade reprodução, da utopia dofiana, daunificação. É uma idéia. O líder (de policiais

civis e militares, de parte da população) agoracontinua apenas como mito e não comochefia concreta, comandando seussubordinados. Em microescala, acontece oque já foi previsto para situações macro 16.

A utopia construída sobre o mitoAdib Massad é de que haja uma políciaunificada, eficiente, não violenta, qualificada,rápida, honesta, educada, gentil noatendimento, que pelo respeito dapopulação obtenha informações paracombater o crime organizado - ou não - semlançar mão da tortura ou da compra deinformações. A utopia é constituída da idéiade que é possível construir uma políciatécnica que se relacione bem com o PoderJudiciário, com o Ministério Público e comas polícias das Repúblicas vizinhas da Bolíviae Paraguai, através das vias diplomáticas ecom as unidades políticas de estado, comseus representantes, os vereadores,prefeitos, deputados, bem como todas asautoridades civis e militares, indistintamente,sem privilégios de raça, credo ou recursosfinanceiros. Uma polícia que cumpra a leisem infringi-la. Portanto, é uma “rematadaloucura” no dizer dos teóricos. Como utopiaencontra adeptos. Mas o DOF, com suaexistência, demonstra ser uma utopia viável,pelo menos em parte.

Esta construção utópica só foipossível ser constituída e gradativamentesedimentada porque está gravado noimaginário popular, exageradamente, noinconsciente coletivo de que inicialmente oGOF através de seus policiais inibia comgrande eficácia a ação dos criminosos.Acreditamos que é esta vontade de eliminaro crime, (até por meios não convencionais,não legais) que se esconde atrás do apoiodado a vinte anos ao Departamento. É umavontade, uma intenção difícil de serdetectada mesmo porque dificilmenteverbalizada. Neste sentido a reportagem

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29ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [especial com Renato Janine Ribeiro 17 trouxemuitas luzes a um inconsciente coletivo, ecomo visto, não tão inconsciente, emdecorrência do debate acirrado queprovocou mas no sentido de negação, derecolocar novamente o monstro de volta aoburaco do qual escapara.

No estado de Mato Grosso do Sul, omonstro está a solta. É um monstromitológico, que não chega a ser um leviatãhobbeseniano, já que é constituído por umainstituição estatal onde tem em sua origemos impostos dos contribuintes e o apoio dasociedade organizada através da ONGSALVE (Sociedade dos Amigos daLiberdade, da Vigilância e da Esperança), queauxilia através de uma parceria de terceirosetor o erário público representado pelaSecretaria de Segurança Pública. Não chegaa ser uma milícia 18, pois que as formas deatuação e captação de recursos erepresentação são distintas mas apresentamo mesmo objetivo, pelo menos a principal:segurança. O monstro utópico torna-se dia-a-dia mais mitológico, pois que tambémapresenta uma das características de outroser lendário: a fênix que renasce das cinzas.

Por três vezes a instituição estevepara ser dissolvida pelo governo do estado(em 1991, 1994 e 1999). Mas contudo, com oapoio da sociedade (que inclusive elegeuAdib Massad como vereador do Municípiosede do Departamento em Dourados, comvotos suficientes para Deputado Estadual)o fim desejado pelo governo petista,representado na esfera municipal por LaerteTetila e no governo do Estado por JoséOrcírio Miranda dos Santos não ocorreu.Quem chega ao poder política aprende amanusear os mecanismos de controle.

Está no imaginário popular que oshomens que compõem o Departamentorealmente afugentavam a criminalidade.Mito ou não o fato é que o Comando

Vermelho (CV), Primeiro Comando daCapital (PCC) e outras siglas criminosas temvida restrita aos muros dos presídios doEstado e nenhuma atuação nas ruas. A únicatentativa de ação em Dourados resultou namorte de cinco integrantes do PCC nasavenidas da cidade e num capão de matopróximo ao município de Ponta Porã, emconfronto ocorrido em inicio da década de2000. E é esta atuação (que vez ou outra sefaz visível) que fortalece a imaginaçãoagigantada nas festividades patrocinadaspelos representantes do agro negócio noscinqüenta e três municípios em que oDepartamento atua. Ora, se até umrepresentante de renome internacional sedeixa trair por atitudes inconvenientes paraquem exerce um papel de preponderantevisibilidade na comunidade nacional 19, oque esperar de uma comunidadepredominantemente agrária em sua origem,com valores ainda fixados no período dacolonização portuguesa, e embora comestruturas judiciárias bem demarcadas eíndices de escolaridade ainda em ascensãosenão a lei de talião? É o “olho por olho,dente por dente” que satisfaz a sede de“justiça” de uma população que não tempaciência para com uma intervenção estatalque não é certa e acha ridícula 20 a situaçãoem que se encontram as forças policiais dosestados do sudeste do Brasil. Inúmeros sãoos trabalhos, pesquisas e citações quepoderíamos levantar para discutir o tema,mas por contingência devemos limitar asescolhas. Bauman, para elucidar:

A sociedade insegura da sobre-vivênciade sua ordem desenvolve a mentalidadede uma fortaleza sitiada 21...Durante osúltimos vinte e cinco anos, a populaçãode encarcerados e de todos os que obtêma sua subsistência da indústria carcerária- a policia, os advogados, os fornecedores

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201030 ]de equipamento carcerários - temcrescido constantemente. 22.

Neste contexto de insegurançageneralizada a felicidade cada vez mais éutópica e para ser alcançada, pelo menosparcialmente, também utópicos são seuscaminhos 23. Mas, “temos que pensar pornós mesmos, em vez de aceitar a tradição” 24

e esta no que diz respeito a unificação,declara que é impossível de ser concretizada.Sartre é citado com freqüência por afirmarque o inferno são os outros. Podemos dizerque o inferno são os criminosos que semultiplicam, que nascem e crescem nasfavelas (que também estão crescendo em

população e área), fazendo malabarismosnos sinais, que dormem sob viadutos e nosespreitam em todos os lugares. Quem irános salvar? É preciso construir utopias queresguardem nossa sanidade, ou alimentarnossa ilusão de que alguém nos protege, deque alguém “vingará” nosso João Hélio, (logoesquecido, misturado as outras milhares decruzes da guerra urbana) de que esta nãofoi mais uma morte vã. Sem esse projetoutópico de segurança como poderemos“viver além do conforto e segurança de umdivã de psicanalista?” Essa fantasia legal,patrocinada pelo estado, representa bemmais que um simples mito 26. Mas isto étema para outro momento.

NOTAS

1 Inúmeras outras alterações importantes poderiam ser apontadas, como a possibilidadede instituir meios eletrônicos para a prática de atos processuais, que substituirá em breve aburocracia dos papéis e carimbos, e a citação por hora certa, medida para evitar que aocultação proposital do acusado atrase o andamento do processo. (BASTOS, Márcio Thomaze BOTTINI, Pierpaolo Cruz. In Justiça que não tarda. Folha de São Paulo. 29/08/08 p. A3).2 O animal está em nós, e foi antes de nós, de nosso espírito. Sabia disso um homem terrível.São Paulo, na Epístola dos coríntios: “Não foi o corpo espiritual que se formou primeiro;mas o corpo animal, e o espiritual depois.” Sempre é boa norma começar-se pelas coisasprimeiras. Sempre é bom, em vez de estarmos a apontar em deuses os animais que estãoem nós, observar esses IN VIVO, e conhecê-los para explicando-os, sabermos o que emnós não os é. (MIRANDA, Pontes de. Garra, mão e dedo. Campinas: Bookseller. 2º ed. 2005.)3 O ser humano, ao nascer, já se encontra em sociedade. Inicialmente, por ser animal combaixa definição prévia depende desse meio para adquirir alimento e sua bagagem inicial deinformações de conhecimento. A aquisição da linguagem será um processo demorado edefinidor de toda sua mundividência futura. Não lida com ocorrências e se autoconstituicomo um conjunto de fatos, isto é, descrições lingüísticas de ocorrência. A consciência de si,do outro e do mundo - repousará sobre os limites de sua linguagem. E essa linguagem nãoé apenas um dado como suporão o funcional– estruturalistas, mas um construído. Encontraro contexto lingüístico pronto não significa apropriar-se, de imediato de sua totalidade,porém, progressivamente apoderar-se de parcelas desse contexto e construir, tambémnum demorado e longo processo, os eixos semânticos que darão unidade interpretativa ede ação sobre os demais interlocutores (PUGLIESI, Márcio. In Dinâmica transdisciplinar. II

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31ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [– Da Antiguidade para além da Pós-Modernidade: introdução à hermenêutica do sujeito.Apostila 02. Programa de Pós-Graduação em Direito. São Paulo. PUC. p.08). .4 “A violência, por sua vez, expressa uma destruição da regulação do conflito, da pactuaçãodas normas como os conflitos vêm sendo”pacificados” pelas instituições e relações de valoresde negociação, perdão, reparação, acomodação e pela mediação da justiça e das leis.”(FALEIROS, Vicente de Paula. A violência contra a Pessoa Idosa: Ocorrência, Vítimas eAgressores. Brasília: Universa.2007. p.29).5 Indagado sobre a falta de provas, disse “Faço analogia, estou depreendendo uma lógicahistórica, geopolítica. Não tem trabalho de campo porque criminoso não faz ata.”WERNECK, Felipe. Execução sumária firmou-se como parte da política de segurança. OEstado de São Paulo. 31/8/08 p. C7.6 “O Judiciário brasileiro vive dias de glórias. Desce do Olímpio para habitar o mundo dosmortais. Até parece que pediu licença às divindades para passar um tempo,um tempinhoconversando ao pé do ouvido com os terráqueos, Joões, Marias e Josés que perambulampelas ruas, engrossam as filas de ambulatórios e acorrem aos corredores das repartiçõespúblicas. E o conversa, podem ter certeza, é recheada de boas notícias... A diretriz queparece inspirar o ativismo judicial dos altos magistrados é a da aproximação entre povo ejustiça. Essa meta é uma promessa até hoje não cumprida pela democracia, conforme noslembra o filósofo Norberto Bobbio. (TORQUATO, Gaudêncio. O Judiciário desce do Olimpo.O Estado de São Paulo. 31/8/08 . p. A2)7 Profª. Dra. Caterina Koltai. Professora de Programa de Ciências Sociais da PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo. Disciplina “O Inconsciente e Suas Soluções Sociais”.Primeiro Semestre de 2007.8 “Polícia do Rio mata 41 Civis para cada policial morto. Proporção registrada na gestão Cabralé quatro vezes maior que a média internacional”. Folha de São Paulo. 16/7/2007. p. C 1.9 “Corrupção na Polícia. Escuta põe sob suspeita cúpula da Polícia Civil. Grampos da PFrevelam esquema de propina de bingos”. O Estado de São Paulo, 22/06/2007. p. C5.10 “Juíza da Têmis é investigada por decisões sobre “títulos podres”. Empresas conseguiramdecisões sustando cobrança de impostos não pagos ao fisco e de contribuições não recolhidasao INSS. Maria Cristina Barongeno pediu processo da Friboi, que tem seu pai como um deseus advogados”. Folha de São Paulo. 24/06/2007, p. A 2.11 “Juíza suspeita de ajudar facção é afastada. Ida Inês Del Cid foi flagrada em conversastelefônicas com acusado de participar de esquema de lavagem de dinheiro dos criminosos”.Folha de São Paulo, 22/06/2007, p. C 13.12 Rodrigo Collaço. O Judiciário fará a sua parte. “Devido ao elevado número de membrosque integram o Judiciário, seria ingenuidade imaginar que o Poder fosse ficar imune acorrupção, especialmente num país como o Brasil, cuja tradição patrimonialista e confusãoentre o público e o privado são temas recorrentes de sua história. Não há nenhumacorporação que possa se dizer o salvo de eventuais desvios cometidos por seus integrantes”.Folha de São Paulo. 20/05/07. p. A3.

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201032 ]13 KOLTAI, Caterina. Ciências Sociais na Atualidade. Realidades e Imaginários. EditoraPaulus. São Paulo, 2007, p. 23.14 Idem, p. 23.15 Ibidem.16 “Freud previu que o líder, indispensável à manutenção da massa, poderia vir a ser substituida por uma idéia”. CaterinaKoltai. Op. cit. p. 25.17 Renato Janine Ribeiro. Comentando a morte violenta do garoto João Hélio no Rio deJaneiro. “ Se não defendo a pena de morte contra os assassinos, é apenas porque acho queé pouco. Não paro de pensar que deveriam ter uma morte hedionda, como que infligiramao pobre menino. Imagino suplícios medievais, aqueles cuja arte consistia em prolongar aomáximo o sofrimento, em retardar a morte. Não temos pena de morte, na lei. A Constituiçãoproíbe, mas provavelmente executamos mais gente que o Texas, o Irã ou a China. E: o quefazemos às escondidas. Quando penso que, desses infanticidas, os próprios colegas deprisão se livrarão, confesso sentir um consolo”. Folha de São Paulo, 18/02/2007.18 “PM investiga apoio a milícias. Moradores de favelas invadidas por milicianos dizem queaté carro blindado foi utilizado”. O Estado de São Paulo. 6/21/2007. p. C6.19 “O Sobel que cometeu aquele ato não é o que vocês conhecem”. Rabino disse que não sereconhece “nesse homem” e que é difícil “explicar o inexplicável”. Sobre o furto de cincogravatas das marcas Louis Vuitton, Giorgio Armani, Giorgio’s e Gucci em Paim Beach,Flórida. EUA. O Estado de São Paulo. 1/04/2007. p. C10.20 “Trio assalta dois policiais do GOE. Investigadores estavam em um bar no Jardim Miriam,na Zona Sul da Capital, onde ocorreu a ação criminosa. Ladrões levaram três pistolas efugiram do local”. Diário de São Paulo. 19/5/2007.21 Zygmunt Bauman. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Jorge Zahar, editor. Rio de Janeiro /RJ, 1998.Pág. 5222 Idem. Pág. 49.23 Sérgio Paulo Rouanet. “A felicidade é virtualmente impossível, mas temos que agir comose ela pudesse ser alcançada”. In: Mal-estar na Modernidade. Editora Companhia das Letras.20a ed. São Paulo. 2003. p. 117.24 Idem. p. 102.25 Betty B. Fuks. Freud & a Cultura. “Fantasia e mitos são formas de expressão permanentesdo desejo em sua articulação como a lei”. Jorge Zahar, editor. Rio de Janeiro, 2003. p. 25.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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33ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [BAUMAN, Zygmunt. O Mal-estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1998.

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Page 36: Revista Arandu # 50

COLISÃO DOS DIREITOSFUNDAMENTAIS E A

PONDERAÇÃO DE VALORES

RESUMOO estudo aqui proposto tem como ponto de análise a questão da colisão dos Direitos

fundamentais, visto que é cediço não haver hierarquia entre os princípios e pelo fato doordenamento jurídico, e tanto mais a ordem constitucional, repelir antinomias entre asnormas e consequentemente entre os princípios. Os direitos fundamentais por agasalharemo grande mote do constitucionalismo anterior e o contemporâneo, e, ainda mais em umEstado Democrático de Direito, devem ser observados pelo Poder Executivo de formainconteste. No entanto, muitas vezes tais direitos se chocam ou parecerem se chocaremquanto a determinadas relações jurídicas ou interesse subjetivos, cabendo então ao poderjudiciário, resolver a colisão estabelecida entre esses direitos, o qual fará o equacionamentoconforme os expedientes hermenêuticos necessários e apropriados quanto a tais direitoshaja vista o grau de igualdade entre os mesmos. A maneira prática será a aplicação daconcordância prática, onde cada um dos interessados concederá parte do seu direito aooutro de maneira a preservar partes dos direitos atingidos a todos os envolvidos e emtermos teóricos a aplicação do princípio da proporcionalidade onde o intérprete sopesaráas conseqüências.

Palavras chave: Princípios Constitucionais. Regras Constitucionais. DireitosFundamentais. Colisão de Princípios.

ABSTRACTThe study proposed here has as its analysis the question of the collision of

fundamental rights, since it is musty no hierarchy among the principles and because thelegal system, and especially the constitutional order, repel contradictions between thestandards and consequently between the principles. The fundamental rights to wrap the bigtheme of previous and contemporary constitutionalism, and even more so in a democraticstate of law must be observed by the Executive Branch so unchallenged. However, theserights often clash or seem to clash on certain legal relationship or interest subjective fittingthen to the judiciary, established to resolve the collision between these rights, which willmake the equation as the hermeneutic expedients necessary and appropriate as such rights

Marta Moreira Luna*

* Mestre em Direito pela UNIMES; especialista em Direito Empresarial e Estudos dos ProblemasBrasileiros pela Universidade Mackenzie e pós-graduada em Direito Constitucional pela UniversidadeEstácio de Sá/RJ. Advogada e professora universitária. Reside em Campo Grande (MS).

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35ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [

INTRODUÇÃO

Os direitos fundamentais têm comomarco principal a Declaração Universal dosDireitos do Homem e do Cidadão de 1.789,em decorrência da Revolução Francesa, aqual expressou que se considera sem Cons-tituição a sociedade que não assegurar osdireitos fundamentais de seus cidadãos e atripartição dos poderes – art. 16.

Como se sabe, toda a evolução dosdireitos fundamentais está atrelada à preo-cupação do ser humano em afastar o go-verno dos homens para estabelecer o go-verno da lei, a qual se observou ao longo dahistória e desenvolvimento do homem, essavia de seu caráter geral e impessoal, ou comofilosoficamente foi definida, como isenta depaixões.

Sendo então os direitos fundamen-tais, como o nome mesmo expressa, os di-reitos que o ser humano tem e deve ter pre-servado incondicionalmente.

No entanto, em algumas situações erelações interpessoais e com reflexos dasmesmas no mundo ou no campo jurídico,tais direitos podem se chocar, ou melhor, secolidirem em relação aos indivíduos aosquais são destinados.

Restando, assim, a problemáticapara o aplicador da lei, ou seja, para o ope-rador do direito, sobre qual direito funda-mental a preservar, visto que todos eles go-zam de igualdade efetiva, sendo esse o ob-jetivo desse estudo, vale dizer, verificar no

ordenamento jurídico pátrio, como as no-vas normas hermenêuticas vêm estabele-cendo o equacionamento de tal problema.

Valendo-se do método bibliográficoexploratório, esse estudo será desenvolvi-do de maneira a apresentar, primeiramen-te, ainda que de forma sucinta, a evoluçãodos direitos fundamentais, em seguida de-senvolverá breves apontamentos sobre adualidade entre regras e princípios de direi-tos fundamentais e a questão da colisão dedireitos fundamentais, para ao final, chegarao melhor equacionamento quando da co-lisão dos direitos fundamentais.

1. EVOLUÇAO DOS DIREITOSFUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são traça-dos por uma trajetória histórico-filosóficaque guarda relação direta com a evoluçãodo Estado, visto versarem em uma buscaconstante do ser humano, em relação aque-les direitos que lhe é inerente enquanto es-pécie humana, e os direitos estabelecidospelo poder político.

Sendo assim, estabelecidos em ge-rações de direito fundamentais, e mais pre-cisamente, compondo três gerações, sen-do a primeira em busca da liberdade, ou aschamadas liberdades públicas, retratandoa libertação do homem do jugo que o Es-tado Absoluto lhe impunha, a segunda ge-ração como conseqüência e até mesmopara assegurar a liberdade até então con-

considering the degree of equality between them. The practical way is the application ofpractical agreement, where each party will grant part of his right to another so as to preservethe rights shares hit all those involved in theory and application of the principle ofproportionality where the interpreter weigh the consequences .

Keywords: Constitutional Principles. Constitutional rules. Fundamental Rights.Collision of Principles

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201036 ]quistada, consignando o estabelecimentodos direitos sociais com o surgimento doEstado Social.

E a terceira geração, que está em cur-so, em que passadas aquelas conquistas e aconsagração daqueles direitos, o homembusca o meio e ambiente próprio para oexercício de tais direitos, não mais individu-almente, mas sim, de forma coletiva e vol-tado para as gerações futuras, o que se dáem um Estado Democrático de Direito.

A designação desses direitos em ge-rações e em decorrência de uma evoluçãohistórico-filosófica denota-se um processolongo de conquistas, os quais muitas vezesse originaram em um período da história,mas só se estabelecendo em outra, como severá, e como ensina Ferreira Filho1 :

As três gerações, como o próprio termogerações indica, são os grandesmomentos de conscientização em quese reconhecem “famílias” de direitos.Estes têm assim características jurídicascomuns e peculiares. Ressalve-se, noentanto, que, no concernente ä estrutura,há direitos que, embora reconhecidosnum momento histórico posterior, têma que é típica de direitos de outra geração.Mas isso é um fenômeno excepcional.

De fato, os direitos de primeira ge-ração que postularam pela liberdade do in-divíduo, haja vista o jugo que o Estado Ab-soluto impunha ao homem, foi consagradona França, em 1.789, com a Revolução Fran-cesa, em decorrência dos ideais iluministasde Jean-Jacques Rousseau.Porém tais aspi-rações foram antecedidas nos Estados Uni-dos da América do Norte, com algumaslegislações e determinações sobre os direi-tos das colônias e colonizadores e aDeclaration of Rights do Estado de Virgínia,de 1776, decorrentes dos ideais de JohnLocke, se consagrando com a Constituição

da Federação de 1787.Passando assim, o poder político de

um poder absoluto para um Estado de Di-reito, surgindo o imperío da lei, e a idéia deabstençao do Estado na vida do indvíduo,ou seja, estabelecendo-se a intervençao mí-nima.

Conquistada essa liberdade, mas emdecorrência de aspectos econômicos-políti-cos, com a expansáo do comércio e fatorescomo a revolução industrial e o poderio eco-nômico nas maos de poucos, acentuaramas desigualdades sociais.

No entanto, o povo por conhecermais seus direitos que propiciaram a garan-tia de sua liberdade passaram a exigir, pormeio de movimentos grevistas em algunssetores do trabalho, a intervençao do Esta-do, para minimizar aquelas desigualdades,para que de fato a liberdade ali conquistadapudesse efetivamente ser exercida, visto quea exploraçáo econômica tolhia o exercíciodaquele direito, haja vista, as jornadas detrabalho excessivas contra salários irrisóri-os, exploraçao da máo de obra feminina edo menor etc..

Estabelecendo-se então os direitossociais em documentos jurídicos específicose mais precisamente nos textos cons-titucionais, sendo eles, salário mínimo, jor-nada de trabalho mínima, controle do tra-balho da mulher e do menor, moradia, saú-de etc...

Como bem explica Ferreira Filho,tais direitos deixam a ordem dos direitosnaturais sendo direitos eminentemente so-ciais, porém, tendo sidos assegurados nasConstituiçõees dos Estados, e por assegu-rarem o meios de subsistência do individuo,foram agragados e chamados direito fun-damentais de segunda geraçao naDeclaraçao Universal dos Direitos do Ho-mem de 1948, veja-se:

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37ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [Mas toda essa evoluçao encontroucoroamento na Declaraçao Universal dosDireitos do Homem, promulgada pelaAssembleia Geral da Organizaçao dasNaçóes Unidas, em 10 de dezembro de1.948. Esta é uma síntese em que lao alado se inscrevem os direitosfundamentais, ditos da primeira geraçao— as liberdades —, e os da segundageraçao — os direitos sociais.2

Como explicitado antes, a evoluçaodos direitos fundamentais, guardam estri-ta relação com o Estado, o que se deu pelapassagem do Estado absoluto para o deDireito igualmente chamado de liberal ouabstencionista, e após, Estado Social, masprecisamente neste denota-se que o ho-mem enquanto cidadáo, náo pariticipa dasdecisóes do Estado, tal qual idealizado eprevisto pelos ideais iluministas econtratualistas como Locke, Rousseau eMontesquieu, haja vista que os direitossociais foram estabelecidos em regimes fas-cistas, ou seja, ditatoriais.

Surgindo então o Estado demo-crático de direito, no qual, os homens parti-cipam das decisões via o sufrágio universal,estabelecendo-se os direitos chamados desolidariedade, os quais encontram relevân-cia material e formal, visto que fundados nadignidade da pessoa humana, não estandomais o homem preocupado táo somentecom a liberdade e os demais direitos sociais,vez que já alcançados, mas sim, passa-se apostular pelo direitos inerentes a coletivi-dade e ainda äs geraçoes futuras em realconsagraçao da espécie.

Tais direitos ainda que do mesmomodo aos sociais, vêm complementar osdireitos de liberdade, consitutindo-se emdireitos fundamnetais visto que asseguramao ser humano ma vida digna e respeito atodos enquanto homem, já que se referem

a paz, ao pleno desenvolvimento, aautodeterminaçao dos povos, aopatrimônio comum da humanidade, aomeio ambiente etc.

Ressalta-se que os direitos funda-mentais sejam de que geração for, podemcolidir, visto que inúmeras relações pode-rão por em choque tais direitos,ou os mes-mos podem colidir facilmente entre si, comoexemplifica Fereira Filho, como é o caso dodireito a paz e o da autodetermnaçaodospovos3 .

Os direitos fundamentais, portanto,positivados na ordem constitucional comoé o caso do ordenamento jurídico brasileirosão os direitos inerentes ao homem, reco-nhecidos como tal pelo ordem estatal, sen-do inaliáveis, daí o necessário cuidadohermenêutico quando da colisáo entre taisdireitos.

2. DUALIDADE ENTRE REGRASE PRINCÍPIOS DE DIREITOS

FUNDAMENTAIS E A QUESTÃODA COLISÃO DESSES DIREITOS

Como é cediço, dada a sua origem eevolução, os direitos fundamentais guardamcarga valorativa, e devido sua positividadeconstitucional, são normas jurídicasdesmembradas em normas-regra e normas-princípios.

No tocante a distinção entre regras eprincípios, no que se refere aos direitos fun-damentais, ensina Alexy, que essa distinçãoé que proporcionará situar todas as ques-tões referentes aos direitos fundamentaisseja para solução dos problemas dadogmática ou mesmo para os problemasda colisão dos direitos fundamentais4 .

Para depois afirmar que as normas-regras ficam no campo da validade, enquan-to as normas-princípios têm forçaotimizadora devendo ser realizados em

Page 40: Revista Arandu # 50

ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201038 ]maior medida, sendo qualitativo, quer di-zer a norma-regra se válida deverá ser apli-cada, cumprida, já o princípio não, dado oseu caráter axiológico, pois quando da ocor-rência de colisão entre eles, poderá ser par-cialmente aplicado ou não, uns em relação aoutros, nem por isso tirando-lhe a validade,como ocorre entre as normas-regras, quena eventualidade de uma conflitar ou con-tradizer a outra, uma das duas deverá serafastada5 .

Sendo assim, de fundamental impor-tância, por parte do aplicador do direito, osopesamento dos valores dos direitos e ouprincípios fundamentais em conflito, optan-do-se pela harmonização de ambos, atra-vés da aplicação do chamado princípio daconcordância prática, por meio do qual seevitará o sacrifício ou supressão de um di-reito fundamental em prol de outro, massim, se estabelecerá limites e condicionantesrecíprocos, como ensina Canotilho6 .

De outro modo, na eventualidade daimpossibilidade de aplicação do princípio daconcordância prática, resta ao intérprete, aaplicação do princípio da proporcionalidadeou razoabilidade, onde, do mesmo modo,sopesará os valores dos direitos fundamen-tais conflitantes, aplicando-lhes, na medidados valores e critérios de justiça, bom sen-

so, equidade e moderação, no intuito deminimizar ou mesmo evitar qualquerprevalência ou supressão de direitos funda-mentais, em razão da igualdade, jurídica,material e axiológica entres os mesmos.

CONCLUSÃO

Tem-se, pois, que os direitos huma-nos, em razão de sua carga valorativa, e ori-gem naturalista, e pela sua longa e sofridabusca de consagração, galgaram o patamarjurídico-político de direitos fundamentais.

Previstos e resguardados nos textosconstitucionais, e por atingir o homem, emsua essência e natureza humana, são princí-pios distintos, porém, colidentes, haja vistaas relações e interesses jurídicos aos quaisse reportam.

E por isso mesmo, equiparam-se emgrau e gênero dificultando qualquer análisehermenêutica ou aplicação interpretativa nosentido, de excludentes ou hierarquia entreos mesmos.

Restando, pois, ao aplicador e intér-prete, em caso de conflito entre os direitosfundamentais, pensá-los e aplicá-los demaneira harmoniosa com o fito de preservá-los e nunca excluí-los, ainda, ou mais ainda,quando o conflito se der entre os mesmos.

NOTAS

1 Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9. ed. rev. SãoPaulo:Saraiva, 2007. p. 6.2 Idem p. 533 Ibidem p. 664 Alexy, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da Silva. 5ª. ed. SãoPaulo: Malheiros Editores Ltda, 2008 p. 855 Ibidem p. 83-87

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39ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [6 Canotilho apud Lenza, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 12. ed. rev. , atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 73-74.

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A CRIAÇÃO DO ESTADODE MATO GROSSO DO SUL

NOS MEANDROS DO PODERDA DITADURA MILITAR

Carlos Magno Mieres Amarilha*

* Professor de História Regional II da UEMS, Amambaí. 2010; este artigo é uma adaptação de umaparte do capítulo 4 [pp. 138-176] de AMARILHA, C. M. M. Os intelectuais e o poder: história,divisionismo e identidade em Mato Grosso do Sul. Dissertação (Mestrado) Dourados: UFGD, 2006.[p. 255].

RESUMOA instituição do Estado de Mato Grosso do Sul no contexto da ditadura militar e as

manobras políticas da ARENA (Aliança Renovadora Nacional) para manter-se no poderpor meio de decretos, com a intenção de desarticular a oposição representada pelo MDB(Movimento Democrático Brasileiro). Faço uma ponderação do nome inicialmente dadoao novo Estado criado pelos militares de Campo Grande e a troca do nome por MatoGrosso do Sul. Ressalto a importância de entender a criação do estado de Mato Grosso doSul no contexto do governo de Ernesto Geisel, pois tudo indica que foi uma articulaçãopolítica dos militares (Lei Falcão, Pacote de Abril), para garantir a eleição do general JoãoBaptista Figueiredo e obter igualmente uma maior bancada no Congresso Nacional e noSenado Federal.

Palavras-chave: Poder. Mato Grosso do Sul. Estado de Campo Grande.

ABSTRACTThe institution of the State of Mato Grosso do Sul in the context of military dictatorship

and the political maneuvers of ARENA (National Renewal Alliance) to keep themselves inpower by decree, with the intent to disrupt the opposition represented by the MDB (BrazilianDemocratic Movement ). I make a trade name originally given to the new state created bythe military from Campo Grande and trading name of Mato Grosso do Sul emphasize theimportance of understanding the creation of the state of Mato Grosso do Sul in the contextof the government of Ernesto Geisel, for all indicates that it was a joint policy of the military(Law Hawk, April Package) to ensure the election of Gen. Joao Baptista Figueiredo, and alsoobtain most seats in Congress and the Senate.

Keywords: Power. Mato Grosso do Sul. State of Campo Grande.

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41ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [POR MEIO DO ATO

INSTITUCIONAL N.º 05:O GOVERNO MILITAR FECHA

O CONGRESSO DE O1 Á 14 DEABRIL DE 1977.

As eleições parlamentares de 1974marcaram um novo quadro político brasi-leiro. A ascensão do MDB (MovimentoDemocrático Brasileiro) partido de oposi-ção ao regime militar principalmente nasregiões sudeste e sul do país. A vitória doMDB nas eleições de 1974 possibilitou ele-ger 16 das 22 cadeiras senatoriais existente.A euforia do “milagre” econômico tinha aca-bado, sobrava a insatisfação popular. A ima-gem pública dos militares como “honestose competentes” começou a ser questionada.

A alta cúpula do governo militar es-tava preocupado com as eleições de 1978,principalmente para governador, as quais,segundo estipulava a “Constituição” em vi-gor, deveriam ser diretas. O partido do go-verno militar a ARENA (Aliança Renova-dora Nacional) articula-se com projetos demantença no poder.

O presidente Ernesto Geisel (1974-1978), inicia a discussão sobre “distensão len-ta e gradual”. A idéia era abrandar o regime,permitir a saída dos militares do poder “lentae gradual”. Exemplo, o último militar o ge-neral João Batista Figueiredo teve o seumandato ampliado para seis anos.

Em 24 de junho de 1976, o governomilitar promulgou a Lei Falcão, que impe-dia o debate político nos meios de comuni-cação, particularmente no rádio e na televi-são. Ainda como estratégia, prevendo umavitória da oposição nas eleições de 1978, opresidente Ernesto Geisel, no dia 1.° de abrilde 1977, decretou tanto o fechamento doCongresso, quanto, por meio do AI-5, umasérie de reformas constitucionais.

O governo militar institucionaliza o“Pacote de Abril”, que alterava as regras elei-torais, ou seja, as bancadas estaduais daCâmara não podiam ter mais do que 55deputados ou menos que seis. Com isso, osestados do Centro Oeste, Norte e do Nor-deste, menos populosos, porém mais con-trolados pela ARENA, garantiriam uma boarepresentação no Congresso e no Senado,para poder contrabalançar as bancadas doSul e Sudeste, onde a oposição era mais ex-pressiva, e o número de eleitores era muitosuperior.

Segundo Marly Motta, “uma das“novidades” do chamado “Pacote de Abril”foi a criação da eleição indireta para 1/3 dossenadores em cada Estado da federação,logo denominados pejorativamente debiônicos”. (MOTTA, 2006, p. 3). Motta ana-lisa que “durante os 14 dias em que o Con-gresso esteve fechado, foi baixado um con-junto de medidas voltadas principalmentepara garantir a preservação da maioria go-vernista no Legislativo, especialmente noSenado”. Conforme Motta o Pacote Abrilera Composto de 14 emendas e três artigosnovos, além de seis decretos-leis, entre ou-tras medidas:

• eleições indiretas para governador, comampliação do Colégio Eleitoral;• instituição de sublegendas, em númerode três, na eleição direta dos senadores,permitindo à Arena recompor as suasbases e aglutiná-las sob o mesmo teto;• ampliação das bancadas que represen-tavam os estados menos desenvolvidos,nos quais a Arena costumava obter bonsresultados eleitorais;• extensão às eleições estaduais e federaisda Lei Falcão, que restringia a propagandaeleitoral no rádio e na televisão e foracriada para garantir a vitória governistanas eleições municipais de 1976;• alteração do quorum - de 2/3 para

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201042 ]maioria simples - para a votação deemendas constitucionais pelo Congresso;• ampliação do mandato presidencial decinco para seis anos.(MOTTA, 2006, p. 3).

O fato de o país estar submetido auma ditadura facilitou os intentos estratégi-cos de Ernesto Geisel já que poderia pres-cindir de consultas populares sobre a acei-tação ou não da medida, o que teria sidoimpossível na época anterior, isto é, nopopulismo (1946-1964).

Segundo analises da historiadoraMarisa Bittar, tão logo assumiu a presidên-cia da República, o general Ernesto Geisel“sua primeira medida em respeito ao as-sunto foi a fusão Guanabara-Estado do Riode Janeiro, medida que se enquadrou per-feitamente no panorama geopolítico dese-nhado por Golbery” (BITTAR, 1997, p. 213).

O presidente Ernesto Geisel articu-lou a união do estado da Guanabara ao Riode Janeiro; a manobra foi para fortalecerno senado e no Congresso a bancada daARENA. Assim como exemplo dos seis se-nadores pertencentes aos Estados daGuanabara e do Rio de Janeiro com a fu-são para um único Estado o RJ ficou comtrês senadores; enquanto que com a cria-ção do Estado de Mato Grosso do Sulinstitucionaliza mais três senadores, comessa manobra somando-se os senadoresde Mato Grosso e de Mato Grosso do Sulsão seis senadores da ARENA.

Em 15 de outubro de 1978 o MDBapresentou seu candidato ao colégio eleito-ral, o general Euler Bentes, que recebeu 266votos, contra 355 votos do candidato dogoverno, João Baptista Figueiredo. ErnestoGeisel participou intensamente da campa-nha da ARENA, que elegeu 15 senadores e228 deputados federais contra 8 senadorese 196 deputados do MDB; é importante

observar que nas eleições legislativas de 15de novembro a ARENA, obteve em todo opaís 13,1 milhões de votos para o Senado e15 milhões para a Câmara; o MDB conse-guiu 17 milhões de votos para o Senado e14,8 milhões para a Câmara.

O governo garantiu a eleição de JoãoBaptista Figueiredo. As manobras golpistaspermitiram que a ARENA continuassem nocomando do Congresso e do Senado comampla maioria. Ernesto Geisel conseguiuque a “distensão” seguisse nos seus moldes,lenta, gradual e segura.

Sobre a ação da ditadura militar noestado de Mato Grosso, a historiadoraMarisa Bittar assinala que os dirigentesmandante no governo mato-grossense acei-tou o regime militar, por acreditar que ob-teria uma melhoria regional. Para MarisaBittar, “de fato, os governos militares pós-64estavam bem apetrechados de estudosgeopolíticos sobre o Centro-Oeste. A lógicado “progresso” e do “desenvolvimentismo”,como se observou, vinculada intimamenteao conceito de segurança nacional não des-cuidaria dos destinos de Mato Grosso”(BITTAR, 1997, p. 213, grifo do autor).

De acordo com Bittar os militaresusam como estratégia o discurso da segu-rança nacional para a ocupação dos “espa-ços vazios” das áreas desintegradas com pro-jeto de “vias de penetração”.

O regime autoritário instalado então,pelos objetivos a que se propôs, encaroua secular questão meridional de MatoGrosso. Segundo os ideólogos do regime,não poderia haver segurança nacionalsem um alto grau de desenvolvimentoeconômico, pois a segurança de um paísimpõe o desenvolvimento de recursosprodutivos, a industrialização e umaefetiva utilização dos recursos naturais,uma extensa rede de transportes ecomunicações para integrar o território.

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43ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [Um país subdesenvolvido, disse Golberydo Couto e Silva, é particularmentevulnerável à estratégia do “inimigocomunista”, por isso, a contra-ofensivadeveria consistir em promover umarápida arrancada do desenvolvimentoeconômico para obter o apoio dapopulação. Preocupava o regime,sobretudo, a vulnerabilidade dos amplosespaços vazios, as “vias de penetração”que deviam ser eficazmente“tamponadas”. (BITTAR, 1997, p. 224,GRIFO DO AUTOR).

Em 1977, o governo de Ernesto Geiseldecidiu criar um novo estado em MatoGrosso; “[...] dentro da lógica da ditadura,Geisel, simplesmente encarregou os minis-tros do Interior, Justiça e Planejamento deprovidenciarem o aparato legal estava tãoseguro de sua aprovação” (BITTAR, 1999, p.130). Assim, os órgãos responsáveis organi-zaram as medidas necessárias para a im-plantação do novo Estado Modelo.

Decidida nos altos escalões do Exércitoe na Presidência da República, o ministrodo Interior encarregou então aSuperintendência do Desenvolvimentodo Centro-Oeste (SUDECO) de efetivaras medidas para a divisão e o órgão, porsua vez, solicitou assessoria “a quatropessoas de expressão de CampoGrande”, Paulo Coelho Machado,Kerman Machado, Cândido Rondon eJosé Fragelli, que procederam aminucioso levantamento sobre asituação sócio-econômica de MatoGrosso, enfrentando, segundo PauloCoelho Machado, a resistência dogovernador José Garcia Neto que “nãodava qualquer informação”. Ainda deacordo com ele, esse trabalho que duroutrês meses, foi grande e realizadotambém em “sigilo absoluto”. Evidenteque todo esse “sigilo” só foi possível

naquelas circunstâncias do regimemilitar em que a liberdade de expressãoe organização estava impedida. Éimportante perceber, inclusive, que adivisão oriunda desse contexto, isto é,prescindindo da participação popular,completou a trajetória do “movimentodivisionista” como demanda que estevesempre vinculada às elites políticas eeconômicas do sul de Mato Grosso. Nemmesmo a Liga Sul-Mato-Grossensechegou a desempenhar funçãomobilizadora, especialmente após ogolpe militar e mesmo sob o governoGeisel a sua estratégia não consistiu emestimular ações populares, comomanifestações políticas, de rua etc. Ogrupo que auxiliou o governo federalconfiava na tática presidencial, tantoque só pensou em reativar a Liga em1977 (BITTAR, 1997, p. 230).

Os estudos sócio-econômicos levan-tados pelos Ministérios e pelo grupo sigilo-so mato-grossense duraram cerca de trêsmeses. Conforme as fontes levantadas porMarisa Bittar, em entrevista a Revista Plus,Paulo Coelho Machado, conta como acon-teceram os bastidores da divisão, convideialguns companheiros à minha casa e pro-pus a reativação da Liga Sul-Mato-Grossense,que tinha sido desativada em 1934, parareiniciar a luta pela divisão, com os mesmosobjetivos e o mesmo estatuto, apenas atu-alizado” (MACHADO, apud, BITTAR, 1997,p. 231, grifo do autor). Segundo Paulo Coe-lho Machado, reativada a Liga Sul-Mato-Grossense, “[...] então começamos a fazerum trabalho subterrâneo para que saísse adivisão. Montamos a estratégia. Provoca-mos os cuiabanos para que eles reagissem”(MACHADO, apud, BITTAR, 1997, p. 231)

Lélia Rita E. de Figueiredo Ribeiroregistra a reativação da liga Sul-Mato-Grossense,

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Em março de 1977, reuniu-se naresidência de Paulo Machado, grandenúmero de militantes divisionistas epelo consenso geral foi reestruturada aorganização da Liga Sul-Mato-grossense[...]. Representando a maioria exigidapelos estatutos elegemos seguintesassociados para composição do DiretórioCentral: Afonso Simões Corrêa, AbílioLeite de Barros, Eduardo MachadoMetelo, Flávio de Andrade, RenatoRibeiro, Elizabete G. Lorentz deFigueiredo, Paulo Coelho Machado, JoséFragelli, Kerman Machado, AntonioLopes Lins, Nelson Benedito Neto,Cândido C. Rondon, Eduardo ContarFilho, Cláudio Fragelli, Nelly Bacha, LéliaRita de Figueiredo Ribeiro, Haroldo S.Ribeiro, Eloy Pereira, DemósthenesMarfins, Gen. César B. Araújo, e noDiretório Ala Jovem José AntonioPalhano, Eduardo Olímpio MachadoNeto e Alexandre G. Lorentz deFigueiredo. Nada mais tendo a tratar foilavrada a presente ata que, eu secretáriaassino com o presidente da mesa edemais associados [...] Campo Grande,25 de março de 1977. (RIBEIRO, 1993, p.469-471).

A Liga Sul-Mato-Grosense em 1977deliberou atormentar e incitar os cuiabanosnos bastidores, para que os mesmos pu-dessem rebater as críticas sobre a divisão,

No caso da divisão de Mato Grosso foi oque se deu. Todo o processo foiencaminhado pelos assessores maispróximos de Geisel, cabendo à Liga Sul-Mato-Grossense, recém reativada,montar a estratégia que consistia em“provocar os cuiabanos para que elesreagissem”, criando, assim, falsos “atritos”para “acelerar o processo”. (BITTAR, 1997,p. 231, grifo do autor).

Conforme pondera Marisa Bittarpequenas querelas e manifestações ocor-ridas em Cuiabá depois de noticiadaseram enviadas a Ernesto Geisel, pela LigaSul-Mato-Grossense que se empenhounas manobras e nos arranjos políticos se-cretos e obscuros, apoiados pela ditaduramilitar, para criar o novo Estado de Cam-po Grande.

Conforme analise da historiadoraMarisa Bittar a criação do estado de MatoGrosso do Sul, foi uma determinação pes-soal do presidente general Ernesto Geisel,que determinou criar um novo estado nafederação, não precisando dar satisfação, jáque as elites mandantes de Mato Grossoapoiavam o governo militar

Deste modo, sendo uma decisão to-mada de cima para baixo, igualmente trou-xe uma gafe, o nome inicialmente lançadopelo governo federal do futuro estado dafederação chamava-se: Estado de CampoGrande.

Como foi fruto de um ato da ditadura,portanto, não precedida de um processopopular, veio acompanhada de algunsabsurdos, entre os quais, o próprio nome,da nova unidade: estado de CampoGrande! Provavelmente, a gafe, dogoverno federal fosse decorrente dodesejo de agradar ao grupo campo-grandense engajado na Liga,prestigiando a cidade. A correção nãotardou. É que, logo fora anunciado, onome foi contestado em algumas regiõesdo sul como um privilégio exacerbadode Campo Grande, já que os demaismunicípios que comporiam o novo estadonão se sentiam representados. (BITTAR,1999, p. 134, grifo meu).

Em 03 de maio de 1977, o presidenteErnesto Geisel, logo após o “pacote de abril”,

Page 47: Revista Arandu # 50

45ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [em nome da Segurança Nacional, cria pormeio de Lei o “Estado de Campo Grande” eapresenta oficialmente uma nova unidadeda federação, sendo a sua capital, a cidadede Campo Grande.

Por parte dos “moradores” do novoEstado de Campo Grande, há uma reação aonome (e não pela divisão ou criação), da novaunidade da federação, por parte dos inte-lectuais, jornalistas e políticos do interior,principalmente das cidades de Dourados eCorumbá. Sobre essa temática, Lélia Rita E.de Figueiredo Ribeiro, afirma que o nomeCampo Grande, dado à nova unidade nãoagradou a ninguém, “[...] No centro/norteacirrou-se a rivalidade entre os cuiabanos e,no sul, criou um disfarçado despeito, prin-cipalmente entre os moradores deCorumbá e Dourados, que não encontra-vam motivos para que o novo Estado tives-se o mesmo nome da principal cidade sulis-ta” (RIBEIRO, 1993, p. 142).

Em Dourados, Wilson ValentimBiasotto lembra que, nesse período de 1977,foi realizada uma reunião para definir onome do novo estado1 : “discutíamos onome para o Estado que nasceria em breve.Muita gente apostava as fichas em Estado deCampo Grande, especialmente os habitan-tes da capital; no interior falava-se muitoem Estado de Maracaju e, com menor entu-siasmo, Entre-Rios” (BIASOTTO, 1999, p. 2, gri-fo do autor). Explica Wilson ValentimBiasotto: “nós estávamos firmando opiniãoa respeito. Entre-Rios não nos parecia boaopção. É verdade que o Estado constitui-senuma mesopotâmia, mas era coisa batida,o nome fora usado para cidade do Estado enão colara: Entre-Rios passou a chamar-seRio Brilhante” (BIASOTTO, 1999, p. 2).

Wilson Valentim Biasotto, esclare-ce,

Estado de Campo Grande também nãonos pareceu boa idéia. Representava, éverdade, uma realidade geográfica, boaparte do Estado é composta por terras decampo, mas, ponderávamos, estender onome da Capital a todo o Estado seriaum estímulo muito grande aos járeconhecidamente bairristas campo-grandenses. (BIASOTTO, 1999, p. 2, grifodo autor).

Deste modo, afirma o autor que,

Maracaju também dá nome ao relevo,além da serra temos ainda o planalto como mesmo nome, mas não nos pareceucorreto termos uma serra, um planalto,uma cidade e um estado com o mesmonome. Além do mais, da mesma formaque o estado não se constitui única eexclusivamente de campos, para chamar-se Campo Grande, não é também umaúnica serra ou planalto. (BIASOTTO, 1999,p. 2).

Para finalizar, Wilson ValentimBiasotto assegura:

[...] deveria ser Mato Grosso do Sul,concluímos àquela época. Manteríamosa tradição e o povo, especialmente os maisvelhos, guardariam suas lembranças. Aseparação seria apenas política eterritorial, manteríamos os nossos laços,inclusive através do nome. E assim nemprecisaríamos abrir mão do nossosímbolo, consagrado através da música:a seriema. (BIASOTTO, 1999, p. 2).

Após a reunião, Valfrido Silva, pu-blicou um artigo no jornal Folha de Doura-dos, com o título: “Pra quem fica a Seriema?”,que teve repercussão no estado, principal-mente em Campo Grande, Cuiabá eBrasília.

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201046 ]Uma discussão surgida quando oPresidente Geisel anunciou oficialmentea disposição de dividir o velho MatoGrosso, para criar o Estado de CampoGrande. De pronto, a polêmica foiformada, surgiram as pressões políticas eo presidente cedeu, criando o MatoGrosso do Sul, em 11 de outubro de 1977.Naquela ocasião, uma conversa destejornalista com o professor de históriaWilson Biasotto, transformou-se numartigo para o jornal Folha de Dourados,com grande repercussão em CampoGrande e até nos jornais de Cuiabá. Oquestionamento era, se uma vezpersistindo o nome de Estado de CampoGrande, com quem ficaria a Seriema, avesímbolo de nossos campos. Sim, porquenuma das canções sertanejas maiscantadas por aqui, fala-se (ou canta-se):“ó Seriema de Mato Grosso, teu cantotriste me faz lembrar... daqueles temposem que eu viajava, sinto saudades de seucantar...”. O professor Wilson Biasottosugeria, então, que se revisse a propostado nome de Estado de Campo Grandeou que se transferisse a Seriema para oMato Grosso. Mas como a música“Seriema de Mato Grosso” faz referênciasàs cidades de Maracaju e Ponta Porã, nãoseria justo levar o bichinho embora.Trocar a letra para “Seriema de CampoGrande”, também não resolveria oproblema. É claro que as elucubrações dojornalista e do professor não devem terpesado na decisão da trocar de nome.Era o anseio popular que falava mais alto.E assim começamos a construir nossahistória, a história do Mato Grosso doSul. (SILVA, 1999, p. 2).

Portanto, o reconhecimento da his-tória para o nome do vigésimo sétimo esta-do da federação: Mato Grosso do Sul.

Segundo João Barbosa Rodrigues,“[...] a denominação inicial de Campo Gran-de, para o novo estado não perdurou por

iniciativa da população, através da Liga SulMato-Grossense, que preferiu conservaro Mato Grosso de passado glorioso na vidabrasileira” (RODRIGUES, 1985, p. 164, grifomeu). O autor ainda elucida que, “CampoGrande contenta-se em ser a capital políti-co-administrativa. Foi assim que o Estadoficou com a denominação de Mato Grossodo Sul” (Id., p. 164). Quando se fala empopulação é muito importante ressaltarque eram as elites, políticos, raposas ve-lhas e novas que detinham ou ambiciona-vam o poder. De acordo com omemorialista João Barbosa Rodrigues, pormeio da Liga Sul-Mato-Grossense, que vi-nha há meses colaborando com os traba-lhos de desmembramento, concordoucomo o nome de MS, mas a capital tinhaque ser a cidade morena, “[...] foi taxativaquando em seu artigo 3.° do Cap. I estabe-leceu de forma lacônica e contundente: acidade de Campo Grande é a capital do Esta-do” (RODRIGUES, 1985, p. 164, grifo do au-tor).

Segundo Campestrini e Guimarães,

“[...] dia 24 de agosto de 1977, o entãopresidente da república Ernesto Geiselenviava a Mensagem n.° 91, de 1977-CN, com o projeto de lei complementarde criação do novo Estado. No dia 11 deoutubro de 1977, o mesmo presidenteassinava, em solenidade histórica, a LeiComplementar n.° 31, criando a Estadode Mato Grosso do Sul pelodesmembramento de área do Estado deMato Grosso, com a capital em CampoGrande. O anteprojeto criava o Estadode Campo Grande, nome não aceito pelaslideranças sul-mato-grossenses. Qualquerconsulta à população sobre o nome donovo Estado colocaria (não havia tempo)em risco o projeto. Assim, optou-se porMato Grosso do Sul, esperando que MatoGrosso passasse a Mato Grosso do Norte,

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47ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [o que não ocorreu. Ainda: em momentoalgum se falou em divisão do Estado deMato Grosso e, sim, em criação doEstado de Mato Grosso do Sul, comoesta na lei complementar” (CAMPESTRINI;GUIMARÃES, 1991, p. 249; grifo meus).

O novo Estado Mato Grosso do Sulera constituído por 55 municípios e comuma população de 1.400.000 habitantes.

Mato Grosso ficava com trinta e oitomunicípios, com uma populaçãoestimada (1977) de 900.000 habitantes,distribuídos em 903.386,1 quilômetrosquadrados, Mato Grosso do Sul, abrangiacinqüenta e cinco municípios, com umapopulação estimada (1977) de 1.400.000habitantes, em 357.139,9 quilômetrosquadrados” (CAMPESTRINI &GUIMARÃES, 2002, p. 248/249).

Para a instituição do novo estado como nome de Mato Grosso do Sul, segundo asanálises de Marisa Bittar, dois aspectos fo-ram contemplados; primeiro, “[...] todos osmato-grossenses do sul ficaram represen-tados, e não apenas Campo Grande, queabarcaria uma parte, jamais o todo” (BITTAR,1999, p. 134). O outro aspecto assinaladopela historiadora foi que o “[...] passado co-

mum do sul e do norte não foi desprezado,isto é, tanto o sul quanto o norte, têm raízeshistóricas, que fazem nutrir sentimento depertença pelo antigo Mato Grosso. Por isso,o termo Mato Grosso que nomeia os doisestados contempla as origens histórico-cul-turais comuns” (BITTAR, 1999, p. 135, grifo doautor).

Tudo indica, que a história foi decisi-va na escolha do nome do novo estado dafederação. Mato Grosso do Sul foi o nomeque conseguiu “agradar” as lideranças polí-ticas do novo Estado.

A criação do estado de Mato Grossodo Sul em 11 de outubro de 1977 se concre-tizou durante o governo da Ditadura Mili-tar no contexto mundial da “corridaarmamentista”, chamada de “Guerra Fria”entre as potencias militares dos EstadosUnidos e da União das Repúblicas Socialis-tas Soviéticas. As lideranças do poder man-dante do “velho” Mato Grosso eram contraos “comunistas”.

A institucionalização de um novoestado de Mato Grosso do Sul foi concreti-zado nos meandros do poder, realizado nossubterrâneos da ditadura militar, ou seja,feito em acertos de gabinetes dos políticosmandantes. Sem participação popular oureivindicação da sociedade representativa.

NOTAS

1 Segundo Wilson Valentim Biasotto, “O artigo de Valfrido foi inspirado em uma conversade fim de tarde entre ele, eu e o professor Ivan Aparecido Manuel, hoje na Unesp” (BIASOTTO,1999, p. 2).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201048 ]BIASOTTO, Wilson Valentim. Prá quem fica a seriema? O progresso, Dourados, 10 maio1999, p. 2.

BITTAR, Marisa. Mato Grosso do Sul: do estado sonhado ao estado construído (1892-1997).2v. Tese (Doutorado em História Social) – FFLCH/USP, São Paulo, 1997.

CAMPESTRINI, Hildebrando; GUIMARÃES, Acyr Vaz. História de Mato Grosso do Sul. 2.ed. Campo Grande: Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, 1991.

CASTRO, Celso. Golpe de 1964. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav>. Acesso em:15 maio 2006.

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EVANGELISTA. Helio de Araújo. A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.Disponível em: <<http://www.feth.ggf.br >. Acesso em: 10 jun. 2006.

RODRIGUES, José Barbosa. História de Mato do Grosso do Sul. São Paulo: Editora doEscritor, 1985.

RODRIGUES, José Barbosa. Isto é Mato Grosso do sul: Nasce um estado. São Paulo: VanerBícego, 1978. 141 p.

SILVA, Valfrido. Estado do PT e a seriema. O progresso, Dourados, 10 maio 1999, p. 2.

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OS RURALISTAS, A IMPRENSAE O PODER EM AMAMBAI/MS

Sivaldo de Macedo Michenco*

* Mestrando do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal da GrandeDourados e Professor do quadro efetivo da Rede Estadual de Ensino do Mato Grosso do Sul.

RESUMOA imprensa enquanto instituinte de um discurso de verdade e autoridade é um filão

profícuo para o estudo das relações de poder. Nesse sentido procura-se neste artigo discu-tir e analisar a linguagem textual e visual dos diversos meios de comunicação existentes nomunicípio de Amambaí (Jornais, revistas, Sites da internet e outros), identificando nessesmeios de comunicação certas imposições ideológicas de um dado segmento de classe, ouseja, a classe dos ruralistas, fazendeiros, latifundiários sobre a comunidade. O foco demaior atenção é a discussão sobre um possível processo de demarcação de terras, designa-do pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio), bem como as recentes ocupações feitaspelos sem terra em latifúndios da região.

Palavras-Chave: Questão Agrária, Imprensa, Ideologia

RESUMENLa prensa al mismo tiempo que se establece un discurso de la verdad y la autoridad

una veta fecunda para el estudio del poder. En este sentido, este artículo pretende discutiry analizar el lenguaje de los distintos medios de comunicación textual y visual en la ciudad deAmambaí (periódicos, revistas, sitios de Internet y otros), identificando los imperativosideológicos determinados medios de comunicación de un determinado segmento clase, esdecir, la clase de los agrarios, los agricultores, propietarios de tierras en la comunidad. Elfoco de mayor atención es la discusión sobre un posible proceso de demarcación de lastierras, designado por la FUNAI (Fundación Nacional del Indio) y las ocupaciones realiza-das recientemente por fincas sin tierra en la región.

Palabras clave: Cuestión Agraria, Prensa, Ideologia

INTRODUÇÃO

O uso da imprensa, somada ao po-der político e econômico, estão em vogadesde muito tempo no Estado do MatoGrosso do Sul, principalmente no tocante à

questão agrária. Um exemplo clássico foraa revista Brasil - Oeste, um impresso espe-cializado em difundir reportagens sobre téc-nicas e dicas ao empreendimentoagropastoril, além de divulgar reportagenssobre a conjuntura econômica e política da

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201050 ]região Centro-Oeste, especialmente o anti-go Mato Grosso. De acordo com Moreno(2007 p 119) [...] “a revista Brasil – Oeste,editada em São Paulo, com divulgação emMato Grosso e no estrangeiro, veiculavamatéria em defesa da política liberal de co-lonização”.

Se acreditarmos que todo tipo deimpresso é uma prática que resulta de umarepresentação, promovida por um grupoque se organiza com o intuito de difundiridéias e abarcar um público específico, en-tendemos que esse é um típico caso de lutasde representação. Para Chartier (2001 p. 17)[...] “A imprensa se apresenta como um dosmecanismos pelos quais um grupo se im-põe, ou tenta impor, a sua concepção demundo social, os valores que são os seus, eo seu domínio”.

Esta idéia está no cerne da questão,ou seja, a maneira pela qual o grupo queexerce poder frente ao jornal “A Gazeta” searticula de modo a influenciar nas políticaspúblicas e, principalmente, no tocante aquestão agrária do município.

No dia 03 de novembro do correnteano tivemos na primeira página, edição nº1111, do referido jornal uma reportagemdizendo a respeito da ocupação de uma fa-zenda nos arredores de Amambaí pela FAF(Federação da Agricultura Familiar). Na fototemos uma cerca, que segundo o jornal foidestruída pelos sem terras, o que leva o lei-tor diretamente ao sentido da invasão, dadestruição e da violência; no Site do mesmojornal denominado de “Gazeta News” tive-mos no dia 13 de novembro do correnteano uma reportagem o mesmo caso onde amesma se inicia da seguinte forma: “Inva-sores da Fazenda Piquenique desobedecemordem judicial”. Novamente com conotaçãode invasão e violência.

No dia 27 do mesmo mês, edição nº1118, tivemos uma reportagem sobre a ocu-

pação de uma fazenda no município de Co-ronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguaipor cerca de 250 Guaranis kaiowas, nestavemos de forma mais descancarada a im-posição ideológica contra o processo de de-marcação de terras indígenas realizados pelaFunai, reconhecida na Constituição Federalde 1988 em seu artigo 231 e prevista no de-creto nº. 177 de 08 de janeiro de 1996. Areportagem inicia novamente com aconotação de invasão. Observemos:

[...] “O clima entre índios e produtoresrurais está ficando cada vez pior. Maisuma propriedade rural foi invadida nomunicípio de Coronel Sapucaia”.

Vejamos a seguir trechos da mesmareportagem que nos levam a análise de quea uma intenção de justificativa da morte dedois indígenas no município de Paranhosno corrente mês por conflitos fundiários,induzindo o leitor a pensar em um Estadode direito de propriedade sem analisar aquestão a fundo.

[...] “Ao promover ou defender a invasãode terras por parte dos índios, como vemfazendo algumas ONGs e antropólogos,como forma de pressionar a demarcaçãodas áreas, há uma provocação porderramamento de sangue. Claro!Qualquer um, exercendo seu direito dedefender aquilo que é seu, reage a umaameaça para proteger seu patrimônio ousua família, ou, enfim, defender aquiloque lhe pertence de fato. Então, se opoder público, o Estado, a nação, nãocumpre seu papel de garantir esse direito,é natural que o cidadão tente o fazer”.

Já na edição nº 1119 do dia 01 de de-zembro do corrente ano, no início da 2ª pá-gina temos uma reportagem intitulada: Efei-tos da “demarcação” afirmando que o BIRD

Page 53: Revista Arandu # 50

51ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [(Banco Internacional para a Reconstruçãodo Desenvolvimento) está sendo aconselha-do a não liberar verbas para a pavimenta-ção de uma rodovia entre os municípios deJuti e Iguatemi devido ao processo de de-marcação.

[...] “Um exemplo claro do prejuízo queo impasse das demarcações vemcausando está acontecendo em relação àpavimentação da rodovia MS-180, queliga o município de Juti a Iguatemi. Aobra foi lançada pelo governador AndréPuccinelli dentro do pacote de obrasdenominado de MS Forte há algumassemanas. Os recursos serão alocadosatravés do BIRD (Banco Internacionalpara a Reconstrução do Desenvol-vimento). Mas como a região está dentrodo mapa da demarcação proposto pelaFUNAI, o Bird está sendo aconselhado anão liberar o dinheiro”.

Casos como esses são comuns, poisse tratando de um jornal semanal, este pe-riódico é produzido com o intuito de levar ogrito dos fazendeiros de uma classe domi-nante que se vê ameaçada pelo processo dedemarcações. Além disso a “sobrevivência”de tal periódico está ligada totalmente àacordos com o governo municipal (servin-do como assessoria de imprensa da Prefei-tura). De acordo com Jeanneney (2003. p.219) [...] “ É importante pesquisar, no tocan-te à imprensa de modo geral, o dinheiromais ou menos oculto que a irriga e quetodas as migalhas que pudermos arrancardo mistério das suas finanças são preciosas”.

O GAÚCHO DESBRAVADOR

Para redigir este trabalho procura-mos também problematizar as conjunturassócio econômicas historicamente produzi-das por uma migração gaúcha, aonde a par-

tir do início do século XX dará um novopanorama para a região. Para Fabrini (1996p. 6) [...] “ O processo de ocupação e coloni-zação da região, foi marcada inicialmentepela disputa entre nações (Espanha, Portu-gal, Paraguai), e, posteriormente, pelo mo-nopólio de arrendamento da Cia mate La-ranjeira”.

Em sua pesquisa, intitulada “A posseda terra e o sem terra no sul de Mato Gros-so do sul – O caso Itaquirai” Fabrini volta-separa a porção leste do Estado, no caso aquiespecificado voltamos nossos olhos para aporção oeste do Estado, ou seja, Amambaíe região fronteiriça, colonizada pela já men-cionada migração gaúcha. Mas afirmamosdesde já que não é intenção neste artigo ex-planar o processo histórico de ocupação, massim analisar a conjectura local provenientedeste processo.

Em entrevista concedida por um in-tegrante do Sindicato Rural de Amambai aoSite “Amambaí notícias” em 20 de novem-bro de 2009, pode perceber como é presen-te tal monopolização ideológica da visãosulista do “gaúcho desbravador”.

[...] “Sangue e Raça de Amambai por R.N. M. As ações da atual Diretoria doSindicato Rural de Amambaí nosremetem ao passado glorioso dacolonização e organização desteMunicípio. O bom sangue “gaúcho” quecorria nas veias dos nossos antepassadoscontinua vertendo e dignificando otrabalho de nossa gente que de sol a solvem fazendo da Terra à fonte deprodução e progresso para Amambaí”.

É interessante analisar que no aspec-to ideológico o migrante gaúcho traz consi-go uma vertente onde podemos discutir adistinção entre terra de negócio e terra detrabalho proposta por José de SouzaMartins. Quando se pensa em propriedade

Page 54: Revista Arandu # 50

ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201052 ]rural do sul do país, logo se imagina umafamília de colonos imigrantes em uma pe-quena propriedade em que sua família tra-balha e sobrevive a partir dessa terra. Nocaso de Amambaí quando falamos em pro-priedade rural vem à mente a imagem deum sulista com uma enorme extensão deterra, que transmite para a cidade um statusde latifundiário, de poder e de riqueza. Talstatus é possível desde que a terra seja trans-formada em terra de negócio utilizando-seassim a prerrogativa da produção de ali-mentos para embutir o discurso da depen-dência da sociedade sobre essa classe. ParaMartins (1991 p.54 ) [...] “O monopólio declasse sobre a terra assegura ao capitalista odireito de cobrar da sociedade inteira umtributo pelo uso da terra”.

[...] “Quando o capital se apropria daterra, esta se transforma em terra denegócio, em terra de exploração dotrabalho alheio: quando o trabalhador seapossa da terra, ela se transforma em terrade trabalho. São regimes distintos depropriedade, em aberto conflito um como outro”. (Martins, 1991 p. 55).

As desigualdades sociais e econômi-cas se acentuam também a partir da forteatuação do Estado agindo como artífice quefavorece o poder estabelecido. Um exem-plo são os financiamentos mirabolantes ce-didos pelo Banco do Brasil aos latifundiári-os. Outro exemplo muito claro é quando oatual governo do Estado do Mato Grossodo Sul, juntamente com organizações comoFAMASUL (Federação da Agricultura e Pe-cuária de Mato Grosso do Sul) eASSOMASUL (Associação dos Municípiosde Mato Grosso do Sul) se posicionam cla-ramente e agem contra a demarcação.

[...] “Em todas essas questões o papel

totalizador do Estado moderno éessencial. Ele deve sempre ajustar suasfunções reguladoras em sintonia com adinâmica variável do processo dereprodução socioeconômica,complementando politicamente ereforçando a dominação do capital contraas forças que poderiam desafiar asimensas desigualdades na distribuição eno consumo”. (Meszaros, 2005 p.110).

Além disso, temos também em cir-culação na cidade um jornal mensal deno-minado “Força do produtor” estando já emsua edição nº 113 (novembro de 2009). Taljornal torna-se mais um dos artífices na pro-pagação da ideologia dominante dosruralistas.

O grande orgulho de boa parte doshabitantes vem a ser a grande extensão eforça do setor agropecuário. Percebe-se aforte identificação das pessoas com esse se-tor quando se coloca em discussão sobre ademarcação das terras indígenas ocupadaspelo latifúndio. A população defende bra-vamente os proprietários de terra, demons-trando um sentimento de lealdade a umapequena elite, pois acreditam que com seuesforço e trabalho conseguirão fazer partedessa classe. Desejo esse motivado especi-almente pela influencia do discurso prega-do por tal elite para sua própria defesa, deque as terras ocupadas foram obtidas a cus-to de muito esforço de sua família, tal afir-mação se reflete bem quando um trabalha-dor que sobrevive com o mínimo possívelcoloca um adesivo em seu carro popular quediz: “Produção SIM, Demarcação NÃO!”Esse trabalhador contrasta com ascamionetes dos proprietários de terras, emesmo que trabalhe sua vida inteira, talveznão consiga comprar uma delas. Isso refletebem as palavras de Lenharo (1986 p. 35)onde o mesmo enfoca que “[...] A grande

Page 55: Revista Arandu # 50

53ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [propriedade, qualquer grande proprieda-de, não é, portanto, combatida; pelo con-trário, a capitalista é inclusive desejada”.

Para Bhabha (1995, p. 16) “As pes-soas não são simplesmente eventos histó-ricos ou componentes de um corpo políti-co patriótico. São também, uma complexaestratégia retórica de referência social emque a alegação de ser representativo pro-voca uma crise dentro do processo de sig-nificação e endereço discursivo”. A partirdessa complexidade e no referencial socialdo ser cidadão amambaiense verifica-seque no bojo do discurso imperativo damanutenção da estrutura já organizada acidade acaba dividindo-se também emfronteiras sociais estabelecidas pelo pró-prio acesso ao capital. Não há aqui a inten-ção de colocar as pessoas como apenascomponente de um evento histórico oucorpo político patriótico, mas sim analisartambém que em Amambai o espaço (imo-biliário) é regido por certas ideologias. San-tos (2006 p. 82) ao conceber o espaço comomercadoria analisa que [...] “A realidadeinclui a ideologia e a ideologia é tambémreal. A ideologia, outrora consideradacomo falsa, portanto não-real, de fato nãoé algo estranho à realidade, nem é aparên-cia apenas. Ela é mais do que aparência,porque é real”.

Nas periferias da cidade se concen-tra a população subserviente ao capital ena parte central e alta da cidade, conhecidapopularmente como “vila dos ricos”, encon-tramos mansões caríssimas com dois outrês carros de luxo. Ali se concentra princi-palmente migrantes sulistas que possuemterras na região, comerciantes bem suce-didos, profissionais liberais e afortunadosprovenientes do intenso tráfico de drogasna região.

“FOICES E FACÕES”

A fim de potencializar as discussõesapresentadas neste artigo utilizaremos tam-bém a bem conceituada pesquisa realizadapor Camila da Silva no ano de 2008,intitulada: Relações de Poder no Jornal “AGazeta”, até então o único trabalho de pes-quisa realizado sobre o assunto, onde con-sideramos este tópico como um apêndicede seu trabalho.

Silva (2008 p. 31) nos enfoca que [...]“a opção pelo recorte indígena em um espa-ço a parte tem relevância devido ao sensaci-onalismo ligado à idéia do indígena comoser primitivo, sobretudo quando as notíciaspublicadas no jornal “A Gazeta” referem-seaos Kaiowá, etnias presentes nos municípi-os da região. Questões referentes às aldeiasprioritariamente fazem parte da página po-licial, onde são colocados com freqüêncianotas sobre conflitos entre os próprios in-dígenas que muitas vezes se dão por meiodas chamadas armas brancas: Facas, facões,foices e enxadas; ou em relatos de suicídiosque ocorreram nas aldeias Taquapery, Li-mão Verde e Amambaí”.

[...] “O que fica no ar são as seguintesquestões com relação às reportagensrealizadas sobre os indígenas e a formacomo são abordados no jornal: no queadianta saber se na aldeia houveramsuicídios, se eles brigaram ou não, comoas brigas se deram? Porque o jornal nãoabre espaço para essas pessoas exporema sua cultura e a condição a qual foirelegada? Por que não procuramentender os motivos que levam osindígenas a praticarem o suicídio ou ase agredirem em vez de apenas julga-loe tratar com indiferença esses casos?”(Silva 2008 p. 31).

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201054 ] Para Moreno (2007 p. 119) [...] “ana-

lisar impressos e mídias servem para com-preender alguns fenômenos sociais dentrode determinadas conjunturas” e neste casoé visível os quão massacrados pela mídialocal são os indígenas.

Vejamos mais uma vez como é tra-tado o caso das demarcações no site do jor-nal “A Gazeta” denominado como “GazetaNews” publicado no dia 21 de agosto de 2009:

[...] “Eu não sei se alguém que está lendoesse Periscópio já teve “saco” de entrarno site do Conselho IndigenistaMissionário (CIMI) e dar uma espiadanas baboseiras que eles escrevem,supostamente em defesa dos índios e nãopor interesses de ONGs e oportunistas,se é que me entendem. Eu acessei o siteuma única vez, e mesmo assim obrigado,para ler o que os imbecis haviamcomentado sobre um artigo que escrevi.Na verdade, nem encontrei o talcomentário e também me lixei para eles,assim como me lixo para todos aquelesque não aceitam opiniões contrárias àssuas, os tais fascistas aos quais eles sereferem num trecho que tiveram ocinismo de publicar. E para ficar bemclaro, eu não fui ao site procurar essamatéria, apenas a recebi por e.mailenviado por gente que defende o direitoà propriedade, democraticamente. E elesficaram muito bravos com a suspensãodas demarcações”.

Tal reportagem vem de encontrocom a análise de Silva (2008 p. 32) onde diz:[...] o que se observa é a fabricação da notí-cia fragmentada e descontextualizada e,além de tudo, muitas vezes utilizando-se dediscursos irônicos para instigar o leitor aassimilar a informação a partir de determi-nado ponto de vista, no caso o ponto devista do jornal empresa. Assim este jornaldribla as regras propostas de responsabili-

dade social e de comprometimento com aética da profissão. Isso se explica porque, aomesmo tempo em que tem de ser ético,quase sempre o jornal conflita com as re-gras decorrentes da sua inserção no merca-do. Sendo assim, ao mesmo tempo, em queo jornalista tenta construir notícias com in-formação e opinião também precisa de jogode cintura para lutar pela sobrevivência dojornal-empresa que, na maioria das vezes,baseia - se no senso comum e na manipula-ção de estereótipos”.

“OS PRODUTORES DO PÃONOSSO DE CADA DIA”

Podemos ainda analisar que até opróprio conceito de região é utilizado comoarma ideológica dos ruralistas. SegundoBourdieu (1989 p. 126) “[...] Se a região nãoexistisse como espaço estigmatizado, comoprovíncia definida pela distância econômicae social (e não geográfica) em relação ao cen-tro, quer dizer, pela privação do capital (ma-terial e simbólico) que a capital concentra,não teria que reivindicar a existência”.

Vejamos então, partes de uma en-trevista de um integrante do Sindicato Ru-ral concedida ao site do jornal “A Gazeta” nodia 11 de agosto de 2009.

[...] Opinião “Sul do MS x Funai” por R.N. M. O jogo ainda não terminou. Osprejuízos dos produtores rurais e do Suldo MS como um todo ainda nãoacabaram, apenas foram minimizados ea partida prorrogada. O filósofo ex-presidente do Corinthians, VicenteMatheus, já dizia que o jogo só terminaquando acaba”.

Neste caso a idéia que perpetua nãoé a estigmatização da região frente ao cen-tro e sim a região como centro da produçãonacional de grãos o que tal classe inculca

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55ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/2010 [como sendo a que “produz o alimento”.Observemos a seguir na reportagemdivulgada na edição do jornal “A Gazeta” dodia 22 de novembro do ano de 2008 tal ide-ologia da produção do alimento:

[...] “Os indiozinhos de papel” por R. N.M. Enquanto tudo isso vem acontecendono Mato Grosso do Sul, a Economiaparou devido à insegurança do Direitode Propriedade. Os Investidores de outrosEstados fogem desta Região. As Terrasestão desvalorizadas. E segundo dadosdivulgados na Mídia Estadual oprognostico da safra 2008/2009 jádiminuiu em seis por cento. PobresIndiozinhos de Papel e Pobres de nósque insistimos na Produção deAlimentos, por um BRASIL Verde eAmarelo, sem TERRA VERMELHA”.

Ao usar a imprensa local como artí-fice tal classe aplica também um certo “ter-rorismo no imaginário popular” da popula-ção de Amambai divulgando que a demar-cação vai ser realizada também na área ur-bana, que os índios vão invadir a cidade,vão criar uma nação guarani, as pessoas vãoperder suas casas, seus empregos. Isso tudoacaba sobrecarregando ainda mais de ten-são uma disputa já cercada de violência.Vejamos trechos da reportagem publicadano dia 16 de agosto de 2008 intitulada “Ter-ra de ninguém” por A. L.

[...] “A grande maioria dos índios nemsabe o que está acontecendo e quem sabeé contra medidas unilaterais e absurdascomo essa tentativa de criação de umanação Guarani, engolindo cidades elevando o caos a uma região cujapopulação e constituída em sua grandemaioria de gente ordeira e trabalhadoraque produz e quer apenas viver em paz”.

É visível também uma suposta pre-

ocupação com a economia e mesmo quan-do a reportagem tem um tom mais maleávelnas suas entrelinhas podemos perceber aideologia ruralista. Vejamos a seguir trechosde uma reportagem publicada no dia 19 desetembro de 2008:

[...] “Editorial Governo e Funai por C.R. A população de Mato Grosso do Sul,principalmente de Amambai e região,torce para que esse diálogo estabelecidoentre o Governo de Mato Grosso do Sule o presidente da Funai dê resultadospráticos que possam chegar a uma soluçãopacífica sobre as demarcações. A nossaeconomia futura depende muito disso”.

E, além disso, a imprensa local aindaexerce o poder e o direito de opinar comodeveriam se proceder os indígenas, comoos mesmos deveriam se portar na socieda-de capitalista, revelando o ápice do sensocomum e da alienação. Prova disto está notrecho da reportagem publicada no dia 26de julho de 2008 intitulada “Só queremostranqüilidade” por A. L. Observemos:

[...] “Por que eu e você não temos direitode exigir nosso pedaço de terra para, pelomenos, plantar uma mandioquinha?Coisa que os índios não fazem. A maioriados indígenas é formada por gentedecente, mas que infelizmente nãoevoluiu o necessário para enfrentar a vidamoderna, como por exemplo, fizeramos índios nos Estados Unidos. Lá eles sãopecuaristas, comerciantes e até existe umareserva em que exploram o jogo, comvários cassinos – permitido naquele país– e estão riquíssimos. Aqui, o índio,sempre manipulado por malandros, quermais terra para arrendar para o brancotrabalhador”.

Nas palavras de Meszaros (2002)encontramos, no movimento dialético da

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ANO 13 ••••• No 50 ••••• NOV-DEZ/2009 - JAN/201056 ]história, “justificativas” para tais ações emanutenção da estrutura:

[...] “A manutenção da estabilidade deum sistema erigido sobre toda uma sériede antagonismos estruturais explosivosé algo absolutamente impensável semsuperposição de camadas artificiais decomplexidade, cuja função essencial é aperpetuação da ordem dominante e oretardamento do “momento da verdade”.Não obstante, como a ativação doslimites absolutos do capital, enquantosistema de reprodução plausível surgiuem nosso horizonte histórico, já nãopoderá evitar por muito mais tempo oenfrentamento da questão de comosuperar os pressupostos estruturaisdestrutivos do modo estabelecido decontrole sociometabólico”. (Meszaros,2002, p. 217)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que o poderio eco-nômico dessa classe, exorbitantemente con-centrado, tem repercussão direta na vidapolítica e social da comunidade e que os in-

teresses econômicos e as articulações políti-cas decorrentes deste poder refletem dire-tamente na qualidade da informação ofere-cida pelos meios de comunicação ao públi-co de Amambai.

De modo geral, as formas de re-presentação presentes nas notícias dos di-versos meios de comunicação de Amambaícontribuem para a permanência da estru-tura social calcada no latifúndio agro ex-portador. No Brasil, a cobertura políticados grandes veículos nos últimos anos malconsegue disfarçar seus interesses econô-micos e políticos, imagine então em umarealidade local como a de Amambai, ondeo poder dos ruralistas é mais visível eavassalador.

Enfim, num mundo marcado pelopoder simbólico e pelas representações aimprensa foi e continua sendo um dos veí-culos de construção do mundo social namedida em que interfere nas representa-ções e nas relações humanas com as estru-turas sociais já implantadas, e hoje falar danecessidade de democratizar a mídia impli-ca, diretamente, falar da necessidade de de-mocratizar o poder político e econômico.

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