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REVISTA ADM.MADE - ANO 1 / Nº 1 APRESENTAÇÃO A Revista ADM.MADE constitui mais um desafio do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá / Curso de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial, tendo como finalidade básica divulgar trabalhos inéditos de pesquisa, produzidos por autores nacionais e estrangeiros, por seu corpo docente e discente, selecionados preferencialmente entre aqueles que tenham sido aprovados em eventos relevantes na área da Administração, em particular no Congresso do ENANPAD e BALAS. Assim a Revista ADM.MADE pretende contribuir para a ampliação do conhecimento na área de Administração utilizando rigorosa seleção dos trabalhos apresentados. Para garantir os padrões de qualidade requeridos, a Revista contará com a colaboração de renomados pesquisadores externos em seu Conselho Editorial. Neste primeiro número da Revista ADM.MADE, são apresentados seis trabalhos de autoria de docentes e discentes do Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE), aprovados e apresentados no ENANPAD 2000, congresso reconhecido internacionalmente pelo rigor que utiliza em seus processos de seleção, sempre tomando como parâmetro a aprovação de apenas trinta por cento dos trabalhos submetidos à avaliação. Com o firme propósito de se evitar endogenia, serão aceitos para publicação somente os trabalhos submetidos pelos professores e alunos do Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) que tenham sido aprovados e relacionados nos anais dos congressos considerados relevantes pelo Conselho Editorial. Para a análise dos demais artigos recebidos para publicação será adotado o sistema de blind review. Com este número inicial, reafirmamos nosso compromisso com a qualidade da produção acadêmica, o que é compatível com o nível de excelência que almejamos para nosso Programa de Mestrado. Esperamos que nossos leitores acatem a nossa proposta e colaborem com apreciações, contribuindo com a avaliação crítica dos trabalhos publicados na ADM.MADE. A comunicação direta com nossa revista pode ser feita através do endereço eletrônico: [email protected]. ARTIGOS Descentralização e preços de transferência: o estudo do caso da Xerox do Brasil Autores: Bruno Fainguelernt Josir Simeone Gomes Gestão de recursos humanos: gerenciamento do impacto da tecnologia da informação no setor serviços, uma amostra Autores: Lopes Passeri Fernando Guilherme Tenório Insatisfação e queixa à empresa: investigando os relatos dos consumidores Autora: Marie Agnes Chauvel Acordos empresariais por cruzamentos de patentes e a inadaptação dos direitos clássicos de propriedade intelectual para as criações industriais abstratas

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REVISTA ADM.MADE - ANO 1 / Nº 1

APRESENTAÇÃO

A Revista ADM.MADE constitui mais um desafio do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá / Curso de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial, tendo como finalidade básica divulgar trabalhos inéditos de pesquisa, produzidos por autores nacionais e estrangeiros, por seu corpo docente e discente, selecionados preferencialmente entre aqueles que tenham sido aprovados em eventos relevantes na área da Administração, em particular no Congresso do ENANPAD e BALAS.

Assim a Revista ADM.MADE pretende contribuir para a ampliação do conhecimento na área de Administração utilizando rigorosa seleção dos trabalhos apresentados. Para garantir os padrões de qualidade requeridos, a Revista contará com a colaboração de renomados pesquisadores externos em seu Conselho Editorial.

Neste primeiro número da Revista ADM.MADE, são apresentados seis trabalhos de autoria de docentes e discentes do Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE), aprovados e apresentados no ENANPAD 2000, congresso reconhecido internacionalmente pelo rigor que utiliza em seus processos de seleção, sempre tomando como parâmetro a aprovação de apenas trinta por cento dos trabalhos submetidos à avaliação.

Com o firme propósito de se evitar endogenia, serão aceitos para publicação somente os trabalhos submetidos pelos professores e alunos do Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE) que tenham sido aprovados e relacionados nos anais dos congressos considerados relevantes pelo Conselho Editorial. Para a análise dos demais artigos recebidos para publicação será adotado o sistema de blind review.

Com este número inicial, reafirmamos nosso compromisso com a qualidade da produção acadêmica, o que é compatível com o nível de excelência que almejamos para nosso Programa de Mestrado. Esperamos que nossos leitores acatem a nossa proposta e colaborem com apreciações, contribuindo com a avaliação crítica dos trabalhos publicados na ADM.MADE. A comunicação direta com nossa revista pode ser feita através do endereço eletrônico: [email protected].

ARTIGOS

Descentralização e preços de transferência: o estudo do caso da Xerox do Brasil

Autores: Bruno Fainguelernt Josir Simeone Gomes

Gestão de recursos humanos: gerenciamento do impacto da tecnologia da informação no setor serviços, uma amostra

Autores: Lopes Passeri Fernando Guilherme Tenório

Insatisfação e queixa à empresa: investigando os relatos dos consumidores

Autora: Marie Agnes Chauvel

Acordos empresariais por cruzamentos de patentes e a inadaptação dos direitos clássicos de propriedade intelectual para as criações industriais abstratas

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Autor: Murilo Florindo Cruz Filho

Análise de demonstrações contábeis em economias hiperinflacionárias – um estudo do caso brasileiro no período de 1988 a 1991

Autores: Ricardo M. de Siqueira Josir Simeone Gomes

Cooperativismo de trabalho à luz de Guerreiro Ramos: uma economia de caráter isonômico para profissionais de nível superior.

Autor: Roberto Dias

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Descentralização e preços de transferência: o estudo do caso da Xerox do Brasil

Autores: Bruno Fainguelernt, M.Sc. (COPPEAD) Josir Simeone Gomes, D.Sc. Coordenador do Mestrado da Universidade Estácio de Sá

Este trabalho foi aprovado no ENANPAD 2000, 10-13 set. 2000.

1. Introdução 2. A Literatura sobre Descentralização e Preços de Transferência 3. O Caso da Xerox do Brasil 4. Análise do caso da Xerox 5. Sumário Referências Bibliográficas

Resumo

Este estudo explora o relacionamento entre a literatura sobre estruturas organizacionais descentralizadas baseadas em centros da responsabilidade ou unidades de negócio, referente principalmente aos temas preços transferência e avaliação do desempenho, e o formato adotado pela Xerox do Brasil Ltda. Tendo isto em mente, um exame foi feito da literatura disponível, apresentando as razões possíveis que conduzem às organizações a um processo de descentralização, as vantagens e desvantagens de usar estruturas de responsabilidade, assim como a base teórica encontrada na literatura sobre a avaliação de desempenho e preços de transferência e uma descrição breve sobre o grau de autonomia dada aos gerentes de centro de responsabilidade.

Abstract

This study explores the relationship between the literature on decentralized organizational structures based on responsibility centers or business units, referring mainly to the subjects of performance evaluation and transfer prices, and the decentralized form of organization adopted by a private company, Xerox do Brasil Ltda.. Bearing this in mind, a survey was made of the literature available, presenting the possible reasons that lead the organizations to a decentralization process, the definitions, advantages and disadvantages of using responsibility center structures, as well as the theoretical basis found in the literature about performance evaluation and transfer prices and a brief description about the degree of autonomy given to responsibility center managers.

[topo]

1. Introdução

O principal objetivo deste estudo foi explorar a relação existente entre a literatura sobre estruturas organizacionais descentralizadas baseadas em centros de responsabilidade ou unidades de negócios e o sistema adotado pela empresa Xerox do Brasil. Este estudo focaliza dois problemas básicos encontrados na literatura sobre controle gerencial que abordam estruturas descentralizadas: medidas de avaliação de desempenho e políticas de preços de transferência. Na medida em que a alta administração das corporações encontra-se afastada do dia a dia das unidades de negócio, as medidas de avaliação de desempenho assumem papel relevante em empresas descentralizadas.

O estudo das políticas de preços de transferência é importante por três razões: a primeira é que preços de transferência inadequados podem impedir que a empresa atinja o maior lucro possível, na medida em que podem encorajar gerentes a tomar decisões que são o melhor para suas unidades mas que, em contrapartida, não são o melhor para a empresa como um todo. A segunda razão é o impacto sobre a avaliação de desempenho das unidades, já que o preço de transferência é o preço de venda para uma e custo para outra. Finalmente, os preços de transferência terão grande relevância em organizações complexas, onde várias unidades coexistem, gerando uma grande quantidade e diversidade de relações de compra e venda entre elas.

De acordo com Vancil (1979), o grande crescimento da economia americana no último século propiciou grandes oportunidades para suas empresas, provocando um aumento de tamanho e complexidade de suas operações. Concluiu então, que a adoção de uma estrutura administrativa descentralizada, teve motivação claramente econômica, pois tornou-se quase obrigatório que os executivos do topo das organizações reestruturassem a divisão de seu trabalho com o objetivo de tirar maior proveito do tamanho da organização e melhorar a qualidade das decisões gerenciais.

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Parecia quase impossível para um indivíduo ou para um pequeno grupo de administradores compreender e gerenciar operações numerosas e diversificadas de uma grande organização, suficientemente bem para possibilitar a tomada das melhores decisões em prol desta.

2. A Literatura sobre Descentralização e Preços de Transferência

Segundo Anthony et al. (1992), entre os extremos de uma organização com estrutura totalmente funcional e outra totalmente divisionalizada em unidades de negócios, existem todos os tipos de combinações de estruturas com diferentes graus de descentralização.

Em uma estrutura organizacional descentralizada, os centros de responsabilidade, como podem ser chamadas as várias unidades de negócios ou divisões, tem papel fundamental na sua construção.

Anthony et al (1992) define o termo "centro de responsabilidade" como qualquer unidade organizacional que possui um gerente como responsável. Segundo estes autores, as empresas são, de certo modo, um conjunto de centros de responsabilidade, possuindo metas específicas, sendo estas interligadas como um todo aos objetivos da organização. Pode-se dizer que a meta destes centros é implementar a estratégia traçada pela gerência corporativa. Assim sendo, se cada centro de responsabilidade atingir sua meta, a organização irá atingir, por conseguinte, seus objetivos globais.

De acordo com Gomes e Amat (1997), a formulação de objetivos globais derivados da estratégia traçada para determinada organização é o ponto de partida para a definição dos objetivos e metas especificas de cada centro de responsabilidade. Quanto maior a organização, maior e mais detalhado será o desdobramento dos objetivos globais em objetivos específicos para os correspondentes centros de responsabilidade.

Encontra-se na literatura quatro tipos de centros de responsabilidade classificados de acordo com o tipo de controle realizado sobre as entradas (insumos) e saídas (produtos) existentes dentro da unidade organizacional. São eles: centro de receita, centro de custo/despesa, centro de lucro e centro de investimento.

Centro de Receita: Em um Centro de Receita, somente as saídas (produtos) são medidas em unidades monetárias, não sendo feita nenhuma tentativa formal de relacioná-las às entradas (insumos). Este tipo de centro de responsabilidade pode ser encontrado em organizações que tem como atividade principal o marketing, onde em sua maioria, as vendas reais ou pedidos em carteira são comparados a orçamentos, metas ou previsões.

Centro de Custo ou Despesa: Ao contrário do centro de receita, em um centro de custo/despesa somente as entradas (insumos) são medidas em unidades monetárias. Segundo Anthony et al (1992), existem dois tipos de centros de despesa: Centro de Despesas de Engenharia e Centro de Despesas Discricionárias. A diferença entre os dois consiste no tipo de custo a ser medido. No primeiro, o valor dos custos incorridos pelo centro pode ser estimado com um razoável grau de confiabilidade através do uso do custo padrão, como por exemplo no caso da determinação de custos de fabricação de determinado equipamento (custos de mão de obra direta, matéria prima, componentes e etc). No segundo, os custos a serem incorridos dependerão basicamente do julgamento do gerente responsável pelo centro, dependendo das circunstâncias apresentadas no momento específico da tomada de decisão. Pode-se incluir nesta categoria unidades de pesquisa e desenvolvimento e de suporte como setores jurídico e recursos humanos.

Segundo Anthony et al (1992), quando a performance de um centro de responsabilidade é avaliada pelo valor do lucro gerado, este é chamado de centro de lucro. Segundo o autor, devem haver duas condições para a constituição de um centro de lucro. A primeira é o conhecimento pelo gerente responsável, das informações relevantes necessárias para tomada de decisões que envolvam trade-offs entre receita e despesa e a segunda é a existência de algum método efetivo de avaliação destes gerentes.

Para Kaplan & Atkinson (1989), apesar da relevância da medida de lucro, o mais importante na definição deste tipo de centro de responsabilidade é a autonomia delegada aos seus gerentes.

Para Anthony et al. (1992) a atenção voltada para o lucro sem considerar os ativos empregados na geração deste, não é uma forma adequada de controle, pois torna difícil a comparação com outras unidades e empresas. Entretanto, a definição dos ativos utilizados é mais um complicador no cálculo desta medida.

Já para Reece & Cool (1978), o centro de investimento é uma extensão da idéia de centro de lucro. O lucro é medido nos dois casos, mas somente no centro de investimento ele é relacionado à base de ativos, consequentemente gerando um melhor entendimento de como certa unidade está contribuindo para a organização como um todo.

Em pesquisa realizada em 1979 com as 1000 maiores empresas industriais americanas listadas na revista Fortune - "Fortune 1000", os autores constataram que 50% das empresas com vendas inferiores a US$ 500 milhões utilizavam centros de investimento, comparado com 84% das empresas com vendas acima de US$ 500 milhões.

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Anthony et al (1992) citam duas medidas de comparação entre o lucro e os ativos empregados: o ROI (retorno sobre investimento) e o Lucro Residual. A primeira medida é a razão entre o lucro e os ativos empregados para gerá-lo e a segunda é uma medida monetária correspondente ao lucro, subtraído de um encargo sobre o capital utilizado, sendo este encontrado através da multiplicação do valor dos ativos empregados por uma taxa específica. Esta taxa é normalmente ditada pelo centro corporativo, sendo seu valor próximo ao custo de capital da empresa.

Segundo Gomes e Amat (1997), em uma empresa descentralizada, o sistema de controle deve ser mais sofisticado e formalizado, com predomínio de sistemas de controle financeiros e orientado à atuação de cada responsável. Igualmente, o processo de planejamento parece ser fundamental para assegurar uma adequada alocação de recursos aos diferentes centros e facilitar a congruência entre os objetivos pessoais de cada responsável e os objetivos globais dos diversos membros da organização.

De acordo com Gomes (1983), o principal cuidado a ser tomado quando da seleção das medidas de desempenho é o de que todos os pontos chaves para o sucesso da organização sejam mensurados pelo sistema de avaliação. Para Eccles (1991), a não monitoração do desempenho de determinado fator crítico para a organização significa abrir mão de qualquer esforço no sentido de otimizá-lo, ficando o resultado associado a ele relegado ao acaso.

A maioria dos problemas encontrados na medição da performance dos gerentes dos centros de lucro se encontra na não separação desta com a medição da performance da unidade. Se as empresas considerarem esta separação, fica evidente que os gerentes devem ter sua performance medida considerando apenas as variáveis que podem influenciar.

Segundo Ferreira (1997), a objetividade e a controlabilidade são dois fatores que devem ser considerados ao se selecionar as medidas de desempenho. Segundo o autor, medidas não objetivas podem por em risco a credibilidade dos sistema de medição ao passo que, medidas que levem em conta aspectos não controláveis comprometem a confiança na justiça da avaliação.

Eccles (1991) cita o desenvolvimento do benchmarking competitivo como metodologia importante aplicável a qualquer tipo de medida seja financeira ou não. O benchmarking envolve a identificação de competidores ou companhias em outras indústrias que são exemplos da melhor prática em alguma atividade ou processo e a comparação destes com a própria performance. O uso desta metodologia parece ter o efeito de ampliar os horizontes dos executivos para melhorias de performance antes pensadas impossíveis de serem atingidas quando verificadas apenas internamente, através de comparação destas apenas com períodos anteriores, orçamentos ou outras unidades dentro da organização.

Para Gomes e Amat (1997), o grande problema que surge com o aumento de tamanho da organização e a descentralização inerente, é o da coordenação entre as várias unidades ou centros de responsabilidade. Os preços de transferência são um dos mecanismos de coordenação mais utilizados em organizações que adotam sistemas de controle financeiro relativamente sofisticados e cujo sistema de avaliação e controle são baseados nos resultados de cada unidade de negócio.

A necessidade de estabelecer preços de transferência surge das relações comerciais internas entre os diferentes centros através da compra ou venda de produtos e serviços, já que estas transações afetarão a atuação e o resultado obtido por cada um. À medida que estas transferências aumentam em relação às vendas totais da organização, mais dependente se torna o sistema de avaliação com base no resultado em relação aos preços de transferência.

Conforme Eccles (1983) é importante que a medição, avaliação e a recompensa do desempenho nas companhias sejam consistentes com a política de preços de transferência adotada. Anthony et al (1992) definem como preço de transferência o valor atribuído aos bens ou serviços fruto de transações comerciais dentro de uma mesma empresa e que envolvam, pelo menos, um centro de lucro ou centro de responsabilidade.

Muitos defendem a tese de que um centro de lucro, em sua forma mais pura, é em princípio substancialmente independente de outras unidades operacionais dentro da mesma empresa. Estes tipos de unidade, possuindo sua própria força de vendas, distribuição, administração e P&D, praticamente não geram problemas de preços de transferência, fazendo também com que a avaliação de desempenho se torne um processo direto e sem conflitos.

Segundo Solomons (1976), na medida em que os preços de transferência são uma parte essencial dos sistema de medição de lucro, eles devem, da maneira mais precisa possível, ajudar a alta administração das empresas a avaliar a performance dos centros de lucro vistos como unidades separadas. Os preços de transferência devem ser tais que motivem os gerentes a agir da melhor maneira para a organização como um todo. Infelizmente neste aspecto, há uma grande possibilidade de conflito, pois um conjunto de preços de transferência próprios para avaliação de performance pode levar divisões a agirem contra os interesses da corporação. Ao mesmo tempo em que o centro de lucro procura maximizar seus lucros e ser melhor avaliado, o lucro da corporação como um todo é reduzido, situação que não deve ser tolerada pela alta administração.

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A definição do preço de transferência deve favorecer a autonomia de cada centro de modo a melhorar sua eficácia. A definição propriamente dita dos preços de transferência é uma tarefa bastante complexa demandando uma análise cuidadosa. "Ao mesmo tempo em que possam funcionar como elemento relevante no processo de avaliação de desempenho, podem, ao contrário, quando não considerados de forma adequada, transformar-se em mecanismos perturbadores e desagregados, com reflexos negativos na motivação dos indivíduos que poderão manipular os resultados apresentados pelo centro, de modo que apareçam bem diante dos instrumentos de aferição utilizados pela organização." (Gomes e Amat, 1997).

O problema de determinação de preços de transferência é composto por duas partes principais: a decisão sobre fontes e a decisão sobre preços, ou seja, de que modo uma unidade de negócios deveria optar entre fornecedores internos e externos e que preço deveria ser fixado para o produto no caso de uma negociação interna. (Eccles , 1983).

Através de sua pesquisa, na qual entrevistou mais de 150 executivos de 13 companhias diferentes, Eccles concluiu que a chave para o problema dos preços de transferência é a estratégia, isto é, os sistemas de preços de transferência são um meio para a geração de informações e controle para a implementação da estratégia do produto, da unidade de negócios e da empresa. Na tentativa de ajudar os executivos a pensarem de forma analítica sobre o problema, Eccles desenvolveu uma metodologia simples tendo como base duas dimensões amplas da estratégia, aplicáveis a nível do produto, da unidade de negócios e da empresa. A metodologia desenvolvida foi denominada PAA - Plano Analítico do Administrador.

Uma companhia pode empregar diversas políticas de preços de transferência, dependendo da estratégia adotada. O administrador poderia utilizar o plano definido por estas duas dimensões estratégicas com o objetivo de localizar sua empresa dentro deste, ajudando na análise da própria empresa ou da unidade de negócios, já que cada combinação das duas dimensões estratégicas está associada a características organizacionais particulares, incluindo políticas de preços de transferência.

3. O Caso da Xerox do Brasil

A Xerox Corporation é uma companhia global atuante em mais de 130 países e cuja atividade principal é a fabricação e comercialização de copiadoras, impressoras, scanners, máquinas de fax e programas de gerenciamento de documentos, além do fornecimento produtos e serviços associados. Pode-se dizer que a empresa atua em um único segmento da indústria, que consiste no desenvolvimento, fabricação e comercialização de produtos e serviços ligados ao processamento de documentos. A organização encerrou o ano de 1996 com um faturamento consolidado de US$ 17 bilhões, lucro líquido de US$ 1,2 bilhões, ativos de US$ 26 bilhões e patrimônio líquido de US$ 5,9 bilhões.

A Xerox passou a atuar no Brasil em 1965, a partir de um acordo firmado entre o empresário Henrique Sergio Gregori e a Xerox Corporation, que resultou na criação da Xerox do Brasil Reproduções Gráficas Ltda. Em 1966, a recém criada empresa participou de uma exposição no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, onde foram apresentados alguns modelos de máquinas que despertaram logo a atenção do público. Até a introdução desta tecnologia, o Brasil dispunha de alternativas que reproduziam originais em papéis fotossensíveis, sistema oneroso e lento, que tinha ainda como agravante o fato de que as cópias se deterioravam com o tempo, em conseqüência de um processo de oxidação.

Em 1967, a expansão da empresa já começara, instalando filiais por todo território nacional. Primeiramente surgiram as do Rio de Janeiro e São Paulo. Em seguida, a de Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e assim por diante, até a de Porto Velho, no ano de 1983, totalizando 53 filiais que respondem por 6 Diretorias Regionais.

Hoje, a Xerox do Brasil é a terceira maior operação Xerox no mundo com 6.000 funcionários e faturamento em 1996 de US$ 1,6 bilhões, perdendo apenas para a matriz americana (faturamento de US$ 7,5 bilhões) e para o Japão (US$ 5,2 bilhões). De acordo com as definições de Vancil (1979), pode-se definir a Xerox do Brasil como um negócio relacionado, ou seja, nenhuma linha de produtos ou serviços é responsável por mais de 70% da receita total da empresa, mas mais de 70% da receita provem de linhas de produtos relacionados. Pode-se dizer que a totalidade de produtos e serviços comercializados pela empresa estão relacionados a um único segmento de mercado definido pela empresa como atividades de processamento de documentos.

A Xerox do Brasil tem sua estrutura organizacional baseada em vários centros de responsabilidade ou unidades de negócios como são normalmente chamadas. Inaugurada em 1970 e localizada no Rio de Janeiro, a Matriz ou Centro Corporativo é onde se encontra o Comitê Executivo, responsável pelas estratégias de negócio, e as Diretorias Funcionais (marketing, finanças, manufatura, recursos humanos - ver organograma anexo), responsáveis pelo estabelecimento e monitoração dos objetivos e diretrizes funcionais e globais da Companhia.

A empresa é dividida em 3 grandes centros de responsabilidade de acordo com os principais produtos comercializados, dando origem a 3 Unidades de Produto. Essas unidades, por sua vez, são divididas em unidades menores, também em nível específico de produtos e tecnologia. Como exemplo, pode-se citar uma unidade de impressoras de pequeno volume, também dividida de acordo com a tecnologia incorporada ao produto, como impressoras com tecnologia de rede e outras sem essa característica.

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A divisão da empresa em unidades de negócios baseada em regiões foi conseqüência de um processo natural, dada as dimensões continentais do país e a medida que o negócio se expandia por todo o território nacional. A empresa sentiu a necessidade de possuir estruturas diferenciadas para atender às diferentes culturas existentes e aos variados tipos de negociação de maneira a proporcionar uma cobertura completa de todo mercado brasileiro. Estar mais perto de seu cliente significava para a Xerox, oferecer melhor atendimento e maior rapidez de resposta às suas necessidades.

4. Análise do caso da Xerox

No caso estudado, verificou-se que a empresa iniciou seu processo de descentralização a partir do momento de sua fundação. A expansão e a necessidade de atingir novos mercados fez com que a empresa se dividisse em Regiões, tornando-as centros de responsabilidade. No momento em que o negócio também começou a se diversificar, com a fabricação de novos equipamentos digitais bem diferentes das tradicionais copiadoras, a empresa descentralizou-se em Unidades de Produto que direcionavam seu foco para diferentes linhas de produtos. Se tornou quase impossível para um pequeno grupo de pessoas compreender e gerenciar operações numerosas e diversificadas de uma grande organização suficientemente bem para possibilitar a tomada das melhores decisões em prol desta (Vancil, 1979).

As afirmações de Vancil (1979) são evidenciadas na empresa quando esta declara que a estrutura descentralizada adotada possibilitou uma maior aproximação com o cliente, propiciando uma qualidade de atendimento melhor e maior velocidade de resposta às suas necessidades. Até pode-se dizer que esta estrutura veio atender a principal estratégia adotada pela empresa, ou seja, a satisfação do cliente em primeiro lugar.

A estrutura organizacional encontrada na Xerox do Brasil pode ser considerada um desdobramento da estrutura descentralizada da Xerox Corporation, que tem seu negócio dividido em várias unidades, as quais seriam representadas por cada subsidiária internacional. Além disso, segundo o gerente corporativo da XBRA, devido às dimensões continentais encontradas em seus países, a estrutura encontrada no Brasil se assemelha bastante à encontrada na matriz americana.

Na empresa estudada, pode-se evidenciar um tipo de estrutura híbrida, ou seja, que acumula características tanto de uma organização tipicamente funcional e outras típicas de organizações descentralizadas. Pode-se observar, por exemplo, as unidades de manufatura, tipicamente funcionais, que, sob a responsabilidade de um Diretor Executivo, buscam a qualquer custo a eficiência e economia de escala em suas operações. Segundo Vancil (1979), uma organização funcional tem o potencial de atingir maior eficiência, potencial criado pela grande proximidade entre a responsabilidade e a autoridade contida em cada atividade funcional. De acordo com este autor, uma organização matricial guarda a estrutura funcional existente focada na administração eficiente de entradas (inputs) e adiciona um novo grupo de administradores, que estão preocupados com as saídas (outputs) da organização.

No caso da Xerox, funcionando paralelamente à estrutura funcional existente, os Diretores das Unidades de Produto se aproximam muito destes novos administradores citados por Vancil (1979). Eles tem a função de trabalhar lateralmente através das hierarquias funcionais existentes, coordenando as várias atividades funcionais necessárias para a saída do produto.

De acordo com Vancil (1976), em estruturas funcionais, o único que consegue enxergar o negócio como um todo e preocupa-se em fazer com que o todo seja maior que a soma que sua parte funcionais, é o presidente da empresa. Além disso, ele é o único que pode resolver os conflitos inevitáveis que surgem entre seus subordinados "funcionais". Vancil (1979) cita o clássico exemplo de conflito que surge entre manufatura e vendas. Normalmente, o gerente de vendas gostaria de uma ampla linha de novos produtos e extrema rapidez nas entregas aos clientes, ao mesmo tempo em que o gerente de manufatura gostaria de fabricar poucos itens em longas corridas de fabricação. Os objetivos conflitantes entre estes dois gerentes freqüentemente focam o estoque de produtos acabados, o qual serve como buffer entre as duas funções. Apesar do conflito, os dois gerentes concordam em um ponto: quanto maior o estoque, melhor. Mas quem é responsável pelo capital investido no estoque? Segundo o autor, não é difícil encontrarmos nestas empresas o presidente como responsável pela administração deste conflito. Na empresa estudada, verifica-se justamente que os gerentes das Unidades de Marketing estão atuando entre estas duas funções, tendo sob sua responsabilidade a administração dos estoques da companhia, sendo este um dos itens mais importantes em sua avaliação de desempenho.

Segundo Anthony et al (1992), as organizações são um conjunto de centros de responsabilidade, possuindo metas específicas, sendo estas interligadas como um todo aos objetivos da organização. Segundo os autores, estes centros formam uma hierarquia, na qual no nível mais baixo da estrutura existem centros de responsabilidade para pequenas unidades organizacionais como seções ou grupos de trabalho e no nível mais alto estão os departamentos ou unidades de negócios que consistem de vários destes pequenos centros. Dentro da estrutura das Regiões estão contidas os centros de responsabilidade denominados Filiais e dentro das Unidades de Produto estão contidos centros de responsabilidade menores e mais especializados ou com alguma tecnologia específica.

Dentro da Xerox do Brasil, evidencia-se claramente a utilização de uma estrutura organizacional fortemente baseada em centros de responsabilidade. Encontra-se na empresa vários tipos de centros, sendo que os mais utilizados são os centros de despesa/custo e centros de lucro.

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Para Anthony et al (1992), a utilização do centro de lucro em detrimento de centros de receita ou despesa/custo, melhora a medida de desempenho, já que o lucro é uma medida mais ampla quando comparada a receitas e despesas medidas separadamente, pois mede simultaneamente o efeito das decisões gerenciais sobre ambas. Entretanto, para o autor, a atenção voltada para o lucro sem considerar o capital utilizado em sua geração, não é uma a forma adequada de controle, pois torna difícil a comparação com outras unidades e empresas. Segundo Reece & Cool (1978), a utilização do conceito de centro de investimento gera um melhor entendimento de como certa unidade está contribuindo para a organização como um todo.

Apesar das evidências que o controle sobre determinada unidade é mais eficaz através do uso de centros de investimento, não se encontra, na empresa estudada, nenhum tipo de unidade ou centro de responsabilidade utilizando este conceito. Pode-se dizer que apenas a empresa como um todo, ou seja, a unidade XBRA, é encarada como um grande centro de investimento pela Xerox Corporation. A utilização deste conceito para os centros de responsabilidade da empresa necessitaria de uma grande mudança na estrutura de responsabilidade e nas medidas de avaliação utilizadas. Uma das principais dificuldades na utilização de unidades de negócios como centros de investimento é a difícil definição do capital empregado por cada uma. Além disso, a própria inércia inerente de uma grande organização como a Xerox dificultaria mudanças como esta.

Na organização estudada, a definição de metas e objetivos se assemelha à descrição feita por Gomes (1997) quando diz que a formulação de objetivos globais derivados da estratégia traçada para determinada organização é o ponto de partida para a definição dos objetivos e metas de cada centro de responsabilidade. Quanto maior a organização, maior e mais detalhado será o desdobramento dos objetivos globais em objetivos específicos.

O processo verificado na empresa se inicia com o que ela denomina de "economics", ou seja, a definição de variáveis macroeconômicas e setoriais que possam influenciar seu desempenho futuro. Em seguida, a empresa propõe objetivos globais como crescimento de receita, despesa e lucro, além de metas qualitativas como satisfação do cliente. A partir daí, inicia-se o processo de definição de metas específicas para cada centro com o objetivo final de, através destes, atingir as metas globais traçadas.

A função do sistema de avaliação de desempenho encontrado na empresa, enquanto parte de um sistema de controle, parece se aproximar muito dos objetivos propostos por Flamholtz (1996). De acordo com o autor, a primeira função deste sistema seria a geração de números usados para monitorar até que ponto os objetivos e padrões estabelecidos pela corporação foram alcançados, fornecendo um feedback para os membros da organização com a finalidade de correção e avaliação. Além de possuir estes objetivos, o sistema de avaliação da Xerox é utilizado ainda com fins de premiação aos funcionários.

A segunda função sugerida por Flamholtz se refere ao sistema de avaliação como agente modificador do comportamento das pessoas dentro da organização. Pode-se observar na empresa, o total comprometimento dos funcionários com o sistema, que ainda possui a sugestiva denominação de "Desafio". A percepção foi de que as pessoas estão o tempo todo buscando superar suas metas afim de serem bem avaliados.

O sistema de premiação encontrado na empresa, ligado diretamente ao sistema de avaliação de desempenho, é outro importante fator de influência sobre o comportamento dos funcionários. O prêmio ou bônus, como é usualmente chamado, é diretamente proporcional aos resultados obtidos na avaliação. Não foi encontrado nenhum tipo de vínculo oficial entre os resultados da avaliação e a ascensão do funcionário na hierarquia da empresa. Vários tipos de medidas são utilizadas no processo de avaliação de desempenho dos centros de responsabilidade da empresa estudada. Dentre as medidas financeiras destacam-se o lucro, que segundo Anthony et al (1992), é uma importante medida tanto de eficácia quanto de eficiência e as despesas/custos e dentre as medidas não financeiras pode-se citar índices de satisfação do cliente.

A utilização de várias medidas de desempenho observadas na empresa estudada denota a intenção de incluir no sistema de avaliação todos os fatores chaves para o sucesso da organização (Gomes, 1983).

As medidas de lucro são utilizadas nos centros denominados de Regiões, Filiais e Unidades de Produto. É importante observar que os critérios utilizados para as medidas de lucro podem variar de acordo com o tipo de centro de responsabilidade, na medida em que modificam-se critérios de alocação e políticas de preços de transferência. O significativo grau de arbitrariedade contido no cálculo do lucro foi evidenciado também por Pinto (1997) em sua pesquisa com cinco empresas descentralizadas que utilizavam centros de lucro em sua estrutura de responsabilidade.

Segundo Anthony et al (1992), existem dois tipos de medidas de lucro em uma unidade de negócio. A primeira se refere à avaliação da performance gerencial concentrada nas ações dos gerentes das unidades e a segunda é uma medida de performance econômica na qual o foco é a avaliação do centro de lucro como uma entidade econômica. As interpretações derivadas destas duas medidas podem ser bem diferentes, já que a performance da unidade como um todo pode muitas vezes encobrir a má administração por parte de seu gerente.

Na unidades denominadas de Regiões, a medida de resultado utilizada pode ser encarada tanto como uma medida de avaliação do gerente responsável, na medida em que são utilizadas apenas variáveis controláveis como receita, despesas da unidade e custo dos produtos vendidos (custo padrão), quanto uma medida econômica, podendo seu resultado ser encarado como uma margem de contribuição para todos os outros custos não alocados. Segundo Anthony & Govindarajan (1995; apud Oliveira, 1998), o principal argumento

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para o uso da margem de contribuição enquanto medida de desempenho do gerente divisional é que os custos fixos não seriam controláveis pelo gerente, devendo este se focar na maximização da diferença entre a receita e os custos variáveis. Já nas Unidades de Produto, não há nenhuma separação das variáveis controláveis em seus demonstrativos de resultado.

Além das variáveis internas, que podem ou não ser controladas pelo responsável de uma unidade ou centro de responsabilidade, existem ainda, as variáveis externas à organização, que podem ter grande influência sobre os resultados. Para Dearden (1987), se não houver distinção entre a medida de performance econômica da unidade e a medida de performance do gerente, falhas de avaliação provavelmente irão ocorrer. Na análise dos resultados obtidos tanto nas Unidades de Produto quanto nas Regiões/Filiais, existe a tentativa de apurar se um resultado negativo, ou seja, abaixo das metas estabelecidas, foi causado por algum fator externo à organização como a atuação da concorrência ou a variação inesperada de variáveis macroeconômicas. Entretanto, não foi verificado o mesmo interesse em verificar as causas das variações em relação às metas estipuladas quando o resultado da unidade é positivo, isto é, quando as metas são ultrapassadas.

Dearden (1987) propõe a utilização de relatórios gerenciais, classificando cada item deste segundo o grau de influência da gerência direta. Esta prática evitaria que variações desfavoráveis com alto grau de influência fossem compensadas sem controle por variações favoráveis cuja influência direta do gerente responsável fosse mínima. Não foi encontrada nestas unidades da empresa nenhum relatório gerencial que possuísse a característica acima referida.

Na avaliação dos centros de responsabilidade da Matriz e das Fábricas são utilizadas como medidas, o custo e a despesa destas unidades. No caso das Fábricas, que podem ser consideradas, segundo a definição de Anthony et al (1992), como um Centro de Despesas de Engenharia (engineered expense center), é utilizada como medida de avaliação, a variação em relação ao custo padrão proposto. Segundo o autor, uma medida que relaciona o custo real incorrido a algum custo padrão, ou seja, a um número que expresse quais seriam os custos para determinado volume de saída (no caso, de produção), pode ser considerada uma indicação útil de eficiência. Além das Fábricas, a unidade responsável pela distribuição dos equipamentos, também pode ser considerada como um centro de custos de engenharia.

Para Anthony et al (1989), um sistema de custo padrão gera variâncias (diferença entre o custo real e o padrão) que fornece importantes informações para a administração. Estas variâncias são utilizadas pela empresa através da utilização da conta denominada "MCV" (manufacturing cost variance).

O objetivo principal da empresa, ao decompor as variâncias observadas em vários componentes, é facilitar a análise dos resultados reais. Entretanto, Anthony et al (1989) aconselham a utilizar com cuidado os termos "favorável" ou "desfavorável", já que apenas denotam o sinal algébrico da variância e não o julgamento do desempenho dos gerentes responsáveis. É importante ressaltar que, nestes tipos de centros de responsabilidade, existem outras atividades que não podem ser avaliadas pelas medições de custo. Por exemplo, o gerente da fábrica, além de ser responsável pela eficiência com relação aos custos de produção, também é responsável pela qualidade dos produtos fabricados. É necessário, então, que se especifique padrões de qualidade pois, se não o fizer, custos de produção poderão ser minimizados às custas da queda da qualidade dos produtos. Seguindo esta orientação, além das medidas de custo, as fábricas da Xerox possuem metas específicas não relacionadas diretamente a esta medida financeira como, por exemplo, vários índices de qualidade.

A Matriz, classificada como um grande centro de despesa, é formada por vários outros centros de despesa responsáveis por atividades distintas como por exemplo recursos humanos, contabilidade, planejamento, marketing e etc. Estes centros de despesa responsáveis por atividades administrativas e de suporte, podem ser classificados segundo a definição de Anthony et al (1992) como centros de despesas discricionárias. Os autores destacam alguns pontos no que se refere ao controle destes tipos de centros. O primeiro é que o sistema de controle gerencial ajuda somente no controle das despesas, ou seja, o orçamento representa somente as despesas planejadas para o centro. Segundo, se as despesas reais não excederem o orçamento, o gerente pode apenas dizer que sua unidade estava "dentro" do orçamento. Entretanto, dada a natureza do centro, não se pode dizer que estar dentro do orçamento seria um desempenho eficiente. Dado que as medidas financeiras utilizadas não conseguem medir nem a eficácia nem a eficiência destes centros de responsabilidade, parece ser necessário que medidas não financeiras e outros tipos de julgamento sejam empregados na avaliação destes.

Se estes dois tipos de centro de custos não são cuidadosamente identificados, a gerência pode tratar relatórios de desempenho de um centro de despesa discricionário como se fosse uma indicação de eficiência. Se isto é feito, os funcionários deste centro podem se motivar a gastar menos que o orçamento.

Medidas como o ROI (retorno sobre investimento) ou o Lucro Residual, utilizadas na avaliação de desempenho dos centros de investimento, são inexistentes na medida em que, como anteriormente citado, este tipo de centro de responsabilidade só existe para a organização Xerox do Brasil como um todo. De acordo com a pesquisa realizada por Reece & Cool (1979), 84% das maiores empresas industriais americanas com faturamento acima de US$ 500 milhões utilizavam centros de investimento dentro de sua estrutura organizacional. Na Xerox do Brasil, empresa com faturamento acima de US$ 1,5 bilhões, não foi evidenciado nenhum tipo de centro de responsabilidade com as características de um centro de investimento.

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A empresa estudada faz grande uso de medidas não financeiras tanto nos centros de despesa anteriormente citados quanto nos demais centros de responsabilidade. No caso dos centros de despesas localizados na Matriz, a maioria destas medidas estão relacionadas ao tipo de atividade específica de cada um. É importante observar que a avaliação destas medidas está diretamente relacionada a premiação destes centros, segundo a orientação de Eccles (1991), que afirma que para uma variável não financeira ter o mesmo status das medidas financeiras, estas devem estar atreladas ao sistema de recompensas. Além de serem utilizadas como centro de responsabilidade, medidas qualitativas, como satisfação do cliente, são usadas como medidas globais de desempenho. Cabe ressaltar que esta é uma das mais importantes medidas da empresa, já que está diretamente ligada ao posicionamento estratégico desta. O importante na definição destas novas variáveis é identificar aquelas que melhor avaliariam o desempenho da unidade, dada uma estratégia a ser seguida (Eccles, 1991).

A abundância de medidas não financeiras pode ser justificada pela própria estrutura organizacional encontrada na empresa. Segundo Gomes e Amat (1997), em uma estrutura matricial, os indicadores qualitativos, muitos deles de difícil quantificação, e a informação não financeira, são fundamentais para facilitar a coordenação das diferentes unidades entre si. É importante mencionar que, na avaliação dos centros de responsabilidade, além de metas específicas, financeiras ou não, são utilizadas metas globais da organização. Isto significa que, mesmo se um determinado gerente atingir todas as suas metas, sua avaliação poderá ser prejudicada por um resultado global desfavorável. Esta adição de resultados globais à avaliação das unidades pode ser justificada também pelo tipo de estrutura organizacional adotado pela empresa.

Os padrões de referência normalmente utilizados na avaliação de desempenho da empresa são as próprias metas propostas para o período avaliado. Além disso, existem também nas Filiais o que definimos na descrição do caso como benchmarking interno, ou seja, a comparação entre os resultados de unidades similares dentro da própria organização.

A empresa estudada pouco se utiliza de referências externas como a comparação com a concorrência ou outras organizações, o que segundo Eclles (1991) pode-se denominar de benchmarking competitivo. A utilização desta metodologia, segundo o autor, poderia ampliar de forma bastante significativa os horizontes dos gerentes para melhorias de desempenho antes consideradas impossíveis.

A Xerox do Brasil possui um sistema de preços de transferência bastante simplificado, o que pode ser justificado pelos poucos tipos de transferência presentes entre seus centros de responsabilidade. Apesar disso, os preços de transferência existentes são de grande importância na medida em que afetam o resultado e a avaliação de determinadas unidades. A presença de preços de transferência parece estar em sintonia com a afirmação de Gomes (1997) quando afirma que a necessidade e a utilidade de dispor de preços de transferência surge quando existem unidades descentralizadas que são avaliadas e premiadas de forma individual, mas que possuem transferências internas de produtos, recursos ou serviços com outras unidades da própria organização que afetam o cálculo de seu resultado.

Segundo Solomons (1976), os preços de transferência devem ajudar a alta administração das empresas a avaliar o desempenho dos centros de lucro encarados como unidades separadas, já que são parte fundamental do próprio sistema de medição do lucro. Na empresa pesquisada, é clara a percepção de que os preços de transferência são utilizados basicamente com o objetivo de apuração dos resultados das Regiões/Filiais e das Unidades de Produtos, consequentemente sendo peça fundamental para a análise de desempenho. Esta observação confirma a pesquisa de Tang et al (1976) quando concluiu que os principais objetivos dos sistemas de preços de transferência, tanto em empresas japonesas quanto americanas, eram de maximizar os lucros consolidados das organizações e de avaliar a performance das várias divisões componentes desta.

Referindo-se ao Plano Analítico desenvolvido por Eccles (1983), o "PAA", pode-se situar a empresa estudada, com relação as variáveis denominadas de diversificação e integração vertical, entre os tipos definidos pelo autor como Cooperativa e Colaboradora. Analisando-se o quadro no qual Eccles (1991) resume as características dos três tipos "puros" de organizações, verifica-se, em relação aos preços de transferência, que as políticas utilizadas estariam situadas entre a utilização do Custo Total padrão e o Preço de Mercado. Verifica-se na empresa a utilização de apenas dois tipos de preços de transferência, o custo total padrão e o custo total real.

A ausência do preço de mercado pode ser explicada pela ausência de um mercado competitivo para os produtos intermediários transferidos entre as unidades (Solomons, 1976). Pode-se dizer que os produtos Xerox não tem similar comparativo na mercado brasileiro. Em relação aos tipos de equipamentos, existem muitos que nem possuem concorrência. Alguns, como impressoras ou fax tem similar no mercado, porém, além do equipamento em si, incorpora-se no produto Xerox toda a infra-estrutura de atendimento e assistência técnica, inexistente em seus concorrentes. Na empresa estudada, a maioria das funções operacionais estão centralizadas na gerência corporativa. Vancil (1976) destaca que, se as funções operacionais podem ser executadas centralizadamente de forma eficaz e eficiente, então elas tendem a predominar dentro da organização. O autor indica a relação direta existente entre o grau de diversificação encontrado na empresa e o grau de centralização de funções operacionais. Esta relação implicaria em que quanto menor o grau de diversificação maior a chance da empresa centralizar certas funções, o que estaria em linha com o nível de diversificação encontrado na empresa. A justificativa para tal conclusão, segundo o autor, pode estar na economia de escala alcançada. Descreve-se abaixo as principais atividades comuns.

Manufatura: Na Xerox, a unidade de Manufatura é coordenada centralizadamente. Mais ainda, foi observado que esta unidade, além de se reportar à presidência da Xerox do Brasil, se reporta diretamente à Matriz

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americana. Os custos de manufatura são transferidos para as Regiões e Unidades de Produtos. Evidenciou-se a utilização do custo padrão nas transferências para as Regiões em contraposição à utilização do custo real nas transferências para as Unidades de Produtos. Segundo Anthony et al (1992), o custo real não deve ser utilizado como preço de transferência, já que as ineficiências da unidade vendedora (Manufatura) seriam transportadas para a unidade compradora (Unidade de Produto). Segundo os autores, o uso do custo padrão em comparação com o custo real, reduz a variação do preço recebido pela unidade compradora, possibilitando uma avaliação mais precisa da contribuição dada por cada unidade, além de isolar os efeitos que a unidade compradora tem sobre a vendedora.

Distribuição: esta função, da mesma maneira que a função de manufatura tem seus custos alocados somente às Unidades de Produto ao custo real incorrido. As bases de alocação utilizadas correspondem a medidas específicas proporcionais aos custos gerados por cada unidade. Este tipo de alocação, longe da perfeição, parece ser uma tentativa de identificação dos custos incorridos aos verdadeiros geradores destes. Percebe-se na empresa, a tentativa constante de aperfeiçoar as medidas que servem de bases de alocação. Entretanto, é claro para os gerentes responsáveis, que o benefício que estas medições trarão à companhia deverão ultrapassar em muito os custos para gerá-las.

P&D: a atividade de P&D, administrada pela unidade de Manufatura, também tem seus custos alocados às Unidades de Produto ao custo real. No caso desta atividade, não é utilizada base de alocação, já que os custos são facilmente identificáveis, na medida em que os projetos e pesquisas são requisitados diretamente por uma unidade específica, formando-se "times" que trabalharão exclusivamente para ela.

O procedimento adotado pela empresa nestas transferências parece razoável na medida em que se esforça para obter a melhor base de alocação afim de não causar grandes distorções nos resultados das unidades. Vancil (1976) atenta para o fato de que o método adotado para a alocação destas despesas pode fazer com que uma unidade atue de maneira contrária aos interesses da companhia como um todo. O autor cita o exemplo de alocações baseadas em receita de vendas descrito na revisão de literatura.

Os serviços corporativos como finanças, planejamento, recursos humanos e etc. são totalmente alocados às Unidades de Produto pelo custo real dos serviços que, segundo Vancil (1976), é o método mais usual encontrado nesse tipo de alocação. Verifica-se na empresa uma grande pressão por parte dos diretores das Unidades de Produto junto aos gerentes dos centros transferidores no que se refere à diminuição desses custos. Uma das vantagens dessas transferências é impedir que os referidos custos cresçam indiscriminadamente, uma vez que os gestores das unidades logo reclamarão desse crescimento. Outra é passar a mensagem aos gestores das unidades de que não há lucro sem que esses custos sejam pagos em tempo determinado. Mais uma vantagem é o fato de garantir que todos os custos estejam cobertos (Anthony et al, 1992).

Solomons (1976) defende a não alocação destes custos pela empresa, justificando sua posição dizendo que estas despesas não seriam controladas pelos gerentes das unidades descentralizadas. Em adição, em muitos casos qualquer método de rateio torna-se tão arbitrário, que seria difícil encontrar uma base de alocação que conseguiria refletir a quantidade utilizada por cada unidade de negócios (Anthony et al, 1992).

Como grande influência na autonomia dos gerentes das unidades, foram identificadas na empresa, algumas normas e procedimentos os quais devem ser seguidos pelos gerentes das unidades. Normalmente estas restrições estariam ligadas a fatores econômicos e relacionados à magnitude da decisão a ser tomada (Vancil, 1979).

Ao contrário do que foi inferido pela pesquisa de Vancil (1979), os gerentes das unidades possuem alto grau de autonomia no que se refere a decisões classificadas como de "decisões de produto", ou seja, decisões envolvendo lançamento ou descontinuação de linhas de produtos.

5 . Sumário

Através do estudo de caso da Xerox do Brasil, este trabalho objetivou confrontar a teoria com a prática sobre a estrutura de responsabilidade, avaliação de desempenho e preços de transferência. Conforme pode ser observado, os resultados obtidos neste estudo, muito embora não possam ser generalizados, são coincidentes em muitos aspectos com pontos relevantes referenciados na literatura e, mais importante ainda, realçam a perspectiva de novas pesquisas na área de contabilidade e controle gerencial, principalmente aquelas que, valendo-se de metodologia diferenciada, ofereçam a possibilidade de generalização dos dados.

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Gestão de recursos humanos: gerenciamento do impacto da tecnologia da informação no setor serviços, uma amostra

Autores: Edgard Lopes Passeri, M.Sc Universidade Estácio de Sá Fernando Guilherme Tenório, D.Sc Universidade Estácio de Sá

1. Introdução 2. Apuração e Análise dos Resultados 3. Conclusão Referências Bibliográficas

Resumo

Contemporaneamente, os processos de mudança organizacional se pautam pela necessidade dos sistemas sociais organizados de se adaptarem ao modelo econômico vigente que privilegia a incorporação de tecnologias da informação (TI). Suas conseqüências afetam não só as especificidades da produção de bens ou de serviços, mas, principalmente, as relações de trabalho nas empresas. Como a gestão de recursos humanos (GRH) é o espaço organizacional singular para discutir as questões relativas ao quadro funcional de uma empresa, caberia à GRH contribuir para as adaptações necessárias quando processos de mudança organizacional são implementados. A finalidade deste texto é apresentar os resultados do subprojeto de pesquisa no âmbito do Projeto de Pesquisa sobre Flexibilização Organizacional e do Trabalho. Estes resultados revelam uma GRH alheia à necessidade de uma intervenção na condução das situações implícitas à incorporação tecnológica tão global quanto a da TI e a da implementação de um modelo gerencial de ação dialógica.

Abstract

Organizational driving changes in contemporary organizations have to meet the requirements of an Information Technology (IT) incorporation set by the prevailing economic model and to endure its consequences not only in production systems but also, and mainly, in labor relations. That makes Human Resources Management (HRM) to become the organizational locus to discuss those impacts on the functional boarding. This study aims to present the results of a research on the Organizational and Labor Relations Flexibility which shows an HRM out of the driving of such changes and far from a dialogical management model.

[topo]

1. Introdução

Os processos de mudança organizacional têm-se pautado, contemporaneamente, pela necessidade que os sistemas sociais organizados têm de se adaptar ao modelo econômico vigente que privilegia, essencialmente, a incorporação de tecnologias da informação (TI). As conseqüências dessas mudanças afetam não somente as especificidades da produção, quer de bens ou de serviços, mas, principalmente, o quadro funcional das empresas.

Considerando a gestão de recursos humanos (GRH) um espaço organizacional singular, além de suas funções burocráticas, caberia também a esta área contribuir para as adaptações que se fazem necessárias quando qualquer processo de mudança organizacional é implementado na discussão das questões relacionadas ao quadro funcional de uma dada empresa.

Assim, a finalidade deste texto é apresentar os resultados de um subprojeto de pesquisa, implementado no âmbito do Projeto de Pesquisa Flexibilização Organizacional e do Trabalho do Curso de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial (MADE), mantido por uma universidade sediada na cidade do Rio de Janeiro. Este subprojeto pretendeu dar continuidade a estudo anteriormente realizado em quatro empresas do setor industrial. No caso do presente trabalho, a análise foi direcionada a empresas prestadoras de serviços.

Na pesquisa anterior, verificou-se que as unidades voltadas à GRH estavam aquém das necessidades contemporâneas de uma área que, à semelhança das demais, deveria ser proativa às novas exigências funcionais demandadas pela (TI). Numa escala entre 1 (hum) e 10 (dez), sendo 1 (hum) o valor mais baixo, observou-se que a média alcançada pela GRH foi de 4,76. Esta informação significava que a referida área tinha um baixo desempenho quanto ao seu papel no gerenciamento da incorporação de novas tecnologias.

O objetivo do presente estudo é verificar se no setor serviços o fenômeno ocorreria como no industrial. O método utilizado foi a análise de dados através da aplicação de 936 questionários: 786 em uma empresa de serviço bancário, 45 em uma empresa de telecomunicações.

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A pesquisa realizada junto à empresa do setor bancário apresentou uma média 4,58 no que se refere à participação da GRH no processo de mudança inerente à incorporação da TI, ainda mais baixa que aquela evidenciada no estudo anterior desenvolvido um ano antes no setor industrial. Esta média, obtida a partir de uma significativa amostragem no âmbito de uma organização bancária nacional, dissipa possíveis dúvidas que viessem a autorizar uma qualificação daqueles dados do setor industrial como apenas tópicos, peculiares ou circunscritos à indústria. Fica assim reforçado que, por motivos que mereceriam uma investigação mais aprofundada em outros estudos, a GRH vem sintomaticamente demonstrando um certo grau de alheamento à necessidade de uma intervenção mais definida e atuante na condução das situações implícitas a uma incorporação tecnológica tão global quanto a da TI. Atuação que deveria, ao invés de ser autoritária, ser mais consensual e estar focada, sobretudo, na atenuação de impactos mais severos na relação entre pessoas e nas suas expectativas pessoais e profissionais.

Já no que se refere à pesquisa realizada numa empresa de telecomunicações, pode-se aprofundar a análise quanto à média 6.30 resultante da pesquisa sobre a atuação da GRH, no processo de incorporação da TI. Após dois anos de interstício, este resultado poderia sugerir uma tendência divergente daquela dos primeiros estudos. Na realidade, a referida média nesta empresa sofre o impacto de dois fatores: um que pode ser considerado estrutural e outro que se apresenta como conjuntural. Em se tratando de uma empresa tecnológica, o elemento estrutural envolvido refere-se à sua estrutura organizacional que já deveria estar desenhada de maneira a poder absorver, com relativa flexibilidade, tais incorporações e sua população funcional estaria culturalmente mais preparada e afeita a lidar com incorporações de tecnologias de vários tipos e natureza.

Neste caso, a incorporação da TI seria para aquele contingente funcional, contrariamente aos casos anteriormente estudados, apenas mais uma incorporação. O elemento conjuntural, como tal específico de uma determinada fase organizacional daquela empresa, surge a partir do momento em que, sendo uma organização estatal incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND) à época da pesquisa (1998), sofria uma profunda reestruturação organizacional e administrativa com vistas à sua privatização. Em tal circunstância, todo o aparato gerencial foi acionado e atuava de forma intensa e concentrada no sentido de deixar a empresa de telecomunicações "enxuta" e eficiente, tornando-a, assim, atrativa a seus potenciais novos investidores e acionistas. Neste contexto, em contraponto com a situação das organizações pesquisadas nos estudos anteriores, seria normal que os resultados revelassem uma certa intensificação da participação de GRH no processo de incorporação da TI em relação àquela apresentada nos estudos anteriores.

Contudo, esses mesmos resultados, se olhados no detalhe, permitem uma análise concludente pela, ainda assim, tímida atuação de GRH no todo deste processo de mudança. De fato, ao se considerar que a preparação de uma empresa para venda a novos investidores, inclusive estrangeiros, é uma operação de abrangência institucional, que deve ser regida por uma metodologia integrada e interativa das diferentes áreas funcionais que a constituem, a média 6,30, apesar de estar acima de 5, configura acanhada exposição para uma GRH. Por sua natureza, a GRH deveria estar entre as lideranças articuladoras e condutoras de todo aquele processo. Exatamente porque o comportamento e as reações do contingente funcional mal informado, mal preparado ou surpreso podem vir a, direta ou indiretamente, interpor sérias dificuldades ao êxito de uma transação institucional de tal porte o que seria, aliás, um desfecho altamente previsível dentro de uma concepção autoritária de gestão. A julgar pela ordem natural das coisas, em tal cenário conjuntural, a média deveria aproximar-se mais claramente de 10, para que se refletisse uma adequada e significativa participação de GRH. A constatação estatística de que isso não ocorreu parece conceder que a média 6,30, neste contexto, apesar de ser mais alta que a dos demais estudos, vem apenas confirmar, e não denegar, como poderia induzir à primeira vista, as tendências ali apontadas por aqueles resultados.

Finalmente, no ano de 1999, foram preenchidos 105 questionários por diferentes funcionários de número igual (105) de empresas de serviços. O questionário continha 25 (vinte e cinco) questões, em escala gráfica, de 01 (hum) a 10 (dez), e mais 02 (duas) outras, abertas, para que os respondentes expressassem, por escrito, comentários adicionais. Nesta escala, o índice mais baixo seria 01 (hum) e o mais alto 10 (dez). O resultado geral deste estudo, a seguir detalhado, traduziu-se na média 5,35, consistente com aquele igualmente apurado na sucessão de três (1996), dois (1997) e um ano antes (1998), respectivamente. Consolidou-se, assim, uma tendência unânime dos dados apurados entre vários segmentos empresariais de que a GRH poderia e deveria apresentar uma intervenção mais definida, convincente, determinante e eficaz nos resultados e impactos da incorporação da TI no âmbito das organizações contemporâneas.

O referencial teórico que estabelece as bases conceituais deste estudo faz a distinção entre ação gerencial monológica e dialógica. Ação gerencial monológica é uma ação social utilitarista, com cálculo de meios e fins, implementada através da interação de duas ou mais pessoas na qual uma delas tem autoridade formal sobre a(s) outra(s). Ação gerencial dialógica é uma ação social implementada por meio da intersubjetividade racional dos diferentes sujeitos sociais na busca permanente do entendimento por meio da razão.1

Sob a perspectiva da ação gerencial dialógica, a legitimidade das ações daí decorrentes somente ocorreria se, e somente se, os sujeitos sociais desenvolvessem conteúdos racionais de maneira intersubjetiva por meio do melhor argumento, visando o entendimento. O não atendimento desta condicionante configuraria apenas uma perspectiva de gestão monológica. Por sujeitos sociais serão entendidos todos aqueles que ocupam as diferentes posições hierárquicas - superiores e subordinados - no interior de qualquer sistema social organizado.

Os resultados obtidos através desta pesquisa e de acordo com a escala gráfica estabelecida obedecerão aos seguintes critérios: corresponderão ao tipo de ação gerencial monológica aqueles dados próximos a 01 (hum) e

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de ação gerencial dialógica, os dados em direção a 10 (dez). Os resultados da análise serão descritos em oito quadros que atenderão aos seguintes parâmetros: Quadro 1 - Performance da GRH no processo de mudança; Quadro 2 - Participação da GRH no planejamento da mudança e nas relações de poder; Quadro 3 - GRH e a participação funcional no processo de mudança; Quadro 4 - Mudança e GRH nas relações interpessoais; Quadro 5 - Mudança e GRH nos Planos de Cargos e Salários; Quadro 6 - Mudança e GRH nos processos de treinamento; Quadro 7 - Mudança e GRH no processo motivacional; Quadro 8 - Mudança e GRH na qualidade de vida profissional.

Os dados apurados foram condensados por tópico pesquisado e classificados em cinco grupos, cada um deles caracterizando uma população específica. O Grupo A concentra os dados apurados na cidade de Manaus-AM; o Grupo B, os dados coletados na zona sul da cidade do Rio de Janeiro-RJ; o Grupo C, aqueles obtidos na cidade de Vitória-ES; o Grupo D, os sintetizados na Baixada Fluminense-RJ; o Grupo E, os que foram colhidos na zona norte do Rio de Janeiro-RJ.

2. Apuração e Análise dos Resultados

A seleção desta amostragem foi feita pelo método não-probabilístico. A amostragem foi composta por um conjunto de 105 profissionais de diferentes carreiras, todos atuando em empresas prestadoras de serviços pertencentes ao setor privado da economia.

Da análise preliminar e global do universo de dados coletados depreende-se que, na condução do processo de mudança do ambiente organizacional, a ação da GRH, no que se refere à percepção, administração e controle dos impactos da incorporação da TI nas referidas empresas, de modo geral, foi muito discreta. Os resultados, apesar de obtidos a partir de uma pesquisa feita entre profissionais de diferentes carreiras atuando em regiões geográficas diferenciadas, apresentam uma configuração bastante idêntica entre si, com sua consistência comprovada estatisticamente.

Para melhor entendimento da análise detalhada dos resultados desta pesquisa de campo, estabeleceu-se uma seqüência que se inicia com a apreciação da atuação da GRH, propriamente dita, na condução do processo de incorporação da TI. Em seguida, de forma articulada, buscou-se caracterizar a intervenção de GRH na gestão dos impactos daquela incorporação tecnológica sobre as relações de poder dentro das empresas, sobre a participação funcional, sobre as relações interpessoais e finalmente sobre os processos inerentes à própria função de GRH.

No que se refere à atuação da GRH propriamente dita, quanto ao processo de incorporação da TI por parte das empresas prestadoras de serviço do setor privado, os dados apurados apontam para uma quase unanimidade: primeiro, em admitir (de forma mais sensível nos Grupos A e C, e menos no Grupo B) que a implantação da TI gerou uma sensível mudança de cultura organizacional no ambiente de trabalho; segundo, em entender como função típica da GRH, auxiliar, acompanhar e esclarecer o empregado sobre os possíveis impactos de tal incorporação na vida do trabalhador; terceiro, (com uma leve variação nos Grupos D e E) em definir como praticamente inexpressiva a presença e a atuação dos profissionais da GRH ao coordenar o processo de mudança e assistir os funcionários em suas dificuldades de compreensão do significado e extensão dos impactos desta incorporação da TI no seu ambiente e nas suas relações de trabalho, na sua carreira e vida profissional. Transparece dos dados, com certa nitidez, que a GRH das empresas privadas de prestação de serviços ainda não se desvencilhou de um modelo de gestão monológica, permanecendo sob a influência de seus princípios.

Quanto aos impactos da incorporação da TI sobre as relações de poder refletidos no desenho da estrutura hierárquica e organizacional das empresas e sob a responsabilidade, coordenação e controle da GRH, a apuração de médias parciais e geral, situadas um pouco acima de 6, a despeito da sua fraca atuação, revela (com pequenas e isoladas exceções) que a tecnologia da informatização ao final do processo de mudança e da forma como foi incorporada pelas empresas, ensejou: (a) um ligeiro aumento de delegação de autoridade e de participação no processo de tomada de decisão; (b) uma moderada melhora nas relações hierárquicas, apontando a automação como um catalisador do direcionamento das práticas da GRH nas empresas privadas do setor de serviços, abrindo caminho para a implementação de princípios de gerência pautados no modelo de gestão dialógica; (c) um incremento (mais sensível em relação aos demais tópicos desta categoria) da autonomia de ação no desempenho das respectivas atribuições.

Da análise dos dados pertinentes à identificação dos impactos da incorporação da TI sobre a participação funcional no processo de mudança - estas também sob a gestão direta da GRH e apesar de sua inexpressiva ação enquanto estimuladora e coordenadora deste processo - ressalta a descontinuidade da quase unanimidade apreciada nos itens anteriores.

A partir da análise da origem dos dados, talvez se pudesse concluir que, em áreas onde exista uma alta competitividade no campo profissional (Grupo B - zona sul da cidade do Rio de Janeiro), o advento da TI impactou, de forma moderadamente negativa, na diminuição tanto da chamada à participação do trabalhador no processo de mudança quanto em seu caráter democrático, no grau de colaboração e entendimento entre os pares. Já na região norte do país (Grupo A - Manaus), onde a sobrevivência profissional passaria pela solidarização entre todos os níveis organizacionais, os dados apurados indicariam a intensificação desses mesmos tópicos: da chamada à participação do trabalhador no processo de mudança e de seu caráter democrático, bem como do grau de colaboração e entendimento entre os pares. Nos demais espaços

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geográficos, demonstrando uma grande similaridade das médias parciais entre si (Grupos C, D e E - Vitória-ES e zona norte da cidade e município do Rio de Janeiro), nos quais predominaria um equilíbrio de competências, a incorporação da TI teria influído em menor escala que em Manaus e em maior escala que na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, sobre os tópicos acima referenciados, por parte das empresas privadas prestadoras de serviço.

De forma intrigante, os dados apurados no quesito "relações interpessoais", espelham uma significativa dispersão de médias comprovada pelos respectivos desvios padrões, não sendo possível apurar com clareza a tendência do impacto da TI sobre a comunicação fluente entre as lideranças condutoras do processo de incorporação, entre as quais a GRH, e os trabalhadores nele envolvidos. É clara, no entanto, a deterioração desta mesma comunicação quando o seu objeto é a divulgação dos resultados da incorporação das práticas de TI. Esta queda na qualidade da comunicação insinua uma consistente confirmação da propensão acima identificada de a GRH, no seio das empresas de serviços do setor privado, estar eivada dos vícios e limitações do modelo autoritário, caracterizado por uma gestão monológica.

Passando à analise dos resultados apurados relativamente aos tópicos relacionados com os processos que compõem a GRH, serão focados aqueles referentes ao Plano de Cargos e Salários, ao treinamento, à motivação e à qualidade. Mais uma vez, os resultados confirmam a ausência de ações gerenciais efetivas por parte de GRH. Diante dessa evidência nota-se uma outra tendência: os trabalhadores supletivamente tentam, por iniciativa própria ou coletivamente, encontrar uma maneira de se adaptarem e tirarem proveito pessoal e profissional da introdução e disponibilidade tecnológica ao seu alcance. É o que se vê mais nitidamente nos dados relativos à motivação e qualidade de vida profissional.

No que tange ao Plano de Cargos e Salários, a unanimidade entre os grupos pesquisados volta a se evidenciar quando é apreciada a compatibilidade entre as atividades anteriores e as novas atribuições definidas no contexto das mudanças organizacionais inerentes à incorporação da TI. Os dados confirmam esta significativa compatibilidade. A mesma unanimidade ocorre com relação aos resultados relativos à possibilidade de migração de funcionários dos postos anteriores para outras unidades e ao índice de insegurança diante desta contingência. Como os números indicam que o índice de migração de postos foi baixo e o de insegurança foi elevado, fica reforçada a conclusão de que, face ao modelo monológico de gestão, os trabalhadores não foram informados do que aconteceria com suas carreiras e com a estrutura organizacional neste processo de mudança permanecendo, desnecessariamente, em estado de tensão.

No entanto, a unanimidade desaparece quando a análise recai sobre os impactos da incorporação da TI sobre os salários. A média geral em torno de 6 - se não retrata com tanta fidelidade a flutuação das médias parciais, algumas (três delas) abaixo de 5, especificamente nos Grupos B, C e E situados em áreas geográficas de grande competitividade - demonstra, com transparência, que a modernização tecnológica das empresas privadas do setor de serviços agregou pouco valor ao campo da remuneração salarial.

Na abordagem analítica dos itens referentes às necessidades e à efetivação de treinamento demandadas pela incorporação de novas tecnologias, os dados apurados no primeiro caso traduzem uma tendência afirmativa unânime no sentido de admitir que essas necessidades de treinamento eram significativas. Já quando o questionamento se faz para analisar se a empresa correspondeu às expectativas dos trabalhadores a respeito desse treinamento (com exceção do Grupo A) a média, sobretudo as parciais, cai significativamente, assim evidenciando - mais uma vez de forma consistente com os índices anteriormente apurados em democracia e participação, relações e comunicação interpessoais - uma resposta da GRH das empresas privadas do setor de serviços, pautada no modelo de gestão monológica.

No que tange ao efeito da incorporação da TI sobre a motivação dos empregados para melhor desempenharem seu trabalho - independentemente da irrelevante intervenção da GRH no processo de mudança, apesar de lhe caber o papel de mentora desta motivação no ambiente interno das organizações - os resultados são positivos, denotando um incremento na motivação para bem trabalhar. Eles são corroborados pelos dados que espelham, de forma coesa, os mesmos impactos positivos sobre os índices de satisfação e sobre a resultante eficiência operacional, técnica e administrativa da empresa.

Por último, a análise dos índices que aferem a influência cambiante da incorporação da TI sobre a qualidade de vida do trabalhador nas empresas privadas de serviços, como no item anterior, conclui por uma relação marcadamente positiva, a despeito da fraca atuação da GRH na condução do processo de mudança.

3. Conclusão

Algumas conclusões se impõem na seqüência desta análise de resultados.

A primeira, que a incorporação da TI nas empresas de serviços como nas empresas industriais introduz uma significativa mudança no processo de desenvolvimento profissional e nas relações de trabalho por uma imposição do modelo econômico vigente. A ação gerencial predominante tem privilegiado o enfoque do ser humano como recurso manipulável, como um ordenamento de relações que se dão num espaço, num determinado tempo e estão fundadas na combinação de competência técnica com hierarquia, visando o bom funcionamento do sistema-empresa. É a ação gerencial monológica. O advento da TI provoca mudanças organizacionais e comportamentais, além da técnica, que vêm exigindo das empresas uma revisão do seu modus de gestão de pessoas. Essas mudanças, de alguma forma, impõem a prática de um gerenciamento mais

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participativo de um trabalhador multifuncional, versátil, visando atender a um mercado cada mais diversificado em sua demanda. É a ação gerencial dialógica.

A segunda, indica que a condução desse processo de mudança instaurado pela incorporação da TI, de acordo com a unanimidade dos dados pesquisados coletados nesses três últimos anos, é uma atribuição da GRH que, em sua atuação, não vem atendendo às expectativas do contingente funcional das organizações contemporâneas do setor de produção, tanto de bens quanto de serviços. Essa intervenção tem-se configurado tímida até mesmo em situações contingenciais. No caso da reestruturação global de uma empresa pública com vistas à sua privatização, em que o esforço conjunto e interativo das diferentes áreas funcionais poderia servir de provocação para uma ação gerencial mais intensa e definida da GRH, no seu papel funcional de articuladora e condutora dos processos de mudança organizacional, isto não ocorreu. Dos resultados da pesquisa emerge também a certeza de que a razão de ser da GRH no ambiente empresarial contemporâneo só se justifica se ela souber, na gestão que lhe compete, transcender uma ação social monológica utilitarista, implementada a partir da autoridade formal e unilateral a ela conferida por sua simples e inerte inserção numa estrutura organizacional hierarquizada. Essa transcendência só acontecerá no momento em que a GRH legitimar suas ações pela adoção consciente de um modelo de gestão dialógica pautada na democratização das relações de trabalho no interior das organizações. Neste contexto, as principais referências paradigmáticas, dentre outras, passam a ser a flexibilização e a participação. Flexibilização percebida como uma tecnologia de gestão que preconiza a diferenciação integrada do processo de produção de bens ou serviços, a organização do trabalho e de suas relações em função das demandas internas e externas à empresa, sob uma trajetória de inovação tecnológica em condições de incerteza quanto ao futuro. Participação validada como um conjunto de ações gerenciais tendentes a socializar o controle sobre os recursos, decisões ou benefícios, inclusive, por parte de pessoas ou grupos sociais com menor poder de influência dentro da organização. É aqui, sobretudo, que transparece o significado maior da incorporação da TI que, dentre outras propriedades, viabiliza a circulação das informações, as quais passam a ser tratadas de forma mais horizontal e coletiva capacitando, assim, os trabalhadores de qualquer nível hierárquico, a se envolverem nas decisões sobre os processos de trabalho.

A terceira sugere que, diante da inércia de GRH, os próprios trabalhadores se anteciparam à sua ação gerencial. Tomaram a iniciativa de, a seu próprio e empírico modo, adaptarem-se ao processo de mudança, articulando a condução de seus destinos profissionais. Aproveitaram ainda, a sua inserção compulsória no processo tecnológico inaugurado com a incorporação da TI e conseguiram tirar proveito pessoal e profissional. Trabalharam coletivamente no sentido de viabilizar a horizontalidade do acesso à informação pelo domínio da via tecnológica que lhe fora aberta pela TI, bem como pelo autodesenvolvimento de aptidões que lhes permitiriam o uso eficiente dessa tecnologia. Habilitaram-se, porque bem informados, a participar do processo decisório relacionado com a qualidade de sua produção, seu trabalho e de sua vida e, na seqüência desse empowerment, a legitimar maior autonomia e controle sobre sua própria atividade.

A conclusão final é a de que no centro da estranha combinação de mudanças (caos) e inércia na GRH está a rápida mutação dos paradigmas organizacionais e do perfil funcional. Urge, portanto, empreender substanciais mudanças no modelo de gestão até aqui implementado pela GRH para que, inclusive, sua razão de ser no organismo empresarial não venha a ser questionada, se não quanto a sua existência, pelo menos quanto à eficiência e eficácia de sua ação gerencial.

Referências Bibliográficas

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Insatisfação e queixa à empresa: investigando os relatos dos consumidores

Autores: Marie Agnes Chauvel, D.Sc. Coordenadora de Pesquisa do Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial Universidade Estácio de Sá

1. Introdução 2. O comportamento do consumidor insatisteito na literatura de marketing 3. Metodologia 4. Informantes 5. Resultados 6. Conclusão Referências Bibliográficas

Resumo

O artigo foi elaborado a partir dos resultados obtidos através de uma pesquisa qualitativa, realizada na cidade do Rio de Janeiro, junto a trinta e três consumidores que haviam passado por uma experiência de insatisfação em decorrência da compra de algum produto. Ele se baseia na análise dos relatos dessas experiências e procura investigar os significados associados a um determinado tipo de ação pós-compra: a queixa à empresa, também chamada na literatura de "ação pública direta". Os resultados apontam que essas ações despertam dúvidas e ansiedades, que tendem a inibi-las. Isso se deve à perspectiva de conflito, que domina as expectativas dos consumidores, e ao receio de se expor, dentro desse contexto, a algum tipo de constrangimento. O consumidor teme ser discriminado, teme passar por "esperto" ou por antipático. Esses receios estão estreitamente associados a uma visão "hierárquica" do conflito. No entanto, ao mesmo tempo em que os clientes recorrem a esse registro para interpretar suas experiências, eles manifestam, no seu discurso e nas suas ações, fortes sinais de contestação da lógica hirárquica e de anseio por uma relação consumidor versus empresa mais justa e igualitária.

Abstract

This article attempts to describe the results of a qualitative research conducted in the city of Rio de Janeiro (Brazil). It is based on the analysis of thirty three individual reports of experiences of post-purchase dissatisfaction. Its purpose is to investigate the meanings associated to a particular kind of post-purchase behavior: complaining to sellers, also called in the litterature "direct public action". The results show that these actions elicit feelings of doubt and anxiety, that tend do inhibit them. This is due to the prospect of conflict that dominates consumers' expectations and to the fear of being exposed to some kind of embarrassment. The consumer is affraid of being discriminated, of being seen as a clever crook or an unpleasant person. This fear is strongly tied to a hierarquical view of the conflict. Although clients use criteria of a herarquical nature to interprete their experiences, they also express in their reports rejection of the hierarquical view and a strong desire for more equality and justice in their relationships with sellers.

[topo]

1. Introdução

Kotler (1994) divide as formas possíveis de ação por parte do consumidor insatisfeito em duas categorias: as "públicas" (queixa à empresa envolvida, aos órgãos fiscalizadores públicos ou privados, ações legais para obter ressarcimento, etc.) e as "privadas" (boicote individual ao fabricante ou revendedor, divulgação boca-a-boca da experiência negativa etc.).

Diversos autores (Blodgett, 1995; Singh e Pandya, 1991, entre outros) distinguem duas categorias de ações públicas: a que chamaremos de "ação direta", isto é queixa ao vendedor ou produtor1 e a de "ação indireta" (ou "ação através de terceiros"), que designa a queixa a órgãos públicos ou privados de defesa do consumidor.

O objetivo desse artigo é o de investigar os significados associados, dentro de determinado contexto sócio-cultural (Brasil, Rio de Janeiro), às ações públicas diretas, isto é, ao ato de se dirigir a uma empresa para efetuar uma queixa.

O artigo foi elaborado a partir dos resultados obtidos através de uma pesquisa qualitativa, realizada na cidade do Rio de Janeiro, junto a trinta e três consumidores, que haviam passado por alguma experiência de insatisfação em decorrência da compra de algum produto.2

2. O comportamento do consumidor insatisteito na literatura de marketing

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A maioria dos estudos que investigam o comportamento dos consumidores insatisfeitos é de natureza quantitativa e adota uma abordagem que se baseia nas teorias da psicologia cognitivista. O objetivo é o de identificar variáveis independentes (da empresa, do produto ou do consumidor), associadas à ocorrência de um ou de vários tipos de ação.

Broadbridge e Marshall (1995) investigaram o comportamento de compradores de aparelhos eletrodomésticos. De acordo com seus resultados, tais produtos dão origem a um elevado percentual de queixas, sendo que a ocorrência de queixas públicas é mais ou menos freqüente de acordo com o tipo, a complexidade, a expectativa de vida e o preço do aparelho adquirido (quanto mais alto, maior a probabilidade de queixa).

Blodgett, Wakefield e Barnes (1995) verificaram, em outro estudo, que o fator que mais influencia o comportamento de queixa pública é a percepção da probabilidade de sucesso da ação. Compradores que estimam que suas chances de sucesso são reduzidas tendem a optar pela divulgação boca-a-boca de sua insatisfação e a abandonar o fornecedor, sem lhe dar a oportunidade de remediar o problema.

Kolodinsky (1995) procurou estabelecer a probabilidade de quatro categorias de resposta (nenhuma ação, ação privada, ação pública, ação privada e pública) em função de quatro variáveis (aprendizagem anterior com queixas, restrições de recursos e/ou tempo do consumidor, personalidade/atitude do consumidor, relação custo/benefício da ação), para consumidores de serviços médicos e de reparo de automóveis. De acordo com seus resultados, os fatores de aprendizagem e restrições de tempo ou recursos são os que respondem pela maior parte da variabilidade de comportamento para as duas indústrias estudadas.

Em todos os casos, supõe-se que a insatisfação é o ponto de partida para diversas alternativas de comportamento. Uma pesquisa realizada por Singh e Pandya (1991) dedica-se especificamente à investigação dessa questão. De acordo com estudos empíricos citados por esses autores, a relação existente entre insatisfação e comportamentos de queixa não seria tão direta quanto sugere o bom senso. Os resultados obtidos em uma pesquisa realizada a partir dessa hipótese, junto a consumidores de serviços bancários que tinham tido experiências de insatisfação,3 confirmaram essa hipótese. Evidências de uma relação direta entre o grau de insatisfação e o comportamento de queixa somente puderam ser registradas no caso de ações diretas (queixa ao vendedor ou produtor). Em compensação, comportamentos de abandono do fornecedor e divulgação negativa boca-a-boca mostraram não estar diretamente relacionados ao grau de insatisfação do consumidor. Os autores sugerem, ao discutir os resultados, que a intensidade da insatisfação poderia atuar na forma de limiares que, uma vez ultrapassados, desencadeariam determinados tipos de ação.

A síntese dos resultados obtidos através dessas pesquisas ainda representa uma tarefa problemática. Como observam Stephens e Gwinner (1998), não há um quadro teórico único que organize as diferentes variáveis que vem sendo estudadas, o que contribui para dificultar a análise das pesquisas existentes, cujos resultados são, além disso, freqüentemente contraditórios (p. 173).

Os estudos atualmente disponíveis compartilham, no entanto o mesmo pressuposto: o de que o comportamento dos consumidores obedece a mecanismos psicológicos,4 suscetíveis de serem descritos na forma de leis universais. É desse pressuposto que deriva a tentativa de identificar as variavéis que afetam o comportamento dos consumidores e de descrevê-las através de um modelo teórico único.

A pesquisa que deu origem a este artigo procura abordar o problema a partir de outro ângulo: o da cultura. Ela se situa na corrente "relativista/ interpretativa/ construcionista/ humanística", que, segundo Brown (1997) e outros autores (Woodruffe, 1997; Buttle, 1994), vem, aos poucos, ganhando espaço na pesquisa de marketing. O objetivo é o de investigar os aspectos simbólicos, que orientam, dentro de determinado contexto sócio-cultural, as ações dos consumidores insatisfeitos. Trata-se de procurar descrever essas ações "com densidade" (Geertz, 1973, p. 24), isto é, de tentar compreender a rede de significados dentro da qual elas se inserem.

3. Metodologia

O método utilizado é de natureza qualitativa. A pesquisa se baseou em relatos individuais de experiências de insatisfação (entrevistas individuais não diretivas, com duração de 30 minutos a 2 horas).

A coleta de dados obedeceu ao princípio de "saturação", recomendado por diversos autores de estudos baseados em relatos biográficos. "A saturação é o fenômeno pelo qual, passado um certo número de entrevistas (biográficas ou não), o pesquisador ou a equipe têm a sensação de não aprender nada de novo, ao menos no que diz respeito ao objeto sociológico da pesquisa." (Bertaux, 1976, apud Bertaux 1980, p. 205). Em outras palavras, a partir de um certo momento, os dados novos apenas "repetem" aquilo que os anteriores já evidenciavam, sinalizando, assim, o esgotamento da diversidade existente no universo estudado.

Em decorrência do tema da pesquisa, os entrevistados tiveram que ser localizados através da indicação de conhecidos. Como exige o uso do princípio de saturação, as fontes de localização de informantes foram diversificadas ao máximo5 e a coleta e a análise dos dados foram efetuadas em paralelo.

A análise dos dados evidencia, como se verá adiante, que o fenômeno de repetição, que caracteriza a ocorrência da saturação, manifestou-se claramente.

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A pesquisa tem caráter exploratório. Seus resultados devem ser interpretados como "pistas", destinadas a gerar novas reflexões e pesquisas. Eles não podem ser generalizados ao universo estudado, nem lidos como afirmações conclusivas.

4. Informantes

O critério adotado para a seleção de informantes foi o da experiência da insatisfação. Isto é, foram entrevistados consumidores que tinham sido confrontados a essa situação e tinham, ou não, optado por empreender qualquer tipo de ação pública ou privada. Essa escolha era necessária para que pudessem ser investigados tanto os relatos dos recorrem a acões públicas, como os dos que se limitam a ações privadas ou, simplesmente, não empreendem ação nenhuma. Somente assim seria possível ter acesso ao conjunto de idéias que orientam o comportamento dos consumidores e incentivam ou inibem o ato da queixa.

As 33 entrevistas foram realizadas com moradores da região urbana que cerca o município do Rio de Janeiro. Os entrevistados distribuíram-se da seguinte forma:

Distribuição dos informantes segundo sexo:

Homens: 11 (33,3%) Mulheres: 22 (66,7%)

Distribuição dos informantes segundo faixa etária:

Até 30 anos: 6 (18,2%) De 31 a 40: 12 (36,4%) De 41 a 50: 8 (24,2%) De 51 a 60: 3 (9,1%) Acima de 61: 4 (12,1%)

Distribuição dos informantes segundo classe sócio-econômica:6

CLASSE A1: 1 (3,0%) CLASSE A2: 12 (36,4%) CLASSE B1: 7 (21,2%) CLASSE B2: 4 (12,1%) CLASSE C: 4 (12,1%) CLASSE D: 5 (15,1%) TOTAL: 33

O conjunto de informantes privilegia algumas categorias: mulheres, adultos de mais de 30 anos, pessoas de classe A e B. Ainda assim, ele cobre um leque bastante amplo de idade (dos 22 aos 70 anos) e classe social (de A a D).7

5. Resultados

Dos 33 entrevistados, 30 fizeram ao menos uma tentativa de contato com a empresa, retornando à loja, procurando a assistência técnica ou o fabricante. Os demais simplesmente desistiram, ou procuraram soluções alternativas (consertos caseiros).

De modo geral, os relatos evidenciam que a queixa à empresa é uma ação que os consumidores relutam em empreender. Isso se deve à perspectiva de conflito, que domina as expectativas dos clientes, e ao receio de se expor, dentro desse contexto, a algum tipo de constrangimento.

5.1. A queixa como conflito

A decisão de se dirigir à empresa é descrita pelos entrevistados como uma decisão difícil, que suscita dúvidas e desperta ansiedade:

Eu me senti mal. (homem, classe A2)

Me desgastei, me aborreci, fiquei estressada. (mulher, classe A2)

De qualquer jeito, eu vou ter que me aborrecer, eu vou me cansar. (mulher, classe D)

Não, eu não tentei (contactar o fabricante), porque... Eu vou ser sincero, eu achei que eu ia ter dor de cabeça, entendeu? (homem, classe D)

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Essa reticência decorre, em grande parte, de uma expectativa predominantemente negativa. Os consumidores tendem a acreditar que as empresas rejeitarão seu pedido:

Eles não vão aceitar. (homem, classe D)

Eu fiquei com medo dele rejeitar! Chegar lá e dizer: "não! Não é com nós não!" Aquela coisa que sempre acontece, né? (homem, classe D)

As pessoas nos lugares, as empresas sempre questionam muito a veracidade do que você está falando, acham que você não está sendo honesta, então vão questionar! (...) A reclamação é tratada como um aborrecimento. Você é meio mal-tratado, posto de lado. (mulher, classe A2)

Não, aí a gente chega lá com o defeito, olha aqui eu vim trazer porque tem defeito. Você fala ali com o gerente. Aí o gerente diz não, não tem mais jeito aqui, você tem que ir lá para a garantia, não sei o que... (mulher, classe C)

Ah não, porque não sei que, nhem, nhem, nhem (imitando). (...) As autorizadas, as oficinas autorizadas, ninguém, não há respeito para o consumidor de forma alguma. (mulher, classe A2)

Pesquisadora: o que você imaginou que ia encontrar quando chegasse lá? (na loja)

Entrevistado: pôxa! Discussão. (...) Vou perder o meu tempo para levar uma bronca, tá certo? (homem, classe A2)

Em suma, a resposta esperada é discussão e "bronca", ou, no mínimo, "enrolação" e "nhem, nhem, nhem". Queixar-se equivale, assim, a tomar a iniciativa de um provável conflito.

Da Matta (1983) afirma que a sociedade brasileira parece ser avessa ao conflito. "Tudo indica que, no Brasil, concebemos os conflitos como presságios do fim do mundo" (p. 141). Essa aversão seria um traço típico das sociedades ditas "hierárquicas". "Num mundo que tem que se mover obedecendo às engrenagens de uma hierarquia, que deve ser vista como algo natural, os conflitos tendem a ser tomados como irregularidades. O mundo tem que se movimentar em termos de uma harmonia absoluta, fruto evidente de um sistema dominado pela totalidade (...), que conduz a um pacto profundo entre fortes e fracos." (p. 142). Ao contrário do que ocorre em sociedades igualitárias, "o conflito aberto e marcado pela representatividade de opiniões" constitui, para esse sistema, uma ameaça. Ele é, "sem dúvida alguma, um traço revelador de um igualitarismo individualista, que, entre nós, quase sempre se choca de modo violento com o esqueleto hierarquizante de nossa sociedade" (p. 142).

Tudo indica, de fato, que o consumidor que se queixa experimenta um certo desconforto, como se sua atitude fosse, de alguma forma, censurável. Alguns entrevistados observam:

Não está na cultura nossa reclamar e brigar pelos direitos não! (homem, classe B2)

O brasileiro não tem uma cultura de reclamar dos seus direitos. (mulher, classe A1)

O cliente que opta por reclamar se sente como um intruso. Ele perturba a paz e o equilíbrio, que, em princípio, deveriam reinar nas relações sociais. Ele quebra a regra da harmonia. E esta é, provavelmente, a razão do seu medo.8 Em uma sociedade fortemente hierarquizada, tomar a iniciativa do conflito frente a um adversário geralmente visto como mais forte assusta.

5.2. Os medos dos consumidores

O que os consumidores temem não é apenas o "não!". É também, e sobretudo, o significado que ele pode adquirir.

Em primeiro lugar, a reticência da empresa pode ser interpretada como uma atitude discriminatória:

Eles acham: não tem estudo, não entende nada de lei, então, vão sempre aprontando. (mulher, classe D)

O cliente acredita que, se ocupasse uma posição social mais privilegiada, seria melhor tratado:

Eles não têm respeito pela gente. Eu acho que é porque somos pessoas humildes. (mulher, classe D)

Assim, a rejeição da queixa, ou até mesmo qualquer sinal de resistência em atendê-la, podem tornar-se indícios de que o cliente foi identificado como pertencendo a uma categoria socialmente inferior, que não

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"merece respeito" e pode ser tratada com displiscência. Queixar-se equivale, então, a expor-se a uma humilhação. O receio de vir a enfrentar alguma manifestação de desprezo, ou qualquer reação suscetível de ser interpretada como tal, chega a afastar os consumidores de classe mais baixa até mesmo da assistência técnica.

Alguns consumidores de classe alta dão seu aval a essa leitura dos menos privilegiados:

Você, de terno e gravata, já tem outro atendimento. O pobrinho, eles vão no pescoço, eu tenho a certeza disso. (homem, classe A2)

Em segundo lugar, a atitude de rejeição frente à queixa pode ter o significado de uma acusação: a de que o cliente foi o responsável pela ocorrência do problema. É notável o cuidado com que os entrevistados, especialmente os de classe baixa (C e D), procuram avaliar sua eventual responsabilidade antes de empreender qualquer contato com a empresa. Um entrevistado (de classe D) confessou, no final do seu relato, que o medo que tinha de se dirigir à assistência técnica para solicitar o conserto de seu aparelho de som devia-se, também, às suas incertezas quanto ao fato de ter seguido corretamente as instruções do fabricante. De modo geral, os consumidores (de todas as classes) temem que a legitimidade de sua queixa possa ser contestada. Por isso, eles buscam, na medida de suas possibilidades e conhecimentos, reunir provas e argumentos antes de se dirigir à empresa.

O medo de ser tachado de incompetente ou de ignorante não é a única razão desse comportamento. Por trás dos escrúpulos dos consumidores, há também o temor de passar por "esperto". A reticência da empresa pode ser interpretada como um questionamento da honestidade do cliente:

Estava dando a entender: "ela está querendo dar uma de espertinha". (mulher, classe C)

O consumidor deseja evitar dar margem a qualquer suspeita dessa ordem. Para isso, seria preciso, porém, ter certeza de que a queixa se baseia em argumentos legalmente válidos, que serão reconhecidos como tais. Mas como ter essa certeza? Frente ao emaranhado de dispositivos legais e instrumentos particulares que regulam suas relações com o vendedor, o cliente raramente se sente seguro dos seus direitos. Na dúvida, ele se prepara para defender, senão a legitimidade do seu pedido, ao menos a sua dignidade. É preciso poder mostrar que a queixa está sendo feita de boa fé. Se isso não for possível, desistir pode acabar sendo a melhor solução. Um exemplo dessa atitude é o de um consumidor de classe A2, que, quando percebeu que a nota fiscal carregava um carimbo indicando que o produto devia ser testado na loja, pois as trocas não seriam aceitas, chegou a pensar em jogar fora o aparelho defeituoso que havia adquirido (um ventilador, que ele, obviamente, não havia pensado em testar).

Essas observações sugerem que os consumidores relutam em se dirigir às empresas para se queixar porque temem se expor publicamente a um conflito cujas regras são, para eles, uma incógnita. Por mais que reúna provas e argumentos para defender sua causa, o cliente receia que seu pedido seja avaliado através de uma outra lógica. Essa lógica é a da hierarquia, a da desigualdade de direitos e deveres e do predomínio das relações pessoais sobre a universalidade da lei. O que está em causa não é a legitimidade do pedido, mas a pessoa que o faz.

O "não!" da empresa não é visto como uma simples decisão, justa ou injusta, e sim como uma espécie de julgamento do cliente: de sua posição social, de sua competência, de sua seriedade, de sua honestidade. Por isso, dirigir-se à empresa para efetuar uma queixa torna-se um "fardo", um "desgaste", uma "dor de cabeça". Os consumidores, sobretudo quando não pertencem aos escalões mais altos da hierarquia ou têm dúvidas sobre a legitimidade de seu pedido (o que, dada a complexidade das leis e dos procedimentos adotados pelas empresas, é um caso bastante freqüente) preferem, na medida do possível, evitar essa situação.9

5.3. A lógica da "vantagem": "Onde está o Gerson?"

Frente ao "não!" da empresa, alguns consumidores recorrem a duas táticas tipicamente brasileiras: a do jeitinho e a do "Você sabe com quem está falando?". No primeiro caso, procura-se, na base do bom manejamento das relações pessoais que vão sendo estabelecidas ao longo da negociação, encontrar "um modo harmonioso de resolver a disputa" (Da Matta, 1986, p. 101). "O 'jeito' tem muito de cantada", diz Da Matta (1986, p. 101). Trata-se de contornar o "não!" sensibilizando o outro, convencendo-o a resolver o problema. No segundo caso, apela-se, ao contrário para o argumento da autoridade.

Independentemente dos resultados obtidos, o uso desses dois "estilos de navegação social", característicos de uma sociedade dividida entre hierarquia e igualdade (Da Matta, 1986, p. 99), gera, porém, um certo mal estar:

No final ele trocou, mas a questão é a seguinte, ficou muito no relacional mesmo. (homem, classe A2)

De fato, a primeira alternativa expõe o consumidor ao risco de passar por "malandro", esse "profissional do jeitinho" "especializado no "uso de 'expedientes', de 'histórias' e de 'contos-do-vigário', artifícios pessoais que nada mais são que modos engenhosos de tirar partido de certas situações"(Da Matta, 1986, p. 102). Mesmo cedendo, a empresa transmite a idéia de que está abrindo, talvez indevidamente, uma exceção. A reparação deixa de ser o reconhecimento de um direito. Ela pode, até, transformar-se se em uma espécie de acusação:

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Ele me atendeu, mas ficou assim: essa mulher, de repente, está me enrolando. (mulher, classe A2)

A segunda traz consigo os riscos inerentes a qualquer confronto de forças. Como diz Da Matta (1986), o "Você sabe com quem está falando?" é o "não pode do não pode". "Gera-se logo um tremendo impasse autoritário que dependerá, para sua solução, dos devidos trunfos de quem está implicado no drama" (p. 101). Dentro desse contexto, as implicações de um eventual fracasso vão além de um simples sentimento de injustiça. O que está em causa é o status e o prestígio do cliente.

O "Você sabe com quem está falando?" é, também, de uma forma de negociar autoritária e antipática. Da Matta (1983) escreve que seu uso não é "motivo de orgulho para ninguém dado a carga considerada antipática e pernóstica da expressão". Ele "fica escondido de nossa imagem (e auto-imagem) como um modo indesejável de ser brasileiro" (p. 140).10

Os entrevistados que dizem ter resolvido o problema graças ao jeitinho ou ao "Você sabe com quem está falando?" não ficam mais gratos por isso. Ao contrário, tendem a guardar um forte ressentimento contra a empresa:

Agora, no que depender de mim, eu nunca mais entro naquela loja para nada! Porque além de ser super mal-tratada, ele estava a todo tempo dizendo que eu estava roubando, que eu estava dando uma de esperta, enquanto eles é que estavam fazendo a maior confusão! (mulher, classe A1)

Foi resolvido! Mas será? Talvez, se pintar a mesma oferta, eu já não compre na B., porque eu passei constrangimento. (homem, classe A2)

É que negociar nesse registro significa correr riscos: o de passar por "figurão" prepotente e antipático (e talvez, nem tão poderoso) ou por malandro. A necessidade de recorrer a esses modos de "navegação social" é vista como sendo imposta pela má vontade da empresa. Ela sinaliza, mesmo do ponto de vista dos que utilizam, com sucesso, esses meios, a existência de uma postura dominada pelo "não!", que procura, independentemente de sua legitimidade, ignorar, negar e rejeitar os pedidos dos clientes.

As acusações de que os clientes temem ser objeto se invertem. Esperta, prepotente, é a empresa!

Ela é quem seduz e engana, quem bajula o cliente para obter o que deseja e o desdenha depois:

Só na hora que ele quer pegar o cliente é que há... aquele tratamento diferenciado. No momento que comprou, que gastou, que pagou, tchau! (Leila, classe A2, 64 anos)

Ela é quem desrespeita as leis porque conta com o benefício da impunidade:

A empresa, ela não é punida porque lesa. (...) A impunidade é grande em tudo. E eu acho que essa mesma impunidade, que vai desde a parte criminal, ela passa para o fornecedor, o prestador de serviço. (mulher, classe B1)

Tudo fica impune! Não há uma cobrança. Não há obrigatoriedade. (...) Fica tudo..., não há um controle, não há obrigação. Como tudo aqui, infelizmente! (mulher, classe A2)

Ela é quem tira partido de sua posição de superioridade, tratando mal o "humilde", mas abaixando a cabeça diante do "senhor de terno e gravata", que a ameaça com um: "olha, eu acho que o meu advogado é melhor que o seu..." (homem, classe A2).

Como observa uma entrevistada (classe B1):

A cultura de você levar vantagem em tudo (...) permeia essas relações todas. A relação com o próprio cliente.

Ela, literalmente, "organiza", em termos simbólicos, a relação entre empresa e cliente. Não que as duas partes estejam necessária e constantemente tentando "levar vantagem", mas o fantasma dessa atitude paira sobre suas relações. Como diz outra consumidora (classe A2), "a gente vive numa terra de Gerson".11 Ao menos nas representações do consumidor, a empresa está sempre prestes a pensar que o cliente que se queixa o faz para tirar proveito da situação. E este, por sua vez, está pronto para devolver essa acusação ao menor sinal de reticência da empresa.

5.4. "Navegando" entre hierarquia e igualdade

De acordo com Da Matta (1986), haveria, na sociedade brasileira "um verdadeiro combate entre leis que devem valer para todos e relações que evidentemente só podem funcionar para quem as tem." O resultado seria "um sistema social dividido e até equilibrado entre duas unidades sociais básicas: o indivíduo (o sujeito das leis

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universais que modernizam a sociedade) e a pessoa (o sujeito das relações sociais, que conduz ao pólo tradicional do sistema)" (p. 95 a 97).

O cliente que se dirige à empresa para efetuar uma queixa tende a acreditar que a lógica que prevalecerá será a da pessoa: a da hierarquia e do "relacional". Ele interpreta sua situação de acordo com essa expectativa. Aos seus olhos, o que o espera é o "não!", que tradicionalmente domina as relações existentes entre o cidadão e as instituições. Como observa Da Matta (1986, p. 98), "a legislação diária no Brasil é uma regulamentação do 'não pode!' ". Apesar dos dez anos de existência do Código de Defesa do Consumidor e dos esforços crescentes das empresas em aprimorar o atendimento que oferecem aos seus clientes, o cliente ainda parece contar mais, para resolver a situação, com sua posição e habilidade social, do que com o respeito das empresas pela legislação vigente.

Mais ainda, a leitura que ele faz da reações das empresas se baseia nesse pressuposto. Qualquer sinal de reticência tende a ser interpretado como discriminação, arrogância, prepotência, malandragem. As falhas da empresa não são atribuídas a erros involuntários, e sim a uma intenção deliberada de tirar partido de um contexto no qual a a lógica do poder pode se sobrepor à da justiça.

Ao mesmo tempo em que recorrem, frente à experiência da insatisfação, a modos de interpretação e ação típicos de uma sociedade fortemente hierarquizada, os consumidores expressam, nos seus relatos, fortes sinais de contestação desse sistema. Essa contestação se manifesta de diversas formas: nas acusações de discriminação dirigidas às empresas, no empenho dos consumidores em assegurar-se da legitimidade de sua queixa antes de se dirigir à empresa, no receio omnipresente de passar por "esperto" e, sobretudo, no boicote às empresas, que transmitem, voluntariamente ou não, a idéia de que obedecem a critérios de ordem hierárquica para atender as queixas de seus clientes.

Tudo indica que o consumidor que se vê confrontado a uma situação de insatisfação busca se situar no registro do "indivíduo" e das "leis universais". Essa atitude não decorre somente de um empenho cívico de respeito e defesa da lei, embora essa motivação esteja, também, presente no discurso dos entrevistados, especialmente, no desejo de punir as empresas que desrespeitam os direitos do consumidor. Ela é também um meio de se proteger contra os riscos de constrangimento associados ao modo "hierárquico" de lidar com o conflito.

Um outro meio de se defender contra esse risco é o que consiste em recorrer aos órgãos de defesa do consumidor. Embora essa alternativa seja vista como penosa, ela não desperta a ansiedade associada às ações diretas. Diferentemente do que ocorre na queixa à empresa, o cliente que resolve ir ao Procon ou apelar ao Juízado Especial Cível12 se orgulha do seu gesto:

E eu acho que, se todos nós passarmos a fazer isso, aqui no Brasil, que eu acho que isso não é muito comum aqui, eu acho que vão mudar muitas coisas. (homem, classe B2)

De modo que essa é a estória que eu posso dizer, minha experiência, (...) reclamando, fazendo... Fazendo, digamos, valer os meus direitos. (homem, classe A2)

Eu sou aquela consumidora que, se eu tenho direito, eu vou brigar pelo meu direito até o final! (...) Eu acho o seguinte, eu acho que se tiver certo, eu pago sem problema, mas se tiver alguma coisa que eu achar que eu estou sendo prejudicada, eu vou procurar saber se aquilo é legal, se não é legal, se está certo, se não está certo, e eu vou fazer alguma coisa para mudar! Eu sou uma consumidora bem... bem... perturbadora, eu diria! Eu sou uma consumidora de quem, na verdade, os fornecedores não devem gostar muito! (mulher, classe A1)

E ele é, de fato, elogiado pelos demais:

Eu acho que as pessoas... porque se as pessoas começarem a usar mais (o Procon), eu acho que mais empresas vão ter preocupação em atender melhor! (mulher, classe A2)

Então, o cara tem que brigar mesmo, lutar... O ruim é que o cara às vezes tem que perder o dia, para ir lá reclamar, dar entrada e essas coisas. Mas tem que correr, tem que batalhar, tem que dar entrada, não pode desanimar não. Se não, essas empresas não vão se acertar nunca! (homem, classe B2)

Não há mais constrangimento, nem receio de censura. Ao contrário, quem recorre aos órgãos de defesa do consumidor se vê e é visto de forma positiva. É que, ao apelar para esses meios, o consumidor se coloca voluntariamente numa posição vista, em princípio, como sendo de inferioridade: a de cidadão. Ele se submete ao poder da Justiça e às suas exigências. Entra na fila, espera a sua vez, fornece os documentos que lhe são pedidos, comparece às audiências, comparece novamente e aguarda o resultado. Esse ato, por si só, o absolve de qualquer culpa. Ninguém, em sã consciência, se submeteria a esse processo se não tivesse ao menos a convicção de que foi, efetivamente, lesado. Não há mais lugar para "espertos", para interessados em tirar proveito da situação. Não há mais dúvida capaz de gerar constrangimento. Mesmo quando perdem a causa, os consumidores se sentem à vontade com a sua opção.

6. Conclusão

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Os resultados sugerem que a relação entre insatisfação e comportamentos pós-compra é mediada por uma série de interpretações, construídas a partir de "estruturas significantes" (Geertz, 1973) características da cultura à qual pertencem os compradores. O caráter simultaneamente hierárquico e igualitário da sociedade brasileira e as contradições geradas pela coexistência desses dois sistemas (Da Matta, 1983, 1986) claramente estruturam as interpretações dos consumidores e orientam suas ações. Eles estão na origem dos receios de constrangimento e censura despertados pela perspectiva de se dirigir à empresa, da preocupação com a legitimidade da queixa, do medo de passar por malandro ou por antipático e de se expor a alguma manifestação de desprezo e do contraste entre os significados associados às ações diretas e indiretas.

Essa relação entre cultura e ações pós-compra dificilmente poderia ser descrita em termos de variáveis associadas a determinados comportamentos, inclusive porque ela é, como vimos, cheia de meandros. O consumidor pode, por exemplo, recorrer com sucesso ao "jeitinho" ou ao "você sabe com quem está falando?" e guardar, no entanto, um forte ressentimento contra a empresa. A opção por uma perspectiva cultural permite, isso sim, entender as ambigüidades e as contradições desses comportamentos. Como afirma Geertz (1973), "a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade" (p. 24).

No caso da população estudada, existe, entre a insatisfação e os comportamentos pós-compra, uma lógica que não leva somente em conta as conseqüências concretas da ação - ou ausência de ação -, mas também sua dimensão simbólica em termos de hierarquia, de igualdade e do conflito existente entre esses dois sistemas.

Knights, Sturdy e Morgan (1994) observam que o conceito de necessidade, tal como vem sendo estudado na área de marketing, "ordena e confere sentido aos comportamentos", mas não leva em conta o fato de que estes comportamentos ocorrem no contexto de uma relação social (p. 43). O mesmo pode se dizer do conceito de insatisfação. A tentativa de descrever o fenômeno da insatisfação em termos de variáveis universalmente válidas não leva em conta o fato de que ele não somente ocorre no contexto de uma relação, que pode assumir diferentes formas, como também constitui um momento de crise nessa relação.

Se numa sociedade predominantemente igualitária, a "percepção de probabilidade de sucesso da ação" (Blodgett, Wakefield e Barnes, 1995) remete, a priori, às chances que o consumidor estima ter de obter ressarcimento, num contexto como o brasileiro, a noção de "sucesso" adquire significados mais complexos. Além de obter ressarcimento, é preciso poder sair do conflito de cabeça erguida.

Ao contrário do que ocorre num contexto igualitário, o fato de aceder ao pedido do cliente não significa, por si só, que este tenha sido julgado procedente. O ato de conceder o ressarcirmento não equivale necessariamente ao reconhecimento de um direito. E o que os consumidores parecem desejar é que seus direitos sejam reconhecidos.

O receio tipicamente "hierárquico" de desencadear e enfrentar conflitos convive com um anseio de imprimir às relações entre consumidor e empresa um caráter mais justo e igualitário. Esse anseio se manifesta no discurso dos consumidores e se traduz, também, em atos explicitamente voltados para esse objetivo. "Tem que brigar (...) se não, essas empresas não vão se acertar nunca!". Os comportamentos desencadeados pela insatisfação, não somente ocorrem no contexto de uma relação social, como também podem buscar transformar essa relação.

A insatisfação e as ações às quais ela pode dar origem não ocorrem no vácuo, num ambiente asséptico, no qual não haja conflitos, nem relações de forças, nem formas culturalmente construídas de lidar com elas. É provável que esta seja a razão pela qual as tentativas de descrever, através de um modelo único, os fatores que orientam os comportamentos pós-compra, não tenham tido, até hoje, êxito. Talvez seja preciso buscar não um modelo de comportamento e sim uma maneira de entender as diferentes formas encontradas pelos consumidores para lidar com os conflitos que os opõem às empresas.

1. Chamada, também, por esses autores de "voice action" ou ação verbal. [voltar]

2. Para restringir o leque de problemas abordados, os serviços não foram incluídos nesse projeto, sendo estudados apenas enquanto parte do conceito ampliado de produto proposto pela teoria contemporânea de marketing (ver, entre outros, Levitt, 1995 e Kotler, 1994). [voltar]

3. Survey por correio, 104 respostas utilizáveis. [voltar]

4. Kolodinski (1995) sublinha a importância de fatores econômicos, como a existência de monopólios, que impõem aos consumidores uma fidelidade compulsória, mas não chega a discutir os resultados que obteve à luz

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dessa questão. [voltar]

5. Além de indicações individuais, foram contactadas cerca de 15 instituições (empresas, órgãos públicos, associações etc.). [voltar]

6. Critério ABA/ABIPEME. [voltar]

7. Apesar dos esforços acima descritos para diversificar as fontes de indicação, a amostra obtida apresenta diferenças importantes com as características da população junto à qual a pesquisa foi realizada, isto é, com os compradores de qualquer tipo de mercadoria, que residem na região urbana do Rio de Janeiro. Esse limite está associado à metodologia escolhida e à natureza do problema de pesquisa, que, ao escolher como objeto de estudo os consumidores insatisfeitos, inviabiliza, na prática, qualquer tentativa de construção de uma amostra representativa. Trata-se, de fato, de um universo em grande parte desconhecido. Embora o nosso objetivo não fosse, devido ao caráter exploratório e interpretativo do estudo, o de alcançar alguma representatividade, esperávamos obter uma amostra com características mais próximas das da população estudada. As razões pelas quais isso não aconteceu podem estar ligadas tanto ao fenômeno estudado, como aos procedimentos que utilizamos para construir a amostra. Os resultados sugerem, como veremos a seguir, que a expressão da insatisfacão pode estar relacionada ao perfil sócio-econômico do consumidor. Na falta de informações secundárias sobre o assunto, não é possível, porém, responder com segurança a essa questão. [voltar]

8. Vale registrar, a esse respeito, um episódio de que fomos testemunha. Em um restaurante da Zona Sul do Rio de Janeiro, dois casais sentados cada um em uma mesa resolveram reclamar do mesmo problema: ambos haviam pedido meia porção de um prato previsto para servir quatro pessoas e ficaram indignados ao receber uma conta que representava cerca de 85% do valor anunciado, no cardápio, para a porção inteira. Nenhum deles animava-se a contestar o procedimento. Depois de pagar a conta, perceberam, porém, que compartilhavam o mesmo sentimento de injustiça. Somente, então, resolveram chamar o maître para discutir a questão. Não estando só, reclamar era menos constrangedor. [voltar]

9. Embora somente três dos entrevistados não tenham feito nenhum contato algum com a empresa, cinco se limitaram a uma volta ao balcão da loja ou a algumas idas à assistência técnica. Diante dos obstáculos que encontraram, acabaram desistindo e assumindo o prejuízo ou buscando soluções alternativas (consertos caseiros). Assim, os casos dos que optaram por não levar adiante o conflito com a empresa somam cerca de um quarto do total de entrevistas, sendo que, destes entrevistados, somente dois pertencem à classe A. O restante se distribui entre as classes B2 (uma entrevistada) e C/D (5 entrevistados). [voltar]

10. Grifos do autor. [voltar]

11. A expressão tem origem no anúncio de uma marca de cigarros, no qual um jogador de futebol (o Gerson) declarava preferir a marca anunciada, pois gostava de "levar vantagem". Foi incorporada à linguagem quotidiana, passando a designar, de modo pejorativo, o comportamento dos que procuram "levar vantagem" em todas as situações. [voltar]

12. Antigo Tribunal de Pequenas Causas. [voltar]

Referências Bibliográficas

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Acordos empresariais por cruzamentos de patentes e a inadaptação dos direitos clássicos de propriedade intelectual para as criações industriais abstratas

Autor: Murillo Florindo Cruz Filho, D.Sc. Professora da Universidade Estácio de Sá

Introdução A Inadaptação dos Direitos de Propriedade Intelectual Clássicos para a Proteção das Criações Industriais Abstratas. "A Explicação Verdadeira". Razões de Ordem Histórica As Razões de Técnica Jurídica

Resumo

Este trabalho busca apresentar uma série de reflexões e implicações importantes para a Administração das Alianças Estratégicas empresariais calcadas em acordos tecnológicos tendo por base direitos de patentes de invenção. Em termos clássicos, no passado, tais "alianças" calcavam-se - obrigatoriamente - em cross licensing (cruzamentos de patentes), e/ou através de acordos de cartéis (legítimos). Hoje, e já desde algumas décadas, a enorme complexidade tecnológica, a cientifização da técnica, somadas ao imenso crescimento das "criações industriais abstratas", tem imposto desafios profundos à continuidade de acordos empresariais, tendo por base princípios de confiança mútua e de contratação vantajosa para todas as partes. Este "fenômeno" tem contribuído, também, para uma significativa indeterminação de propriedades (tecnológicas) e uma considerável "desorganização" e falta de planejamento por parte dos grupos empresariais inovadores.

Abstract

This paper presents important conclusions concerning technological strategic alliances among industrial enterprises through patents and cross-licencing contracts. Former technological alliances took, normally, the shape of "legal cartels" (for based on registered industrial property subjects), but since some decades, and in the time beeing, taking into account the technological and scientifical complexity and also the great importance of the so called "abstract industrial criations", enterprises from industrial developed countries havea deep "défi" before them: how to manage one so complex and abstract technological system whithout registered and protected - from the legal point of view - "assets"?

[topo]

Os problemas decorrentes de uma possível adaptação do direito de proteção às invenções e às inovações, em conseqüência da crescente complexidade tecnológica, principalmente dos processos produtivos, foram claramente percebidos já desde o século passado.

Na prática, as características de simultaneidade, a justaposição de princípios técnicos, a fragmentação elevada, a organicidade, a imbricação de idéias inventivas simultâneas, a crescente complexidade dos processos produtivos, etc., desde o século XIX, criaram uma série de problemas no campo da proteção patentária, cuja solução parcial aportou num dos capítulos mais interessantes da história do sistema de patentes de invenção da modernidade: a quase obrigatoriedade dos cruzamentos de licenças de patentes (ver adiante) e o inevitável e espantoso desenvolvimento dos cartéis e acordos internacionais, acordos estes fundamentados em direitos de patentes. A bibliografia sobre o tema é abundante e bastante esclarecedora. (1).

O cruzamento de patentes (cross-licensing), em função da progressiva complexidade tecnológica, tornou-se quase que uma obrigatoriedade no funcionamento de diversos setores econômicos, exatamente devido a estas características de justaposições técnicas, atreladas às "normas" de propriedade industrial e dos direitos decorrentes e obtidos por uma patente de invenção. Homer O. Blair exemplifica, de forma transparente e extremamente didática, estas questões:

"Por exemplo, quando Alexander Graham Bell inventou o telefone dirigiu-se ao Escritório norte-americano de Patentes (US Patent Office), e recebeu uma patente que dizia, em síntese: "O Senhor A. G. Bell pode impedir qualquer pessoa de fabricar, usar ou vender sua particular invenção, a saber, o telefone, como descrito e reivindicado em sua patente, a menos que sob sua permissão."

Suponhamos, agora, que alguns anos depois, um outro inventor, chamemos-o de Donald Ameche, se canse de ficar pegando o receptor do telefone e pedindo a um operador humano para ligar o número para ele. Então, Ameche decide aperfeiçoar o telefone, fazendo um disco (um dial), e colocando-o na parte frontal do telefone para permitir que ele - ou qualquer outra pessoa - possa fazer a ligação diretamente sem ter que passar pelo operador. Ameche então vai ao US Patent Office e apresenta sua invenção. O escritório de patentes pesquisa e examina outras patentes e a literatura técnica conhecida, e conclui: "Sim, o Senhor D. Ameche fez

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efetivamente uma invenção. O Sr. aperfeiçoou o telefone; portanto, nós iremos lhe conceder uma patente relativa ao "Dial para telefone". Assim, o Sr. encontra-se apto a impedir qualquer pessoa de fazer, usar ou vender o "dial para telefone" sem sua permissão."

Agora, a questão é: quem pode (em caráter exclusivo) fazer, usar ou vender um "telefone com dial"? A resposta é: ninguém. Ninguém possui o monopólio sobre o "telefone com dial". Graham Bell não pode fazer o dial para telefone porque D. Ameche, o inventor do dial para telefone, tem o direito de excluir Graham Bell e qualquer outra pessoa de fabricar o dial para telefone.

Por outro lado, D. Ameche, o inventor do dial para telefone, não pode fazer um "telefone com dial" porque A. Graham Bell tem o direito de excluir terceiros da fabricação de sua invenção básica, que é o telefone.

Isto gera uma situação empresarial tal cuja solução é o licenciamento mútuo (cross-licensing) entre as duas invenções. D. Ameche deve dar permissão (uma licença) para A. G. Bell fazer o "telefone com dial". E Graham Bell deve dar permissão (uma licença) para D. Ameche usar sua invenção do telefone a fim de poder produzir um telefone com dial completo. Isto significa que os dois inventores devem licenciar-se mutuamente para que cada um possa fazer o telefone com dial, que parece ser (à época) o melhor telefone disponível.

O descrito acima, de maneira relativamente simples, é, entretanto, um dos mais importantes princípios organizadores dos direitos sobre patentes de invenção. O fato de uma pessoa deter uma patente sobre sua invenção não significa que ela possa fazer, usar ou vender o item coberto pela patente. É necessário ainda fazer uma busca de patentes, no território em reivindicação, para ver se alguma outra pessoa tem uma patente que possa cobrir parte de seu produto (ou processo) patenteado. Algum outro inventor (ou, na atualidade, algum outro patentee (titular ou dono da patente), que não obrigatoriamente é o inventor) pode ter uma patente mais básica, como, por exemplo, a patente do telefone de Graham Bell, ou vários inventores (ou titulares) podem deter patentes de aperfeiçoamentos, tal como a patente do dial para telefone de D. Ameche.

O que torna as observações acima um fato de importância capital é a extrema difículdade, hoje em dia, (e há muito tempo), de encontrarmos um produto, ou processo, com certa sofisticação intrínseca, coberto por somente uma patente.(2)

Apenas para um esclarecimento adicional sobre o exemplo citado acima por H. O. Blair, e uma certa correção, é importante assinalarmos que a patente da invenção do "telefone" de A. Graham Bell, foi registrada, como é de conhecimento geral, em 1876. Três anos depois, antes da invenção do dial para telefone, Thomas A. Edison registrou uma patente de um aperfeiçoamento do telefone de Bell: a invenção do bocal separado do telefone. A invenção do "telefone sem operador e sem espera", isto é, do dial para o telefone, se deve a Almon Brown Strowger, que registrou sua patente em 1889: "a central telefônica automática que dispensava o operador humano". A "central" de Strowger permitia ao usuário escolher o número e marcá-lo, carregando uma combinação de três botões. Posteriormente, seus sócios nesta invenção inventaram o disco giratório (o dial propriamente) que produzia impulsos elétricos de acordo com o número chamado. Entretanto, o "telefone com dial" foi comercializado e ficou conhecido como o "telefone de Strowger".

Vários autores têm atualmente apontado para os problemas decorrentes da inadaptação do direito tradicional de patentes de invenção, relativamente às criações técnicas complexas, justapostas, orgânicas, semi-conservativas, gestálticas, sinedóquicas e abstratas de nossa época. Como um pequeno exemplo podemos citar, por força de um certo pioneirismo, além de N. Wiener (1950), R. Vanderperre (1967), F. Magnin (1971), André Lucas (1975) e tantos outros. De fato, o número de juristas, engenheiros e economistas que se dedicam atualmente à reflexão de uma possível solução para estas questões é crescente. Sendo crescente e já extremamente vasta, igualmente, a bibliografia sobre este tema.

André Lucas, em seu La Protection des Créations Industrielles Abstraites (1975), apesar de ter o foco de atenção nos debates sobre a proteção (possível) jurídica dos programas de computador, buscou apresentar argumentos muito interessantes que podem ser generalizáveis para outros setores tecnológicos contemporâneos, argumentos estes que nos ajudam a refletir sobre as razões da possível dissolução do sistema clássico de patentes de invenção nas últimas décadas.

Lucas dirá que a sua expressão "criações industriais abstratas" (créations industrielles abstraites) é, de fato, do ponto de vista conceitual, bastante audaciosa, pois pode parecer paradoxal a qualificação de industrial para uma invenção que é abstrata: "En effet, l'invention industrielle est définie traditionellement par opposition à l'invention abstraite" (3). Em quase todas as legislações de propriedade industrial, os "sistemas de caráter abstrato" são excluídos das invenções passíveis de proteção por patentes. Para A. Lucas, entretanto, esta concepção representa uma falha, pois uma criação qualquer (mesmo abstrata) pode ser utilizada na indústria sem, entretanto, atender ao critério e ao rigor do "grau de concretização" das invenções industriais patenteáveis.

A pertinência e a atualidade do problema aqui em proposição é claramente exposta por ele: "Il a toujours existé des créations industrielles abstraites, mais jusqu'a une époque récente, le probléme de leur protection n'avait jamais été soulevé." (4)

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Diferentemente das concepções puramente teóricas, as criações industriais abstratas podem contribuir com grandes serviços à indústria e às empresas; não são elas simples curiosidades, puras especulações, mas sim "invenções" cujo objetivo é essencialmente utilitário. Se a utilidade das criações industriais abstratas mostra que suas invenções vinculam-se ao mundo industrial e empresarial, não apresentam-se, entretanto, estas "invenções", sob a forma de "objetos tangíveis". "Ainsi définies, les créations industrielles abstraites doivent être distinguées des inventions industrielles écartées du bénéfice du brevet parce que leur auteur n'en a pas fait une description suffisante." (5).

Ou o inventor de uma criação industrial abstrata não soube expor uma aplicação prática da sua concepção porque tal aplicação simplesmente não existe (a invenção então, neste caso, não apresenta qualquer interesse para a indústria e para o mundo empresarial); ou bem a invenção possui uma aplicação prática, mas é o inventor que não sabe ou não quer (ou não consegue, de forma plena, objetiva e "única") descrevê-la corretamente; neste caso, então, a invenção em si não poderia ser designada simplesmente de abstrata.

À diferença de um cientista puro ou de um autor de uma invenção industrial patenteável, o inventor de uma criação industrial abstrata vai até o fim do processo inventivo que conduz da idéia ao resultado, passando pela realização, mas este processo não implica qualquer materialização. Resulta - se retomarmos a distinção clássica entre invenções de produtos e invenções de processos - que as criações industriais abstratas pertencem necessariamente à segunda categoria. De fato, a invenção de produto deve se materializar. "Il apparâit donc possible de définir les créations industrielles abstraites comme des procédés qui, destinés, en definitive, à produire des conséquences dans le monde concret, restent tout le même, dans une certaine mesure, du domaine de l'abstraction." (6)

Numa época - como a nossa - onde as empresas só se referem a management, planejamento (estratégico), marketing e insistem na necessidade de racionalizar as atividades de gestão e reorganização, podemos indagar, diz Lucas, se as criações industriais abstratas não são mesmo mais úteis (do ponto de vista econômico e administrativo) do que a introdução e a preparação de novos produtos e novos processos de fabricação.

Aqui, produtos são entendidos como na definição clássica: um produto industrial é um corpo (objeto) determinado, tendo uma combinação ou uma estrutura particular ou apresentando certas qualidades e características que o distingue de outros objetos.

Apesar da expressão direito de propriedade intelectual, deve-se ressaltar que as idéias inventivas (em si) não encontram-se no escopo da proteção jurídica patentária. Muito ao contrário, são excluídas. Este é o princípio que se designa por princípio de exclusão das idéias, uma das regras fundamentais e incontestáveis do direito de propriedade intelectual até os dias atuais, de todos os países. "Attendu que dans le domaine de la pensée, l'idée demeure éternellement libre et ne peut jamais devenir l'objet d'une protection privative." (7).

Uma razão explicativa importante para esta exclusão é que mesmo que o legislador quizesse proteger as idéias (inventivas), uma tal proteção seria quase que impossível de organizar-se no âmbito da técnica jurídica. Primeiro, pela dificuldade de se operar uma distinção entre as idéias passíveis de proteção e as idéias não protegíveis. Em segundo lugar, se uma distinção clara e incontestável do critério de novidade (absoluta) aplicado para as técnicas industriais correntes já é extremamente difícil, seria então quase que intransponíveis as dificuldades de se operar um julgamento de novidade para as idéias inventivas em si e dos fatos científicos. Como estabelecer um "estado da ciência" suficientemente preciso para avaliar o grau de novidade de uma idéia diante deste estoque de conhecimentos universais? "Chaque savant apporte sa contribution au développement scientifique sans qu'il soit toujours possible de déterminer avec précision la part exacte qu'il a prise à ce développement. Malgré la compétence et la bonne volonté des examinateurs, l'appréciation restera trop souvent subjective. Il est plus facile d'apprécier la nouveauté d'un appareil mécanique que celle d'une théorie scientifique." (8)

E no campo da propriedade literária (do direito autoral), a originalidade requerida (e não a novidade) é igualmente difícil de ser apreciada, pois aqui há sempre um julgamento de valor. É interessante notarmos que a proteção especial (por patentes de invenção) dos desenhos e dos modelos representa, neste sentido, uma situação intermediária entre a novidade adotada para as patentes de invenção e a originalidade adotada pelo direito de propriedade literária, ou autoral.

Como demonstrou M. Desbois, o contraste entre a novidade, noção objetiva (...) e a originalidade, noção subjetiva, tem, a esse respeito, "des arêtes moins vives"...."la notion d'originalité, telle qu'elle est interprétée traditionnellement, ne peut s'attacher qu'à la forme." (9).

A apreciação da novidade, adotada para a concessão das patentes de invenção, implica a existência de uma base de referência a qual não terá qualquer sentido no domínio literário. Não há o "progresso literário", e nem sequer o "estado da literatura", como há, (embora com complexidades e dificuldades crescentes), um "progresso técnico" ou um "estado da técnica", afirma A. Lucas.

Assim, a prova do fato material da contrafação (de idéias) seria extremamente difícil de se obter. E isto para não falarmos mesmo de uma impossibilidade. Como impedir, por exemplo, a "reprodução de uma idéia"? "La contrefaçon ne pouvant être constatée et poursuivie, le privilège du brevet devient illusoire et n'est plus qu'une chimère." (10).

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De fato, como um autor de uma invenção abstrata poderia organizar minimamente um controle sobre a exploração de sua invenção?.

A proteção de uma possível patente de idéia encontraria obstáculos também no campo da razoabilidade. Oerstedt (o cientista) poderia, por exemplo, com uma tal patente hipotética, impedir todo o progresso do setor industrial dependente do eletro-magnetismo.

A recusa da proteção às idéias pelo direito de propriedade intelectual leva a duas consequências: (1) que nenhum monopólio pode nascer diretamente de uma idéia, isto é, que uma criação só pode beneficiar-se de uma proteção privativa se a idéia é concretizada, realizada, materializada; e (2) que a proteção eventualmente conferida não será jamais extendida à idéia-matriz, ao princípio da invenção (da criação). "Si l'idée n'est pas brevetable et si, au contraire, l'invention industrielle matérialisant cette idée est brevetable, il reste à déterminer à partir de quel stade de matérialization l'idée devient une invention industrielle. (...) "Si la protection conférée par le brevet d'invention ne peut s'étendre au principe de l'invention, il reste à préciser à quels éléments de cette invention la protection est acquise."(11).

A necessidade de aplicação industrial, como vimos, é um dos requisitos básicos do sistema de patentes de invenção. G. Huard afirmava, já no início do século, que a palavra indústria admite várias interpretações e conotações: (12) Na sua acepção maior abarca todas as espécies de trabalho, mesmo os trabalhos intelectuais. Freqüentemente, entretanto, aplica-se o termo de forma mais restrita, isto é, à atividade humana voltada para a matéria. Podemos encontrar um sentido mais restrito ainda, para designar a fabricação, em oposição a todos os demais trabalhos. Em geral, os juristas vinculados à área de propriedade industrial, adotam a terceira conotação descrita por G. Huard acima; por exemplo, Roubier e P. Mathely.(13)

Esta compreensão da vinculação da palavra indústria com o processo de fabricação, vem de 1870, quando a Corte de Paris decidiu que o caráter industrial existia apenas nas invenções que se reportassem à criação material de um produto.(14)

Na compreensão de A. Lucas, e concordando com a definição de A. Picard, de 1928, o importante seria a adoção de uma noção mais precisa de resultado industrial, ou de uma vantagem industrial, pois esta concepção englobaria as noções correntes de objeto industrial (tangível) e a de aplicação industrial. "L'effet industriel est le but matériel ou immatériel à atteindre, le produit industriel étant le but matériel, alors que le résultat industriel est le but immatériel."(15)

Neste sentido, um método de gestão ou de administração, que tenha, como resultado, importantes vantagens econômicas, não deveria ser excluído do campo da proteção patentária, por não satisfazer o caráter de materialização industrial requerido pelo direito tradicional de patentes. Esta interpretação, entretanto, jamais foi admitida no direito de patentes e existem boas razões para se suspeitar que jamais será. Para a jurisprudência e para a doutrina, uma invenção deve possuir obrigatoriamente um traço material.

A Inadaptação dos Direitos de Propriedade Intelectual Clássicos para a Proteção das Criações Industriais Abstratas. "A Explicação Verdadeira".

Além do princípio da exclusão das idéias descrito rapidamente acima, a recusa da proteção às criações industriais abstratas por parte do direito de patentes e a ineficácia da proteção eventualmente conferida pelo direito autoral, explica-se, na verdade e essencialmente, pela inadaptação dos direitos de propriedade intelectual clássicos para as criações industriais abstratas. Esta inadaptação possui razões tanto de ordem histórica, como também com relação aos limites da "técnica jurídica".

Razões de Ordem Histórica

Além das importantes transformações tecnocientíficas que ocorrem a partir do século passado, o cenário econômico-social típico de meados do XIX é a consolidação da Revolução Industrial, época de grandes invenções que cristalizaram as bases da indústria mecânica moderna. Evidentemente, todos os legisladores de meados do século passado, quando se referiam aos novos meios, pensavam prioritariamente nas invenções do tipo manual e metal-mecânico. Durante muito tempo esta foi a interpretação corrente sobre as patentes de invenção. Explica-se, assim, a afirmação da Corte de Paris, em 1870, segundo a qual o caráter industrial "ne se trouve que dans les applications du travail manuel ou mécanique." (16)

Ainda em 1931, G. Bouthoul, com uma tese sobre as invenções, afirmava e expressava idêntica compreensão: "A notre époque de rapide progrès technique où le sens de la mécanique et l'esprit de perfectionnement sont si répandus, l'invention du type mécanique a primé toutes les autres, à tel point que dans le langage populaire, le terme d'inventeur n'est donné que dans ce cas." (17)

Logo, apesar dos progressos realizados nos setores da química, da eletricidade, da eletrônica e outros correlatos, continuava prevalecendo no direito patentário a correspondência tradicional da proteção especificamente para os objetos mecânicos.

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As hesitações dos legisladores atuais ante as criações imateriais e intangíveis, e mesmo complexas e justapostas das novas configurações tecnológicas, não surpreendem. R. Vanderperre expõe de forma clara e quase que definitiva esta questão: "Alors que nous sommes habitués à être placés en face d'applications où tout est tangible, où tout est nettement délimité et où tout peut s'exprimer dans une langue usuelle, nous nous trouvons soudainement confrontés avec des applications techniques où la complexité et la simultanéité des interconnexions et des interactions est si grande que celles-ci ne peuvent plus être isolées les unes des autres, avec des applications techniques où l'imbrication du matériel et du fonctionnel est si subtile qu'elle impose d'un nouveau langage qui seul permet de dominer parfaitement l'entièreté du problème." (18)

A tendência tradicional de vincular a invenção industrial à invenção mecânica conduziu a jurisprudência e a doutrina à assimilarem o caráter industrial ao caráter material. Uma tal interpretação já era contestável no século XIX e tornou-se cada vez mais criticável à medida que as invenções de processos tornavam-se cada vez mais complexas e que a natureza imaterial dos processos de produção era evidenciada. As observações de F. Magnin sobre estas transformações são extremamente pertinentes. Magnin afirmou que, além do meio unitário (moyen unitaire), correspondente ao grande período das invenções mecânicas, apareceu o que poderíamos designar por meio múltiplo (moyen multiple), isto é, o agrupamento de meios justapostos simultaneamente ou sucessivamente com vistas à obtenção de um resultado. Assim, o meio unitário a que F. Magnin se refere, vincula-se à possibilidade clara, unitária e específica, que os objetos mecânicos (materiais) tradicionais possuem e oferecem à análise, contrariamente aos meios múltiplos que, em nossa nomenclatura, assumem as características das técnicas e das inovações técnicas complexas, justapostas, gestálticas, semi-conservativas.(19)

A este respeito, Vanderperre afirmará que os "juristas têm o péssimo costume de considerar um problema relevante de um domínio técnico complexo (por exemplo do domínio da eletrônica), e confundí-lo com os problemas tão diferentes que são os do domínio mecânico." (20)

É de se notar, adicionalmente, que o amplo processo de cruzamentos de patentes, descrito resumidamente no início deste artigo, foi a "primeira" e importante resposta empresarial e econômica ao hiperbólico crescimento da complexidade tecnológica dos principais países industrializados. Muitos estudiosos, hoje e no passado, não estão alertas para o fato incontestável e simples de que os "cartéis" por cruzamentos tecnológicos não só são necessários (tendo em conta as normas do direito patentário de todas as nações), como são "legais" na quase totalidade dos países. E mais, as alianças estratégicas calcadas em direitos patentários (ou similares), seriam as "únicas" que poderiam ter algum grau de validade organizacional saudável e positiva, i.e., que não conduzissem as empresas e corporações às guerras comerciais-autofágicas por segredos industriais vulneráveis.

As Razões de Técnica Jurídica

Um dos principais obstáculos à adaptação dos direitos tradicionais de propriedade intelectual às criações industriais abstratas refere-se à quase impossibilidade de se constatar a contrafação destas invenções. Temos que admitir, afirma Lucas, que "quanto mais a invenção se distancia do mundo material, mais a evidência e a verificação da contrafação se torna problemática." (21)

Se estivermos considerando principalmente os sistemas de organização, programas de computador, sistemas de gestão, em suma, de técnicas complexas e semi-conservativas (os meios múltiplos, como definiu F. Magnin), a apreciação do exame de anterioridade só poderia ser feito, e ainda assim com alto grau de subjetividade e controvérsia, por especialistas altamente qualificados. Lucas, citando M. Faller, dirá que estas questões poderão se confrontar com "difficultés quasi-insurmontables." (22).

Em outras palavras, as invenções e as criações industriais abstratas possuem uma complexidade tal que é extremamente difícil determinar em que medida elas possuem atividade inventiva ou em que medida baseiam-se em conceitos e idéias já revelados e amplamente conhecidos. No domínio onde as invenções apresentam-se sob um aspecto fortemente intelectual, a apreciação e o exame normalmente possuirá uma forte dose de arbitrariedade. Por exemplo, pode-se afirmar que apenas 5% de todos os programas de computador desenvolvidos constituiriam verdadeiras invenções se fossemos aplicar os critérios básicos e válidos de novidade e atividade inventiva que são aplicados para as patentes de invenção tradicionais. (23)

O mesmo poderia ser afirmado também para os lay-outs (desenhos) e topografias dos circuitos integrados e igualmente para inúmeras "novidades" decorrentes das técnicas contemporâneas (a engenharia genética, etc.) As inovações decorrentes destas técnicas dependem muito mais de um esforço intelectual (e metódico), que acaba gerando uma certa originalidade, do que propriamente da genialidade aguda de um inventor ou descobridor para gerar uma novidade absoluta. (24)

A decisão do juíz Robert Keeton, do Tribunal de Boston-USA, em 1993, de obrigar a retirada do mercado de um famoso programa de computador alegando contrafação, com base no "look and feel" (o "jeitão" do software), do mesmo relativamente ao do reclamante, representa paradigmaticamente, o ponto de irracionalidade alcançado pelo domínio jurídico sobre a matéria da proteção das técnicas abstratas e complexas da contemporaneidade. A empresa Lotus Development Co. venceu, em 1993, um processo que movia contra uma concorrente, a Borland, alegando o "look and feel" do programa "Quatro-Pró" (da Borland) da sua famosa planilha eletrônica, o "Lotus 1-2-3". E o caso não é único. Em junho de 1990, o mesmo juíz deu ganho de causa

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a favor da mesma Lotus contra uma outra concorrente, a Paperback, obrigando a saída do mercado de uma outra planilha chamada VP-Planner.

Com relação ao caso Lotus versus Borland, o que parece mais inusitado e absurdo é o fato de que o juíz tenha considerado como contrafação apenas uma sub-rotina (uma função) chamada keyreader, que é o que permite o Quatro-Pró ler e converter macros 1-2-3. Ora, a conversão de arquivos (a função do keyreader) não somente é uma tarefa comum em softwares, como muitas vezes, indispensável. A própria planilha 1-2-3 permite a conversão de vários tipos de arquivos ("entre eles o famoso dBase, que, por uma grande ironia, pertencia à Borland.") para seu próprio formato. A confirmação da sentença do Tribunal de Boston acima descrita levaria a uma consequência no mínimo curiosa: a empresa Computer Associates poderia, então, com base no mesmo parecer do juíz R. Keeton, acionar a Lotus Development, pois a Computer Associates detém os "direitos" da Visicalc já há muito tempo e, se o Quatro-Pró é imitação do Lotus 1-2-3, então o 1-2-3 é cópia flagrante da Visicalc. Em última instância, todas as planilhas serão "cópias" do programa básico de Dan Briklin.

E mais, a justiça terá que dar ganho de causa à Apple, que aciona a Microsoft, segundo a tese de que o Windows é imitação da interface do MAC. Logo depois, a Xerox poderia acionar, então, a própria Apple, considerando que foi em seu centro de pesquisas em Palo Alto, o PARC, que a interface gráfica foi "inventada". Dan Bricklin, autor do Visicalc, programa em que a Lotus se inspirou para fazer o 1-2-3, afirma: "O problema é que, nesses processos, os advogados tentam encaixar o software, que na verdade não conhecem, num sistema de palavras e procedimentos totalmente inadequados à tecnologia." (25).

(1) Em 1923, o primeiro e um dos mais importantes trabalhos analisando a relação entre os sistemas de patentes e a formação dos cartéis foi publicado, na Alemanha, por Hermann Isay, Die Patentgemeinschaft im dienst des Kartellgedankens. Outros livros e artigos são igualmente importantes, e merecem destaque, a saber: George L.Priest, Cartels and Patent License Arrangements, Jole, EUA, 1977; Gustav Schmoller, Das verhaltnis der Kartelle zum Staat, 1905; George Stocking e M.Watkins, Cartels in Action, NY, 1946; Hugh Cox, Cartels and the Peace, Chicago, 1943; OECD - Relatório - Export-cartels/Report of the Committee of Experts on Restrictive Business Practices, Paris, 1974. Os interessados poderão encontrar informações adicionais no documento Contratos-cartel, Contratos de know-how: a Negociação de Mercados através de Direitos Expirados©, de minha autoria, broch., 1985; e igualmente de minha tese de doutorado: "A Norma do Novo. Fundamentos do Sistema de Patentes na Modernidade"©, Ed. Indep., 1996.

(2) 1. H.O.Blair, Understanding Patents, Trademarks and other Proprietary Assets and their role in Technology Transfer and Licensing, 1978, p.1.

(3) André Lucas, La Protection des Créations Industrielles Abstraites, 1975, p. 3.

(4) Ibid., p. 34.

(5) Ibid., p. 5

(6) Ibid., p.6.

(7) Trib. civ. Seine, 19/12/1928, apud A.Lucas, op.cit., p.33. A razão teórica mais importante para o princípio da exclusão das idéias é que um ciclo civilizacional material como o nosso, irá se importar predominantemente com os aspectos materiais e não abstratos, mesmo que os abstratos (as idéias) tenham sido a origem e fonte destes objetos. Somente nos dias atuais certos juristas começam a perceber a importância das idéias ( e das criações abstratas) que estão nos fundamentos da metafísica da subjetividade moderna.

(8) André Lucas, op.cit., p.39. Sobre as dificuldades de aplicação do critério de novidade, ver bibliografia cit. nota 20 p.39. Ver também, A.Lucas p. 40 nota 24.

(9) A.Lucas, op.cit., p.42.

(10) Grenoble 14/08/1833. Ver A.Lucas, op.cit., p.43, nota 32.

(11) A.Lucas, op.cit., p.55.

(12) Ver, a este respeito, bibliografia citada A.Lucas, p.298

(13) Ver A.Lucas, op.cit., p.56 item 96, e p.57 item 97.

(14) Ibid., p.56, nota 10.

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(15) A.Picard, Précis de Brevetabilité, Paris, 1928, p. 16, e H.Tourseiller, Des Inventions Brevetables: thèse, Paris, 1902, p.87; apud A.Lucas, p.61.

(16) Paris, 5/02/1870, Ann. prop.ind., 1870, p.122 apud A.Lucas, op.cit., p.176.

(17) G.Bouthoul L'Invention, Thèse Bordeaux, 1931 p.3, apud A.Lucas, op.cit., p.176.

(18) R.Vanderperre, "La propriété industrielle face à l'informatique", in Rev. dr. intellec. L'ing. cons. 1967, p.211 - Comp. E.Luzzatto, Una Norma di Legge francese da non imitare, in Rivista di diritto industriale, 1968, I, p.297, apud A.Lucas, op.cit., p.176.

(19) Para um detalhamento, ver F.Magnin, Know How et Propriété Industrielle, p.90, apud A.Lucas, op.cit., p.177.

(20) R.Vanderperre, op.cit. p.211.

(21) Andre Lucas, op.cit., p.178.

(22) Ibid., p.178, nota n.20.

(23) Ibid., p.180.

(24) Utilizamos aqui o termo novidade absoluta numa concepção comum, e não no critério que é adotado pelo direito patentário.

(25) Ver R.Rangel e C.Rónai, "A Era das Trevas na Informática", in Caderno de Informática, Jornal O Globo, set.1993.

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Análise de demonstrações contábeis em economias hiperinflacionárias – um estudo do caso brasileiro no período de 1988 a 1991

Autor: Ricardo M. de Siqueira, M.Sc. (COPPEAD) Josir Simeone Gomes, D.Sc. (Coordenador do mestrado da Universidade Estácio de Sá)

1. A inflação no Brasil 2. A Contabilidade e o Reconhecimento dos Efeitos Inflacionários 3. A Contabilidade a Nível Geral de Preços e o Brasil 4. As distorções causadas pela hiperinflação na análise das demonstrações financeiras 5. Metodologia da pesquisa 6. Análise das Distorções 7. Conclusão Referências Bibliográficas

Resumo

A análise das demonstrações contábeis é uma importante fonte de informações no mundo dos negócios. No entanto, a averiguação do impacto da inflação no uso destes quocientes financeiros não tem recebido a atenção que merece, principalmente em economias hiperinflacionárias.

Este trabalho tem como objetivo avaliar as distorções causadas pela hiperinflação nas demonstrações contábeis e, conseqüentemente, na análise das demonstrações através de índices. Para esta finalidade, a pesquisa se valeu das demonstrações contábeis publicadas no período de 1988 a 1991, de 11 empresas do setor varejista.

Abstract

The analysis of financial statements is an important source of information in the business world. However, the ascertainment of the impact of inflation in the use of these financial ratios has not received the attention that it deserves, mainly in hiperinflated economies. The aim of this work is to evaluate the distortions caused by hiperinflation in financial statements. For this purpose, the research used the financial statements of 11 retail companies published between 1988 and 1991.

[topo]

1. A Inflação no Brasil

Pouco se sabe sobre a inflação nos primórdios da história brasileira, no entanto, Buescu (1973) analisou o comportamento dos preços de determinados produtos no período de 1572 a 1887, demonstrando que a inflação apresentou um comportamento cíclico durante este período de tempo. Trata-se, portanto, de um fenômeno antigo no Brasil.

Lopes & Rossetti (1982, p. 239) afirmam que desde "os primeiros anos do império, o fenômeno da inflação tem sido predominante em relação aos poucos períodos de preços relativamente estáveis ou declinantes".

Neste século, segundo dados publicados, o problema se agravou a partir da Segunda Grande Guerra. No entanto, o período pós-guerra não pode ser visto como homogêneo. Ele pode ser subdividido em quatro períodos distintos: 1946-1958, 1959-1964, 1965-1973 e 1974-1994 e 1994 até os dias atuais.

O período de 1946-1953 apresentou uma taxa inflacionária contínua na casa dos 12%. Segundo Furtado (1982, p. 223-224), a inflação contribuiu, no período de 1948 a 1952, para a capitalização da indústria nacional, já que a taxa de câmbio permanecia fixa - fazendo com que a importação de equipamentos se tornasse vantajosa com a inflação - enquanto o preço dos manufaturados disparava no mercado interno, incrementando a eficiência marginal do capital.

O período de 1954 a 1964 foi marcado por fortes investimentos governamentais de cunho social e em infra-estrutura, o que levou o país a um constante déficit financiado, basicamente, por emissões de moeda.

Com uma conjuntura política instável e elevados índices de inflação, inicia-se o período de 1965-1973, com os militares no poder. Segundo Barbosa (1983, p. 222-223), a causa da inflação é imputada indiretamente aos sucessivos déficits e, indiretamente, ao Congresso Nacional "pois o Ato Institucional nº 1, (...) retirou do poder legislativo a competência para aumentar despesas". Como conseqüência de uma política antiinflacionária

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austera, baseada na retenção da expansão dos meios de pagamento e na redução do deficit público, a taxa inflacionária caiu rapidamente atingindo o patamar de 15,5% em 1973.

Esta queda na taxa inflacionária foi acompanhada por um forte crescimento econômico conhecido como o "Milagre Brasileiro". Para Singer (1982, p.58), o "Milagre" significou um grande crescimento dos pontos de estrangulamento da economia brasileira. A multiplicação destes pontos de estrangulamento foi a responsável pela disparada na inflação no período de 1974-1994.

O período que vai de 1994 – quando foi lançado o Plano Real com a criação da Unidade Real de Valor (URV), que posteriormente se transformaria no Real – até os dias de hoje, é marcado por taxas inflacionárias consideravelmente mais baixas. No entanto, muitos dos principais economistas do país afirmam que ainda é cedo para se dizer que a inflação foi debelada, já que muitas das causas estruturais da inflação ainda precisam ser atacadas.

2. A Contabilidade e o Reconhecimento dos Efeitos Inflacionários

Para Iudícibus (1981a, p.241), o papel fundamental da contabilidade é:

"a determinação dos resultados (...) por períodos e a informação da situação patrimonial e financeira em determinadas datas, através do acompanhamento da evolução do patrimônio. (...) Para atender a estes objetivos, a contabilidade baseia-se num conjunto de normas e procedimentos conhecidos como princípios de contabilidade geralmente aceitos".

A Contabilidade é suportada por estes princípios. Um destes é o da Continuidade. Segundo ele as empresas são entidades em andamento, sem um fim pré-determinado. Percebe-se portanto que o princípio do custo como Base de Valor é uma decorrência da Continuidade, pois se a empresa é uma entidade em andamento não há razão para se avaliar os ativos com base em seu valor de mercado. À luz da Continuidade percebe-se que mesmo o Custo Histórico tem um forte fundamento conceitual, já que "o preço acordado entre comprador e vendedor é a melhor expressão do valor econômico do ativo, no ato da transação" (Iudícibus, 1981b, p. 58). Percebe-se portanto que o Custo Histórico refletiria o valor atual de fluxos futuros esperados de receitas e despesas inerentes ao ativo adquirido.

No entanto, apesar de sua sólida fundamentação teórica, uma contabilidade baseada em custos históricos geraria um relatório com poucas informações relevantes. Szuster (1980, p. 3) chega a afirmar que a contabilidade "tradicional que se atém à manutenção do custo original, não reconhecendo as alterações do valor da moeda no tempo, não tem mais lugar em nossos dias. As suas informações não representam a realidade econômica e os seus resultados são totalmente defasados".

Visando combater a perda no poder informacional das demonstrações financeiras, técnicas para reconhecimento da inflação foram desenvolvidas, destacando-se a Contabilidade a Custo Corrente e a Contabilidade a Nível Geral de Preços.

Entretanto, ressaltam Szuster & Monteiro (1989, p. 45), na "comparação entre as duas filosofias de ajustamento, é conveniente que sejam ponderados os três requisitos básicos para a aplicação de um método contábil, ou seja, objetividade, praticabilidade e utilidade".

A Contabilidade a Custo Corrente tem como objetivo acompanhar as variações específicas nos preços dos ativos. Já a Contabilidade a Nível Geral de Preços se utiliza de um índice geral para refletir o processo inflacionário.

Podem ser destacadas quatro fontes de informação para a aplicação do método do custo corrente: pesquisa de mercado, pesquisa nos registros internos da empresa, avaliação técnica por peritos e adoção de índices específicos. A dificuldade na aplicação desta metodologia já pode ser sentida com a pesquisa de mercado, pois em muitos casos não existe mercado para os ativos da empresa. Além disso, existe o problema do progresso tecnológico, que leva a empresa a comparar seus ativos com produtos semelhantes, porém não idênticos.

Alem disso, fortes críticas são direcionadas a esta metodologia no tocante aos princípios contábeis, pois fere o Custo como Base de Valor e o da Realização. Segundo Bruneli (1987, p. 34), o primeiro "é atingido com a adoção do custo corrente como base de ajustamento, e o segundo porque uma parcela do resultado é reconhecida ainda que os estoques não tenham sido efetivamente vendidos".

Já a Contabilidade a Nível Geral de Preços pretende expressar todos os valores em um mesmo nível de poder aquisitivo da moeda. Para que isto seja alcançado é necessária a distinção entre elementos monetários e não monetários. Segundo a Trevisan & Associados (1988, p. 23), elementos não monetários são aqueles "que têm 'valor intrínseco', ou que não perdem poder aquisitivo quando expostos à inflação". Por extensão, os elementos monetários são aqueles que perdem valor quando expostos ao efeito inflacionário.

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Hendriksen (1982, p. 211) acrescenta um complicador, incluindo um terceiro tipo de ativo. Para ele os débitos "conversíveis e ações preferenciais conversíveis são itens híbridos que podem ser monetários ou não monetários dependendo das circunstâncias".

Uma das principais vantagens da Contabilidade a Nível Geral de Preços é que "trata-se de um sistema que procura manter, e efetivamente o consegue, toda a estrutura atual dos princípios de contabilidade" (Martins, 1985, p. 10).

Segundo Iudícibus (1993, p. 264) o "princípio do denominador comum monetário não impede que a contabilidade levante balanços e demonstrações corrigidas para efeito de análise de resultados reais e para finalidades fiscais". Para Martins (1986, p. 33), a Contabilidade a Nível Geral de Preços é um reforço ao princípio do Denominador Comum Monetário, pois "à medida que existe inflação surge outra moeda. Para cumprir os princípios contábeis, o caminho é a correção".

Sobre o princípio do Custo como Base de Valor, Szuster (1980, p. 10) afirma que na Contabilidade a Nível Geral de Preços "os valores originais são mantidos, porém expressos em termos do que a moeda vale na data do Balanço. É o valor da moeda que se modifica e não o valor do Ativo".

Uma das principais críticas à Contabilidade a Nível Geral de Preços é quanto à utilização de um índice geral de preços, pois um "índice é uma média: não mede o comportamento de cada componente do preço. Alguns preços podem variar em uma direção e outros em outra" (Horngren, 1985, p. 468).

Apesar desta restrição, é inegável o maior poder informacional desta metodologia sobre a contabilidade tradicional. Para Trevisan (1988, p.98) a "técnica do balanço em moeda constante é uma necessidade que depura a informação contábil e acaba com as 'belíssimas' taxas de rentabilidade cheias de inflação".

3. A Contabilidade a Nível Geral de Preços e o Brasil

Entre as duas opções para ajustamento das demonstrações financeiras à mudança de preços, a opção brasileira foi pela Contabilidade a Nível Geral de Preços.

A correção monetária de balanços foi implantada pela lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976 e regulada pelo decreto-lei 1598/77. Trata-se de uma simplificação da Contabilidade a Nível Geral de Preços.

A metodologia da correção monetária implantada pelo artigo 185 da lei 6.404 foi assim descrita por Bulhões e Cruz Filho (1978, p.12):

"é calculada sobre todas as contas que formam o Ativo Permanente (...) e sobre as contas que formam o Patrimônio Líquido (...). O produto dessa correção monetária é contabilizada na própria conta a que se refere (...), tendo como contrapartida a conta "Correção Monetária", cujo valor líquido (saldo) é registrado no Resultado do Exercício como despesa, se devedor, ou como receita, se credor".

Os artigos 39 a 57 do decreto-lei 1.598/77 disciplinaram essa sistemática, criando a ORTN como indexador e reconhecendo dois métodos a serem utilizados: a Correção Direta dos Saldos e o uso do Razão Auxiliar em ORTN. Segundo Walter (1986, p. 202), tecnicamente "o método do Razão Auxiliar em ORTN é o mais adequado para os registros da correção monetária e propicia informações seguras para os lançamentos da Contabilidade".

Como resultado do exposto acima, é fácil perceber que a correção do Ativo Permanente gera uma receita e a do Patrimônio Líquido uma despesa. Conforme ressaltou Silva (1988, p. 290), isto faz com que as empresas que tenham saldo credor de correção monetária sejam objeto de comentários sobre sua rentabilidade.

Segundo Martins (1984, p. 47-48), esta miopia se deve a uma abordagem extremamente simplista que desconsidera o resultado da correção monetária como real, devido ao seu aspecto não caixa.

Há muito tempo Martins (1977) já alertava que muito

"se tem falado sobre a adequacidade do registro desse lucro acrescido, mas a realidade é que ele existe economicamente. O fato de não aparecer na forma de disponibilidade não é razão para se deixar de contabilizá-lo, pois a Contabilidade Empresarial não trabalha com o Regime de Caixa, e sim com o de Competência".

A apuração da correção monetária de balanço tem um significado muito mais profundo do que parece indicar uma análise superficial. Trata-se na verdade, conforme já observado, de uma versão simplificada da Contabilidade a Nível Geral de Preços. Enquanto esta reconhece ganhos nos passivos monetários e perdas nos ativos monetários, a legislação societária faz a mesma conta só que ao contrário, reconhecendo ganhos com o ativo permanente e perdas com o patrimônio líquido, chegando ao mesmo resultado1.

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Matarazzo (1985, p.94) alerta ainda que "a própria Lei das S.A. acabou sendo excessivamente prudente ao dispor (...) que o saldo credor da conta de correção monetária é lucro a realizar". Tratando-se, em sua opinião, de lucro realizado.

Entretanto, a metodologia da Correção Monetária de Balanços tem suas imperfeições. Roxo (1979) aponta como anomalias no método a não correção, entre outros, dos estoques e despesas antecipadas. Itens reconhecidamente não monetários.

Martins (1988, p. 161) ainda adverte que:

"É bom lembrar-se sempre que, naqueles idos de 1974/75/76, a inflação girava basicamente ao redor de 20% a 30% ao ano. Para essa faixa, o nosso modelo de correção do ativo permanente e patrimônio líquido é realmente muito bom, informativo e barato de ser usado. Todavia, para inflação de 100%, 200%, etc, esse modelo é extremamente pobre em capacidade de informar o usuário de demonstrações contábeis".

Devido à pobreza nas informações descrita por Martins, a Comissão de Valores Mobiliários baixou a Instrução 64 em 1987, que instituiu pela primeira vez no país uma metodologia de Contabilidade a Nível Geral de Preços plena. Essa instrução exigiu das empresas de capital aberto – somente estas – a apresentação de demonstrações em moeda constante em caráter complementar.

A Instrução 64 foi modificada por outras que se seguiram, com principal destaque para a Instrução 108/89 que, entre outras alterações, mudou a apresentação dos ganhos e perdas monetários e ajustes a valor presente.

Apesar do grande salto qualitativo representado pela introdução da chamada Correção Integral, muitas críticas foram dirigidas à metodologia.

Muitas das críticas foram direcionadas ao indexador selecionado pela Instrução 64. A preferência recaía sobre o IGP, no entanto o índice escolhido foi a OTN. A crítica geral foi de que esta não reconhecia fidedignamente a perda no poder aquisitivo da moeda. Gomes & Moreira (1984) em um estudo na área bancária, ao compararem os resultados obtidos utilizando-se a Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional – que posteriormente viria a se transformar na OTN – com os obtidos com o IGP-DI, concluíram que os bancos não vêm reconhecendo o real efeito da inflação, constatando a existência de um resíduo inflacionário não reconhecido.

O uso da variação média da OTN nos últimos três meses como taxa de desconto na apuração do valor presente das operações a prazo; a possibilidade de tratamento dos elementos não monetários como se monetários fossem; o prazo de 90 dias para apuração do valor presente; e o excesso de lançamento na conta "Ganhos (ou Perdas) nos Passivos (ou Ativos) Monetários sem Encargos (ou Rendimentos) Financeiros" foram alguns dos pontos da Instrução 64/87 que mereceram críticas por parte dos estudiosos e vários não foram corrigidos pela Instrução 108/89.

Apesar das críticas direcionadas à metodologia da Correção Integral é inegável a sua superioridade em relação à técnica anteriormente aplicada. A Correção Monetária Integral impedia, em boa parte, que as graves distorções causadas pela hiperinflação destruísse o poder informativo das demonstrações financeiras. É, muito possivelmente, a mais sofisticada técnica de reconhecimento dos efeitos inflacionários já desenvolvida em toda a história da contabilidade mundial.

4. As distorções causadas pela hiperinflação na análise das demonstrações financeiras

Segundo Braga (1987, p. 117), a análise das demonstrações financeiras tem por objetivo:

"observar e confrontar os elementos patrimoniais e os resultados das operações, visando ao conhecimento minucioso de sua composição qualitativa, de modo a revelar os fatores antecedentes e determinantes da situação atual, e, também, a servir de ponto de partida para delinear o comportamento futuro da empresa".

Para atingir este objetivo são utilizadas técnicas de análise que podem ser divididas em três tipos: análise horizontal, vertical e através de índices. Neste trabalho nos deteremos na análise através de índices.

Uma das principais vantagens da análise através de índices, destacada por Flink & Grunewald (1977, p. 82), é que estes permitem comparações entre "firmas do mesmo ramo, não importando o seu tamanho, visto ser uma comparação entre índices e não entre valores absolutos".

A quantidade de índices a ser utilizada em uma análise é de difícil dimensionamento e varia conforme o usuário e a conseqüente profundidade desejada. Matarazzo (1988, p. 97) alerta que "a análise de índices é do tipo que começa muito bem e vai perdendo fôlego à medida que se acrescentam novos índices, ou seja, há um rendimento decrescente".

Gitman (1997, p. 107) divide os índices em quatro grupos: liquidez, atividade, endividamento e lucratividade. Trata-se de uma classificação tradicional, partilhada pela grande maioria dos livros. Tais índices quando bem

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utilizados têm a capacidade de gerar boas informações aos usuários. No entanto, o problema não se encontra nos índices, mas sim, nos dados utilizados.

Iudícibus (1988, p. 205) chega a afirmar que as análises "podem ficar completamente alteradas conforme a utilização de dados históricos ou corrigidos". A qualidade dos dados contábeis gerados através dos preceitos estabelecidos pela lei das S.A. – apesar de não serem históricos – em um contexto hiperinflacionário é bastante questionável.

Em uma pesquisa realizada conjuntamente pela Fipecafi e Ipecafi, com uma amostra de 175 empresas (sendo 166 de capital aberto e 9 de capital fechado), visando avaliar o impacto da Instrução 64/87, verificou-se, entre outras constatações, que: a margem bruta pela correção integral (CI) foi menor em 100% das empresas; o lucro operacional/ativo total ficou com um valor médio de 26% quando utilizada a legislação societária (LS) e 9% quando utilizada a CI; e, o lucro líquido/patrimônio líquido ficou com um valor médio de 6,1% quando utilizada a LS contra 7% com a CI (Palhares, 1988, p. 48).

No caso brasileiro, os índices que trabalham com contas de resultado merecem maior atenção já que, pela legislação societária, estas encontram-se expressas em valores históricos. Portanto deve-se ter muito cuidado com os índices de lucratividade e atividade.

5. Metodologia da pesquisa

5.1. Escolha do Setor

Para fins deste trabalho, se desejava uma indústria que pudesse revelar relevantes distorções nos cálculos de seus índices financeiros. Foi selecionado portanto o setor varejista, já que as empresas que atuam nesta indústria geralmente apresentam:

— um nível de estoque considerável, que, ao ser atualizado, poderá afetar consideravelmente os índices que englobem o ativo circulante;

— valores relevantes como créditos e obrigações prefixadas que, quando descontados a valor presente, afetarão os montantes do ativo e passivo circulantes;

— uma tendência a operar com prazos de recebimento notadamente inferiores aos de pagamento, o que poderá distorcer algumas contas da demonstração de resultados, particularmente a de receitas financeiras, que, pela legislação societária, tenderá a aparecer inflacionada por altos juros nominais;

— uma tendência demonstrada pelo setor, principalmente no período em questão, de dar constantes descontos, visando atrair o consumidor, que se refletirá na margem bruta das empresas, principalmente quando considerado o custo dos estoques atualizados monetariamente.

5.2. Seleção dos Índices Financeiros

Foram selecionados um conjunto de vinte índices, englobando todos os quatro grupos apontados pela classificação de Gitman. Os índices utilizados na análise foram:

• Giro do Ativo; • Giro dos Estoques; • Período Médio de Estoque; • Período Médio de Recebimento; • Período Médio de Pagamento; • Índice de Posicionamento Relativo; • Índice de Participação de Terceiros; • Índice Exigível-PL; • Índice PL-Capital de Terceiros; • Índice Capital de Terceiros-Capital Próprio; • Índice Endividamento a Curto Prazo sobre Endividamento Total; • Capital Circulante Líquido; • Liquidez Corrente; • Liquidez Seca; • Margem Bruta; • Margem Operacional; • Margem Líquida; • Retorno Sobre Investimento; • Retorno Sobre Patrimônio Líquido; • Imobilização do Patrimônio Líquido.

5.3. Seleção das Empresas e do Período a Ser Analisado

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Para se analisar as distorções causadas pela inflação na análise de índices, necessitava-se de demonstrações financeiras que utilizassem os dois métodos de reconhecimento dos efeitos inflacionários: a Correção Monetária de Balanços e a Correção Monetária Integral. Portanto, recorreu-se à CVM, já que as empresas de capital aberto eram obrigadas a divulgar suas demonstrações pelos dois métodos. Com base no Cadastro Geral de Companhias Abertas selecionou-se um total de onze empresas, listadas na Tabela 1.

O período selecionado foi aquele compreendido entre os anos de 1988 a 1991, que foi marcado por uma das mais altas taxas inflacionárias já experimentadas na história econômica brasileira.

Tabela 1 — Empresas Selecionadas

• Arapuã • Borghoff • Drogaria Catarinense • Grazziotin • Imcosul • J.H.Santos • Livraria do Globo • Lojas Brasileiras • Lojas Hering • Mappin • Mesbla

5.4. Cálculo da Distorção

Para demonstrar o grau de distorção em uma análise calcada em dados financeiros que sigam os preceitos impostos pela legislação societária – que este trabalho considera como ineficaz em economias hiperinflacionárias – foi adotada a seguinte metodologia:

— com base nas demonstrações publicadas segundo a LS, calculou-se os vinte índices financeiros para as onze empresas selecionadas;

— com base nas demonstrações publicadas segundo a CI (metodologia mais sólida na capacidade de sanar as distorções causadas pela hiperinflação), calculou-se o mesmo grupo de índices para o mesmo grupo de empresas;

— calculou-se a diferença entre os dois resultados obtidos – por índice e por empresa – que foi colocada em termos de percentagem sobre os índices calculados segundo a LS, que foram considerados como base (esta diferença em termos percentuais foi chamada de distorção nos índices financeiros);

— obteve-se uma média das distorções por índices;

— tabulou-se os resultados que podem ser visualizados nas tabelas de 2 a 5.

Tabela 2 — Análise das Distorções nos Índices Financeiros – 1988

Índices Distorção Média

Capital Circulante Líquido 98,66%

Liquidez Corrente 9,58%

Liquidez Seca 0,04%

Giro do Ativo 120,88%

Giro dos Estoques 201,03%

Período Médio de Estoque 64,03%

Período Médio de Recebimento 50,91%

Período Médio de Pagamento -

Índice de Posicionamento Relativo -

Índice de Participação de Terceiros 3,79%

Índice Exigível-PL 0,00%

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Índice PL-Capital de Terceiros 12,01%

Índice Capital de Terceiros-Capital Próprio 7,59%

Índice Endividamento C. Prazo S/End. Total 1,55%

Margem Bruta 70,21%

Margem Operacional 76,95%

Margem Líquida 64,91%

Retorno Sobre Investimento 41,81%

Retorno Sobre Patrimônio Líquido 41,65%

Imobilização do Patrimônio Líquido 8,03%

6. Análise das Distorções

6.1. Análise do Ano de 1988

Com base nos resultados apontados na tabela 2, pode-se notar que os índices que apresentaram maior grau de distorção foram os de atividade e lucratividade. Tais distorções devem-se principalmente ao fato de tais índices utilizarem valores da demonstração de resultados em seus cálculos.

Dentre os índices de atividade, aqueles que apresentaram maiores distorções foram o giro do ativo e o giro dos estoques. No caso do giro dos estoques algumas empresas chegaram a ter um giro pela CI, pelo menos 300% superior ao apontado pela LS - Arapuã (343,49%), Borghoff (330,54%) e Drogaria Catarinense (314,97%). A razão de tão grave distorção se encontra na utilização de valores históricos do Custo das Mercadorias Vendidas pela LS, o que acaba subavaliando tal índice. Quanto ao giro do ativo, a distorção encontra-se em cerca de 120%, também fruto da utilização de valores históricos de itens da demonstração de resultados, desta vez da receita de venda.

Quanto aos índices de lucratividade, aqueles que apresentaram maior grau de distorção foram a margem bruta e a margem operacional, com variações de 70,21% e 76,95%, respectivamente. Um ponto interessante foi a revelação pela CI de uma lucratividade bruta real menor que a apontada pela LS em todas as empresas analisadas, revelando inclusive um caso de resultado bruto negativo – Arapuã, com uma margem bruta de 24,98% pela LS e -9,37% pela CI.

As concessões quanto ao tratamento de certos itens levou a um aparente baixo nível de distorção nos índices de liquidez e endividamento. Das onze empresas analisadas, nenhuma ajustou seus créditos e obrigações e apenas três atualizaram seus estoques. Se a análise for centrada nestas três empresas, será constatada que a distorção média se elevará significativamente. A já elevada distorção média encontrada no capital circulante líquido subirá de 98,66% para 361,76% – Grazziotin com 45,58%, Lojas Hering com 201,99% e J.H. Santos com 837,72%. Já a distorção na liquidez corrente subirá de 9,58% para 35,11% – Grazziotin com 24,14%, Lojas Hering com 42,84% e J.H. Santos com 38,37%.

As distorções nos índices de Participação de Terceiros e PL - Capital de Terceiros também crescem consideravelmente quando se concentra nestas três empresas, saindo de 3,79% para 13,89%, e de 12,01% para 44,02%, respectivamente.

Tabela 3 — Análise das Distorções nos Índices Financeiros – 1989

Índices Distorção Média

Capital Circulante Líquido 47,30%

Liquidez Corrente 21,12%

Liquidez Seca 0,10%

Giro do Ativo 185,28%

Giro dos Estoques 221,50%

Período Médio de Estoque 59,56%

Período Médio de Recebimento 61,99%

Período Médio de Pagamento 56,95%

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Índice de Posicionamento Relativo 21,90%

Índice de Participação de Terceiros 3,61%

Índice Exigível-PL 1.189,08%

Índice PL-Capital de Terceiros 7,41%

Índice Capital de Terceiros-Capital Próprio 5,87%

Índice Endividamento C. Prazo S/End. Total 5,96%

Margem Bruta 36,70%

Margem Operacional 291,17%

Margem Líquida 53,87%

Retorno Sobre Investimento 48,43%

Retorno Sobre Patrimônio Líquido 47,46%

Imobilização do Patrimônio Líquido 8,45%

6.2. Análise do Ano de 1989

Novamente, os índices mais afetados pelas falhas no reconhecimento dos efeitos inflacionários da legislação societária foram os de atividade e lucratividade.

Nos índices de atividade aqueles que apresentaram maiores distorções foram o giro do ativo e o giro dos estoques, com percentuais de 185,28% e 221,50%. No Giro do Ativo, mais da metade das empresas apresentaram distorções superiores a 200% – Arapuã (252,28%), Drogaria Catarinense (204, 25%), Imcosul (239,66%), Livraria do Globo (237,66%), Mappin (224,82%) e Mesbla (202,07%). Quanto ao Giro dos Estoques, destaque especial deve ser dado à Drogaria Catarinense com uma distorção de 563,52%, ou seja, este índice pela legislação societária representava apenas 15% do valor real apontado pela correção integral.

As concessões no tocante às operações a prazo e estoques voltaram a atenuar o nível das distorções nos índices de liquidez e endividamento. Das onze empresas apenas três ajustaram créditos e obrigações e/ou estoques.

Considerando-se apenas três empresas, constata-se que o nível de distorçãodo capital circulante líquido e da liquidez corrente sobe para 173,43% e 77,44%, respectivamente.

Nos índices de endividamento, destaca-se a distorção do índice Exigível-PL, afetado pela divergência apontada no quociente das Lojas Hering (11.872,16%), que acabou puxando a média para cima, já que pela legislação societária tal índice era de 0,0021 e pela correção integral 0,2547. Nas demais empresas, as diferenças apresentadas entre a CI e a LS não foram relevantes.

Também foram encontradas distorções significativas nos índices de Participação de Terceiros, PL-Capital de Terceiros e Capital de Terceiros-Capital Próprio, subindo para 13,24%, 27,16% e 21,54%, respectivamente.

Tabela 4 — Análise das Distorções nos Índices Financeiros – 1990

Índices Distorção Média

Capital Circulante Líquido 20,96%

Liquidez Corrente 7,64%

Liquidez Seca 0,13%

Giro do Ativo 73,36%

Giro dos Estoques 92,51%

Período Médio de Estoque 45,45%

Período Médio de Recebimento 40,74%

Período Médio de Pagamento 35,43%

Índice de Posicionamento Relativo 13,36%

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Índice de Participação de Terceiros 2,66%

Índice Exigível-PL 7,67%

Índice PL-Capital de Terceiros 30,66%

Índice Capital de Terceiros-Capital Próprio 7,19%

Índice Endividamento C. Prazo S/End. Total 1,26%

Margem Bruta 30,23%

Margem Operacional 133,67%

Margem Líquida 42,77%

Retorno Sobre Investimento 3,30%

Retorno Sobre Patrimônio Líquido 9,11%

Imobilização do Patrimônio Líquido 8,40%

6.3. Análise do Ano de 1990

Os índices de atividade e lucratividade voltaram a apresentar grandes distorções. Nos índices de atividade, aquele que apresentou a maior divergência foi o Giro dos Estoques, com 92,51%, seguido de perto pelo Giro do Ativo.

Nos índices de lucratividade há que se destacar a distorção média da margem operacional, situada em 133,67%. Esta foi fortemente influenciada pela diferença encontrada no Mappin, cujo valor em CI ficou 1.046,28% acima do valor obtido pela LS. Mesmo desconsiderando-se o Mappin, a distorção média deste índice continuaria elevada (42,41%).

Apenas duas empresas ajustou créditos e obrigações e/ou estoques –- Grazziotin e Lojas Hering. Para estas empresas, as divergências encontradas no cálculo dos índices de liquidez usando-se LS e CI foram consideráveis. Nas Lojas Hering, a distorção foi de 161,84% e na Grazziotin, de 68,70%, para o Capital Circulante Líquido. Já na Liquidez Corrente, a distorção foi de 23,85% na Grazziotin e 60,18% nas Lojas Hering.

Tabela 5 — Análise das Distorções nos Índices Financeiros – 1991

Índices Distorção Média

Capital Circulante Líquido 44,35%

Liquidez Corrente 10,53%

Liquidez Seca 1,30%

Giro do Ativo 97,24%

Giro dos Estoques 102,26%

Período Médio de Estoque 46,56%

Período Médio de Recebimento 46,33%

Período Médio de Pagamento 41,44%

Índice de Posicionamento Relativo 14,77%

Índice de Participação de Terceiros 3,33%

Índice Exigível-PL 3,89%

Índice PL-Capital de Terceiros 9,19%

Índice Capital de Terceiros-Capital Próprio 7,03%

Índice Endividamento C. Prazo S/End. Total 1,37%

Margem Bruta 58,31%

Margem Operacional 62,45%

Margem Líquida 69,59%

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Retorno Sobre Investimento 38,65%

Retorno Sobre Patrimônio Líquido 38,30%

Imobilização do Patrimônio Líquido 5,73%

6.4. Análise do Ano de 1991

Nos índices de atividade, as maiores distorções médias voltaram a se concentrar no Giro dos Estoques e Giro do Ativo com, respectivamente, 102,26% e 97,24%.

Nos índices de lucratividade, as maiores distorções foram encontradas na Margem Líquida e na Margem Operacional, na faixa de 69% e 62%, respectivamente.

Considerando-se as quatro empresas que ajustaram os valores do circulante (Arapuã, Grazziotin, Lojas Hering e Mesbla), são encontradas graves divergências nos índices de liquidez e endividamento.

O Capital Circulante Líquido apresentou uma distorção de 121,96% na média, chegando a atingir uma variação de 391,37% no caso da Mesbla. Já a Liquidez Corrente, nestas quatros empresas, apresentou uma distorção média de 28,95%.

Pela primeira vez neste estudo, uma empresa apresentou uma distorção significativa na Liquidez Seca. Até o ano de 1991, as distorções neste índice não superavam a casa dos 2%. Contudo, neste último ano da análise, a Liquidez Seca da Arapuã apresentou um valor pela Correção Integral 11,47% superior ao obtido pela Legislação Societária.

Os índices PL-Capital de Terceiros e Capital de Terceiros-Capital Próprio voltaram a ser subavaliados pela falta de ajustes no circulante. Se considerarmos apenas as quatro empresas que realizaram os ajustes, verificaremos que o primeiro sairá de uma distorção média de 9,19% para 25,28%, enquanto o segundo sairá de 7,03% para 19,34%.

7. Conclusão

A análise das demonstrações financeiras é uma importante ferramenta na coleta de informações para usuários externos, sejam eles investidores, acionistas, bancos ou órgãos governamentais. Contudo, esta ferramenta também pode levar a conclusões errôneas, desde que os efeitos inflacionários sejam desconsiderados ou isolados parcialmente em um ambiente hiperinflacionário.

Este trabalho aponta os índices de atividade e lucratividade como os grupos de maior distorção entre os quatro elencados. Sendo que alguns índices, nos quatro anos da pesquisa, jamais apresentaram uma distorção inferior a 40%, conforme se pode observar na tabela 6.

A Tabela 6 é um claro indicativo que, em economias hiperinflacionárias, o uso de técnicas simplificadas de reconhecimento dos efeitos inflacionários, como a Correção Monetária de Balanços, não é suficiente para fornecer ao usuário das demonstrações financeiras uma informação financeira de boa qualidade.

Tabela 6 — Índices de Atividade e Lucratividade

Índices Anos/Distorção Média

1988 1989 1990 1991

Giro do Ativo 120,88% 185,28% 73,36% 97,24%

Giro dos Estoques 201,03% 221,50% 92,51% 102,26%

Margem Operacional 76,95% 291,17% 133,67% 62,45%

Margem Líquida 64,91% 53,87% 42,77% 69,59%

Mesmo a Correção Monetária Integral vigente no período em questão apresenta simplificações que podem deteriorar a informação financeira e esconder o real resultado das organizações empresariais. É o caso das liberalidades acerca do ajuste do estoque e operações a prazo, permitidas pelas instruções 64 e 108. Se a empresa não se valer da permissividade das instruções e ajustar tais itens, como deve ser feito em regimes hiperinflacionários, se verificará que as distorções se estendem a todos os grupos de índices, não estando limitado aos quocientes de atividade e lucratividade.

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A conclusão a que se chega é de que a análise é tão boa quanto a qualidade dos dados que utiliza. A Análise das Demonstrações Financeiras em economias hiperinflacionárias só tem sentido se realizada com dados ajustados para se isolar os efeitos inflacionários, caso contrário, corre o risco de se assemelhar a uma obra de ficção.

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Cooperativismo de trabalho à luz de Guerreiro Ramos: uma economia de caráter isonômico para profissionais de nível superior.

Autor: Roberto Dias, D. Sc. Professor da Universidade Estácio de Sá

Este trabalho foi aprovado no ENANPAD 2000, 10-13 set. 2000.

I. Introdução II. Uma visão do mercado de trabalho no Brasil III. O cooperativismo de trabalho IV. O modelo paraeconômico de Guerreiro Ramos V. A pesquisa realizada junto a uma amostra de cooperativas na cidade do Rio de Janeiro VI. Conclusões Referências Bibliográficas

Resumo

A estrutura do mercado de trabalho, e as próprias relações de trabalho, passam por profundas transformações neste final de século. No Brasil, a partir dos anos 90, essas mudanças têm-se acentuado e seus impactos atingem forte a classe média, onde encontra-se o grande contingente de profissionais com formação de nível superior. Neste cenário têm crescido bastante as cooperativas de trabalho, sobretudo as formadas por estes profissionais.

Este trabalho tem como objetivo examinar, numa base conceitual, aspectos do cooperativismo de trabalho enquanto uma associação de profissionais em busca de competitividade no mercado de trabalho. A questão subjacente ao texto é: o cooperativismo de trabalho pode ser considerado como uma economia de caráter isonômico, conforme as dimensões apresentadas no paradigma paraeconômico de Guerreiro Ramos?

Observa-se que o cooperativismo de trabalho apresenta uma racionalidade substantiva, sendo essencialmente uma organização de pessoas e trabalho, diferentemente das empresas estruturadas nos moldes tradicionais onde o fator principal é o capital. Dadas suas características de isonomia, a organização cooperativa pode ser uma alternativa real de trabalho para profissionais de nível superior, adequada a este mundo em transformação.

Abstract

The labor market structure and labor relations are suffering sound transformation at the end of the XX century. After the 90's, in Brazil, the major effects impact strongly the middle class, a sector in which most professionals have higher education degrees. Within this scenario, work cooperatives have been growing steadily, particularly those formed by such professionals.

This paper aims to examine, in a conceptual basis, some characteristics of the work cooperatives as an association of professionals carrying higher education degrees that have to compete in the market. The question underlying this paper is to investigate whether work cooperatives present the same characteristics as those found in economies of an isonomic nature, based on Guerreiro Ramos's (1989) paraeconomic paradigm.

It can be seen that the work cooperatives present some characteristics that differ from the traditional companies where the main factor is capital. The isonomic nature of the work cooperatives can be a true alternative to the professionals facing the changing world.

[topo]

I - Introdução

A estrutura do mercado de trabalho, e as próprias relações de trabalho, passam por profundas transformações neste final de século. No Brasil, principalmente a partir dos anos 90, essas mudanças têm-se acentuado e seus impactos atingem a classe média, onde encontra-se o grande contingente de profissionais com formação de nível superior. Neste cenário têm crescido bastante as cooperativas urbanas de trabalho, sobretudo as formadas por estes profissionais, particularmente na cidade do Rio de Janeiro.

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Observa-se que o cooperativismo, analisado por Pinho (1977, 1982 e 1984), apresenta uma racionalidade com forte embasamento doutrinário, sendo essencialmente uma organização de pessoas e trabalho, diferentemente das empresas estruturadas nos moldes tradicionais, onde o fator principal é o capital. Neste mundo em transformação, a organização cooperativa pode ser uma alternativa de trabalho para profissionais de nível superior.

Por outro lado, o modelo cooperativista parece apresentar algumas características que se enquadram no modelo paraeconômico apresentado por Guerreiro Ramos (1989), em suas dimensões de economia e isonomia. Dessa forma, a organização cooperativa pode apresentar uma racionalidade substantiva e ser uma alternativa de estrutura organizacional adequada a este mundo em transformação.

Esta racionalidade substantiva pode ser percebida através dos princípios cooperativistas e de sua história, e encontra uma fundamentação no modelo apresentado por Guerreiro Ramos (1989). A questão que se apresenta volta-se, então, para as características de economia e isonomia podem ser observadas nas cooperativas de trabalho, de forma a considerar-se estas cooperativas como economias de caráter isonômico, conforme citado por Guerreiro Ramos (1989).

Para responder a essa questão, são examinadas características do cooperativismo e do modelo de Guerreiro Ramos, em uma base conceitual, e são apresentados resultados de uma pesquisa realizada junto a cooperativas de trabalho atuando na área de informática, na cidade do Rio de Janeiro e que são formadas essencialmente por profissionais de nível superior.

II - UMA VISÃO DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL

No Brasil, encontram-se indicadores da redução na quantidade e qualidade dos empregos e o conseqüente aumento da informalidade do trabalho. As grandes mudanças por que vem passando a economia nos últimos 10 anos, com o processo de abertura comercial, a privatização de empresas estatais do setor produtivo e a estabilização dos preços a partir de 1994 provocaram o acirramento da competição, obrigando as empresas a buscarem padrões de eficiência e competitividade cada vez mais elevados.

Ramos & Reis (1997) discutem os níveis de emprego nas regiões metropolitanas e apresentam evidências do aumento na taxa de desemprego e da tendência de precarização do emprego propriamente dito. Estes autores observam que uma das conseqüências das profundas transformações é a mudança na elasticidade emprego-produto da economia, com evidências claras do aumento da informalidade do trabalho. Citam ainda, que "há sinais nítidos de mudanças permanentes na relação emprego-produto, explicadas pelo ritmo e magnitudes das transformações por que vem passando a economia brasileira" (p.33), e concluem também pela necessidade de mudanças significativas nas relações trabalhistas, saindo de um sistema com longa tradição de intervenção do Estado nas relações de trabalho e privilegiando a negociação e a flexibilização.

O desempenho recente do mercado de trabalho, analisado por Camargo (1998), mostra que este já vinha dando sinais de debilidade, observando que as taxas de incremento do emprego total vêm declinando rapidamente, puxadas sobretudo pela redução do emprego industrial.

Neste cenário, particularmente a partir de 1994, as atividades que mais geraram ocupação foram as sem carteira assinada e o trabalho por conta própria. Essas atividades não-formais mostram uma nítida tendência de crescimento enquanto o emprego com carteira assinada vem apresentando índices decrescentes, como pode-se observar na Figura 1.

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Em diversos casos, a queda no faturamento das empresas atingiu dimensões preocupantes, como por exemplo nas montadoras de veículos e indústrias de autopeças. A ameaça de demissões em massa forçou negociações em torno de soluções que conciliassem garantia de emprego com redução de custos, com destaque para os planos de demissão voluntária e redução da jornada de trabalho e dos salários.

Em seus estudos, Camargo (1998) e Ramos & Reis (1997) chegam às mesmas conclusões: as condições de funcionamento do mercado de trabalho tendem a sofrer ainda maiores mudanças, com nítida flexibilização das relações trabalhistas e consequente redução do grau de formalização do trabalho.

A tendência de retração global no número de empregos assalariados, que se observa desde o início da década de 90,é analisada por Quadros (1996), mostrando que a classe média sofre grandes impactos, particularmente nos segmentos mais elevados.

Os dados da forte retração dos empregos de pessoas da classe média mostram que os cargos de gestão superior, nas empresas do Estado de São Paulo, tiveram um corte de 30,7% no período de 1990 até o primeiro semestre de 1994. Neste período, os cargos de funções administrativas tiveram cortes de 19,4% e as funções técnicas tiveram cortes de 21,5%. Com relação aos extratos sociais, os empregos ocupados por pessoas da alta classe média sofreram cortes da ordem de 27%, enquanto a média classe média perdeu 22% de seus postos de trabalho e a baixa classe média, 12%. No conjunto agregado, os postos ocupados pela classe média tiveram um corte de 19%.

II.1 - Um panorama do mercado de trabalho no Rio de Janeiro

O mercado de trabalho da cidade do Rio de Janeiro é o segundo maior do Brasil, correspondendo a 25% do total da População Economicamente Ativa (PEA) do Brasil Metropolitano, o que corresponde a cerca de 4,3 milhões de pessoas. Os setores mais ativos são o comércio,os serviços e a administração pública, sendo que o peso do setor industrial apresenta tendência de queda, da mesma forma que o restante das regiões metropolitanas brasileiras. Dados da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (1997) apresentam um cenário onde ocorre, durante os anos 90, grande absorção de mão-de-obra por parte do setor informal, segmento este composto por assalariados sem carteira assinada e trabalhadores por conta própria. Estes dados são observados através do grau de formalização do trabalho no Rio de Janeiro, apresentado na Figura 2.

No estudo dos segmentos informais na cidade Rio de Janeiro, Pero (1997) cita que "os grupos mais privilegiados do mercado de trabalho, em termos de renda e escolaridade, foram os que mais perderam renda real" (p.108) no período de 1981 a 1995. Este grupo é basicamente formado por trabalhadores mais escolarizados, entre 25 e 44 anos, homens, com contrato formal de trabalho; observa ainda que os únicos segmentos que registram crescimento de renda são os formados por empregados sem carteira e os trabalhadores por conta própria.

Dois aspectos importantes e que trazem impactos significativos para os profissionais com formação de nível superior no Rio de Janeiro são também analisados por Pero (1997). O primeiro, é que vem ocorrendo uma substituição do trabalho formal pelo informal. Isto pode ser visto, como exemplo, em profissionais antes empregados com carteira assinada que passaram a prestar serviços por conta própria, sendo em vários casos para a mesma empresa na qual trabalhavam.

O segundo aspecto é que o próprio setor informal está ampliando a informalidade, o que pode ser ilustrado pela formação de uma rede de profissionais qualificados nas áreas de pesquisa, planejamento, consultoria, marketing, publicidade, etc. Nessa rede de relacionamentos estão surgindo novas ocupações e formas de trabalho, decorrentes não mais da relação de assalariamento, mas sim do contrato de prestação de serviços.

Com base neste panorama geral do mercado de trabalho, pode-se inferir que os resultados obtidos por Quadros (1996) para o Estado de São Paulo também direcionam uma tendência para a cidade do Rio de Janeiro, onde os

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profissionais de nível superior, essencialmente componentes da classe média, sofrem pesados impactos da retração dos níveis de emprego e renda. É razoável associar este quadro geral com o grande crescimento de cooperativas urbanas de trabalho, no Rio de Janeiro, formadas por profissionais de nível superior.

III - O COOPERATIVISMO DE TRABALHO III

1 - Uma base conceitual para o cooperativismo de trabalho

Com relação às cooperativas de trabalho, destaca-se a seguinte definição, aprovada em sessão plenária do II Seminário Brasileiro de Cooperativas de Trabalho, realizado de 21 a 24 de novembro de 1983:

As Cooperativas de Trabalho são organizações de pessoas físicas, reunidas para o exercício profissional comum, em regime de autogestão democrática e de livre-adesão, tendo como base primordial o retorno ao cooperado do resultado de sua atividade laborativa, deduzidos exclusivamente os custos administrativos, a reserva técnica e os fundos sociais. (Pinho, 1984, p.251).

Tesch (1995), ao estudar as cooperativas de trabalho, cita as alterações na composição do mercado no Brasil, apresenta o mercado formal de trabalho, composto por pessoas de carteira assinada, como sendo da ordem de 25 milhões de trabalhadores (base 1994) e ressalta que a População Economicamente Ativa (PEA) é da ordem de 70 milhões de pessoas. Apresenta também a economia informal, apesar das dificuldades em determinar sua dimensão, como estimada em quase 50% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, cerca de 200 bilhões de dólares.

A globalização da economia coloca em xeque as estratégias tradicionais de geração de emprego e distribuição de renda. Os programas e políticas públicas ainda não alcançaram uma linha de abordagem inovadora para o problema, agravado com a constante incorporação dos jovens ao mercado de trabalho:

O trabalho e o emprego no futuro certamente terão outra natureza que a conhecida na atualidade [...] através da organização de pessoas (note bem: não de capital e nem para empregar pessoas) que organizam uma instituição "a empresa cooperativa", buscando gerar de maneira autônoma um instrumento de produção ou prestação de serviços para uma melhor inserção no mercado de trabalho. É administrada e desenvolvida em função unicamente dos seus associados e trabalhadores, técnicos e administradores, todos com os mesmos direitos e obrigações. (Tesch, 1995, p.12 - grifo do autor).

Na evolução histórica do cooperativismo, que apresenta um embasamento de cunho essencialmente socializante, observa-se uma série de pontos fundamentais - apresentadas por Pinho (1977) como idéias - que dizem respeito à questão do homem como elemento central de sua doutrina. Essas idéias, que fazem parte do processo histórico de formação do cooperativismo, são as seguintes:

Cooperação, que fala da reunião de forças para o alcance de objetivos comuns e que implica na solidariedade social, em oposição à concorrência;

Organização do trabalho como forma de incremento do padrão de vida dos trabalhadores e sua emancipação;

Livre iniciativa dos interessados, em oposição à filantropia e ao paternalismo estatal;

Prestação de serviços sem interesse exclusivo de lucro ou associação dos trabalhadores para a autoprestação de serviços, sem intuito lucrativo;

O capital é apenas um meio para realização dos fins da instituição;

A cooperativa é uma forma de economia coletiva na qual as fundações econômicas totais ou parciais dos associados ficam sob responsabilidade da cooperativa;

A concentração cooperativista, considerando-se cada cooperativa não como uma comunidade isolada, mas como uma célula de ampla organização federativa, colocada a serviço do interesse sócio-econômico geral;

A continuidade da instituição, onde os capitais acumulados no decorrer dos anos constituirão fundos coletivos destinados a fomentar o desenvolvimento futuro das organizações dos trabalhadores;

A reforma social através de associações de trabalhadores, mas de forma paulatina e pacífica.

Essas idéias são consolidadas através de princípios normalizadores do cooperativismo, estabelecidos inicialmente em 1844 por ocasião da formação da 1ª Cooperativa formal em Rochdale, Inglaterra, e que permanecem até hoje, com ajustes periódicos, a cada 15 ou 20 anos, às mudanças que ocorrem no contexto da sociedade.

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Um exame do cooperativismo de trabalho pode ser feito através da comparação entre as características de uma Sociedade Cooperativa, vista aqui como um sistema social organizado para atuar no mercado através do trabalho desenvolvido por seus associados e as características de uma Sociedade Mercantil, que atua no mercado através da produção e venda de seus produtos e/ou serviços e empregando pessoas como mão-de-obra.

Do ponto de vista externo, ou seja, perante a sociedade e o Estado, estes dois tipos de Sociedades devem atender à legislação federal, estadual e municipal vigentes, devendo ainda estar devidamente registradas nos órgãos fiscalizadores regulamentares de suas atividades. Nestes aspectos, para o objetivo deste trabalho, estes dois tipos de Sociedades podem ser consideradas como iguais, não sendo como relevantes para a análise proposta as particularidades legais ou fiscais de cada uma delas.

Pinho (1984) e Tesch (1995) nos fornecem bases para comparações em termos: de participação das pessoas versus participação do capital, objetivos e propriedade da Sociedade, controle e processo decisório, e relações entre as pessoas dentro da estrutura organizacional. O Quadro 1 apresenta uma síntese de comparações, procurando destacar alguns aspectos relevantes e permitindo uma visão bastante ampla de pontos fundamentais relacionados com o caráter isonômico da cooperativa.

Quadro 1 Comparação entre Sociedade Cooperativa e Empresa Mercantil

Sociedade Cooperativa Empresa Mercantil

O fator trabalho é o principal. Sociedade de pessoas, sem patrão. Propriedade é social, pertence ao conjunto de usuários ou trabalhadores associados. Controle democrático, uma pessoa igual a um voto. Gestão democrática, exercida pelos próprios sócios (de baixo para cima). Retorno/renda em função do trabalho realizado. Homem é considerado como sujeito ativo, livre, igualitário e solidário.

O fator capital é o principal. Sociedade de capital, com patrão. Propriedade é privada, pertence aos capitalistas que investem dinheiro. Cada ação igual a um voto. Gestão em função do capital, exercida de forma autoritária (de cima para baixo). Retorno/renda em função do capital. Homem é considerado como objeto dividido: proprietário e trabalhador.

Essencialmente, o indivíduo e o trabalho são fatores principais na cooperativa, enquanto na empresa mercantil o fator principal é o capital. Como decorrência, a dinâmica do processo de tomada de decisão a da geração e participação nos resultados é diferente entre as duas Sociedades. Ainda neste processo decisório, na estrutura cooperativa cada pessoa associada é singular tendo direito a um voto nas assembléias. Na empresa mercantil, a fração de capital é singular e cada ação ou quota é que tem direito a voto, independentemente de quem seja o seu detentor ou proprietário.

As características de gestão desta duas Sociedades seguem dinâmicas diametralmente opostas. Na cooperativa, uma autoridade é atribuída a um dos membros associado por decisão de todos os participantes. Neste processo as características de liderança, habilidade na negociação e qualificação da pessoa para a autoridade que lhe é atribuída, são relevantes para o gestor uma vez que a delegação de poder é de baixo para cima. Na empresa mercantil quem atribui uma autoridade a uma determinada pessoa é o grupo que detém o controle do capital. As habilidades em alcançar resultados para o capital e transitar pelos caminhos políticos de poder do grupo controlador são mais relevantes para o gestor. Aqui a delegação de poder é de cima para baixo.

IV - O MODELO PARAECONÔMICO DE GUERREIRO RAMOS

Discutindo o embasamento de uma teoria da delimitação dos sistemas sociais, Guerreiro Ramos (1989) delineia um modelo para sua análise e planejamento, que denomina paradigma paraeconômico.

O modelo do paradigma paraeconômico é multidimensional, conforme as suas dimensões principais apresentadas na Figura 5. Ressalte-se a observação de Guerreiro Ramos (1989) de que "não se espera de nenhuma situação existente na vida social que coincida com esses tipos ideais (1). No mundo concreto, só existem sistemas sociais mistos" (p. 140).

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Para o exame das cooperativas de trabalho consideraremos as categorias de isonomia e de economia. As demais categorias - fenonomia, isolado, anomia e motim (2) - são apresentadas tão somente para efeito de composição do modelo, não sendo abordadas neste exame.

Neste modelo chama particular atenção a conceituação de isonomia:

As tentativas de ambientes isonômos que já funcionam neste país (3), como, por exemplo, as PTAs (associação de pais e professores), as associações de estudantes e de minorias, as comunidades urbanas, as empresas de propriedade dos trabalhadores, [...], nas quais, em última instância, as pessoas buscam estilos de vida que transcendem os padrões normativos que dominam a sociedade como um todo. (p.151)

Complementa o autor que em todos os países, inclusive nos EUA, existem dois tipos de produção, que são: (i) os sistemas orientados para o lucro, tipicamente representado pelas empresas capitalistas, e (ii) os sistemas de orientação mutuária, onde encontram-se organizações de forma cooperativa:

No presente, o setor mutuário está vivo e em expansão, através de numerosas iniciativas particulares que rapidamente se multiplicam. Concentram elas grande parte da energia criadora de que este país necessita para superar a fase de rendimentos decrescentes em que ora se encontra a própria economia de mercado. [...] 50 milhões de americanos são, agora, membros de empresas de natureza cooperativa. (p. 186-187)

Encontra-se aqui a nossa base conceitual para a análise das cooperativas de trabalho, caracterizadas como economias de caráter isonômico. Cabe, então, examinar as definições de isonomia e de economia no modelo apresentado pelo paradigma paraeconômico de Guerreiro Ramos, daí prosseguindo para examinar o caráter isonômico das cooperativas de trabalho atuando como economias.

IV.1 - Caracterização de isonomia e economia

A isonomia é definida em Guerreiro Ramos (1989) como um contexto em que todos os membros são iguais e suas características apresentam-se como sendo:

• Atualização de seus membros: o objetivo essencial da isonomia é permitir a atualização de seus membros, independente de prescrições impostas. As prescrições são mínimas e, quando inevitáveis, são estabelecidas por consenso.

• Os indivíduos, livremente associados, desempenham atividades compensadoras em si mesmas: as pessoas não ganham a vida em uma isonomia; antes, participam de um tipo generoso de relacionamento social, no qual dão e recebem.

• Atividades promovidas, sobretudo, por vocações, não como emprego: as pessoas se ocupam, não labutam, ou seja, a recompensa básica está na realização dos objetivos intrínsecos daquilo que fazem, não na renda eventualmente auferida por suas atividades. A maximização da utilidade não tem importância para os interesses fundamentais do indivíduo.

• O sistema de tomada de decisão e fixação de diretrizes é totalmente abrangente: não há diferença entre a liderança ou gerência e os subordinados. Não se observa a dicotomização entre o nós e o eles. A isonomia é concebida como uma verdadeira comunidade, onde a autoridade é atribuída por deliberação de todos; a autoridade passa de pessoa a pessoa de acordo com a natureza do assunto, com os problemas em foco e com a qualificação dos indivíduos para lidar com ela.

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• Sua eficácia exige que prevaleça entre seus membros relações interpessoais primárias: se elas aumentam de tamanho, além de determinado ponto ótimo, de forma que surjam relacionamentos secundários ou categóricos, a isonomia necessariamente declinará e, por fim, se transformará numa democracia, numa oligarquia ou numa burocracia.

A categoria economia é conceituada como um contexto organizacional altamente ordenado, estabelecido para a produção de bens e/ou prestação de serviços. Guerreiro Ramos (1989, p. 147-148) caracteriza como economias: monopólios, firmas competidoras no mercado, organizações sem fins lucrativos e agências governamentais.

Com relação às características de economia, tem-se:

• Prestação de serviços a clientes que, na melhor das hipóteses, têm uma influência direta no planejamento e execução de suas atividades.

• Sua sobrevivência é função da sua eficiência na produção de bens e/ou serviços aos clientes. Assim, a eficiência de uma economia pode ser objetivamente avaliada em termos de lucro e/ou relação custo benefício.

• Tamanho: geralmente assume grandes dimensões e complexidade. As dimensões, em termos físicos, pelo conjunto de pessoas, instalações, escritórios, etc. e a complexidade, expressa pela diversidade de operações, deveres, relacionamentos com o ambiente, e assim por diante.

• Seus membros são detentores de emprego e são avaliados nessa qualidade. As qualificações profissionais para o desempenho dos cargos determinam a contratação, a dispensa, a manutenção no emprego, a promoção e as decisões sobre o progresso na carreira.

• A informação circula de forma irregular entre seus membros, bem como entre a própria economia, como entidade, e o público. As pessoas situadas nos diversos níveis da estrutura condicionam a prestação de informação aos seus interesses pessoais ou empresariais.

As cooperativas de trabalho em geral, e, no caso particular, as cooperativas de profissionais de nível superior, incluem-se tanto nas categorias de isonomia quanto nas de economia. Como visto nas características de Sociedade Cooperativa (Quadro 1), esta representa uma propriedade social, pertencente ao conjunto de associados e cujo controle e decisão baseiam-se na participação igualitária de todos. Por outro lado, atua como empresa comercial e sua sobrevivência é função da eficiência na produção de bens e serviços a seus clientes.

A partir dessas observações, o estudo prossegue para examinar, junto a uma amostra de cooperativas de trabalho, a existência de características de economia e isonomia, de forma que fosse possível observar se as cooperativas de trabalho podem ser consideradas como economias de caráter isonômico, conforme citadas por Guerreiro Ramos (1989).

V - A PESQUISA REALIZADA JUNTO A UMA AMOSTRA DE COOPERATIVAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Para observar-se as características de economia e isonomia de cooperativas de trabalho foi realizada uma pesquisa de cunho exploratório, uma vez que os fatos são recentes e ainda estão acontecendo. A metodologia da pesquisa exploratória é adequada ao melhor entendimento do problema em estudo, objetivando uma formulação precisa de hipóteses e identificação de variáveis relevantes ao assunto. A técnica utilizada foi a de entrevistas com profissionais do quadro dirigente das cooperativas de trabalho sediadas na cidade do Rio de Janeiro, atuando na área de informática e que também faziam parte do grupo fundador da cooperativa. O trabalho de campo foi realizado em maio de 1998, tendo sido selecionada uma amostra de 8 cooperativas cujo resumo de suas características encontra-se no Quadro 2.

Quadro 2 Resumo de características das cooperativas participantes da amostra

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Período da pesquisa: 05/05/98 a 28/05/98

O campo de estudo foi delimitado ao município do Rio de Janeiro, onde percebe-se a maior incidência de cooperativas de trabalho formadas por profissionais de nível superior, conforme dados da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB, 1998). Nesta cidade encontram-se 142 cooperativas de trabalho e, dentre essas, foram identificadas mais de 60 cooperativas formadas essencialmente por profissionais de nível superior. Delimitou-se o estudo, ainda, a cooperativas urbanas de trabalho que atuam na área de informática. Esta delimitação justifica-se por ser a informática uma área de crescente evolução tecnológica, que exige formação superior e constante atualização dos seus profissionais, e que tem sido objeto de mudanças profundas em termos de estruturas organizacionais, notadamente com os movimentos de terceirização, downsizing, reengenharia e nas próprias mudanças dos processos operacionais com a informatização e automação das empresas.

Vale ressaltar as cooperativas dessa amostra apresentam um número de 2.884 profissionais associados sendo que destes, 1.590 estavam atuando, ou seja, realizando algum tipo de trabalho, na época da realização da pesquisa. Observou-se ainda que cerca de 70% dos profissionais tinham formação de nível superior, confirmando a caracterização das cooperativas como formadas essencialmente por profissionais de nível superior.

V.1 - Os resultado da pesquisa

Nas entrevistas realizadas foram observadas características de economia nas cooperativas, principalmente com relação aos seguintes aspectos:

Definição de objetivos de negócios: Observou-se nas respostas dos dirigentes a preocupação com os serviços que a cooperativa presta a seus clientes, com definições de segmentos de mercado para direcionar as ações comerciais e mercadológicas, com a qualidade e atualização tecnológica de seus profissionais cooperados e com a infra-estrutura tecnológica para prestação dos serviços.

Atividade no sentido empresarial e busca de oportunidades de negócios: As cooperativas têm processos internos de decisão com relação aos seus negócios e com relação à avaliação dos resultados de sua atuação no mercado. De modo geral, o grupo dirigente e os cooperados mostram ação efetiva no sentido de buscar oportunidades de negócios. As respostas confirmaram a atividade no sentido empresarial das cooperativas, com relação a metas para seus produtos e serviços, atuação comercial e mercadológica, e também com a sua competitividade na conquista de negócios e prestação de serviços.

Eficiência na prestação de serviços: Esta preocupação aparece explícita nas entrevistas, onde foram apresentados como relevantes os fatores de qualificação e atualização tecnológica dos profissionais associados, a qualidade na prestação de serviços e a infra-estrutura tecnológica da cooperativa.

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Resultados econômicos como condição de sobrevivência: Observou-se que a eficiência nos serviços e os resultados econômicos são condições de sobrevivência no mercado, para a cooperativa e para os próprios cooperados. São caraterizados os aspectos referentes à avaliação periódica de resultados dos projetos desenvolvidos; o estabelecimento de regras de trabalho que contemplam a execução eficiente dos contratos com os clientes, incluindo padrões de qualidade e desempenho profissional; e a própria renda dos profissionais, que está em constante confrontação com as condições do mercado e da concorrência.

Esses aspectos, observados na pesquisa, permitem caracterizar as cooperativas de trabalho como economias, fazendo com que suas atuações frente às exigências de mercado e de competitividade sejam iguais às de empresas estruturadas na forma convencional de sociedades de capital. Nestes aspectos, a Sociedade Cooperativa seria igual a uma Sociedade Mercantil. Prosseguindo a análise, no que se refere aos aspectos de isonomia foram encontrados os seguintes aspectos:

Relações interpessoais entre os membros: Observou-se no processo de formação das cooperativas, a existência de afinidades e experiências profissionais comuns que reuniam as pessoas antes da decisão de constituírem algum tipo de sociedade para desenvolverem seus trabalhos. Os participantes passaram por uma experiência de discutirem seus objetivos comuns e as formas como poderiam realizar tais objetivos. Essas pessoas tiveram uma aprendizagem em comum, que culminou com a realização de um projeto de vida profissional comum. Este fato é bem diferente do processo que os profissionais poderiam ter tido ao ingressarem em empresas convencionais e, certamente, contribuiu para as relações interpessoais entre os membros do grupo. Observou-se, ainda, que o grupo inicial permanece unido e participando da cooperativa.

Atribuição de autoridade: A atribuição de autoridade, no modelo conceitual do cooperativismo, é realizada essencialmente pelos cooperados, que elegem o quadro dirigente, que tem atribuições e mandato definidos pelo estatuto da cooperativa. No processo de atribuição de autoridade a um grupo de pessoas associadas à cooperativa, cada cooperado tem direito a um voto, mostrando uma característica diametralmente oposta a uma empresa convencional, onde cada ação ou quota de capital é que tem o direito a voto.

Nas entrevistas realizadas, estas atribuições de autoridade puderam ser observadas no que se refere a níveis hierárquicos, relações de supervisão e participação em decisões da cooperativa. De um modo geral as funções de diretoria têm um caráter mais estatutário, para atendimento da legislação cooperativista e para representação legal ou comercial da cooperativa.

A autoridade, em termos de execução dos projetos e prestação dos serviços, que constituem as atividades cotidianas da cooperativa, está a cargo dos gestores/coordenadores de projetos. Estes gestores são designados entre os profissionais que obtiveram o contrato, ou entre os que sejam considerados qualificados para atender às exigências do projeto, não havendo relação entre a função de direção que o cooperado possa estar exercendo ou não na estrutura da cooperativa. Dessa forma, a atribuição de autoridade é feita essencialmente para atender aos objetivos de trabalho da cooperativa, e cessa quando termina o projeto.

Essa sistemática de atribuição de autoridade pode ser considerada bem próxima da definida nas características de isonomia, onde a autoridade é atribuída por deliberação de todos, a autoridade passa de pessoa a pessoa, de acordo com a natureza do assunto, com os problemas em foco e com a qualificação dos indivíduos para lidar com ela.

Ressalta-se, ainda, que nessa sistemática a autoridade é atribuída pelo grupo à pessoa de forma bastante diferente de uma empresa nos moldes convencionais, onde a autoridade á atribuída ao cargo dentro da estrutura hierárquica, e depois as ações ou quotas de capital escolhem as pessoas para ocupar os cargos.

Dinâmica do processo de decisão: Observou-se na pesquisa um processo de tomada de decisão bastante abrangente. Em concordância com as características de isonomia, não há diferença significativa entre dirigentes eleitos, gestores coordenadores/gestores de projeto ou cooperados.

Nas decisões em assembléias, cada pessoa tem direito a um voto. Cada pessoa associada é singular tendo direito a um voto nas assembléias. Na empresa mercantil, a fração de capital é singular, e cada ação ou quota é que tem direito a voto, independentemente de quem seja o seu detentor ou proprietário.

Nas decisões referentes aos projetos ou serviços prestados, pôde-se observar que os cooperados têm participação bem mais ativa nas decisões e na forma como o trabalho é desenvolvido do que numa empresa formal. Outro aspecto a considerar é que na cooperativa todos são sócios e não há a relação empregado-empregador, mas, antes, uma relação de responsabilidade e liderança com relação a cada projeto ou serviço específico. Os próprios profissionais cooperados, como veremos a seguir, têm seus rendimento diretamente associados ao sucesso na realização do trabalho para os clientes, o que reforça a participação de forma ampla no processo decisório.

As dinâmicas dos processos de decisão nas cooperativas de trabalho tende a ser diferente de uma empresa convencional. Sendo a autoridade atribuída, por decisão dos participantes, a um dos membros associados, as características de liderança, habilidade na negociação e qualificação da pessoa para a autoridade que lhe é atribuída são relevantes. A delegação de poder é de baixo para cima e, assim sendo, a dinâmica do processo de decisão tende a ser bem mais abrangente e participativa.

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Na empresa mercantil, quem atribui uma autoridade a uma determinada pessoa é o grupo que detém o controle do capital. As habilidades em alcançar resultados para o capital e transitar pelos caminhos políticos de poder do grupo controlador são mais relevantes para o gestor. Aqui a delegação de poder é de cima para baixo, e o processo decisório tende a seguir a mesma direção.

Divisão dos resultados do trabalho: Em termos de resultados da Sociedade, os lucros obtidos pela empresa mercantil são submetidos à deliberação dos detentores do capital e a estes distribuídos, quer tenham participado, ou não, das atividades produtivas da empresa, a divisão dos resultados sendo proporcional à participação no capital. Na cooperativa de trabalho, o lucro assume a denominação de sobras, cuja destinação e distribuição são deliberadas pelos cooperados. Dessa forma, a divisão de resultados da Sociedade é deliberada pelos, e distribuída aos, indivíduos que participaram de suas atividades produtivas. Pôde-se observar que a divisão dos resultados do trabalho é feita entre os profissionais que realizaram o trabalho e as sobras, colocadas à disposição da assembléia, tendem a ser reinvestidas na própria cooperativa. Não aparecem aqui as figuras do "sócio capitalista" ou da "remuneração do capital". A renda do profissional cooperado tende a ser maior que a de um profissional com vínculo empregatício formal, e está diretamente associada ao resultado do trabalho efetivamente realizado. Associado a este aspecto, os dirigentes da cooperativa também têm sua remuneração diretamente associada à realização do trabalho, não havendo, via de regra, remuneração fixa para os diretores. Esses fatos acarretam que os resultados do trabalho realizado seja dividido entre os profissionais que efetivamente o realizaram, e à medida que o trabalho é executado.

Caráter associativo na relação entre o indivíduo e a instituição: Uma característica fundamental, tanto em termos doutrinários quanto em termos práticos, é este caráter associativo entre o profissional e a cooperativa. Uma primeira observação é que o profissional não se desliga da cooperativa quando termina o projeto ou serviço no qual ele está trabalhando. Ocorre apenas que o profissional não recebe remuneração se não está atuando, porém o vínculo com a instituição cooperativa permanece. Observa-se também que o profissional pode estar associado a mais de uma cooperativa, uma vez que não há nenhum impedimento legal ou de ordem prática para tal fato.

A condição básica para sua associação a uma cooperativa é sua aceitação como associado, que é discutida por um comitê ou pela própria assembléia. Esta condição associativa está desvinculada de qualquer remuneração, pois o profissional só recebe alguma remuneração quando efetivamente realiza algum trabalho. Finalizam-se as considerações relativas às características de economia e de isonomia das cooperativas de trabalho, podendo-se concluir que estas podem ser classificadas como economias de caráter isonômico, conforme citado por Guerreiro Ramos (1989).

O Quadro 3 apresenta um resumo dessas conclusões, estabelecendo referências com relação às características de economia e isonomia.

VI - CONCLUSÕES

Neste estudo observou-se que as transformações que vêm ocorrendo no mercado de trabalho, com particular impacto na classe média, onde encontra-se o grande contingente de profissionais de nível superior. Neste cenário, observa-se uma forte tendência ao trabalho sem vínculo empregatício formal e, também, um crescimento das cooperativas de trabalho como busca de alternativas para os profissionais num mercado em transição.

Quadro 3 Quadro de referência sobre as características de isonomia e economia

Economia

• Definição de objetivos de negócios • Atividade no sentido empresarial • Eficiência na prestação de serviços • Resultados econômicos como condição de sobrevivência

Isonomia

• Relações interpessoais entre os membros • Atribuição de autoridade • Dinâmica do processo de tomada de decisão • Divisão dos resultados do trabalho • Caráter associativo na relação entre o indivíduo e a instituição

UMA CONCLUSÃO - Cooperativas de trabalho apresentam características de economia e de isonomia, podendo ser consideradas como economias de caráter isonômico.

As cooperativas de trabalho, por seu lado, têm apresentado um grande crescimento, particularmente as formadas por profissionais de nível superior e desenvolvendo atividades tipicamente empresariais.

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Num exame conceitual, o modelo cooperativista apresenta características que se enquadram no paradigma paraeconômico apresentado por Guerreiro Ramos (1989), nos seus aspectos de economia de caráter isonômico. Dessa forma a organização cooperativa pode apresentar uma racionalidade substantiva e ser realmente uma alternativa de trabalho adequada a este mundo em transformação. Esta racionalidade substantiva pode ser percebida através da comparação entre a Sociedade Cooperativa e a Sociedade Mercantil, e também nos princípios cooperativistas e na sua história.

Situam-se então, as cooperativas de trabalho, como Sociedades que devem estar estruturadas em duas dimensões fundamentais – a economia e a isonomia – onde as características empresariais para atuação num mercado altamente competitivo são colocadas a favor da pessoa e seu trabalho, que são seus fatores principais. Estes fatores fazem com que as dinâmicas do processo decisório, da estrutura de poder, da distribuição dos resultados econômicos e financeiros, dos processos de atribuição de autoridade e de gestão, e das próprias relações de trabalho e interpessoais sejam diferentes em relação a empresa mercantil estruturada nos moldes tradicionais.

Com relação aos aspectos político-ideológicos, o cooperativismo reveste-se de um arcabouço fortemente doutrinário que vem desde a segunda metade do século XVIII. Segundo Pinho (1982, p. 21), é "indispensável que se estimule a realização de estudos de teoria cooperativa para se compreender a atividade cooperativista em sua plenitude, dentro de uma concepção de cooperativismo adequada às necessidades sócio-econômicas de nossos dias".

É relevante, como continuidade deste tema, observar in loco a realidade quotidiana das cooperativas de trabalho e, no caso particular, aquelas formadas por profissionais de nível superior. Situando-se as cooperativas em duas dimensões fundamentais, levantam-se as questões de como estas cooperativas comportam-se entre as características de economia e de isonomia, e em que grau a isonomia prevalece sobre a economia, ou o se prevalece o contrário.

Referências Bibliográficas

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GUERREIRO RAMOS, Alberto. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações (trad. Mary Cardoso). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989 (original publicado em 1980).

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PINHO, Diva Benevides. Economia e cooperativismo. São Paulo: Saraiva, 1977.

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RAMOS, Lauro & REIS, José Guilherme Almeida. Emprego no Brasil nos anos 90. Rio de Janeiro: IPEA, março de 1997 (Texto para discussão nº 468).

TESCH, Walter. Cooperativismo de trabalho, alternativa ao desemprego. São Paulo: Instituto de Promoção Social - IPRAS, 1995.

(1) Modelos que alguém ou uma coletividade consideram ser prefeitos. Relaciona-se com a natureza das idéias perfeitas.

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(2) A fenonomia consiste num sistema social de caráter esporádico, mais ou menos estável, iniciado e dirigido por um indivíduo ou um pequenos grupo, que permite o máximo de opção pessoal e o mínimo de prescrições operacionais.O isolado está excessivamente comprometido com uma norma que para ele é única; tem um conjunto pessoal de crenças, rígido e peculiar, e ajusta-se ao conjunto de padrões sociais, embora considerando o mundo social, como um todo, incontrolável e sem remédio. Anomia é conceituada como uma situação estanque em que a vida social desaparece, define uma condição em que os indivíduos subsistem na margem do sistema social. Motim é a referência de coletividades desprovidas de normas, a cujos membros falta o senso de ordem social.

(3) Guerreiro Ramos refere-se aos EUA, onde escreveu o livro utilizado como referencial bibliográfico