Revista ABCR 2015 - 15 Anos

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dez. 2014 / jan. 2015 • ano 1 • número 1 • Revista ABCR ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CAPTADORES DE RECURSOS ABCR 15 ANOS Revista Comemorativa

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dez. 2014 / jan. 2015 • ano 1 • número 1 • Revista ABCR

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DECAPTADORES DE RECURSOS

ABCR 15 ANOSRevista Comemorativa

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e x p e d i e n t e

ABCR - Gestao 2012 - 2014Diretoria Executiva:Presidente: Joao Paulo Vergueiro (associado 00180) - [email protected]: Fagna Freitas (01011) - [email protected] Administrativa-Financeira: Daniela Weiers (00088) - [email protected] de Conduta e Etica Profissional: Jonas Leandro Flores (00010) - [email protected] de Relacoes Internacionais: Rodrigo Alvarez (00006) - [email protected] de Conteudo e Capacitacao: Sandra Pedroso (00305) - [email protected] de Comunicacao: Ana Flavia Godoi (01190) - [email protected] de Associados: Juliana Barrena (00973) - [email protected] de Relacoes Institucionais: Sonia Bonici (00724) – [email protected]

Conselho Fiscal:Flavia Lang RevkolevskyMichel FrellerSandra Maria Pires Vieira Sahd

Conselho Consultivo:Rene SteuerCarla da NobregaMarcelo EstravizCelia Cruz

Revista ABCR 15 Anos

Editor Geral: Joao Paulo VergueiroRevisao: Rodrigo ZavalaEdiçao: Cristiano PereiraCapa: Ricardo AndradeImpressao: Gráfica e Editora O Lutador Anunciantes: Gráfica e Editora O Lutador, Marcelo Estraviz, Criando Consultoria, Ader&Lang, ChaXCha e Kickante

Tiragem: 1.000 exemplares

(11) [email protected]

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1 5 a n o s p r o m o v e n d o a c a p ta ç ã o

Olá,Esta é a Revista da ABCR, em sua primeira edição!

É uma revista comemorativa. Estamos celebrando os 15 anos de fundacao da Associacao Brasileira de Captadores de Recursos, no final de 1999, quando um grupo de profissionais se reuniu e decidiu que queria agir pelo bem comum da sociedade civil, oficializando uma organização que os representasse e promovesse a captacao de recursos no país.

Essa história você conhecerá aqui, apresentada por artigos de alguns de nossos fundadores, profissionais que até hoje contribuem significativemente no desenvolvimento da ABCR.

Nestas páginas, também será possível saber mais sobre quem é o captador de recursos. Dentro das organizações da sociedade civil, a captação é a área responsável pela sua sustentabilidade financeira, trabalalhando para que sejam conquistadas as doações e outros recursos necessários para viabilizar os projetos desenvolvidos e manter as instituições.

O captador de recursos pode utilizar-se de várias estratégias para conseguir as doações. Captação com pessoa física e por meio de plataformas de crowdfunding são duas delas que serão apresentadas nestas paginas.

E vamos falar da doação também. Se do lado da organização há o captador, do outro lado da relação existe o doador, cujo apoio financeiro é diretamente responsável pela manutenção das atividades transformadoras das organizacoes.

Nestas páginas portanto, falaremos de tudo, da ABCR, da profissão, das organizações e da doação. Será uma boa leitura, nesta que é nossa primeira experiência com uma publicação. A Revista da ABCR é um marco em nossa história, agora com 15 anos. Esperamos que aproveitem. Boa leitura!

Joao Paulo VergueiroPresidente da Diretoria [email protected]

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6 Passado prodigioso, futuro promissor _ RODRIGO ZAVALA Uma das mais interessantes formas de se ver uma organização com 15 anos de história é a ebulição hormonal que carrega desde sua criacao...

8 A gravidez que fez nascer a ABCR _ MARCELO ESTRAVIZ No dia 11 de janeiro de 1999 comecei uma lista de discussão, cuja primeira mensagem era uma frase automática : Welcome to the fundbr E-Mail Group...

10 ABCR, uma organização que pulsa _ RODRIGO ALVAREZ

Em 1996, um maluco resolveu contratar um jovem recém-formado, de 24 anos, para criar a área de captação de recursos dos Doutores da Alegria...

12 A Regionalização da ABCR - A Experiência Rio _ ANA FLÁVIA GODOI No dia 9 de julho de 2009, aconteceu no Centro Cultural da Justiça Federal, na cidade do Rio de Janeiro, o lancamento do primeiro nucleo regional da ABCR...

14 O Captador de recursos, uma profissão essencial _ MICHEL FRELLER

Quem é o captador de recursos em uma Organização da Sociedade Civil, OSC? Quais são suas aptidões e habilidades? Deve ser formado em qual curso?...

16 A captação de recursos impactando o mundo _ ANDREW WATT

Pense sobre algumas das principais mudanças que ocorreram em tão pouco tempo no Brasil. Crescimento consideravel da economia e do PIB...

18 A doação como um presente, a doação como um dom _ FERNANDO NOGUEIRA

O captador de recursos é um privilegiado: a ele cabe a função de alimentar a circulação de doações na sociedade. E isso é essencial para nossa vida em sociedade, nossa vida em comunidade...

20 Como inspirar e conectar doadores para desenvolver um programa bem sucedido de relacionamento _ FLAVIA LANG

Toda a organização, grande ou pequena, tem um elemento comum: depende de doadores para desenvolver o seu trabalho...

22 O Face to Face no Brasil A visão de uma captadora ao se deparar com um novo canal _ KÁTIA GAMA

A entrada do Face to Face (captação nas ruas e de porta em porta) no Brasil, aos poucos, tem se mostrado um desafio extremamente recompensador...

24 A Arte de captar recursos com Grandes Doadores _ CARLA NOBREGA Sempre que vou a conferências sobre captação de recursos no Brasil, e em outros países, me pergunto porque

existem tao poucos espacos onde discutir a arrecadacao...

S U M Á R I O REviSTA ABCR 15 ANOS

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S U M Á R I O REviSTA ABCR 15 ANOS

26 O terceiro setor e o financiamento coletivo no Brasil _ CANDICE PASCOAL Em nome da transformação social e na defesa de bandeiras como direitos humanos, ecologia, educação, cultura e saúde, o terceiro setor vem revolucionando o conceito de cidadania...

29 Fundos patrimoniais e sua importância para a sustentabilidade das organiza-ções sem fins lucrativos no Brasil _ PAULA FABIANI

Fundos patrimoniais (endowments) são estruturas criadas para as mais diversas causas de interesse coletivo, pois permitem a organizações sem fins lucrativos edificar...

31 Captação de recursos para organizações da educação: desenvolvimento e sustentabilidade _ CUSTÓDIO PEREIRA

Com certeza, um dos fatores que viabilizou o desenvolvimento dos Estados Unidos da América e sua fabulosa economia foi o avançado patamar de qualidade e alta produção científica...

33 Finanças Sociais: Mobilizar Investimentos para impacto social e possível retorno financeiro _ CÉLIA CRUZ

O Brasil melhorou nos últimos anos. Somos a 7a maior economia do mundo (World Bank, 2014) e vimos as comunidades de baixa renda melhorarem o acesso a servicos basicos...

36 A importância das pesquisas para as organizações da sociedade civil _ RODOLFO OHL

Apoiar entidades sem fins lucrativos tem sido algo importante para a equipe da SurveyMonkey desde que a empresa começou, há 15 anos...

38 Investimento Social Privado: um olhar para além da doação financeira _ MARCIA WOODS

Como dois lados de uma mesma moeda. Assim, poderíamos dizer que o investimento social privado está para a captacao de recursos...

40 EVENTOS, PRÊMIOS E CAPTAÇÃO DE RECURSOS _ CAMILA FIGUEIREDO E BRUNO ASP

Há 14 anos atuando no terceiro setor, a Neurônio Ativação de Negócios e Causas pode se colocar como testemunha e ao mesmo tempo agente no desenvolvimento deste setor...

44 Comunicar é alma do negócio_ MARCIO ZEPPELINI

Nos últimos anos, o número de organizações sociais cresceu consideravelmente no Brasil, ultrapassando a marca de 290,7 mil, segundo dados da Pesquisa Fasfil 2010...

46 DEpoimentos

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Uma das mais interes-santes formas de se ver uma organizacao com 15 anos de historia é a ebulicao hormonal que carrega desde sua criação. Erra, acerta, mas sempre tem o olhar adiante, frente aos desa-fios que se impõem interna e externamente.

Em 1999, quando pensada, estavam lá, num grupo de 28 pessoas, as origens da orga-nização que iria buscar a profis-sionalização, decoro e estímulo às pessoas que lutam, até hoje, pelo desenvolvimento institucio-nal das organizacoes da socie-dade civil. Na forma, formato e meio de captar recursos, residia ali uma preocupacao ética de se autorregular a pratica.

Começou, al iás, com e-mails, umas centenas, que se debrucavam sobre o nome e a missao. Como todos os e-groups da época, alguns participantes brigaram, outros

saíram, mas permaneceram ali os alicerces que fundariam a ABCR como se vê hoje.

Na época, os envolvi-dos pareciam fazer algo de vanguarda. Até uma delega-ção brasileira, com pouquís-simos integrantes, ir à 36a Conferência da National Society of Fund Raisers Executives (nome indizível até se tornar Association of Fundraising Professionals – AFP), nos mesmos 1999, para ver o ama-dorismo nacional frente aos colegas internacionais.

O aprendizado tornou-se regra nas vozes que, ao final daquele ano, institucionalizaram a ABCR, incluindo as parcerias internacionais que foram uma constante no desenvolvimento da organização, como a Resource Alliance e a propria AFP. Houve também os alinhamentos, aqui no Brasil, como a USP, SENAC e o CNBB, que permitiram à associacao ser representada como referência no país.

O presidente da ABCR, em 2001, Custódio Pereira disse na época: “Esse profissional, que sempre foi respeitado em todo o mundo desenvolvido, agora, finalmente, começa a ser valorizado no Brasil”. O mesmo gestor que publicou, provido de fontes internacionais também, o primeiro Código de Ética do captador de recursos brasileiro, com seus princípios e valores, indeléveis (porém,

P A S S A D O P R O D I G I O S 0 , F U T U R O P R O M I S S O R RODRiGO ZAvALA Rodrigo Zavala é comunicador social, especializado em cultura e organizações da sociedade civil.

ajustados no tempo).

A partir da cooperacao de outras organizacoes e trabalho herculeo (e voluntario) interno de seus membros, a ABCR floresceu em peso e estatura. A própria segunda gestão, presid ida por Chr ist ina Murachco, mostrou, em relacionamento internacional, que a associação só poderia crescer ainda mais.

Mesmo o revés de espaco e tempo em 2005, não fez os associados (nessa altura pouco mais de 200) titubearem em manter a ABCR viva e forte, que passou a ser presidida por seu co-fundador Marcelo Estraviz (mandato que se estendeu, por reeleição, de 2006 até 2012), trienalmente.

Terminava-se, aí, a pri-meira etapa da ABCR. Aquela de buscar a identi-dade do captador, dos poucos profissionais que constituíam o setor, e ainda oferecer cursos e palestras para os iniciantes, mas não menos iniciados, das praticas de desenvolver institu-cionalmente uma organizacao social. Basta lembrar daqueles que trabalhavam apenas par-cialmente na área, ou daqueles que vieram do setor cultural.

O momento, diga-se, foi bas-tante favorável. Até então, os dados eram de uma pesquisa de 2005 (do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – iBGE), que indicava um panorama

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de evolucao intensa do setor (215%, entre 1996 e 2005), caracter ís t ica marcante do período pos-abertura democratica.

Aqueles que haviam ante-cipado o período subsequente ao “boom” das organizacoes da sociedade civil tornaram-se mestres em um setor em cres-cimento. E, no fim, todos os realmente envolvidos com o desenvolvimento institucional estavam à frente da associa-ção que defendiam.

A segunda etapa da ABCR se integra às tentativas de torna-la um dos grandes players da sociedade civil organizada. Em 2008, por exemplo, durante o 5O Congresso GiFE (Grupo de institutos, Fundações e Empresas), este sobre investi-mento social, a ABCR realizou um dia dedicado inteiramente à captacao de recursos (com cerca de 300 participantes). Formacao e relacionamento estavam em jogo ali.

O que o público não sabia era que, nos bastidores, a asso-ciação, na pele do presidente Estraviz, em parceria com a Resource Alliance e o Instituto Filantropia, não apenas desen-volveria o Prêmio Brasileiro de Captação – Mobiliza, mas também as bases do que seria o primeiro Festival Latino-Americano de Captacao de Recursos, em 2009.

O Festival contou com três dias de intensas atividades, programadas com uma agenda colaborativa, que deu espaço aos participantes ministrarem suas próprias oficinas e privi-legiou a troca de experiências. Por meio de um formato mais interativo, foi possível identificar as tendências e fronteiras sobre o setor no Brasil. O sucesso e imprescindibilidade do evento o tornou anual, hoje batizado como Festival ABCR – o de 2015, diga-se, já foi anunciado.

Mas qual era a preocupa-ção candente para a ABCR, então? A profissionalização. A organização já mostrava um movimento de nacionaliza-ção, que se desenvolveu a partir dessa época em nucleos regionais de interlocucao. Em nove Estados (Bahia, Espirito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe), ou mesmo em grupos tematicos como Direito e Cultura, mostrava-se uma proposta de expansao.

No entanto, enquanto a associacao seguia em loas às suas propostas de relaciona-mento e articulação nacional, internamente ainda nao havia alcancado a solidez dese-jada. Foi em 2013, agora sob a gestao do atual presidente Joao Paulo vergueiro, que a asso-ciacao lancou o seu primeiro Censo ABCR, mapeamento dos profissionais que atuam no ter-ceiro setor brasileiro com cap-tação, mobilização de recursos e desenvolvimento institucional.

De maneira geral, o Censo, cuja segunda edição foi realizada no ano seguinte com resultados similares, mostrou que esses profissionais são otimistas em relacao ao futuro de seu ofício, tal como do setor. Ainda que existam desafios para a captação de recursos, muitas vezes nao reconhecida como área, os profissionais afirmaram receber suporte das demais areas-chave da organiza-ção (Diretoria, Comunicação, Financeiro etc.), tal como são convidados por estas a par-ticiparem dos planejamentos estratégicos das instituicoes.

O desenvolvimento do Censo trouxe também luz aos anseios e demandas dos asso-ciados, que servem como um forte indicador para a gestao da organizacao representativa. Além de indicar maior estímulo à formacao contínua do

profissional (eventos, cursos, informação etc.), transparece nas opinioes dos responden-tes do levantamento a neces-sidade de desfraldar bandeiras.

E por esta razão que a ABCR tem reforcado sua atuacao política em defesa da profissao (e sua pratica de forma ética), participando com ênfase de debates sobre o marco regulatorio da socie-dade civil e outros foruns de dis-cussao sobre o terceiro setor e a sociedade. influencia-se, ass im, a re levância e legitimidade do profissional, de seu meio, ao mesmo tempo que faz coro ao fortalecimento do campo social brasileiro e suas mais de 291 mil organizacoes.

Mas os desafios que se impoem para a ABCR crescem intrinsicamente à sua importân-cia historica: a capacidade de assumir riscos, visão inova-dora sobre modelos de capta-ção, lutar pelo reconhecimento profissional (como ofício, rede e setor), ser farol de tendências, incidir na discussao e elabora-ção de políticas públicas, incor-porar um nucleo de conheci-mento e excelência e, em espe-cial, avançar na construção de uma governança forte, que desfaca o modo voluntario de trabalho de seus gestores.

Como mostrou o Censo ABCR, os profissionais são otimistas frente às oportuni-dades que se apresentam à captação de recursos no Brasil, visao compartilhada por seus gestores durante os 15 anos de vida da associacao. Com um histórico tão prodigioso, espera-se um futuro promissor para a organização, que debuta em 2014 com a certeza de seu papel transformador para uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentavel.

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No dia 11 de janeiro de 1999 comecei uma lista de dis-cussão, cuja primeira mensa-gem era uma frase automatica Welcome to the fundbr E-Mail Group.

Depois de alguns dias adicionando pessoas com ajuda da Célia Cruz, escrevi uma primeira mensagem de boas vindas no dia 22 de janeiro e, entre outras coisas, comentei o seguinte: “Como iniciamos um sistema semelhante a um “Código de Ética”, que nos una e principalmente estabeleça princípios no trabalho do Fund Raising?”

Esta era a mensagem numero 3 de uma lista de dis-cussão que ainda existe e está disponível para quem quiser ler a historia: https://br.groups.yahoo.com/neo/groups/fundbr/info.

Foi uma delícia passar a tarde de hoje lendo muitas dessas mensagens. Ela tem

15 anos de registros, sendo que os primeiros 2 ou 3 foram de imensa interação. Lá estão as primeiras versões da missão, a discussao dos possíveis nomes (chegaram a sugerir que a ABCR se chamasse Abracadabra!) e um debate que durou muitas mensagens: o código de ética, mais especifi-camente o comissionamento. Houve brigas, gente que saiu da lista, gente que se conhe-ceu nela. Teve até casamento.

Na mensagem de numero 5, a Célia Cruz comenta sobre a 36a Conferência da National Society of Fund Raisers Executives (hoje chamada AFP). Ela disse: “estamos querendo montar uma equipe brasileira “de peso” na Conferência, para que tenhamos respaldo para montar um capítulo brasileiro aqui.”

Em 27 de março de 1999, a mensagem 51 diz: “Creio ser válido considerarmos a forma-ção de uma entidade que con-gregue Captadores de Fundos, estabeleça princípios éticos da atividade, combata even-tuais oportunistas inescrupu-losos, promova um “selo” de qualidade para os profissionais responsáveis dedicados a esta tarefa …”. Nosso querido René Steuer a assinava. Comecava aí a ABCR, antes mesmo de irem à Conferência.

A ideia era a de ser um capí-tulo, da NSFRE, como ocorria

no México. O congresso ocor-reria em Miami, em abril. Em 20 de maio de 1999, após o evento, eu escrevi à lista: “Fui incumbido de apresentar um resumo da reunião que alguns participantes da lista fizemos na GV na ultima quinta feira. Ficou estabelecido entre os participantes da reunião que a criação desta associação deve ocorrer mais por “qualidade” do que “urgência”, ou seja, vamos buscar o máximo de consenso, uma maior divulgação das pro-postas e uma troca de informa-ções que tratem de objetivos, missão e organização para aí, então, definirmos a criação da associação brasileira”.

Em 13 de julho, na mensa-gem 113, René anima nova-mente a lista para seguirmos com a criacao da associa-ção, ainda sem nome: “Penso que nossa associação deve, em princípio, definir normas de comportamento e atitude, catalogar e distribuir informa-ções, ajudar a treinar capta-dores, promover a qualidade ética e profissional de nosso trabalho, ser um ponto de referência para o mundo externo com relação à Captação de Fundos para o Terceiro Setor”.

Em 29 de julho de 1999, chega uma mensagem de quem viria ser nossa querida segunda presidente: “Meu nome é Cristina Murachco e trabalho como Consultora em Desenvolvimento Institucional

A G R AV I D E z q U E F E z N A S C E R A A B C R MARCELO ESTRAviZ Presidente do Instituto Doar. Fundador e Ex-presidente da ABCR. Co-autor do livro “Captacao de diferentes recursos para organizações da sociedade civil”, autor de “Um dia de captador” e “Pause”.

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Penso que nossa associação deve, em princípio, definir normas de comportamento e atitude, catalogar e distribuir informações, ajudar a treinar captadores, promover a quali-

dade ética e profissional de nosso trabalho, ser um ponto de referência para o mundo externo com relação à Captação de Fundos para o Terceiro Setor”

na PUC/SP há 1 ano. Desenvolvo ações de capta-ção de recursos para projetos da Reitoria (grandes projetos institucionais da Universidade) e presto assessoria a proje-tos das Unidades Acadêmicas. Este trabalho é novo dentro da PUC/SP e portanto ainda é difícil mensurar resultados. Fico muito feliz em perceber que há um importante movimento de organização de nosso trabalho: estou certa que todos ganhare-mos com isto – nós mesmos como profissionais e o Terceiro Setor como um todo.”

A mensagem 135 é longa, onde René, entre outras coisas, sugere: “Batizemos nossa entidade como Associação Brasileira de Captadores de Recursos. Recursos me parece melhor do que Fundos, por ser mais amplo – Não nos transformemos num “capi-tulo” da NSFRE ( como é o caso do México e Alberta, Canadá) pois acredito que será benéfico manter independência de qualquer entidade especí-fica. Isto nos proporcionará liber-dade de contato com qualquer entidade internacional, e acima de tudo nos dará a oportuni-dade de construir uma entidade consciente da cultura e reali-dade do nosso país.”

Em 5 de agosto, após uma reuniao realizada na Fundacao Getúlio vargas, com 40 participantes, escrevo: “Nos dividimos para enviar à lista 3 assuntos para discussão. Eu coordenarei “código de ética”; Celia, “Missão”, e João Meirelles e Rene, “estatutos”.”

Rodrigo Alvarez escreve logo apos meu e-mail: “… Já que está aberta a discussão sobre o tema polêmico: comis-sionamento, permitam-me que eu me posicione. Sou também da opinião defendida pela Celia na última reunião. Acho que devemos garantir em nosso código de ética a nossa

postura em relação ao paga-mento de salários aos capta-dores de recursos, e não um comissionamento pela venda. Ora, se estamos criando uma Associação de Captadores de Recursos, um dos objetivos é fazermos com que a profissão seja respeitada. E respeito, a meu ver, dentro de uma orga-nização, é considerar o cap-tador de recursos tão impor-tante quanto um educador, quanto um psicólogo, quanto qualquer outra pessoa que faça parte da equipe. O que acho é que a postura de pagar salários é mais condizente com o tipo de associação que queremos criar.”

Em 6 de agosto recebe-mos o primeiro e-mail de quem viria a ser nossa primeira Vice Presidente: “Como estou debu-tando nesta interessantíssima lista de discussão, quero me apresentar. Meu nome é Carla da Nóbrega, trabalho na capta-ção de recursos da Associação Civil Greenpeace. Estou na área de captação há 5 anos.”

No dia 30 de agosto, houve uma nova reuniao na Gv e, pelo e-mail da Célia resumindo o que ocorreu, relem-bro que de lá saiu a missão: “Promover, desenvolver e regulamentar a atividade de captação de recursos segundo seu Código de Ética e apoiando o Terceiro Setor na construção de uma sociedade melhor.” E a decisão de que chamaríamos mesmo ABCR.

A mensagem 344 (Sim! Foram muitas mensagens

discutindo o código de ética, o nome da Associação, os estatu-tos...) foi escrita pela Celia, cha-mando para a reuniao dia 5 de novembro, para aprovações, encaminhamentos e registro da associacao. Nesta época a lista já tinha 89 nomes.

No dia 31 de outubro, envio uma versao do codigo de ética e, no dia 3, René a melhora sensivelmente. Tudo via web. Um trabalho realmente bonito de se (re)ver essa gestacao da ABCR.

A reuniao seria 5 de novem-bro, mas foi adiada para 7 de dezembro, pois ainda se debatia muito o nome da organizacao pela lista. Também o codigo e os estatutos. Mas a criativi-dade sobre o nome era imensa. ABCARE, Abracadabra, Captar, ANCR, ACRB… emails e mais emails.

Final de 1999, em uma sala da Fundação Getúlio vargas, la estavamos 19 participantes. Decidimos que os associados que entrassem nos próximos seis meses seriam considera-dos socios fundadores. No dia 13 de dezembro, com certo atraso, mando a mensagem (de numero 473 na lista) falando da reunião, onde oficializamos a criacao da ABCR e termino assim: A reunião foi muito boa, realmente. Vida longa à ABCR!

E o resto é historia.

* Dedico este artigo a Célia, René, Cristina, Carla e Rodrigo. Desde entao vocês fazem parte da minha historia.

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Em 1996, um maluco resolveu contratar um jovem recém-formado, de 24 anos, para criar a area de captacao de recursos dos Doutores da Alegria. O maluco se chama Wellington Nogueira, um ator que se transformou num dos mais criativos, ousados e competentes empreendedores sociais que o Brasil conheceu nos últimos 20 anos. O jovem formado era eu, saído da faculdade apenas com uma certeza: de que eu só conseguiria trabalhar em algo que fizesse sentido para mim e para o mundo.

Não percebíamos, mas o setor sem fins lucrativos, tão antigo quanto a Santa Casa de Misericórdia de São vicente, estava em ebulicao. Muitas das organizações e pessoas, que são referência no setor hoje, começavam a pôr o pé

na profissão, como diria Milton.Em 1999, um pequeno

grupo de profissionais (eu incluído) organizou uma delegacao brasileira para participar do evento anual da NSFRE (National Society of Fundraising Executives), a ABCR americana, que anos mais tarde viria a ser chamada de AFP (Association of Fundraising Professionals).

O evento acontecia em Miami, num imenso Centro de Convencoes. Era o 36º. Congresso da NSFRE, um evento para cerca de 7 mil pessoas! Fiquei impressionado com o nível de maturidade e profissionalismo com que os americanos tratavam do tema e descobri um verdadeiro novo mundo do “fundraising”: empresas , consu l to res , técnicas, estratégias, métodos... Tudo ali, na nossa frente. Tínhamos muito a caminhar, mas foi fundamental ver onde poderíamos chegar.

A delegação brasileira, representada por nosso atual presidente do Conselho René Steuer, realizou, durante aquele evento, uma reunião com a diretoria da NSFRE, onde recebemos um convite para que nos tornassemos um capítulo brasileiro do evento.

O convite era tentador. Comecaríamos com o nome e

apoio de uma organização que já tinha 36 anos. Mas falou mais alto nossa vontade de ter auto-nomia e construir algo que fosse genuinamente brasileiro, ainda que tivéssemos mais desafios no começo. Aquela decisão foi amadurecida ali, em mesas de almoços e jantares do evento, por nós mesmos, um grupo de jovens idealistas, em seus começos de carreira, que talvez nao tivessem ideia da magni-tude da empreitada.

Voltamos ao Brasil e no ano

seguinte formalizamos a criacao da ABCR. Aquele começo foi pura energia. Nossa intencao era criar, nesse setor que se estruturava, uma organização que zelasse pela ética na pro-fissão e pelo respeito aos doa-dores. Lembro-me que me dedi-cava à missão da ABCR, como quem defende a própria honra profissional. isso talvez fosse nosso maior combustível, pelo menos era o meu.

Criamos um codigo de ética e um estatuto dos direitos do doador, realizamos congres-sos, expandimos a missão pelo Brasil e, mais do que tudo, fin-camos nossa bandeira e nossa posicao no setor.

Mas nem tudo sao flores na vida de uma organizacao. Éramos (e ainda somos) um grupo de voluntários, com pouco tempo disponível. O dia a

A B C R , u m a o r g a n i z a ç ã o q u e p u l s a RODRiGO ALvAREZ Sócio Diretor da Mobiiza, empresa de consultoria brasileira com foco no desenvolvimento de estratégias de captacao de recursos e modelos de negocios para organizacoes sociais. Membro do Conselho da AiESEC e fundador da ABCR, sendo atualmente Diretor de Relações internacionais. Coautor do livro “Fundos Patrimoniais - criacao e gestao no Brasil”.

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dia da ABCR também requeria atas, reuniões, decisões, planejamento, l iderança, recursos, enfim, tudo o que qualquer organização precisa para crescer. Vivemos também momentos de dúvidas. O próprio setor passou, a partir da segunda metade dos anos 2000, por muitos questionamentos. E a ABCR viveu seu período de crise.

No ápice dessa crise, em 2005, fizemos um jantar na casa da Célia Cruz para dis-cutirmos o futuro da ABCR. A questão que se colocava era se existia um grupo decidido a carregar a ABCR além. Era claramente uma encruzilhada, onde o risco da organizacao ser extinta naquele momento estava presente. Mais uma vez, numa mesa de jantar, 7 anos depois de Miami, decidimos o destino dessa organizacao. Nao me lembro bem de todos os

presentes na reunião, mas me lembro que o Marcelo Estraviz estava presente e se pronun-ciou: “Eu topo tocar adiante”, ao que eu emendei que o acom-panharia nessa empreitada.

Nos anos seguintes, Marcelo foi incansavel em resgatar a vida da ABCR e, nesse caminho, foi fundamental a criação do FLAC – Festival Latino Americano de Captadores de Recursos, como um evento anual, que já vai para sua 7ª edição em 2015, agora com o nome Festival ABCR.

Mas a vida segue e con-tinuamente, como líderes da ABCR, precisamos nos pergun-tar: “Continuamos relevantes?”. Essa pergunta deve ser refeita, agora que a ABCR entra em sua adolescência.

Não tenho dúvidas que sim. Na verdade, acho que uma organizacao como a ABCR

é mais relevante hoje do que nunca. Num momento em que a fronteira entre os setores esta mais nebulosa, é cada vez mais claro, para mim, que existem ações e causas que só podem ser financiadas com recursos de doação e outras que devem compor um modelo de financia-mento híbrido, entre doações e investimentos de impacto.

Ouvi outro dia um ditado que dizia que “o que não se doa, se perde”. Num mundo em que a colaboracao e a tecnologia podem potencializar a mobiliza-cao de todos os tipos de recur-sos, vejo o profissional de mobi-lizacao de recursos mais con-temporâneo que nunca. Como alguém que consegue enxer-gar conexoes entre pessoas e causas e tem habilidade para construir pontes invisíveis, para resgatar nosso poder de usar todos os nossos recursos para o bem comum.

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No dia 9 de julho de 2009, aconteceu no Centro Cultural da Justiça Federal, na cidade do Rio de Janeiro, o lança-mento do primeiro nucleo regional da ABCR. Foi um encontro que reuniu cerca de 90 profissionais de captação de recursos interessados em con-versar sobre a formacao de um espaço de encontro, troca e aprendizado. Organizado pelo então presidente da ABCR, Marcelo Estraviz, foi o primeiro passo para a criacao da rede entre os captadores do Rio de Janeiro, que até hoje estimula encontros de compartilhamento de experiências, disseminação e debates sobre o tema capta-cao de recursos.

Mais do que um debate, o evento foi essencial para abrir caminhos a novas reunioes que viriam a seguir e seus des-dobramentos, todos basea-dos em uma construcao cole-tiva, que se deram à medida da participação, interesse e

compartilhamento mutuo. Algo muito proximo à forma e formato que já acontecia em São Paulo, o Nutrindo Relacoes.

No balanço de um ano, o Grupo de Trabalho, que se formou a partir de profissionais de captacao de recursos associados à ABCR, organizou uma reuniao de avaliacao onde foram discutidos as principais conquistas, até então, e os ajustes necessários para sua continuidade. Os encontros realizados foram bastante significativos e apontavam para um processo de consolidacao do Nucleo na cidade do Rio de Janeiro.

Importantes aliancas foram feitas neste período, que con-tribuíram para o fortalecimento da iniciativa e constituicao de uma agenda anual de ativi-dades. E os ajustes identifica-dos eram a criacao de uma pes-quisa de opinião sobre temas de maior interesse; o aprimora-mento da dinâmica dos encon-tros reforcando a troca de experiências e o foco na analise crítica da atividade de mobiliza-ção de recursos; e, por fim, se aproximar da Diretoria Nacional da ABCR.

Neste período, foram realizados cerca de 20 eventos presenciais em toda a Regiao Metropolitana do Rio de Janeiro, chamados entao de Encontros Temáticos. Os principais

assuntos discutidos nestes eventos foram: elaboracao e monitoramento de projetos sociais, culturais, esportivos e/ou ambientais, principais meios de captacao de recursos com a iniciativa privada e fundacoes internacionais, regulamentação da profissao do captador de recursos, financiamento da cultura x investimento social privado e, por fim, discussões sobre o Marco Regulatorio do Terceiro Setor.

Em 2011, o crescimento e demandas do grupo fez com que o modelo piloto estruturante fosse mudado para Nucleo Rio, tornando-se uma unidade representativa da ABCR no Estado, buscando cada vez mais alinhar-se conceitualmente e estruturalmente à missao institucional. De um espaco de troca, o Núcleo passa a ser uma peca fundamental do projeto de regionalização da ABCR e sua demanda por desenvolver campanha de novas adesoes de associados cariocas. O modelo, a pedido do próprio grupo fluminense, foi implantado, mais tarde, em São Paulo, como forma de estimular a criacao de organizacoes regionais em outros estados.

Mesmo assim, os Encontros Tematicos continuavam a todo vapor, nos quais foram discutidos: leis de incentivo, seja cultural ou esportivo, formas de comunicacao e mobilizacao

A R E G I O N A l I z A Ç Ã O D A A B C R - A E x P E R I Ê N C I A R I O ANA FLáviA GODOi Diretora Nacional de Comunicacao e Coordenadora Regional Nucleo Rio da ABCR. Gerente de Desenvolvimento institucional do ELAS Fundo de investimento Social e Especialista de Captação de Recurso do Servico Social da Industria da Construcao do Rio de Janeiro.

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De forma in-tensa, o Nú-cleo sempre

se preocupou na busca e fidelização de parcerias para a manutenção de suas atividades.”

social, crowdfunding, marketing cultural 3.0, legalização da profissao de captador de recursos, sustentabilidade e direito do entretenimento.

Já em 2012, o Núcleo realizou uma parceria com a Universidade Cândido Mendes e com o SESC Rio para seus eventos presenciais e para a formacao de um grupo de estudos focados em temas correlatos à mobilizacao de recursos. Os principais temas discutidos foram: Marketing Direto, Fundos independentes e Grandes Doadores. Naquele ano, foram incorporadas as Reunioes Mensais de Associados que proporcionou aos participantes um espaco legítimo de networking.

No mesmo ano, também foi realizado o primeiro Forum Regional: Forum [Rio] de Captadores de Recursos. Organizado na sede do Servico Social da Industria da Construcao do Rio de Janeiro (Seconci-Rio), em parceria com Repense Comunicação, teve como objetivo discutir as diver-sas possibilidades para a sus-tentabilidade das organizacoes nao-governamentais brasilei-ras no século XXI. Contou com cerca de 150 participantes e trouxe o entao Diretor de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura para debater sobre o papel do captador de recursos do desenvolvimento do setor.

De forma intensa, o Núcleo sempre se preocupou na busca e fidelização de parcerias para a manutencao de suas ativi-dades. Assim, por meio de de

reunioes periodicas de avalia-cao e mobilizacao de novos e antigos voluntários, manteve constante comunicacao com todos os membros e aferiu os resultados de seus encontros. A comunicação institucional, aliás, foi aprimorada ao longo do tempo para ampliar per-cepcao de ABCR Rio como importante polo de conheci-mento, articulação e relacio-namento. Assim, hoje, a ABCR Rio reune nao somente capta-dores de recursos, mas profis-sionais, gestores e pesquisa-dores interessados em articu-lar e promover a atividade de mobilizacao de recursos. Como é o caso do dialogo e aproxi-macao com diversos atores do setor cultural carioca, contabi-listas e, também, cursos univer-sitarios de producao cultural e direito do entretimento, em que se discute sobre a importância da captacao de recursos institu-cionalizada e alinhada à missao das organizacoes.

Entre 2013 e primeira metade de 2014, os Encontros Tematicos trouxeram temas baseados na escolha dos próprios associados, tais como: implantacao de departamento de captacao de recursos; desenvolvimento das organiza-coes da sociedade civil e mobi-lizacao de recursos; captacao de recursos através de ferra-mentas de gestao de doadores; gestão de projetos e a mobili-zacao de recursos; geracao de renda própria e por fim cultura da doacao.

Durante esses seis anos interruptos de trabalho, enfim, o Nucleo Rio cresceu em mais de 100% o numero de associa-dos do Rio, realizou mais de 50 eventos gratuitos em diver-sas instituições, reuniu cerca de 2000 pessoas em suas atividades e mobilizou par-cerias entre elas: Espaco Rio Carioca, Junior Achievement, Médicos Sem Fronteiras, Rede Social Bandeirantes, Sesc Rio,

Sindicato dos Contabilistas, Servico Social da Industria da Construção do Rio de Janeiro, Repense Comunicação, Observatório de Favelas, instituto Coca Cola, ONG visão Mundial, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Universidade Cândido Mendes, ESPM Rio e Ministério da Cultura .

Para a proxima gestao os desafios ainda sao muitos. Continuar a investir no fortalecimento e crescimento da base de associados, empreender novas e importantes parcerias para melhorar o entendimento sobre a captacao de recursos institucionalizada e ainda promover aproximacoes em outras áreas correlatas, como saúde, educação e meio ambiente, tal como a já parceira cultura. Além disso, por se tratar de um Núcleo que representa territorialmente o Estado do Rio de Janeiro, a ABCR Rio precisa investir em uma comunicacao institucional em outros municípios fluminenses.

A experiência do Rio de Janeiro tornou possível que a ABCR estimulasse a criacao de outros Nucleos Regionais. Sob a orientacao de um Regimento Interno e sendo oficialmente constituído na Assembleia Geral de Associados, os Núcleos representam a ABCR territorial-mente. Coordenados por dois associados voluntarios eleitos entre os associados locais, esses núcleos representam, ampliam o alcance nacional da Associação, ao mesmo tempo em que aproximam e fidelizam nossos associados.

A atuacao de cada um deles inclui o fomento e a mobilizacao de profissionais da area contribuindo para capacitação, treinamento e aperfeiçoamento de todos, apoiando a disseminacao sobre as formas diferenciadas de garantir a sustentabilidade do Terceiro Setor no Brasil.

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Quem é o captador de recur-sos em uma Organização da Sociedade Civil, OSC? Quais sao suas aptidoes e habili-dades? Deve ser formado em qual curso? Qual a diferença entre mobilizar e captar recur-sos? Muitas perguntas que não têm uma unica resposta.

iniciamos explicando porque consideramos esta atividade não passível de terceirização, como a do contador, em que a atuação acontece fora da OSC.

Entendo que a captação é fruto de relacionamento de médio e longo prazo, com as diversas fontes de recursos, e nao uma atuacao pontual. Sendo assim, nada mais justo que seja um profissional ligado à organizacao e à missao. Ele

deve ter paixão pela causa, brilho nos olhos, além dos conhecimentos técnicos. Os frutos demoram a chegar e um terceiro, às vezes, não quer esperar o tempo necessario e executar as atividades de fidelização.

Quando iniciamos um novo negocio (do segundo setor) pensamos em no mínimo três departamentos: o produtivo (que pode ser uma fábrica, um estoque ou serviços que iremos prestar), o administrativo-financeiro e, por fim, o Comercial/Marketing. Quando comecamos uma iniciativa social, pensamos só na causa e em um micro departamento administrativo. E o comercial? E terceirizável em uma empresa? Por que seria em uma ONG? Os empreendedores sociais acreditam que os recursos virao do céu ou de um grande benfeitor, porém mesmo quando isto acontece, não é bom para a OSC. Para ela ser legítima e ter menos riscos devera buscar recursos em diversas fontes a partir de diversas estratégias. Mais à frente iremos detalhar este departamento. Agora, gostaria de discutir quem é este captador e sua importância.

Então, quem é o capta-dor? Qual a sua formação? O profissional que escreve um projeto pode ser considerado um captador? Quem faz pes-quisas: em editais, SiCONv,

empresas, pode? Quem aprova leis de incentivo é captador ou somente àquele que visita à empresa? Quem marca a visita ou faz follow up da visita esta fazendo uma atividade de cap-tação também?

Acredito que sim para todas as perguntas acima. Todos sao captadores ou mobilizadores de recursos e fundamentais para o sucesso da causa e da OSC. E mais: quem elabora a comu-nicação, o site, quem cria ou vende um produto ou servico que a OSC tem como meio para suas finalidades é tão captador quanto quem busca pessoal-mente uma doacao de R$ 30 ou de R$ 1 milhao. Mais uma razao para ele nao ser comissionado e trabalhar por um salario como todos os outros profissionais da organizacao.

Podera ser formado em diversos cursos e quanto maior a sua experiência, melhor será seu desempenho e salario.

voltando ao início do texto, uma pessoa sozinha consegue pesquisar, elaborar materiais de comunicação, ser bom em diversas estratégias, captar com pessoas físicas na rua ou em grandes doadores pessoas jurídicas e físicas, escrever projetos etc.? Dificilmente uma pessoa so dara conta de tantas habilidades e conhecimento e assim sugerimos a criacao de um departamento específico

O C A P TA D O R D E R E C U R S O S , U M A P R O F I S S Ã O E S S E N C I A l MiCHEL FRELLER Professor na pós-graduação do SENAC, da UNiCiM de Maringá e na Diálogo Social. Conselheiro Fiscal da ABCR. Diretor de expansão da ABRAPS (Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade) e fundador da Criando Consultoria ltda.

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O custo e o tamanho deste departamento irá variar de acordo com o número de estratégias simultâneas a organização tem

capacidade de iniciar, investindo tempo e demais recursos, inclusive financeiros.”

nas organizacoes.

A área de Desenvolvimento Institucional – DI

Para o desenvolvimento das atividades de mobilizacao de recursos, as OSCs têm criado uma área de Desenvolvimento Institucional - DI. Ja descrita no livro de Cruz e Estraviz (2000) e observada em diver-sas organizações pelo mundo, esta area devera ser orga-nizada de acordo com as características da organizacao e da prioridade definida para a mobilizacao de recursos.

O Di terá a responsabili-dade de gerenciar as atividades relacionadas à análise, plane-jamento, execução, controle e à avaliacao da mobilizacao de recursos e manutencao da sustentabilidade organizacio-nal. Os profissionais da área deverao ter capacidade estra-tégica, analítica e de compreen-são, com iniciativa, agilidade, organizacao e serem focados em objetivos, metas, resulta-dos e atendimento aos prazos

estabelecidos. É indispensavel que tenham uma boa forma-ção, experiência com OSCs e envolvimento com os conceitos de sustentabilidade e respon-sabilidade social.

Principais atividades da area:

• participar da implemen-tacao do Plano Estratégico para a Mobilizacao Recursos (PEMR);

• criar e conservar o banco de relacionamentos;

• prospectar fontes de recursos e manter a comunica-ção de fidelização;

• coordenar campanhas para mobilizacao de recursos;

• elaborar projetos e orcamentos;

• criar relatórios de presta-cao de contas;

• c r i a r t e x t o s d e agradecimento e planos de contrapartida para doadores, patrocinadores, apoiadores e parceiros;

• avaliar a atividade de mobilizacao de recursos;

• participar em reuniões

de solicitacao de recursos;• coordenar terceiros

envolvidos nas campanhas de mobilizacao de recursos (publ ic idade, assessor ia de imprensa, agências de marketing e comunicação, etc.);

• coordenar eventos especiais para mobilizacao de recursos;

• documentar e sistemati-zar os resultados das atividades e preparar relatorios;

• participar das reuniões de Diretoria da Organização.

Independentemente das estratégias adotadas, reco-menda-se a criacao de um banco de dados e relacio-namento específico para as atividades de captacao de recursos. O objetivo deste banco é auxiliar na identifica-cao e no contato com potenci-ais fontes de recursos, assim como no acompanhamento das interacoes realizadas.

Além disso, o banco de dados ira subsidiar a avaliacao dos resultados alcancados ou das tendências observadas, a correcao de estratégias etc.

Para a implementacao das estratégias, o Di fará reuniões periodicas com todos os envolvi-dos, provavelmente semanais, no início, avaliando controles das tarefas e definindo a priori-dade, o responsável e o prazo acordado.

O custo e o tamanho deste departamento ira variar de acordo com o numero de estra-tégias simultâneas a organiza-ção tem capacidade de iniciar, investindo tempo e demais recursos, inclusive financeiros. Poderá iniciar com um profis-sional por meio período e ir crescendo na medida das pos-sibilidades. Porém, sem este profissional de captação, dificil-mente crescera com alicerces saudáveis, o que torna essen-cial a sua contratacao.

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Pense sobre algumas das principais mudancas que ocorreram em tão pouco tempo no Brasil. Crescimento consideravel da economia e do PIB. Crescimento nos níveis de educacao e na expectativa de vida, em paralelo à redução nas taxas de mortalidade infantil.

O que isso tudo tem a ver com as organizacoes da sociedade civil (ONGs)? Bem, você pode-se orgulhar dessas mudanças porque você e suas organizacoes sao sem duvida responsaveis por parte delas. Suas organizacoes tem estado na linha de frente em muitos desses assuntos. O seu trabalho teve um impacto imenso.

Mas, ainda mais impor-tante, eles são sinais de um país robusto e que cresce. Um povo que tem melhor saúde, mais dinheiro, grandes níveis educacionais – sera mais ativo. Mais poderoso. Quer se engajar mais. E quer criar ainda mais impacto!

O engajamento em orga-nizacoes da sociedade civil é um pilar critico da nossa socie-dade livre. Nossa doação, nosso voluntariado – nosso engaja-mento – não apenas ajuda as pessoas. Ajuda nossos países e nosso mundo. Nos mantém livres e independentes. Define quem somos. Fortalece as ideias de justiça, ética e democracia. E essas nao sao simplesmente

palavras para florear – o enga-jamento nas organizações e no terceiro setor é real, meios con-cretos nos quais apoiamos uma sociedade livre e engajada.

Tudo isso acontece quando reunimos as pessoas. O terceiro setor faz as pessoas pensa-rem sobre o seu mundo, o seu lugar nele e o que elas querem mudar. Fortalece nossas liga-coes e conexoes sociais. Pelo nosso trabalho, as pessoas aprendem sobre os temas mais importantes.

Estou orgulhoso de trabalhar para a profissão da captação de recursos e representar tantas pessoas maravilhosas que estao levantando dinheiro para causas fantasticas pelo mundo. Mas estou ainda mais orgulho do impacto que ajudamos a criar. Ele é muito maior que simplesmente o dinheiro que levantamos, ou mesmo os programas e serviços que entregamos.

Mais e mais, organizações estao liderando a sociedade. Desenvolvendo novas ideias e maneiras de se pensar sobre as coisas. Criando mudanca para além de realizarem projetos.

Pense sobre todas as prin-cipais iniciativas e campanhas realizadas pelo mundo nos ultimos 50 anos. Na maioria delas, quem as liderou? ONGs. Quem foi responsável pelo sucesso na defesa de

mudancas de políticas publicas em cada tema possível? ONGs trabalham com praticamente todos os temas agora, inclu-indo a prevencao da violên-cia, padrões de vida, a econo-mia, a produtividade governa-mental, reforma da educação e cada tipo de avanco na ciência e tecnologia. Nenhum desses temas sao classicos foco das organizações, e ainda assim eles têm uma grande influên-cia em um grande numero de coisas que afetam nossa vida cotidiana.

Mais e mais, pessoas estao vendo o mundo pelo prisma do engajamento. Doacao. Filantropia. Como elas encontram as pessoas, se pelo voluntariado ou comunidades online. Como elas gastam o seu tempo. Como determinam o que é importante para elas. Organizações têm um papel de lideranca cada vez maior nisso.

Aqui uma outra forma de entender o nosso papel. Considere o que leva alguém a ser solidário. Requer um país onde a criação de riqueza é encorajada e disseminada. Requer um governo que permite a criação de ONGs e cidadãos que têm liberdade para fazer o que quiser com o seu dinheiro.

Essencialmente, a filan-tropia e o engajamento são expressoes basicas da liber-dade e dos direitos humanos. E, para muitas regiões, é um

A C A P TA Ç Ã O D E R E C U R S O S I M P A C TA N D O O M U N D O ANDREW WATT

Professor da Universidade St. Marys de Minnesota e Presidente e Diretor Executivo (CEO) da Association of Fundraising Professionals.

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Criar um ambiente legal que apoie a capta-ção de recursos e o terceiro setor não é ape-nas a responsabilidade das organizações da sociedade civil.”

indicador do crescimento das liberdades e dos direitos humanos – econômicos, políti-cos e outros. Mapeie o cresci-mento da renda individual na ásia, Oriente Médio, América Latina e mesmo aqui, no Brasil, e pela América do Sul. Pessoas estao ganhando mais dinheiro, o que leva a maior poder politico, econômico e social. E não é nenhuma surpresa que um terceiro setor organizado esteja crescendo nessas áreas também. O link entre liberdade, riqueza, independência e enga-jamento não pode ser negado.

Esse é o impacto que nós – como setor da sociedade civil – ajudamos a criar. Não é somente pela doação, volun-tariado e apoio a causas. Nos damos sustentacao a socie-dades livres, e o mundo.

Esse é o impacto extra- ordinario – e o tipo de impacto que os doadores querem. Eles querem ser desafiados. Eles querem ouvir sobre grandes planos e grandes sonhos que mudam o mundo. É esse o pri-meiro motivo pelo qual eles doam. Eles QUEREM estar proximos às comunidades e criar impacto.

Comunidade e impacto sao duas ideias principais que as pessoas estao olhando em sua vida cotidiana: a oportunidade de se aproximar de seus vizinhos e ser parte de algo maior que a si próprio. Eles querem conectar e se engajar com outros, e eles podem fazer isso em uma comunidade, onde trabalhamos juntos para crescer e avancar mais fortes.

E apesar de termos a tendência de pensar no enga-jamento em ONGs como algo típico e ordinário, às vezes o engajamento é dramático.

Por exemplo, em tempos de revolta social, pessoas recor-rem às ONGs e organizações

comunitarias. Peguemos as revoltas recentes no Oriente Médio, que se iniciaram em dezembro de 2010. Esses movimentos nao teriam ocor-rido sem ONGs fazendo crescer a consciência e edu-cando o publico mundial sobre o que estava acontecendo lá, e servindo como um ponto de partida.

Depois de períodos de grande agitação social, ou quando governos estão sendo formados, as pessoas buscam uma forma de se conectar. O iraque é ainda foco de insta-bilidade social mais de uma década após a queda de Saddam Hussein. Ainda assim, milhares e milhares de orga-nizacoes e servicos civis estao emergindo. Por toda a fragmen-tação que o país tem até hoje, o trabalho de trazer as pessoas mais proximas – usando os padrões e práticas que as orga-nizacoes usam pelo mundo – esta comecando.

Aqui no Brasil, um grande exemplo sao as políticas publi-cas. Acredito que essa seja uma das coisas mais impor-tantes que as organizações precisam fazer: encorajar as pessoas a se envolverem mais com o governo. Conversar com os legisladores e regu-ladores sobre as mudancas necessarias. Educa-los sobre o que as nossas organiza-coes fazem. Educa-los sobre leis que encorajem doação e voluntariado.

Criar um ambiente legal que apoie a captacao de recursos e o terceiro setor nao é apenas a responsabilidade das orga-nizacoes da sociedade civil. Os indivíduos que nos apoiam

podem ajudar também, colo-cando pressão para que o governo faca as mudancas necessarias. Políticas publicas e regulacao podem ser manei-ras importante de fazermos as pessoas se engajarem e fazer a mudanca real.

Mas os cidadaos nao se engajam dessa maneira a menos que se sintam empoderados. E é por isso que todas as mudancas na América Latina nas últimas décadas são tão importantes. Porque estão empoderando os cidadaos – pessoas ordinarias – a se levantar, a serem ouvidas e se envolverem.

E nossas organizacoes sao uma parte fundamental nesse empoderamento. Nos somos parte do incrível tecido social do país. Nos somos um lugar para se aprender. Para se inspi-rar. Para se sentir parte de uma comunidade. Para entender o nosso papel no mundo.

Nossas mudancas chegam ao coracao do nosso mundo. Nosso impacto reside no sentido do que significa ser um cidadão. De engajar com nossos vizinhos. De ser parte de uma sociedade livre. E de querer fazer o nosso mundo um lugar melhor.

Nós, captadores, somos a profissão que cria a mudança. Pelo simples ato de ajudar um único indivíduo, uma campanha de massa que mobiliza o país e o mundo, não devemos nunca esquecer o impacto incrível que temos quando reunimos as pessoas.

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A circulação de um presente ou de uma doação ali-menta aquelas partes de nosso espírito que não são inteiramente pessoais, mas oriundas da natureza, do grupo, da raça e até dos deuses. Aliás, mesmo que esses espíritos façam parte de nós, eles não são “nos-

sos”; são dádivas que nos foram conferidas. Ao doar o acréscimo que proveram, nós as alimentamos – e assim aceitamos que receber tais dádivas traz consigo uma obrigação de preservar sua vitalidade. Lewis Hyde, em The Gift: Creativity and the Artist in the Modern World

O captador de recursos é um privilegiado: a ele cabe a funcao de alimentar a circula-cao de doacoes na sociedade. E isso é essencial para nossa vida em sociedade, nossa vida em comunidade. Para falar disso, farei um paralelo com algumas ideias contidas no livro de Lewis Hyde.

O autor é um poeta e intelectual americano que se interessa pelo que chama da vida publica da imaginacao humana. No livro que contém a citação acima, ele propõe um paralelo entre a atividade artística, criativa, e a palavra gift, que em inglês pode significar talento, doação ou um presente que se pode dar a alguém. Ha sentidos semelhantes em português: um artista talentoso é descrito como possuidor de um dom; doar e dar podem ser sinônimos, muitas vezes.

A principal oposicao à ideia de doar é a de comércio. Enquanto uma doação ou um presente cria lacos e um sentido de comunhao entre os envolvi-dos, a venda ou compra de um

produto ou servico nao pres-supoe essa mesma relacao. O comércio tende a ser muito mais impessoal, baseado na ideia de estar quites. Quando se compra algo por um preco considerado justo, a relação termina ali: nao resta nenhuma obrigacao ou expectativa de nenhuma parte.

Doar algo ou presentear alguém, ao contrário, pressupõe que se queira fortalecer a relação, para que ela não termine, mas sim continue e cresca. Uma das formas pelas quais isso acontece é chamada de reciprocidade: quando alguém a quem presenteamos nos da outro presente de volta – não por que a gente cobra, mas sim por que o outro se voluntaria para retr ibuir. Obrigado pelo jantar, o próximo é na minha casa.

Mas esse elo de doacao – apenas entre duas pessoas ou pequenos grupos de pessoas – é o mais simples. Os laços com maior potencial de crescimento acontecem quando o círculo de doacao é aberto e envolve

terceiros, quartos, quintos...

Essa afirmação não soará como surpresa para quem já se envolveu em iniciativas sociais que formam multiplicadores, que devem repassar o que aprenderam adiante. O melhor exemplo de que me lembro veio de uma grande fundacao paulista, em que os educado-res da organizacao formavam jovens para serem leitores para crianças pequenas. Um dos melhores resultados alcanca-dos foi o de que esses jovens – que já eram em si público-alvo do programa – tomaram a inicia-tiva de também contribuir finan-ceiramente para a manutencao da iniciativa. As doacoes geral-mente eram pequenas – muitas vezes nao chegavam a 10 reais – mas eram grandes o bastante para unir mais um elo solidario ao programa.

Pensar na doacao como um presente também reforca a importância da gratidão, em dois sentidos principais. Poder doar algo significa não só que somos capazes de reconhecer a ajuda que outros nos deram (nossa família, nossa escola ou faculdade, nossa comunidade, nossos amigos, desconheci-dos que foram gentis sem razão aparente). Significa também que já somos capazes de ajudar a outros, e fazer essa doação reforça essa confiança interna. Pode ser uma doacao de R$ 1 ou R$ 10 milhoes: o impulso e a importância emocional

A D O A Ç Ã O C O M O U M P R E S E N T E , A D O A Ç Ã O C O M O U M D O M FERNANDO NOGUEiRA Bacharel em Administracao e Mestre e Doutor em Administracao Publica e Governo pela FVG-EAESP, onde é professor. Leciona também na ESPM-SP.

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são equivalentes.

E curioso lembrar que Lewis Hyde também faz uma associacao entre gift e talento, paralelo que da mesma forma cabe à doacao. Podemos falar nela como um dom que temos, se levamos em conta que diversas pesquisas recentes mostram como o ser humano nasce com a capacidade de altruísmo e de se importar com os outros – mesmo que não sejam parte de nossa família ou comunidade imediata. Como todo talento, não basta o impulso da natureza: é preciso exercitar e encorajar esse dom; ele precisa ser desenvolvido e praticado no mundo real. Aí esta mais um privilégio do captador de recursos: é alguém que facilita o desenvolvimento de mais um talento humano.

Tudo isso que falei até agora não quer dizer que não há um lado escuro e problematico do impulso doador. A conexão que se estabelece pode ser exces-siva, opressiva, até mesmo aprisionar nossa identidade. imagine um adolescente que quer crescer e se tornar mais

adulto: pode ser importante parar de aceitar presentes de seus pais. Da mesma forma, pode chegar um momento em que uma comunidade prefira rejeitar alguns tipos de doações para reforcar a autonomia de suas decisoes e prioridades.

Acima de tudo, dependendo de como é feita, a doação pode se tornar um demarcador de poder: doo porque espero receber gratidão, porque espero que outros fiquem em dívida com minha “bondade”. Pode se falar até em tirania da doação, que usa o poder de comunhao da generosidade para manipular ou humilhar as pessoas. Como exemplo, uma rima da época da escravidao é citada por Lewis em seu livro, aqui traduzida livremente:

“Os brancos lá de Washington são peritos em jogar

Uma esmola para os negros para vê-los se curvar”

Nao sao apenas privilé-gios, portanto, mas também desafios: que o captador aja para que o ato de doar não

seja de opressão, mas sim de comunhão!

Para te rminar, uma reflexão sobre as pressões do profissionalismo. Tudo muito bonito, dirá um leitor, mas tenho planejamento pra cumprir, metas a alcançar, orçamento pra bater. Ficar apenas esperando ou cultivando a generosidade alheia pode nao ser suficiente; em geral é necessario complementar essas relacoes com atividades comerciais, eventos, vendas de produtos e serviços que se afastam em algum grau do espírito de presente da doacao.

A ideia aqui não era condenar esse lado comercial, apenas defender a seguinte visão: é mais do que necessário, é vital que os envolvidos com a ONG – captadores, gestores, fundadores, voluntários – mantenham acesa pelo menos uma parte relevante de espírito de dadiva em seu dia a dia. E aí estão, simultaneamente, um desafio e um privilégio dos captadores: que sejam um elo fundamental para tornar o gift sempre presente.

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Toda a organização, grande ou pequena, tem um elemento comum: depende de doadores para desenvolver o seu trabalho. Asim, construir o relacionamento com eles é fundamental para garantir um programa de mobilizacao de recursos de sucesso.

O objetivo é desenvolver o relacionamento entre a orga-nização e os doadores, para que eles continuem contri-buindo por muitos e muitos anos, preferencialmente por toda a vida.

Nesse artigo, vamos abordar algumas questões sobre a relacao entre a organizacao e

os doadores pessoas físicas, mas especificamente, aqueles que contribuem mensalmente com pequenos valores. Mas como desenvolvemos um plano voltado a milhares de pessoas?

Um programa de relaciona-mento de excelência é baseado na mistura da arte e da ciência. Depende de uma boa estraté-gia, planejamento e comuni-cacao para ser bem sucedido. Apesar das técnicas serem praticamente as mesmas, todo o seu plano é único, ele trans-mite a alma, a personalidade da organização e fideliza o doador não só para uma causa, mas para a uma organizacao.

O programa de relaciona-mento é específico de cada organização, e precisa ser desenvolvido considerando fatores internos e externos e, só assim, ele garantirá os resul-tados de sucesso esperados.

Nossa experiência têm demonstrado que há 6 pontos importantes que precisam ser considerados para que seu

programa seja bem sucedido:• Tenha um plano de

Captaçao de Recursos – ele pode ser simples ou sofisticado, com muitas ou poucas comuni-cações, mas é necessário ter um plano com objetivos claros e cronograma bem definidos. Estabelecer um programa de comunicacao ou uma régua de relacionamento com os doa-dores facilita a gestao desse processo.

• Tenha uma Base de Dados – Ela é o coracao do seu programa de relacionamento. Você precisa ter o registro de tudo o que acontece com o doador, assim você sabe o que pedir e quando pedir. A falta de controle do que acontece com os doadores pode significar o fracasso do programa.

• C o n t a t o s e m p r e pessoal – Os doadores precisam se sentir parte da organização, assim, é necessario manter uma boa comunicacao e sempre personalizada. Afinal, lembre-se que você está desenvolvendo um relacionamento de longo prazo com pessoas. Sabemos

C O M O I N S P I R A R E C O N E C TA R D O A D O R E S PA R A D E S E N V O lV E R U M P R O G R A M A B E M S U C E D I D O D E R E l A C I O N A M E N T O FLAviA LANG Especialista em mobilização de recursos de pessoas físicas. Co-fundadora e gestora da Ader&Lang e socia na Chaxcha.

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que a ideia é ter milhares de pessoas doando pouco todos os meses, mas é importante que os doadores se sintam unicos.

• O doador é essencial para a sua organizaçao – Lembre-se sempre que sem o doador, não conseguimos atingir nossa missao. Eles nao só doam recursos, mas eles também apoiam a sua causa, acreditam no seu trabalho, dão legitimidade para a organizacao e se tornam pessoas engajadas, se transformando em embaixadores de sua causa ou organizacao. Quando os doadores sao tratados como parte integrante e importante da organização, eles se tornam leais e continuam contribuindo por muitos anos. Quem melhor do que um doador satisfeito para convencer um novo doador a contribuir para uma causa?

• A comunicaçao é o elo entre a causa e o doador – agradeca sempre o apoio de seus doadores. Um ‘muito obrigado’ se torna uma das mais importantes expressoes na vida de uma organizacao. Portanto, após a primeira con-tribuição, agradeça. Após uma falha no pagamento, agradeça a importância de ter o apoio dele e peca a atualizacao dos dados.

Um outro aspecto muito importante é a comunicacao sobre o trabalho no campo, benef ic iados diretos da organização, comentários de outros doadores. Ela precisa ser constante, porque fortalecera a causa e a marca de sua organizacao. Por ultimo não podemos esquecer das campanhas de aumento de doacoes anuais e as campanhas de doacoes adicionais para projetos específicos, que devem ser realizadas apos o primeiro ano de contribuicao.

Agora que já falamos da ciência, vamos para a arte. Nesse caso, o conteúdo

da comunicacao. Inspirar e conectar os doadores com a nossa causa é um trabalho continuo e eterno.

Independentemente da causa da sua organização, para o doador, ela é impor-tante ou ele nao estaria con-tribuindo. Mantenha em suas acoes de comunicacao sempre o propósito da organização que é emocional, ambicioso e ao mesmo tempo preciso. Mostre que existe um grande problema a ser solucionado e que a sua organizacao nao mede esfor-cos para isso.

Além da busca pela solução, há poder também nas histórias das pessoas, pois quando as contamos, conse-guimos conectar os doadores aos beneficiários, fazendo com que quem doa se identifique com a sua causa ou com a sua organizacao.

As organizações que trabalham com apadrinhamento fazem isso muito bem. Conectam um doador a uma crianca e constroem o relacionamento da organizacao a partir de sua história. Os doadores contribuem para uma causa e uma organizacao especifica através de um vínculo real, que mostra o proposito da organizacao de forma emocional, ambiciosa e precisa.

Sabemos que nem todas as organizacoes podem trabalhar com o apadrinhamento, mas todas podem desenvolver uma conexao entre os doadores e os beneficiários da mesma forma. Por exemplo, a campanha do Greenpeace para salvar o ártico: as imagens mostram ursos e lobos, mas a mensa-gem, ”essa é a nossa casa”, faz o vínculo com o doador.

Assisti recentemente a um vídeo de Christopher Davenport que demonstrou facilmente

esse ponto com um exemplo. Essa era a frase original: Com o seu apoio, nossas criança, seus pais e professore”s, estão per-cebendo o poder, potencial e as possibilidades da matematica.

veja como uma simple mudanca na comunicacao pode aumentar o impacto e a conexao de pessoas à sua causa:

Tommy sentia que tinha algo errado com ele. Ele se sentia estúpido quando pre-cisava resolver problemas de matemática. Mas ,agora, ele está confiante e espera ansioso as aulas de matemática e toda essa mudança só foi possível graças a sua ajuda.

O obejtivo geral é o mesmo, mas quando contamos a história de uma pessoa, con-seguimos engajar o doador. Também podemos conecta-lo à alguma situação que ele mesmo vivenciou no passado, tal como o Tommy. Contamos o que a organização está fazendo e mostramos como o apoio do doador foi fundamental para encontrar a solucao. Tudo isso de forma simples e pessoal.

Além de ter desenvolvido, conheco o programa de rela-cionamento de diversas orga-nizacoes e os mais bem sucedi-dos são aqueles que utilizam as técnicas, mas principalmente conseguem transmitir com arte sua alma, por meio da conexão dos doadores e beneficiários diretos. Muitos até se surpreen-dem com a simplicidade e os resultados fantasticos.

Quando você for planejar o seu programa de relaciona-mento, inspire-se em outros, utilize as técnicas, mas prin-cipalmente trabalhe a comuni-cação, buscando conectar os doadores e transmitir a alma da sua organizacao e você sera bem sucedido.

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A entrada do Face to Face (captacao nas ruas e de porta em porta) no Brasil, aos poucos, tem se mostrado um desafio extremamente recompensa-dor. E temos muito que agra-decer, aqui, ao Greenpeace, por iniciar essa atividade pelo mundo e por desbravar também a pratica em terras brasileiras.

De maneira geral, existem duas modalidades de Face to Face: o realizado por agências e o in-house. Este ultimo consiste em desenvolver um time de captadores, no

qual seus funcionários são responsáveis por recrutar, treinar, acompanhar e avaliar todo o processo de captacao nas ruas, de porta em porta, empresas e eventos.

Mas, imaginem realizar todas essas atividades com equipes com mais de 50 captadores de grande rotatividade? Todas as semanas precisaríamos recrutar, treinar, acompanhar e avaliar novas pessoas. Um trabalho gigantesco.

Esse cenar io mudou inicialmente na Europa, quando as agências de captacao Face to Face surgiram. Com isso, foi criado um enorme mercado, baseado em resultados, porcentagens de vendas, análises complexas de perfis de doadores e a busca dos melhores territorios para a captacao. A palavra ‘vendas’ pode e deve gerar algumas reacoes.

No momento em que contratamos uma agência para nos representar nas ruas, já determinamos a quantidade de doadores que precisamos durante esse período. Em

minha opinião, os captadores devem encarar o engajamento e contribuicao dessas pessoas como vendas, que geram receita para as organizacoes e sua missão, além de desenvolvimento profissional para o captador.

Nesse sentido, o Brasil ainda precisa desenvolver – e muito – a sua cultura de doacao. Uma pesquisa realizada em 20101 apontou que somente 17 milhoes de pessoas realizaram algum tipo de doação naquele ano, ou seja, menos de 10% da populacao brasileira. Mas como mudar essa realidade? Como mostrar a milhares de pessoas, de uma forma mais personalizada, que doar é importante? Que a minha causa é importante?

Como todo captador, fiz essas mesmas questões para todos os especialistas que conheci e 90% deles me deram a mesma resposta: invista em uma abordagem nas ruas.

O Face to Face com agên-cias começou no Brasil, em

1 Perfil dos Doadores Brasil – ChildFund - 2010

O F A C E T O F A C E N O B R A S I l .A V I S Ã O D E U M A C A P TA D O R A A O S E D E P A R A R C O M U M N O V O C A N A l KáTiA GAMA Gerente de Captação de Recursos Pessoa Física da Aldeias infantis SOS. Conta com mais de 15 anos de experiência na área. Já trabalhou na Save the Children, GiFE, Cidade Escola Aprendiz e MTV.

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É fundamental criar uma boa linha de comunicação com todos os envolvidos sobre todos os aspectos da campanha. Se alguma

coisa der errado na rua, a organização precisa saber na hora; caso alguma diretriz da organização seja alterada, a agência deve ser comunicada no mesmo instante.”

2010, e tenho o orgulho de ter participado desse processo, por mais que isso tenha significado noites sem dormir, inseguran-cas e muitas horas de estudo. E ao iniciar o programa, tive a mesma reação que muitos brasileiros envolvidos: “Isso nao vai dar certo aqui, ninguém vai passar dados bancarios nas ruas ou parar para nos ouvir”.

Essa foi uma das poucas vezes em que fiquei feliz de estar errada. O brasileiro não só parou para ouvir, como também forneceu dados bancarios e comecou a se envolver com organizações, às quais nunca teria contato caso o Face to Face nao existisse.

As reacoes nas ruas ainda

são as mais variadas e, sim, temos algumas reclamacoes. Porém, menos de 1% do total de pessoas abordadas ligam para fazer críticas negativas, e, mesmo assim, são relativas a problemas faceis de serem con-tornados durante os treinamen-tos com os captadores.

Hoje, precisamos entender o que o nosso público quer ouvir, como quer ser alimen-tado de informacoes e como ele quer interagir com as nossas organizacoes.

Mas, vamos ao que interessa. Compensa investir em um programa de Face to Face? Qual o melhor formato? Agência ou In-House? Tudo depende da sua estratégia, metas e orcamento.

Ok, você tem um orçamento alto (aqui leia-se algumas

centenas de milhares de reais por ano) e precisa de um cresci-mento exponencial da sua base de doadores. Quem sabe, algo em torno de 30% ou 40% em um ano? Nesse caso, minha sugestão é que você comece pela agência e aos poucos inicie uma equipe para o Face to Face in-house.

Mas até mesmo para dar início a um trabalho com as agências, alguns pré-requisitos basicos devem ser seguidos. A sua organizacao precisa ter um sistema de CRM e cobranca compatíveis com as necessi-dades da empresa contratada, com a qual se deve manter uma troca constante de informacoes sobre os doadores.

É fundamental criar uma boa linha de comunicacao com todos os envolvidos sobre todos os aspectos da campanha. Se alguma coisa der errado na rua, a organizacao precisa saber na hora; caso alguma diretriz da organização seja alterada, a agência deve ser comunicada no mesmo instante. Afinal, não podemos nos esquecer de que eles sao os nossos “cartoes de visitas” nas ruas e como todos sabem, “as notícias correm”.

Sugiro também que você tenha pelo menos uma pessoa na sua equipe focada apenas para esse canal. Face to Face demanda tempo, concentração e acompanhamento constante.

Seu sistema de cobranca esta funcionando perfeita-mente? você já conseguiu firmar contrato com pelo menos 4 bancos para poder receber as

doacoes através de débito em conta corrente? As duas res-postas para as essas perguntas devem ser sim, caso contrário, nao comece o Face to Face.

Mas, e as Organizações que nao possuem um orcamento tão grande? Essas sim devem comecar por um programa In-House e, nesse caso, minha sugestão é que iniciem com uma equipe pequena e testem várias abordagens, perfis de equipe e territórios. Lembre-se de que os captadores devem ser dinâmicos, proativos, comu-nicativos e, por favor, deixem claro para eles que esse é um trabalho a ser feito exclusiva-mente nas ruas.

E também não se esqueçam de comemorar as vitórias, pois uma atividade como essa merece todo o reconheci-mento possível. Os captado-res sao pessoas dispostas a andar pelas ruas, (mesmo em dias quentes, frios, chuvosos) para divulgar as nossas orga-nizações, então acho que essa já é uma razão suficiente para reconhecer suas conquistas, não é mesmo?

Através dos anos de experiência, estimo livremente, que hoje o Brasil já pode se orgulhar de ter mais de 200 mil doadores captados pelo Face to Face. Fico feliz em dizer que essas milhares de pessoas pararam para ouvir nossas histórias, nossos sonhos e nossas necessidades.

Hoje, somos mais de 202 milhoes2 de brasileiros. Ou seja, ainda tem muita gente que precisa nos ouvir. Então, na próxima vez que um capta-dor te parar na rua e pergun-tar, “você têm um minutinho?”, pare, escute e quem sabe você também se encante por uma nova causa?

2 IBGE - 2014

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A A R T E D E C A P TA R R E C U R S O S C O M G R A N D E S D O A D O R E S CARLA NOBREGA Sócia-fundadora, primeira vice-presidente e atual Conselheira da ABCR. Trabalha desde 2007 na ONG internacional Habitat para a Humanidade, onde hoje exerce o cargo de Diretora de Mobilização de Recursos e Comunicacao.

Sempre que vou a conferên-cias sobre captacao de recursos no Brasil, e em outros países, me pergunto porque existem tao poucos espacos onde discu-tir a arrecadacao com grandes doadores individuais. Em com-paração com outros temas, o numero de palestras sobre esse assunto é limitado, e já me frus-trei em algumas nas quais parti-cipei onde nao consegui extrair a informacao necessaria para “chegar la”. Sobre isso formu-lei uma hipotese.

Quanto mais avanco no tema da captação de recursos, mais me convenço que estamos tratando de uma ciência que utiliza técnicas variadas de marketing direto, vendas e relacionamento com o cliente, a qual apresenta resultados diretamente proporcionais aos investimentos realizados em recursos humanos e financeiros. Por exemplo, em

um programa de pequenos doadores individuais, podemos aferir os resultados financeiros como consequência direta do investimento realizado, ou seja, se multiplicamos por cinco o investimento, é grande a probabilidade de arrecadarmos cerca de cinco vezes mais.

N o e n t a n t o , e s s a relacao direta nao se aplica necessariamente com os grandes doadores individuais. Para esse público, vários aspec-tos subjetivos de peso devem ser considerados, tais como a arquitetura das relações, a confiança, a causa pessoal do doador, os interesses congru-entes entre doador e organiza-ção, e o tempo. Esses aspec-tos subjetivos se sobrepõem à equação matemática de causa e efeito. Por isso, costumo dizer que captar com grandes doadores individuais, mais que uma ciência, é uma arte.

isso explicaria a dificuldade em repassarmos esse conhecimento nas oficinas de capacitacao em captacao de recursos. A teoria, as diferentes etapas do ciclo de relacionamento com o doador (identificação, contato, cultivo, solicitação e fidelização) e as melhores práticas, podem ser compartilhadas e ajudam muito,

Figura 1: Ciclo de Relacionamento com o Grande Doador Individual

Trabalho em uma orga-nizacao nao-governamental fundada nos Estados Unidos em 1976 e hoje presente em mais de 70 países. Na sede de Habitat para a Humanidade, nos EUA, contamos com cap-tadores de recursos especialis-tas em arrecadar com grandes doadores individuais, um cargo que chamamos de Leadership Giving Specialist. Alguns deles trabalham na organizacao ha mais de 10 anos. Os Estados Unidos possuem sistemas online que nos ajudam a iden-tificar os potenciais doadores por meio de informacoes de dados do Imposto de Renda

porém essas informacoes em si nao conseguem dar conta de um tema tao cheio de nuances e variaveis.

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e da atividade filantrópica de todos os contribuintes do país. Essa informação é pública, o que facilita muito a vida do cap-tador de recursos naquele país.

Criar a lista que identi-fica doadores potenciais nos Estados Unidos ou no Brasil é o primeiro passo para acessar às grandes fortunas. E é um dos passos mais faceis. Difícil é con-seguir a conexao com o poten-cial doador, que geralmente é uma pessoa fora das relacoes pessoais do captador de recur-sos. Mais difícil ainda é con-seguir completar o ciclo com-pleto de relacionamento com o doador de maneira exitosa.

O captador pouco consegue avancar sozinho nesse caminho. Ele necessita que a organizacao tenha tomado uma decisao estratégica em relacao à captacao com grandes doadores individuais, e que o seu Conselho esteja comprometido em apoiar esse trabalho, abrindo portas e participando pessoalmente na construcao de relacionamentos que venham a render frutos e recursos financeiros, materiais e porque não, intelectuais. Os grandes doadores dificilmente compram um projeto pronto e, na minha experiência pessoal, gostam, e muito, de contribuir com suas ideias ao projeto ao qual irão aportar seus recursos.

Uma vez comprometido, um grande doador se converte em um catalisador de novos recursos. O maior doador de Habitat para a Humanidade é o Sr. Ron Terwilliger, que em 2009 doou US$ 100 milhoes dolares de sua fortuna pessoal para a organizacao. Isso mesmo, US$ 100 millhões de dólares! O relacionamento com o Sr. Ron foi cultivado durante anos pela lideranca sênior de Habitat. Ele vivenciou experiên-cias de voluntariado, foi convi-dado a participar do Conselho internacional da Organização,

visitou projetos em todo o mundo e por fim aceitou reali-zar essa doação, que o tornou Chairman da Campanha Capital Global que a organização real-izou recentemente.

Parte dessa doacao propi-ciou a criacao de um fundo de apoio à captacao de recursos nos escritorios de Habitat em outros países, incentivando assim a sustentabilidade de varios programas nacionais. Porém, mais do que isso, hoje o Sr. Ron se dedica a visitar países e contar a sua experiên-cia pessoal a potenciais doadores locais, pois nada melhor do que a legitimidade de um grande doador para solicitar doacoes a seus pares.

É facil conseguir um doador como esse? Claro que não. Depende de uma combinação de fatores, como a rede de relacionamentos da organização, a capacidade financeira do potencial doador, o seu momento de vida, a abertura da organizacao para acolher os aportes do doador ao projeto, a entrega dos resultados e do impacto pactuados entre a organização e o doador, a comunicacao constante entre as partes, enfim, existe uma gama de variáveis que devem ser levadas em conta nessa difícil arte. No entanto, os resultados valem a pena.

As grandes doacoes individuais costumam ser emocionais, fruto de uma decisao pessoal ou familiar. A capacidade financeira desses doadores é tão alta que o valor da doação, muito significativo para a organização que o recebe, não irá impactar no seu orcamento familiar. Esses doadores nao sao afetados pelas crises econômicas, pois suas fortunas estao asseguradas. Eles se comprometem com o projeto e esperam pelos resul tados. Gostam de saber das notícias e quando

satisfeitos, vestem a camisa da organização, ajudando a abrir portas para novos doadores. Se conseguirmos conectar nossa missao com o seu coração, podem até mesmo nos considerar para uma doacao em seu testamento.

Paciência, perseverança e um trabalho consistente sao chave nesse processo. Nos Estados Unidos, por exemplo, Habitat passou nove anos culti-vando a relacao com um grande doador até ser incluída no seu testamento.

No Brasil, há ainda um vasto campo a ser desenvolvido nessa área, que inclui a promoção da filantropia, a criação de novas leis de incentivo fiscal para doações, o fortalecimento e a capacitacao dos Conselhos - tanto para a doação quanto para a captação de recursos, e a profissionalização das ONGs. No entanto, a boa notícia é que em 2014 a revista Forbes anunciou que o número de bilionarios brasileiros saltou de 6 para 65 em dez anos, e que segundo o Global Wealth Report, divulgado pelo banco Credit Suisse, a previsão de crescimento do numero de milionarios brasileiros é de 221 mil em 2013 para 407 mil em 2018, ou seja, quase o dobro.

Concluindo, temos pela frente um grande mercado a explorar. E nos captado-res temos também um grande desafio, no sentido de pro-movermos que o conceito do “Giving Back” (devolver à socie-dade as bêncaos pessoais rece-bidas), tão difundido na cultura norte-americana, seja incorpo-rado pelos grandes doadores individuais no Brasil. Maos à obra!

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Em nome da transformacao social e na defesa de bandeiras como direitos humanos, ecolo-gia, educação, cultura e saúde, o terceiro setor vem revolucio-nando o conceito de cidada-nia. E descobrindo o potencial do financiamento coletivo para a realização de seus projetos.

Nos últimos 20 anos, o mundo assistiu a um grau inédito de mobilizacao em busca de solucoes para antigos problemas que o Estado mostrava-se cronicamente incapaz de resolver. E temas de interesse coletivo e social, como cidadania, qualidade de vida e organizacao da sociedade civil nunca estiveram tao em voga. Foi a chamada revolucao do terceiro setor, que representa o

surgimento da iniciativa privada atuando diretamente em prol de interesses públicos, em ações encampadas diretamente pela sociedade civil.

O terceiro setor inclui as popu-lares Ongs, ou Organizações Não-Governamentais, mas também as fundacoes e entidades de assistência social, educação, saúde, esporte, meio ambiente e cultura, entre outras. Em países como itália, França e Alemanha, as instituições sem fins lucrativos atingem anualmente mais de 3% do PIB nacional. Nos Estados Unidos, o terceiro setor movimenta anu-almente 600 bilhões de dólares, empregando 12 milhoes de tra-balhadores remunerados, além de inumeros voluntarios.

No Brasil, segundo dados da FASFiL – Fundações e Associacoes Sem Fins Lucrativos, existem cerca de 291 mil organizacoes nao governamentais sem fins lucrativos. Sao cerca de 2 milhões de empregos diretos, e ainda cerca de 12 milhoes de voluntarios. Sao instituicoes com grande representatividade e legítimos representantes dos interesses da sociedade civil.

O crowdfunding, ou finan-ciamento coletivo, adequa-se

à captacao de recursos para iniciativas que possuam apoio e apelo popular. É na captacao para o terceiro setor e suas causas representativas que o financiamento coletivo encontra um de seus maiores potenciais de crescimento. Afinal, as Ongs atuam em causas de interesse público e social, coletivo; e o carater coletivo é a propria essência do modelo. O sistema funciona basicamente assim - de um lado, um idealizador ou entidade que possui uma idéia ou projeto, mas não os recur-sos financeiros para realiza-lo. Na outra ponta, indivíduos, geralmente pessoas físicas, que apóiam essa idéia ou projeto - e a utilizacao da internet para enfim juntar as duas partes.

O sistema recebeu aten-ções renovadas quando a inter-net popularizou-se e transacoes financeiras de longa distância tornaram-se viáveis. E artistas, campanhas políticas, iniciativas de software livre e iniciativas de ajuda humanitária e social são as que mais se beneficiam do financiamento coletivo. O crowdfunding já é bem mais explorado em outros países. Em 2013, o mercado mundial representou U$ 6 bilhões, sendo que no ano anterior, U$ 2.66 bilhoes - um crescimento de mais de 100% em um ano.

O T E R C E I R O S E T O R E O F I N A N C I A M E N T O C O l E T I V O N O B R A S I l CANDiCE PASCOAL Brasileira, radicada nos EUA e atualmente morando na Holanda, de onde já liderou importantes projetos de arrecadação de fundos para algumas das maiores ONGs do Brasil, Estados Unidos, Europa e ásia E fundadora da plataforma de crowdfunding Kickante.com

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Entre as vantagens proporcionadas por uma plataforma dedicada a crowdfunding está a arrecadação a baixo custo, principalmente

quando comparada às formas tradicionais de arrecadação; a redução do trabalho administrativo das entidades, que podem concentrar em seus objetivos finais; e o aumento na taxa de conversão entre contribuições ocasionais e contribuições periódicas, regulares.”

Entre as vantagens propor-cionadas por uma plataforma dedicada a crowdfunding esta a arrecadação a baixo custo, principalmente quando com-parada às formas tradicionais de arrecadacao; a reducao do trabalho administrativo das entidades, que podem concen-trar em seus objetivos finais; e o aumento na taxa de con-versao entre contribuicoes ocasionais e contribuicoes periódicas, regulares. Além da transparência e ausência de riscos, representada por um sistema robusto de arrecada-ção digital, 100% seguro. Transparência e segurança que certamente refletem em maior numero de contribuicoes por parte de potenciais doadores. E o potencial de crescimento do modelo crowdfunding no Brasil é enorme - embora nao haja uma pesquisa sobre par-ticipação no mercado, existe o consenso de que sua utilização ainda é muito pequena, princi-palmente se considerarmos a grande adesao da popula-cao brasileira às redes sociais. Afinal, o Brasil está no top 3 do Facebook, top 2 do instagram e top 10 do Twitter.

C a m p a n h a s : A s s i m como artistas, esportistas e idealistas em geral, o terceiro setor no Brasil também esta percebendo o financiamento coletivo como uma forma efetiva de levantar fundos para a viabilização de projetos. Na plataforma Kickante, www.kickante.com.br, em oito meses de atuação, já realizamos com grande sucesso a captacao

de recursos para inumeras campanhas no país.

Para o Médicos Sem Fronteiras, ONG de auxilio médico e humanitário, que atua em mais de 70 países e recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1999, realizamos a capta-ção para o projeto Calendário Médicos Sem Fronteiras - 2014. Oferecendo em contrapartida calendários da organização, a iniciativa arrecadou mais de 41 mil reais, quatro vezes a meta inicial. Encerrada em dezembro, foi tão bem suce-dida que teve uma segunda etapa em janeiro, arrecadando mais 12 mil reais, num total de 54.370,00, em 1072 contri-buicoes. E uma segunda cam-panha para o Médicos Sem Fronteira, a #torcidaMSF, ofe-receu, em contrapartida, uma capa de celular exclusiva da entidade, a empreitada já arrecadou mais de 143 mil reais em apenas 60 dias, com mais de 2697 contribuicoes.

Já ao Greenpeace, mundi-almente conhecido pela defesa do meio ambiente, também realizamos uma campanha com contrapartida em calen-dários 2014, que com cerca de 800 doações, arrecadou R$28.865,00. E uma nova ini-ciativa para o Greenpeace, agora pela recuperacao de um dos navios da instituição, o Artic Sunrise, já arrecadou mais de 20 mil reais em apenas dez dias. O objetivo é chegar-mos aos cem mil reais. E ainda realizamos com sucesso cam-panhas para entidades como

WWF, World vision, Aldeias infantis e Ampara Animal, entre outras.

Mas nao apenas na alavancagem de recursos para Ongs com atuação e reconhecimento nacional e in ternac ional que o crowdfunding mostra-se eficaz. Entre as campanhas de terceiro setor que a Kickante desenvolveu neste primeiro ano, várias mereceriam ser citadas - tanto por relevância quanto por resultados. O projeto Renovatio, por exemplo - um projeto destinado a levar óculos de qualidade a baixo custo para populações de baixa renda, empregando na fabricacao dos óculos mão-de-obra qualificada (por cursos profissionalizantes), e selecionada entre pessoas em situacao de vulnerabilidade social, como pessoas abrigadas em instituições. Um projeto que proporciona óculos a quem precisa, mas não pode pagar, e oportunidade de trabalho a pessoas em situacao de risco. O valor arrecadado será utilizado na importacao de equipamentos, capacitação técnica profissional e na fabricacao e doacao dos oculos. A iniciativa esta em andamento e já arrecadou até o momento mais de 41 mil reais. Ou ainda os resultados de campanhas de alcance local, mas igualmente impor tantes para suas comunidades de origem quanto por seus resultados. Como a do Movimento Comunitario Estrela Nova, da região de Campo Limpo, em São Paulo. Com o mote Lembra como a infância era boa? tem o prosaico objetivo de reformar a quadra poliesportiva da comunidade. Obteve cerca de 22 mil reais, ou 55% de sua meta. Mas como é uma campanha de meta flexível, a quantia arrecadada sera utilizada para realizar as reformas mais urgentes na quadra poliesportiva. E vale citar ainda projetos como o Quilombo Solar, para

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implantacao de um sistema de energia solar na comunidade do Quilombo do Grotão, na Serra da Tiririca, em Niterói. Ou o Casa Nutrir, dedicado a combater a desnutricao infantil em Nampula, Moçambique. São entidades que ainda nao alcancaram o período de maturação de dois anos, exigido pela legislação brasileira, mas que podem perfeitamente arrecadar por crowdfunding. Portanto, são projetos que já conseguiram viabilizar o início de suas atividades gracas ao que arrecadaram por este modelo.

Diferenciais: No caso do terceiro setor, o sistema de campanha de crowdfunding flexível é extremamente impor-tante, pois mesmo que a ONG não atinja sua meta, o valor arrecadado é valido e nao é devolvido a quem contribuiu,

como acontece com as cam-panhas Tudo ou Nada. É muito importante entender que esta opcao é exclusiva da plata-forma Kickante no Brasil, que também integra o pagamento recorrente ao crowdfunding, para maximizar o potencial de doacao do contribuidor e con-tribue para o financiamento das operações da ONG.

Em um cenario como o atual, em que conceitos como cidadania e responsabilidade social sao cada vez mais presentes na vida das pessoas, e a internet facilitou o contato e a comunicacao entre indivíduos que compartilham ideias e ideais, a sociedade civil enfim vai encontrando formas cada vez mais claras de organizacao e atuacao. E o modelo de financiamento coletivo é algo que potencializa a capacidade do cidadao intervir na sua

realidade direta, de acordo com sua consciência e seu senso de prioridades. Na plataforma da Kickante, em apenas oito meses, mais de um milhão de reais foram arrecadados, em sua grande parte para o terceiro setor. Esses numeros sao indicativos do sucesso que campanhas de interesse publico conseguem atingir.

Pelo crowdfunding, insti-tuicoes ou mesmo indi-víduos com projetos nos quais acreditem podem lancar suas campanhas e comecar a arreca-dar fundos imediatamente.

Nosso objetivo na Kickante é exatamente este, oferecer o que sabemos fazer muito bem a baixo custo, e permitir aos pro-fissionais do terceiro setor mais tempo para focar no que fazem de melhor: mudar o mundo.

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Fundos pa t r imon ia i s (endowments) sao estruturas criadas para as mais diversas causas de interesse coletivo, pois permitem a organizacoes sem fins lucrativos edificar uma base financeira sólida, capaz de sustentar ou complementar suas atividades com recursos gerados a partir de uma gestao responsável desse patrimônio. Ao estruturar fundos desta natureza, as organizações se tornam menos dependentes de novas doações e patrocínios, alcancam maior estabilidade financeira e asseguram sua via-bilidade operacional, permitindo que se organizem e cresçam de

forma sustentavel.

Em países desenvolvi-dos, os endowments existem há muitos séculos, como o da University College de Oxford, estabelecido no ano de 1249. Dentre fundos patrimoniais conhecidos , com mais de 100 anos e impacto relevante na sociedade, encontramos o endowment da Rockefeller Foundation (US$ 3,5 bilhões em 2011) e o Carnegie Endowment for International Peace (US$ 300 milhoes em 2012).

Um fundo que chama muita atencao por seu fundador e tamanho é o endowment da Bill & Melinda Gates Foundation, com US$ 35 b i lhões, considerado o maior do mundo. Bill Gates tem se destacado na discussao sobre a disposicao da riqueza acumulada para o benefício da sociedade, com a desafiadora iniciativa do Giving Pledge, em que, junto com Warren Buffet, convoca outros bilionarios e milionarios a doarem metade de sua fortuna para causas que beneficiem

a humanidade.

Na área de educação, os fundos patrimoniais sao mais conhecidos por seu tamanho e gestão diferenciada, como é o caso dos fundos das universidades de Harvard1 e Yale2 (US$ 32,7 e 20,8 bilhões em 2013, respectivamente). No caso das instituições de ensino, a existência dessa estrutura permite que a instituição invista em pesquisa, construa melhores instalações e busque excelência nas suas atividades. Aquelas que se utilizaram dessa estrutura ocupam atualmente posições de destaque nas suas areas de atuacao. Dentre as 10 melhores instituicoes de ensino do mundo, seis são dos Estados Unidos e quatro da inglaterra e todas possuem endowments3.

No Brasil, as organizações sem fins lucrativos enfren-tam obstáculos que dificul-tam a estruturacao de fundos 1 http://www.hmc.harvard.edu/investment-management/performance-history.html2 http://investments.yale.edu/3 http://www.topuniversities.com

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patrimoniais. A captacao de recursos para fundos patri-moniais se mostra como uma das mais difíceis, pois nela se encontra representada o mais alto grau de confianca entre um doador e uma organizacao. Um indivíduo que doa recursos para um fundo patrimonial doa num sentido de perpetuidade recíproca – para garantir a per-petuidade da organizacao e para permitir que ele próprio se perpetue através dessa doacao4. Além disso, a estabe-lecimento do fundo enquadra-se em um ambiente legal nao favorável que traz insegurança ao investidor social privado. Uma legislação específica para fundos patrimoniais amplifi-cara o desenvolvimento deste mecanismo de fortalecimento do setor, que levará a novas estratégias de mobilizacao de recursos capazes de influenciar significativamente a cultura de doação no Brasil e, em espe-cial, a filantropia familiar e de indivíduos.

Em 2012, o iDiS - instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social - e a vérios investimentos, atual denominacao da Endowments do Brasil, com apoio do GiFE - Grupo de Institutos Fundacoes e Empresas - e do Banco JP Morgan, criaram o Grupo de Estudos sobre Fundos Patrimoniais, que elaborou uma proposta de projeto de lei para regulamentar a criacao de fundos patrimoniais no Brasil. O Grupo de Estudos contou com a participacao de mais de quarenta membros e noventa ouvintes, ao longo de quatorze meses, entre dezembro de 2012 e janeiro de 2014. A pro-posta produzida por esse grupo foi encaminhada pelos coorde-nadores à Secretaria Geral da Presidência da Republica e à Câmara dos Deputados, onde foi recebida como a solucao mais adequada e mais desen-volvida para o eixo estruturante 4 Fundos Patrimoniais: criacao e gestão no Brasil, iDiS, 2012.

da sustentabilidade das orga-nizacoes do Terceiro Setor.

Para demonstrar a importân-cia do projeto e o compromisso dos investidores sociais com o tema, o iDiS convocou um grupo de doadores, investidores sociais e colaboradores do Grupo de Estudos, todos direta-mente interessados na aprova-ção do projeto de lei, devido à sua relevância para a pro-moção da atuação filantrópica no país, para reunião com o Ministro Gilberto Carvalho para apresentar a proposta. A Secretaria Geral publicou em fevereiro deste ano (2014) uma matéria na pagina da inter-net da Secretaria que trata do projeto de lei e do compromisso do governo com a tematica5.

Como resultado desse trabalho, após análise e redefinição de alguns aspec-tos por parte da equipe do deputado Paulo Teixeira e do governo (equipe do Ministro Gilberto Carvalho) envolvidos na iniciativa, em julho deste ano foi protocolado na Comissao de Financas e Tributacao (CFT) da Câmara dos Deputados o projeto de lei em questão. O documento foi protocolado como Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4643/12, que trata da criacao de fundos patrimoni-ais apenas para universidades federais, ou seja, não benefici-aria as organizacoes da socie-dade civil que tanto neces-sitam desse mecanismo de sustentabilidade.

O Substitutivo, que institui

5 http://www.secretariageral.gov.br/noticias/2014/02/27-02-2014-socie-dade-civil-apresenta-a-secretaria-geral-da-presidencia-da-republica-projeto-de-lei-sobre-fundos-patrimoniais-vinculados

o fundo patrimonial vinculado como um novo tipo socie-tario e cria incentivo fiscal correspondente, recebeu con-tribuicoes da Secretaria Geral da Presidência da República, e passou também a: a) instituir incentivo fiscal para pessoas físicas que doem a organiza-coes da sociedade civil em geral, desde que as donatárias estejam inscritas no Cadastro Nacional de Entidades Sociais do Ministério da Justiça, e b) revogar a Declaracao de Utilidade Publica; duas deman-das antigas do Terceiro Setor.

O projeto será objeto de votacao da CFT e depois segue para a Comissao de Constituicao e Justica antes de ir ao Senado. O iDiS e a vérios continuarão acompanhando e trabalhando para que os fundos patrimoniais vinculados se tornem uma reali-dade bem-sucedida e difundida no Brasil, alavancando a capa-cidade de mobilizacao e estru-turacao das organizacoes da sociedade civil em nosso país.

Para se tornar uma reali-dade amplamente difundida, os endowments precisarao prin-cipalmente de estímulos do poder publico e de um esforco conjunto de atores da socie-dade civil. Serao necessarias acoes de disseminacao dessa estrutura para estimular o sur-gimento e o desenvolvimento de fundos patrimoniais que fortalecam o setor sem fins lucrativos no Brasil. Os bene-ficiários serão não só as insti-tuições na área de educação, cultura, saúde, entre outros, mas o doador dos recursos que passa a contar com uma estrutura jurídica mais segura e perene.

Para se tornar uma realidade amplamente difundida, os endowments precisarão principalmente de estímulos do poder público e de um esforço conjunto de atores da sociedade civil. “

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Com certeza, um dos fatores que viabilizou o desen-volvimento dos Estados Unidos da América e sua fabulosa eco-nomia foi o avancado patamar de qualidade e alta produção científica dos institutos de pes-quisa e universidades norte-americanas, sendo que as con-tribuicoes da sociedade foram um de seus principais pilares de sustentacao.

No ano de 2012, os norte-

americanos doaram US$ 309,41 bilhões para institu-ições sem fins lucrativos, con-forme dados fornecidos pelo Giving USA 2012, da AAFRC – American Association of Fund Raising Counsel, e estas con-tribuicoes vêm crescendo ano a ano. Neste valor esta incluída a

expressiva soma de US$ 41,33 bilhoes doados a instituicoes de ensino, especialmente univer-sidades. Os valores restantes foram destinados a: instituicoes religiosas, serviços humanos, fundações, saúde, serviços de utilidade pública, artes, cultura, ajuda internacional, meio-ambiente, proteção animal e indivíduos.

As universidades norte-americanas têm desenvolvido, sistematicamente, a cultura e as técnicas de captacao de recursos (fundraising) da socie-dade civil desde o Século Xvii, fomentada pela consciência dos cidadaos sobre sua respon-sabilidade de participar ativa-mente com doacoes e trabalhos voluntários, para o desenvolvi-mento da educacao.

Ao longo desses 400 anos desde o advento da prática, os Estados Unidos desenvolveram técnicas, publicaram centenas de livros e artigos, constituíram a prestigiada, bem paga e reconhecida profissao

de captador de recursos (fundraiser), promoveram treinamentos e conferiram respeitabilidade a esse trabalho. Em 1963, foi constituída a AFP (Association of Fundrasing Professionals), que congrega esses profissionais e realiza congressos internacionais todos os anos.

Todas as instituicoes de ensino que tive a oportunidade de visitar nos Estados Unidos, tanto escolas como universi-dades, têm um departamento especializado em obter recur-sos e interagir com os ex-alu-nos e a sociedade, para desen-volver programas e projetos capazes de contribuir para o seu crescimento, como, por exemplo, a Harvard e a Yale.

A Un i ve r s i dade de Harvard, aliás, uma das mais reconhecidas do mundo, é líder em fundraising com parceiros e ex-alunos. E (sem a intencao de trocadilho) faz escola nessa atividade! Criou, inclusive, uma experiência expressiva e bem organizada chamada

C A P TA Ç Ã O D E R E C U R S O S P A R A O R G A N I z A Ç õ E S D A E D U C A Ç Ã O : D E S E N V O lV I M E N T O E S U S T E N TA B I l I D A D E CUSTóDiO PEREiRA Presidente-co Fundador da ABCR, economista, pós-graduado em Finanças, especialista em Ensino Superior, Mestre em Administração, especialista em Gestão Universitária e Doutor.

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Capital Campaign, lançada em maio de 1994 e concluída com êxito em dezembro de 1999, com a captação da impressionante cifra de US$ 2,1 bilhões1. Harvard é uma das maiores e mais antigas captadoras de fundos do mundo e dispoe de estrutura propria com aproximadamente 250 funcionarios nesse setor. Universidades tradicionais como Oxford e Cambridge, na inglaterra, inspiradas por sua colega americana, também passaram a desenvolver programas de captacao semelhantes com a comunidade e, especialmente, com seus antigos estudantes.

Como se vê, a principal fonte de recursos sao ex-alu-nos, que participam ativamente como voluntarios e doadores. Doações milionárias, na sua grande maioria, costumam ser feitas por aqueles que recon-hecem a importância da uni-versidade para sua formacao e desejam vê-la cada vez melhor. As associacoes de antigos alunos sao uma tradicao nas universidades norte-america-nas e em algumas europeias. O espírito fraterno cultivado durante os anos de convívio na escola estende-se por muitos anos apos o término do curso por meio dessas associacoes.

Por meio do relacionamento com antigos estudantes, as melhores escolas garantem um volume constante de doacoes e de novos alunos. Eles se trans-formam em membros vitalícios de influentes redes de contato que garantem empregos bem remunerados, lucrativas asso-ciacoes comerciais e acesso preferencial à crescente e influente elite do mundo dos negócios (McCLUSKEY, 1998, p. 82).

A cultura doadora dos norte-americanos para instituicoes de 1 Yard Line. A New Letter for Harvard College Fund Volunteers. Campaign. Plan and Objectives, p. 1.

ensino é decorrente da visao de que somente por meio da educacao pode-se atingir o desenvolvimento. As doacoes e legados possibilitaram uma expansão do ensino superior, e as universidades norte-americanas passaram a ser referências no mundo todo em captacao de recursos.

Outros países, além da inglaterra, têm distintos estágios de avanço, desenvolvem programas similares, conforme constatei em universidades do Canadá, irlanda e ásia. verificou-se, entre 1996 e 2000, na Universidade de Monterey, no México, exemplo muito bem-sucedido de captacao de recursos: foram obtidos US$ 27,2 milhões, provenientes de ex-alunos e até de funcionários que se envolveram com o projeto. Os mexicanos, assim como os brasileiros, historicamente, nao doam para instituicoes de ensino, pois consideram ser isto obrigacao apenas do governo e/ou dos proprietarios de escolas part iculares, inclusive fundacoes. É como se a educacao nada tivesse a ver com a comunidade.

A realidade dos Estados Unidos e dos países euro-peus, em comparação com a brasileira é bem diferente, visto que os primeiros são países ricos, contam com incentivos2 e, principalmente, possuem um povo com cultura de doacao. verificamos ainda que muitos ex-alunos latinos e asiaticos de escolas norte-americanas doam para essas instituições, sem qualquer incentivo fiscal no país de origem dos recursos.

No Brasil, temos alguns poucos exemplos de sucesso isolados no tempo. Aqui, verificam-se alguns movimentos relativamente bem-sucedidos, 2 Pesquisas no Brasil e nos Estados Unidos mostram que as pessoas doam, principalmente, pela causa, pela visão.

com doacoes significativas (certamente, nada comparado aos volumes norte-americanos). E o caso do iNSPER, que captou R$ 1,5 milhão em fundo de bolsas e R$ 20 milhoes em salas patrocinadas. Podemos dizer que não há em nosso país uma “cultura doadora”, no entanto, várias campanhas tiveram sucesso no passado e continuam com relativo êxito.

A título também de compa-ração, enquanto que o Brasil investe US$ 1.303 por ano para cada estudante (ensino básico e superior), a Noruega e a Suíça investem quase dez vezes mais e os Estados Unidos investem US$ 8,8 por aluno, segundo relatório desen-volvido pela Organização para a Cooperacao e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Enfim, para as escolas e universidades brasileiras obterem doacoes em maior volume e frequência, terá de ser desenvolvido amplo trabalho, a comecar pela formacao de profissionais (fundraisers) preparados para planejar e atuar com competência na captação de recursos. isto, porque para qualquer método usado, é necessário ter um bom planejamento e trabalhar no envolvimento do doador. Enquanto nos Estados Unidos existe especialização, mestrado e doutorado em captacao de recursos, no Brasil ainda são escassos os cursos que atendam à capacitacao de pessoas para realizar esse trabalho.

Prover educação de quali-dade em todos os níveis, um fator cada vez mais condicio-nante ao desenvolvimento e ao crescimento sustentado da eco-nomia, é uma responsabilidade que a sociedade deve compar-tilhar com o Estado.

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O Brasil melhorou nos ultimos anos. Somos a 7a maior economia do mundo (World Bank, 2014) e vimos as comunidades de baixa renda melhorarem o acesso a ser-vicos basicos em saude e edu-cacao desde a estabilizacao econômica. Mas a desigual-dade social ainda é uma das piores do mundo (estamos no numero 80 entre os países com pior desigualdade social) e com uma filantropia limitada (91o no World Giving Index). Segundo o Datafolha, em 2013, 66% das famílias viviam com menos do que R$2.034 (US$833) por mês. A renda das comunidades de baixa renda subiu, mas a qualidade dos serviços às estas populacoes ainda deixa a desejar.

Este contexto mostra que precisamos melhorar e aumentar, em muito, a oferta de produtos e servicos para esta populacao. Precisamos de empreendedores sociais, soluções inovadoras, com real impacto social e escala. E precisamos de capital para

tornar estas solucoes viaveis. Só no Brasil o déficit habitacional é de 8 milhões de casas, sem contar o numero de moradias que precisam de reforma. Ainda hoje no Brasil, com uma populacao economicamente ativa de 110 milhões, apenas 56% é bancarizada (CGAP/Plano CDE, 2014).

A escala de oferta de produ-tos e servicos necessarios é enorme. Porém, percebemos que os recursos tradicionais (veja dados abaixo) têm sido insuficientes para suprir as demandas dos setores social e ambiental.

Na ultima década:1) As doações de organiza-

ções internacionais se manti-veram no mesmo patamar, mas focadas em poucas organiza-ções que fazem políticas públi-cas ou migraram para outros países em desenvolvimento.

2) Segundo ultimo censo do Gife (2011-2012), seus associados – empresas, insti-tutos e fundacoes corporati-vas, familiares, independentes

e comunitarias – investiram cerca de R$ 2,4 bilhões por ano. Destes associados, poucos têm fundos patrimoniais.

3 ) A a g e n d a d a sustentabilidade mobilizou recursos e suporte de OSCs para uma agenda corporativa.

4) A legislacao no Brasil nao estimula a doacao direta de indivíduos para seus proje-tos sociais.

5) O governo federal vem reduzindo seu investimento em inovação social, enquanto municípios e estado alocam seus investimentos para presta-cao de servicos.

Percebemos entao a neces-sidade de ampliarmos os pro-jetos com escala e a necessi-dade de mobilizar novos pools de capital privado, em grande escala, para financiar estas solucoes.

A sociedade civil orga-nizada, no Brasil, cresceu muito pós ditadura militar – hoje são cerca de 291 mil - e se profis-sionalizou, mas não tem dado conta de responder na escala

F I N A N Ç A S S O C I A I S : M O B I l I z A R I N V E S T I M E N T O S P A R A I M P A C T O S O C I A l E P O S S í V E l R E T O R N O F I N A N C E I R O CELiA CRUZ Diretora Executiva do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE). Co-autora do livro Captacao de Diferentes Recursos para Organizações Sem Fins Lucrativos.

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necessaria as demandas da classe C,D e E. E neste con-texto que surgem atores novos, financiadores e ofertantes deste impacto social. Todos movidos a resultados reais, mensuráveis e de longo prazo.

Do lado da oferta de capital vimos nascer o conceito de finanças sociais e negócios de impacto. O Grupo de Trabalho da Forca de Tarefa Brasileira de Financas Sociais elaborou o seguinte:

Finanças Sociais: com-preendem instrumentos finan-ceiros, novos e existentes, que mobilizam capital para inves-timento em atividades com a intençao de produzir impacto social com sustentabilidade financeira, podendo ou não gerar retorno financeiro sobre o capital investido. O impacto social deve ser men-surável e analisado periodi-camente. O eventual retorno financeiro sobre o capital inves-tido pode ou nao ter limitacoes quanto a sua distribuição para o investidor.

Do lado da oferta de ser-viços, vimos nascer uma nova estrutura de organizacoes focadas no impacto, sejam elas organizacoes da sociedade civil ou negocios de impacto (que podem ou não distribuir seus dividendos).

O contexto em que os negócios de impacto nascem,

no Brasil e no mundo, é o de uma sociedade cansada de desigualdades e que percebe a necessidade de inovacao para resolver os problemas sociais, mas os recursos existentes nao darao conta da escala para soluciona-los. Nao nos cansa-mos de estimular a cultura de doação, mas queremos atrair muito mais capital privado para estas soluções, que ao invés de ser investido de forma tradicio-nal ou em negocios tradicio-nais, possa ser alocado para modelos inovadores

Este campo das finan-cas sociais e negocios de impacto nao nasce como uma crítica ao modelo de financia-mento filantrópico e do modelo das OSCs, mas como uma somatória de novos atores, financiadores ou executores das solucoes a problemas sociais.

Aqui vão alguns exemplos no mundo. No Canadá, a maior parte das fundacoes concor-dou, até 2020, investir volun-tariamente pelo menos 10% dos seus fundos patrimoniais em negocios sociais. Ja imag-inaram esses 10% dos fundos patrimoniais, que outrora eram aplicados em bancos comerci-ais, que por sua vez invertiam em empresas que nada tem a ver com a missao social das fundações?

Pois agora, este mesmo cap i ta l es ta buscando

oportunidades de investir em creches inovadoras, geridas por indígenas para indígenas; think tank que vão capacitar de escolas publicas a empre-sas no tema da empatia; fazen-das de orgânicos e de energia solar. A possibilidade de remu-nerar o capital e dar vida a ele no formato de empréstimo que volta ou compra de participa-coes em negocios com missao social tem o potencial de trazer muito mais capital.

Outro modelo, são os Social impacto Bonds (SiBs, parcerias entre o poder publico e inves-tidores privados, que passam a ser remunerados por per-formance com impacto social (outcome – quantos prisionei-ros não voltam para a prisão), e nao apenas resultado (output – quantas pessoas foram aten-didas). O melhor exemplo deste mecanismo aconteceu na Prisão de Peterborough, inglaterra, onde prisioneiros com sentenças de um ano, tinham uma reincidência de 70%.

O governo inglês chamou fundações e indivíduos que topassem assumir o risco com ele. E propôs o seguinte: elas teriam a liberdade de buscar ONGs inovadoras, contrata-das com dinheiro privado por 5 anos, para trabalhar com os pri-sioneiros, desde a entrada até 6 meses após a saída da prisão, apoiando-os a nao voltar mais. O governo acordou com os filantropos que se a reincidên-cia diminuísse para 62,5%, a economia do governo seria uti-lizada para pagar um prêmio (ou remuneracao) para os investidores.

Este modelo se diferencia por atrair capital para temas difíceis de se captar recur-sos, como sistema prisional, adoção, morador de rua, entre outros. A inglaterra já imple-mentou 14 SiBS, e os EUA esta levando este modelo

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para vários estados. O Brasil esta trabalhando com o BID e Social Finance UK para testar a adaptacao deste modelo no Brasil. Se diferencia também por remunerar o capital inicial que assumiu o risco, por performance.

O que vejo é o nascimento de uma série de mecanismos financeiros que inovam a forma de doar e a forma de investi-dores se atentarem à eficiência e impacto social. Entre doacao de 100% do dinheiro até o novo mecanismo de investimento de impacto (aplicacao em empre-sas que tenham produtos e serviços para a baixa renda, que promete pelo menos o retorno do principal), o que me estimula como eXcono-mista e eXcaptadora de recur-sos, é o que está nascendo no meio. Sao mecanismos novos – como crowdfunding, ou exis-tentes, como microcrédito –,

que viabilizarão a entrada de mais capital para gerarmos um maior impacto social.

Como uma das fundado-ras da ABCR sempre tive e terei orgulho da trabalhar para termos uma sociedade mais justa e sustentável.

O que mudou foi meu modelo mental. Nasci numa geração que viveu uma dualidade: ou trabalhava-mos em ONGs, e gerávamos impacto social, ou trabalháva-mos em empresas, que geravam retorno financeiro. Ou doáva-mos para Ongs, ou investíamos em empresas. Estes modelos estão sendo recriados, os muros entre estas formas jurídi-cas estao sendo derrubados para podermos sonhar, acorda-dos, que gerar impacto social, com um modelo que garanta sua sustentabilidade, pode ser verdade.

No meu modelo mental atual, sou agnostica em relacao a um formato jurídico hermético de organização que garanta impacto. Seja ela uma OSC, com sua área de geracao de renda ou negocio social (que reinveste o lucro na OSC, ou todo o lucro no próprio empreendimento), uma coopera-tiva, um negócio social que dis-tribui parte dos dividendos, ou mesmo um empreendimento que pode distribuir todos seus dividen-dos, o que eu quero me preocupar é quem terá a verdadeira inten-cionalidade de provocar maior impacto. E como diria Muhammad Yunus “small is beautiful, but scale is needed” (o pequeno é bonito, mas escala é necessaria”).

Meu sonho é que a ABCR seja sempre um espaco para estimular a reflexão do novo, com princípios éticos, e apoiando a geração de recursos de varias fontes e mecanismos para gerar uma sociedade melhor para todos.

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Apoiar entidades sem fins lucrativos tem sido algo importante para a equipe da SurveyMonkey desde que a empresa começou, há 15 anos. A nossa companhia tem um programa que permite aos fun-cionários ajudar as suas causas mais proximas e providenciar dois recursos importantes: dinheiro e informaçao.

A parte do dinheiro vem de duas frentes:

1 ) I g u a l a m o s a s doacoes feitas pelos nossos colaboradores, pois sabemos que o financiamento é sempre

importantíssimo para as entidades sem fins lucrativos, que trabalham para fazer a diferenca no mundo.

2) A SurveyMonkey Audience, um dos nossos braços de atuação, tem um modelo de negocio muito interessante. Ao preencher um questionário, cada respondente pode escolher uma ONG de sua preferência (numa lista de parceiras) para doarmos cinquenta centavos de dólar em seu nome. Neste ano, a SurveyMonkey Audience doou mais de um milhao de dolares para as entidades parceiras homologadas.

Por outro lado, a parte da informacao vem da nossa plataforma da SurveyMonkey, que ajuda as ONGs a coletar dados críticos para tomar decisoes melhores (e mais rapidas).

Falando diretamente com as ONGs que são nossas clientes, identificamos as principais formas com as quais essas organizacoes utilizam a SurveyMonkey para fazer mais com menos.

Aqui estao 4 coisas espe-cíficas que as ONGs podem

fazer com a SurveyMonkey:1. Pesquisa de Mercado e

Marketing2. P l a n e j a m e n t o d e

Eventos.3. Coletar Feedback dos

Doadores.4. Gestao de Voluntarios.

1. Pesquisa de mercado e marketing

Ser capaz de compartilhar a paixão, a missão e o impacto de uma ONG de forma convin-cente pode significar a diferença entre atrair um novo doador ou deixar passar uma boa causa de maneira despercebida.

As pesquisas permitem:• Obter feedback do seu

público-alvo sobre a eficácia da sua mensagem atual. A partir disto, qualquer ONG poderá saber de que forma melhorar e ser mais assertiva em relacao à sua comunicacao;

• Reunir ideias para novos conteudos e formas de passar a sua mensagem de maneira convincente.

• Envolver os seus apoia-dores, deixando-os votar em programas, projetos e até mesmo no slogan da orga-nizacao. Saber a opiniao deste publico se torna estratégico para o planejamento geral.

A I M P O R Tâ N C I A D A S P E S q U I S A S P A R A A S O R G A N I z A Ç õ E S D A S O C I E D A D E C I V I l RODOLFO OHL Administrador e presidente da SurveyMonkey no Brasil

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2. P lane jamento de Eventos

Muitas vezes, planejar um evento é um grande desafio. A seguir, pontuarei três dicas que considero essenciais para que você obtenha sucesso em seu evento por meio da utilizacao de pesquisas online:

Dica 1 – Pré-evento: Ja lhe foi dada luz verde

para planejar o evento. Agora tudo de que precisa é uma data, um local, uma lista de convidados, agenda, alto-falantes, menu… e a sua sanidade de volta. Ao comecar com um questionário pré-evento, você pode simplificar o seu planejamento e aprender mais em relacao aos seus convidados e seus respectivos hábitos, o que poderá ajudá-lo a construir o seu evento.

Rapidamente, descubra dos seus convidados:

• As melhores datas para comparecerem ao seu evento;

• Preferências de comida;• P l a n e j a m e n t o d e

viagens;• Nivel de interesse em

seminarios ou saídas;• Como manter o contato

(email, facebook, twitter);• E muito mais…

Dica 2 – Facil RSVPUtilizando os resultados do

seu questionário pré-evento, você poderá escolher a data, a localização e planejar uma maravilhosa agenda. Chega entao a hora de recolher as con-firmações de presença. A uti-lização de questionários online pode ajudar nesta etapa da organização do evento, afinal basta simplesmente envia-lo para sua base de convidados.

Dica 3 – Pos-Evento: Despeca-se com grande estilo

Sabe quando você pensa que o evento foi um sucesso? Mas e todas aquelas pessoas que você estava tentando impressionar? Como ter certeza de que elas também acharam o seu evento um sucesso? Enviar

uma pesquisa online pós-evento para recolher opinioes e sugestoes podem contribuir para que o seu próximo evento seja o maior sucesso. E também é uma otima maneira de agradecer aos seus convidados e demostrar que você se importa com a opiniao deles.

3. Coletar Feedback com Doadores (atuais e potenciais)

Entender as opiniões, moti-vações, pensamentos, além dos padroes de caridade de seus atuais e potenciais doadores, é essencial. Aproveito para listar algumas finalidades das pesquisas online, que devem ser perseguidas para ajudá-lo a estreitar relacionamento com doadores e, consequent-emente, obter cada vez mais sucesso em suas campanhas de captacao de recursos:

• Conheça o perfil dos seus atuais apoiadores e poten-ciais doadores;

• Certifique-se sobre quais são os motivos que levam eles a apoiarem/doarem para sua organizacao ou causa;

• Levante quais são as iniciativas/projetos/problemas que a sua organização deveria priorizar/focar na perspectiva de encontrar doadores.

As pesquisas ajudam a esta-belecer um dialogo com estes grupos influenciadores, iden-tificar oportunidades de cres-cimento e potencializar estes insights para aumentar o apoio dos doadores e a efetividade das atividades de captacao de recursos.

4. Gestao de VoluntáriosComo a sua organizacao

pode melhorar os processos de recrutamento, engajamento e retenção dos voluntários? Qual tipo de insight você pode coletar dos organizadores, coorde-nadores e gerentes de volun-tários? Seus voluntários estão satisfeitos com os treinamentos

e orientações recebidas? Coletar feedback dos seus

voluntarios é uma excelente forma para fazer com que eles continuem apoiando e trabal-hando em prol da sua causa. Enfim, utilize pesquisas como oportunidades de melhoria de suas praticas de gestao de voluntários. veja algumas das possibilidades que podem ser exploradas:

• Descobrir em que está indo bem e no que precisa melhorar;

• Entender como suas ini-ciativas sao percebidas pelos voluntarios;

• Compreender os motivos de saída ou nao retorno dos voluntarios;

• Demonstrar compro-misso com a satisfacao dos voluntários, ouvindo-os.

Algumas palavras para finalizar

A pesqu isa é uma ferramenta poderosa para as ONGs estabelecerem um dialogo com seus principais stakeholders e tomarem decisoes baseadas em dados e fatos. As plataformas online de questionários e pesquisas vieram para democratizar e facilitar a vida dos profissionais das organizacoes da sociedade civil para poderem ajudar a deixar o mundo um pouco melhor. Com isto em mente, desejo a você boas pesquisas e boas decisões!

A pesquisa é uma fer-r a m e n t a p o d e r o s a

para as ONGs estabel-ecerem um dialogo com seus principais stakehold-ers e tomarem decisoes baseadas em dados e fatos.”

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Como dois lados de uma mesma moeda. Assim, poderíamos dizer que o investimento social privado esta para a captacao de recursos. Enquanto o iSP é definido como alocacao voluntaria e estratégica de recursos privados para beneficio público, a captacao de recursos é entendida como o processo de buscar fundos para garantir execução de projetos, iniciativas e para a sustentabilidade de organizacoes da sociedade civil (OSCs), que formam o nosso terceiro setor.

De um lado, com o iSP, temos um doador - seja empresa, indivíduo, família de alto poder aquisitivo, insti-tuto ou fundação - que assume uma maneira proativa de fazer sua doação, estabelecendo foco, objetivos e processos para doar. De outro lado, na captação de recursos, temos uma organização, um projeto ou iniciativa social em busca, também de forma proativa, de doações, estabelecendo estra-tégias e metas.

Ou seja, ambos os pro-cessos perseguem o mesmo

proposito: o de levantar recur-sos para viabilizar empreen-dimentos e projetos sociais. En t re tan to , apesar do alinhamento natural dos pro-cessos, a captação com investidores sociais ainda é um desafio.

Entendendo o contexto

Segundo o ultimo Censo Gife1, o melhor levantamento do comportamento e pratica dos investidores sociais priva-dos no Brasil, apenas 29% dos R$2,35 bilhões invertidos por eles são doados para OSCs. A maior parte desse grupo prefere alocar seus recursos em pro-jetos próprios. Dentre estes investidores que desenvolvem seus projetos, alguns até optam por estabelecer parcerias com OSCs, mas na condição de prestadores de servicos e nao como “receptores de doacoes”.

Algumas das alegacoes 1 O Gife - Grupo de Fundações, Instituto e Empresas é a associacao representativa dos investidores sociais privados no Brasil e tem 130 associa-dos. A cada dois anos ela realiza um censo com seus associados. Os dados apresentados sao do censo de 2011-2012 Fonte http://www.gife.org.br/asso-ciados.asp de 15 de setembro de 2014.

feitas por investidores sociais para justificar essas escolhas são: a falta de confiança, fundamentada na pouca transparência e profissionalismo das OSCs, a inexistência de “bons” projetos dentro do foco de atuacao do investidor ou ainda a necessidade de ter um maior controle do processo, para poder minimizar riscos e garantir resultados esperados por ele.

Apesar da falta de dados, pela dificuldade de acessos a

I N V E S T I M E N T O S O C I A l P R I V A D O : U M O l h A R P A R A A l é M D A D O A Ç Ã O F I N A N C E I R A MARCiA WOODS Especialista em investimento social privado. Membro dos Conselhos Curadores da Fundacao Amor Horizontal e da Fundação Stickel, e segunda secretária da SAAP - Associação dos Amigos de Alto dos Pinheiros.

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informacoes da Receita Federal sobre as associacoes e funda-ções, dados da pesquisa do CETIC2 apontam que as prin-cipais fontes de recursos sao mensalidades e anuidades pagas por associados (26%), doacoes voluntarias (24%) e governo (24%). Outras fontes citadas foram a venda de produ-tos e servicos e doacoes de instituições religiosas, empre-sas e outras organizacoes sem fins lucrativos.

Mesmo assim, é difícil cap-turar o que de fato é recurso de iSP, ou seja, da filantropia orga-nizada e estratégica. Mas nao seria abusivo inferir que o iSP, como o mostrado pelo Censo GiFE, é relevante apenas para uma parcela pequena das 291 mil fundacoes privadas e asso-ciações sem fins lucrativos no Brasil3.

ISP: parceria que pode e deve ir além do dinheiro

Apesar de ser uma fonte restrita de recursos, as parce-rias com investidores sociais podem representar diversos ganhos para as OSCs, muito além da contribuição financeira.

Nas boas praticas de ISP no

Brasil, vemos que estas parce-rias também envolvem:

• Ferramentas de gestão: atrelado aos recursos doados, é comum serem oferecidas capacitacoes e instrumentos de gestão em diversos temas, como elaboracao e avaliacao de projetos, planejamento estra-tégico, comunicação e capta-cao de recursos. A premissa para estes investimentos é de 2 CETIC - Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informacao e Comunicação, realizou a Pesquisa TiC - Organizações Sem Fins Lucrativos, divulgada em 2013 com dados referen-tes ao ano anterior, o estudo ouviu 3.546 organizações de todo o país, incluindo ONGs, sindicatos, igrejas, universidades filantrópicas e outras, para estudar seus habitos e estratégias de uso de tecnolo-gias da informacao.3 FASFiL 2010

que, ao melhorar seu gerencia-mento, as OSCs melhoram sua performance e, consequente-mente, os serviços entregues ao beneficiário final e sua con-tribuição para a causa. Assim, o investidor maximiza também seu retorno.

• Troca de experiências e aprendizados: os investidores sociais podem proporcionar espaços de troca, articulação e atuacao em rede entre os projetos e organizações apoiados dentro de um mesmo foco de atuacao. A premissa é a mesma do item anterior, fortalecer a atuacao das organizacoes parceiras.

• v i s i b i l i d a d e e credibilidade: o apoio de um investidor social acaba sendo uma chancela que confere credibilidade à organizacao e projeto apoiado. Muitos deles também investem na divulgacao da parceria e dos resultados da iniciativa conjunta, que pode contribuir para o fortalecimento da imagem institucional da organizacao.

• Avaliação de resulta-dos e mensuracao de impacto: alguns investidores sociais, preocupados em medir seu sucesso e aperfeicoar suas estratégias, investem em avaliações, invariavelmente caras e complexas e, normal-mente, fora do alcance das organizacoes sociais.

Para que parcerias com investidores sociais sejam exitosas, alguns requisitos e condicoes sao necessarias:

• N o r m a l m e n t e o s investidores buscam por organizações que tenham no mínimo três anos de atuação, que esteja com documentos administrativos atualizados e demonstrem sua regularidade junto aos órgãos públicos

• A organização (e seu captador) deve saber escrever projetos e ter conhecimento extensivo sobre sua atuação, pois muitos processos incluem a discussao de propostas e a

construção em conjunto. • Com a parceria estabe-

lecida, a organização precisará ter uma postura profissional aberta para trocar, aprender e aperfeicoar seus processos. E neste processo, o papel de captador de recursos se trans-forma em um gestor de relacio-namento e um profissional de desenvolvimento institucional.

A relacao com um investidor social privado é melhor ser entendida como uma parceria de longo prazo em que o objetivo maior não é aumentar o volume captado, mas sim maximizar os resultados obtidos por meio dela. Desta forma, o ISP e a captacao de recursos nao serao mais faces opostas de uma mesma moeda, mas atores complementares, que se apoiam mutuamente.

A relação com um investidor social privado é melhor ser

entendida como uma par-ceria de longo prazo em que o objetivo maior não é aumentar o volume cap-tado, mas sim maximizar os resultados obtidos por meio dela.”

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Ha 14 anos atuando no ter-ceiro setor, a Neurônio Ativação de Negocios e Causas pode se colocar como testemunha e ao mesmo tempo agente no desenvolvimento deste setor. A nossa trajetória profissional nos permite falar com proprie-dade sobre duas estratégias de comunicacao para a mobi-lizacao de recursos: eventos e prêmios. E por isto, vamos comentar alguns exemplos e casos que observamos e outros com os quais trabalhamos diretamente.

Antes de partimos para apresentação dos casos, vale um alinhamento sobre o que entendemos como recursos a serem mobilizados. Para a Neurônio, eventos e prêmios permitem mobilizar três tipos de recursos: a) Financeiros: como uma estratégia para levantar dinheiro para uma determinada organizacao; b) Relacionamentos: estratégia de captacao e ampliacao de associados, doadores e voluntários, c) Conhecimento da causa: informar ou educar o publico sobre a causa e o trabalho que a sua organização social desenvolve.

Acredi tamos que as organizacoes sociais devem diversificar a suas fontes de recursos, buscando com sustentabilidade financeira de longo prazo diminuir o risco vinculado a uma unica fonte de renda e aumentando a sua legitimidade social.

As organizacoes sociais buscam eventos e prêmios muitas vezes a fim de mobilizar esses três tipos de recursos. No entanto, definir bem qual a prioridade do recurso a ser mobilizado é fundamental para balizar as decisoes do meio do caminho e garantir que os resultados sejam alcançados.

Eventos como Ferramenta de Mobilizaçao

A organizacao de um evento, por exemplo, não é uma atividade de alta complexidade. Mas é preciso estar ciente de que se trata de um processo técnico e que demanda muita energia da organizacao social, uma vez que exige a mobilizacao de um numero grande de pessoas ao redor dele, com picos de trabalho que, não raro, tendem a exaurir a organização. Muitas vezes, ao se colocar tudo na ponta do lápis, pode-se acabar achando que a ferramenta não vale o trabalho.

Ao longo desses anos, per-cebemos que o problema não é a ferramenta em si, mas a falta de planejamento recorrente em torno da seleção e adequação do tipo de evento e de objeti-vos que se pretende alcançar. Ou seja, muitas vezes falta alinhamento entre o tipo de evento e estratégia, objetivo, meta e produtos a serem con-quistados. Resultado geral: muitos eventos sao pon-tuais, sem alcançar objetivos

significativos e outros tantos, pensados inicialmente para duracao de médio e longo prazo, são descontinuados.

E você pode estar se per-guntando: Mas então, qual o segredo? Entendemos que a chance de sucesso é maior quando há a identificação de um tipo de evento que tenha sinergia estratégica com a sua causa; que possa começar pequeno, mas que tenha poten-cial para crescer em numero de pessoas e frentes de captacao de recursos. Além disto, que seja tratado como um projeto estratégico e não como algo que deva ser feito apenas porque outras organizacoes estao fazendo também. veja o evento como um projeto que contribui com impactos no longo prazo, que deve ser pensado como uma atividade a ser incluída no planejamento anual da instituição, que deve sempre buscar mobilizar a sua rede, prestar contas do passado e oferecer propostas para o futuro.

E V E N T O S , P R Ê M I O S E C A P TA Ç Ã O D E R E C U R S O S CAMiLA FiGUEiREDO E BRUNO ASP Sócios da Neurônio Ativação de Negócios e Causas

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Um even to é uma oportunidade para captar adesoes de associados. Para isso, seja criativo e inovador!

E mais uma vez você se per-gunta: mas por que tenho que pensa-lo de forma tao estraté-gica? Simplesmente porque um evento é a “hora da verdade”. E o momento em que a orga-nizacao se expoe para a socie-dade e é encarado de frente por ela. E a hora em que os ques-tionamentos vêm à tona e se nao forem respondidos podem levar à deriva nao so a institu-ição, mas também a causa que ela defende.

Se a causa de uma orga-nização é de fato relevante, talvez por si só ela seja capaz de mobilizar relações que a leg-itimem. No entanto, se a fer-ramenta de mobilização, que pode ser um evento, não for bem planejada, pode contri-buir negativamente. Por isso a importância de vê-lo como peça estratégica.

Um dos exemplos de eventos mais emblematicos do setor social no engajamento/conhecimento de causa é a Conferência Ethos, que é real-izada anualmente desde 1999 pelo instituto Ethos e que tinha como missao original dissemi-nar o conceito de responsab-ilidade social empresarial e engajar as empresas em torno do tema. Com o evento, junta-mente com outras ferramentas estratégicas, incluindo duas pre-miacoes (Prêmio Ethos-Valor e Prêmio Ethos de Jornalismo), a instituicao conseguiu consol-idar uma rede de associados e empresas que hoje instituciona-lizaram o conceito de respon-sabilidade social empresarial dentro de suas organizações, criando departamentos, cargos e funções para que o assunto fosse tratado durante o ano todo.

O exemplo da Conferência

Ethos é interessante porque ele mostra como um evento sistematicamente organizado a n u a l m e n t e , p e n s a d o estrategicamente como ponto de convergência de varias outras iniciativas, é capaz de mobilizar pessoas e consolidar na sociedade o conhecimento de uma causa.

Outro exemplo em menor escala em que a Neurônio trabalhou por três anos na organizacao é o seminario organizado pelo IDIS - Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social sobre o tema Marketing Relacionado a Causas. A abordagem inicial do projeto pretendia que, por meio dos eventos realizados durante três anos consecutivos, o conceito de Marketing Relacionado a Causas fosse difundido no setor como mais uma ferramenta e estratégia de captacao de recursos. Os seminários seriam capazes de mobilizar os agentes das organizacoes sociais e dos departamentos de comunicacao e agências para analisarem sinergias e potencialidades nesta junção. Com o resultado do evento, pensou-se numa estratégia de sistematizar os conhecimentos e casos numa publicação, que contribuiria para a ampliacao da repercussao do tema e de sua adocao como uma nova forma de financiamento de projetos sociais. Os casos do instituto Avon, do Um beijo pela vida, e das sandalias havaianas em parceria com o Instituto IPÊ ganharam ampla relevância e notoriedade.

O tipo de evento deve estar bem ancorado e alinhado com a sua causa e os objetivos bem claros definidos. Citamos dois exemplos de eventos que buscaram ampliar o Conhecimento da Causa, pois estao mais alinhados com a nossa atuacao profissional. Agora eventos sociais e

esportivos sao normalmente mais rentaveis e opcoes mais seguras quando o objetivo é o levantamento de recursos financeiros. Se o resultado f inanceiro é a principal motivacao para a realizacao do evento, então a organização social tem que fazer um levantamento completo de custos, uma análise cautelosa do potencial da sua captacao de recursos - baseada na sua rede de relacionamento - avaliando primeiro no papel o resultado projetado. Se já no papel a margem é baixa ou negativa, pare tudo, volte para o planejamento e defina novas estratégicas,. Não seja otimista na projeção de captação de recursos financeiros.

P r e m i a ç õ e s c o m o Ferramenta de Mobilizaçao

Premiacoes nao sao comu-mente utilizadas como estra-tégias de captacao de recur-sos financeiros, mas sim como excelente ferramenta de mobi-lizacao de pessoas e amplia-cao de conhecimento da causa. Prêmios tem uma vantagem adicional, pois dele pode-se gerar também um mapeamento ou um retrato de qual a relevân-cia do assunto para o publico alvo.

A s m e c â n i c a s d e premiacoes sao diversas e podem variar conforme o objetivo que se quer alcançar. Alteradas as mecânicas também se transformam os objetos de avaliação (que são os itens a serem entregues pelos participantes), regras, prazos, etapas, comunicação, p r e m i a ç ã o , t i p o s d e participantes, entre muitas outras coisas. Ou seja, o nível de complexidade por si so determina que essa ferramenta seja tratada de forma planejada.

Com uma premiacao é possível incentivar os publicos estratégicos a pensarem

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num determinado tema; abrir espaco ao trabalho de novos pensadores; proporcionar ambientes de simulacao sem os riscos do mercado; mapear publicos estratégicos e iniciativas de sucesso; ampliar a rede de relacionamentos; e até mesmo fidelizar públicos de interesse.

Para que isso tudo seja alcançado, as organizações realizadoras precisam ter ciência que se trata de uma ferramenta técnica que, embora nao necessariamente precise do envolvimento de muitas pessoas, demanda o cumprimento de todas as etapas de gestão de projetos, incluindo planejamento, implementação, avaliação e replanejamento.

Assim como eventos, as premiacoes têm etapas de tra-balho intensivo, mas se bem planejadas, essas etapas tendem a ser mais facilmente domadas, justamente por não exigir a mobilizacao de tanta gente. Com o tempo, o pro-cesso tende a entrar num trilho facilmente trafegável, o que é positivo. Mas é justamente aí que mora o perigo dessa ferra-menta: a acomodacao por parte dos seus realizadores.

Com a acomodação, o olhar estratégico tende a diminuir e com isso os resultados espe-rados de mobilizacao também. Dessa forma, o grande segredo de se trabalhar com premia-coes como ferramenta de mobi-lização é, além de dar atenção ao planejamento e execução, ficar atento ao processo de replanejamento. A utilização de questionários de satisfação é um caminho, que pode con-tribuir com horizontes de muito sucesso.

Feedbacks aos partici-pantes em relacao a seus resul-tados também é outro ponto de atenção: mais do que mobi-lizar, ele pode fidelizar para a

sua causa. Muitas premiacoes demandam muito tempo e dedi-cação de seus participantes, que costumam ficar desapon-tados, não só por não vencer, mas por nao saber os motivos por nao ter vencido.

E verdade que em algumas premiacoes é praticamente impossível dar qualquer tipo de feedback, principalmente por conta da quantidade de inscritos e pelo tempo de realização que um retorno de avaliacao aprofundado demanda. Dessa forma, é importante que no planejamento de uma premiação seja sempre estudada a possibilidade da inclusao desse tipo de acao. Quando não for possível, é importante que se pense em maneiras alternativas de se fazer isso ou minimizar o impacto de nao se realizar. Neste caso, o “pouco é melhor do que o nada” e pode contribuir também para a fidelização.

Um caso que vale de exemplo de mobilizacao de conhecimento de causa é o Conexões Senac, premiação que foi realizada pelo Senac Sao Paulo durante os anos de 2005 e 2013. Seu objetivo era formar uma cultura empreende-dora entre os estudantes univer-sitarios do Centro Universitario Senac, por meio de uma com-peticao de plano de negocios.

Ao longo desse período, o Conexoes Senac conseguiu engajar alunos e professores em torno dos desafios e opor-tunidades inerentes a se montar o seu proprio negocio. Por ser uma premiação, conseguiu

consolidar um ambiente pro-tegido e especial para que os alunos pudessem testar suas ideias e desenvolverem seus planos de negócio, sem terem que arcar com os riscos reais do mercado.

Com um objetivo muito mais educativo do que de incen-tivo à criacao de novos nego-cios, neste ano, o Conexões foi incorporado ao Empreenda!, competicao também criada pelo Senac São Paulo, em 2008, voltada inicialmente para alunos de Ensino Técnico, e que depois incorporou estudantes de Programas de Aprendizagem e de Pos Graduacao.

O Senac São Paulo conseguiu, por meio de suas premiacoes e muitas outras acoes estratégicas nesse campo, ser reconhecido como o melhor centro de empreendedorismo do país no Prêmio de Educacao Empreendedora Brasil 2011, concedido pelo Insti tuto Empreender Endeavor e o Sebrae. Além disso, viu também alguns de seus participantes alcancarem sucesso em outras competicoes e em seus empreendimentos, comprovando que de fato foram mobilizados para o conhecimento daquela causa.

“Com certeza a ferra-menta de Premiacao é uma otima escolha para trabalhar com todas as frentes envolvi-das, inclusive para disseminar o tema escolhido para os par-ticipantes. No entanto, ressalto que a premiação deve ser con-stante para que a mobilização

Com a acomodação, o olhar estratégico tende a diminuir e com isso os resultados esperados de mobilização também. Dessa forma, o grande

segredo de se trabalhar com premiações como ferramenta de mobilização é, além de dar atenção ao planejamento e execução, ficar atento ao processo de replanejamento.”

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seja maior. Depois de alguns anos de competição, todos aguardam ansiosos pelo início da atividade e isso mostra que o tema esta consolidado entre os envolvidos”, afirma Marina Camargo, coordenadora da area de Empreendedorismo do Senac Sao Paulo.

O u t r o e x e m p l o d e mobilizacao é o Prêmio Trote da Cidadania, iniciado em 1999, financiado e realizado até hoje pela Fundação Educar DPaschoal. O seu principal objetivo é o de provocar, dentro do ambiente universitário, professores, alunos e gestão a discutirem alternativas aos trotes violentos. Parte-se da premissa que a realização do Trote em si, como ritual de passagem e momento de celebracao de uma nova etapa na vida dos jovens, é algo muito positivo.

Como é de conhecimento público, muitos estudantes vivem dramas e humilhações, sem falar de casos extre-mos (ainda que raros), nesse momento que era para ser de alegria. Justamente para tornar o trote um rito positivo, a Fundacao Educar DPaschoal criou a campanha Trote da Cidadania, cujas ferramentas, entre elas o Prêmio de mesmo nome, se baseiam em um con-junto de atuações sistemáti-cas e coordenadas que se ret-roalimentavam num ciclo virtu-oso de ampliacao do conheci-mento da causa e engajamento de pessoas e voluntarios.

O Prêmio, anualmente, busca estimular e reconhecer as melhores praticas de Trote Cidadão e ou Solidário, como uma alternativa ao trote violento e humilhante. Essa mobilizacao teve como consequência a

institucionalizacao da causa do Trote Cidadao ou Solidario dentro das universidades, que já entendem que o trote é assunto não só da alçada dos alunos, mas também dos professores e da gestao. Para manter a “chama acesa” algumas universidades criaram seus proprios prêmios internos e até mesmo a Câmara Municipal de Sao Paulo aprovou o Selo Trote Legal, influenciando varias outras municipalidades a realizarem acoes semelhantes.

Podemos afirmar que o mérito não é só da ferramenta, mas principalmente de um planejamento com objetivos claros e coerentes com a causa e a realidade da organizacao.

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Captar Re-cursos não é pedir. É dar a opor-

tunidade ao doador de fazer parte de uma solução.”

Nos últimos anos, o número de organizacoes sociais cresceu consideravelmente no Brasil, ultrapassando a marca de 290,7 mil, segundo dados da Pesquisa Fasfil 2010, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (iBGE) e pelo instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (ipea), em parceria com a Associacao Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e o Grupo de institutos, Fundações e Empresas (Gife).

Para manterem seu fun-cionamento e darem con-tinuidade às suas atividades, muitas ONGs contam com o auxílio de doadores – nao raras vezes esporadicos – ou de pro-gramas de geracao de renda próprios. No entanto, é sabido que apenas isso não é o sufi-ciente para garantir que suas portas permanecam abertas ao público. Assim, tem se tornado cada vez mais frequente e intensa a busca por recursos externos, sejam eles oriundos de pessoas físicas, da iniciativa privada ou do governo.

Hoje, a captação de recursos representa um dos principais meios de manutencao das entidades sociais, mas também é um dos maiores desafios enfrentados diar iamente no Terceiro Setor, tanto em decorrência da elevada competitividade entre as ONGs, quanto pela necessidade de profissionalização do setor.

Um dos pontos mais impor-tantes desse tão almejado pro-cesso de profissionalizacao engloba o investimento em comunicação, que visa des-pertar o interesse de potenci-ais doadores e patrocinadores.

No entanto, antes de correr atrás desse objetivo, é preciso lembrar os ensinamentos de Peter Drucker, considerado o pai da administração, que adver-tia que, para muitos, a capta-cao de recursos é vista como sendo restrita ao recebimento de dinheiro, item compreen-dido como a solucao de todos os problemas. Para ele, essa percepção era um engano, uma vez que o objetivo não é sair em busca de qualquer doação em dinheiro, mas sim conseguir conquistar um público que se mobilize, que verdadeiramente se envolva com a organizacao e contribua constantemente por meio de recursos financeiros, humanos e materiais.

A comunicacao é uma das principais ferramentas

de marketing, cuja finalidade maior é fazer com que uma causa, uma marca ou uma organização seja positiva-mente conhecida pela socie-dade, isto é, a ideia é “vendê-la” ao publico. No mundo cor-porativo, é empregada com o intuito de angariar novos clien-tes e alavancar comercializacao de produtos e servicos. Ja no setor social, ela tem a finalidade de criar uma identidade para as organizações sociais junto às comunidades em que atuam e aproxima-las.

A comunicacao no Terceiro Setor deve se apropriar das téc-nicas utilizadas na administra-cao moderna para compor seu planejamento e executar suas ações de marketing.

E x i s t e m d i v e r s a s possibilidades de “comunicar” os trabalhos de uma entidade – podem ser elaborados materiais impressos, como folders, jornais e revistas; podem ser criadas campanhas publicitárias, com veiculação em veículos impressos ou eletrônicos; podem ser divu lgadas in formacoes relevantes à mídia, entre tantas outras opções disponíveis. O objetivo primordial é transformar a ONG em notícia, pois é fato que, ao ser vista em algum meio de comunicação, ela se tornará mais conhecida e, consequentemente, passará a receber mais atencao e apoio

C O M U N I C A R é A l M A D O N E G ó C I O MARCiO ZEPPELiNi Presidente do Instituto Filantropia. Editor da Revista Filantropia e diretor executivo da Zeppelini Editorial. Palestrante motivacional e de temas relacionados a Comunicação, Desenvolvimento Pessoal, Terceiro Setor e Sustentabilidade.

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por parte da sociedade.

No entanto, para chegar a esse ponto, é preciso retomar a questão da profissionalizacao; neste caso, mais especificamente, da area de comunicacao das organizacoes. Sem o suporte de uma equipe devidamente capacitada, não há como alcançar destaque na mídia. Para isso, além de profissionais qualificados, é preciso conhecer as ferramentas disponíveis, além de muito planejamento e muita dedicacao.

A estrutura adequada para a area de comunicacao de uma entidade deve funcionar de modo semelhante ao que acontece nas empresas, ou seja, deve contar com o apoio de uma assessoria de imprensa e de relações públicas, que podem ser internas ou exter-nas; publicidade e propaganda; marketing de relacionamento; entre outras. O essencial é inte-gra-las estrategicamente a um plano de comunicacao bem elaborado.

Para elaborar um bom plano de comunicação, capaz de atender aos objetivos ini-ciais de captar recursos, é essencial que se reúnam as principais pessoas envolvidas no processo de divulgacao e que sejam debatidas questões como: o que será divulgado (dados institucionais, eventos, projetos sociais, novidades), de que maneira isso será feito (tom da mensagem, linguagem adequada, meio de veicula-ção), quando divulgar determi-nada informacao (datas espe-ciais, sempre que houver novi-dades), para quem (quais públi-cos de relacionamento rece-berão aquela informação) e por que divulgar (o que se pre-tende com aquela divulgação). Do contrário, corre-se o risco de entregar à mídia dados falhos, sem consistência ou relevân-cia. Assim, o primeiro passo

é estabelecer este plano de acao. Sao muitas as duvidas que devem ser respondidas, é muito trabalho, mas certamente vale o esforço da equipe.

Dentre essas questões, o “como” é um dos pontos mais importantes – quase tão valioso quanto o conteúdo em si. Para conquistar a simpatia de seu público-alvo e, assim, atingir seu objetivo, deve-se atentar para que a missão e os objetivos da organização sejam transmitidos de maneira objetiva e transparente, de modo a nao deixar nenhuma duvida ou gerar entendimentos equivocados. Outro aspecto importante é envolver o receptor da mensagem com a causa defendida pela organizacao. É extremamente importante fazê-lo se sentir parte do problema, mas, principalmente, se ver como peca-chave da solucao.

O processo de captação demanda ainda o envolvimento da area de comunicacao no planejamento estratégico da ONG. Ela deve ser integrada ao dia a dia da gestão, afinal, o gerenciamento pressupoe contato com outros publicos e entidades, além da prestação de contas – o que reforça a

relação com os stakeholders e a transparência em todos os seus processos.

Enfim, o ato de captar r e c u r s o s p r e c i s a s e r compreendido como algo muito mais complexo do que simplesmente receber dinheiro de doadores. Ele deve ser feito de modo constante, pensando na sustentabilidade de suas acoes. De igual modo, a comunicação deve ser entendida – e aplicada – como algo muito maior do que apenas repassar informacoes. Trabalhados em conjunto e de maneira estratégica, ambos podem fazer verdadeiras revolucoes na vida de uma organização social e, consequentemente, na vida daqueles que dependem de suas atividades.

Pense. Planeje. Cresça.

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D E P O I M E N T O S

Edna Thomaz Rodrigues / Fazendo Acontecer – Rio de Janeiro – RJ

Parabéns ABCR! O trabalho que realizam é fundamental na vida das organizacoes de base comunitaria. Como mensurar a transformação de vidas? Parabéns!

Ana Lúcia Godinho / APAE SALVADOR – Salvador – BA

Parabéns a toda equipe da debutante ABCR! Com compromisso e competência vocês ouvem, falam e ensinam com sabedoria. Abracos fraternos.

Stelio Dias / IDGB – Vitória – ES

Quinze anos estao se passando, mas não passará a credibilidade e o trabalho da ABCR. Foi criado um espaco humano unico. Pessoas e instituicoes trocando e tocando solidariedade.

Alvaro Luis Campos / Vertia – Águas Claras – DF

Parabéns a ABCR pelos 15 anos e obrigado pelo excelente trabalho realizado. Somos todos devedores dos frutos colhidos por essa bela associacao.

Regina Lucena / Fundaçao Criança – Sao Paulo – SP

Parabéns ABCR pelos 15 anos de servicos prestados ao Terceiro Setor ... servicos

de extrema importância para a Captacao de Recursos e elaboração de Projetos

Erson Ramos / HR & Associados – Pelotas – RS

Parabéns a ABCR por 15 anos mudando a vida das entidades que mudam vidas...

Aluisio Gomes / Oscip Jovem Sertao – Petrolina – PE

P a r a b é n s a t o d o s que contribuem para ao fortalecimento dessa instituicao. 15 anos de trabalho unico em prol do Capital Social. Acompanho o trabalho e admiro o esforco de todos para a consecucao desta tarefa nobre.

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