Revista 17

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NESTA EDIÇÃO ESPECIAL>>

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>>Teco Barbero em ação.

Atitude 2 Mauro Passos

Entrevista 4

Com HÉLENE PELOSSE O desafio da energia renovável no mundo

Energias do Brasil 10 O promissor cenário brasileiro para a próxima década

“Desde que deixei a vida pública (fui sindicalista, vereador e deputado federal) consegui adotar uma vida mais tranquila, ao menos quando estou na minha ci-dade. Optei pelas caminhadas da minha casa ao escritório do Instituto IDEAL, em Florianópolis. São quase 10 quilômetros divididos em quatro momentos no dia. Não abro mão disso e não aceito carona. Sinto falta dessa rotina quando assumo compromissos importantes para o Instituto que me obrigam a viajar. Mas isso também é prazeroso, pois agora trabalho motivado na defesa de mais energia de fontes renováveis para o nosso continente. Além disso, como sempre gostei de ler e escrever, adotei a rotina de manter um blog sobre a vida, sobre o que eu acredito ser importante para o futuro. É uma experiência bastante gratificante e do alto dos meus quase 62 anos, sinto que ainda tenho muito para contribuir.”

(www.mauropassos.com.br)

>> ATITUDE

É possível aliar trabalho e vida saudável

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>> EXPEDIENTE>> Os artigos e reportagens assinados não representam, necessariamente, o ponto de vista das organizações parceiras e da revista Primeiro Plano. A divulgação do material publicado é permitida (e incentivada), desde que citada a fonte.

Diretor: Odilon Luís Faccio

Direção de Redação: Maria José H. Coelho (Mte/PR 930- JP)

Editora chefe Alessandra Mathyas (MTe/SC 755-JP)

Redação Alessandra Mathyas

Edição de Arte Maria José H. Coelho Cristiane Cardoso (Mte/SC 634-JP)

Fotografia Sérgio vignes

Secretaria e Distribuição Lilian Franz

Colaboradores: Nivalde de Castro, Guilherme Dantas, Sonia vill.

Parceiros Institucionais Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) • Fundação vale do Rio Doce (FvRD) • Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) • Instituto Observatório Social • Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social • Rede de Tecnologia Social (RTS) • BSD Consulting

A Revista Primeiro Plano Energias Renováveis é uma publicação especial do Instituto Primeiro Plano.

Edição Extra nº17 - maio

Um dos orgulhos do Brasil é ostentar o título de grande país com a matriz energética mais limpa do mundo, baseada em hidroeletricidade. Isso não irá mudar, apontam os planos energéticos, sobretudo em função da crescente demanda para assegurar o desenvolvimento que o país deseja. No entanto, mesmo o nosso país precisa abrir espaço para ou-tras fontes energéticas – tão limpas quando as hidre-létricas por não produzirem grandes concentrações de gás carbônico, e menos impactantes do ponto e vista social e ambiental (neste caso, para evitar gran-des áreas alagadas e remoção de populações).

O país já desenvolve tecnologias para diversificar ainda mais sua matriz energética, mas o que vere-mos nesta edição especial da PP sobre energias re-nováveis, é que ainda há muito por fazer. Conhecere-mos os avanços e os entraves das principais fontes energéticas em desenvolvimento no mundo: eólica, solar, biomassa, hidrogênio, geotérmica, dos ocea-nos e hidrelétrica, obviamente. A revista traz ainda,

por uma matriz energÉtica ainda mais limpa

www.primeiroplano.org.brR. João Pinto, 30, Ed. Joana de Gusmão, s 803 • 88010-420 - Florianópolis - SC - Brasil • Fone: 55 (48) 3025-3949 • [email protected]

pela primeira vez no Brasil, uma entrevista com a Diretora Geral da Agência Internacional de Energias Renováveis – (IRENA, sigla em inglês), a francesa Hélène Pelosse. Ela fala dos desafios do setor no mundo e o que espera do Brasil, um gigante que ain-da não é signatário da Agência.

Esta edição tem a intenção de mostrar o que pode ser feito no Brasil - e por extensão no continen-te latinoamericano - para ampliar ainda mais o uso de energia a partir de fontes limpas e renováveis. Afinal, em tempos de mudanças climáticas, ações individuais de cada país não surtirão o mesmo efeito que as tomadas de decisão em bloco rumo a uma matriz energética que assegure o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida desta e das futu-ras gerações. Daí nossa opção em, somente neste número, suprimir algumas seções para podermos nos dedicar ao tema, o qual, a cada dia, traz boas novidades.

Boa leitura!

Energia Hidrelétrica 18 A vocação brasileira

Energia Eólica 26 Os bons ventos

Energia Solar 32 A força tropical

Hidrogênio 40 A energia do futuro

Energia Geotérmica 44 O centro da Terra Energia dos oceanos 48 A força das ondas

Energia da Biomassa 52 Tudo se transforma

Opinião 60 POR NIvALDE DE CASTRO A Importância da Construção de Novas Grandes Hidroelétricas no Brasil

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ENTREVISTA

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á pouco mais de um ano era constituída oficialmente a Agência In-ternacional de Energias Renováveis (IRENA, sigla em inglês). Para surpresa de muitos, assumiu a Direção Geral a francesa Hélène Pe-losse, num espaço até então predominantemente masculino. Forma-da em Administração e em Ciências Econômicas e Comerciais, no

seu currículo está a atuação no Ministério de Finanças da França, no Gabinete do Primeiro- Ministro Francês e como consultora da Chanceler Angela Merkel, durante a Presidência da Alemanha na União Européia. Nesta primeira entrevista exclusiva a uma revista brasileira, Pelosse fala dos desafios da nova agência e das suas expec-tativas em relação ao Brasil no cenário energético internacional.

Desde que a IRENA foi constituída em janeiro de 2009, no que pôde auxiliar os países signatários em suas políticas energéticas?

Hélène Pelosse - Apenas alguns dias depois de eu ter sido nomeada a primeira dire-tora-geral da IRENA, em 30 de junho de 2009, o governo de Tonga veio a nós para ajudá-los na concepção de uma estratégia de energia renovável. Nós os ajudamos a fazer um para 2020. Isso é um bom exemplo daquilo que podemos fazer por nos-sos Estados membros. Nós também nos comprometemos em reunir os principais

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A IRENA e o desafio da energia renovável no mundo

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laboratórios do mundo, para que as in-vestigações possam pode ser condu-zidas da forma mais eficiente. Também somos parceiros de iniciativas como a “Solar para todos” com a Ashoka, uma associação de empreendedores sociais, Canopus Foundation, uma associação alemã de caridade e do Instituto Franho-fer, entre outros. Esse programa visa o desenvolvimento de tecnologias de ener-gia solar disponível para todos. Nele há um concurso de design para melhorar a modularidade, escalabilidade e replica-bilidade de sistemas de painéis solares. Neste momento estamos analisando os projetos para o concurso. Também esta-mos construindo um banco de dados de política internacional para apoiar os nos-

sos Estados membros. Esse é o tipo de ações que podemos fazer.

Quais são os maiores desafios da Agência em 2010, especialmente depois da COP 15?

Hélène Pelosse - Uma das decisões de Copenhague foi definir um orçamento de 100 bilhões de dólares para a adaptação e mitigação nos países em desenvolvimen-to. No mundo, 64 países já têm uma meta política do uso de energias renováveis ... Entre 2004 e 2008, a capacidade de investimentos em renováveis aumentou 75%. E em 2008, o investimento global quadruplicou atingindo 120 bilhões de dólares. Foi também a primeira vez que os investimentos em energias renováveis

ultrapassaram os de energias fósseis. A transição para as energias renováveis está em andamento, e isso está aconte-cendo muito rapidamente! O verdadeiro desafio para nós é seguir o ritmo e ter certeza de que estamos ajudando fazer essa transição o mais eficiente possível.

Qual é a posição da Agência sobre a energia nuclear, considerada limpa para algumas pessoas, mas perigosa até o ponto de muitos países europeus decidirem fechar suas usinas nucleares até 2020?

Hélène Pelosse - A energia nuclear não está no mandato da IRENA. A missão da agência é facilitar uma rápida transição para a utilização global de energias re-

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HÉLèNE PELOSSEDiretora Geral da Agência Internacional de Energias

Renováveis (IREnA)

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ENTREVISTA

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nováveis. E o nosso escopo inclui todas as energias renováveis, que são o vento, solar, biomassa, bem como a energia ge-otérmica, energia das ondas e hidroele-tricidade.

Qual é a sensação de a sede da IREnA ser no centro da produção de petróleo no mundo, nos Emirados Árabes? Isso de alguma forma influenciou as políticas energéticas dos países dessa região?

Hélène Pelosse - Esta é uma forte men-sagem ao mundo. Um país que con-seguiu sediar uma das organizações internacionais mais promissoras do sé-culo 21 está pronto para lutar pelo bem público comum da humanidade! Abu Dhabi comprometeu-se com a transição energética e está investindo 20 bilhões em Masdar, a primeira cidade a energia zero. Em 2020, 7% de sua energia pro-verá de energias renováveis, que é uma meta ambiciosa para um país com uma pegada de carbono tão grande. Seu po-tencial para o uso do sistema solar, por exemplo, é enorme. O país acaba de as-sinar sua primeira usina de energia solar concentrada, próximo ao oásis Liwa. E a Agência irá ajudar a desenvolver esse projeto.

As oportunidades e possibilidades de energias renováveis variam de um país para outro. Como pode IREnA ajudar os países com baixo desenvolvimento de novas fontes de energia limpa?

Hélène Pelosse - Em alguns casos, so-bretudo para os países mais pobres, as energias renováveis já são a única solu-ção. Com o uso de biogás, com a recicla-gem de resíduo... A IRENA irá trabalhar com os países em desenvolvimento para ajudá-los a definir o melhor conjunto de tecnologias que podem utilizar e desen-volver as suas potencialidades. Seremos um centro de conhecimento e poderemos fornecer-lhes dados científicos também. Além disso vamos desenvolver plata-formas de e-learning para educar mais rapidamente as pessoas e assim dissemi-narmos as energias renováveis.

Uma das críticas à indústria de energias renováveis é o custo. Há alguma previsão sobre quando o preço da energia renovável será competitiva com as energias fósseis?

Hélène Pelosse - O preço das energias renováveis não reflete o custo real. Ele não inclui o impacto positivo no meio

“A missão da agência é facilitar uma rápida transição para a utilização global de energias renováveis.”

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“A IRENA será a primeira administração internacional que irá transformar em realidade a igualdade de gênero nas relações de trabalho. No início de maio deste ano alcançamos a meta de ter 50% de mulheres trabalhando na agência.”

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ambiente. As energias renováveis não podem competir com o petróleo, pois este tem uma pesada subvenção! No por-to de Hamburgo, por exemplo, algumas instalações asiáticas com painéis sola-res já estão em paridade tarifária, o que mostra que já é possível! E o custo foi diminuindo rapidamente, graças a labo-ratórios de pesquisa e desenvolvimento industrial. Os custos de módulos foto-voltaicos, por exemplo, foram reduzidos quase pela metade no ano passado, e não vai parar por aqui.

Uma das tarefas da Agência, descrita em seu documento de fundação, é o compromisso de ter 50% de mulheres no seu quadro funcional. Esse objetivo será alcançado? Qual o perfil dos profissionais que estão integrando os quadros da IREnA? Os funcionários ficarão concentrados em Abu-Dhabi ou serão espalhados pelo mundo?

Hélène Pelosse - A IRENA será a pri-meira administração internacional que irá transformar em realidade a igualdade de gênero nas relações de trabalho. No início de maio deste ano alcançamos a meta de ter 50% de mulheres trabalhando na Agência. As pessoas contratadas são profissionais especializados em energias

renováveis (solar, eólica ...), bem como o apoio e especialistas em governança (tec-nologia da informação, advogados ...). A sede está em Abu Dhabi, onde está a maior parte da equipe. Teremos também, para começar, os escritórios regionais em Viena (Suíça) e Bonn (Alemanha).

A IRENA já tem 145 signatários. Mas o Brasil, considerado o país com matriz energética mais limpa do mundo, ainda não faz parte da Agência. Qual a sua opinião sobre essa situação? Hélène Pelosse - Quando a agência foi criada, tínhamos 75 países signatários. Agora há 145, o dobro em um ano e ain-da teremos mais! Os países líderes, que não assinaram ainda, não vão querer ficar de fora. Para a nossa missão, pre-cisamos de talentos do povo brasileiro. Precisamos da experiência visionária de um país que já alcançou 46%* de energias renováveis na sua matriz ener-gética. Precisamos do conhecimento do país que lançou há 20 anos um plano de álcool combustível, de um grande país que tem investido maciçamente em hi-droeletricidade. Essas são duas fontes de energias que queremos impulsionar nos países em desenvolvimento e o Bra-sil pode nos ajudar a fazer isso.

“O preço das energias renováveis não reflete o custo real. Ele não inclui o impacto positivo no meio ambiente.”

* Segundo a EPE, esse número aumentou em

2009 para 47, 3%, conforme consta em gráfico na página 15.

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>> ENERGIAS

Energias do BrasilO PROMISSOR CENáRIO

BRASILEIRO PARA A

PRóxIMA DÉCADA

HIDRELÉTRICA EÓLICA SOLAR HIDROGÊnIO GEOTÉRMICA OCEAnOS BIOMASSA

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horizonte energético brasileiro para os pró-ximos dez anos está iluminado. A previsão é que sejam investidos neste período R$ 951

bilhões, entre projetos nas áreas de ener-gia elétrica, petróleo, gás natural e bio-combustíveis. Essa é a projeção do Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE 2019, estudo produzido pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE - que neste mês de maio está sob consulta pública para aperfeiçoamento. O Plano Decenal é o principal estudo de planejamento do Governo Federal para o setor energético e por isso é atualizado todos os anos.

O Nele verifica-se que desse montante, 70% serão aplicados nas áreas de pe-tróleo e de gás natural, sobretudo após a descoberta das reservas de pré-sal. Ao setor elétrico serão destinados R$ 214 bilhões para geração e transmissão de energia, representando 22,5% do to-tal. Segundo a EPE, esse investimento é fundamental para garantir um cresci-mento da economia brasileira em 5,1% anuais nesta década. Para isso será pre-ciso agregar à atual demanda energética mais 6300 MW de capacidade ao ano. De acordo com o Banco de Informa-ções de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica, a capacidade instalada total do sistema brasileiro no último dia

de 2009 era de 112.496 MW, incluídas aí geradoras do sistema Interligado Nacio-nal – SIN e os sistemas isolados.

“Dois fatores farão com que o Bra-sil se destaque no cenário energético mundial: por um lado, a manutenção da renovabilidade da sua matriz ener-gética (48%), garantida pela prioridade dada às hidrelétricas, às fontes alterna-tivas e à produção de etanol. Por outro lado, a inserção como ator proeminente no mercado mundial de combustíveis, tornando-se relevante exportador de pe-tróleo e derivados” destacou o presiden-te da EPE, Mauricio Tolmasquim, em entrevista concedida para divulgação do estudo. Para ele, o PDE incorpora uma

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visão integrada da expansão da demanda e da oferta de recursos energéticos no pe-ríodo decenal, definindo um cenário de referência, que sinaliza e orienta as deci-sões dos agentes no mercado de energia, visando assegurar a expansão equilibra-da da oferta energética, com sustentabili-dade técnica, econômica e ambiental.

Além da expansão do setor, o Plano De-cenal aposta também na eficiência energé-tica elétrica e de transportes. Essa econo-mia representará 12,5% do consumo atual de petróleo e 23 mil GWh de energia elé-trica. Segundo a EPE, o consumo eficiente de eletricidade evitará a construção de uma usina hidrelétrica de 5 GW.

Um dos pontos positivos do PDE é que a expansão prevista para nova ge-ração de eletricidade contempla basi-camente fontes renováveis – sobretudo

vendo triplicar e alcançar 9,9 bilhões de litros vendidos a outros países.

Fontes alternativas como eólica, bio-massa e de pequenas centrais hidrelétri-cas (PCHs) são bem avaliadas pelo PDE tanto pelo potencial de geração como pelo econômico o que, segundo o estudo, as tornam competitivas. Mas pelo Plano Decenal não há ainda previsão consi-derável para outras fontes, como a solar fotovoltaica, a geotérmica, a energia de ondas e marés ou mesmo de biomassa residual, como dejetos animais e indus-triais. Para essas a grande alternativa é a geração distribuída, que já é autorizada pela Aneel (Resolução Normativa 390, de 15/12/2009), mas ainda está distante da realidade porque as companhias dis-tribuidoras não estão comprando a ener-gia desses pequenos geradores indepen-dentes. Até o momento, a única empresa que está comprando energia proveniente de biogás de pequenas propriedades ru-rais é a Copel no Paraná, motivada por um trabalho que a Itaipu vem desenvol-vendo junto aos produtores rurais cujas propriedades estão localizadas no entor-no do lago da usina.

Aliás, a Itaipu vem se destacando em ações para diversificação de fontes de energia e no esforço para implantação da geração distribuída como política pública no país. Tanto que está instalado no Par-que Tecnológico Itaipu (PTI), em Foz do Iguaçu, o Observatório de Energias Re-nováveis para a América Latina e o Cari-be, fruto de uma cooperação entre a usina, a Eletrobrás e a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial

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Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética - EPE.

a hidrelétrica. A EPE estima que sejam instalados 35.245 MW nos próximos dez anos, sendo que dois terços correspon-dem a projetos já leiloados e em constru-ção, como as duas usinas no Rio Madei-ra, em Rondônia.

As fontes alternativas continuam como coadjuvantes do setor elétrico brasileiro. Elas deverão complementar a energia hidrelétrica e chegarão a 23% da potência a ser instalada nos próximos anos, totalizando 14.655 MW, o equiva-lente a uma Itaipu. Para acompanhar esse crescimento na geração será necessária a ampliação da rede de transmissão em 38% do total existente hoje: mais 36.797 km em linhas de transmissão na próxima década. Isso porque a energia das fontes alternativas ainda é injetada na rede do SIN – Sistema Integrado Nacional. Mas veremos adiante que há outras formas de usar as fontes alternativas junto ao ponto de consumo, não só prevendo os siste-mas isolados, o que dispensaria o custo de transmissão.

No quesito energia para transporte, o grande destaque da EPE é a produção de etanol, que deverá aumentar em duas vezes e meia o que se tem hoje. A meta é chegar a 2019 com 64 bilhões de litros, impulsionado pelo mercado interno, cuja previsão é saltar dos atuais 22,8 bilhões de litros consumidos para 52,4 bilhões de litros. E os responsáveis por esse in-cremento são os veículos do tipo FLEX. A EPE estima que 78% dos carros vendi-dos no Brasil até 2019 possam usar eta-nol. Além disso, há uma boa expectativa quanto à exportação do combustível, de-

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(Unido, sigla em inglês). Essa iniciativa visa estimular a cooperação multilateral entre os países do continente, implantar uma área internacional de demonstração e energias renováveis no Oeste do Para-ná, compartilhar práticas e experiências bem sucedidas na área e promover o de-senvolvimento industrial sustentável para fomentar a economia local.

LegislaçãoA Resolução Normativa 390 da Aneel não é a única boa novidade para quem aposta na produção de energia a partir

de fontes renováveis e espera um marco legal para isso.

Desde fins de 2008 o Ministério de Minas e Energia constituiu um grupo de trabalho para orientar o governo no encaminhamento de uma proposta legal que garanta tarifas diferenciadas para os consumidores e segurança aos investidores de energia solar fotovol-taica. O grupo estudou os projetos de geração distribuídas em sistemas com energia solar e suas aplicações mas as diretrizes da proposta ainda não foram divulgadas pelo MME.

Na outra mão, mas em mesmo senti-do, está o Congresso Nacional, através da Comissão Especial de Energias Reno-váveis, constituída em junho de 2008 e cujo relatório é favorável a uma série de incentivos de fomento à energia de fontes renováveis. Um dos itens do substitutivo apresentado pelo relator é a criação do Fundo Nacional para Pesquisa e Desen-volvimento das Fontes Alternativas Re-nováveis, que deverá ser mantido, entre outras formas constitucionais previstas, com 2% das receitas operacionais líqui-das das usinas termelétricas que utilizem

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>> ENERGIAS

combustíveis fósseis (carvão, diesel) e 5% do montante recolhido dos royalties de petróleo. Além disso, como forma de incentivar a ampliação de energia de fontes alternativas, a proposta estabele-ce que as distribuidoras ligadas ao SIN deverão, a partir de 2011, por um perí-odo de dez anos, “contratar, em conjun-to, anualmente, por meio de licitação na modalidade de leilão” uma capacidade mínima de 200 MW oriundos de fonte eólica, 200 MW produzidos a partir de biomassa e outros 200 MW de PCHs.

Mas para que isso de fato aconteça, o projeto deve ser aprovado no Congres-so ainda neste ano, o que parece difícil, na opinião do presidente do Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina – Ideal, Mauro Passos. “Já estamos entrando em um período eleitoral e os parlamentares agora devem estar mais preocupados nas suas campanhas”, lamenta. Ele lembra que o parecer do relator já foi aprovado pela comissão no ano passado e que, por ser uma comissão especial, tem caráter conclusivo, não necessitando de voto em plenário. Mas, conforme o Sistema de Acompanhamento da Câmara dos De-putados, o projeto está parado desde no-vembro em função do Recurso 324/2009, proposto pelo deputado Edinho Bez (PMDB/SC) e assinado por mais 149 deputados de vários estados e partidos. Segundo o parlamentar catarinense, o pedido que impediu a votação em ca-ráter conclusivo da proposta legal para as energias renováveis no Brasil foi em

rão a missão de descobrir como extrair carvão mineral de forma mais barata e com menor impacto ao meio ambiente”, explica o deputado catarinense. E ele finaliza dizendo que, apresentou ao Mi-nistro de Minas e Energia, o também ca-tarinense Márcio Zimermann, suas pre-ocupações quanto à exclusão do carvão na atividade energética. Segundo Edinho Bez o ministro teria se comprometido em estudar um substitutivo global do projeto para que alguns itens sejam corrigidos. A assessoria de imprensa do Ministério não quis se manifestar sobre o assunto.

“Sem uma legislação adequada não teremos políticas públicas. E sem o aval do Estado, é difícil que outras fontes al-ternativas de energia se consolidem no país. O exemplo da Europa nos mostra que o aumento da participação das reno-váveis na matriz energética precisa de le-gislação, políticas públicas, profissionais habilitados e investidores visionários que identifiquem esse setor como uma nova possibilidade de negócios totalmente sustentáveis”, comenta Mauro Passos. Ainda assim, ele aposta que o aumento das energias renováveis no Brasil e na América Latina é uma questão de tem-po. “Cada país do nosso continente tem uma vocação. O Brasil é hídrico e conti-nuará sendo, mas não pode desperdiçar o imenso potencial eólico, de biomassa e solar. A cobrança internacional pela conservação dos recursos naturais e a necessidade de se combater as mudanças climáticas são situações que já estão for-çando os países a buscar matrizes ener-

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função do projeto não fazer referência à energia proveniente de carvão mineral.

Segundo o deputado, “apesar de ser favorável a todos os tipos de energia alternativa, não podia ignorar a impor-tância do carvão mineral como fonte energética e que se o PL passasse como estava, esse setor poderia ser prejudica-do”. E uma das justificativas do depu-tado para defender o carvão – conside-rado fonte energética suja - é que já é possível produzir carvão limpo, que não polua como atualmente. “ É importante salientar que aqui em Santa Catarina, em Criciúma, foi lançada neste ano a pedra fundamental do Centro Tecnológico do Carvão Limpo. O laboratório deve estar em pleno funcionamento dentro de um ano. Sessenta e quatro pesquisadores te-

Mauro Passos, presidente do Instituto Ideal.

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géticas limpas”, acredita o presidente do Instituto Ideal.

Enquanto o país ainda não tem a legis-lação completa que precisa, o Governo Federal vem realizando leilões específi-cos para fontes de energias renováveis. O próximo acontecerá dia 18 de junho e será voltado para usinas eólicas, térmicas a biomassa e PHs. Dos empreendimentos inscritos para esse leilão, 3.518 MW são para usinas térmicas com biomassa de cana-de-açúcar. A grande maioria é para o setor eólico. Estão inscritos 399 em-preendimentos que somam 10.569 MW. Há ainda 18 empreendimentos de PCHs (com 255 MW) e seis usinas de biomas-sa, sendo duas de resíduos de madeira e quatro com capim elefante.

O governo repetiu essa receita depois do sucesso do leilão exclusivo para eóli-ca realizado em dezembro de 2009. Na ocasião, foram contratados 1.805,7MW em 71 empreendimentos distribuídos em cinco estados do Nordeste e Sul do Brasil. Nesses leilões o governo garante a compra da energia por 20 anos, por um preço fixo estabelecido em contrato que iniciará em 1° de julho de 2012. O preço médio para o MWh eólico ficou em R$ 148,39. Valor bem abaixo do praticado nos primeiros leilões do antigo Proinfa – Programa de Incentivo às Fontes Alter-nativas, criado em 2002 e que foi encer-rado em dezembro de 2008.

Além dos leilões para energias alter-nativas, o governo cancelou os leilões de térmicas a óleo e carvão, que acontece-riam também no ano passado. Na época,

proinFa

Não há como falar em energia alternativa no Brasil sem se referir ao Proinfa – Programa de Incentivo às Fontes Al-ternativas de Energia Elétrica. Ele ainda é considerado o maior programa brasileiro nesse setor e foi instituído pela Lei 10.438, de abril de 2002. Gerenciado pela Eletrobrás, o programa previa a operação de 144 usinas, totalizando 3.299,40 MW de capacidade instalada. Juntas as usinas do programa deverão gerar cerca e 12.000 GWh/ano - quanti-dade capaz de abastecer cerca de 6,9 milhões de residên-cias e equivalente a 3,2% do consumo total anual do país.

Do total contratado, 1.191,24 MW são provenientes de 63 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), 1.422,92 MW de 54 usinas eólicas e 685,24 MW de 27 usinas a partir de biomassa. A Eletrobrás garantiu em contrato a compra de toda a produção dessas usinas por 20 anos.

Além da compra da energia, o Governo destinou R$ 10,14 bilhões para ao Proinfa. Foi durante o programa que começaram a ser construídos os maiores parques eólicos no país, como o de Osório/RS, com 150 MW de capacidade e que vem operando em sua plenitude.

A primeira fase do programa terminou em dezembro de 2008. Naquele momento havia uma incerteza por parte de investidores de como seria o mercado para as energias renováveis no país sem o braço do Estado. No entanto, o programa continuou. Tanto que agora em 2010 a Eletrobrás destina R$ 1,816 bilhão, conforme o Plano Anual do Proinfa (PAP). Para manter a meta, as empresas de energia darão sua contribuição: distribuidoras pagarão R$ 1,640 bilhão, transmissoras, R$ 174,046 milhões e as permissionárias cooperativas, R$1,960 milhão. Essas cotas de custeio re-presentam um custo unitário do Proinfa de R$ 5,26/MWh que é considerado no cálculo final das tarifas das distri-buidoras. Ou seja, para fomentar a energia limpa no país, cada consumidor também dá sua parcela. E só assim esse mercado se estabelece. Na Europa as tarifas feed-in foram fundamentais para o crescimento da indústria da energia renovável. Esse foi um dos princípios do Proinfa.

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>> ENERGIAS

o presidente da EPE declarou que tais ações mostravam o empenho do governo em manter o alto percentual de fontes re-nováveis na matriz energética brasileira.

Demanda por profissionaisCom a liderança da Itaipu e a decisão da União, está se constituindo a Universi-dade Federal da Integração Latino Ame-ricana - Unila, cujos cursos darão ênfase à integração entre os países e ao desen-volvimento sustentável. Essa universida-de terá sua sede construída em uma área de quase 40 hectares doada pela Itaipu e que fica próxima à usina. Quando es-tiver concluída, a universidade deverá atender dez mil alunos, sendo cinco mil brasileiros. O impacto dessa população nas imediações da hidrelétrica está sen-do calculado pelos profissionais da bina-cional. A princípio a Unila irá oferecer quatro cursos na área de Engenharia: Ci-vil de Macro Infraestrutura, de Energias Renováveis, de Materiais e Eletrônica. Ela será financiada totalmente pelo Bra-sil, mas aberta aos demais países latino-americanos.

Na Unila, o curso de Engenharia das Energias Renováveis já deverá começar em agosto deste ano. Segundo o Supe-rintendente da Coordenadoria de Ener-gias Renováveis da Itaipu, Cícero Bley, o conteúdo programático do curso deve envolver as diversas áreas temáticas. “Os alunos irão se aprofundar em todas as fontes possíveis e depois irão aplicá-las conforme a vocação da região onde atuarem”, disse. Ele é um dos responsá-

veis pelo desenvolvimento da proposi-ção, elaboração e implantação do novo curso. Para ele, essa iniciativa irá chamar atenção em toda a América Latina pelo pioneirismo e pelo mercado emergente que está se formando a partir de ações mundiais como a Conferência de Cope-nhague. A preocupação dos coordena-dores do curso é assegurar a formação de profissionais com excelência técnica mas com visão humana e conscientes da condição atual da América Latina. ”Temos a missão de construir o DNA da Unila com uma formação mais ajus-tada aos interesses das nações. Quere-mos formar profissionais que não quei-ram apenas vender e lucrar com os seus produtos, mas que sejam conscientes da importância de construir um desenvol-vimento latinoamericano com base nas

energias renováveis”, salientou Cícero Bley Jr.

Além da Unila, a temática energias renováveis vem motivando o aperfeiçoa-mento de currículos tradicionais e a cria-ção de novos cursos específicos Brasil à fora. Na também recém criada Universi-dade Federal da Fronteira Sul, que com-preenderá municípios nos três estados do Sul do Brasil, há o curso de Engenharia Ambiental com ênfase em Energias Re-nováveis. E em outras instituições a pes-quisa em energia limpa vem ganhando espaço. Na PUC/RS, através de recursos de Pesquisa e Desenvolvimento, estão sendo fabricados os primeiros painéis fotovoltaicos no Brasil. Na Universidade Federal de Santa Catarina, a energia so-lar também se destaca, sobretudo a partir de projetos de grande visibilidade, como os Estádios Solares, Aeroportos Solares e Telhados Solares. Nas universidades federais do Norte e Nordeste, o destaque é para a energia eólica. Na Universida-de Federal do Rio Grande do Norte há ainda o Centro de Tecnologias de Gás e Energias Renováveis (CTGás-ER). Em Minas Gerais, a Universidade Federal de Itajubá dedica-se com afinco aos estudos de energia hídrica, sobretudo às peque-nas centrais hidrelétricas e a Federal de Viçosa destaca-se na pesquisa com bio-massa para energia. Já a Unicamp abri-ga o Centro Nacional de Referência em Energia do Hidrogênio e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, através da COPPE (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Enge-

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Cícero Bley, superintendente da Coordenadoria de Energias Renováveis da Itaipu.

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nharia), é pioneira nos estudos de ener-gia marémotriz e tem no setor elétrico brasileiro uma de suas principais verten-tes de atuação.

Mudanças climáticasToda essa preocupação na formação de novos profissionais voltados às energias renováveis busca suprir duas grandes necessidades que se relacionam: a redu-ção de emissões de carbono para conter as mudanças climáticas e a produção de energia limpa como forma de alcançar as metas dos países. Aliás, essa demanda é considerada tardia para muitos, pois em países industrializados a formação e a busca por profissionais nessas áreas já é antiga. E não é à toa que Estados Unidos, vários países da comunidade européia e mesmo a gigante China estou bem à frente do Brasil na indústria de energias renováveis, como solar e eólica.

O ligeiro atraso do Brasil nesse contexto se deve, basicamente, ao en-tendimento hegemônico de que não é a matriz energética do país que polui, mas o desmatamento. Entre os que de-fendem essa linha de pensamento está Maurício Tolmasquim, presidente da EPE. Segundo ele, no ranking mundial, o país está em 5° lugar na emissão de gases de efeito estufa, atrás dos Estados Unidos, da União Européia, da China e da Indonésia. Mas a situação fica mais confortável se a avaliação das emissões for pela produção no setor de energia. Nesse caso o Brasil cai para 18° lugar, tendo os EUA como o primeiro polui-

dor, seguido pela China e União Eu-ropéia. Para Tolmasquim, apesar de estar entre os 20 maiores emissores de gases poluentes devido ao consumo de energia, a contribuição brasileira é de apenas 1,3% do total. E isso se deve à matriz predominantemente hídrica. Se a comparação retroceder à poluição gera-da desde 1850, o Brasil ocupa, então, a 22ª posição, sendo o responsável pela emissão de 0,8% do total. Há ainda que se considerar a emissão per capita, ou seja, quanto cada pessoa emite de gases poluentes ao usar energia. Nesse caso, a colocação brasileira cai para 86° lugar: um norte americano polui 31 vezes mais que um brasileiro quando usa energia.

Além disso, a produção econômica dos países também serve como referen-

cial para medir a poluição do ar. Nessa comparação, o Brasil fica em 63° lugar. “Para se ter uma idéia, ao consumir ener-gia para produzir um milhão de dólares de PIB, a China emite mais que o dobro dos gases emitidos no Brasil”, comenta o presidente da EPE.

No entanto, a situação do Brasil é bastante desfavorável quando se ob-serva os números relativos ao desma-tamento, visto que o uso da terra é o responsável por 59% das emissões de gases no país. Na visão de Tolmasquim, é preciso investir em fontes limpas e eficiência energética, mas, principal-mente, o combate ao desmatamento deve ser encarado como uma política de estado das mais importantes. Pelo visto, o debate está longe do fim.

tariFas Feed-inNo bojo das legislações mundiais que fomentaram as energias renováveis

estão as tarifas feed-in (ou FIT), que são preços especiais pagos pelas con-cessionárias que compram a energia de fontes alternativas. Essa modalidade tarifária é capaz de suportar grandes mercados de energia renovável a custos que são pulverizados entre todos os consumidores. Assim, com as obrigações previamente estabelecidas por lei, há segurança aos investidores e outros são atraídos para o setor, pois as remunerações das tarifas cobrem os custos de geração e proporcionam boa margem de lucro, além de ter um preço acessível ao consumidor.

Tal modalidade tarifária está incluída na discussão sobre o Fundo Global de Energias Renováveis de Investimento, que foi aprovado durante a COP 15, em dezembro, na Dinamarca. Essa proposta permitiria aos países em desenvolvi-mento fazer investimentos em grande escala. vamos ver como ele se comporta até a COP 16, para avaliação.

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>> HIDRELÉTRICA

EnErgiA HidrElétricA

O reconhecimento que o Brasil ostenta de matriz elétrica mais limpa do mundo

deve-se a opção pela hidroeletricidade. Ela tem muitas vantagens, mas nos últimos

anos já se discute a necessidade de outras fontes complementares às grandes

usinas, sobretudo em função dos acirrados debates em torno das populações atingidas

e da supressão de mata nativa para a criação dos gigantescos reservatórios.

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a vocação brasileira

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Brasil é o 10º maior gerador de energia elétrica do mundo e, destes, o que mais pro-duz energia de fonte hidráulica. Por isso,

o país é considerado uma referência internacional na construção de usinas hidrelétricas – afinal a base da matriz elétrica brasileira é essa desde a metade do século XX. A geração está interligada quase que na totalidade (98%) através

do Sistema Interligado Nacional (SIN), hoje controlado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). É o SIN que impede a falta de energia, por exemplo, numa região onde os reservatórios estejam em níveis preocupantes, enviando a energia de outra região brasileira em situação mais confortável.

De toda a capacidade de geração elé-trica brasileira – 103,8 GW, a energia hidrelétrica responde pela maior par-te, quase 76% (76,9 GW). Se somar

a importação da energia de Itaipu do Paraguai, chegamos a 84%. Não à toa que a previsão, até 2030, é ampliar a geração dessa fonte pois, do potencial hidrelétrico brasileiro de 261,4 GW, usado como uma referência para os es-tudos de planejamento, atualmente só é convertido em energia elétrica cerca de 30%. Do total, 32% correspondem a um potencial pouco conhecido, ape-nas estimado, e 43% estão na Região Norte.

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20 PRIMEIROPLANO . Maio 2010

>> HIDRELÉTRICA

Já em comparação com dados mun-diais, 33% do potencial hídrico tecnica-mente factível no globo já foi explora-do, sendo que em alguns países, como a França o aproveitamento da fonte hídrica já chegou aos 100%. Ampliar a geração hidrelétrica, aliás, não é uma orientação apenas brasileira. Na edição de 2007 do International Energy Outlook dos Esta-dos Unidos, a meta para o crescimento da geração hidrelétrica e outras fontes renováveis foi estimada em 56% nos próximos 23 anos. Esse potencial tecni-camente disponível para aproveitamento hidráulico global está concentrado em apenas dez países. Nesse ranking o Bra-sil ocupa a terceira posição, superado apenas pela China e pelos Estados Uni-dos. Daí a aposta nessa fonte para gera-ção. E quando se avalia o crescimento da demanda por energia no país, a hidrelé-trica acaba sendo, entre as fontes limpas, a mais barata.

Conforme estudos da Agência Nacio-nal de Energia Elétrica, restaram poucas opções para a construção de grandes usi-nas. No momento, os projetos em anda-mento são as duas usinas do Rio Madeira – Santo Antônio e Jirau – em Rondônia, e a usina de Belo Monte, no estado do Pará, a qual tem dividido opiniões mun-do a fora. Usinas desse porte, apesar do avanço tecnológico brasileiro, não são empreendimentos simples. Atualmente, governo e empreendedores reconhecem que essas usinas são investimentos in-tensivos em capital com altos riscos ge-ológicos, hidrológicos, de engenharia, construção, financiabilidade e também

sempre envolvem grandes problemas so-cioambientais.

Nesse contexto, as pequenas centrais hidrelétricas - PCHs - surgem como van-tajosa alternativa energética por vários motivos: o imenso potencial hidráulico do país, o conhecimento tecnológico, o menor custo de implantação e o descon-to ao empreendimento de 50% nas tari-fas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição, pelo fato de não pagarem compensação financeira (royalties) pela utilização dos recursos hídricos, além da necessidade de se diminuir os problemas socioambientais. Impulsionadas também pelo Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), onde a Eletrobrás garante a compra da energia por 20 anos, pipocaram pelo país cen-

tenas de projetos de PCHs. Além disso, a possibilidade da venda de energia no mercado livre e a autogeração tornaram esses empreendimentos bastante atrati-vos para o setor empresarial brasileiro, o qual vem registrando considerável cres-cimento.

Na Aneel estão catalogadas, desde as que já estão em operação até as que já foram outorgadas (mas que ainda não iniciaram a construção) 580 PCHs e ou-tras 387 CGHs (Central Geradora Hidre-létrica, abaixo de 1MW a unidade). As pequenas usinas normalmente operam no que os engenheiros chamam “a fio d’água”, ou seja, o reservatório não per-mite a regularização do fluxo d´água. Por isso, em época de estiagem a vazão pode ser menor que a capacidade das turbinas e a usina pode ficar ociosa. Em situação oposta, quando a vazão é maior que a ca-pacidade de engolimento das máquinas, o excedente de água passa pelo vertedor. Esse é um dos fatores que faz com que o custo da energia de uma PCH seja maior que o de uma usina hidrelétrica de gran-de porte, onde o reservatório pode ser operado para diminuir a ociosidade ou os desperdícios de água.

Mas nem mesmo essa característica que, economicamente poderia deixar a PCH em desvantagem, tem feito os em-preendedores recuar. E o motivo são os baixos impactos ambientais e a possibi-lidade do uso da energia de forma des-centralizada. Essas características, que permitirem a movimentação das turbinas apenas com a queda natural dos rios, fa-vorece a construção de inúmeras peque-

PCHs fomentam a indústria nacional.

DIv

ULG

AÇÃO

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nas usinas num mesmo rio. E isso já está acontecendo por todo o país, mas nem sempre de forma harmoniosa.

No Estado de Santa Catarina, por exemplo, a construção de seis PCHs no Rio Cubatão, no município de Santo Amaro da Imperatriz está gerando confli-tos. Para os ambientalistas, as usinas irão interferir diretamente nas águas termais que caracterizam o turismo da região. Além disso, alegam que a reprodução dos peixes poderá ficar comprometida porque, tendo que superar tantas usinas, não conseguiriam fazer a desova. Neste quesito específico, o Centro de Referên-

cia em PCH da Universidade Federal de Itajubá (MG) já desenvolve protótipos de turbinas amigáveis para peixes, que permite a transposição dos animais . Ou-tro ponto que, no caso de Santo Amaro da Imperatriz é bastante polêmico, é que o rio onde as usinas deverão ser constru-ídas é o responsável pelo abastecimento de água de toda a região metropolitana, que abrange a capital, Florianópolis, e mais cerca de dez municípios.

Essa situação levou o Ministério Públi-co de Santa Catarina a encaminhar a Re-comendação 07/2008 ao órgão ambiental do Estado, a Fundação do Meio Ambiente

(Fatma), para proceder com mais caute-la na liberação de licenças para as usinas hidrelétricas no Estado, “considerando que os estudos localizados não oferecem uma avaliação abrangente do impacto so-bre a bacia hidrográfica”. No documento onde solicita reunião da Fundação com a Aneel e Ibama a fim de firmar um Termo de Referência para os procedimentos em bacias hidrográficas de Santa Catarina, o MP/SC relembra conflitos anteriores, como os ocorridos na construção das usinas de Machadinho, Barra Grande e Campos Novos, todos em solo catarinen-se. Também afirma que a situação é mais

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>>

crítica no Oeste do Estado, em razão da poluição dos rios por dejetos suínos. Para o Ministério Público, que desenvolve o Programa Água Limpa nessa região, os barramentos previstos “implicam a for-mação de lagos que poderão potenciali-zar a poluição já existente”, bem como se mostrou preocupado com a “supressão de remanescentes da Mata Atlântica”. O órgão público defende a realização de estudos integrados de bacias hidrográfi-cas no estado catarinense e não apenas os Relatórios Ambientais Simplificados, que são os exigidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) na Resolu-ção 279/91.

Além disso, os investidores esperam uma revisão da Resolução 395/98 da Aneel. Essa normativa, que já esteve

em Audiência pública em 2008, estabe-lece as regras para registro, elaboração, aceite e outorga de autorização para im-plantação de pequenas centrais hidrelé-tricas. A idéia é simplificar o processo de outorgas. As principais alterações em discussão constituem quatro premissas: foco das avaliações na caracterização do potencial hidráulico; redução no tempo de tramitação de um processo; novos critérios para desempate, no caso de dois ou mais empreendedores interessa-dos no mesmo aproveitamento; e apli-cação de penalidades que evitem o não cumprimento dos requisitos dispostos na proposta, especialmente quanto aos cronogramas de implementação do em-preendimento. Mesmo depois do fim do prazo de audiência pública, as dúvidas continuam.

Atualmente a Aneel estabelece que, na disputa para implantar uma usina dessa modalidade, tem a preferência o proprietário das terras das margens do rio. Mas a idéia em discussão é mudar esse critério favorecendo as empresas que fazem o inventário do potencial das águas. Obviamente que isso contraria muitas expectativas dos proprietários, que em alguns casos já cobram aluguel pelo espaço. E para os empreendedores, aumenta ainda mais a responsabilidade. “O setor precisa de modificações para ser otimizado. Fazer dos empreendimentos balcões de negócios prejudica a oferta de energia”, comenta Antenor Zimmer-mann, diretor da Desenvix SA.

Mas num mercado ávido pela neces-sidade energética, mesmo com a demora

HIDRELÉTRICA

Usina Hidrelétrica Barra Grande

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para a efetivação dos empreendimentos, vale muito apostar na produção de ener-gia, em especial em energia hidrelétri-ca de pequeno porte. Não é à toa que a energia de PCHs já representa 2,88% da potência outorgada do país. O custo mé-dio para a obra é de R$ 5.000/kW insta-lado. Numa perspectiva de 15 anos, esse é um mercado que deverá ter um aporte de investimentos da ordem de R$ 140 bi-lhões. Por isso entrar no ramo de PCHs interessa tanto pequenas quanto grandes empresas. A Eletrisa de Blumenau (SC), por exemplo, construiu no município de Água Doce (SC), duas PCHs que geram 6,9 MW. Para cada uma das usinas foi constituída uma Sociedade de Propósi-to Específico (SPE), onde havia espaço para pequenos investidores. Nesse caso as usinas foram divididas em cotas e, na época da venda, as ações preferenciais estavam em torno de R$ 450, acessíveis para qualquer pessoa física. Toda a ener-gia das duas usinas já está vendida. Para o diretor da Eletrisa, Olinto Silveira, o investimento em PCHs está acima das aplicações financeiras correntes, além de ser um negócio mais seguro e estável que o mercado de ações.

Outro grupo privado, Engevix Enge-nharia S.A, vem apostando em hidre-létricas, tanto em PCHs como grandes usinas. As suas três PCHs em operação estão no PROINFA, e mesmo a Usina Hidrelétrica Monjolinho (entre os muni-cípios de Nonoai e Faxinalzinho – RS), já vendeu a energia deste período. No entanto, apesar da garantia da compra da energia, para Ronaldo Bordinhão, di-

retor da Desenvix (empresa do Grupo Engevix), as exigências são tão grandes que só com persistência a empresa vai adiante. “É sempre um processo moroso e penoso. E não é só o licenciamento am-biental, que isso tem que ser rígido mes-mo. É o excesso de burocracia em todo o processo. E depois do empreendimento em operação, as cobranças muitas vezes são descabidas”. Ele exemplifica com o controle da qualidade da água dos reser-vatórios das usinas. “Nas nossas usinas nós mantemos sim o padrão exigido, mas toda a poluição anterior à barragem: das cidades que não têm saneamento, do desmatamento sem controle, do uso de agrotóxicos nas lavouras que sempre vai parar nos rios, isso não se leva em conta na medição da poluição. A culpa é sem-pre do empreendimento. Por isso que de-fendemos educação de verdade”. Assim, além das obrigações de monitoramento da fauna, qualidade da água, preservação da faixa ciliar (mata em torno dos rios), o Grupo investe em ações educativas, ambientais e sociais para todos os seus empreendimentos. “Já fizemos até esco-la. Não era nossa obrigação, mas a co-munidade era tão carente que não fazia sentido termos um negócio numa cidade onde as pessoas não sabiam nem ler”, comenta Bordinhão

A vida depois da barragemUm fator que sempre depôs contra as usinas hidrelétricas foi a remoção de fa-mílias atingidas que, via de regra, é um processo traumático. Para o Movimento dos Atingidos por Barragem – MAB, o

tecnologia simples inexistente no brasil

Na Alemanha o engenheiro Hans Wilhelm Peters patenteou uma pequena hidrelé-trica que permite a criação de peixes ao mesmo tempo em que gera energia para uso local e que também pode ser ven-dida a uma distribuidora. A técnica con-siste na instalação de um “parafuso de arquimedes” invertido, que gera energia tanto quanto uma pequena turbina, mas que não fere os peixes. Associado a ele pode ser implantado um sistema lateral de escada de peixes do tipo meandro, que permite o retorno dos animais ao lei-to do rio para a desova. Peters tem ven-dido sua idéia sobretudo em pequenas propriedades. Assim, é possível ter ener-gia própria, sem estar conectada à rede e não prejudicar o meio ambiente, pois é uma proposta para pequenos rios. Ainda há o benefício de produzir uma renda ex-tra sobre a criação de peixes. “Eu nasci perto de um rio e desde criança sempre observei o comportamento dos peixes. Por essa razão questiono essa forma da rampa da década de 80. Os peixes não nadam em linha reta, em ângulos retos, os peixes nadam em forma orgâ-nica, junto com o movimento da água”, explica Peters. O resultado disso são li-nhas orgânicas, movimentos circulares. No Brasil não há registro do uso dessa tecnologia ainda. Uma das empresas fa-bricantes – a Ritz/Atro, busca implantar um protótipo desse parafuso no Brasil e associar-se a uma instituição de ensino e pesquisa para verificar o funcionamen-to do equipamento nos rios brasileiros.

O Parafuso de Arquimedes invertido e seu sistema lateral de escada de peixes

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AÇÃO

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>> HIDRELÉTRICA

impacto para as populações é sempre ne-gativo, seja uma grande ou pequena usi-na. “Em Minas Gerais, por exemplo, ti-vemos PCHs que expulsaram centenas de famílias. A Usina de Fumaça, da empresa Novelis é um caso desses. Mais de 250 famílias foram tiradas de seus lares para garantir a energia de uma multinacional, que não tem compromisso com o desen-volvimento da economia e do povo bra-sileiro”, comenta Joceli Andrioli, um dos coordenadores nacionais do MAB. Ele diz que a maior parte da energia consumida no Brasil é para abastecer a exportação, sobretudo minérios e celulose. “No país, 600 consumidores livres gastam 60% da energia produzida enquanto todas as re-sidências do país, de pobres e ricos, não consomem mais que 25%. Além disso, temos falha na transmissão, onde se per-de cerca de 16% da energia. O discurso vigente diz que falta energia. Falta para o modelo consumista mundial. Infelizmente nosso país não discute a energia como um meio de desenvolvimento social”, opina o dirigente do MAB.

O movimento social é contra a constru-ção de todo o tipo de hidrelétrica e enten-de que todos os rios devem ser preserva-dos. A produção de energia para assegurar o crescimento do país, na visão do MAB, viria de fontes diversificadas de acordo com o potencial de cada região, que pode ser solar, eólica, ou mesmo hídrica des-de que sem impactos. Para o movimento, que existe nacionalmente desde 1991 e está presente em 15 estados, os empre-endimentos e governos vêem as questões ambiental e social como custo de produ-

ção. “O que prevalece é a decisão política, não a técnica”, diz Andrioli.

Essa informação de Andrioli é con-testada pelos empreendedores. A justifi-cativa é que, para a obtenção da licença prévia é preciso primeiro a apresentação do EIA/RIMA, onde, teoricamente, deve constar os projetos para as populações atingidas. Os estudos têm que ser aprova-dos pelos órgãos ambientais reguladores e pela Aneel. Depois da licença prévia, acontece o leilão de energia e então o ven-cedor precisa fazer o Projeto Básico Am-biental para obter a licença de instalação. Por conta desse “rito burocrático” é que os empreendedores têm uma visão dife-rente do MAB. “A construção de usinas hidrelétricas foi a maior e melhor refor-ma agrária feita no Brasil”, diz Ronaldo Bordinhão, da Desenvix. “Ao fazer uma usina, famílias que muitas vezes viviam em situações de miséria, optam por um assentamento coletivo ou individual, ga-nham uma casa decente, têm acompanha-mento permanente pelo empreendimento. Tivemos até casos de famílias que não estavam incluídas na lista dos atingidos e que vinham nos pedir, por favor, para incluí-los”, relata Bordinhão.

Para muitas famílias, que sempre vi-veram do que produziam na lavoura, en-frentando as intempéries e muitas outras dificuldades, de fato, quando conseguem uma nova terra, a condição de vida muda para melhor. “Essa é a regra”, comenta Júlio Alberto Pavese, sociólogo, que tra-balhou com as populações atingidas no Brasil por três décadas. Segundo ele, não havia decisões unilaterais nos programas

estudos disponíveis on line A Aneel agora disponibiliza em sua página eletrônica um rela-tório de acompanhamento dos estudos e projetos com o anda-mento dos processos de estu-dos de inventário hidrelétrico e de viabilidade, bem como dos projetos básicos de empreen-dimentos hidrelétricos, usinas hidrelétricas e pequenas cen-trais hidrelétricas (PCHs). Para acessá-lo, basta entrar no site da agência (www.aneel.gov.br) e clicar no link Informações Técnicas/Gestão e Estudos Hi-droenergéticos.

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de reassentamento em que atuou. “Gover-no, empresa (no caso, Eletrosul), MAB e outros envolvidos participavam de uma comissão para a discussão e resolução de todos os problemas relativos aos atingi-dos”, explica Pavese. Segundo ele, esse trabalho social da Eletrosul foi conside-rado exemplo mundial. “Realizamos, em Florianópolis, um seminário internacional de remanejamento involuntário de popu-lações. Veio gente da China conhecer a nossa experiência”, lembra. Dos reassen-tamentos coletivos e individuais, assegu-ra Pavese, mais de 70% dos agricultores permanecem nas terras. “No início alguns desistiram, outros trocaram por carta de crédito. E há também um fenômeno inte-ressante: a globalização impõe padrões. Os filhos não ficam mais nas proprieda-des, a agricultura é mecanizada, não exige tanto esforço”, explica o sociólogo.

Crédito de carbonoAs empresas que geram energia de fonte alternativa, como das PCHs e CGHs po-dem obter créditos de carbono para co-mercialização através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), confor-me estabeleceu o Tratado de Kyoto. As empresas, depois de registrarem as usinas no Conselho Executivo de MDL, obtêm os créditos e os vendem para empresas ou pa-íses que não conseguem reduzir a poluição e, compram esses créditos para cumprir as metas de geração de gás. Na prática, os po-luidores pagam pelo carbono que outros, em qualquer lugar do mundo, deixaram de emitir. No Brasil já são várias as empresas que optam por esse negócio limpo.

Retrospectiva

A Universidade Federal de Itajubá (MG) não é referência em estudos sobre PCHs à toa. Tem uma vocação centenária. A eletrificação na cidade, que foi uma das primeiras do país a ter luz elétrica, começou em 1907, com a PCH na Serra dos Toledos. Pouco depois, em 1911, o Capitão Luiz Dias e o Major João Antônio Pereira idealizaram a construção da se-gunda usina, no sul do Estado. No início da década de 30, a usina já ampliada com três unidades, chamava-se Usina Luiz Dias e foi adquirida pela Cemig, mantendo-se em opera-ção até 1993. Neste mesmo ano a Universidade, a CEMIG e a Prefeitura iniciaram as negociações de um comodato das instalações da usina e, a partir de 1995, a Luiz Dias passou a ser a única PCH operada comercialmente e interligada ao sistema através de uma escola de engenharia. Além de ge-rar, a usina funciona como um laboratório em escala real e se destina a estudos e pesquisas nos níveis de graduação e pós graduação. Lá foi constituído o Núcleo de Excelência em Energias Renováveis, que realiza inúmeras atividades no sítio hidrológico, com curso de agroenergia para crianças da zona rural até a quarta série do ensino fundamental, curso de hidrometria voltado ao treinamento de profissionais de insta-lação, operação e manutenção de postos hidrométricos con-vencionais, a implantação do Parque de Alternativas Energé-ticas para o Desenvolvimento Auto-Sustentável (Paeda), além do programa de visitação na PCH Luiz Dias.

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26 PRIMEIROPLANO . Maio 2010

>> EÓLICA

Se há uma fonte usada para fins energéticos

há muito tempo é a eólica. Eternizada no

clássico Dom Quixote do escritor espanhol

Miguel de Cervantes, os moinhos de vento de

mais de dois séculos atrás agora ganharam

uma nova roupagem tecnológica, mas o

princípio continua o mesmo: usar a força do

vento para promover energia cinética e

elétrica.

EnErgiA EólicA

DUB

BELk

LIk

DES

IGN

os bons ventos

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om uma indústria mun-dial em expansão, já existem empresas fa-bricando aerogeradores de até 7,5MW de ca-pacidade por unidade.

Não à toa que, das energias renováveis atuais, a eólica é a que mais desponta no cenário internacional. Relatório recente da Associação Mundial de Energia Eóli-ca (WWEA, sigla em inglês), aponta que em 2009, a capacidade instalada mundial atingiu 159.213 MW eólicos, sendo que só no ano passado foram adicionados aos sistemas mais de 38 GW. Em compara-ção com anos anteriores, a energia eólica

apresentou um crescimento de 31,7% - a maior taxa desde 2001. O que significa dizer que a capacidade do vento para ge-rar eletricidade dobra a cada três anos.

Segundo ainda o relatório da WWEA, todos os aerogeradores instalados até o final de 2009 no mundo irão produzir 340 TWh por ano, o equivalente a 2% do consumo de energia global. Para se ter uma idéia, essa é a demanda de ener-gia elétrica total da Itália, que é a sétima maior economia do mundo. Diante do crescimento além do previsto registrado no último ano, a Associação Mundial de Energia Eólica refez sua previsão e apos-ta que ao final de 2010 já se terá supe-

rado a capacidade instalada de 200 GW (no relatório de 2008, acreditava-se em 160 GW).

Outro dado importante internacional é que atualmente 82 países usam ener-gia eólica e desses, 49 aumentaram sua capacidade instalada e 35 têm parques com mais de 100 MW instalados. China e Estados Unidos consolidaram como os maiores mercados e juntos representam 38,4% da capacidade global. Outros nove países vêm sendo considerados como principais mercados para vendas de turbinas de 0,5 a 2,5 GW: Espanha, Alemanha, Índia, França, Itália, Reino Unido, Canadá, Portugal e Suécia.

América Latina mais que duplicou suas instalações em função do Brasil e do México, passando de 0,6% para 1,5% da capacidade global.

C

a energia eólica no mundo

A maior parte das novas instalações estão na Ásia (40,4%), seguidas pela América do Norte (28,4%) e Europa (27,3%).

Europa lidera o mercado “off shore” (no mar), com 828 turbinas instaladas em 38 parques eólicos.Emprega

550 mil pessoas. Em 2012, a indústria eólica espera oferecer 1 milhão de postos de trabalho.

Em 2009, o setor teve um volume de negócios de 50 bilhões de euros.

Estados Unidos mantiveram-se no topo da capacidade instalada, com 35.159 MW.

A China foi o país que mais contribuiu com o crescimento em 2009: foram 13.800 MW, mais que duplicou as instalações, pelo quarto ano consecutivo.

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28 PRIMEIROPLANO . Maio 2010

>> EÓLICA

O otimismo com a fonte é tanto que já se acredita que, em 2050, todas as neces-sidades energéticas da Europa poderão ser satisfeitas pelas energias renováveis, sendo a eólica responsável por 50% des-sa procura. A conclusão é da Associação Europeia da Energia Eólica (EWEA, si-gla em inglês). “O potencial existe e a in-dústria está preparada para isso. A única coisa que temos de fazer é manter as atu-ais taxas de crescimento [da energia eó-lica] em terra e no mar”, comentou o pre-sidente executivo da EWEA, Christian Kjaer, citado pela Dow Jones Newswire. “As outras energias renováveis podem ‘facilmente’ satisfazer a outra metade das necessidades energéticas da Euro-pa em 2050”, salientou Kjaer. Para Ar-

Rio Grande do Norte .......... 23

Bahia ............... 18

Ceará ............... 21

Rio Grande do Sul ................ 8

Sergipe .............. 1

projetos contratados no leilão de14/12/2009

Parque eólico de Osório, o maior da América Latina

DIv

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AÇÃO

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thouros Zervos, presidente da EWEA e do Conselho Europeu para as Energias Renováveis, “os potenciais benefícios de um futuro baseado na energia renovável são múltiplos e pensar 2050 parece equi-vocadamente distante. “As decisões que forem tomadas hoje terão um grande im-pacto no nosso fornecimento de energia dentro de 40 anos”.

Em todos os países onde as energias renováveis vêm conseguindo significati-va participação, um dos pontos decisivos para esse quadro é o marco regulatório – a legislação para o fomento da ener-gia descentralizada. E a Europa foi o maior exemplo para o mundo. Tanto que a experiência européia é o esqueleto do que está sendo desenvolvido no Brasil, sobretudo com o Proinfa. No entanto, re-presentantes do setor apontam falhas na legislação brasileira. Para Marco Antô-nio Morales, diretor da Empresa Ventos do Sul, que administra o Parque Eólico de Osório (até o momento, o maior da América Latina em operação), é preci-so criar um marco regulatório estável de médio e longo prazo, que garanta a compra de energia elétrica de fontes re-nováveis para que investidores, entida-des de financiamento e fabricantes de equipamentos orientem os seus planos estratégicos. “Na América Latina, e es-pecificamente no Brasil, encontram-se algumas das melhores regiões do mundo para desenvolvimento de energia eóli-ca. Aqui há potencial para reproduzir o sucesso industrial ocorrido em países como Alemanha, Estados Unidos, Espa-nha, Índia e China, e liderar o processo

no continente Sul-americano”, argumen-ta o executivo.

Por isso não à toa o mercado das eólicas aposta no Brasil. As entidades ligadas ao setor tentam encontrar os ca-minhos para isso. Para Fernando Cunha, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Energia Renovável – Abe-er, a Política Nacional para Energias Renováveis – que vem sendo discutida entre a entidade e integrantes do governo – deverá ser voltada principalmente para o desenvolvimento das energias eólica e solar. Segundo o empresário, o Governo envolveria neste plano os ministérios de Minas e Energia, Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento, Indústria e Comér-cio Exterior. Entre os pontos que estão sendo discutidos estão uma estratégia de longo prazo para implantação de usinas solares e eólicas, a viabilização financei-ra dos empreendimentos, conexão dos projetos com o sistema elétrico nacional e novos mecanismos de incentivo para o uso de fontes renováveis. Isso tudo, obri-gatoriamente, terá que passar por uma legislação específica, como aconteceu nos países anteriormente citados.

Tais ações são o ponto de partida da ampliação da indústria da energia renovável no país. No caso específico da energia eólica, é preciso que haja definições claras sobre projetos, pois o fabricante depende de uma cadeia de sub-fornecedores e isso é um processo demorado e caro. Essa é a opinião de Eduardo Lopes, da Wobben Wind Po-wer, localizada em Sorocaba/SP (com uma filial no Ceará). “Não se faz um

Para Marco Antônio Morales, da ventos do Sul, na América Latina encontram-se algumas das melhores regiões do mundo para desenvolvimento de energia eólica.

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AÇÃO

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>> EÓLICA

parque eólico de uma hora para outra. É preciso ter a certeza do investimen-to, com medição de vento pelo menos por um ano e depois, a avaliação da topografia do terreno. Só aí a empresa poderá dimensionar o tipo do aeroge-rador e a quantidade”, explica Lopes. Mas de uma forma resumida, segundo ele, uma usina eólica equivale a uma pequena central hidrelétrica (PCH). “O preço do MW dessas duas fontes é muito parecido”.

Esse custo hoje praticamente equi-valente entre usinas eólicas e PCHs é comprovado pelos últimos leilões espe-cíficos para energia renovável, como o realizado em dezembro de 2009, quando o preço médio do MWh eólico ficou em R$ 148,39.

Nesse primeiro leilão exclusivo de eólicas já houve uma boa surpresa no bom número de projetos tecnicamente habilitados: 339. Desses foram contra-tados 71 projetos, que ofereceram os melhores preços e juntos somarão mais 1.805,7 MW ao SIN. A compra foi rea-lizada na modalidade de reserva, que é a contratação de um volume de energia além do que seria necessário atualmen-te para atender à demanda do mercado total do país. As empresas vencedoras assinarão contratos de compra e venda de energia com 20 anos de duração, vá-lidos a partir de 1º de julho de 2012.

Outro leilão para renováveis está previsto para a segunda quinzena de agosto deste ano, o que mantém o mer-cado aquecido e atrai novas empresas. Para esse houve um número ainda maior de projetos habilitados para a fonte eólica: 399, distribuídos em sete estados brasileiros. Esse também será um leilão de reserva de energia para que as empresas vencedoras iniciarem a operação em 2013.

Somadas as usinas do Proinfa que foram concluídas no último ano, o Brasil deu uma importante contribui-ção à geração eólica na América Lati-na. Atualmente estão em operação no país 44 usinas, registrando uma potên-cia total de pouco mais de 765 MW, o que ainda representa pouco no total de geração do país: 0,71%. O maior par-que continua sendo o de Osório, com 150 MW, seguido pelo Praia Formosa, no Ceará, com 105 MW. Há ainda três empreendimentos em construção (dois

DE UMA FORMA

RESUMIDA, UMA

USINA EóLICA

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O PREÇO DO MW

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É MUITO PARECIDO.

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RetrospectivaMesmo antes do Proinfa já existiam no Brasil alguns parques em operação, mas muito pequenos. Em 2003 eram seis unidades, com uma capacidade instalada total de pouco mais de 22MW. Dessas, duas localizadas no Ceará – os parques de Taíba e Prainha – representavam 68% da produção eólica nacional. A primeira turbina no país para geração eólica foi instalada em junho de 1992 no Arquipélago de Fernando de Noronha/PE, através do projeto do Grupo de Energia Eólica da UFPE em parceria com a Companhia Energética de Pernambuco e financiamento do Folkecenter – um instituto de pesquisas da Dinamarca, país líder em fabricação de aerogeradores. Essa turbina é modesta, se comparada às novas que estão em operação no Parque Eólico de Osório.

O primeiro aerogerador de Fernando de Noronha mede 23 metros de altura, 17 metros de diâmetro, com um gerador de 75 kW. Parece pouco, mas sozinha a turbina produzia eletricidade correspondente a 10% da geração total na ilha. Já a segunda turbina entrou em ope-ração em 2001. Com as duas torres, nos primeiros anos desta déca-da, Fernando de Noronha foi o maior sistema híbrido eólico-diesel do Brasil.

Já a primeira central eólica a atuar como produtor independente está localizada em São Gonçalo do Amarante, município cearense. Em operação desde 1999, a usina gera 5MW com dez turbinas de 45 metros de altura.

E para quem acha que somente no litoral é possível ter energia eólica, a Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), já em 1994, ousou mostrar o contrário. Com o apoio financeiro do governo da Ale-manha, construiu a Central Eólica Experimental do Morro do Cameli-nho, gerando 1MW. Passados 16 anos, ainda está em operação.

Já na Região Sul, a primeira experiência foi a Central Eólica de Pal-mas, no Paraná, inaugurada em 2000, com potência instalada de 2,5 MW. Em 2002, o Governo do Rio Grande do Sul apresentou o seu Atlas Eólico, para auxiliar em futuros projetos naquele estado, que até então não dispunha de nenhum parque eólico.

no Ceará e um no Rio de Janeiro), que totalizam quase 99 MW de potência e outros 35 outorgados (que não inicia-ram a construção).

No entanto, mesmo com o avanço do setor em função dos leilões, a le-gislação continua sendo uma pedra no caminho. Para a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), se o mercado brasileiro abrisse melhores perspectivas, “os fabricantes viriam todos para cá”. Segundo o diretor da entidade, Paulo Ludmer, o Proinfa en-gessou um mercado altamente promis-sor, pois, de acordo com o Atlas Eóli-co Brasileiro, o potencial desta fonte energética no país chega a 1,43 GW. “A Índia, a China e os EUA abriram-se e hoje já exportam equipamentos. Já as empresas que existem no Brasil abastecem mercados externos. A GE, por exemplo, exporta para os EUA”, comenta Ludmer. A entidade também vê com cautela os índices de naciona-lização, previstos no Proinfa. “Temos fábricas de componentes se instalando no Brasil, que necessitam de alguma defesa num mercado ainda imaturo. Essa é uma questão de compatibilida-des e harmonias dentro do setor que estão por ser definidas em pouco tem-po. Qual o procedimento que atenda ao conjunto das preocupações da ca-deia produtiva da eólica? O objetivo comum é desenvolver o mercado e aí estará a plataforma da solução”, opina o dirigente da Abeeólica.

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>> SOLAR

EnErgiA SOlAr

Desde a década de 1970, quando pensou e iniciou o Próalcool, físico José Bautista Vidal já afirmava: “o Brasil é o grande continente tropical do planeta, foi premiado com um reator de fusão nuclear particular: o sol”. No entanto, passados 40 anos, a energia solar pouco avançou no país. E não pela ausência de estudos e de empresas interessadas no setor, mas pela falta de estímulo público em adotar esta que é considerada a mais sublime das energias limpas.

a força tropical

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onforme o Atlas Brasi-leiro de Energia Solar, publicado pelo Institu-to Nacional de Pesqui-sas Espaciais (INPE)

em 2006, o país recebe mais de 2.200 horas de insolação por ano, um poten-cial equivalente a 15 trilhões de MWh. Isso corresponde a 50 mil vezes o con-sumo nacional de eletricidade. Apesar do imenso potencial do Brasil e América Latina para a energia solar, seus defen-sores não querem mudar completamente a matriz energética atual, que no caso do Brasil, predomina a hidroeletricidade. Entendem, no entanto, que a energia do sol poderá ter uma grande contribuição como coadjuvante, suprindo a carência

C em períodos de seca – quando os re-servatórios das usinas chegam a níveis preocupantes – e levando energia às co-munidades isoladas, onde nem mesmo o Estado consegue chegar com linhas de transmissão e distribuição.

Para Fábio Rosa, diretor do IDEAAS – Instituto para o Desenvolvimento de Energia Alternativa e da Auto Sustentabi-lidade, com sede em Porto Alegre, a ener-gia solar tem um importante papel social a cumprir. Como exemplo, ele destaca o Projeto Luz Agora, que entrega energia elétrica no meio rural sem conexão com redes de distribuidores tradicionais de energia. “Trabalhando em diversas comu-nidades no Rio Grande do Sul, o projeto tem um teste de mercado concluído e em

pleno funcionamento, com 40 sistemas solares fotovoltaicos instalados e em funcionamento no município de Encru-zilhada do Sul, 20 sistemas em São José do Norte e um modelo experimental em Osório”, explica Fábio Rosa. Além da instalação, a entidade faz um acompanha-mento permanente das famílias, que pa-gam pelo serviço. “Fazemos um cálculo médio de quanto a família gastava com querosene, diesel e outros combustíveis para geração de energia. Ao adquirir os painéis fotovoltaicos, dividimos seu custo em parcelas que ficam até menores que o gasto médio das famílias com energia suja”, explica Rosa.

Um exemplo é a família da senhora Ce-lanira Paulo Gomes, da cidade de Encru-zilhada do Sul (foto ao lado). Na época da instalação dos painéis fotovoltaicos, a fa-mília tinha um gasto médio mensal de R$ 78,00 com o lampião a gás. Agora, paga R$ 32,00 para ter energia solar. Em casas como a da senhora Celanira, a geração de energia é suficiente para quatro lâmpadas, chuveiro, eletrodomésticos, como geladei-ra, televisão, rádio, carregador de celular, bomba d’água e demais utensílios domés-ticos eletrônicos. Ao lembrar desta família especialmente, Fábio Rosa emociona-se ao falar da matriarca, senhora Filomena, já falecida. Quando da instalação elétrica, ela pediu que colocasse uma lâmpada do lado de fora, em cima da porta da sua casa. E a explicação dá uma idéia do que significa para milhares de famílias terem energia em casa. Disse a senhora Filomena ao coorde-nador do IDEAAS: “Se tiver uma lâmpada do lado de fora, de noite as pessoas vão ver

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>> SOLAR

minha casa e eu vou receber visitas porque eu tenho luz, e a vida será mais alegre”.

Esse exemplo mostra que a energia solar é viável e tem um grande alcance social. O próprio Programa Luz para To-dos, do Ministério de Minas e Energia, financia os projetos solares fotovoltai-cos que tiverem viabilidade econômi-ca. Nesse caso, a responsabilidade pela instalação e gestão é das companhias energéticas estaduais. Entre as que já realizaram projetos de energia solar em comunidades isoladas estão a Coelba da Bahia, a Ampla S.A (antiga CERJ), no Rio de Janeiro, a Ceal de Alagoas e a Cemig de Minas Gerais. Alguns dos pro-

gramas desenvolvidos pelas distribuido-ras foram patrocinadas pelo Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios – PRODEEM.

Instituído com o propósito de levar eletricidade às áreas rurais e em comu-nidades isoladas, esse programa realizou projetos de energia solar em instalações de caráter comunitário em 117 comuni-dades de 18 estados, com investimento de R$ 1,5 milhão, conforme relatório Cresesb, Centro de Referência para Energia Solar e Eólica Sérgio de Salvo Brito, do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica – Cepel, do Rio de Janeiro. Na época, os principais benefícios sociais

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A principal diferença entre os módulos solares fotovoltaicos e os coletores solares térmi-cos está no princípio de funcionamento. Enquanto os primeiros utilizam os fótons da luz para excitar elétrons e, sob condições definidas, geram eletricidade em corrente contínua, podendo ser usada diretamente ou armazenada em baterias para uso posterior, os se-gundos transferem para uma superfície absorvedora pintada de preto o calor da luz do sol. O material das placas solares é diferente em cada caso. No coletor solar térmico usa-se alumínio, vidro e isolante térmico (lã de vidro). Já os painéis fotovoltaicos têm como principal elemento o silício, metal bastante caro.

Por se tratarem de tecnologias distintas, os preços também são bem diferentes. Por exemplo: um coletor térmico para uso de uma família de quatro pessoas custa em torno de R$ 3.000,00. Já para a mesma família ter em casa um gerador solar fotovoltaico para produzir 200kWh/mês, o investimento será de R$ 25.000,00 a R$ 30.000,00.

Isso explica em parte a ausência de fábricas de painéis fotovoltaicos no Brasil até o momento enquanto que coletores térmicos são fabricados em toda parte, até com ma-teriais recicláveis, como garrafas pet e caixas longa vida. vale lembrar que as maiores reservas de silício no mundo estão em solo brasileiro.

diFerenças entre energia Fotovoltaica e tÉrmica

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>> SOLAR

desta iniciativa foram o aumento do número de alunos em escolas noturnas, incremento da produção de alimentos com a irrigação comunitária e geração de emprego e renda e maior acesso à in-formação e conscientização com a TV-comunitária e a TV-escola. No entanto, uma auditoria do Tribunal de Contas da União no segundo semestre de 2002 constatou alguns problemas no progra-ma, como o baixo envolvimento das co-munidades beneficiárias, a indefinição quanto às responsabilidades dos agen-tes envolvidos, ausência de capacitação para operação, manutenção, assistência

técnica e sustentabilidade dos sistemas e inexistência de tombamento e controle patrimonial dos ativos do PRODEEM. Havia muitas queixas que depois do equipamento instalado, as comunidades ficavam abandonadas, sem saber o que fazer em caso de falha técnica.

Assim, o TCU recomendou, no Acór-dão 598/2003, a revisão do modelo até então vigente. Foi então feito um Plano de Revitalização e Capacitação – PRC do PRODEEM e nele ficou estabelecido que, além do treinamento e da revitalização dos sistemas já instalados, era preciso efetuar a regularização patrimonial correspondente,

em 2003, a nove mil sistemas adquiridos correspondentes a um valor aproximado de 37 milhões de dólares. Reestruturado, o PRODEEM passou a integrar o Luz para Todos. Após esta estruturação, as con-cessionárias estaduais voltaram a instalar sistemas fotovoltaicos em comunidades rurais e isoladas. Um exemplo é a Eletroa-cre, que instalou 20 mil sistemas através do Programa Luz para Todos.

Saindo do meio rural para os grandes centros urbanos, aos poucos se perce-be uma importante mudança a favor da energia solar. É cada vez maior o núme-ro de casas de classe média e alta que

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usam aquecedores solares já no projeto das edificações. Nas últimas décadas essa tecnologia tem se multiplicado e o preço ficou mais acessível, sendo inúme-ras as empresas que oferecem no Brasil serviços de planejamento, engenharia e instalação destes equipamentos. No en-tanto, faltava ainda a iniciativa do poder público, o que, sobretudo em 2007, teve um grande salto com a Lei 14.459/07, na cidade de São Paulo, instituindo que as novas construções sejam planejadas de forma eficiente, prevendo maior aprovei-tamento da luz e aquecimento solar. Se-gundo os defensores da iniciativa, como

as entidades que compõem a RENOVE – Rede Nacional de ONGs de Energias Renováveis (sediada em Brasília), a eco-nomia estimada de energia em sistemas bem dimensionados pode chegar a 70%. Isso é bastante significativo quando se avalia a pesquisa da Eletrobrás divulga-da em 2007, que aponta o pico no con-sumo de energia do país entre 18 e 21 horas, motivado pelo uso dos chuveiros: 60% de toda a eletricidade do país.

Mais recentemente, o Programa Minha Casa, Minha Vida, do Governo Federal, incluiu o aquecimento solar como item para o financiamento das habitações. Mas

ainda não há uma legislação nacional so-bre isso. O que existe são leis municipais e estaduais. Na Câmara dos Deputados, os projetos tanto para energia térmica solar quanto fotovoltaica estão incluídas na proposta da Comissão Especial sobre energias renováveis, que se encontra pa-rada em função de um recurso.

Mesmo sem legislação, há quem tome a dianteira e busque alternativas para a consolidação dessa tecnologia. A Eletrosul Centrais Elétricas S. A, por exemplo, através de um convênio com o KFW – banco de fomento alemão, a Universidade Federal de Santa Catari-

Na Casa Solar criada pela Eletrosul há energia solar fotovoltaica e térmica, que garantem água quente em toda a casa, além de energia elétrica.

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>> SOLAR

na, o Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina – Ideal e a Empresa de Coope-ração Técnica Alemã - GTZ realizou um estudo de viabilidade técnica para geração de energia solar no seu prédio sede, em Florianópolis. O estudo prevê placas fotovoltaicas em estacionamen-tos cobertos e na cobertura do prédio. Com as obras concluídas o edifício pra-ticamente irá produzir a energia elétrica que consome e a Eletrosul será a primei-ra empresa pública do país autossusten-tável em energia solar. Mas, para viabi-lizar o projeto completamente e iniciar um mercado para esse tipo de fonte, a empresa vender cotas de energia solar para empresas que queiram associar sua imagem a essa energia limpa.

O Instituto IDEAL e a UFSC também estão na dianteira de outros importantes projetos de visibilidade da energia foto-voltaica. São os Estádios Solares para a Copa do Mundo do Brasil, em 2014, e os Aeroportos Solares, vitrine para todos os estrangeiros que chegam ao nosso país. Já estão em fase de elaboração de pro-jetos os estádios de Pituaçu, na Bahia, o Mineirão, em Minas Gerais e o Beira Rio, em Porto Alegre. A UFSC também desenvolveu projeto de modernização do Aeroporto Hercílio Luz, em Florianópo-lis. O pagamento dessa obra seria paga por todos os usuários de avião no país, num valor aproximado de R$ 0,25 por bilhete. “Um valor irrisório para quem usa a energia solar, mas um resultado que todos verão e ficarão orgulhosos”,

comenta o professor Ricardo Rüther, da UFSC, um dos idealizadores do projeto.

O especialista explica que ainda não há estudos que quantifiquem o potencial de geração de energia fotovoltaica no Brasil. Mas, segundo ele, há como fazer compara-ções com outras fontes existentes no país. Tomando a Usina de Itaipu, por exemplo, o professor explica que se uma área equi-valente em tamanho ao lago de Itaipu (1350 km2 e 14 GW de potência) fosse coberta com sistema solar fotovoltaico, a potên-cia instalada seria de 94,5 GW. O entrave ainda são os custos. Enquanto os últimos leilões de energia nova têm registrado um valor médio de R$ 100 MW/h nas chama-das fontes convencionais – hidro e térmicas – para as energias alternativas esse valor é bem mais alto. “Os leilões de energia, como

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Planta piloto com geração de energia fotovoltaica, na sede da Eletrosul, em Florianópolis

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RetrospectivaNo Hemisfério Norte, desde a década de 1970 a ener-

gia solar está na pauta permanente dos governos. Desco-berta ainda no século xIx pelo físico francês Edmund Be-querel, quando experimentava o efeito fotovoltaico com dois eletrodos metálicos numa solução condutora, perce-bendo o aumento na geração de energia elétrica com a luz, a tecnologia fotovoltaica passou por vários estágios até chegar ao uso em grande escala do silício. Em 1873, Willoughby Smith descobriu o efeito fotovoltaico em sóli-dos com o selênio. A produção da primeira célula fotovol-taica neste metal veio quatro anos mais tarde, com W. G. Adams e R.E. Day. Em 1904 Albert Einstein publicou um artigo sobre o efeito fotovoltaico, ao mesmo tempo em que divulgava ao mundo sua teoria da relatividade. E foi com a explicação do efeito fotovoltaico que Einstein ganhou seu primeiro Prêmio Nobel, em 1923. A primei-ra célula de silício foi produzida em 1954 nos Labora-tórios Bell, em Murray Hill, Nova Jérsei, Estados Unidos. E no ano seguinte começou no mesmo país a produção de elementos solares fotovoltaicos para aplicação espa-cial. Daí por diante esta indústria foi se aprimorando e as placas tornaram-se mais eficientes. Em 1980 Israel foi o primeiro país estabelecer uma política pública de energia solar. Nesta década, a produção mundial ainda era pe-quena. Em 1983, por exemplo, não passava de 20 MW. Em 1994, aconteceu a primeira Conferência Mundial Fo-tovoltaica, no Hawai e o Século xx terminou com pouco mais de 1000 MW em sistemas instalados no mundo.

nas usinas do Rio Madeira e de Belo Mon-te, têm o preço inicial da obra de geração, sem contar os custos e a perda de energia na transmissão e na distribuição até chegar na tomada do consumidor. A energia solar é a tomada, sem custos extras e sem perdas”, afirma. Ricardo Rüther argumenta ainda que, enquanto no Brasil a energia elétrica de fontes convencionais tem tido um reajuste médio ao ano de 14%, a indústria da energia solar vem registrando uma queda nos valo-res da produção em 5% ao ano. “Nossa esti-mativa é que em 2017 esses valores estejam equiparados”, afirma.

Essa aposta do professor Rüther espelha também uma projeção mundial. Segundo dois recentes estudos da Agência Interna-cional de Energia (IEA, sigla em inglês), a tecnologia solar poderá responder por 20% a 25% da eletricidade no mundo, isso com-binando energia termosolar e fotovoltaica. Juntas elas reduziriam a emissão de CO2 em cerca de seis bilhões de toneladas até 2050. “Só a fotovoltaica poderá gerar 3mil GW”, disse Nobuo Tanaka, diretor execu-tivo da Agência, no anúncio feito agora em maio, na Espanha.

Em 2009, conforme dados da Asso-ciação Européia de Energia Fotovoltai-ca (Epia, sigla em inglês), a capacidade mundial chegou a 22 GW instalados. Em um ano foram adicionados 7,2 GW, mes-mo com a crise econômica mundial que freou muitos investimentos. A expectati-va é que 2010 termine com um cresci-mento global de 40%. A Alemanha con-tinuou sendo a líder no mercado, com a Itália em segundo lugar, seguidos pelo Japão e Estados Unidos.

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>> HIDROGêNIO

HidrOgêniO

DIv

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AÇÃO

O hidrogênio pode ser encontrado em

diferentes fontes renováveis de energia:

no sol, no vento, na biomassa, no biogás

e na água. Mas ele sozinho não é energia,

precisa passar por transformações

químicas. E essas transformações

custam caro.

a energia do futuro

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N

O Elding (foto à esquerda), que leva turistas para a Islândia para observar as baleias em seu habitat, é o primeiro navio com um sistema de propulsão a hidrogênio. Ele fornece energia elétrica para a embarcação e silêncio absoluto (o que favorece a observação de cetáceos e aves marinhas), além de ter reduzida emissão poluente. O navio é abastecido na primeira estação de reabastecimento de hidrogênio renovável do mundo – a Reiliavík, na capital islandesa. Essa estação está em operação e aberta ao público desde 2003.

a segunda metade do século XVIII, Júlio Verne, que mais tarde entrou para a história como um dos maiores

escritores da França do seu tempo, apos-tava em uma matriz energética limpa, a partir do elemento mais abundante no planeta: o hidrogênio. Naquela época, disse Verne: “Acredito que a água será empregada um dia como combustível. A decomposição da água em seus elemen-tos primitivos, naturalmente se dará atra-vés da eletricidade, que tornar-se-á uma poderosa força manejável. Acredito que o hidrogênio e o oxigênio proporciona-rão uma fonte inesgotável de calor e luz. Acredito que, quando os depósitos de carvão se exaurirem, nós nos aquecere-mos com hidrogênio. O hidrogênio será o carvão do futuro.”

Mais de cem anos após a sua morte, o futuro que já chegou aponta para as muitas possibilidades do uso deste elemento como combustível sustentável e limpo. Mas sua grande disponibilidade na atmosfera não significa que essa caminhada seja fácil

Em comparação à gasolina, o hidrogê-nio não é fonte de energia, mas uma bate-ria, um transportador de energia. Em tem-peratura e pressão ambientes, ele ocupa 300 vezes mais espaço que a gasolina para conter a mesma quantidade de energia.

Ainda assim, ele já é utilizado a mui-to tempo, basicamente de duas formas: a partir de combustíveis fósseis (96%) e com água (4%). Suas aplicações mais comuns são na fabricação de fertilizan-tes, na conversão de óleo líquido em

margarina, na fabricação de plásticos e resfriamento de geradores e motores.

O desafio é mudar os números acima, pois com o anúncio do fim da era do pe-tróleo para as próximas décadas, chega a ser uma provocação usar combustível fóssil (gás natural, por exemplo) para produzir hidrogênio. Até porque, dessa forma continuará a dependência aos com-bustíveis fósseis. Então as pesquisas ago-ra se centram no uso de fontes renováveis para a produção de hidrogênio através da eletrólise da água – como sugeriu Júlio Verne – , o que não é, em termos de efi-ciência energética, algo ainda produtivo. Por exemplo: para se ter uma unidade de hidrogênio são necessárias três turbinas eólicas ou nove células fotovoltaicas.

Outra forma de se obter a energia do hidrogênio é com biomassa, mas também com esta fonte existem os pontos contrá-rios. Em primeiro lugar há a sazonalida-de. Na sequência, o que pesa é a umidade, que impõe a necessidade da estocagem, secagem e gaseificação. Além disso é pre-ciso uma grande quantidade de terra para produzir biomassa (cerca de 10 toneladas por hectare). E, para preservar o solo, não se deve retirar grandes quantidades des-ta matéria orgânica. Por isso a oferta de biomassa não é grande o suficiente para a produção de hidrogênio em larga escala. Soma-se a isso os custos de transporte até a central de produção de energia e a perda energética com o uso de fertilizantes.

Outros obstáculos técnicos ao avan-ço de hidrogênio são a estocagem e o transporte. Por ser o mais leve dos gases, sempre está sujeito a “escapar” do arma-

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>> HIDROGêNIO

zenamento, o que força que os tanques tenham um reforço. Esse gás também costuma deixar os metais quebradiços e pode gerar vazamentos, sobretudo em encanamentos. O uso de metais fortes para conter o hidrogênio, com certeza custa mais caro que o normal. Quan-to ao transporte, a comparação com os combustíveis fósseis é cruel ao nobre gás. Um mesmo caminhão tanque, por exemplo, pode transportar combustível para 800 veículos (cerca de 38 mil litros) enquanto para o hidrogênio – por conta da estrutura de armazenamento mais re-forçada – levaria 400 kg do gás liquefei-to, e este poderia ser usado em apenas 60 carros. Já o uso de dutos, como os que cruzam o Brasil com gás natural, tornar-se-ia ainda mais oneroso. Nos Estados Unidos, onde há 322 mil quilômetros de gasodutos ao preço médio de um milhão de dólares por 1,6km, a construção de um sistema de dutos para hidrogênio similar

ao usado pelo gás natural não sairia por menos de 200 bilhões de dólares

Investimento e aposta no futuroTodo pioneirismo custa caro. E é isso que a necessidade pela busca de matrizes ener-géticas limpas, forçada pelos tempos de aquecimento global e mudanças climáti-cas, vem motivando governos e empresas a investir em novas tecnologias como a do hidrogênio. Os estudos e experimentos em andamento dão conta de que ele pode vir a se consolidar como um combustível susten-tável e limpo utilizado em automóveis, resi-dências, indústrias, robôs, laptops e outros equipamentos portáteis. Países como Esta-dos Unidos, Japão, Alemanha e França vêm se destacando neste segmento. Neste últi-mo, o Comissariado de Energia Atômica da cidade de Ripault, estabeleceu metas para até 2010 reduzir pela metade a quantidade de platina, elemento bastante caro e usado na composição de pilhas de hidrogênio.

Além dos ônibus, carros, motos e em foguetes, as células a combustível já fornecem energia limpa e eficiente a fa-zendas, hospitais e shoppings em vários países do mundo, inclusive no Brasil.

BrasilNosso país também vem se dedicando à temática do hidrogênio. Na prática, já estão sendo usados ônibus híbridos em várias linhas municipais, como no Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. O fabri-cante é a gaúcha Marcopolo e os modelos são Viale Híbrido e Viale Articulado Hí-brido. Estes ônibus possuem baixo nível de emissão de poluentes, baixo consumo e índices reduzidos de poluição sonora.

O transporte com uso de hidrogênio é apenas um dos temas que vêm sendo de-batidos no país. Tanto que existe o Cen-tro Nacional de Referência em Hidrogê-nio e o Programa Brasileiro de Sistemas de Célula a Combustível, mantidos pelo

ônibus futurista inglês

Honda FCx Clarity

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RetrospectivaAs células a combustível foram inventadas em 1839 por William

Grove, antes mesmo das máquinas a combustão. No entanto as últi-mas foram as primeiras a cair no gosto da indústria, já que a gasolina, além da grande energia gerada quando em combustão, apresentou-se como combustível barato, de fácil transporte e abastecimento abundante.

No entanto, ao chegarmos na primeira década do século xxI, a indústria automobilística se rendeu ao hidrogênio. Segundo o Comis-sariado de Energia Atômica da cidade de Ripault, na França, , nos últimos anos o custo da matéria prima permitiu que a PSA Peugeot Citröen trabalhasse na fabricação de uma pilha compatível com a tec-nologia dos veículos.

Outras empresas mundiais do setor automobilístico também ex-perimentam a tecnologia do combustível limpo à base de hidrogênio. A General Motors, por exemplo, aposta que para o ano que vem, ou no mais tardar em 2012 já estará produzindo veículos competitivos e não poluentes à pilhas de hidrogênio. A Honda também já desenvolve um veículo com esta tecnologia. É o FCx Clarity, que promete oferecer três vezes mais eficiência em combustível que os carros convencio-nais à gasolina. Até o momento, a meta é concluir a construção de 200 unidades, cuja venda está sendo feita por leasing de três anos, a um valor de USS 600 por mês. Além disso a Honda, que já produziu dez gerações de carros movidos à células de energia, tem veículos em fase experimental em vários países. As motocicletas são outra aposta do setor automotivo. A Suzuki já desenvolveu uma moto conceito cuja propulsão é feita por um sistema de células de combustível de hidro-gênio. A Crosscage, no entanto, ainda está longe de estar desfilando pelas estradas do mundo.

Outra instituição internacionalmente reconhecida que vem apostan-do no hidrogênio é a NASA, a Agência Espacial dos Estados Unidos. Percebendo que o hidrogênio quando é queimado com oxigênio puro produz, como sub-produtos apenas calor e água, a agência tem usado esta associação para a propulsão de foguetes em substituição a outros combustíveis fósseis. O baixo peso, a compactação e a capacidade de grande armazenamento de energia também influenciaram nesta de-cisão. quando o hidrogênio é usado em células a combustível, a água resultante deste processo é consumida pelos astronautas.

Ministério da Ciência e Tecnologia. Des-de sua implantação, no início da década, já foram realizados diversos workshops. As discussões que visam introduzir o hi-drogênio na matriz energética nacional, vêm tratando basicamente dos marcos le-gais – normas, padrões, regulação, a pro-dução, logística, sistemas de conversão, aplicações e atividades transversais, já que, como visto anteriormente, o hidro-gênio é utilizado em inúmeras atividades econômicas. O Brasil integra ainda a Parceria Internacional para a Economia do Hidrogênio (IPHE). Trata-se de um fórum de discussão e fomentador da co-laboração internacional, composto por 14 países e a Comissão Européia.

Desde o início a Itaipu Binacional vem participando destes debates. No seu par-que tecnológico em Foz do Iguaçu iniciou pesquisas de células a combustível e veí-culos elétricos e apostou num Programa do Hidrogênio. Tanto que incluiu a ini-ciativa no Plano Empresarial 2004-2011. Entre as ações previstas neste programa estão o estudo para produção industrial, a implantação de planta geradora, o de-senvolvimento de projeto e aquisição de infra-estrutura, utilização de veículos a hidrogênio e análise de viabilidade eco-nômica e ambiental. Para isso firmou con-vênio com a Unicamp, onde está instala-do o Centro de Referência do Hidrogênio, para assessoria técnica e científica.

A empresa já apresentou seu veículo híbrido – elétrico e a hidrogênio – e pre-tende que em 2011 este automóvel tenha características de um popular e com pre-ço equivalente.

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>> GEOTÉRMICA

EnErgiA gEOtérmicA

O planeta não é quente apenas na sua superfície. O calor proveninente das camadas abaixo da terra é incalculável e agora, quando se buscam outras fontes de energia limpa para conter as mudanças climáticas, o aproveitamento desse pontencial, que já é bastante antigo, voltou à pauta acadêmica e dos governos.

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Cratera Inferno, na nova Zelândia

o centro da Terra

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M esmo sendo consi-derada uma energia renovável nova, a fonte geotérmica á bastante antiga. As nascentes de água

quente são usadas para banhos e traba-lhos domésticos, como lavar roupa, desde os primórdios da civilização em muitas partes do mundo. Mas comercialmente, sabe-se que a fonte foi usada para gerar energia desde 1913. E não era pouca a energia produzida já naquele tempo.

Segundo estudo do Paintel Intergo-vernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, sigla em inglês), a utiliza-ção da energia geotérmica tem aumen-tado nos últimos 30 anos e é realidade em mais de 90 países, sobretudo para aquecimento. Já a conversão dessa ener-gia em eletricidade é feita em 24 países, sendo que em cinco desses a geotermina responde por até 20% da geração elétrica nacional. São eles Costa Rica, El Salva-dor, Islândia, Quênia e Filipinas. Con-forme levantou o IPCC, em 2004 o uso mundial de energia geotérmica chegou a 57 TWh/ano, enquanto a capacidade elétrica instalada era de quase 9GW. De 2005 a 2007 houve um incremento de mais 800 MW na capacidade, seguindo uma tendência linear padrão de aproxi-mados 250 MW anuais.

Quem defende o uso dessa fonte tem argumentos sólidos. Segundo o docu-mento do IPCC, das fontes renováveis, a geotermia é a que tem fator de capacida-de mais elevada, chegando a 73%. Isso porque ela não depende de condições

meteorológicas como as demais – inso-lação, vento, chuvas.

Até recentemente a energia geotér-mica era aproveitada somente em áreas onde a água termal ou o vapor encontra-vam-se concentrados em profundidades inferiores a 3 km. Isso mudou no século XXI com o desenvolvimento de usinas que utilizam a energia com recursos de temperatura mais baixa (em torno de 100° C), além do surgimento de bom-bas geotérmicas, as quais usam a terra como fonte de calor para aquecimento ou como dissipador de calor para refri-geração, dependendo da estação do ano. Com isso, todos os países podem utilizar o calor do planeta para aquecimento ou arrefecimento, conforme a necessidade.

Em encontro realizado no mês de abril deste ano em Bali, na Indonésia, a Associação Internacional de Geoter-mia ousou afirmar que essa pode ser a fonte energética para mudar o mundo. “ A energia geotérmica é indígena, sus-tentável e ambientalmente responsável, contrariando o aquecimento global, ca-paz de substituir uso de energia baseadas em carbono intensivo”, diz a Declaração de Bali, documento final do evento que reuniu os maiores especialistas do mun-do no assunto. Para eles, além da eletri-cidade, a geotermia pode proporcionar o desenvolvimento de uma vasta gama de utilizações diretas, como o aquecimento e refrigeração de edifícios, o uso em pro-cessos industriais e produção agrícola, além da indústria do lazer.

Na América do Sul essa é uma fonte pouco explorada. No Chile, por exem-

plo, desde 1968, depois de um convê-nio entre o Governo e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, constatou-se o potencial nas costas vulcânicas ao longo da Cordilhei-ra dos Andes, visto que a fonte de calor originária das áreas termais eram mag-mática. Em 1976 os estudos apontaram a viabilidade para a instalação da primei-ra central geotermelétrica de 20 MW. A mesma usina foi usada para dessalinizar a água, já que o país carecia de água po-tável. Em 1999, um novo convênio de entidades chilenas, alemãs, neozelande-sas e italianas iniciou um outro projeto no país. Atualmente existem mini cen-trais com potência de 35 a 1000kw que atendem a comunidades rurais isoladas.

Na Argentina, uma orientação da Secretaría de Industria y Mineria de La Nación datada de 1992 pôs em marcha um estudo de reconhecimento e viabili-dade para o uso da energia geotérmica. Tais pesquisas se concentraram em três grandes áreas e identificaram 46 regiões de interesse geotérmico. Mas desde 1988 há uma central piloto em operação em Copahue, na província de Neuquén, com uma potência de 670 KW.

No Brasil há pesquisas em andamen-to também. Um projeto desenvolvido pelo físico Valiya Mannathal Hamza, pesquisador na área de geofísica do Ob-servatório Nacional, com sede no Rio de Janeiro, está avaliando a temperatu-ra do Aquífero Guarani e seu potencial geotérmico. O pesquisador defende que essa seria uma fonte bastante vantajosa para os estados do sul do Brasil, que têm

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>> GEOTÉRMICA

temperatura mais fria. Segundo estudo feito por Hamza e publicado em 2005, a Bacia do Paraná é uma das regiões mais indicadas para exploração e aproveita-mento de energia geotermal. “A exis-tência de diversas estâncias termais em atividade, nos diversos locais da região centro-norte da bacia do Paraná é base-ada na extração de recursos geotermais utilizando poços profundos, em regiões onde o contexto geológico é favorável e as surgências naturais são limitadas.

Temos na Bacia uma conjunção de fato-res geológicos e geofísicos que podem ser considerados, como indicativos da existência de sistemas geotermais com temperaturas relativamente elevadas”, explica A pesquisa ainda está em anda-mento.

Segundo a Agência Internacional de Energia Geotérmica, com base nos da-dos levantados pelo pesquisador Valiya Hamza, o Brasil não tem nenhuma usi-na geotérmica instalada, mas dispõe de

360,1 MWt utilizados para aquecimento de água e em uma planta industrial. Além disso, a Agência Nacional de Energia Elétrica não reconhece essa fonte como geradora de energia para uso do país, ao menos com possibilidade de inclusão ao SIN. A geotermia não aparece dos docu-mentos da Aneel.

O calor natural da Terra Uma energia ainda incalculável é gera-da e armazenada no núcleo da Terra, no

tipos de sistemas geotÉrmicosDe acordo, com a quantidade de água na estrutura geológica, os sistemas podem ser:

Sistema de água quentequando os reservatórios têm água a temperaturas entre 30 e 100 °C. Esse sistema é utilizado atual-mente para calefação e agroindústria

Sistema de vapor seco: Nesse o vapor é forte, produzindo uma pres-são tamanha capaz de movimen-tar uma turbina de usina e gerar eletricidade. A separação gasosa acontece dentro do reservatório e o superaquecimento pode variar en-tre 0 e 50 ° C. Esses sistemas são raros. Três exemplos: Larderello Monte Amiata (Itália), The Geysers (California) e Matsukawa (Japão).

Sistemas de rocha quente e seca: Cor-respondem a áreas de fluxo de calor elevado. quando não existe gêiser, mas as condições são favoráveis, é feito um estímulo ao aquecimento de água usan-do o calor do interior da terra. Há uma usina-piloto funcionando com essa tec-nologia em Los Alamos, na Califórnia.

Sistema de vapor d’água: Chamado também rocha úmida quente, é con-siderada a melhor maneira de obter energia naturalmente. É necessário perfurar um poço que já contenha água e a partir daí a energia é gerada normalmente. As temperaturas são superiores a 100°C.

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Geysers no Parque Yellowstone, nos EUA.

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Retrospectiva

A primeira tentativa de gerar eletricidade de fontes geotérmicas foi em 1904, na Itália. No entantanto as máquinas usadas naquele mo-mento para aproveitar o vapor do interior da terra acabaram destruí-das em função das substâncias químicas que vinham junto ao vapor. Depois, a partir de 1913, uma usina chegou a prouzir 100 MW, mas esta também foi destruída anos mais tarde, não pelas substâncias do vapor, mas pela Segunda Guerra Mundial. Na década de 1970 a Califórnia chegou a produzir 500 MW de eletricidade. Atualmente, em Portugal, há uma central geotérmica em funcionamento na Ilha de São Miguel, nos Açores e outra, na Ilha Terceira, está em fase de conclusão.

O último relatório da Associação de Energia Geotérmica (GEA, si-gla em inglês), divulgado em maio - Geothermal Energy: International Market Update 2010 - mostrou o avanço dessa fonte no mundo. Se-gundo o estudo, entre 2005 e 2010 os Estados Unidos mantiveram a liderança na produção, com 3086 MW de capacidade instalada em 77 usinas, seguidos pelas Filipinas, Indonésia, México, Itália e Nova Zelândia. Uma das grandes promessas é a Alemanha, que se com-prometeu a chegar aos 280 MW até 2020 ( isso significa 40 vezes a atual capacidade geotérmica instalada no país). No país já estão em desenvolvimento 150 projetos dessas usinas.

DesvantagensPraticamente todos os fluxos de água geotérmicos contêm gases dissolvidos, os quais são jogados no ar, mesmo que em pequenas quantidades. Entre os elementos resultantes da junção da água com os gases está o ácido sulfídrico, que é corrosivo e tem um odor bas-tante desagradável.

Além disso, quando uma grande quantidade de líquidos é retira-da das camadas abaixo da terra, há a chance de ocorrer um deslo-camento do solo. Isso aconteceu na usina geotérmica de Wairakei, na Nova Zelândia, cuja superfície afundou 14 metros em 27 anos. Acredita-se que o problema pode ser atenuado com reinjeção de água no local.

Há ainda a poluição sonora para a perfuração do poço. Por isso não é aconselhável uma usina dessas em regiões habitadas.

manto e na crosta. Na base da crosta continental, as temperaturas ficam en-tre 200° e 1.000 ° C; no centro da Ter-ra, ultrapassam os 4.500 ° C. O calor é transferido do interior para a superfície normalmente por condução, e esse flu-xo condutor de calor faz com que o au-mento da temperatura na profundidade na crosta seja, em média, de 25-30° C / km. Os poços geotérmicos para produ-ção de energia têm normalmente mais de 2 km de profundidade, mas não ul-trapassam os 3km. Em 2003 Ruggero Bertani, Gerente de Desenvolvimento de Negócios Geotérmicos do Governo da Itália , apresentou uma compilação de dados sobre o potencial geotérmi-co a partir da pesquisa com outros es-pecialistas. Segundo ele, o potencial estaria estimado entre um mínimo de 35-70 GW e um máximo de 140 GW. Chegou-se a esse dado com base em sistemas geotérmicos aprimorados de tecnologia, mas não há uma precisão em função das diferentes condições geológicas de países como os Estados Unidos e a Islândia.

Considerando o potencial, o IPCC apontou que 8,3% da eletricidade do mundo poderia ser de fonte geotérmi-ca, o que beneficiaria 17% da popu-lação mundial. Pelo estudo feito em 2001 pelo pesquisador Guy Dauncey, 39 países da África, Europa Central, América do Sul e das regiões do Oce-ano Pacífico, poderiam obter 100% de sua eletricidade a partir de recursos ge-otérmicos.

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>> OCEANOS

EnErgiA dOS OcEAnOS

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A matriz energética brasileira é predominantemente hídrica. Mas esta fonte é baseada nos rios, na água doce. Há ainda um imenso potencial que pode ser usado com fins energéticos também no mar. Se associarmos as novas tecnologias já em funcionamento em algumas partes do mundo à imensa costa do país, cuja extensão ultrapassa os nove mil quilômetros, não seria exagero afirmar que pode estar no mar mais uma importante forma de se obter energia elétrica renovável.

a força das ondas

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H á quatro formas de se transformar a força do mar em eletricidade: pe-las marés, pelas ondas, pelas correntes maríti-mas ou pela diferença de

temperatura nos oceanos. No primeiro caso, para aproveitar a energia pelo des-locamento das águas do mar, são cons-truídos diques numa praia que tenha ma-rés e correntes fortes – algo como uma diferença no nível de água de mais de cinco metros entre as marés alta e baixa, que acontecem duas vezes por dia.

Esse tipo de energia é obtido de modo semelhante ao da energia hidrelétrica convencional: constrói-se uma barra-gem, formando-se um reservatório junto ao mar. Quando a maré é alta, a água en-che o reservatório, passando através da turbina e produzindo energia elétrica. Na maré baixa o reservatório é esvaziado e água que sai dele, passando novamente através da turbina, em sentido contrário, também produz eletricidade.

Mesmo assim, por conta da necessida-de de mudanças elevadas das marés, exis-tem poucos locais no mundo para o apro-veitamento deste potencial. Basicamente seria em golfos. Daí a explicação dessa tecnologia ainda ser pouco utilizada. So-ma-se a isso o fato de o fornecimento não ser contínuo, em função das altas e bai-xas, apresentando um rendimento energé-tico abaixo de outras fontes.

Outra forma de obtenção energéti-ca do mar é pelo movimento das ondas do oceano. Na teoria, se fosse possível equipar todos os litorais do planeta com

conversores energéticos, como os pou-cos já em operação em algumas partes do mundo, poderíamos desativar todas as centrais elétricas existentes atualmen-te. No entanto, entre a teoria e a prática há um longo caminho.

De acordo com os estudos já realiza-dos, a exemplo de alguns disponibiliza-dos pela Agência Internacional de Ener-gia (IEA, sigla em inglês), uma onda de três metros de altura pode conter pelo menos 25 kW de energia por metro de frente. O problema ainda não resolvido tecnologicamente é como transformar toda essa energia em eletricidade de ma-neira eficiente, sem perdas e garantindo alto rendimento.

Alguns sistemas são flutuantes (tec-nologia offshore, em águas profundas), outros encravados em terrenos íngremes, próximos às costas.

Mesmo com o grande potencial ener-gético, o avanço das usinas de geração nos oceanos esbarra em dois fatores im-portantes: o custo e o dano ambiental com armazenamento e transporte. Ainda assim, as iniciativas continuam, também com a busca de energia pela diferença de temperatura nos oceanos.

Em função da irradiação solar, a água do mar é mais quente nos 50 a 100 me-tros superficiais e vai esfriando conforme a profundidade. Essa situação pode ser convertida em energia térmica (a energia

FONTE: OREGON STATE UNIvERSITY

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>> OCEANOS

solar armazenada na água), desde que a diferença entre a superfície a o fundo do oceano seja de 38 graus Fahrenheit (ou 3,33 ° Celsius). A tecnologia para isso é chamada Conversão de Energia Térmi-ca do Oceano (OTEC, Ocean Thermal Energy Convertion). Segundo Emmanuel

Gama de Almeida, engenheiro hidrógrafo e oceanógrafo, “o gradiente térmico do mar é, de longe, o principal recurso ener-gético utilizável dos oceanos: cerca de 40 bilhões de Megawatts”. Não há ainda nenhuma usina comercial em operação no mundo, mas no Japão e no Hawai já

existem protótipos para demonstração e experiências. Novamente os problemas são os custos e a eficiência.

O mesmo sol que aquece a superfície, junto com o vento e a rotação da Terra, são ainda responsáveis pelas correntes marítimas, outra possibilidade de obten-ção energética. Sabe-se que o movimen-to de grandes massas de água dentro dos oceanos e mares, além de influenciar o clima nas regiões e o equilíbrio da vida marinha, possuem direções e constân-cias definidas. Aproveitar a quantidade de energia cinética para produzir eletri-cidade também vem sendo estudado, so-bretudo na Europa.

novos projetos, novos mercadosMesmo tendo custos ainda elevados, im-portantes setores não desistem da energia do mar. Um exemplo recente foi o acordo de cooperação de licenciamento assina-do pela Alstom Hydro do Canadá (que atua no Brasil há 50 anos, detendo 35% dos equipamentos utilizados no setor hi-drelétrico nacional) com a Clean Current Power Systems Incorporated, empresa também canadense especializada na con-cepção e ensaio de tecnologia da energia das marés. Segundo o comunicado da Als-tom, “a tecnologia de energia das marés apresenta inúmeras vantagens para o am-biente. É limpa, natural, invisível, e não emite qualquer gás com efeito de estufa. Além disso, sendo uma fonte de energia 100% previsível e inesgotável, representa uma nova fonte de energia duradoura para responder à crescente procura de eletrici-

FONTE: PORTALSAOFRANCISCO.COM.BR/ALFA/MEIO-AMBIENTE-ENERGIA-DAS-MARES

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dade”. É uma aposta num novo nicho de mercado. A Alstom Hydro pretende co-mercializar os seus primeiros produtos nessa área já em 2012.

Aqui no Brasil os estudos também avançam. O Laboratório de Tecnologia Submarina da Coordenação de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) vem sendo a referência nacional nas pesqui-sas sobre energia do mar desde 2001. Os pesquisadores da COPPE acreditam que a tecnologia das ondas pode proporcio-nar custos de geração próximos aos das hidrelétricas, sem impactos ambientais tão volumosos. Também explicam que o Brasil já domina a tecnologia (pela simi-laridade do sistema hidrelétrico), poden-do fabricar os componentes para essas usinas marinhas.

Desde março de 2009, uma parceria firmada com a Tractebel Energia está via-bilizando o projeto no Porto de Pecém, no Ceará. A meta é colocar em funciona-mento até 2011 o primeiro protótipo de Conversor On-Shore de Energia Elétrica a partir das ondas do mar. Similar a uma usina hidrelétrica, o conversor será cons-truído nos molhes do porto.

Conforme estudos da COPPE, o Brasil tem potencial para suprir até 15% de sua demanda energética usando ondas do mar convertidas em energia elétrica. O projeto em Pecém, orçado em R$ 15 milhões, pre-vê a instalação de dois módulos de bom-beamento com capacidade de geração de até 100 mil watts, suficientes para acender 1.667 lâmpadas comuns de 60 watts.

Esta é uma fonte secular. Portugal usa a energia das marés há pelo menos dois séculos. Lá existem os “moi-nhos de maré”, utilizados para moagem de cereais, na foz dos rios e estuários. Em escala um pouco maior, este tipo de fonte já é usada no Japão, Inglaterra e Noruega. No Bra-sil há uma grande amplitude de marés, mas somente em determinadas regiões. Um exemplo é a Baia de São Mar-cos, no Maranhão, onde se tem o registro de marés que alcançam 6,8 metros. No entanto, a topografia do litoral in-viabiliza economicamente a construção de reservatórios.

Já a energia pelo movimento das ondas do oceano vem sendo pensada há pelo menos cem anos. Só na In-glaterra já foram concedidas mais de 350 patentes, que com suas diferenças técnicas, mantêm o mesmo prin-cípio: a onda pressiona um corpo oco, comprimindo o ar ou um líquido que move uma turbina ligada a um gerador.

Apesar dos primeiros experimentos ingleses, é Portu-gal quem vem despontando nesse setor. Até o momento, segundo o Relatório de Gestão do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, as zonas costeiras do país, espe-cialmente o lado ocidental e as ilhas dos Açores, são os locais com condições naturais mais favoráveis no mun-do para o aproveitamento da energia das ondas: recurso abundante (cerca de 25-30 kW/m média anual), águas profundas perto da costa e consumo e rede elétrica pró-ximos. Desde a década de 1970 os portugueses dedicam-se a esses estudos, com grande número de publicações científicas e coordenação de empreendimentos na área energética, mas para a navegação, geologia marítima e engenharias costeira e naval.

Retrospectiva

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>> bIOMASSA

EnErgiA dA BiOmASSA

A biomassa é a forma de energia mais antiga da humanidade e é tida também como energia do futuro. Desde que o primeiro homem queimou um pedaço de madeira para se aquecer e para iluminar as noites, ali estava perpetuado o uso energético da biomassa.

tudo se transforma

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Viveiro de palmas da Petrobras

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H á mais de 30 anos, o físico baiano José Bau-tista Vidal fala aos qua-tro ventos que o Brasil é o país mais energé-tico do planeta porque

aqui temos sol em abundância, e, como conseqüência, a biomassa. Em uma en-trevista à Universidade Federal de Santa Maria, chegou a afirmar: “Do ponto de vista tecnológico, o Brasil é a maior po-tência do mundo na área da biomassa” e que dos maiores países do mundo, é o único que não terá problemas energéti-cos em seu horizonte.

Convencionou-se chamar de fonte de biomassa as que têm um potencial de re-novabilidade alto e que excluem os tra-dicionais combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural). Assim, são biomassa para energia os restos de galhos, de folhas, de bagaços, de cascas de vegetais, o lixo urbano, os dejetos in-dustriais e animais etc.

Na matriz energética brasileira a bio-massa vem ganhando importância ao longo dos anos, sobretudo com o uso do bagaço da cana-de-açúcar para usinas tér-micas. Vale lembrar que o próprio etanol é biomassa, bem como os demais bio-

combustíveis em ascendência no país, a exemplo do biodiesel. A queima de bio-massa também libera dióxido de carbono na atmosfera, mas como esse composto havia sido previamente absorvido pelas plantas que deram origem ao combustí-vel, considera-se nulo o balanço de emis-sões. Daí as usinas térmicas a biomassa estarem na lista das geradoras limpas.

Hoje o país conta com 1337 usinas térmicas, sendo a maioria ainda mantida com combustível fóssil (óleo diesel e car-vão mineral), que respondem por quase 25% da capacidade de geração. Mas so-mente as térmicas a biomassa representam

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>> bIOMASSA

13,9% de toda a matriz energética nacio-nal. Além disso, os leilões de reserva para fontes alternativas vêm registrando um aumento na oferta dessa fonte, sobretudo de resíduos de madeira e de bagaço de cana. Das 52 usinas térmicas em constru-ção, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica, 37 são de biomassa. Outras 45 já foram outorgadas mas ain-da não iniciaram a construção. Em abril a Aneel realizou ainda o primeiro leilão de energia para sistemas isolados, onde o preço médio ficou em R$ 148,50 e cuja energia será vendida para as empresas Celpa (Pará) e CERR (Roraima). O tem-po de contrato para a comercialização desses sistemas é de 15 anos.

Geração distribuídaEsse leilão no Norte do país é um exem-plo de como a fonte de biomassa, nesse caso de resíduos de madeira, pode con-tribuir diretamente para a energia forne-cida pelas distribuidoras. Outra forma de biomassa com imenso potencial no país é o biogás. Através da Resolução Normativa 390, de 15/12/2009 da Ane-el foi autorizado o registro de pequenas centrais geradoras com biogás e sanea-mento ambiental. Isso possibilitou que empresas distribuidoras possam comprar energia desses pequenos produtores. As-sim, abriu-se uma nova tendência para o mercado de energia elétrica, agregando valor, sobretudo às propriedades.

Um exemplo concreto disso são duas iniciativas no oeste do Paraná, capita-neados pela Coordenadoria de Energias Renováveis de Itaipu. A primeira, foi a autorização que a Aneel concedeu para a Companhia Paranaense de Energia – Co-pel, de adquirir energia de seis protóti-pos. Desses, três são propriedades rurais que produzem biogás a partir dos deje-tos animais. O primeiro produtor que vendeu energia foi o Sr. José Carlos Co-lombari, proprietário de uma granja com 3000 suínos no município de São Miguel do Iguaçu, cuja usina térmica tem uma potência instalada de 32 MW. Só nessa propriedade, há uma receita - em virtude da usina e da fabricação de biofertilizan-te - em torno de R$ 112 mil anuais. A ge-ração de energia responde por um ganho de R$ 20 mil/ano, a venda de crédito de carbono, mais R$ 35 mil/ano, enquanto que a economia com os fertilizantes ul-trapassa os R$ 55 mil/ano.

Mas a Granja Colombari é considera-da de médio porte. Para inserir os peque-nos produtores no agronegócio, o mais viável é a participação em um sistema de condomínio de agroenergia. E essa é a outra iniciativa em andamento no Pa-raná. A idéia consiste em construir um gasoduto que leve o biogás das diversas propriedades a uma mini termelétrica e a partir dela a energia é injetada na rede de distribuição convencional. Mas esse condominínio agroenergético produz mais que eletricidade. Assim como um autoprodutor, como é o caso da Granja Colombari, o condomínio agrega valor ao produzir biofertilizante, poder vender

Fotossíntese: origem da biomassa“A folhinha capta e armazena a energia solar de uma maneira que nem em 10.000 anos o homem chegará a processo tão perfeito. A formação das plantas se dá por meio da fixação do CO2 do ar, e da água, numa reação química endotérmica, ou seja, com absorção de energia. Não teve energia, a reação não ocorre. Não teve água, a reação não ocorre. CO2 tem em toda parte. Então são esses três ingredientes na formação dos hidratos de car-bono, que são depósitos químicos de energia em quantidades gigantescas nos trópicos. Celulose e hemicelulose, açúcares, óleos vegetais, amidos. Somos a civilização dos hidratos de carbono. E os petróleos, o xisto, o carvão mineral, todos esses fósseis que se armazenam no fundo dos lagos, dos rios, durante milhões de anos, perdem o oxigênio e se transformam em hidrocarbonetos.

FONTE: ENTREvISTA DE BAUTISTA vIDAL AO PET DE FíSICA DA UFSM

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créditos de carbono, fabricar seu próprio combustível para os veículos e ainda usar a energia térmica nas propriedades, como aquecedores de aviários ou em secado-res comunitários. Essa idéia está sendo posta em prática em Marechal Cândido Rondon: o Condomínio de Agroenergia Sanga Ajuricaba. Segundo o estudo de viabilidade econômica-financeira feito pela Coordenadoria de Energias Reno-váveis de Itaipu, o empreendimento se paga em seis anos.

Esse uso da biomassa residual para fins energéticos que já é realidade no Paraná é

um exemplo para o país por dois aspectos. O primeiro porque com o trabalho desen-volvido junto aos municípios do entorno do lago de Itaipu, pretende-se diminuir o processo de eutrofização do reservatório (poluição da água ocasionada pelos deje-tos rurais, que é tomada por algas e com-promete a qualidade da geração de eletri-cidade de uma grande usina hidrelétrica). Ou seja, o saneamento ambiental é uma necessidade para manter grandes empre-endimentos, como a Itaipu. O segundo, é a manutenção do homem no campo, com a agregação de valor à propriedade.

Quem antes vivia apenas da venda de ani-mais, agora tem um ganho financeiro com a energia e o biofertilizante, além da pre-servação ambiental.

Para Cícero Bley Jr, superintenden-te da Coordenatoria de Energias Reno-váveis de Itaipu, o biogás, esse “velho conhecido da humanidade” apresenta-se como fonte de energia renovável e como instrumento de inclusão social. Ele lem-bra que o país tem quase 100 mil quilô-metros de redes de transmissão e outros 4,5 milhões de quilômetros de redes de distribuição, que antes eram usadas para

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>> bIOMASSA

levar a energia da grande usina para o ponto de consumo. “Depois da norma-tiva da Aneel, esse patrimônio nacional incalculável viabilizará a geração de energia comerciável pelas propriedades rurais por todo o país”. Segundo Bley, essa é uma forma de energia que não de-mandará a construção de novas linhas de transmissão, pois a geração é próxima do ponto de consumo. Daí a explicação que o preço final da fonte de biomassa deve ser bem menor que de uma grande hidrelétrica.

Entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina outro projeto piloto em produção e consumo sustentável de energia elétrica vem sendo desenvolvido em 29 municípios ribeirinhos da bacia hidrográfica do Rio Uruguai. É o Projeto Alto Uruguai, capitaneado pela Eletrosul Centrais elétricas. Além de integrar os municípios, todos com criação intensi-va de suínos e aves e com organizações sociais estabelecidas, essas eram locali-dades com elevados índices de exclusão energética. Muitas famílias viviam sob a rede de transmissão da Eletrosul e não tinham acesso à eletricidade. Assim, o Projeto Alto Uruguai nasceu com o in-tuito de utilizar novas fontes de energia alternativa e geração distribuída, permi-tindo o acesso e a conservação da ener-gia elétrica. “Foi feito um trabalho de capacitação de professores e agentes co-munitários para posteriormente, elaborar Planos Municipais de Gestão Energéti-ca. Com a consciência de que é preciso preservar, ficou mais fácil trabalhar com o uso de novas fontes, como o biogás e

os coletores solares para aquecimento de água”, explica Sadi Baron, coordena-dor do projeto, o qual está associado ao Programa Luz para Todos do Governo Federal, fazendo o cadastro das famílias ainda sem acesso a esse bem público.

Biomassa urbanaO mesmo sistema desenvolvido no Pa-raná em comunidades rurais pode ser aplicada aos centros urbanos para apro-veitamento da biomassa residual. E as cidades têm verdadeiras usinas não apro-veitadas, que são os aterros sanitários. Há décadas, sobretudo na Europa, já se transforma antigos lixões em aterros e se converte o gás metano produzido da decomposição dos materiais em energia elétrica. Há mais de 600 plantas catalo-gadas no Velho Mundo e no Japão.

No Rio de Janeiro, por exemplo, des-de 2003 funciona a Central de Tratamen-to de Resíduos Nova Iguaçu, que foi a primeira do mundo certificada para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), vendendo créditos de carbono. Nessa central, toda a energia utilizada para uso interno é produzida no local e o excedente passa por um processo de queima controlada para o gás não ser li-berado na atmosfera.

É também do Rio de Janeiro o maior empreendimento de biogás para redu-ção de emissão de gases do efeito estu-fa: a Usina de Biogás do Aterro Metro-politano de Jardim Gramacho. Esse era o antigo lixão da capital fluminense. Agora, produz cerca de 160 milhões de metros cúbicos de biogás por ano. Isso

equivale ao consumo de gás natural das residências da cidade do Rio. Esse projeto também está se consolidando como o maior do mundo em crédito de carbono de aterro sanitário e a esti-mativa é obter dez milhões de créditos de carbono em 15 anos de operação. Além disso, em janeiro deste ano a Pe-trobras assinou um contrato de 20 anos onde se compromete a comprar 200 mil metros cúbicos/dia do gás produ-zido em Gramacho. A operação inicia em 2011 e irá abastecer a Refinaria Duque de Caxias. Com os recursos de MDL e do contrato com a Petrobras, o projeto pretende tratar dois milhões de litros/dia de chorume (a substância tóxica proveniente da decomposição de matéria orgânica), recuperar a área vegetal do entorno do aterro, reduzir as emissões atmosféricas de gases de efeito estufa em 75 milhões de metros cúbicos/ano e recuperar os manguezais próximos ao aterro.

Em São Paulo há outros dois exem-plos do uso do biogás,mas para geração de energia em centrais térmicas. Uma dessas usinas está no Aterro Sanitário Municipal Bandeirantes, no município de Perus. Nela há 24 grupos geradores com motores do tipo ciclo Otto, com uma capacidade de geração total de 22 MW. É considerado o maior projeto do mundo de geração elétrica exclusiva-mente com biogás de resíduos urbanos. A outra cental térmica está no Aterro Sa-nitário São João, na zona leste da capital paulista. Nesse a capacidade de geração é de 22 MW.

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Esses quatro exemplos apenas em duas região metropolitanas brasileiras dão a dimensão do potencial energético da biomassa urbana. E isso já tem uma referência teórica importante.

Através do projeto Promovendo o Uso do Biogás Local para o Desenvol-vimento Sustentável no Brasil, o Secre-tariado para a América Latina e Caribe do ICLEI (Governos Locais pela Sus-tentabilidade) desenvolveu volume 1 do Manual para Aproveitamento deBbiogás em Aterros Sanitários. A publicação foi patrocinada pela Agência de Proteção

Ambiental dos Estados Unidos (US-EPA), no âmbito de seu programa “Me-thane to Markets Partnership”, ou M2M, o qual tem a participação de 14 países e visa estimular a implantação de proje-tos de aproveitamento do metano, não somente para reduzir as emissões desse gás, mas também para aproveitar seu elevado potencial energético. Segundo esse estudo, com base na Pesquisa Na-cional de Saneamento Básico realizada pelo IBGE em 2000, a coleta de resíduos sólidos diários ultrapassa 228 mil tone-ladas e destas, mais de 125 mil toneladas

são resíduos domiciliares. Desse total de resíduos sólidos coletados, 36% vão para aterros sanitários, 37% para aterros con-trolados e 21% para lixões a céu aberto. Em paralelo, vem aumentando o número de cidades que fazem coleta seletiva de materiais recicláveis, mas ainda são um número pequeno. Em 2008 eram 405 de um total de mais de 5000 municípios. Tais números deverão mudar neste ano, com a divulgação dos novos dados do Censo 2010.

A partir de um estudo de caso desen-volvido junto ao aterro de Campinas/SP,

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o estudo do ICLEI conclui que a gestão dos resíduos sólidos deve integrar a cole-ta seletiva a compostagem e a reciclagem e que, nesse contexto, o aproveitamento de biogás traz benefícios ambientais e econômicos. Há, segundo o manual, re-dução significativa nos custos de energia elétrica, de energia térmica, de combus-tível para veículos e até mesmo na ilu-minação pública, quando usados postes abastecidos diretamente pelo biogás. Conclui o estudo: “Os poucos aterros brasileiros que já utilizam, ou que em breve utilizarão o biogás gerado para fins energéticos, foram um passo além, gerando um ganho duplo: promovem efetivamente a redição das emissões de

gases do efeito estufa e contribuem para a ampliação da participação de energia renovável na matriz brasileira”.

BiocombustíveisA biomassa vem se consolidando na ma-triz energética brasileira, não somente na eletricidade. Os biocombustíveis chega-ram para ficar e projetam o Brasil ainda mais no mercado internacional. O etanol, iniciado na década de 1970 pelo Programa Próalcool (capitaneado pelo físico Bautista Vidal), depois de 40 anos, mostrou que é a alternativa combustível ao petróleo. Ao menos no Brasil, onde é feito de cana-de-açucar e cujo bagaço ainda pode ser rea-proveitado nas usinas térmicas, inclusive nas conectadas ao SIN. E as perspectivas futuras são animadoras para o setor. Os carros com tecnologia FLEX representa-ram no mês de abril 91% das vendas totais de veículos novos no país. A informação da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores e da União da In-dústria de Cana-de-Açúcar (Única) mostra que esse percentual vem se mantendo des-de 2007. Em março deste ano a indústria nacional registrou a marca de dez milhões de carros bicombustível produzidos desde 2003, o que já representa 40% da frota na-cional de veículos leves.

Mas se no mercado nacional o etanol está consolidado, o mesmo não se pode dizer para a sua internacionalização. Ao mesmo tempo em que há espaço para o crescimento, dada a necessidade da re-dução de emissão de gases poluentes, há barreiras tarifárias internacionais e uma importante questão social a superar que

compromete a indústria sucroalcooleira como provedora de empregos verdes: a existência ainda nas lavouras brasileiras de trabalho análogo à escravidão. Se-gundo a Única, algumas ações públicas e privadas foram implementadas para a melhoria das práticas sociais e ambien-tais. Entre elas está o Zoneamento Agro-ecológico da Cana, que proíbe o cultivo em biomas sensíveis, como a Amazônia e o Pantanal, o Compromisso Nacional, para valorizar as melhores práticas tra-balhistas, e o Projeto Renovação, de re-qualificação de trabalhadores de corte da cana. Ainda assim, essa é uma preocupa-ção permanente e que compromete a sus-tentabilidade dos subprodutos da cana.

Segundo o relatório da ONG Repórter Brasil, divulgada no início deste ano, a maior empresa sucroalcooleira em ativi-dade no Brasil foi inserida na lista ne-gra do Ministério do Trabalho sobre o trabalho escravo e muitas outras usinas foram flagradas com situações trabalhis-tas degradantes. Algumas dessas empre-sas são signatárias do compromisso pela erradicação do trabalho escravo e usam isso como marketing empresarial, mas na prática, mostraram ações opostas ao que se comprometeram. Segundo a Re-pórter Brasil, em 2009 foram libertados em canaviais 4234 trabalhadores. Atu-almente cerca de um milhão de pessoas trabalham com cana-de-açúcar.

Esse é o maior desafio com o etanol: garantir o trabalho decente no setor, expli-ca Maurício Tolmasquim, da Empresa de Pesquisa Energética. “Poderemos ampliar a produção de etanol em 150%, utilizando

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Em 2008, o potencial energético da cana superou o de petróleo no Brasil.

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RetrospectivaA biomassa para transporte é usada há muito tempo no Brasil. Nos anos de 1920, em função da falta de combustível por conta da Primeira Guerra Mundial, combustíveis como o éter etílico, o óleo de mamona e alguns compostos do álcool, como a azulina e a motorina, substituíram a gasolina e o diesel. A mistura do álcool na gasolina começou em 1931 no país por força de lei. Na década de 70 o Proálcool consolidou a opção pelo etanol de cana. Mesmo tendo ficado estagnado por mais de duas décadas impulsionado pelo boom petrolífero, as pesquisas em torno do potencial brasileiro de biomassa não pararam. Em 1996 foi criado o Centro Nacional de Referência em Biomassa (Cenbio), sediado no Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. O Cenbio desenvolve uma série de estudos e projetos que visam o uso e promovem o intercâmbio de conhecimentos sobre biomassa entre instituições do Brasil e do exterior, de informações técnicas e de resultados econômicos e socioambientais, relativos à aplicação das tecnologias de biomassa para fins energéticos.

de cinco a sete milhões de hectares para isso sem que qualquer bioma possa ser afetado. Não há falta de terra para produ-ção de alimentos em nosso país”. Segun-do Tolmasquim, para o atendimento da demanda de etanol em 2017, será neces-sária a utilização de apenas 2,56% da área agriculturável do país. Essas áreas estão distantes mais de dois mil quilômetros da Amazônia, concentrando-se basicamente nas regiões Sudeste e parte do Centro-Oeste e Nordeste. Em 2008, o potgencial energético da cana-de-açúcar superou a de petróleo no Brasil, pela primeira vez.

Já o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel é uma política públi-ca que mostra o quanto o incentivo a uma fonte energética limpa pode contribuir com a inclusão social e a diversificação da renda. Ele estabelece um adicional de 5% de biodiesel ao óleo diesel comum. Desde janeiro deste ano foram contabili-zados quase 2,5 bilhões de litros anuais do biocombustível. Isso significa uma redução da importação de diesel de US$ 0,6 bilhão em 2009.

Segundo relatório do Ministério de Desenvolvimento Agrário, para chegar a essa marca, 32 empresas possuem o Selo Combustível Social e envolvem 54 mil agricultores familiares. Essas empresas juntas representam 92% da capacidade instalada de biodiesel (3.313 mil metros cúbicos). Mas o número de empregos ver-des proporcionados por esse programa vai além das empresas certificadas. Em 2004, quando o programa foi lançado, eram 16.328 agricultores que participavam dos programas. Agora já somam 109.000.

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>> OPINIÃO>>

NIVALDE JOSÉ DE CASTRO*Professor do Instituto de Economia da UFRJ

capacidade de produção de energia elé-trica no Brasil se expandiu e consolidou ao longo do século XX com base na exploração do potencial hidroelétrico. Esta decisão estratégica - iniciada com

o Grupo Light e consolidada em 1954 com o Plano de Eletrificação Nacional - permite que o Brasil atenda hoje cerca de 90% de sua demanda de energia elétrica a partir de geração hídrica, sendo a segunda melhor matriz elé-trica do mundo, só sendo superada pela Noruega. Essa configuração determina um baixo custo da geração e reduzidíssima emissão de gases do efeito estufa. Desta forma, em termos de geração de energia elétrica o Brasil tem uma competitividade econômica e sustentabilidade ambiental impar em relação ao resto do mundo.

O Brasil ainda podendo explorar mais de 150 mil MW de potencial hídrico, frente aos atuais 90 mil MW. No entanto, a incorporação desse potencial implicara, necessariamente, em uma mudança qualitativa na matriz derivada das restrições oriundas da legislação ambiental e geográfica já que esse potencial está localizado na Re-gião Amazônica, o que irá impedir a construção de usi-nas hidroelétricas com grandes reservatórios. As usinas com reservatórios são fundamentais para a regularização da oferta hidroelétrica ao longo de todo o ano em função da natural sazonalidade do regime fluvial entre o perío-do seco (abril-outubro) e úmido (novembro-março).

Por outro lado, a crescente necessidade mundial da geração de energia ser sustentável ambientalmente sig-

A importância da construção de novas grandes Hidroelétricas no Brasil

nifica investimentos crescentes em fontes renováveis de energia. Entretanto, o Brasil vem sendo atacado de for-ma crescente e sistemática pela sua política energética de explorar o potencial hídrico remanescente. As críticas centram-se nos impactos sócio-ambientais locais vincu-ladas às construções e estão normalmente associadas à argumentação que o Brasil deveria adotar políticas mais agressivas de eficiência energética e investir em fontes alternativas como eólica, biomassa e até mesmo energia solar de forma a suprir a crescente demanda de energia elétrica requerida para sustentar o crescimento econômi-co brasileiro. Contudo, estas argumentações são incon-sistentes como será demonstrado a seguir.

A adoção de políticas de conservação de energia as-sim como políticas industriais que priorizem setores de economia menos intensivos em energia e de maior valor agregado é uma questão indiscutível para que o desen-volvimento sócio econômico brasileiro ocorra com uma menor intensidade energética e logo em bases mais sus-tentáveis. Porém, essa constatação não invalida o fato que o Brasil requerer acréscimos significativos de geração de energia elétrica em função do crescimento econômico, da dimensão continental e populacional e mesmo do consu-mo energético per-capita ser ainda reduzido em compara-ção àquele verificado nos países desenvolvidos.

A proposta alternativa de suprimento da demanda adicional e crescente de energia elétrica com base ape-nas em fontes alternativas de energia depara-se com significativas restrições técnicas e econômicas. A ener-

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* Artigo escrito em conjunto com

GUILHERME DE A. DANTAS,

doutorando do Programa de

Planejamento Energético da

COPPE/UFRJ e pesquisador sênior

do Grupo de Estudos do Setor Elétrico IE/UFRJ

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AÇÃO

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gia eólica não deve representar mais de 20% da matriz elétrica de um país, por se tratar de uma energia inter-mitente gerada a partir de um recurso não estocável e que é mais regular e intensa em apenas um período do ano. As dificuldades operacionais e financeiras de Portu-gal e Espanha que incentivaram, em demasia, essa fonte indicam as restrições e incertezas no uso excessivo da mesma. A energia solar apresenta dificuldades análogas à geração eólica com o agravante de ser muito mais cus-tosa em função das restrições tecnológicas e escala de produção. Por sua vez, a bioeletricidade apresenta inú-meras vantagens para a matriz brasileira por ser sazonal e gerada no período seco do ano, estar mais próxima dos centros de consumo e ser associada diretamente à pro-dução crescente de etanol. Contudo, o volume de oferta dessa fonte é insuficiente para atender exclusivamente as crescentes necessidades do Brasil. Portanto, embora essas fontes alternativas devam estar contempladas na expansão do parque brasileiro de geração de energia elétrica, elas não têm condições de atender, por si só, ao acréscimo de energia elétrica necessário a suportar o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Os questionamentos e críticas às linhas de financia-mento especiais e benefícios fiscais para a construção das hidroelétricas como Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, que supostamente dariam uma competitividade artificial e subsidiada à geração hídrica, têm como con-trapartida mais direta os custos da emissão de gases do efeito estufa por parte das termoelétricas. Explica-se:

a redução destas emissões é imperiosa para a mitiga-ção das alterações climáticas e o preço do carbono terá tendência ascendente nos próximos anos. Dessa forma, uma matriz elétrica com reduzida intensidade em car-bono irá conferir um maior grau de competitividade a sua respectiva economia, fortalecendo-a dentro do novo paradigma da “economia verde”.

O planejamento do setor elétrico deve contemplar uma análise comparativa dos impactos ambientais das diferentes fontes de geração disponíveis. Essa análise tende a indicar a necessidade de aproveitamento dos recursos hídricos com o objetivo de atender a demanda por energia no período úmido do ano a ser complemen-tada por recursos alternativos e fósseis, em especial o gás natural, no período seco do ano. Cabe frisar, que, além da vertente ambiental, não se pode ignorar o fato do Brasil ser um país em vias de desenvolvimento que necessita energia a preços módicos e dentre as diferen-tes fontes de energia, a hidroeletricidade é aquela que permanece como a de menor custo.

Dessa forma, e a título de conclusão, as críticas de que o Brasil estaria sendo ambientalmente agressivo e nocivo com a manutenção da expansão da oferta de energia elé-trica via construção de usinas hidroelétricas não é econo-micamente conveniente e não traz impactos diretos sobre o aquecimento global. Em realidade a matriz elétrica bra-sileira é uma das melhores do mundo e possivelmente a competitividade que ela dá ao Brasil pode estar no âmago das críticas oriundas dos países mais desenvolvidos.

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Essa copa é nossa.

Estão entrando de sola na Floresta Amazônica. Em 2009 foram 7 mil km2 de florestasdestruídas: isso é equivalente à área de 875 campos de futebol. O Greenpeace já estáem campo para tentar virar esse jogo. Ajude o Greenpeace a ajudar o planeta. Faça parte desse time.

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Essa copa é nossa.

Estão entrando de sola na Floresta Amazônica. Em 2009 foram 7 mil km2 de florestasdestruídas: isso é equivalente à área de 875 campos de futebol. O Greenpeace já estáem campo para tentar virar esse jogo. Ajude o Greenpeace a ajudar o planeta. Faça parte desse time.

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