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2019 Juiz Substituto Com base no Edital n o 1 – TJPA – de 06.08.2019 • Revisão ponto a ponto • TJ – PA Revisão Final

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Juiz Substituto

Com base no Edital no 1 – TJPA – de 06.08.2019• Revisão ponto a ponto •

TJ – PARevisão Final

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Direito Da Criança e Do aDolesCenteLuciano Alves Rossato e Paulo Eduardo Lépore

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Direito da Criança e do Adolescente

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO (Edital): 1 História da proteção jurídica e social da infância brasileira. Evolução histórico-sociológica da infância e da juventude. Aspectos gerais do Direito da Criança e do Adolescente. A proteção da infância no Brasil. Legislação. Constituição. Lei nº 8.069/1990 e suas altera-ções (Estatuto da Criança e do Adolescente). Disposições preliminares, direitos fundamentais, prevenção, medidas de proteção, perda e suspensão do poder familiar, destituição de tutela, colocação em família substituta. Normas de interpretação do ECA. Normas esparsas. 2 Direito da Criança e do Adolescente. Doutrinas Jurídicas de Proteção: Doutrina da Situação Irregular e Doutrina da Proteção Integral. Prin-cípio da Prioridade Absoluta. Princípio do melhor interesse para a criança e o adolescente. 3 Direitos fundamentais: direito à vida e à saúde; direito à liberdade, ao respeito e à dignidade; direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. 4 Direito à Profissionalização e a Proteção do Trabalho Urbano e Rural do Adolescente. 5 Direito à Convivência Familiar e Comunitária. Poder Familiar. Parentesco. Família natural e da família substituta. Família substituta nacional e estrangeira. Espécies de família substituta e regras especiais. Guarda; Tutela e Adoção. Alternativas de acolhimento familiar. 6 Autorização para viagem. 7 A infância e a adolescência no contexto internacional. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança (ONU, 1989) e principais documentos internacionais. 8 Direito à vida e a proteção do nascituro. Aspectos constitucionais e legais. 9 Prevenção e prevenção especial vinculadas à informação, lazer, esportes, diver-sões e espetáculos. Produtos e serviços. Autorização para viajar. Formas de controle. Ação Civil Pública. 10 Política de atendimento. Entidades de atendimento. Fiscalização. 11 Medidas de proteção. Medidas específicas de proteção. 12 A Justiça da Infância e da Juventude. Aspectos Processuais e Procedimen-tos especiais. Recursos. 13 O acesso à Justiça na defesa dos interesses individuais, coletivos e difusos. A atuação do Juiz da Infância e da Juventude. 14 O Ministério Público. Atribuições. Ação Civil Pública. Termo de ajustamento da conduta. Apuração de responsabilidades nas entidades de atendimento. 15 Ato infracional. Medidas socioeducativas. Remissão. Direitos individuais. Proteção Judicial aos interesses individuais. Garantias processuais. 16 Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis. Da alienação paren-tal. 17 Conselhos Tutelares. Conselhos de Direito da Criança e do Adolescente. Estrutura. Atribuições. Pro-cesso de escolha. Impedimentos. Competência. 18 Responsabilidade Civil. Danos Causados por Crianças e Adolescentes. 19 Crimes e Infrações Administrativas contra a Criança e o Adolescente: Código Penal, Estatuto e Legislação especial. Aspectos constitucionais e legais. 20 Fundo da Infância e Adolescência. 21 Lei nº 12.594/2012 (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). 22 Plano Nacional de Atendi-mento Socioeducativo. 23 Provimento Corregedoria CNJ nº 32/2013 e suas alterações. 24 Resolução do CNJ nº 165/2012 e suas alterações. 25 Resolução do CONANDA nº 169/2014. 26 Súmulas do STF e do STJ.

1. HISTÓRIA DA PROTEÇÃO JURÍDICA E SOCIAL DA INFÂNCIA BRASILEIRA: EVO-LUÇÃO HISTÓRICA-SOCIOLÓGICA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE; A PROTEÇÃO DA IN-FÂNCIA NO BRASIL; LEGISLAÇÃO; CONSTITUIÇÃO; ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ECA E SUAS ALTERAÇÕES: NORMAS DE INTERPRETAÇÃO DO ECA; NORMAS ESPARSAS

1.1. Fases tratamento legal da infância no Brasil

Foi um longo processo para que se chegasse ao estágio atual de previsão de tutela dos direitos da criança e do adolescente, consolidado sob a proteção integral. Nesse sentido,

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várias são as fases que podem ser delimitadas: a) fase da absoluta indiferença; b) fase da mera imputação criminal; c) fase tutelar; d) fase da proteção integral. Anteriormente ao Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, outros documentos legais trataram do tema, sempre refletindo o posicionamento existente no país a respeito. Foram normas anteriores ao Estatuto da Criança e do Adolescente:

a) Lei Federal nº 4.242/1921 - fomentou a necessidade de um Código de Menores. Note-se que tal lei se referia a uma peça orçamentária, muito embora tenha determi-nado a organização de assistência e proteção à infância abandonada e delinquente (art. 3º, I). Definiu hipóteses de abandono e situações equiparadas, ampliou as cau-sas para a suspensão e destituição do poder familiar, dentre outras normas.

b) Decreto 12.272/1923, “que dispôs sobre a assistência e proteção aos menores abandonados e delinquentes”. Até então, a assistência aos menores era prestada por instituições religiosas, sendo que, a partir de referida lei, cedeu espaço às ações governamentais como políticas sociais;

c) Decreto nº 5.083/1926 - Consolidação das leis de assistência e proteção de menores;

d) Decreto nº 17.943-A/1927 - Foi o primeiro Código de Menores do Brasil. Determinou que as crianças fossem educadas nas escolas públicas e privadas, bem como que fos-sem atendidos os abandonados e infratores em internatos. O serviço social transfor-mou-se em serviço penitenciário, fato esse característico de outras leis que seguiram, passando o Estado a responsabilizar-se pela situação de abandono dos menores.

e) Decreto Estadual nº 9.744/1938 - Criação, no Estado de São Paulo, do Serviço Social de Menores Abandonados e Delinquentes, com atribuições de fiscalizar o funciona-mento de estabelecimentos de amparo às crianças;

f) Decreto-Lei Estadual n º 3.799/1941 - Criação, no Rio de Janeiro, do Serviço de As-sistência de Menores;

g) Lei Estadual nº 2.705/1954 - Criação, em São Paulo, do Recolhimento Provisório de Menores;

h) Lei nº 4.513/1964 - Criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, com a in-trodução de um modelo baseado na educação em reclusão;

i) Código de Menores de 1979 - Explicitou verdadeira estigmatização, ao propor a de-nominação de crianças pobres como “menores” e dos delinquentes/abandonados como “em situação irregular”. Adotou-se a doutrina da situação irregular, por meio da qual crianças eram objeto de proteção, e não sujeitos de direitos, na contramão de direção do que já existia na comunidade internacional, desde a Declaração dos Direitos da Criança de 1959.

1.2. A Constituição Federal

1.2.1. Alteração de Paradigma

A Constituição Federal foi responsável pelo rompimento do paradigma menorista pe-lo modelo infancista. Em outras palavras, abandonou-se o Direito do Menor, fundado em

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um modelo que considerava o menor um objeto de proteção, denominado Doutrina da Situação Irregular, para encampar-se o Direito da Criança e do Adolescente, fundado na Doutrina da Proteção Integral, segundo a qual a criança e o adolescente passam a ser con-siderados sujeitos de direitos.

1.2.2. Declaração de Direitos

O art. 227 da CF encampa verdadeira declaração de direitos da criança e do adolescen-te. Nesse sentido, a família, a sociedade e o Estado devem-lhes assegurar, assim como ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discrimina-ção, exploração, violência, crueldade e opressão.

1.2.3. Criança, Adolescente e Jovem

A Constituição Federal não se ocupou de conceituar a criança e o adolescente. Deve ser lembrado que, inicialmente, essas pessoas eram as únicas mencionadas no caput do art. 227 da Constituição Federal, mas a Emenda Constitucional n. 65/2010 foi responsável por introduzir também a figura do jovem.

Conceito de criança, adolescente, jovem e idoso. Utilização do critério biopsicológico. Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

CONCEITO IDADE/TITULARIDADE APLICABILIDADE

Nascituro

Confere-se a condição de pessoa, titular de direitos (art. 8º do ECA, entre outros). Direitos patrimoniais e não patrimo-niais (REsp 1415727/SC). Tutela coletiva. Competência da Vara da Infância e da Juventude: se existir situação de risco. Gestante manifesta o desejo de entregar criança para adoção.

ECA e outras fontes.

Art. 8º: direito à vida e à saúde do nascituro.

Alimentos gravídicos: enquanto não ocorrer o nascimento, são de titularidade da gestante; com o nascimento, conver-tem-se automaticamente em pensão alimentícia.

Criança0 a 12 anos incompletos.

Convenção: menos de 18 anos. ECA.

Primeira infância: primeiros seis anos com-pletos ou 72 meses de vida da criança.

ECA e Lei nº 13.257/2016. Marco Legal da Primeira Infância.

Adolescente 12 a 18 anos incompletos. ECA.

Jovem-adolescente: 15 a 18 anos; jovem--adulto: 18 a 29 anos.

ECA e Lei nº 12.852/2013 para os jovens--adolescentes, salvo em relação ao direito à profissionalização (somente pelo ECA).

Idoso Pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos.

Estatuto do Idoso.

Prioridade especial: maiores de oitenta anos até mesmo em relação aos demais idosos. Art. 3º, § 2º, Estatuto do Idoso.

Estatuto do Idoso com preferências específicas.

Direitos específicos aos idosos maiores de 65 anos. Art. 33 e 39.

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Pessoa com Deficiência

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelec-tual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na socie-dade em igualdade de condições com as demais pessoas (art. 2º, do Estatuto das Pessoas com Deficiência).

Estatuto das Pessoas com Deficiência.

Aplicação excepcional do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 2º, parágrafo único, do Estatuto) àqueles que têm entre 18 e 21 anos de idade:

a) aplicação e execução de medidas socioeducativas para agentes que, ao tempo da ação ou da omissão, eram adolescentes. Súmula 605 do STJ: “A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos”.

b) Competência da Vara da Infância e da Juventude para a ação de adoção se o adotan-do, quando adolescente, estivesse sob a guarda legal ou tutela do adotante.

c) Criança e adolescente vítima ou testemunha de violência – Lei nº 13.431/2017 – art. 3º.

Art. 3º. Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, espe-cialmente, as condições peculiares da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, às quais o Estado, a família e a sociedade devem assegurar a fruição dos direitos fundamentais com absoluta prioridade. Parágrafo único. A aplicação desta Lei é facultativa para as vítimas e testemunhas de violência entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos, conforme disposto no parágrafo único do art. 2º da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

1.2.4. Prioridade absoluta

Assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem constitui, por determinação constitucional, um dever da família, da sociedade e do Estado. Em relação aos idosos tam-bém há esta previsão, que está contida no Estatuto do Idoso.

1.2.5. Programas de Assistência Integral

O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adoles-cente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: 

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pes-soas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamen-to para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. 

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1.2.6. Direito à Proteção Especial

A criança e o adolescente fazem jus à proteção especial decorrente de sua situação de pessoa em desenvolvimento.

Esta proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII: a idade mínima para o trabalho é de dezesseis anos, salvo na condi-ção de aprendiz, a partir dos catorze anos. O trabalho realizado por pessoa que tenha idade inferior a esta é denominado de trabalho infantil, que é combatido por todo o Sistema de Justiça.II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas: as crianças e os adolescentes possuem os mesmos direitos que os adultos, além de outros que lhe são específicos. Por esse motivo, possuem também direitos previdenciários e trabalhistas.III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igual-dade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dis-puser a legislação tutelar específica: desse item se ocupará com mais vagar quando do estudo do art. 228 da Constituição Federal.V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade: da mesma forma, serão feitos comentários quando da análise do art. 228 da CF.VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e sub-sídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou ado-lescente órfão ou abandonado;VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins

Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Vide, ainda, o art. 3º, da Convenção sobre os Direitos da Criança. Regra de Ouro. Superior Interesse da Criança (Melhor Interesse).

1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas res-ponsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.

3. Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pes-soal e à existência de supervisão adequada.

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Exemplo de aplicabilidade:

HABEAS CORPUS - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR E MEDIDA PROTETIVA DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL - ENTREGA IRREGULAR DO INFANTE PELA MÃE BIO-LÓGICA A TERCEIROS - O ABRIGAMENTO É MEDIDA QUE SE IMPÕE, NO CASO - ORDEM DENEGADA. Hipótese: Habeas Corpus tirado contra deliberação monocrática exarada por Desembargador relator de agravo de instru-mento que indeferiu a concessão de efeito suspensivo ao recurso esse, de sua vez, interposto contra decisão proferida pelo Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude do Foro de Guarulhos que, nos autos da ação de destituição do poder familiar fundada no efetivo abandono e indícios de adoção à brasileira, cumulada com aplicação de medidas de proteção, promovida pelo Ministério Público Estadual, concedeu a antecipação de tutela para determinar o acolhimento (medida de proteção prevista no art. 101, VII, do ECA), em favor da criança, com a consequente ordem de busca e apreensão e proibiu visitas pela genitora, ora impetrantes e seus familiares sem autorização judicial.

1. A decisão monocrática do relator do agravo de instrumento é desafiável por recurso próprio, porém, opta-ram os requerentes por protocolar o presente habeas corpus, subvertendo a ordem recursal própria incidente à espécie, o que se afigura inadmissível, principalmente por não se revelar a ocorrência de flagrante abuso ou constrangimento ilegal, únicas circunstâncias que autorizariam, face o sopesamento com o princípio do melhor interesse da criança que constitui o fundamento de todo o sistema de proteção do menor, a alteração do ade-quado procedimento judicial recursal.

2. Na origem fora determinado o acolhimento institucional face a suspensão do poder familiar em razão da inadequação na entrega espontânea do infante, pela mãe biológica residente na Bahia, ao casal impetrante domiciliado em São Paulo, que não possui qualquer vínculo de parentesco com a criança, tampouco é inscrito no cadastro de pretendentes à adoção.

3. Em princípio, não se afigura teratológica a deliberação do magistrado a quo e do Desembargador relator do agravo de instrumento que, frente às circunstâncias fáticas do caso entenderam prudente o acolhimento institucional do menor, ante a existência de fortes indícios acerca da irregularidade na conduta da genitora e dos impetrantes, ao afrontarem a legislação regulamentadora da matéria sobre a proteção de crianças e ado-lescentes, bem assim às políticas públicas implementadas, com amparo do Conselho Nacional de Justiça, que visam coibir práticas como a da adoção à brasileira. 3. Na hipótese ora em foco, momentaneamente, a defesa do melhor interesse da criança se consubstancia no acolhimento provisório institucional, tanto em razão do pequeno lapso de tempo de convívio com os impetrantes, de modo a evitar o estreitamento desses laços afeti-vos, quanto para resguardar a adequada aplicação da lei e a observância aos procedimentos por ela instituídos, já que, segundo se depreende dos elementos colhidos na análise desta controvérsia, para fins de adoção, os impetrantes não estão aptos visto sequer estarem inscritos no cadastro nacional de pretensos adotantes.

4. Assim, dada a pouca idade do infante e em razão de que os elos de convivência não perduram por período tão significante a ponto de formar, para o menor, vínculo indissolúvel, prudente e razoável a manutenção do abrigamento.

5. Ordem denegada e, por consequência, revogada a liminar anteriormente concedida.

(HC 439.885/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 21/05/2018).

1.2.7. Punição do abuso, violência e a exploração sexual da criança e do adolescente

Consoante determina a Constituição Federal, o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente deverão ser punidos severamente. Note-se o grau de intensi-dade atribuído pelo Texto Constitucional, o que torna o trabalho daqueles que lidam com estas pessoas ainda mais especial e de suma responsabilidade.

1.2.8. O Procedimento de Adoção

A adoção de crianças e de adolescentes deverá ser assistida pelo Poder Público, na for-ma prevista na lei (Estatuto da Criança e do Adolescente), que estabelecerá casos e condi-ções de sua efetivação por parte de estrangeiros.

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Atualização jurisprudencial

Para que a criança seja matriculada no primeiro ano da educação infantil, deverá ter completado a idade de quatro anos até o dia 31 de março do respectivo ano. Para ser matriculada no ensino fundamental, por sua vez, deverá completar seis anos também até 31 de março. Tal marco temporal está previsto em Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE). A propósito, o STF validou tal marco temporal para a idade mínima de ingresso na educação infantil e no ensino fundamental na ADC nº 17 e na ADPF nº 292.

Assegura-se a observância do critério do georreferenciamento, de modo que é direito da criança e do adolescente estudar em escola mais próxima de sua residência.

De acordo com o art. 55, do Estatuto da Criança e do Adolescente, “os pais ou responsá-vel têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.

Atualização jurisprudencial

Educação domiciliar ou homeschooling: o STF decidiu que os pais não podem deixar de matricular os seus filhos na rede regular de ensino, por inexistência de lei que regulamente preceitos e regras aplicáveis a essa modalidade de educação. O dever de educar implica cooperação entre o Estado e a família, sem a exclusividade dos pais. Assim, vedou-se a exclusividade da educação domiciliar, aquela em que os estudantes não vão para a escola e são educados pelos pais ou responsáveis, em casa.

É dever da instituição de ensino, clubes e agremiações recreativas e de estabelecimen-tos congêneres assegurar medidas de conscientização, prevenção e enfrentamento ao uso ou dependência de drogas ilícitas.

4. DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO DO TRABALHO URBANO E RURAL DO ADOLESCENTE

4.1. Trabalho Infantil

Art. 7º, XXXIII, CF/88 – é proibido o trabalho noturno (entre vinte e duas horas de um dia e cinco horas do dia seguinte). Podem trabalhar os maiores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, com idade de catorze anos.

4.2. Aprendizagem

O instituto da aprendizagem está disciplinado fundamentalmente em três diplomas le-gais: Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Consolidação das Leis do Trabalho. Segundo determinação dos arts. 62 e 63 do ECA, considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor. O Art. 428 da CLT estabelece que a aprendizagem se configura por um contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional me-tódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.

São diretrizes do trabalho educativo: (i) prevalência da educação; (ii) ausência de vín-culo empregatício; e, (iii) previsão de ganho.

Proibição do trabalho infantil: assim considerado como sendo aquele realizado por pessoa que tiver idade inferior à autorizada por lei para o início das atividades laborais. Admite-se o trabalho artístico infantil.

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9. PREVENÇÃO E PREVENÇÃO ESPECIAL VINCULADAS A INFORMAÇÃO, LAZER, ESPORTES, DIVERSÕES E ESPETÁCULOS; PRODUTOS E SERVIÇOS; AUTORIZA-ÇÃO PARA VIAJAR; FORMAS DE CONTROLE; AÇÃO CIVIL PÚBLICA

9.1. Prevenção e prevenção especial

A criança e o adolescente – pessoas em desenvolvimento – fazem jus a uma tutela es-pecial do Estado, da sociedade e da família, de modo que qualquer possibilidade de viola-ção ou de ameaça a seus direitos fundamentais deve ser prontamente afastada por meio de políticas gerais (corrigindo os malefícios advindos de fatores sociais negativos), ou de políticas dirigidas a uma parcela com necessidades semelhantes, ou, ainda, de políticas específicas a prevenir o ilícito infracional. Por isso, a doutrina classificar essa prevenção em geral, detectada ou específica.

O ECA faz referência a disposições de ordem geral e à prevenção especial. Esta, por sua vez, faz referência: a) às condições para frequência em espetáculos públicos; b) as crianças de dez anos somente poderão permanecer nos locais de exibição quando acompanhadas de seus pais; c)proibição de venda à criança ou ao adolescente de armas, munições e explo-sivos, bebidas alcoólicas e produtos que possam causar dependência, fogos de estampido e artifício, salvo se ineficazes de ocasionar dano físico; revistas e publicações indevidas; e, bilhetes lotéricos e equivalentes; proibição de hospedagem em hotel etc, sem autorização.

9.2. Autorização para viajar

VIAGEM NACIONAL VIAGEM INTERNACIONAL

Nenhuma criança ou adolescente com idade inferior a dezesseis anos poderá viajar para fora da comarca onde reside, desacompanhado dos pais ou responsá-vel, sem expressa autorização judicial.

Quando se tratar de viagem ao exterior, a autorização é dispensável, se a criança ou adolescente: I - estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável; II - viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro através de documento com firma reconhecida.

Dispensa-se a autorização quando: a) tratar-se de comarca contígua à da residência da criança ou do adolescente menor de dezesseis anos, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana; b) a criança ou o adolescente menor de dezesseis anos estiver acompanhado: 1) de ascen-dente ou colateral maior, até o terceiro grau, com-provado documentalmente o parentesco; de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável.

Vide Resolução nº 131/2011 do CNJ – é dispensável autorização judicial para que crianças e adolescentes brasileiros residentes no Brasil viajem ao exterior: em companhia de ambos os genitores; em companhia de um dos genitores, desde que haja autorização do outro, com firma reconhecida; desacompanhado ou em companhia de terceiros maiores e capazes, desig-nados pelos genitores, desde que haja autorização de ambos os pais, com firma reconhecida.

Sem prévia e expressa autorização judicial, nenhuma criança ou adolescente nascido em território nacional poderá sair do País em companhia de estrangeiro resi-dente ou domiciliado no exterior.

9.3. Do Direito à Publicidade Adequada

Considera-se abusiva à criança a publicidade quando se aproveitar da sua deficiên-cia de julgamento ou inexperiência, e especialmente quando: I) incitar qualquer forma

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26. SÚMULAS DO STF E DO STJ.

Súmulas do STJ sobre o tema:

Súmula Teor

108A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.

265É necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a regressão da medida socioeducativa.

338 A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas.

383A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda.

342No procedimento para aplicação de medida socioeducativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.

492O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.

500A configuração do crime do art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal.

594

O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente independentemente do exercício do poder familiar dos pais, ou do fato de o menor se encontrar nas situações de risco descritas no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou de quaisquer outros questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública na comarca.

605A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos.

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Direito PenalRogério Sanches Cunha

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Direito Penal

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO (EDITAL): 1. Direito Penal e Poder Punitivo. Teoria do Direito Penal. Política Criminal e Criminologia. Noções básicas. Criminalização Primária e Secundária. Seletividade do sistema pe-nal. 2. Direito Penal de Autor e Direito Penal do Ato. Garantismo Penal. Direito Penal do Inimigo. Dinâmica Histórica da Legislação Penal. História da Programação Criminalizante no Brasil. Genealogia do Pensamento Penal. Direito Penal e Filosofia. 3. Funções da Pena. Teorias. 4. Características e Fontes do Direito Penal. 5. Princípios aplicáveis ao Direito Penal. 6. Bem jurídico-penal. Teorias. 7. Aplicação da lei penal. A lei penal no tempo e no espaço. Tempo e lugar do crime. Lei penal excepcional, especial e temporária. Territorialidade e extraterritorialidade da lei penal. Pena cumprida no estrangeiro. Eficácia da sentença estrangeira. Conta-gem de prazo. Frações não computáveis da pena. Interpretação da lei penal. Analogia. Irretroatividade da lei penal. Conflito aparente de normas penais. 8. Teoria do Delito. Classificação dos crimes. Teoria da Ação. Teoria do Tipo. O fato típico e seus elementos. Relação de causalidade. Teorias. Imputação objetiva. Dolo e Culpa. Tipos dolosos de ação. Tipos dos Crimes de Imprudência. Tipos dos Crimes de Omissão. Consu-mação e tentativa. 9. Desistência voluntária e arrependimento eficaz. 10. Arrependimento posterior. 11. Crime impossível. 12. Agravação pelo resultado. 13. Erro. Descriminantes putativas. Erro determinado por terceiro. Erro sobre a pessoa. Erro sobre a ilicitude do fato (erro de proibição). 14. Concurso de crimes. 15. Ilicitude. 16. Culpabilidade. 17. Imputabilidade penal. 18. Concurso de Pessoas. 19. Penas. Espécies de penas. Cominação das penas. Aplicação da pena. Suspensão condicional da pena. Livramento condicional. Efeitos da condenação. Reabilitação. Execução das penas em espécie e incidentes de execução. Limites das penas. 20. Medidas de segurança. Execução das medidas de segurança. 21. Ação penal. 22. Punibilidade e causas de extinção. 23. Prescrição. 24. Crimes contra a pessoa. 25. Crimes contra o patrimônio. 26. Crimes contra a propriedade imaterial. 27. Crimes contra a organização do trabalho. 28. Crimes contra a dignidade sexual. 29. Crimes contra a incolumidade pública. 30. Crimes contra a paz pública. 31. Crimes contra a fé pública. 32. Crimes contra a administração pública. 33. Lei nº 8.072/1990 e suas alterações (delitos hediondos). 34. Lei nº 7.716/1989 e suas alterações (crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor). 35. Lei nº 9.455/1997 e suas alterações (crimes de tortura). 36. Lei nº 12.694/2012 e Lei nº 12.850/2013 e suas alterações (crime organizado). 37. Lei nº 9.503/1997 e suas alterações (crimes de trânsito). 38. Lei nº 11.343/2006 (Lei Anti-drogas). 39. Lei nº 4.898/1965 e suas alterações (Abuso de Autoridade). 40. Lei nº 10.826/2003 e suas altera-ções (Estatuto do Desarmamento). 41. Crimes da Lei nº 8.078/1990 e suas alterações (Código de Proteção e Defesa do Consumidor). 42. Lei nº 9.613/1998 e suas alterações (Lavagem de Dinheiro). 43. Convenção americana sobre direitos humanos (Pacto de São José e Decreto nº 678/1992). 44. Lei nº 11.340/2006 e suas alterações (Lei Maria da Penha). 45. Crimes da Lei nº 8.069/1990 e suas alterações (Estatuto da Criança e do Adolescente). 46. Lei nº 1.521/1951 (Crimes contra a economia popular). 47. Decreto-lei nº 3.688/1941 e suas alterações (Contravenções penais). 48. Lei nº 7.210/1984 e suas alterações (Execução Penal). 49. Decreto-lei nº 201/1967 e suas alterações (Crimes praticados por prefeitos e vereadores). 50. Lei nº 10.741/2003 e suas alterações (Crimes do Estatuto do Idoso). 51. Crimes Falimentares. 52. Disposições constitucionais aplicáveis ao Direito Penal. 53. Súmulas do STF e do STJ.

1. DIREITO PENAL E PODER PUNITIVO. TEORIA DO DIREITO PENAL. POLÍTICA CRI-MINAL E CRIMINOLOGIA. NOÇÕES BÁSICAS. CRIMINALIZAÇÃO PRIMÁRIA E SE-CUNDÁRIA. SELETIVIDADE DO SISTEMA PENA

• Direito Penal e Poder Punitivo

As relações humanas sempre foram contaminadas pelo ilícito e pela violência. Ao longo da História, foram inúmeras as formas adotadas pelas várias sociedades para lidar com o

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desvio por parte de seus membros, de forma que, resumidamente, podemos dizer que saí-mos da pura vingança privada para a adoção de procedimentos formulados para garantir o julgamento imparcial e o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Essa evolução ocorreu não somente em virtude da introdução de conceitos relativos a direitos humanos, mas também em razão da necessidade cada vez maior da intervenção de um ente externo para dirimir conflitos pessoais. É certo que se em tempos remotos as pessoas podiam resolver suas pendências por iniciativa própria, ao longo do tempo a com-plexidade das relações humanas aumentou sobremaneira, o que conduziu à necessidade de que os conflitos fossem mediados exclusivamente por órgãos de Estado.

Dessa forma, o que fundamenta o Direito Penal nos moldes em que se nos apresenta atualmente é a necessidade de que, uma vez estabelecido o monopólio estatal para o ius puniendi, o Estado organize um sistema penal apto não só a punir adequadamente como também, na medida do possível, a prevenir novas ocorrências criminais e a reinserir no meio social o agente criminoso.

• Teoria do Direito Penal

A “Teoria do Direito Penal” diz respeito, basicamente, a elementos introdutórios relati-vos às noções gerais e à evolução do Direito Penal, temas dos quais tratamos ao longo da obra, especialmente entre os itens 1 e 6 do conteúdo programático.

• Política Criminal e Criminologia. Noções básicas

A Criminologia é ciência empírica que estuda o crime, a pessoa do criminoso, da vítima e o comportamento da sociedade. Não se trata de uma ciência teleológica, que analisa as raízes do crime para discipliná-lo, mas de uma ciência causal-explicativa, que retrata o deli-to enquanto fato, perquirindo as suas origens, razões da sua existência, os seus contornos e forma de exteriorização.

Não tem como objeto de estudo o conteúdo normativo a ser aplicado ao delinquente, mas estuda o delinquente como ser, assim como a vítima. A norma merece desenvolvi-mento científico à parte. Dela se ocupam o Direito Penal e a Política Criminal, em âmbitos diferenciados e estranhos ao mundo dos fatos da Criminologia.

Com efeito, o Direito Penal representa o conjunto de normas com a missão de ele-var certos comportamentos humanos à categoria de infrações penais, cominando sanções àqueles que os praticam, sendo natural a existência de uma ciência apta a organizar méto-dos de interpretação e correta aplicação dessas mesmas normas jurídicas. Entretanto, há de se ressaltar que a Ciência do Direito Penal não se limita, de forma pura e simples, a abstrair da norma o seu significado, e, a partir daí, conferir-lhe aplicação abstrata. Em plano mais abrangente, deve essa disciplina se ater às manifestações sociais da conduta criminosa e às condições pessoais daquele que a pratica.

A Política Criminal, por sua vez, tem no seu âmago a específica finalidade de traba-lhar as estratégias e meios de controle social da criminalidade (caráter teleológico). É característica da Política Criminal a posição de vanguarda em relação ao direito vigen-te, vez que, enquanto ciência de fins e meios, sugere e orienta reformas à legislação positivada (Bruno, Aníbal. Direito Penal – Parte Geral. Tomo 1º. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 41).

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• Criminalização Primária e Secundária

O Direito Penal subjetivo (ius puniendi) pode ser subdividido em: (i) Direito Penal sub-jetivo positivo, que vem a ser a capacidade conferida ao Estado de criar e executar normas penais; e (ii) Direito Penal subjetivo negativo, caracterizado pela faculdade de derrogar preceitos penais ou restringir o alcance das figuras delitivas, atividade que cabe preponde-rantemente ao STF, por meio da declaração de inconstitucionalidade de normas penais. É no aspecto positivo que se inserem as criminalizações primária e secundária.

A criminalização primária diz respeito ao poder de criar a lei penal e introduzir no orde-namento jurídico a tipificação criminal de determinada conduta. A criminalização secundá-ria, por sua vez, atrela-se ao poder estatal para aplicar a lei penal introduzida no ordenamento com a finalidade de coibir determinados comportamentos antissociais. Na definição de Za-ffaroni, criminalização primária “é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a punição de certas pessoas” e a criminalização secundária “é a ação pu-nitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontece quando as agências policiais detectam uma pessoa que supõe-se tenha praticado certo ato criminalizado primariamente” (Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. Vol. 1. 8ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 43).

• Seletividade do sistema penal

Em teorias de diversas vertentes, os estudiosos da criminologia identificam o que se denomina seletividade do sistema penal, que reflete nada mais do que a situação na qual o sistema penal atua em relação a pessoas selecionadas de maneira discriminatória, pessoas estas normalmente pertencentes a grupos estigmatizados. Muitos criminólogos sustentam que a diferença entre o delinquente e o não delinquente reside na seletividade do sistema penal, que reprime, por meio da tipificação penal, determinadas atividades em detrimento de outras em benefício de uma parte da população que detém o poder e, por conseguinte, o domínio legislativo.

Uma das mais conhecidas teorias cuja estrutura é baseada no conceito de seletividade penal é a Teoria do Etiquetamento (Labelling Approach), que considera o sistema penal se-letivo quanto ao estabelecimento dos agentes criminosos, proporcionando que a lei penal recaia com maior ênfase apenas sobre determinadas camadas da população, como, por exemplo, fazendo com que a maior parte dos presos seja proveniente de classes econômi-cas baixas.

2. DIREITO PENAL DE AUTOR E DIREITO PENAL DO ATO. GARANTISMO PENAL. DIREITO PENAL DO INIMIGO. DINÂMICA HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO PENAL. HISTÓRIA DA PROGRAMAÇÃO CRIMINALIZANTE NO BRASIL. GENEALOGIA DO PENSAMENTO PENAL. DIREITO PENAL E FILOSOFIA

• Direito Penal de Autor e Direito Penal do Ato

Pelo princípio da materialização do fato (nullum crimen sine actio), o Estado só pode incriminar condutas humanas voluntárias, isto é, fatos (e nunca condições internas ou exis-tenciais). Em outras palavras, está consagrado o Direito Penal do fato, vedando-se o Di-reito Penal do autor, consistente na punição do indivíduo baseada em seus pensamentos, desejos ou estilo de vida.

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• Direito Penal e Filosofia

A relação entre Direito Penal e Filosofia se reflete bem nas escolas penais, tratadas no item anterior.

3. FUNÇÕES DA PENA. TEORIAS

Ver comentários ao item 19.

4. CARACTERÍSTICAS E FONTES DO DIREITO PENAL

A lei penal tem as seguintes características: a) exclusividade: somente ela (lei) define infrações (crimes e contravenções) e comina sanções penais (penas e medidas de segu-rança); b) imperatividade: é imposta a todos, independentemente da vontade de cada um; c) generalidade: todos devem acatamento à lei penal, mesmo os inimputáveis, vez que passíveis de medida de segurança; d) impessoalidade: dirige-se abstratamente a fa-tos (futuros) e não a pessoas, além de ser produzida para ser imposta a todos os cidadãos, indistintamente.

A norma penal, como não poderia deixar de ser, também é provida de características que indicam sua origem e forma de manifestação. Consequentemente, ao tratar das fontes do Direito Penal, o que se busca é indicar de onde a norma penal emana e como se revela. Fala-se em fonte material e fonte formal do Direito Penal.

Fonte material é a fonte de produção da norma, é o órgão encarregado da criação do Direito Penal. Por previsão constitucional, a fonte material do Direito Penal é a União. É este o ente que, em regra, pode produzir normas penais (art. 22, I, CF/88). Não obstante, a pró-pria Carta Magna prevê uma exceção, disciplinando a possibilidade dos Estados-membros legislarem sobre questões penais específicas, desde que autorizados por lei complementar (art. 22, parágrafo único, CF/88).

Fonte formal é o instrumento de exteriorização do Direito Penal, ou seja, o modo como as regras são reveladas. É a fonte de conhecimento ou de cognição.

Em resumo, sobre fontes formais do Direito Penal, temos:

Fontes Formais do Direito Penal

Classificação tradicional

Classificação moderna

Fontes formais imediatas

• Lei

• Lei – única capaz de regular a infração penal e sua pena

• Constituição

• Tratados internacionais de direitos humanos

• Jurisprudência

• Princípios

• Complementos da norma penal em branco pró-pria

Fontes formais mediatas

• Costumes

• Princípios gerais de direito

• Doutrina

Os costumes configuram, na verdade, fontes infor-mais de direito

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5. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO PENAL

O Direito Penal é permeado por diversos princípios constitucionais que de alguma for-ma limitam o poder punitivo estatal. Resumidamente, podemos citar os seguintes:

1) Princípio da legalidade: O artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal dispõe que “nin-guém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Refor-çando essa garantia, o artigo 5º, XXXIX da Carta Magna (com idêntica redação do artigo 1º do CP) anuncia que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Trata-se de real limitação ao poder estatal de interferir na esfera de liberdades indivi-duais, daí sua inclusão na Constituição entre os direitos e garantias fundamentais.

A doutrina desdobra o princípio da legalidade em outros seis:

(A) Não há crime (ou contravenção penal), nem pena (ou medida de segurança) sem lei: Segundo o princípio da reserva legal, a infração penal somente pode ser criada por lei em sentido estrito, ou seja, lei complementar ou lei ordinária, apro-vadas e sancionadas de acordo com o processo legislativo respectivo, previsto na CF/88 e nos regimes internos da Câmara dos Deputados e Senado Federal.

(B) Não há crime (ou contravenção penal), nem pena (ou medida de segurança) sem lei anterior: A formulação completa do princípio da legalidade compreende, necessariamente, a anterioridade da lei e sua irretroatividade. O artigo 5º, XL da CF/88 enuncia, como regra geral, que “a lei penal não retroagirá, salvo para benefi-ciar o réu”.

(C) Não há crime (ou contravenção penal), nem pena (ou medida de segurança) sem lei escrita: Só a lei escrita pode criar crimes e sanções penais, excluindo-se o direito consuetudinário para fundamentação ou agravação da pena.

(D) Não há crime (ou contravenção penal), nem pena (ou medida de segurança) sem lei estrita: Proíbe-se a utilização da analogia para criar tipo incriminador, fun-damentar ou agravar pena.

(E) Não há crime (ou contravenção penal), nem pena (ou medida de segurança) sem lei certa: O princípio da taxatividade ou da determinação é dirigido mais diretamente à pessoa do legislador, exigindo clareza dos tipos penais, que não de-vem deixar margens a dúvidas, de modo a permitir à população em geral o pleno entendimento do tipo criado.

(F) Não há crime (ou contravenção penal), nem pena (ou medida de segurança) sem lei necessária: Desdobramento lógico do princípio da intervenção mínima, este princípio não admite a criação da infração penal sem necessidade, em especial quando a conduta indesejada pelo meio social pode perfeitamente ser inibida pelos outros ramos do Direito.

2) Princípio da presunção de inocência (ou de não culpa): A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LVII, determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Percebam que a nossa Bíblia Política, diferente de alguns documentos internacionais, não presume, expressamente, o cidadão inocente, mas impede considerá-lo culpado até a decisão condenatória definitiva.

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13. ERRO

O erro de tipo está previsto no artigo 20, caput, do Código Penal: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”.

Nesse caso, o agente ignora ou tem conhecimento equivocado da realidade. Cuida-se de ignorância ou erro que recai sobre as elementares, circunstâncias ou quaisquer da-dos que se agregam a determinada figura típica.

São exemplos de erro de tipo (A) a mulher que sai às pressas da sala de aula e, por enga-no, leva a bolsa de sua colega, muito parecida com a sua; (B) ou o caçador que atira e mata o seu colega de caça, depois que este, sem avisar, se disfarçara de urso para pregar-lhe uma peça. Nas duas situações, a conduta do sujeito se amolda a um tipo penal (furto – art. 155, CP e homicídio – art. 121, CP, respectivamente), entretanto é fácil concluir que faltou em cada uma das situações a correta representação da realidade por parte do autor.

O erro de tipo é figura que não se confunde com o erro de proibição. Com efeito, no erro de proibição o equívoco não recai sobre os elementos ou dados agregados ao tipo, mas sobre a ilicitude da conduta praticada. Pode-se dizer que no erro de tipo o agente não sabe exatamente o que faz, enquanto no erro de proibição o agente sabe exatamente o que faz, porém ignora o caráter ilícito do seu ato.

Erro de tipo Erro de proibição

Há falsa percepção da realidade que circunda o agen-te

O agente percebe a realidade, equivocando-se sobre regra de conduta.

O agente não sabe o que faz. O agente sabe o que faz, mas ignora ser proibido.

“A” sai de festa com guarda-chuva pensando ser seu, mas logo percebe que errou, pois o objeto é de ter-ceiro.

“A” encontra um guarda-chuva na rua e acredita que não tem obrigação de devolver, porque “achado não é roubado”.

O erro de tipo pode ser dividido em duas espécies: erro de tipo essencial e erro de tipo acidental.

No essencial, o erro recai sobre os dados principais do tipo penal; no acidental, recai nos dados secundários. No primeiro, se avisado do erro, o agente para de agir criminosa-mente; no segundo, o agente corrige os caminhos ou o sentido da conduta e continua agindo de forma ilícita.

O erro de tipo essencial pode ser inevitável ou evitável, enquanto o erro de tipo aci-dental tem cinco subespécies: erro sobre o objeto, erro sobre a pessoa, erro na execução, resultado diverso do pretendido e erro sobre o nexo causal.

(A) Erro de tipo essencial

Como expusemos, o erro de tipo essencial recai nas elementares, circunstâncias ou quaisquer dados que se agregam a determinada figura típica.

As consequências variam conforme o erro seja inevitável ou evitável:

1) inevitável: também conhecido como justificável, escusável ou invencível, configura o erro imprevisível, excluindo o dolo (por não haver consciência) e a culpa (pois au-sente a previsibilidade).

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2) evitável: também conhecido como injustificável, inescusável ou vencível, cuida-se do erro previsível, que só exclui o dolo (por não existir consciência), mas provoca a punição por culpa (se tipificada como crime), diante da possibilidade de o agente conhecer o perigo.

Para aferir a evitabilidade do erro, a corrente tradicional invoca a figura do “homem médio” por entender que a previsibilidade deve ser avaliada tão-somente sob o enfoque objetivo, levando em consideração estritamente o fato, não o autor. Uma corrente mais moderna, não sem razão, trabalha com as circunstâncias do caso concreto, pois percebe que o grau de instrução, a idade do agente, o momento e o local do crime podem interferir na previsibilidade (circunstâncias desconsideradas na primeira orientação). Lembrando o exemplo usado para explicar o instituto, se o caçador agiu em mata densa, longe do centro urbano, certamente seu erro será considerado inevitável. Se, no entanto, agiu em mata próxima a centro habitado, ciente de que outros acidentes ocorreram na região, não obser-vando o seu dever de cuidado, seu erro será etiquetado como evitável.

(B) Erro de tipo acidental

Acidental é o erro que recai nos dados secundários, periféricos do tipo. A intenção cri-minosa é manifesta, incidindo naturalmente a responsabilidade penal.

São cinco as espécies de erro de tipo acidental:

(B.1) Erro de tipo acidental sobre o objeto (error in objecto): Não tem previsão legal, mas é discutido pela doutrina. Trata-se da hipótese em que o agente confunde o objeto material (coisa) visado, atingindo outro que não o desejado. Ex.: a pessoa ingressa numa lo-ja para subtrair um relógio de ouro, mas acaba furtando um relógio dourado, confundindo, portanto, o objeto visado. Somente haverá esta espécie de erro se a confusão de objetos materiais não interferir na essência do crime, pois, caso contrário, o caso deve ser tratado como erro de tipo essencial (ex.: senhora que cultiva no quintal da sua casa pés de maco-nha imaginando se tratar de planta ornamental).

A consequência do erro sobre o objeto é punição pela conduta praticada, responden-do o agente de acordo com o objeto material (coisa) efetivamente atingido. Percebe-se, portanto, que o erro sobre o objeto não exclui dolo, não exclui a culpa e não isenta o agente de pena.

(B.2) Erro de tipo acidental quanto à pessoa (error in persona): O erro quanto à pes-soa está previsto no artigo 20, §3º, do Código Penal, que assim dispõe: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”.

Nesta espécie de erro, há uma equivocada representação do objeto material (pessoa) visado. Em decorrência disso, o agente acaba atingindo pessoa diversa.

Percebe-se que o erro quanto à pessoa implica na existência de duas vítimas: uma real (pessoa realmente atingida) e uma virtual (pessoa que se pretendia atingir). O agente, na execução, confunde as duas. Ex.: “A” quer matar seu próprio pai, porém, representando equivocadamente a pessoa que entra na casa, acaba matando o seu tio. “A” será punido por parricídio, embora seu pai tenha permanecido vivo.

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O erro quanto à pessoa não exclui o dolo, não exclui a culpa e não isenta o agente de pena, mas na sua punição devem ser consideradas as qualidades ou condições pessoais da vítima virtual (pretendida).

(B.3) Erro de tipo acidental na execução: Também conhecido como aberratio ictus, o erro na execução é disciplinado pelo artigo 73 do Código Penal: “Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofen-der, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atenden-do-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”.

Cuida-se, em resumo, do acidente ou erro no uso dos meios de execução e, por conse-quência, o agente acaba atingindo pessoa diversa da pretendida – embora corretamente representada. Ex.: “A” mira seu pai, entretanto, por falta de habilidade no uso da arma, acaba atingindo um vizinho que passava do outro lado da rua.

O erro na execução, como se nota, não se confunde com o erro quanto à pessoa:

Erro sobre a Pessoa Erro na Execução

Há equívoco na representação da vítima pretendida. Representa-se bem a vítima pretendida.

A execução do crime é correta (não há falha operacio-nal).

A execução do crime é errada (ocorre falha operacio-nal).

A pessoa visada não corre perigo, pois confundida com outra.

A pessoa visada corre perigo, pois não é confundida.

Nos dois casos o agente responde pelo crime cometi-do considerando as qualidades da vítima virtual, pre-tendida.

São duas as possíveis consequências do erro na execução:

1) Se o agente atingir apenas a pessoa diversa da pretendida (aberratio ictus de re-sultado único), será punido pelo crime, considerando-se, contudo, as condições e qualidades da vítima desejada (no nosso exemplo, pai) e não da vítima efetivamente atingida (o vizinho).

2) Se, no entanto, o agente atingir também a pessoa diversa da pretendida (aberratio ictus com unidade complexa ou resultado duplo), será punido pelos dois crimes, em concurso formal.

Em qualquer das situações, percebe-se que o erro não exclui o dolo, não exclui a culpa e não gera isenção de pena.

(B.4) Resultado diverso do pretendido: O resultado diverso do pretendido, também chamado de aberratio criminis ou aberratio delicti, representa a situação em que o agente, também por acidente ou erro no uso dos meios de execução, atinge bem jurídico distinto daquele que pretendia atingir. Anuncia o artigo 74 do Código Penal: Fora dos casos do arti-go anterior [artigo 73, erro na execução], quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto co-mo crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.

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Percebe-se, assim, que tanto a aberratio ictus quanto a aberratio criminis são espécies de erro na execução, todavia, enquanto o primeiro erro faz com que o agente ataque pessoa diversa da pretendida (pessoa x pessoa), no segundo o agente provoca lesão em bem jurídico diverso do pretendido (coisa x pessoa). Ex.: “A” quer danificar o carro que “B” está conduzindo, entretanto, por erro na execução, atinge e mata o motorista. Queria praticar dano, mas acaba produzindo morte.

Ocorrendo resultado diverso do pretendido, a consequência para o agente não po-derá ser a isenção de pena. Neste caso, responderá pelo resultado diverso do pretendido, porém a título de culpa (se houver previsão legal). No nosso exemplo, “A” responde por homicídio culposo (absorve-se a tentativa de dano).

Como ocorre na aberratio ictus, entretanto, se o agente atingir também o resultado pretendido, responderá pelos dois crimes, em concurso formal de delitos.

Alertamos, porém, que a regra do artigo 74 do Código Penal deve ser afastada quan-do o resultado pretendido é mais grave do que o produzido, evitando-se a impunidade. Flávio Monteiro de Barros, com maestria, exemplifica e explica a questão: “O art. 74, 1ª parte, do CP, deve ser interpretado restritivamente, sob pena de gerar soluções absurdas. Tome-se o seguinte exemplo: “A” atira em “B”, para matá-lo, erra o alvo e, por culpa, aca-ba destruindo uma planta. Vale lembrar que o art. 49, parágrafo único, da Lei 9.605/98, passou a incriminar, o dano culposo em plantas de ornamentação de logradouros públi-cos ou em propriedade privada alheia. Uma interpretação gramatical do art. 74 faria com que o agente respondesse apenas pelo delito do art. 49 da citada lei. Por isso, deve ser interpretada restritivamente, porque disse mais do que quis. Assim, quando o art. 74 do CP enuncia que o agente deve responder tão-somente pelo resultado produzido, leia-se: ‘desde que o resultado produzido seja um crime mais grave do que o visado pelo agente’. Desnecessário dizer a incoerência de um dano culposo absorver uma tentativa de homi-cídio. Portanto, no exemplo ministrado, haverá tão-somente a tentativa de homicídio” (Direito Penal - Parte Geral. São Paulo: Editora Método, 2008, p. 256).

(B.5) Erro sobre o nexo causal: O erro sobre o nexo causal não tem previsão legal. É o caso em que o resultado desejado se produz, mas com nexo diverso, de maneira dife-rente da planejada pelo agente. Divide-se em duas espécies.

A primeira é erro sobre o nexo causal em sentido estrito. Ocorre quando o agente, mediante um só ato, provoca o resultado visado, porém com outro nexo de causalidade. Ex.: “A” empurra “B” de um penhasco para que ele morra afogado, porém, durante a que-da, “B” bate a cabeça contra uma rocha e morre em razão de um traumatismo craniano.

A segunda é o dolo geral ou aberratio causae, espécie em que o agente, mediante conduta desenvolvida em pluralidade de atos, provoca o resultado pretendido, porém com outro nexo. Ex.: “A” atira em “B” (primeiro ato) e, imaginando que “B” está morto, joga seu corpo no mar, vindo “B” a morrer por afogamento.

A consequência, segundo a orientação que prevalece, é a punição do agente por um só crime (princípio unitário), desejado desde o início, a título de dolo (nos exemplos aci-ma, homicídio consumado), considerando-se, aliás, o nexo ocorrido (e não o pretendido).