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13 HTLV KAREM LÓPEZ ORTEGA RENATA YUMI TAKATU COSTA MARINA HELENA CURY GALLOTTINI DE MAGALHÃES Este texto é produto de parte de Monografia de conclusão de Curso de Especialização em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais da FUNDECTO-FOUSP em 2004. 1 INTRODUÇÃO O HTLV (humam T-lyphotropic vírus) é um retrovírus da família Oncornavírus dos Retrovírus e está distantemente relacionado ao vírus da imunodeficiência humana (subfamília Lentivirus), que causa a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Existem dois tipos de HTLV, o I e o II. O HTLV-I está implicado em doenças neurológicas e leucemia e o HTLV-II está pouco evidenciado como causa de doença (YOSHIDA; MIYOSHI; HINUMA,1982). O vírus linfotrófico de células humanas T do tipo I (HTLV-I) foi isolado em humanos em 1980, nos Estados Unidos da América (POIESZ et al.,1980) e está associado a doenças como a leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL) e a

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HTLV

KAREM LÓPEZ ORTEGA

RENATA YUMI TAKATU COSTA

MARINA HELENA CURY GALLOTTINI DE MAGALHÃES

Este texto é produto de parte de Monografia de conclusão de Curso de Especialização

em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais da FUNDECTO-FOUSP

em 2004.

1 INTRODUÇÃO

O HTLV (humam T-lyphotropic vírus) é um retrovírus da família Oncornavírus dos

Retrovírus e está distantemente relacionado ao vírus da imunodeficiência humana

(subfamília Lentivirus), que causa a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).

Existem dois tipos de HTLV, o I e o II. O HTLV-I está implicado em doenças

neurológicas e leucemia e o HTLV-II está pouco evidenciado como causa de doença

(YOSHIDA; MIYOSHI; HINUMA,1982).

O vírus linfotrófico de células humanas T do tipo I (HTLV-I) foi isolado em

humanos em 1980, nos Estados Unidos da América (POIESZ et al.,1980) e está

associado a doenças como a leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL) e a

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paraparesia tropical espástica/mielopatia associada ao HTLV-I (TSP/HAM) (WONG-

STAAL; GALLO, 1985).

Noventa e nove por cento dos portadores do HTLV-I nunca irão desenvolver

alguma doença relacionada ao vírus. No Japão, 14 em cada 1500 portadores

assintomáticos poderão desenvolver doença neurológica com dificuldade de andar e 1

em cada 10.000 irão desenvolver leucemia. Atualmente, a infecção pelo HTLV-I tem

sido considerada como de envolvimento sistêmico (CASSEB; PENALVA-DE-OLIVEIRA,

2000).

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Histórico

O HTLV-I foi isolado pela primeira vez em um paciente com linfoma cutâneo de

células T. Posteriormente, outros casos esporádicos de associação entre o HTLV-I e

neoplasias malignas de células T, foram relatados. Em 1985, na Martinica,

pesquisadores estabeleceram a associação entre a infecção pelo HTLV-I e a

paraparesia espástica tropical (TSP). Esta associação foi detectada em diferentes

regiões do mundo como Caribe, Japão, África, América do Sul, América Central e sul do

Pacífico, sendo também denominada como mielopatia associada ao HTLV-I (HAM)

(ARAÚJO et al., 1993).

A origem desses vírus tem chamado a atenção de vários pesquisadores. O

HTLV-I teria origem, provavelmente, na África. Autores sugerem que ocorreu uma

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transmissão interespécies a partir de primatas não humanos. Posteriormente, teria sido

disseminado para o Caribe, os Estados Unidos e a América do Sul, mediante ao tráfico

de escravos africanos no século XVI. No Japão, a infecção pelo HTLV-I poderia ter sido

introduzida através da transmissão de macacos para os homens, ou, mais

provavelmente, através de portugueses que tiveram contato com populações africanas,

antes de desembarcarem, no século XVI, nas áreas litorâneas do sul do Japão

(atualmente reconhecidas como endêmicas para a infecção pelo HTLV-I). Alguns

autores contestam essa hipótese relatando a existência da infecção pelo HTLV-I há

milhares de anos na Ásia. De fato, a presença de infecção pelo HTLV-I pôde ser

observada na população “Ainu” de Hokkaido, descendente de povos nativos do norte do

Japão e na população nativa “Aeta”, que permaneceu isolada em áreas montanhosas

das Filipinas por mais de 12.000 anos. A posterior disseminação para outras regiões

geográficas teria ocorrido através de migrações de povos primitivos da Ásia ou das

Ilhas do Pacífico para as Américas (EDLICH; HILL; WILLIAMS, 2003).

2.2 Epidemiologia e Prevalência

Doadores infectados pelo HTLV-I informam, freqüentemente, uma história de

nascimento em países endêmicos para HTLV-I ou contato sexual com pessoas do

Caribe e Japão. Um número menor informa uma história de uso de droga injetável ou

transfusão de sangue. A prevalência aumenta onde se concentra maior população de

homossexuais e bissexuais, prostitutas, pacientes com AIDS e homens com hemofilia.

A soroprevalência aumenta com a idade e as taxas também se elevam no grupo

feminino (MURPHY, 1996).

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A infecção pelo HTLV-I é endêmica no sudoeste do Japão, na Bacia Caribenha,

Melanésia e em partes da África. Em algumas áreas, a taxa de prevalência chega a

15% da população geral (MURPHY, 1996).

Nos EUA, a taxa média de soroprevalência de HTLV-I/II entre doadores de

sangue voluntários é calculada em 0,016%. O HTLV-I também foi observado entre

negros no sudeste dos EUA e em imigrantes de áreas HTLV-I endêmicas, que residem

em Brooklyn em Nova Iorque (LEVINE; BLATTNER, 1987). As áreas consideradas

endêmicas estão evidenciadas na Figura 2.1.

Figura 2.1 – Distribuição geográfica do HTLV-I. As áreas em destaque são consideradas endêmicas para a infecção para o vírus

No Brasil, a infecção causada pelo HTLV-I e suas patologias associadas têm sido

amplamente demonstradas. Sabe-se, entretanto, que esta infecção apresenta taxas de

soroprevalência diferentes de acordo com a região geográfica (ARAÚJO et al. 1993,

CASSEB et al., 1997).

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A infecção pelo HTLV-I é considerada endêmica no Brasil, apesar de contar com

baixo índice de prevalência (0,4% - 1,8%) na população geral, quando comparado com

índices do Japão (3% - 16%) (SILVA et al., 2002).

A associação entre neuropatias e HTLV-I no Brasil foi relatada pela primeira vez

em São Paulo por Castro et al. (1989). Esses autores encontraram soropositividade

para HTLV-I em 37,9% dos pacientes com mielopatia crônica de etiologia indefinida e

em 7,7% dos com diagnóstico de esclerose múltipla (CASTRO et al., 1989).

Andrada-Serpa et al. (1989) observaram soroprevalência para HTLV-I de 0,8%

em uma comunidade amazônica, no Pará, de origem africana, relativamente isolada há

aproximadamente 100 anos, e de 3,7% em pacientes portadores de doenças

hematológicas residentes no Rio de Janeiro (ANDRADA-SERPA et al., 1989).

Lee e cols, também em 1989, encontraram soroprevalência de 0,4% entre

doadores de sangue na cidade do Rio de Janeiro (LEE et al.,1989).

Outras pesquisas no Rio de Janeiro constataram que a prevalência do HTLV-I

atingia 56,7% dos pacientes com paraparesia de etiologia indefinida. Nesse estudo a

transmissão sexual foi considerada como principal fator de risco da infecção. Não houve

predominância de sexo, e os leucodérmicos foram mais acometidos (ARAÚJO et al.,

1993).

Moreira et al. (1993) encontraram, em Salvador, soroprevalência para HTLV-I em

28,6% dos pacientes com TSP/HAM, em 22,7% dos pacientes com AIDS, em 18,8%

dos com linfoma e em 1,8% dos saudáveis (MOREIRA et al., 1993)

Mas os dados relativos ao Brasil ainda são inconsistentes e dependem de

pesquisas específicas. A tabela 2.1 apresenta uma soroprevalência diferente de

algumas cidades do Brasil com diagnósticos de bancos de sangue (CASSEB, 2004).

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Cidade %

São Paulo 0.4

Rio de Janeiro 0.18

Belém 1.0

Salvador 1.5

Porto Alegre 0.4

TABELA 2.1 – Prevalência de HTLV-I em cidades do Brasil

Nessa tabela verifica-se que a cidade de Salvador é a que possui a maior

prevalência do HTLV-I no Brasil, com cerca de 4 vezes a prevalência encontrada em

São Paulo (CASSEB, 2004).

Na Figura abaixo podemos ver compilados os dados de várias pesquisas

realizadas em território nacional (CARNEIRO-PROIETTI et al., 2002).

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Figura 2.2 – Prevalências de HTLV-I/II, HTLV-I e HTLV-II reportadas no Brasil de 1989 a 1996 (CARNEIRO-PROIETTI et al. 2002)

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Os dados de pesquisas mais recentes no Brasil são de 2003, quando Soares et

al. realizaram um estudo em Belo Horizonte. Nesse estudo a soropositividade mostrou-

se associada à história pregressa de transfusão de sangue e ao uso de drogas ilegais

não endovenosas.

As diferentes prevalências originaram uma classificação desenvolvida por

Mueller (1991). Nessa classificação o autor evidencia 4 regiões diferentes:

● Altamente endêmicas com soroprevalência 15% - Japão (Kyushu, Shikoku,

Okinawa e população nativa “Ainu); Sul do Pacífico (Nova Guiné, Ilhas Solomon e

povos nativos australianos)

● Endemicidade intermediária com soroprevalência de 5 a 14% - Caribe

(Jamaica, Trinidad, Martinica e Guiana Francesa); oeste da África (Gabão, Camarões,

Guiné Equatorial e Costa do Marfim)

● Baixa endemicidade com soroprevalência variando entre 1 a 4 % - Caribe

(Barbados); América do Sul (Colômbia e Brasil); oeste da África (Sul do Chade e

Nigéria); América do Norte (esquimós do Alaska e índios da Flórida); Filipinas

(população nativa “Aeta”).

● Endemicidade muito baixa com prevalência menor que 1% - América do Norte

(negros americanos).

2.3 Diagnóstico

O diagnóstico do HTLV-I é feito em duas etapas: triagem e confirmação

(CARNEIRO-PROIETTI et al., 2002).

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Para a etapa de triagem são utilizados os testes sorológicos(ELISA ou

aglutinação), que detectam a presença de anticorpos contra o vírus. Os antígenos mais

comumente utilizados nos testes disponíveis no mercado são aqueles encontrados no

lisado viral do HTLV-I e HTLV-II, além das proteínas recombinantes derivadas dos

genes virais env e gag (CARNEIRO-PROIETTI et al., 2002).

A Figura 2.3 exemplifica os tipos de testes disponíveis e a categoria de utilização

de cada um deles.

(reação em cadeia da polimerase)

Figura 2.3 – Testes laboratoriais utilizados para o diagnóstico da infecção pelo HTLV-I/II (adaptado de CARNEIRO-PROIETTI et al. 2002)

Na confirmação, geralmente é utilizado um teste sorológico, o Western Blot

(WB). Além de confirmar a infecção, é necessário discriminar se a mesma está sendo

causada pelo HTLV-I ou HTLV-II. Como os vírus possuem grande homologia entre si, é

necessário enriquecer os testes anti-HTLV com antígenos recombinantes específicos

de cada vírus. O teste de imunofluorescência indireta (IFI) não é comercializado, o que

limita a sua utilização (CARNEIRO-PROIETTI et al., 2002).

Em alguns casos, nem a confirmação nem a discriminação é possível através do

Western Blot. Nestes casos são empregados os testes moleculares como a PCR

(reação em cadeia da polimerase). Uma importante diferenciação deste teste em

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relação aos testes sorológicos é não depender da produção de anticorpos contra o

vírus, uma vez que detecta diretamente o material genético do mesmo (DNA proviral).

Esta característica faz da PCR o método de escolha para avaliação da transmissão

neonatal. Sua alta sensibilidade e especificidade, fazem da PCR um método capaz de

esclarecer estados sorológicos indeterminados, além de distinguir os tipos ou subtipos

virais (CARNEIRO-PROIETTI et al., 2002).

Geralmente mais de um teste é empregado no diagnóstico da infecção pelo

HTLV. A Figura 2.4 mostra o fluxograma de testagem para identificação do vírus.

Figura 2.4 – Fluxograma de testagem para a identificação do HTLV

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2.4 Transmissão

As formas de transmissão são semelhantes às dos outros retrovírus e envolvem

o contato direto com sangue, relações sexuais não protegidas e verticalmente da mãe

para o filho (NAKANO et al., 1984).

A transmissão materno-infantil pode ser intrauterina (comunicação

transplacentária), perinatal (contato direto com o sangue), e, principalmente, pela

amamentação. O aleitamento materno é responsável por uma prevalência de até 25%

de transmissão da infecção em crianças nascidas de mães soropositivas (NAKANO et

al., 1984).

A transmissão intra-uterina ou perinatal de HTLV-I também podem acontecer,

apesar de serem menos freqüentes que a transmissão por amamentação.

Aproximadamente 5% de crianças nascidas de mães infectadas (mas não

amamentadas) adquirem a infecção por essas vias (ANDO et al., 1987; KINOSHITA et

al., 1984; OKOCHI; SATO; HINUMA, 1984).

Outra forma de transmissão do HTLV-I é através de relações sexuais. Essa

forma parece ser mais eficiente de homens para mulheres. Um estudo no Japão

calculou essa taxa de eficiência em 61% na infecção de homens para mulheres, sendo

que a infecção de mulheres para homens contabilizou menos de 1%. Nos EUA,

aproximadamente 25%-30% de parceiros sexuais, de doadores de sangue HTLV-I/II

soropositivos, são também soropositivos (MURPHY et al., 1999).

Mas a transmissão do HTLV-I pela transfusão de sangue parece ser o meio mais

eficaz. Pode acontecer com transfusão de produtos de sangue celulares (sangue total,

células vermelhas e plaquetas), mas não com a fração de plasma ou derivado de

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plasma. A taxa de soroconversão de 44% a 63% foi constatada em recipientes de

componentes celulares HTLV-I-infectados, em áreas endêmicas (MURPHY et al. 1999).

O compartilhamento de agulhas ou seringas contaminadas com sangue é outro

modo provável de transmissão (ANDO et al., 1987; KINOSHITA et al., 1984; OKOCHI;

SATO; HINUMA, 1984).

A soroconversão de trabalhadores da área da saúde, após exposição

percutânea, é possível, mas pouco provável (McCRAY, 1986).

Ainda assim, precauções universais são indicadas para contato com todos os

pacientes (McCRAY. 1986).

2.5 Doenças associadas

Duas doenças foram definitivamente associadas com o HTLV-I: a

leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL) e um quadro neurológico degenerativo

crônico, a mielopatia/paraparesia espástica tropical associada ao HTLV-I (HAM/TSP).

Já o HTLV-II tem um quadro clínico pouco conhecido. Na figura 2.5 estão listadas

algumas doenças que foram encontradas em pacientes HTLV-II.

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Figura 2.5 – Doenças que foram identificadas em pacientes com HTLV-II

(www.aids.gov.br/assistencia/manualdst/item13.htm).

A ATLL foi a primeira neoplasia humana associada a um retrovirus. Em 1973 foi

reconhecida como entidade patológica no Japão e, quatro anos depois,

internacionalmente (BORDUCCHI; KERBAUY; OLIVEIRA, 1999).

É uma malignidade de linfócitos T que atinge preferencialmente homens, sendo a

faixa etária mais acometida, no Japão entre 40 e 70 anos de idade e no Caribe de 19 a

62 anos. Clinicamente o paciente pode apresentar adenomegalia (60%), lesões em pele

(39%), hepatomegalia (26%) e esplenomegalia (22%). Sintomas como desconforto

abdominal, diarréia, cólica, ascite e tosse, estão associados com determinados subtipos

de ATLL. Os achados laboratoriais podem revelar hipercalcemia (28-50%)

acompanhada de lesões osteolíticas, elevação da DHL (desidrogenase láctica),

hiperbillirubinemia e, mais raramente, hipergamaglobulinemia. Os leucócitos geralmente

estão com sua população normal ou aumentada. O sangue periférico também pode

apresentar células leucêmicas chamadas “flower cells”, identificadas pelo aspecto

lobulado do núcleo e cromatina nuclear grosseira, achado que a diferencia do núcleo

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convoluto do linfoma linfoblástico. Anemia, neutropenia e plaquetopenia raramente são

observadas (BORDUCCHI; KERBAUY; OLIVEIRA, 1999).

A ATLL apresenta quatro subtipos: leucêmico agudo, linfoma, crônico e

smoldering (forma oligo-sintomática). Além destes subtipos bem definidos por critérios

clínico-laboratoriais, existe um estado limítrofe entre indivíduos assintomáticos e ATLL,

que é denominado como fase pré-ATLL. Nessa fase existe a presença de linfócitos

atípicos circulantes que podem desaparecer espontaneamente (SILVA et al., 2002).

Nas formas clínicas mais agressivas do ATLL (agudo e linfoma), o paciente

apresenta a síndrome tumoral caracterizada por linfoadenomegalia, lesões viscerais

múltiplas, (hepatoesplenomegalia e infiltração pulmonar), lesões de pele e lesões

ósseas. A hipercalcemia causada pelo aumento da reabsorção óssea pelos

osteoclastos pode ocorrer em 50% dos casos. Os pacientes com ATLL são geralmente

imunodeficientes e têm predisposição constante às infecções oportunísticas, sejam elas

bacterianas, fúngicas, parasitárias ou virais (SILVA et al., 2002)

A forma linfomatosa é a mais difícil de ser caracterizada como ATLL, devido a

semelhança com os linfomas de um modo em geral e principalmente pela ausência de

uma padrão histológico arquitetural patognomônico. Só quando o paciente cursa com

lesões extranodais ou evolui com hipercalcemia é que a forma linfomatosa é

diagnosticada (após sorologia reativa para HTLV-I) (SILVA et al., 2002).

Na forma smoldering ou crônica (não existe massa tumoral), os sintomas são

mais inconsistentes com o tipo da doença maligna. Na grande maioria dos casos o

diagnóstico de ATLL só é feito durante a agudização do caso (SILVA et al., 2002).

O tempo de sobrevida para os subtipos agressivos varia de semanas a mais de

um ano. Complicações pulmonares, incluindo pneumonia por Pneumocystes carinii

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(PCP), hipercalcemia, herpes zóster disseminado, meningite criptococóccica e

infecções por citomegalovírus, são as causas mais freqüentes de morte (BORDUCCHI;

KERBAUY; OLIVEIRA, 1999).

Na série de casos brasileiros, 36% dos pacientes apresentaram alterações

clínicas decorrentes de hipercalcemia como primeiros sinais de ATLL, ou seja,

taquicardia ou arritmia cardíaca, sonolência com confusão mental, letargia, diminuição

do fluxo urinário e insuficiência renal. Por outro lado, após confirmação diagnóstica do

ATLL, foi comum encontrar a referência de lesões de pele persistentes, de longa

duração e quase sempre refratárias aos tratamentos dermatológicos. Na maioria destes

casos o envolvimento cutâneo predominante caracterizava-se por lesões

eritrodérmicas, pápulas, macroplacas ou lesões tumorais cutâneas de longa evolução

(SILVA et al., 2002).

A HAM/TSP é caracterizada pela fraqueza progressiva e constante dos membros

inferiores, com espasticidade, hiperreflexia, perturbações sensoriais e incontinência

urinária. Em pacientes com TSP/HAM, ao contrário daqueles com esclerose múltipla, os

sinais e sintomas são progressivos, os nervos cranianos não são envolvidos e a função

cognitiva não é afetada. Sua patogênese envolve um fenômeno de ativação imune

contra a presença de antígenos do HTLV-I, conduzindo a um processo inflamatório de

desmielinização, principalmente na medula espinhal torácica. Uma alta concentração de

células T e monócitos é encontrada nesta região, mas nenhuma evidência de

malignidade foi descrita nestas células. Desde que, o processo histopatológico das

TSP/HAM é essencialmente inflamatório, o mecanismo pelo qual o HTLV-I causa esta

doença difere da ATLL (CASSEB; PENALVA-DE-OLIVEIRA, 2000).

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A HAM/TSP desenvolve-se em menos de 1% das pessoas com HTLV-I. Acredita-

se que é imunologicamente mediada e freqüentemente afeta mais as mulheres que os

homens e apresenta um período de latência mais curto de que a ATLL (CARNEIRO-

PROIETTI et al., 2002).

O além dos complexos neurológicos listados na figura 2.6, o espectro de

doenças associadas ao HTLV-I pode incluir outras desordens. Casos de polimiosite,

artropatia crônica, panbronquite e uveíte foram relatados em pacientes infectados com

o HTLV-I (CASSEB et al., 1997).

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Adaptado de Carneiro-Proietti et al. 2002

Figura 2.6 - Complexo neurológico associado ao HTLV-I

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2.6 Tratamento

Os critérios de tratamento são variáveis, porém os casos assintomáticos não

devem ser tratados, considerando a baixa possibilidade do desenvolvimento de doença.

Assim, apenas os pacientes com diagnóstico de entidades clínicas correlatas à infecção

pelo HTLV-I, devem ser tratados especificamente.

TSP/HAM

Uma vez configurado o diagnóstico de TSP/HAM, segundo critérios determinados

(BREW et al., 1992) uma abordagem terapêutica deve ser considerada. Várias

referências de estratégias terapêuticas permeiam a literatura, usando medicações de

ação antiviral, imunomodulatória e imunossupressora. Porém, a maioria é composta de

estudos não controlados e casuística pouco numerosa. Os efeitos positivos limitados e

não duradouros, no entanto, são pontos de intersecção de quase todas as formas de

tratamento, hoje disponíveis. Diferentes drogas, com distintas formas de administração,

já foram testadas (CARNEIRO-PROIETTI et al., 2002).

Diversas drogas têm sido utilizadas nesses pacientes como a predinisona, o alfa-

interferon, a azatioprina, a plasmaferese, as gamaglobulinas, o danazol, a pentoxifilina,

a vitamina C, e, até mesmo a heparina. Recentemente, alguns antirretrovirais foram

utilizados, como o AZT (zidovudina) e o 3TC (lamivudina) (CARNEIRO-PROIETTI et al.,

2002).

A Figura 2.7 demonstra as drogas mais comuns no tratamento da TSP/HAM, sua

categoria farmacológica, forma de ação e resultados obtidos até hoje.

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Figura 2.7 - Complexo neurológico associado ao HTLV-I

Importante ainda é avaliar a presença de coinfecções, que possam influir na

evolução e/ou compartilhar opções de tratamento. Uma situação de destaque é na co-

infecção com o vírus da hepatite C, cujo tratamento, quando indicado, inclui o uso de

interferon-alfa, contemplando assim os dois aspectos, não excluindo abordagens

específicas (CARNEIRO-PROIETTI et al., 2002).

Situação semelhante é observada na co-infecção com o HIV, onde a mielopatia

aparece de modo mais frequente do que na infecção exclusiva pelo HIV (mielopatia

vacuolar), bem como na infecção exclusiva pelo HTLV-I, com taxa de ataque dez vezes

superior que a última. O uso de um esquema antirretroviral de alta eficácia (HAART)

tem impacto terapêutico clínico significativo nesses casos (RIBAS; MELO, 2002).

Medidas terapêuticas coadjuvantes são de grande valia, como a fisioterapia e o

uso de drogas no manejo da espasticidade, onde destacamos o diazepan e o

baclofeno. Técnicas auxiliares do funcionamento esfincteriano, bem como

medicamentos específicos, como a oxibutina, a propantelina e a imipramina, podem

ajudar nos distúrbios miccionais (RIBAS; MELO, 2002).

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Os tratamentos devem, preferencialmente, ser monitorados por escalas clínicas

que objetivem os resultados, visando uma adequação e individualização da proposta

terapêutica (RIBAS; MELO, 2002).

Leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL)

Os tratamentos das formas aguda e linfomatosa são constituídos de

quimioterapia combinada, com resultados limitados. Os protocolos envolvem diferentes

combinações de antineoplásicos (vincristina, ciclofosfamida, doxorrubicina, metotrexato

bleomicina, etc...) associados ou não a corticóides como a prednisolona (BAZARBACHI;

HERMINE, 2001). A análise de dados de diferentes pesquisas no Japão, baseadas na

quimioterapia convencional, revelam a existência de 3 fatores prognósticos diferentes:

níveis séricos elevados de lactato desidrogenase, alta contagem de leucócitos e pobre

e status de performance (BAZARBACHI; HERMINE, 2001).

A quimioterapia nas formas crônicas e smouldering parece causar mais danos

que benefícios, em decorrência de aumentar a deficiência imune já instalada. Mas a

combinação de AZT e interferon alfa deve ser avaliada e pode ser útil. Nesse grupo é

essencial o uso de medidas profiláticas para infecções oportunistas como a pneumonia

por Pneumocystes carinii (BAZARBACHI; HERMINE, 2001).

Novos protocolos terapêuticos são necessários, com diferenciação entre as

formas crônica e latente das formas aguda e linfomatosa (BAZARBACHI; HERMINE,

2001).