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REVERBERAÇÕES DA PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA NA ATUAÇÃO PROFISSIONAL DE PROFESSORES EM INÍCIO DE CARREIRA Eixo temático 3. Pesquisa, Formação de Professores e Trabalho Docente Janete Regina de Oliveira Vivian Batista da Silva Resumo Essa proposta visa compreender a influência da disciplina Prática de Ensino em Geografia no trabalho de docentes em início de carreira profissional. Parte do pressuposto de que a formação docente impõe, aos cursos de graduação, a conformação de organização curricular que permita o estabelecimento de conexões entre o conhecimento considerado academicamente relevante e o futuro exercício da docência papel hoje atribuído à disciplina Prática de Ensino, em articulação com os Estágios Supervisionados. Prevê estudos bibliográficos relativos à constituição da disciplina Prática de Ensino de Geografia, cultura escolar, formação docente, currículo e ensino de Geografia; entrevistas com coordenadores da disciplina Prática de Ensino de Geografia e egressos desses cursos, que estejam atuando como professores na escola básica. Palavras-chave- Prática de Ensino- Formação Inicial de Professores- Atuação Profissional Introdução A proposta de pesquisa aqui apresentada reflete a trajetória profissional, ao longo de vários anos como docente, na educação básica (ensino fundamental e ensino médio) e no ensino superior, que tem suscitado diversos questionamentos sobre o fazer cotidiano docente. Um deles pode ser associado ao desafio de conseguir mostrar, aos educandos, o sentido da escola e de uma disciplina (Geografia) compreendida, por muitos, como apenas um enumerado de informações sobre o mundo. Apesar dos inegáveis avanços na reflexão sobre o ensino de Geografia (resultante das pesquisas desenvolvidas por Antonio Castrogiovanni, Helena Copetti Callai, José William Vesentini, Lana de Souza Cavalcanti, Nestor André Kaecher, Nídia Nacib Pontschuska, Sonia M.V. Castellar, Vania Vlach, dentre outros), com importantes repercussões sobre a educação básica, esse desafio parece persistir, assumindo singular importância no processo de formação docente, no nível de graduação. Não raramente, ao questionar estudantes de Licenciatura em Geografia, em fim de curso, sobre o sentido dessa disciplina na educação básica, constatamos que esses sempre

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REVERBERAÇÕES DA PRÁTICA DE ENSINO DE GEOGRAFIA NA ATUAÇÃO

PROFISSIONAL DE PROFESSORES EM INÍCIO DE CARREIRA

Eixo temático 3. Pesquisa, Formação de Professores e Trabalho Docente

Janete Regina de Oliveira

Vivian Batista da Silva

Resumo

Essa proposta visa compreender a influência da disciplina Prática de Ensino em

Geografia no trabalho de docentes em início de carreira profissional. Parte do

pressuposto de que a formação docente impõe, aos cursos de graduação, a

conformação de organização curricular que permita o estabelecimento de conexões

entre o conhecimento considerado academicamente relevante e o futuro exercício da

docência – papel hoje atribuído à disciplina Prática de Ensino, em articulação com os

Estágios Supervisionados. Prevê estudos bibliográficos relativos à constituição da

disciplina Prática de Ensino de Geografia, cultura escolar, formação docente, currículo

e ensino de Geografia; entrevistas com coordenadores da disciplina Prática de Ensino

de Geografia e egressos desses cursos, que estejam atuando como professores na

escola básica.

Palavras-chave- Prática de Ensino- Formação Inicial de Professores- Atuação

Profissional

Introdução

A proposta de pesquisa aqui apresentada reflete a trajetória profissional, ao longo de

vários anos como docente, na educação básica (ensino fundamental e ensino médio)

e no ensino superior, que tem suscitado diversos questionamentos sobre o fazer

cotidiano docente. Um deles pode ser associado ao desafio de conseguir mostrar, aos

educandos, o sentido da escola e de uma disciplina (Geografia) compreendida, por

muitos, como apenas um enumerado de informações sobre o mundo. Apesar dos

inegáveis avanços na reflexão sobre o ensino de Geografia (resultante das pesquisas

desenvolvidas por Antonio Castrogiovanni, Helena Copetti Callai, José William

Vesentini, Lana de Souza Cavalcanti, Nestor André Kaecher, Nídia Nacib

Pontschuska, Sonia M.V. Castellar, Vania Vlach, dentre outros), com importantes

repercussões sobre a educação básica, esse desafio parece persistir, assumindo

singular importância no processo de formação docente, no nível de graduação. Não

raramente, ao questionar estudantes de Licenciatura em Geografia, em fim de curso,

sobre o sentido dessa disciplina na educação básica, constatamos que esses sempre

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ficam, via de regra, confusos e sem saber o que responder. Essa situação tem gerado

um grande incômodo, pois, como um(a) futuro(a) professor(a), a poucos meses da

diplomação, não consegue atribuir sentido à sua futura ação profissional?

Diante desse incômodo, três hipóteses foram tecidas. A primeira é a de que o curso

não preparou de maneira adequada seus graduandos. Uma segunda possibilidade era

a de que os estudantes não se empenharam durante o curso. A terceira hipótese era a

de que faltava um espaço, na implementação do currículo, para que fossem

estabelecidas as conexões entre o conhecimento considerado academicamente

relevante e o futuro exercício da docência.

Sem menosprezar o efeito explicativo das duas primeiras hipóteses (que tomadas em

conjunto, ou mesmo isoladamente, podem revelar questões conjunturais relevantes), a

terceira hipótese foi a que nos pareceu oferecer mais elementos explicativos. Afinal de

contas, não há como ignorar o efeito abrangente da forma como ocorre a

implementação do currículo de um curso, tendo em vista as escolhas epistemológicas

que afetam essa prática. Esse fato, inclusive, pôde ser corroborado, em situações

profissionais diversas, por meio da regência da disciplina de Prática de Ensino de

Geografia e ainda, por ocasião da orientação de estágios supervisionados – situações

nas quais os estudantes eram levados a preparar atividades tendo como referência a

importância do conhecimento geográfico, em que deveriam mobilizar os saberes

específicos da disciplina de origem; saberes pedagógicos e saberes cotidianos.

Tendo em vista tal cenário, nos propusemos a sistematizar reflexão sobre a relação a

partir do seguinte questionamento: em que medida a disciplina Prática de Ensino tem

contribuído para estabelecer esse nexo? Essa disciplina, na Universidade Federal de

Viçosa, aparece entre o quinto e oitavo períodos do Curso de Geografia, articulada

aos estágios curriculares supervisionados. Sua concomitância com os estágios

procura resguardar seu papel de reflexão sobre as vivências na escola, ao passo que,

como disciplina específica (no oitavo período), aborda a reflexão mais geral, sobre

todo o processo de formação. Incluem-se aí atividades teóricas e práticas que

apresentam como foco a atuação em sala de aula, a partir dos conhecimentos

oriundos das pesquisas geográficas, do campo da Educação e das experiências

adquiridas durante os estágios.

Assim sendo, propõe-se como objetivo geral da pesquisa promover discussão acerca

da formação inicial dos professores de Geografia, tendo como base a disciplina Prática

de Ensino, procurando identificar qual a sua importância para os(as) professores(as)

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de Geografia, em início de carreira, egressos de três instituições públicas de ensino

presencial.

Para tanto, a proposta aqui apresentada será realizada através de pesquisa qualitativa

e constituirá de: i) levantamento e análise de bibliografia sobre a formação inicial de

professores, disciplinas escolares, bem como sobre currículo e prática de ensino; ii)

seleção de instituições formadoras de professores de Geografia e análise de Projetos

Políticos do Curso de Geografia para identificação da concepção de Prática de Ensino

proposta para os licenciandos; iii) realização de entrevistas com coordenadores da

disciplina Prática de Ensino de Geografia, nas instituições selecionadas, com o

objetivo de compreender a organização e efetivação das disciplinas e iv) seleção e

entrevistas com egressos dos cursos para apuração: a- da relevância atribuída aos

conhecimentos apreendidos na disciplina Prática de Ensino de Geografia, durante o

período de formação; b- as apropriações de conhecimentos apreendidos na disciplina

Prática de Ensino de Geografia, frente aos desafios do trabalho cotidiano em sala de

aula. Essas questões serão abordadas através de entrevistas semi-estruturadas.

A metodologia para realizar o tratamento das informações levantadas será a análise

de conteúdo. Segundo Moraes (1999), a análise de conteúdo em sua vertente

qualitativa, parte de uma série de pressupostos, os quais, no exame de um texto,

servem de suporte para captar seu sentido simbólico. Este sentido nem sempre é

manifesto e o seu significado não é único. Poderá ser enfocado em função de

diferentes perspectivas. Essa metodologia nos permite categorizar as informações

para, em seguida, realizarmos sua análise e consequente interpretação.

Desenvolvimento

Atualmente, a formação inicial de professores para atuação junto à escola básica é

regida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/1996), bem como pelas

Resoluções CNE/CP 1 e 2, respectivamente de 18 e 19 de fevereiro de 2002. Esses

documentos enfatizam a formação de uma identidade profissional que não esteja

atrelada ao bacharelado; assim sendo, procuram definir um perfil esperado que leve o

licenciando, desde o início da graduação, estar em contato com a realidade escolar.

Esse contato deve possibilitar que, para além do domínio dos conteúdos disciplinares,

os licenciandos sejam capazes de desenvolver uma postura crítico-reflexiva sobre o

trabalho docente, durante o período de formação acadêmica.

Em contexto marcado por diversos debates em torno dos pressupostos teóricos e dos

efeitos decorrentes da implantação das resoluções citadas, as instituições de

formação de professores para a o ensino básico viram-se, então, obrigadas a

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ajustarem seus currículos. Esse ajuste definia para os ingressantes em 2005, a nova

configuração de formação docente.

Enquanto início do marco temporal para a análise proposta por esta pesquisa, o ano

de 2005 configura, portanto, o ponto de partida de processo no qual as Instituições de

Ensino Superior procuram dar sentido à formação docente em meio ao confronto entre

as exigências legais estabelecidas e o debate acadêmico em torno dos desafios

impostos à formação docente. Dentre os diversos resultados desse processo, aquele

que nos interessa, particularmente, está associado ao impacto dessas mudanças

curriculares no exercício profissional de estudantes graduados entre os anos de 2009

(primeira geração) e 2013 (segunda geração)

Consideramos que o contexto em que ocorre a implantação das diretrizes previstas

nas Resoluções CNE/CP 1/2002 e 2/2002 encerra dilemas que, na sociedade

contemporânea, são impulsionados pelas revoluções tecnológicas, informacionais e

pelas mudanças sociais, culturais e identitárias, vinculadas ao sistema

socioeconômico vigente, que leva até a escola novas demandas e exige da mesma

resposta e adequação a estas transformações.

A temática da formação de professores tem sido, assim, amplamente discutida, nas

últimas décadas, tanto no Brasil como no mundo, assumindo contornos particulares,

dado o tema investigado (formação inicial, formação continuada, saberes docentes,

profissionalização), impulsionada pela produção de diversos pesquisadores, tais como

António Nóvoa, Maurice Tardif e Phillipe Perenoud. No Brasil, particularmente, tais

discussões ganham destaque a partir da década de 1990, em meio à implantação de

políticas públicas que visam dar resposta, através do currículo, aos diagnósticos

indicadores de uma crise educacional (FREITAS, 1999). Admitida, portanto, como

parte de uma crise que afeta a própria sociedade contemporânea, tal crise, longe de

ser explicada por respostas simples, traz à baila questões como o papel da escola e

dos profissionais de educação frente às novas demandas da sociedade, tais como

ampliação do período de escolarização básica, atendimento a diferentes grupos

sociais numa perspectiva inclusiva e relação com políticas públicas de avaliação

escolar. Aos profissionais da educação é esperado, para além dos conteúdos

disciplinares, que sejam capazes de manter uma postura crítico-reflexiva sobre seu

trabalho. Ao refletir sobre esta condição, Freitas (2002, p. 139) reporta que:

No âmbito do movimento da formação, os educadores produziram e evidenciaram concepções avançadas sobre a formação do educador, destacando o caráter sócio histórico dessa formação, a necessidade de um profissional de caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo como desenvolvimento da

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consciência crítica que lhe permita interferir e transformar as condições da escola, da educação e da sociedade.

Nesse contexto, o enfoque sobre o currículo ganha relevância. Mais do que um rol de

conteúdos, sucessivamente dispostos em um encadeamento temporal, o currículo tem

sido problematizado, dados tanto os fatores epistemológicos e sócio-históricos que

condicionam sua proposição como, também, os projetos de futuro que o comportam

(SILVA,1999; APPLE, 2006). Nas palavras de Moreira & Candau (2006, p. 95),

O currículo representa, assim, um conjunto de práticas que propiciam a produção, a circulação e o consumo de significados no espaço social e que contribuem intensamente, para a construção de identidades sociais e culturais. O currículo é por consequência, um dispositivo de grande efeito no processo de construção da identidade do(a) estudante.

Frente a tal perspectiva, pergunta-se: até que ponto os currículos das licenciaturas em

Geografia tem subsidiado a preparação do(a) futuro(a) docente, dada a configuração

de tais desafios profissionais? O permanente processo de reflexão sobre a formação

profissional docente é condição primeira para mantermos perspectiva de superação

dos desafios colocados cotidianamente nesse campo.

Nessa perspectiva, sob o recorte da formação profissional para o ensino de Geografia,

problematizar as orientações curriculares, determinantes das condições de formação

profissional, tendo como foco a disciplina Prática de Ensino, é aqui considerado

aspecto de significativa importância. Para isso torna-se essencial compreender a

constituição e trajetória dessa disciplina, pois, como nos informa André Chervel, “As

disciplinas escolares estão no centro desse dispositivo. Sua função consiste em cada

caso em colocar um conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade educativa”

(CHERVEL, 1990, p. 188). Apesar dessas, segundo o autor, não encerrarem todos os

objetivos presentes nos estabelecimentos de ensino (Idem).

A ideia de cultura escolar problematizada por Dominique Julia (2001) é outro

importante aspecto a ser mobilizado, uma vez que ela encerra “[...] um conjunto de

normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de

práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses

comportamentos [...]” (JULIA, 2001, p.10).

No campo do ensino de Geografia, a preparação para o futuro exercício profissional

docente impõe a necessidade de constante revisão dos pressupostos curriculares que

embasam a relação entre o conhecimento científico geográfico e a geografia escolar.

Isso se dá porque, no exercício profissional, frente às condições reais de

aprendizagem, saberes constituídos na prática docente, em diálogo com referências

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culturais diversas, informam processos particulares de seleção e apropriação dos

conhecimentos geográficos que não podem ser ignorados.

O principal objetivo da Geografia, na escola básica, nos parece ser o de contribuir para

que o aluno possa compreender a espacialidade dos fenômenos e, nesse processo e

se perceba como coautor da construção do espaço. Dada tal premissa, faz-se

necessário o diálogo com a escola básica, a fim de mobilizar os (as) futuros (as)

licenciandos (as) para a ação contextualizada.

Ao longo de seu processo de institucionalização, notadamente a partir do século XIX,

vários têm sido os papéis desempenhados pela escola, sempre relacionados com os

comportamentos morais e demandas sociais de cada época. Em todos esses estágios,

os papéis demandados à escola encontraram-se conectados ao desafio de garantir a

ampliação do acesso a essa instituição. Os efeitos da intensa urbanização do mundo

moderno, com a consequente especialização das atividades produtivas, acentuaram,

no século XX, a necessidade da educação escolar.

Em países emergentes, como o Brasil, a exigência de ampliação de vagas na escola

procurou (e ainda procura) responder à necessidade de participação do país na

dinâmica internacional do capital e de transformação social, com ênfase ora sobre a

superação das desigualdades, ora sobre a superação do atraso econômico. Essa

perspectiva, que vê na escola o agente principal da transformação social, dentro da

ordem vigente, pressupõe, também, a importância de um conhecimento dotado de

valores democráticos, mobilizador de mudanças. Lana de Souza Cavalcanti (2002)

afirma, também, a partir das ideias de Vygotsky, que o papel da escola é fazer a

mediação entre o conceito cotidiano e o conceito científico, para que o aluno possa

adquirir a consciência reflexiva. Segundo a autora, os conceitos científicos “[...] têm o

papel de propiciar a formação de estruturas para a conscientização e ampliação de

conceitos cotidianos, possibilitando, assim, o desenvolvimento intelectual”

(CAVALCANTI, 2002, p. 28). Dessa forma, cabe à escola e ao ensino de geografia

fornecer instrumentos para que o cidadão possa compreender a complexidade

presente nesse espaço. Complexidade essa marcada por referências tecnológicas,

culturais, sociais e econômicas.

O contexto social demanda dos(as) docentes aprofundamento teórico e o

desenvolvimento de práticas pedagógicas que reverberem na sala de aula, de modo a

garantir a função social da escola, qual seja, a de formar pessoas.

Diante disso, em que pese a necessidade urgente de se refletir sobre o papel social da

profissão docente, dadas as mudanças sociais, culturais e econômicas pelas quais

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passa o mundo contemporâneo (NETO, 2005), é necessário considerar o(a)

professor(a) como elemento fundamental do espaço educacional, já que ele é agente

do processo de transformação da realidade social (LIMA, 2007). A formação inicial do

educador representa o início da socialização profissional. Dessa forma, espera-se que

esse período de formação fomente processos reflexivos sobre a teoria e a realidade

social em que os futuros professores irão atuar (SANTOS, 2007). Nesse contexto,

cabe à academia proporcionar um ambiente com formação aprofundada e eficiente

que possibilite a formação de um profissional que realmente a sociedade brasileira

necessita.

No entanto, é necessário, também, levar em consideração que, durante a formação,

esse(a) futuro(a) profissional necessita experienciar o exercício profissional. Para

Pimenta (1995), se a instituição objetiva formar um educador, é adequado que se

tenha preocupação com a prática. O entendimento dessa prática é de

desenvolvimento de habilidades instrumentais necessárias ao desempenho da ação

docente. Callai (2010, p. 414-415), ao discorrer sobre as tensões e convergências na

formação docente em Geografia, pondera que:

Elas se expressam através da relação: - professor-aluno, nos cursos de formação docente caracterizado pelo que se quer ensinar e aquilo que o graduando aprende; - conteúdo e didática, trabalhados nos cursos superiores - expresso através da necessidade de selecionar o conteúdo e fazer o tratamento didático do mesmo de acordo com os referenciais adotados e com o contexto do lugar; - teoria e prática –referida ao que e a escola em suas praticas e ao que se diz a respeito dela e, também ao que seja a geografia trabalhada na universidade e aquela da escola; - ao local e global, expressos através das políticas publicas, da normatização da escolaridade, do regramento curricular e das características do contexto e da cultura escolar.

Um dos grandes desafios para a formação de professores é o de superar a dicotomia

entre a prática e a teoria. Tanto nas práticas de ensino como nos estágios

supervisionados – observados por mim, em várias turmas de diferentes instituições – é

o que fazer no momento da aula, como selecionar conteúdos e como atender à

demanda dos educandos, sem contudo, abrir mão do rigor científico, que mobiliza a

atenção dos(as) licenciandos(as).

Acredita-se que a melhor forma de resolver essa questão é fornecendo instrumentos

teóricos para que os futuros professores possam sentir-se mais seguros ao atuarem

após a formatura – enfatizando sempre a necessidade de continuar seu processo de

formação.

Porém, vale destacar, com relação à formação docente, que se trata de processo

contínuo em que a experiência é essencial. Essa perspectiva pode ser identificada nos

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trabalho de Maurice Tardif (2002), Philippe Perrenoud (2001), Antonio Nóvoa (2000),

dentre outros.

Segundo Altet Marguerite (2001, p. 26 apud OLIVEIRA, 2005, p. 99), o(a) professor(a)

é o profissional “[...] da articulação do processo ensino-aprendizagem em uma

determinada situação, um profissional da interação das significações partilhadas [...]”.

É ele que faz a mediação do processo ensino-aprendizagem no ambiente específico

da sala de aula. Nesse processo, segundo os autores, o professor produz

conhecimento (ou o saber da experiência), que é resultado da articulação entre os

saberes disciplinares (resultante da formação científica específica), saberes

pedagógicos (resultantes da produção de especialistas em ciências da educação) e

saberes curriculares (presentes nos programas oficiais e relativos à seleção dos

conteúdos feita pelo professor).

A disciplina Prática de Ensino e o Estágio Supervisionado são momentos privilegiados

para se discutir as diversas dimensões presentes na formação dos futuros

professores. De acordo com o Parecer CNE/CP 28/2001, aprovado em 02/10/2001,

que subsidia o conteúdo normativo e publicado em forma de Resolução CNE/CP Nº 2,

de 19/02/2002, o Estágio Supervisionado constitui “um momento para se verificar e

provar (em si e no outro) a realização das competências exigidas na prática

profissional e exigíveis dos formandos, especialmente quanto à regência” e ainda, “é

também um momento para se acompanhar alguns aspectos da vida escolar que não

acontecem de forma igualmente distribuída pelo semestre, concentrando-se mais em

alguns aspectos que importa vivenciar”.

Esse mesmo parecer identifica a Prática Curricular como “[...] uma dimensão do

conhecimento, que está presente nos cursos de formação nos momentos em que se

trabalha na reflexão sobre a atividade profissional [...]” (Parecer CNE/CP 9/2001, p.

22).

Dessa forma podemos afirmar que, ao Estágio Supervisionado está definido o papel

de vivenciar e experimentar a futura atividade profissional − o fazer, ao passo que nas

Práticas Curriculares devam estar presentes a reflexão sobre os processos intrínsecos

à atividade docente− pensar sobre o fazer. Para além dessa perspectiva é preciso

considerar que “[...] a disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado não pode

ser um fim em si na formação do acadêmico, mas sim uma disciplina articuladora entre

as disciplinas vistas durante todo o curso, a atuação na escola e em sala de aula”

(PASSINI, 2007,p. 30).

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Assim sendo, tomando como referência o papel atribuído à disciplina Prática de

Ensino, como elo que conecta os saberes acadêmicos (Geografia e Educação) à

perspectiva de exercício profissional, é que torna-se necessária a investigação. Afinal

de contas essa disciplina tem cumprido sua função?

Considerações finais

O permanente processo de reflexão sobre a formação profissional docente é condição

primeira para mantermos perspectiva de superação dos desafios colocados

cotidianamente nesse campo.

Logo, sob o recorte da formação profissional para o ensino de Geografia,

problematizar as orientações curriculares, determinantes das condições de formação

profissional, tendo como foco a disciplina Prática de Ensino, é aqui considerado

aspecto de significativa importância.

No campo do ensino de Geografia, a preparação para o futuro exercício profissional

docente impõe a necessidade de constante revisão dos pressupostos curriculares que

embasam a relação entre o conhecimento científico geográfico e a geografia escolar,

além da abordagem sobre cultura escolar e a história das disciplinas. Isso se dá

porque, no exercício profissional, frente às condições reais de aprendizagem, saberes

constituídos na prática docente, em diálogo com referências culturais diversas,

informam processos particulares de seleção e apropriação dos conhecimentos

geográficos que não podem ser ignorados.

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