Rev 30 Ao Golpe de 64

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1 Trabalhadores na cena política – da Revolução de 1930 ao Golpe Civil- Militar de 1964 Este texto pretende discutir o período que compreende a Revolução de 1930 até o Golpe Civil- Militar de 1964. Nesta discussão iremos abordar: a) os distintos projetos de sociedade que estiveram em disputa durante este período; b) a profunda transformação política, econômica e social que o Brasil passou no mesmo; c) e a influência da ação dos trabalhadores nestes processos históricos. Revolução de 30 e o fim da república oligárquica A revolução de 1930 que derrubou o governo de Washington Luís e levou Getúlio Vargas ao poder, fez parte de um movimento heterogêneo, que congregava desde setores oligárquicos que faziam parte do jogo de poder da República Velha mas que foram alijados do processo, passando por oligarquias dissidentes, que não faziam parte desse jogo de poder da República Velha, até setores médios urbanos e de parte das forças armadas (tenentes) que já haviam expressado seu descontentamento com a República Oligárquica durante o chamado movimento tenentista. Inspirados na crítica ao liberalismo após a crise de 1929, que acabou influenciando movimentos autoritários como o nazi-fascismo europeu, o governo provisório de Getúlio Vargas deu uma guinada na pol´tiica econômica no sentido da maior intervenção do Estado nela, no investimento na industrialização em detrimento do exclusivismo agro-exportador, na estatização de setores estratégicos (como o setor de energia e petróleo), e na centralização do poder em detrimento da maior autonomia dos estados. Além disso aprovou uma série de leis trabalhistas, que garantiam direitos sociais aos trabalhadores sindicalizados, além da criação da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho. Esta investida, porém, não ocorreu sem atritos. Por um lado o patronato era contra a intervenção do Estado nas relações entre Capital e Trabalho por meio de leis trabalhistas; por outro os trabalhadores sindicalizados lutavam pela autonomia do movimento, prejudicada pela Disciplina: História Prof (a).: _____________________________________________________________ Estudante:____________________________________________________________ Data: ____/____/_____ Turma:__________ Curso:___________________________

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Resumo didático dos acontecimentos político-sociais do Brasil entre 1930 e 1964, elaborado para aula do 3º do IFBa.

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Trabalhadores na cena política – da Revolução de 1930 ao Golpe Civil-

Militar de 1964

Este texto pretende discutir o período que compreende a Revolução de 1930 até o Golpe Civil-

Militar de 1964. Nesta discussão iremos abordar: a) os distintos projetos de sociedade que

estiveram em disputa durante este período; b) a profunda transformação política, econômica e

social que o Brasil passou no mesmo; c) e a influência da ação dos trabalhadores nestes

processos históricos.

Revolução de 30 e o fim da república oligárquica

A revolução de 1930 que derrubou o governo de Washington Luís e levou Getúlio Vargas ao

poder, fez parte de um movimento heterogêneo, que congregava desde setores oligárquicos

que faziam parte do jogo de poder da República Velha mas que foram alijados do processo,

passando por oligarquias dissidentes, que não faziam parte desse jogo de poder da República

Velha, até setores médios urbanos e de parte das forças armadas (tenentes) que já haviam

expressado seu descontentamento com a República Oligárquica durante o chamado movimento

tenentista.

Inspirados na crítica ao liberalismo após a crise de 1929, que acabou influenciando movimentos

autoritários como o nazi-fascismo europeu, o governo provisório de Getúlio Vargas deu uma

guinada na pol´tiica econômica no sentido da maior intervenção do Estado nela, no investimento

na industrialização em detrimento do exclusivismo agro-exportador, na estatização de setores

estratégicos (como o setor de energia e petróleo), e na centralização do poder em detrimento

da maior autonomia dos estados. Além disso aprovou uma série de leis trabalhistas, que

garantiam direitos sociais aos trabalhadores sindicalizados, além da criação da Justiça do

Trabalho e do Ministério do Trabalho.

Esta investida, porém, não ocorreu sem atritos. Por um lado o patronato era contra a

intervenção do Estado nas relações entre Capital e Trabalho por meio de leis trabalhistas; por

outro os trabalhadores sindicalizados lutavam pela autonomia do movimento, prejudicada pela

Disciplina: História

Prof (a).: _____________________________________________________________

Estudante:____________________________________________________________

Data: ____/____/_____ Turma:__________ Curso:___________________________

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imposição do Estado em legalizar apenas os

sindicatos ligados ao Ministério do Trabalho.

Assim, os sindicatos deixavam de ser

instrumentos autônomos dos trabalhadores e

passavam a ser aparelhos ligados à estrutura

do Estado. Assim, o movimento sindical ao

mesmo tempo que lutava pela

implementação das leis trabalhistas, exigia

também sua autonomia de ação, o que gerou

forte repressão aos chamados “subversivos”.

A soma de repressão ao movimento sindical

autônomo e a necessidade desse movimento

em defender a legislação trabalhista iria

resultar no chamado “trabalhismo” como

veremos adiante.

Expressões de extremismos em meio às

disputas da década de 30

Neste período também entraram em cena

com maior força expressões de “extremismo”

da esquerda e da direita. No caso da direita

fala-se da Ação Integralista Brasileira (AIB).

Inspirada no fascismo português, defendiam

um Estado autoritário, de partido único (a

própria AIB), centralizado e conservador.

Defendiam uma sociedade “integrada”

opondo-se tanto ao liberalismo individualista

quanto ao comunismo que pregava a luta

entre as classes. A AIB foi um movimento de

caráter conservador, católico e violento

contra expressões de comunismo. Em 1938

(portanto já no Estado Novo), a AIB tentaria

um golpe frustrado, após serem colocados na

clandestinidade.

Já a extrema-esquerda era encabeçada pelo PCB, que até então tinha perdido o bonde da

história ao não intervir nem participar do movimento de 1930, quando adotara uma linha

sectária de não aliança com os setores médios tenentistas. Em 1935, porém, passaram a se

organizar na Aliança Nacional Libertadora (ANL), junto com alguns setores médios, intelectuais,

estudantes, sindicatos e tenentistas no sentido do combate ao Nazi-Fascismo (e à sua versão

brasileira, o Integralismo), ao Imperialismo e ao latifúndio, adotando assim a mesma linha dos

outros PCs no mundo. O objetivo era radicalizar as mudanças iniciadas em 1930, e formar um

novo “Governo Popular Nacional Revolucionário”. Com a proclamação da Lei de Segurança

Nacional, a ANL foi posta na clandestinidade, e o PCB passou a organizar um levante no mesmo

O que aconteceu com o

anarco-sindicalismo?

O anarco-sindicalismo, ou

“sindicalismo revolucionário”, foi a

expressão hegemônica dos

trabalhadores no movimento sindical

durante a Primeira República. Com a

vitória da Revolução Russa de 1917 e

a fundação do Partido Comunista do

Brasil (PCB) em 1922, o anarco-

sindicalismo foi perdendo espaço

para os comunistas. Mas foi na

década de 30, com a grande

repressão que o movimento sindical

não ligado ao Ministério do Trabalho

sofreu, (repressão intensificada

sobretudo após a Intentona

Comunista de 1935) que o anarco-

sindicalismo praticamente foi extinto

da cena política brasileira.

Se houve um grande derrotado com

o movimento de 30 foi o anarco-

sindialismo. A oligarquia paulista que

foi alijada do poder em 1930,

continuou forte e influente devido ao

seu poderio econômico. Já o PCB,

pela sua estrutura de partido

nacional, pela presença de um líder

de prestígio como Luís Carlos Prestes,

e pelo auxílio, mesmo que deficiente,

da Internacional Comunista,

continuou vivo mesmo tendo sido

perseguido e colocado na

clandestinidade durante 10 anos

(1935-45).

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ano de 1935, que resultou no que ficou conhecido como a “Intentona Comunista”, termo

pejorativo para indicar a tentativa frustrada

de tomada de poder pelos comunistas.

Aproveitando-se do pretexto do levante

comunista de 1935, o regime de Getúlio

Vargas vai sustar os traços democráticos

aprovados na Constituição de 1934,

sobretudo no que diz respeito às regras

eleitorais, e dar um auto-golpe em 1937,

adiando as perspectivas eleitorais que

tirariam Getúlio Vargas do poder, e

implementando o chamado Estado Novo.

Estado Novo – autoritarismo

nacionalista e invenção do

“Trabalhismo”

O Estado Novo inaugurava a ditadura de

Getúlio Vargas, que tinha como objetivos

aprofundar as mudanças econômico-sociais

da Revolução de 1930, suprimindo qualquer

tipo de oposição e divergências. Assim, se a

década de 30 teve como uma de suas

características o grande debate nacional em

torno de projetos para o Brasil, o Estado Novo

vai suspender esses debates em favor do

discurso único propagado através do

Departamento de Imprensa e Propaganda

(DIP), e da repressão aos movimentos

divergentes, à tentativas de sindicalização

autônoma e à imprensa de oposição com a

censura.

Se num primeiro momento (1937-42) o

Estado Novo se preocupou em consolidar sua

política econômica pautada na gerência pelo

Estado do desenvolvimento econômico, e em

reprimir e silenciar movimentos e discursos

divergentes, num segundo momento (1942-

45) – com a entrada do Brasil na Segunda

Guerra Mundial, e o desgaste da imagem do

Estado autoritário lutando ao lado das forças

Aliadas contra o Nazi-Fascismo na Guerra –, a

preocupação do Estado Novo passa a ser o de

A “Revolução” Constitucionalista

de 1932

Após dois anos de Governo Provisório

de Getúlio Vargas, surgiu um

movimento exigindo a “volta” da

“democracia” com uma Constituição

que ditasse as normas do novo

regime.

Este movimento foi organizado

justamente por aquela oligarquia

paulista que se achou alijada do

poder após a Revolução de 1930, e

utilizou da retórica constitucionalista

para desestabilizar o governo

provisório.

Mesmo após a aprovação do Código

Eleitoral convocando a Constituinte,

este movimento, com amplo apoio

das camadas médias urbanas de São

Paulo, organizou um levante militar

que apesar de não contar com a

adesão de nenhum outro estado,

desembocou numa guerra civil no

país.

Derrotado, o movimento do 9 de

Julho de 1932 até hoje é

comemorada em São Paulo como

feriado estadual, celebrando a

dita “Revolução Constitucionalista

de 32”, que, travestida de ares

democráticos, buscava recolocar

no poder aquela oligarquia que

comandava a República Velha.

Para as elites paulistas essa data

simboliza a sua luta contra os

governos que tenham algum traço

popular, mas que são taxados por

esta elite de “populistas” e

“autoritários” graças à experiência

getulista neste período.

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construir uma abertura do regime em que se consolide uma base social em que Getúlio iria se

sustentar num futuro regime democrático. É a partir daí, em 1942, que surge o Trabalhismo

como uma força social e política através do pacto entre classe trabalhadora e Estado.

Se houve uma resistência por parte dos trabalhadores em aderir à nova política sindical do

Ministério do Trabalho que tirava a sua autonomia e criava os chamados “sindicatos oficiais”, a

partir de um certo momento (não sem muita repressão às ideias contrárias) o movimento passa

a visualizar como mais importante para as suas lutas a implementação das leis trabalhistas.

Assim, aqueles que num primeiro momento faziam oposição aos chamados sindicatos pelegos,

passam a “disputar por dentro” esses sindicatos

e impulsionar lutas contra o patronato pela

consolidação dos direitos trabalhistas. Pode-se

dizer dessa forma, que ao tirar autonomia dos

sindicatos, o Estado não necessariamente os

impedia de fazerem as lutas a que estavam

dispostos a fazer. Além disso, do ponto de vista

da maioria dos trabalhadores sindicalizados

existia um inimigo maior do que o Estado que

tirava sua autonomia: o patronato que resistia à

seguir as leis trabalhistas. Assim, foi-se

produzindo neste período um movimento

sindical menos “revolucionário” (como aquele

dirigido pelos anarco-sindicalistas e comunistas

durante a Primeira República) e que buscava

mais a consolidação de direitos sociais e

trabalhistas, o que seria a mesma coisa de dizer

neste período: lutavam pela sua cidadania

dentro de uma sociedade capitalista.

A construção da imagem do Cidadão Trabalhador

A partir de 1942, portanto, o DIP passa a ter uma ação voltada a formular uma concepção de

cidadania que associasse o cidadão brasileiro à imagem do trabalhador. Seria considerado

cidadão, nesta perspectiva, aquele que adquirisse os direitos sociais e trabalhistas através de

sua filiação aos sindicatos oficiais. Neste ponto de vista, não existia uma democracia política

(típica de regimes liberais em que os partidos enganariam o povo ao supostamente

representarem os seus interesses políticos), mas existiria uma democracia social, em que o

Estado interviria nas questões sociais, garantindo assim a cidadania de todos através de direitos

sociais.

Esses direitos, por outro lado, seriam fruto das próprias reivindicações do movimento sindical

durante a República Velha. Ou seja, o que Getúlio Vargas fez a partir de 1930, e consolidado em

1942, foi implementar uma série de reivindicações históricas dos trabalhadores – como direito

à férias, salário mínimo, seguro desemprego etc. – e apresenta-las como concessões do Estado,

O que foi a CLT? A CLT – Consolidação das Leis

Trabalhistas aprovada em 1942, foi a

sistematização de uma série de leis

referentes ao mundo do trabalho

implementadas desde os anos 30.

Essa medida representou o atendimento

das reivindicações operárias que foram

objeto de intensa luta da categoria por

várias décadas.

Entre essas leis podemos citar: o salário

mínimo, férias, limitação de horas de

trabalhos, segurança, carteira assinada,

justiça do trabalho, regulamentação do

trabalho feminino e infantil etc.

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na forma de “presentes pessoais” do presidente aos trabalhadores, estabelecendo uma relação

paternal entre presidente e povo. Esta era a imagem que o DIP procurava construir.

Ao lado desses ganhos materiais na forma de direitos, a propaganda estado-novista procurava

também produzir a imagem do trabalhador ideal, ordeiro, diferenciando-o do “malandro” e do

“subversivo”. Esta imagem, porém, mais uma vez é uma utilização da própria auto-imagem que

o movimento sindical produziu sobre a importância do trabalhador na sociedade, e que no

Estado Novo era colocada em novo contexto, com o objetivo de disciplinar o trabalhador e criar

uma identidade entre aquele trabalhador ideal e o cidadão a que todos ansiavam poder ser.

O pacto entre classe trabalhadora e Estado se fazia, portanto, no momento em que aqueles

trabalhadores viam materializadas suas reivindicações históricas de direitos trabalhistas e

sociais e ao mesmo tempo se identificavam com os aspectos simbólicos, os valores e instituições

que o Estado invocava na construção da cidadania. Esses trabalhadores, então, atuavam com

uma espécie de “reciprocidade” para

com o Estado, na figura de Vargas,

apoiando-o e legitimando o seu regime.

Esta reciprocidade vai ter sua expressão

maior ao fim do Estado Novo, com o

chamado movimento “queremista”, em

que os trabalhadores diziam “Queremos

Getúlio!” mesmo com o fim do Estado

Novo e a abertura política.

Esta aliança vai resultar no chamado

Trabalhismo, entendido como uma força

social que se organizava entre os

trabalhadores sindicalizados, funcionário públicos ligados ao Ministério do Trabalho e setores

médios urbanos cujo projeto de sociedade passava pela expansão dos direitos trabalhistas e

reformas político-econômicas de cunho nacional-desenvolvimentista.

Uma República Populista?

Após o fim do Estado Novo e a abertura política em 1945, inaugurou-se a primeira experiência

de democracia-burguesa-liberal no Brasil de verdade. Tradicionalmente este período que vai de

1945 até o golpe de 1964 é conhecido como “República Populista”. “Populismo” é um termo

pejorativo, que designa um tipo de política em que um líder carismático realiza políticas públicas

que agradariam ao povo, porém apenas com o intuito de manipulá-lo e conseguir seu apoio para

objetivos escusos. Uma historiografia mais recente, porém, vem tentando desconstruir esta

imagem pejorativa a este período.

Primeiro porque segundo este ponto de vista os trabalhadores teriam uma posição passiva

diante da política, não teriam capacidade de discernir entre o que é melhor para eles ou para o

país, sendo portanto totalmente alienados e passíveis à manipulação. A história assim seria

escrita apenas pelos grandes políticos, e o povo seria apenas uma peça manipulável no tabuleiro

dos grandes. Com base em novas pesquisas empíricas essa nova historiografia tenta mostra a

agência dos trabalhadores nos processos históricos, ou seja, a capacidade destes de agir e

Movimento "Queremista"

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intervir nos processos históricos de forma ativa, discernindo que projeto de país seria mais

adequado a eles, não só seguindo projetos políticos de lideranças carismáticas, mas também

formulando seus próprios projetos. Prova disso é que as reivindicações por reformas

estruturantes, como Reforma Agrária por exemplo, estão na pauta dos trabalhadores desde

muito antes da campanha pelas Reformas de Base, e não foram implementada por nenhum

governo dito “populista”.

Segundo que ao imputar à primeira experiência democrática do país (ainda que nos marcos da

democracia burguesa) a pecha de “populista” no sentido de desqualificar esta democracia soa

como um desprezo de viés autoritário a um dos períodos de mais intenso e rico debate livre

(apesar da clandestinidade do PCB) sobre os projetos de desenvolvimento para o país.

Projetos em disputa na experiência democrática (1945-1964)

Neste período, podemos dizer que se configuraram dois blocos históricos, ou seja duas grandes

forças sociais, dois grandes grupos de classes e frações de classes que representavam e

defendiam dois projetos de sociedade distintos – sendo que cada um desses projetos atendiam

aos interesses materiais e aos valores culturais das classes que constituíam seus respectivos

blocos. Um era o bloco conservador e o outro o bloco progressista.

O BLOCO CONSERVADOR

O bloco conservador era formado por aqueles setores que foram alijados do poder político após

a revolução de 30. Fazem parte dele principalmente a oligarquia paulista ligada ao café, a

burguesia associada ao capital estrangeiro e ao capital financeiro, as classes médias urbanas,

principalmente de São Paulo, e os setores mais ligados ideologicamente ao liberalismo político-

econômico e ao conservadorismo de valores católicos. Estes setores se organizavam em

entidades como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, que tinha como principal meta o

combate ao comunismo no Brasil, o Movimento Sindical Democrático, a Campanha da Mulher

pela Democracia, a Frente da Juventude Democrática, entre outras. Politicamente este bloco se

organizava principalmente em torno da União Democrática Nacional (UDN), principalmente seu

setor urbano, e em partidos menores como o PR, formando no parlamento a chamada Ação

Democrática Parlamentar.

As demais oligarquias rurais, predominantes em outros estados e ligados à outras culturas que

não a do café, poderiam ser enquadradas neste bloco, porém pelo seu pragmatismo, por vezes

acabou se associando politicamente ao bloco dos progressistas. Essas oligarquias se

organizavam politicamente em torno do Partido Social Democrata (PSD), estando ligadas ao final

do Estado Novo à máquina pública e por isso compondo desde seu início um bloco de poder

junto com os progressista, limitando inclusive o poder de atuação e de implementação do

programa progressista. Com o acirramento das disputas após o governo de Juscelino Kubitschek,

este setor vai passar a atuar definitivamente junto ao bloco conservador contra o bloco

progressista.

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O BLOCO PROGRESSISTA

O bloco progressista era composto por trabalhadores urbanos sindicalizados, camponeses,

setores médios urbanos, o funcionalismo público, estudantes organizados, industriais ligados ao

mercado de consumo de massas e a intelectualidade associada às ideias do nacional-

desenvolvimento, na perspectiva da intervenção do Estado no desenvolvimento econômico do

país, em especial pelo viés da industrialização como meio de garantir o desenvolvimento

soberano do Brasil que superasse o modelo “semi-colonial” agro-exportador dependente. Estes

setores se organizavam em entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Comando

Geral dos Trabalhadores (CGT), nos Movimentos

de Educação de Base, nas Ligas Camponesas, entre

outras. Ao final de 1962 formou-se a partir desses

movimentos a Frente de Mobilização Popular.

Politicamente, estes setores se organizavam

principalmente em torno do Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB) e no Partido Comunista Brasileiro

(PCB), sobretudo no caso dos trabalhadores seja

do campo ou da cidade formando no Parlamento

a chamada Frente Parlamentar Nacionalista. O

“trabalhismo”, força política e social formada na

fase final do Estado Novo, compunha o “núcleo

duro” deste bloco. Assim, podemos dizer que duas

forças político-partidárias foram herdeiras do

governo estado-novista: o PTB (representando o

trabalhismo) e o PSD (representando as

oligarquias regionais ligadas à máquina pública).

Os três primeiros governos deste período (Dutra,

Getúlio e JK) foram hegemonizados por essa

“dobradinha”, ou seja mesclavam aspectos

conservadores com aspectos progressistas,

oscilando entre atender demandas de um e de

outro bloco, que disputavam (nas eleições e

durante os governos) os rumos do Brasil.

Trabalhadores em cena

Como podemos ver, longe de serem meros peões

manipulados por líderes carismáticos, os

trabalhadores formavam um setor da sociedade

que, assim como outros, atuavam e influenciavam

nos rumos do país. Podemos citar como exemplo a

campanha “O Petróleo é Nosso”, que mais do que

um programa governamental de Getúlio Vargas,

ganhou contornos de grande campanha de massas

tendo os trabalhadores e estudantes papel

fundamental no sucesso da nacionalização da

exploração do petróleo e a criação da Petrobrás.

O PCB na clandestinidade Após a redemocratização em 1945, o

PCB volta à legalidade e na primeira

legislatura, que também seria a

Constituinte do novo regime, elege uma

bancada equivalente a 4,9% dos

deputados.

Para um partido que ficou na

clandestinidade e tendo seus líderes

perseguidos e presos, esse foi um

resultado surpreendente tendo eleito

inclusive o Senador e o Deputado mais

votados do país, Luís Carlos Prestes e

João Amazonas, respectivamente.

Porém, já no primeiro governo

democrático o PCB é colocado

novamente na clandestinidade,

alegando-se a proibição de organizações

que fossem contra o regime

democrático.

Passando por um período de ação

clandestina em que fez ativa oposição

aos governos, acaba se aproximando do

bloco progressista, tendo inclusive

alguns deputados eleitos “infiltrados”

em outros partidos, apoiando a

candidatura de JK, participando e tendo

papel decisivo das campanhas pelas

Reformas de Base.

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Ao final do governo JK, com o acirramento das disputas entre os dois blocos, os trabalhadores

terão papel ainda mais central na chamada campanha das Reformas de Base que propunham

reformas estruturantes (a Reforma Agrária como carro chefe) que mudariam as relações

econômicas e de poder até então estabelecidas.

A historiografia tradicional, por sua vez, analisa essa ação dos trabalhadores como um

movimento conduzido por um líder carismático (Getúlio Vargas, no caso d’O Petróleo é Nosso)

e num momento posterior uma “crise do populismo” (no caso do acirramento das disputas pós-

JK). No nosso entender, no entanto, não há uma ruptura, uma descontinuidade, uma mudança

de postura dos trabalhadores num primeiro momento quando eram “manipulados” para um

segundo momento quando os líderes carismáticos não conseguem mais manipular os

trabalhadores (“crise do populismo”). Este tipo de raciocínio retira dos trabalhadores a condição

de seres sociais que tem pautas, anseios, organizações e modos de ver o mundo próprios, sem

necessidades de líderes que os conduzam ou manipulem, ainda que existissem quadros políticos

que fossem referência para estes (como foi Leonel Brizola, por exemplo) – assim como existiam

para outras classes e frações de classes (como foi Carlos Lacerda com seu “udenismo”).

Para nós, há aí (no pós-JK) apenas uma radicalização da polarização entre os dois blocos,

polarização esta que já existia, mas que agora se acentuava pelos seguintes motivos:

a) agravamento da crise financeira (sobretudo devido ao endividamento com a construção de

Brasília e os projetos do governo JK);

b) a inflação em alta e perda do poder de compra dos trabalhadores;

c) não atendimento dos sucessivos governos por reformas estruturantes frente ao crescente

problema da miséria rural e início do “inchamento” das cidades.

Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas

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Udenismo, golpismo e anti-comunismo

Como vimos, os sucessivos governos de 1945 a 1958, governados pela dobradinha PSD/PTB não

implementaram nenhuma grande reforma estrutural que transformasse as relações de poder

no país. Pelo contrário, no governo Dutra houve uma grande aproximação com os EUA, e no

governo JK a abertura da economia para o capital privado estrangeiro, com a vinda de indústrias

automobilísticas e de bens de consumo duráveis, flertaram em grande medida com o programa

“estreguista”, pró-imperialista defendido pelo bloco conservador, assim como a política de

“Nova Marcha para o Oeste” abrindo a fronteira agrícola para a exploração dos latifundiários

em detrimento dos camponeses e populações indígenas.

Ainda assim, durante todo esse período o

bloco conservador, com a UDN à frente, fez

ferrenha oposição aos governos ditos

herdeiros do getulismo (e do próprio

Getúlio). A campanha udenista procurava

associar os governos do PSD/PTB à

ditadura varguista do Estado Novo, bem

como à supostos traços comunistas destes

governos, principalmente no que tange ao

intervencionismo estatal e aos direitos

trabalhistas que “feriam” a democracia ao

estabelecer uma política “demagoga”... e

“populista”!

Além disso, o clima internacional da guerra

fria, mobilizava amplos setores

conservadores da sociedade no intuito de

impedir que o Brasil tomasse o mesmo

caminho de Cuba. Além dos traços

estatizantes, “corruptos” e “demagogos”

típicos de regimes comunistas na visão dos

conservadores, a ameaça comunista se

vislumbrava principalmente na intensa participação popular na agenda política. Nos termos da

época, havia um perigo do Brasil se transformar numa “República Sindicalista”, ferindo assim o

caráter democrático das instituições burguesas.

Na visão destes setores, a participação dos trabalhadores devia se limitar ao voto, deixando o

debate e as intervenções políticas a cargo dos representantes eleitos nas instituições

democráticas burguesas (sobretudo o Parlamento), sem outras interferências externas. Ou seja,

na democracia udenista não cabia movimentos sociais, sindicatos e organizações estudantis

pressionando Governo e Parlamento para execução de uma agenda de mudanças, a participação

destes setores, pelo contrário, ameaçava a própria existência da democracia, sendo necessário

um “regime de emergência” para “sanear a democracia”. É através deste raciocínio que o

udenismo vai ter o golpismo como prática recorrente para tentar chegar ao poder e impedir

qualquer tipo de mudanças radicais na sociedade.

Carlos Lacerda, líder udenista

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Um Golpe Civil-Militar em 1964

No dia 1º de Abril de 1964, a experiência democrática de massas no Brasil foi interrompida por

um golpe articulado pelos setores conservadores civis e militares, com estreita relação e

intervenção dos EUA. A partir do ponto de vista expresso acima, o movimento foi uma

“Revolução” que “salvou a democracia” da “ameaça comunista”.

O contexto do golpe foi a crescente radicalização do movimento de massas no Brasil, organizado

na Frente de Mobilização Popular, que pretendia utilizar o instrumento das ruas como forma de

pressionar Governo e Parlamento a aprovarem as Reformas de Base, como a Reforma Agrária,

a Reforma Política, Reforma na Educação, etc.

Diante do conservadorismo do Parlamento hegemonizado pelo PSD e pela UDN, o movimento

pressionava o presidente João Goulart a, se preciso, fechar o Congresso e convocar nova

Constituinte que aprovasse essas Reformas. O ponto culminante do movimento foi o comício do

13 de Março de 64, que com a presença do próprio presidente da República anunciando a

necessidade das Reformas, contou com a presença de mais de 250 mil trabalhadores na Central

do Brasil no Rio de Janeiro e já se preparava outros comícios de massas em outras capitais do

país.

A resposta do conservadorismo a tamanha mobilização popular foi a chamada Marcha com

Deus pela Família e a Liberdade, que utilizando do valor simbólico do forte catolicismo

conservador da época, mobilizou mais de 500 mil pessoas numa marcha contra a ameaça do

“comunismo ateu” no Brasil. Semanas depois, o exército, com a retaguarda da Marinha norte-

americana, ocupa as ruas, fechou sindicatos e sedes da CGT, e depôs João Goulart, que para

evitar uma guerra civil no país não oferece resistência.

Se iniciaria ai 20 anos de cerceamento de direitos individuais, brutal repressão aos movimentos

sociais e uma política que não só não faria as reformas necessárias para resolver os problemas

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crônicos do Brasil da época, como iria implementar uma agenda de aumento gigantesco das

desigualdades sociais no país.

Referências:

Sobre a agência dos trabalhadores nos processos históricos e a formação de sua cidadania ver:

NEGRO, Antônio Luigi; FORTES, Antônio. Historiografia, Trabalho e Cidadania no Brasil. In:

FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucélia Almeida Neves (orgs.) O Brasil Republicano Vol. 2: O tempo

do nacional-estatismo – do início da década de 30 ao apogeu do Estado Novo, Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2003, pp. 181-213

Sobre “Trabalhismo” ver: GOMES, Angela de Castro. A Invenção do Trabalhismo, Rio de Janeiro:

Damara, 1988

Sobre crítica à visão “populista” do período de 45-64 ver: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucélia

Almeida Neves (orgs.) O Brasil Republicano Vol.3: O tempo da experiência democrática – da

democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003