Rev 30 Ao Golpe de 64
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Trabalhadores na cena política – da Revolução de 1930 ao Golpe Civil-
Militar de 1964
Este texto pretende discutir o período que compreende a Revolução de 1930 até o Golpe Civil-
Militar de 1964. Nesta discussão iremos abordar: a) os distintos projetos de sociedade que
estiveram em disputa durante este período; b) a profunda transformação política, econômica e
social que o Brasil passou no mesmo; c) e a influência da ação dos trabalhadores nestes
processos históricos.
Revolução de 30 e o fim da república oligárquica
A revolução de 1930 que derrubou o governo de Washington Luís e levou Getúlio Vargas ao
poder, fez parte de um movimento heterogêneo, que congregava desde setores oligárquicos
que faziam parte do jogo de poder da República Velha mas que foram alijados do processo,
passando por oligarquias dissidentes, que não faziam parte desse jogo de poder da República
Velha, até setores médios urbanos e de parte das forças armadas (tenentes) que já haviam
expressado seu descontentamento com a República Oligárquica durante o chamado movimento
tenentista.
Inspirados na crítica ao liberalismo após a crise de 1929, que acabou influenciando movimentos
autoritários como o nazi-fascismo europeu, o governo provisório de Getúlio Vargas deu uma
guinada na pol´tiica econômica no sentido da maior intervenção do Estado nela, no investimento
na industrialização em detrimento do exclusivismo agro-exportador, na estatização de setores
estratégicos (como o setor de energia e petróleo), e na centralização do poder em detrimento
da maior autonomia dos estados. Além disso aprovou uma série de leis trabalhistas, que
garantiam direitos sociais aos trabalhadores sindicalizados, além da criação da Justiça do
Trabalho e do Ministério do Trabalho.
Esta investida, porém, não ocorreu sem atritos. Por um lado o patronato era contra a
intervenção do Estado nas relações entre Capital e Trabalho por meio de leis trabalhistas; por
outro os trabalhadores sindicalizados lutavam pela autonomia do movimento, prejudicada pela
Disciplina: História
Prof (a).: _____________________________________________________________
Estudante:____________________________________________________________
Data: ____/____/_____ Turma:__________ Curso:___________________________
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imposição do Estado em legalizar apenas os
sindicatos ligados ao Ministério do Trabalho.
Assim, os sindicatos deixavam de ser
instrumentos autônomos dos trabalhadores e
passavam a ser aparelhos ligados à estrutura
do Estado. Assim, o movimento sindical ao
mesmo tempo que lutava pela
implementação das leis trabalhistas, exigia
também sua autonomia de ação, o que gerou
forte repressão aos chamados “subversivos”.
A soma de repressão ao movimento sindical
autônomo e a necessidade desse movimento
em defender a legislação trabalhista iria
resultar no chamado “trabalhismo” como
veremos adiante.
Expressões de extremismos em meio às
disputas da década de 30
Neste período também entraram em cena
com maior força expressões de “extremismo”
da esquerda e da direita. No caso da direita
fala-se da Ação Integralista Brasileira (AIB).
Inspirada no fascismo português, defendiam
um Estado autoritário, de partido único (a
própria AIB), centralizado e conservador.
Defendiam uma sociedade “integrada”
opondo-se tanto ao liberalismo individualista
quanto ao comunismo que pregava a luta
entre as classes. A AIB foi um movimento de
caráter conservador, católico e violento
contra expressões de comunismo. Em 1938
(portanto já no Estado Novo), a AIB tentaria
um golpe frustrado, após serem colocados na
clandestinidade.
Já a extrema-esquerda era encabeçada pelo PCB, que até então tinha perdido o bonde da
história ao não intervir nem participar do movimento de 1930, quando adotara uma linha
sectária de não aliança com os setores médios tenentistas. Em 1935, porém, passaram a se
organizar na Aliança Nacional Libertadora (ANL), junto com alguns setores médios, intelectuais,
estudantes, sindicatos e tenentistas no sentido do combate ao Nazi-Fascismo (e à sua versão
brasileira, o Integralismo), ao Imperialismo e ao latifúndio, adotando assim a mesma linha dos
outros PCs no mundo. O objetivo era radicalizar as mudanças iniciadas em 1930, e formar um
novo “Governo Popular Nacional Revolucionário”. Com a proclamação da Lei de Segurança
Nacional, a ANL foi posta na clandestinidade, e o PCB passou a organizar um levante no mesmo
O que aconteceu com o
anarco-sindicalismo?
O anarco-sindicalismo, ou
“sindicalismo revolucionário”, foi a
expressão hegemônica dos
trabalhadores no movimento sindical
durante a Primeira República. Com a
vitória da Revolução Russa de 1917 e
a fundação do Partido Comunista do
Brasil (PCB) em 1922, o anarco-
sindicalismo foi perdendo espaço
para os comunistas. Mas foi na
década de 30, com a grande
repressão que o movimento sindical
não ligado ao Ministério do Trabalho
sofreu, (repressão intensificada
sobretudo após a Intentona
Comunista de 1935) que o anarco-
sindicalismo praticamente foi extinto
da cena política brasileira.
Se houve um grande derrotado com
o movimento de 30 foi o anarco-
sindialismo. A oligarquia paulista que
foi alijada do poder em 1930,
continuou forte e influente devido ao
seu poderio econômico. Já o PCB,
pela sua estrutura de partido
nacional, pela presença de um líder
de prestígio como Luís Carlos Prestes,
e pelo auxílio, mesmo que deficiente,
da Internacional Comunista,
continuou vivo mesmo tendo sido
perseguido e colocado na
clandestinidade durante 10 anos
(1935-45).
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ano de 1935, que resultou no que ficou conhecido como a “Intentona Comunista”, termo
pejorativo para indicar a tentativa frustrada
de tomada de poder pelos comunistas.
Aproveitando-se do pretexto do levante
comunista de 1935, o regime de Getúlio
Vargas vai sustar os traços democráticos
aprovados na Constituição de 1934,
sobretudo no que diz respeito às regras
eleitorais, e dar um auto-golpe em 1937,
adiando as perspectivas eleitorais que
tirariam Getúlio Vargas do poder, e
implementando o chamado Estado Novo.
Estado Novo – autoritarismo
nacionalista e invenção do
“Trabalhismo”
O Estado Novo inaugurava a ditadura de
Getúlio Vargas, que tinha como objetivos
aprofundar as mudanças econômico-sociais
da Revolução de 1930, suprimindo qualquer
tipo de oposição e divergências. Assim, se a
década de 30 teve como uma de suas
características o grande debate nacional em
torno de projetos para o Brasil, o Estado Novo
vai suspender esses debates em favor do
discurso único propagado através do
Departamento de Imprensa e Propaganda
(DIP), e da repressão aos movimentos
divergentes, à tentativas de sindicalização
autônoma e à imprensa de oposição com a
censura.
Se num primeiro momento (1937-42) o
Estado Novo se preocupou em consolidar sua
política econômica pautada na gerência pelo
Estado do desenvolvimento econômico, e em
reprimir e silenciar movimentos e discursos
divergentes, num segundo momento (1942-
45) – com a entrada do Brasil na Segunda
Guerra Mundial, e o desgaste da imagem do
Estado autoritário lutando ao lado das forças
Aliadas contra o Nazi-Fascismo na Guerra –, a
preocupação do Estado Novo passa a ser o de
A “Revolução” Constitucionalista
de 1932
Após dois anos de Governo Provisório
de Getúlio Vargas, surgiu um
movimento exigindo a “volta” da
“democracia” com uma Constituição
que ditasse as normas do novo
regime.
Este movimento foi organizado
justamente por aquela oligarquia
paulista que se achou alijada do
poder após a Revolução de 1930, e
utilizou da retórica constitucionalista
para desestabilizar o governo
provisório.
Mesmo após a aprovação do Código
Eleitoral convocando a Constituinte,
este movimento, com amplo apoio
das camadas médias urbanas de São
Paulo, organizou um levante militar
que apesar de não contar com a
adesão de nenhum outro estado,
desembocou numa guerra civil no
país.
Derrotado, o movimento do 9 de
Julho de 1932 até hoje é
comemorada em São Paulo como
feriado estadual, celebrando a
dita “Revolução Constitucionalista
de 32”, que, travestida de ares
democráticos, buscava recolocar
no poder aquela oligarquia que
comandava a República Velha.
Para as elites paulistas essa data
simboliza a sua luta contra os
governos que tenham algum traço
popular, mas que são taxados por
esta elite de “populistas” e
“autoritários” graças à experiência
getulista neste período.
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construir uma abertura do regime em que se consolide uma base social em que Getúlio iria se
sustentar num futuro regime democrático. É a partir daí, em 1942, que surge o Trabalhismo
como uma força social e política através do pacto entre classe trabalhadora e Estado.
Se houve uma resistência por parte dos trabalhadores em aderir à nova política sindical do
Ministério do Trabalho que tirava a sua autonomia e criava os chamados “sindicatos oficiais”, a
partir de um certo momento (não sem muita repressão às ideias contrárias) o movimento passa
a visualizar como mais importante para as suas lutas a implementação das leis trabalhistas.
Assim, aqueles que num primeiro momento faziam oposição aos chamados sindicatos pelegos,
passam a “disputar por dentro” esses sindicatos
e impulsionar lutas contra o patronato pela
consolidação dos direitos trabalhistas. Pode-se
dizer dessa forma, que ao tirar autonomia dos
sindicatos, o Estado não necessariamente os
impedia de fazerem as lutas a que estavam
dispostos a fazer. Além disso, do ponto de vista
da maioria dos trabalhadores sindicalizados
existia um inimigo maior do que o Estado que
tirava sua autonomia: o patronato que resistia à
seguir as leis trabalhistas. Assim, foi-se
produzindo neste período um movimento
sindical menos “revolucionário” (como aquele
dirigido pelos anarco-sindicalistas e comunistas
durante a Primeira República) e que buscava
mais a consolidação de direitos sociais e
trabalhistas, o que seria a mesma coisa de dizer
neste período: lutavam pela sua cidadania
dentro de uma sociedade capitalista.
A construção da imagem do Cidadão Trabalhador
A partir de 1942, portanto, o DIP passa a ter uma ação voltada a formular uma concepção de
cidadania que associasse o cidadão brasileiro à imagem do trabalhador. Seria considerado
cidadão, nesta perspectiva, aquele que adquirisse os direitos sociais e trabalhistas através de
sua filiação aos sindicatos oficiais. Neste ponto de vista, não existia uma democracia política
(típica de regimes liberais em que os partidos enganariam o povo ao supostamente
representarem os seus interesses políticos), mas existiria uma democracia social, em que o
Estado interviria nas questões sociais, garantindo assim a cidadania de todos através de direitos
sociais.
Esses direitos, por outro lado, seriam fruto das próprias reivindicações do movimento sindical
durante a República Velha. Ou seja, o que Getúlio Vargas fez a partir de 1930, e consolidado em
1942, foi implementar uma série de reivindicações históricas dos trabalhadores – como direito
à férias, salário mínimo, seguro desemprego etc. – e apresenta-las como concessões do Estado,
O que foi a CLT? A CLT – Consolidação das Leis
Trabalhistas aprovada em 1942, foi a
sistematização de uma série de leis
referentes ao mundo do trabalho
implementadas desde os anos 30.
Essa medida representou o atendimento
das reivindicações operárias que foram
objeto de intensa luta da categoria por
várias décadas.
Entre essas leis podemos citar: o salário
mínimo, férias, limitação de horas de
trabalhos, segurança, carteira assinada,
justiça do trabalho, regulamentação do
trabalho feminino e infantil etc.
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na forma de “presentes pessoais” do presidente aos trabalhadores, estabelecendo uma relação
paternal entre presidente e povo. Esta era a imagem que o DIP procurava construir.
Ao lado desses ganhos materiais na forma de direitos, a propaganda estado-novista procurava
também produzir a imagem do trabalhador ideal, ordeiro, diferenciando-o do “malandro” e do
“subversivo”. Esta imagem, porém, mais uma vez é uma utilização da própria auto-imagem que
o movimento sindical produziu sobre a importância do trabalhador na sociedade, e que no
Estado Novo era colocada em novo contexto, com o objetivo de disciplinar o trabalhador e criar
uma identidade entre aquele trabalhador ideal e o cidadão a que todos ansiavam poder ser.
O pacto entre classe trabalhadora e Estado se fazia, portanto, no momento em que aqueles
trabalhadores viam materializadas suas reivindicações históricas de direitos trabalhistas e
sociais e ao mesmo tempo se identificavam com os aspectos simbólicos, os valores e instituições
que o Estado invocava na construção da cidadania. Esses trabalhadores, então, atuavam com
uma espécie de “reciprocidade” para
com o Estado, na figura de Vargas,
apoiando-o e legitimando o seu regime.
Esta reciprocidade vai ter sua expressão
maior ao fim do Estado Novo, com o
chamado movimento “queremista”, em
que os trabalhadores diziam “Queremos
Getúlio!” mesmo com o fim do Estado
Novo e a abertura política.
Esta aliança vai resultar no chamado
Trabalhismo, entendido como uma força
social que se organizava entre os
trabalhadores sindicalizados, funcionário públicos ligados ao Ministério do Trabalho e setores
médios urbanos cujo projeto de sociedade passava pela expansão dos direitos trabalhistas e
reformas político-econômicas de cunho nacional-desenvolvimentista.
Uma República Populista?
Após o fim do Estado Novo e a abertura política em 1945, inaugurou-se a primeira experiência
de democracia-burguesa-liberal no Brasil de verdade. Tradicionalmente este período que vai de
1945 até o golpe de 1964 é conhecido como “República Populista”. “Populismo” é um termo
pejorativo, que designa um tipo de política em que um líder carismático realiza políticas públicas
que agradariam ao povo, porém apenas com o intuito de manipulá-lo e conseguir seu apoio para
objetivos escusos. Uma historiografia mais recente, porém, vem tentando desconstruir esta
imagem pejorativa a este período.
Primeiro porque segundo este ponto de vista os trabalhadores teriam uma posição passiva
diante da política, não teriam capacidade de discernir entre o que é melhor para eles ou para o
país, sendo portanto totalmente alienados e passíveis à manipulação. A história assim seria
escrita apenas pelos grandes políticos, e o povo seria apenas uma peça manipulável no tabuleiro
dos grandes. Com base em novas pesquisas empíricas essa nova historiografia tenta mostra a
agência dos trabalhadores nos processos históricos, ou seja, a capacidade destes de agir e
Movimento "Queremista"
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intervir nos processos históricos de forma ativa, discernindo que projeto de país seria mais
adequado a eles, não só seguindo projetos políticos de lideranças carismáticas, mas também
formulando seus próprios projetos. Prova disso é que as reivindicações por reformas
estruturantes, como Reforma Agrária por exemplo, estão na pauta dos trabalhadores desde
muito antes da campanha pelas Reformas de Base, e não foram implementada por nenhum
governo dito “populista”.
Segundo que ao imputar à primeira experiência democrática do país (ainda que nos marcos da
democracia burguesa) a pecha de “populista” no sentido de desqualificar esta democracia soa
como um desprezo de viés autoritário a um dos períodos de mais intenso e rico debate livre
(apesar da clandestinidade do PCB) sobre os projetos de desenvolvimento para o país.
Projetos em disputa na experiência democrática (1945-1964)
Neste período, podemos dizer que se configuraram dois blocos históricos, ou seja duas grandes
forças sociais, dois grandes grupos de classes e frações de classes que representavam e
defendiam dois projetos de sociedade distintos – sendo que cada um desses projetos atendiam
aos interesses materiais e aos valores culturais das classes que constituíam seus respectivos
blocos. Um era o bloco conservador e o outro o bloco progressista.
O BLOCO CONSERVADOR
O bloco conservador era formado por aqueles setores que foram alijados do poder político após
a revolução de 30. Fazem parte dele principalmente a oligarquia paulista ligada ao café, a
burguesia associada ao capital estrangeiro e ao capital financeiro, as classes médias urbanas,
principalmente de São Paulo, e os setores mais ligados ideologicamente ao liberalismo político-
econômico e ao conservadorismo de valores católicos. Estes setores se organizavam em
entidades como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, que tinha como principal meta o
combate ao comunismo no Brasil, o Movimento Sindical Democrático, a Campanha da Mulher
pela Democracia, a Frente da Juventude Democrática, entre outras. Politicamente este bloco se
organizava principalmente em torno da União Democrática Nacional (UDN), principalmente seu
setor urbano, e em partidos menores como o PR, formando no parlamento a chamada Ação
Democrática Parlamentar.
As demais oligarquias rurais, predominantes em outros estados e ligados à outras culturas que
não a do café, poderiam ser enquadradas neste bloco, porém pelo seu pragmatismo, por vezes
acabou se associando politicamente ao bloco dos progressistas. Essas oligarquias se
organizavam politicamente em torno do Partido Social Democrata (PSD), estando ligadas ao final
do Estado Novo à máquina pública e por isso compondo desde seu início um bloco de poder
junto com os progressista, limitando inclusive o poder de atuação e de implementação do
programa progressista. Com o acirramento das disputas após o governo de Juscelino Kubitschek,
este setor vai passar a atuar definitivamente junto ao bloco conservador contra o bloco
progressista.
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O BLOCO PROGRESSISTA
O bloco progressista era composto por trabalhadores urbanos sindicalizados, camponeses,
setores médios urbanos, o funcionalismo público, estudantes organizados, industriais ligados ao
mercado de consumo de massas e a intelectualidade associada às ideias do nacional-
desenvolvimento, na perspectiva da intervenção do Estado no desenvolvimento econômico do
país, em especial pelo viés da industrialização como meio de garantir o desenvolvimento
soberano do Brasil que superasse o modelo “semi-colonial” agro-exportador dependente. Estes
setores se organizavam em entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE), o Comando
Geral dos Trabalhadores (CGT), nos Movimentos
de Educação de Base, nas Ligas Camponesas, entre
outras. Ao final de 1962 formou-se a partir desses
movimentos a Frente de Mobilização Popular.
Politicamente, estes setores se organizavam
principalmente em torno do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB) e no Partido Comunista Brasileiro
(PCB), sobretudo no caso dos trabalhadores seja
do campo ou da cidade formando no Parlamento
a chamada Frente Parlamentar Nacionalista. O
“trabalhismo”, força política e social formada na
fase final do Estado Novo, compunha o “núcleo
duro” deste bloco. Assim, podemos dizer que duas
forças político-partidárias foram herdeiras do
governo estado-novista: o PTB (representando o
trabalhismo) e o PSD (representando as
oligarquias regionais ligadas à máquina pública).
Os três primeiros governos deste período (Dutra,
Getúlio e JK) foram hegemonizados por essa
“dobradinha”, ou seja mesclavam aspectos
conservadores com aspectos progressistas,
oscilando entre atender demandas de um e de
outro bloco, que disputavam (nas eleições e
durante os governos) os rumos do Brasil.
Trabalhadores em cena
Como podemos ver, longe de serem meros peões
manipulados por líderes carismáticos, os
trabalhadores formavam um setor da sociedade
que, assim como outros, atuavam e influenciavam
nos rumos do país. Podemos citar como exemplo a
campanha “O Petróleo é Nosso”, que mais do que
um programa governamental de Getúlio Vargas,
ganhou contornos de grande campanha de massas
tendo os trabalhadores e estudantes papel
fundamental no sucesso da nacionalização da
exploração do petróleo e a criação da Petrobrás.
O PCB na clandestinidade Após a redemocratização em 1945, o
PCB volta à legalidade e na primeira
legislatura, que também seria a
Constituinte do novo regime, elege uma
bancada equivalente a 4,9% dos
deputados.
Para um partido que ficou na
clandestinidade e tendo seus líderes
perseguidos e presos, esse foi um
resultado surpreendente tendo eleito
inclusive o Senador e o Deputado mais
votados do país, Luís Carlos Prestes e
João Amazonas, respectivamente.
Porém, já no primeiro governo
democrático o PCB é colocado
novamente na clandestinidade,
alegando-se a proibição de organizações
que fossem contra o regime
democrático.
Passando por um período de ação
clandestina em que fez ativa oposição
aos governos, acaba se aproximando do
bloco progressista, tendo inclusive
alguns deputados eleitos “infiltrados”
em outros partidos, apoiando a
candidatura de JK, participando e tendo
papel decisivo das campanhas pelas
Reformas de Base.
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Ao final do governo JK, com o acirramento das disputas entre os dois blocos, os trabalhadores
terão papel ainda mais central na chamada campanha das Reformas de Base que propunham
reformas estruturantes (a Reforma Agrária como carro chefe) que mudariam as relações
econômicas e de poder até então estabelecidas.
A historiografia tradicional, por sua vez, analisa essa ação dos trabalhadores como um
movimento conduzido por um líder carismático (Getúlio Vargas, no caso d’O Petróleo é Nosso)
e num momento posterior uma “crise do populismo” (no caso do acirramento das disputas pós-
JK). No nosso entender, no entanto, não há uma ruptura, uma descontinuidade, uma mudança
de postura dos trabalhadores num primeiro momento quando eram “manipulados” para um
segundo momento quando os líderes carismáticos não conseguem mais manipular os
trabalhadores (“crise do populismo”). Este tipo de raciocínio retira dos trabalhadores a condição
de seres sociais que tem pautas, anseios, organizações e modos de ver o mundo próprios, sem
necessidades de líderes que os conduzam ou manipulem, ainda que existissem quadros políticos
que fossem referência para estes (como foi Leonel Brizola, por exemplo) – assim como existiam
para outras classes e frações de classes (como foi Carlos Lacerda com seu “udenismo”).
Para nós, há aí (no pós-JK) apenas uma radicalização da polarização entre os dois blocos,
polarização esta que já existia, mas que agora se acentuava pelos seguintes motivos:
a) agravamento da crise financeira (sobretudo devido ao endividamento com a construção de
Brasília e os projetos do governo JK);
b) a inflação em alta e perda do poder de compra dos trabalhadores;
c) não atendimento dos sucessivos governos por reformas estruturantes frente ao crescente
problema da miséria rural e início do “inchamento” das cidades.
Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas
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Udenismo, golpismo e anti-comunismo
Como vimos, os sucessivos governos de 1945 a 1958, governados pela dobradinha PSD/PTB não
implementaram nenhuma grande reforma estrutural que transformasse as relações de poder
no país. Pelo contrário, no governo Dutra houve uma grande aproximação com os EUA, e no
governo JK a abertura da economia para o capital privado estrangeiro, com a vinda de indústrias
automobilísticas e de bens de consumo duráveis, flertaram em grande medida com o programa
“estreguista”, pró-imperialista defendido pelo bloco conservador, assim como a política de
“Nova Marcha para o Oeste” abrindo a fronteira agrícola para a exploração dos latifundiários
em detrimento dos camponeses e populações indígenas.
Ainda assim, durante todo esse período o
bloco conservador, com a UDN à frente, fez
ferrenha oposição aos governos ditos
herdeiros do getulismo (e do próprio
Getúlio). A campanha udenista procurava
associar os governos do PSD/PTB à
ditadura varguista do Estado Novo, bem
como à supostos traços comunistas destes
governos, principalmente no que tange ao
intervencionismo estatal e aos direitos
trabalhistas que “feriam” a democracia ao
estabelecer uma política “demagoga”... e
“populista”!
Além disso, o clima internacional da guerra
fria, mobilizava amplos setores
conservadores da sociedade no intuito de
impedir que o Brasil tomasse o mesmo
caminho de Cuba. Além dos traços
estatizantes, “corruptos” e “demagogos”
típicos de regimes comunistas na visão dos
conservadores, a ameaça comunista se
vislumbrava principalmente na intensa participação popular na agenda política. Nos termos da
época, havia um perigo do Brasil se transformar numa “República Sindicalista”, ferindo assim o
caráter democrático das instituições burguesas.
Na visão destes setores, a participação dos trabalhadores devia se limitar ao voto, deixando o
debate e as intervenções políticas a cargo dos representantes eleitos nas instituições
democráticas burguesas (sobretudo o Parlamento), sem outras interferências externas. Ou seja,
na democracia udenista não cabia movimentos sociais, sindicatos e organizações estudantis
pressionando Governo e Parlamento para execução de uma agenda de mudanças, a participação
destes setores, pelo contrário, ameaçava a própria existência da democracia, sendo necessário
um “regime de emergência” para “sanear a democracia”. É através deste raciocínio que o
udenismo vai ter o golpismo como prática recorrente para tentar chegar ao poder e impedir
qualquer tipo de mudanças radicais na sociedade.
Carlos Lacerda, líder udenista
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Um Golpe Civil-Militar em 1964
No dia 1º de Abril de 1964, a experiência democrática de massas no Brasil foi interrompida por
um golpe articulado pelos setores conservadores civis e militares, com estreita relação e
intervenção dos EUA. A partir do ponto de vista expresso acima, o movimento foi uma
“Revolução” que “salvou a democracia” da “ameaça comunista”.
O contexto do golpe foi a crescente radicalização do movimento de massas no Brasil, organizado
na Frente de Mobilização Popular, que pretendia utilizar o instrumento das ruas como forma de
pressionar Governo e Parlamento a aprovarem as Reformas de Base, como a Reforma Agrária,
a Reforma Política, Reforma na Educação, etc.
Diante do conservadorismo do Parlamento hegemonizado pelo PSD e pela UDN, o movimento
pressionava o presidente João Goulart a, se preciso, fechar o Congresso e convocar nova
Constituinte que aprovasse essas Reformas. O ponto culminante do movimento foi o comício do
13 de Março de 64, que com a presença do próprio presidente da República anunciando a
necessidade das Reformas, contou com a presença de mais de 250 mil trabalhadores na Central
do Brasil no Rio de Janeiro e já se preparava outros comícios de massas em outras capitais do
país.
A resposta do conservadorismo a tamanha mobilização popular foi a chamada Marcha com
Deus pela Família e a Liberdade, que utilizando do valor simbólico do forte catolicismo
conservador da época, mobilizou mais de 500 mil pessoas numa marcha contra a ameaça do
“comunismo ateu” no Brasil. Semanas depois, o exército, com a retaguarda da Marinha norte-
americana, ocupa as ruas, fechou sindicatos e sedes da CGT, e depôs João Goulart, que para
evitar uma guerra civil no país não oferece resistência.
Se iniciaria ai 20 anos de cerceamento de direitos individuais, brutal repressão aos movimentos
sociais e uma política que não só não faria as reformas necessárias para resolver os problemas
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crônicos do Brasil da época, como iria implementar uma agenda de aumento gigantesco das
desigualdades sociais no país.
Referências:
Sobre a agência dos trabalhadores nos processos históricos e a formação de sua cidadania ver:
NEGRO, Antônio Luigi; FORTES, Antônio. Historiografia, Trabalho e Cidadania no Brasil. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucélia Almeida Neves (orgs.) O Brasil Republicano Vol. 2: O tempo
do nacional-estatismo – do início da década de 30 ao apogeu do Estado Novo, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, pp. 181-213
Sobre “Trabalhismo” ver: GOMES, Angela de Castro. A Invenção do Trabalhismo, Rio de Janeiro:
Damara, 1988
Sobre crítica à visão “populista” do período de 45-64 ver: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucélia
Almeida Neves (orgs.) O Brasil Republicano Vol.3: O tempo da experiência democrática – da
democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003