Retórica Singela - Opinião - Estadão

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    07/04/2016 Retórica singela - Opinião - Estadão

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    06 Abril 2016 | 03h 00

     A defesa da presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment que tramita no Congresso Nacional, feita pelo advogado-geral daUnião, José Eduardo Cardozo, foi uma singela peça de retórica. Como tal, justiça seja feita, foi competente. Esvaziada, porém, das bem

    articuladas frases de efeito e da profusão de adjetivos escandidos com ênfase pelo orador, o discurso do ex-ministro da Justiça não para

    em pé, porque, apesar dos sofismas expostos com aparente convicção, falece ao tratar do mérito das acusações: as ilicitudes

    representadas pelas pedaladas fiscais e a concessão de créditos suplementares sem autorização do Congresso.

    Para Cardozo, as “indevidamente” chamadas pedaladas fiscais não podem ser consideradas operações de crédito do governo com os

     bancos oficiais – o que a lei proíbe – porque foram apenas “atrasos” no repasse às instituições financeiras dos recursos que elas foram

    obrigadas a adiantar para honrar os compromissos do governo como os pagamentos de programas sociais. Entende o advogado-geral

    que Dilma fez apenas o que “todo mundo fez”, referindo-se a ex-presidentes e governadores, e além disso “não houve má-fé”, ou dolo,

    porque a presidente se limitou a assinar medidas apresentadas por seus subordinados, no caso, o ministro da Fazenda e o secretário do

    Tesouro. Isso quer dizer que Dilma não tinha a menor ideia daquilo que estava assinando?

    Quanto aos créditos não autorizados, Cardozo tentou desqualificar a acusação sugerindo que os acusadores cometem o equívoco de

    confundir política orçamentária com política fiscal, como se não houvesse estreita relação de causa e efeito entre uma coisa e outra. Esses

    créditos não representariam gastos extras no Orçamento, mas apenas a “realocação de recursos públicos”, no caso, modestos R$ 2,5

     bilhões. Pois foi por ter irresponsavelmente descumprido todos os orçamentos na tentativa de implementar medidas populistas e

    eleitoreiras que o governo Dilma negligenciou o necessário controle fiscal, o que contribuiu decisivamente para comprometer a

    credibilidade do governo e afundar o País na crise econômica.

    Mesmo quando anunciou que passaria a tratar do mérito das acusações para rebatê-las com argumentos legais, Cardozo manteve o tom

    essencialmente político de seu discurso, afirmando que nada do que é apresentado contra Dilma é suficientemente grave para embasar o

    pedido de impeachment.

     Aliás, entende o advogado-geral que o processo de impeachment é “nulo de pleno direito”, porque foi admitido pelo presidente da

    Câmara, Eduardo Cunha, numa clara atitude de retaliação à presidente da República pelo fato de ela ter-se recusado a forçar os três

    deputados petistas a defendê-lo na Comissão de Ética da acusação de quebra de decoro parlamentar que pode custar-lhe o mandato.

    Ora, diz a lei que cumpre ao presidente da Câmara dar seguimento aos pedidos de impeachment que atendem aos requisitos legais e

    rejeitar os demais. A lei não trata dos sentimentos que possam transitar nos ventrículos do indigitado presidente, como parece querer o

    imaginoso defensor.

    Para Cardozo, as centenas de páginas da peça acusatória que pede o impeachment de Dilma são completamente irrelevantes, com

    argumentos insuficientemente graves para justificar uma punição que só pode existir em situação de “absoluta excepcionalidade

    institucional”, na qual fiquem claramente configurados má-fé e dolo num “atentado” à Constituição. Nessa linha de argumentação, a

    generalização da corrupção na gestão pública e o fracasso político e econômico do governo Dilma – fatos públicos e notórios que, poresse motivo, não carecem de comprovação documental e dispensam a especificação de dispositivos legais infringidos – podem

    perfeitamente configurar, num julgamento político como o que cabe ao Parlamento levar a efeito, a situação de “excepcionalidade

    institucional” que para a maioria absoluta dos brasileiros só se resolverá com o afastamento da presidente da República.

    Retórica singela

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    Cardozo sustenta que um governo “que nasça de um processo de impeachment” “não terá estabilidade, não terá condições democráticas

    de reunir as energias necessárias para que o País possa sair desta crise”. Isso, dito nesta altura dos acontecimentos, é mero exercício de

    adivinhação. Certeza mesmo é que o governo Dilma não tem as condições mínimas para tirar o País da crise em que o meteu.

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