RESUMO - V Congresso Internacional de Históriacongressohistoriajatai.org/anais2014/Link...

13
1 ARQUIVOS ESCOLARES COMO FONTES PARA O ESTUDO DA EDUCAÇÃO FEMININA EM GOIÁS (1939-1968) Fabiana Aparecida Andrade 1 . Ana Maria Gonçalves 2 . RESUMO: O presente texto trata do potencial dos arquivos escolares como fonte para a pesquisa na área de história da educação em Goiás, especialmente a educação feminina. Nesse sentido, desenvolve reflexão sobre a importância da preservação desses arquivos escolares nas instituições educativas, demarcando que a preocupação com os mesmo vincula-se estreitamente com as transformações no campo historiográfico, inauguradas com a chamada nova história. Destaca a visibilidade que os arquivos escolares e seus documentos vêm alcançando, sobremaneira, nos estudos acerca da história das instituições. O presente artigo tem como objetivo apresentar documentos do arquivo da Escola Normal Dr. Hermenegildo Lopes de Morais, de Morrinhos - Goiás, destacando as possíveis contribuições para a escrita da história dessa instituição feminina católica, assim como para a história da educação feminina em Goiás no período de 1939 a 1968. O recorte temporal corresponde ao início e término da ação das madres agostinianas à frente dessa instituição educativa. Este trabalho orienta-se na perspectiva da Nova História Cultural e a metodologia adotada caracteriza-se como uma pesquisa documental. Conclui que a produção historiográfica educacional goiana é incipiente, que há inúmeros aspectos da história da educação em Goiás, especialmente da educação feminina, a serem escritos. Nesses termos, as autoras, ancoradas em referenciais como Mogarro (2005), Bonato (2005), Vidal (2005), Souza e Valdemarin (2005) defendem os arquivos escolares como repositórios de fontes fundamentais para história da educação que carecem ser incluídos nas discussões sobre políticas de preservação de acervos. Palavras-chave: Arquivo Escolar. Documentos. Educação Feminina. História da Educação em Goiás. Educação confessional católica. Introdução Atualmente, o campo historiográfico da educação brasileira tem apresentado produções acadêmicas que revelam filiação aos aportes teórico-metodológicos daquilo que se convencionou denominar Nova História Cultural. Dentre os novos temas privilegiados está a história das instituições escolares, cujos estudos se desenvolveram, especialmente, a partir dos anos de 1990. 1 Mestranda em educação (PPGEDUC/Regional Catalão/UFG). Bolsista DS/Capes. 2 Doutora em Educação. Professora Associado. (PPGEDUC/Regional Catalão/UFG).

Transcript of RESUMO - V Congresso Internacional de Históriacongressohistoriajatai.org/anais2014/Link...

1

ARQUIVOS ESCOLARES COMO FONTES PARA O ESTUDO DA EDUCAÇÃO

FEMININA EM GOIÁS (1939-1968)

Fabiana Aparecida Andrade1.

Ana Maria Gonçalves2.

RESUMO:

O presente texto trata do potencial dos arquivos escolares como fonte para a pesquisa na área

de história da educação em Goiás, especialmente a educação feminina. Nesse sentido,

desenvolve reflexão sobre a importância da preservação desses arquivos escolares nas

instituições educativas, demarcando que a preocupação com os mesmo vincula-se

estreitamente com as transformações no campo historiográfico, inauguradas com a chamada

nova história. Destaca a visibilidade que os arquivos escolares e seus documentos vêm

alcançando, sobremaneira, nos estudos acerca da história das instituições. O presente artigo

tem como objetivo apresentar documentos do arquivo da Escola Normal Dr. Hermenegildo

Lopes de Morais, de Morrinhos - Goiás, destacando as possíveis contribuições para a escrita

da história dessa instituição feminina católica, assim como para a história da educação

feminina em Goiás no período de 1939 a 1968. O recorte temporal corresponde ao início e

término da ação das madres agostinianas à frente dessa instituição educativa. Este trabalho

orienta-se na perspectiva da Nova História Cultural e a metodologia adotada caracteriza-se

como uma pesquisa documental. Conclui que a produção historiográfica educacional goiana é

incipiente, que há inúmeros aspectos da história da educação em Goiás, especialmente da

educação feminina, a serem escritos. Nesses termos, as autoras, ancoradas em referenciais

como Mogarro (2005), Bonato (2005), Vidal (2005), Souza e Valdemarin (2005) defendem os

arquivos escolares como repositórios de fontes fundamentais para história da educação que

carecem ser incluídos nas discussões sobre políticas de preservação de acervos.

Palavras-chave: Arquivo Escolar. Documentos. Educação Feminina. História da Educação

em Goiás. Educação confessional católica.

Introdução

Atualmente, o campo historiográfico da educação brasileira tem apresentado

produções acadêmicas que revelam filiação aos aportes teórico-metodológicos daquilo que se

convencionou denominar Nova História Cultural. Dentre os novos temas privilegiados está a

história das instituições escolares, cujos estudos se desenvolveram, especialmente, a partir dos

anos de 1990.

1 Mestranda em educação (PPGEDUC/Regional Catalão/UFG). Bolsista DS/Capes.

2 Doutora em Educação. Professora Associado. (PPGEDUC/Regional Catalão/UFG).

2

O presente estudo tem como objetivo apresentar documentos do arquivo da Escola

Normal Dr. Hermenegildo Lopes de Morais, de Morrinhos - Goiás, destacando as possíveis

contribuições para a escrita da história dessa instituição feminina católica, assim como para a

história da educação feminina em Goiás, no período de 1939 a 1968. O recorte temporal

adotado corresponde ao início e término da ação das madres agostinianas à frente dessa

instituição de ensino.

A Escola Normal Senador Hermenegildo Lopes de Morais foi fundada com o intuito

de atender as necessidades da elite local, qual seja a educação de meninas. Maria Amabini de

Morais, viúva do então Senador Hermenegildo Lopes de Morais3, doou à Mitra da

Arquidiocese de Goiás uma casa e um terreno para fundar uma Escola Doméstica4,

posteriormente fundou-se, também, um Curso Complementar e o Curso Normal. Assim, sob a

administração pedagógica da ordem Agostiniana5 a Escola Normal Senador Hermenegildo

Lopes de Morais, popularmente conhecida como “Colégio das Freiras”, ficou com a

responsabilidade de educar meninas, as quais se tornariam boas mães, boas esposas,

disseminadoras dos bons costumes pautados na moral católica.

Considerando o que nos ensina Le Goff (1992), que fatos e documentos não falam por

si mesmos, que se faz necessário que os pesquisadores os interpretem desvelando sua

essência, que eles são produzidos num dado contexto, por isso, mesmo quando escrito,

precisam ser interrogados em sua concretude, destacamos que, nos documentos de arquivos,

temos que buscar compreender o que foi silenciado, selecionado para ser dito, esquecido.

Enfim, trabalhamos com o princípio de que os arquivos são produtos da sociedade, conforme

relações de força em cada situação documentada.

A metodologia utilizada se caracteriza como uma pesquisa documental, visto que essa

investigação se debruça sobre a documentação escolar da antiga Escola Normal Senador

Hermenegildo Lopes de Morais. O presente artigo encontra-se estruturado em duas partes: na

primeira, apresentamos uma discussão sobre arquivos escolares e sua relação com a História

Cultural; na segunda parte, destacamos alguns documentos do acervo dessa instituição,

3 O Senador Hermenegildo Lopes de Morais era filho do Cel. Hermenegildo Lopes de Morais, nascido na Cidade

de Goiás. Ele passou parte da sua vida em Santa Rita do Paranaíba (Itumbiara) até instalar-se em Morrinhos no

ano 1870. Enriqueceu por conta da Guerra do Paraguai, fornecendo sal para o exército, tornando-se o maior

comerciante atacadista do estado de Goiás. Acumulou mais de trinta fazendas, além de emprestar dinheiro para o

sudeste goiano e para o Triângulo Mineiro. Segundo Fonseca (1998), o Cel. Hermenegildo teve grande destaque

não somente pelo poder econômico, como pela atuação na política nas esferas estadual e federal. De acordo com

autora, Morrinhos tinha um coronel caracterizado, o qual possuía uma das maiores fortunas do estado,

lembrando que na época em termos de economia a situação de Goiás era crítica 4 Escola Doméstica tinha como pretensão educar mulheres pobres para projetar boas mães de família. 5 As Agostinianas foram convidadas pelo arcebispo Dom Emanuel Gomes de Oliveira para atuar no campo

educacional em Morrinhos.

3

apresentando as possibilidades e limites para a escrita da história dessa instituição

confessional católica.

Arquivos Escolares e a Nova História

A Nova História ou Nova História Cultural tem aberto portas para novas

possibilidades de pesquisas, para a renovação temática, inaugurando assim novas perspectivas

de trabalho. Sandra Jatahy Pesavento (2008) no livro História e História Cultural define o

que seria a Nova História Cultural e os benefícios que esta corrente historiográfica traz para as

pesquisas em história.

Segundo a autora, a Nova História Cultural é responsável por cerca de 80% das

produções historiográfica no Brasil. Tal viragem pode ser explicada com a crise dos

paradigmas na década 1970, quando modelos de regime de verdades e de explicações

globalizantes passaram a ser descontruídos. Desse modo, abordagens com viés marxistas

foram deixadas de lado, assim como concepções que opuseram cultura erudita e cultura

popular. Para Pesavento (2008), a Nova História Cultural objetivava reinventar o passado,

encarando uma revisão dos pressupostos explicativos da realidade.

Desta perspectiva, entende-se que a Nova História Cultural oferece a oportunidade

para uma nova forma de a História explorar a cultura. Trata-se, portanto, de “pensar a cultura

como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o

mundo”. (PESAVENTO, 2008, p.15)

Utilizando conceitos de Roger Chartier, considerado um dos maiores especialistas da

área, para interpretar o que é História Cultural, Vidal (2005, p. 12) diz que:

[...] a Nova História Cultural parte de uma dupla recusa à antiga história das ideias.

Primeiramente descrê da liberdade absoluta de criação do sujeito, desligada das

condições históricas de possibilidades. Em segundo lugar, não aceita a existência

autônoma das ideias, deslocada dos sujeitos. Propõe-se a compreender a

racionalidade do discurso na historicidade de sua produção e das relações que

estabelece com outros discursos [...].

Mogarro (2005), também, localiza a Nova História Cultural como uma corrente

metodológica portadora de novas aberturas em história da educação. Para a autora, sob essa

abordagem, na esteira de reflexões de Chartier e Foucault, dentre outros, a linguagem e os

textos assumem centralidade nas análises. Afinal, conforme Mogarro, os textos e os discursos

não são objetos para revelar a realidade, e sim modos de expressão da linguagem e das

estruturas mentais, sistemas de construção da realidade. Desse modo, são entendidos como

produtos materiais da mediação entre as realidades pessoais e sociais. Assim, a autora conclui

4

que a pesquisa não se centra tão somente na materialidade dos fatos, inclui também as

“comunidades discursivas que os interpretam e os inscrevem num tempo e determinado

espaço”. (MOGARRO, 2005, p. 90)

Peter Burke (1992) contribui com compreensão acerca do sentido dessa corrente,

dizendo que a Nova História se interessa por toda atividade humana. Segundo o autor “tudo

tem uma história” e merece atenção, mesmo aquelas chamadas “história vinda de baixo”.

Neste sentido, Burke (1992, p.15) reforça que “só percebemos o mundo através de uma

estrutura de convenções, esquemas e estereótipos, um entrelaçamento que varia de uma

cultura para a outra”.

Nessa perspectiva, Pesavento (2008, p.15) traz como contribuição a definição da

cultura, enquanto “uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma

simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos

atores sociais se apresentam de formas cifradas”.

Mogarro (2005) afirma que a crise de paradigmas e a relativização dos modelos

teóricos possibilitaram flexibilidade ante o objeto de estudo. De acordo com autora, a

pluralidade e diversidade das abordagens científicas, com seus quadros conceituais,

metodológicos e instrumentais, possibilitam a interdisciplinaridade, incentivados pela

“flexibilidade relativamente ao objecto de estudo e pela necessidade de compreender, pelas

formas e estratégias mais adequadas, os sentidos e as racionalidades internas dos fenómenos

educativos”. (MOGARRO, 2005, p. 88)

Neste sentido, a História Cultural permite fazer uma análise intrínseca acerca das

potencialidades dos arquivos escolares. Desse modo, Mogarro (2005) defende que, para

realizar uma pesquisa criteriosa sobre arquivos escolares, faz-se necessária uma renovação

dos olhares sobre os documentos desses arquivos, de modo que haja assimilação das

informações que eles disponibilizam. Afinal, conforme a autora, com essa compreensão

situamo-nos;

[...] numa zona de fronteira, de cruzamento, das novas perspectivas da história da

educação, da história cultural, da história social e também das ciências da educação.

Assiste-se a uma renovação das problemáticas teóricas e de uma reinvenção dos

terrenos de pesquisa, das fontes de informação, das práticas de investigação e do

apetrechamento metodológico, em que a perspectiva historiográfica se afirma ante as

antigas abordagens de matriz essencialmente sociológica. A afirmação de uma

história que se reclama de um pensamento cultural crítico estabelece uma agenda de

diálogo entre as preocupações do presente e as realidades do passado, num esforço

de compreensão em que se interrogam estas últimas para alcançar a inteligibilidade

dos tempos presentes. (MOGARRO, 2005, p. 90-91)

5

Barletta (2005) demarca que desde 1980 vem crescendo, no Brasil, o interesse dos

estudiosos em História da Educação pelas pesquisas relacionada às práticas escolares, a partir

da utilização de categorias como apropriação e representação, de Roger Chartier, e estratégias

e táticas, de Michel de Certeau. Dessa forma, tornou-se necessário ampliar o conceito de

fontes e sua disponibilização, conferindo assim, importância aos documentos encontrados nos

arquivos de instituições escolares.

Vidal (2005) afirma que a atração por arquivos6 é uma característica da sociedade

atual, que busca preservar o patrimônio histórico, com receio da perda generalizada da

memória. Para a autora, esse comportamento abriu espaço para discussão sobre o que são os

arquivos? Qual sua importância para as pesquisas atuais?

Bonato (2005) contribuiu com a discussão sobre arquivos escolares como fontes para a

história da educação recuperando o conceito de arquivo. A autora relembra que, em 1898, o

Manual de arranjo e descrição de arquivos, elaborado pela Associação dos Arquivistas

Holandeses define arquivo como:

Conjunto de documentos escritos, desenhos e material impresso, recebidos ou

produzidos oficialmente por determinado órgão administrativo ou por um de seus

funcionários, na medida em que tais documentos se destinam a permanecer na

custódia desse órgão ou funcionário. (BONATO, 2005, 196)

Barletta (2005), também, trata desse aspecto conceitual dizendo que, em 1984, o

Conselho Internacional de Arquivos (CIA) definiu a arquivologia como a disciplina que tem

por objetivo dar característica funcional e procedimentos técnicos aplicados aos documentos.

De acordo com autor, quaisquer conjunto de documentos, não importa o período, as formas e

suportes materiais, produzidos ou recebidos por pessoas físicas e jurídicas, de direito público

ou privado no desempenho de suas atividades, são considerados arquivos. Por conseguinte,

desde que uma instituição jurídica ou uma pessoa física acumule documentos

voluntariamente, eles passam, naturalmente a constituir um arquivo. (BARLETTA, 2005,

p.103)

Segundo Mattar (2003, apud BONATO, 2005, p. 196) na lei brasileira, n. 8.159, de 8

de janeiro de 1991, art. 2º, arquivos são:

[...] os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos,

instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de

atividades específicas, bem como por pessoa física, qualquer que seja o suporte da

informação e natureza dos documentos.

6 Camargo e Belloto (1996, apud VIDAL, 2005, p. 21) utiliza o termo arquivo baseados no Dicionário de

terminologia arquivística, o qual define arquivo como: “um conjunto de documentos estreitamente vinculados

aos objetivos imediatos para as quais foram produzidos ou recebidos no cumprimento de atividades- fim e

atividades-meio e que conservam junto aos órgãos produtores em razão de sua vigência e da frequência com que

são consultados”.

6

Na opinião de Bonato (2005), essa lei fez com que se ampliasse o conceito de

documento, sendo mais abrangente do que aquele trazido pelo Manual, haja vista validar a

necessidade de proteção de documentos não burocráticos, não oficiais. Considerando essa

ampliação do conceito legal de arquivo, podemos afirmar que o arquivo escolar, conforme

Medeiros (2003 apud BONATO, 2005, p. 197), é um conjunto de “documentos produzidos ou

recebidos por escolas públicas ou privadas, em decorrência do exercício de suas atividades

específicas, qualquer que seja o suporte ou informação ou a natureza dos documentos”.

Ainda, de acordo com Medeiros (2003, apud, BONATO, 2005, p.197);

Os arquivos escolares têm por finalidade serem meio de prova de direito de pessoas

ou da administração. Mas também têm função informativa para administração

pública, pois a ela podem oferecer informações, por exemplo, “da evolução do

oferecimento do número de vagas, de repetência, evasão escolar, etc.” Mas, os

documentos escolares têm também valor histórico-cultural. Para os historiadores,

tais documentos são fontes para a história da educação, manifestação ou

representação da memória.

Bonato (2005) diz que através desses acervos é possível ao pesquisador, sobretudo, o

historiador da educação, conhecer as atividades administrativas e pedagógicas ao longo do

tempo. Desse modo, a autora afirma que os documentos escolares tem valor tanto para a

administração pública, como para a história cultural, pois através deles é possível se construir

uma nova história. Afinal, na linha de pensamento da Nova História Cultural, fontes orais,

cadernos escolares, desenhos, livros antigos, cartilhas, atlas e fotos também são objetos de

pesquisa.

Entretanto, é sabido que embora as escolas tenham capacidade para acumular muitos

documentos, na maioria das vezes se realiza descarte dos arquivos sem passar por uma análise

criteriosa do que deve ou não ser descartado. Diana Vidal (2000, apud, BONATO, p.199) diz

que é relevante “guardar peças que permitam perceber facetas do cotidiano (e não

simplesmente reponham a lógica organizacional e legal das instituições) e referenciar as

informações contidas nos documentos (desenvolvendo índices, guias de fontes, dicionários e

thesaurus)”.

Bonato (2005) afirma que o arquivo de uma escola, obviamente, tem por finalidade

armazenar a documentação de interesse da escola, que venha auxiliar a administração e o

ensino, ou seja, refere-se ao cotidiano da instituição. Sendo assim, o acervo arquivístico de

uma escola representa um patrimônio documental, que integra a memória da instituição

escolar, por conseguinte, também faz parte da memória educacional brasileira.

7

Nessa perspectiva, Mogarro também demonstra preocupação com a salvaguarda dos

arquivos escolares, pois aposta na potencialidade desses arquivos. Na sua concepção:

Os arquivos escolares motivam profundas preocupações relativas à salvaguarda e

preservação dos seus documentos, que constituem instrumentos fundamentais para a

história da escola e a construção da memória educativa. A sua importância tem

vindo a ser reconhecida, conduzindo a uma reflexão sobre a sua preservação, as

condições de instalação, a organização correcta dos documentos e o acesso às

informações que nele estão contidas. Os arquivos escolares constituem o repositório

das fontes de informação directamente relacionadas com o funcionamento das

instituições educativas, o que lhes confere uma importância acrescida nos novos

caminhos da investigação em educação, que colocam essas instituições numa

posição de grande centralidade para a compreensão dos fenómenos educativos e dos

processos de socialização das gerações mais jovens. (MOGARRO, 2005, p. 77)

É relevante chamar a atenção para o fato de que, em algumas escolas, o espaço

destinado à documentação acumulada é identificado como arquivo morto. Segundo Bonato

(2005), essa denominação está incorreta por se tratar de documentação de caráter permanente,

a qual é caracterizada como documentação sem utilidade e descartável, que apenas ocupa

espaço. Com a nova acepção, “não teremos mais o ‘arquivo morto’, que na maioria das vezes

que se encontram geralmente desorganizada e sujeita a agentes destruidores como fungos,

insetos, anóbios, poeira, e até mesmo o próprio homem”. (BONATO, 2005, p. 207)

Conforme destaca Zaia (2005, p. 168), os arquivos escolares não nasceram com o

objetivo de integrarem as pesquisas, apenas para o atendimento das necessidades,

funções e atividades da instituição, com fins administrativos e jurídicos, só se tornando

histórico depois de um longo prazo. Posteriormente é que se constituíram em ricas

fontes de informações que permitem aproximação da realidade da escola e seus sujeitos

históricos.

De acordo com Mogarro (2005, p. 79), os documentos escolares possuem vastas

informações, que permitem realizar análises sobre os vários discursos que foram produzidos

pelos atores educativos. Afinal, “professores, alunos, funcionários, autoridades locais e

nacionais têm representações diversas relativamente à escola e expressam-nas de formas

diversificadas”. Compreende-se, pois, que o arquivo contém informações sobre a escola

correspondendo a um conjunto homogéneo e ocupa um lugar central e de referência no

universo das fontes de informação que podem ser utilizadas para reconstruir o itinerário da

instituição escolar”. (MOGARRO, 2005 p. 77-78)

Ainda que considere a discussão sobre interdisciplinaridade, propiciada pela nova

perspectiva, Mogarro (2005, p. 86) diz que:

Os documentos de arquivo são os mais tradicionais como base da escrita da história,

mas os novos caminhos da investigação em educação não deixam de conferir-lhes

8

esse lugar de centralidade, de matriz de referência, pela consistência das suas

informações e pela segurança que transmitem aos investigadores. As novas fontes de

informação expressam a preocupação com as vozes dos actores sociais e educativos

(privilegiando os testemunhos orais e as lógicas narrativas de natureza pessoal) ou

com a materialidade associada às práticas (como os objetos móveis que fazem parte

dos espólios museológicos das escolas), mas a configuração da identidade histórica e

institucional passa necessariamente pelo arquivo, enquanto repositório do processo

de “escrituração” da escola. O arquivo escolar garante, em cada instituição, a

unidade, a coerência e a consistência que as memórias individuais sobre a escola, ou

os objectos isolados por ela produzidos e utilizados, não podem conferir, por si sós,

à memória e identidade que hoje se torna fundamental. (MOGARRO, 2005, 86)

Em outros termos, Mogarro (2005) defende a importância de um lugar apropriado para

o arquivo na instituição escolar, pois compreende que as escolas são estruturas complexas,

universos específicos, onde se condensam muitas das características e contradições do sistema

educativo, ou seja, cada escola tem uma identidade própria, carregada de historicidade, e a

partir do arquivo é possível construir, sistematizar e reescrever o itinerário de vida da

instituição e da vida dos seus sujeitos. Portanto, o arquivo escolar assume o papel de construir

a memória da escola, contemplando a identidade histórica da mesma.

Assim, a partir das reflexões, informações e afirmações supracitadas, podemos pensar

teórica e metodologicamente os arquivos escolares. Mas, afinal, como a História Cultural

contribuiu para as pesquisas com arquivos, especificamente, com arquivos escolares?

Sobre essa indagação, Mogarro (2005) destaca que a Nova História Cultural têm

contribuído metodologicamente e teoricamente para novos caminhos da história dos arquivos.

Por seu lado, a nova história cultural e intelectual tem assumido uma importância

crescente no campo científico da história e também da história da educação. Os seus

instrumentos teóricos e metodológicos permitem abordagens adequadas às novas

problemáticas, contribuindo para a compreensão dos discursos produzidos pelos

actores educativos no interior do espaço social que ocupam. A geração do linguistic

turn está na origem de uma viragem, que propõe um movimento de translação dos

olhares dos historiadores, no sentido da externalidade dos processos educativos para

a internalidade do trabalho escolar e da abordagem contextual para a análise textual

das práticas discursivas. A linguagem e os textos ocupam um lugar central nessa

nova perspectiva historiográfica e os trabalhos de Roger Chartier e de Michel

Foucault, entre outros, deram contributos decisivos para a sua afirmação

(MOGARRO, 2005, p. 89-90).

Barletta (2005), também, diz que houve uma reconfiguração da historiografia

educacional, um deslocamento da pesquisa, saindo do plano das ideias para as práticas

educacionais, apoiadas nos arquivos escolares, assim provocando uma reflexão conceitual e

metodológica sobre pontos que sempre foram frágeis em História da Educação: a não

problematização dos procedimentos e objetos. Consequentemente, surgiram novos interesses

no campo da pesquisa educacional, direcionando o olhar para temas como “construção do

conhecimento escolar, no currículo e nas disciplinas, agentes educacionais (professores,

9

alunos), categorias de análise como gênero e temas sobre a profissão docente, formação de

professores e práticas de leitura e escrita”. (BARLETA, 2005. p.108)

É ainda Mogarro (2005) quem acentua que trabalhar com arquivos escolares é

trabalhar com práticas tradicionalmente consagradas, no entanto, com olhar diferenciado. Para

além disso, destaca que quando trabalhamos com os arquivos escolares, trabalhamos com

documentos que estão depositados no silêncio desses mesmos arquivos e ali permanecem, até

o momento que o investigador proceda a uma avaliação da sua pertinência para o processo de

investigação, formulando previamente os problemas, dando significado aos arquivos que

escolheu para a pesquisa.

Quanto ao trabalho com essas fontes, no caso os arquivos escolares, Mogarro (2005, p.

78), salienta:

Se é verdade que o historiador inventa as suas fontes, “construindo-as” em

articulação com o objecto de estudo e inserindo-as nas realidades históricas (e

educativas, no caso que aqui nos interessa) em que foram produzidas e utilizadas, no

caso dos arquivos escolares estamos perante fontes de informação tradicionalmente

consagradas (os documentos de arquivo), embora também tradicionalmente

consideradas menores no campo da história e, por isso, secundarizadas (pela sua

condição de serem escolares e, em consequência, revelarem os processos

educativos). Essa condição tem vindo a ser gradualmente modificada, com a atenção

crescente que têm assumido os aspectos da vida quotidiana e os “fazeres ordinários”

da escola, dois dos novos objectos de um número assinalável de investigações

historiográficas.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Barletta (2005) infere que essa nova forma

de ver e questionar as fontes, enfatizando a materialidade do saber-fazer e do como fazer, deu

suporte para uma história da cultura e dos saberes escolares, transformando a instituição

escolar num produto histórico, com estratégias e práticas.

Defendendo um diálogo plural sobre arquivos escolares, no quadro teórico-

metodológico entre a História da Educação e da História Cultural, Mogarro (2005) diz que é

necessário localizar e divulgar as fontes dos arquivos escolares, “problematizando-as e

validando-as”, de forma que possa abrir os novos temas e objetos de estudo, mostrando as

especificidades de cada escola, como os autores interpretam o seu mundo, e como se dá a

circulação e apropriação de modelos culturais e as formas como difundem através dos

documentos que registram.

Neste sentido, Mogarro (2005, p. 91) interpreta que os documentos são

acontecimentos e produtos históricos, essenciais para reconstrução do contexto. Nessa

perspectiva, busca-se no arquivo escolar, a compreensão da cultura escolar, ou seja,

documentos que são produzidos diariamente “no contexto das práticas administrativas e

10

pedagógicas; são produtos da sistemática “escrituração” da escola e revelam as relações

sociais que, no seu interior, foram sendo desenvolvidas pelos atores educativos”.

Mogarro (2005, p. 91-92) na esteira das discussões propostas por Chartier, define sua

concepção de cultura escolar:

A instituição escolar constitui o universo de uma cultura própria e sedimentada

historicamente, sendo também a produtora dos traços/ documentos dessa cultura.

Esses documentos configuram, na sua diversidade e variedade, o património

educativo de cada instituição – o espaço físico (edifício e zona envolvente) corporiza

esse universo, os espólios arquivístico, museológico e bibliográfico integram os

documentos, portadores de informações valiosas e que nos trazem, do passado até ao

presente, aspectos da vida da escola e que tornam possível escrever o itinerário da

instituição. No âmbito de processos de investigação, a análise desses documentos e a

comparação que se estabelece entre as informações que, no seu conjunto, fornecem,

permite-nos conferir sentidos ao passado e compreender também a

constituição/consolidação da cultura escolar, na teia das relações que esta estabelece

com as outras culturas presentes na sociedade.

Por fim, a partir dessas reflexões, podemos concluir que a pesquisa com arquivos

escolares nos provoca a analisar um conjunto de teorias, saberes, ideias, regras, rituais,

rotinas, hábitos e práticas, ou seja, a cultura escolar. Segundo Mogarro (2005, p. 92) os

estudos sobre os arquivos escolares também nos remete para análise das “formas de fazer e de

pensar, para os comportamentos, sedimentados ao longo do tempo e que se apresentam como

tradições, regularidades e regras, mais subentendidas que expressas, as quais são partilhadas

pelos atores educativos no seio das instituições”. Para autora, o exercício do arquivo ganhou

espaço importante nesse processo historiográfico de investigação em História da Educação.

Arquivo da Escola Normal Dr. Hermenegildo Lopes de Morais: documentos e sua

contribuição para a escrita da historia da educação confessional católica feminina no sul

de Goiás.

O arquivo da Escola Normal Dr. Hermenegildo Lopes de Morais encontra-se no

Colégio Estadual Sylvio de Mello, na cidade de Morrinhos. Este arquivo escolar contém um

conjunto de registros que nos permite pensar o cotidiano dessa instituição de ensino; os

objetivos e finalidades, o modelo de educação feminina, o papel que a Igreja Católica conferiu

à educação escolar, a afinidade entre as representações femininas constituídas pela Igreja e

pelas famílias tradicionais.

A finalidade da educação ofertada pelo Curso Normal Senador Hermenegildo Lopes

de Morais era de preparar as alunas para serem boas donas de casa, boas mães e boas esposas.

Receber bem as visitas, tratar o marido com respeito e influenciá-lo nas suas atividades.

11

Que para Garcia (2007, p. 111), “a educação das elites e os modos de socialização das

crianças e jovens procedentes das famílias privilegiadas devem ser analisados em toda sua

complexidade, uma vez que, detrás deles, está presente um projeto de perpetuação do status

de suas famílias ou do grupo social que pertencem”. Neste sentido utilizamos uma citação de

Pierre Bourdieu.

As estratégias educativas, conscientes e inconscientes-das quais as estratégias

escolares das famílias e das crianças escolarizadas constituem um aspecto

específico- são investimento a prazo extremamente longo [...] que visam

primordialmente a produzir agentes sociais capazes e dignos de receber a herança do

grupo, ou seja, de herdados pelo grupo (BOURDIEU, 1989, p. 388, apud, GARCIA,

2007, p.111).

Dessa forma, analise da escolarização das mulheres das elites no século XX permite

compreender os processos de construção das desigualdades educativas de classe e de gênero

na sociedade brasileira. Sendo assim, a Escola Normal Senador Hermenegildo Lopes de

Morais se veiculava com saberes escolares recortados e organizados em função de seu

público: Mulheres de Elite. Segundo autora Garcia (2007, 133) “a formação desenvolvida

como principal finalidade social a ideia de formar moral, física e intelectual as mulheres para

a vida do lar, através de um corpo de saberes e habilidades que construiriam um

conhecimento tratado como único, natural e ideal”.

Os documentos do arquivo da Escola Normal Senador Hermenegildo Lopes de

Morais

1- Livros de Matrícula: Contém nomes das alunas que foram devidamente

matriculadas para estudar no curso normal e complementar.

2 - Livros Mapa de Movimento do Corpo Docente: Estes livros mostram toda

movimentação dos professores, como o valor do pagamento, os horários das aulas, as

disciplinas ministradas, os conteúdos a serem ensinados e os horários de chegada e

saída de cada professor.

3- Livro Histórico do Estabelecimento: Nestes documentos mostra a história da

instituição, como foi fundado e o propósito do estabelecimento.

4 - Livros de Atas de Resultados de Provas e Exames: nestes documentos

encontram-se os resultados finais do Curso Normal. Neles pode-se identificar quem são

as alunas, quais são as disciplinas que cursaram e as notas que obtiveram.

5 - Livros de Atas e Reuniões: são registros das reuniões de professores e pais,

12

explicitando o andamento da escola.

6 – Manual da Escola Normal: o manual da escola mostra com detalhamento o

regimento da escola, as normas e os objetivos da escola normal. Também mostra o

valor da mensalidade e os componentes do enxoval exigido pela escola, pois a escola

tinha o caráter de internato.

7 – Ofícios: documentos que mostram os pedidos de verbas e materiais escolares.

8 – Cartas de requerimento: são cartas de pedidos de egresso no curso normal. Tinha

que constar na carta que a candidata pertencia a uma família de boa índole, em anexo

tinha que ter uma carta de recomendação de uma autoridade respeitável e o laudo

médico constatando que não tinha nenhuma doença contagiosa e se não tinha sofrido

moléstia.

9 - Álbuns de Fotografias: permite identificar e analisar o contexto histórico da época.

Quadro 1 – Documentos guardados no arquivo escolar do Colégio Estadual Sylvio de Mello.

Considerações Finais

Procuramos nesse artigo evidenciar a relevância dos arquivos escolares para os

estudos em História da Educação, em especial para o estudo sobre instituições escolares

confessionais. No âmbito do movimento de renovação do campo historiográfico,

compreendemos que pesquisas dessa natureza, que tomam os arquivos escolares como fontes,

possibilitam compreender um pouco melhor a ação católica no campo educacional, o papel

das mulheres na sociedade, enfim as representações constituídas sobre as mesmas.

Avaliamos que a ação da religião católica por meio da educação, no caso do Brasil,

precisa ser mais bem estudada. Nesse sentido, citamos os estudos sobre a ação das

congregações e ordens católicas, assim como de outras igrejas. Afinal, essas iniciativas

marcaram a sociedade brasileira ao longo de todo o século XX, nas diversas regiões do país,

bem como a educação feminina.

Referências

BARLETTA. Jacy M. Arquivos ou Museus: qual o lugar dos acervos escolares? Revista

brasileira de história da educação, n° 10. Jul./dez, 2005. Disponível em:

http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/170, acesso: 15/07/2014.

13

BONATO. Nailda. M. C. Os arquivos escolares como fonte para a história da educação.

Revista brasileira de história da educação, n° 10. Jul./dez, 2005. Disponível em:

http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/viewFile/175/183, acesso: 15/07/2014.

BURKE. Peter. A escrita da história: novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São

Paulo: Editora da Unesp, 1992.

GARCIA. Letícia. C. Sobre as mulheres distintas e disciplinadas práticas escolares e relações

de gênero no Ginásio Feminino do Colégio Coração de Jesus (1935-1945). In: DALLABRIDA.

N (orgs). Ensino secundário em Santa Catarina: final do século XIX- meados do século XX,

editora Mercado de Letras, Santa Catarina 2007, pp. 111-138.

GOMES. C. S. ALMEIDA. J. S. A educação feminina à luz da missão educativa da Igreja

católica: as irmãs Beneditinas de Tutzing em Sorocaba. Revista interfaces da educação,

Paranaíba, v.5, n°13, p.157-178, 2014. Disponível em:

http://periodicos.uems.br/novo/index.php/interfaces/article/download/4068/1487. Acesso:

23/06/2014.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed. da Unicamp, 1992.

MOGARRO. Maria João. Arquivos e Educação: a construção da memória educativa. Revista

brasileira de história da educação, n°10 jul./dez,2005. Disponível em:

http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/169, acesso: 15/07/2014.

PESAVENTO. Sandra Jatahy. História e História Cultural. Editora Autêntica, Belo

Horizonte, 2003.

VIDAL, D. Cultura e prática escolares: uma reflexão sobre documentos e arquivos escolares.

In: SOUZA, R. F.; VALDEMARIN, V. T. (Org.). A cultura escolar em debate: questões

conceituais, metodológicas e desafios para a pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2005,

p. 3-30.

ZAIA. Iomar. B. O lugar do arquivo permanente dentro de um centro de memória escolar.

Revista brasileira de história da educação, n° 10. Jul./dez, 2005. Disponível em:

http://www.rbhe.sbhe.org.br/index.php/rbhe/article/view/172, acesso: 15/07/2014.