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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
A teatralização e a representação do Papa humilde1
Vanessa da Silva2
Resumo: Teatralização e representações, fazem parte de um novo imaginário popular
que se concretiza na identidade do sujeito pós-moderno. Nesse sentido, na atualidade, as
imagens midiáticas publicitárias e, até mesmo, as coberturas telejornalísticas são
permeadas, prioritariamente, por representações hiper-reais que buscam a valorização
de cenas sociais e a investidura de máscaras que tentam condicionar diversas ordens
sociais, ressaltando as ações cotidianas. Sob essa perspectiva, pautado na análise da
cobertura da visita do Sumo pontífice da Igreja Católica, Papa Francisco, a partir do
recorte de duas edições do Jornal Nacional, este artigo investiga, por meio da
metodologia da Análise de Conteúdo e das teorias da teatralização e construção de
personagens, postuladas por Goffman (1985) as sedimentações das imagens baseadas na
constituição do personagem hiperreal como base na máscara na simplicidade e
humildade.
Palavras-chave: Comunicação; Telejornalismo; Jornal Nacional; Representação
Social.
Abstract: Theatricality, dramatization and representations, form part of a new popular
imagination that unfolds in the identity of the postmodern subject. Accordingly, at
present, the advertising and media images, even the TV news coverage are permeated
preferably by hyper-real representations seeking the recovery of social representations
and endowment masks trying to determine various social orders that highlight the
everyday actions. From this perspective, based on the analysis of the coverage of the
visit of the Supreme Pontiff of the Catholic Church, Pope Francisco, from clipping two
editions of Jornal Nacional, this paper investigates, through the methodology of content
analysis and theories of theatricality and character building postulated by Goffman
(1985) the sedimentation of the images based on the constitution of the hyperreal
character mask based on the simplicity and humility. With the analyzes showed that the
representations are built based on the expressions conveyed on the facade and in
scenarios.
Keywords: Communication; TV Journalism; Jornal Nacional; Social Representation.
1 Trabalho apresentado no GT 4- Abordagens Analíticas em Comunicação Visual, do Encontro Nacional
de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI. 2 Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL). Mestranda no programa de Pós-Graduação em Comunicação pela mesma instituição.
Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].
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Considerações iniciais
Ao refletir acerca do imaginário social na atualidade, depara-se, inúmeras
vezes, com uma relação de estranhamento e disparidades do que é e como se constrói a
identidade dos sujeitos. Assim sendo, vive-se em uma época constituída pela confusão e
perda identitária, em que a construção social se ancora por realidades indefinidas e
variáveis, cabendo aos sujeitos uma busca incessante por referências identitárias que se
aproximem do seu cotidiano.
Nesse sentido, os meios de comunicação assumem a perspectiva de
reestabelecimento do imaginário social e surgem com novas ofertas identitárias, que
buscam suprir os desejos e aproximar as pessoas. Apresentam-se cenas hiperreais que
geram verdadeiras teatralizações, criando personagens e mascaramentos sociais,
exemplos identitários a quem se deve seguir. Procura-se, portanto, por meio da tradução
da realidade sociocultural, aproximar-se da população, gerando identificação e
aceitação.
O homem, um produto social, se constitui por meio de uma dialética, em
que interfere e constrói sua sociedade e, no entanto, é interpelado por ela. Há, pois, um
movimento de idolatria aos heróis contemporâneos, que são constituídos, em especial
pela televisão, com características que dialogam com o contexto social, cativam e
seduzem pela similaridade com as cenas reais e expõem e dramatizam a vida e o lado
humano de cada pessoa.
Dessa maneira, a investigação do processo de construção de um
personagem é de extrema relevância para se compreender as novas configurações
sociais que se formam na pós-modernidade. Busca-se, portanto, neste trabalho,
compreender como programas telejornalísticos tecem e manifestam representações
sociais, formando máscaras com caraterísticas humanas e consideradas comuns e, por
vezes, promovendo hiper-realidades. Para tanto, utiliza-se como procedimento teórico
metodológico a Análise de Conteúdo, metodologia de pesquisa que pode avaliar um
grande número de informações definidas de acordo com as relações explícitas e
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implícitas que se pretende fazer com o objeto de estudo. A categorização é feita por
meio dos conceitos chaves do teórico de representação social, GOFFMAN (1985).
Em suma, tece-se análises acerca do comportamento do telejornal de
maior abrangência do Brasil, o Jornal Nacional (JN), referente à cobertura da visita do
Sumo Pontífice da Igreja Católica, Papa Francisco, durante a Jornada Mundial da
Juventude no Brasil. O recorte é o das duas edições -22 e 25 de julho de 2013 -, haja
vista que dedicaram maior tempo e maior número de reportagens à visita do religioso.
A formação de novos sujeitos e a representação na televisão
Nos últimos decênios, frente ao desenvolvimento dos Meios de
Comunicação de Massa, muito se tem discutido a respeito das interferências
comunicativas na construção social da realidade e na constituição da identidade dos
sujeitos. Assim sendo, muitos são os estudos que se debruçam acerca dessa
problemática, dedicando-se e sistematizando meios comunicativos e objetos de estudos
variados, no entanto, empreendendo uma conclusão em comum: com base nas
transformações sociais, econômicas e históricas, a mídia assumiu características de
instituição econômica, e na busca por lucro, desenvolveu recursos para encantar e
paralisar seu público, conquistando representatividade nas ações coletivas e individuais
e, modificando as noções de sociedade. Dessa maneira, o capitalismo e a globalização
tornaram-se elementos basilares nas transformações do mundo e, por decorrência, da
sociedade, sendo possível, por meio deles, explicar o encantamento que as mídias
exercem.
Anthony Giddens (1991, p.15-16), concebe a modernidade como uma
descontinuidade no período histórico até então vivenciado, com a imposição de novas
ordens sociais, que envolvem transformações mais profundas na experiência do viver
em sociedade. As relações sociais são imersas sob rápido ritmo de mudança, com a
produção de novas tecnologias, consequência do desenvolvimento da industrialização e
com o processo de globalização, em que as conexões de tempo e espaço foram
diminuídas a medida que as relações sociais se intensificam em escala mundial.
Portanto, “diferentes áreas do globo são postas em interconexão, ondas de
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transformação social penetram (...) virtualmente toda a superfície da Terra” e o que seria
impensável para as sociedades pré-modernas acontece: há intrínseca ligação entre o
local e o global, de maneira que a vida cotidiana passa a ser definida pelos
acontecimentos mundiais.
É inegável, deste modo, que o desenvolvimento das sociedades modernas
está intimamente conectado ao aumento da mediação e de novas formas de se
comunicar. Assim, a medida em que o mundo se une por meio das informações
veiculadas pela mídia, há um bombardeio de identidades3, isso porque a sociedade não é
um todo delimitado e unificado, e sim uma estrutura deslocada e com inúmeros centros
de poder imersos sob a lógica do capital. Como acredita Giddens (2002), com o
"esvaziamento" do tempo aliado às possibilidades midiáticas, os indivíduos podem
experimentar novas sensações e experiências e escolher entre os vários mundos que lhe
são oferecidos. Nesse sentido, a noção de identidade social torna-se distinta da existente
em outros momentos históricos; está agora, em diálogo ao meio da representação e das
possibilidades.
Uma concepção de identidade que retrata com fidelidade o momento
vivido é a defendida por Enernest Lacau (1990). Para o estudioso, a sociedade moderna
esbarra a todo momento com as disparidades e produz diferentes posições e
antagonismos sociais, resultando em incontáveis sujeitos e identidades. Nesse sentido, a
pós-modernidade, segundo Stuart Hall (2004), marca uma “crise das identidades”,
desestabilizando sujeitos que se encontravam ancorados por realidades estáveis e bem
definidas de seus imaginários, e agora veem a obrigatoriedade de buscar por novos
caminhos e descobertas, em um momento em que as referências identitárias encontram-
se em declínio.
De acordo com Hall (2004, p. 75), com o processo de modernização, há
um distanciamento das noções de identidades vistas, até então, como essenciais para o
meio social; o indíviduo apoia-se em outras bases que não as das tradições,
desenvolvendo identidades hibrídas. As noções de identidade nacional, por exemplo, se
desintegram no crescimento da homogenização cultural e “quanto mais a vida se torna
3 As identidades são elementos de promoção e identificação das diferenças e constroem-se segundo
processos de valores e formações sociais circuncidadas na sociedade.
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mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens (...) mais as identidades se
tornam desvinculadas- desalojadas- de tempos, lugares, histórias e tradições
específicos”. Cria-se, de acordo com o estudioso, os chamados sujeitos pós-modernos,
indivíduos sem identidade definida ou fixa, o que resulta em uma fragilidade nas
relações sociais com o distanciamento de seus imaginários e de valores representativos
na pré-modernidade como a família, e a amizade.
Os novos sujeitos, aqueles que, teriam mais liberdade de escolhas,
acabam por desejar intensamente as relações e valores que não se fazem mais presente
em suas realidades sociais e em busca de um firmamento identitário e da aceitação, que
não mais se consolidam, viram eternos escravos da teatralização de pápeis sociais,
ficando encarcerados, o que Marcos Filho (1994) denomina “cárcere mental”. Para
Goffman (1985, p.14), a vida e as relações sociais são galgadas por meio da constante
teatralização dos sentimentos e das vivências. A teatralização é vital e inerente ao
homem, pois é por meio dela que se instaura a socialização e os movimentos de
aceitação e convencimento. Representa-se para que outros a partir dos objetivos de
convenção social, o vejam e o aceitem; dissimula-se para fazer parte de determinados
grupos. “Quando uma pessoa chega à presença de outras, existe em geral, alguma razão
que a leva a atuar de forma a transmitir a elas a impressão que lhe interessa transmitir”.
Na busca pela construção da identidade, há desse modo, o uso de
máscaras e uma personificação do ser humano, age-se como atores de teatro, que todos
os anos encarnam dezenas de papéis. Sob essa perspectiva, o homem emprega técnicas
de sustentação para convocar os espectadores a acreditar na fachada de seus papéis e
para convencer, embuindo-se de artifícios, verdadeiras roupas que ajudam a caracterizar
e fazer crer no representado. Para pertencer a um grupo, o indivíduo mascara e age
dramatizando e encenando, expressando características que acredite convencer e
transpor determinado papel, utilizando, portanto, de sua aparência, linguagem corporal e
falada, vestuário e gênero para sustentar para si e para os demais suas verdades
mascaradas.
Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente solicita de seus
observadores que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Pede-
lhes para acreditarem que o personagem que vêem no momento possui os
atributos que aparenta possuir, que o papel que representa terá as
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consequências implicitamente pretendidas por ele e que, de modo geral, as
coisas são o que parecem ser. (GOFFMAN,1985, p.25).
O homem, ao mascarar para desempenhar um papel social, nem sempre
consegue um distanciamento natural das camuflagens físicas e psicológicas embutidas
em sua atuação, não abandonando, como os atores, seu personagem a cada apresentação
e sim agregando a cada momento de conveniência um novo papel social. Contudo, é
importante ressaltar, sob esse viés, que o significado das máscaras não é apenas o de
esconder imperfeições, impressionar ou ser aceito pelo outro. A constituição do atuar
está, por muitas vezes, ligada a realização do humano, que a partir da atuação social,
mostra como deseja viver e deseja ser. Cria-se, pois, um palco de encenações, em que se
“apresenta coisas que são simulações.” Dessa forma, há a transformação da vida e
“presume-se que a vida apresenta cenas reais e, às vezes, bem ensaiadas.” (GOFFMAN,
1985, p. 09).
Nesse sentido, um dos maiores palcos em que se formam as atuações e
representações sociais, são os meios de comunicação, que, por vezes, apresentam
“faces”, fachadas que sustentam um indivíduo. Os veículos e, em especial a televisão,
criam suas cenas com base nas mais diversas máscaras, muitas vezes, compondo uma
segunda vida ao indivíduo apresentado e recriando o eu, tornando seus telespectadores
reféns de uma vida de fachada, baseada apenas na tentativa de impressionar, de obter
um status social. Vivencia-se uma “prisão da vida social”,
A televisão e o jornalismo constitui-se como um local de mediação em
que se estabelecem as relações com a realidade e com o imaginário do homem, se
situando como uma nova perspectiva de reestruturação dos laços e do social. No
entanto, as relações sociais estabelecidas são muito distintas das até então existentes. A
televisão, traz a valorização dos vínculos sociais por meio da virtualidade, constituindo
a teatralização e a criação de personagens, por exemplo, na imagem dos apresentadores
de telejornais e nos personagens das novelas, algo que desperta sentimentos de
proximidade e familiaridade, preenchendo o vazio desses sujeitos sem identidade.
O meio televisivo é transformado, em troca de capital, em uma indústria,
que trabalha a favor do imaginário do telespectador, mostrando o que ele deseja ver e
alimentando suas fantasias sem comprometimento com a realidade, cria-se uma
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indústria de desejos. Para Filho (1994), a televisão fabrica mundos, em que a imagem é
mostrada com o fim de agradar, pois parece modificar a realidade do homem que vive o
cotidiano de maneira repetitiva e enfadonha.
Nesta perspectiva, até mesmo o telejornalismo, que deveria ser objetivo e
o mais imparcial possível, se transfigura em verdades parciais, sendo mais importante
que a informação e a notícia objetiva, a recriação exacerbada de emoções, sentimentos e
personagens mascarados, para que o sujeito tenha a sensação de humanização e assista
ao programa. As informações culminam em construções noticiosas que encantam e, em
muitos momentos, tornam-se espetaculares com a formação de um mundo de aparências
e realidades nem sempre existentes, as hiper-realidades.
Notícia é a informação transformada em mercadoria com todos os seus
apelos estéticos, emocionais e sensacionais; para isto a informação sofre um
tratamento que a adapta às normas mercadológicas de generalização,
padronização, simplificação e negação do subjetivismo. Além do mais, ela é
um meio de manipulação ideológica de grupos de poder social e uma forma
de poder político. (MARCONDES FILHO, 1994, p.13)
A estética televisiva é arquitetada, pois, por meio da dominação social
com base no fetichismo mercadológico. A realidade é reinventada e nada mais é do que
uma fabricação dos desejos e objetivos populares, construída, segundo Edson Fernandes
e Eduardo Santos (2002), na ressignificação dos sonhos, anseios e fantasias. O
espetáculo forja, dessa forma, o real, mas impressiona e hipnotiza, uma vez que se passa
no plano midiático, isto é, a dor alcançada no espetáculo não pode ser sentida. É pela
sedução que o espetáculo enlaça o sujeito.
São fabricadas, realidades e representações que parecem trazer o
pertencimento do homem a sociedade, tendo algumas imagens mais expressão que a
própria realidade. De acordo com Juremir Machado (2007), as imagens hipereais,
especialmente no telejornalismo, constroem cenários próximos as tramas diárias e
fazem com que o telespectador seja imerso em cenas que se confundem entre o real e o
irreal, trazendo uma perspectiva de projeção e identificação com o outro. O sujeito crê
que na visualização da face de seu “semelhante” alcança sua legitimidade e a vivencia e
experimentação do mundo.
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O Papa Francisco e a mídia
Desde sua eleição como Sumo Pontífice, em 13 de março de 2013, Jorge
Mario Bergolio, ganhou grande destaque entre a mídia, que dedicou cobertura especial
ao evento. O então arcebispo de Buenos Aires foi eleito após um ato inédito: a histórica
renúncia e a aposentadoria do Papa Bento XVI, tornando-se o primeiro chefe do Estado
do estado do Vaticano nascido no Continente Americano e o primeiro Papa jesuíta.
Ainda no contexto de sua primeira apresentação na Basílica de São
Pedro, o pontífice teve notoriedade em especial na televisão, ao apresentar-se aos seus
fiéis com o nome religioso de Francisco, algo que remetia a São Francisco de Assis,
mártir da simplicidade e que dedicou a vida aos menos favorecidos. Sob essa
perspectiva, e sabendo que a Igreja Católica passava por denúncias de corrupção e
abusos sexuais, a mídia começou a noticiar tudo o que se referia ao Vaticano e ao novo
papado, dando indícios e formando opiniões de que o novo sacerdote traria mudanças e
prezaria pelos mais pobres.
Durante todas as transmissões com notícias do religioso, as redes
televisivas tentavam configurar um papa do povo. Esse cenário concretizou-se também
na visita do papado ao Brasil, para participar da Jornada Mundial da Juventude, em que
todos os meios de comunicação e, até mesmo nos telejornais, mostraram-no como um
ser humilde e que transcendia os valores materiais, parecendo ser um verdadeiro pai
para toda a população marginalizada.
A construção da máscara papal no JN
O telejornal situa-se como importante veículo de informação, capaz de
interferir nas perspectivas de mundo e identidades populares. Assim sendo, pode ser
considerado como um “veículo de indícios”, que transmite informações sobre um
personagem, criando situações e “tornando os outros capazes de conhecer
antecipadamente o que dele podem esperar”, fazendo com que os telespectadores
apliquem indicações sobre o ator a partir da conduta apresentada pelo telejornal.
(GOFFMAN, 1985, p.11)
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Constrói-se um palco de significações e teatralizações diárias, em que o
veículo apresenta, por vezes, a realidade e por vezes simulações. Nesse sentido, no
palco do telejornalismo, o Jornal Nacional personifica e instaura máscaras ao ator Jorge
Mario Bergolio, que se exibe sob a aparência do Sumo Pontífice Papa Francisco, um
ator mascarado e projetado para atingir outros atores. Desse modo, como acredita
Goffman (1985), a capacidade de um indivíduo de gerar determinada impressão,
envolve a expressão que ele transmite e que ele emite, ou seja, símbolos verbais e não
verbais ligados ao imaginário do ator que se deseja convencer- no caso da análise, o
telespectador- e que ajudam a descrever e formar as características do ator
personificado.
Assim sendo, no JN, já na primeira reportagem do dia 22, alguns
mecanismos de construção do personagem são evidenciados, como as imagens do VT, a
cabeça da matéria e o off da repórter Mônica Teixeira, referentes a reportagem que
anunciara a chegada do Papa Francisco ao Brasil. O telejornal emprega técnicas
jornalísticas que ajudam a selecionar e sustentar a “fachada” “que já foi estabelecida
para este papel”, neste caso, a de que um religioso deve configurar-se pela simplicidade,
humildade, ajuda e lugar comum com seus fiéis. Desse modo,
(...) deve-se observar que uma determinada fachada social tende a se tornar
institucionalizada em termos das expectativas estereotipadas abstratas às
quais dá lugar e tende a receber um sentido e uma estabilidade à parte das
tarefas específicas realizadas em seu nome. A fachada torna-se uma
“representação coletiva” e um fato, por direito próprio. (GOFFMAN,1985,
p.34).
Expõe-se, portanto, pela construção imagética do pontífice, o que se
espera de um religioso, a simplicidade e proximidade com seus fiéis. A representação
do papa Francisco fixa-se como uma pessoa que não deixa de sorrir, um homem
afetuoso e cordial que acena para todos e que trata igualmente os moradores da favela e
da área nobre da cidade. Além disso, constitui-se um ator que não se envaidece com a
idolatria dos fiéis e os trata igualmente, mesmo com representações que lembram as
aparições dos astros de Hollywod, concretizadas pelas cenas de gritos que se unem e
formam um coro chamando o religioso, pelas bandeiras com o rosto do santo padre e
pela correria e desespero dos fiéis em torno do carro em que o religioso era
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transportado. A junção das imagens e do off da repórter exibe o religioso preso a um
congestionamento e cercado por fiéis, mas ainda assim, de janelas abertas e saudando os
outros católicos.
Off Mônica Teixeira: (...) o Santo padre embarcou em um carro fechado,
preferiu um modelo sem luxo. E já no trajeto de quase 20 km até o centro da
cidade, surpreendeu! Andou o tempo todo com os vidros abertos, acenou para
moradores das favelas que cercam a linha vermelha e distribuiu simpatia. O
destino era a Catedral Metropolitana do Rio e apesar das interdições nas ruas
do centro da cidade, a comitiva acabou no meio de um congestionamento
cheio de ônibus na Avenida Presidente Vargas. E o imprevisto se tornou uma
oportunidade para centenas de fiéis: era a chance de se aproximar do carro do
papa parado no trânsito. Nem o tumulto tirou a tranquilidade de Francisco,
que retribuiu o carinho pela janela. Apertou todas as mãos que pode e o bebê
ganhou um beijo.
Nesse sentido, a maioria das reportagens do dia 25 também instauram a
fachada. Há nos VTs, a “fachada pessoal”, transformada no que Goffman (1985, p.31)
caracteriza como “aparência”, ou seja, o que nos mostra o status do ator, que na imagem
do papa é ilustrada por uma característica de um religioso: a preocupação com a vida
das pessoas. As imagens da segunda reportagem do dia 25 visam, como a maioria das
do dia 22, a construção do sumo pontífice com base na simplicidade de seu discurso e
de sua maneira de viver, no entanto, há uma particularidade comum a grande parte da
população, a luta diária de um chefe de família para suprir as necessidades e para
melhorar a vida de seus familiares, no caso do religioso, a manutenção da Igreja e o bem
estar de seus fiéis. Isso se materializa no comentário de uma fiel que ressalta a
importância do religioso como alguém que denuncia injustiças, que denuncia os abusos
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de poder e incentiva o tratamento de todos como irmãos. Além disso, há a identificação
com o papa por meio de sua preocupação de pai, no off na repórter Illzi Scamparini:
Off Ilzi Scanparini: Antes um aceno para os que ficaram debaixo da chuva.
Depois Jorge Bergólio dirigiu-se aos cinco mil jovens argentinos com o afeto
e a intimidade de um padre de paróquia. Agradeceu aos que estavam dentro e
fora da Igreja. 30 mil disse um pontífice bem informado.
Além disso, outro estímulo que forma a fachada é a “maneira”;
“estímulos que funcionam no momento para nos informar sobre o papel de interação
que o autor espera desempenhar na situação que se aproxima”. Nesse sentido, a maneira
humilde do sacerdote na quarta reportagem do dia 25, surgindo como uma esperança de
um líder e um herói que busca um mundo melhor e também encoraja a todos para que
sejam responsáveis por ele, parece abrir espaço para que o ator siga o comando de toda
a população, é dada voz ao imaginário popular. As reportagens expõem a composição
imagética e ressaltam o papel de humanização, de lugar comum e hipereal, pois alterna
planos de tomada gerais, manifestando, a amplitude do acontecimento e o grande
número de pessoas que ali estavam, mas do mesmo modo, exibe a população como
igualmente importante, também protagonistas do acontecimento- visto que o plano geral
é aquele em que o ambiente é o próprio personagem.
Para Goffman (1985, p.29), algumas partes ajudam a padronizar a
fachada. Nesse sentido, o JN unifica a fachada do homem simples a partir do “cenário”,
constituído como os elementos, os suportes de palco que ajudam a construir o ator e sua
representação. Observa-se, novamente a configuração de um homem que além de
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mostrar-se singelo e modesto, é também herói do povo, que se aproxima e passeia pelas
ruas do Rio de Janeiro em um papa móvel - cenário- sem blindagem e sem vidros nas
laterais, não importando-se com o perigo a que poderia estar submetido. Nota-se, desse
modo, que todas as reportagens do dia 22, estabelecem relações com um ídolo humilde
que é idolatrado pelos fiéis, pois divide sua glória com os membros da comunidade,
localizando-se acima, no papa móvel, mas abaixando-se e chegando ao chão para saudar
a todos.
A sonora da fiel expressa a idolatria por alguém que se acredita
alcançável.
Sonora: Foi um presente de Deus! E eu consegui estar perto dele e constatar
que ele é realmente esse pastor humilde e amigo do povo e que veio pra
resgatar mais fiéis pra Igreja Católica.
Goffman (1985) assevera, acerca do encontro e as experimentações- as
interações face a face, que é a influência que indivíduos tem sobre os outros quando em
situações de presença física- são de extrema importância para a formação do jogo
dramatúrgico. Como esse tipo de experiência é cada vez mais rara atualmente, o
telejornal constrói a imagem do papa como um ser que pertence as massas, instaurando
cenas hipereais. Na hiperealidade o que se busca é identificar com o semelhante, ter
“uma contemplação de si mesmo em outro, em princípio, semelhante ou igual ao
contemplador. Todos devem poder se imaginar no lugar do objeto de sua admiração. O
outro é “eu” que deu certo graças às circunstâncias” (MACHADO, 2007, p. 31-32).
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A primeira reportagem do dia 25, que se inicia com o off do repórter
Pedro Bassan: “um dia em que as maiores ondas de Copacabana não vieram do mar.
Ondas de fé chegando muito longe”, elucida claramente essa construção, que mostra a
importância das experimentações face a face e a comoção geral da população por poder
encontrá-lo e vê-lo de perto. Dessa maneira, sonoras e imagens em close, aproximam a
multidão de fiéis, representantes de mais de 170 países, dos telespectadores que também
se comoviam em casa. E quase que parecendo não acreditar, sob um tom de alegria e
emotividade, os fãs descrevem a emoção de se fazer parte da vida e ver de perto o
pontífice. Para Pereira (2008), a televisão, por meio de seus personagens, preenchem as
necessidades de uma população carente de identidade, trabalhando imagens como a da
moralidade e a do comportamento para completar as lacunas do que não se vê na
atualidade.
O JN estabelece nas edições do dia 23 e 25, uma representação pautada
por meio do imaginário social coletivo, com a constituição de um ator com o qual o
público possa se identificar, produzindo-o de acordo com o que o mercado pede.
(BACZKO,1985) Pela imagem do “outro parecido” espelhada no cristal líquido da
televisão, há estruturada uma intimidade banal, em que o telespectador assume a
imagem como sua. Ao retratar o Papa Francisco como um personagem que mesmo na
situação de herói, vence dificuldades banais e comuns, é humilde e simples e tem
esperança de que o mundo seja um lugar melhor, o programa quer que as pessoas,
inicialmente, se identifiquem, para depois se projetar na figura papal.
Sob essa perspectiva, percebe-se, na realização dramática do
acontecimento, sinais que acentuam e confirmam a imagem de um ator que cativa
mesmo entre aqueles que não compartilham a religião católica, indicando um ator do
povo, que é sucessivamente exibido pela simplicidade e acolhimento. Os sinais são
constituídos, portanto, pelas cenas de emoção e que buscam a comoção social,
promovendo movimentos de identificação com o Papa. Ainda no dia 22, a emotividade
do texto da repórter e dos fiéis, parece querer revelar o sentimento, o anseio e a
felicidade das pessoas que conseguiram se aproximar do papa. Imagens como a da mãe
que chora e fala emocionada sobre a benção dada pelo religioso a seu bebê, concretizam
este cenário.
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Em suma, o JN parece buscar uma influência, “uma harmonia suficiente
para que a interação seja mantida” e para que os telespectadores ajam de acordo com o
que se foi planejado, acreditando na representação de homem comum, se identificando,
assistindo o telejornal e gerando audiência. Tenta-se, pois, apresentar um mesmo
“movimento” que desenvolve-se em uma série de situações e reportagens, tecendo uma
padrão de ação de uma relação de lugar comum e representações simples, para que se
estabeleça um relacionamento social com seu público. (GOFFMAN, 1985, p. 24).
Considerações Finais
A partir das análises deste trabalho, pode-se verificar que a
teatralização, a dramaturgia e a representatividade apresenta-se em todo lugar da vida
social, sendo construída e arraigada no imaginário popular até mesmo nos telejornais
diários. Assim, com a investigação, pode-se perceber que o Jornal Nacional na
cobertura da visita do Papa Francisco, perpetrou a imagem de um religioso a partir da
simplicidade e humildade, muitas vezes tentando com que seu público pudesse se
identificar.
Desse modo, por meio de construções teatrais e dramáticas, utilizou-se de
artifícios de expressões transmitidas e emitidas, de fachadas, pela aparência e maneira,
de cenários e de interações face a face, observa-se que o telejornal tentou emocionar
seus telespectadores, compondo uma figura paterna, cativante, simples e que preza pelo
bem de todos. Além disso, as imagens tentam ganhar o público de casa pelas cenas de
forte carga emocional.
As análises, juntamente com os apontamentos teóricos, demonstram,
portanto, uma construção de um teatro moderno, em que se prioriza a constituição de
sentidos pautada em imagens com grandes sensações de humanidade e que buscam a
comoção e os sentimentos. As edições priorizam o elemento humano, em que ao leitor
cabe atentar-se a todos os elementos que compõem as reportagens para compreendê-las.
É importante ressaltar, no entanto, que não se tentou, nesta análise,
empreender que os sujeitos são passivos e aceitam de forma consensual as máscaras e
personificações apresentadas, pois isso não é possível prever. Tentou-se, entretanto,
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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
provar e identificar as intenções do telejornal, mostrando como o Jornal Nacional,
construiu em suas edições acerca da vista papal, uma máscara do Papa simples e
humilde.
Referencias
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