Resumo sobre os Anjos na Suma Teológica de São Tomás de Aquino (60-64q)
-
Upload
virna-salgado-barra -
Category
Education
-
view
92 -
download
6
Transcript of Resumo sobre os Anjos na Suma Teológica de São Tomás de Aquino (60-64q)
FACULDADE CATÓLICA DE BELÉM
VIRNA SALGADO BARRA
RESUMO SOBRE OS ANJOS NA SUMA TEOLÓGICA DE
SÃO TOMÁS DE AQUINO (60-64q)
Belém
2007
VIRNA SALGADO BARRA
RESUMO SOBRE OS ANJOS NA SUMA TEOLÓGICA DE
SÃO TOMÁS DE AQUINO (60-64q)
Trabalho apresentado à Faculdade
Católica de Belém (FCB-PA), como
parte das exigências para a disciplina de
Angelologia, ministrada pelo Prof. Dr.
João Paulo Dantas.
Belém, 04 de setembro de 2017.
1. INTRODUÇÃO
Ao pensar sobre os anjos, com muita facilidade vem-nos à mente a clássica
representação de um misterioso jovem de bela aparência, trajando uma longa e alva
túnica. Não podemos considerá-la uma imagem errada, visto que nas próprias Escrituras
eles são assim figurados, como por exemplo, no episódio de Tobias.
Já em nossa época, as aparições de Fátima foram precedidas de algumas
intervenções angélicas. O Anjo da Paz apareceu três vezes aos pastorinhos e foi assim
descrito mais tarde pela Irmã Lúcia, uma das videntes: “Começamos a ver (…) uma luz
mais branca que a neve, com a forma de um jovem transparente, mais brilhante que um
cristal atravessado pelos raios do sol. À medida que se aproximava, íamos-lhe
distinguindo as feições: um jovem dos seus 14 a 15 anos, de uma grande beleza.
Estávamos surpreendidos e meio absortos.” A descrição da Irmã Lúcia pouco revela a
respeito dos seres angélicos, apenas aumenta o mistério que os cerca.
Mesmo na Sagrada Escritura, não há elementos precisos sobre sua natureza e
atributos; o que se conhece é deduzido de sua atuação, nas missões a eles confiadas por
Deus junto aos homens.
Quem são, afinal, os anjos? Que predicados possuem? A resposta, nós a
encontramos nos escritos de um dos autores que mais a fundo tratou do assunto: São
Tomás de Aquino, o Doutor Angélico. Com base em sua doutrina, vejamos algumas das
interessantes questões relativas aos anjos.
Ao criar, Deus teve em vista “a perfeição do Universo como finalidade
principal”1, pois tinha intenção de espelhar o supremo Bem, ou seja, Ele mesmo. Por
isso, fez em maior número os seres mais elevados. E os espíritos celestes, os quais
superam em dom e qualidade qualquer ser corporal, foram criados em tal quantidade
que, perto deles, todas as estrelas do firmamento não passam de um punhadinho de
pedras preciosas.
Todos os homens – desde Adão até o último a nascer no fim do mundo – são
poucos em relação às miríades de puros espíritos que espelham tão perfeitamente o
Criador dos homens e dos anjos. É com grande veracidade que Dionísio confessou
humildemente: “Os exércitos bem-aventurados dos espíritos celestes são numerosos,
superando a medida pequena e restrita de nossos números materiais”2
1 Suma Teológica I, q.50, a.3 resp.
2 De Caelesti Hierarchia, cap.14, in MIGNE, PG, 3, 321 A.
Segundo o Doutor Angélico, as criaturas devem representar a bondade de Deus.
Mas nenhuma criatura – nem sequer Maria Santíssima! – é capaz de representar
suficientemente toda a bondade divina. Por isso, Ele criou múltiplos e distintos seres.
Assim, cada indivíduo representa um aspecto diferente do Bem Supremo, e um suprirá
aquilo que no outro não se encontra.
Os seres criados – se postos em escala, de inferior a superior – formam uma
imensa cadeia, onde o conjunto de diversos graus, cada qual mais requintado, dá uma
noção mais completa e arquitetônica da Suma Perfeição do que qualquer um deles
individualmente3.
Ademais, na medida em que as criaturas se aproximam do Bem Supremo, as
diferenças entre elas se multiplicam, para melhor espelhar a riqueza infinita dos dons de
Deus. Deste modo, a extrema variedade do mundo angélico supera tanto a do mundo
físico que este, comparativamente, parece empalidecido, pobre e até monótono! Entre os
anjos, não há indivíduos semelhantes, agrupados em famílias ou raças, como ocorre no
gênero humano.
Cada um difere do outro, como se fossem espécies diversas.4 São Tomás de
Aquino, baseando-se nas Escrituras, divide-os em três hierarquias e nove coros: “Isaías
fala dos Serafins; Ezequiel, dos Querubins; Paulo, dos Tronos, das Dominações, das
Virtudes, das Potestades, dos Principados; Judas fala dos Arcanjos, enquanto o nome
dos Anjos está em muitos lugares da Escritura”5.
Enquanto São Dionísio explica a divisão da hierarquia angélica em função de
suas perfeições espirituais, São Gregório o faz de acordo com seus ministérios
exteriores: “Os Anjos são aqueles que anunciam as coisas menos importantes; os
Arcanjos, os que anunciam as mais importantes; as Virtudes, por elas se realizam os
milagres; as Potestades, pelas quais se reprimem os maus poderes; os Principados, que
presidem os próprios espíritos bons”6
Os anjos podem influenciar profundamente os homens, embora o façam sempre
discretamente, pois a humildade também é uma virtude angélica.
Quantas vezes, uma boa inspiração tem origem num anjo! Ou quando o
pressentimento de algum perigo grave leva a pessoa a tomar medidas e escapar de um
3 cf. I, q. 47, a. 1e 2.
4 cf. I, q. 50, a. 4.
5 I, q.,108, a.,5 s.c. 6 cf. I, q 108, a.,5 resp.
acidente ou livrar-se de um grande dano, certamente foi algum solícito anjo que zelou
pelo bem de seu protegido.
Mas os anjos exercem um importante papel, sobretudo no que diz respeito à fé,
como nos ensina o Doutor Angélico: “Dionísio prova que as revelações das coisas
divinas chegam aos homens mediante os anjos. Essas revelações são iluminações.
Portanto, os homens são iluminados pelos anjos”.7
“Pela ordem da Divina Providência – continua São Tomás – os inferiores se
submetem às ações dos superiores. Assim como os anjos inferiores são iluminados
pelos superiores, assim os homens, inferiores aos anjos, são por eles iluminados. […]
Por outro lado, o intelecto humano, enquanto inferior, é fortalecido pela ação do
intelecto angélico”.8
O Doutor Angélico cita o comentário de São Jerônimo às palavras do Divino
Mestre: “seus anjos [dos pequeninos] no Céu contemplam sempre a face de meu Pai”
(Mt 18, 10). “Grande é a dignidade das almas – afirma São Jerônimo -, pois, ao
nascer, cada uma tem um anjo delegado à sua guarda”9. Assim, cada homem recebe
um príncipe da corte celeste que nunca o abandona, por mais culposas ou pavorosas que
sejam as situações pelas quais passe. Tal como se reza na conhecida oração ao anjo da
guarda (Santo Anjo do Senhor) ele rege, guarda, governa e ilumina o seu protegido.
O anjo ilumina o homem para incliná-lo ao bem ou comunicar-lhe a vontade
divina10
e o protege contra os assaltos do demônio. Sobretudo, o anjo continua sempre
na presença de Deus, mesmo estando ao lado de seu protegido, intercedendo
continuamente por ele.
2. OS ANJOS NOS ENSINAMENTOS DE SÃO TOMÁS DE AQUINO
A análise a seguir, feita pela autora, é apoiada nos ensinamentos de São Tomás
de Aquino, do livro Suma Teológica Ia, A Primeira Parte, Questões: 60-64, como
apresentado no livro Uma Excurção do Summa, escrito por Monsenhor Paul J. Glenn e
traduzido para o português pela Profª. Oliveira de Danielize.
7 I, q. 111 a. 1 s.c. 8 I, q. 111, a.1 resp
9 MIGNE, PL, 26, 130 B
10 cf. I, q. 111, a. 1.
60. O AMOR NOS ANJOS
1. O amor é uma inclinação natural da vontade sobre seu objetivo. É a operação
fundamental da vontade. Aonde há vontade há amor. Sendo assim há amor nos anjos.
2. O amor no anjo não é somente uma tendência natural, é uma tendência ciente
da ordem intelectual e involve não somente inclinação, mas escolha.
3. Cada ser ama a si mesmo tanto que procura seu próprio bem. Criaturas livres
amam a si mesmas dessa maneira e tendem, ou desejam o que lhe sera de benefício
próprio. E assim como criaturas livres exercitam pela escolha de lutar por um objeto
benéfico, diz-se que amam a si mesmos por escolha. Anjos amam a si mesmos por
ambas tendência natural e escolha.
4. O amor natural de uma criatura pela outra é baseado em um ponto de unidade
ou igualdade do amante e amado. Já que os anjos são todos de uma mesma natureza
espiritual, eles naturalmente amam uns aos outros. [Note que: Os anjos são
genericamente um. Eles são do mesmo gene ou classe essencial . Já vimos que eles são
especificamente distintos, que cada anjo é o único de seu específico tipo essencial.]
5. Pelo amor natural, os anjos amam a Deus mais do que a si mesmos. Todas as
criaturas pertencem absolutamente a Deus. Eles se inclinam a Deus como seu destino
final ou objetivo. As criaturas, que amam livremente, devem reconhecer a Deus como
seu final ou objetivo e buscá-lo acima de tudo. O amor de Deus vem naturalmente (em
criaturas livres) antes do amor a si mesmo e é o amor maior. Se não fosse assim, o amor
natural seria uma contradição, porque não seria aperfeiçoado por atingir seu objetivo
verdadeiro, mas seria sem frutos e auto-destruidor.
61. A CRIAÇÃO DOS ANJOS
1. Anjos são criaturas. Eles existem, não por necessidade, mas a existência dada
lhes dada. Ou seja, eles tem existência por participação. Agora, o que tem existência por
participação recebe esta existência daquele que tem a existência como sua própria
essência. Somente Deus existe por sua própria essência. Sendo assim, anjos tem sua
existência de Deus; eles são criados.
2. Deus sozinho existe desde a eternidade. Eles cria coisas produzindo-as a partir
do nada. Criaturas existem depois de nunca haverem existido. Então anjos não existem
desde a eternidade.
3. O mais provável é que os anjos e o mundo tenham sido criados ao mesmo
tempo, e não anjos primeiro (como um tipo de mundo independente dos espíritos) e
mundo depois. Anjos são parte do universo, e nenhuma parte é perfeita se totalmente
separada do todo, da totalidade a qual pretence.
4. Os anjos são criados no céu. E é cabível que criaturas da mais perfeita
natureza devam ser criadas no lugar mais nobre.
62. GRAÇA E GLÓRIA DOS ANJOS
1. Apesar dos anjos serem criados no céu, e com felicidade ou beatitude naturais,
eles não foram criados na glória, ou seja, com posse da visão beatificada.
2. Para ter a Deus na visão beatificada os anjos requerem graça.
3. E, enquanto os anjos foram criados em estado de graça santificadora, esta não
era a graça a qual confirma os anjos na glória. Se os anjos tivessem sido criados na
graça confirmadora, nenhum poderia ter caído, e alguns caíram.
4. Anjos foram criados na graça e usando essa graça em seu primeiro ato de
caridade (que é a amizade e amor a Deus) eles mereceram a visão beatificada e a
beatitude celeste.
5. Logo que mereceram a beatitude celeste, os anjos a possuíram. A natureza
angelical, sendo puramente espiritual, não se adequa a passos e degraus progressivos
para a perfeição, como no caso de um homem.
6. Os anjos mais altos, aqueles de natureza mais perfeita e inteligência mais
aguçada, tem dons maiores de graça que outros anjos; pois seus poderes mais perfeitos
os torna mais poderosos e efetivos a Deus do que no caso dos anjos de menos
capacidade.
7. A beatitude celeste desfrutada pelos anjos não destrói sua natureza ou suas
operações naturais; então o conhecimento natural e amor dos anjos permanence neles
depois que eles são beatificados.
8. Anjos beatificados não podem pecar. Sua natureza encontra preenchimento
perfeito na visão de Deus; estão dispostos em direção a Deus exclusivamente. Em anjos
beatificados não existe tendência possível do distanciamento de Deus, sendo assim não
há pecado possível.
9. Anjos que tem a Deus na visão beatificada não são aumentados ou avançados
em beatitude. Uma capacidade que é perfeitamente preenchida não pode ser ainda mais
preenchida.
63. PECADO DOS ANJOS CAÍDOS
1. Uma criatura racional (ou seja, uma criatura com intelecto e vontade) pode
pecar. Se incapaz de pecar, este é um dom da graça, não uma condição da natureza.
Enquanto os anjos não eram ainda beatificados poderiam pecar. E alguns pecaram com
frequencia.
2. Os anjos pecadores (ou demônios) são culpados de todos os pecados até que
levem o homem a cometer todo tipo de pecado. Mas nos anjos maus não poderia haver
tendência a pecados carnais, mas só aqueles pecados que poderiam ser cometidos por
seres puramente espirituais. Estes pecados são somente dois: orgulho e inveja.
3.Lúcifer que se tornou Satan, líder dos anjos caídos, desejou ser como Deus.
Este desejo orgulhoso não era a vontade de ser igual a Deus, pois Satan sabia por seu
conhecimento natural que igualdade entre criatura e criador é absolutamente impossível.
Além do que nenhuma criatura deseja se auto-destruir, até mesmo para tornar-se algo
maior. Nesse ponto o homem algumas vezes engana a si mesmo com um truque de
imaginação; ele se imagina outro e maior ser, e ainda é ele que é, de alguma maneira,
esse outro ser. Mas um anjo não tem a faculdade da imaginação para abusar dessa
maneira. O intelecto angelical, com seu conhecimento claro, torna esse truque de
enganar a si mesmo impossível. Lúcifer sabia que para ser igual a Deus, ele teria que ser
Deus, e ele sabia perfeitamente que isso não poderia acontecer. O que ele queria era ser
como Deus; ele gostaria de ser como Deus de uma maneira não cabível a sua natureza,
tais como criar coisas com seu próprio poder, ou alcançar total beatitude sem a ajuda de
Deus, ou ter o comando sobre outros de maneira própria somente a Deus.
4. Toda natureza, isto é, cada essência em operação tende ao bem. Uma natureza
intelectual tende ao bem em geral, o bem sob seus aspectos comuns, o bem como tal.
Portanto os anjos caídos não são naturalmente maus.
5. O diabo não pecou no exato momento de sua criação. Quando uma causa
perfeita faz uma natureza, a primeira operação daquela natureza deve estar em linha
com a perfeição de sua causa. Portanto o demônio não foi criado na maldade. Ele, como
todos os anjos, foi criado no estado de graça santificadora.
6. Mas o demônio, com seus companheiros, pecou imediatamente depois de sua
criação. Ele rejeitou a graça na qual ele foi criado e a qual era designado a usar, como os
anjos bons a usavam para merecer a beatitude. Se, no entanto, os anjos não foram
criados na graça, mas tiveram a graça disponível logo depois de serem criados, então
pode ter ocorrido um intervalo entre a criação e o pecado de Lúcifer e seus
companheiros.
7. Lúcifer, chefe dos anjos pecadores, era provavelmente o mais alto de todos os
anjos. Mas há quem pense que Lúcifer era o maior somente entre os anjos rebeldes.
8. O pecado do mais alto dos anjos foi um mau exemplo o qual atraiu os outros
anjos rebeldes e foi, a esta extensão, a causa de seus pecados.
9. Os anjos fiéis são uma multidão maior que os anjos caídos. Pois pecado é
contrário a ordem natural. Sendo que, o que opõe a ordem natural ocorre com menos
frequencia, ou em menos exemplos, do que o que está de acordo com a ordem natural.
64. O ESTADO DOS ANJOS CAÍDOS
1. Os anjos caídos não perderam seu conhecimento natural pelo seu pecado; nem
perderam seu intelecto angelical.
2. Os anjos caídos são obstinados no mal, não se arrependem, são inflexíveis em
seu pecado. Isso segue de sua natureza como espíritos puros, pois a escolha de um
espírito puro é necessariamente final e imutável.
3.Ainda, devemos dizer que há tristeza nos anjos caídos, embora não seja a
tristeza do arrependimento. Eles tem tristeza na aflição de saber que não podem atingir a
beatitude; que há barreiras sobre sua vontade má; que os homens, apesar de seus
esforços contrários, podem chegar oa céu.
4. Os anjos caídos estão engajados em combater o homem contra sua salvação e
em torturar almas perdidas no inferno. Os anjos caídos que rodeiam os homens na terra,
carregam consigo sua própria escuridão e atmosfera de punição. E onde quer que
estejam suportam as dores do inferno.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Tomás de; FAITANIN, Paulo. Sobre os Anjos. Tradução de Luiz
ASTORGA. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2006. 229 p., Brochura, 12x20. Tradução de
De Substantiis Separatis. ISBN 85-99255-05-3.
AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001. 9 v.
(Volume II). Parte I (60-64q).
ARAUTOS DO EVANGELHO: Os anjos como são?. São Paulo: Arautos do
Evangelho, n. 69, 10 set. 2007. Mensal. Disponível em:
<http://www.arautos.org/secoes/artigos/doutrina/anjos/os-anjos-como-sao-
140807#topo>. Acesso em: 4 set. 2017
GLENN, Monsenhor Paul J. Anjos: dos Ensinamentos de São Tomás de Aquino. 2012.
Tradução: Oliveira de Danielize. Disponível em: <http://jesus-
passion.com/os_anjos.htm>. Acesso em: 4 set. 2017.
KIRSCH, J.P. Jacques-Paul Migne. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert
Appleton Company. (1911). Retrieved September 4, 2017 from New
Advent: http://www.newadvent.org/cathen/10290a.htm