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33 DA MALÍCIA DE HERÓDOTO: DISCURSO E RESISTÊNCIA CULTURAL EM PLUTARCO The Malice of Herodotus : discourse and cultural resistance in Plutarch Maria Aparecida de Oliveira Silva 1 SILVA, Maria Aparecida de Oliveira. Da Malícia de Heródoto: dis- curso e resistência cultural em Plutarco. Mimesis, Bauru, v. 31, n. 1, p. 33-52, 2010. RESUMO A permanência das práticas culturais gregas em plena época romana desperta o interesse dos estudiosos da Antiguidade em compreender a natureza das dominações militar e econômica impostas aos gregos pelos romanos. Por esse motivo, vários estudiosos atribuem aos es- critos de Plutarco um caráter ideológico, no qual o autor escreveria somente para a divulgação e a manutenção da política imperial. As- sim, neste artigo, discorremos sobre o quanto essa análise torna-se insuficiente no caso de Plutarco. Como estudo de caso, selecionamos as informações contidas em seu tratado Da Malícia de Heródoto, para demonstrar nossa proposição. PALAVRAS-CHAVE: Plutarco. Heródoto. Identidade Grega 1. Pós-doutoranda em Letras Clássicas – USP (Bolsista da Fapesp). Recebido em: 10/12/2008 Aceito em: 10/02/2009

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DA MALIacuteCIA DE HEROacuteDOTO DISCURSO E RESISTEcircNCIA CULTURAL EM PLUTARCO

The Malice of Herodotus discourse and cultural resistance in Plutarch

Maria Aparecida de Oliveira Silva1

SILVA Maria Aparecida de Oliveira Da Maliacutecia de Heroacutedoto dis-curso e resistecircncia cultural em Plutarco Mimesis Bauru v 31 n 1 p 33-52 2010

RESUMO

A permanecircncia das praacuteticas culturais gregas em plena eacutepoca romana desperta o interesse dos estudiosos da Antiguidade em compreender a natureza das dominaccedilotildees militar e econocircmica impostas aos gregos pelos romanos Por esse motivo vaacuterios estudiosos atribuem aos es-critos de Plutarco um caraacuteter ideoloacutegico no qual o autor escreveria somente para a divulgaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da poliacutetica imperial As-sim neste artigo discorremos sobre o quanto essa anaacutelise torna-se insuficiente no caso de Plutarco Como estudo de caso selecionamos as informaccedilotildees contidas em seu tratado Da Maliacutecia de Heroacutedoto para demonstrar nossa proposiccedilatildeo

PALAVRAS-CHAVE Plutarco Heroacutedoto Identidade Grega

1 Poacutes-doutoranda em Letras Claacutessicas ndash USP (Bolsista da

Fapesp)

Recebido em 10122008Aceito em 10022009

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ABSTRACT

The presence of the Greek cultural practices during the Roman time provoke the interest of specialists on Antiquity who try to understand the nature of the military and economical dominance imposed on the Greeks by the Romans For that reason several specialists attribute an ideological character to the Plutarchrsquos writings in which the au-thor would write just to become known and to maintain the imperial politics In this article we demonstrate how insufficient this analysis is in the case of Plutarch As a case study information in his treatise The Malice of Herodotus is selected to demonstrate our proposition

KEYWORDS Plutarch Herodotus Greek Identity

Plutarco e Heroacutedoto contextos distintos

Os contextos distintos em que Heroacutedoto e Plutarco estatildeo in-seridos datildeo conta das diferentes formas de interpretaccedilatildeo que ambos apresentam sobre o mesmo fato Haacute que se considerar as particula-ridades das condiccedilotildees histoacutericas e culturais desses autores que res-pondem pelas especificidades em seus pensamentos e em seu modo de ver o mundo aleacutem das diferentes informaccedilotildees recebidas que compotildeem uma amaacutelgama particular a cada um deles A partir disso notamos a existecircncia de vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis a um fato histoacuterico abalando as leituras pautadas na concepccedilatildeo de histoacuteria uacuteni-ca e verdadeira Sendo assim notamos que as informaccedilotildees legadas pelos autores antigos em paralelo com as evidecircncias arqueoloacutegicas satildeo analisadas de acordo com o proacuteprio cotidiano de seu inteacuterprete o que eacute perceptiacutevel na construccedilatildeo de seus discursos

Heroacutedoto nasceu em Halicarnasso no sudoeste da Aacutesia Me-nor regiatildeo colonizada pelos gregos Estima-se que ele tenha vivido entre os anos de 485 e 425 aC Dessa maneira o historiador pre-senciou natildeo somente a guerra entre persas e gregos como tambeacutem parte da disputa entre antenienses e espartanos pela hegemonia na Greacutecia a conhecida Guerra do Peloponeso que foi deflagrada em 431 aC e teve seu fim em 404 aC Tal conflito foi estimulado por Peacutericles poliacutetico e orador ateniense como nos relata Tuciacutedides na passagem transcrita a seguir ldquoSendo ele o homem mais poderoso de seu tempo e estando na direccedilatildeo da poliacutetica opunha-se totalmente aos lacedemocircnios e natildeo permitia concessotildees incitava ao contraacuterio

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os atenienses agrave guerrardquo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Pelo-poneso I 127) 2

Heroacutedoto assistiu aos primeiros anos do conflito eacutepoca em que os atenienses mantinham acesa a esperanccedila de vitoacuteria sobre a Liga do Peloponeso em muito estimulados pela habilidade retoacuterica de Peacutericles que tinha em seus discursos na Assembleia o seu maior trunfo3 Mas Atenas vecirc seu poderio reduzido com a peste que se ins-tala na cidade em 430 aC e Peacutericles falecer acometido por ela em 429 aC e um novo cenaacuterio se configura na contenda No entanto os atenienses continuam a obter vitoacuterias diante da Liga do Peloponeso As mais marcantes foram as derrotas dos espartanos em Pilos e Es-facteacuteria em 425 aC ano da morte de nosso historiador

Ao contraacuterio de Plutarco Heroacutedoto natildeo nos fornece dados au-tobiograacuteficos dificultando a reconstruccedilatildeo de sua biografia ainda que parcial Assim sendo natildeo dispomos de muitas informaccedilotildees sobre a vida do historiador a natildeo ser de autores tardios que nos legaram dados na maioria das vezes desencontrados Um exemplo disso eacute o nome de sua cidade natal que alguns crecircem ser Halicarnasso na Aacutesia menor e outros Tuacuterio no sul da Itaacutelia o que nos faz compreen-der o aparecimento em alguns proecircmios ora a expressatildeo ldquoHeroacutedoto de Halicarnassordquo ora ldquoHeroacutedoto de Tuacuteriordquo A respeito dessa duplici-dade nas informaccedilotildees encontradas nos escritos dos antigos Plutarco em seu tratado Sobre o Exiacutelio jaacute a identifica e nos oferece a seguinte explicaccedilatildeo ldquoIsto lsquoesta eacute a exposiccedilatildeo da investigaccedilatildeo de Heroacutedoto de Halicarnassorsquo muitos transcrevem lsquoHeroacutedoto de Tuacuteriorsquo pois emi-grou para Tuacuterio e daquela colocircnia participourdquo (PLUTARCO Sobre o Exiacutelio 604F)4

De certo sabemos que Heroacutedoto eacute o autor de Histoacuteria obra na qual relata a guerra travada entre persas e gregos durante os anos de 481 e 479 aC constituindo-se na mais antiga obra historiograacutefi-ca do Ocidente Sobre o conteuacutedo do escrito herodotiano Schloumlgel nos informa que os debates poliacuteticos e religiosos fomentados pela democracia ateniense bem como o pensamento filosoacutefico e as ence-

2 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

3 Haacute um artigo de M Finley em que o autor elabora uma anaacutelise acurada da poliacutetica ateniense do seacuteculo V aC e conclui ser improvaacutevel que Peacutericles tenha convencido os atenienses somente por intermeacutedio de seus discursos em Assembleia (FINLEY 1996 76-80) Na biografia de Peacutericles Plutarco tambeacutem afirma que o poliacutetico ate-niense empregava a praacutetica do suborno para atingir seus objetivos Para mais de-talhes sobre a interpretaccedilatildeo plutarquiana da poliacutetica de Peacutericles ver SILVA 2007 185-201

4 Doravante todas as traduccedilotildees dos excertos plutarquianos foram realizadas pela autora

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naccedilotildees traacutegicas nos teatros de Atenas influenciaram sobremaneira a composiccedilatildeo de sua obra (SCHLOumlGL 2000 12) O caraacuteter coleti-vo das encenaccedilotildees traacutegicas eacute apontado por Romilly ldquoTendo entra-do na vida ateniense devido a uma decisatildeo oficial inserindo-se em toda uma poliacutetica de expansatildeo popular a trageacutedia aparece associada desde o iniacutecio agrave actividade ciacutevica E este laccedilo soacute podia estreitar-se quando este povo reunido assim no teatro se tornou no aacuterbitro de seu proacuteprio destino Ele explica porque eacute que o gecircnero traacutegico estaacute associado ao desenvolvimento poliacutetico E explica o lugar que os grandes problemas nacionais da guerra e da paz da justiccedila e do civismo ocupam na trageacutedia gregardquo (ROMILLY 2008 16-17) Des-sa forma ao falarmos da Greacutecia de Heroacutedoto eacute preciso delimitar seu principal espaccedilo social que corresponde agrave Atenas do seacuteculo V aC pois de acordo com Forrest o enfoque de nosso historiador eacute claramente o da vida poliacutetica ateniense dos anos de 450 a 443 aC (FORREST 1984 2) Daiacute concluirmos que o contexto histoacuterico da produccedilatildeo literaacuteria de Heroacutedoto retrata um momento de prosperidade e de hegemonia ateniense na Greacutecia

Como vimos Plutarco viveu entre os seacuteculos I e II dC eacutepoca em que a dominaccedilatildeo romana atingira o seu aacutepice uma vez que Juacute-lio Ceacutesar jaacute havia conquistado a Gaacutelia Augusto o Egito e Trajano a Daacutecia regiotildees que trouxeram incontaacuteveis riquezas ao Impeacuterio bem como atestaram o seu poderio A Greacutecia de Plutarco encontrava-se sob o controle militar romano que se refletia em suas poliacuteticas e economia vaacuterios gregos oriundos de famiacutelias nobres alinhavam-se agrave poliacutetica do Impeacuterio por isso obtinham cargos em magistraturas e no Senado e nessa conjuntura Russel ressalta que Plutarco acon-selha seus companheiros gregos a natildeo resistir ao Impeacuterio como se Plutarco pertencesse a esse grupo (RUSSELL 1973 9) De fato em Preceitos Poliacuteticos Plutarco afirma

Eacute melhor precaver-se de modo a jamais entrar em dissensatildeo poliacutetica por-que eacute a maior e a mais bela arte poliacutetica para se liderar pois observa dentre os maiores bens agraves cidades a paz a liberdade a prosperidade a abundacircncia de homens e a concoacuterdia na direccedilatildeo da paz os povos nada necessitam dos poliacuteticos no presente tempo (PLUTARCO Preceitos Poliacuteticos 824C)

Em nosso entendimento o conselho de Plutarco demonstra a vul-nerabilidade da Greacutecia diante da potecircncia militar romana e que seria um ato de insensatez por parte de seus comandantes promover qualquer embate dessa natureza contra os romanos Como destaca Schimdt Plu-tarco aconselha os administradores gregos a administrarem bem suas cidades como demonstraccedilatildeo de sua prudecircncia frente ao poderio roma-no (SCHMIDT 2009 126-127) Aleacutem disso vemos o movimento de

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Plutarco no sentido de garantir a existecircncia de homens que representem a cultura grega no Impeacuterio que possam manifestaacute-la pois eacute conhecida a tendecircncia romana de dizimar povoados que se rebelaram contra sua poliacutetica daiacute nosso autor expressar com clareza o bem que eacute ter ldquoabun-dacircncia de homensrdquo (εὐανδρίας) em oposiccedilatildeo agrave conhecida oligantropia gerada por contiacutenuas batalhas O conselho de Plutarco assemelha-se ao dado por Flaacutevio Josefo aos revoltosos na Judeia

Descobri entatildeo que jaacute havia brotado o sentimento revolucionaacuterio e que muitos albergavam um forte sentimento revolucionaacuterio de rebeldia con-tra os romanos tentei entatildeo acalmar os agitadores e quis convencecirc-los de que modificassem suas atitudes fazendo-lhes ver contra quem iam lutar pois eles natildeo soacute eram inferiores aos romanos nas praacuteticas guerreiras senatildeo tambeacutem em recursos materiais (FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia XVII) 5

Portanto natildeo se trata de uma simples acomodaccedilatildeo agrave poliacutetica romana mas de um pensamento que constata a realidade presente e que busca a preservaccedilatildeo de seu povo e por conseguinte de sua cultura uma vez que a dominaccedilatildeo poliacutetica natildeo elimina as praacuteticas culturais de seu dominado Como nos esclarece Gozzoli o processo de romanizaccedilatildeo do Impeacuterio varia conforme a resistecircncia armada e o niacutevel cultural do dominado Existe um padratildeo na accedilatildeo romanizado-ra dos territoacuterios a primeira fase da conquista apoacuteia-se no poder de seu exeacutercito e depois de consolidada a tomada da regiatildeo parte para a cooptaccedilatildeo das elites locais (GOZZOLI 1987 81-82)

A hegemonia militar romana no mundo mediterracircnico inviabi-lizava qualquer esboccedilo de reaccedilatildeo contra o Impeacuterio restando aos gre-gos e aos demais povos a opccedilatildeo de se conformarem aos projetos do imperador dada sua impossibilidade de recuperaccedilatildeo da autonomia poliacutetica de suas cidades Somente apoacutes o esfacelamento das estrutu-ras poliacuteticas e militares as proviacutencias romanas obtiveram condiccedilotildees para contestar de forma mais veemente o domiacutenio romano em seus territoacuterios mas isso ocorreu somente muito depois do periacuteodo de prosperidade romana vivido por Plutarco Para ilustrar tal proposi-ccedilatildeo Duran aponta nos escritos plutarquianos renuacutencia e resigna-ccedilatildeo diante da dominaccedilatildeo romana expressas em suas descriccedilotildees de acontecimentos nos quais se configuravam os erros que levaram a Greacutecia ao seu ocaso A autora acrescenta que Plutarco estava ciente de sua condiccedilatildeo e procurava desfrutar algo dessa situaccedilatildeo promo-vendo assim a Pax Romana e suas vantagens para os gregos como a ausecircncia de guerras e a liberdade para a gerecircncia de seus proacuteprios bens (DURAacuteN LOacutePEZ 2004 37-38)

5 Traduccedilatildeo de A C Godoy

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As assertivas sobre a cooptaccedilatildeo de Plutarco pelo Impeacuterio tor-nam-se inconsistentes se considerarmos ainda o fato de ele natildeo fazer qualquer referecircncia ao recebimento do tiacutetulo de cidadatildeo romano e de natildeo ter ocupado nenhum cargo poliacutetico que natildeo estivesse rela-cionado com os interesses poliacuteticos e econocircmicos de seu territoacuterio Quanto agraves biografias como notou Momigliano em seu extenso estu-do sobre a biografia antiga o gecircnero biograacutefico atingiu notoriedade no periacuteodo imperial romano por razotildees contraditoacuterias Se por um lado ele representava uma maneira de relatar a vidas dos imperado-res o que agradava os romanos por outro desempenhava o papel de condutor de ideias poliacuteticas e filosoacuteficas dissonantes da ideologia imperial Conforme destaca Momigliano embora o periacuteodo aacuteureo do Impeacuterio romano tenha se notabilizado pela tentativa de manutenccedilatildeo de uma poliacutetica de pacificaccedilatildeo entre o poder central e as proviacutencias eacute algo caracteriacutestico da eacutepoca imperial a criacutetica ao conceito de felicitas temporum a seu ver Plutarco Taacutecito e Suetocircnio ilustram bem essa praacutetica O autor ainda acrescenta que segundo seus estudos sobre as biografias plutarquianas dos romanos Plutarco natildeo pode ser con-siderado um panegirista (MOMIGLIANO 1993 99-100) A nosso ver Plutarco natildeo compocircs sua obra para exaltar o Impeacuterio romano ou ainda a sua cultura seu objetivo principal estaacute em sedimentar a identidade grega no Impeacuterio pautada na histoacuteria de seu povo e em sua tradiccedilatildeo cultural Um exemplo disso estaacute em um exaustivo estudo sobre a estrutura das biografias romanas de Plutarco em que Scardigli conclui que nosso autor compocircs agrave moda dos gregos sem considerar o modelo biograacutefico instituiacutedo pelos romanos (SCARDI-GLI 1979 10)

Portanto os seacuteculos que se interpotildeem entre Plutarco e He-roacutedoto representam anos de histoacuterias transcorridas revelam ainda mudanccedilas e permanecircncias que constituem diferentes contextos res-ponsaacuteveis pelo modo como cada autor elabora sua visatildeo de mundo assim como constroacutei o seu discurso sobre o passado e o presente Nesse sentido a recepccedilatildeo da obra de Heroacutedoto por Plutarco nos traz a possibilidade de uma anaacutelise diacrocircnica do mundo grego uma vez que Heroacutedoto nos mostra uma Greacutecia vitoriosa que derrotou o gran-de inimigo persa orgulhosa de seus soldados e de sua prosperidade econocircmica e artiacutestica enquanto Plutarco nos exibe uma Greacutecia com-balida militarmente com limitaccedilotildees econocircmicas que encontra em sua tradiccedilatildeo cultural as balizas para a manutenccedilatildeo de sua existecircncia no mundo romano (SILVA 2009 167)

A relatividade da ldquoPaz Romanardquo deve-se ao fato de sua ins-tabilidade como eacute o caso do claacutessico exemplo de Massada revolta que se deu contra o Impeacuterio no ano de 72 dC e que foi duramente

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reprimida com a eliminaccedilatildeo de seus participantes Tal preservaccedilatildeo ocorre por meio da constituiccedilatildeo de uma comunidade cuja geografia natildeo mais corresponde agrave da antiga Greacutecia Lembramos o estudo de Gomeacutez Pelosiacuten em que o autor demonstra que em Heroacutedoto e em Tuciacutedides haacute definiccedilotildees sobre a identidade grega mas natildeo uma de-limitaccedilatildeo de um espaccedilo territorial para essas manifestaccedilotildees culturais e que somente com Estrabatildeo eacute que nasceraacute a noccedilatildeo geograacutefica do mundo grego (GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN 2001 87-105) Daiacute a uniatildeo desta comunidade estar centrada no uso da liacutengua e pela continuida-de de praacuteticas culturais que compotildeem a identidade grega no Impeacute-rio Para esclarecer nossas conclusotildees acerca do tratado em epiacutegrafe destacamos aqui o afirmado por Reimatildeo ldquoAtraveacutes da identificaccedilatildeo isto eacute da conquista da identidade da maneira de pensar de agir de sentir que lhes satildeo comuns a cultura daacute agraves pessoas que integram uma determinada colectividade uma identidade coletiva numa linha de tradiccedilatildeo e memoacuteriardquo (REIMAtildeO 1996 314)

Para realizar sua criacutetica agrave narrativa herodotiana Plutarco afir-ma que em razatildeo de serem muitos os pontos passiacuteveis de questiona-mento empreenderaacute a anaacutelise das partes essenciais como indiacutecios de sua malicia pois se apontasse todas em suas palavras ldquonecessitaria de muitos livrosrdquo (πολλῶν ἂν βιβλίων δεήσειεν) (854F) A partir daiacute em um discurso impessoal de caraacuteter prescritivo e pedagoacutegico Plutarco estabelece um modelo (τύπῳ) com as marcas que paten-teiam a escrita de um malicioso O significado original do termo eacute marca como a deixada por uma mordida Por isso Plutarco afirma que pretende ldquoestabelececirc-las indiacutecios e sinais de sua narrativardquo (οἷον ἴχνη καὶ γνωρίσματα διηγήσεως) (855B) Para cada caracteriacutestica arrolada Plutarco cita um exemplo para facilitar a compreensatildeo do leitor aleacutem de reforccedilar o seu argumento seguindo a teacutecnica retoacuterica que persuade com a comprovaccedilatildeo do que foi afirmado sem observar a veracidade do afirmado mas sua verossimilhanccedila Vejamos agora uma das nove marcas instituiacutedas por Plutarco como exemplo para nossa teoria de que sua narrativa pretende recontar a histoacuteria de gre-gos e romanos de forma a apresentaacute-los de maneira honrosa

Do discurso malicioso

Dada a impossibilidade de expormos todas as marcas de um discurso malicioso apontados por Plutarco no decurso de seu trata-do selecionamos a primeira marca que nosso autor apresenta Como primeira caracteriacutestica de uma narrativa histoacuterica maliciosa Plutarco

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indica ldquoPrimeiro quem entatildeo utiliza os mais desgradaacuteveis nomes e frases quando se apresentam os mais convenientes em seu relato dos acontecimentos [] natildeo eacute beneacutevolo mas eacute como quem se delei-ta em detalhar o fatordquo (PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacute-doto 855B)

A escolha lexical para a composiccedilatildeo de um relato histoacuterico aparece como o primeiro elemento a ser observado nela pois se o historiador natildeo se mostra ldquobeneacutevolordquo (εὐμενής) isto eacute em esta-do de espiacuterito favoraacutevel ao que iraacute descrever ou ainda ldquobeneacutevolordquo no sentido de estar animado para o relato a tendecircncia eacute construir um discurso mal-intencionado sem preocupaccedilatildeo com a investiga-ccedilatildeo dos fatos contentado-se em satisfazer sua maacute intenccedilatildeo e redigir um relato que apresente detalhes que preencham sua descriccedilatildeo do acontecimento por isso Plutarco afirma ldquomas eacute como quem se de-leita em detalhar o fatordquo (ἀπολαύων τῷ dagger σοφῶς dagger διηγεῖσθαι τοῦ πράγματος) uma vez que o prazer da escrita desse historiador natildeo estaacute em apresentar os fatos como eles ocorreram mas em fundamen-tar sua intenccedilatildeo demonstrar como eacute conhecedor dos pormenores do ocorrido buscando a descriccedilatildeo de cada evento que constitui o fato

Eacute interessante notar que apoacutes seacuteculos dessa assertiva feita por Plutarco em anaacutelise sobre o conteuacutedo histoacuterico de sua escrita biograacute-fica Finley diraacute ldquoum Liacutevio ou um Plutarco escreveram de bom gra-do paacuteginas e paacuteginas a respeito de eventos passados sobre os quais natildeo tinham ou natildeo procuravam ter qualquer controlerdquo E Finley complementa ldquoAlgo mais que a inteligecircncia estava impliacutecito nessa atitude que no final das contas deve levar uma noccedilatildeo radicalmente diferente da nossa quanto agrave natureza e o propoacutesito do exerciacutecio histoacute-rico Somente Tuciacutedides reconheceu de maneira total e sistemaacutetica a existecircncia do dilema que ele resolveu de maneira insatisfatoacuteriardquo (FINLEY 1994 13) As conclusotildees de Finley seguem a corrente his-toriograacutefica que vecirc a escrita dos antigos desprovida de qualquer criteacute-rio no registro das informaccedilotildees como ocorre com a produccedilatildeo histoacuteri-ca a partir do seacuteculo XIX em oposiccedilatildeo a outra a qual me filio de que a escrita historiograacutefica surge com Hecateu de Mileto no seacuteculo VI aC e desde entatildeo vem se articulando e se desenvolvendo em torno dos preceitos instituiacutedos principalmente por Heroacutedoto e Tuciacutedides

Para validar sua afirmaccedilatildeo sobre a primeira marca de uma nar-rativa maliciosa Plutarco cita dois exemplos o de Niacutecias e o de Cleacuteon ambos encontrados na Histoacuteria da Guerra do Peloponeso de Tuciacutedides No primeiro caso o de Niacutecias observamos a criacutetica plutarquiana agrave escrita historiograacutefica tucididiana percebemos ateacute a repeticcedilatildeo das palavras de Tuciacutedides que assim o descreveu quando ocorreu um eclispe antes da partida da expediccedilatildeo contra Siracusa

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Mas depois de estar tudo pronto e quando se achavam na iminecircncia de par-tir ocorreu um eclipse da lua que na ocasiatildeo estava cheia A maioria dos atenienses preocupada com o fenocircmeno instou os comandantes a espera-rem O proacuteprio Niacutecias que se dedicava com certo exagero agrave advinhaccedilatildeo e praacuteticas similares recusou-se terminantemente ateacute a falar no assunto da retirada antes do decurso de trecircs vezes nove dias de acordo com as prescri-ccedilotildees dos adivinhos Essa foi a razatildeo pela qual os atenienses jaacute tatildeo atrasa-dos demoraram ainda mais a partir (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso VII 50)6

Note-se que Plutarco emprega a expressatildeo ldquotende em exces-so agrave supersticcedilatildeordquo (θειασμῷ προσκείμενον ἄγαν) (855B) e Tuciacutedi-des por sua vez utiliza ldquoque se dedicava com certo exagero agrave adi-vinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) respeitando as variaccedilotildees nas traduccedilotildees ressaltamos que o verbo o adveacuterbio e o substantivo satildeo os mesmos na liacutengua gre-ga Conforme vermos mais adiante Plutarco teceraacute elogios agrave escrita tucididiana quanto agrave sua parcimocircnia na descriccedilatildeo do caraacuteter de uma personagem histoacuterica o que nos permite afirmar que sua criacutetica a esse passo de Tuciacutedides destina-se ao modo como se escrevia a histoacuteria na Greacutecia antiga bem como demonstra a influecircncia da metodologia de Heroacutedoto na escrita tucididiana De sua criacutetica ainda depreendemos a evoluccedilatildeo da escrita da histoacuteria na Greacutecia claacutessica pois Tuciacutedides jaacute declara estar redigindo uma histoacuteria diferenciada por natildeo considerar relatos infudados como verificamos no passo a seguir

E quanto agraves accedilotildees que foram praticadas na guerra decidi registrar natildeo as que conhecia por uma informaccedilatildeo casual nem segundo conjectura minha mas somente aquelas que eu proacuteprio presenciara e depois de ter pesquisado a fundo sobre cada uma junto de outros com a maior exatidatildeo possiacutevel (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso I 22)7

Portanto embora a histoacuteria tucididiana apresente progressos em relaccedilatildeo agrave produzida por seus antecessores como demonstra Plu-tarco tambeacutem apresenta pontos que satildeo passiacuteveis de criacuteticas nos quais no seu entedimento Da Maliacutecia se faz presente No entanto verificamos sua contradiccedilatildeo na biografia de Niacutecias Plutarco citando o mesmo passo de Tuciacutedides elabora um breve comentaacuterio sobre o caraacuteter do liacuteder ateniense concordando com a mesma afirmaccedilatildeo do historiador ateniense ldquoMas quanto ao resto do comportamento e ca-raacuteter do homem pode-se acreditar que certa piedade eacute resultado para tal graccedila e arte de conduzir o povo pois era fortemente tomado pela

6 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

7 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

9 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

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Page 2: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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ABSTRACT

The presence of the Greek cultural practices during the Roman time provoke the interest of specialists on Antiquity who try to understand the nature of the military and economical dominance imposed on the Greeks by the Romans For that reason several specialists attribute an ideological character to the Plutarchrsquos writings in which the au-thor would write just to become known and to maintain the imperial politics In this article we demonstrate how insufficient this analysis is in the case of Plutarch As a case study information in his treatise The Malice of Herodotus is selected to demonstrate our proposition

KEYWORDS Plutarch Herodotus Greek Identity

Plutarco e Heroacutedoto contextos distintos

Os contextos distintos em que Heroacutedoto e Plutarco estatildeo in-seridos datildeo conta das diferentes formas de interpretaccedilatildeo que ambos apresentam sobre o mesmo fato Haacute que se considerar as particula-ridades das condiccedilotildees histoacutericas e culturais desses autores que res-pondem pelas especificidades em seus pensamentos e em seu modo de ver o mundo aleacutem das diferentes informaccedilotildees recebidas que compotildeem uma amaacutelgama particular a cada um deles A partir disso notamos a existecircncia de vaacuterias interpretaccedilotildees possiacuteveis a um fato histoacuterico abalando as leituras pautadas na concepccedilatildeo de histoacuteria uacuteni-ca e verdadeira Sendo assim notamos que as informaccedilotildees legadas pelos autores antigos em paralelo com as evidecircncias arqueoloacutegicas satildeo analisadas de acordo com o proacuteprio cotidiano de seu inteacuterprete o que eacute perceptiacutevel na construccedilatildeo de seus discursos

Heroacutedoto nasceu em Halicarnasso no sudoeste da Aacutesia Me-nor regiatildeo colonizada pelos gregos Estima-se que ele tenha vivido entre os anos de 485 e 425 aC Dessa maneira o historiador pre-senciou natildeo somente a guerra entre persas e gregos como tambeacutem parte da disputa entre antenienses e espartanos pela hegemonia na Greacutecia a conhecida Guerra do Peloponeso que foi deflagrada em 431 aC e teve seu fim em 404 aC Tal conflito foi estimulado por Peacutericles poliacutetico e orador ateniense como nos relata Tuciacutedides na passagem transcrita a seguir ldquoSendo ele o homem mais poderoso de seu tempo e estando na direccedilatildeo da poliacutetica opunha-se totalmente aos lacedemocircnios e natildeo permitia concessotildees incitava ao contraacuterio

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os atenienses agrave guerrardquo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Pelo-poneso I 127) 2

Heroacutedoto assistiu aos primeiros anos do conflito eacutepoca em que os atenienses mantinham acesa a esperanccedila de vitoacuteria sobre a Liga do Peloponeso em muito estimulados pela habilidade retoacuterica de Peacutericles que tinha em seus discursos na Assembleia o seu maior trunfo3 Mas Atenas vecirc seu poderio reduzido com a peste que se ins-tala na cidade em 430 aC e Peacutericles falecer acometido por ela em 429 aC e um novo cenaacuterio se configura na contenda No entanto os atenienses continuam a obter vitoacuterias diante da Liga do Peloponeso As mais marcantes foram as derrotas dos espartanos em Pilos e Es-facteacuteria em 425 aC ano da morte de nosso historiador

Ao contraacuterio de Plutarco Heroacutedoto natildeo nos fornece dados au-tobiograacuteficos dificultando a reconstruccedilatildeo de sua biografia ainda que parcial Assim sendo natildeo dispomos de muitas informaccedilotildees sobre a vida do historiador a natildeo ser de autores tardios que nos legaram dados na maioria das vezes desencontrados Um exemplo disso eacute o nome de sua cidade natal que alguns crecircem ser Halicarnasso na Aacutesia menor e outros Tuacuterio no sul da Itaacutelia o que nos faz compreen-der o aparecimento em alguns proecircmios ora a expressatildeo ldquoHeroacutedoto de Halicarnassordquo ora ldquoHeroacutedoto de Tuacuteriordquo A respeito dessa duplici-dade nas informaccedilotildees encontradas nos escritos dos antigos Plutarco em seu tratado Sobre o Exiacutelio jaacute a identifica e nos oferece a seguinte explicaccedilatildeo ldquoIsto lsquoesta eacute a exposiccedilatildeo da investigaccedilatildeo de Heroacutedoto de Halicarnassorsquo muitos transcrevem lsquoHeroacutedoto de Tuacuteriorsquo pois emi-grou para Tuacuterio e daquela colocircnia participourdquo (PLUTARCO Sobre o Exiacutelio 604F)4

De certo sabemos que Heroacutedoto eacute o autor de Histoacuteria obra na qual relata a guerra travada entre persas e gregos durante os anos de 481 e 479 aC constituindo-se na mais antiga obra historiograacutefi-ca do Ocidente Sobre o conteuacutedo do escrito herodotiano Schloumlgel nos informa que os debates poliacuteticos e religiosos fomentados pela democracia ateniense bem como o pensamento filosoacutefico e as ence-

2 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

3 Haacute um artigo de M Finley em que o autor elabora uma anaacutelise acurada da poliacutetica ateniense do seacuteculo V aC e conclui ser improvaacutevel que Peacutericles tenha convencido os atenienses somente por intermeacutedio de seus discursos em Assembleia (FINLEY 1996 76-80) Na biografia de Peacutericles Plutarco tambeacutem afirma que o poliacutetico ate-niense empregava a praacutetica do suborno para atingir seus objetivos Para mais de-talhes sobre a interpretaccedilatildeo plutarquiana da poliacutetica de Peacutericles ver SILVA 2007 185-201

4 Doravante todas as traduccedilotildees dos excertos plutarquianos foram realizadas pela autora

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naccedilotildees traacutegicas nos teatros de Atenas influenciaram sobremaneira a composiccedilatildeo de sua obra (SCHLOumlGL 2000 12) O caraacuteter coleti-vo das encenaccedilotildees traacutegicas eacute apontado por Romilly ldquoTendo entra-do na vida ateniense devido a uma decisatildeo oficial inserindo-se em toda uma poliacutetica de expansatildeo popular a trageacutedia aparece associada desde o iniacutecio agrave actividade ciacutevica E este laccedilo soacute podia estreitar-se quando este povo reunido assim no teatro se tornou no aacuterbitro de seu proacuteprio destino Ele explica porque eacute que o gecircnero traacutegico estaacute associado ao desenvolvimento poliacutetico E explica o lugar que os grandes problemas nacionais da guerra e da paz da justiccedila e do civismo ocupam na trageacutedia gregardquo (ROMILLY 2008 16-17) Des-sa forma ao falarmos da Greacutecia de Heroacutedoto eacute preciso delimitar seu principal espaccedilo social que corresponde agrave Atenas do seacuteculo V aC pois de acordo com Forrest o enfoque de nosso historiador eacute claramente o da vida poliacutetica ateniense dos anos de 450 a 443 aC (FORREST 1984 2) Daiacute concluirmos que o contexto histoacuterico da produccedilatildeo literaacuteria de Heroacutedoto retrata um momento de prosperidade e de hegemonia ateniense na Greacutecia

Como vimos Plutarco viveu entre os seacuteculos I e II dC eacutepoca em que a dominaccedilatildeo romana atingira o seu aacutepice uma vez que Juacute-lio Ceacutesar jaacute havia conquistado a Gaacutelia Augusto o Egito e Trajano a Daacutecia regiotildees que trouxeram incontaacuteveis riquezas ao Impeacuterio bem como atestaram o seu poderio A Greacutecia de Plutarco encontrava-se sob o controle militar romano que se refletia em suas poliacuteticas e economia vaacuterios gregos oriundos de famiacutelias nobres alinhavam-se agrave poliacutetica do Impeacuterio por isso obtinham cargos em magistraturas e no Senado e nessa conjuntura Russel ressalta que Plutarco acon-selha seus companheiros gregos a natildeo resistir ao Impeacuterio como se Plutarco pertencesse a esse grupo (RUSSELL 1973 9) De fato em Preceitos Poliacuteticos Plutarco afirma

Eacute melhor precaver-se de modo a jamais entrar em dissensatildeo poliacutetica por-que eacute a maior e a mais bela arte poliacutetica para se liderar pois observa dentre os maiores bens agraves cidades a paz a liberdade a prosperidade a abundacircncia de homens e a concoacuterdia na direccedilatildeo da paz os povos nada necessitam dos poliacuteticos no presente tempo (PLUTARCO Preceitos Poliacuteticos 824C)

Em nosso entendimento o conselho de Plutarco demonstra a vul-nerabilidade da Greacutecia diante da potecircncia militar romana e que seria um ato de insensatez por parte de seus comandantes promover qualquer embate dessa natureza contra os romanos Como destaca Schimdt Plu-tarco aconselha os administradores gregos a administrarem bem suas cidades como demonstraccedilatildeo de sua prudecircncia frente ao poderio roma-no (SCHMIDT 2009 126-127) Aleacutem disso vemos o movimento de

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Plutarco no sentido de garantir a existecircncia de homens que representem a cultura grega no Impeacuterio que possam manifestaacute-la pois eacute conhecida a tendecircncia romana de dizimar povoados que se rebelaram contra sua poliacutetica daiacute nosso autor expressar com clareza o bem que eacute ter ldquoabun-dacircncia de homensrdquo (εὐανδρίας) em oposiccedilatildeo agrave conhecida oligantropia gerada por contiacutenuas batalhas O conselho de Plutarco assemelha-se ao dado por Flaacutevio Josefo aos revoltosos na Judeia

Descobri entatildeo que jaacute havia brotado o sentimento revolucionaacuterio e que muitos albergavam um forte sentimento revolucionaacuterio de rebeldia con-tra os romanos tentei entatildeo acalmar os agitadores e quis convencecirc-los de que modificassem suas atitudes fazendo-lhes ver contra quem iam lutar pois eles natildeo soacute eram inferiores aos romanos nas praacuteticas guerreiras senatildeo tambeacutem em recursos materiais (FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia XVII) 5

Portanto natildeo se trata de uma simples acomodaccedilatildeo agrave poliacutetica romana mas de um pensamento que constata a realidade presente e que busca a preservaccedilatildeo de seu povo e por conseguinte de sua cultura uma vez que a dominaccedilatildeo poliacutetica natildeo elimina as praacuteticas culturais de seu dominado Como nos esclarece Gozzoli o processo de romanizaccedilatildeo do Impeacuterio varia conforme a resistecircncia armada e o niacutevel cultural do dominado Existe um padratildeo na accedilatildeo romanizado-ra dos territoacuterios a primeira fase da conquista apoacuteia-se no poder de seu exeacutercito e depois de consolidada a tomada da regiatildeo parte para a cooptaccedilatildeo das elites locais (GOZZOLI 1987 81-82)

A hegemonia militar romana no mundo mediterracircnico inviabi-lizava qualquer esboccedilo de reaccedilatildeo contra o Impeacuterio restando aos gre-gos e aos demais povos a opccedilatildeo de se conformarem aos projetos do imperador dada sua impossibilidade de recuperaccedilatildeo da autonomia poliacutetica de suas cidades Somente apoacutes o esfacelamento das estrutu-ras poliacuteticas e militares as proviacutencias romanas obtiveram condiccedilotildees para contestar de forma mais veemente o domiacutenio romano em seus territoacuterios mas isso ocorreu somente muito depois do periacuteodo de prosperidade romana vivido por Plutarco Para ilustrar tal proposi-ccedilatildeo Duran aponta nos escritos plutarquianos renuacutencia e resigna-ccedilatildeo diante da dominaccedilatildeo romana expressas em suas descriccedilotildees de acontecimentos nos quais se configuravam os erros que levaram a Greacutecia ao seu ocaso A autora acrescenta que Plutarco estava ciente de sua condiccedilatildeo e procurava desfrutar algo dessa situaccedilatildeo promo-vendo assim a Pax Romana e suas vantagens para os gregos como a ausecircncia de guerras e a liberdade para a gerecircncia de seus proacuteprios bens (DURAacuteN LOacutePEZ 2004 37-38)

5 Traduccedilatildeo de A C Godoy

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As assertivas sobre a cooptaccedilatildeo de Plutarco pelo Impeacuterio tor-nam-se inconsistentes se considerarmos ainda o fato de ele natildeo fazer qualquer referecircncia ao recebimento do tiacutetulo de cidadatildeo romano e de natildeo ter ocupado nenhum cargo poliacutetico que natildeo estivesse rela-cionado com os interesses poliacuteticos e econocircmicos de seu territoacuterio Quanto agraves biografias como notou Momigliano em seu extenso estu-do sobre a biografia antiga o gecircnero biograacutefico atingiu notoriedade no periacuteodo imperial romano por razotildees contraditoacuterias Se por um lado ele representava uma maneira de relatar a vidas dos imperado-res o que agradava os romanos por outro desempenhava o papel de condutor de ideias poliacuteticas e filosoacuteficas dissonantes da ideologia imperial Conforme destaca Momigliano embora o periacuteodo aacuteureo do Impeacuterio romano tenha se notabilizado pela tentativa de manutenccedilatildeo de uma poliacutetica de pacificaccedilatildeo entre o poder central e as proviacutencias eacute algo caracteriacutestico da eacutepoca imperial a criacutetica ao conceito de felicitas temporum a seu ver Plutarco Taacutecito e Suetocircnio ilustram bem essa praacutetica O autor ainda acrescenta que segundo seus estudos sobre as biografias plutarquianas dos romanos Plutarco natildeo pode ser con-siderado um panegirista (MOMIGLIANO 1993 99-100) A nosso ver Plutarco natildeo compocircs sua obra para exaltar o Impeacuterio romano ou ainda a sua cultura seu objetivo principal estaacute em sedimentar a identidade grega no Impeacuterio pautada na histoacuteria de seu povo e em sua tradiccedilatildeo cultural Um exemplo disso estaacute em um exaustivo estudo sobre a estrutura das biografias romanas de Plutarco em que Scardigli conclui que nosso autor compocircs agrave moda dos gregos sem considerar o modelo biograacutefico instituiacutedo pelos romanos (SCARDI-GLI 1979 10)

Portanto os seacuteculos que se interpotildeem entre Plutarco e He-roacutedoto representam anos de histoacuterias transcorridas revelam ainda mudanccedilas e permanecircncias que constituem diferentes contextos res-ponsaacuteveis pelo modo como cada autor elabora sua visatildeo de mundo assim como constroacutei o seu discurso sobre o passado e o presente Nesse sentido a recepccedilatildeo da obra de Heroacutedoto por Plutarco nos traz a possibilidade de uma anaacutelise diacrocircnica do mundo grego uma vez que Heroacutedoto nos mostra uma Greacutecia vitoriosa que derrotou o gran-de inimigo persa orgulhosa de seus soldados e de sua prosperidade econocircmica e artiacutestica enquanto Plutarco nos exibe uma Greacutecia com-balida militarmente com limitaccedilotildees econocircmicas que encontra em sua tradiccedilatildeo cultural as balizas para a manutenccedilatildeo de sua existecircncia no mundo romano (SILVA 2009 167)

A relatividade da ldquoPaz Romanardquo deve-se ao fato de sua ins-tabilidade como eacute o caso do claacutessico exemplo de Massada revolta que se deu contra o Impeacuterio no ano de 72 dC e que foi duramente

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reprimida com a eliminaccedilatildeo de seus participantes Tal preservaccedilatildeo ocorre por meio da constituiccedilatildeo de uma comunidade cuja geografia natildeo mais corresponde agrave da antiga Greacutecia Lembramos o estudo de Gomeacutez Pelosiacuten em que o autor demonstra que em Heroacutedoto e em Tuciacutedides haacute definiccedilotildees sobre a identidade grega mas natildeo uma de-limitaccedilatildeo de um espaccedilo territorial para essas manifestaccedilotildees culturais e que somente com Estrabatildeo eacute que nasceraacute a noccedilatildeo geograacutefica do mundo grego (GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN 2001 87-105) Daiacute a uniatildeo desta comunidade estar centrada no uso da liacutengua e pela continuida-de de praacuteticas culturais que compotildeem a identidade grega no Impeacute-rio Para esclarecer nossas conclusotildees acerca do tratado em epiacutegrafe destacamos aqui o afirmado por Reimatildeo ldquoAtraveacutes da identificaccedilatildeo isto eacute da conquista da identidade da maneira de pensar de agir de sentir que lhes satildeo comuns a cultura daacute agraves pessoas que integram uma determinada colectividade uma identidade coletiva numa linha de tradiccedilatildeo e memoacuteriardquo (REIMAtildeO 1996 314)

Para realizar sua criacutetica agrave narrativa herodotiana Plutarco afir-ma que em razatildeo de serem muitos os pontos passiacuteveis de questiona-mento empreenderaacute a anaacutelise das partes essenciais como indiacutecios de sua malicia pois se apontasse todas em suas palavras ldquonecessitaria de muitos livrosrdquo (πολλῶν ἂν βιβλίων δεήσειεν) (854F) A partir daiacute em um discurso impessoal de caraacuteter prescritivo e pedagoacutegico Plutarco estabelece um modelo (τύπῳ) com as marcas que paten-teiam a escrita de um malicioso O significado original do termo eacute marca como a deixada por uma mordida Por isso Plutarco afirma que pretende ldquoestabelececirc-las indiacutecios e sinais de sua narrativardquo (οἷον ἴχνη καὶ γνωρίσματα διηγήσεως) (855B) Para cada caracteriacutestica arrolada Plutarco cita um exemplo para facilitar a compreensatildeo do leitor aleacutem de reforccedilar o seu argumento seguindo a teacutecnica retoacuterica que persuade com a comprovaccedilatildeo do que foi afirmado sem observar a veracidade do afirmado mas sua verossimilhanccedila Vejamos agora uma das nove marcas instituiacutedas por Plutarco como exemplo para nossa teoria de que sua narrativa pretende recontar a histoacuteria de gre-gos e romanos de forma a apresentaacute-los de maneira honrosa

Do discurso malicioso

Dada a impossibilidade de expormos todas as marcas de um discurso malicioso apontados por Plutarco no decurso de seu trata-do selecionamos a primeira marca que nosso autor apresenta Como primeira caracteriacutestica de uma narrativa histoacuterica maliciosa Plutarco

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indica ldquoPrimeiro quem entatildeo utiliza os mais desgradaacuteveis nomes e frases quando se apresentam os mais convenientes em seu relato dos acontecimentos [] natildeo eacute beneacutevolo mas eacute como quem se delei-ta em detalhar o fatordquo (PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacute-doto 855B)

A escolha lexical para a composiccedilatildeo de um relato histoacuterico aparece como o primeiro elemento a ser observado nela pois se o historiador natildeo se mostra ldquobeneacutevolordquo (εὐμενής) isto eacute em esta-do de espiacuterito favoraacutevel ao que iraacute descrever ou ainda ldquobeneacutevolordquo no sentido de estar animado para o relato a tendecircncia eacute construir um discurso mal-intencionado sem preocupaccedilatildeo com a investiga-ccedilatildeo dos fatos contentado-se em satisfazer sua maacute intenccedilatildeo e redigir um relato que apresente detalhes que preencham sua descriccedilatildeo do acontecimento por isso Plutarco afirma ldquomas eacute como quem se de-leita em detalhar o fatordquo (ἀπολαύων τῷ dagger σοφῶς dagger διηγεῖσθαι τοῦ πράγματος) uma vez que o prazer da escrita desse historiador natildeo estaacute em apresentar os fatos como eles ocorreram mas em fundamen-tar sua intenccedilatildeo demonstrar como eacute conhecedor dos pormenores do ocorrido buscando a descriccedilatildeo de cada evento que constitui o fato

Eacute interessante notar que apoacutes seacuteculos dessa assertiva feita por Plutarco em anaacutelise sobre o conteuacutedo histoacuterico de sua escrita biograacute-fica Finley diraacute ldquoum Liacutevio ou um Plutarco escreveram de bom gra-do paacuteginas e paacuteginas a respeito de eventos passados sobre os quais natildeo tinham ou natildeo procuravam ter qualquer controlerdquo E Finley complementa ldquoAlgo mais que a inteligecircncia estava impliacutecito nessa atitude que no final das contas deve levar uma noccedilatildeo radicalmente diferente da nossa quanto agrave natureza e o propoacutesito do exerciacutecio histoacute-rico Somente Tuciacutedides reconheceu de maneira total e sistemaacutetica a existecircncia do dilema que ele resolveu de maneira insatisfatoacuteriardquo (FINLEY 1994 13) As conclusotildees de Finley seguem a corrente his-toriograacutefica que vecirc a escrita dos antigos desprovida de qualquer criteacute-rio no registro das informaccedilotildees como ocorre com a produccedilatildeo histoacuteri-ca a partir do seacuteculo XIX em oposiccedilatildeo a outra a qual me filio de que a escrita historiograacutefica surge com Hecateu de Mileto no seacuteculo VI aC e desde entatildeo vem se articulando e se desenvolvendo em torno dos preceitos instituiacutedos principalmente por Heroacutedoto e Tuciacutedides

Para validar sua afirmaccedilatildeo sobre a primeira marca de uma nar-rativa maliciosa Plutarco cita dois exemplos o de Niacutecias e o de Cleacuteon ambos encontrados na Histoacuteria da Guerra do Peloponeso de Tuciacutedides No primeiro caso o de Niacutecias observamos a criacutetica plutarquiana agrave escrita historiograacutefica tucididiana percebemos ateacute a repeticcedilatildeo das palavras de Tuciacutedides que assim o descreveu quando ocorreu um eclispe antes da partida da expediccedilatildeo contra Siracusa

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Mas depois de estar tudo pronto e quando se achavam na iminecircncia de par-tir ocorreu um eclipse da lua que na ocasiatildeo estava cheia A maioria dos atenienses preocupada com o fenocircmeno instou os comandantes a espera-rem O proacuteprio Niacutecias que se dedicava com certo exagero agrave advinhaccedilatildeo e praacuteticas similares recusou-se terminantemente ateacute a falar no assunto da retirada antes do decurso de trecircs vezes nove dias de acordo com as prescri-ccedilotildees dos adivinhos Essa foi a razatildeo pela qual os atenienses jaacute tatildeo atrasa-dos demoraram ainda mais a partir (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso VII 50)6

Note-se que Plutarco emprega a expressatildeo ldquotende em exces-so agrave supersticcedilatildeordquo (θειασμῷ προσκείμενον ἄγαν) (855B) e Tuciacutedi-des por sua vez utiliza ldquoque se dedicava com certo exagero agrave adi-vinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) respeitando as variaccedilotildees nas traduccedilotildees ressaltamos que o verbo o adveacuterbio e o substantivo satildeo os mesmos na liacutengua gre-ga Conforme vermos mais adiante Plutarco teceraacute elogios agrave escrita tucididiana quanto agrave sua parcimocircnia na descriccedilatildeo do caraacuteter de uma personagem histoacuterica o que nos permite afirmar que sua criacutetica a esse passo de Tuciacutedides destina-se ao modo como se escrevia a histoacuteria na Greacutecia antiga bem como demonstra a influecircncia da metodologia de Heroacutedoto na escrita tucididiana De sua criacutetica ainda depreendemos a evoluccedilatildeo da escrita da histoacuteria na Greacutecia claacutessica pois Tuciacutedides jaacute declara estar redigindo uma histoacuteria diferenciada por natildeo considerar relatos infudados como verificamos no passo a seguir

E quanto agraves accedilotildees que foram praticadas na guerra decidi registrar natildeo as que conhecia por uma informaccedilatildeo casual nem segundo conjectura minha mas somente aquelas que eu proacuteprio presenciara e depois de ter pesquisado a fundo sobre cada uma junto de outros com a maior exatidatildeo possiacutevel (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso I 22)7

Portanto embora a histoacuteria tucididiana apresente progressos em relaccedilatildeo agrave produzida por seus antecessores como demonstra Plu-tarco tambeacutem apresenta pontos que satildeo passiacuteveis de criacuteticas nos quais no seu entedimento Da Maliacutecia se faz presente No entanto verificamos sua contradiccedilatildeo na biografia de Niacutecias Plutarco citando o mesmo passo de Tuciacutedides elabora um breve comentaacuterio sobre o caraacuteter do liacuteder ateniense concordando com a mesma afirmaccedilatildeo do historiador ateniense ldquoMas quanto ao resto do comportamento e ca-raacuteter do homem pode-se acreditar que certa piedade eacute resultado para tal graccedila e arte de conduzir o povo pois era fortemente tomado pela

6 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

7 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

9 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

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Histoacuteria da Guerra do Peloponeso ndash Livro I Traduccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado Texto grego estabelecido por Jacqueline de Romilly Satildeo Paulo Martins Fontes 2008

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Page 3: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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os atenienses agrave guerrardquo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Pelo-poneso I 127) 2

Heroacutedoto assistiu aos primeiros anos do conflito eacutepoca em que os atenienses mantinham acesa a esperanccedila de vitoacuteria sobre a Liga do Peloponeso em muito estimulados pela habilidade retoacuterica de Peacutericles que tinha em seus discursos na Assembleia o seu maior trunfo3 Mas Atenas vecirc seu poderio reduzido com a peste que se ins-tala na cidade em 430 aC e Peacutericles falecer acometido por ela em 429 aC e um novo cenaacuterio se configura na contenda No entanto os atenienses continuam a obter vitoacuterias diante da Liga do Peloponeso As mais marcantes foram as derrotas dos espartanos em Pilos e Es-facteacuteria em 425 aC ano da morte de nosso historiador

Ao contraacuterio de Plutarco Heroacutedoto natildeo nos fornece dados au-tobiograacuteficos dificultando a reconstruccedilatildeo de sua biografia ainda que parcial Assim sendo natildeo dispomos de muitas informaccedilotildees sobre a vida do historiador a natildeo ser de autores tardios que nos legaram dados na maioria das vezes desencontrados Um exemplo disso eacute o nome de sua cidade natal que alguns crecircem ser Halicarnasso na Aacutesia menor e outros Tuacuterio no sul da Itaacutelia o que nos faz compreen-der o aparecimento em alguns proecircmios ora a expressatildeo ldquoHeroacutedoto de Halicarnassordquo ora ldquoHeroacutedoto de Tuacuteriordquo A respeito dessa duplici-dade nas informaccedilotildees encontradas nos escritos dos antigos Plutarco em seu tratado Sobre o Exiacutelio jaacute a identifica e nos oferece a seguinte explicaccedilatildeo ldquoIsto lsquoesta eacute a exposiccedilatildeo da investigaccedilatildeo de Heroacutedoto de Halicarnassorsquo muitos transcrevem lsquoHeroacutedoto de Tuacuteriorsquo pois emi-grou para Tuacuterio e daquela colocircnia participourdquo (PLUTARCO Sobre o Exiacutelio 604F)4

De certo sabemos que Heroacutedoto eacute o autor de Histoacuteria obra na qual relata a guerra travada entre persas e gregos durante os anos de 481 e 479 aC constituindo-se na mais antiga obra historiograacutefi-ca do Ocidente Sobre o conteuacutedo do escrito herodotiano Schloumlgel nos informa que os debates poliacuteticos e religiosos fomentados pela democracia ateniense bem como o pensamento filosoacutefico e as ence-

2 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

3 Haacute um artigo de M Finley em que o autor elabora uma anaacutelise acurada da poliacutetica ateniense do seacuteculo V aC e conclui ser improvaacutevel que Peacutericles tenha convencido os atenienses somente por intermeacutedio de seus discursos em Assembleia (FINLEY 1996 76-80) Na biografia de Peacutericles Plutarco tambeacutem afirma que o poliacutetico ate-niense empregava a praacutetica do suborno para atingir seus objetivos Para mais de-talhes sobre a interpretaccedilatildeo plutarquiana da poliacutetica de Peacutericles ver SILVA 2007 185-201

4 Doravante todas as traduccedilotildees dos excertos plutarquianos foram realizadas pela autora

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naccedilotildees traacutegicas nos teatros de Atenas influenciaram sobremaneira a composiccedilatildeo de sua obra (SCHLOumlGL 2000 12) O caraacuteter coleti-vo das encenaccedilotildees traacutegicas eacute apontado por Romilly ldquoTendo entra-do na vida ateniense devido a uma decisatildeo oficial inserindo-se em toda uma poliacutetica de expansatildeo popular a trageacutedia aparece associada desde o iniacutecio agrave actividade ciacutevica E este laccedilo soacute podia estreitar-se quando este povo reunido assim no teatro se tornou no aacuterbitro de seu proacuteprio destino Ele explica porque eacute que o gecircnero traacutegico estaacute associado ao desenvolvimento poliacutetico E explica o lugar que os grandes problemas nacionais da guerra e da paz da justiccedila e do civismo ocupam na trageacutedia gregardquo (ROMILLY 2008 16-17) Des-sa forma ao falarmos da Greacutecia de Heroacutedoto eacute preciso delimitar seu principal espaccedilo social que corresponde agrave Atenas do seacuteculo V aC pois de acordo com Forrest o enfoque de nosso historiador eacute claramente o da vida poliacutetica ateniense dos anos de 450 a 443 aC (FORREST 1984 2) Daiacute concluirmos que o contexto histoacuterico da produccedilatildeo literaacuteria de Heroacutedoto retrata um momento de prosperidade e de hegemonia ateniense na Greacutecia

Como vimos Plutarco viveu entre os seacuteculos I e II dC eacutepoca em que a dominaccedilatildeo romana atingira o seu aacutepice uma vez que Juacute-lio Ceacutesar jaacute havia conquistado a Gaacutelia Augusto o Egito e Trajano a Daacutecia regiotildees que trouxeram incontaacuteveis riquezas ao Impeacuterio bem como atestaram o seu poderio A Greacutecia de Plutarco encontrava-se sob o controle militar romano que se refletia em suas poliacuteticas e economia vaacuterios gregos oriundos de famiacutelias nobres alinhavam-se agrave poliacutetica do Impeacuterio por isso obtinham cargos em magistraturas e no Senado e nessa conjuntura Russel ressalta que Plutarco acon-selha seus companheiros gregos a natildeo resistir ao Impeacuterio como se Plutarco pertencesse a esse grupo (RUSSELL 1973 9) De fato em Preceitos Poliacuteticos Plutarco afirma

Eacute melhor precaver-se de modo a jamais entrar em dissensatildeo poliacutetica por-que eacute a maior e a mais bela arte poliacutetica para se liderar pois observa dentre os maiores bens agraves cidades a paz a liberdade a prosperidade a abundacircncia de homens e a concoacuterdia na direccedilatildeo da paz os povos nada necessitam dos poliacuteticos no presente tempo (PLUTARCO Preceitos Poliacuteticos 824C)

Em nosso entendimento o conselho de Plutarco demonstra a vul-nerabilidade da Greacutecia diante da potecircncia militar romana e que seria um ato de insensatez por parte de seus comandantes promover qualquer embate dessa natureza contra os romanos Como destaca Schimdt Plu-tarco aconselha os administradores gregos a administrarem bem suas cidades como demonstraccedilatildeo de sua prudecircncia frente ao poderio roma-no (SCHMIDT 2009 126-127) Aleacutem disso vemos o movimento de

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Plutarco no sentido de garantir a existecircncia de homens que representem a cultura grega no Impeacuterio que possam manifestaacute-la pois eacute conhecida a tendecircncia romana de dizimar povoados que se rebelaram contra sua poliacutetica daiacute nosso autor expressar com clareza o bem que eacute ter ldquoabun-dacircncia de homensrdquo (εὐανδρίας) em oposiccedilatildeo agrave conhecida oligantropia gerada por contiacutenuas batalhas O conselho de Plutarco assemelha-se ao dado por Flaacutevio Josefo aos revoltosos na Judeia

Descobri entatildeo que jaacute havia brotado o sentimento revolucionaacuterio e que muitos albergavam um forte sentimento revolucionaacuterio de rebeldia con-tra os romanos tentei entatildeo acalmar os agitadores e quis convencecirc-los de que modificassem suas atitudes fazendo-lhes ver contra quem iam lutar pois eles natildeo soacute eram inferiores aos romanos nas praacuteticas guerreiras senatildeo tambeacutem em recursos materiais (FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia XVII) 5

Portanto natildeo se trata de uma simples acomodaccedilatildeo agrave poliacutetica romana mas de um pensamento que constata a realidade presente e que busca a preservaccedilatildeo de seu povo e por conseguinte de sua cultura uma vez que a dominaccedilatildeo poliacutetica natildeo elimina as praacuteticas culturais de seu dominado Como nos esclarece Gozzoli o processo de romanizaccedilatildeo do Impeacuterio varia conforme a resistecircncia armada e o niacutevel cultural do dominado Existe um padratildeo na accedilatildeo romanizado-ra dos territoacuterios a primeira fase da conquista apoacuteia-se no poder de seu exeacutercito e depois de consolidada a tomada da regiatildeo parte para a cooptaccedilatildeo das elites locais (GOZZOLI 1987 81-82)

A hegemonia militar romana no mundo mediterracircnico inviabi-lizava qualquer esboccedilo de reaccedilatildeo contra o Impeacuterio restando aos gre-gos e aos demais povos a opccedilatildeo de se conformarem aos projetos do imperador dada sua impossibilidade de recuperaccedilatildeo da autonomia poliacutetica de suas cidades Somente apoacutes o esfacelamento das estrutu-ras poliacuteticas e militares as proviacutencias romanas obtiveram condiccedilotildees para contestar de forma mais veemente o domiacutenio romano em seus territoacuterios mas isso ocorreu somente muito depois do periacuteodo de prosperidade romana vivido por Plutarco Para ilustrar tal proposi-ccedilatildeo Duran aponta nos escritos plutarquianos renuacutencia e resigna-ccedilatildeo diante da dominaccedilatildeo romana expressas em suas descriccedilotildees de acontecimentos nos quais se configuravam os erros que levaram a Greacutecia ao seu ocaso A autora acrescenta que Plutarco estava ciente de sua condiccedilatildeo e procurava desfrutar algo dessa situaccedilatildeo promo-vendo assim a Pax Romana e suas vantagens para os gregos como a ausecircncia de guerras e a liberdade para a gerecircncia de seus proacuteprios bens (DURAacuteN LOacutePEZ 2004 37-38)

5 Traduccedilatildeo de A C Godoy

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As assertivas sobre a cooptaccedilatildeo de Plutarco pelo Impeacuterio tor-nam-se inconsistentes se considerarmos ainda o fato de ele natildeo fazer qualquer referecircncia ao recebimento do tiacutetulo de cidadatildeo romano e de natildeo ter ocupado nenhum cargo poliacutetico que natildeo estivesse rela-cionado com os interesses poliacuteticos e econocircmicos de seu territoacuterio Quanto agraves biografias como notou Momigliano em seu extenso estu-do sobre a biografia antiga o gecircnero biograacutefico atingiu notoriedade no periacuteodo imperial romano por razotildees contraditoacuterias Se por um lado ele representava uma maneira de relatar a vidas dos imperado-res o que agradava os romanos por outro desempenhava o papel de condutor de ideias poliacuteticas e filosoacuteficas dissonantes da ideologia imperial Conforme destaca Momigliano embora o periacuteodo aacuteureo do Impeacuterio romano tenha se notabilizado pela tentativa de manutenccedilatildeo de uma poliacutetica de pacificaccedilatildeo entre o poder central e as proviacutencias eacute algo caracteriacutestico da eacutepoca imperial a criacutetica ao conceito de felicitas temporum a seu ver Plutarco Taacutecito e Suetocircnio ilustram bem essa praacutetica O autor ainda acrescenta que segundo seus estudos sobre as biografias plutarquianas dos romanos Plutarco natildeo pode ser con-siderado um panegirista (MOMIGLIANO 1993 99-100) A nosso ver Plutarco natildeo compocircs sua obra para exaltar o Impeacuterio romano ou ainda a sua cultura seu objetivo principal estaacute em sedimentar a identidade grega no Impeacuterio pautada na histoacuteria de seu povo e em sua tradiccedilatildeo cultural Um exemplo disso estaacute em um exaustivo estudo sobre a estrutura das biografias romanas de Plutarco em que Scardigli conclui que nosso autor compocircs agrave moda dos gregos sem considerar o modelo biograacutefico instituiacutedo pelos romanos (SCARDI-GLI 1979 10)

Portanto os seacuteculos que se interpotildeem entre Plutarco e He-roacutedoto representam anos de histoacuterias transcorridas revelam ainda mudanccedilas e permanecircncias que constituem diferentes contextos res-ponsaacuteveis pelo modo como cada autor elabora sua visatildeo de mundo assim como constroacutei o seu discurso sobre o passado e o presente Nesse sentido a recepccedilatildeo da obra de Heroacutedoto por Plutarco nos traz a possibilidade de uma anaacutelise diacrocircnica do mundo grego uma vez que Heroacutedoto nos mostra uma Greacutecia vitoriosa que derrotou o gran-de inimigo persa orgulhosa de seus soldados e de sua prosperidade econocircmica e artiacutestica enquanto Plutarco nos exibe uma Greacutecia com-balida militarmente com limitaccedilotildees econocircmicas que encontra em sua tradiccedilatildeo cultural as balizas para a manutenccedilatildeo de sua existecircncia no mundo romano (SILVA 2009 167)

A relatividade da ldquoPaz Romanardquo deve-se ao fato de sua ins-tabilidade como eacute o caso do claacutessico exemplo de Massada revolta que se deu contra o Impeacuterio no ano de 72 dC e que foi duramente

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reprimida com a eliminaccedilatildeo de seus participantes Tal preservaccedilatildeo ocorre por meio da constituiccedilatildeo de uma comunidade cuja geografia natildeo mais corresponde agrave da antiga Greacutecia Lembramos o estudo de Gomeacutez Pelosiacuten em que o autor demonstra que em Heroacutedoto e em Tuciacutedides haacute definiccedilotildees sobre a identidade grega mas natildeo uma de-limitaccedilatildeo de um espaccedilo territorial para essas manifestaccedilotildees culturais e que somente com Estrabatildeo eacute que nasceraacute a noccedilatildeo geograacutefica do mundo grego (GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN 2001 87-105) Daiacute a uniatildeo desta comunidade estar centrada no uso da liacutengua e pela continuida-de de praacuteticas culturais que compotildeem a identidade grega no Impeacute-rio Para esclarecer nossas conclusotildees acerca do tratado em epiacutegrafe destacamos aqui o afirmado por Reimatildeo ldquoAtraveacutes da identificaccedilatildeo isto eacute da conquista da identidade da maneira de pensar de agir de sentir que lhes satildeo comuns a cultura daacute agraves pessoas que integram uma determinada colectividade uma identidade coletiva numa linha de tradiccedilatildeo e memoacuteriardquo (REIMAtildeO 1996 314)

Para realizar sua criacutetica agrave narrativa herodotiana Plutarco afir-ma que em razatildeo de serem muitos os pontos passiacuteveis de questiona-mento empreenderaacute a anaacutelise das partes essenciais como indiacutecios de sua malicia pois se apontasse todas em suas palavras ldquonecessitaria de muitos livrosrdquo (πολλῶν ἂν βιβλίων δεήσειεν) (854F) A partir daiacute em um discurso impessoal de caraacuteter prescritivo e pedagoacutegico Plutarco estabelece um modelo (τύπῳ) com as marcas que paten-teiam a escrita de um malicioso O significado original do termo eacute marca como a deixada por uma mordida Por isso Plutarco afirma que pretende ldquoestabelececirc-las indiacutecios e sinais de sua narrativardquo (οἷον ἴχνη καὶ γνωρίσματα διηγήσεως) (855B) Para cada caracteriacutestica arrolada Plutarco cita um exemplo para facilitar a compreensatildeo do leitor aleacutem de reforccedilar o seu argumento seguindo a teacutecnica retoacuterica que persuade com a comprovaccedilatildeo do que foi afirmado sem observar a veracidade do afirmado mas sua verossimilhanccedila Vejamos agora uma das nove marcas instituiacutedas por Plutarco como exemplo para nossa teoria de que sua narrativa pretende recontar a histoacuteria de gre-gos e romanos de forma a apresentaacute-los de maneira honrosa

Do discurso malicioso

Dada a impossibilidade de expormos todas as marcas de um discurso malicioso apontados por Plutarco no decurso de seu trata-do selecionamos a primeira marca que nosso autor apresenta Como primeira caracteriacutestica de uma narrativa histoacuterica maliciosa Plutarco

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indica ldquoPrimeiro quem entatildeo utiliza os mais desgradaacuteveis nomes e frases quando se apresentam os mais convenientes em seu relato dos acontecimentos [] natildeo eacute beneacutevolo mas eacute como quem se delei-ta em detalhar o fatordquo (PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacute-doto 855B)

A escolha lexical para a composiccedilatildeo de um relato histoacuterico aparece como o primeiro elemento a ser observado nela pois se o historiador natildeo se mostra ldquobeneacutevolordquo (εὐμενής) isto eacute em esta-do de espiacuterito favoraacutevel ao que iraacute descrever ou ainda ldquobeneacutevolordquo no sentido de estar animado para o relato a tendecircncia eacute construir um discurso mal-intencionado sem preocupaccedilatildeo com a investiga-ccedilatildeo dos fatos contentado-se em satisfazer sua maacute intenccedilatildeo e redigir um relato que apresente detalhes que preencham sua descriccedilatildeo do acontecimento por isso Plutarco afirma ldquomas eacute como quem se de-leita em detalhar o fatordquo (ἀπολαύων τῷ dagger σοφῶς dagger διηγεῖσθαι τοῦ πράγματος) uma vez que o prazer da escrita desse historiador natildeo estaacute em apresentar os fatos como eles ocorreram mas em fundamen-tar sua intenccedilatildeo demonstrar como eacute conhecedor dos pormenores do ocorrido buscando a descriccedilatildeo de cada evento que constitui o fato

Eacute interessante notar que apoacutes seacuteculos dessa assertiva feita por Plutarco em anaacutelise sobre o conteuacutedo histoacuterico de sua escrita biograacute-fica Finley diraacute ldquoum Liacutevio ou um Plutarco escreveram de bom gra-do paacuteginas e paacuteginas a respeito de eventos passados sobre os quais natildeo tinham ou natildeo procuravam ter qualquer controlerdquo E Finley complementa ldquoAlgo mais que a inteligecircncia estava impliacutecito nessa atitude que no final das contas deve levar uma noccedilatildeo radicalmente diferente da nossa quanto agrave natureza e o propoacutesito do exerciacutecio histoacute-rico Somente Tuciacutedides reconheceu de maneira total e sistemaacutetica a existecircncia do dilema que ele resolveu de maneira insatisfatoacuteriardquo (FINLEY 1994 13) As conclusotildees de Finley seguem a corrente his-toriograacutefica que vecirc a escrita dos antigos desprovida de qualquer criteacute-rio no registro das informaccedilotildees como ocorre com a produccedilatildeo histoacuteri-ca a partir do seacuteculo XIX em oposiccedilatildeo a outra a qual me filio de que a escrita historiograacutefica surge com Hecateu de Mileto no seacuteculo VI aC e desde entatildeo vem se articulando e se desenvolvendo em torno dos preceitos instituiacutedos principalmente por Heroacutedoto e Tuciacutedides

Para validar sua afirmaccedilatildeo sobre a primeira marca de uma nar-rativa maliciosa Plutarco cita dois exemplos o de Niacutecias e o de Cleacuteon ambos encontrados na Histoacuteria da Guerra do Peloponeso de Tuciacutedides No primeiro caso o de Niacutecias observamos a criacutetica plutarquiana agrave escrita historiograacutefica tucididiana percebemos ateacute a repeticcedilatildeo das palavras de Tuciacutedides que assim o descreveu quando ocorreu um eclispe antes da partida da expediccedilatildeo contra Siracusa

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Mas depois de estar tudo pronto e quando se achavam na iminecircncia de par-tir ocorreu um eclipse da lua que na ocasiatildeo estava cheia A maioria dos atenienses preocupada com o fenocircmeno instou os comandantes a espera-rem O proacuteprio Niacutecias que se dedicava com certo exagero agrave advinhaccedilatildeo e praacuteticas similares recusou-se terminantemente ateacute a falar no assunto da retirada antes do decurso de trecircs vezes nove dias de acordo com as prescri-ccedilotildees dos adivinhos Essa foi a razatildeo pela qual os atenienses jaacute tatildeo atrasa-dos demoraram ainda mais a partir (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso VII 50)6

Note-se que Plutarco emprega a expressatildeo ldquotende em exces-so agrave supersticcedilatildeordquo (θειασμῷ προσκείμενον ἄγαν) (855B) e Tuciacutedi-des por sua vez utiliza ldquoque se dedicava com certo exagero agrave adi-vinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) respeitando as variaccedilotildees nas traduccedilotildees ressaltamos que o verbo o adveacuterbio e o substantivo satildeo os mesmos na liacutengua gre-ga Conforme vermos mais adiante Plutarco teceraacute elogios agrave escrita tucididiana quanto agrave sua parcimocircnia na descriccedilatildeo do caraacuteter de uma personagem histoacuterica o que nos permite afirmar que sua criacutetica a esse passo de Tuciacutedides destina-se ao modo como se escrevia a histoacuteria na Greacutecia antiga bem como demonstra a influecircncia da metodologia de Heroacutedoto na escrita tucididiana De sua criacutetica ainda depreendemos a evoluccedilatildeo da escrita da histoacuteria na Greacutecia claacutessica pois Tuciacutedides jaacute declara estar redigindo uma histoacuteria diferenciada por natildeo considerar relatos infudados como verificamos no passo a seguir

E quanto agraves accedilotildees que foram praticadas na guerra decidi registrar natildeo as que conhecia por uma informaccedilatildeo casual nem segundo conjectura minha mas somente aquelas que eu proacuteprio presenciara e depois de ter pesquisado a fundo sobre cada uma junto de outros com a maior exatidatildeo possiacutevel (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso I 22)7

Portanto embora a histoacuteria tucididiana apresente progressos em relaccedilatildeo agrave produzida por seus antecessores como demonstra Plu-tarco tambeacutem apresenta pontos que satildeo passiacuteveis de criacuteticas nos quais no seu entedimento Da Maliacutecia se faz presente No entanto verificamos sua contradiccedilatildeo na biografia de Niacutecias Plutarco citando o mesmo passo de Tuciacutedides elabora um breve comentaacuterio sobre o caraacuteter do liacuteder ateniense concordando com a mesma afirmaccedilatildeo do historiador ateniense ldquoMas quanto ao resto do comportamento e ca-raacuteter do homem pode-se acreditar que certa piedade eacute resultado para tal graccedila e arte de conduzir o povo pois era fortemente tomado pela

6 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

7 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

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Histoacuteria da Guerra do Peloponeso ndash Livro I Traduccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado Texto grego estabelecido por Jacqueline de Romilly Satildeo Paulo Martins Fontes 2008

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Page 4: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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naccedilotildees traacutegicas nos teatros de Atenas influenciaram sobremaneira a composiccedilatildeo de sua obra (SCHLOumlGL 2000 12) O caraacuteter coleti-vo das encenaccedilotildees traacutegicas eacute apontado por Romilly ldquoTendo entra-do na vida ateniense devido a uma decisatildeo oficial inserindo-se em toda uma poliacutetica de expansatildeo popular a trageacutedia aparece associada desde o iniacutecio agrave actividade ciacutevica E este laccedilo soacute podia estreitar-se quando este povo reunido assim no teatro se tornou no aacuterbitro de seu proacuteprio destino Ele explica porque eacute que o gecircnero traacutegico estaacute associado ao desenvolvimento poliacutetico E explica o lugar que os grandes problemas nacionais da guerra e da paz da justiccedila e do civismo ocupam na trageacutedia gregardquo (ROMILLY 2008 16-17) Des-sa forma ao falarmos da Greacutecia de Heroacutedoto eacute preciso delimitar seu principal espaccedilo social que corresponde agrave Atenas do seacuteculo V aC pois de acordo com Forrest o enfoque de nosso historiador eacute claramente o da vida poliacutetica ateniense dos anos de 450 a 443 aC (FORREST 1984 2) Daiacute concluirmos que o contexto histoacuterico da produccedilatildeo literaacuteria de Heroacutedoto retrata um momento de prosperidade e de hegemonia ateniense na Greacutecia

Como vimos Plutarco viveu entre os seacuteculos I e II dC eacutepoca em que a dominaccedilatildeo romana atingira o seu aacutepice uma vez que Juacute-lio Ceacutesar jaacute havia conquistado a Gaacutelia Augusto o Egito e Trajano a Daacutecia regiotildees que trouxeram incontaacuteveis riquezas ao Impeacuterio bem como atestaram o seu poderio A Greacutecia de Plutarco encontrava-se sob o controle militar romano que se refletia em suas poliacuteticas e economia vaacuterios gregos oriundos de famiacutelias nobres alinhavam-se agrave poliacutetica do Impeacuterio por isso obtinham cargos em magistraturas e no Senado e nessa conjuntura Russel ressalta que Plutarco acon-selha seus companheiros gregos a natildeo resistir ao Impeacuterio como se Plutarco pertencesse a esse grupo (RUSSELL 1973 9) De fato em Preceitos Poliacuteticos Plutarco afirma

Eacute melhor precaver-se de modo a jamais entrar em dissensatildeo poliacutetica por-que eacute a maior e a mais bela arte poliacutetica para se liderar pois observa dentre os maiores bens agraves cidades a paz a liberdade a prosperidade a abundacircncia de homens e a concoacuterdia na direccedilatildeo da paz os povos nada necessitam dos poliacuteticos no presente tempo (PLUTARCO Preceitos Poliacuteticos 824C)

Em nosso entendimento o conselho de Plutarco demonstra a vul-nerabilidade da Greacutecia diante da potecircncia militar romana e que seria um ato de insensatez por parte de seus comandantes promover qualquer embate dessa natureza contra os romanos Como destaca Schimdt Plu-tarco aconselha os administradores gregos a administrarem bem suas cidades como demonstraccedilatildeo de sua prudecircncia frente ao poderio roma-no (SCHMIDT 2009 126-127) Aleacutem disso vemos o movimento de

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Plutarco no sentido de garantir a existecircncia de homens que representem a cultura grega no Impeacuterio que possam manifestaacute-la pois eacute conhecida a tendecircncia romana de dizimar povoados que se rebelaram contra sua poliacutetica daiacute nosso autor expressar com clareza o bem que eacute ter ldquoabun-dacircncia de homensrdquo (εὐανδρίας) em oposiccedilatildeo agrave conhecida oligantropia gerada por contiacutenuas batalhas O conselho de Plutarco assemelha-se ao dado por Flaacutevio Josefo aos revoltosos na Judeia

Descobri entatildeo que jaacute havia brotado o sentimento revolucionaacuterio e que muitos albergavam um forte sentimento revolucionaacuterio de rebeldia con-tra os romanos tentei entatildeo acalmar os agitadores e quis convencecirc-los de que modificassem suas atitudes fazendo-lhes ver contra quem iam lutar pois eles natildeo soacute eram inferiores aos romanos nas praacuteticas guerreiras senatildeo tambeacutem em recursos materiais (FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia XVII) 5

Portanto natildeo se trata de uma simples acomodaccedilatildeo agrave poliacutetica romana mas de um pensamento que constata a realidade presente e que busca a preservaccedilatildeo de seu povo e por conseguinte de sua cultura uma vez que a dominaccedilatildeo poliacutetica natildeo elimina as praacuteticas culturais de seu dominado Como nos esclarece Gozzoli o processo de romanizaccedilatildeo do Impeacuterio varia conforme a resistecircncia armada e o niacutevel cultural do dominado Existe um padratildeo na accedilatildeo romanizado-ra dos territoacuterios a primeira fase da conquista apoacuteia-se no poder de seu exeacutercito e depois de consolidada a tomada da regiatildeo parte para a cooptaccedilatildeo das elites locais (GOZZOLI 1987 81-82)

A hegemonia militar romana no mundo mediterracircnico inviabi-lizava qualquer esboccedilo de reaccedilatildeo contra o Impeacuterio restando aos gre-gos e aos demais povos a opccedilatildeo de se conformarem aos projetos do imperador dada sua impossibilidade de recuperaccedilatildeo da autonomia poliacutetica de suas cidades Somente apoacutes o esfacelamento das estrutu-ras poliacuteticas e militares as proviacutencias romanas obtiveram condiccedilotildees para contestar de forma mais veemente o domiacutenio romano em seus territoacuterios mas isso ocorreu somente muito depois do periacuteodo de prosperidade romana vivido por Plutarco Para ilustrar tal proposi-ccedilatildeo Duran aponta nos escritos plutarquianos renuacutencia e resigna-ccedilatildeo diante da dominaccedilatildeo romana expressas em suas descriccedilotildees de acontecimentos nos quais se configuravam os erros que levaram a Greacutecia ao seu ocaso A autora acrescenta que Plutarco estava ciente de sua condiccedilatildeo e procurava desfrutar algo dessa situaccedilatildeo promo-vendo assim a Pax Romana e suas vantagens para os gregos como a ausecircncia de guerras e a liberdade para a gerecircncia de seus proacuteprios bens (DURAacuteN LOacutePEZ 2004 37-38)

5 Traduccedilatildeo de A C Godoy

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As assertivas sobre a cooptaccedilatildeo de Plutarco pelo Impeacuterio tor-nam-se inconsistentes se considerarmos ainda o fato de ele natildeo fazer qualquer referecircncia ao recebimento do tiacutetulo de cidadatildeo romano e de natildeo ter ocupado nenhum cargo poliacutetico que natildeo estivesse rela-cionado com os interesses poliacuteticos e econocircmicos de seu territoacuterio Quanto agraves biografias como notou Momigliano em seu extenso estu-do sobre a biografia antiga o gecircnero biograacutefico atingiu notoriedade no periacuteodo imperial romano por razotildees contraditoacuterias Se por um lado ele representava uma maneira de relatar a vidas dos imperado-res o que agradava os romanos por outro desempenhava o papel de condutor de ideias poliacuteticas e filosoacuteficas dissonantes da ideologia imperial Conforme destaca Momigliano embora o periacuteodo aacuteureo do Impeacuterio romano tenha se notabilizado pela tentativa de manutenccedilatildeo de uma poliacutetica de pacificaccedilatildeo entre o poder central e as proviacutencias eacute algo caracteriacutestico da eacutepoca imperial a criacutetica ao conceito de felicitas temporum a seu ver Plutarco Taacutecito e Suetocircnio ilustram bem essa praacutetica O autor ainda acrescenta que segundo seus estudos sobre as biografias plutarquianas dos romanos Plutarco natildeo pode ser con-siderado um panegirista (MOMIGLIANO 1993 99-100) A nosso ver Plutarco natildeo compocircs sua obra para exaltar o Impeacuterio romano ou ainda a sua cultura seu objetivo principal estaacute em sedimentar a identidade grega no Impeacuterio pautada na histoacuteria de seu povo e em sua tradiccedilatildeo cultural Um exemplo disso estaacute em um exaustivo estudo sobre a estrutura das biografias romanas de Plutarco em que Scardigli conclui que nosso autor compocircs agrave moda dos gregos sem considerar o modelo biograacutefico instituiacutedo pelos romanos (SCARDI-GLI 1979 10)

Portanto os seacuteculos que se interpotildeem entre Plutarco e He-roacutedoto representam anos de histoacuterias transcorridas revelam ainda mudanccedilas e permanecircncias que constituem diferentes contextos res-ponsaacuteveis pelo modo como cada autor elabora sua visatildeo de mundo assim como constroacutei o seu discurso sobre o passado e o presente Nesse sentido a recepccedilatildeo da obra de Heroacutedoto por Plutarco nos traz a possibilidade de uma anaacutelise diacrocircnica do mundo grego uma vez que Heroacutedoto nos mostra uma Greacutecia vitoriosa que derrotou o gran-de inimigo persa orgulhosa de seus soldados e de sua prosperidade econocircmica e artiacutestica enquanto Plutarco nos exibe uma Greacutecia com-balida militarmente com limitaccedilotildees econocircmicas que encontra em sua tradiccedilatildeo cultural as balizas para a manutenccedilatildeo de sua existecircncia no mundo romano (SILVA 2009 167)

A relatividade da ldquoPaz Romanardquo deve-se ao fato de sua ins-tabilidade como eacute o caso do claacutessico exemplo de Massada revolta que se deu contra o Impeacuterio no ano de 72 dC e que foi duramente

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reprimida com a eliminaccedilatildeo de seus participantes Tal preservaccedilatildeo ocorre por meio da constituiccedilatildeo de uma comunidade cuja geografia natildeo mais corresponde agrave da antiga Greacutecia Lembramos o estudo de Gomeacutez Pelosiacuten em que o autor demonstra que em Heroacutedoto e em Tuciacutedides haacute definiccedilotildees sobre a identidade grega mas natildeo uma de-limitaccedilatildeo de um espaccedilo territorial para essas manifestaccedilotildees culturais e que somente com Estrabatildeo eacute que nasceraacute a noccedilatildeo geograacutefica do mundo grego (GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN 2001 87-105) Daiacute a uniatildeo desta comunidade estar centrada no uso da liacutengua e pela continuida-de de praacuteticas culturais que compotildeem a identidade grega no Impeacute-rio Para esclarecer nossas conclusotildees acerca do tratado em epiacutegrafe destacamos aqui o afirmado por Reimatildeo ldquoAtraveacutes da identificaccedilatildeo isto eacute da conquista da identidade da maneira de pensar de agir de sentir que lhes satildeo comuns a cultura daacute agraves pessoas que integram uma determinada colectividade uma identidade coletiva numa linha de tradiccedilatildeo e memoacuteriardquo (REIMAtildeO 1996 314)

Para realizar sua criacutetica agrave narrativa herodotiana Plutarco afir-ma que em razatildeo de serem muitos os pontos passiacuteveis de questiona-mento empreenderaacute a anaacutelise das partes essenciais como indiacutecios de sua malicia pois se apontasse todas em suas palavras ldquonecessitaria de muitos livrosrdquo (πολλῶν ἂν βιβλίων δεήσειεν) (854F) A partir daiacute em um discurso impessoal de caraacuteter prescritivo e pedagoacutegico Plutarco estabelece um modelo (τύπῳ) com as marcas que paten-teiam a escrita de um malicioso O significado original do termo eacute marca como a deixada por uma mordida Por isso Plutarco afirma que pretende ldquoestabelececirc-las indiacutecios e sinais de sua narrativardquo (οἷον ἴχνη καὶ γνωρίσματα διηγήσεως) (855B) Para cada caracteriacutestica arrolada Plutarco cita um exemplo para facilitar a compreensatildeo do leitor aleacutem de reforccedilar o seu argumento seguindo a teacutecnica retoacuterica que persuade com a comprovaccedilatildeo do que foi afirmado sem observar a veracidade do afirmado mas sua verossimilhanccedila Vejamos agora uma das nove marcas instituiacutedas por Plutarco como exemplo para nossa teoria de que sua narrativa pretende recontar a histoacuteria de gre-gos e romanos de forma a apresentaacute-los de maneira honrosa

Do discurso malicioso

Dada a impossibilidade de expormos todas as marcas de um discurso malicioso apontados por Plutarco no decurso de seu trata-do selecionamos a primeira marca que nosso autor apresenta Como primeira caracteriacutestica de uma narrativa histoacuterica maliciosa Plutarco

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indica ldquoPrimeiro quem entatildeo utiliza os mais desgradaacuteveis nomes e frases quando se apresentam os mais convenientes em seu relato dos acontecimentos [] natildeo eacute beneacutevolo mas eacute como quem se delei-ta em detalhar o fatordquo (PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacute-doto 855B)

A escolha lexical para a composiccedilatildeo de um relato histoacuterico aparece como o primeiro elemento a ser observado nela pois se o historiador natildeo se mostra ldquobeneacutevolordquo (εὐμενής) isto eacute em esta-do de espiacuterito favoraacutevel ao que iraacute descrever ou ainda ldquobeneacutevolordquo no sentido de estar animado para o relato a tendecircncia eacute construir um discurso mal-intencionado sem preocupaccedilatildeo com a investiga-ccedilatildeo dos fatos contentado-se em satisfazer sua maacute intenccedilatildeo e redigir um relato que apresente detalhes que preencham sua descriccedilatildeo do acontecimento por isso Plutarco afirma ldquomas eacute como quem se de-leita em detalhar o fatordquo (ἀπολαύων τῷ dagger σοφῶς dagger διηγεῖσθαι τοῦ πράγματος) uma vez que o prazer da escrita desse historiador natildeo estaacute em apresentar os fatos como eles ocorreram mas em fundamen-tar sua intenccedilatildeo demonstrar como eacute conhecedor dos pormenores do ocorrido buscando a descriccedilatildeo de cada evento que constitui o fato

Eacute interessante notar que apoacutes seacuteculos dessa assertiva feita por Plutarco em anaacutelise sobre o conteuacutedo histoacuterico de sua escrita biograacute-fica Finley diraacute ldquoum Liacutevio ou um Plutarco escreveram de bom gra-do paacuteginas e paacuteginas a respeito de eventos passados sobre os quais natildeo tinham ou natildeo procuravam ter qualquer controlerdquo E Finley complementa ldquoAlgo mais que a inteligecircncia estava impliacutecito nessa atitude que no final das contas deve levar uma noccedilatildeo radicalmente diferente da nossa quanto agrave natureza e o propoacutesito do exerciacutecio histoacute-rico Somente Tuciacutedides reconheceu de maneira total e sistemaacutetica a existecircncia do dilema que ele resolveu de maneira insatisfatoacuteriardquo (FINLEY 1994 13) As conclusotildees de Finley seguem a corrente his-toriograacutefica que vecirc a escrita dos antigos desprovida de qualquer criteacute-rio no registro das informaccedilotildees como ocorre com a produccedilatildeo histoacuteri-ca a partir do seacuteculo XIX em oposiccedilatildeo a outra a qual me filio de que a escrita historiograacutefica surge com Hecateu de Mileto no seacuteculo VI aC e desde entatildeo vem se articulando e se desenvolvendo em torno dos preceitos instituiacutedos principalmente por Heroacutedoto e Tuciacutedides

Para validar sua afirmaccedilatildeo sobre a primeira marca de uma nar-rativa maliciosa Plutarco cita dois exemplos o de Niacutecias e o de Cleacuteon ambos encontrados na Histoacuteria da Guerra do Peloponeso de Tuciacutedides No primeiro caso o de Niacutecias observamos a criacutetica plutarquiana agrave escrita historiograacutefica tucididiana percebemos ateacute a repeticcedilatildeo das palavras de Tuciacutedides que assim o descreveu quando ocorreu um eclispe antes da partida da expediccedilatildeo contra Siracusa

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Mas depois de estar tudo pronto e quando se achavam na iminecircncia de par-tir ocorreu um eclipse da lua que na ocasiatildeo estava cheia A maioria dos atenienses preocupada com o fenocircmeno instou os comandantes a espera-rem O proacuteprio Niacutecias que se dedicava com certo exagero agrave advinhaccedilatildeo e praacuteticas similares recusou-se terminantemente ateacute a falar no assunto da retirada antes do decurso de trecircs vezes nove dias de acordo com as prescri-ccedilotildees dos adivinhos Essa foi a razatildeo pela qual os atenienses jaacute tatildeo atrasa-dos demoraram ainda mais a partir (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso VII 50)6

Note-se que Plutarco emprega a expressatildeo ldquotende em exces-so agrave supersticcedilatildeordquo (θειασμῷ προσκείμενον ἄγαν) (855B) e Tuciacutedi-des por sua vez utiliza ldquoque se dedicava com certo exagero agrave adi-vinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) respeitando as variaccedilotildees nas traduccedilotildees ressaltamos que o verbo o adveacuterbio e o substantivo satildeo os mesmos na liacutengua gre-ga Conforme vermos mais adiante Plutarco teceraacute elogios agrave escrita tucididiana quanto agrave sua parcimocircnia na descriccedilatildeo do caraacuteter de uma personagem histoacuterica o que nos permite afirmar que sua criacutetica a esse passo de Tuciacutedides destina-se ao modo como se escrevia a histoacuteria na Greacutecia antiga bem como demonstra a influecircncia da metodologia de Heroacutedoto na escrita tucididiana De sua criacutetica ainda depreendemos a evoluccedilatildeo da escrita da histoacuteria na Greacutecia claacutessica pois Tuciacutedides jaacute declara estar redigindo uma histoacuteria diferenciada por natildeo considerar relatos infudados como verificamos no passo a seguir

E quanto agraves accedilotildees que foram praticadas na guerra decidi registrar natildeo as que conhecia por uma informaccedilatildeo casual nem segundo conjectura minha mas somente aquelas que eu proacuteprio presenciara e depois de ter pesquisado a fundo sobre cada uma junto de outros com a maior exatidatildeo possiacutevel (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso I 22)7

Portanto embora a histoacuteria tucididiana apresente progressos em relaccedilatildeo agrave produzida por seus antecessores como demonstra Plu-tarco tambeacutem apresenta pontos que satildeo passiacuteveis de criacuteticas nos quais no seu entedimento Da Maliacutecia se faz presente No entanto verificamos sua contradiccedilatildeo na biografia de Niacutecias Plutarco citando o mesmo passo de Tuciacutedides elabora um breve comentaacuterio sobre o caraacuteter do liacuteder ateniense concordando com a mesma afirmaccedilatildeo do historiador ateniense ldquoMas quanto ao resto do comportamento e ca-raacuteter do homem pode-se acreditar que certa piedade eacute resultado para tal graccedila e arte de conduzir o povo pois era fortemente tomado pela

6 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

7 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

9 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo de Anto-nio C Godoy Curitiba Juruaacute 2002

HEROcircDOTOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora da Universidade de Brasiacutelia 1988

PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacutedoto Estudo traduccedilatildeo e notas de Maria Aparecida de Oliveira Silva Satildeo Paulo Edusp (no prelo)

PLUTARCH Life of Nicias Lives Vol III Translated by Berna-dotte Perrin CambridgeMassachusettsLondon Harvard

On Exile Moralia Vol VII Translated by Phillip H de Lacy amp Benedict Einarson CambridgeMassachusettsLondon Har-vard University Press 1959

Precepts of Statecraft Moralia Vol X Translated by Harold North Fowler CambridgeMassachusettsLondon Harvard University Press 2002

The Ancient Customs of the Spartans Moralia Vol III Translated by Frank Cole Babbitt CambridgeMassachusettsLon-don Harvard University Press 2004

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Page 5: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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Plutarco no sentido de garantir a existecircncia de homens que representem a cultura grega no Impeacuterio que possam manifestaacute-la pois eacute conhecida a tendecircncia romana de dizimar povoados que se rebelaram contra sua poliacutetica daiacute nosso autor expressar com clareza o bem que eacute ter ldquoabun-dacircncia de homensrdquo (εὐανδρίας) em oposiccedilatildeo agrave conhecida oligantropia gerada por contiacutenuas batalhas O conselho de Plutarco assemelha-se ao dado por Flaacutevio Josefo aos revoltosos na Judeia

Descobri entatildeo que jaacute havia brotado o sentimento revolucionaacuterio e que muitos albergavam um forte sentimento revolucionaacuterio de rebeldia con-tra os romanos tentei entatildeo acalmar os agitadores e quis convencecirc-los de que modificassem suas atitudes fazendo-lhes ver contra quem iam lutar pois eles natildeo soacute eram inferiores aos romanos nas praacuteticas guerreiras senatildeo tambeacutem em recursos materiais (FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia XVII) 5

Portanto natildeo se trata de uma simples acomodaccedilatildeo agrave poliacutetica romana mas de um pensamento que constata a realidade presente e que busca a preservaccedilatildeo de seu povo e por conseguinte de sua cultura uma vez que a dominaccedilatildeo poliacutetica natildeo elimina as praacuteticas culturais de seu dominado Como nos esclarece Gozzoli o processo de romanizaccedilatildeo do Impeacuterio varia conforme a resistecircncia armada e o niacutevel cultural do dominado Existe um padratildeo na accedilatildeo romanizado-ra dos territoacuterios a primeira fase da conquista apoacuteia-se no poder de seu exeacutercito e depois de consolidada a tomada da regiatildeo parte para a cooptaccedilatildeo das elites locais (GOZZOLI 1987 81-82)

A hegemonia militar romana no mundo mediterracircnico inviabi-lizava qualquer esboccedilo de reaccedilatildeo contra o Impeacuterio restando aos gre-gos e aos demais povos a opccedilatildeo de se conformarem aos projetos do imperador dada sua impossibilidade de recuperaccedilatildeo da autonomia poliacutetica de suas cidades Somente apoacutes o esfacelamento das estrutu-ras poliacuteticas e militares as proviacutencias romanas obtiveram condiccedilotildees para contestar de forma mais veemente o domiacutenio romano em seus territoacuterios mas isso ocorreu somente muito depois do periacuteodo de prosperidade romana vivido por Plutarco Para ilustrar tal proposi-ccedilatildeo Duran aponta nos escritos plutarquianos renuacutencia e resigna-ccedilatildeo diante da dominaccedilatildeo romana expressas em suas descriccedilotildees de acontecimentos nos quais se configuravam os erros que levaram a Greacutecia ao seu ocaso A autora acrescenta que Plutarco estava ciente de sua condiccedilatildeo e procurava desfrutar algo dessa situaccedilatildeo promo-vendo assim a Pax Romana e suas vantagens para os gregos como a ausecircncia de guerras e a liberdade para a gerecircncia de seus proacuteprios bens (DURAacuteN LOacutePEZ 2004 37-38)

5 Traduccedilatildeo de A C Godoy

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As assertivas sobre a cooptaccedilatildeo de Plutarco pelo Impeacuterio tor-nam-se inconsistentes se considerarmos ainda o fato de ele natildeo fazer qualquer referecircncia ao recebimento do tiacutetulo de cidadatildeo romano e de natildeo ter ocupado nenhum cargo poliacutetico que natildeo estivesse rela-cionado com os interesses poliacuteticos e econocircmicos de seu territoacuterio Quanto agraves biografias como notou Momigliano em seu extenso estu-do sobre a biografia antiga o gecircnero biograacutefico atingiu notoriedade no periacuteodo imperial romano por razotildees contraditoacuterias Se por um lado ele representava uma maneira de relatar a vidas dos imperado-res o que agradava os romanos por outro desempenhava o papel de condutor de ideias poliacuteticas e filosoacuteficas dissonantes da ideologia imperial Conforme destaca Momigliano embora o periacuteodo aacuteureo do Impeacuterio romano tenha se notabilizado pela tentativa de manutenccedilatildeo de uma poliacutetica de pacificaccedilatildeo entre o poder central e as proviacutencias eacute algo caracteriacutestico da eacutepoca imperial a criacutetica ao conceito de felicitas temporum a seu ver Plutarco Taacutecito e Suetocircnio ilustram bem essa praacutetica O autor ainda acrescenta que segundo seus estudos sobre as biografias plutarquianas dos romanos Plutarco natildeo pode ser con-siderado um panegirista (MOMIGLIANO 1993 99-100) A nosso ver Plutarco natildeo compocircs sua obra para exaltar o Impeacuterio romano ou ainda a sua cultura seu objetivo principal estaacute em sedimentar a identidade grega no Impeacuterio pautada na histoacuteria de seu povo e em sua tradiccedilatildeo cultural Um exemplo disso estaacute em um exaustivo estudo sobre a estrutura das biografias romanas de Plutarco em que Scardigli conclui que nosso autor compocircs agrave moda dos gregos sem considerar o modelo biograacutefico instituiacutedo pelos romanos (SCARDI-GLI 1979 10)

Portanto os seacuteculos que se interpotildeem entre Plutarco e He-roacutedoto representam anos de histoacuterias transcorridas revelam ainda mudanccedilas e permanecircncias que constituem diferentes contextos res-ponsaacuteveis pelo modo como cada autor elabora sua visatildeo de mundo assim como constroacutei o seu discurso sobre o passado e o presente Nesse sentido a recepccedilatildeo da obra de Heroacutedoto por Plutarco nos traz a possibilidade de uma anaacutelise diacrocircnica do mundo grego uma vez que Heroacutedoto nos mostra uma Greacutecia vitoriosa que derrotou o gran-de inimigo persa orgulhosa de seus soldados e de sua prosperidade econocircmica e artiacutestica enquanto Plutarco nos exibe uma Greacutecia com-balida militarmente com limitaccedilotildees econocircmicas que encontra em sua tradiccedilatildeo cultural as balizas para a manutenccedilatildeo de sua existecircncia no mundo romano (SILVA 2009 167)

A relatividade da ldquoPaz Romanardquo deve-se ao fato de sua ins-tabilidade como eacute o caso do claacutessico exemplo de Massada revolta que se deu contra o Impeacuterio no ano de 72 dC e que foi duramente

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reprimida com a eliminaccedilatildeo de seus participantes Tal preservaccedilatildeo ocorre por meio da constituiccedilatildeo de uma comunidade cuja geografia natildeo mais corresponde agrave da antiga Greacutecia Lembramos o estudo de Gomeacutez Pelosiacuten em que o autor demonstra que em Heroacutedoto e em Tuciacutedides haacute definiccedilotildees sobre a identidade grega mas natildeo uma de-limitaccedilatildeo de um espaccedilo territorial para essas manifestaccedilotildees culturais e que somente com Estrabatildeo eacute que nasceraacute a noccedilatildeo geograacutefica do mundo grego (GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN 2001 87-105) Daiacute a uniatildeo desta comunidade estar centrada no uso da liacutengua e pela continuida-de de praacuteticas culturais que compotildeem a identidade grega no Impeacute-rio Para esclarecer nossas conclusotildees acerca do tratado em epiacutegrafe destacamos aqui o afirmado por Reimatildeo ldquoAtraveacutes da identificaccedilatildeo isto eacute da conquista da identidade da maneira de pensar de agir de sentir que lhes satildeo comuns a cultura daacute agraves pessoas que integram uma determinada colectividade uma identidade coletiva numa linha de tradiccedilatildeo e memoacuteriardquo (REIMAtildeO 1996 314)

Para realizar sua criacutetica agrave narrativa herodotiana Plutarco afir-ma que em razatildeo de serem muitos os pontos passiacuteveis de questiona-mento empreenderaacute a anaacutelise das partes essenciais como indiacutecios de sua malicia pois se apontasse todas em suas palavras ldquonecessitaria de muitos livrosrdquo (πολλῶν ἂν βιβλίων δεήσειεν) (854F) A partir daiacute em um discurso impessoal de caraacuteter prescritivo e pedagoacutegico Plutarco estabelece um modelo (τύπῳ) com as marcas que paten-teiam a escrita de um malicioso O significado original do termo eacute marca como a deixada por uma mordida Por isso Plutarco afirma que pretende ldquoestabelececirc-las indiacutecios e sinais de sua narrativardquo (οἷον ἴχνη καὶ γνωρίσματα διηγήσεως) (855B) Para cada caracteriacutestica arrolada Plutarco cita um exemplo para facilitar a compreensatildeo do leitor aleacutem de reforccedilar o seu argumento seguindo a teacutecnica retoacuterica que persuade com a comprovaccedilatildeo do que foi afirmado sem observar a veracidade do afirmado mas sua verossimilhanccedila Vejamos agora uma das nove marcas instituiacutedas por Plutarco como exemplo para nossa teoria de que sua narrativa pretende recontar a histoacuteria de gre-gos e romanos de forma a apresentaacute-los de maneira honrosa

Do discurso malicioso

Dada a impossibilidade de expormos todas as marcas de um discurso malicioso apontados por Plutarco no decurso de seu trata-do selecionamos a primeira marca que nosso autor apresenta Como primeira caracteriacutestica de uma narrativa histoacuterica maliciosa Plutarco

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indica ldquoPrimeiro quem entatildeo utiliza os mais desgradaacuteveis nomes e frases quando se apresentam os mais convenientes em seu relato dos acontecimentos [] natildeo eacute beneacutevolo mas eacute como quem se delei-ta em detalhar o fatordquo (PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacute-doto 855B)

A escolha lexical para a composiccedilatildeo de um relato histoacuterico aparece como o primeiro elemento a ser observado nela pois se o historiador natildeo se mostra ldquobeneacutevolordquo (εὐμενής) isto eacute em esta-do de espiacuterito favoraacutevel ao que iraacute descrever ou ainda ldquobeneacutevolordquo no sentido de estar animado para o relato a tendecircncia eacute construir um discurso mal-intencionado sem preocupaccedilatildeo com a investiga-ccedilatildeo dos fatos contentado-se em satisfazer sua maacute intenccedilatildeo e redigir um relato que apresente detalhes que preencham sua descriccedilatildeo do acontecimento por isso Plutarco afirma ldquomas eacute como quem se de-leita em detalhar o fatordquo (ἀπολαύων τῷ dagger σοφῶς dagger διηγεῖσθαι τοῦ πράγματος) uma vez que o prazer da escrita desse historiador natildeo estaacute em apresentar os fatos como eles ocorreram mas em fundamen-tar sua intenccedilatildeo demonstrar como eacute conhecedor dos pormenores do ocorrido buscando a descriccedilatildeo de cada evento que constitui o fato

Eacute interessante notar que apoacutes seacuteculos dessa assertiva feita por Plutarco em anaacutelise sobre o conteuacutedo histoacuterico de sua escrita biograacute-fica Finley diraacute ldquoum Liacutevio ou um Plutarco escreveram de bom gra-do paacuteginas e paacuteginas a respeito de eventos passados sobre os quais natildeo tinham ou natildeo procuravam ter qualquer controlerdquo E Finley complementa ldquoAlgo mais que a inteligecircncia estava impliacutecito nessa atitude que no final das contas deve levar uma noccedilatildeo radicalmente diferente da nossa quanto agrave natureza e o propoacutesito do exerciacutecio histoacute-rico Somente Tuciacutedides reconheceu de maneira total e sistemaacutetica a existecircncia do dilema que ele resolveu de maneira insatisfatoacuteriardquo (FINLEY 1994 13) As conclusotildees de Finley seguem a corrente his-toriograacutefica que vecirc a escrita dos antigos desprovida de qualquer criteacute-rio no registro das informaccedilotildees como ocorre com a produccedilatildeo histoacuteri-ca a partir do seacuteculo XIX em oposiccedilatildeo a outra a qual me filio de que a escrita historiograacutefica surge com Hecateu de Mileto no seacuteculo VI aC e desde entatildeo vem se articulando e se desenvolvendo em torno dos preceitos instituiacutedos principalmente por Heroacutedoto e Tuciacutedides

Para validar sua afirmaccedilatildeo sobre a primeira marca de uma nar-rativa maliciosa Plutarco cita dois exemplos o de Niacutecias e o de Cleacuteon ambos encontrados na Histoacuteria da Guerra do Peloponeso de Tuciacutedides No primeiro caso o de Niacutecias observamos a criacutetica plutarquiana agrave escrita historiograacutefica tucididiana percebemos ateacute a repeticcedilatildeo das palavras de Tuciacutedides que assim o descreveu quando ocorreu um eclispe antes da partida da expediccedilatildeo contra Siracusa

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Mas depois de estar tudo pronto e quando se achavam na iminecircncia de par-tir ocorreu um eclipse da lua que na ocasiatildeo estava cheia A maioria dos atenienses preocupada com o fenocircmeno instou os comandantes a espera-rem O proacuteprio Niacutecias que se dedicava com certo exagero agrave advinhaccedilatildeo e praacuteticas similares recusou-se terminantemente ateacute a falar no assunto da retirada antes do decurso de trecircs vezes nove dias de acordo com as prescri-ccedilotildees dos adivinhos Essa foi a razatildeo pela qual os atenienses jaacute tatildeo atrasa-dos demoraram ainda mais a partir (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso VII 50)6

Note-se que Plutarco emprega a expressatildeo ldquotende em exces-so agrave supersticcedilatildeordquo (θειασμῷ προσκείμενον ἄγαν) (855B) e Tuciacutedi-des por sua vez utiliza ldquoque se dedicava com certo exagero agrave adi-vinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) respeitando as variaccedilotildees nas traduccedilotildees ressaltamos que o verbo o adveacuterbio e o substantivo satildeo os mesmos na liacutengua gre-ga Conforme vermos mais adiante Plutarco teceraacute elogios agrave escrita tucididiana quanto agrave sua parcimocircnia na descriccedilatildeo do caraacuteter de uma personagem histoacuterica o que nos permite afirmar que sua criacutetica a esse passo de Tuciacutedides destina-se ao modo como se escrevia a histoacuteria na Greacutecia antiga bem como demonstra a influecircncia da metodologia de Heroacutedoto na escrita tucididiana De sua criacutetica ainda depreendemos a evoluccedilatildeo da escrita da histoacuteria na Greacutecia claacutessica pois Tuciacutedides jaacute declara estar redigindo uma histoacuteria diferenciada por natildeo considerar relatos infudados como verificamos no passo a seguir

E quanto agraves accedilotildees que foram praticadas na guerra decidi registrar natildeo as que conhecia por uma informaccedilatildeo casual nem segundo conjectura minha mas somente aquelas que eu proacuteprio presenciara e depois de ter pesquisado a fundo sobre cada uma junto de outros com a maior exatidatildeo possiacutevel (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso I 22)7

Portanto embora a histoacuteria tucididiana apresente progressos em relaccedilatildeo agrave produzida por seus antecessores como demonstra Plu-tarco tambeacutem apresenta pontos que satildeo passiacuteveis de criacuteticas nos quais no seu entedimento Da Maliacutecia se faz presente No entanto verificamos sua contradiccedilatildeo na biografia de Niacutecias Plutarco citando o mesmo passo de Tuciacutedides elabora um breve comentaacuterio sobre o caraacuteter do liacuteder ateniense concordando com a mesma afirmaccedilatildeo do historiador ateniense ldquoMas quanto ao resto do comportamento e ca-raacuteter do homem pode-se acreditar que certa piedade eacute resultado para tal graccedila e arte de conduzir o povo pois era fortemente tomado pela

6 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

7 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

9 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

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Page 6: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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As assertivas sobre a cooptaccedilatildeo de Plutarco pelo Impeacuterio tor-nam-se inconsistentes se considerarmos ainda o fato de ele natildeo fazer qualquer referecircncia ao recebimento do tiacutetulo de cidadatildeo romano e de natildeo ter ocupado nenhum cargo poliacutetico que natildeo estivesse rela-cionado com os interesses poliacuteticos e econocircmicos de seu territoacuterio Quanto agraves biografias como notou Momigliano em seu extenso estu-do sobre a biografia antiga o gecircnero biograacutefico atingiu notoriedade no periacuteodo imperial romano por razotildees contraditoacuterias Se por um lado ele representava uma maneira de relatar a vidas dos imperado-res o que agradava os romanos por outro desempenhava o papel de condutor de ideias poliacuteticas e filosoacuteficas dissonantes da ideologia imperial Conforme destaca Momigliano embora o periacuteodo aacuteureo do Impeacuterio romano tenha se notabilizado pela tentativa de manutenccedilatildeo de uma poliacutetica de pacificaccedilatildeo entre o poder central e as proviacutencias eacute algo caracteriacutestico da eacutepoca imperial a criacutetica ao conceito de felicitas temporum a seu ver Plutarco Taacutecito e Suetocircnio ilustram bem essa praacutetica O autor ainda acrescenta que segundo seus estudos sobre as biografias plutarquianas dos romanos Plutarco natildeo pode ser con-siderado um panegirista (MOMIGLIANO 1993 99-100) A nosso ver Plutarco natildeo compocircs sua obra para exaltar o Impeacuterio romano ou ainda a sua cultura seu objetivo principal estaacute em sedimentar a identidade grega no Impeacuterio pautada na histoacuteria de seu povo e em sua tradiccedilatildeo cultural Um exemplo disso estaacute em um exaustivo estudo sobre a estrutura das biografias romanas de Plutarco em que Scardigli conclui que nosso autor compocircs agrave moda dos gregos sem considerar o modelo biograacutefico instituiacutedo pelos romanos (SCARDI-GLI 1979 10)

Portanto os seacuteculos que se interpotildeem entre Plutarco e He-roacutedoto representam anos de histoacuterias transcorridas revelam ainda mudanccedilas e permanecircncias que constituem diferentes contextos res-ponsaacuteveis pelo modo como cada autor elabora sua visatildeo de mundo assim como constroacutei o seu discurso sobre o passado e o presente Nesse sentido a recepccedilatildeo da obra de Heroacutedoto por Plutarco nos traz a possibilidade de uma anaacutelise diacrocircnica do mundo grego uma vez que Heroacutedoto nos mostra uma Greacutecia vitoriosa que derrotou o gran-de inimigo persa orgulhosa de seus soldados e de sua prosperidade econocircmica e artiacutestica enquanto Plutarco nos exibe uma Greacutecia com-balida militarmente com limitaccedilotildees econocircmicas que encontra em sua tradiccedilatildeo cultural as balizas para a manutenccedilatildeo de sua existecircncia no mundo romano (SILVA 2009 167)

A relatividade da ldquoPaz Romanardquo deve-se ao fato de sua ins-tabilidade como eacute o caso do claacutessico exemplo de Massada revolta que se deu contra o Impeacuterio no ano de 72 dC e que foi duramente

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reprimida com a eliminaccedilatildeo de seus participantes Tal preservaccedilatildeo ocorre por meio da constituiccedilatildeo de uma comunidade cuja geografia natildeo mais corresponde agrave da antiga Greacutecia Lembramos o estudo de Gomeacutez Pelosiacuten em que o autor demonstra que em Heroacutedoto e em Tuciacutedides haacute definiccedilotildees sobre a identidade grega mas natildeo uma de-limitaccedilatildeo de um espaccedilo territorial para essas manifestaccedilotildees culturais e que somente com Estrabatildeo eacute que nasceraacute a noccedilatildeo geograacutefica do mundo grego (GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN 2001 87-105) Daiacute a uniatildeo desta comunidade estar centrada no uso da liacutengua e pela continuida-de de praacuteticas culturais que compotildeem a identidade grega no Impeacute-rio Para esclarecer nossas conclusotildees acerca do tratado em epiacutegrafe destacamos aqui o afirmado por Reimatildeo ldquoAtraveacutes da identificaccedilatildeo isto eacute da conquista da identidade da maneira de pensar de agir de sentir que lhes satildeo comuns a cultura daacute agraves pessoas que integram uma determinada colectividade uma identidade coletiva numa linha de tradiccedilatildeo e memoacuteriardquo (REIMAtildeO 1996 314)

Para realizar sua criacutetica agrave narrativa herodotiana Plutarco afir-ma que em razatildeo de serem muitos os pontos passiacuteveis de questiona-mento empreenderaacute a anaacutelise das partes essenciais como indiacutecios de sua malicia pois se apontasse todas em suas palavras ldquonecessitaria de muitos livrosrdquo (πολλῶν ἂν βιβλίων δεήσειεν) (854F) A partir daiacute em um discurso impessoal de caraacuteter prescritivo e pedagoacutegico Plutarco estabelece um modelo (τύπῳ) com as marcas que paten-teiam a escrita de um malicioso O significado original do termo eacute marca como a deixada por uma mordida Por isso Plutarco afirma que pretende ldquoestabelececirc-las indiacutecios e sinais de sua narrativardquo (οἷον ἴχνη καὶ γνωρίσματα διηγήσεως) (855B) Para cada caracteriacutestica arrolada Plutarco cita um exemplo para facilitar a compreensatildeo do leitor aleacutem de reforccedilar o seu argumento seguindo a teacutecnica retoacuterica que persuade com a comprovaccedilatildeo do que foi afirmado sem observar a veracidade do afirmado mas sua verossimilhanccedila Vejamos agora uma das nove marcas instituiacutedas por Plutarco como exemplo para nossa teoria de que sua narrativa pretende recontar a histoacuteria de gre-gos e romanos de forma a apresentaacute-los de maneira honrosa

Do discurso malicioso

Dada a impossibilidade de expormos todas as marcas de um discurso malicioso apontados por Plutarco no decurso de seu trata-do selecionamos a primeira marca que nosso autor apresenta Como primeira caracteriacutestica de uma narrativa histoacuterica maliciosa Plutarco

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indica ldquoPrimeiro quem entatildeo utiliza os mais desgradaacuteveis nomes e frases quando se apresentam os mais convenientes em seu relato dos acontecimentos [] natildeo eacute beneacutevolo mas eacute como quem se delei-ta em detalhar o fatordquo (PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacute-doto 855B)

A escolha lexical para a composiccedilatildeo de um relato histoacuterico aparece como o primeiro elemento a ser observado nela pois se o historiador natildeo se mostra ldquobeneacutevolordquo (εὐμενής) isto eacute em esta-do de espiacuterito favoraacutevel ao que iraacute descrever ou ainda ldquobeneacutevolordquo no sentido de estar animado para o relato a tendecircncia eacute construir um discurso mal-intencionado sem preocupaccedilatildeo com a investiga-ccedilatildeo dos fatos contentado-se em satisfazer sua maacute intenccedilatildeo e redigir um relato que apresente detalhes que preencham sua descriccedilatildeo do acontecimento por isso Plutarco afirma ldquomas eacute como quem se de-leita em detalhar o fatordquo (ἀπολαύων τῷ dagger σοφῶς dagger διηγεῖσθαι τοῦ πράγματος) uma vez que o prazer da escrita desse historiador natildeo estaacute em apresentar os fatos como eles ocorreram mas em fundamen-tar sua intenccedilatildeo demonstrar como eacute conhecedor dos pormenores do ocorrido buscando a descriccedilatildeo de cada evento que constitui o fato

Eacute interessante notar que apoacutes seacuteculos dessa assertiva feita por Plutarco em anaacutelise sobre o conteuacutedo histoacuterico de sua escrita biograacute-fica Finley diraacute ldquoum Liacutevio ou um Plutarco escreveram de bom gra-do paacuteginas e paacuteginas a respeito de eventos passados sobre os quais natildeo tinham ou natildeo procuravam ter qualquer controlerdquo E Finley complementa ldquoAlgo mais que a inteligecircncia estava impliacutecito nessa atitude que no final das contas deve levar uma noccedilatildeo radicalmente diferente da nossa quanto agrave natureza e o propoacutesito do exerciacutecio histoacute-rico Somente Tuciacutedides reconheceu de maneira total e sistemaacutetica a existecircncia do dilema que ele resolveu de maneira insatisfatoacuteriardquo (FINLEY 1994 13) As conclusotildees de Finley seguem a corrente his-toriograacutefica que vecirc a escrita dos antigos desprovida de qualquer criteacute-rio no registro das informaccedilotildees como ocorre com a produccedilatildeo histoacuteri-ca a partir do seacuteculo XIX em oposiccedilatildeo a outra a qual me filio de que a escrita historiograacutefica surge com Hecateu de Mileto no seacuteculo VI aC e desde entatildeo vem se articulando e se desenvolvendo em torno dos preceitos instituiacutedos principalmente por Heroacutedoto e Tuciacutedides

Para validar sua afirmaccedilatildeo sobre a primeira marca de uma nar-rativa maliciosa Plutarco cita dois exemplos o de Niacutecias e o de Cleacuteon ambos encontrados na Histoacuteria da Guerra do Peloponeso de Tuciacutedides No primeiro caso o de Niacutecias observamos a criacutetica plutarquiana agrave escrita historiograacutefica tucididiana percebemos ateacute a repeticcedilatildeo das palavras de Tuciacutedides que assim o descreveu quando ocorreu um eclispe antes da partida da expediccedilatildeo contra Siracusa

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Mas depois de estar tudo pronto e quando se achavam na iminecircncia de par-tir ocorreu um eclipse da lua que na ocasiatildeo estava cheia A maioria dos atenienses preocupada com o fenocircmeno instou os comandantes a espera-rem O proacuteprio Niacutecias que se dedicava com certo exagero agrave advinhaccedilatildeo e praacuteticas similares recusou-se terminantemente ateacute a falar no assunto da retirada antes do decurso de trecircs vezes nove dias de acordo com as prescri-ccedilotildees dos adivinhos Essa foi a razatildeo pela qual os atenienses jaacute tatildeo atrasa-dos demoraram ainda mais a partir (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso VII 50)6

Note-se que Plutarco emprega a expressatildeo ldquotende em exces-so agrave supersticcedilatildeordquo (θειασμῷ προσκείμενον ἄγαν) (855B) e Tuciacutedi-des por sua vez utiliza ldquoque se dedicava com certo exagero agrave adi-vinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) respeitando as variaccedilotildees nas traduccedilotildees ressaltamos que o verbo o adveacuterbio e o substantivo satildeo os mesmos na liacutengua gre-ga Conforme vermos mais adiante Plutarco teceraacute elogios agrave escrita tucididiana quanto agrave sua parcimocircnia na descriccedilatildeo do caraacuteter de uma personagem histoacuterica o que nos permite afirmar que sua criacutetica a esse passo de Tuciacutedides destina-se ao modo como se escrevia a histoacuteria na Greacutecia antiga bem como demonstra a influecircncia da metodologia de Heroacutedoto na escrita tucididiana De sua criacutetica ainda depreendemos a evoluccedilatildeo da escrita da histoacuteria na Greacutecia claacutessica pois Tuciacutedides jaacute declara estar redigindo uma histoacuteria diferenciada por natildeo considerar relatos infudados como verificamos no passo a seguir

E quanto agraves accedilotildees que foram praticadas na guerra decidi registrar natildeo as que conhecia por uma informaccedilatildeo casual nem segundo conjectura minha mas somente aquelas que eu proacuteprio presenciara e depois de ter pesquisado a fundo sobre cada uma junto de outros com a maior exatidatildeo possiacutevel (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso I 22)7

Portanto embora a histoacuteria tucididiana apresente progressos em relaccedilatildeo agrave produzida por seus antecessores como demonstra Plu-tarco tambeacutem apresenta pontos que satildeo passiacuteveis de criacuteticas nos quais no seu entedimento Da Maliacutecia se faz presente No entanto verificamos sua contradiccedilatildeo na biografia de Niacutecias Plutarco citando o mesmo passo de Tuciacutedides elabora um breve comentaacuterio sobre o caraacuteter do liacuteder ateniense concordando com a mesma afirmaccedilatildeo do historiador ateniense ldquoMas quanto ao resto do comportamento e ca-raacuteter do homem pode-se acreditar que certa piedade eacute resultado para tal graccedila e arte de conduzir o povo pois era fortemente tomado pela

6 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

7 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

9 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

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On Exile Moralia Vol VII Translated by Phillip H de Lacy amp Benedict Einarson CambridgeMassachusettsLondon Har-vard University Press 1959

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reprimida com a eliminaccedilatildeo de seus participantes Tal preservaccedilatildeo ocorre por meio da constituiccedilatildeo de uma comunidade cuja geografia natildeo mais corresponde agrave da antiga Greacutecia Lembramos o estudo de Gomeacutez Pelosiacuten em que o autor demonstra que em Heroacutedoto e em Tuciacutedides haacute definiccedilotildees sobre a identidade grega mas natildeo uma de-limitaccedilatildeo de um espaccedilo territorial para essas manifestaccedilotildees culturais e que somente com Estrabatildeo eacute que nasceraacute a noccedilatildeo geograacutefica do mundo grego (GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN 2001 87-105) Daiacute a uniatildeo desta comunidade estar centrada no uso da liacutengua e pela continuida-de de praacuteticas culturais que compotildeem a identidade grega no Impeacute-rio Para esclarecer nossas conclusotildees acerca do tratado em epiacutegrafe destacamos aqui o afirmado por Reimatildeo ldquoAtraveacutes da identificaccedilatildeo isto eacute da conquista da identidade da maneira de pensar de agir de sentir que lhes satildeo comuns a cultura daacute agraves pessoas que integram uma determinada colectividade uma identidade coletiva numa linha de tradiccedilatildeo e memoacuteriardquo (REIMAtildeO 1996 314)

Para realizar sua criacutetica agrave narrativa herodotiana Plutarco afir-ma que em razatildeo de serem muitos os pontos passiacuteveis de questiona-mento empreenderaacute a anaacutelise das partes essenciais como indiacutecios de sua malicia pois se apontasse todas em suas palavras ldquonecessitaria de muitos livrosrdquo (πολλῶν ἂν βιβλίων δεήσειεν) (854F) A partir daiacute em um discurso impessoal de caraacuteter prescritivo e pedagoacutegico Plutarco estabelece um modelo (τύπῳ) com as marcas que paten-teiam a escrita de um malicioso O significado original do termo eacute marca como a deixada por uma mordida Por isso Plutarco afirma que pretende ldquoestabelececirc-las indiacutecios e sinais de sua narrativardquo (οἷον ἴχνη καὶ γνωρίσματα διηγήσεως) (855B) Para cada caracteriacutestica arrolada Plutarco cita um exemplo para facilitar a compreensatildeo do leitor aleacutem de reforccedilar o seu argumento seguindo a teacutecnica retoacuterica que persuade com a comprovaccedilatildeo do que foi afirmado sem observar a veracidade do afirmado mas sua verossimilhanccedila Vejamos agora uma das nove marcas instituiacutedas por Plutarco como exemplo para nossa teoria de que sua narrativa pretende recontar a histoacuteria de gre-gos e romanos de forma a apresentaacute-los de maneira honrosa

Do discurso malicioso

Dada a impossibilidade de expormos todas as marcas de um discurso malicioso apontados por Plutarco no decurso de seu trata-do selecionamos a primeira marca que nosso autor apresenta Como primeira caracteriacutestica de uma narrativa histoacuterica maliciosa Plutarco

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indica ldquoPrimeiro quem entatildeo utiliza os mais desgradaacuteveis nomes e frases quando se apresentam os mais convenientes em seu relato dos acontecimentos [] natildeo eacute beneacutevolo mas eacute como quem se delei-ta em detalhar o fatordquo (PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacute-doto 855B)

A escolha lexical para a composiccedilatildeo de um relato histoacuterico aparece como o primeiro elemento a ser observado nela pois se o historiador natildeo se mostra ldquobeneacutevolordquo (εὐμενής) isto eacute em esta-do de espiacuterito favoraacutevel ao que iraacute descrever ou ainda ldquobeneacutevolordquo no sentido de estar animado para o relato a tendecircncia eacute construir um discurso mal-intencionado sem preocupaccedilatildeo com a investiga-ccedilatildeo dos fatos contentado-se em satisfazer sua maacute intenccedilatildeo e redigir um relato que apresente detalhes que preencham sua descriccedilatildeo do acontecimento por isso Plutarco afirma ldquomas eacute como quem se de-leita em detalhar o fatordquo (ἀπολαύων τῷ dagger σοφῶς dagger διηγεῖσθαι τοῦ πράγματος) uma vez que o prazer da escrita desse historiador natildeo estaacute em apresentar os fatos como eles ocorreram mas em fundamen-tar sua intenccedilatildeo demonstrar como eacute conhecedor dos pormenores do ocorrido buscando a descriccedilatildeo de cada evento que constitui o fato

Eacute interessante notar que apoacutes seacuteculos dessa assertiva feita por Plutarco em anaacutelise sobre o conteuacutedo histoacuterico de sua escrita biograacute-fica Finley diraacute ldquoum Liacutevio ou um Plutarco escreveram de bom gra-do paacuteginas e paacuteginas a respeito de eventos passados sobre os quais natildeo tinham ou natildeo procuravam ter qualquer controlerdquo E Finley complementa ldquoAlgo mais que a inteligecircncia estava impliacutecito nessa atitude que no final das contas deve levar uma noccedilatildeo radicalmente diferente da nossa quanto agrave natureza e o propoacutesito do exerciacutecio histoacute-rico Somente Tuciacutedides reconheceu de maneira total e sistemaacutetica a existecircncia do dilema que ele resolveu de maneira insatisfatoacuteriardquo (FINLEY 1994 13) As conclusotildees de Finley seguem a corrente his-toriograacutefica que vecirc a escrita dos antigos desprovida de qualquer criteacute-rio no registro das informaccedilotildees como ocorre com a produccedilatildeo histoacuteri-ca a partir do seacuteculo XIX em oposiccedilatildeo a outra a qual me filio de que a escrita historiograacutefica surge com Hecateu de Mileto no seacuteculo VI aC e desde entatildeo vem se articulando e se desenvolvendo em torno dos preceitos instituiacutedos principalmente por Heroacutedoto e Tuciacutedides

Para validar sua afirmaccedilatildeo sobre a primeira marca de uma nar-rativa maliciosa Plutarco cita dois exemplos o de Niacutecias e o de Cleacuteon ambos encontrados na Histoacuteria da Guerra do Peloponeso de Tuciacutedides No primeiro caso o de Niacutecias observamos a criacutetica plutarquiana agrave escrita historiograacutefica tucididiana percebemos ateacute a repeticcedilatildeo das palavras de Tuciacutedides que assim o descreveu quando ocorreu um eclispe antes da partida da expediccedilatildeo contra Siracusa

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Mas depois de estar tudo pronto e quando se achavam na iminecircncia de par-tir ocorreu um eclipse da lua que na ocasiatildeo estava cheia A maioria dos atenienses preocupada com o fenocircmeno instou os comandantes a espera-rem O proacuteprio Niacutecias que se dedicava com certo exagero agrave advinhaccedilatildeo e praacuteticas similares recusou-se terminantemente ateacute a falar no assunto da retirada antes do decurso de trecircs vezes nove dias de acordo com as prescri-ccedilotildees dos adivinhos Essa foi a razatildeo pela qual os atenienses jaacute tatildeo atrasa-dos demoraram ainda mais a partir (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso VII 50)6

Note-se que Plutarco emprega a expressatildeo ldquotende em exces-so agrave supersticcedilatildeordquo (θειασμῷ προσκείμενον ἄγαν) (855B) e Tuciacutedi-des por sua vez utiliza ldquoque se dedicava com certo exagero agrave adi-vinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) respeitando as variaccedilotildees nas traduccedilotildees ressaltamos que o verbo o adveacuterbio e o substantivo satildeo os mesmos na liacutengua gre-ga Conforme vermos mais adiante Plutarco teceraacute elogios agrave escrita tucididiana quanto agrave sua parcimocircnia na descriccedilatildeo do caraacuteter de uma personagem histoacuterica o que nos permite afirmar que sua criacutetica a esse passo de Tuciacutedides destina-se ao modo como se escrevia a histoacuteria na Greacutecia antiga bem como demonstra a influecircncia da metodologia de Heroacutedoto na escrita tucididiana De sua criacutetica ainda depreendemos a evoluccedilatildeo da escrita da histoacuteria na Greacutecia claacutessica pois Tuciacutedides jaacute declara estar redigindo uma histoacuteria diferenciada por natildeo considerar relatos infudados como verificamos no passo a seguir

E quanto agraves accedilotildees que foram praticadas na guerra decidi registrar natildeo as que conhecia por uma informaccedilatildeo casual nem segundo conjectura minha mas somente aquelas que eu proacuteprio presenciara e depois de ter pesquisado a fundo sobre cada uma junto de outros com a maior exatidatildeo possiacutevel (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso I 22)7

Portanto embora a histoacuteria tucididiana apresente progressos em relaccedilatildeo agrave produzida por seus antecessores como demonstra Plu-tarco tambeacutem apresenta pontos que satildeo passiacuteveis de criacuteticas nos quais no seu entedimento Da Maliacutecia se faz presente No entanto verificamos sua contradiccedilatildeo na biografia de Niacutecias Plutarco citando o mesmo passo de Tuciacutedides elabora um breve comentaacuterio sobre o caraacuteter do liacuteder ateniense concordando com a mesma afirmaccedilatildeo do historiador ateniense ldquoMas quanto ao resto do comportamento e ca-raacuteter do homem pode-se acreditar que certa piedade eacute resultado para tal graccedila e arte de conduzir o povo pois era fortemente tomado pela

6 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

7 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

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Page 8: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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indica ldquoPrimeiro quem entatildeo utiliza os mais desgradaacuteveis nomes e frases quando se apresentam os mais convenientes em seu relato dos acontecimentos [] natildeo eacute beneacutevolo mas eacute como quem se delei-ta em detalhar o fatordquo (PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacute-doto 855B)

A escolha lexical para a composiccedilatildeo de um relato histoacuterico aparece como o primeiro elemento a ser observado nela pois se o historiador natildeo se mostra ldquobeneacutevolordquo (εὐμενής) isto eacute em esta-do de espiacuterito favoraacutevel ao que iraacute descrever ou ainda ldquobeneacutevolordquo no sentido de estar animado para o relato a tendecircncia eacute construir um discurso mal-intencionado sem preocupaccedilatildeo com a investiga-ccedilatildeo dos fatos contentado-se em satisfazer sua maacute intenccedilatildeo e redigir um relato que apresente detalhes que preencham sua descriccedilatildeo do acontecimento por isso Plutarco afirma ldquomas eacute como quem se de-leita em detalhar o fatordquo (ἀπολαύων τῷ dagger σοφῶς dagger διηγεῖσθαι τοῦ πράγματος) uma vez que o prazer da escrita desse historiador natildeo estaacute em apresentar os fatos como eles ocorreram mas em fundamen-tar sua intenccedilatildeo demonstrar como eacute conhecedor dos pormenores do ocorrido buscando a descriccedilatildeo de cada evento que constitui o fato

Eacute interessante notar que apoacutes seacuteculos dessa assertiva feita por Plutarco em anaacutelise sobre o conteuacutedo histoacuterico de sua escrita biograacute-fica Finley diraacute ldquoum Liacutevio ou um Plutarco escreveram de bom gra-do paacuteginas e paacuteginas a respeito de eventos passados sobre os quais natildeo tinham ou natildeo procuravam ter qualquer controlerdquo E Finley complementa ldquoAlgo mais que a inteligecircncia estava impliacutecito nessa atitude que no final das contas deve levar uma noccedilatildeo radicalmente diferente da nossa quanto agrave natureza e o propoacutesito do exerciacutecio histoacute-rico Somente Tuciacutedides reconheceu de maneira total e sistemaacutetica a existecircncia do dilema que ele resolveu de maneira insatisfatoacuteriardquo (FINLEY 1994 13) As conclusotildees de Finley seguem a corrente his-toriograacutefica que vecirc a escrita dos antigos desprovida de qualquer criteacute-rio no registro das informaccedilotildees como ocorre com a produccedilatildeo histoacuteri-ca a partir do seacuteculo XIX em oposiccedilatildeo a outra a qual me filio de que a escrita historiograacutefica surge com Hecateu de Mileto no seacuteculo VI aC e desde entatildeo vem se articulando e se desenvolvendo em torno dos preceitos instituiacutedos principalmente por Heroacutedoto e Tuciacutedides

Para validar sua afirmaccedilatildeo sobre a primeira marca de uma nar-rativa maliciosa Plutarco cita dois exemplos o de Niacutecias e o de Cleacuteon ambos encontrados na Histoacuteria da Guerra do Peloponeso de Tuciacutedides No primeiro caso o de Niacutecias observamos a criacutetica plutarquiana agrave escrita historiograacutefica tucididiana percebemos ateacute a repeticcedilatildeo das palavras de Tuciacutedides que assim o descreveu quando ocorreu um eclispe antes da partida da expediccedilatildeo contra Siracusa

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Mas depois de estar tudo pronto e quando se achavam na iminecircncia de par-tir ocorreu um eclipse da lua que na ocasiatildeo estava cheia A maioria dos atenienses preocupada com o fenocircmeno instou os comandantes a espera-rem O proacuteprio Niacutecias que se dedicava com certo exagero agrave advinhaccedilatildeo e praacuteticas similares recusou-se terminantemente ateacute a falar no assunto da retirada antes do decurso de trecircs vezes nove dias de acordo com as prescri-ccedilotildees dos adivinhos Essa foi a razatildeo pela qual os atenienses jaacute tatildeo atrasa-dos demoraram ainda mais a partir (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso VII 50)6

Note-se que Plutarco emprega a expressatildeo ldquotende em exces-so agrave supersticcedilatildeordquo (θειασμῷ προσκείμενον ἄγαν) (855B) e Tuciacutedi-des por sua vez utiliza ldquoque se dedicava com certo exagero agrave adi-vinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) respeitando as variaccedilotildees nas traduccedilotildees ressaltamos que o verbo o adveacuterbio e o substantivo satildeo os mesmos na liacutengua gre-ga Conforme vermos mais adiante Plutarco teceraacute elogios agrave escrita tucididiana quanto agrave sua parcimocircnia na descriccedilatildeo do caraacuteter de uma personagem histoacuterica o que nos permite afirmar que sua criacutetica a esse passo de Tuciacutedides destina-se ao modo como se escrevia a histoacuteria na Greacutecia antiga bem como demonstra a influecircncia da metodologia de Heroacutedoto na escrita tucididiana De sua criacutetica ainda depreendemos a evoluccedilatildeo da escrita da histoacuteria na Greacutecia claacutessica pois Tuciacutedides jaacute declara estar redigindo uma histoacuteria diferenciada por natildeo considerar relatos infudados como verificamos no passo a seguir

E quanto agraves accedilotildees que foram praticadas na guerra decidi registrar natildeo as que conhecia por uma informaccedilatildeo casual nem segundo conjectura minha mas somente aquelas que eu proacuteprio presenciara e depois de ter pesquisado a fundo sobre cada uma junto de outros com a maior exatidatildeo possiacutevel (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso I 22)7

Portanto embora a histoacuteria tucididiana apresente progressos em relaccedilatildeo agrave produzida por seus antecessores como demonstra Plu-tarco tambeacutem apresenta pontos que satildeo passiacuteveis de criacuteticas nos quais no seu entedimento Da Maliacutecia se faz presente No entanto verificamos sua contradiccedilatildeo na biografia de Niacutecias Plutarco citando o mesmo passo de Tuciacutedides elabora um breve comentaacuterio sobre o caraacuteter do liacuteder ateniense concordando com a mesma afirmaccedilatildeo do historiador ateniense ldquoMas quanto ao resto do comportamento e ca-raacuteter do homem pode-se acreditar que certa piedade eacute resultado para tal graccedila e arte de conduzir o povo pois era fortemente tomado pela

6 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

7 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

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Page 9: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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Mas depois de estar tudo pronto e quando se achavam na iminecircncia de par-tir ocorreu um eclipse da lua que na ocasiatildeo estava cheia A maioria dos atenienses preocupada com o fenocircmeno instou os comandantes a espera-rem O proacuteprio Niacutecias que se dedicava com certo exagero agrave advinhaccedilatildeo e praacuteticas similares recusou-se terminantemente ateacute a falar no assunto da retirada antes do decurso de trecircs vezes nove dias de acordo com as prescri-ccedilotildees dos adivinhos Essa foi a razatildeo pela qual os atenienses jaacute tatildeo atrasa-dos demoraram ainda mais a partir (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso VII 50)6

Note-se que Plutarco emprega a expressatildeo ldquotende em exces-so agrave supersticcedilatildeordquo (θειασμῷ προσκείμενον ἄγαν) (855B) e Tuciacutedi-des por sua vez utiliza ldquoque se dedicava com certo exagero agrave adi-vinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) respeitando as variaccedilotildees nas traduccedilotildees ressaltamos que o verbo o adveacuterbio e o substantivo satildeo os mesmos na liacutengua gre-ga Conforme vermos mais adiante Plutarco teceraacute elogios agrave escrita tucididiana quanto agrave sua parcimocircnia na descriccedilatildeo do caraacuteter de uma personagem histoacuterica o que nos permite afirmar que sua criacutetica a esse passo de Tuciacutedides destina-se ao modo como se escrevia a histoacuteria na Greacutecia antiga bem como demonstra a influecircncia da metodologia de Heroacutedoto na escrita tucididiana De sua criacutetica ainda depreendemos a evoluccedilatildeo da escrita da histoacuteria na Greacutecia claacutessica pois Tuciacutedides jaacute declara estar redigindo uma histoacuteria diferenciada por natildeo considerar relatos infudados como verificamos no passo a seguir

E quanto agraves accedilotildees que foram praticadas na guerra decidi registrar natildeo as que conhecia por uma informaccedilatildeo casual nem segundo conjectura minha mas somente aquelas que eu proacuteprio presenciara e depois de ter pesquisado a fundo sobre cada uma junto de outros com a maior exatidatildeo possiacutevel (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso I 22)7

Portanto embora a histoacuteria tucididiana apresente progressos em relaccedilatildeo agrave produzida por seus antecessores como demonstra Plu-tarco tambeacutem apresenta pontos que satildeo passiacuteveis de criacuteticas nos quais no seu entedimento Da Maliacutecia se faz presente No entanto verificamos sua contradiccedilatildeo na biografia de Niacutecias Plutarco citando o mesmo passo de Tuciacutedides elabora um breve comentaacuterio sobre o caraacuteter do liacuteder ateniense concordando com a mesma afirmaccedilatildeo do historiador ateniense ldquoMas quanto ao resto do comportamento e ca-raacuteter do homem pode-se acreditar que certa piedade eacute resultado para tal graccedila e arte de conduzir o povo pois era fortemente tomado pela

6 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

7 Traduccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

9 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

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admiraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeo como afirma Tuciacutedidesrdquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias IV 1-2)

Eacute interessante notar que Plutarco serve-se do mesmo passo tucididiano para explicar as accedilotildees de Niacutecias e que utiliza a mesma expressatildeo por ele criticada no tratado em pauta com variaccedilatildeo apenas no adveacuterbio pois Tuciacutedides usa aacutegan (ἄγαν) e nosso autor sphoacutedra (σφόδρα) ambos conferindo intensidade ao verbo Entatildeo Plutarco quando esclarece as razotildees do comportamento e do caraacuteter do liacuteder ateniense empregando a frase ldquopois era fortemente tomado pela ad-miraccedilatildeo das coisas divinas e apegado agrave supersticcedilatildeordquo (σφόδρα γὰρ ἦν τῶν ἐκπεπληγμένων τὰ δαιμόνια καὶ θειασμῷ προσκείμενος) aceita o relato tucididiano de que o poliacutetico ateniense ldquose dedica-va com certo exagero agrave adivinhaccedilatildeo e praacuteticas similaresrdquo (ἄγαν θειασμῷ τε καὶ τῷ τοιούτῳ προσκείμενος) Tal contradiccedilatildeo reite-ra nossa visatildeo de que Tuciacutedides pertence a um grupo de historiadores gregos que se distingue do de Heroacutedoto mas ainda apresenta traccedilos que o vincula aos seus antecessores Igualmente reforccedila nossa afir-maccedilatildeo de que Plutarco busca em Da Maliacutecia de Heroacutedoto redesenhar a imagem dos liacutederes gregos com intuito de contestar as criacuteticas de seu tempo aos seus antepassados pois ainda que critique a escolha lexical de Tuciacutedides no tratado em epiacutegrafe tece na biografia de Niacute-cias comentaacuterios elogiosos agrave escrita do historiador ateniense

Porque em suas narrativas Tuciacutedides foi aleacutem dele mesmo nelas sendo mais sensiacutevel claro e artiacutestico que produziu de modo inimitaacutevel em nada ultrapassaacute-lo noacutes tentamos tal o infortuacutenio com Timeu que esperou ultra-passar Tuciacutedides em habilidade (Vida de Niacutecias I 1)

O segundo exemplo citado por Plutarco para a escolha dos no-mes foi a contenda na tribuna entre Cleacuteon e Niacutecias narrada por Tuciacute-dides no quarto livro de sua obra em que descreve o debate entre os liacutederes atenienses quando da partida da esquadra ateniense para a ci-dade de Pilos e Plutarco critica o historiador por registrar que Cleoacuten foi motivo de riso por sua falaacutecia (κουφολογίαν) sendo que pode-ria ter destacado sua ldquoaudaacutecia e paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) Nosso autor se refere ao evento assim narrado por Tuciacutedides

Com estes juntos agraves tropas jaacute estacionadas em Pilos ele prometeu que dentro de vinte dias traria para Atenas os lacedemocircnios vivos ou os mataria no cam-po de batalha Ouvindo essa leviandade os atenienses comeccedilaram a rir mas apesar disto os cidadatildeos sensatos ficaram alegres pois raciocinaram que ob-teriam uma de duas coisas boas ou se livrariam de Clecircon (esta era a preferecircn-cia deles) ou se ficassem desapontados quanto a isso teriam os lacedemocircnios em suas matildeo (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)8

8 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

9 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo de Anto-nio C Godoy Curitiba Juruaacute 2002

HEROcircDOTOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora da Universidade de Brasiacutelia 1988

PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacutedoto Estudo traduccedilatildeo e notas de Maria Aparecida de Oliveira Silva Satildeo Paulo Edusp (no prelo)

PLUTARCH Life of Nicias Lives Vol III Translated by Berna-dotte Perrin CambridgeMassachusettsLondon Harvard

On Exile Moralia Vol VII Translated by Phillip H de Lacy amp Benedict Einarson CambridgeMassachusettsLondon Har-vard University Press 1959

Precepts of Statecraft Moralia Vol X Translated by Harold North Fowler CambridgeMassachusettsLondon Harvard University Press 2002

The Ancient Customs of the Spartans Moralia Vol III Translated by Frank Cole Babbitt CambridgeMassachusettsLon-don Harvard University Press 2004

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POLIacuteBIOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1985

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1982

Histoacuteria da Guerra do Peloponeso ndash Livro I Traduccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado Texto grego estabelecido por Jacqueline de Romilly Satildeo Paulo Martins Fontes 2008

Bibliografia citada

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FINLEY Moses I Histoacuteria Antiga Testemunhos e Modelos Tra-duccedilatildeo de Valter Lellis Siqueira Satildeo Paulo Martins Fontes 1994 original de 1985

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KEPPIE Lawrence The Making of the Roman Army from Repu-blic to Empire London Routledge 1998

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REIMAtildeO Cassiano A Cultura enquanto Suporte de Identidade de Tradiccedilatildeo e de Memoacuteria Revista da Faculdade de Ciecircncias Sociais e Humanas Identidade Tradiccedilatildeo e Memoacuteria Actas do 1ordm Coloacute-quio Interdisciplinar da Faculdade de Ciecircncias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Lisboa n 9 p 309-322 1996

ROMILLY Jacqueline A Trageacutedia Grega Traduccedilatildeo de Leonor Santa Baacuterbara a partir da 6ordf ediccedilatildeo francesa de 1997 Lisboa Anos 70 2008

RUIZ CASTELLANOS Antonio Plutarco Vida de Pompeyo Bio-grafia e Teoriacutea Cognitiva In MONTES CALA Joseacute G ORTIZ DE LANDALUCE Manuel S amp GALLEacute CEJUDO Rafael J (Eds) Plutarco Dioniso y el Vino Actas del IV Simposio Espantildeol sobre Plutarco Caacutediz 14-16 de Mayo de 1998 Ediciones Claacutessicas Ce-judo p 447-462 1999

RUSSELL Donald A Plutarch Great Britain New York Charles Scribnerrsquos 1973

SCARDIGLI Barbara Die Roumlmerbiographien Plutarchs ein forschungsbericht Muumlnchen Verlag C H Beck 1979

SCHLOumlGL Albert Heroacutedoto Traduccioacuten Javier Alonso Loacutepez Madrid Alderaban 2000

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SILVA Maria A O Plutarco e os Romanos In FUNARI Pedro P A amp (Orgs) Poliacuteticas e Identidade no Mundo Antigo Satildeo Paulo Annablume p 163-178 2009

Plutarco e a Praacutetica do Suborno na Atenas de Peacutericlesrdquo In CERQUEIRA Faacutebio V NOBRE Chimene K GONCcedilALVES Ana T M SILVA Glaydson J amp VARGAS Anderson Z (Orgs) Guer-ra e Paz no Mundo Antigo Pelotas Laboratoacuterio de Antropologia e ArqueologiaUFPel p 185-201 2007

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Page 11: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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Notamos mais uma vez que Plutarco repete o termo registra-do por Tuciacutedides a saber ldquofalaacuteciardquo (kouphologiacutea) a diferenccedila por exigecircncia da construccedilatildeo da frase eacute que aquele a emprega no acusati-vo kouphologiacutean (κουφολογίαν) enquanto este no dativo koupho-logiacuteai (κουφολογίᾳ) respeitando a sintaxe Diante do exposto Da Maliacutecia de um historiador natildeo estaacute restrita a Heroacutedoto tambeacutem Tu-ciacutedides mesmo elogiado nas paacuteginas seguintes conforme veremos escreveu de maneira maliciosa vendo ldquoo pior em tudordquo Plutarco assim apresenta-nos falhas no relato tucididiano que o aproximam de Heroacutedoto em certos momentos Segundo Momigliano a criacutetica plutarquiana dirigida a Heroacutedoto neste tratado demonstra que a ques-tatildeo principal para Plutarco eacute que a histoacuteria deve ser algo racional e que nosso autor segue a tradiccedilatildeo instituiacuteda por Eacuteforo que ldquoiniciou o padratildeo que prevaleceu ateacute nossos dias de lsquolivros feitos de livrosrsquo isto eacute de compilaccedilatildeordquo (MOMIGLIANO 1981 195) Os comentaacute-rios de Heroacutedoto e Tuciacutedides apontam as opinotildees desses atores sobre uma determinada personagem que natildeo encontram respaldo na docu-mentaccedilatildeo assim seus relatos sustentam-se por aquilo que eles jul-gam ter ocorrido Desse modo mesmo afirmando que se distancia da metodologia dos antigos Tuciacutedides ainda nos revela reminiscecircncias do fazer histoacuterico daqueles que natildeo escapam ao crivo de Plutarco

No entanto a nosso ver a questatildeo da criacutetica ao fazer histoacuterico desses autores aparece como um pretexto de Plutarco para descons-truir imagens desfavoraacuteveis aos gregos que fortaleciam os discur-sos criacuteticos do presente aos seus antepassados aos gregos Essa eacute a nossa teoria visatildeo que rege a escrita deste trabalho tendo como premissa a noccedilatildeo de que Plutarco edifica um discurso favoraacutevel aos gregos para redimensionar o olhar do romano sobre seu passado e desconstruir discursos negativos sobre os gregos de seu tempo com intuito de fortalecer a identidade grega no Impeacuterio O episoacutedio em pauta eacute um exemplo disso Vejamos

Notando que os atenienses comeccedilavam a agitar-se contra Clecircon e pergun-tavam por que ele natildeo embarcava imediatamente se a accedilatildeo lhe parecia tatildeo faacutecil e vendo-se ameaccedilado de cair em desgraccedila Niacutecias disse-lhe para levar as forccedilas que desejasse e que tanto quanto dependesse dos comandantes ele poderia fazer a tentativa Clecircon a princiacutepio mostrou-se disposto a partir pensando que somente na aparecircncia Niacutecias lhe oferecia o comando quando percebeu todavia que Niacutecias relamente desejava transmitir-lhe o comando tentou recuar dizendo que o comandante natildeo era ele e sim Niacutecias Clecircon ficou alarmado naquele momento pois nunca pensara que Niacutecias chegas-se ao ponto de desistir para ceder-lhe lugar [] Assim sem saber como desvencilhar-se de sua proposta Clecircon resolveu empreender a expediccedilatildeo e subindo agrave tribuna declarou que natildeo temia os lacedemocircnios e partiria sem levar um uacutenico soldado ateniense consigo mas somente as tropas lecircmnias e

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

SILVA Maria Aparecida de Oliveira Da Maliacutecia de Heroacutedoto discurso e resis-tecircncia cultural em Plutarco

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo de Anto-nio C Godoy Curitiba Juruaacute 2002

HEROcircDOTOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora da Universidade de Brasiacutelia 1988

PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacutedoto Estudo traduccedilatildeo e notas de Maria Aparecida de Oliveira Silva Satildeo Paulo Edusp (no prelo)

PLUTARCH Life of Nicias Lives Vol III Translated by Berna-dotte Perrin CambridgeMassachusettsLondon Harvard

On Exile Moralia Vol VII Translated by Phillip H de Lacy amp Benedict Einarson CambridgeMassachusettsLondon Har-vard University Press 1959

Precepts of Statecraft Moralia Vol X Translated by Harold North Fowler CambridgeMassachusettsLondon Harvard University Press 2002

The Ancient Customs of the Spartans Moralia Vol III Translated by Frank Cole Babbitt CambridgeMassachusettsLon-don Harvard University Press 2004

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POLIacuteBIOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1985

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1982

Histoacuteria da Guerra do Peloponeso ndash Livro I Traduccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado Texto grego estabelecido por Jacqueline de Romilly Satildeo Paulo Martins Fontes 2008

Bibliografia citada

CORREcircA Paula da C Armas e Varotildees a Guerra na Liacuterica de Arquiacuteloco de Paros Satildeo Paulo Editora da Unesp 1998

DURAacuteN LOacutePEZ Mariacutea A Plutarco Ciudadano Griego y Suacutebdito Romano In DE BLOIS Lukas JEROEN Bons KESSELS Ton amp SCHENKEVELD Dirk M (Eds) Vol I Plutarchrsquos Stateman and his Aftermath Political Philosophical and Literary Aspects Pro-ceedings of the Sixth Internacional Conference of the International Plutarch Society NijmegenCastle Hernen May 1-5 2002rdquo Mne-mosyne Suplementum [si] v 250 p 33-41 2004

FINLEY Moses I Histoacuteria Antiga Testemunhos e Modelos Tra-duccedilatildeo de Valter Lellis Siqueira Satildeo Paulo Martins Fontes 1994 original de 1985

Politics in the Ancient World Cambridge Cambridge Uni-versity Press 1996

FORREST Willian G Herodotus and Athens Phoenix [si] v 38 p 1-11 1984

GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN Francisco J Los Liacutemites de Grecia en la Geografiacutea Griega In LOacutePEZ BARJA Pedro amp REBOREDA MO-RILLO Susana (Eds) Fronteras e Identidad em el Mundo Grie-go Antiguo III Reunioacuten de Historiadores (Satinago-Trasalba 25-27 de septiembre de 2000) Santiago de Compostela Universidade de Santiago de Compostela e Universidade de Vigo p 87-105 2001

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GOZZOLI Sandra Fondamenti Ideali e Pratica Poliacutetica del Proces-so di Romanizzazione nelle Provincie Athenaeum [si] v 75 n 1-2 p 81-108 1987

KEPPIE Lawrence The Making of the Roman Army from Repu-blic to Empire London Routledge 1998

KRAAY Colin M Archaic and Classical Greek Coins London Methuen 1976

MOMIGLIANO Arnaldo Histoacuteria e Biografia In FINLEY Mo-ses I (Ed) O Legado da Greacutecia uma Nova Avaliaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Yvette Veira Pinto de Almeida Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia p 185-210 1998

The Development of Greek Biography CambridgeMassa-chusettsLondon Harvard University Press 1993

REIMAtildeO Cassiano A Cultura enquanto Suporte de Identidade de Tradiccedilatildeo e de Memoacuteria Revista da Faculdade de Ciecircncias Sociais e Humanas Identidade Tradiccedilatildeo e Memoacuteria Actas do 1ordm Coloacute-quio Interdisciplinar da Faculdade de Ciecircncias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Lisboa n 9 p 309-322 1996

ROMILLY Jacqueline A Trageacutedia Grega Traduccedilatildeo de Leonor Santa Baacuterbara a partir da 6ordf ediccedilatildeo francesa de 1997 Lisboa Anos 70 2008

RUIZ CASTELLANOS Antonio Plutarco Vida de Pompeyo Bio-grafia e Teoriacutea Cognitiva In MONTES CALA Joseacute G ORTIZ DE LANDALUCE Manuel S amp GALLEacute CEJUDO Rafael J (Eds) Plutarco Dioniso y el Vino Actas del IV Simposio Espantildeol sobre Plutarco Caacutediz 14-16 de Mayo de 1998 Ediciones Claacutessicas Ce-judo p 447-462 1999

RUSSELL Donald A Plutarch Great Britain New York Charles Scribnerrsquos 1973

SCARDIGLI Barbara Die Roumlmerbiographien Plutarchs ein forschungsbericht Muumlnchen Verlag C H Beck 1979

SCHLOumlGL Albert Heroacutedoto Traduccioacuten Javier Alonso Loacutepez Madrid Alderaban 2000

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SILVA Maria A O Plutarco e os Romanos In FUNARI Pedro P A amp (Orgs) Poliacuteticas e Identidade no Mundo Antigo Satildeo Paulo Annablume p 163-178 2009

Plutarco e a Praacutetica do Suborno na Atenas de Peacutericlesrdquo In CERQUEIRA Faacutebio V NOBRE Chimene K GONCcedilALVES Ana T M SILVA Glaydson J amp VARGAS Anderson Z (Orgs) Guer-ra e Paz no Mundo Antigo Pelotas Laboratoacuterio de Antropologia e ArqueologiaUFPel p 185-201 2007

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Page 12: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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iacutembrias que estavam em Atenas e um batalhatildeo de peltastas vindo de Enos aleacutem de quatrocentos archeiros de outros lugares (TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso IV 28)9

No trecho acima transcrito Tuciacutedides representa uma cidade

desprovida de generais corajosos e resolutos que apenas discursam em Assembleia para exibir uma imagem falsa de suas personalida-des aos cidadatildeos Vemos Cleacuteon e Niacutecias temerosos e reticentes em assumir o comando de uma expediccedilatildeo para uma batalha contra os lacedemocircnios que o proacuteprio Tuciacutedides declara ser faacutecil de fato os atenienses venceram com tranquilidade os lacedemocircnios em Pilos no ano de 425 aC conforme relata no quarto livro dos capiacutetulos trecircs ao quatorze Ora para o cidadatildeo que pertenece a um Impeacuterio marcado por inuacutemeros generais comandantes e imperadores deste-midos que enfrentaram natildeo somente inimigos conhecidos mas tam-beacutem ultrapassaram difiacuteceis barreiras contra cartagineses gauleses daacutecios e outros o relato tucididiano coloca os gregos em posiccedilatildeo inferior demonstrando-os despreparados para o comando o que re-forccedila e justifica a sua condiccedilatildeo de conquistado no Impeacuterio romano

Natildeo por acaso Plutarco principia a biografia de Niacutecias anun-ciando que iraacute comparar o desastre da expediccedilatildeo militar da Siciacutelia ocorrido sob seu comando com o fiasco militar de Crasso na guerra da Paacutertia ldquoPlutarco assim inicia sua narrativa lsquoVisto que natildeo nos parece absurdo comparar Crasso a Niacutecias e os infortuacutenios da Paacutertia aos da Siciacuteliardquo (PLUTARCO Vida de Niacutecias I 1)

Mas seraacute em seu paralelo entre o grego e o romano que nosso autor emitiraacute suas conclusotildees sobre suas habilidades militares

Nas accedilotildees militares de Niacutecias natildeo haacute pouca nobreza pois venceu os ini-migos em muitas batalhas faltou pouco para que tomasse a Siciacutelia e natildeo muito por causa dele se perdeu mas pode-se culpar a peste e a inveja dos concidadatildeos Crasso pelos muitos erros cometidos nem com a fortuna pre-sente algo valioso pocircde mostrar de modo a se admirar sua tolice natildeo com potencial para que fossem derrotado pelos partos mas porque a fortuna dos romanos era superior(PLUTARCO Comparaccedilatildeo de Niacutecias e Crasso V 1-2)

Desse discurso plutarquiano alguns pontos merecem ser apontados primeiro sua intenccedilatildeo de demonstrar que os romanos tambeacutem conheceram revezes militares por conta de comandantes incapacitados segundo suas explicaccedilotildees para o insucesso do ge-neral ateniense e por uacuteltimo sua aceitaccedilatildeo da visatildeo romana de que

9 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo de Anto-nio C Godoy Curitiba Juruaacute 2002

HEROcircDOTOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora da Universidade de Brasiacutelia 1988

PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacutedoto Estudo traduccedilatildeo e notas de Maria Aparecida de Oliveira Silva Satildeo Paulo Edusp (no prelo)

PLUTARCH Life of Nicias Lives Vol III Translated by Berna-dotte Perrin CambridgeMassachusettsLondon Harvard

On Exile Moralia Vol VII Translated by Phillip H de Lacy amp Benedict Einarson CambridgeMassachusettsLondon Har-vard University Press 1959

Precepts of Statecraft Moralia Vol X Translated by Harold North Fowler CambridgeMassachusettsLondon Harvard University Press 2002

The Ancient Customs of the Spartans Moralia Vol III Translated by Frank Cole Babbitt CambridgeMassachusettsLon-don Harvard University Press 2004

SILVA Maria Aparecida de Oliveira Da Maliacutecia de Heroacutedoto discurso e resis-tecircncia cultural em Plutarco

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POLIacuteBIOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1985

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1982

Histoacuteria da Guerra do Peloponeso ndash Livro I Traduccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado Texto grego estabelecido por Jacqueline de Romilly Satildeo Paulo Martins Fontes 2008

Bibliografia citada

CORREcircA Paula da C Armas e Varotildees a Guerra na Liacuterica de Arquiacuteloco de Paros Satildeo Paulo Editora da Unesp 1998

DURAacuteN LOacutePEZ Mariacutea A Plutarco Ciudadano Griego y Suacutebdito Romano In DE BLOIS Lukas JEROEN Bons KESSELS Ton amp SCHENKEVELD Dirk M (Eds) Vol I Plutarchrsquos Stateman and his Aftermath Political Philosophical and Literary Aspects Pro-ceedings of the Sixth Internacional Conference of the International Plutarch Society NijmegenCastle Hernen May 1-5 2002rdquo Mne-mosyne Suplementum [si] v 250 p 33-41 2004

FINLEY Moses I Histoacuteria Antiga Testemunhos e Modelos Tra-duccedilatildeo de Valter Lellis Siqueira Satildeo Paulo Martins Fontes 1994 original de 1985

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The Development of Greek Biography CambridgeMassa-chusettsLondon Harvard University Press 1993

REIMAtildeO Cassiano A Cultura enquanto Suporte de Identidade de Tradiccedilatildeo e de Memoacuteria Revista da Faculdade de Ciecircncias Sociais e Humanas Identidade Tradiccedilatildeo e Memoacuteria Actas do 1ordm Coloacute-quio Interdisciplinar da Faculdade de Ciecircncias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Lisboa n 9 p 309-322 1996

ROMILLY Jacqueline A Trageacutedia Grega Traduccedilatildeo de Leonor Santa Baacuterbara a partir da 6ordf ediccedilatildeo francesa de 1997 Lisboa Anos 70 2008

RUIZ CASTELLANOS Antonio Plutarco Vida de Pompeyo Bio-grafia e Teoriacutea Cognitiva In MONTES CALA Joseacute G ORTIZ DE LANDALUCE Manuel S amp GALLEacute CEJUDO Rafael J (Eds) Plutarco Dioniso y el Vino Actas del IV Simposio Espantildeol sobre Plutarco Caacutediz 14-16 de Mayo de 1998 Ediciones Claacutessicas Ce-judo p 447-462 1999

RUSSELL Donald A Plutarch Great Britain New York Charles Scribnerrsquos 1973

SCARDIGLI Barbara Die Roumlmerbiographien Plutarchs ein forschungsbericht Muumlnchen Verlag C H Beck 1979

SCHLOumlGL Albert Heroacutedoto Traduccioacuten Javier Alonso Loacutepez Madrid Alderaban 2000

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Plutarco e a Praacutetica do Suborno na Atenas de Peacutericlesrdquo In CERQUEIRA Faacutebio V NOBRE Chimene K GONCcedilALVES Ana T M SILVA Glaydson J amp VARGAS Anderson Z (Orgs) Guer-ra e Paz no Mundo Antigo Pelotas Laboratoacuterio de Antropologia e ArqueologiaUFPel p 185-201 2007

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Page 13: RESUMO -   · PDF fileEle explica porque é que o gênero trágico está associado ao desenvolvimento político. E explica o lugar que ... (ROMILLY, 2008: 16-17). Des

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a Fortuna lhes era favoraacutevel A potencialidade dessa concepccedilatildeo de que a fortuna romana respondia pelos sucessos militares dos roma-nos eacute apreendida em vaacuterios relatos Destacamos aqui o de Poliacutebio pois embora o historiador tenha elaborado sua tese de que o po-derio romano estava na natureza de sua constituiccedilatildeo como vemos no sexto livro de sua Histoacuteria no livro XXIX cai em contradiccedilatildeo quando demonstra que a Fortuna foi decisiva para a constituiccedilatildeo do Impeacuterio em cinquenta anos concordando com o seguinte pensa-mento de Demeacutetrio de Falero

E assim Perseus relembrava muitas vezes e com amargura as palavras de Demeacutetrios de Faacuteleron10 No seu tratado Sobre a Sorte desejando dar aos homens um exemplo da mutabilidade da Sorte ele lhes pede para lembra-rem a eacutepoca em que Alexandre conquistou o impeacuterio persa e diz o seguinte ldquoSe considerardes natildeo o tempo infinito nem numerosas geraccedilotildees mas ape-nas os uacuteltimos cinquenta anos percebereis neles toda a crueldade da Sorte Pergunto-vos pensais que haacute cinquenta anos os persas e os reis dos persas ou os macedocircnios e os reis dos macedocircnios se um deus lhes houvesse revelado o futuro jamais teriam acreditado que na eacutepoca atual o proacuteprio nome dos persas haveria desaparecido completamente ndash os persas que fo-ram senhores de quase todo o mundo ndash e que os macedocircnios cujo nome era antes quase desconhecido seriam agora senhores de todo ele Mas isso natildeo obstante a Sorte que nunca se compromete definitivamente agrave nossa vida que sempre engana as nossas previsotildees inovando incessantemente que sempre demonstra o seu poder frustrando as nossas expectativas agora tambeacutem segundo me parece mostra claramente a todos os homens entre-gando aos macedocircnios todas as riquezas dos persas que ela apenas lhes empresta esses bens ateacute querer dar-lhes um destino diferenterdquo E isso acon-teceu agora com Perseus Com certeza Demeacutetrios proferiu essas palavras sobre o futuro como se falasse pela boca de um deus E eu escrevendo e refletindo na eacutepoca do aniquilamento da monarquia macedocircnia natildeo julguei acertado passar por esse evento sem um comentaacuterio pois o presenciei com os meus proacuteprios olhos e pensei que me cumpria tambeacutem fazer algumas observaccedilotildees compatiacuteveis com a ocasiatildeo apoacutes relembrar as palavras de De-meacutetrios (POLIacuteBIO Histoacuteria XXIX 21)11

O comentaacuterio de Poliacutebio revela a importacircncia da Fortuna para a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de impeacuterios e atesta sua participaccedilatildeo na constituiccedilatildeo do impeacuterio romano pois foram os romanos que des-truiacuteram o poderio dos macedocircnios e que o historiador presenciou A reflexatildeo de Poliacutebio reforccedila a teoria sobre sua visatildeo ciacuteclica da histoacute-

10 N T Demeacutetrio de Faacuteleron que governou Atenas entre 317 e 307 aC sob a pro-teccedilatildeo do rei Macedocircnio Caacutessandros foi disciacutepulo de Tecircofrastos na escola peripa-teacutetica e escreveu obras de teor variado das quais nos restam numerosos fragmen-tos A melhor ediccedilatildeo desses fragmentos eacute a de Wehrli na coleccedilatildeo Die Schule des Aristoteles Basel 1968 fasciacuteculo IV

11 Traduccedilatildeo de Maacuterio da Gama Kury

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

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PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacutedoto Estudo traduccedilatildeo e notas de Maria Aparecida de Oliveira Silva Satildeo Paulo Edusp (no prelo)

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The Ancient Customs of the Spartans Moralia Vol III Translated by Frank Cole Babbitt CambridgeMassachusettsLon-don Harvard University Press 2004

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POLIacuteBIOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1985

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1982

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Bibliografia citada

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GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN Francisco J Los Liacutemites de Grecia en la Geografiacutea Griega In LOacutePEZ BARJA Pedro amp REBOREDA MO-RILLO Susana (Eds) Fronteras e Identidad em el Mundo Grie-go Antiguo III Reunioacuten de Historiadores (Satinago-Trasalba 25-27 de septiembre de 2000) Santiago de Compostela Universidade de Santiago de Compostela e Universidade de Vigo p 87-105 2001

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The Development of Greek Biography CambridgeMassa-chusettsLondon Harvard University Press 1993

REIMAtildeO Cassiano A Cultura enquanto Suporte de Identidade de Tradiccedilatildeo e de Memoacuteria Revista da Faculdade de Ciecircncias Sociais e Humanas Identidade Tradiccedilatildeo e Memoacuteria Actas do 1ordm Coloacute-quio Interdisciplinar da Faculdade de Ciecircncias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa Lisboa n 9 p 309-322 1996

ROMILLY Jacqueline A Trageacutedia Grega Traduccedilatildeo de Leonor Santa Baacuterbara a partir da 6ordf ediccedilatildeo francesa de 1997 Lisboa Anos 70 2008

RUIZ CASTELLANOS Antonio Plutarco Vida de Pompeyo Bio-grafia e Teoriacutea Cognitiva In MONTES CALA Joseacute G ORTIZ DE LANDALUCE Manuel S amp GALLEacute CEJUDO Rafael J (Eds) Plutarco Dioniso y el Vino Actas del IV Simposio Espantildeol sobre Plutarco Caacutediz 14-16 de Mayo de 1998 Ediciones Claacutessicas Ce-judo p 447-462 1999

RUSSELL Donald A Plutarch Great Britain New York Charles Scribnerrsquos 1973

SCARDIGLI Barbara Die Roumlmerbiographien Plutarchs ein forschungsbericht Muumlnchen Verlag C H Beck 1979

SCHLOumlGL Albert Heroacutedoto Traduccioacuten Javier Alonso Loacutepez Madrid Alderaban 2000

SILVA Maria Aparecida de Oliveira Da Maliacutecia de Heroacutedoto discurso e resis-tecircncia cultural em Plutarco

Mimesis Bauru v 31 n 1 p 33-52 2010

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SILVA Maria A O Plutarco e os Romanos In FUNARI Pedro P A amp (Orgs) Poliacuteticas e Identidade no Mundo Antigo Satildeo Paulo Annablume p 163-178 2009

Plutarco e a Praacutetica do Suborno na Atenas de Peacutericlesrdquo In CERQUEIRA Faacutebio V NOBRE Chimene K GONCcedilALVES Ana T M SILVA Glaydson J amp VARGAS Anderson Z (Orgs) Guer-ra e Paz no Mundo Antigo Pelotas Laboratoacuterio de Antropologia e ArqueologiaUFPel p 185-201 2007

SILVA Maria Aparecida de Oliveira Da Maliacutecia de Heroacutedoto discurso e resis-tecircncia cultural em Plutarco Mimesis Bauru v 31 n 1 p 33-52 2010

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ria quando faz referecircncia aos cinquenta anos que se passaram para a formaccedilatildeo de um novo impeacuterio o que nos remete ao livro seis de sua Histoacuteria em que apresenta os cinquenta anos necessaacuterios para que um povo desconhecido se tornasse o maior impeacuterio de seu tem-po como motivo de sua anaacutelise da constituiccedilatildeo romana No entanto como vimos Poliacutebio admite o poder inelutaacutevel da Fortuna na for-maccedilatildeo de um impeacuterio leia-se na derrota militar dos inimigos o que reforccedila o pensamento expresso por Plutarco de que Crasso natildeo soube tirar proveito da Fortuna dos romanos para vencer os partos Com isso Plutarco atenua o fracasso militar de Niacutecias na Siciacutelia e de-monstra que a infalibilidade e a competecircncia dos generais romanos tambeacutem satildeo questionaacuteveis que natildeo eram absolutas Outro aspecto curioso na comparaccedilatildeo entre o grego e o romano eacute que Plutarco natildeo tece comentaacuterios sobre a vitoacuteria de Niacutecias em Pilos evidenciando sua preocupaccedilatildeo com os comentaacuterios negativos sobre o desempenho dos generais gregos nos combates

Contudo a habilidade militar dos romanos natildeo aparece como um elemento laudatoacuterio nas biografias de Plutarco pelo contraacuterio na biografia de Pompeu no segundo capiacutetulo nosso autor critica a edu-caccedilatildeo do romano que desde a mais tenra juventude dedicou-se aos exaustivos exerciacutecios beacutelicos o que fundamentaraacute a interpretaccedilatildeo plutarquina de seu excessivo amor ao poder tornando-o a motivaccedilatildeo central de sua vida12

A inabilidade grega nos combates parece ser um lugar-comum no imaginaacuterio dos romanos Um exemplo disso eacute assinalado por Corneacutelio Nepos em sua biografia de Epaminondas na qual o gene-ral tebano comenta jocosamente a demora dos gregos em conquistar Troacuteia O bioacutegrafo romano registra este comentaacuterio quando Epami-nondas relata as condiccedilotildees de sua vitoacuteria sobre os lacedemocircnios em Leuctra no ano de 371 aC (KRAAY 1976 100) ldquoQue por outro lado me julgas rivalizar com Agamecircmnon se enganas Aquele com toda a Greacutecia dificultosamente em dez anos capturou uma cidade Eu apenas com nossa cidade em um dia com os lacedemocircnios afu-gentados libertei toda a Greacuteciardquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas V 5-6)13

Antes poreacutem o bioacutegrafo ironiza os gregos por meio de Epa-minondas afirmando que se os gregos frequentassem menos os gi-naacutesios e praticassem mais as artes militares natildeo teriam tal problema ldquoCom efeito a paz nasce da guerra Assim quem quer gozar da paz

12 Sobre a visatildeo plutarquiana da competecircncia militar romana e sua relaccedilatildeo com o apreccedilo desmedido pelo poder ver (RUIZ CASTELLANOS 1999 450-451)

13 Traduccedilatildeo de Bernardo Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo de Anto-nio C Godoy Curitiba Juruaacute 2002

HEROcircDOTOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora da Universidade de Brasiacutelia 1988

PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacutedoto Estudo traduccedilatildeo e notas de Maria Aparecida de Oliveira Silva Satildeo Paulo Edusp (no prelo)

PLUTARCH Life of Nicias Lives Vol III Translated by Berna-dotte Perrin CambridgeMassachusettsLondon Harvard

On Exile Moralia Vol VII Translated by Phillip H de Lacy amp Benedict Einarson CambridgeMassachusettsLondon Har-vard University Press 1959

Precepts of Statecraft Moralia Vol X Translated by Harold North Fowler CambridgeMassachusettsLondon Harvard University Press 2002

The Ancient Customs of the Spartans Moralia Vol III Translated by Frank Cole Babbitt CambridgeMassachusettsLon-don Harvard University Press 2004

SILVA Maria Aparecida de Oliveira Da Maliacutecia de Heroacutedoto discurso e resis-tecircncia cultural em Plutarco

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POLIacuteBIOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1985

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1982

Histoacuteria da Guerra do Peloponeso ndash Livro I Traduccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado Texto grego estabelecido por Jacqueline de Romilly Satildeo Paulo Martins Fontes 2008

Bibliografia citada

CORREcircA Paula da C Armas e Varotildees a Guerra na Liacuterica de Arquiacuteloco de Paros Satildeo Paulo Editora da Unesp 1998

DURAacuteN LOacutePEZ Mariacutea A Plutarco Ciudadano Griego y Suacutebdito Romano In DE BLOIS Lukas JEROEN Bons KESSELS Ton amp SCHENKEVELD Dirk M (Eds) Vol I Plutarchrsquos Stateman and his Aftermath Political Philosophical and Literary Aspects Pro-ceedings of the Sixth Internacional Conference of the International Plutarch Society NijmegenCastle Hernen May 1-5 2002rdquo Mne-mosyne Suplementum [si] v 250 p 33-41 2004

FINLEY Moses I Histoacuteria Antiga Testemunhos e Modelos Tra-duccedilatildeo de Valter Lellis Siqueira Satildeo Paulo Martins Fontes 1994 original de 1985

Politics in the Ancient World Cambridge Cambridge Uni-versity Press 1996

FORREST Willian G Herodotus and Athens Phoenix [si] v 38 p 1-11 1984

GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN Francisco J Los Liacutemites de Grecia en la Geografiacutea Griega In LOacutePEZ BARJA Pedro amp REBOREDA MO-RILLO Susana (Eds) Fronteras e Identidad em el Mundo Grie-go Antiguo III Reunioacuten de Historiadores (Satinago-Trasalba 25-27 de septiembre de 2000) Santiago de Compostela Universidade de Santiago de Compostela e Universidade de Vigo p 87-105 2001

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MOMIGLIANO Arnaldo Histoacuteria e Biografia In FINLEY Mo-ses I (Ed) O Legado da Greacutecia uma Nova Avaliaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Yvette Veira Pinto de Almeida Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia p 185-210 1998

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por muito tempo deve se exercitar na guerra Por isso se querem ser pessoas importantes na Greacutecia os acampamentos natildeo os ginaacutesios devem ser usados por vocecircsrdquo (CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epa-minondas V 3-4)14

No passo anterior estaacute contida a maacutexima romana de ldquoa paz nasce da guerrardquo (paritur pax bello) evidenciando a forccedila da cultura militar entre os romanos corroborada por suas grandes conquistas de territoacuterios com as mais variadas caracteriacutesticas geograacuteficas com distintas topografias em que os romanos demonstraram ao mundo antigo sua organizaccedilatildeo militar Como nos esclarece Keppie o im-perador Augusto foi o primeiro a criar um exeacutercito permanente com vinte e oito legiotildees mas no ano de sua morte incluiacutea vinte e cinco permanentes com aquartelamentos regulares efetivos e nomes defi-nidos Trecircs legiotildees ndash XVII XVIII e XIX ndash tinham sido aniquiladas no desastre de Varus e esses nuacutemeros jamais voltaram a ser usados Com o pagamento do soldo houve a profissionalizaccedilatildeo do exeacutercito e como o soldado dependia da instituiccedilatildeo validou-a desenvolvendo um espiacuterito corporativo imprescindiacutevel agrave coesatildeo nas accedilotildees beacutelicas A dedicaccedilatildeo exclusiva ao serviccedilo militar favoreceu a criaccedilatildeo de novas teacutecnicas que viabilizaram a conquista de territoacuterios antes considera-dos inexpugnaacuteveis (KEPPIE 1998 160-161)

Assim sendo inserido nessa cultura militar que se orgulha das conquistas realizadas e que ridiculariza a incapacidade militar dos gregos eacute compreensiacutevel que nosso autor busque elementos que ate-nuem ou ateacute mesmo desfaccedilam a imagem de comandantes indecisos e que demonstram medo diante da batalha A criacutetica ao relato de Tuciacutedides aponta tal fim pois ao sugerir que o historiador ateniense deveria ter valorizado a ldquoaudaacutecia e louca paixatildeordquo (θρασύτητα καὶ μανίαν) em vez da falaacutecia (κουφολογίαν) de Cleacuteon Plutarco pre-tende ressaltar valores que satildeo caros aos comandantes militares uma vez que Tuciacutedides salienta uma caracteriacutestica proacutepria dos oradores

A visiacutevel intenccedilatildeo de Plutarco em ocultar as cenas de covardia e incompetecircncia militar dos gregos confere-nos evidecircncias de um discurso corrente em seu tempo sobre a temerosidade dos gregos diante das batalhas Como foi notado por Correcirca em seu estudo so-bre Arquiacuteloco de Paros Plutarco omite o terceiro verso do poeta o mais polecircmico e curiosamente a omissatildeo seraacute no tratado sobre Antigos Regimes dos Lacedemocircnios em que acentua a honra e os valores militares dos espartanos (CORREcircA 1998 112) vejamos os versos do poeta

14 Idem

SILVA Maria Aparecida de Oliveira Da Maliacutecia de Heroacutedoto discurso e resis-tecircncia cultural em Plutarco

Mimesis Bauru v 31 n 1 p 33-52 2010

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo de Anto-nio C Godoy Curitiba Juruaacute 2002

HEROcircDOTOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora da Universidade de Brasiacutelia 1988

PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacutedoto Estudo traduccedilatildeo e notas de Maria Aparecida de Oliveira Silva Satildeo Paulo Edusp (no prelo)

PLUTARCH Life of Nicias Lives Vol III Translated by Berna-dotte Perrin CambridgeMassachusettsLondon Harvard

On Exile Moralia Vol VII Translated by Phillip H de Lacy amp Benedict Einarson CambridgeMassachusettsLondon Har-vard University Press 1959

Precepts of Statecraft Moralia Vol X Translated by Harold North Fowler CambridgeMassachusettsLondon Harvard University Press 2002

The Ancient Customs of the Spartans Moralia Vol III Translated by Frank Cole Babbitt CambridgeMassachusettsLon-don Harvard University Press 2004

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Mimesis Bauru v 31 n 1 p 33-52 2010

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POLIacuteBIOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1985

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1982

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Bibliografia citada

CORREcircA Paula da C Armas e Varotildees a Guerra na Liacuterica de Arquiacuteloco de Paros Satildeo Paulo Editora da Unesp 1998

DURAacuteN LOacutePEZ Mariacutea A Plutarco Ciudadano Griego y Suacutebdito Romano In DE BLOIS Lukas JEROEN Bons KESSELS Ton amp SCHENKEVELD Dirk M (Eds) Vol I Plutarchrsquos Stateman and his Aftermath Political Philosophical and Literary Aspects Pro-ceedings of the Sixth Internacional Conference of the International Plutarch Society NijmegenCastle Hernen May 1-5 2002rdquo Mne-mosyne Suplementum [si] v 250 p 33-41 2004

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GOacuteMEZ ESPELOSIacuteN Francisco J Los Liacutemites de Grecia en la Geografiacutea Griega In LOacutePEZ BARJA Pedro amp REBOREDA MO-RILLO Susana (Eds) Fronteras e Identidad em el Mundo Grie-go Antiguo III Reunioacuten de Historiadores (Satinago-Trasalba 25-27 de septiembre de 2000) Santiago de Compostela Universidade de Santiago de Compostela e Universidade de Vigo p 87-105 2001

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ROMILLY Jacqueline A Trageacutedia Grega Traduccedilatildeo de Leonor Santa Baacuterbara a partir da 6ordf ediccedilatildeo francesa de 1997 Lisboa Anos 70 2008

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SCARDIGLI Barbara Die Roumlmerbiographien Plutarchs ein forschungsbericht Muumlnchen Verlag C H Beck 1979

SCHLOumlGL Albert Heroacutedoto Traduccioacuten Javier Alonso Loacutepez Madrid Alderaban 2000

SILVA Maria Aparecida de Oliveira Da Maliacutecia de Heroacutedoto discurso e resis-tecircncia cultural em Plutarco

Mimesis Bauru v 31 n 1 p 33-52 2010

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SILVA Maria A O Plutarco e os Romanos In FUNARI Pedro P A amp (Orgs) Poliacuteticas e Identidade no Mundo Antigo Satildeo Paulo Annablume p 163-178 2009

Plutarco e a Praacutetica do Suborno na Atenas de Peacutericlesrdquo In CERQUEIRA Faacutebio V NOBRE Chimene K GONCcedilALVES Ana T M SILVA Glaydson J amp VARGAS Anderson Z (Orgs) Guer-ra e Paz no Mundo Antigo Pelotas Laboratoacuterio de Antropologia e ArqueologiaUFPel p 185-201 2007

SILVA Maria Aparecida de Oliveira Da Maliacutecia de Heroacutedoto discurso e resis-tecircncia cultural em Plutarco Mimesis Bauru v 31 n 1 p 33-52 2010

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Com um escudo um saio ufana-se o qual junto agrave moitaarma irreprensiacutevel deixei sem querermas salvei-me Que me importa aquele escudoQue vaacute Arranjo outro natildeo pior (ARQUIacuteLOCO Fr 5 38W)15

De fato em Antigos Regimes dos Lacedemocircnios (239 B-C) ao relatar a chegada de Arquiacuteloco em Esparta Plutarco induz o leitor a perceber a diferenccedila existente nos valores militares dele com relaccedilatildeo aos espartanos ainda assim atenua a ironia de Arquiacuteloco quando repete os versos arquiloqueacuteios agrave sua maneira Excetuando-se o ter-ceiro verso haacute apenas uma variaccedilatildeo em vez de paragrave thaacutemnōi (παρὰ θάμνωι) nosso autor usa perigrave thaacutemnōi (περὶ θάμνῳ) Contudo o terceiro verso natildeo somente foi omitido como tambeacutem recriado Ar-quiacuteloco escreveu ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudordquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη) enquanto Plu-tarco registra ldquomas escapei ao fim da morte aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη) Eacute interessante perce-ber que Plutarco aleacutem de omitir e inserir novas palavras no terceiro verso altera sua pontuaccedilatildeo o que resulta em uma nova leitura do afirmado por Arquiacuteloco pois onde o poeta afirma ldquomas salvei-me Que me importa aquele escudo Que vaacuterdquo (αὐτὸν δrsquo ἐξεσάωσα τί μοι μέλει ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω) com a reconstruccedilatildeo de Plutar-co lecirc-se ldquomas escapei ao fim da morte que pereccedila aquele escudordquo (αὐτὸς δrsquo ἐξέφυγον θανάτου τέλος ἀσπὶς ἐκείνη ἐρρέτω)

A reconstruccedilatildeo dos versos arquiloqueacuteios por Plutarco traz agrave tona a questatildeo da edificaccedilatildeo de um discurso cujo objetivo eacute conferir novas cores agraves interpretaccedilotildees sobre a relaccedilatildeo dos gregos com as ativi-dades militares tatildeo prezadas e louvadas pelos romanos Aleacutem disso demonstra sua intenccedilatildeo de reedificar a imagem dos gregos perante os romanos pois conhecemos as diversas criacuteticas que estes direcio-navam aos graeci Contudo essa natildeo eacute uma caracteriacutestica restrita ao nosso autor trata-se de um traccedilo comum na recepccedilatildeo das obras Eacute preciso considerar que Arquiacuteloco escreveu no periacuteodo arcaico grego e Plutarco faz sua leitura e releitura agrave eacutepoca imperial romana ou seja mais de oito seacuteculos separam esses escritos Entatildeo depreende-mos que nosso autor realiza uma espeacutecie de reapropriaccedilatildeo do texto em que sua recepccedilatildeo resulta em sua interferecircncia em nada aleatoacuteria para responder agraves suas intenccedilotildees e ao discurso de seu tempo

15 Traduccedilatildeo de Paula da Cunha Correcirca

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Agradecimento

Por se tratar de um estudo resultante de meu primeiro poacutes--doutorado financiado pela Fapesp destino meus sinceros agradeci-mentos a essa Instituiccedilatildeo que haacute anos possibilita o desenvolvimento de meus projetos e a sedimentaccedilatildeo de minha formaccedilatildeo como pesqui-sadora Agradeccedilo agrave Profa Dra Maria Celeste Consolin Dezotti pelo zelo e companheirismo aleacutem de seus preciosos ensinamentos que enriqueceram sobremaneira a escrita deste trabalho

REFEREcircNCIAS

Ediccedilotildees

CORNEacuteLIO NEPOS Vida de Epaminondas Traduccedilatildeo de Bernar-do Guadalupe dos Santos Lins Brandatildeo httpbrgeocitiescombi-bliotecaclassicatextosepaminondashtm 2003

FLAacuteVIO JOSEFO Autobiografia Traduccedilatildeo e adaptaccedilatildeo de Anto-nio C Godoy Curitiba Juruaacute 2002

HEROcircDOTOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora da Universidade de Brasiacutelia 1988

PLUTARCO Da Maliacutecia de Heroacutedoto Estudo traduccedilatildeo e notas de Maria Aparecida de Oliveira Silva Satildeo Paulo Edusp (no prelo)

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POLIacuteBIOS Histoacuteria Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacute-rio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1985

TUCIacuteDIDES Histoacuteria da Guerra do Peloponeso Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo e notas de Maacuterio da Gama Kury Brasiacutelia Editora Universidade de Brasiacutelia 1982

Histoacuteria da Guerra do Peloponeso ndash Livro I Traduccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de Anna Lia Amaral de Almeida Prado Texto grego estabelecido por Jacqueline de Romilly Satildeo Paulo Martins Fontes 2008

Bibliografia citada

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DURAacuteN LOacutePEZ Mariacutea A Plutarco Ciudadano Griego y Suacutebdito Romano In DE BLOIS Lukas JEROEN Bons KESSELS Ton amp SCHENKEVELD Dirk M (Eds) Vol I Plutarchrsquos Stateman and his Aftermath Political Philosophical and Literary Aspects Pro-ceedings of the Sixth Internacional Conference of the International Plutarch Society NijmegenCastle Hernen May 1-5 2002rdquo Mne-mosyne Suplementum [si] v 250 p 33-41 2004

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