Resumo expandido - PPGHIS
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O aforismo 251 do Oráculo Manual de Baltasar Gracián: um exercício de
ação no mundo.
Diogo Luiz Lima Augusto
Doutorado em História Social
Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura – PUC- Rio.
Aqui, procuraremos investigar a relação das questões mobilizadas no aforismo
251 do Oráculo Manual de Baltasar Gracián e a afirmação do homem como um ente
capaz de agir e transformar o mundo por sua própria capacidade. Trata-se, em última
instância, de perscrutar o lento caminho, presente na dita modernidade, da
autoafirmação do “self”. No aforismo 251 Gracián1 afirma: Hay que usar los medios
humanos como si los divinos no existieran, y los divinos como si no existieran humanos.
Es uma regla de um gran maestro. No hay que añadir ningún comentário.”2. O mestre
aludido, neste aforismo, é Ignácio de Loyola3 e a máxima procede de um fragmento da
Tractatus de ratione quam in gubernando tenebat Ignatius, redigido pelo jesuíta Pedro
Ribadeneyra (1526-1611) a saber: "En las cosas del servicio de Nuestro Señor, usaba
de todos los medios humanos como si dellos dependiera el buen suceso; y de tal manera
confiaba en Dios, como si todos los medio humanos no fueran de algún efeto"4.
Procurar os meios divinos como se não houvesse os humanos é um artifício para se
1 Baltasar Gracián Morales nasceu em Catalayud, uma província do reino de Aragão, em oito de janeiro de 1601 e no ano de 1619 ingressaria no noviciado da Companhia de Jesus. Durante sua vida, Gracián publicou oito tratados: Em 1637 o El Heroe. Em 1640, em Zaragoza, publica El Politico Don Fernando El Catolico, em 1642,em Madri, publica a primeira edição do Arte de Ingenio. Em Valencia, no ano de 1644 publica Agudeza y arte de Ingenio e dois anos depois El Discreto. No ano de 1647, também em Huesca, publica o Oráculo Manual y Arte de Prudencia. Em Zaragoza, publica a primeira e a segunda parte do El Criticón, respectivamente nos anos de 1651 e 1653. Novamente em Zaragoza, aparece a edição, no ano de 1654, do El Comungatorio. Por fim, no ano de 1657, em Madri, aparece a terceira parte do El Criticón. O El Criticón, para alguns intérpretes sua obra mestra, percorre todas as questões abordadas na obra anterior na forma de novela-alegoria. Dois são os personagens, Andrênio (cuja raiz grega alude a um homem instintivo, comum, distinto do crítico) e Critilo ( persona reflexiva, de juízo equilibrado, como denota a raiz grega). A obra está dividida em três partes, as quais correspondem à tópica das três idades interiores do homem ou as três jornadas da vida.2 GRACIAN, Baltasar. Oráculo Manual y Arte de Prudência. Edición crítica y comentada por Miguel Romera-Navarro. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Cientificas,1996 , p, 144. 3 GARCÍA GIBERT, Javier.Medios humanos y medios divinos en Baltasar Gracián (La dialécticaficcional del aforismo 251). En Criticón (Toulouse), 73, 1998, pp. 61-82, p, 62.4 idem,p,62.
afastar de todo o pensamento que possa distanciar dos desígnios de Deus. É o que
procura fazer Ignácio de Loyola nos Exercícios Espirituais. Em contrapartida, procurar
os meios humanos como se não houvesse divinos, é um exercício de ação no mundo.
Esta proposição do aforismo 251, segundo nossa hipótese, atravessa, com certas
variantes, os outros tratados escritos pelo jesuíta aragonês.
Muitos estudiosos de Baltasar Gracián interpretaram o aforismo 251 e, de uma
maneira geral, os tratados do jesuíta aragonês, como uma reflexão secularizada e
autônoma em relação aos aspectos teológicos de seu tempo. José Antônio Maravall, por
exemplo, afirma que este aforismo “sirve para anunciar la distinción y autonomía en el
ámbito de la conducta humana entre naturaleza y gracia” e, neste sentido, Gracián
produz uma moral mundana e, portanto, atribui “a los medios humanos una autonomía
de esfera propia –la vida mundana y social”5. Aurora Egido, por sua vez , assim como
Maravall, afirma que Gracián procurou afastar-se dos modelos teológicos de seu tempo
e produziu, por sua vez, uma moral essencialmente mundana6. Isto é, o destaque dos
assuntos da vida humana na obra de Gracián, o que em certo sentido é verossímil, seria
um claro indício de um suposto afastamento da teologia, como se pode perceber por esta
passagem: “El interés por el hombre y su circunstancia (...) no trataba de la exclusión
de Dios o su sustitución por el hombre (...) sino de atender a los assuntos humanos
desde uma perspectiva alejada de la metafísica y de la teologia.”7. Para Egido, nesse
sentido, o fim de todo o agir prudencial e de discrição estaria na procura de uma fama
terrena e não essencialmente na busca da imortalidade da alma e da salvação8. Na
contramão em relação às teses de Maravall e Aurora Egido no que se refere à
interpretação do aforismo 251 e do lugar da ação no mundo na obra de Gracián, situa-se
os trabalhos de Javier García Gibert e, sobretudo, os de Antonio Rivera García.
Javier García Gibert nos elucida que a formula inaciana emulada por Gracián é
uma espécie de projeção tática a qual traduz a noção de livre arbítrio pensada pelos 5 MARAVALL, J. “Antropología y política en el pensamiento de Gracián”. in: Estudios de historia del pensamiento español. Serie tercera. El siglo del Barroco, CEC, Madrid, 1999, p. 347.6EGIDO, Aurora. EGIDO, Aurora. Humanidades y Dignidad del Hombre en Baltasar Gracián. Salamanca: Ediciones Universidad Salamanca, 2001. Op. Cit,p.32: “Sus tratados, (...) apenas llevan levíssimas alusiones religiosas,determinando-se em uma moral mundana que no explaya, em las enseñanzas espirituales.”7 Idem, p,75.8 Idem, pp, 134-135: “El elocuente silencio de Gracián sobre la inmortalidad del alma y la salvación Cristiana o cuanto espera al hombre más allá de la muerte en el outro mundo, confirma su adscripción a um Humanismo alejado de las disputas teológicas(...) distanciándose de la corriente seguida por Vives em su Tratado del Alma, donde veia en la inmortalidad del alma el verdadeiro fin, y no en la fama, que consideraba uma torcida ambición.”.
próprios jesuítas, isto é, da necessidade da cooperação do homem, como se não
houvesse os meios divinos, no concurso da salvação. Como nos elucida Gibert, a
utilização da conjunção copulativa "y" no aforismo 251 de Gracián demonstra uma
reciprocidade causal entre as duas orações, usar dos meios humanos como se não
houvesse divinos, porque, por sua vez, se usam dos divinos como se não houvesse
humanos, o que parece propor uma inexistência de duas esferas separadas. Segundo tal
perspectiva, o uso da construção "como si no" nos elucida a respeito dos mecanismos da
produção do modelo de escrita de Gracián e, por seu turno, do significado do próprio
aforismo 251. Tal estrutura também foi usada por Gracián no aforismo 204: “ Hay que
comenzar lo fácil como si fuera difícil y lo difícil como si fuera facil, para no confiarse
ni desanimarse”9 Aqui, igualmente ao aforismo 251, é usado o recurso do “como si”,
aos moldes jesuíticos, para estruturar o equilíbrio entre confiança e desconfiança,
aspecto fundamental da ação do homem discreto e prudente. O equilíbrio entre
confiança e desconfiança do aforismo 204 é o mesmo do aforismo 25110, ou seja, o
equilíbrio entre os meios divinos e humanos. Trata-se de preservar a autonomia das duas
esferas (humana e divina), todavia conciliando-as de outra maneira, o que não nos
permite pensar numa autonomia completa dos meios mundanos em relação aos divinos,
segundo Gibert. Desta sorte, no aforismo 251, os meios humanos são tomados como
meios e não com fim, o qual é o próprio Deus e, portanto a salvação, diferentemente do
que afirma Aurora Egido e Maravall.
Antonio Rivera García também discorda do posicionamento que procura
interpretar a autonomia da ação do homem no mundo, postulada nos tratados de
Gracián, em relação aos aspectos teológicos existentes nos escritos dos próprios
membros da Companhia de Jesus. Para García os estudiosos de Gracián, como Maravall
e Egido, esqueceram a forte tendência ao pelagianismo nos escritos dos jesuítas, como o
mobilizado por Luís de Molina.
Com outras palavras, para García, o jesuitismo sempre deu muita importância
aos meios humanos, o qual traduzia a confiança na capacidade do homem em alcançar a
salvação também pelas suas próprias forças11. Isto é, toda autonomia dos meios
humanos, na verdade, denotam aquilo que o homem deve buscar por si próprio em seu
9 GRACIÁN, Baltasar. Oráculo Manual y Arte da Prudência, p, 118. 10 GARCÍA GIBERT, Javier. Op. Cit , p,69.11 GARCÍA, Antonio Rivera. La Religión de la conquista del mundo: aproximación al imperium mundi jesuítico. Eikasia. Revista de Filosofía, año V, 37 (Marzo 2011),p, 61.
agir no mundo para alcançarem a salvação. Desta forma, para García, autonomizar a
esfera humana em relação aos meios divinos no aforismo 251 de Gracián é não levar em
consideração os debates em torno da temática da justificação dos pecados, os quais
foram de grande relevância na construção do catolicismo pós-tridentino12. Para os
jesuítas, a natureza serve para alcançar os fins sobrenaturais13. Segundo esta perspectiva,
o homem deve dispor de suas opções naturais e mundanas em prol de sua finalidade
escatológica.
É exatamente assim que procede Gracián no Oráculo Manual, o qual é um livro
preocupado com o agir prudente do homem no mundo, mas cuja finalidade é o processo
de santificação do homem que caminha em direção à salvação eterna. Neste sentido, os
jesuítas, assim como Gracián, veem na natureza um instrumento de auxílio ao projeto
salvacionista de Deus. Leszek Kolakowski no livro “Chrétiens san Église” demonstra
que os Jesuítas aceitam as manifestações mundanas da natureza para extrair desta
mesma natureza a maneira de se alcançar a santidade14.
Nesse sentido, a aparente separação entre os meios divinos e humanos traduz a
importância dada ao livre-arbítrio nas práticas letradas jesuíticas pós-tridentinas. Isto é,
o indivíduo pode, com suas próprias forças e faculdades, determinar e alcançar seus fins
puramente naturais e, além disso, cooperar no processo da salvação. A questão que nos
parece estar presente nesta concepção de Molina e dos jesuítas é a ideia de que o
homem, auxiliado pela graça, deve alcançar a salvação e o aperfeiçoamento de sua
própria natureza ( crescimento espiritual) através daquilo que está ao seu alcance. Isto
produz, decerto, uma espécie de moral intramundana, o qual não significa uma moral
alijada da dimensão teológica, mas sim a afirmação de que para alcançar a salvação, de
um ponto de vista estritamente humano, é preciso simplesmente o cumprimento da lei
moral natural. Desta sorte, a partir de tais questões, procuraremos, nesta apresentação,
investigar o lugar do “self” nos tratados de Gracián.
Bibliografia:
12 Idem, p,62 : “Resulta absurdo separar la regla 251 de la lucha contrarreformista contra la justificación por la fe y la predestinación”. 13 GARCÍA, Antonio Rivera. Escritura Barroca y derecho natural en El Criticón. Nota Crítica sobre Miguel Grande Yánez, Justicia y lei natural en Baltasar Gracián. Madri: Universidad Pontificia Comillas, 2003, p, 03. 14 KOLAKOWSKI, Leszek. Chrétiens san église. La conscience religèuse et le lien confessionnel au XVIIe siècle. Paris: Gallimard, 1969, p, 361.
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