RESUMO

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RESUMO A jovem Inês Pereira, desejosa de escapar dos trabalhos domésticos que é obrigada a fazer na casa de sua mãe, resolve conseguir um marido. Uma primeira tentativa é feita por intermédio da alcoviteira Lianor Vaz, que lhe indica para marido Pero Marques, aldeão simples, mas rico. Inês recusa o pretendente, considerando-o excessivamente simplório. Contata então Vidal e Latão, dois irmãos judeus que lhe conseguem o marido dos seus sonhos: Brás da Mata, escudeiro galanteador. Ignorando os conselhos da mãe, que lhe pede para ter cautela na escolha do companheiro, Inês se casa com Brás da Mata acreditando que teria a liberdade que desejava. No entanto, logo após o casamento, Brás da Mata se mostra alheio a festas e celebrações, impedindo a esposa de cantar e dançar. Quando é chamado a guerrear, determina que a esposa fique trancada em casa sob os cuidados de um pajem. Alvejado durante uma fuga, o escudeiro morre em combate. Inês celebra a liberdade que lhe é conferida pela viuvez. Lianor Vaz reaparece e volta a lhe sugerir o casamento com Pero Marques. Inês, já prevenida pela experiência malsucedida de desposar um homem galanteador, dessa vez aceita a sugestão. O segundo marido se mostra bastante diferente do primeiro, concedendo a Inês toda a liberdade que ela deseja. Assim, a moça consegue sair e passear o quanto quer. Em um desses passeios, encontra-se com um ermitão, que revela ser um antigo apaixonado por ela. Inês se compromete a visitá-lo em sua morada. Inês consegue que Pero Marques a conduza até o local sob a justificativa do Ermitão ser um homem santo. O marido chega a carregá-la nos braços enquanto atravessam um rio. Durante a travessia, cantam uma música carregada de ironia, na qual Inês chama o marido de “servo” (o que estabelece uma identidade sonora com “cervo”, isto é, chifrudo) e de “cuco” (gíria da época para “enganado”). Seguindo o refrão da canção, Pero Marques se limita a repetir: “Pois assim se fazem as cousas”. CONTEXTO Sobre o autor Gil Vicente viveu em um país que colhia os frutos do desenvolvimento comercial, resultante da expansão marítima do início do século XV. As transformações sociais decorrentes do progresso provocado pelo sucesso lusitano nos mares foram registradas pelo autor, que não poupou críticas ao comportamento moral de seus conterrâneos. Importância do livro A Farsa de Inês Pereira , peça encenada pela primeira vez em 1523, apresenta um enredo capaz de envolver o espectador até hoje, passados quase quinhentos anos de sua estreia. Mostra um autor maduro, em pleno domínio dos recursos linguísticos, da cultura popular e dos mecanismos cômicos que caracterizavam seu teatro. Período histórico A obra de Gil Vicente se insere no período literário denominado humanismo, situado na transição do teocentrismo medieval para o antropocentrismo renascentista. Em sua obra, manifestam-se aspectos das duas mentalidades. ANÁLISE

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RESUMOA jovem Inês Pereira, desejosa de escapar dos trabalhos domésticos que é obrigada a fazer na casa de sua mãe, resolve conseguir um marido. Uma primeira tentativa é feita por intermédio da alcoviteira Lianor Vaz, que lhe indica para marido Pero Marques, aldeão simples, mas rico. Inês recusa o pretendente, considerando-o excessivamente simplório. Contata então Vidal e Latão, dois irmãos judeus que lhe conseguem o marido dos seus sonhos: Brás da Mata, escudeiro galanteador. Ignorando os conselhos da mãe, que lhe pede para ter cautela na escolha do companheiro, Inês se casa com Brás da Mata acreditando que teria a liberdade que desejava. No entanto, logo após o casamento, Brás da Mata se mostra alheio a festas e celebrações, impedindo a esposa de cantar e dançar. Quando é chamado a guerrear, determina que a esposa fique trancada em casa sob os cuidados de um pajem. Alvejado durante uma fuga, o escudeiro morre em combate. Inês celebra a liberdade que lhe é conferida pela viuvez. Lianor Vaz reaparece e volta a lhe sugerir o casamento com Pero Marques. Inês, já prevenida pela experiência malsucedida de desposar um homem galanteador, dessa vez aceita a sugestão. O segundo marido se mostra bastante diferente do primeiro, concedendo a Inês toda a liberdade que ela deseja. Assim, a moça consegue sair e passear o quanto quer. Em um desses passeios, encontra-se com um ermitão, que revela ser um antigo apaixonado por ela. Inês se compromete a visitá-lo em sua morada.  Inês consegue que Pero Marques a conduza até o local sob a justificativa do Ermitão ser um homem santo. O marido chega a carregá-la nos braços enquanto atravessam um rio. Durante a travessia, cantam uma música carregada de ironia, na qual Inês chama o marido de “servo” (o que estabelece uma identidade sonora com “cervo”, isto é, chifrudo) e de “cuco” (gíria da época para “enganado”). Seguindo o refrão da canção, Pero Marques se limita a repetir: “Pois assim se fazem as cousas”.

CONTEXTOSobre o autorGil Vicente viveu em um país que colhia os frutos do desenvolvimento comercial, resultante da expansão marítima do início do século XV. As transformações sociais decorrentes do progresso provocado pelo sucesso lusitano nos mares foram registradas pelo autor, que não poupou críticas ao comportamento moral de seus conterrâneos. Importância do livroA Farsa de Inês Pereira, peça encenada pela primeira vez em 1523, apresenta um enredo capaz de envolver o espectador até hoje, passados quase quinhentos anos de sua estreia. Mostra um autor maduro, em pleno domínio dos recursos linguísticos, da cultura popular e dos mecanismos cômicos que caracterizavam seu teatro. Período históricoA obra de Gil Vicente se insere no período literário denominado humanismo, situado na transição do teocentrismo medieval para o antropocentrismo renascentista. Em sua obra, manifestam-se aspectos das duas mentalidades. 

ANÁLISEO ponto de partida da peça de Gil Vicente foi um desafio lançado por alguns homens sábios de Lisboa, que colocaram em dúvida a autoria de suas obras, sugerindo tratar-se de plágio. Propuseram ao escritor que criasse um enredo a partir do mote “Mais vale asno que me leve / Que cavalo que me derrube”, ditado popular da época.  

PERSONAGENS 

Inês Pereira: moça casadoura, busca um casamento para se livrar dos afazeres domésticos e ter mais liberdade. Casa-se com Brás da Mata e, depois de viúva, com Pero Marques.

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Mãe de Inês: tenta aconselhar a filha na escolha do marido, mas a moça rejeita seus conselhos.

Lianor Vaz: alcoviteira, tenta unir Pero Marques e Inês, mas a moça prefere se casar com Brás da Mata.

Brás da Mata: escudeiro galanteador, primeiro marido de Inês. Não deu a liberdade que a moça buscava no casamento. Morreu na guerra.

Pero Marques: lavrados simplório, segundo marido de Inês. Deu a liberdade que Inês queria e acabou traído pela mulher.

O mote sintetiza a experiência vivida por Inês Pereira: o cavalo é o primeiro marido, que, com sua agressividade e autoritarismo, a derruba. Pero Marques é o asno que a leva e faz todas as suas vontades. Ao longo da peça, ditados semelhantes são enunciados pelas personagens, denunciando a dívida de Gil Vicente com a cultura popular de seu tempo. As personagens da peça constituem tipos sociais, representam figuras sociais conhecidas, como a moça casadoura, o escudeiro falastrão, o lavrador simplório e a alcoviteira. São personagens que agem de acordo com determinado padrão de comportamento. Na tentativa de realizar seus sonhos de felicidade, Inês tentou escapar desse estereótipo e pagou um preço por isso. A mãe representa, assim, seu contraponto, na medida em que expressa em seus conselhos o saber sedimentado, a crendice popular que acaba por revelar seu fundo de verdade e de sabedoria. Pero Marques também pode ser considerado um legítimo representante dessa cultura. Se o seu comportamento é ridicularizado na peça, também é capaz de despertar a simpatia do público, seja pela via cômica, seja pela piedade que desperta sua condição de marido enganado.  Outras personagens da peça encarnam críticas ácidas à sociedade: Brás da Mata representa a nobreza falida e a decadência de certas instituições medievais; Lianor Vaz mostra um retrato cruel da alcoviteira hipócrita e interesseira; por fim, a personagem ermitão transmite uma imagem satírica do fanatismo religioso. Talvez o aspecto mais saboroso da peça seja o trabalho com a linguagem. O modo de falar das personagens é bastante sugestivo de traços de sua personalidade e de seu extrato social. Assim, o rústico lavrador Pero Marques se utiliza de um vocabulário condizente com sua condição, expressando-se de forma singela e direta, enquanto o escudeiro Brás da Mata mostra domínio da linguagem da sedução. Inês aprende que as palavras podem ser traiçoeiras. E Gil Vicente mostra que elas podem ser reveladoras.