RESULTADOS E DISCUSSÕES - 29ª Reunião Brasileira de ... · BRASIL. Ministério da Saúde Manual...
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Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Ciências Médicas – Departamento de Saúde Coletiva
O trabalho em um Consultório na Rua: visibilidades, invisibilidades e hipervisibilidade
Janaína Hallais (Mestranda em Saúde Coletiva) UNICAMP (Campinas/SP)
Nelson Filice de Barros (Orientador) UNICAMP (Campinas/SP)
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
Por meio da observação participante foi possível acompanhar a equipe do Consultório na Rua
de Campinas/SP em campo, em reuniões internas, intersetoriais e no acompanhamento de
pacientes em consultas e internações em diferentes serviços de saúde. Tal experiência
conferiu um duplo desafio: adentrar e atuar no campo da saúde como cientista social junto a
profissionais de saúde e (re)conhecer a dinâmica da rua. De caráter qualitativo, o recurso à
esta metodologia se justifica pela sua capacidade interacional, aproximando o pesquisador
dos agentes sociais e de suas práticas e vivências cotidianas. “Olhar de perto e de dentro”
(Magnani, 2002) permitiu ainda inquietações e questionamentos sobre a criação de vínculo, a
produção de cuidado e as possíveis formas de interação entre profissionais da saúde e
pacientes. Para tanto, ao longo do processo foi preciso também desenvolver leituras dirigidas
sobre temáticas como: cuidado, população de rua, atenção primária, colonização,
interculturalidade, políticas públicas de saúde e diversidade cultural. Tais leituras forneceram
subsídios para direcionar e apurar o olhar em campo, não para a produção de uma análise
normativa, mas para apreender as relações tramadas entre os profissionais do CnaR Campinas
e os usuários do serviço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção de um processo de trabalho em saúde pautado na abertura para o outro
possibilita uma legítima e necessária interlocução entre os profissionais de saúde e as pessoas
em situação de rua. Conhecer os territórios, as dinâmicas de vidas desses indivíduos e as suas
práticas de transgressão é parte de um processo de abertura para o “outro” e para o
estabelecimento de vínculos que permitam a desconstrução do olhar estigmatizante e
colonizador, possibilitando, não somente intervir sobre a saúde, mas também interagir com o
usuário. A atenção oferecida pelo Consultório na Rua confere hipervisibilidade, porém, essa
abordagem não pode ficar restrita a esse dispositivo de saúde.
BRASIL. Ministério da Saúde Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). JARDIM, Denise Fagundes e LÓPEZ, Laura Cecília (org). Políticas da Diversidade – (in)visibilidades, pluralidade e cidadania em uma perspectiva antropológica. Porto Alegre: Ed UFRGS; 2013. MAGNANI, José Guilherme Cantor. De Perto E De Dentro: Notas Para Uma Etnografia Urbana. Rev. Bras. Ci. Soc., São Paulo, V. 17, N. 49, Junho 2002. TUHIWAI Smith, L. Decolonizing Methodologies: research and indigenous peoples. New York, NY; Dunedin, N.Z: Zed Books, University of Otago Press, 2006. VALENCIO, Norma Felicidade Lopes da Silva et al. Pessoas em situação de rua no Brasil: Estigmatização, desfiliação e desterritorialização. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 7, n. 21, pp. 556 a 605, dezembro de 2008.
Embora a Política Nacional para a População em Situação de Rua pretenda assegurar acesso
à saúde, o cuidado, no entanto, nem sempre é garantido, porque serviços e profissionais de
saúde têm pouca experiência para acolher pessoas desinstitucionalizadas e atender suas
necessidades. Observou-se que esta população historicamente visibilizada como marginal,
dificilmente consegue acessar os serviços de saúde, tornando-se invisíveis ao próprio
Sistema Único de Saúde. Para sanar tais dificuldades e melhorar a capacidade de resposta às
demandas e necessidades de saúde inerentes à população em situação de rua (BRASIL,
2011), o Ministério da Saúde publicou a Portaria n° 122, de 25 de Janeiro de 2011 que define
as diretrizes de organização e funcionamento das Equipes de Consultório na Rua, que foram
instituídas pela Política Nacional de Atenção Básica, em 2012, para atuarem como porta de
entrada deste segmento populacional na rede de atenção. A assistência em saúde oferecida
pelo Consultório na Rua (CnaR) está direcionada principalmente para acolher demandas
diversificadas e complexas, considerando a “saúde não centrada somente na assistência aos
doentes, mas, sobretudo, na promoção de saúde e no resgate da qualidade de vida, com
intervenção nos fatores que a colocam em risco” (BRASIL, 2012: 34), abrangendo também
atendimento para problemas ou complicações advindas do abuso de álcool e outras drogas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Características estigmatizantes como a sujeira, o mau cheiro e o efeito de drogas lícitas e
ilícitas são, muitas vezes, determinantes para a precariedade no acolhimento ao morador de
rua nos serviços de saúde. O processo de exclusão dessa população é reforçado
institucionalmente através da burocracia para o agendamento das consultas e da
inflexibilização dos horários de atendimento, assim como da exigência de documentos de
identidade, comprovante de endereço e do cartão Sistema Único de Saúde (cartão SUS).
Paralelamente, o poder público tem investido pouco em políticas públicas de inclusão,
priorizando ações de revitalização dos espaços públicos considerados degradados, que não
visam o cuidado das pessoas em situação de rua. É indispensável lançar um olhar
pormenorizado sobre essas questões e assumir a necessidade do enfrentamento da
discriminação socioinstitucional à este grupo sobretudo para a melhoria do acolhimento nos
serviços de saúde. Para isto, é preciso “debruçar o olhar sobre o diferente, cuja decadência
material e fragilidade psicossocial é tida como falha irreversível de caráter e passa a exigir seu
aniquilamento” (VALÊNCIO, 2008:594). A capacidade de colocar-se diante do morador de rua
requer o rompimento com o “saber-poder colonizador” da lógica biomédica, que acaba por
reduzir ou anular as singularidades e subjetividades dos indivíduos (JARDIM e LOPEZ, 2013).
Ao se buscar estratégias de hipervisibilização das possibilidades de cuidado para esse grupo
percebe-se as situações adversas impostas pela vida na rua e as necessidades coletivas e
individuais reivindicadas, e, desta maneira, se cria e fortalece o vínculo com o sujeito na
produção do cuidado. Assim, usar a escuta como instrumento político (TUHIWAI, 2006) nas
ações em saúde contribui para uma verdadeira interação no encontro entre trabalhadores da
saúde e pessoas em situação de rua, ao invés de focar apenas na intervenção médica para a
melhora clínica.