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A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento I Maria Augusta de Magalhães Barbosa Responsabilidade Social Empresarial e Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento Universidade Fernando Pessoa Porto, 2013

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A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

I

Maria Augusta de Magalhes Barbosa

Responsabilidade Social Empresarial

e Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro

desenvolvimento

Universidade Fernando Pessoa

Porto, 2013

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

II

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

III

Maria Augusta de Magalhes Barbosa

Responsabilidade Social Empresarial

e Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro

desenvolvimento

Universidade Fernando Pessoa

Porto, 2013

Trabalho apresentado Universidade

Fernando Pessoa como parte dos

requisitos para obteno do grau de

Mestre em Aco Humanitria,

Cooperao e Desenvolvimento.

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IV

Resumo

A Responsabilidade Social Empresarial, uma noo relativamente recente, constitui-se

como instrumento em busca de equilbrio e sustentabilidade econmica a nvel global.

Surge como propulsor de mudanas socioeconmicas favorveis criao de condies de

acesso a uma vida mais digna da pessoa humana.

Por seu lado, a Doutrina Social da Igreja [Catlica] constitui-se igualmente como reflexo e

instrumento de transformao da sociedade, na sua vertente econmica, com visto o bem-

estar social universal.

Este trabalho visa identificar o percurso e as propostas dos dois discursos e identificar em

particular as linhas principais que tornam a Responsabilidade Social Empresarial e a

Doutrina Social da Igreja paralelas ou divergentes nas questes do bem-estar e do

desenvolvimento.

Palavras-chave: Responsabilidade Social Empresarial, Doutrina Social da Igreja, bem-estar,

desenvolvimento, dignidade humana, Direitos Humanos.

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V

Abstract

Corporate Social Responsibility, as such a recent notion, is built as a tool in search for

equilibrium and economic sustainability at a global level. It is developed as a motor of

change for more favorable social and economic conditions of access to a more decent life

of human beings.

On its side, the Social Doctrine of the [Catholic] Church also represents a reflexion and a

tool to transform society, on its economic aspects, with a view on a universal social

welfare.

This work aims at identifying the way and proposals of the two discourses, and to identify

in particular the main lines that make Corporate Social Responsibility either parallel or

different from the Church Social Doctrine on the issues of welfare and development.

Keywords: Corporate Social Responsibility, Churchs Social Doctrine, Welfare,

Development, Human Dignity, Human Rights.

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Agradecimentos

A Deus, minha fonte e minha Foz!

Em Quem me perco sem diluir-me!

No Qual me encontro sempre que O busco;

Porque antes de me buscar, ininterruptamente, me procura Ele!

Aos meus pais que acolheram a torrente da vida, a cuidaram e, Doutos na Universidade da

Vida, me incutiram a abertura aos valores perenes e a adeso relatividade do mutvel e

efmero.

Congregao do Bom Pastor, que me acolheu como seu membro e no cessa de me

estimular fidelidade na trajectria da vida que me oferecida como vocao, projecto e

processo.

Aos muitos Anjos, com quem vou tropeando: os que conheo mas no menciono, por

serem muitos e pelo respeito sua expressa vontade de discrio, impeditiva de os fazer

levantar voo impulsionados por quaisquer ventos; os que no conheo e a quem tanto devo,

pelo bem realizado e a cuja sombra protectora vivo acariciada

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VII

LISTA DE ABREVIATURAS

ACT Actos dos Apstolos

ADCE Associao de Dirigentes Cristos de Empresas

AES Agenda Europeia

BM Banco Mundial

CA Centesimus Annus

CIC Catecismo da Igreja Catlica

CDSI Compendio de Doutrina Social da Igreja

CELAM Conferncia Episcopal Latino Amrica

CNJP Comisso Nacional Justia e Paz

DH Dignitatis Humanae

DQ Didaqu

DR Divini Redemptoris

DT Deuteronmio

DV Donum Vitae

DN De Nabothae

EPNQ European Foundation For Quality Management

EU Unio Europeia

EX. xodo

GC Global Compact

GME Guidelines for Multinational Enterprises

GN Genesis

GRI Global Report Initiative

G.S Gaudium et Spes

IAPMEI Instituto de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas

IS. Isaas

ISO Organizao Internacional de Normalizao

JO. Joo

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Lv. Levtico

LE Laborem Exercens

MB Mit Brennender

MC Marcos

MM Mater et Magistra

MT Mateus

NP Norma Portuguesa

OA Octogesima Adveniens

OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

ONG. Organizao No Governamental

ONU Organizao das Naes Unidas

RM Rdio Mensagem

RN Rerum Novarum

PT Pacem in Terris

PP Populorum Progressio

PR Provrbios

QA Quadragesimus Annus

1Rs 1Livro dos Reis

SRS Sollicitudo Rei Socialis

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INDICE GERAL

INDICE GERAL IX

INDICE DE FIGURAS XI

Introduo 1

Captulo I. Especificidade da Responsabilidade Social Empresarial 3

1. O conceito 3

2. Evoluo do conceito de RSE 5

3. Alternativas ao conceito 9

4. A actualidade do conceito de RSE 12

5. A RSE um conceito multiverso 15

6. Enquadramento internacional e europeu do conceito de RSE 18

7. Princpios operativos da RSE 22

8. Intercepo: RSE e Gesto Estratgica 25

9. O estatuto da Filantropia no contexto da RSE 26

10. Caratersticas da RSE e seus objectivos 27

Captulo II. A Doutrina Social da Igreja e as suas fontes 29

1. O conceito 29

2. Contextualizao dos primeiros passos da DSI 30

3. As fontes da DSI 30

3.1 Antigo Testamento 31

3.2 O Novo Testamento 32

3.3 Os Primeiros sculos da Igreja 34

3.3.1 Santo Ambrsio 35

3.3.2 So Baslio 37

3.3.3 So Gregrio Nazianzeno 39

3.3.4 So Joo Crisstomo 40

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Captulo III. Evoluo da Doutrina Social da Igreja 42

1. A DSI no Magistrio de Leo III 42

2. A DSI no Magistrio de Pio XI 43

3. A DSI no Magistrio de Pio XII 44

4. A DSI no Magistrio de Joo XXIII 45

4.1 A Encclica Mater et Magistra 45

4.2 A Encclica Pacem in Terris 47

5. A DSI na ptica do Vaticano II 47

6. A DSI no Magistrio de Paulo VI 48

6.1 A DSI na Encclica Populorum Progressio 48

6.2 A DSI na Encclica Octagesima Adveniens 49

7. A DSI no Magistrio de Joo Paulo II 53

7.1 A DSI na Encclica Laborem Exercens 53

7.2 A DSI na Encclica Sollicitudo Rei Socialis 59

7.3 A DSI na Encclica Centesimus Annus 66

Captulo IV. Princpios da Doutrina Social da Igreja relevantes para a RSE 74

1. Princpio da dignidade humana 74

2. Princpio do respeito pela vida humana 75

3. Princpio de associao 76

4. Princpio da participao 76

5. Princpio da opo preferencial pelos Pobres 77

6. Princpio da solidariedade 78

7. Princpio da subsidiariedade 80

8. Princpio do bem comum 82

9. Princpio do destino universal dos bens 83

Concluso 88

Bibliografia 94

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XI

INDICE DE FIGURAS

Figura 1. Nveis de Responsabilidade Social 7

Figura 2. Responsabilidade Social das Empresas e conceitos afins na dcada de 90 11

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Introduo

O presente trabalho, nascido duma vontade tenaz de crescer na capacidade de servir melhor

aqueles que constituem o objecto do carisma e misso da Congregao Religiosa a que

perteno, incide sobre a Responsabilidade Social Empresarial e Doutrina Social da Igreja,

numa perspectiva de anlise textual sobre as duas temticas.

Num contexto histrico de crise escala global, sintomtica de perversas ideologias e

sistemas em que assenta a organizao social, com expresso nos mais diversos pontos de

vista: poltico, financeiro e econmico-social, ambiental e humano entre outros; sente-se a

urgncia de um novo paradigma de desenvolvimento, portador de solues e

procedimentos, um slido corpo de valores e relaes que deem suporte a uma aco

interactiva e responsvel, em direco ao bem comum de cada pas e da humanidade inteira

(Bento XVI, 2009).

No cenrio que Bento XVI nos descreve, e a todos envolve, que contributos podero ser

encontrados na Responsabilidade Social Empresarial e na Doutrina Social da Igreja em

vista de uma nova ordem econmico-social? Ser possvel uma economia sucednea quela

que o mesmo Papa classifica de irresponsvel e imoral, que sirva a pessoa e no a ditadura

do lucro (Bento XVI, 2009) em tempos de eroso tica? (Flix, 2009).

Poder tal economia contribuir para um desenvolvimento mais equilibrado e abrangente da

pessoa toda e de todas as pessoas, em cujo horizonte se situam os recursos de toda a

espcie que a terra e o trabalho do homem fornecem? (Roland, 2009).

Na rea da Responsabilidade Social Empresarial, sendo, embora, um discurso relativamente

recente, existem j vrios estudos e importantes documentos que a suportam juridicamente

(Almeida, 2010).

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Quanto Doutrina Social da Igreja o percurso so mais longo e a literatura muito

abundante. Irei ater-me s suas fontes: Bblia e Tradio da Igreja e aos documentos do

Magistrio da Igreja posteriores entre 1846 e 2005, ano que encerra o pontificado de Joo

Paulo II.

Na impossibilidade de abordar a Doutrina Social de todas as Igrejas Crists, de que

resultaria um trabalho de excessiva dimenso, limitarei a minha pesquisa ao mbito da

Doutrina Social da Igreja Catlica sem, com tal procedimento, pretender diminuir o seu

valor, enquanto discurso que respeito e valorizo, ou desconsiderar os benefcios para a

humanidade decorrentes do seu compromisso social em que as mesmas Igrejas,

empenhadamente, se envolvem.

Proponho-me uma anlise documental comparativa dos dois conceitos em estudo, tendo em

vista o contedo dos documentos: sua anlise, seus princpios e suas propostas.

Considero que este trabalho possa ser relevncia para mim prpria e para a Congregao a

que perteno (validade interna) e para as Instituies de Solidariedade Social em que a

Congregao est comprometida directa e indirectamente, na sua misso de acolhimento e

proposta de aquisio de competncias a pessoas socialmente desintegradas, em vista de

uma posterior reintegrao social, no somente desejada como bem-sucedida (validade

externa).

Sendo dois os conceitos tomados neste estudo a base para a hiptese formulada:

Responsabilidade Social Empresarial e Doutrina Social da Igreja pressupostos de uma

outra economia e de um outro desenvolvimento seguirei a ordem da sua indicao no

ttulo: A Responsabilidade Social Empresarial e Doutrina Social da Igreja.

Como estrutura do Corpo Textual ter quatro captulos A especificidade da

Responsabilidade Social Empresarial; A Doutrina Social da Igreja e suas fontes; A

evoluo da Doutrina Social da Igreja; e os princpios da Doutrina Social da Igreja que

sero seguidos de uma concluso.

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Captulo I. Especificidade da Responsabilidade Social Empresarial

A necessidade de olhar o mundo sempre em mutao, tambm na esfera das mutaes a que

est sujeita a ordem econmica, a qual sempre anda interligada s politicas sociais e

culturais, que por sua vez implicam a adaptao entre as diversas instituies, mercados e

organizaes da sociedade, faz emergir reflexes e conceitos tipicamente contextualizados

no percurso das civilizaes e da histria, com a finalidade de conduzir a mesma sociedade

para uma sempre almejada melhoria de qualidade de vida globalmente entendida que, no

raro, traz consigo a necessidade de compartilhar objectivos, unir esforos, para,

posteriormente, se poder desfrutar resultados.

1. O conceito

As mutaes dos sistemas de organizao poltica das ltimas dcadas, com as

consequentes repercusses na gesto poltico-financeira dos Estados, adicionando o

desenvolvimento tecnolgico facilitador da transformao do Universo numa aldeia global,

originaram uma corrente de questionamentos acerca do mercado que tendencialmente se

vai organizando mesma escala. neste contexto que muitas empresas se viram

confrontadas com o imperativo de rever seus sistemas de cadeia produtiva e definir, ou

mesmo redefinir, seus princpios e suas formas de gesto empresarial (Almeida, 2010).

Thiry-Cherques (2003) afirma As empresas () vm-se na contingncia de reavaliar o

peso dos efeitos da sua conduta. Elas esto sendo responsabilizadas pela indiferena, pelo

equvoco e pela imprudncia que nos trouxeram situao de risco () que nos trouxeram.

() Dentre as atitudes possveis para enfrentar esse desafio, a mais rpida parece ser a de

sacudir a letargia e tentar dar conta do que est evidentemente errado. Trata-se de buscar

uma nova identidade para as empresas (cit. in Almeida, 2010, p. 53). As primeiras

manifestaes sobre este tema surgiram, no incio do sculo xx, em trabalhos de Charles

Elliot (1906), Arthur Hakley (1907) e John Clarck (1916). No entanto, tais manifestaes

no receberam apoio, pois foram consideradas de cunho socialista.

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Os primeiros estudos que tratam da responsabilidade social tiveram incio nos Estados

Unidos, na dcada de 50. Em 1953 Howard Bowen e Joseph Mcguire em 1963 desafiaram

a viso liberal, esvaziadora da funo social das mesmas e contrapem viso liberal a

necessidade das empresas fazerem acompanhar o seu aumento de poder por um crescente

aumento da sua responsabilidade, a tornar-se visvel atravs da adopo de polticas e

prticas de timbre social: intervenes focalizadas na resoluo de problemas sociais e

parcerias com o Estado na rea scio econmica, particularmente no local de sua

implantao.

com o livro Social Responsibilities of the Businessman, de Howard Bowen, defendo o

tema, que a Responsabilidade Social Empresarial (RSE em ingls CSR ou Corporate

Social Responsibility) recebeu ateno e ganhou espao. Considerado o fundador da RSE,

questiona-se sobre os impactos das decises dos liders empresariais e das aces concretas

avanadas pelas empresas. Considerando este autor que se impunha a necessidade de

compreender o agir empresarial, advoga a importncia de obter conhecimento sobre as

actividades empresariais e sugere o recurso s auditorias. Estavam em causa os conflitos

emergentes que colocavam em oposio as grandes empresas e a sociedade civil. Sendo,

poca, o Pas com uma posio dominante no mundo, enquanto nao em que o capitalismo

forjava os seus alicerces e de cujo resultado se viria a verificar o seu poderio monopolista e

hegemnico, embora se possam atribuir ao debate questes de ordem histrica e cultural, o

factor da supremacia econmica o mais forte a impulsionar o debate da RSE.

medida que as empresas privadas progrediam em grandeza e capacidade de influncia, na

sociedade emergia e consolidava-se a fora reivindicativa e multiplicavam-se os grupos

organizados com essa misso. crescente acumulao de lucros obtidos tornava-se, assim

se acreditava, um quase imperativo obter uma melhor qualidade de vida, condies mais

dignas no exerccio da actividade laboral, aumentar ordenados, operar uma melhoria

relacional entre os trabalhadores e patres.

O binmio expanso global da economia e o controle social dos cidados forou as

empresas adopo de polticas sociais, econmicas e ambientais bem como concepo

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de estratgias de divulgao de suas novas atitudes, conscientes de que tal se impunha para

garantirem o apreo e o respeito por parte dos cidados e, em consequncia, assegurarem a

sua competitividade (Almeida, 2010).

2. Evoluo do conceito de RSE

Um novo olhar se apresentava, ento, sobre a forma de integrar factores diversos, inter-

relacionados ou at sobrepostos, que os sistemas socio-polticos e financeiros em processo

de consolidao crescente faziam emergir e dos quais se tornara, em boa parte, centro. Nos

anos70 nasceram associaes de profissionais interessados em estudar o tema: American

Accouting Association e American Institute of Certified Public Accountants. a partir da

que a RSE deixou de ser considerada uma mera curiosidade e adquiriu um estatuto de tema

vlido para estudo sobre o crescimento das empresas, conquistando importncia decisiva.

Perdendo o atributo de simples curiosidade, a responsabilidade social deixou de ser algo

insignificante, transformou-se num novo objecto de estudo, e comeou a ser encarada cada

vez mais como um factor decisivo para o desenvolvimento e crescimento das empresas.

Na Europa os primeiros estudos sobre a RSE surgem nos anos 60 (Bicalho, 2003). Na

dcada de 60 a 70 surgem uma ampla variedade de conceitos. Em 1963 Mc Guire, exclui o

cumprimento das normas legais e econmicas das prticas da RSE e defende o seu carcter

de mero voluntariado, o que viria a ser secundado por Walton em 1967 (Almeida, 2010, p.

65). Nesta dcada, destacam-se Friedman e Carrol. Friedman, para quem o nico propsito

das empresas deveria ser aumentar os seus lucros, defendia que ao gerar lucros as empresas

contribuam para o bem-estar social, gerando empregos e pagando salrios justos o que

melhorava a qualidade de vida dos cidados e com o pagamento de impostos, contribua

para a funo do Estado no seu mnus de velar pelo bem-estar pblico.

Carrol advogava que a responsabilidade social das empresas implicava ir ao encontro das

expectativas econmicas, legais, ticas e filantrpicas da sociedade contextualizada.

(Oliveira, 2010) e citando Walton (1967, p. 18) afirma que a RSE abrange o

reconhecimento da ntima relao entre empresa e a sociedade e que esta relao deve estar

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presente nos gestores de topo e evidenciar-se ao ritmo da concretizao dos objectivos,

tanto ao nvel da empresa como dos grupos com quem esta se relaciona. Temos, com

Carrol, a atribuio s empresas de uma responsabilidade social extensiva a vrios nveis:

Figura 1. Nveis de Responsabilidade Social

Nveis Caracterizao

Responsabilidade Econmica

As empresas tm uma responsabilidade de

natureza econmica. Tm a responsabilidade de

produzir bens e servios que a sociedade

necessita e deseja e vend-los de forma a obter

lucros.

Responsabilidade Legal

A sociedade espera das empresas que elas cumpram a sua misso econmica dentro dos

parmetros legais estabelecidos na sociedade

onde se inserem.

As leis a cumprir pelas empresas so as

elaboradas para as condies de segurana e

proteco ambiental

Responsabilidade tica

Abrange os comportamentos ticos esperados das empresas, sintonizados com cdigos e valores

morais implcitos na sociedade envolvente;

honrando os direitos dos outros, cumprir os seus

deveres e evitar prejudicar os outros.

Responsabilidade Filantrpica

Significa o interesse por actividades desenvolvidas no mbito da interveno social

das empresas, apoiando causas que visem a

melhoria das condies de vida de pessoas com

dfice socioeconmico que lhes permita a

satisfao das necessidades bsicas, extrapolando

as meras obrigaes legais e ticas

Fonte: Construda a partir de Carrol, 1979; 1999, referido por Leal (s/d, p. 5) e Almeida (2010, p. 65).

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A visibilidade das diferenas conceptuais destes dois autores de fcil alcance, como fcil

a constatao da superioridade em abrangncia e em justeza a posio de Carrol sobre

Friedman.

Observando a figura podemos verificar a evidncia atribuda por Carrol (Almeida, p. 65)

Responsabilidade Econmica. Com efeito, ela est na base e constitui o suporte das outras

Responsabilidades assumidas pelas empresas, segundo a prioridade em linha sequencial,

com destaque para as responsabilidades ticas e filantrpicas. Se as primeiras apontam para

comportamentos no exigveis mas desejveis socialmente e justificadas pela tica, as

segundas envolvem de forma directa as empresas atravs dos contributos financeiros,

transparncia de meios, atitudes proactivas em vista do crescimento do bem-estar social e

econmico.

de realar a elevao da filantropia categoria de dimenso de Caracterstica de

Responsabilidade Social, o que se enquadra na vincada tradio dos Estados Unidos que faz

com que a sociedade se posicione de forma expectante ao ver associado o binmio:

filantropia/empresa, embora a filantropia tenha na escala uma integrao de dimenso

inferior s demais caractersticas da RSE.

Deve-se a Carrol a primeira tentativa de conciliao das vrias teorias sobre a RSE, o

conceito de Preston e Post (1975) e a viso de Sethi (1979), que tipificava a

Responsabilidade Social da Empresa como a configurao de princpios de

responsabilidade social, processos de resposta social e de polticas, programas e resultados

observveis associados sociedade.

ainda este autor quem primeiro refere os compromissos econmicos como caractersticas

da RSE, sem, todavia, opor os fins lucrativos s restantes dimenses que identifica nela,

contrariando os adeptos da teoria de que o lucro constitui a fonte de todos comportamentos

indicadores da sujeio das pessoas ao domnio de interesses egostas. Em segundo lugar,

desafia, com a incluso da responsabilidade legal no modelo que apresenta, uma posio

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dominante para a qual a responsabilidade social nas empresas, tinha a lei como fronteira. E,

finalmente, considera que as responsabilidades sociais no tm estanques na sua

operacionalizao, apenas pode verificar-se em tal exerccio, a varivel dimensional das

empresas, da filosofia de gesto da estratgia corporativa, das caractersticas da indstria ou

das condies gerais da economia. Em sntese, a convico que se afirma a pertinncia do

cumprimento de objectivos econmicos sem desrespeitar a lei e o assumir de compromissos

ticos em vista da melhoria da qualidade de vida da sociedade (Almeida, 2010, p. 65). tica

e transparncia ho-de tornar-se um caminho para o conhecimento e dilogo entre as partes

interessadas sem o qual a RSE no poder atingir o seu potencial de relevncia.

Apesar da inexistncia de um acordo geral sobre um conceito abrangente de RSE, temos j

alguns princpios considerados fundamentais, que as empresas devem respeitar, para que

sejam reconhecidas como empresas socialmente responsveis:

Reconhecimento do impacto que produzem sobre a sociedade onde se inserem;

- Gesto dos impactos ambientais a nvel local e global;

- Efectivo dilogo sobre as caractersticas anteriores com as partes interessadas, adoptando

a estratgia das parcerias com outros grupos e organizaes, em vista do dilogo que se

impem.

Paulatinamente, a RSE impem-se como tema amplamente debatido no campo da gesto,

envolvendo a sociedade em geral e, dentro dela grupos especficos: polticos, empresariais e

acadmicos. No debate que se trava apontam-se as implicaes multilaterais da vida

econmica e social, com incidncia nas delimitaes das fronteiras ticas da interveno

das empresas: Surgem questionamentos sobre os impactos sociais das actividades

empresariais no bem-estar social, a interaco do Estado com as empresas, atendimento s

situaes de vulnerabilidade financeira e entendimento sobre o tipo de relaes vinculativas

das empresas com a sociedade (Almeida, 2010).

tambm neste contexto, em que as empresas detm um controlo monopolista, que surgem

os questionamentos ticos no mbito dos negcios e da gesto empresarial.

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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3. Alternativas ao conceito

Se na primeira metade do sculo XX a reflexo crtica reivindicava a filantropia das

grandes empresas e combatia a injustia social, que o processo acumulativo de bens

proporcionado pelo sistema capitalista gerava, ao caminhar para o fim do sculo a mesma

reflexo direcionou-se para as responsabilidades que competiriam s empresas assumir para

com a sociedade e ao papel da empresa como agente de transformao social relevante.

Com a evoluo das condies sociopolticas e econmicas decorridas, evoluiu

paralelamente a concepo da RSE, que assumiu uma funo legitimadora da aco

empresarial e a elevou categoria de agente moral, sujeito de apreciao tica, e o

discurso comeou a conter referncias explcitas a direitos e deveres.

Apenas na dcada de 80 se acrescentou ao debate a vertente da sustentabilidade, assim

como o conceito de Stakeholders, vocbulo que agrega conjunto de todos os grupos e

pessoas abrangidas pelas actividades das empresas.

Dcada marcada por menos definies, mas mais aplicaes e estudos empricos sobre o

tema, apresenta-nos como autores que se debruaram sobre esta rea, Jones (1980),

Drucker (1984), Cochran e Wood (1984). De entre estes autores evidencia-se Drucker para

quem as empresas deveriam olhar a RSE e a rentabilidade como noes complementares, e

considerar a ideia de que proveitoso ao negcio, converter as responsabilidades sociais

em oportunidades de negcio (Leal, s/d). Esta sugesto de encarar os problemas sociais

como oportunidade de negcio constitui um acrscimo, at ento raramente considerada.

Nos anos 90, verifica-se que a evoluo se manteve, que uma multiplicidade de noes se

veicula de forma nem sempre articulada, chegando mesmo a ser sobreposta, o que

evidencia o interesse de que continuou a ser alvo e com orientao tripartida: terica,

descritiva e prescritiva.

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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A tabela que segue d-nos uma panormica dos conceitos surgidos e com a incluso de

complementaridade inerente que o desenvolvimento ocorrido comportava.

Figura 2 Responsabilidade Social das Empresas e conceitos afins na dcada de 90

Conceito Definio Autores

Corporate Social

Performance

Conjunto de princpios de responsabilidade

social, processos socialmente responsavaveis,

polticas, programas e resultados observveis

que evidenciem relaes da empresa com a

sociedade.

Wartick e

Cochran (1985)

citados por Wood

tica nos negcios

Apresenta a forma como a empresa integra um

conjunto de valores considerados essenciais

nomeadamente os valores da honestidade,

confiana, respeito e justia; nas suas decises,

polticas, prticas no mbito de toda a sua

organizao e envolvendo o cumprimento de

normas e padres legais externos e internos.

Borger (2001)

Social Responsiveness

Capacidade para responder s presses

emergentes da sociedade, respondendo a novos

desafios de forma responsvel, antecipando o

surgir de questes sociais, desenvolvendo um

conjunto de polticas antecipatvas como

estratgia de gesto.

Frederick (1978)

Borger (2001)

Cidadania Empresarial

Inclui preocupaes bsicas, como promover o

desenvolvimento da competncia empresarial, a

sustentabilidade da empresa, prevenir a boa

reputao da empresa e o cuidado com o bem-

estar dos seus funcionrios.

Stakeholder Theory

O conceito de partes interessadas, acrescenta a

noo de que as empresas tm obrigaes que

extrapolam os interesses dos accionistas,

devendo, por isso, preocupar-se com a satisfao

dos grupos existentes na sociedade, e a quem a

sua aco empresarial envolve, englobando

aqueles grupos especficos que devero ser

atingidos na actuao social discernida.

Freeman (1984)

Fonte: adaptado a partir de Leal (s/d) e Almeida (2010).

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Ainda na dcada de 90 e impulsionado pela discusso no seio da Associao de Dirigentes

Cristos de Empresas (ADCE) nasceu, no Brasil o Instituto Ethos de Empresas de

Responsabilidade Social, o qual veio a tornar-se um dos mais importantes impulsionadores

do debate sobre a RSE por parte dos empresrios e consequente introduo de novas

prticas da mesma.

Em 2001, Froes defendia que as empresas necessitavam de escolher os focos de aco no

mbito do ambiente, estratgia de aco e papel social a desempenhar, sem todavia,

apresentar uma definio definitiva do conceito, embora elencasse amplamente as

diferentes vises a seu respeito, partindo das motivaes subjacentes aco das empresas

e efeitos pela mesma demonstrada. Por considerar as empresas disseminadoras de novos

valores, j perceptveis nos frutos apresentados na melhoria da qualidade de vida da

sociedade, Froes considerava tais efeitos um salto qualitativo da RSE e atribuiu s empresas

portadoras desses novos valores a designao de empresas cidads (Froes, 2001).

Tambm em 2001 surgiu o Livro Verde da Comisso Europeia, que veio a tornar-se um

documento de acentuado valor no respeitante ao tema da RSE. Segundo a Unio Europeia,

a responsabilidade social das empresas, foi definida como sendo, essencialmente, um

conceito segundo o qual as empresas decidem, numa base voluntria, contribuir para uma

sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo (Comisso Europeia 2001.20). Ser

socialmente responsvel extrapolava o cumprimento de todas as obrigaes legais

implicava ir mais alm atravs de um maior investimento em capital humano, no ambiente

e nas relaes com outras partes interessadas e comunidades locais demonstrando que

existia, ento, na esfera empresarial a percepo de que o sucesso das empresas e os

benefcios duradouros para os agentes seus associados, no se obtm somente atravs da

maximizao de lucros a curto prazo, mas sim de um comportamento, que sem deixar de ter

em conta os interesses do mercado, necessita de coerncia e responsabilidade (Comisso

Europeia, 2001, pp. 21-27).

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

12

Perante estas circunstncias, cada vez mais as empresas se decidem, em maior nmero, por

uma cultura de responsabilidade social (Comisso Europeia, 2001, p.1).

4. A atualidade do conceito de RSE

O conceito de Responsabilidade Social Empresarial um conceito que emerge do debate

sobre a interaco das empresas e sociedade civil, pelos anos noventa, desencadeado pelo

fenmeno da globalizao.

A aceitao alargada e crescente de que beneficia, fica a dever-se aceitao do chamado

desafio global do desenvolvimento sustentvel. Perante o crescimento econmico que

implica, sobretudo para os pases mais pobres e populaes desfavorecidas nos pases

industrializados, cujo bem-estar depende de um maior e melhor acesso a bens de consumo e

mecanismos de desenvolvimento, uma reflexo se foi impondo, para que os desvios sempre

possveis nos comportamentos humanos, quando o factor econmico, intrinsecamente nsito

na vida humana, se lhes associa, tenham algum limite.

Sendo o sector privado a principal fora impulsionadora desse crescimento, a ele que

cumpre o desafio de prevenir desvios e garantir uma efectiva contribuio para que a

sustentabilidade do desenvolvimento se faa de forma a controlar o fluxo interactivo das

problemticas ao nvel econmico, ambiental e social, que um desenvolvimento

selvagem pode potenciar e alimentar.

Pese embora a ampla gama de abordagens da RSE, as suas principais caractersticas renem

consenso generalizado que permite ensaiar uma tentativa de delimitao conceptual.

Por RSE entende-se um comportamento que as empresas adoptam voluntariamente e para

alm de prescries legais, porque consideram ser do seu interesse a longo prazo; est

estreitamente associada ao conceito de desenvolvimento sustentvel: as empresas tm de

integrar nas suas operaes o impacto econmico, social e ambiental; a RSE no , ento,

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13

um acrescentoopcional s actividades nucleares de uma empresa, mas sim forma como

esta gerida.

Sendo essencialmente um conceito que permite s empresas decidir voluntariamente quais

os compromissos que assumem a nvel econmico, social e ambiental, para alm dos

compromissos impostos por lei nas mesmas reas, resulta da que podemos encontrar

diferentes definies elaboradas no seio das diversas organizaes, desde organizaes

internacionais como a OIT e OCDE at organizaes de empresas e mesmo, empresas

singulares. Assim, ao longo do percurso feito pela RSE podemos encontrar as seguintes

abordagens ao conceito como por exemplo:

- A RSE. a integrao voluntria, por parte das empresas, das preocupaes sociais e

ambientais nas suas operaes produtivas e nas interaces com os seus interlocutores ()

implica ir mais alm do que a mera obedincia aos requisitos legais, atravs de um maior

investimento no capital humano, no ambiente e nas relaes com os seus interlocutores.

um instrumento voluntrio, mas que deve ser implantado de forma fivel, a fim de

promover a confiana e a segurana dos seus interlocutores. (Agncia Europeia para a

Segurana).

- A RSE. a integrao voluntria de preocupaes sociais e ambientais por parte das

empresas nas suas operaes e na sua interaco com outras partes interessadas (Comisso

Europeia).

- A RSE um conceito, segundo o qual, as empresas decidem, numa base voluntria,

contribuir para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo. Com base nesse

pressuposto, a gesto das empresas no pode, e/ou no deve, ser norteada apenas para o

cumprimento de interesses dos proprietrios das mesmas, mas tambm pelos de outros

detentores de interesses como, por exemplo, os trabalhadores, as comunidades locais, os

clientes, os fornecedores, as autoridades pblicas, os concorrentes e a sociedade em geral

(Livro Verde da Comisso Europeia).

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

14

- A RSE a integrao voluntria de preocupaes sociais e ambientais nas suas aces e

na sua interaco com todas as partes interessadas, pelas quais as empresas contribuem para

a satisfao das necessidades dos seus clientes, gerindo simultaneamente as expectativas

dos trabalhadores e da comunidade local. Consequentemente, as empresas contribuem, de

forma positiva para a sociedade, gerem os impactos ambientais das suas actividades

empresariais e obtm de retorno vantagens directas para o negcio j que asseguram a sua

competitividade a longo prazo (IAPMEI).

- A RSE a forma de gesto que se define pela sua relao tica e transparente da

empresa com todos os pblicos com os quais se relaciona e pelo estabelecimento de metas

empresariais compatveis com o desenvolvimento sustentvel da sociedade, preservando

recursos ambientais e culturais para as geraes futuras, respeitando e promovendo a

reduo das desigualdades sociais (FPNQ, 2005).

- A RSE o compromisso permanente dos empresrios em adoptar um comportamento

tico e contribuir para o desenvolvimento econmico, melhorando, simultaneamente, a

qualidade de vida dos seus empregados e de suas famlias, da comunidade local e da

sociedade como um todo (FPNQ, 2005).

-A RSE o compromisso de uma organizao perante a sociedade, atravs de actos e

atitudes positivas, de forma ampla, ou especfica, agindo de maneira proactiva e coerente,

exercendo um papel especfico na sociedade. Desta forma, a organizao assume

obrigaes de carcter moral, que possam contribuir para o desenvolvimento sustentvel da

sociedade a que est agregada, a questo dos direitos humanos dos empregados, dos

consumidores e dos grupos de interesse, o envolvimento comunitrio, a relao com os

fornecedores, monitorizao e avaliao de desempenho (ETHOS).

- A RSE representa o compromisso com a ideia de organizao como conjunto de pessoas

que interagem com a sociedade. Assume o princpio de que as organizaes tm sua origem

e seus fins essenciais nas pessoas, as quais se organizam e se dispem em diversos grupos

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

15

de interesses, com peculiaridades e distintos tipos de relao. Contempla o impacto da

aco da empresa em sua trplice dimenso: econmica, social e ambiental, tende como

meta principal a consecuo do desenvolvimento sustentvel (AECA, 2004).

-A RSE uma iniciativa de carcter voluntrio que promove actividades com

repercusses positivas sobre a sociedade e afirmam os princpios e valores pelos que se

regem as empresas que promotoras, tanto em seus prprios mtodos e processos internos

como em sua relao com os demais actores (OIT).

- A norma Portuguesa de Responsabilidade Social, 4469 de 2008, em cumprimento da

recomendao da ISO 26000 no sentido de cada Pas criasse uma resposta direccionada

sua realidade, define-a como sendo as aces voluntrias das organizaes, tendo em

vista a maximizao dos seus impactos positivos, bem como a reduo ou eliminao dos

seus impactos negativos. Essas aces devem ser consistentes com os interesses da

sociedade, baseadas na conformidade com a legislao aplicvel, com instrumentos

governamentais e com instrumentos emanados de instituies internacionalmente

reconhecidas, e integradas nas actividades em curso na organizao. O processo de dilogo

que implica deve centrar-se nas questes das problemticas relacionadas com o ambiente,

esfera econmica e social (NP 2008.1), e subscreve a remisso para os documentos e

convenes internacionais indicados na ISO 26000.

5. A RSE: um conceito multiverso

Em geral, no h um significado preciso de responsabilidade social, surgindo assim,

conhecimentos tericos com diferentes conceitualizaes responsabilidade social como

obrigao social (Friedman, 1970); responsabilidade social como aprovao social (Davis

& Blomstrom, 1975) e responsabilidade social como abordagem sistmica dos stakeholders

(ZadeK, 1998).

Melo Neto Froes (2001) identifica um conjunto de vises da RSE como sendo a melhor

forma de analisar o conceito.

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

16

A responsabilidade social como atitude e comportamento empresarial tico e

responsvel: dever e compromisso da organizao assumir uma postura transparente,

responsvel e tica em suas relaes com os seus diversos pblicos (governo, clientes,

fornecedores e comunidade).

A responsabilidade social como um conjunto de valores: No incorpora apenas

conceitos ticos, mas uma srie de outros conceitos que lhe proporciona sustentabilidade,

como por exemplo, auto estima dos funcionrios, desenvolvimento social e outros.

A responsabilidade social como postura estratgica empresarial: A busca da

responsabilidade social vista como uma aco social estratgica, que gera retorno positivo

aos negcios, ou seja, os resultados so medidos atravs da facturao e vendas.

A responsabilidade social como estratgia de relacionamento: Voltada para a

melhoria de qualidade do relacionamento com seus diversos pblicos-alvo, a

responsabilidade social usada como estratgia de marketing de relacionamento,

especialmente com clientes, fornecedores e distribuidores.

A RSE como estratgia de valorizao de produtos/servios: O objectivo no

apenas comprovar a qualidade dos produtos/servios da empresa, mas tambm

proporciona-lhes o estatuto de socialmente correctos.

A RSE como estratgia de insero na comunidade: A empresa busca aprimorar suas

relaes com a comunidade e a sociedade e tambm a definio de novas formas de

continuar nela inserida.

A RSE como estratgia social de desenvolvimento na comunidade: A

responsabilidade social vista como uma estratgia para o desenvolvimento social da

comunidade. Dessa forma, a organizao passa a assumir papel de agente do

desenvolvimento local, junto com outras entidades comunitrias e o prprio governo.

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

17

A RSE como promotora da cidadania individual e colectiva: A empresa, mediante

suas aces, ajuda seus colaboradores a tornarem se verdadeiros cidados e contribui para

a promoo da cidadania na sociedade

A RSE como exerccio de conscincia ecolgica: A responsabilidade social vista

como responsabilidade ambiental. A empresa investe em programas de educao e

preservao do meio ambiente, e consequentemente, torna-se uma difusora de valores e

prticas ambientalistas.

A RSE como exerccio de capacitao profissional: Neste caso, o exerccio de

responsabilidade social opera a capacitao profissional dos membros da comunidade e

empregados da empresa.

A RSE como estratgia de integrao social: Esse conceito parte do pressuposto de

que o maior desafio histrico da nossa sociedade actual o de criar condies para que se

atinja a efectiva incluso social no pas.

A RSE como estratgia de valorizao da empresa, isto , como meio para agregar

valor, pois se considera que reputao e valor de aces no mercado se conjugam bem.

(Georgete Pereira, 2000)

A RSE como estratgia de angariao e manuteno de recursos humanos, que

conduz as empresas a promover aces dirigidas aos seus colaboradores e seus

dependentes, tendo por objectivo satisfaz-los e, em consequncia, manter os melhores

talentos e fazer crescer o volume de produo.

A RSE como forma de gesto integrada. O Livro Verde da Comisso Europeia

defende que a Responsabilidade Social deve ser abordada e gerida de forma integrada, o

que significa numa fase inicial, que as empresas comecem por adoptar uma declarao de

misso, um cdigo de conduta, valores fundamentais e responsabilidades para com as

diversas partes interessadas. Em seguida, as empresas devero aplicar estes valores a toda a

sua organizao, desde as estratgias de programao de operacionalidade at s decises

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

18

correntes. Isto pressupe que a dimenso social ou ambientalmente responsvel esteja

presente no planeamento estratgico, planos de actividades e oramentos.

A responsabilidade social como estratgia de marketing institucional: O foco est na

melhoria da imagem institucional da empresa. So os ganhos institucionais da condio de

empresa cidad que justificam os investimentos em aces sociais encetadas pela empresa

com o objectivo de satisfaz-los e, consequentemente, reter seus principais talentos e

aumentar a produtividade.

Percebe-se ento que inmeras so as interpretaes e definies de Responsabilidade

Social Empresarial, e que cada empresa acaba actuando de uma forma determinada perante

si mesma e frente sociedade. Em geral, no h um significado preciso de responsabilidade

social, surgindo assim, conhecimentos tericos com diferentes conceptualizaes:

responsabilidade social como obrigao social (Friedman, 1970); responsabilidade social

como aprovao social (Davis & Blomstrom, 1975) e responsabilidade social como

abordagem sistmica dos stakeholders (Zadek,1998).

6. Enquadramento internacional e europeu do conceito de RSE

Observamos, no decorrer da identificao da diversidade de conceitos sobre a RSE o acenar

da questo tica atinente gesto empresarial. Temos, posicionamentos mltiplos, de cariz

jurdicos, emanados de Instncias Europeias e Transeuropeias

Das instncias transeuropeias, destacam-se a ONU, a OCDE, a OIT, e o BM, abarcando

os perodos que vo de 1948 a esta data. Ao nvel europeu, em particular, diversas

declaraes iniciam-se em 1995 e foram-se sucedendo at ao presente.

Como tentativa de resposta ao acenar tico na RSE, a Organizao Internacional de

Normalizao, nascida em 1946 com o objectivo de criar normas que facilitem o comrcio

e promovam boas prticas de gesto e avano tecnolgico, atravs da Comisso de Poltica

do Consumidor, formou um grupo a quem confiou a misso de estudar o ponto da situao

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

19

da Responsabilidade Social Empresarial no mundo. Deste estudo veio a resultar a deciso

de elaborao de normas para a gesto das reas contempladas na RSE ao longo do seu

percurso. Trata-se de normas que abrangem todos os aspectos das condies de trabalho,

relaes industriais e poltica social; vinculam todos os pases que as rectificaram, e tm

por objectivo assistir os Estados membros na implantao desses direitos na sua legislao

e nas suas prticas para que seja possvel a rectificao das convenes, os pases obtenham

condies de trabalho saudveis e se desenhem orientaes abrangentes em esquema

triangular: governos, entidades empregadoras e operrios.

Das posies definidas a este nvel transeuropeu temos:

- A Global Reporting Initiative (1997) com o objectivo de alcanar a qualidade, o rigor e a

utilidade dos relatrios de sustentabilidade;

- O Documento Global Compact (1999) o qual prope que as empresas abracem e ponham

em prtica um conjunto de nove princpios relacionados com a observncia dos direitos

humanos, dos referenciais do trabalho e proteco ambiental, com o objectivo de humanizar

o mercado. Estes nove princpios, pela sua pertinncia na rea da RSE, sero apresentados

aps a descrio dos instrumentos que est a ser feita;

- Normas que fornecem s empresas internacionais recomendaes para uma conduta

empresarial responsvel (GME) da OCDE 2000.

- A ONU elaborou um conjunto de normas sublinhando as obrigaes sociais e econmicas

das empresas transnacionais baseadas, maioritariamente, nos direitos humanos e

referenciais de trabalho existentes e aprovadas pela Comisso para a Promoo e Proteco

dos Direitos Humanos da ONU, 2003;

- Da Legislao Internacional Extra Europeia destacam-se, ainda: a norma ISO 8000 em

2001 ISO 9000 para a gesto qualidade; a ISO 14000 para a gesto do ambiente e a ISO

26000 que visa introduzir um sistema de gesto para introduzir valores, princpios,

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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sustentabilidade e responsabilidade social empresarial nas Organizaes, cujos requisitos se

relacionam com os princpios inerentes Igualdade de Oportunidades entre Homens e

Mulheres, Trabalho Infantil, Trabalho Forado, Sade e Segurana, Liberdade de

Associao e Direito Negociao Colectiva, Discriminao, Prticas Disciplinares,

Horrio de Trabalho e Remunerao;

- De acordo com a ISO 26000, iniciada em 2004 e concluda em 2010, as Organizaes

devem respeitar a legislao nacional e outra aplicvel em questes de igualdade de

oportunidades, bem como as normas consignadas nas convenes da OIT, Declarao dos

Direitos Humanos, Conveno das Naes Sobre os Direitos da Criana, Conveno das

Naes Unidas para Eliminar Todas as Formas de Discriminao contra as Mulheres.

Das Convenes da OIT, referem-se os nmeros:

- 29 e 105 (Trabalho Forado e Trabalho Escravo);

- 87 (Liberdade de Associao);

- 98 (Direito de Negociao Colectiva);

- 100 e 111 Remunerao Equivalente para trabalhos masculinos e femininos por trabalho

equivalente);

- 135 (Conveno dos Representantes dos Trabalhadores);

- 138 (Recomendao 146 (Idade Mnima);

- 155 (Recomendao 164 (Sade e Segurana Ocupacional);

- 159 (Reabilitao Vocacional e Emprego/Pessoas com Deficincia);

- 177 (Trabalho em Domiclio);

-182 (Sobre as piores Formas de trabalho Infantil) (cf. igualmente a Norma Internacional

IS0 2011).

- Estabelecimento de padres de conduta para empresas europeias, particularmente para as

que actuam em pases em desenvolvimento, sobre o trabalho infantil, anti corrupo e

sustentabilidade ambiental (Parlamento Europeu, 1999);

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

21

- Norma que fornecem s empresas internacionais recomendaes para uma conduta

empresarial responsvel (GME da OCDE 2000).

Encontra-se igualmente um suporte significativo ao enquadramento europeu da RSE nos

elementos seguintes:

- Apelo s boas prticas no sentido de responsabilidade social das empresas direcionado

para uma economia baseada no conhecimento, mais competitiva e dinmica do mundo,

capaz de um crescimento sustentvel com mais e melhores empregos e maior coeso social

(Conselho Europeu, 2000);

- Pedindo que se inicie o processo para estabelecer uma rede para o dilogo europeu que

encoraje o sentido da RSE (Conselho Europeu da Feira, 2000);

- Convite ao estabelecimento de parcerias entre a Comisso Europeia, empresas, ONGs,

autoridades locais e entidades que gerem servios sociais com o objectivo de fortalecer a

RSE (Conselho Europeu, 2000);

- Reconhecimento de que a RSE um meio para modernizar o Modelo Social Europeu e

Estratgia para o desenvolvimento sustentvel (Conselho Europeu, 2001);

- Elenco dos principais vectores da RSE no Livro Verde sobre a mesma, pela Comisso

Europeia. (Comisso Europeia) 2001, que conduziria Comunicao da Comisso sobre a

RSE como sendo um contributo para o desenvolvimento sustentvel que empresas,

governos e sociedade civil devem divulgar (Comisso Europeia, 2002);

- Incluso de diversos organismos polticos e da sociedade civil no frum European Multi

Stakeholder para aumentar o entendimento sobre a RSE e melhor-la conjuntamente.

(Comisso Europeia) 2002; O frum viria a apresentar o seu prprio relatrio em 2004;

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

22

- Apelo criao de um Selo Social Europeu para contrariar a apropriao indevida dos

benefcios da RSE por parte dos agentes econmicos. (Parlamento Europeu 2002); seguida

da norma que obriga a elaborao de relatrios sociais e ambientais por parte das empresas

emanada pelo TCC em 2003. Dever de publicao de relatrios anuais sobre as mudanas

de gesto e impacto das suas actividades sociais (Comisso Europeia, 2003);

Reconhecimento, por parte da Comisso Europeia, do quanto o mercado interno europeu

beneficiou da RSE e de como convm melhorar a legislao sobre ela (2005). Insistncia,

por parte de Conselho Europeu, ao desenvolvimento da RSE em todos os estados membros.

(Conselho Europeu, 2005-2008. Identificao e promoo de uma cultura europeia do

esprito empresarial como prioridade a desenvolver (Comisso Europeia, 2006).

- A norma Portuguesa de Responsabilidade Social, 4469 de 2008, em cumprimento da

recomendao da ISO 26000 no sentido de cada Pas criasse uma resposta direccionada

sua realidade remete para a legislao internacional, e declara que as aces de RSE devem

ser consistentes com os interesses da sociedade, baseadas na conformidade com a

legislao aplicvel, com instrumentos governamentais e com instrumentos emanados de

instituies internacionalmente reconhecidas, e integradas nas actividades em curso na

organizao. O processo de dilogo que implica deve centrar-se nas questes das

problemticas relacionadas com o ambiente, esfera econmica e social (NP 2008.1) e

subscreve a remisso para os documentos e convenes internacionais indicados na ISO

26000.

Todos estes instrumentos nos conduzem percepo do quanto a RSE se veio a impor fruto

de um debate que fez caminho e manifestou, pelos frutos produzidos, o potencial de

benefcios para as sociedades modernas, que incubava o seu surgimento.

7. Princpios operativos da Responsabilidade Social Empresarial

Tomando os princpios como normas de relevncia indicadores de orientao nas aces a

empreender, no campo da RSE deparamo-nos com uma vasta e dispare gama de

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

23

indicadores. Apresentamos exemplos de posicionamentos com origem Institucional

diversificada onde se pode comprovar essa disparidade. Segundo a Global Compact de

1999, que tem por objectivo encorajar as empresas na implantao de polticas e prticas

com valores e objectivos aplicveis internacionalmente e acordados universalmente,

estabelecem-se nove princpios:

1 - Apoiar e respeitar a proteco dos direitos humanos proclamados internacionalmente;

2 - Evitar a cumplicidade nos abusos dos direitos humanos;

3 - Defender a liberdade de associao e o reconhecimento efectivo do direito negociao

colectiva;

4 Eliminar todas as formas de trabalho forado ou compulsrio;

5 Erradicar efectivamente o trabalho infantil;

6 Eliminar a discriminao no emprego e na ocupao;

7 Apoiar uma abordagem preventiva para os desafios ambientais;

8 - Promover uma maior responsabilidade ambiental;

9 Encorajar o desenvolvimento e a difuso das tecnologias ambientalmente sustentveis.

Em 2000 a Global Compact conjunto com a OIT, reafirmam os nove princpios e

acrescentam o princpio do combate corrupo em todas s suas formas, ficando assim

contempladas as reas dos direitos humanos, direitos laborais, ambiente e corrupo.

O Conselho Europeu convida a integrar os princpios da declarao tripartida da OIT e os

princpios do Rio que foram apresentados no ponto 1.6.1 relacionados como meio

ambiente, desenvolvimento sustentvel e erradicao da pobreza.

Na Norma ISO 26000 temos princpios gerais no mbito dos valores que visam explicitar

uma inspirao superior, como por exemplo o respeito pela lei; temos valores que dizem

respeito a situaes que poderamos chamar substantivas como por exemplo promover a

diversidade, e temos valores operacionais, como por exemplo: transparncia

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

24

Podemos identificar na ISO 26000 os seguintes princpios de RSE e respectivas menes:

- Respeito pelos direitos humanos: 19

- Transparncia: 18

- Princpios da OIT para s relaes de trabalho e negociao: 6

- Convenes internacionais/legislao laboral: 6

- Eliminao do trabalho infantil: 5

- Respeito pela lei Universal: 5

- Responsabilidade: 4

- Comportamento tico: 4

- Equidade/igualdade de oportunidades: 4

- Envolvimento das partes interessadas: 4

- Eliminao da pobreza: 3

- Igualdade/no discriminao: 3

So dez os princpios de RSE consignados na Norma Portuguesa de Responsabilidade

Social n4469 de 2008 os quais contemplam as orientaes das normas NP EN ISO

9001:2000, NP EN ISO 14001:2004 e NP 4397:2001:

- Cumprimento da lei, dos instrumentos de regulamentao colectiva e regulamentos

aplicveis;

- Respeito pelas convenes e declaraes reconhecidas internacionalmente;

- Adopo do princpio de precauo;

- Reconhecimento do direito das partes interessadas em serem ouvidas e o dever de reagir

por parte da organizao;

- Reconhecimento dos aspectos da responsabilidade social directos e indirectos da

organizao, tendo em conta todo o ciclo de vida dos seus produtos;

- Privilgio preveno da poluio na origem;

- Actuao transparente, partilha de informao e comportamento aberto;

- Responsabilizao pelas aces e omisses da organizao e prestao de contas pela sua

conduta face s legtimas preocupaes das partes interessadas;

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

25

- Integrao dos aspectos da responsabilidade social nos sistemas de gesto da organizao

e no seu processo de tomada de deciso;

- No regresso, isto , no utilizando as disposies desta norma como fundamento para a

reduo dos nveis de desempenho em responsabilidade social j alcanados pela

organizao.

8. Intercepo: RSE e Gesto estratgica

A viso da RSE como estratgia de marketing institucional levanta a questo do

equacionamento entre a harmonizao ou contradio do binmio: contribuio para

objectivos de ndole social e prossecuo de objectivos comerciais.

Vimos que o contexto nascente da RSE um contexto que evidencia o conflito entre os

males do capitalismo e a conscincia de que a maior lucro deveriam corresponder melhores

salrios e correlativas melhorias na qualidade de vida dos operrios e pessoas que deles

dependiam. As crticas dirigidas por alguns autores s empresas incidiam no que parecia

configurar uma contradio entre o prosseguir de objectivos comerciais e contribuir para os

objectivos da sociedade (Almeida, 2010).

Uma leitura dos conceitos e vises descritas atrs permite-nos ver como os dois factores se

interceptam. Numa vertente temos a RSE como parte de uma cultura, de misso e valores

da empresa a exigir um compromisso na descrio da misso da empresa, no marketing e

nos processos de comunicao com as partes interessadas; enquanto uma alternativa mais

radical aponta para o papel das empresas num enfoque de prossecuo de objectivos sociais

consistentes, a articular com os interesses econmicos da mesma, a curto e longo prazo,

pelo que se pede a definio de polticas e programas que envolvam a sociedade. Por

conseguinte, uma nova estratgica empresarial tem de desenhar-se. Se a RSE se torna parte

integral dos negcios, do processo de tomada de deciso e deve ser documentalmente

apresentada, necessariamente as empresas tm que definir o que apoiam, o que desejam da

sua relao com as partes interessadas, o que esperam de contrapartidas, os valores e

princpios ticos em que aliceram o seu agir, quer quanto s relaes a estabelecer, quer

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

26

quanto ao contexto de suas polticas e prticas (Borger, 2001cit in, Leal /sd).As empresas

esto assim, perante novos desafios que segundo McGee consistem na necessidade de:

- Pensar os objectivos estratgicos;

- Incorpor-los nos processos de gesto estratgica;

- Existncia de um negcio claramente racional;

- Alinhar os processos com a cultura da empresa e sua estrutura;

- Gerir os processos de forma to eficaz como eficiente.

9. O estatuto da Filantropia no contexto da RSE

Para Saiia e outros autores a RSE aparece classificada como filantropia estratgica pois

ajuda a alcanar os objectivos estratgicos do negcio. Tratando-se de boas aces que

beneficiam tanto os negcios como a sociedade, investir em aces que contribuam de

forma activa e voluntria para a resoluo de problemas sociais e melhoria da qualidade de

vida da sociedade em geral, implicam o envolvimento da empresa de forma directa pois

efectuam, com essa finalidade, contribuies financeiras e transferem recursos. Procedendo

assim a filantropia gera expectativas na sociedade em relao s empresas que nela operam

(Almeida, 2010).

Para Porter e Kramer (2002, cit. in Almeida 2010), a maioria das aces designadas de

filantropia estratgica raramente so verdadeiramente estratgicas. Cada vez mais, a

filantropia encarada como uma forma de relaes pblicas ou de marketing.Com a

maioria das aces filantrpicas as empresas tm em vista muito mais aumentar a

visibilidade da empresa do que a promoo de um verdadeiro impacto social. As doaes

verdadeiramente estratgicas visam alcanar simultaneamente objectivos sociais e

econmicos, escolhendo reas do contexto competitivo onde, tanto a empresa como a

sociedade, beneficiam porque a empresa produz activos e competncias nicos. Isto no

significa que todas as despesas da empresa levaro a benefcios sociais ou que todos os

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

27

benefcios sociais aumentem a competitividade. S quando estas despesas produzem

ganhos sociais e econmicos que a filantropia e os interesses dos stakeholders

convergem. O fenmeno da economia ambulante disso uma forte expresso.

A estratgia sempre contempla o contexto competitivo como factor de desenvolvimento da

empresa e consequente criao de valor. Ter trabalhadores satisfeitos e dotados disponveis,

infraestruturas locais propcias, ver crescer a dimenso do mercado local, so condies que

favorecem a expanso e consequentemente, a capacidade competitiva das empresas

.

Segundo Porter e Kramer (2002):

o ambiente competitivo da empresa determinado por quatro factores inter-relacionados do

negcio que moldam a produtividade potencial: condies dos factores, ou recursos disponveis

para a produo; condies da procura; o contexto estratgico e rivalidade empresariais; e as

indstrias relacionadas e de suporte. Fraquezas em qualquer parte deste contexto podem deteriorar

a competitividade de uma nao ou regio tal como a localizao de uma empresa/negcio.

(Porter e Kramer, 2002 cit. in Leal, s/d).

Os mesmos autores argumentam que os investimentos filantrpicos pelos membros de um

grupo econmico, individualmente ou colectivamente, podem ter uma forte repercusso na

competitividade do mesmo e na imagem de todas as empresas que o constituem. A

filantropia pode revelar-se uma das formas mais eficiente seno a nica maneira de

melhorar o contexto competitivo. Por exemplo:

contribuies para uma universidade podem ser a forma menos dispendiosa de reforar

competncias avanadas de um conjunto de trabalhadores numa dada regio. Analisando com

cuidado os elementos do contexto competitivo, uma empresa pode identificar as reas que

proporcionam valor social e econmico e que melhoram a competitividade da empresa e dos seus

concorrentes. (Leal, s/d).

10. Caractersticas da RSE e seus objectivos

So seis as principais caractersticas da RSE:

Natureza Voluntria: As empresas adoptam voluntariamente um comportamento que vai

para alm das obrigaes legais a que tm de obedecer.

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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Defesa da sustentabilidade: As empresas tm de integrar nas suas actividades, o impacto

econmico, social e ambiental.

Tem uma relao directa com a forma como a empresa gerida: A RSE e governao

empresarial so as duas faces de uma mesma moeda.

O seu carcter global: Segundo o Livro Verde, reflete-se o facto de cada vez mais as

empresas estarem a desenvolver a sua actividade a nvel global.

O Dilogo que estabelece com todas as partes envolvidas: Segundo a Comisso

Europeia, manifesta-se esta responsabilidade tanto em relao aos trabalhadores, como em

relao com as diversas partes interessadas, em ordem aos resultados a atingir.

Quanto aos seus objectivos sobressaem como evidentes, embora de forma sumria:

proteger e defender o ambiente, apoiar causas sociais e promover um desenvolvimento

econmico sustentvel.

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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Captulo II. A Doutrina Social da Igreja e as suas fontes

1. O conceito

Desde o ano 1846 encontramos tomadas de posio oficial, isto , por parte do Magistrio

Oficial da Igreja, de forma individual pontifcia ou colegialmente assumidas, defendendo

princpios, valores, direitos e relaes sociais ao nvel econmico, laboral; organizaes

sindicais e greves, iniciativa privada e instituies econmicas, deveres do patronato e do

estado, hierarquia de valores e afins, que no s constituem apoio ao discernimento de

atitudes socialmente correctas e justas como iluminam mentes empenhadas e caminhos por

desbravar. A este conjunto de ensinamentos, constante em numerosas encclicas e

pronunciamentos dos Papas, inseridos na multissecular tradio que tem a sua origem nos

alvores do Cristianismo, e que tm por finalidade apontar princpios, critrios e directivas

gerais a respeito da organizao sociopoltica dos povos e naes; convidando as pessoas a

agir, de forma responsvel, com base em pressupostos alicerados numa sadia reflexo

racional e coadjuvada pelo contributo das cincias humanas, em vista da construo duma

sociedade justa (Joo Paulo II, 1988) designamos de Doutrina Social da Igreja.

Como conceito assim intitulado Doutrina Social da Igreja surge contudo no sculo

XX atribudo aos ensinamentos e orientaes do magistrio de Pio XI, cujo pontificado vai

de 1922 a 1939 Todavia, j outros papas anteriores se tinham mostrado preocupados com a

questo social, nomeadamente Gregrio XVI (1831-1846) na encclica Mirari Vos, em

1832 e Pio XI (1846-1878) nas encclicas Nostis et Nobiscum e Quanta Cura em 1846.

Enquanto corpo de princpios de orientao sobre a organizao social e poltica dos povos,

a Doutrina Social da Igreja resulta do dilogo Igreja-Sociedade como busca de razes

fundantes para o agir da Igreja no mbito dos problemas sociais caractersticos de cada

poca. Porque a Igreja sempre vive na histria concreta da sociedade, a mtua relao

impe uma reflexo e dilogo em contnua compreenso e abertura para apontar respostas

novas para os problemas emergentes da sociedade atingida pelos sinais da provisoriedade;

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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respostas que so implicaes socias da F professada e cujas fontes se situam no

longnquo Antigo e Novo testamento, relidos pela Tradio da Igreja, os quais apontam

para uma viso antropocntrica aberta dimenso sobrenatural. Referir-nos-emos a este

conceito, ao longo deste trabalho pela sua sigla: DSI.

2. Contextualizao dos primeiros passos DSI

A designao, enquanto tal, surge no sculo XIX para complementar o tratado da tornou

Teologia Moral que abrangia as questes da justia e as normas legais que regiam a sua

prtica, merc do peso que a questo social adquirira. A sociedade Industrial tinha feito

surgir um contexto social que no se revia mais nas estruturas organizativas da sociedade

que lhe antecedia. As relaes entre o Capital e o trabalho articulado com a massa de

operrios assalariados nascente, determinaram fortes mudanas na organizao do tecido

social, fazendo com que o Capital e o Trabalho fossem vistos de maneira at ento

completamente ignorada. Era um poder novo, o das estruturas de produo e o capital,

detido por poucos, que subjugava as massas proletrias e lhes negava o gozo de direitos

elementares. Lentamente os representantes da Igreja aperceberam-se de que as novas

formas scio econmicas produziam efeitos nefastos na vida dos indivduos com reflexos

numa justa estrutura social, e com af grupos de cristos tomam iniciativas pioneiras em

busca de respostas para problemas de pobreza, doenas, carncia de servios de sade e

educao. O Magistrio da Igreja, por sua vez, d incio produo documental movido

pela urgncia de orientar os cristos perante o crescendo dos problemas surgidos e

tendentes mundializao da questo social despoletada, nos diferentes mbitos de

convivncia (VK, 2012; CDSI, 2005).

3. As fontes da DSI

A DSI, nascida e desenvolvida a partir do encontro da mensagem crist com os problemas

sociais, tem por fontes inspiradoras a Revelao, a Tradio da Igreja e a Razo.

Com o contributo das cincias humanas, a Igreja procura compreender as realidades

temporais e ilumin-las com a mensagem crist, pois acredita que faz parte da sua misso

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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defender o projecto de Deus para cada ser humano, numa sadia defesa dos atributos

humanos, que o mesmo Deus lhe outorga.

Sendo a DSI parte integrante, e simultaneamente resultante da concepo crist da vida, e

nascendo duma experincia religiosa, tem na Bblia os seus primeiros alicerces.

3.1 Antigo Testamento

No livro do Gnesis temos a apresentao de Deus como origem de toda a existncia, e

como algum presente no meio dos homens, que lhes garante os meios de que necessitavam

para usufrurem de condies bsicas de vida e com presena que interpela a conscincia

humana a agir moralmente, tanto a nvel pessoal como social, no uso dos bens que so para

todos e na relao de uns com os outros.

O declogo do Sinai (Ex. 34) traduz bem esta situao. Os dez mandamentos, que

constituem um extraordinrio caminho de vida, indicam as condies mais seguras para

uma existncia liberta da escravido e contm uma expresso privilegiada da lei natural.

Eles apontam para a verdadeira liberdade da pessoa, pem em relevo os deveres essenciais

e fundamentais inerentes pessoa humana, seja a nvel pessoal seja em contexto de

interaco.

Surge, com particular relevo, nas relaes sociais, no declogo, o que tem vindo a ser

definido como o direito do pobre. Se houver junto de ti um indigente entre os teus

irmos () no endurecers o teu corao e no fechars a tua mo ao necessitado. Abre-

lhe depressa a tua mo, empresta-lhe, de acordo com as necessidades, aquilo que lhe

faltou. (Dt 15,7-8). E em relao aos estranhos o livro do levtico concede os mesmos

requisitos de direito ajuda de que carea: Se um estrangeiro vier residir contigo na tua

terra, no o oprimirs. O estrangeiro que reside convosco, ser tratado como um dos

vossos compatriotas. (Lv.19, 33-34). Os escravos beneficiavam de uma libertao total

regulada por detalhadas prescries sobre o tratamento a dar aos escravos e venda dos

produtos da terra, contidas no livro de xodo (23,10-11) Levtico (25,1-28) e

Deuteronmio (15, 1-6).

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A Lei do ano sabtico e do ano jubilar, prescrevendo o repouso das terras, a remisso das

dvidas e uma libertao geral de pessoas e bens, so um instrumento fundacional da vida

social, poltica e econmica de Israel, e tambm, o princpio regulador das problemticas

inerentes pobreza econmica e injustias sociais. Propem-se a lei do ano sabtico e do

ano jubilar, eliminar descriminaes e desigualdades provocadas pelo progresso

socioeconmico de ento, o que, no pensamento de Joo Paulo II, constitu uma doutrina

social em estado embrionrio (Joo Paulo II, 1995) e pem em evidncia como os

princpios da justia e da solidariedade constituem um valor correctivo de prticas

impulsionadas por interesses e objetivos egostas.

O processo de interiorizao de tais valores normativos, em cujo empenho se destacaram os

profetas, faz aprofundar o real impacto da conscincia adquirida em vista do agir social e

gera uma progressiva universalizao de atitudes de justia e solidariedade. Desta

conscincia vai brotando, tambm, o posicionamento da humanidade perante o cosmos de

que se sente cultivadora e guardi (CDSI, 2005).

3.2 O Novo Testamento

Nos escritos Paulinos vemos afirmado o escndalo da revoluo social proposta pela

vida, palavra e aco de Jesus Cristo que, morrendo e ressuscitando revela humanidade

aquilo que chamada a ser: uma fraternidade. Vs no recebestes um Esprito que faz de

vs escravos e vos atemoriza mas um Esprita que faz de vs filhos adoptivos pelo qual ns

clamamos: Pai! (Rm. 8,15 e paralelos).

Na interpretao deste pensar Paulino e evocando o mandamento novo em que nos dito

para fazermos como Ele fez Como Eu vos amei, amai-vos vs tambm (Jo.13,34), o

Conclio Vaticano II infere da que a lei da vida do povo cristo deve inspirar, purificar e

elevar todas as relaes humanas, seja na esfera social seja na esfera poltica.

Joo Paulo II, olhando para o fenmeno cultural, social, econmico e polticos

contemporneos afirmou em 1988 que este fenmeno de interdependncia, revelam e

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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tornam evidentes quanto os vnculos que unem a famlia humana reflectem o modelo de

unidade do gnero humano que a Revelao Bblica prope.

Apelando a uma salvao humana universal e integral, abarca a qualidade de vida pessoal,

social, espiritual, corprea, histrica e transcendente, o Novo Testamento confirma a

incindbilidade e o nexo entre a relao que a pessoa chamada ter com Deus e a

responsabilidade tica com o prximo, no concreto das situaes histricas, e manifesta,

ainda que concomitantemente com erros e confuses, a atitude de toda a humanidade e

sentido existencial e da verdade, de que as tbuas da lei e a pregao proftica so exemplo.

(CDSI,2005).

Ao escriba que perguntava a Jesus, querendo saber qual era o maior dos mandamentos,

Jesus responde, pondo em igual patamar de importncia, adorao a Deus e o amor ao

prximo, amor que poderia em sua concretizao pedir a entrega de vida a Seu exemplo:

O primeiro mandamento : Ouve Israel: O senhor, nosso Deus, o nico Senhor; amars

o Senhor teu Deus, com todo o teu corao, com toda a tua alma, com todo o teu

entendimento e com todas as tuas foras. O segundo este: amars o teu prximo como a

ti mesmo. No h outro mandamento maior do que estes maior do que estes (Mc. 12, 29-

31). E prestes a iniciar-se o processo da Sua condenao, Cristo diz aos seus que lhes d um

mandamento novo pelo qual todos reconhecero que eles sero seus discpulos: amar como

Ele nos amou e at ao fim. E acrescenta que a maior prova de amor dar a vida por quem

se ama (Jo.15,12-14).

No sendo uma linguagem de todo comum, esta atitude de amor que se d at ao limite, vai

mudando a vida de quem se d e a vida de quem acolhe os frutos semeados na entrega, por

vezes sofrida, qual pressuposto essencial de uma real renovao nas relaes humanas e

empenho autntico e eficaz por um mundo mais justo e mais humano escala planetria

(CDSI,2005).

O Papa Joo Paulo II dizia neste contexto de raciocnio: No possvel amar o prximo

como a si mesmo e perseverar nesta atitude sem a firme c constante determinao de se

A Responsabilidade Social Empresarial e a Doutrina Social da Igreja: Pressupostos de uma outra economia e de um outro desenvolvimento

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empenhar em prol do bem de todos e de cada um, porque todos ns somos

verdadeiramente responsveis por todos (SRS, 1988, n38).

Abrangida neste dever de amar e respeitar, esto tambm o universo criado e as operaes

mltiplas inerentes ao seu cuidado e transformao. A viso crist do homem e do mundo

aponta para a autonomia das realidades terrestres reconhecendo que estas tm suas leis e

valores prprios, em descoberta progressiva e portadoras, no cerne mais profundo, do

direito a serem respeitadas. (GS, n36) Porm, acima de toda a importncia e poder

csmico, est a pessoa A pessoa humana em si mesma e na sua vocao que transcende o

horizonte do universo criado, da sociedade e da histria (CIC, 2244). O seu fim ltimo a

comunho com Deus e com os outros. Viver fora deste dinamismo de acolhimento de vida,

esforo e obteno de progressiva melhoria de qualidade de vida, participao consciente e

responsvel na organizao social, sistemas de produo de bens de consumo construtoras

de solidariedade infra-humanas, viver fora da fraternidade querida e proposta por Deus e

constitu o estado de alienao.

Do estatuto de pertena a esta fraternidade, porque todos filhos do mesmo Pai que Deus

(Jo. 20,17; Mt.5,16;6.9) segundo o Novo testamento, deriva que:

- Todas as pessoas so essencialmente iguais;

- Todas as pessoas gozam do direito liberdade;

- Os bens da terra a todos pertencem e a todos devem servir;

- O trabalho possui uma dignidade intrnseca

- A caridade, a justia e a sinceridade devem ser as leis regentes de toda a conduta social.

3.3 Os primeiros sculos da Igreja

Logo de seguida aos tempos apostlicos, enraizada na Palavra de Deus, a Igreja vai

crescendo na conscincia de que f e compromisso social so inseparveis. Tal vinculo

passa de gerao em gerao tradio da Igreja e temos, assim, no seguimento dos

escritos Neotestamentrios, abundantes fontes literrias que nos do conta como leigos e

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pastores, animam, organizam e constroem a vida nos primeiros sculos do cristianismo:

cartas, sermes, comentrios bblicos, poesias e hinos, em todos estes documentos se

evidencia a mesma certeza: a F em Cristo inseparvel da caridade para com os mais

vulnerveis. A Solidariedade para com os pobres constitua o distintivo do seguimento

cristo e a novidade do Caminho (Act, 24.26; 19,9.23).

Com data dos fins do 1 sculo, a Didak reala o desprendimento e a partilha de bens: no

repelir o indigente, repartir tudo com o irmo; nada considerar como seu, pois, se se divide