RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA FORNECEDORA...

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ADILSON DOS ANJOS RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA FORNECEDORA DE FERTILIZANTES MINERAIS POR VÍCIOS DE PRODUTO CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

ADILSON DOS ANJOS

RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA FORNECEDORA DE

FERTILIZANTES MINERAIS POR VÍCIOS DE PRODUTO

CURITIBA

2012

ADILSON DOS ANJOS

RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA FORNECEDORA DE

FERTILIZANTES MINERAIS POR VÍCIOS DE PRODUTO

Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Geraldo Doni.

CURITIBA

2012

TERMO DE APROVAÇÃO

ADILSON DOS ANJOS

RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA FORNECEDORA DE

FERTILIZANTES MINERAIS POR VÍCIOS DE PRODUTO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de

Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná

Curitiba________ de __________________ de 2012

__________________________________________________

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenação do Núcleo de Monografia

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: ______________________________________________________

Prof. Geraldo Doni Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

Supervisor: ______________________________________________________

Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

Supervisor: ______________________________________________________

Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Deus, a Marilda, minha esposa, aos meus filhos Isabela e Leonardo, principais razões para todas as conquistas da minha vida. A meus pais, família, colegas e mestres que tanto me ajudaram no desenvolvimento e conclusão deste trabalho e de todo curso de Direito.

RESUMO

O trabalho tem por objetivo analisar a responsabilidade civil das empresas

produtoras de fertilizantes por vícios do produto. O estudo foi desenvolvido mediante

estudo da legislação pertinente, análise de obras doutrinárias e decisões do Superior

Tribunal de Justiça. O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do planeta,

com um consumo de cerca de 28,3 milhões de toneladas de produtos em 2011. A

ocorrência de vícios nos fertilizantes pode acarretar ao agricultor dificuldades no seu

manuseio bem como perda de produtividade na sua atividade. Para que a compra e

venda de um produto seja regida pelo Código de Defesa do Consumidor é

necessário que tanto o bem como as partes se amoldem a legislação consumerista.

Há, basicamente, duas teorias que procuram estabelecer a definição jurídica de

consumidor: a maximalista e a finalista. A doutrina majoritária e as recentes decisões

do Superior Tribunal de Justiça consideram a teoria finalista, segundo a qual é

considerado consumidor final o destinatário fático e econômico do produto ou

serviço. A compra de fertilizantes pelo agricultor não é considerado relação de

consumo, pois este não é considerado consumidor final, visto que o insumo é

utilizado para o desenvolvimento de sua atividade profissional. Trata-se de uma

relação comercial, civil, devendo ser regrada pelo Código Civil e por outros textos

legais.

Palavras chave: fertilizante; insumos agrícolas; consumidor; fornecedor;

responsabilidade civil.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 07

2 DA RELAÇÃO CIVIL E CONSUMERISTA .................................................... 09

2.1 FERTILIZANTES MINERAIS ....................................................................... 09

2.2 CONTRATO DE COMPRA E VENDA NAS RELAÇÕES CIVIS .................... 11

2.2.1 Efeitos dos Contratos: Vícios Redibitórios ..................................................... 13

2.3 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO ........................................................... 16

2.3.1 Consumidor ..................................................................................................... 17

2.3.2 Fornecedor ...................................................................................................... 21

2.3.3 O Objeto da Relação de Consumo ................................................................. 23

3 RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................................... 24

3.1 RESPONSABILIDADE E OBRIGAÇÃO ...................................................... 24

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DO CÓDIGO CIVIL ................... 24

3.3 MODALIDADES (ESPÉCIES) DE RESPONSABILIDADE CIVIL .................. 26

3.3.1 Contratual e Extracontratual (Aquiliana) ........................................................ 26

3.3.2 Civil e Penal ................................................................................................... 28

3.3.3 Subjetiva e Objetiva ....................................................................................... 29

3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DO CDC .................................... 31

3.4.1 Responsabilidade Civil pelo Fato e pelo Vício do Produto ............................ 32

4. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA FORNECEDORA DE INSUMOS

AGRÍCOLAS POR VÍCIOS DE PRODUTO ................... ............................... 35

5 CONCLUSÃO ................................................................................................. 41

6 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 42

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1 INTRODUÇÃO

Um dos maiores desafios da humanidade é atender a crescente demanda

mundial por produção de alimentos, fruto do crescimento populacional previsto para

as próximas décadas. Em 1990 a produção de alimentos chegou a dois bilhões de

toneladas, para uma população de 5,2 bilhões de habitantes. Projeções da FAO

(Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) estimam que em

2025 o mundo terá que produzir 4 bilhões de toneladas de alimentos para atender

uma população que deverá atingir 8,3 bilhões de habitantes. Para que a meta seja

alcançada, a produtividade mundial deverá elevar-se significativamente, passando

de 2,5 toneladas por hectare, em 1990, para 4,5 toneladas em 2025 (LOPES et. al.

2010).

Os fertilizantes minerais se constituem num importante insumo para o

aumento da produtividade das atividades agrícolas no mundo. Dados, também da

FAO, estimam que cada tonelada de fertilizante corretamente utilizado equivale a

produção de quatro novos hectares sem uso do insumo (LOPES e GUILHERME,

2002).

O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do planeta,

atingindo, em 2011 a marca recorde de 28,3 milhões de toneladas de produtos, o

equivalente a cerca de 11,6 milhões de toneladas de nutrientes (N-P2O5-K2O). O

consumo mundial, neste mesmo ano, foi de aproximadamente 178,2 milhões de

toneladas de nutrientes (ANDA, 2012).

No País as empresas produtoras de fertilizantes minerais para uso no

solo podem ser divididas, grosso modo, em dois grupos: 1) empresas produtoras de

matérias primas e; 2) empresas produtoras de misturas.

As empresas produtoras se utilizam de matérias primas básicas (Rocha

Fosfatada; Amônia; Enxofre; Ácido Sulfúrico e Ácido Fosfórico) para produção de

fertilizantes minerais simples e complexos, os quais serão vendidos, basicamente,

no mercado interno, às empresas produtoras de misturas.

Em número muito maior as empresas misturadoras adquirem seus

produtos no mercado interno (das empresas produtoras) e no mercado externo,

junto a fornecedores internacionais. Nas suas unidades industriais os fertilizantes

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são processados (misturados), ensacados e comercializados diretamente aos

agricultores ou a empresas revendedoras, cooperativas agropecuárias, trocadores,

que, por sua vez, repassarão os produtos aos produtores rurais.

A comercialização de fertilizantes fora das especificações estabelecidas

pela legislação pode ocasionar prejuízos ao produtor rural, seja pela aquisição de

produtos fora das garantias apresentadas pela Empresa, seja pela perda de

produtividade das atividades agrícolas.

Dados do Ministério da Agricultura dão conta que no ano de 2010 foram

coletadas um total de 6.388 amostras de fertilizantes em todo o País. Os resultados

obtidos revelaram que 91,8% dos produtos estavam dentro dos padrões de

qualidade, contra 83% em 2009 (MAPA, 2012).

A Responsabilidade Civil é o instituto de direto civil que teve maior

desenvolvimento nos últimos 100 anos (STOCO, 2011). O tema é atual e de enorme

importância por visar a restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e à

redistribuição de riqueza em conformidade com os ditames da justiça. Busca, enfim,

o restabelecimento de uma harmonia quebrada (GONÇALVES, 2009).

A responsabilidade civil do fornecedor pelo vício do produto ou serviço

tem por objetivo a proteção do interesse do consumidor quanto a adequação deste

produto ou serviço aos fins que dele se espera (MIRAGEM, 2012).

O presente trabalho tem por objetivo avaliar a responsabilidade civil das

empresas misturadoras que comercializam fertilizantes minerais fora das garantias e

especificações estabelecidas pela legislação, bem como demonstrar a aplicação ou

não do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de compra e venda de

insumos agrícolas.

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2 DA RELAÇÃO CIVIL E CONSUMERISTA

2.1 FERTILIZANTES MINERAIS

A utilização racional de insumos1 agrícolas é de fundamental importância

para o aumento da produtividade da agropecuária brasileira. O uso eficiente de

fertilizantes assume lugar de destaque, pois é responsável por cerca de 50% dos

ganhos de produtividade das lavouras, o que o torna o insumo de maior importância

para este fim (LOPES e GUILHERME, 1990).

Os fertilizantes, em geral, se constituem no principal item do custo de

produção das culturas produtoras de grãos. Dados da Secretaria da Agricultura e do

Abastecimento do Paraná revelam, por exemplo, que para as culturas da soja e do

milho, cultivadas em sistema de plantio direto, os fertilizantes representam,

respectivamente, 14 e 23% do Custo de Produção Total. Considerado apenas os

custos variáveis os valores representam 23 e 36% respectivamente (SEAB, maio

2012).

Fertilizante ou Adubo pode ser definido como sendo um produto mineral

ou orgânico, natural ou sintético, fornecedor de um ou mais nutrientes vegetais

(ALCARDE et. al. 1989).

No Brasil a inspeção e a fiscalização da produção e do comércio de

fertilizantes é de responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e do

Abastecimento – MAPA, com base na Lei 6.894/80, regulamentada pelo Decreto

4.954/2004 e pelas Instruções Normativas (IN): Nº 10 de 06/05/2004, alterada pela

IN 20 de 02/06/2009 e; Nº 05 de 23/02/2007, alterada pela IN 21 de 16/04/2008.

O Estado do Paraná também possui uma legislação específica, Lei 9.056

de 02/08/1989, destinada à fiscalização dos fertilizantes comercializados em seu

território.

O Decreto 4.954 define, em seu artigo 2º, Inciso III, fertilizante como

sendo “toda substância mineral ou orgânica, natural ou sintética, fornecedora de um

1 Insumo: S. m. Econ. “Combinação dos fatores de produção (matérias primas, energia consumida etc) que entram na produção de determinada quantidade de bens ou serviço”. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa.

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ou mais nutrientes de plantas”. As alíneas do referido Inciso contém várias outras

definições, entre elas:

a) Fertilizante mineral: produto de natureza fundamentalmente mineral, natural ou sintética, obtido por processo físico, químico ou físico-químico, fornecedor de um ou mais nutrientes de plantas; b) Fertilizante orgânico: produto de natureza fundamentalmente orgânica, obtido por processo físico, químico, físico-químico ou bioquímico, natural ou controlado, a partir de matérias-primas de origem industrial, urbano ou rural, vegetal ou animal, enriquecido ou não de nutrientes minerais; [...] omissis. h) Fertilizante mineral simples: produto formado, fundamentalmente, por um composto químico, contendo um ou mais nutrientes de plantas; i) fertilizante mineral misto: produto resultante da mistura física de dois ou mais fertilizantes simples, complexo ou ambos; [...] omissis. o) Fertilizante organomineral: produto resultante da mistura física ou combinação de fertilizantes minerais e orgânicos; [...] (2004, p. única).

De acordo com Alcarde et. al. (1989) atributos como granulometria2, teor

de nutrientes3, empedramento4, dentre vários outros, são características de

qualidade dos fertilizantes que afetam o uso eficiente dos mesmos.

As especificações de natureza física (granulométrica) dos fertilizantes

minerais estão dispostas no artigo 2º, Inciso I da Instrução Normativa 05 de

23/02/2007. Por sua vez, as especificações e garantias químicas dos fertilizantes

minerais simples estão contidas no Anexo II da mesma IN.

O artigo 16 da IN 05 estabelece os limites de tolerância admitidos em

relação às garantias registradas ou declaradas pelas Empresas Produtoras de

fertilizantes minerais. A definição de garantia e tolerância é apresentada nos Incisos

XXIII e XXV do artigo 1º da referida Instrução Normativa:

XXIII – garantia: indicação da quantidade percentual em peso de cada elemento químico, ou de seu óxido correspondente, ou de qualquer outro componente do produto, incluindo também, quando for o caso, o teor total e/ou solúvel de cada um deles, a especificação da natureza física e o prazo de validade. [...] omissis;

2 Granulometria: diz respeito ao tamanho e a forma das partículas do fertilizante;

3 Teor de Nutrientes: percentual de Nitrogênio, Fósforo, Potássio e demais nutrientes presentes no fertilizante;

4 Empedramento: é a cimentação das partículas do fertilizante formando uma massa de dimensões muito maiores que as das partículas originais.

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XXV – tolerância: os desvios admissíveis entre o resultado analítico encontrado em relação às garantias registradas ou declaradas.

As empresas que não atendem às exigências previstas na legislação

ficam sujeitas às sanções administrativas previstas nos artigos 80 e seguintes do

Decreto 4.954/2004.

2.2 CONTRATO DE COMPRA E VENDA NAS RELAÇÕES CIVIS

Sob a ótica civil a compra e venda de fertilizantes é caracterizado como

um negócio jurídico, estando, desta forma, submetido às normas do direito privado.

Junqueira de Azevedo (2002, p. 16) conceituou negócio jurídico como

sendo “todo fato jurídico consistente em declaração de vontade, a que o

ordenamento jurídico atribui os efeitos designados como queridos, respeitados os

pressupostos de existência, validade e eficácia, impostos pela norma jurídica que

sobre ele incide”.

A análise do negócio jurídico quanto aos pressupostos de existência,

validade e eficácia é amplamente abordado pela doutrina nacional. Seus elementos,

contudo, não serão motivo de análise neste trabalho.

O contrato é um ato jurídico em sentido amplo, dependente de pelo

menos duas declarações de vontade, com o objetivo de criar, alterar ou mesmo

extinguir direitos e deveres de conteúdo patrimonial. Constitui-se num negócio

jurídico por excelência (TARTUCE, 2012).

O artigo 481 do Código Civil conceitua a Compra e Venda como sendo

um contrato pelo qual um dos contratantes (o vendedor) se obriga a transferir ao

outro (o comprador) o domínio de coisa móvel ou imóvel mediante uma

remuneração denominada preço (TARTUCE, 2012).

Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

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Trata-se, pois, de um contrato translativo, mas que por si só, não implica

na transmissão e aquisição da propriedade. No caso de bens móveis o efetivo

domínio transmite-se pela tradição (entrega da coisa) enquanto que os bens imóveis

são transmitidos pela transcrição, ou seja, pelo registro do contrato no cartório de

Registro Imobiliário (VENOSA, 2010; TARTUCE, 2012).

Considerando a compra e venda de bem móvel (fertilizante, por exemplo),

a doutrina tradicional o classifica como sendo um contrato oneroso (há sacrifício

patrimonial para as partes) e bilateral ou sinalagmático (os direitos e deveres são

proporcionais). Via de regra ele é consensual (aperfeiçoa-se com a manifestação da

vontade), comutativo (as partes sabem de ante mão quais serão as prestações) e

não solene (via de regra não há necessidade de escritura pública) (GAGLIANO e

FILHO ,2009; VENOSA, 2010; TARTUCE, 2012).

De acordo com estes mesmos autores, da leitura do artigo 482 do Código

Civil se extrai os elementos essenciais do contrato de compra e venda: a) consenso

entre as partes (comprador e vendedor); b) coisa e; c) preço.

Em relação às partes, considera-se formado o contrato,

independentemente de forma previamente estabelecida pela lei, quando estas

firmarem seu consentimento a respeito do preço e da coisa a ser vendida,

(GAGLIANO e FILHO, 2009).

Em sua essência, portanto, o contrato de compra e venda é consensual,

podendo ser ultimado verbalmente ou por escrito, mediante escritura pública ou

particular (VENOSA, 2010).

Lembra Tartuce (2012) que como qualquer contrato, na compra e venda a

autonomia das partes não é absoluta, encontrando limitações na ordem pública

quanto ao conteúdo do negócio, que pode levar a sua nulidade, anulabilidade ou

ineficácia da avença.

De acordo com Venosa (2010) nos contratos mercantis existe, quase

sempre, uma fase prévia, denominada de puntuação, que antecede o momento da

sua conclusão. Em certos ramos de atividade é usual que a compra e venda seja

antecedida de um pedido que se constitui, por si, na aceitação da proposta do

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vendedor. O contrato será concluído, no momento em que o vendedor fizer chegar

ao comprador o documento devidamente assinado.

Quanto ao bem, objeto do contrato de compra e venda, este deverá ser

lícito, determinado (coisa certa) ou determinável (coisa incerta, indicada pelo gênero

e quantidade) e alienável, ou seja, deve ser consumível no âmbito jurídico. Coisas

inalienáveis ou fora do comércio não pode ser objeto de compra e venda

(TARTUCE, 2012).

O objeto, relacionado a coisa corpórea, deve ser suscetível de apreciação

econômica, que pode sair do patrimônio do vendedor e adentrar ao do comprador.

Bens incorpóreos também pode ser objeto de negociação, porém, aqui, mais técnico

é denominá-los de contrato de cessão de direitos ao invés de contrato de compra e

venda (GAGLIANO e FILHO, 2009; VENOSA, 2010).

Em relação ao preço, de acordo com Tartuce (2012) este deve ser certo e

determinado, expresso em moeda nacional corrente pelo valor nominal. Lembra o

autor, contudo que o preço pode ser cotado em moeda estrangeira desde que

conste o valor correspondente em real, moeda corrente do País. O preço pode ser

fixado pelas partes ou por terceiro a ser designado pelos próprios contratantes

conforme o artigo 485 do Código Civil.

Nas palavras de Venosa (2010) o preço é a contrapartida da entrega da

coisa no contrato de compra e venda, que será considerado nulo quando este for

relegado ao arbítrio exclusivo de uma das partes, conforme preceitua o artigo 489 do

Diploma Civil.

2.2.1 Efeitos dos Contratos: Vícios Redibitórios

Nas palavras de Tartuce (2012) vícios redibitórios podem ser

conceituados como sendo os defeitos que desvalorizam a coisa ou a tornam

imprópria para o uso. O assunto é tratado pelo Código Civil Brasileiro pelos artigos

441 a 446, sendo aplicável aos contratos civis.

Para Gonçalves (2010) e Gagliano e Filho (2011) tais defeitos são sempre

ocultos conforme inteligência do artigo 441 do Diploma Civil: “A coisa recebida em

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virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que

a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor”.

Este também é o entendimento de Maria Helena Diniz que assim

conceituou o instituto:

Vícios redibitórios são defeitos ocultos existentes na coisa alienada, objeto de contrato comutativo, não comum às congêneres, que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuem sensivelmente o valor, de tal modo que o ato negocial não se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos, dando ao adquirente ação para redibir o contrato ou para obter abatimento no preço” (2010, p.)

Tartuce (2012), entretanto, considera, com base no artigo 445, que

diferencia os prazos para que os vícios possam ser conhecidos, que o Código Civil

também trata dos vícios aparentes da mesma forma que o fez, mas de forma

distinta, o Código de Defesa do Consumidor. Reconhece o autor, contudo, que se

trata de tese ainda minoritária na doutrina.

Várias são as teorias que procuram explicar o fundamento jurídico dos

vícios redibitórios.

De acordo com Gonçalves (2010) a teoria mais aceita é a do

inadimplemento contratual. Com base no Princípio da Garantia, todo alienante deve

assegurar ao adquirente, a título oneroso, o uso da coisa por ele adquirido, para os

fins a que é destinado.

Ainda segundo este autor, ao transferir a coisa ao adquirente, deve o

alienante garantir-lhe a posse útil, equivalente ao preço recebido. Como o adquirente

normalmente não tem condições de avaliar a existência de eventuais defeitos

ocultos que a prejudiquem ou impossibilitem o uso da coisa, garantiu o legislador a

responsabilidade do alienante de modo a assegurar o equilíbrio da comutatividade

das prestações.

Não é qualquer defeito existente no bem móvel ou imóvel que ensejará a

responsabilidade do alienante por vício redibitório. Segundo se deduz dos artigos

441 e seguintes do Código Civil os requisitos são os seguintes: a) que a coisa tenha

sido recebida mediante contrato comutativo ou por doação onerosa; b) que os

defeitos sejam ocultos; c) que os defeitos existam no momento da celebração do

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contrato e que perdurem até o momento da reclamação; d) que os defeitos sejam

desconhecidos do adquirente; e) que os defeitos sejam graves (GONÇAVES, 2010

p. 130 e 131).

O artigo 442 do Código Civil deixa duas alternativas ao adquirente de

produto portador de vício oculto ou defeito. Este pode rejeitar a coisa mediante a

rescisão do contrato e a consequente devolução do valor pago, mediante ação

redibitória ou, se preferir, poderá ficar com o produto e exigir o abatimento do preço

pela ação estimativa ou quanti minoris (GONÇALVES, 2010; GAGLIANO e FILHO,

2011).

As referidas ações recebem a denominação de edilícias, expressão com

origem no direito romano. Na época, por volta do século II A.C, os vendedores que

atuavam naquele mercado, normalmente estrangeiros, dissimulavam muito bem os

defeitos das coisas que vendiam. Com o objetivo de evitar tais fraudes

regulamentou-se a questão pela aediles curules (TARTUCE, 2012).

Com base no princípio da conservação do contrato, deve-se ter em mente

que a sua resolução é o último caminho a ser percorrido. No caso em que os vícios

não trazem grandes prejuízos à utilização da coisa, cabe a ação quanti minoris, com

o abatimento proporcional do preço. Se, contudo, este for ínfimo ou insignificante, de

modo a não afetar as finalidades do contrato, não cabe sequer o pedido de

abatimento do preço (TARTUCE, 2012).

Nos termos do artigo 443 do Diploma Civil, se o alienante não conhecia

do vício ou do defeito do produto, deverá restituir o valor recebido mais as despesas

do contrato. Se, por sua vez, já o conhecia, restituirá o que recebeu acrescido de

perdas e danos.

O artigo 445 do Código Civil estabelece os prazos, decadenciais, para o

ajuizamento das ações edilícias (redibitória e quanti minoris).

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava de posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido á metade. §1°. Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.

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O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 26 e parágrafos,

estabelece prazo de 90 dias para o caso de vício aparente em produto durável,

contados a partir da entrega efetiva do produto. No caso de vícios ocultos o prazo

também é de 90 dias, porém contados a partir do momento em que estes forem

evidenciados (GONÇALVES, 2010).

2.3 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

A identificação da relação de consumo e os elementos desta relação é

critério básico para determinar o âmbito de aplicação do Código de Defesa do

Consumidor, Lei 8.078/1990 (MIRAGEM, 2012).

José Geraldo Filomeno (2007) destaca que as relações de consumo se

configuram uma relação jurídica por excelência, pressupondo sempre a existência

de dois pólos de interesse bem definidos (consumidor e fornecedor) e a coisa, objeto

desses interesses, representado por produtos e serviços.

Tal relação, nas palavras de Rizzardo (2011), destina-se à satisfação de

uma necessidade privada do consumidor que, não dispondo, por si só, do controle

sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços, fica submetido ao

poder e condições dos produtores daqueles bens e serviços.

Para que se configure uma relação de consumo é necessário que os

sujeitos envolvidos bem como o seu objeto, se amoldem ao Código de Defesa do

Consumidor. Caso contrário, não sendo detectada a relação de consumo, se estará

diante de uma relação comercial, civil, regrada por outros textos legais (EFING,

2009).

Bruno Miragem (2012) lembra que não existe no Diploma Consumerista

uma definição clara, específica, do que vem a ser relação de consumo, tendo o

legislador pátrio optado por conceituar os sujeitos desta relação, consumidor e

fornecedor, bem como o seu objeto, ou seja, produto e serviço. Tais conceitos estão

relacionados e são dependentes entre si, não podendo ser tomados isoladamente

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visto que só existirá consumidor se existir fornecedor, bem como produtos ou

serviços.

2.3.1 Consumidor.

Nos termos do artigo 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor,

“consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou

serviço como destinatário final”. O artigo estabelece o conceito de consumidor stricto

sensu (MARQUES, 2002).

Com base nesta definição, enquadram-se no conceito de consumidor

tanto a pessoa natural como a jurídica, quando destinatárias finais do produto ou

serviço, assim como as entidades com personificação anômala (despersonalizadas)

como condomínios, a massa falida e o espólio (VENOSA, 2010).

Da mesma forma é considerado consumidor tanto quem contrata a

aquisição de um produto ou serviço quanto àquele que apenas utiliza este produto

ou serviço, numa relação meramente de fato. O maior desafio, contudo, para a

definição de consumidor está em compreender a expressão “destinatário final”, visto

que esta admite várias interpretações (MIRAGEM, 2012).

Doutrina e jurisprudência consideram, basicamente, a existência de duas

correntes para definição jurídica de consumidor e que delimitam o campo de

aplicação do CDC: finalista e maximalista. A diferença entre elas foi bem resumida

pela Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“É sabido que há duas teorias a respeito da configuração da definição de consumidor: a subjetiva ou finalista , e a objetiva ou maximalista. Esta exige, apenas, a existência de destinação final fática do produto ou serviço, enquanto aquela, mais restritiva, exige a presença de destinação final fática e econômica. Com isso, quer-se dizer que, para o conceito subjetivo ou finalista, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente; portanto, a empresa que adquire um caminhão para transportar as mercadorias que produz não deve ser considerado consumidor em relação à montadora, na medida em que tal veículo, de alguma forma, integra sua cadeia produtiva. Já para o conceito objetivo ou maximalista, basta o ato de consumo, com a destinação final fática do produto ou serviço para alguém, que será considerado consumidor destes, pouco importando se a necessidade a ser

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suprida é de natureza pessoal ou profissional. Sob tal perspectiva, o caminhão comprado com o intuito de auxiliar no transporte de mercadorias de uma empresa atinge, nessa atividade, sua destinação final, uma vez que não será objeto de transformação ou beneficiamento.” (STJ, CC 64.524 – MT, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27/09/2006, DJU 09/10/2006).

Neste sentido, de acordo com Bruno Miragem (2012, p.119), por

destinatário final pode-se compreender aquele que utiliza o bem, mediante sua

destruição, aproximando-se do conceito de bens consumíveis. Da mesma forma,

pode ser considerado o destinatário fático aquele que ao realizar o ato de consumo

retira o produto ou serviço do mercado de consumo, usufruindo da sua utilidade de

forma definitiva.

Ainda segundo este mesmo autor, pode ser considerado destinatário final

aquele que não apenas retira o produto ou serviço do mercado de consumo, mas

que, ao fazê-lo, também exaure sua vida econômica, pois não volta a reempregá-lo,

tornando-se o destinatário fático e econômico do produto ou serviço em questão.

Neste caso, ressalta, é considerado destinatário final por ter praticado ato de

consumo e não pela aquisição de insumo o qual será, posteriormente, utilizado na

obtenção de outros produtos.

Rizzardo (2011) entende como destinatário final aquele que adquire o

bem ou contrata serviço para seu uso ou proveito próprio, e não para outra

finalidade como revenda ou fabricação de outros bens. Neste sentido, se o usuário

utiliza o bem como insumo na produção de outros bens, este não se classifica como

bem de consumo. Por entrar na cadeia produtiva não se enquadra no conceito de

destinação final.

Entendimento semelhante possui Miragem (2012) para quem “consumidor

é pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final fático e econômico, isto é, sem empregá-lo no mercado de

consumo como objeto de lucro”.

Cláudia Marques concordando com a interpretação finalista das normas

do CDC, assim se refere ao destinatário final:

“O destinatário final é o Endverbraucher, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final

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fático), aquele que coloca um fim na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor-final, ele está transformando o bem, utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente, seu consumidor. Portanto, em princípio, estão submetidos às regras do Código os contratos firmados entre o fornecedor e o consumidor não profissional e entre o fornecedor e o consumidor, o qual pode ser um profissional, mas que, no contrato em questão, não visa lucro, pois o contrato não se relaciona com sua atividade profissional, seja este consumidor pessoa física ou jurídica” (2002, p. 279 e 280).

A autora lembra, ainda, que nos sistemas alemão e italiano a tendência

tem sido de indicar o conceito de consumidor ao não profissional, ou seja, aquela

que não visa lucro em suas atividades ou que não seja especialista em sua

atividade. No direito francês, esta tendência só é afastada no caso de pequenos

empresários ou profissionais liberais quando, diante de uma situação de

vulnerabilidade, justificam a aplicação das normas de defesa do consumidor.

De acordo com Miragem (2012) os Tribunais brasileiros não são

unânimes na aplicação de um critério para definição de consumidor, ora entendendo

como consumidor os destinatários finais meramente fáticos, que inclusive

reempregam o produto ou serviço em uma atividade econômica. Em outros

momentos, a jurisprudência adota o critério da destinação fática e econômica.

Contudo o posicionamento atual do Superior Tribunal de Justiça foi

expresso pela Ministra Nancy Andrighi, relatora do Conflito de Competência 64.524

– MT (2006/0123705-0) que, em seu voto, assim se posicionou:

“O levantamento histórico da jurisprudência do STJ demonstra que, até meados de 2.004, a 3ª Turma tendia a adotar a posição maximalista , enquanto que a 4ª Turma tendia a seguir a corrente finalista, conforme levantamento transcrito no voto-vista que proferi no CC nº 41.056/SP, julgado pela 2ª Seção em 23.06.2004”. (...) “Contudo, em 10.11.2004, a 2ª Seção, no julgamento do Resp nº 541.867/BA, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro (DJ de 16.05.2005), acabou por firmar entendimento centrado na teoria subjetiva ou finalista, em situação fática na qual se analisava a prestação de serviços de empresa administradora de cartão de crédito a estabelecimento comercial”. "COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE. – A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade

20

negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca. (STJ, REsp. 541.867/BA, rel. Min. Barros Monteiro, j. 10.11.2004, DJU 16.05.2005)

Assim, conclui a Ministra, “a jurisprudência atual do STJ reconhece a

existência de relação de consumo apenas quando ocorre destinação final do produto

ou serviço, e não na hipótese em que estes são alocados na prática de outra

atividade produtiva”. (STJ CC 64.524-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j, 27/09/2006,

DJU 09/10/2006).

Bruno Miragem (2012, p. 131) destaca que uma terceira corrente de

interpretação do conceito de fornecedor parece estar se consolidando na

jurisprudência brasileira, principalmente após a entrada em vigor do Código Civil de

2002. Trata-se do “finalismo aprofundado”, cuja interpretação fundamenta-se a partir

de dois critérios básicos: 1) a extensão do conceito de consumidor por equiparação

é medida excepcional no âmbito do CDC; 2) para esta extensão é necessário o

reconhecimento da vulnerabilidade da parte que pretende ser considerado

consumidor equiparado.

Deve-se, aqui, salientar que a definição de consumidor padrão, presente

no caput do artigo 2º CDC, é completado por três outros conceitos considerados,

pela doutrina majoritária, como espécies de consumidores equiparados. Eles estão

presentes no parágrafo único do artigo 2º, e nos artigos 17 e 29 do referido Diploma

legal. Assim, são equiparados ao consumidor stricto sensu os integrantes de uma

coletividade de pessoas, as vítimas de um acidente de consumo bem como o

destinatário de práticas comerciais e de formação e execução de contrato

(MIRAGEM, 2012).

De acordo com o autor a norma contida no artigo 29 é a que permite as

maiores possibilidades de aplicação das normas de proteção do CDC a quem não

seja qualificado como consumidor em sentido estrito. A tendência atual, contudo, é a

21

sua aplicação nos casos em que estiver presente a vulnerabilidade do contratante,

de modo a assegurar o equilíbrio entre as partes.

O Superior Tribunal de Justiça passou a sustentar este entendimento em

julgados relatados pela Ministra Nancy Andrighi:

Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito d e consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na h ipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Caracter ística, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decad ência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tr atos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. - Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. - São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. - Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 476.428/SC, rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, j. 19.04.2005, DJU 09.05.2005). Direito civil. Consumidor. Agravo no recurso Especi al. Conceito de consumidor. Pessoa jurídica. Excepcionalidade. Não constatação. - A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparação, nas situações previstas pelos arts. 17 e 29 do CDC.Negado provimento ao agravo. (STJ, AgRg no REsp 687.239/RJ, rel. Min. Fátima Nancy Andrighi, j. 06.04.2006, DJU 02.05.2007).

2.3.2 Fornecedor

O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 3º define fornecedor

stricto sensu como sendo: “Toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem

atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,

exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

22

Do conceito extrai-se que fornecedor é o gênero do qual o fabricante, o

produtor, o construtor, o importador e o comerciante são espécies (NUNES, 2012).

Como já mencionado os conceitos de consumidor e fornecedor são

dependentes e relacionados entre si. Se por consumidor entende-se aquele que

adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, fornecedor é aquele que

oferece os produtos e serviços no mercado de consumo (MIRAGEM, 2012).

Para Cláudia Marques (2002) o critério caracterizador do fornecimento de

produtos é o desenvolvimento de atividades tipicamente profissionais como

produção, importação, comercialização entre outros. O conceito de fornecedor

indica, ainda, a necessidade de certa habitualidade nesta prática, excluindo “da

aplicação das normas do Código, todos os contratos firmados entre dois

consumidores não profissionais”.

Neste sentido Gonçalves (2011) assinala que fornecedor não é aquele

que celebra um simples contrato de compra e venda, mas aquele que exerce

habitualmente a atividade de comprar e vender. O seu conceito está intimamente

ligado a ideia de atividade empresarial.

Embora o requisito profissionalidade não esteja expressamente presente

na definição legal, ao indicar certa habitualidade à atividade do fornecedor, assim

como a existência de remuneração, “o legislador remete ao critério de

desenvolvimento profissional desta atividade” (MIRAGEM, 2012).

Para o autor a ideia de profissionalismo do fornecedor está vinculado a

uma especialidade, superioridade, em termos de conhecimento das características

do produto ou serviço, em relação ao consumidor não profissional, caracterizando

uma vulnerabilidade técnica deste. Da mesma forma, o caráter profissional revela a

natureza econômica da atividade do fornecedor, que visa uma determinada

vantagem econômica, o que não significa, necessariamente, que a sua atividade

tenha fins lucrativos.

Finaliza afirmando que a natureza econômica da atividade fundamenta a

imposição de obrigações jurídicas ao fornecedor, pois, num primeiro momento, é ele

que irá usufruir das vantagens econômicas decorrentes da relação com o

consumidor. Além disto, é ele quem dispõe do controle e dos meios necessários a

23

efetivação de uma relação de consumo, o que determina a subordinação fática do

consumidor em relação ao fornecedor.

A doutrina enquadra os fornecedores em três categorias distintas:

fornecedor real, fornecedor aparente e fornecedor presumido.

Efing (2009) considera fornecedor real o fabricante, o produtor o

construtor e o importador do produto, nos moldes do que disciplina o artigo 12 do

CDC. É aquele diretamente ligado ao produto, responsável pela sua criação efetiva,

ou por parte integrante do mesmo.

2.3.3 O Objeto da Relação de Consumo

Como mencionado, qualquer relação de consumo pressupõe a existência

de dois pólos de interesse, consumidor e fornecedor, e de um objeto deste interesse,

caracterizado por um produto ou serviço (FILOMENO, 2007).

Na dicção do §1º do artigo 3º do Código do Consumidor, “produto é

qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”.

Alguns autores entendem que melhor seria a utilização do termo ‘bem

econômico’, pois além de mais abrangente é mais técnico tanto do ponto de vista

jurídico como econômico (FILOMENO, 2007; RIZZARDO, 2011).

Embora o conceito trazido pelo CDC seja bastante amplo, o diploma legal

considera como sendo produto qualquer bem objeto da relação de consumo, no

sentido de que é sempre vocacionado à alienação, ou seja, dirige-se ao consumidor,

seu destinatário final (EFING, 2009; GAGLIANO e FILHO, 2009).

24

3 RESPONSABILIDADE CIVIL

3.1 RESPONSABILIDADE E OBRIGAÇÃO

Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao sujeito ativo o direito de

exigir do sujeito passivo o cumprimento de determinada prestação. Trata-se de um

dever jurídico originário que nasce de diversas fontes e deve ser cumprida de

maneira livre e espontânea (GONÇALVES, 2011; STOCO, 2011).

O termo responsabilidade vem do latim respondere, que significa a

obrigação que alguém tem de assumir com as consequências jurídicas de sua

atividade. A palavra contém, ainda, a raiz latina spondeo pela qual se vinculava,

solenemente, o devedor nos contratos verbais no direito romano (GAGLIANO e

FILHO, 2009).

Para estes autores, ainda, a responsabilidade está ligada ao surgimento

de uma obrigação derivada, cujo respaldo, no âmbito jurídico, advém do princípio

geral do direito de que a ninguém se deve lesar, da máxima neminem laedere

proclamada pelo jurisconsulto romano Ulpiano.

Em outras palavras responsabilidade é um dever jurídico sucessivo

decorrente da violação da obrigação que surgirá se o devedor não cumprir

espontaneamente com a ela. Assim, sempre que se desejar saber quem é o

responsável deve-se observar a quem lei imputou a obrigação ou o dever originário

(GONÇALVES, 2011).

3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DO CÓDIGO CIVIL

Vista como instituto jurídico, não há um conceito legal para

responsabilidade civil. Doutrinariamente, porém, esta pode ser apresentada “como a

sistematização de regras e princípios que objetivam a reparação do dano patrimonial

e a compensação do dano extrapatrimonial causados diretamente por agente, ou por

fato de coisas ou pessoas que dele dependam, que agiu de forma ilícita ou assumiu

o risco da atividade causadora da lesão” (RIPERT, 2010, p.100).

25

Resumindo o entendimento de vários doutrinadores, Maria Helena Diniz

conceitua responsabilidade civil como sendo:

A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal (2008, p. 34).

De acordo com a autora esta definição traz em sua estrutura a ideia de

culpa quando se considera a existência de ilícito (responsabilidade subjetiva) e a do

risco quando se trata da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva).

Para Gagliano e Filho (2009) a responsabilidade civil resulta da agressão

a um interesse eminentemente particular, que sujeita o infrator ao pagamento de

uma compensação pecuniária à vítima, caso não seja possível a reposição ao

estado anterior da coisa.

O Código Civil de 2002 dedicou alguns dispositivos à Responsabilidade

Civil. Em sua parte geral o tema é abordado nos artigos 186 ao 188 que

estabelecem a regra geral da responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Na

parte especial o Código estabeleceu, no artigo 389, a regra básica da

responsabilidade contratual e dedicou os dois capítulos do Título IX, do artigo 927 ao

954, para o seu regramento, (GONÇALVEZ, 2011; RIZZARDO, 2011).

Diz o artigo 186 do Diploma Civil que “aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda

que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Por sua vez o caput do artigo 927 determina que “aquele que, por ato

ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

De acordo com Stoco (2011) o estatuto de 2002, em seu artigo 186,

consagrou o princípio da responsabilidade mediante culpa, mantendo-a como

pressuposto do ato ilícito e da obrigação de indenizar. Para o autor esta é a regra no

Código Civil.

Este também é o entendimento de Damião Junior (2011) para quem a

exigência de culpa continua sendo a regra do atual Código Civil, conforme se verifica

da conjugação dos artigos 186 e o caput do 927 do diploma legal.

26

No entender de Stoco (2011) a dispensa da culpa como pressuposto da

responsabilidade civil ocorre em situações excepcionais como a prevista no

parágrafo único do artigo 927: “Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para

os direitos de outrem”.

O dispositivo não impõe que o ato seja ilícito, bastando que a atividade

lícita desenvolvida possa implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de

outrem e dela, eventualmente, se origine um dano (STOCO, 2011, p. 184)

Da análise do artigo 186 se extrai os quatro elementos considerados

essenciais da responsabilidade civil: ação ou omissão; culpa ou dolo do agente;

dano experimentado pela vítima e relação de causalidade (GONÇALVES, 2011;

VENOSA, 2010).

No entender da Gagliano e Filho (2009), contudo, o elemento culpa não

se enquadra como pressuposto geral da responsabilidade civil, visto que o atual

diploma civil considera a existência de outra espécie de responsabilidade, a objetiva,

que prescinde do elemento subjetivo para sua configuração. Para estes autores,

portanto, a culpa não é elemento essencial da responsabilidade civil, mas acidental.

Neste sentido, Stoco (2011, p.155) concorda que o legislador foi

conservador ao não afastar a culpa como elemento básico da responsabilidade civil.

Contudo, entende que o artigo 186 “não deixa margem a dúvidas ao estabelecer que

o ato ilícito somente se materializa se for praticado em afronta à lei e que esse

comportamento seja culposo, ou seja, mediante dolo ou culpa stricto sensu”.

3.3 MODALIDADES (ESPÉCIES) DE RESPONSABILIDADE CIVIL

3.3.1 Contratual e Extracontratual (Aquiliana)

De acordo com Cavalieri Filho (2009, p.15) quem, ao infringir um dever

jurídico, causar dano a outrem fica obrigado a indenizar. Este dever, passível de

violação, pode ter como fonte uma relação jurídica obrigacional pré existente, ou

seja, um dever oriundo de um contrato e o dever de indenizar é consequência do

27

seu inadimplemento. Neste caso a responsabilidade civil será denominada

contratual.

No entanto, prossegue o autor, o dever violado pode ter como causa

geradora uma obrigação determinada pela Lei ou por um preceito geral do Direito.

Neste caso a responsabilidade é dita extracontratual ou aquiliana. Ambas, portanto,

referem-se a violação de um dever jurídico pré existente.

Rui Stoco assim resumiu os dois institutos.

“A responsabilidade contratual é a inexecução previsível e evitável, por uma parte ou seus sucessores, de obrigação nascida de contrato, prejudicial à outra parte ou seus sucessores”. “A responsabilidade extracontratual é o encargo imputado pelo ordenamento jurídico ao autor do fato, ou daquele eleito pela lei como responsável pelo fato de terceiro, de compor o dano originado do ato ilícito, ou seja, da obrigação daquele que por ação ou omissão voluntária, violar direito e causar dano a outrem” (2011, p. 165).

O Código Civil disciplinou a responsabilidade extracontratual nos artigos

186 a 188 e 927 a 954 e a responsabilidade contratual nos artigos 389 e seguintes e

395 e seguintes. O código, contudo, omite qualquer referência diferenciadora entre

elas (GONÇALVES, 2011).

Há quem não concorde com a diferença de tratamento entre ambas, pois

entendem que pouco importa os aspectos sob os quais se apresenta a

responsabilidade civil, uma vez que seus efeitos são uniformes e as soluções,

basicamente, as mesmas. São os adeptos da tese unitária ou monista, convicção,

hoje, dominante na doutrina (CAVALIERI FILHO, 2009; GONÇALVES, 2011).

Cavalieri Filho (2009) complementa dizendo haver uma “verdadeira

simbiose” entre ambas, visto que as regras previstas no Código para a

responsabilidade contratual também são aplicadas à extracontratual.

Porém, o Código Civil Brasileiro e o de vários países têm acolhido a tese

dualista ou clássica. Neste sentido, Gonçalves (2011) lembra que há aspectos

particulares tanto da responsabilidade contratual como da aquiliana que as

diferenciam, exigindo, pois regulamentação própria.

28

Dentre eles e talvez o mais importante, está o ônus da prova. Na

responsabilidade contratual o credor só está obrigado a demonstrar que a obrigação

foi descumprida, cabendo ao devedor provar a ocorrência de alguma das

excludentes de responsabilidade admitidas na lei: culpa exclusiva da vítima; caso

fortuito ou força maior. Na responsabilidade extracontratual, do artigo 186 do

Código Civil, o autor da ação é quem fica com o ônus de provar que o fato se deu

por culpa do agente (GONÇALVES, 2011).

3.3.2 Civil e Penal

Nas palavras de Mazeaud et Mazeaud citados por Stoco (2011, p. 140) a

diferença entre responsabilidade Civil e responsabilidade penal “é a distinção entre

Direito Penal e Direito Civil. Não se cogita, na responsabilidade civil, de verificar se o

ato que causou dano ao particular ameaça, ou não a ordem social. Tampouco

importa que a pessoa compelida à reparação de um prejuízo seja, ou não,

moralmente responsável. Aquele a quem sua consciência nada reprova pode ser

declarado civilmente responsável”.

De acordo com Dias (2006) o fundamento jurídico das duas modalidades

de responsabilidade é, basicamente, o mesmo, porém, as condições em que surgem

é que são diferentes. Enquanto na responsabilidade penal o agente infringe uma

norma de direito público e o interesse lesado é o da sociedade, na responsabilidade

civil o interesse diretamente lesado é o privado.

Assim, se a responsabilidade civil pretende reprimir o dano privado,

restabelecendo o equilíbrio individual perturbado, a responsabilidade penal tem por

objetivo restabelecer o equilíbrio social perturbado (STOCO, 2011, p. 141).

Um mesmo fato pode, ao mesmo tempo, resultar as duas

responsabilidades ensejando, cada uma delas, sua respectiva ação. Enquanto a

responsabilidade penal é exercida pela sociedade e visa a punição do agente

causador do dano, a civil é exercida pela vítima e busca a reparação do dano sofrido

(DIAS, 2006).

29

No entender de Gagliano e Filho (2009) o fato de coincidir as duas formas

de responsabilidade não caracteriza bis in idem, justamente em função do sentido

de cada uma delas e das repercussões da violação do bem jurídico tutelado.

Para estes autores, enquanto a pena corresponde à submissão pessoal e

física do agente para restauração da normalidade social violada pelo delito, a

reparação representa uma maneira indireta de devolver o equilíbrio às relações

privadas. O responsável pelo dano é obrigado a agir ou a dispor de seu patrimônio

para satisfazer os direitos do prejudicado.

3.3.3 Subjetiva e Objetiva

Para Sílvio Rodrigues (2003) a rigor não se pode afirmar que

responsabilidade objetiva e subjetiva sejam espécies diversas de responsabilidade

civil, mas maneiras diferentes de encarar a obrigação de reparar o dano.

A responsabilidade é dita subjetiva quando se baseia na ideia de culpa,

pressupondo este elemento como fundamento da responsabilidade civil. Desta

forma, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se este agiu

com dolo ou culpa (GONÇALVES, 2011).

A prova da culpa é indispensável para que surja a obrigação de indenizar.

A responsabilidade é dita subjetiva, pois depende do comportamento do agente

(RODRIGUES, 2003).

Contudo, lembra Stoco (2011), este modelo de responsabilidade nem

sempre satisfaz e nem sempre traz respostas seguras à solução de numerosos

casos. O autor, com base nas observações de Eugênio Facchini Neto assim

resumiu:

“Até o final do século XIX o sistema da culpa (modelo subjetivo) funcionava satisfatoriamente. Os efeitos da Revolução Industrial e a introdução do maquinismo na vida cotidiana romperam o equilíbrio. A máquina trouxe consigo o aumento do número de acidentes, tornando cada vez mais difícil para a vítima identificar uma ‘culpa’ na origem do dano e, por vezes, identificar o próprio causador do dano. Daí o impasse: condenar uma pessoa não culpada a reparar os danos causados por sua atividade ou deixar-se a vítima, ela também sem culpa, sem nenhuma indenização” (2011, p. 184).

30

Prossegue o autor afirmando que a necessidade de maior proteção à

vítima fez surgir a culpa presumida, que permite a inversão do ônus da prova de

forma a solucionar a dificuldade daquele que sofreu um dano comprovar a culpa do

responsável pela ação ou omissão. Esta situação, segundo Damião Junior (2011) é

muito verificada nos casos onde embora exista um prejuízo, a vítima não consegue

provar a culpa do agente.

Desta forma, a lei impõe a certas pessoas, em determinadas situações, a

reparação de um dano cometido sem culpa. Nestes casos, diz-se que a

responsabilidade é legal ou objetiva, pois prescinde da comprovação da culpa,

satisfazendo-se apenas, com o dano e o nexo de causalidade (GONÇALVES, 2011).

Na responsabilidade objetiva a atitude dolosa ou culposa do agente

causador do dano é de menor importância. O dever de indenizar surge bastando

existir relação de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do

agente, tendo este agido ou não com culpa (RODRIGUES, 2003).

De acordo com Venosa (2010) a regra geral no direito pátrio é o da

responsabilidade subjetiva, somente cabendo a modalidade objetiva, ou

responsabilidade sem culpa, quando houver lei expressa que a autorize ou no

julgamento do caso concreto.

Esse também é o entendimento de Damião Junior (2011) que entende

que o atual Código Civil manteve como regra a responsabilidade civil subjetiva.

Contudo, ampliou os casos de responsabilidade civil objetiva com a denominada

teoria do risco, consagrada no parágrafo único do artigo 927 do diploma legal:

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do

dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Stoco (2011) admite a convivência das duas teorias: a da culpa,

exprimindo a noção básica e o princípio definidor da responsabilidade civil e a teoria

do risco, aplicada nos casos especialmente previstos ou quando o dano provém de

situação criada por quem explora atividade que expõe o lesado ao risco. Por esta

teoria, portanto, se permite reparar o dano sofrido mesmo nos casos em que, por um

31

motivo qualquer, o lesado não consegue provar a relação causal entre o seu

prejuízo e a culpa do agente causador.

A teoria do risco parte do pressuposto de que aquele que tira proveito da

atividade deve arcar com os danos advindos do seu exercício, independentemente

da verificação da culpa, ou seja, não se cogitará se a conduta foi dolosa, negligente,

imperita ou imprudente (DAMIÃO JUNIOR, 2011).

Para este autor, a tendência do direito moderno é o de ressarcir o maior

número de vítimas possível e de maneira mais completa. Neste sentido, a

responsabilidade civil objetiva se mostra mais apropriada, pois ao retirar um dos

elementos necessários à sua caracterização facilita a situação do lesado que se vê

livre do ônus de comprovar a culpa do agente.

3.4 RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DO CDC

O direito do consumidor trouxe alterações substanciais em diversos

campos do direito tradicional. É no âmbito da responsabilidade civil, contudo, que

tais mudanças aparecem de maneira mais destacada (MIRAGEM, 2012).

Neste segmento ocorreu uma profunda transformação no tradicional

conceito de culpa, como pressuposto do dano indenizável, que evoluiu, em diversas

atividades, em direção à responsabilidade objetiva, fundada no risco (GONÇALVES,

2011).

Em função da complexidade da vida moderna, a teoria do risco surge

para resolver questões onde a teoria da culpa, base do sistema tradicional da

responsabilidade civil, não é capaz de fazê-lo (MIRAGEM, 2012).

De acordo com o autor, a teoria do risco, desde o seu surgimento, vem

passando por uma grande evolução, principalmente em relação às espécies de

riscos reconhecidos como determinantes à imputação da responsabilidade objetiva.

No âmbito do direito do consumidor, em virtude da posição negocial ocupada pelo

fornecedor e pelo aspecto econômico que envolve a relação de consumo, o

fundamento essencial do regime da responsabilidade objetiva é a teoria do “risco-

proveito”.

32

Por esta espécie todo aquele que promove a atividade e dela obtêm

vantagem econômica, responde pelos riscos de danos causados, conforme se extrai

do brocardo ubi emolumentum, ibi onus (MIRAGEM, 2012; RIPERT, 2010).

Neste sentido, o Código de Defesa do Consumidor, em sintonia com a

legislação de proteção do consumidor em todo o mundo, adota a responsabilidade

objetiva dos fornecedores de produtos e serviços no mercado de consumo

(MIRAGEM, 2012).

Esta responsabilidade, contudo, não é absoluta. O §3° do artigo 12 do

Diploma do Consumidor estabeleceu que o fornecedor só não será responsabilizado

quando provar: “I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja

colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do

consumidor ou de terceiro (STOCO, 2011).

Duas são as espécies de responsabilidade civil reguladas pelo CDC: a

responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço e a responsabilidade por vício

do produto ou serviço. Ambas, como dito, são de natureza objetiva prescindindo do

elemento culpa para que haja o dever de indenização por parte do fornecedor

(GONÇALVES, 2011).

3.4.1 Responsabilidade Civil pelo Fato e pelo Vício do Produto

Antes de tratar especificamente destas duas formas de responsabilidade

civil trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor, cabe estabelecer a diferença

das expressões Vício e Defeito, trazidas por Nunes (2012).

O termo Vício lembra vício redibitório, instituto do direto civil que com ele

se assemelha na condição de vício oculto, mas que não se confunde visto ser regra

própria do CDC. Os vícios são considerados aparentes quando são facilmente

constatados pelo singelo uso e consumo do produto. São, por outro lado,

considerados ocultos quando só aparecem após algum tempo do uso. São vícios

inacessíveis ao consumidor que não podem ser detectados na utilização ordinária.

Por sua vez Defeito, segundo o autor, é o vício acrescido de um problema

extra que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não

33

funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago. O defeito causa dano

ao patrimônio jurídico, material e/ou moral e/ou estético e/ou à imagem do

consumidor.

Efing (2009), citando James Marins, caracterizou Fato do Produto como

sendo a manifestação danosa de defeitos importantes de criação, produção ou

informação que atinge a segurança patrimonial, física ou psíquica do consumidor e

que resulta na responsabilidade objetiva do fornecedor.

“manifestação danosa dos defeitos juridicamente relevantes, que podem ser de criação, produção ou informação (defeito), atingindo (nexo causal) a incolumidade patrimonial, física ou psíquica do consumidor (dano), ensejando a responsabilidade delitual, extacontratual, do fornecedor, independentemente da apuração da culpa (responsabilidade objetiva)” (2009, p. 155).

A responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto ou do serviço

é entendida por Miragem (2012) como sendo o efeito dos danos causados pelo

defeito de criação ou fornecimento e que resulta no seu dever de indenizar em

virtude da violação do dever geral de segurança que é inerente a sua atuação no

mercado de consumo.

Por sua vez a responsabilidade civil do fornecedor por vício de produto ou

serviço pode ser definida como sendo “o efeito decorrente da violação aos deveres

de qualidade, quantidade ou informação, impedindo com isso, que o produto ou

serviço atenda aos fins que legitimamente dele se esperam (dever de adequação)”

(MIRAGEM, 2012, p. 489).

O artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor trouxe a noção de vício

de produto. A doutrina dividiu a categoria em vícios de qualidade, vícios na

quantidade e vícios na disparidade com as indicações do produto (EFING, 2009).

Vício de qualidade decorre da ausência de características ou

propriedades do produto que possibilitem a este atender os fins esperados pelo

consumidor. Da mesma forma, espera-se que o produto adquirido não apresente

vícios de modo a causar uma perda de valor em razão da falha na sua apresentação

ou funcionamento (MIRAGEM, 2012).

34

Por sua vez, vício de quantidade diz respeito a uma falha decorrente da

disparidade entre a quantidade apresentada pela rotulagem do produto e aquela que

de fato está contida ou disponível ao consumidor (MIRAGEM, 2012).

Efing (2009) complementa afirmando que os vícios de qualidade e

quantidade decorrem da impropriedade, da inadequação ou da diminuição do valor

do bem, ensejando a responsabilidade solidária dos fornecedores. As saídas

oferecidas pelo ordenamento jurídico aos que se sentirem prejudicados pela

aquisição de produtos com vícios de qualidade são: substituição do bem; restituição

do valor pago ou o abatimento proporcional do preço (art. 18, §1°, I, II e III CDC)

No caso de vícios de quantidade, conclui o autor, pode o consumidor

exigir o abatimento proporcional do preço do produto, a complementação do peso ou

medida, a substituição do produto por outro igual modelo, marca ou espécie ou, a

restituição do valor pago devidamente corrigido monetariamente (art. 19, Incisos I ao

IV, CDC).

Para Rui Stoco (2011) os artigos 12 e 14 do CDC deixam claro que a

responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto e serviço é objetiva. Contudo,

em relação ao vício do produto tal entendimento está longe da unanimidade,

havendo conceituados doutrinadores entendendo que neste caso a responsabilidade

é subjetiva enquanto outros a entendem como sendo objetiva, visto que o artigo 18

do CDC não se pronunciou expressamente a respeito.

Para o autor a responsabilidade do fornecedor, nestes casos, é objetiva.

Entre seus argumentos está o fato de que o Código de Defesa do Consumidor

adotou o como princípio a teoria da responsabilidade objetiva em conformidade com

as garantias de proteção e defesa de ordem pública e interesse social, asseguradas

como direitos fundamentais nos termos do artigo 5°, XXXII da Constituição Federal.

Além disso, prossegue, se o consumidor tiver que provar a intenção e o

descaso do fabricante do produto por vício de qualidade e ou quantidade, ter-se-á a

impunidade, visto ser praticamente impossível tal comprovação.

35

4 RESPONSABILIDADE DA EMPRESA FORNECEDORA DE INSUMO S

AGRÍCOLAS POR VÍCIOS DE PRODUTO

Como descrito no item 2.3 a identificação da relação de consumo é

critério básico para se determinar a aplicação ou não do Código de Defesa do

Consumidor, Lei 8.078/1990 (MIRAGEM, 2012).

Assim, para que se configure esta relação é necessário que os sujeitos

envolvidos e o objeto da relação jurídica se amoldem ao Código Consumerista. Caso

contrário, se não for detectada a relação de consumo, se estará diante de uma

relação comercial, civil, regrada por outros textos legais (EFING, 2009).

Com base na discussão a respeito dos critérios para o estabelecimento

da relação de consumo doutrinadores como Cláudia Marques (2002), Arnaldo

Rizzardo (2011) e Bruno Miragem (2012) entendem que se o usuário utiliza o bem

como insumo para produção de outros bens, este não se classifica como bem de

consumo, pois ao entrar na cadeia produtiva não se enquadra no conceito de

destinação final.

Este também é o entendimento atual do Superior Tribunal Justiça de

acordo com julgado relatado pela Ministra Nancy Andrighi que assim se expressou:

“A jurisprudência atual do STJ reconhece a existência de relação de consumo

apenas quando ocorre destinação final do produto ou serviço, e não na hipótese em

que estes são alocados na prática de outra atividade produtiva” (STJ, CC 64.524-

MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j, 27/09/2006, DJU 09/10/2006).

Ao proferir seu voto no referido Conflito de Competência, a Ministra Nancy

Andrighi lembrou, contudo, que até meados de 2004 não havia entendimento

unânime no Tribunal em relação ao tema. Enquanto a 3ª Turma tendia adotar a

denominada teoria maximalista, a 4ª Turma seguia a corrente finalista segundo qual

consumidor é aquele que dá destinação final fática e econômica ao produto.

Dentre os Acórdãos da 3ª Turma que apresentam relevo para o presente

trabalho, destaque para o Recurso Especial N° 208.793/MT que entendeu existir

relação de consumo entre o produtor rural e a empresa fornecedora de fertilizantes.

36

O entendimento era que a expressão “destinatário final”, presente na

parte final do artigo 2° do Diploma Consumerista, alcança o produtor rural na medida

em que a utilização do fertilizante no plantio representaria o fim da sua cadeia

produtiva, não sendo mais este objeto de transformação ou beneficiamento.

Assim, o Acórdão posicionou-se no sentido de afirmar que o contrato

firmado entre as partes, agricultor e empresa, estava submetido às normas do

Código de Defesa do Consumidor.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL: CONCEITO. COMPRA DE ADUBO, PRESCRIÇÃO. LUCROS CESSANTES. (STJ, REsp. 208.793/MT; 3ª Turma, rel. Min. Menezes Direito, DJ 01.08.2000)

De forma semelhante, a mesma Turma entendeu, no Recurso Especial

445.854/MS, havia relação de consumo entre o agricultor e a financeira quando

aquele adquire máquina para colheita de algodão com o objetivo de incrementar sua

produção.

Pelo Acórdão o produtor rural que adquire bem móvel com a finalidade de

utilizar em sua atividade produtiva, deve ser considerado destinatário final, para os

fins do artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor.

CONTRATOS BANCÁRIOS – CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO PARA COMPRA DE COLHEITADEIRA – AGRICULTOR – DESTINATÁRIO FINAL – INCIDÊNCIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – COMPROVAÇÃO – CAPTAÇÃO DE RECURSOS – MATÉRIA DE PROVA – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA. (STJ, REsp. 445.854/MS; 3ª Turma, rel. Min. Castro Filho, DJ 19.12.2003)

Os dois Acórdãos estão fundados na teoria maximalista ou objetiva a

respeito da definição de consumidor, pois leva em conta apenas a destinação final

fática do produto e não sua destinação fática econômica. As duas situações, tanto a

aquisição do fertilizante como da colheitadeira, tem por objetivo incrementar a

atividade produtiva do agricultor (STJ, CC 64.524-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j,

27/09/2006, DJU 09/10/2006).

37

De acordo com a Ministra Andrighi o posicionamento no sentido de adotar

a teoria subjetiva ou finalista pelo STJ teve por base decisão tomada pela 2ª Seção

do Tribunal que, ao julgar o Recurso Especial 541.867/BA, em 10 de novembro de

2004, “estabeleceu que a facilidade relativa à oferta de meios de crédito eletrônico

como forma de pagamento devia ser considerada um incremento da atividade

empresarial, afastando, assim, a existência de destinação final do serviço”.

COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE. – A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca. (STJ, REsp. 541.867/BA, rel. Min. Barros Monteiro, j. 10.11.2004, DJU 16.05.2005)

Neste sentido, esta Corte Superior consolidou entendimento no sentido de

que não se caracteriza relação de consumo quando o produto ou serviço é alocado

na prática de outra atividade produtiva. A aquisição de insumos agrícolas como

fertilizantes, sementes, máquinas, agroquímicos dentre outros, também se

enquadram nesta situação.

No julgamento do Recurso Especial 914.384/MT decidiu-se, por

unanimidade de votos, pela não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

na compra de insumos agrícolas. De acordo com o Acórdão o grande produtor rural

é um empresário que ao adquirir insumos para o implemento de sua atividade não o

faz como destinatário final, como acontece nos casos de agricultura de subsistência,

onde a relação de consumo e a hipossuficiência ficam mais delineados.

DIREITO CIVIL - PRODUTOR RURAL DE GRANDE PORTE - COMPRA E VENDA DE INSUMOS AGRÍCOLAS - REVISÃO DE CONTRATO - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - NÃO APLICAÇÃO - DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. I - Tratando-se de grande produtor rural e o contrato referindo-se, na sua origem, à compra de insumos agrícolas, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, pois não se trata de destinatário final, conforme bem

38

estabelece o art. 2º do CDC, in verbis: "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". II - Não havendo relação de consumo, torna-se inaplicável a inversão do ônus da prova prevista no inciso VIII do art. 6º, do CDC, a qual, mesmo nas relações de consumo, não é automática ou compulsória, pois depende de criteriosa análise do julgador a fim de preservar o contraditório e oferecer à parte contrária oportunidade de provar fatos que afastem o alegado contra si. III - O grande produtor rural é um empresário rural e, quando adquire sementes, insumos ou defensivos agrícolas para o implemento de sua atividade produtiva, não o faz como destinatário final, como acontece nos casos da agricultura de subsistência, em que a relação de consumo e a hipossuficiência ficam bem delineadas. IV - De qualquer forma, embora não seja aplicável o CDC no caso dos autos, nada impede o prosseguimento da ação com vista a se verificar a existência de eventual violação legal, contratual ou injustiça a ser reparada, agora com base na legislação comum. V - Recurso especial parcialmente provido. (STJ, REsp 914.384/MT, rel. Min. Massami Uyeda, j. 02.09.2010, DJe 01/10/2010).

Decisão semelhante teve o julgamento do Recurso Especial

1.132.642/PR ao não caracterizar a relação de consumo no caso de compra de

sementes de milho por produtor rural. O entendimento teve por base o fato de que

as mesmas não foram adquiridas para consumo próprio do agricultor, mas, para

plantio e posterior colheita e comercialização dos grãos pelo mesmo. Aqui, também,

considerou-se o entendimento da Segunda Seção de que não se configura relação

de consumo quando o produto ou o serviço é alocado na prática de outra atividade

produtiva.

DIREITO CIVIL - PRODUTOR RURAL - COMPRA E VENDA DE SEMENTES DE MILHO PARA O PLANTIO - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - NÃO-APLICAÇÃO - PRECEDENTES - REEXAME DE MATÉRIA-FÁTICO PROBATÓRIA - ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - Os autos dão conta tratar-se de compra e venda de sementes de milho por produtor rural, destinadas ao plantio em sua propriedade para posterior colheita e comercialização, as quais não foram adquiridas para o próprio consumo. II - O entendimento da egrégia Segunda Seção é no sentido de que não se configura relação de consumo nas hipóteses em que o produto ou o serviço são alocados na prática de outra atividade produtiva. Precedentes. III - O v. acórdão recorrido entendeu que os recorrentes não conseguiram comprovar o fato constitutivo de seu direito, por meio de provas aceitáveis em juízo e que possibilitassem o contraditório. O cerne da questão, como se vê, diz respeito ao exame de matéria fático-probatória, o que é vedado pela Súmula 7/STJ. IV - Ademais, mesmo nas hipóteses em que o Código de Defesas do Consumidor é aplicável, o contraditório deve ser observado, possibilitando-se ao réu a oportunidade de provar fatos que afastem a sua condenação. V - Recurso especial improvido.

39

(STJ, REsp 1.132.642/PR, rel. Min. Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão Min. Massami Uyeda, j. 05.08.2010, DJe 18/11/2010).

Decisão no mesmo sentido também foi adotada por este mesmo Tribunal

no Recurso Especial 1.016.458, que tratou da compra e venda de fertilizantes por

produtor de arroz que adquiriu 100 toneladas da fórmula 05-20-28 (N-P2O5-K2O).

Alegando ser destinatário final do insumo e, em virtude da ocorrência de fatos

supervenientes que tornaram a obrigação excessivamente onerosa, requereu o

agricultor, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor no sentido de ver

realizada a revisão do contrato.

O Recurso não foi conhecido pelo Tribunal pelo fato de que a obtenção de

insumos para investimento na atividade comercial não caracteriza relação de

consumo.

CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. INSUMO AGRÍCOLA (ADUBO). APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE. I. A aquisição de insumos agrícolas para investimento em atividade produtiva, não como destinatário final, importa, de acordo com o entendimento sufragado nesta Corte, na inaplicação do CDC à espécie (REsp n. 541.867-BA, Rel. para acórdão Min. Barros Monteiro, DJU de 16/05/2005). II. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 1016458/RS, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 09.02.2010, DJe 08.03.2010.

Assim, com base no entendimento majoritário da doutrina e do Superior

Tribunal de Justiça, não se configura relação de consumo a compra e venda de

fertilizantes, não sendo, desta forma, o produtor rural considerado destinatário final e

econômico do produto. Neste sentido, segundo Efing (2009) não sendo detectada a

relação de consumo, se estará diante de uma relação comercial, civil, regrada por

outros textos legais.

Diante dos fatos apresentados fica caracterizado que no caso de

ocorrência de algum vício no fertilizante este deverá ser tratado, no geral, pelas

normas do Código Civil.

40

Nas palavras e Tartuce (2012) vícios redibitórios podem ser conceituados

como sendo os defeitos que desvalorizam a coisa ou a torna imprópria para o uso. O

assunto é tratado pelo Código Civil Brasileiro pelos artigos 441 a 446.

Com base no Princípio da Garantia, todo alienante dever assegurar ao

adquirente, a título oneroso, o uso da coisa por ele adquirido, para os fins a que é

destinado. Como este normalmente não tem condições de avaliar a existência de

eventuais defeitos ocultos que prejudiquem ou impossibilitem o seu uso, garantiu o

legislador a responsabilidade do alienante de modo a assegurar o equilíbrio da

comutatividade das prestações (VENOSA, 2010).

O artigo 442 deixa duas alternativas à escolha do adquirente de produto

portador de vício oculto ou defeito: a) rejeitar a coisa mediante a rescisão do

contrato e a consequente devolução do valor pago, mediante ação redibitória ou, b)

ficar com o produto e exigir o abatimento do preço pela ação estimativa ou quanti

minoris. As referidas ações recebem o nome de edilícias (GONÇALVES, 2010;

GAGLIANO e FILHO, 2011).

Nos termos do artigo 445 a ação redibitória e a estimativa devem ser

propostas no prazo de trinta dias, contados da tradição da coisa móvel (fertilizante).

Contudo, se o vício da coisa só puder ser detectado pelo adquirente mais tarde, o

prazo decadencial será contado a partir do instante em que dele teve conhecimento

até o máximo de 180 (cento e oitenta) dias, em se tratando de bem móvel (DINIZ,

2004).

41

5 CONCLUSÃO

O contrato de compra e venda é um negócio jurídico que pode ser regido

tanto pelo Código Civil como pelo Código de Defesa do Consumidor.

Para que se configure uma relação de consumo é necessário que os

sujeitos envolvidos e o objeto da relação jurídica se amoldem ao Código

Consumerista. Caso contrário, se não for detectada a relação de consumo, se estará

diante de uma relação comercial, civil, regrada por outros textos legais como o

próprio Código Civil.

A doutrina majoritária assim como o entendimento mais recente do

Superior Tribunal de Justiça adota a teoria finalista de consumidor. Ou seja, é

considerado consumidor o destinatário fático e econômico do produto ou serviço.

Neste sentido, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço

consumido e a atividade produtiva desempenhada pelo adquirente. Ou seja,

consumidor final é aquele que coloca um fim na cadeia de produção e não aquele

que utiliza o bem para continuar a produzir.

Portanto, a pessoa que adquire o produto para utilizá-lo em seu processo

produtivo não é considerada como consumidor final. Neste sentido a compra e

venda de insumos, como fertilizantes, para as atividades agrosilvopastoril, não se

caracteriza como uma relação jurídica de consumo, visto que o produtor rural,

conforme decisões do Superior Tribunal de Justiça, não é considerado destinatário

final do produto, mas intermediário, pois os insumos são utilizados para produção de

outros bens, no caso os produtos agropecuários.

O Código Civil prevê a ocorrência de vícios redibitórios nos artigos 441 a

446. Assim, no caso da constatação de vícios no fertilizante adquirido, o agricultor

poderá solucionar o seu problema com base na legislação civil que lhe permite

duas alternativas a sua escolha: rejeitar a coisa defeituosa, rescindindo o contrato,

reavendo o preço pago e obtendo o reembolso de suas despesas ou; conservar o

bem, reclamando abatimento no preço.

42

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