RESISTÊNCIA NEGRA EM OS TAMBORES DE SÃO LUIS, DE...

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RESISTÊNCIA NEGRA EM OS TAMBORES DE SÃO LUIS, DE JOSUÉ MONTELLO 1 A verdadeira medida de um homem não é como ele se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas como ele se mantém em tempos de controvérsia e desafio”. (Martin Luther King) Maria Félix de Carvalho UEMS RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar socialmente e dentro da concepção do gênero Romance, a obra “Os tambores de são Luis”, observando os marcadores do discurso deste gênero literário que se constitui na figura de Damião, prot agonista da história enquanto representação do negro escravo que consegue ascender quebrando alguns conceitos. Josué de Montello em 1985 descreve claramente a luta incessante do povo negro por liberdade onde o autor resgata uma parte da história que foi maquiada ou quase apagada e por alguns momentos a ficção e as realidades se enlaçam, e nos dão uma visão de como a luta do negro por liberdade se inicia a partir do momento que fora sequestrado de seu continente e foi se acentuando ao longo do tempo, destacando sua contribuição para o fim do cativeiro. Palavras chaves: Romance, Negro, escravidão, trajetória, Resistência ABSTRACT: The objective this work written by Josué de Montello in 1985, it is to analyze society and in the characters this novel. Entitled "Os Tambores de São Luis" can be seen as this clearly describes the incessant struggle of black people for freedom, we find there the story of the black man portrayed differently than is generally depicted in other works, we cannot verify that different from other segments contributed to the literary journey exclusionary process that tried to keep invisible in many ways the figure of the black. Key word: Novel, Black, slavery, resistance, journey Introdução O presente trabalho analisa a obra de Josué de Montello, “Os Tambores de São Luis” numa perspectiva social e literária. O objetivo é evidenciar e desconstruir alguns valores sociais ligados ao negro, assim como demonstrar os conflitos internos do personagem, que em todo o percurso da narrativa vive o dilema do antes e pós 1 Trabalho de monografia de Especialização em Ciência da Linguagem da UEMS de Campo Grande, orientado pelo Prof. Msc. GilsonVedoin.

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RESISTÊNCIA NEGRA EM OS TAMBORES DE SÃO LUIS, DE JOSUÉ MONTELLO1

A verdadeira medida de um homem não é como ele se comporta em momentos

de conforto e conveniência, mas como ele se mantém em tempos de

controvérsia e desafio”. (Martin Luther King)

Maria Félix de Carvalho

UEMS

RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar socialmente e dentro da concepção do gênero Romance, a obra “Os tambores de

são Luis”, observando os marcadores do discurso deste gênero literário que se constitui na figura de Damião, protagonista da história

enquanto representação do negro escravo que consegue ascender quebrando alguns conceitos. Josué de Montello em 1985 descreve

claramente a luta incessante do povo negro por liberdade onde o autor resgata uma parte da história que foi maquiada ou quase

apagada e por alguns momentos a ficção e as realidades se enlaçam, e nos dão uma visão de como a luta do negro por liberdade se

inicia a partir do momento que fora sequestrado de seu continente e foi se acentuando ao longo do tempo, destacando sua

contribuição para o fim do cativeiro.

Palavras chaves: Romance, Negro, escravidão, trajetória, Resistência

ABSTRACT: The objective this work written by Josué de Montello in 1985, it is to analyze society and in the characters this novel.

Entitled "Os Tambores de São Luis" can be seen as this clearly describes the incessant struggle of black people for freedom, we find

there the story of the black man portrayed differently than is generally depicted in other works, we cannot verify that different from

other segments contributed to the literary journey exclusionary process that tried to keep invisible in many ways the figure of the

black.

Key word: Novel, Black, slavery, resistance, journey

Introdução

O presente trabalho analisa a obra de Josué de Montello, “Os Tambores de São Luis” numa

perspectiva social e literária.

O objetivo é evidenciar e desconstruir alguns valores sociais ligados ao negro, assim como demonstrar

os conflitos internos do personagem, que em todo o percurso da narrativa vive o dilema do antes e pós

1Trabalho de monografia de Especialização em Ciência da Linguagem da UEMS de Campo Grande, orientado pelo Prof. Msc.

GilsonVedoin.

escravidão e também observar algumas marcas que nos levem a refletir sobre os aspectos literários, sociais e

culturais presente no texto, observando que ambos os aspectos complementam-se um ao outro dando a

singularidade particular desta obra, que mesmo sendo local se tornou universal.

No primeiro capítulo realizamos uma abordagem dos aspectos característicos do gênero romanesco

através de Teóricos como Massaud Moisés (1968) e Antonio Candido (1976), assinalando, tempo, espaço,

narrador e personagem dentro da obra. Também procuramos analisar as características sociológicas presente

nesta narrativa, que tem como tema principal a trajetória do negro e todos os seus conflitos enquanto escravo

ou homem livre.

Embora muitas vezes se confunda dentro da obra a ficção com a realidade, no segundo capítulo desta

monografia, não tratamos de análise simplesmente social distante da ficção, mas isto também não nos impede

de denotar como a participação do negro foi fundamental e como estes não mediram esforços para realização

de suas conquistas. Verifica-se no contexto da obra como o autor insere o negro como protagonista da luta por

liberdade e como participante no processo de formação de nossa história econômica e cultural.

Tal fato é esclarecido no livro Literatura e sociedade quando Antonio Candido afirma que, “a Arte

em geral, é uma transposição do real para o ilusório através de uma nova forma”, para ele, “a Arte advém uma

nova concepção daquilo que a linguagem cotidiana retrata” (CANDIDO, 1976, p.30.).

Ainda de acordo com o teórico, “[...] levando em conta o elemento social, mas como construção

artística” (CANDIDO 1976, p. 31.). Nessa perspectiva, podemos considerar que Josué de Montello descreve

em sua obra as lutas travadas pelo negro antes e após a abolição, sem ser racional, mas permitindo que o

próprio leitor atribua significados através dos conflitos vivenciados por Damião.

Um dos pontos altos da narrativa é a intenção do autor de enaltecer a resistência do povo negro

[...] sabia que vinha da estirpe ilustre quase toda dizimada na longa viagem no lerdo navio

negreiro que o trouxera da África para o Maranhão, e guardava nítida as imagens de sua terra

e de seu povo, do outro lado das águas imensas. Se não se atirara ao mar, durante a vagarosa

travessia, como muitos dos companheiros de viagem, foi porque a si próprio atribuirá o

comando de outros negros, assim que lhe ensejasse ocasião propicia para vingar se do

imerecido cativeiro (MONTELLO, 1975, p.30).

O fato de muitos se jogarem ao mar reforça a concepção de luta por liberdade, e foi a maneira como

tantos negros encontraram para livrarem – se da tortura, da saudade da família, da terra natal, uma mistura de

desespero e de protesto contra todo martírio a que se encontravam submetidos, se alguns como Damião

optaram por sobreviver aguardando ocasião de vingar–se do imerecido castigo muitos preferiram não permitir

que os fizessem escravos, livrando-se de imediato daquele tormento e preferindo a morte à escravidão.

1. Análise Literária do Romance

A obra literária, como todo objeto artístico, é constituída de inúmeros elementos significativos que

se relacionam entre si, proporcionando a singularidade e a riqueza estética que a distinguem dos demais

registros. No texto A personagem do Romance, Antonio Candido (1970) nos diz que, dentro do romance, as

categorias como personagem, enredo, tempo e espaço encontram-se interligadas:

Geralmente, da leitura de um romance fica a impressão duma série de fatos organizados em

enrêdo, e de personagens que vivem êstes fatos. É uma impressão práticamente indissolúvel:

quando pensamos no enrêdo, pensamos simultâneamente nas personagens; quando

pensamos nestas, pensamos, simultâneamente na vida que vivem, nos problemas em que se

enredam, na linha de seu destino – traçada conforme uma certa duração temporal, referida a

determinadas condições de ambiente. (CANDIDO, 1970, p. 51)2.

O livro Os tambores de São Luis, escrito por Josué de Montello em 1975 reflete essa característica

estética. A obra é constituída por sessenta e oito capítulos e conta a história de Damião, negro de estirpe

africana filho de Julião que chegou no Brasil em um navio negreiro. Desafiando seus senhores, Julião, pai de

Damião, após atear fogo em parte da fazenda foge dando inicio a um Quilombo, lugar onde, além de outros

acontecimentos, Damião aprende a ler, mas a vida tranqüila que levavam não dura muito tempo porque Samuel

um dos quilombolas trai todo o povo, e são obrigados a voltar a fazenda, durante a viagem Juliao é morto e

Damião vai gradativamente assumindo as características de seu pai, assim como também o desejo de vingança

não só pela morte do pai, mas por todo sofrimento a eles concebido.

Dessa forma, o menino, depois de voltar a vida de escravo, é acusado de engravidar a filha do Doutor

Lustosa, Senhor da Fazenda onde vivia junto com sua filha Nhá Biló, Sinhá Dona e outros negros.

Doutor Lustosa morre quando surrava Damião por pensar que ele engravidou sua única filha. Com

isso, a história de Damião muda de percurso, Sinhá Dona o manda para um seminário na intenção que ele se

torne Padre, anterior a idéia da Sinhá, Damião e sua mãe já haviam pensado nesta possibilidade. Já no

seminário Damião se depara com muitos personagens, mas tem o afeto especial do Padre Policarpo, um Padre

mulato que consegue compreender um pouco de todos os fatos que ocorrerão com O negro durante o tempo

que fica no Seminário.

No Dicionário de termos literários, Massaud Moisés (2004) caracteriza a distinção de tempo no

romance como “tempo histórico (ou cronológico)” e “tempo psicológico”. Moisés também distingue outra

espécie de tempo, o metafísico, que não nos interessa nesta parte do trabalho. Nas palavras do crítico,

Três tipos fundamentais de tempo podem ser considerados: o histórico (ou cronológico), o

psicológico e o metafísico ou mítico. O primeiro é sinalizado pelo ritmo do calendário, do

relógio, pela alternância dia-noite, as estações do ano, etc. O tempo psicológico (ou duração,

na terminologia bergsoniana) transcorre no interior de cada ser humano (ou de cada

personagem), imune à regularidade geométrica do tempo histórico; tempo subjetivo,

marcado pelas experiências individuais, tempo da memória, obediente a um fluxo mental

que escoa incessantemente, de cuja existência nos damos conta por um mecanismo instintivo

espontâneo, movido pela sensibilidade. De onde o tempo psicológico variar de pessoa a

pessoa [...]

No romance de análise, o tempo que predomina é o cronológico, pois os fatos são narrados em uma

sucessão temporal que vai desde a infância do Damião até a velhice. No trecho a seguir, podemos observar a

utilização dessa espécie de tempo, na utilização da marcação “uma semana depois”, “no ano seguinte” e na

concatenação dos fatos ocorridos.

UMA SEMANA DEPOIS do enterro da velha Calu novamente o Largo de Santiago viu

parar à mesma porta a carreta fúnebre, desta vez puxada apenas por uma parelha de cavalos

castanhos. O carro, embora corretamente adornado, não tinha qualquer sinal de imponência,

e mesmo o cocheiro, metido no seu dólmã escuro, a carapinha grisalha sob o boné, estava

longe de ter o garbo vistoso do senhor alourado, de quase dois metros, debaixo de uma

cartola que o fazia mais alto, e que causara admirações gerais por ocasião do outro saimento.

( MONTELLO, 1985, p. 369).

Ou ainda:

SÓ NO ANO SEGUINTE, pelo meado de agosto, o Senhor Bispo pode afinal dizer a

Damião, ao fim da derradeira missa pela paz da alma do Senhor Lustosa: agora vamos tratar

de sua carta de alforria. Hoje mesmo vou escrevera Dona Sinhá Lustosa.( Montello 1985,p.

195)

O tempo da narração conflituosa dura apenas de uma madrugada a algumas horas da manhã. O relato

se inicia com o personagem Damião, que, ao entrar em um bar no ano de 1915 se depara com dois homens

mortos sem imaginar que um destes seja seu filho, episódio que será explicado apenas ao final da narrativa.

Nesse ponto, o narrador passa bruscamente à contagem da história da infância de Damião.

Todo o enredo gira em torno de Damião, cuja história é apresentada de forma circular, pois ao final

do livro o relato retorna ao início da narração, no bar onde o protagonista se encontrava, nos dando a entender

a que o morto, pode ser o filho de Damião que havia vindo de Liverpool para ver o pai.

O espaço do romance varia ao longo da narração. Inicialmente a personagem Damião se encontra em

São Luís, no Maranhão, já ancião. As marcas de espaço são dadas através dos nomes das ruas e dos pontos

turísticos da cidade:

Já fazia alguns anos que Damião vira aparecer na cidade àquela figura caricata, debaixo de uma cartola

preta, casaca, sapatos cambados, e a andar acima e abaixo, com uma pasta de couro, também preta, e

apresentando-se no Largo do Carmo, no Palácio do Governo, na redação dos jornais, no Liceu, no Paço

Episcopal e também à porta das igrejas, nas missas dominicais e dos casamentos, como – o Ilusor

Maranhense. Dias depois, apenas por curiosidade, tinha ido assistir, no Teatro de São Luís ao seu

primeiro espetáculo [...] (MONTELLO, 1985, p. 13).

Ao longo da narração, os espaços variam. Na infância de Damião, a personagem percorre diferentes

lugares. É citada a origem do pai na África. No corte que o narrador faz remetendo à meninice do protagonista,

o espaço configurado é o Quilombo:

O RIO LARGO, enxameado de piranhas, ficava quatro dias de viagem pelos meandros da

floresta. Para alcançar a vila mais próxima era preciso passar para a outra margem remando

contra a correnteza e andar outros quatro dias, sempre dentro da mata por um caminho que

só os negros conheciam (MONTELLO, 1985, p. 20).

Após serem descobertos, Damião e sua família voltam à fazenda de origem, trazidos novamente como

escravos. Na passagem a seguir, podemos observar a descrição da casa-grande e da senzala no olhar dos

cativos:

Mas, quando tornou a ver a casa-grande, precedida da orla de palmeiras, acima de uma rampa

suave, calçada de pedras, não pode deixar de emocionar-se. Lá adiante, alongava-se a

senzala, coberta de telha com seu beiral saliente. Entre a casa-grande e a senzala, destacava-

se o telheiro que cobria o imenso tanque todo de pedra, e que um dos escravos tinha de

encher todas as manhãs com água trazida da lagoa (MONTELLO, 1985, p. 42).

Nos percalços da vida do protagonista, ele vai parar em São Luís do Maranhão, com uma carta de

recomendação para o Seminário. Nesse lugar, a personagem passa parte de seu tempo, lecionando como

professor:

Mais uma vez, nas suas primeiras aulas no Liceu,encontrara no quadro negro,em caracteres

de imprensa,esta frase ultrajante: ‘ Damião é Bode. ’Antes de proceder à chamada dos

alunos, apagava - a do quadro, e dava sua aula como se não houvesse lido a afronta matinal.

(MONTELLO, 1985, p. 342).

O personagem vive sempre em conflito com os problemas sociais que o cercam, e vivenciado toda a

problemática do preconceito racial mesmo após ser alforriado, ele passa da , dor à alegria constantemente,

como se para cada injustiça sofrida, a vida lhe desse algo como recompensa, assim após viver a passagem da

monarquia para Republica e o fator mais relevante da obra, o sonho de ver a abolição da escravatura se

concretizar, Damião, além de contribuir com o fim do cativeiro, chega o final da obra ao lado da mulher que

mais amou, e diferente das perspectivas para os negros da época tem uma vida como ele mesmo afirma,

“passou pelos horrores da escravidão , lutou e viu abolição e agora vivia em sua casa com sua família”.

(MONTELLO, 1985, p. 610).

O narrador do romance é onisciente, não interfere nos fatos, utilizando - se da terceira pessoa do

singular:

Ele passava direto para o seu canto, ao fundo da senzala, como se não ouvisse o que lhe

diziam. No intimo, era só que pensava. Não raro a revolta trazia-lhe a boca um gosto vivo

de fel. até quando duraria o seu tormento? E ficava a esmoer a ira surda de olhos apertados,

maquinando desforras.( MONTELLO, 1985, p.56)

Como afirma Massaud Moisés (2004) ao comparar o Romancista com o contista ou o novelista, estes

últimos “limitam- se ao campo visual a fim de narrar uma história, tornado seu foco narrativo praticamente

invariável”, já o Romancista “utiliza-se de vários focos numa mesma obra, certo de estar enriquecendo as

possibilidades de acesso aos dramas focalizados, e de estar oferecendo um painel humano mais diversificado

e amplo” ainda de acordo com o mesmo autor, “estes fatos fazem com que o Romancista revele uma visão

ética do mundo refletindo as tendências filosóficas e estéticas do seu tempo, não é por acaso que ele emprega

a primeira pessoa ou a terceira do singular, ver o mundo na terceira pessoa pode denunciar um distanciamento

ético da realidade” (MOISÉS, 1968, p.233)

São muitas as representações dos personagens que fazem parte do desenrolar desta história, nos

remetendo a Massaud Moisés (2004) em sua obra A criação Literária, na qual relata que “constitui exemplo

de Romance cuja população atuante é grande e variada, formando núcleos dramáticos que se justapõem numa

rede estreitamente trançada.” (MOISÉS, 1968, p.195). Assim temos na narrativa de Montello (1985):

Em junho na noite de Santo Antonio, de repente, com uma dor do lado faleceu Dona

Bembém. Apesar de ter vestido a irmã e ter ajudado a dispor as flores sobre seu corpo, na

sala convertida em cama ardente,a tia Cotinha,nos dias subseqüentes continuou a pôr -lhe o

prato à mesa,à hora do almoço e à hora do jantar,e ainda lhe armava a rede,tanto a noite

quanto a hora da sesta.( MONTELLO,1985,p.590)

São muitos os personagens que fazem parte do enredo, durante toda a obra, observamos Damião

sempre em contato com outros personagens, desde sua infância com sua família e outros negros que

integravam o Quilombo, os senhores e escravos na casa grande, os padres e alunos no seminário, poetas e

políticos durante o percurso de transição da abolição do cativeiro e também ao final da narrativa ao lado de

sua companheira já na velhice.

Montello também descreve os conflitos internos vividos por Damião, ele vive entre os percalços do

decorrer de sua história.

Damião hora se sente satisfeito com ávida que leva comparando-se com outros negros, hora

sente a repugnância pela sua condição de homem livre. Por vezes olhando-se no espelho, no

momento de ver se a roupa lhe caia bem,já pronto para ir dar aula no Liceu ou no seminário

das Mercês,julgava-se de repente um trânsfuga,esmagado pelo reconhecimento de seu

conformismo. Assim que entrava na classe, essas crises se desfaziam [...]. (Montello, 1985,

p.338)

Antonio Candido (1970) constitui nestas oposições da vida do personagem uma relação conflituosa

evidenciando assim as complexidades do ser e as do personagem literário. Para ele, “o escritor reinventa a

pequena visão que temos do mundo que com alguns traços particulares dentro do romance consegue destacar

no personagem seus conflitos interiores e suas confusões e são nestes tumultos do ser que a realidade é

reinventada.” a visão fragmentada que temos do real é reinventada textualmente pelo escritor, que, mediante

a apresentação de um número limitado de marcas ou traços particulares, “consegue imprimir nos personagens

a complexidade e a riqueza do ser”: (CANDIDO, 1970, p. 58). Podemos observar também nas palavras de

Octavio Paz, 1914 , “O Romancista não demonstra nem conta: Recria um mundo “ (Octavio Paz ,1914,p.68).

2. Resistência Negra

Nas palavras de Montello, percebemos como já chegando ao Brasil alguns Negros já tinham a noção

da importância da luta coletiva como maneira eficaz para se conquistar a liberdade e a igualdade. “Cativeiro

de negro tem que acabar. Pra acabar só tem um jeito: é os pretos se juntar. No Brasil tem muito Preto, mas

tudo espaiado, uns aqui outros ali [...] ‘(MONTELLO, 1975, p.30).

É na figura de Damião que o autor vai afirmando estes dizeres, este que em sua trajetória através de

sua inteligência juntando–se a outros negros e negras consegue pela primeira vez levar adiante seus objetivos

de por fim ao cativeiro. Embora sofrendo todo preconceito pela cor de sua pele, sendo submetido ao julgo da

sociedade da época que lhe impediram de conquistar um cargo de Padre ou professor mesmo se sobressaindo

a muitos brancos em inteligência e desenvoltura, apenas e somente por este ser negro, não lhe fora permitido

ocupar cargos que se acreditava, “feitos para brancos”. Diferente do imaginado, Damião ao invés de se abater

e desistir diante do preconceito sofrido, reverte sua decepção, em resiliência, e encontra nestes acontecimentos

a força necessária para continuar sua batalha, vai entendendo desta forma, que sozinho não poderia fazer muito,

mas apenas teria êxito em seus propósitos se conseguisse a união do povo escravizado. Em suas palavras

verificamos como uma saída para o fim dos castigos remetidos aos negros só teria término se se unissem

coletivamente para este fim: “Senhor tem razão Padre Policarpo. É preciso que os negros se unam. Se não se

unirem, continuaram apanhando como eu apanhe” (MONTELLO, 1985, p.190).

Aqui também pode se inferir como que intelectualmente o negro era impedido de colaborar, sendo

aceito apenas como força bruta, Damião era capaz de falar escrever e entender o latim, inteligência esta que

era “peculiar somente ao Branco”.

Por acaso sabes ler? E onde aprendeste aqui?

Não, no Quilombo de meu pai. E aprendo depressa. Tudo quanto me ensinam eu não

esqueço. Agora mesmo se o senhor Bispo quiser, posso repetir o sermão que o Senhor Bispo

pregou hoje de manhã. (MONTELLO, 1975, p.103)

Damião era um dos poucos que não acolhia o que o dominador queria, obrigar–lhes a assimilar, “que

era nato e eterno ao negro a mão de obra escrava” (Montello,1975,p.35). Como afirma Wladimir Pomar (2009)

Os latifundiários escravistas resistiram o quanto puderam as modificações no sistema

escravo de trabalho. Apesar de odiarem tudo aquilo que revelava sua dependência ao

escravo, como trabalho manual essa mesma dependência fazia com que eles considerassem

o sistema escravista como fato natural e eterno. E era do mesmo modo que encaravam o

controle e a violência sobre os cativos (POMAR, 2009, p.56).

Diferente de tantas figuras negras representadas em outras obras literárias, em Os Tambores de São

Luis de Montello, observamos o escravo que não assimilou para si os valores que tentaram impor-lhe, da

passividade e do ser naturalmente existindo apenas para realização do trabalho braçal. Montello nos mostra

aquilo que Antonio Candido 1976. menciona ao parafrasear Sainte-Beauve:

O poeta não é uma resultante, não é um simples resultante, nem mesmo um simples foco

refletor: Possui o seu próprio espelho, a sua monada individual e única. Tem o seu núcleo e

seu órgão, através do qual tudo o que passa se transforma, porque ele combina e cria ao

desenvolver a realidade (CANDIDO 1976, p. 18)

A forma como O autor descreve a vida de Damião é o que faz sua obra embora intertextualizando o

contexto social, ser uma obra rara de arte, ele consegue fundir texto e contexto. Parafraseando Candido, “numa

explanação dialética, o autor funde o real a ficção” (CANDIDO, 1976. P. 45), reinventando um personagem

que se assemelha os demais negros da época, na dor do trabalho instigante, mas que ao mesmo tempo se

sobressai com uma inteligência e capacidade intelectual que parecia inerente apenas aos brancos: “Menino

danado-reconheceu feliz- tua cabeça parece baú de velha: Tudo que a gente poe dentro, aí fica, e muito bem

guardado. Benza te Deus Damião” (MONTELLO, 1985, p.25).

Damião que vê aproximar-se da morte quando é castigado pelo Dr. Lustosa é salvo, como por

providência divina, para cumprir a missão de arrebanhar e conscientizar outros que vivem em situação pior ou

parecida com a sua na luta pela abolição, abolição esta que para estes parecia resolver todos os seus problemas

e exterminaria suas angústias e seus castigos, dando lhes igualdade de vida como as de seus senhores.

Deus ta te ajudando. Sentado na poça de sangue, Damião ouviu o correr do ferrolho da porta,

depois o estalo do cadeado, e perdeu a noção das horas vencido pelas dores e a exaustão, o

espírito meio confuso, uma vontade invencível de cerrar os olhos, como se voltasse a

desfalecer, chegou a pensar se a morte naquele momento não era preferível...tenho de reagir-

acabou por dizer- se Assim é que não posso ficar( Montello,1985, p.136)

Damião se difere de muitos heróis negros no que diz respeito ao sucesso que alcança em sua trajetória.

Montello desconstrói alguns estereótipos relacionados ao negro, pois se lançarmos nosso olhar na trajetória

literária, onde muitos autores já fizeram referência ao Africano ou afro descendente, podemos observar a figura

do homem submisso, com historia e final trágico numa relação de dominante e dominador, sem perspectivas

de mudança de sorte, podemos utilizar como comparação o personagem negro Raimundo em O Mulato, ou

ainda antes destes, Gregório de Mattos , que afirma em seu poema.” Quem são seus doces objetos?

Pretos”/Tem outros bens mais maciços? Mestiços [...], porém Damião, embora vivenciando toda dor da

escravidão e mesmo passando por fatos que quase deram termo à sua vida, este superou tantas dores como a

de ver o pai morto tragicamente e resistiu bravamente:

E o que Damião viu a seguir, juntamente com seus companheiros consternados, ficaria para

sempre em suas pupilas: Uma grande mancha de sangue boiando à tona da correnteza,

enquanto as piranhas bloqueavam o corpo esguio,que se debatia entre as navalhas de seus

dentes afiados (Montello,1985 p. 40,41)

Mesmo tantas vezes prestes a sucumbir, Damião superou parte de suas dores, até mesmo diante da

sensação de abandono e desamparo que o reprimiu após a morte trágica do pai. E ainda quando tudo parecia

chegar ao fim, Damião viu uma saída para seus sofrimentos que era ir com o Bispo e se tornar sacerdote,

quebrando assim muitos paradigmas de sua época, sendo o primeiro Padre negro, mas como se os castigos

nunca pudessem ter fim, neste momento é injustamente acusado de engravidar Nhá Biló, filha do Senhor

Lustosa, que em sua loucura confessa estar grávida de Damião, imaginemos que castigo a ele não caberia, o

escravo odiado pelo seu senhor, que abusou sexualmente de sua única filha, parece estar tudo consumado e a

história de Damião ser apenas mais uma , como as de tantos outros escravos negros.

Há muito tempo que estou perdida. E um dos culpados és tu Damião. Sim senhor: tu. Eu

estava dormindo, tu entraste aqui em meu quarto, te deitaste na rede comigo e abusaste de

mim... e batendo com a mão no sexo e na barriga empinada:Tenho a marca aqui dentro de

mim.( Montello,1985p 105)

Dessa forma o autor nos causa a impressão que Damião nunca se livraria do cativeiro sendo mais um

personagem negro com trajetória trágica, porém os fatos vão se alterando como por “força divina”, embora o

castigo recebido neste momento fora aproximadamente o final de sua vida. Este foi preso, como se não

houvesse mais saída para abrandar sua dor:

Muitos escravos haviam morrido ali, não resistindo a fome e a sede a que eram reduzidos

depois de açoitados e ali mesmo uns tinham enterrado os outros, abrindo as covas com as

mãos. Isso explicava as ossadas humanas que vinham ao lume do solo...Toda fechada com

um metro e meio de largura por outro tanto de comprimento, recebia sol durante todo o dia,

e como não tinha janela por onde o vento circulasse,fazia ali dentro um calor

insuportável...quando Damião se viu ali dentro, levou uns momentos atordoado, com a

sensação de que havia ficado cego(MONTELLO, 1985, p.120).

Assim, Montello, nos leva ao pressentimento de que mais uma vez um escritor afirmará a distancia

social intrasponível, entre Negros e Brancos, como em Darcy Ribeiro 1995, “parece que esta intrasponibilidade

social fosse uma conduta natural” , e o negro nunca pudesse transpor–se a vontade do dominador, estando

condenado a viver apenas àquilo que a escravidão podia lhe oferecer.

Damião tinha cruzado os braços com as mãos nas axilas, a cabeça levantada. Só os seus olhos se moviam,

tentando antever o que ia se passar. A palmatória de ferro deu – lhe uma sensação de frio na espinha. Já ouvira

falar dela, mas nunca a tinha visto. Sabia de negros a quem ela havia mutilado. E viu quando Senhor Lustosa

a segurou pelo cabo, depois de ter deixado o chicote no banco de pau ao lado da navalha.(

Montello,1985p.130)

E desSa forma Damião assim como o leitor, vai pressentindo seu fim, afinal nenhum negro que esteve

ali, conseguiu voltar sem pelos menos ter um de seus órgãos mutilados.

E agora meu Deus?

No entanto em meio a sua agonia, esboçava um sorriso, agradecido a misericórdia de Deus, enquanto

revia a navalha em cima do banco e o senhor a erguer o braço que empunhava o chicote. Como a

sede teimasse, esbraseando – lhe a boca, ensaiou a cavar a terra com os dedos dos pés. Sentia se a

ponto de endoidecer.Por fim arrastou – se até a porta, e entrou a repetir, para ver se alguém o ouvia

pelo lado de fora: Água. Água. (Montello,1985, p.137)

Damião mais uma vez resiste a dor quase insuportável para qualquer ser humano:

Quando a porta se abriu, projetando a luz da tarde alta para o interior da cafua, Damião pos a Mão diante dos

olhos, protegendo os da claridade. Nos primeiros momentos, não se moveu, agachado contra a parede. Saia!

Ordenou – lhe o feitor (Montello,1985p.140)

È como se a vida lhe desse sempre uma nova chance para colaborar na mudança de direção da história

de seu povo, este vai para São Luis sobre ordem de não voltar mais a fazenda, para sua sorte no momento em

que o Senhor Lustosa iria matá-lo, este é quem não suporta e termina morrendo sem antes dar cabo a vida de

Damião.

Foi a noite, quando pararam no pouso do Riacho fundo, diante do fogo aceso para esquentar

o corpo e afugentar os mosquitos e besouros, que Damião perguntou ao companheiro: O

doutor foi enterrado na capela seu Chico?.Bem no meio, defronte do altar e com roupa de

douto... Foi Deus que te salvou Damião. Bota as mãos para o céu, se não fosse Deus tu tava

castrado, como os capados do chiqueiro. (Montello,1985, p.134)

Damião vai seguindo sua trajetória, consciente que uma forma de mudar de vida era entrar para o

sacerdócio. “Eu vou mesmo é ser padre Chico”. (MONTELLO, 1985, p. 135).

Parecia que o fato de ser padre o livraria da sina de ter nascido negro, mudaria seu percurso e o desprenderia

deste fardo. Mas a sociedade Maranhense da época não aceitaria um negro que ocupasse um posto que até

então parecia ser apenas feito para brancos. Podemos entender estes fatos como o inicio como diria (Darcy

Ribeiro 1995) “da profunda distancia social, intrasponível, mais intrasponível que a diferença racial

exacerbando o distanciamento social entre as classes dominantes e a dominada, o poder central não permite

qualquer alteração a ordem vigente”, ou seja, os negros deveriam manter – se ocupando lugar de escravos, até

mesmo, ou principalmente o clero, com raras exceções, pensava assim, como se fossem castas, ainda de acordo

com RIBEIRO, “o espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão proclamada, como” falsa, democracia

racial, raramente percebem os profundos abismos que aqui separam os extratos sociais. O povo massa, sofrido

e perplexo, vê a ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à

qual tudo é consentido e concedido.” (Darcy Ribeiro,1995, p. 24)

Damião embora ciente de sua extirpe começa aí sentir na pele outras formas de ‘”Chibatadas”.

Os lábios carnudos levemente avermelhados, o nariz meio achatado, o queixo meio sumido,

o cabelo aparado rente, e a pele muito negra, de um negro tirando o fosco, confirmativa da

estirpe superior de sua raça africana e de sua força, raça de guerreiros insubmissos, muitos

ciosos de sua agilidade e de sua força, só por traição jogados um dia, no porão de um navio

negreiro, a caminho do exílio e da escravidão. (Montello,1985, p.156)

Nessa citação também verificamos a desconstrução que Montello faz do negro passivo, que aceitou

ser jogado no navio e se conteve a vida de escravo que lhes ofertaram na chegada ao Brasil.

Na afigura de Damião podemos entender a resistência deste povo, que tinha consciência de onde

vieram e o que almejavam para si.

Mas para conquistar um posto dentro da sociedade que não fosse de escravo, Damião passou das

chibatadas que lhe causou tantas dores físicas, ás que lhe fariam sentir a dor psicológica:

Não te esqueças de que tens outro obstáculo no teu caminho, e muito serio: és negro. Não há

sacerdote negro. O padre Policarpo que é Mulato teve que vencer uma corrida de obstáculos

para poder ordenar – se, e fora daqui. Contigo que és mesmo negro, a luta vai ser maior,

muito maior. (Montello,1985,p. 156)

O Herói negro segue sua trajetória, mas sem tanta resignação. Não podemos afirmar que Montello

não retrata desta forma as dores vivenciadas por Damião e toda rejeição que este sofrera pelo fato de ser negro,

ao contrário, estas são bastante acentuadas, sobretudo quando este consegue chegar ao Liceu, ocupar um cargo

de professor de um colégio predominantemente de professores e alunos brancos.

Que o preto dê aulas, vá lá: o que ele ensina repete dos livros, que os brancos escreveram. O

que eu não posso aceitar é que um negro dê nota a um filho meu. O negro que conheça o seu

lugar. Pode ser muito sabido, mas é preto, e preto com marca de chicote no corpo. Amanhã

como professor ele vai pensar que pode dar palmatória nos brancos... daí em diante, embora

Damião corrigisse as provas dos alunos, quem lhes escrevia a nota era o Doutor Sotero.(

Montello,1985, p. 342)

O autor consegue como relata CANDIDO (1976) “apontar a predominância do problema sobre o

personagem. È sua força e sua fraqueza, a humanidade singular do protagonista domina os fatores do enredo”.

, (Candido, 1976 p, 45) Se o personagem vivencia este problema é porque conseguiu chegar a um posto que

incomode, visto ser o primeiro negro a ousar, não por piedade de ninguém, mas por ter habilidades que pra

sociedade da época só os Brancos possuíam, como inteligência e o domínio do Latim. Damião passara por

muitos sofrimentos, como se tivesse que ser castigado pelo fato de ter se envolvido no mundo onde só até

então havia espaço para os brancos. Todos estes fatos, a pressão, a discriminação, farão com que ele recorde

os horrores vivenciados no navio negreiro:

Agora olhando os negros dançando em volta do boi, alguns já velhos, de carapinha pintando

sobre o luar, lembrava dos horrores que ouvira de outros negros, inclusive de seu pai, sobre

a longa viagem da áfrica para São Luis, meses a fio, no mesmo espaço do porão imundo,

eram trezentos pretos, às vezes mais, no mesmo vão exíguo: frequentemente não se

entendiam entre si, por falarem língua diferentes. Uns apertados contra os outros, na

atmosfera sufocante[...].(Montello,1985 p.342)

Damião sobrevivera a todo tipo de aversão até chegar ali, e agora continuava a luta para se manter

naquele espaço, aos poucos sua revolta vai se aguçando, diante de tantas injustiças cometida contra seus iguais,

ele vai dia a dia se conscientizando que a tirania precisava acabar não aceitava resignado o horrores e a

opressão da escravidão ao ponto de chegar ao extremo e tentar inutilmente ser ouvido por seus alunos, com

palavras a conscientizá-los da importância de mudança de direção, mudança esta que deveria partir deles, por

ainda serem jovens e que poderiam agir de modo diferente de seus pais:

Como aceitar que no Brasil ainda exista a propriedade do sobre o homem através do

cativeiro? Como admitir que numa terra onde a maioria da população era constituídas de

negros, ou deste descendiam,a minoria branca,que se mantinha quase sempre ociosa,

continuasse a explorar a maioria cativa, no regime de trabalho forçado?( Montello,1985,p.

470)

Damião via em seus alunos a chance de mudar os rumos da sociedade, afinal, como ele mesmo

afirmava, “eram moços e futuramente seriam os homens que direcionariam o país”, e ousava em seu discurso

na tentativa de conscientiza- los, “a circunstância de ter nascido com esta cor de pele não exclui minha

condição de homem, sou um ser humano como vocês”... e continuava seu fala exaltado e indignado, “cativeiro

é um crime, e crime que se pratica pra com os outros homens. Não há nada que justifique a escravidão”

(MONTELLO, 1985, 357).

O que o personagem consegue com suas palavras é apenas ser afastado de seu cargo, não era permitido

ao negro, mesmo sendo este Damião, que não era mais escravo, mas ocupava um “lugar de brancos”, tentar

mesmo com palavras mudar o rumo da história. Mesmo estando a frente comparando – o a maioria de seus

semelhantes, Damião era obrigado a aceitar somente aquilo que era imposto,desta forma, não resistindo a tanta

abominação ele resolve abandonar o Liceu, e passa a lutar de outras maneiras, mesmo diante do preconceito

vivenciado pelo personagem, podemos verificar mudanças na maneira de como o negro é retratado na obra de

Montello, desde a aparência física , onde Damião é descrito com traços inerentes ao africano ressaltando a

superioridade da raça, “Os lábios carnudos , o nariz meio achatado, o queixo meio sumido, e a pele muito

negra, de um negro tirando o fosco, confirmativa da estirpe superior de sua raça”, e ainda sendo um negro auto

didata que mesmo sem freqüentar os bancos da escola tem facilidade de aprender e não esquecer o que lhe

ensinam, e ainda tem gosto refinado pelos livros, características que pra sociedade da época pertencia aos

brancos, desta forma o autor desmitifica afirmações como:”Lugar de negro é a senzala”, e assim mesmo

vivenciando momentos marginalizadores , porém sempre existe um acontecimento que lhe devolve o animo

para continuar a sua luta , que não era apenas sua, mas de muitos outros que continuavam castigados por

terem a pele escura:

Já ia fazer três anos que Damião deixara o Liceu, e o seminário das Mercês, pusera anúncio, mas

nenhum aluno apareceu. Aos poucos havia vendido seus melhores livros... Muitas vezes cansado de

esperar em vão por alunos, Damião andara a procurar emprego nas casas de comércio... Mas sempre

ouvia respostas evasivas. (Montello,1985,p. 364)

Temos nestes fatos o poder econômico contra a liberdade, Damião era livre, mas esbarrava no fato de

ser negro e por tanto não conseguir trabalho, e assim não ter como se sustentar.

“Se fosses escravo não andava atrás de emprego, tinha o Senhor para te sustentar.” (MONTELLO,

1985, p. 367). Verificamos nesta afirmação de outro negro como o preconceito é tão forte que muitos escravos

aceitavam que o melhor para eles era mesmo o cativeiro.

Embora vivenciando tantos fatos negativos, que o levou a quase desistir de sua luta, sua dor e revolta

se faziam constantes, e eram elas que o confundindo, também o levava a se levantar e prosseguir em seus

ideais:

No seu quarto, ele afundou na cadeira, as mãos abandonadas nos joelhos, os pés descalços. E nunca

sentira tão forte a sua impotência diante da vida como nessa hora. Dia – lhe fundo a consciência de

sua miséria. Mesmo com dinheiro na mão, nada podia fazer. Mais forte que os contos de réis que

talvez chegasse a reunir às carreiras,para oferece – los como resgate de um ser humano, que era

sangue do seu sangue,erguia – se a instituição do cativeiro que fazia deste ser o objeto de uma

transação. Naquele momento se lhe fosse possível destruir o mundo iníquo que o cercava não

hesitaria.( Montello,1985, p.419)

E Damião ia encontrando respaldo entre alguns amigos que não cessaram de o encoraja – lo quando

parecia sucumbir:

Você não é um preto como os outros. Se convença disso. Conheça o seu lugar... Vejo você

se acabando e não posso me conformar. Já lhe disse: eu também sou preta... Você é grande

Damião. Gente de cima. De muito alto.( Montello,1985, p. 447)

Foi depois de perceber a confiança que adquiria dos seus semelhantes que Damião foi se

conscientizando que sozinho não poderia fazer muita coisa a favor da abolição, mas através da luta coletiva.

“Se os pretos não se ajudarem uns aos outros, não serão os brancos que vão nos ajudar” (MONTELLO, 1985,

p.448).

Assim a abolição vai se processando, e com elas as estruturas econômicas de nosso país, embora

já tivesse vivenciado algumas leis como a do ventre livre,em 1871, que tornou livres os que nascessem após a

mesma. [...] perguntando – lhe pelos filhos. – “Fiquei sem nenhum- replicou ela, de vista baixa,riscando a terra

no chão como o dedo grande do pé direito,até a menina que tinha feito nove anos me tomaram” (MONTELLO,

1985, p.417), e do sexagenário,em 1875, que dava liberdade aos que tivessem mais de sessenta anos, porem,

“a titulo de indenização eram obrigados a trabalhar ainda por mais três anos para pagarem pela alforria”

(MONTELLO, 1985, p. 539).E esta teve como resultado: “e eu fiquei sobrando, assim torto com ronqueira no

peito, desdentado, ninguém me quis. Não dou mais nem pra pôr sentido em passarinho no quintal”.

(MONTELLO, 1985, p. 416) constata se que os que menos se beneficiavam com as leis até o presente

promulgadas eram os negros, os velhos já não tinham força para ao trabalho, ficando muitos obrigados a

esmolar e as mães se viam apartadas de seus filhos,sem muito sucesso ou sem muitos fatores positivos no que

tange o negro, eles almejavam a abolição como sendo a resolução para sua desumana condição de escravos.

Parecia – lhes que assim chegaria ao fim tanto sofrimento. Porém alguns já desconfiavam da “Abolição”, pois

a liberdade não veio com as leis antes promulgadas, nem tão pouco com as “cartas de alforria”.

Não é a carta de alforria que dá liberdade ao preto. Vê teu caso. Tu tens a tua e pensas que é

livre. Não .Não és. Tua situação é pior que a minha. Viverás atrás de trabalho, e é com

esforço que arranjas um bico, assim mesmo por muito favor. Onde é que esta a tua

liberdade?( Montello,1985,p. 429)

Mesmo diante do que parecia visível, o fato de que alforria, ou leis abolicionistas não era o que

resolveria em suma a condição do negro escravo, mas se fazia necessário antes e urgente uma mudança na

política local contemporânea para assim sanar os anseios de Damião, pois, de que adiantava ao negro ser

liberto, ele mesmo era exemplo disto, se não conseguiam se libertar do preconceito. Parecia que estavam

fadados a viverem sobre o julgo da cor de sua pele. Entretanto para o negro que sofria o julgo da chibata, tinha

a Lei áurea redenção para seus sofrimentos, mesmo essa tardando, eles não desanimavam: Nada de desanimar.

“As conquistas do povo, pelos meios pacíficos, Têm de ser lenta. Um bom passo já foi dado” (MONTELLO,

1985, p. 502).

E assim, tanto se almejou que a abolição aconteceu, mas antes desta muitos senhores, certos de que

não teria mais como retarda-La, vendiam alforria para alguns de seus escravos menos informados, como forma

de não sair perdendo:

E daí a dias ,quando soube que o projeto de lei que abolição cativeiro ia ser enviado a Câmara

dos Deputados,o capitão chamou o Cursino Cipó para lhe entregar a carta de alforria: Tudo

ponto,Cursino.Mas ainda tens que pagar o dinheiro que gastei no cartório para aprontar este

papel...Agora ali na rua ouvindo os sinos e os foguetes,Cursino Cipó , caindo em si,se sentia

roubado.( Montello,1985, p. 561)

E diversos fatos interessantes foram acentuados com a informação que a abolição enfim acontecera:

“Minha Sinhá, agora se ocê quer comer, vá fazer seu jantar. O cativeiro acabou. Passe bem”. (MONTELLO,

1985, p. 563).

Outros, porém começaram a sentir a insegurança que chegou junto com a Abolição, com o medo de

não ter para onde irem: “O que vai ser de mim meu Deus, sem minha Sinhá? (MONTELLO, 1985, p. 564) E

mais: “Eu não quero liberdade, eu quero morrer escrava” (MONTELLO, 1985, p. .564), muitos não viam a

liberdade, como fim para seus problemas, porem, a maioria comemorou:

Nunca pudera imaginar que ali em São Luis, terra de Donana Jansem e Dona Ana Rosa Ribeiro, o

fim da escravidão viesse a ser recebido com tanta festa. Parecia um sonho. Senhores e Escravos

tinham se juntado nas ruas e praças, sem ódio, sem preconceito, sem lembrança de castigo, apagando

os rancores de outrora, para surgir enfim um povo livre, numa terra de irmãos (Montello,1985, p.

573)

Aos poucos a sociedade vai se acomodando, aos novos rumos, e desta forma, sempre positivo e ciente

de sua participação em favor da abolição, Damião vai mudando de sorte, parece até mesmo personagem de

tragédia grega, passando da desdita a dita. Diferente de outros personagens negros, Damião consegue resistir

ao preconceito estereotipado e além de reencontrar Benigna, seu verdadeiro amor, consegue em sua trajetória,

respeito, e não aprece como personagem submisso, mesmo às vezes passando por crises existenciais, se

sobressai e Montello muda o final da historia dos personagens negros que quase sempre são mortos

tragicamente.

Montello faz também referência aos resultados catastróficos da abolição, que deveria ser pensada,

planejada como forma dos negros saírem dela tendo o mínimo de respaldo.

O Senhor pôs o dedo na ferida, Professor. O problema não é político. É social. È essa também a minha opinião.

Também penso como o senhor quanto a abolição, já se pode sentir nestes poucos messes transcorridos depois

do treze de maio, que ela foi um movimento passional, tanto de um lado tanto do outro. Desde 1971, com alei

do ventre livre deveríamos ter adotado algumas providencias fundamentais, que permitissem a transformação

do trabalho escravo em trabalho livre. (Montello, 1985, p.580)

Diante dos fatos, Damião observa que a luta do negro por liberdade havia apenas começado, pois com

abolição o que aconteceu foi que os prejuízos que esta trouxe ao país foi resolvido com a vinda do imigrante

Europeu, mas e o prejuízo do negro escravo? De acordo com Pomar (2009, p. 65), “a abolição liquidou os

latifundiários escravistas, mas não aboliu a classe dos latifundiários...continuaram os senhores de terra , agora

renovados e representados por uma nova casta”:

Damião inquietava – se, a cidade voltava a encher – se de negros desocupados, tangidos do

interior para capital, ainda no fluxo suscitado pela noticia da liberdade... Varias vezes

Damião tinha ido a cadeia publica para pedir em favor de negros que a policia fora obrigada

a prender. Um ódio novo ia surgindo, da luta política (Montello,1985,p. 5)

E assim vai se processando os resultados da abolição:

...Tinha visto uns negros dormindo ao relento ,debaixo de uma arvore,outros ainda na

cidade,deitados no chão,sabia ainda ,pelo chefe de policia de umas rixas de pretos,para os

lados do desterro ,e quatro deles tinham sido presos,na véspera,como ladrões...estou vendo

a hora em que os negros começarão a saquear as casas ,impelidos pela fome,daqui a pouco

vão começar as chuvas,e quase todos eles dormem nas ruas...é preciso que sejam tomadas

algumas providencias rápidas pelo governo(Montello,1985,p.580)

Diferente do que Damião almejava a abolição da escravatura assinada pela princesa Izabel não livrou

seus semelhantes da discriminação racial, e das terríveis conseqüências desta, como exclusão social e a

miséria, mas as acentuaram ainda mais,não lhes deram uma terra para plantar, não tiveram acesso escola, não

lhes ofertaram alguma forma de preparo para a nova vida, seja individual ou coletiva, assim tiveram que

assumir valores que não eram os seus, tiveram que gostar do que o branco impos, tiveram que esquecer sua

musica, sua religião, sua identidade. A cultura do branqueamento teve que se tornar a sua.

Os ex - escravos foram deixados a própria sorte, de acordo com Florestan Fernandes 1995:

[...] e, além disso, sem capital social, ou seja, sem um conjunto de relacionamentos sociais

influentes, que uma família ou um individuo tem para sua manutenção e reprodução, logo

os ex-escravos perceberam que a luta pela liberdade fora apenas o primeiro passo para a

obtenção da igualdade ou, se quiser, para a igualdade racial, pois o racismo não só

permanecia como inércia ideológica, como também orientava a sociedade brasileira no pós

abolição. Tornou- se necessário lutar pela segunda abolição (Fernandes, 1995, p. 5).

Estes fatos nos remetem a Darcy Ribeiro, em sua obra Viva o Povo Brasileiro; “O espantoso é que

ainda hoje, os brasileiros, orgulhosos de sua tão aclamada como falsa, ”democracia racial”, raramente

percebem estes profundos abismos, que aqui separam os extratos sociais” (RIBEIRO, 1995, p.24). Foi a partir

da Abolição que a miséria e as diferenças sociais entre brancos e negros foram se acentuando, e ainda em

nossos dias, precisam de interferência política, como ações afirmativas, para paulatinamente irem se

resolvendo. “O mais grave é que o abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô – los, porque se

cristalizam num modo de vida, que aparta ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos. ’ (RIBEIRO,

1995, p. 24.).

Desta forma Damião segue sua vida, sem deixar de ter um olhar aguçado aos problemas que chegaram

junto com a Abolição, que não poderia deixar de ter acontecido, mas que deveria também ter sido pensada, ou

seja, a forma como foi dada é que precisava ter sido diferente, pois esta para muitos a que deveria ser motivo

de jubilo, tornou – se quase um pesadelo: “Não há pontos da cidade onde eles não estejam maltrapilhos,

cheirando mal, de olhos encovados, e já na iminência de cometerem desatino... Para abolição de cativeiro, só

se pensou na festa, não se pensou no dia seguinte” (MONTELLO, 1985, p.580).

E o tempo foi passando, a vida se transformando, e a luta por liberdade, embora diferente, continuou,

uma nova luta começou e junto com ela o anseio de que com a passagem da Monarquia para Republica algo

novo acontecesse, e Damião conseguindo resistir aos autos e baixos de sua trajetória enquanto negro vai

refletindo sua historia:

Apesar do que sofrera na infância e juventude... A sorte lhe fora propicia... Tinha sido

escravo, era agora homem livre. Socialmente viera de muito baixo, e ali se achava com sua

casa, o seu nome, a sua família. Lutara pela libertação de sua raça e vira raiar o dia da

almejada redenção. A rigor só havia amado uma única mulher... E era ela a companheira

perfeita de sua velhice. (Montello, 1985 ,p. 610)

Considerações Finais

Podemos entender a obra de Montello como caracterizada dentro do gênero Romance em sua

constituição, encontramos na mesma as características inerentes a este bem como os conflitos do personagem,

que vive suas relações de afirmação em uma sociedade preconceituosa. Observamos a representação do negro

de maneira a descaracterizar o que costumeiramente se via afinal o autor consegue retratar na figura de

Damião, o homem forte que sente saudades de sua pátria, e que conserva a beleza dos seus traços físicos,

diferente de muitos outros escritores que tentaram descaracterizar os traços africanos, existe em Montello a

preocupação em não destoar o negro de sua cultura e origem, e consegue conduzir estas descrições de maneira

a nos levar perceber o quanto o negro foi resistente diante de todos os acontecimentos de preconceito a qual

foi submetido. Desta forma o autor consegue representar toda uma época de profundas mudanças sociais

Os lábios carnudos levemente avermelhados, o nariz meio achatado, o queixo meio sumido,

o cabelo aparado rente, e a pele muito negra, de um negro tirando o fosco, confirmativa da

estirpe superior de sua raça africana e de sua força, raça de guerreiros insubmissos, muitos

ciosos de sua agilidade e de sua força, só por traição jogados um dia, no porão de um navio

negreiro, a caminho do exílio e da escravidão. (MONTELLO, 1985, p.156)

Outro fator importante da obra, é que Damião não se resignava, mas após ser trazido novamente a

fazenda quando encontrado com seus pais no Quilombo o personagem vai se tornando mais forte a cada

desilusão que sofria,com a morte de seu pai , ele se vê obrigado a cuidar do que sobrou de sua família, e

também como o pai , sente a necessidade de lutar contra os horrores da escravidão,entendendo que se haviam

tantos negros,porque não se unirem em prol de seus objetivos.

Verifica – se como Montello é compromissado com o fato de retratar o negro resiliente e que

contribuiu para que a abolição acontecesse, e ainda mais, o autor descreve com muita criatividade, sendo ou

parecendo às vezes até irônico: Minha Sinhá, agora se ocê quer comer, vá fazer seu jantar. O cativeiro acabou.

Passe bem. (MONTELLO, 1985, p. 563).

Logicamente, não podemos esquecer que estamos tratando de uma obra literária que mesmo

comprometida com uma causa social não deixa de ser arte, e talvez seja por isso que seja tão mobilizadora e

ainda mais encantadora, é perceptível na obra como o autor se preocupa em desmistificar o negro submisso,

assim podemos concluir que a literatura é lugar de todos e para todos e portanto se solidifica como Universal.

Montello reafirma fatos que tantas vezes não foram enfatizados por outros autores, como os dos

negros que não tendo para onde ir passaram a pedir esmola depois da abolição, o autor consegue retratar dois

fatores intrigantes, o negro que preferiu ficar na casa dos seus senhores, e o negro que preferiu lutar por um

lugar na nova sociedade que despontava. E mais intrigante ainda, o negro que conseguiu chegar a um posto

que na época era somente direito de brancos, mas não por incapacidade,mas por maldade e preconceito teve

que renunciar , porém não deixou de se posicionar diante dos conflitos que encontrou e conseguiu ter um final

feliz como poucos personagens negros em nossa literatura, e isso só aconteceu porque Damião, Resistiu. A

obra Os Tambores de São Luis, deste modo, denunciando os erros da pós abolição, como o descaso do Estado,

resgatando e afirmando a dívida histórica para com esta parcela da população, deu a Montello o

reconhecimento de ter sua obra traduzida para outros idiomas sendo considerada pela critica não só

nacionalmente. Confirmando assim como a Literatura local se torna Universal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. Nacional: São Paulo, 1976.

_________ A personagem do romance. In: CANDIDO, Antonio et al. A personagem de ficção. São Paulo:

Perspectiva, 1970.

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1976.

MOISES, Massaud. A Criação Literária. Melhoramentos: São Paulo, 2004

MONTELLO, Josué. Os Tambores de São Luis. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1985.

PAZ, Octavio. Signos em Rotação. São Paulo. Perspectiva, 2006.

POMAR, Wladimir. Os Latifundiários. São Paulo. Página 13, 2009.

RIBEIRO, Darcy. Viva o Povo Brasileiro. Companhia das Letras: São Paulo, 1995.