[Resenhas] Valsa Com Bashir _ Cinema é Magia

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 16/02/2015 [Resenhas] Val sa Com Bashi r | Ci nema é Magi a https://ci nemagi a.wordpress.com/2009/12/06/resenhas-val sa- com- bashi r / 1/3 . . Cinema é Magia . . Nada substitui a sala escura  [Resenhas] Valsa Com Bashir Na guerra não há vencedores. Ok, clichê. Mas Hollywood, infelizmente com poucas e boas exceções, sempre tentou revelálos, valorizálos, encher a guerra de glamour. Mas não há glamour na guerra. Não importa quem esteja certo ou errado (e quem está ?). Na verdade, não há razão na guerra. E quando um filme traz à tela mais mortes e desesperança, muitas vezes é rotulado de cruel e sanguinário, de ter “tintas fortes demais”. Na guerra, não há tintas fortes demais. Na guerra, não há razão nem emoção: nada na guerra é justificável. O roteirista e diretor de “Valsa Com Bashir”, Ari Folman, tinha apenas 19 anos quando participou do conflito que começou (como se já não acontecesse antes) em setembro de 1982, quando o presidente do Líbano, Bashir Gemayel, eleito apenas três semanas antes, foi alvo de atentado na sede de seu partido. A partir daí (e como se já não acontecesse antes), milhares de homens, mulheres e crianças morreram, e nem se pode dizer “homens, mulheres e crianças de todos os lados”, pois em geral quem morre é quem não tem nada a ver diretamente com armas ou facções, ainda que estejam vestindo fardas e carregando armas. São todos humanos, que nasceram nus, despidos das vestes das ideologias, preconceitos, crueldade, razões e irracionalidades. Folman conseguiu sobreviver à guerra e se transformou num conceituado roteirista da televisão israelense, e como cineasta decidiu voltar ao passado, correndo atrás de depoimentos de excombatentes da chamada Gu erra do Líbano e concebendo “Valsa com Bashir”, entre documentário e animação, não simplesmente como um grande conjunto de falas emocionadas, mas como uma pequena preciosidade cinematográfica entre as poucas que surgiram num século 21 ainda repleto de conflitos de todo tipo em todo o planeta. E não há esperança que isto venha a mudar. A memória é parte central na trama: mais do que notícias (ou melhor, versões) registradas em ornais e livros de história, lembrar ou não dos acontecimentos com mais ou menos detalhes não é apenas resultado da razão nem das experiências entranhadas em quem os viveu, mas das marcas que esses acontecimentos deixaram (fisicamente ? neurologicamente ?) nos cérebros e no futuro incerto de cada um. O filme deixa claro, até pelas experiências do diretor, que a memória acaba preenchendo muitos “buracos” com coisas que nunca ocorreram.

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. . Cinema é Magia . .

Nada substitui a sala escura

 

[Resenhas] Valsa Com Bashir 

Na guerra não há vencedores. Ok, clichê. Mas Hollywood, infelizmente compoucas e boas exceções, sempre tentou revelá‑los, valorizá‑los, encher aguerra de glamour. Mas não há glamour na guerra. Não importa quem estejacerto ou errado (e quem está ?). Na verdade, não há razão na guerra.

E quando um filme traz à tela mais mortes e desesperança, muitas vezes érotulado de cruel e sanguinário, de ter “tintas fortes demais”. Na guerra, nãohá tintas fortes demais. Na guerra, não há razão nem emoção: nada na guerraé justificável.

O roteirista e diretor de “Valsa Com Bashir”, Ari Folman, tinha apenas 19 anos quandoparticipou do conflito que começou (como se já não acontecesse antes) em setembro de 1982,quando o presidente do Líbano, Bashir Gemayel, eleito apenas três semanas antes, foi alvo deatentado na sede de seu partido. A partir daí (e como se já não acontecesse antes), milhares dehomens, mulheres e crianças morreram, e nem se pode dizer “homens, mulheres e crianças detodos os lados”, pois em geral quem morre é quem não tem nada a ver diretamente com armasou facções, ainda que estejam vestindo fardas e carregando armas. São todos humanos, quenasceram nus, despidos das vestes das ideologias, preconceitos, crueldade, razões eirracionalidades.

Folman conseguiu sobreviver à guerra e se transformou num conceituado roteirista datelevisão israelense, e como cineasta decidiu voltar ao passado, correndo atrás de depoimentosde ex‑combatentes da chamada Guerra do Líbano e concebendo “Valsa com Bashir”, entredocumentário e animação, não simplesmente como um grande conjunto de falas emocionadas,mas como uma pequena preciosidade cinematográfica entre as poucas que surgiram numséculo 21 ainda repleto de conflitos de todo tipo em todo o planeta. E não há esperança que istovenha a mudar.

A memória é parte central na trama: mais do que notícias (ou melhor, versões) registradas em

ornais e livros de história, lembrar ou não dos acontecimentos com mais ou menos detalhesnão é apenas resultado da razão nem das experiências entranhadas em quem os viveu, mas dasmarcas que esses acontecimentos deixaram (fisicamente ? neurologicamente ?) nos cérebros eno futuro incerto de cada um. O filme deixa claro, até pelas experiências do diretor, que amemória acaba preenchendo muitos “buracos” com coisas que nunca ocorreram.

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No fundo, a pergunta subliminar de Folman — “até que ponto será que minha/nossa memóriafoi reprimida ?” — pode ser respondida com outras duas: a primeira, intermediária e dupla,talvez seja “Como foi possível ter esquecido — será que mente tem esse dom de distorcerlembranças e criar falsas verdades por algum instinto, quem sabe, de auto‑proteção ?”… e asegunda, o fato em si, os acontecimentos em si,e eis então um pequena parcela apresentada em cenas reais na última meia hora da produção, acores, sem os traços de animação. Se o final do filme choca alguns, não será pela cruel realidade

em si, mas no fundo pela dificuldade que temos em entender a guerra, que sempre existiu nahistória da humanidade e nem mesmo por este “contexto eterno” se justifica, e pelo fato depercebermos que nenhuma abordagem cinematográfica, mesmo a excelente que “Valsa ComBashir” nos traz, é capaz de superar o fato real em si. E o fato é a matança de humanos comonós, e a matança não tem justificativa em causas, ideologias políticas, em nada. E se é precisoesquecer, é preciso não esquecer, por mais paradoxal que seja, e talvez é nesse paradoxo que asmentes de quem viveu direta ou indiretamente os horrores das guerras estejam mergulhadas.O filme de Folman as traz à tona e as desnuda, como nas cenas que retratam suas poucasrecordações: ao mar, nus, como quando nasceram.

Cinematograficamente falando, a tal realidade nua‑e‑crua dos fatos, é bom deixar claro, nãoimpede a imensa criatividade do diretor, desde a concepção da animação, a partir doselementos de “carne e osso” em estúdio e de cenas reais dos acontecimentos, até a emoção quetudo isso nos causa, tudo bem amarrado a partir de um roteiro simples e direto.

Os extras do DVD mostram como foi concebido o interessante processo de animação, e odiretor fala sobre a dificuldade em conseguir apoio para um “documentário de animação”, pelanecessidade que a ele pediam de definir o filme entre um e outro. Vencedor do Globo de Ourode Melhor Filme Estrangeiro, não deixe de assistir a este que é um dos melhores filmes

exibidos no Brasil em 2009.

Em tempo: caso você tenha chegado aqui procurando alguma resenha crítica do filme para umtrabalho escolar, lembre‑se que o nome do autor e, em especial, o estilo de quem escreve fazema grande diferença (e não enganam o professor, ainda que você mude uma parte ou outra dotexto).

Tommy Beresford

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